FILOSOFIA DO DIREITO PROCESSUAL E PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO DIREITO

June 7, 2017 | Autor: H. Garbellini Carnio | Categoria: Direito Processual Civil, Teoria do Direito, Filosofia do Direito, Teoria Geral do Processo
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Filosofia do direito processual e procedimentalização do direito

FILOSOFIA DO DIREITO PROCESSUAL E PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO DIREITO Revista de Processo | vol. 231/2014 | p. 367 - 378 | Mai / 2014 DTR\2014\1797 Henrique Garbellini Carnio Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP. Professor Titular Permanente do Programa dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp). Advogado. Área do Direito: Processual; Filosofia Resumo: O presente artigo tem o escopo de discutir no atual cenário dos estudos do direito a possibilidade de se viabilizar um diálogo sobre a importância de uma filosofia do direito processual e como ela se relaciona e pode contribuir com a filosofia do direito e ainda com a própria filosofia. Além disso, o texto leva em conta, para concluir sua proposta, o conceito de procedimentalização do filósofo Rudolf Wiethölter com o objetivo de evidenciar que as respostas do processo não são simplesmente dadas, mas sim, passam a ser construídas. Palavras-chave: Filosofia - Filosofia do Direito - Filosofia do Direito Processual Procedimentalização do Direito. Abstract: This article has the scope to discuss the current situation of studies of law the possibility of facilitating a dialogue on the importance of a philosophy of procedural law and how it relates to and can contribute to the philosophy of law and with philosophy itself. Moreover, the text takes into account, to complete its proposal, the concept of the proceduralizing created by the philosopher Rudolf Wiethölter with the scope of evidence that the answers of the process are not simply given, but rather, are being built. Keywords: Philosophy - Philosophy of Law - Philosophy of Procedural Law - Proceduralizing of law. Sumário: - 1.Introdução - 2.Entre o conhecimento científico e o conhecimento filosófico - 3.A importância da filosofia do direito processual - 4.Epílogo: a pós-modernidade e a importância da procedimentalização do direito - 5.Referências bibliográficas

Recebido em: 05.03.2014 Aprovado em: 25.03.2014 1. Introdução Não são muitos os autores que até hoje – mesmo de maneira diletante – fizeram referência a uma filosofia do direito processual.1 A nosso ver, com o intuito de ampliar essa realidade e revelar a importância de uma filosofia do direito processual, a primeira questão que parece ser a mais relevante de se colocar é: o que diferencia o estudo filosófico do processo daquele científico? Tal questão remete a outra pergunta, qual seja: qual seria um estudo científico sobre o processo? Em conjunto, ambas as questões já identificam parte do que se entende como próprio de uma filosofia do direito processual. Responder a tais questões invoca a dimensão de se discutir o que seria o específico do conhecimento filosófico diante daquele científico e ainda o da especificidade de um conhecimento filosófico sobre o processo diante daquele da filosofia do direito, e assim por diante. 2. Entre o conhecimento científico e o conhecimento filosófico Um dos primeiros pensadores gregos que se referiu ao tema da ciência foi Aristóteles, concebendo a ciência como o conhecimento da coisa como ela é, ou seja, o conhecimento de sua necessidade, de suas causas e relações. A definição aristotélica demonstra que para os gregos o conhecimento científico era de validez universal e que captava a essência dos fenômenos. Para o processo deste Página 1

