Finanças Éticas e Solidárias: afirmação das alternativas na era da mundialização do capital

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIA E LETRAS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

FINANÇAS ÉTICAS E SOLIDÁRIAS: afirmação das alternativas na era da mundialização do capital

Edmar Roberto Prandini

Fevereiro de 2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIA E LETRAS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

FINANÇAS ÉTICAS E SOLIDÁRIAS: afirmação das alternativas na era da mundialização do capital Edmar Roberto Prandini

Trabalho apresentado para a Banca de Qualificação ao Doutorado em Sociologia do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Letras de Araraquara.

Fevereiro de 2008

“...que hoje o que era impossível parece ter se tornado possível e que parecem transitáveis as vias que antes eram consideradas impraticáveis. E a experimentação, a aventura e o risco foram restituídos

ao

terreno

do

fazer



e

não

simplesmente ao terreno do malfadado esperar...” (Negri & Cocco, 2005)

Sumário Introdução......................................................................................................................5 1. Situando o problema: o novo contexto internacional................................................7 a) A reemergência de importantes movimentos de manifestação de massas.....7 b) O Fórum Social Mundial.................................................................................10 c) O novo ambiente institucional latino-americano...........................................17 d) Sintetizando....................................................................................................22 2. O Movimento das Finanças Solidárias....................................................................25 2.1. Redes e Grupos de Pressão Política..........................................................26 2.1.1. Campanha pelo Perdão das Dívidas Externas dos Países Pobres.....26 2.1.2. Movimento pela Implantação da Taxa Tobin........................................27 2.1.3. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais .....................29 2.1.4. Fórum Brasileiro de Economia Solidária..............................................33 2.2. Redes e Grupos de Estudo e Fomento .....................................................40 2.2.1. ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário.....................................40 2.2.2. INAISE..................................................................................................41 2.3 redes e grupos de operadores financeiros..................................................42 2.3.1 O Cooperativismo de Crédito................................................................42 2.3.2 As instituições operadoras do microcrédito...........................................44 2.3.3 Fundos de Investimento em microempreendimentos ou em empreendimentos de “desenvolvimento sustentável” ...................................52 2.3.4. Investidores em Bolsas........................................................................53 2.3.5. Financiamento do Comércio Justo.......................................................53 2.3.6 Emissores de Moedas Sociais..............................................................54 2.3.7 Bancos Éticos e Alternativos.................................................................54 Conclusão....................................................................................................................63 Bibliografia...................................................................................................................65

Introdução

No final de 1994, durante uma reunião do Conselho de Pastoral de uma paróquia da cidade de Ribeirão Preto, um senhor manifestou as dificuldades que estava tendo para quitar as parcelas de uma máquina fotocopiadora que adquirira para um pequeno comércio que havia montado, onde vendia material de papelaria e presentes. Sua intenção, com aquela iniciativa, era ter uma fonte adicional de renda, de modo que sua esposa o pudesse ajudar, já que seu trabalho como pintor não estava com muito serviço. Ele pediu a ajuda da paróquia, que acabou emprestandolhe algum dinheiro para ele poder pagar sua máquina. Ainda naquele mesmo ano, situações semelhantes aconteceram com alguns outros pequenos comerciantes. E, do mesmo modo, naquela paróquia, conseguiram a ajuda para solucionar seus problemas. Foram cerca de oito casos, até que a paróquia já não tinha mais dinheiro e o Conselho Pastoral também começou a discutir que não tinha como ficar financiando situações deste tipo, porque as contribuições que as pessoas davam tinham por destino manter o funcionamento dos espaços, os salários e pouca coisa mais. As condições de financiamento do pequeno empreendimento no Brasil, de lá para cá, melhoraram, mas ainda prosseguem como um grave problema. O sistema bancário, fortemente concentrado no país1, ao mesmo tempo, faz-se presente no dia a dia, como o lugar onde as pessoas pagam suas contas2, onde 1 No país, há pouco mais de uma centena de instituições bancárias. 2 Vale lembrar que o serviço de cobranças não consistia nos serviços habituais nas instituições bancárias. Os bancos surgiram como instituições para a guarda de valores (poupança) e

depositam suas poupanças, onde recebem suas aposentadorias, etc. Além das agências, os bancos fazem-se presentes também por meio de casas lotéricas ou outros “correspondentes bancários”3, ou ainda através de páginas eletrônicas na Internet. Apesar disso, o crédito tem direcionamento restrito às camadas mais aquinhoadas e as micro e pequena empresas sofrem enormes restrições para obter financiamento para a melhoria da gestão de suas atividades ou para investimentos no seu desenvolvimento. Os empreendimentos informais, por sua vez, que são em número bastante elevado no país, tem ainda maiores dificuldades a respeito. O breve relato aqui apresentado, já abre vistas para a diversidade temática com que o tema das finanças solidárias acaba sendo impelido a lidar. A discussão sobre as finanças solidárias contém articulações e enlaces com questões relativas à a) às relações sociais: a pobreza, o trabalho, a reestruturação produtiva, a informalidade, a desigualdade social, o trabalho associativa; b) às questões de caráter mais econômico: o crédito, a moeda, a poupança, o seguro, o sistema bancário, as metodologias de análise de risco e crédito, o papel da micro e pequena empresa, as políticas monetárias; c) questões filosóficas: a solidariedade, a ética, o desenvolvimento d) questões políticas: as formas de organização das populações empobrecidas, os movimentos sociais, as formas de lutas dos movimentos sociais por formas alternativas de produção e consumo, as articulações entre movimentos sociais e suas formas organizativas com as estruturas de deliberação das políticas dos Estados. Neste trabalho, pretendemos nos concentrar mais na apresentação histórica dos movimentos que têm atuado nesta área, buscando apreender as principais características de suas práticas, de tal modo que o tratamento mais sistemático dos temas ficará a cargo da tese de doutorado, resultante de todo o processo de pesquisa. posteriormente, incorporaram a finalidade do crédito. 3 Correspondentes Bancários são pontos comerciais ou de prestação de serviços, bem como casas lotéricas que, por meio de convênio com as instituições bancárias, por meio de sistemas eletrônicos, processam uma variada gama de serviços bancários, obtendo remunerações dos bancos pelo serviço prestado. Para o banco, isso implica em ampliação dos canais de atendimento da clientela, do horário em que os serviços ficam disponíveis, bem como redução de custos com implantação de agência ou com custos com a mão-de-obra.

