FILOSOFIA ANALÍTICA DO DIREITO E DOGMÁTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

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FILOSOFIA ANALÍTICA DO DIREITO E DOGMÁTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Mauro Armindo Filho
Felipe Miranda dos Santos[1]


RESUMO
Este é um estudo em filosofia do direito. Dos problemas teóricos da
filosofia do direito, o tema deste estudo é o problema-mor da filosofia do
direito: a relação direito-moral. Especializaremos nossa filosofia do
direito. Mais claramente: este é um estudo em filosofia analítica do
direito administrativo, isto é, a relação direito-moral na dogmática do
direito administrativo. Estruturamos o ensaio em respeito ao leitor,
dividindo-o no seguinte esquema. No 1º capítulo, trata-se de um texto das
teorias da separação do direito e a moral. No 2º capítulo, trata-se de um
texto do poder judicializante do direito sobre a moral. Nos capítulos 3º,
4º e 5º, alguns textos da natureza da moral dentro do direito. No capítulo
final, uma conexão teórico-prática da filosofia do direito administrativo
na prática do Administração Pública.


PALAVRAS-CHAVE: filosofia analítica do direito; direito administrativo;
moralidade; moral; princípio; positivismo jurídico.



1 INTRODUÇÃO

Ao descreverem o princípio da moralidade adminsitrativa na dogmátiva
jurídica administrativista, juristas fazem a proposição que a moral
administrativa se distinguiria da moral geral. O problema é que a maioria
dos juristas param por aí: ainda que se trate de um projeto teórico
complexo, não analisam toda a conjuntura teórica do problema. Nesse
sentido, o objetivo teórico da pesquisa deste artigo é enfrentar as
seguintes proposições: (1) seria possível a juridicização da moral e, sendo-
o, a jurisdicização de uma moral juríridica; (2) se a proposição em (1) é
verdadeira, seria possível (e como se daria) a adminsitrativização da moral
jurídica? Assim, pretendemos contribuir para ofertarmos uma proposta de
preenchimento da lacuna teórica que a dogmática jurídica adminsitrativista
não deu conta de descrever.
A metafilosofia que usaremos é a wittgenstariana. Em seu Tractatus Logico-
Philosophicus, Wittgenstein desenvolve um projeto metafilosófico que
descreve a filosofia como um instrumento de esclarecimento lógico de
conceitos obscuros e não como um bloco de doutrinas. A filosofia não é um
fim em si mesmo. Em filosofia do direito, especialmente, a filosofia é
apenas um instrumento de racionalidade que usamos para servir o objeto
bloco-de-doutrina: o próprio direito. Este, por sua vez, estaria cheio de
conceitos obscuros que, mesmo consideravelmente usados pelos funcionários
do direito[2], poucos sabem conceituá-los com clareza e prescisão. Exemplos
seriam os conceitos de ius, erga omnes, jus cogen, ex post, ex ante, malum
in se, malum prohibitum – dentre outros, cujos esclarecimentos não nos
propomos a fazer neste ensaio.
A clareza é a virtude da retórica[3] e está para os argumentos assim como a
verdade está para os sistemas de conhecimento[4]. Wittgenstein teve esse
discernimento, em 1922, quando escreveu seu Tractatus, ao nos ensinar que
"o que podemos dizer, temos de dizê-lo claramente; e o que não pudermos
dizer claramente, não deve ser dito[5]" (WITTGENSTEIN, p. 22). Note o
leitor que o comprimisso que os analíticos têm com o conceito de clareza é
impressionantemente substancial.
Nesse sistema filosofia-trabalhando-a-favor-do-direito, dizemos que o
direito é um bloco de doutrina pleno de conceitos obscuros. Neste ensaio,
iremos nos propor a trazer esclarecimento a um desses blocos de doutrina do
direito. O problema encontra-se nos livros de dogmática jurídica
administrativista, em sua seção principiológica, na lição dos cinco
princípios constitucionais da Adminsitração Pública, quando lecionam o
princípio da moralidade, os juristas escrevem que "a moralidade
administrativa se diferencia da moral gera[6]l".
Em um universo acadêmico específico do cenário contemporâneo da academia
jurídica no Brasil, diríamos que grande parte dos leitores desses textos
aceitam esta proposição substancialmente obscura como um truísmo. Mas, se
questionados a apresentar uma conceitação lógica, clara e prescisa desta
proposição, diríamos que grande parte desses leitores não conseguiriam fazê-
lo. Aliás, diríamos que a grande parte nem consegueria discernir que esta
expressão é uma proposição e não uma afirmação absoluta.
Neste artigo, apresentaremos um projeto de reação àquilo que chamaremos de
passividade jurídico-intelectual dos leitores da dogmática jurídica
administratista brasileira. Pretendemos desafiar esta proposição seguindo o
seguinte raciocínio:
(1) Direito e Moral são dois sistemas normativos epistemológicamente
separados;
(2) Sendo epistemológicamente separados, a conexão conceitualmente possível
entre Direito e Moral é valorativa e não sistêmica;
(3) Não sendo uma conexão sistêmica, é impossível que a moral conceda
critérios de juridiciadade ao Direito;
(4) O contrário, no entanto, não é verdade: o Direito está conceitualmente
autorizado a importar para si conceitos valoritivos morais e juridicizá-
los;
Se o leitor aceitar as premissas (1), (2), (3) e (4), então as
seguintes perguntas surgirão:
(A) É possível uma moral jurídica?
(B) Sendo-o, é possível que o Direito Administrativo tenha sua moral
jurídica especializada?
(C) Sendo (A) e (B) possíveis, qual é a natureza da moral dentro do
Direito?
(D) Qual é a função da moral dentro do Direito?
(E) Qual é a estrutura da moral dentro do Direito?
(F) Quais são os limites da moral dentro do Direito?
Ao final do ensaio, pretendemos mostrar ao leitor como o discurso
moral influencia a Administração Pública em problemas práticos concretos
enfretados pelo Administrador Público no cotidiano do Direito
Administrativo - tudo através do método de teorização do tipo análise
conceitual.