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conhecimento, o instrumento, o método, inicialmente utilizado era a lógica formal e a matemática. O interessante de se notar é que Aristóteles, por mais que se refira a um conhecimento científico, afirma também que existia um conhecimento que era efetivamente ético e pragmático, a prudência. Esse tipo de conhecimento se referia ao valor e utilidade das coisas, sendo destinado para a produção de um padrão capaz de avaliar a correção e justeza do comportamento humano. Enquanto o instrumento básico do conhecimento científico era o pensamento lógico formal e matemático, na práxis prudencial o instrumento básico seria a dialética, que consistia numa técnica para confrontar opiniões contraditórias.2 O pensamento grego sobre a ciência ficou tematizado também na Idade Média e somente na Idade Moderna, com a “revolução das ciências” é que se passa a ter um sentido de estudo científico como ideia técnica que irá se incorporar plenamente em nossa atual sociedade, na qual há efetivamente o predomínio de um pensamento – e forma de vida – predominantemente técnico-científico. Segundo Karl Popper os pontos fundamentais para o conhecimento científico (natural) seriam:3 Primeiro, que ele parte dos problemas, tanto dos problemas práticos como dos teóricos (exemplo de um problema importante de natureza prática é a luta da medicina contra os sofrimentos evitáveis, advertindo que tal luta já teve algumas consequências consideráveis, como a relação entre a explosão demográfica e a ideia do controle de constitucionalidade). O segundo seria que o conhecimento é uma procura da verdade – a procura de teorias explicativas, objetivamente verdadeiras. Já o terceiro, por fim, de que o conhecimento não é a procura da certeza. Errar é humano – todo o conhecimento humano é falível e, consequentemente, incerto. Disso decorre que se deve estabelecer uma distinção rigorosa entre verdade e certeza. A partir destas considerações fundamentais, Popper vai definir que o saber científico é sempre hipotético, um saber conjectural, cabendo ao conhecimento científico o método crítico, que seria oposto ao conhecimento dogmático, e serviria como um método de pesquisa e de eliminação do erro ao serviço da busca da verdade. O questionamento principal que vai ser colocado na modernidade em termos de um predomínio técnico-científico da vida se relaciona com o crescente desenvolvimento dessa sociedade e a complexidade que ela envolve. Essa realidade acaba oferecendo situações que tornam as ciências na sua forma usual de trabalho um tanto quanto obsoletas ou, no mínimo, insuficientes em certos casos, por não se conseguir oferecer solução para problemas novos que surgem e precisam ser resolvidos. É nesse ambiente que se inserem e surgem as novas ciências – e novos ramos do direito também enquanto estudado cientificamente – como, por exemplo, a ecologia, a bioética, genética etc. Daí que surge a importante noção de paradigma cunhada por Thomas S. Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas, na qual se afirma que o paradigma de uma ciência pode ser definido como o conjunto de valores expressos em regras, tácita ou explicitamente, acordadas entre os membros da comunidade científica. Ao paradigma também se integra uma determinada concepção geral sobre a natureza dos fenômenos estudados por dada ciência, bem como sobre os métodos e conceitos mais adequados para estudá-los. Por essa caracterização explica-se o fato de que os paradigmas, tal como outras ordens normativas, entrem em crise e se rompam por meio de revoluções quando não se consegue a partir deles se explicar certas “anomalias”. A questão, então, seria ultrapassar a problemática dessas “anomalias”, com a tentativa de criação de uma capacidade de se romper com os paradigmas vigentes nas mais diversas ciências, ou no mínimo, gerar uma “crise de paradigmas” pelo fato de não oferecer explicações suficientes e satisfatórias aos problemas ocorrentes.4 Por outro lado, quanto à filosofia compreender seu sentido, nos remete a uma questão (muito bem Página 2

