FILOSOFIA E VIDA - Crônicas e Causos I

July 9, 2017 | Autor: Dilson Passos Jr | Categoria: Individualismo, Paz, Humildade, Simpatia, Bondade
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FILOSOFIA E VIDA Crônicas e Causos I

A mais bela mensagem que dá sentido ao cosmos e à vida não é aquela que se escreve com tinta, mas com a vida.

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A Dama 1 - Foram duas horas no dentista. É bem verdade que a maior parte do tempo eu havia dormido. Saindo enfim pelo centro de Lorena resolvi caminhar despreocupado. 2 - Era pouco depois das 16h. No horizonte, para bandas da serra do mar, pesadas nuvens prenunciavam tempestade iminente. O meu corpo estava com uma doce moleza. Caminhava tranquilo pelas calçadas. O movimento de pessoas não era intenso... 3 - Virei a esquina em frente do palacete veneziano e caminhei até o riacho Hepacaré. 4 - Meus olhos repousaram sobre uma senhora que revirava o lixo da Faculdade salesiana à procura de descartáveis, latas de alumínio e frascos de plástico. Teria passado despercebida no conjunto da paisagem. Era uma simples catadora... como tantas outras... 5 - Teria passado despercebida, na fossem as luvas verdes que trazia para favorecer sua lida. As luvas!... Exótico!... Ao menos, um cuidado de assepsia pouco comum para os catadores destas bandas. 6 - A partir das luvas contemplei a senhora toda. Vestia-se pobremente. Não era magra, e muito menos esquálida. Parecia uma destas típicas matronas que vivem parte do dia nas lidas do fogão. Vestia blusa puída. 7 - Seu olhar tinha algo de sereno... Não apresentava aquele olhar das pessoas consumidas pelo sofrimento. Era um olhar sério, mas complacente, transmitindo, parecia-me... Uma bondade escondida. 8 - Ao seu lado um carinho com um punhado de frascos vazios de refrigerantes. Daria, pensei, uns dois a três reais, se desse... Só o primeiro pedágio que eu pagaria na Dutra custaria mais de dez reais. Certamente o material recolhido viraria um quilo de arroz, de açúcar ou uma garrafa de óleo de cozinha... 9 - Era injusto... Catar lixo... E o pouco lixo que uma cidade provinciana gera... Nem muito conseguiria... 10 - Fui ao apartamento da universidade e peguei minhas tralhas. Havia uma garrafa vazia de dois litros de água. Peguei-a e passando pela senhora, apresentei-lhe dizendo: uma contribuição para sua coleta. Prof. Dr. Dílson Passos Júnior – [email protected]

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11 - Ela levantou suavemente os olhos e agradeceu com um sorriso condescendente. Senti-me desconcertado. Contribuição?!... Algumas miseráveis gramas de plástico que não pesavam nada. 12 - Rodando pela Dutra a imagem da velha senhora na saía de minha mente... 13 - Sua imagem – como uma matrona bíblica – ficou a povoar minha imaginação. Não me tocava a sua pobreza, mas sua dignidade... 14 - Poderia ser uma mama italiana a servir uma quente macarronada num domingo festivo... Poderia ser uma matrona portuguesa nas suas rezas piedosas... Poderia ser uma dona de casa a molhar suas plantas na sua varanda... Era uma catadora... Era seu ganha pão... ou, quem sabe, o complemento de uma miserável aposentadoria, se tivesse... Certamente os poucos reais que conseguiria se tornariam em algum quilo de alimento... Viveria sozinha?!... Não consigo imagina-la só, mas rodeada de netos... 15 - A tarde ia terminando... Os faróis já acesos iluminavam a bem sinalizada Carvalho Pinto. Um CD do Legião Urbana tocava boas músicas. O ar condicionado nesta estação outonal fazia-me lembrar das serras de Campos do Jordão. O carro, a 120 km, deslizava. As suaves luzes do painel com o seu discreto azul ofereciam um que de tranquilidade e segurança: velocidade adequada, combustível no tanque, boa rotação do motor. Nenhuma luz amarela ou vermelha de advertência. 16 - Lá fora se armava uma grande tempestade com o vento fazendo rodopiar milhares de folhas secas. No lusco-fusco do fim de tarde via as placas de sinalização balançando sob o vento. Era um mau tempo, como se costuma dizer... Mas... Tudo... era lá fora...