2 SISTEMAS NORMATIVOS JURÍDICOS E SISTEMAS NORMATIVOS NÃO-JURÍDICOS: O
PROBLEMA DA MORAL DENTRO DO DIREITO



O conceito de normatividade não pertence à filosofia do direito. Quem
se propôs a fornecer-nos um conceito claro de normatividade foi a filosofia
moral. A filosofia política e a filosofia do direito importaram e
incorporaram este conceito para si porque, em ambos os institutos e os
discursos estudados pelas duas filosofias, o fenômeno da normatividade está
presente. O conceito de normatividade que iremos usar é o empregado pelo
professor Joseph Raz[7], em seu artigo Incorporação Pelo Direito, para
quem normatividade pode ser entendida da seguinte maneira:



Um conteúdo pode ser considerado normativo por um agente se e somente se
este agente considerar aquele conteúdo como uma razão válida para agir.
Nesse sentido, conteúdos normativos (e a normatividade com o um todo) estão
diretamente relacionados com razões para agir. (RAZ, p. 7)



Consideremos o seguinte caso hipotético. Deixemos A representar João
que é judeu. Deixemos B representar o judaísmo praticado por João. Sabemos
todos que, para alguém praticar o judaísmo, é necessário que este alguém
esteja disposto a guardar o sábado. Deixemos C representar o sábado.
Durante o sábado, a partir do entardecer da sexta-feira até o anoitecer do
sábado, nenhum judeu está autorizado a trabalhar, nem a dirigir carro,
tampouco a cozinhar. Há uma força normativa[8] que convence João que, aos
sábados, podendo trabalhar, não trabalhará e ficará em casa. Trata-se de
uma razão mais forte que João que o convence que ele deve agir de uma
maneira X e não agir de uma maneira Y. Confira-se:



A φ C C R φ C
A φ C B R φ A φ C



O professor Joseph Raz, em seu livro Razão Prática e Normas (2015, p.
31), nos esclarece o conceito de normatividade através da ideia de razões
de segunda ordem[9]:



Para explicar a forma do raciocínio nos (...) casos acima, é preciso
introduzir vários conceitos novos. Digamos que uma pessoa faça φ em razão
de que p se, e somente se, ela faz φ porque acredita que p é uma razão para
fazer φ. Uma pessoa abstém-se de fazer φ em razão de que p se, e somente
se, não for o caso de que ela faça φ em razão de que p. Em outras palavras,
uma pessoa abstém-se de agir por ma razão se ela não realiza o ato, ou o
realiza, mas não por esta razão. 'Abstém-se', aqui, é utilizado em um
sentido amplo que não implica que o agente intencionalmente eviteagir com
base na razão. Uma razão de segunda ordem é qualquer razão para agir ou
abster-se de agir com base em uma razão. (RAZ, p. 31)



A normatividade, então, seria, para Raz, qualquer fonte externa de
razões suficientemente persuasivas para convencer o indivíduo autonomo que
ele deveria φ X e ¬ φ Y ainda que seu desejo seja φ Y cuja prática ele
abdica em nome do poder normativo que o conteúdo de φ R X exerce sobre sua
racionalidade.
Mas, falemos em uma linguagem menos abstrata. Os homens, quando se
organizam coletivamente, decidiram criar sistemas normativos. Criam
sistemas de normas -- regras que gozam de normatividade -- para si e para
os outros. Esses sistemas normativos -- normatividade: convicção interna
que devemos nos comportar de determinadas maneiras em detrimento de outras
-- são numerosos, e os mais conhecidos por nós são: a religião, a política,
a ética, a moral, as tradições familiares e o Direito.
As religiões, enquanto sistema normativo, condicionam as pessoas a
uma convicção interna de que precisam se comportarem de uma maneira
específica e não de outra[10]. A moral, um outro sistema normativo, talvez
o mais famoso deles, também goza de normatividade porque ela condiciona uma
convicção (razão) às pessoas, convencendo-as que precisam se comportar de
determinadas maneiras em detrimento de outras -- exemplo: niilismo e o
kantismo[11].
O Direito também é um sistema normativo: goza de normatividade uma
vez que – novamente -- traz convicção que as pessoas precisam se
comportarem de determinadas maneiras em detrimento de outras.
Todavia, há um diferencial substancial no Direito como sistema normativo.
Quando os homens criaram os seus sistemas normativos, ao Direito decidiram
outorgar um caráter, uma característica, um fator distintivo que não
outorgaram aos demais sistemas normativos.
O que acontece é que ao Direito os homens atribuíram critério
jurídico. Diferentemente dos demais sistemas, há um fenômeno no Direito: o
fenômeno da legalidade ou da juridicidade. Ao contrário das religiões, da
política e da moral, o Direito é jurídico: goza de juridicidade.
O fenômeno da juridicidade é algo que incomodou muitíssimo a filosofia.Os
filósofos se intrigaram com a juridicidade. Tornou-se preciso teorizar
acerca de onde vem o fenômeno da juridicidade.
Eis o grande problema que o positivismo jurídico pretende enfrentar:
(i) de onde vem a juridicidade?; (ii) qual é a natureza da juridicidade?;
(iii) o que significa dizer que algo é jurídico?; (iv) quais os critérios
necessários que algo precisa necessariamente conter para ser considerado
jurídico?; por que algo conta como Direito e um outro algo não conta?; (v)
o fenômeno da legalidade; (vi) qual a função da juridicidade; (vii) qual é
a estrutura da juridicidade; (viii) quais os limites da juridicidade.
Assim, resumidamente, o positivismo jurídico se propõe a investigar o
fenômeno da legalidade: ele é uma teoria do Direito - e não uma teoria
daquilo que se faz a partir do Direito. O professor Kenneth Himma[12], em
rara entrevista concedida ao professor André Coelho[13], em seu
impressionantemente bom blog de filosofia[14], manifestou-se sobre o tema:

O positivismo é uma teoria que explica a natureza do direito. O que ele
diz, em essência, é que o direito é um produto social do princípio ao fim.
O conteúdo das regras que regulam tanto a conduta dos cidadãos quanto dos
funcionários em seus poderes como funcionários é determinado por certos
processos sociais. O direito é, como uma questão conceitual, produzido por
seres humanos por meio de certos processos sociais. Isso não implica coisa
alguma no que se refere a interpretação das leis ou da constituição. A
regra de reconhecimento define as coisas que os funcionários devem fazer
para criar ou modificar o direito; a regra de reconhecimento poderia conter
princípios que requeressem uma abordagem textualista da interpretação
constitucional ou que requeressem uma abordagem que vise identificar a
interpretação moralmente superior. Tampouco, no mesmo sentido, o
positivismo implica qualquer coisa a respeito de se os juízes têm ou não
têm uma discricionariedade quase legislativa; não se pode responder a esta
questão sem decidir se os casos difíceis envolvem uma lacuna no direito. Se
envolvem, então, parece que está sendo criado direito novo num caso difícil
– não importa qual é a sua teoria. Se não envolvem, então, pode-se
sustentar que não está sendo criado direito novo num caso difícil. Ambas as
opções são consistentes com o positivismo porque o positivismo simplesmente
não se propõe a dizer coisa alguma sobre o que distingue casos difíceis de
outros casos. (COELHO, 2016)

Dizer o que o positivismo jurídico se propõe a ser (uma teoria da
legalidade) também implica dizer o que ele não se propõe a ser: (i) teoria
da legitimidade; (ii) teoria da obediência; (iii) teoria da decisão
judicial; (iv) teoria hermenêutica; (v) teoria da argumentação jurídica.
Os positivistas dirão que, sim, todas essas outras investigações são
substancialmente importantes e válidas, mas que, no entanto, o objeto e o
interesse de investigação do positivismo não são esses outros fenômenos. O
único fenômeno que verdadeiramente interessa ao positivismo é o fenômeno da
legalidade.
Exemplo: a investigação do fenômeno da legitimidade do Direito --
justificativa moral -- é rica e importante, mas não é o objeto do
Positivismo Jurídica e nem da teoria do Direito - pertencendo à filosofia
do Direito. É importante dizer (i) o que o positivismo se propõe a ser e o
que ele não se propõe a ser porque a grande maioria das críticas ao
positivismo jurídica dar-se-á sob acusações que tentam responsabilizar o
positivismo por aquilo que ele não é responsável pois nunca se propôs a sê-
lo.


3 POSITIVISMO JURÍDICA E A SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL: REVISITANDO
HART



O cenário atual do positivismo jurídico divide-se da seguinte
maneira:

(1) Positivismo Exclusivo: a moral não tem autoridade para conferir
legalidade a nenhum conteúdo normativo;

(2) Positivismo Inclusivo: não é conceitualmente necessário que a
origem da legalidade preceda da moral -- mas é, no mínimo,
conceitualmente possível em alguns casos;

(3) Positivismo Normativo: rejeita ambos os excludentes e os
includentes e defende que a origem da normatividade jurídica precede da
prescrição da concretização de certos ideais políticos para uma
comunidade estruturada em um sistema jurídico específico[15].



Há dois tipos de teses no positivismo: (i) teses gerais; (ii) testes
específicas (teses dos exclusivos, inclusivos e normativos) Teses gerais:
(i) tese dos fatos sociais: o direito é uma criação social ou um artefato
social. O que distingue normas jurídicas de normas não-jurídicas é que
normas normas jurídicas instanciam uma propriedade que faz referência a
algum fato social. A ocorrência de uma fato social relevante, portanto, é o
que substancialmente confere juridicidade a uma norma.
Esta tese tem três versões.

Versão 1: Aplica-se somente às meta-regras (aceita por todos os
positivistas).
Versão 2: Aplica-se às regras de primeira ordem (aceita pelos
exclusivos; negada pelos inclusivos).
Versão 3: Hart dirá que pelo menos algumas regras têm que ser
criadas por certas fontes sociais autorizadas.


