Filosofia, mitologia e cinema: David Hume, Hesíodo e o ladrão de raios

June 19, 2017 | Autor: Abraão Carvalho | Categoria: Cinema, David Hume, Filosofía, Mitologia
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Filosofia, mitologia e cinema: David Hume, Hesíodo e o ladrão de raios

Abraão Carvalho abraaocarvalho.com

Resumo O breve texto procura articular um estudo da teoria das ideias do filósofo David Hume, a partir de paralelos de uma leitura empirista da imaginação levando em conta o recurso interpretativo e ilustrativo das figuras da mitologia grega a partir da Teogonia de Hesíodo e do filme Percy Jackson e o Ladrão de Raios.

Palavras-Chave: Filosofia, Mitologia, Cinema

O que a filosofia de David Hume possui em comum com mitologia e o filme o ladrão de raios?

À primeira vista, lançar em um mesmo plano referências tão distantes no tempo, pode nos parecer estranho, porém, verificaremos através de um exame mais detalhado, o quanto a filosofia moderna, mais especificamente os trabalhos do filósofo David Hume, podem nos oferecer uma base filosófica precisa para interpretar o imaginário expresso nos personagens da mitologia grega, que por sua vez aparecem em sua versão pop no filme “Percy Jackson e o Ladrão de Raios” (EUA, 2010), que se trata de uma adaptação para o cinema do livro inicial da série “Percy Jackson e os Olimpianos”, do escritor americano Rick Riordan. Este foi o insight inicial para o relampejo deste breve texto. Deste modo, começaremos por traçar melhor a posição da metafísica de David Hume. Para o

2 filósofo, a partir de passagens encontradas em seu célebre livro “Investigações sobre o entendimento humano”, mais precisamente nas seções II e II, intituladas “Da origem das ideias” e “Da associação da ideias”, constatamos uma teoria das ideias que se funda primordialmente com base na experiência. Experiência, na linguagem de David Hume, significa o conjunto de dados e informações que obtemos através dos sentidos. Isto é, significa tudo aquilo que nos afeta de modo imediato, seja no campo da percepção de objetos externos, seja no campo da erupção dos afetos, sentimentos internos, pelos quais somos tomados de acordo com as circunstâncias. Sobretudo, na linguagem de David Hume, o conceito que corresponde ao termo experiência, ganha o nome de “impressões”, que são as nossas percepções mais vivas. O lugar das “impressões” contudo, se encontra em contraste com a outra categoria de percepções mais fracas, que se denominam “pensamentos ou ideias”, que por sua vez se remetem à reflexão e à lembrança, em que as percepções originais apreendidas pelos sentidos são mais vagas em detalhes. Ao passo que na reflexão e na lembrança de uma sensação ocorrida, a determinação e definição escapa à totalidade do acontecimento original. Contudo, as impressões acontecem justo no momento quando observamos, sentimos, ouvimos, isto é, quando os detalhes dos acontecimentos presentes estão mais vivos, mais recheados de detalhes. Já na reflexão e na lembrança as qualidades dos objetos e o fervor dos sentimentos está amansado, apaziguado, pois a reflexão e a lembrança não retomam a impressão original. Deste modo, para o filósofo existirá então uma relação de interdependência entre ideias e impressões. Em sua concepção, em nossas percepções primordiais abrigam-se a gênese e origem de todas as nossas ideias. Isto é, entre impressões e ideias uma relação de causa e efeito as aproxima de modo umbilical. Assim, uma ideia tem como sua causa, uma dada impressão, ou em outros termos, uma determinada ideia tem como sua causa um certo conjunto de impressões fornecidas pela experiência. E de modo inverso, uma dada impressão produz como seu efeito uma determinada ideia. Assim também funcionará o mecanismo que rege nossa imaginação, seguindo a perspectiva empirista proposta pelo filósofo Hume. Conceito que mais nos interessa na presente investigação. Ora, se estamos acostumados a ouvir que a imaginação é livre, para David Hume, ela está precisamente contornada em uma certa demarcação dos limites de nossa experiência, ou seja, nos limites das

