Filosofia moral e teodiceia em Israel

July 17, 2017 | Autor: Irene Tavares | Categoria: Israel Studies, History Of The Bible/Biblical Canon, Preclassic Period
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Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa
Ano Lectivo: 2014/2015 - 2º Semestre
Curso: História
Cadeira: História da cultura da Antiguidade pré-clássica
Docente: Prof. Doutor António Ramos dos Santos



Filosofia moral e teodiceia em Israel

Aluno: Irene Alexandra Semião Tavares
 Nº: 51297







8 de Maio de 2015
A filosofia e o pensamento judeu não são sinónimos de filosofia no sentido grego, na era Clássica. Esta filosofia rabínica tem como livro de base, A Bíblia e esta vê Abraão como um "filósofo" que introduziu esta filosofia aprendida de Melquisedeque. A partir disto alguns estudiosos sugerem que o judaísmo abrangia uma subcorrente filosófica. Eclesiastes é muitas vezes considerado como a única obra filosófica genuína na Bíblia hebraica pois o seu autor procura entender o lugar dos seres humanos no mundo e o sentido da vida.
Segundo a doutrina moral, Deus (Javé) é uno, bom, transcendente e criador omnipotente de tudo o que existe. É por isso que o mal, ao contrário do que ocorria no politeísmo das mitologias pagãs, configura-se num obstáculo que a razão não é capaz de transpor: o problema do mal, que consiste na impossibilidade de coexistência entre Deus e o mal. Então, enquanto que na Suméria o mal e o bem podiam coexistir, desde que estivessem em equilíbrio formando os Me, já em Israel só o bem (na forma de Javé) podia prevalecer sobre o mal.
Em Israel definiu-se a substância da teoria do conhecimento, uma formulação de palavras que foi cinco vezes repetida ao longo da Bíblia: "o temor de Javé é o ensinamento dos sábios, e a humanidade procede a glória" (Prov. 15,33). Ao longo da Bíblia também se encontram outros excertos com a mesma carga teológica como: "Eis, o temos do Senhor é a sabedoria; evitar o mal é a inteligência" (Job 28,28). Então, apesar das palavras mudarem, o significado destas parecem sempre ser o mesmo, o temor de Javé é a única maneira de evitar todo o mal.
Esta é a base da filosofia e teologia Israelita: o temor de Javé. De todas as fórmulas, a mais simples é a de Job: " o temor do Senhor é a sabedoria" e aqui nota-se que há um amadurecimento da filosofia intelectual pois "senhor" e "sabedoria" não são dois conceitos idênticos. Em Israel toda a sabedoria e todo o conhecimento têm como base a relação com Deus, ideia que pode ter influência na historiografia sumério-acádia que tinha como base a sequência de tempos bons e tempos maus causados pela boa ou má relação com os deuses. O sacrilégio provocava a ira destes, o que pode ter sido a base para a ideia judaica de pecado. Este domínio do saber está num corpo de forças relativo ao Deus, e por isso não implica a invenção ou descoberta da verdade. Enquanto que a sabedoria teológica mais recente insiste na origem divina da sabedoria, já na reflexão antiga o conhecimento depende da actividade justa do homem perante Deus. Então em Israel, sem religião não há sabedoria nem conhecimento.
A palavra "sabedoria" tinha várias formas de ser dita como hokma, tebuna ebina, que també, significam "inteligência" e "conhecimento", termos muito utilizados na instrução. A preferência caiu sobre a "sabedoria" desde tempos antigos, quando o objecto do saber era predominantemente secular (Prov. 10-29). Posto isto, há sim uma filosofia antes dos gregos. No entanto, foram estes últimos que puseram o rótulo de "amor á sabedoria" (filosofia). Já em Israel não havia muito a dizer sobre a tarefa de conhecer, senão que exigia método e atenção. "O morfabor busca a sabedoria e não a acha, mas para o homem inteligente e a ciência é coisa fácil" (Prov. 14, 6).
Por estes adágios vê-se que a sabedoria é uma tarefa humana acessível a todos. Não tem nada de esotérico nem de transcendente e não exige qualidades excepcionais de inteligência. Basta o bom senso, boa vontade e convivência com os sábios. Esta paixão e zelo na cultura contrastam com a atmosfera da proto-história de Israel da época de Saul. Nesta época havia o voto de abstinência sexual imposto ás tropas, maldição global contra o transgressor, procura de um sinal do céu por Jónatas, "terror de Deus" que desbarata o inimigo, guerreiros esgotados comento carne ritualmente impura, etc.
As reflexões que faziam tratavam de agricultura, comércio, riqueza, pobreza e sobre o exercício do poder, mas poucos se ocupam de Deus, logo, havia uma autonomia da razão pois este conhecimento das regras iminentes do cosmos e da sociedade nunca entrou em conflito com a fé. A única lei suprema da natureza e da sociedade continuava a ser a vontade de Deus, havendo só um mundo empírico e conhecido no seu todo, ou seja, a realidade era muito mais do que se imagina.
Os compromissos com o mal, as injustiças sociais, a apostasia religiosa, as desobediências à lei e as suas consequências pertenciam também ao mundo real, iluminado, dirigindo e julgado pela palavra de Deus.