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colocada pelo filósofo alemão Martin Heidegger): “que é isto – a filosofia?”.5 A abordagem heideggeriana retorna ao sentido originário da filosofia buscando as raízes, a atitude do filosofar, bem como o seu fim e começo. Do sentido grego apreende o ponto de partida inicial para o caminho de uma discussão acerca da filosofia. Há uma ligação nomeada pela palavra filosofia ao diálogo que se dá em relação a uma tradição historial. Assim, a questão acerca da filosofia é carregada de historicidade e não simplesmente de cunho histórico, ou seja, carrega em si um destino, nosso destino, uma questão historial de nossa existência. A filosofia se insere nesse sentido na perquirição da procura do que é o ente enquanto é, ela está a caminho do ser do ente, do ente sob o ponto de vista do ser. Assim a pergunta sobre a filosofia nos leva para uma resposta filosofante que se inicia e se abre no diálogo com os filósofos. A resposta à filosofia é muito mais a cor-respondência que corresponde ao ser do ente. Enfim, o que se quer dizer é que não se encontra a resposta da questão (“O que é a filosofia?”) por meio de enunciados históricos sobre as definições da filosofia, mas por meio do diálogo com aquilo que se nos transmitiu como ser do ente. Daí a importância a que se refere Willis Santiago Guerra Filho ao identificar o sentido da filosofia, do pensamento filosófico, a partir e em comparação com a época atual, cuja forma de pensamento dominante é a técnico-científica. Assim, é preciso entender que a filosofia não pode simplesmente elaborar assertivas com pretensão de serem verdadeiras, mas também não deve limitar-se a emitir meras opiniões, tornando-se “filodoxia” (diletantismo intelectual que se satisfaz apenas em suscitar problemas filosóficos, sem pretender chegar a conclusões que possam ser universalmente aceitas), solipsismo, uma “questão de gosto”, livre de qualquer parâmetro racional de avaliação de seus resultados, pois isso a tornaria mera ideologia.6 Essa identificação da filosofia e da própria responsabilidade e atitude filosófica que ela invoca remete para os objetivos principais do texto, a serem desenvolvidos na sequência, a saber: a contribuição de uma filosofia do direito processual para a própria filosofia, e também para o entendimento de uma crise da filosofia no direito. A crise da filosofia se manifesta nos tempos atuais em seu sentido e em relação à sua autonomia, tempos estes entendidos como pós-modernos ou mesmo hipermodernos, que se contextualizam numa abertura filosófica pós-metafísica e até mesmo pós-filosófica.7 Nesse contexto de abertura filosófica, surge o pensamento da filosofia do (no) direito e sua correspondente crise, que indaga sobre a possibilidade de uma filosofia do direito e não simplesmente de uma filosofia dos juristas. Isso faz surgir uma perquirição filosófica sobre a compreensão da própria filosofia do direito tout court em relação aos seus aportes teóricos, práticos e acadêmicos.8 3. A importância da filosofia do direito processual A constituição e o reconhecimento de uma filosofia do direito processual se apresentam como das mais atuais e importantes contribuições para o direito, principalmente hodiernamente, em que as reformas e atualizações processuais são necessárias e fundamentais para o exercício e aplicabilidade do direito. Nesse sentido a filosofia do processo, ou seja, uma filosofia do direito processual é o instrumento essencial para possibilitar a reflexão sobre o sentido do direito processual e fornecer um subsídio diferenciado na compreensão de sua aplicação e na exploração dos limites de sua efetividade. Na verdade, a compreensão da filosofia do processo se identifica com o sentido da própria filosofia e da responsabilidade e atitude filosófica que ela invoca. Isso remete a reflexão para duas indagações centrais: a primeira sobre a possibilidade de contribuição de uma filosofia do direito processual para a própria filosofia, o que acaba por identificar o sentido da filosofia do processo, e a segunda, em consequência e relação com a primeira, sobre o entendimento de uma crise da filosofia no direito e como isso repercute diretamente no seu sentido processual. O pensamento sobre uma filosofia do direito processual inaugura uma atitude em si filosófica Página 3