3 impressões às quais tivemos acesso, isto é, o conhecimento mediado pelo acontecimento da experiência. Nesta direção, poderíamos afirmar que nossas impressões seriam como as portas de nossas ideias. Pois é justo através das impressões dadas pela experiência que nossas ideias tomam forma. No caso da imaginação, David Hume encontrará um conceito preciso para explicá-la. Para delimitar melhor como a nossa imaginação se forma, nasce na filosofia de David Hume o conceito fundado no princípio da associação de ideias. Com este conceito, abre-se então a possibilidade de localizarmos melhor a origem daquilo que nos sobrevém à mente quando o assunto é imaginação. Em vez de nos assustarmos ou nos espantarmos com figuras e formas estranhas à natureza e à realidade, sem tomá-las como uma análise dos conteúdos da experiência manifesta, como no caso de pesadelos, sonhos, filmes de terror ou ficção científica, desenhos animados, revistas em quadrinhos, etc. Para o filósofo David Hume, todos os dados da experiência, isto é, nossas impressões, quando retomados em nossa memória ou imaginação, são ora aumentados, diminuídos, combinados e sobretudo associados, seja de modo eventual, seja de modo imposto pela vontade e pela criatividade. Deste modo, o princípio da associação de ideias é responsável por ligar, na imaginação, dados, figuras, qualidades, características e informações de objetos e formas diferentes, que no plano da natureza e da realidade seriam impossíveis.

Teogonia, a origem dos deuses de Hesíodo e as interpretações de Hume a respeito da imaginação Modernamente é que se tematizou a partir de outra abordagem, perspectiva, uma interpretação empirista da formação das ideias e nestas a imaginação como nos propõe o filósofo David Hume. Isto no levou a pensar que poderíamos por mediação da associação da noção de imaginação com a noção de mitologia, isto é, categorias diferentes em relação à natureza e à realidade, tomá-las, elas, a imaginação na perspectiva de David Hume, e os traços presentes na obra Teogonia de Hesíodo, como algo que pudéssemos explorar traços em comum entre estas duas referências. Nossa primeira constatação e ponto de partida sugerido, trata-se da compreensão de que a mitologia carrega em seu modo de associação das ideias

4 traços de nossas impressões reais. E neste sentido, ao criar figuras, que habitam o desconhecido plano da religiosidade de um povo, que é a sua formação no tecer do tempo, das formas de linguagem inscritas sob a égide de um lampejo religioso, o conjunto de sua mitologia e de seu imaginário. Mitologia esta que em dado momento histórico orientam as ações e decisões daqueles a quem a crença está inscrita na alma. Alma que em filosofia, está sempre associada ao plano das ideias, desde a antiguidade em Platão com o mundo das ideias inscritas no mundo das almas, onde reside o conceito de verdade. E até mesmo na modernidade, com filósofos como René Descartes, também associando as noções de alma relacionado com o pensamento, tomando este como algo distinto do corpo, que porém se relacionam entre si, mas são precisamente de naturezas distintas. É sabido, que a Teogonia do poeta Hesíodo ocupa o lugar mais longínquo, e por isto mesmo não menos importante, do que nós modernos conhecemos dos antigos gregos, que se refere à sua mitologia: as figuras do imaginário de linguagem e imagem tão diversificado como a mitologia grega. E que para a modernidade, nos chega através de seus ecos e releituras dos mitos gregos, que para a grande massa é oferecido principalmente por meio das séries de desenhos televisivos como também por meio do cinema, em diversos filmes recentes da última década, entre eles o filme em que a alegoria do ladrão de raios aparece. Retomando algumas reminiscências dos mitos gregos, poderíamos afirmar que, as figuras reunindo características animais e humanas, como o minotauro, ou aumentadas, segundo a perspectiva de Hume, ou as musas como profetas da criação, poderiam ser indicações de que um contorno filosófico tentasse se aproximar de uma mais precisa abordagem das figuras da Teogonia, dissecando associações de ideias abrigadas nas figuras do imaginário da mitologia grega, descrita na obra do poeta Hesíodo. Compreendemos isto como um valioso caminho de averiguação das teses de David Hume a respeito da imaginação. Nossa intenção, sobretudo, é se colocar no limite temporal que nos interpõe e nos afasta, desde uma mediação entre nós e os mitos da antiguidade que antecederam o surgimento da filosofia. Não pretendemos aqui realizar um trabalho de interpretação filosófica da obra Teogonia como um todo, desde a perspectiva da poética do mito, tema sobre o qual se ocupam alguns filósofos atualmente. Mas de outra maneira e em outra direção, tratar o tema da imaginação associado ao tema da mitologia, desde uma perspectiva empirista e não desde uma metafísica do mito. Isto é, a partir da tendência e inclinação em se