1. Situando o problema: o novo contexto internacional O últimos anos do século XX e o início do século XXI foram marcados por um conjunto de acontecimentos cujas implicações na ordem econômica e social ainda não estão completamente compreendidas. Dentre eles, queremos ressaltar alguns:

a) A reemergência de importantes movimentos de manifestação de massas. O símbolo primeiro desta etapa foram os acontecimento de Seattle, em 01 de dezembro de 1999. Nesta data, impressionantes 50 mil pessoas dirigiram-se à cidade norte-americana, mobilizados por grupos os mais diversos, para acompanhar a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), inaugurando um ciclo de eventos em que os organismos multilaterais passaram a conviver com mobilizações e manifestações públicas de grupos contrários às deliberações e articulações que ali se decidiam. Na verdade, toda esta mobilização representava a conjunção de diversas ações anteriores cujo perfil principal estava no questionamento de processos e articulações

políticas

e

econômicas

postos

em

andamento

pelos

líderes

empresariais e políticos sem o conhecimento e consentimento dos povos dos diversos países. Este era o caso, por exemplo, do MAI – Multilateral Agreement on Investiments4, “que em todo mundo deve colocar o direito do investidor acima das leis trabalhistas, ambientais e sociais dos Estados e que, portanto, resulta em uma transferência global dos direitos públicos de soberania às empresas multinacionais” (Grefe et all, 2005: 19). Na verdade, o caráter dos próprios acordos de livre-comércio que deram origem à OMC já podem ser considerados como uma “ampla reordenação econômica do mundo”, como afirmam Grefe, Greffath e Schummann 4 Acordo Multilateral de Investimentos

8 (2005), realizada “sem os cidadãos, sem nenhuma influência, observação e controle externos ... embora ... coloquem em questão os textos constitucionais das democracias do Norte e do Sul” (2005: 19). A enorme variedade de grupos que se encontraram em Seattle e o protesto realizado não foram determinantes na interrupção das discussões do MAI, ou sequer foram responsáveis pela interrupção da aprovação das discussões da “Rodada Uruguai”, como ficou conhecida a proposição que se estava discutindo no âmbito da OMC, mas, nos termos de Vandana Shiva, Seattle representou um “divisor de águas”. Os movimentos reunidos em Seattle, produziram uma declaração, em que exigiam “... uma moratória de todas as negociações que aumentem o alcance e o poder da OMC. Durante essa moratória, é preciso haver um exame detalhado e fundamental dos acordos existentes [...] para oferecer (às sociedades) a oportunidade de alterar o curso e de desenvolver um sistema internacional alternativo, humano e eficaz das relações de comércio e de investimento” (apud Grefe et all, 2005: 22). (grifo meu).

Como se verifica, tal articulação punha em discussão o sentido antidemocrático dos processos internacionais que se vinham negociando. E exprimiam com clareza o fato de que, mais do que discutir o sentido formal das democracias políticas, estava em questão a dimensão democrática das discussões e deliberações de teor econômico no âmbito internacional. Os movimentos que se reuniram em Seattle, e tantos outros depois de lá, em 1999, pretendiam, deste modo, repolitizar a temática econômica internacional, enquanto naquele momento, sob a égide do pensamento neo-liberal, se defendia que fosse tratada como uma realidade a ser encarada exclusivamente no âmbito do pensamento econômico ou administrativo. A reflexão de Negri e Hardt (2005) sobre estes acontecimentos de Seattle e os que se seguiram a ele enriquece nossa compreensão sobre a exigência de democratização dos debates sobre o caráter da organização da atividade econômica. Dizem eles: “Os gigantescos protestos contra aspectos políticos e econômicos do sistema global, entre eles o atual estado de guerra, (...) devem ser encarados como fortes sintomas da crise da democracia. O que esses diferentes protestos deixam claro é que a democracia não pode ser feita

9 ou imposta de cima. Os manifestantes recusaram as noções de democracia vinda de cima promovida por ambos os lados da guerra fria: a democracia não é simplesmente a face política do capitalismo nem o domínio de elites burocráticas. E a democracia não resulta de intervenções militares e mudanças de regime, nem dos vários modelos atuais de “transição para a democracia” que geralmente se baseiam em algum tipo de caudilhismo latino-americano e se revelaram mais eficazes na criação de novas oligarquias do que qualquer sistema democrático. Todos os movimentos sociais radicais desde 1968 se têm insurgido contra essa corrupção do conceito de democracia, que a transforma numa forma de domínio imposto e controlado de cima. Em vez disso, insistem, a democracia só pode surgir de baixo. Talvez a atual crise do conceito de democracia decorrente de sua nova escala global sirva de oportunidade para que retornemos a seu significado mais antigo, como governo de todos por todos, uma democracia sem adjetivos, sem “se” nem “mas”. (Negri e Hardt, 2005: 300-1).

Seattle inaugurou uma fase de mobilizações, sendo seguida com outras muitas manifestações de rua. A Tabela 1 permite visualizar parcialmente a sequência de mobilizações que se seguiram à Seattle, para onde convergiram os movimentos e organizações contra o caráter anti-democrático da arquitetura do sistema internacional que se estava negociando nas esferas internacionais: Data Janeiro 2000

Local de Davos, Suiça

Abril de 2000

Evento

Manifestantes* 1000 do

Reunião Fórum Econômico Mundial Washington, Reunião do D.C., Estados Banco Mundial e Unidos do Fundo Monetário Internacional (FMI)

Setembro 2000

de Praga, República Reunião do Tcheca Banco Mundial e FMI

Dezembro 2000

de Nizza

20000

Obs.

Tentam paralisar as reuniões, formando bloqueios humanos para impedir a chegada dos integrantes dos organismos internacionais

9000

Reunião de Cúpula da União Européia

60000

Protesto contra diversas políticas de liberalização que estavam sendo discutidas

Quebec, Canadá Cúpula Econômica da OEA – Organização dos Estados Americanos Junho de 2001 Goteborg, Cúpula da União Alemanha Européia

25000

Oposição à criação de uma Zona de Livre Comércio continental.

20000

Além dos protestos que já estavam se tornando habituais, verificaram-se também confrontos com a polícia.

Abril de 2001

Julho de 2001

Gênova, Itália

Reunião do G8

Organiza-se o Fórum Social em Gênova, em data simultânea. A polícia italiana mata o estudante Carlo Giuliani, durante os protestos.

Tabela 1- Manifestações pela democratização das negociações internacionais

10

b) O Fórum Social Mundial O segundo elemento de inovação na conjuntura do início do séc. XXI, é o surgimento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, com as suas diversas reedições posteriores, com um formato

anuais inicialmente, depois, numa evolução organizativa,

que articula edições “regionais” (continentais) alternadas por

edições globais, a partir de 2004. Desde 2001, já aconteceram seis edições globais, sendo quatro em Porto Alegre, uma em Mumbai (Índia) e uma em Nairobi (Quênia). O Fórum Social estimulou um novo modelo de articulação dos atores sociais, com uma nova metodologia, que desde então, veio sendo frequentemente utilizada na promoção de fóruns em nível local, em níveis territoriais sub-nacionais, em âmbito de algumas nações ou mesmo os continentais. Na página do Fórum Social Mundial, é possível encontrar uma listagem ano a ano de muitos Fóruns regionais e outros fóruns temáticos que, a partir de 2001, foram acontecendo. São muitos, mas com certeza, há outros tantos realizados segundo a mesma metodologia e filosofia, que, entretanto não foram informados à Secretaria do Fórum Social Mundial. Isto implica reconhecer que o Fórum Social Mundial, mais do que uma instância organizativa, revelou-se uma dinâmica de agregação dos diversos movimentos, entidades ou articulações, reunindo pessoas e organizações que se consideram contempladas pela sua Carta de Princípios. Em um texto publicado pelo IBASE – Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica, Francisco Whitaker5 discute o que o Fórum Social traz de “novo” enquanto prática de atuação política. Para Whitaker (2005), duas crises impuseram a necessidade de se repensar o quefazer político: a primeira, crise dos sistemas representativos, em que o distanciamento entre representante e representados foi se acentuando com o tempo, de tal modo que a própria representação passa a perder credibilidade; a segunda crise é aquela dos partidos que tendem ao fechamento interno e ao ensimesmamento, onde lutas internas combinadas com disputas eleitorais determinam a incapacidade de manter laços de interlocução com a 5 Francisco Whitaker, juntamente com Oded Grajew, é um dos idealizadores do Fórum Social Mundial, em sua primeira edição. Ambos convidaram também o jornalista Bernardo Cansin, do jornal francês Le Monde Diplomatique, para organizarem juntos o primeiro Fórum, que por sugestão de Cansin, realizou-se em Porto Alegre. O sucesso do primeiro Fórum estimulou o Comitê de entidades que participaram de sua organização a decidirem pela continuidade da realização dos Fóruns. O Comitê, posteriormente, incorporou organizações de diversos países e se tornou internacional.