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O Cavalheiro

1 - Eu terminara os últimos exercícios de aparelhos da academia. Fizera minha caminhada na esteira admirando-me da esplêndida manhã de sábado através dos imensos vidros que vinham do teto até o chão. 2 - O banho quente me revigorara as forças e o bom humor. Mochila nas costas saí da academia. O sol matinal, nas primeiras horas da manhã, realçava a beleza das grandes árvores, escandalosamente floridas da principal Avenida de Barão Geraldo. 3 - Era um daqueles dias que a luz do sol, as flores, o refrescante hálito da manhã se somam dando à nossa alma uma indiscernível sensação de bem estar, paz e tranquilidade. 4 - Dei partida no carro e, por um vicio incorrigível, liguei o ar condicionado, desnecessário então. 5 - Rapidamente saí de Barão Geraldo1 e peguei o tapetão2. O carro rodava silencioso. Aos poucos fui tomando a pista da esquerda, pois após o semáforo contornaria. Uma pequena retenção nos obrigava a parar. Colado ao canteiro central meus olhos vagavam sem destino bebendo desta magnifica manhã dentro e fora de mim. 6 - Em certo momento chamou-me atenção um vendedor de panos, não sei se de chão ou de louça. Era por demais simpático. Boa aparência, sorridente, afável, saudava a todos um sorriso cristalino, transparente, de alguém de bem com as vida. Tinha um chapéu do tipo cowboy. Trazia uma pilha de panos alvejados sobre o braço. Olhando para o interior dos carros com um leve aceno de cabeça desviava os olhos dos seus possíveis clientes e olhava por segundos para os panos. Era uma oferta sem palavras. Ninguém comprava. Retribuía, porém, as negativas com sorriso e gentileza, não quebrando a interação com os clientes gorados. 7 - Era estranho... Os carros e seus ocupantes pareciam como que “hóspedes” de “sua” avenida. Era nosso anfitrião que nos “permitia” com galhardia usar “sua” rodovia. Não era um vendedor de rua... Era o dono daquele espaço e acolhia a todos os transeuntes com afável gentileza. O sinal abriu e passei por ele tomado de profunda simpatia, que só aumentou quando ainda me acenou a cabeça com um sorriso franco. Fiz o contorno e, retornando virei para Avenida da Escola São José.

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- Bairro da cidade de Campinas - SP - Rodovia entre Barão Geraldo e o Bairro Jardim Auxiliadora. Campinas-SP.

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8 - À beleza do dia e de minha alma ensolarada veio mais este inesperado hóspede esbanjando felicidade. Como seria em sua casa, com sua família, com sua roda de amigos?... Não consegui pensa-lo diferente do modo como o vi e percebi. Muitas vezes quando as questões da vida e da existência me atordoavam eu me lembrava do vendedor de panos... 9 - Nas manhãs de sábado quando passava neste cruzamento sempre esperava vê-lo. E muitas vezes o vi... Sorridente, afável e interagindo com todos. E... Ficava feliz por ele me deixar passar na sua rodovia ofertando gratuitamente à minha alma sentimentos e pensamentos bons...

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Lições...

1 - Tarde chuvosa. 13 de março de 2013. Aguardava-se a fumaça branca que a qualquer

momento poderia sair da chaminé da capela Sistina. E ela veio pouco depois da 15h, acompanhada de gritos de euforia. Habemus papam, seu nome é Bergoglio e se chamará Francisco. O alarido da multidão invade a praça ecoando pelas seculares colunatas. Uma impactante e inesperada mensagem estava dada: o simples nome do poverello de Assis apontava para um programa de vida e de governo. A seguir, a figura despretensiosa que surge no balcão cativa de imediato por suas atitudes e palavras e pelos ainda inesperados gestos de desprendimento do poder, a ponto mesmo de se inclinar pedindo – humildemente – que rezassem por ele. 2 - Descortinou-se para o mundo a vida de um homem que passara despercebido nas ruas de Buenos Aires, tendo no transporte público seu principal meio de locomoção. Homem de hábitos simples que arrumava a própria cama, cozinhava para si, atendia ao telefone e abria a porta para as visitas. Alguém, porém que não tinha dúvidas de denunciar situações de injustiça e corrupção, mesmo quando o alvo fossem os poderes econômico e político. 3 - Como papa, de imediato se distanciou dos aparatos de poder e riqueza, buscando mesmo no Vaticano, uma vida simples e austera, mantendo atitudes de homem comum, como pagar pessoalmente suas diárias no Hotel, fazer telefonemas para amigos, inclusive seu jornaleiro, carregar sua velha maleta, deixando de lado vestes e aparatos que uma pseuda e “santa” tradição teimava em cobrir o pontífice com adereços sinalizadores de nobreza. Escolhe aposentos simples, fazendo suas refeições num refeitório comum. Substitui as afirmações protocolares para um diálogo direto, franco, olhos nos olhos, falando de coisas corriqueiras da vida dos homens comuns. Mostrou sede e necessidade de estar com as pessoas, acolhendo-as nas suas dores e alegrias. 4 - O homem que transitava pelas favelas de Buenos Aires, ouvindo, acolhendo, escutando e frequentando as modestas moradias dos sem voz e sem vez, ganhou as capas das maiores revistas do mundo como personalidade do ano, exatamente por ser simples, coerente e modesto. Por ser – visivelmente – seguidor do mestre que lavara os pés dos discípulos. 5 - Por séculos Francisco de Assis tem sido um ícone de amor, bondade e humildade para cristãos, não cristãos a ateus. A força de sua vida e de suas atitudes superam Prof. Dr. Dílson Passos Júnior – [email protected]

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diferenças. Bergoglio realizou o mesmo feito, apesar de circundado no Vaticano pelo aparato de séculos de tradição e grandeza. Seu recado é simples e nasce de sua vida. Toda mensagem fica ofuscada quando o seu portador torna-se o centro das atenções por seu orgulho, vaidade ou prepotência. A pessoa humilde torna-se aquilo que Jesus dissera de seus verdadeiros seguidores: é sal que dá sabor e luz que ilumina... 6 - Um amigo argentino me comunica que o novo papa já fizera, de início, dois milagres. Ingênuo, pergunto, quais? Ele com um olhar entre matreiro e sonso, responde: Primeiro milagre, um argentino humilde. Segundo um portenho, também humilde. E dá uma grande gargalhada... 7 - É gol de placa... Desta vez para los hermanos...

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