5 familiarizar mais com algumas noções da filosofia de Hume, desde a observação e reflexão a partir dos mitos. Nesta mesma direção, afirmamos que a metafísica empirista de Hume nos promove uma referência em relação ao assunto, porém sabemos, que se trata de um caminho, e tão somente um caminho, dentre outros possíveis de leitura, em que uma investigação mais rigorosa das figuras da Teogonia desde uma interpretação da poética ali instaurada, não é a intenção deste breve esboço de reflexão. A parcela do desconhecido, indizível, irracional e do psiquismo, dos signos de linguagem e religiosidade, se interpõe entre nós e a Teogonia de Hesíodo, e nos é inacessível, e se trata sobretudo de um livro de muito difícil leitura, e de uma riqueza poética incomensurável. A título de referência mais precisa a partir da Teogonia de Hesíodo, uma passagem nos chama muito a atenção. Trata-se do "Proêmio das Musas", que promovem com seu canto o anúncio das divindades e dos elementos da natureza sob a égide destes deuses e deusas. Figuras como Zeus, Hera, Argos, Apolo, Atena, Ártemis, Posídon, Têmis, Afrodite, Dione, Aurora, grande Sol, Lua brilhante, Jápeto, Terra, Oceano e Noite, ecoam nos cantos das musas que lançam "belíssima voz". Figuras estas que são associadas a impressões de objetos materiais: como calçada, sandálias, porta, flechas, coroa, traços do corpo como olhos, qualidades como o "curvo pensar" de Jápeto, e ideias, como a ideia de beleza, de agilidade, de soberania, áurea, sagrado, imortalidade, luminosidade, entre outros. Vejamos como se articula a passagem em que encontramos estas figuras citadas acima, a saber, "O Proêmio das Musas": “vão em renques noturnos lançando belíssima voz, hineando Zeus porta-égide, a soberana Hera de Argos calçada de áureas sandálias, Atena de olhos glaucos virgem de Zeus porta-égide, o luminoso Apolo, Ártemis verte-flechas, Posídon que sustém e treme a terra, Têmis veneranda, Afrodite de olhos ágeis, Hebe de áurea coroa, a bela Dione, Aurora, o grande Sol, a Lua brilhante, Leto, Jápeto, de curvo pensar, Terra, o grande Oceano, a Noite negra e o sagrado ser dos outros imortais sempre vivos.”

6 O que pretendemos indicar lendo esta passagem, a partir da teoria da imaginação de David Hume, trata-se em compreender que encontramos na filosofia referências interessantes em nos aproximar de uma possibilidade de leitura e compreensão das figuras mitológicas da Teogonia de Hesíodo. Sendo a obra de Hesíodo a principal referência para mais uma versão sobre mitologia grega, e para nós uma releitura cinematográfica a partir de um curioso filme que traz à tona uma leitura da literatura juvenil de um americano chamado Rick Riordan. E em outra direção, nos interessa observar, como o cinema através de uma grande produção, que envolve o diretor Chris Columbus (que dirigiu os dois primeiros filmes da série Harry Portter), ainda nos dias de hoje, sob o domínio da técnica e da ciência no mundo moderno, consegue atrair temas da antiguidade ocidental, tais como os mitos gregos, como tema para um empreendimento bem sucedido da indústria cinematográfica como este. Chris Columbus retoma a mitologia grega, a subvertendo e pegando carona em suas figuras, e por tabela nos remonta a trechos da obra que mais chegou aos leitores de nossas gerações atuais sobre a mitologia grega, que é célebre “Teogonia: a origem dos deuses” do poeta Hesíodo. No princípio era o caos.