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fundante. Essa fundação, esse estabelecimento de algo novo em filosofia, possibilita uma nova fonte, uma nova abertura de conhecimentos para a ciência jurídica, bem entendido também especificamente para uma ciência processual, e também essencialmente, para uma filosofia geral.9 A filosofia do direito processual reconhece um ambiente diferenciado de perquirição sobre o processo. Ele possibilita a diferenciação do estudo filosófico do processo daquele científico e isso implica, já, a questão do próprio saber científico do processo, ou seja, identifica a questão filosófica pela qual se abre uma filosofia do direito processual. Surge, nesse sentido, a contribuição da filosofia do direito processual para a própria filosofia, que se lança em vários caminhos a serem percorridos e previamente encontrados no diálogo filosófico, ou seja, há um implemento prático e de aplicabilidade filosófica por meio da filosofia do direito processual que possibilita um revigoramento da filosofia em geral. Questões práticas sociais são atingidas na abertura de um diálogo filosófico inovador, possibilitando novos rumos, o que contribui sobremaneira para uma discussão que deve visar ir além10 da manutenção do status quo filosófico e remete a questão à própria filosofia do direito que também assim pode ser implementada. A filosofia geral recebe atitude e responsabilidade filosófica por meio de uma filosofia do direito processual que levada adiante possibilita uma prática tanto filosófica quanto do direito mais aprimoradas de acordo com as necessidades sociais. Isso faz aparecer também um sentido muito importante, tanto para a teoria do direito quanto para a teoria do processo em razão de ratificar o enfoque epistemológico que permeia o estudo do direito em relação à responsabilidade e função social daqueles que sobre ele se debruçam. Enfim, há uma possibilidade de potencialização da filosofia geral por meio da filosofia do direito processual, tendo em vista uma averiguação e identificação do mundo que ela (de)mo(n)stra. Dessa forma, a filosofia passa a se mostrar capaz, de maneira unívoca com várias possibilidades, de contribuir para o esclarecimento de questões prementes na organização da vida humana e, assim, possibilitar uma atitude no sentido construtivo da práxis. Como afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “através da práxis, a razão se liberta de sua autoalienação na teoria”.11 Dessa maneira, uma filosofia do direito processual precisa, de plano, justificar sua existência perante a já estabelecida filosofia do direito. Na realidade, no âmbito da filosofia do direito é que se pretende destacar a especificidade de uma filosofia do direito processual. Parece-nos não haver problema algum partir da indagação filosófica do direito e seccionar em campos específicos – de especialidades – a ponto de se chegar à prática de uma filosofia do direito processual, como também poderia haver uma filosofia do direito tributário, do direito penal e outras mais. Ademais, analisando pormenorizadamente, o direito processual não é simplesmente um “ramo” do direito, mas uma dimensão. Isso sugere a possibilidade de se situar a filosofia do processo em um ponto interseccional de uma grande divisão da filosofia jurídica em filosofia do direito privado e filosofia do direito público (e do Estado) e de saída mostrar que estes dualismos como processual/material e público/privado precisam ser superados para além das visões tradicionais usualmente voltadas sobre eles. Atualmente, a dicotomia direito público e direito privado, por mais que não tenha que ser completamente abandonada, não pode mais se sustentar na total separação entre Estado e sociedade, afinal, essa radical distinção não se opera no Estado Constitucional. Rosa M. A. Nery sublinha que, no plano ideológico, o direito privado deve ser visto como o ordenamento que possui as regras protetivas do cidadão contra o Estado e contra o arbítrio de grupos. Ou seja, ele tem por escopo prevenir ingerências indevidas nas esferas dos particulares e a intromissão arbitrária da autoridade na liberdade das pessoas.12 Nessa perspectiva, a citada jurista conclui pela importância do dualismo afirmando que: “Se de um lado o direito público respeita à estrutura mesma do poder, de onde emana a ordem necessária para a construção e mantença do próprio sistema jurídico, o direito privado se volta para o elemento mais importante desse sistema, que é o homem. Se de um lado a estrutura dePágina poder 4

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precisa sempre encontrar motivo e razoabilidade para o seu existir e para o seu regular e eficiente funcionamento, de outro não se pode negar ao ser humano a realização de sua humanidade, no seio da sociedade (estruturada) a que pertence.”13 Atualmente, em virtude da estruturação do Estado Constitucional e da influência constitucionalismo, a dicotomia direito público e direito privado sofreu profunda reformulação.