A Tese da Convencionalidade também tem duas versões:

(A) Versão frágil: o Direito torna-se possível por uma convergência
de (i) comportamento (atributo empírico) e (ii) atitude (atributo
normativo). Convergência de comportamento + convergência de atitude
(referencial obrigatório e reprovabilidade se descumprido).
(B) Versão forte: a regra de reconhecimento convencional é
impositiva de dever, não sendo válida, mas sendo parte do direito.

A mais polêmica das teses positivistas é certamente a tese da
separabilidade para qual a existência do direito é uma coisa. Seus méritos
ou deméritos outra. Não há uma conexão necessária entre o direito e o moral
quanto ao que confere juridicidade ao direito. O direito não adquire
juridicidade da moral. Há também as teses específicas de cada vertente
positivista. A primeira é a tese da incorporação, defendida pelos
includentes, confira-se:

Tese da incorporação: Mesmo que não haja um conexão
necessária de validação jurídica entre o direito a moral, há uma conexão
possível, que continua a não ser necessária, mas é possível
(defendida pelos inclusivos, negada pelos exclusivos).

Chegamos agora ao positivismo jurídico excludente. Prima facie, no
entanto, é preciso, antemão, pararmos para esclarecermos alguns não-
compromissos do Positivismo Jurídico Exclusivo. O PJE não nega que uma
legislação possa ser motivada por razões morais. O PJE também não negam que
juízes, em decisões judiciais, não se valham de razões morais para
fundamentarem suas decisões de casos difíceis. O PJE sequer nega que normas
jurídicas não contenham conteúdo moral -- o que seria flagrantemente falso.
A defesa principal do PJE é que a moral não tem nada a ver com a
juridicidade.
Acompanhemos algumas das teses principais:


Tese da Autoridade: Toda ordem jurídica reivindica autoridade. Significa
que, postas as normas, se considera que, quaisquer que fossem as razões que
o indivíduo teria para agir de outra maneira, ele agora encontra no que
disse a norma uma razão determinante (nos termos de Raz, excludente e
protegida) para agir do modo indicado por ela. Isso é reivindicar
autoridade. Logo, é impossível ser uma ordem jurídica e não reivindicar
autoridade. (COELHO, 2015)


Tese da Instanciação: Aquilo que não for capaz de autoridade não pode ser
uma ordem jurídica. (COELHO, 2015)

Tese da Preempção: Ter autoridade implica ter primazia sobre o juízo
individual. Nas escolhas comuns sobre como agir, agir de modo racional é
fazer um balanço de razões, isto é, pesar prós e contras e agir conforme o
lado mais pesado deste balanço. Logo, nas escolhas comuns, agir
racionalmente é agir segundo um balanço de razões. Ora, se outro indivíduo,
ou uma instituição, fornece diretivas para o indivíduo sobre como ele
deveria agir, há duas possibilidades de como se faça isso. (a) Na primeira,
a diretiva mesma será uma razão entre outras, para ser levada em conta no
balanço de razões do indivíduo e só prevalecer se o indivíduo considerar
que o lado para o qual a diretiva aponta é de fato o lado mais pesado no
balanço de razões (razões de primeira ordem). É assim que operam pedidos,
conselhos e orientações. (b) Na segunda possibilidade, a diretiva será
tomada como uma razão para abrir mão do balanço de razões e agir em
conformidade com a diretiva. É assim que operam exigências, comandos e
normas (razões de segunda ordem). Apenas no caso (b) é que se pode dizer
que o indivíduo ou instituição que dá as diretrizes tem autoridade sobre o
outro indivíduo para quem a diretriz é dada. Ter autoridade é suspender a
forma normal de agir, isto é, com base no balanço de razões, e reivindicar
que se aja em conformidade com as diretrizes dadas, quer o balanço de
razões esteja em seu favor quer contra elas. É dizer que o indivíduo deve
obedecer e agir como a diretriz lhe indicou que agisse qualquer que seja o
seu juízo individual sobre a melhor maneira de agir. (COELHO, 2015)

Vejamos um resumo das informações citadas acima:

Toda ordem jurídica reivindica autoridade. Aquilo que não for capaz de
autoridade não pode ser uma ordem jurídica. Ter autoridade implica ter
primazia sobre o juízo individual. Uma ordem que usa razões morais não tem
primazia sobre o juízo individual. Logo, com base em 3 e 4, uma ordem que
usa razões morais não é capaz de autoridade. 6. Logo, com base em 2 e 5,
uma ordem que usa razões morais não pode ser uma ordem jurídica.Resumo: Se
nenhuma ordem que usa razões morais pode reivindicar autoridade e nenhuma
ordem que não pode reivindicar autoridade pode ser uma ordem jurídica,
logo, nenhuma ordem que usa razões morais pode ser uma ordem jurídica.
(COELHo, 2015)


Por fim, gostaríamos de fechar esta seção com a tese das fontes
desenvolvida pelo professor Raz. Para esta tese, o Direito tem uma fonte se
seu conteúdo e existência podem ser determinados sem usar argumentos
morais, mas permitindo argumentos sobre visões morais de pessoas. As fontes
do direito não são singulares (não apenas projetos de lei, por exemplo),
mas incluem fontes interpretativas, isto é, todo o material interpretativo
relevante.


4 MORAL JURÍDICA VERSUS JURÍDICA MORAL



Se aceitarmos os argumentos dos excludentes (quais este artigo
defende) e se rejeitarmos os argumentos dos includentes (quais este artigo
rejeita), estaríamos diante da seguinte pergunta: se é impossível que a
moral confira juridicidade a uma conteúdo normativo não-jurídico e que esta
juridicidade só pode ser conferida por fontes institucionalizadas
autorizadas e autorizadoras de juridicidade, seria possível que o contrário
acontecesse, isto é, o Direito, através de suas fontes institucionalizadas,
tornar um conteúdo valorativo moral juridicamente válido em um sistema
normativo jurídico institucionalizado ainda que a moral seja um outro
sistema normativo não-jurídico e não institucionalizado?
Ao nosso ver a resposta é sim porque, se aceitarmos que a legalidade
procederá unicamente das fontes institucionalizadas autorizadas e
autorizadoras da juridicidade de um sistema jurídico existente, o que
importa para tornar algo jurídico é o procedimento institucional do tornar-
a-coisa-normativa-jurídica -- e não o conteúdo que o sistema queira tornar
jurídico. Assim, sendo o Direito um sistema normativo cuja a existência é
uma convenção humana do seu início ao fim, os homens, manipuladores do
Direito, tornam jurídico o conteúdo que lhes aprouver -- até mesmo uma
imoralidade. Atenção: tornar uma imoralidade jurídica não enseja
absolutamente nada na obediência cega dessa nova norma jurídica -- Raz
mesmo defende a desobediência civil de leis injustas.


6 CONCLUSÃO

Voltemos agora às perguntas quais nos comprometemos a responder no
início deste texto. Fizemos as seguintes:



(1) é verdadeira, seria possível (e como se daria) a
adminsitrativização da moral jurídica?;

(2) É possível uma moral jurídica?

(3) Sendo-o, é possível que o Direito Administrativo tenha sua moral
jurídica especializada?

(4) Sendo (1) e (2) possíveis, qual é a natureza da moral dentro do
Direito?

(5) Qual é a função da moral dentro do Direito?

(6) Qual é a estrutura da moral dentro do Direito?

(7) Quais são os limites da moral dentro do Direito?



Resposta de (1) e de (2): sim, considerando-se que toda a
juridicidade precede de fontes sociais institucionalizadas , pouco importa
qual é o conteúdo normativo que o sistema jurídico desejará juridicizar.
Assim, querendo tornar jurídico alguma normatividade moral, mesmo que a
moral seja um sistema normativo não-jurídico, é conceitualmente possível
que o Direito o faça -- evidentemente que a moral não poderia fazer o
mesmo, mas este não é, e não foi, o problema que este artigo se propôs.
Resposta de (3): não, não existe uma moral especializada do Direito
Administrativo que se diferencie da moral enquanto sistema normativo não-
jurídico. O que há são variações de intensidade normativa dentro dos vários
sistemas morais de cujas fontes o Direito importa conteúdo normativo para
tornar jurídico. Se o conteúdo é mais rígido ou mais flexível, isso pouco
importa do ponto de vista da juridicização do conteúdo per se.
Resposta de (4), de (5), de (6) e de (7): quando o sistema jurídico
decidiu tornar jurídico certos conteúdos morais específicos para a
Administração Pública, o Direito estava, através da juridicização deste
conteúdo, tentando prover razões de segunda ordem que levassem os
Administradores Públicos abdicarem seus desejos, trocando-os pelo nova
razão autoritativa porque lhes seria melhor agir pela nova razão ao invés
de colocar suas razões de primeira ordem em prática na execução da
Adminsitração Pública.