11 sociedade. Diz Whitaker: “A ineficácia política resultante – em termos de transformação social efetiva – levou ao surgimento, de baixo para cima, em variados setores da sociedade, de outras formas de ação com objetivos igualmente políticos, sem passar pelos partidos ou sindicatos nem por sistemas eleitorais de escolha de representantes. Essas novas formas de ação vão se tornando conhecidas como “movimentos cívicos”: reivindicatórios, ecológicos, de luta por direitos humanos etc. Os chamados “movimentos populares”, nos países pobres, e as mobilizações pontuais e independentes de trabalhadores ou estudantes, nos países ricos, são claros exemplos dessas novas formas de atuação política” (Whitacker, 2005: 206).

Para

ele,

como

consequência

das

duas

crises

apontadas,

as

características organizativas dos movimentos também apresenta-se diferente. Deste modo, destaca que há, no interior dos novos movimentos reunidos no Fórum Social Mundial, uma atitude que rejeita a obediência cega a palavras de ordem ou a disciplinas

partidárias

ou

a

dependência

de

chefes

carismáticos,

todas

manifestações diversas, mas de qualquer modo, expressões de autoritarismo. Aludindo a uma linhagem direta com os acontecimentos de maio de 68 na França, comenta: “Quando suas manifestações enchiam as ruas, isso decorria – diferentemente das mobilizações manipuladas de direita ou de esquerda – de uma tomada de consciência, por um grande número de pessoas, do interesse e da responsabilidade de cada um nas lutas que eram propostas. Seus líderes não demonstravam interesse em se integrar posteriormente às estruturas de poder político ou sindical. E as estruturas piramidais de comando eram substituídas por coordenações colegiadas e por articulações que se espalhavam em rede” (Whitacker, 2005: 206).

Fundamentalmente, Whitaker ressalta o surgimento e a consolidação de uma consciência segundo qual a ação política não se restringe à atividade de quadros políticos profissionais ou à militância partidária. Que as pessoas foram percebendo a necessidade e a possibilidade de pensar e agir como cidadãos e enquanto cidadãos, filiados ou não a partidos, sindicalizados ou não, sem precisarem sem pagas para isso. “Essa consciência de cidadania está ainda longe de alcançar as grandes maiorias, mas vai ao mesmo tempo ganhando uma dimensão mundial, à medida que a globalização intensa da informação e da comunicação, assim como as facilidades de

12 transporte internacional, tornam possível um conhecimento direto das situações de injustiça que ocorrem pelo mundo. O sentimento de solidariedade decorrente amplia então sempre mais o número de pessoas desejosas de participar, como protagonistas permanentes, dentro de seus países ou internacionalmente, das novas formas de atuação política cidadã” (Whitacker, 2005:207)

Para Whitaker, o FSM se insere nesta dinâmica e se apresenta em linha de continuidade com as mobilizações iniciadas em Seattle. Era um “momento em que os movimentos cívicos contrários às opções neoliberais hegemônicas no mundo se ampliavam e suas redes se multiplicavam. Ele se inseriu no claro posicionamento político desses movimentos, contra um modelo econômico que mercantiliza tudo e submete o próprio processo político ao chamado “mercado”, aumentando as desigualdades dentro dos países e entre países.” (Whitaker, 2005: 207). Mas, o que diferencia o FSM daqueles movimentos, é que ele mostrou que “já era tempo de consolidar e mesmo organizar, como alternativa às ações propriamente partidárias a ação cívica, como ação política de uma 'sociedade civil' autônoma em relação aos partidos. Ao mesmo tempo, o Fórum fez surgir um novo ator político, a “sociedade civil planetária”, com a dimensão e a articulação mundial que tem o sistema liberal atualmente hegemônico”. (Whitaker, 2005: 2008) (grifos meus). Este caráter de “alternativa” determina, portanto, a identidade do Fórum. Por um lado, implica na sua distinção em relação a outros tipos de atores políticos clássicos, tais como os partidos e os sindicatos. De outro lado, demarca o campo de oposição ao aspecto excludente do sistema mundial, sob a égide do capitalismo neoliberal. Por outro lado, ainda, o Fórum apresenta-se enquanto alternativa também na metodologia e, por último, enquanto ideário. Metodologicamente, o Fórum erige-se negando exercer “um lugar de comando na luta contra o neoliberalismo”. Trata-se, segundo pretendem seus “iniciadores”, de “grande espaço aberto de reconhecimento mútuo, respeitoso da diversidade e do ritmo de cada um, que propicia com a força e a riqueza dos entrelaçamentos, a interpenetração de ações até então estanques, abrindo novas frentes planetárias e diversificadas de luta, buscando pela ação prática de cada um e de todos a transformação efetiva do mundo, rumo a um sistema econômico e

13 político a favor do ser humano”. (Whitaker, 2005: 208). Nesse sentido, para Whitaker, o Fórum passou do protesto massivo, que tem Seattle como expoente, para a “construção massiva de alternativas”. Sobre o conceito de alternativa, para uma primeira aproximação, vamos utilizar aqui a concepção expressa na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, art.4: “4. As alternativas propostas no Fórum Social Mundial contrapõemse a um processo de globalização comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço de seus interesses, com a cumplicidade de governos nacionais. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização solidária que respeite os direitos humanos universais, bem como os de todos os cidadãos e cidadãs em todas as nações e o meio ambiente, apoiada em sistema e instituições internacionais democráticos a serviço da justiça social, da igualdade e soberania dos povos”

Novamente, na Carta de Princípios, a expressão “alternativas” aparece, desta vez no art. 11, que trata do Fórum enquanto espaço de debates: “11. O Fórum Social Mundial, como espaço de debates, é um movimento de idéias que estimula a reflexão, e a disseminação transparente dos resultados dessa reflexão, sobre os mecanismos e instrumentos da dominação do capital, sobre os meios e ações de resistência e superação dessa dominação, sobre as alternativas propostas para resolver os problemas de exclusão e desigualdade social que o processo de globalização capitalista, com suas dimensões racistas, sexistas e destruidoras do meio ambiente, está criando, internacionalmente e no interior dos países”