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De forma simplificada, o Estado Constitucional pode ser definido pela soberania popular, isto é, o poder do próprio Estado advém da sociedade, pela divisão de poderes, se caracteriza pela dignidade humana como premissa antropológico-cultural, pelos direitos fundamentais e tolerância, pela pluralidade de partidos e a independência dos tribunais.14 Certamente com essa postura – teorético-filosófica – não se cairá mais também nos engodos da mera separação entre direito material e processual, pois em termos de interpretação jurídica é impossível que se separe o plano teórico do prático. Na realidade, os planos que envolvem o direito material e o direito processual são circulares (relacionais). Com isso, rompe-se com o dualismo que inicialmente entendia o plano material mais importante do que o plano processual – antes, de modo retrógrado denominado como adjetivo –, ou mesmo na necessidade de um destacamento apenas do plano processual.15 É com esse reconhecimento e aporte que se pode, por exemplo, enfrentar a questão da autonomia de um direito processual constitucional e como ele é o responsável por oferecer a possibilidade e os instrumentos da abertura interpretativa do texto da constituição aos seus intérpretes. Da mesma forma, o reconhecimento destas instâncias nos mostra que a filosofia do direito processual é também claramente aí reconhecida, sendo o referencial, o norte, para o trabalho crítico de se compreender o processo num plano dimensional, superando os modelos estritamente formalistas que o colocavam numa situação de algo como complementar, adjetivo, além de projetar o estudo do processo para uma nova visão, imbuída hermeneuticamente para o sentido da norma e seu texto e para a realidade destacada dos casos concretos. 4. Epílogo: a pós-modernidade e a importância da procedimentalização do direito Com a elevada complexidade e velocidade no surgimento das inovações na sociedade e a superação no âmbito jurídico do rigorismo do positivismo jurídico com a afirmação dos princípios jurídicos, surge uma reflexão muito importante sobre o sentido da afirmação dos próprios princípios jurídicos e a necessidade de uma procedimentalização do direito. A procedimentalização do direito, nesse contexto pós-moderno, promove um resgate, uma nova forma de se conceber o processo e a própria constituição que passa a ser centrada na ideia do processo, na ideia de possuir ela também uma ambiência processual. As bases com as quais se propõe essa procedimentalização do direito foram desenvolvidas pelo jusfilósofo frankfurtiano Rudolf Wiethölter. Para ele, o direito em seu desenvolvimento nas sociedades pós-industriais, na pós-modernidade, ingressa numa fase caracterizada por uma necessidade de procedimentalização (Prozeduralisierung) em seu modo de manifestar-se.16 Há, com ela, a consumação da superação dialética dos dois períodos definidos na sociedade civil moderna por Max Weber em sua teoria sociológica, como uma tendência à formalização do primeiro e materialização do segundo que predomina no direito moderno. O exercício de consumação do direito nos moldes até então expostos e enquadrados na sociedade da época se torna insuficiente diante dos atuais reclames a que ele deveria se destinar. Há uma falência política do direito de suprir os reclames básicos e coletivos da sociedade, que se estende no âmbito processual constitucional diante da discussão dos direitos fundamentais nas esferas de concretização dos direitos tanto individuais como coletivos. A resposta a esse momento e a essas questões pode ser dada a partir do estabelecimento de procedimentos que garantam, pelas suas características, a função sociopolítico que eles assumem no contexto para que se chegue às decisões. De qualquer maneira, o importante é compreender que por meio da procedimentalização as respostas para o processo não são mais simplesmente dadas, mas sim passam a ser construídas; Página 5

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não há uma verdade ou decisão já pronta, escondida no processo, na verdade ela se dá na construção e no desenvolvimento do processo. Nesse contexto, diante da necessidade da procedimentalização como uma resposta aos agouros tanto da sociedade como do direito, a reflexão sobre a adoção de um procedimento que possibilite e traga uma resposta, uma decisão num sentido prático para a vida humana se pauta na afirmação e compreensão dos princípios jurídicos.17 Enfim, com a compreensão da importância de uma filosofia do direito processual em conjunto com o sentido da necessidade de procedimentalização do direito, o estudo do direito ganha novo enfoque, mais crítico e com maiores possibilidades de investigação e perquirição. 5. Referências bibliográficas ADOMEIT, Klaus. Der gerichtliche Prozess in der Sicht der Rechtstheorie. AcP. n. 174, 1974. ARISTÓTELES. Arte retórica. Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro: Tecnoprint, 1979. CASTANHEIRA NEVES, António. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003. GRUNSKY, Wolfgang. em Zur Bedeutung der Logik für das Verstandnis des gerichtlichen Erkenntnisverfahren. JZ. n. 29. 1974. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2002. ______. Para uma filosofia da filosofia. Fortaleza: UFC/Casa José de Alencar Programa Editorial, 1999. ______. Teoria processual da Constituição. 3. ed. São Paulo: RCS, 2007. ______; CARNIO, Henrique Garbellini (colaborador). Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional. Buenos Aires: Astrea/Depalma, 2007. HEIDEGGER, Martin. Que é isto – A filosofia? Petrópolis: Vozes, 2006. KHUN,Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. Trad. César Mortari. São Paulo: Unesp, 2006. NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1990. PAJARDI, Piero. Processo al processo: esperienze personali, libere annotazioni, riflessioni sparsi, di un giurista-guidice su filosofia, ideologie, modelli, miti, realtà, operatori, strutture, prassi del processo. Padova: Cedam, 1985. POPPER, Karl. La ciencia: conjeturas y refutaciones (1965). Buenos Aires: Paidós, 1967. WIETHÖLTER, Rudolf. Entwicklung des Rechtsbegriffes. Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtstheorie. n. 8. 1982.