ANALYTIC JURISPRUDENCE AND ADMINISTRATIVE LAW



ABSTRACT
This is a study in the philosophy of law. Out of the major issues legal
philosophy deals with, we have chosen to work with the epitomic theorical
problem in 20th century anglo-american analytic jurisprudence: the law-and-
morals relation. However, we shall specialize our legal philosophy in this
paper. More clearly: this is a study in the analytic philosophy of
Administrative Law. In order to make the read more delightful for our
readers, we have decided to structure our article in the following way. In
the first chapter, we shall revisit Legal Positivism's Separation Thesis.
In the second chapter, we shall approach that the the non-power morality
has upon legality does not entail a non-power of law upon morality. In the
subsequent chapters -- 4th, 5th, and 6th --, we shall work on the
philosophical foundations of how morality works in law. In the last
chapter, we shall give a practical tone to the article, namely, we shall
link some of our ideas to practical issues in contemporary Administrative
Law.

KEYWORDS: analytic legal philosophy; administrative law; morality; morals;
principles; legal positivism.


REFERÊNCIAS



BANDEIRA, Celso. Curso de Direito Administrativo, Editora Melherios: São
Paulo, 2013.



HART, Hebert. Conceito de Direito. Coimbra: Livraria Almedina, 1998.


HART, Hebert. Legal Positivism and the Separation of Law and Morals,
Harvard Law Journal: Cambridge, 1958.


WALUCHOW, Wilfrid. Inclusive Legal Positivism, Oxford University Press.


RAZ, Joseph. Razão Prática e Normas. Oxford University Press.


RAZ, Joseph. Authority of Law. Oxford University Press.


WALUCHOW, Wilfrid. Inclusive Legal Positivism, Oxford University Press.


WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-philosophicus.


-----------------------
[1] Professor-orientador da Universidade Vale do Rio Doce - UNIVALE


[2] Expressão usada pelo professor Joseph Raz - no idioma original: "law
officials".
[3] Nosso conceito de retórica é o utilizado pelo professor Olivier
Reboul em seu livro "Introdução à Retórica", isto é: a retórica é a arte de
convecer pelo argumento.
[4] A segunda parte deste argumento ("a verdade está para os sistemas de
conhecimento") é de autoria do professor John Rawls em seu livro "Uma
Teoria da Justiça".
[5] WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico-Philosophicus (1922).
[6] Expressão adotada pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello e
usada pelos seus seguidores.
[7] Professor de filosofia moral, filosofia do direito e de filosofia
política da Universidade Columbia em Nova Iorque, EUA.
[8] Raz chama esta força normativa convencedora de razões.
[9] Razões de Segunda Ordem: principal conceito desenvolvido por Raz
para defender o Positivismo Jurídico Excludente: aquele quem diz que
validade jurídico é totalmente independente da validade moral.
[10] Exemplo do João mais acima.
[11] Se A aderir ao sistema moral do niilismo nietzscheano, logo, A irá
rejeitar a ética do dever do kantismo. E se B aderir ao sistema moral do
katismo, logo, B irá rejeitar o niilismo kantiano em detrimento do
kantismo.
[12] Professor de filosofia do direito da Universidade de Washington
(EUA).
[13] Professor de filosofia do direito do Centro Universitário do Pará.
[14] http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/
[15] Neste artigo, não entraremos nos problemas do positivismo normativo.
Para mais informações, sugerimos a leitura da obra do professor Jeremy
Waldron: professor de filosofia do direito da faculdade de direito da
Universidade de Nova Iorque,
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