Como se desdobra desse texto, a temática da “dominação do capital”, da “resistência e superação dessa dominação”, e da resolução dos problemas da “exclusão e desigualdade social” ocupam vastamente, de modo complementar entre si, a melhor interpretação do sentido dado à “alternativa” enquanto categoria do ideário político do Fórum Social. Assim, a alternativa implica necessariamente a alteração dos modelos econômicos predominantes. É por isso que, no primeiro artigo da sua Carta de Princípios, o Fórum se propõe como espaço de debates, reflexão, aprofundamento de idéias, de “troca livre de experiências”, mas também de “formulação de propostas” e “articulação para ações eficazes”, de entidades e movimentos “que se opõe ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo”. Segundo este item da Carta de

14 Princípios, as entidades participantes do Fórum são aquelas que “estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária orientada a uma relação fecunda entre os seres humanos e destes com a Terra”. Ainda que a redação não explicite, a temática subjacente a esta sentença refere-se à produção e ao modo como organiza-se. A expressão “relação fecunda entre os seres humanos e destes com a terra” aponta para a temática do desenvolvimento sustentável, muito frequente nas oficinas, conferências e outras atividades dos diversos Fóruns Sociais. Retornando à discussão sobre a continuidade entre o Fórum Social Mundial e os acontecimentos de Seattle e os seguintes, Whitaker atribui o sucesso e a energia de Seattle ao modelo não hierárquico de sua organização: “...o sucesso de Seattle foi uma demonstração desse tipo de relações: uma enorme e surpreendente quantidade de militantes de diferentes países foi a Seattle [em 1999] contestar as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), sem a necessidade de um comando único impondo uma disciplina” (Whitaker, 2005: 100).

Este tema das redes6 é recorrente no pensamento de Whitaker. Sobre o tipo de ação política que se desenvolve em formato de redes, ele destaca: “Numa rede só subsiste aquilo que tem consistência pela sua própria verdade, não pela autoridade de quem propõe. Essa é a diferença fundamental de uma ação que nasce numa rede. Ela não nasce porque o chefão mandou fazer, e sim porque é uma boa proposta, que é assumida, que depende da adesão das pessoas. (...) Acho que isso significa uma mudança de paradigma. A luta política no mundo de hoje tem características diferentes. Não há necessidade de ser unificada. A unificação tem muito a ver com a ordem, homogeneidade. É preciso trabalhar com a heterogeneidade. A rede é uma organização muito mais forte do que a pirâmide exatamente por causa disso, porque ela se baseia numa opção de todos os seus membros e eles só fazem coisas às quais aderem por convicção. Então, não é uma unidade, é uma co-responsabilidade em torno de objetivos pelos quais as pessoas lutam. Quando você tem que fazer uma massa enorme se mobilizar, é preciso que ela esteja formada por pessoas conscientes do processo que está sendo vivido. Caso contrário, pode-se até alcançar o objetivo visado, mas ele se expõe à derrota posterior” (Whitaker, 2005: 100).

Com a realização contínua dos Fóruns, surgiu a discussão sobre o papel 6 A questão das redes tornou-se um dos temas de maior saliência nos debates da sociologia. No Brasil, Ilse Scherer-Warren tem uma publicação entitulada “Redes de Movimentos Sociais”, datada de 1993. Mais recentemente, Euclides Mance publicou um texto acerca das “Redes de Colaboração Solidária”, que teve tradução também na Itália.

15 do Fórum enquanto locus de deliberação de políticas orientadoras da prática dos movimentos sociais. Deste modo, o Fórum de 2005. Houve um esforço bastante significativo da coordenação de facilitar a proximidade, inclusive física entre os participantes, segundo as áreas de interesse que apresentassem em um grande processo de consultas aberto na preparação do Fórum de 2005, o V Fórum Mundial, realizado pela quarta vez em Porto Alegre. No Fórum de 2007, em Nairobi, Immanuel Wallerstein afirma ter-se tornado mais claramente perceptível o itinerário do Fórum, que teria, na sua expressão, saído de uma linguagem “defensiva”, para uma outra mais “ofensiva”, por meio da construção de uma teia de redes: “Desde o começo, o FSM tem sido o ponto de encontro de uma ampla gama de organizações e de movimentos de todo o mundo que se definiram como opostos à globalização neoliberal e ao imperialismo em todas as suas formas. O seu lema tem sido "um outro mundo é possível", e a sua estrutura um espaço aberto sem oficiais, porta-vozes ou resoluções. O FSM é contra a globalização neoliberal e o termo alterglobalistas foi cunhado para definir a postura dos seus proponentes - um outro tipo de estrutura global. Nas primeiras reuniões do FSM, que começaram em 2001, a ênfase era defensiva. Os participantes, cada vez mais numerosos, denunciavam os defeitos do Consenso de Washington, os esforços da Organização Mundial do Comércio (OMC) para legislar o neoliberalismo, as pressões do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as zonas periféricas para privatizar tudo e abrir fronteiras ao livre fluxo de capital, e a postura agressiva dos Estados Unidos no Iraque e noutros lugares. Nesta sexta reunião mundial, esta linguagem defensiva foi muito reduzida - simplesmente porque toda a gente a considerou adquirida. E, nestes dias, os Estados Unidos parecem menos poderosos, a OMC num beco sem saída e impotente, o FMI quase esquecido. O New York Times, numa reportagem sobre o encontro de Davos deste ano, falou do reconhecimento da existência de uma "equação de poder deslizante" no mundo, que já "ninguém está realmente no comando", e que "os próprios alicerces do sistema multilateral" foram abalados, "deixando o mundo com falta de liderança num momento em que está crescentemente vulnerável aos choques catastróficos." Nesta situação caótica, o FSM está a apresentar uma alternativa real, e a criar gradualmente uma teia de redes cuja influência política vai emergir nos próximos cinco a dez anos. Os participantes do FSM debateram durante muito tempo se o FSM deveria continuar a ser um fórum aberto ou se deveria lançar uma acção política planeada, estruturada. Calmamente, de forma quase subreptícia, ficou claro em Nairobi que a questão não estava mais em debate. Os participantes fariam ambas as coisas - deixar o FSM como um espaço aberto de todos os que querem transformar o sistema-mundo existente e, ao mesmo tempo, permitir e encorajar os que queiram organizar acções políticas específicas e organizar as reuniões do FSM para agir desta

16 forma. A ideia-chave é a criação de redes, que o FSM está particularmente equipado para construir a nível global. Existe atualmente uma eficaz rede de feministas. Pela primeira vez, em Nairobi, foi instituída uma rede de lutas laborais (definindo o conceito de "trabalhador" de forma bastante ampla). Está em formação uma rede de ativistas intelectuais. A rede de movimentos rurais/camponeses foi reforçada. Há uma promissora rede dos que defendem sexualidades alternativas (o que permitiu que os movimentos gays e lésbicas quenianos afirmassem uma presença pública que se tinha mostrado difícil antes). E há redes em funcionamento em arenas específicas da luta - direitos sobre a água, luta contra o HIV/Sida, direitos humanos. O FSM está também a lançar manifestos: o chamado Apelo de Bamako, que expõe toda uma campanha contra o capitalismo; um manifesto feminista, actualmente na segunda versão e que continua a evoluir; um manifesto laboral que está a nascer. Haverá sem dúvida outros manifestos como estes, à medida em que haja novos fóruns. O quarto dia deste encontro foi dedicado essencialmente a reuniões destas redes, cada uma das quais decidiu que tipos de acções conjuntas poderiam levar a cabo - no seu próprio nome, mas sob o guarda-chuva do FSM. Finalmente, dedicou-se atenção ao significado de se dizer "outro mundo". Houve discussões e debates sérios sobre o que quer dizer democracia, quem é um operário, o que é a sociedade civil, qual é o papel dos partidos políticos na futura construção do mundo. Estas discussões definem os objectivos, e as redes são uma grande parte dos meios pelos quais estes objectivos serão realizados. As discussões, os manifestos e as redes constituem a postura ofensiva”. (Wallerstein, 2007).