A Zeus o trovão e o raio: e nos aparece no cinema o Ladrão de raios, o principal acusado é Percy Jackson

O raio governa todas as coisas que são Heráclito

Logo o relâmpago, o trovão de Zeus? Estaria a hierarquia do arquétipo de rei dos reis do Universo, o grande Zeus em perigo? Tendo seu principal poder ameaçado? Seu atributo da natureza que ele Zeus coordena? O que a trama do filme anuncia logo ao início é a instabilidade do Olimpo. Poseidon, ligado ao elemento da physis o mar, e Zeus, ao governo do “Relâmpago”, em um dilema: localizar o raio que foi roubado, o raio de Zeus. O percurso desta trama e aventura, se passa na busca por este raio principal, já dizia o filósofo Heráclito: “O raio governa todas as coisas que são”. O interessante que a grande maioria dos personagens impõe sua forma peculiar, em

7 um cenário místico próprio da obra de Hesíodo, dando espetacular relevo aos mitos gregos, como por exemplo, as cenas em que aparecem as figuras ou imagens da Hidra, e do olhar mortal e petrificador da sensual Medusa.

Levando adiante as teses de Hume: a Teogonia de Hesíodo, e sua releitura no filme do diretor Chris Columbus Retomemos o percurso: em uma primeira oportunidade nos deparamos com a filosofia de David Hume, e uma tentativa de demonstrar através de análise de exemplos, que o filme Percy Jackson e o Ladrão de raios, baseado no livro de Rick Riordan, e a obra clássica Teogonia: a origem dos deuses de Hesíodo, principal referência para as figuras do imaginário da mitologia grega, apresentam, contudo, um fio condutor entre eles. Isto nos daria abertura para um diálogo entre filosofia, a partir do tema da imaginação, e as figuras da imaginação apresentadas nos mitos e reelaboradas no filme o Ladrão de Raios, de 2010. Nossa inclinação é indicar que as afirmações de David Hume de que as figuras da imaginação associam de uma forma ou de outra, elementos e características da experiência sensível, é um de nossos principais pontos de partida para a abordagem aqui desenvolvida. Podendo, a atividade da imaginação, aumentar, associar, diminuir, caricaturar, como própria dinâmica do pensamento, os dados fornecidos pelos sentidos. Tomando sobretudo como referências os elementos ou fenômenos da natureza tornadas divindades na obra de Hesíodo, e que o filme em questão põe em relevo, por exemplo nas figuras de Poseidon, referente aos mares, e Zeus, referente aos raios. É nesta direção que procuramos articular algumas noções acerca do tema da imaginação na filosofia de David Hume, para a qual a principal constatação em relação ao conhecimento é exatamente a pergunta: “What impression that Idea is derived?” Isto é, de que impressão esta ideia é derivada? Assim encontramos no Tratado da Natureza Humana de Hume. É este o problema filosófico primordial que nos conduziu por todo este breve percurso de reflexão.

8 Referências HUME, D. Investigações acerca do entendimento humano. Trad. André Mesquita. Editora Escala. São Paulo – SP. [1748] 2003. __________. An Enquiry Concerning Human Understanding. University College, Oxford. [1777] 1992. __________. Resumo de um Tratado da Natureza Humana. Edição bilíngüe Inglês/Português. Trad. De Raquel Gutierrez e José Caio. Editora Paraula. Porto Alegre – RS [1740] 1995. ____________. A treatise of human nature. EBooks@Adelaide. University of Adelaide. Australia. [1739]. 2013. ____________Tratado de la naturaleza humana. Trad. Vicente Viqueira. Dipualba Publicaciones. Espanha. [1739] 2001. SALLES, F. David Hume: Associação de Ideias, ‘cimento do universo’. Revista Mente & Cérebro & Filosofia. Duetto Editorial. Edição n° 2. São Paulo -SP. 2011. ___________. Os empiristas: Revolução política e filosófica na GrãBretanha. Revista Mente & Cérebro & Filosofia. Duetto Editorial. Edição n° 2. São Paulo - SP. 2011. Hesíodo. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e tradução: Jaar Torrano. Iluminuras. 1995. URL: http://charlezine.com.br/wpcontent/uploads/2012/04/Teogonia-Hes%C3%ADodo.pdf

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