Filmes Disney e sua Representação Feminina

July 19, 2017 | Autor: Natalia Retamero | Categoria: Cultural Studies
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Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Letras Modernas
Prof.ª Dr.ª Maria Elisa B. P. S. Cevasco







Filmes Disney e sua Representação Feminina









Natália Bergamin Retamero nº USP: 8022281


Janeiro, 2015
São Paulo – SP
Trabalho Final do Curso Estudo Culturais
Como meio de finalizar o curso de Estudos Culturais este trabalho fará uma breve análise de alguns filmes da Disney em relação com alguns dos conceitos apresentados em aula, com foco voltado para a representação feminina nestes filmes através dos anos.
Os filmes analisados fazem parte de um conjunto de animações que trazem enredos baseados em Contos de Fadas e são comumente chamados de os filmes das "Princesas da Disney". Deste grupo foram selecionados alguns tais como: Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderella (1950), Bela Adormecida (1959), A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992), Mulan (1998), A Princesa e o Sapo (2009), Enrolados (2010), Valente (2012) e Frozen (2013).
A escolha do corpus levou em consideração o fato de que os filmes hollywoodianos, entre eles os produzidos pelo estúdio Disney, são base e superestrutura de nossa sociedade ao mesmo tempo, como sugerida por Williams, a partir de conceitos marxistas. Ou seja, estes filmes influenciam a sociedade ao mesmo tempo em que são influenciados por ela. Jameson retoma essa ideia e acrescenta que isso é uma expressão da transformação do cultural em econômico, já que a arte do cinema passa gerar lucros, e do econômico em cultural, já que uma empresa multinacional passa a distribuir cultura.
E essa distribuição de cultura, por parte de estúdios hollywoodianos, não é apenas local, ela se espalha pelos países que sofrem influência estadunidense. Por essa razão tais filmes são de conhecimento de muitos brasileiros e de cidadãos de outros países também.
Sabendo destas funções desempenhadas pelos filmes Disney pode-se explicar a diferença na caracterização da mulher vista nos filmes mais recentes em comparação com os mais antigos. Essa diferença, que atualmente levou às telas personagens femininas independentes e descontraídas, não pode ser vista como uma escolha de um estúdio em se filiar as lutas feministas. Pelo contrário, é apenas a expressão de um pensamento coletivo que não mais vê mulheres como obrigatoriamente submissas, é um exemplo de como a sociedade interfere em sua base, já que esta não mais a representa por completo.
Exemplos dessa mudança podem ser vistos quando se colocam todos estes filmes em comparação. Os primeiros trazem mulheres delicadas, ingênuas, que desenvolvem bem as tarefas do lar e são salvas por seus príncipes, basicamente um ideal de mulher defendido pelo "American Way of Life". É só em 1991 que se vê uma personagem, Bela, que não precisa ser salva, e em 1998 quando chega uma princesa que mais se assemelha a uma heroína, ou seja, que salva a si mesma e outros. E mesmo assim nestes dois exemplos elas só são felizes quando se casam. Nos filmes acima citados a única princesa que não precisa de um homem para garantir sua felicidade é Mérida, de Valente, que luta ela mesma por sua mão em casamento.
Enquanto os filmes feitos até a década de 90 parecem trazer personagens que se parecem muito, dando a impressão de serem histórias diferentes com a mesma mulher, é a partir de então que se tem uma diversificação das personagens, trazendo garotas com características mais marcadas e diversificadas. É possível notar, por exemplo, que Elsa e Anna de Frozen são personagens mais complexas que a Branca de Neve e Cinderella.
Não é apenas o conteúdo dos filmes que sofreu mudanças, a forma também teve de se adaptar à modernidade, deixando o jeito de contar histórias mais dinâmico e com mais apelo visual, com enredos que são mais complexos. Adaptações que se foram feitas necessárias para que um público acostumado a lidar com tecnologias avançadas, rapidez e a realização de várias tarefas simultaneamente aceite e compre.