É facilmente perceptível a incidência da temática de “uma outra economia possível”, quando se examina os eixos de debates ao longo da história dos Fóruns Sociais Mundiais:

Tabela 2-Temática Econômica no Fórum Social Mundial Ano

Local

Eixos pertinentes à temática econômica

2001

Porto Alegre, Brasil

 

A Produção de Riquezas e a Reprodução Social O acesso às Riquezas e a Sustentabilidade

2002

Porto Alegre, Brasil

 

A produção de riquezas e a reprodução social O acesso às riquezas e à sustentabilidade

2003

Porto Alegre, Brasil



Desenvolvimento democrático e sustentável

2004

Mumbai, Índia

  

Meio ambiente e economia Exclusão, direitos e igualdade Globalização imperialista

2005

Porto Alegre, Brasil

 

Economia Popular Solidária Economias soberanas pelos e para os povos – Contra o capitalismo neoliberal

17 Ano

Local

Eixos pertinentes à temática econômica

2006

Caracas, Venezuela

7

  

2007

Nairobi, Quênia

   

Estratégias imperialistas e resistências dos povos Recursos e direitos para a vida: alternativas ao modelo civilizatório depredador Trabalho, exploração e reprodução da vida Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade

É importante ressaltar que esta presença forte das discussões de teor econômico não afastaram ou minimizaram a importância de questões referentes à democracia, à guerra, à ética, à espiritualidade, às organizações internacionais, à educação, à saúde, às temáticas de gênero, de etnias, da agricultura, do sindicalismo, da comunicação social, da tecnologia, etc. Houve, por outro lado, constante liame entre as temáticas econômicas e o modelo participativo da democracia, de modo que as discussões sobre a economia solidária nutriram-se sempre desta dupla dimensão, do produzir, mas da participação de todos no processo de decisão e apropriação do produto.

c) O novo ambiente institucional latino-americano As eleições presidenciais latino-americanas, a partir do início do século XXI representaram alterações importantes de posicionamento das populações em relação às pautas neo-liberais adotadas pelos partidos políticos até então predominantes no continente. Assim, iniciando-se com a eleição brasileira, em outubro de 2002, abre-se um ciclo que se espraia por quase

toda a extensão

territorial da América Latina, envolvendo a Argentina, o Uruguai, a Venezuela, o Chile, a Bolívia e o Equador, na América do Sul, e a Nicarágua, na América Central, em que os processos eleitorais resultaram na formação de governos cujas ações alteraram profundamente a pauta política regional. Se, de modo esquemático, considerarmos a década de 1981-1990, como os anos em que processaram os 7 O Conselho Internacional deliberou que o Fórum de 2006 seria policêntrico, ou seja, aconteceria simultaneamente em três continentes. No caso das Américas, a escolha da sede recaiu sobre a capital venezuelana. Na Ásia, a sede foi a capital do Paquistão, Karashi, e na África, Bamako, no Mali.

18 ciclos de redemocratização em ruptura com as ditaduras militares que se instalaram no continente, os anos entre 1991-2000, seriam aqueles em que os governos nacionais teriam incorporado como horizonte central de ação a pauta dos “ajustes estruturais” de suas economias, procedendo por meio de uma forte orientação para a retirada do Estado da atividade, por meio de numerosas privatizações. A longa citação que faremos, de Atílio Borón (1998), além de sintetizar com precisão este cenário, ainda abrirá, ao final, o tópico subsequente de nossa reflexão. Diz Borón. “A hegemonia ideológica do neoliberalismo e sua expressão política, o neoconservadorismo”, adquiriram uma desabitual intensidade na América Latina. Um de seus resultados foi o radical enfraquecimento do Estado, cada vez mais submetido aos interesses das classes dominantes e renunciando a graus importantes de soberania nacional diante da superpotência imperial, a garnde burguesia transnacionalizada e suas “instituições” guardiãs: o FMI, o Banco Mundial e o regime econômico que gira em torno da supremacia do dólar8. Por outro lado, a sua crise estrutural – seu raquitismo e regressividade tributária, a irracionalidade do gasto, a sangria da dívida externa, sua hipertrofia burocrática – se acrescenta um discurso ideologico auto-incriminatório que iguala tudo o que é estatal com a ineficiência, a corrupção e o desperdício, enquanto que a “iniciativa privada” aparece sublimada como a esfera da eficiência, da probidade e da austeridade. Essas imagens dicotômicas do “público” e do “privado” não resistem à menor análise, ainda que seja pelo fato elementar de que a outra cara da corrupção e da ineficiência do “estatismo” é o empresário privado que corrompe o funcionário estatal. Em todo caso, o amálgama da crise estrutural do Estado com o discurso satanizador do setor público diminuiu a capacidade deste para formular e executar políticas. A burguesia, que no passado apoiou sua acumulação privada na gestão estatal e nas políticas keynesianas, hoje se desdobra para amputar ao Estado todas as suas capacidades regulatórias. Sua estratégia de dominação – articulada nos diferentes cenários nacionais com a das frações hegemônicas do capital imperialista – foi facilitada pelo fenomenal retrocesso experimentado pelo movimento operário em escala planetária. Essa situação precipitou uma ofensiva sem precedentes destinada a desviar o caminho iniciado com a Grande Depressão de 1929, deslocando o centro de gravidade da relação Estado-mercado em direção deste último: daí a onda de desregulações, liberalizações, aberturas indiscriminadas dos 8 A crise que se abate hoje sobre o dólar, enquanto unidade de referência monetária internacional, não era ainda evidente, apesar de que os Estados Unidos, ao final do governo Ronald Reagan já se convertera “de principal credor do planeta em primeiro devedor do universo!”, na expressão de Borón (1998).