Em Israel, o avanço e a autonomia da razão, por mais estranho que pareça, não resultou no retrocesso da fé em Javé, isto é, uma visão tradicional e antiga do mundo não significou a descrença. Os intelectuais de Israel ensinaram, de forma paralela, a autonomia dos factos e a fé na omnipotência de Deus. Entrelaçam-se sentenças sobre a experiência de Deus e sobre a experiência do mundo, o que demonstra a inexistência de qualquer tensão no órgão do conhecimento. O que desapareceu fora um conhecimento de ordem sacral, ou seja, uma determinada regra. Voltou-se para o apetite e a vontade de saber num imenso campo de experiências, onde a aprendizagem nunca cessava. Claro que havia regras da Natureza e da vida social, mas estas alargavam-se conforme a experiência vivida perante o Homem e perante Deus. O que era considerado real, era o cosmos, a própria sociedade e Deus, e este criara e governava tudo. Isto era a base de toda a moral e todas as reflexões dos sábios de Israel. Contudo, a principal condição na teoria do conhecimento dos sábios de Israel era a fé em Deus e o "temor" em Javé.
A sabedoria em Israel confiava plenamente na conexão entre o acto e a paga e cuidava e abarcava o real: "Quem confia no próprio coração é louco; mas o que anda na sabedoria será salvo". No entanto, esta sabedoria também tem os seus limites. E aqui entra a principal contradição que existe na filosofia Israelita: o facto de a sabedoria ser universal, mas ao mesmo tempo também ter um limite. Os fenómenos regulares da Natureza e a normalidade dos comportamentos diários foram deixados e a situação dramática e o sofrimento já não encaixava, o que provoca a arrogância dos sábios. Os sábios, quanto mais avançavam no conhecimento racional das coisas e do homem, mais embatiam sobre as questões do limite do saber, e com o mistério do Incognoscível o próprio Homem era um mistério, mas para Deus tudo era claro. Então, ao contrário do Homem, Deus tem conhecimento ilimitado, mas o Homem não nota as franjas do mistério.
Poderia alguém ter a chama para os mistérios do mundo? Para esta situação temos o exemplo do livro de Job (ou Jó), um homem abençoado que viveu justamente na terra. Desafiou-se a integridade de Job, para se comprovar se este era mesmo fiel a Deus. Assim os mistérios do mundo são inexplicáveis: "Onde estavas, quando eu fundava a terra? Indica-me se tens a verdade!" (Job 38)
No livro de Job vimos tratado o assunto do mal e do sofrimento, e é um livro de sabedoria e não de literatura. Também é considerada uma das mais belas histórias de prova e fé. Conta a história de Job, um homem temente a Deus que o agradava. As inúmeras exegeses presentes neste livro são tentativas clássicas para conciliar a coexistência do mal e de Deus (teodiceia). O livro de Job é uma meditação de um sábio sobre o sofrimento. Se o observarmos como um conto popular, então é a história de um Job piedoso e "paciente", que tudo "sofre", "espera" e "padece". Como pode um homem piedoso e sincero sofrer tanto enquanto os maus e perversos não são atingidos por nenhum flagelo? Que lógica divina é essa? Não são os pecadores, os zombadores e ateus que precisam de correcção?
Se Job era fiel a Javé, qual a razão de todo o mal que lhe aconteceu? O suposto era haver um modelo sumério-acádico de pecado, pois se um individuo não pratica o sacrilégio será recompensado, no entanto no livro de Job isto não acontece. O que acontece é uma aposta divina, o que provoca o que acontecerá a Job.
Então, o livro de Job contém ensinamentos que servirão para aqueles que querem se manter fiéis a Javé: serão recompensados mas também têm de sofrer para provar a fidelidade, assim o sofrimento é o que prova o amor. Este ensinamento será mais tarde relembrado com Cristo crucificado
Concluindo, em Israel a filosofia deu origem ao Javismo e á ideia de bem contra o mal segundo a teologia monoteísta, pois segundo esta, o bem e o mal não poderiam coexistir, e é nisto que se baseia a teodiceia. "O temor a Javé" era a única maneira de evitar o mal, pois este "temor" era a base da sabedoria sagrada, no entanto o Homem tem esta mesma sabedoria limitada e Javé seria o único conhecedor de todo o universo, e esta é a principal contradição na filosofia Israelita. A sabedoria em Israel confiava plenamente na conexão entre o acto e a paga, no entanto Job é um bom exemplo de que esta regra não era segura pois apesar de ser um bom homem, que tinha "temor a Javé", recebe vários males que o assolam. Por isso, é preciso também sofrer para mostrar a fieldade, e não só ser recompensado. É nestas regras e ensinamentos que se baseia a filosofia e teodiceia em Israel.




Bibliografia

CARREIRA, José Nunes. Filosofia antes dos Gregos, Biblioteca Universitária, Mem
Martins: Publicações Europa-América, 1994.
A Bíblia Sagrada (em português corrente), Lisboa: Difusora Bíblica, 1993.

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