1 No Brasil, é referência no assunto Willis Santiago Guerra Filho que chegou a dedicar estudos concretos e específicos sobre o tema, que além de aparecer esparso em toda sua obra, contou com análise específica na obra A filosofia do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. São Paulo: Atlas, 2002. No estrangeiro, alguns autores mais antigos Página 6

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aludem a uma filosofia do processo, podendo-se destacar entre eles: PAJARDI, Piero. Processo al processo: esperienze personali, libere annotazioni, riflessioni sparsi, di un giurista-guidice su filosofia, ideologie, modelli, miti, realtà, operatori, strutture, prassi del processo. Padova: Cedam, 1985. p. 8; RODIG, Jürgen. Die Theorie des gerichtlichen Erkenntnisverfahren: Die Grundlinien Des Zivil, Straf– Und Verwaltungsgerichtlichen Prozesses. Berlin/Heildelberg/New York: Springer, 1973; ADOMEIT, Klaus. Der gerichtliche Prozess in der Sicht der Rechtstheorie. AcP. n. 174, 1974. p. 407 e ss.; GRUNSKY, Wolfgang. em Zur Bedeutung der Logik für das Verstandnis des gerichtlichen Erkenntnisverfahren. JZ. n. 29. 1974, p. 750 e ss. 2 ARISTÓTELES. Arte retórica. Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro: Tecnoprint, 1979. p. 33, cap. 19, n. IV, 12. 3 Sobre toda a exposição neste tópico sobre Popper, cf.: POPPER, Karl Em busca de um mundo melhor (1. ed.: 1989; 2. ed.: 1989; 3. ed.: 1992. Seria ainda esclarecedor a seguinte passagem: “[Se quiere] distinguir entre la ciencia y la pseudo-ciencia, […].” (§ I, p. 57) “(…) el problema que traté de resolver al proponer el criterio de refutabilidad no fue un problema de sentido o significación, ni un problema de verdad o aceptabilidad, sino el de trazar una línea divisoria (en la medida en que esto pueda hacerse) entre los enunciados, o sistemas de enunciados, de las ciencias empíricas y todos los otros enunciados, sean de carácter religioso o metafísico, o simplemente pseudo-científico. Años más tarde, probablemente en 1928 o 1929, llamé a este primer problema el ‘problema de la demarcación’. (…)” (§ II, p. 63-64). POPPER, Karl. La ciencia: conjeturas y refutaciones (1965). Buenos Aires: Paidós, 1967, cap. 1, § I-X, fragmentos. 4 KHUN, Thomas Samuel. A estrutura das revoluções científicas. Trad. César Mortari. São Paulo: Unesp, 2006. 5 HEIDEGGER, Martin. Que é isto – a filosofia? Petrópolis: Vozes, 2006. 6 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Para uma filosofia da filosofia. Fortaleza: UFC/Casa José de Alencar Programa Editorial, 1999. 7 CASTANHEIRA NEVES, António. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003. p. 7-19. 8 A partir destas considerações iniciais, cabe então propor quais seriam as principais características possíveis de ser destacadas sobre o conhecimento filosófico: 1. Reflexividade da filosofia: sua reflexividade, significa que ela, a filosofia, se coloca como objeto a ser conhecido por ela própria. A filosofia permite uma instância constantes de indagação constante e permanente de si mesma e de tudo o mais que o ser humano produz e adquire em termos de conhecimento; 2. Circularidade da filosofia: a circularidade serve para indicar o fato de que não há, em filosofia, como há na ciência, um “progresso do conhecimento”, pois sempre se volta às mesmas questões, que em tempo e lugar diferentes requerem respostas diversas, sem que, por isso, perca-se o interesse pelas respostas dadas pelos filósofos de outros tempos e lugares; muito pelo contrário, pois dessas respostas, ao se recolocarem as perguntas que a suscitaram, extraem-se esclarecimentos antes ainda não percebidos; 3. Busca de totalidade de explicações: a filosofia tudo pretende explicar, numa investigação globalizante, ao contrário da ciência, com sua marcada tendência à especialização (e consequente fracionamento) do conhecimento; 4. Pensamento conjectural: segundo Platão, conjectura é o menor grau de conhecimento sensível, aquele que tem por objeto as sombras e as imagens das coisas, assim como a opinião, no mesmo grau sensível, tem por objeto as próprias coisas (Rep., VI, 510 e 511). Nicolau de Cusa retomou essa palavra para indicar a natureza de todo conhecimento humano, que, como conjectura, seria um conhecimento por alteridade, isto é, que remete ao que é outro, à verdade como tal, e só por essa razão está em relação com a verdade e dela participa. Desta forma, portanto, o conhecimento filosófico, portanto, se lança na perspectiva de um saber reflexivo, especulativo e crítico apto a fornecer subsídios e elementos para as instâncias da vida humana em todas as suas projeções. Sobre tudo isso, cf.: GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (colaborador). Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3-4. 9 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. 3. ed. São Paulo: RCS, 2007.