19 mercados e as privatizações mediante as quais os capitalistas se apropriaram das empresas estatais e dos serviços públicos mais rentáveis. Como resultado de tudo isso, os capitalistas locais e seus sócios metropolitanos obtiveram várias vantagens: primeiro, reforçaram de maneira considerável seu predomínio econômico, reduzindo drasticamente o controle público dos recursos nacionais e facilitando a atuação do setor privado. Segundo, algo muito importante para o grande capital financeiro internacional e do qual se fala muito pouco: garantiram (pelo menos até agora) o pagamento da dívida externa, destinando para esse efeito recursos e propriedades de caráter público antes “intocáveis”; terceiro, modificaram a seu favor, e de maneira decisiva, a correlação de forças entre o mercado e o Estado, condicionando desse modo os graus de liberdade que pudesse ter algum futuro governo animado por uma vocação reformista ou transformadora. Diante desse panorama não há dúvidas: talvez a tarefa mais urgente com que têm que se enfrentar os países da América Latina uma vez esgotado o dilúvio neoliberal será a reconstrução do Estado” (Borón, 1998: 78-9)

Como disse antes, a reflexão de Borón abriria a explicitação dos problemas com quais poderíamos prosseguir nossa argumentação. Os três pontos elencados por Borón neste segundo parágrafo que transcrevemos acima forjam uma difícil equação com os governos nacionais subsequentes tiveram que ocupar-se, sem dúvida. Os acontecimentos que mais claramente indicaram o grau de risco a que os países foram expostos pela aplicação continuada daquelas políticas de “ajuste estrutural”9 deram-se na crise que se abateu sobre a Argentina, no final de 2001. O país foi conduzido à insolvência, apesar de ter perdido, com o processo das privatizações, quase por completo todo o seu patrimônio, motivo pelo qual, no prazo de alguns meses, instalou-se uma absoluta desorganização política, com a sucessão de trocas de comando na Presidência da República. Em consequência, a reação social contrária ao tipo da ação política adotada naquela década manifestouse por via eleitoral, em todos os países, mesmo naqueles onde os candidatos mais 9 Sobre as políticas de ajuste estrutural do FMI, comenta Joseph Stiglitz: “As decisões eram adotadas sobre a base de uma curiosa mescla de ideologia e má economia, um dogma que por vezes parecia apenas velar por interesses criados. Quando a crise chegou, o FMI prescreveu soluções velhas, inadequadas, ainda que “padroões”, sem considerar os efeitos que exerceriam sobre os povos do países a que se aconselhava aplicá-las. Rara vez vi discussões sobre o que fariam com as políticas com a pobreza; rara vez vi discussões ou análises cuidadosas sobre as consequências de políticas alternativas: só havia uma receita e não se buscavam outras opiniões. A discussão aberta e franca era desanimada. Não havia lugar para ela. A ideologia orientava a prescrição política e se esperava que os países seguissem os critérios do FMI sem reclamar”. STIGLITZ, Joseph E. El Malestar em la Globalización. Madrid: Taurus Pensamiento, 2002, p. 16.

20 identificados com a rejeição do paradigma neoliberal não chegaram à vitória eleitoral. Evidentemente, não há convergência entre os atores políticos e, muito menos, entre os analistas e pesquisadores, de qual seja a mais adequada avaliação sobre o papel que os governos atuais, liderados por Lula (Brasil), Cristina Kirschner (Argentina), Tabaré Vasquez (Uruguai), Hugo Chavez (Venezuela), Bachelet (Chile), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Daniel Ortega (Nicarágua) estejam cumprindo. Com frequência, apontam-se os limites continuístas que estes governos teriam adotado em suas políticas econômicas, quando comparadas às das gestões precedentes. Em que pese a necessidade de aprofundamento destas discussões, não nos compete neste trabalho dedicarmo-nos a tal tarefa. Aqui queremos indicar que procedeu-se a uma mudança, mais ou menos acentuada, a depender das características históricas e do tipo de construção política que se fez em cada país, com a alternância dos agrupamentos políticos no comando do poder central nestes países. Tal alternância, implicou, com frequência, na ocupação dos espaços políticos institucionais por grupos provenientes dos segmentos sociais comumente distantes do poder político, ao longo de toda a história latino-americana ou das jovens democracias recém-instaladas nos países. Tais mudanças, incidiram na alteração da agenda política. Temas como privatizações, Estado Mínimo, perderam espaço. Ganharam importância as questões das políticas sociais, a redução das desigualdades econômicas e sociais, a valorização das culturas e etnias, as políticas afirmativas quanto a gênero e raça. Além disso, no início da década, a pauta concentrava-se na discussão da instalação da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas, apontando a prevalência da dimensão do econômico sobre as questões sociais. Este é, sem dúvida, um dos temas que desapareceu do cenário. Possivelmente, houve convergência entre as mudanças promovidas por vias eleitorais nos grupos no centro do poder político em cada país e a repercussão dos incidentes simbolizados pelo ataque às torres gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, alterando direcionamentos da política externa norte-americana, envolta desde então com as guerras, que acabaram explicitando não apenas o militarismo da política externa norte-americana,

21 mas o seu desrespeito pelo sistema de regulação internacional dos conflitos instalados após a Segunda Guerra. Em seu lugar, reforçou-se o caminho da integração latino-americana, com a valorização do Mercosul. Apesar da crise de 2001, na Argentina, e 2002, no Brasil, os esforços de manter e impulsionar o Mercosul foram mantidos e ampliados. O ano de 2004, foi especialmente importante para o Mercosul e a integração latinoamericana. Em Cuzco, foi realiza a articulação com vistas à formação de um bloco mais ampliado, unindo o Mercosul e a Comunidade Andina, a Comunidade SulAmericana das Nações; além disso, em Ouro Preto, em dezembro, foram constituídas novas estruturas institucionais para o desenvolvimento do processo de integração, com a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) (Decisão CMC Nº 45/04), a fim de financiar programas de convergência estrutural, competividade, coesão social e infra-estrutura institucional; a criação do Grupo de Alto Nível (GAN) para a formulação de uma Estratégia MERCOSUL de Crescimento de Emprego; e a encomenda à Comissão Parlamentar Conjunta de uma proposta de Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, que se implantou em maio de 2007. Segundo a proposta aprovada, já no início da próxima década, o Parlamento do Mercosul será constituído por meio de eleições específicas de deputados exclusivos, sem a atual coincidência de mandatos nacionais e comunitários. Mas, os anos seguintes também não foram menos importantes, do ponto de vista do desenvolvimento do relacionamento e da constituição institucional do vínculos entre os países integrantes da Comunidade. Em 6 de julho de 2005, se firmou o Protocolo de Assunção sobre Direitos Humanos do Mercosul e em dezembro de 2005, a Venezuela protocolou seu pedido de adesão ao Mercosul, em fase de aprovação pelos parlamentos brasileiro e paraguaio, uma vez que Argentina e Uruguai já chancelaram seu aceite. Em 2006, aprovou-se a Estratégia Mercosul de Crescimento do Emprego (Decisão CMC Nº 04/06) e criou-se o Observatório da Democracia do Mercosul (Decisão CMC Nº 24/06); além disso, estabeleceu-se que a Argentina será sede permanente do Mercosul Cultural. Em 2007, deliberou-se também pela criação do Banco do Sul, com o objetivo de financiar os processos de desenvolvimento regional. O dado inovador na constituição do banco será o formato dos processos deliberativos, em que o voto

22 dos sócios independerá da capitalização que tenham feito no banco, numa espécie de gestão com alguma similaridade em relação àquele pretendido pelas cooperativas.