Entretanto existem também semelhanças entre todos esses filmes, aspectos que não mudaram apesar da passagem dos anos, por exemplo, o conhecido "Felizes para Sempre" que está em todos os filmes, ou o fato de todos eles serem musicais. No fundo a forma foi modificada para apelar a um público moderno, ao mesmo tempo criando-o, mas ela continua baseando-se nas mesmas ideias. As músicas servem para facilitar a fixação de conceitos, já que são facilmente memoráveis e o final feliz está presente para mostrar que todos nós vamos passar por dificuldades, mas no fim tudo ficará bem, e esse ficar bem significa, na maioria das vezes, encontrar seu príncipe.
São essas mudanças e permanências que podem explicar o processo pelo qual passou o pensamento ocidental hegemônico nos últimos anos, que para se manter absorve alguns conceitos exteriores a si próprio. Dessa forma ele acaba com a individualidade de uma cultura emergente e a impede de tomar seu lugar como hegemônica. Nesse caso, a cultura hegemônica do patriarcado absorveu alguns conceitos do movimento feminista, como a independência da mulher, já que atualmente é economicamente necessário que as mulheres sejam menos submissas, e colocou em seus filmes para ajudar a disseminar essa ideia.
E esses filmes não servem apenas para reafirmar a hegemonia, como todos os filmes de Hollywood, como são dirigidos ao público infantil tem a importante função doutrinadora, que ensina logo cedo os ideais hegemônicos para que quando adultos seja difícil identifica-los como ideias que partiram de um determinado grupo com um determinado propósito e não como simples fatos, como apenas um filme. E assim meninas são ensinas a agir de acordo com o que é mostrado nesses filmes, assim como em outro meios, e dificilmente percebem isso quando são adultas.
A incorporação de culturas oriundas de fora dos Estados Unidos, que apresenta ideias de diversidade e globalização, é na verdade um modo de mistificar tal cultura, reduzindo-a a apenas alguns aspectos de sua totalidade complexa. Assim um filme que parece tratar de uma cultura islâmica, como Aladdin, traz ideias e conceitos bem norte-americanos. O mesmo acontece com Mulan e Valente e no fim nota-se que se cria um padrão no meio da diversidade.
E essa padronização não se apresenta apenas no tratamento de outras culturas, aparece também nos ideais estéticos. Em A Princesa e o Sapo, por exemplo, temos a primeira princesa da Disney negra, entretanto ela traz poucas características de uma afrodescendente. Seu nariz é fino, seu cabelo liso, entre outras coisas que no fundo querem dizer que negras são bonitas quando se parecem com brancas.
A problemática é que essa mudança na representação feminina, por mais controlada e justificada econômica e socialmente, ainda sim é uma diversidade. Ela vai mostrar para o público que existem vários tipos de garotas, mesmo não representando todos os tipos, e que todas elas têm o seu valor. É uma representação de que todas podem ser princesas, todas devem buscar a felicidade, mesmo que esse 'todas' não abarque realmente todas as garotas.
É inegável que é melhor mostrar a crianças que garotas não precisam esperar que ninguém as salve, que garotas devem escolher e conhecer as pessoas com quem vão se casar, e que elas não precisam se casar se não quiserem. E essas são coisas que estiveram presentes nos filmes mais recentes da Disney e é tudo muito interessante, mas tudo isso estava ao lado da valorização da beleza eurocêntrica e da ideia de que finais felizes são essenciais, algo que leva ao constante descontentamento com o presente.
Esta é a contradição presente neste tipo de filme, que é ao mesmo tempo algo muito bom e muito ruim. E no fim, admitir que exista algo fora do ideal branco-europeu, mesmo que não o representando em sua totalidade, é melhor que não admitir sua existência por completo. Mesmo assim é preciso ir além do apenas admitir para que exista uma mudança significativa na representação da mulher em filmes e consequentemente nos padrões de beleza e comportamento impostos as mulheres reais, para que estes deixem de existir em sua forma mais rígida.






Bibliografia
JAMESON, Fredic. "Notas sobre a Globalização como Questão Filosófica" IN: A Cultura do Dinheiro Ensaios sobre a globalização. Rio de Janeiro: 2001, Editora Vozes.
WILLIAMS, Raymond. "Base and Superstructure in Marxist Cultural Theory" IN: Problems in Materialism and Culture. Londres:2010, Editora Verso.



No texto "Base and Superstructure in Marxist Cultural Theory" de Raymond Williams.
No texto "Notas sobre a Globalização como Questão Filosófica" de Fredric Jameson.



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