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p. 38-39. 10 Em sua perquirição sobre a filosofia, Heidegger a coloca na crítica à instrumentalização da linguagem, tendo em vista sua radicalização de uma hermenêutica existencial carregada de historicidade e que, portanto, transforma a linguagem em centro de discussão por meio da ideia da destruição da ontologia tradicional. 11 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1990. p. 20. 12 NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 172-173, n. 44.1. 13 Idem, n. 44.2, p. 175. 14 HÄBERLE, Peter. El Estado constitucional. Buenos Aires: Astrea/Depalma, 2007, p. 83, § 2.º. 15 A relação entre Constituição e Processo na realidade de um movimento pós-moderno, contextualizando com o conceito pós-positivista apresentado na obra pode ter ampliada a discussão, nos seguintes termos: “O vínculo ligando constituição e processo, que na época atual – como dissemos, já apelidada de ‘pós-moderna’ – se mostra tão pronunciado, é uma decorrência natural do novum histórico instaurado pela modernidade, no terreno jurídico-social: a consagração da vitória na luta para revolucionar a organização política pela redação de um texto constitucional, i.e. ‘constitutivo’ de uma nova ordem jurídica (…). O movimento histórico de positivação do direito, desencadeado pela falência da autoridade baseada no divino, implica a formação de um aparato burocrático cada vez maior para implementação da ordem jurídica. Tanto a legislação, quanto a administração da res publica e de justiça, necessitam de formas procedimentais dentro das quais possam atuar atendendo aos novos padrões legitimadores do direito, baseados na racionalidade e no respeito ao sujeito, portador dessa faculdade” (GUERRA FILHO, Willis Santiago Teoria processual… cit., p. 19). 16 WIETHÖLTER, Rudolf. Entwicklung des Rechtsbegriffes. Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtstheorie. n. 8. 1982. p. 49. 17 A discussão dos princípios a partir e além da relação positivismo e jusnaturalismo, o que faz alguns teóricos afirmarem uma fase pós-positivista, tem como expoentes dois importantes teóricos do direito, Ronald Dworkin, inglês que rebatendo as ideias daquele a quem sucedeu, Herbert Hart, busca por uma abrangência do sentido e aplicabilidade dos princípios a partir da constatação de que a concepção positivista do direito como sistema de regras resulta em um modelo infiel à complexidade e sofisticação de suas práticas e o alemão, Robert Alexy que traz como tônica da discussão a perspectiva de mútua fertilização entre procedimentos lógico-formais de análise da estrutura do sistema normativo e os estudos de sua funcionalidade em determinado contexto, o que possibilita o desenvolvimento de uma teoria argumentativa do direito capaz de num plano de racionalidade prática assegurar o processo de aplicação do direito.

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