d) Sintetizando O que viemos apresentando até este momento, refere-se ao apontamento de que ao longo destes primeiros anos do século XXI, as condições da ação social e política conheceu alterações significativas ante o ambiente de desesperança que se via na década precedente. O neoliberalismo foi difundido de maneira tão intensa quanto o proselitismo de seitas pentecostais utilizando-se do televangelismo. A imagem do proselitismo religioso não é de todo metafórica. De fato, como se sabe, os laços entre os grupos conservadores da política norte-americana mantém fortes vínculos com os grupos neo-conservadores religiosos. Ainda no final dos anos 70 e início dos 80, o IRD – Instituto de Religião e Democracia foi responsável pela elaboração do Documento de Santa Fé, que serviria de plataforma para a atuação política do governo Reagan no tratamento da questão religiosa, erigida à alçada de estratégia política, com o intuito de interferir na difusão da teologia latino-americana da libertação,

que

naquele

período

crescia

aceleradamente,

implicando

no

fortalecimento da consciência política da população e na sua capacidade de organização e articulação. Conforme argumenta Scherer-Warren, a teologia de libertação constituiu-se numa utopia com importantes resultados junto às populações que ela alcançava10. Diz ele “...eu gostaria de sugerir que a existência de uma utopia de libertação na América Latina seguindo essencialmente, o pensamento da Teologia da Libertação, e em menor grau influenciada também por outras utopias contemporâneas, tais como feminismo e ecopacifismo, tem até agora trazido alguns resultados importantes: tem ajudado pessoas não-privilegiadas a se organizar para defender interesses comuns; tem-nas ajudado a se reconhecer como pessoas em processo de crescimento, através da redescoberta de sua dignidade; fez com que pessoas acreditassem que poderiam ter um papel importante na moldagem de seus 10 O uso do verbo no passado não implica na idéia de que os impactos da teologia da libertação se tenham encerrado. Apenas tem por intuito respeitar o tempo em que a autora redigiu seus escritos. Na verdade, a teologia de libertação continua presente e bastante operante na América Latina, apesar de ter perdido espaços no interior da insitucionalidade eclesial.

23 próprios destinos e, finalmente, participar na mudança de suas sociedades. Com relação a este último aspecto, esta utopia de libertação tem criado uma forte esperança no poder de organização coletiva de promover a mudança para uma sociedade melhor. Isto é positivo enquanto funciona como motor para ação social e engajamento político. Porém, pode se tornar negativo quando as mudanças não são alcançadas por falta de estratégias, avaliação inadequada de contra movimentos e deficiências na avaliação das possibilidade reais de conquista em cada situação. Resta, portanto, um desafio: como os latino-americanos poderiam passar da redescoberta de sua própria dignidade ao reconhecimento social dela? É aqui que reside o problema de transformar a utopia de libertação em realidade liberta” (Scherer-Warren, 1996: 48).

O movimento neo-conservador religioso que se difunde pela América Latina nos anos seguintes à posse do presidente Reagan, vêm, portanto, atuar como o pregador da anti-utopia. E nisto também ele coincide com o perfil do pensamento neoliberal, na medida em que o neoliberalismo, a partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim, passa a difundir a tese do triunfo definitivo do capitalismo e do “fim da história”. Trata-se, quando pensamos nos movimentos que se tem organizado nas manifestações e marchas, ou nas redes de movimentos sociais ou ainda nas articulações do Fórum Social Mundial, de discutir o possível ou o impossível de uma globalização solidária, com as características já citadas na Carta de Princípios do Fórum Social Mundial, sobre qual discorremos brevemente acima. Neste sentido, pensar se “um outro mundo é possível”, como sintetiza o slogan do Fórum Social Mundial coloca-nos diante da discussão sobre a utopia, sua possibilidade de efetivação para além do âmbito do ideário no campo das relações sócio-políticas, e mais que isso, de conhecer as formas em que se tem experimentado realizar a utopia. O teólogo da libertação Franz Hinkelammert, em sua obra A Crítica da Razão Utópica, publicada no Brasil em 1986. Lendo-o, e analisando, Enrique Dussell (2002) comenta que Hinkelammert discute o tema da utopia e da anti-utopia. Enquanto a utopia é sempre rejeitada enquanto irrealizável, Hinkelammert afirma que ela amplia os marcos categoriais do pensamento social e lança-nos frente ao desafio da factibilidade. Desistir da utopia, neste sentido, implica na rejeição do conhecimento,

24 uma vez que a realidade transcende a experiência, mas mais que isso, implica numa atitude equivalente ao suicídio. Diz ele: “O sujeito prático não pode atuar a não ser que seja um sujeito vivo. É preciso viver para poder conceber fins e encaminhar-se para eles... Viver é também um projeto que tem condições materiais de possibilidade e fracassa se não conseguir realizá-las... A decisão sobre os fins é uma decisão sobre a concreção do projeto de vida dos sujeitos e não se esgota numa relação formal meio-fim (como opina Max Weber)... Nem todos os fins concebíveis tecnicamente e realizáveis materialmente segundo um cálculo meio-fim (da razão instrumental) são também factíveis: só aquele subconjunto de fins que se integra em algum projeto de vida... Fins que não são compatíveis com a manutenção da vida do próprio sujeito caem fora da factibilidade... É possível realizar fins fora desta factibilidadem mas sua realização implica a decisão de acabar com um projeto de vida que engloba todos os projetos específicos de fins. É uma decisão pelo suicídio” (Hinkelammert, 1986, apud Dussell, 2002: 263-4).

É neste ponto que passamos à apresentação das experiências dos movimentos de finanças solidárias.

2. O Movimento das Finanças Solidárias Como já expusemos anteriormente, o final do século XX e início do século XXI, em termos dos movimentos sociais, está fortemente marcado pela presença de eventos, grupos, mobilizações e articulações que se propõe a construir um campo de “alternativa” ao modelo “rentista” que adquiriu o capitalismo contemporâneo. É evidente que há uma enorme diversidade no interior deste campo de alternativas de finanças solidárias, tanto quanto ao tipo de sua ação, quanto à caracterização de seu discurso, ou ainda quanto à extensão geográfica de sua atuação. Para nossa classificação, vamos utilizar principalmente a distinção quanto ao tipo de ação. Neste sentido, no movimento das finanças solidárias, podemos distinguir entre os seguintes grupos: a) redes e grupos de pressão política: aqueles movimentos e organizações que pautam sua ação especialmente em promover o debate das características anti-democráticas das instituições de deliberação

na política

econômica internacional, questionando a livre circulação do capital sob controle dos conglomerados internacionais e suas consequências sobre as populações empobrecidas do planeta; b) redes e grupos de estudo e fomento das finanças solidárias: dedicam-se a pesquisar e oferecer análises sobre os processos do sistema financeiro, sobre as práticas das organizações de finanças solidárias, bem como agir no sentido de fortalecê-las ou ainda estimular a criação de novas instituições dedicadas às finanças solidárias; c)

redes

e

grupos

de

operadores

financeiros:

aqueles

que

efetivamente procuram atuar com os recursos financeiros em condições diferentes daquelas empregadas no sistema financeiro internacional. São grupos que dedicam-

26 se a motivar usos para a moeda, como estímulo ao desenvolvimento local, ao fortalecimento dos laços associativos das comunidades, a financiar as populações de baixa renda em suas necessidades ou atividades produtivas, estimulam a produção ou facilitam as condições de comercialização dos produtos dos pequenos produtores, estimulam a criação de poupança comunitária autogerida, oferecem garantias de crédito em condições acessíveis aos pobres ou pequenos empreendimentos, facilitam os processos de remessas de recursos entre trabalhadores em migração internacional e seus familiares, etc.

2.1. Redes e Grupos de Pressão Política 2.1.1. Campanha pelo Perdão das Dívidas Externas dos Países Pobres Dentre eles, merece destaque o movimento em favor da redução e do perdão da dívida externa dos países pobres. Esta campanha teve especial repercussão nos anos imediatamente anteriores ao ano 2000, sendo conhecida com a Campanha do Jubileu 2000, sob a inspiração da tradição bíblica, segundo qual, no ano jubilar, as dívidas todas eram perdoadas e, em consequência, os escravos libertados. Esta campanha encontrou enorme eco na África, ajudando a estruturar-se uma forte rede de organizações dedicadas a promover discussões, debates, mobilizações e produzirem eventos políticos sobre o problema da dívida. No Brasil, em 1999, realizou-se o Tribunal da Dívida, como evento de debates e julgamento dos seus impactos prejudiciais ao desenvolvimento nacional e seus impactos mais acentuados sobre a população de baixa renda. No ano seguinte, apoiado pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, mas com a participação e coordenação de diversas organizações, uma grande mobilização foi estimulada para promover o Plebiscito da Dívida Externa. Inicialmente, a coordenação das entidades tentou conseguir a aprovação do Congresso Nacional para a realização formal e oficial do Plebiscito. Entretanto, na medida em que o Congresso Nacional negou-se a deliberar sobre o assunto, os movimentos optaram por estimular a auto-organização das comunidades, das associações, dos sindicatos, etc., de modo a construir o símbolo político do plebiscito. Evidentemente, que sem a deliberação formal pela realização oficial do plebiscito, o debate que os movimentos pretendiam promover com toda a sociedade brasileira acerca dos impactos perversos do pagamento da dívida sobre o desenvolvimento nacional, não se pode realizar, senão de modo residual. Apesar disso, a experiência da auto-

27 organização foi muito importante para aquele movimento, como uma espécie de antecipação da experiência representada pelo Fórum Social Mundial de Porto Alegre, cuja primeira edição seria realizada em janeiro do ano seguinte, 2001. Podese dizer, que a aprendizagem mobilizadora e plural que as organizações puderam adquirir com a preparação do Plebiscito serviu como suporte e alavanca para a participação posterior em Porto Alegre. O Plebiscito foi organizado para setembro de 2000, e serviu também para lançar na agenda política dos movimentos sociais brasileiros o Grito dos Excluídos. 2.1.2. Movimento pela Implantação da Taxa Tobin Como apontam Greffe, Greffath e Schumann (2005), o economista norteamericano James Tobin argumentava já nos anos 1970 que

“o fluxo de capital

desregulamentado, com suas alterações de rota abruptas e oscilações caóticas de câmbio, acaba causando danos à economia material”. Por isso sua recomendação era no sentido de se “espalhar um pouco de areia na engrenagem de nossos mercados monetários internacionais, exorbitantemente eficazes”, tributando as transações de divisas com uma tarifa de 1%. Sua expectativa era, com isso, diminuir drasticamente o aproveitamento, pelos especuladores, de oportunidades geradas por diferenças de taxas de juros entre as diversas economias, a não ser em situações extremas, em que as diferenças de taxas fossem muito compensadoras11. Esta sua proposta, evidentemente, estava inspirada nas proposições de Keynes, que defendia, segundo Belluzzo (1999), a criação de uma “administração centralizada e pública do sistema internacional de pagamentos e de criação de liquidez”. O sistema internacional regulado que se constitui sobre as proposições de Keynes, no acordo de Bretton Woods, em 1944, assentava-se sobre as seguintes bases: taxas de câmbios fixas, mas ajustáveis; limitada mobilidade de capitais; e demanda por cobertura de déficits atendidas, sob condicionalidades, por meio de uma instituição pública multilateral. O propósito deste modelo era “estimular o acesso à riqueza através do crédito dirigido à acumulação produtiva, com o objetivo 11 Na situação brasileira atual, as taxas de juros pagas ao mercado pelo governo em função do volume e do perfil do endividamento, ainda mantém enorme distância quando comparadas àquelas pagas pelos governos europeus ou mesmo norte-americano. Este fenômeno evidencia-se especialmente no caso das taxas pagas para o endividamento interno, uma vez que a dívida externa passou por imortante melhoria do seu perfil nos últimos anos. Esta distância entre nossas taxas de juros e aquelas pagas pelos governos dos outros países explica a atração elevada de recursos internacionais que tem vindo ao país, num movimento constante nos últimos anos. Quando comparam-se os países da Europa entre si ou com o Japão ou Estados Unidos e Canadá, verifica-se que a distância é muito menor, e nestes casos, a aplicação da tarifa de 1% proposta tornaria muito difícil o a circulação de capital especulativo. Deste modo, Tobin esperava conter o fluxo desse tipo de capital, não de todo, evidentemente, mas em grande parte.

28 de manter o pleno emprego, elevando em termos reais, os salários e demais remunerações do trabalho” (Belluzzo, 1999: 100-101). Com a ruptura dos compromissos firmados em Bretton Woods, instalamse no cenário internacional recorrentes crises financeiras, desde o início do anos 1980, envolvendo o México e o Brasil, dentre outros, passando mais tarde pela crise Russa, depois pelas crises das economias asiáticas, na década de 1990, até a derrocada Argentina, em 2001. É neste contexto, que em 1997, o jornalista francês Ignacio Ramonet publica o artigo “Desarmar o mercado”. Neste artigo, Ramonet afirmava que a mundialização do capital financeiro havia lançado as pessoas num estado de “insegurança generalizada”, que havia criado seu próprio Estado, com seus aparelhos, regras de funcionamento e meios de ação, a saber, o FMI, a OCDE, o Banco Mundial e a OMC. Com tais instituições declinando a poesia das virtudes do mercado, este Estado mundial consistiria num poder sem sociedade, um Estado em que apenas tem cidadania o capital financeiro e as corporações internacionais. Sua existência tem como consequência destituir as sociedades de poder, instalando uma crise de governabilidade na ordem internacional. A OMC, depois de 1995, ter-se-ia transformado num órgão com a pretensão de dominar as instituições política, impor aos parlamentos o regramento legislativo as nações, estabelecer as políticas relativas ao trabalho, ao desenvolvimento, às politicas sociais, condenando qualquer uma delas que implicasse em contrariar a liberdade comercial. Neste cenário, Ramonet afirma que desarmar o poder dessa ordem financeira é um dever cívico dos cidadãos, inclusive com o objetivo de evitar a transformação do mundo num jogo onde os “predadores” determinam a lei. Ramonet apresenta três ações que entende serem necessárias para combater os impactos da financeirização que atenta contra a democracia e os direitos: a) extinguir os paraísos fiscais; b) aumentar a fiscalização e os impostos sobre as rendas do capital; c) taxar as transações financeiras. Depois de argumentar justificando os dois primeiros pontos, Ramonet lança aos sindicatos e associações de caráter cultural, social e ecológicas o desafio de criar a Attac, que ele denomina de “Ação para uma Taxa Tobin de apoio aos cidadãos” (Action pour une taxe Tobin d’aide aux citoyens), que constituída sob a forma de organização não governamental deveria agir como um grupo de pressão cívica sobre os governos com o intuito de tornar efetiva, em termos mundiais, a solidariedade.

29 A força do artigo de Ramonet repercurtiu sobre a sociedade civil e as organizações sociais na França, especialmente, mas não só. O jornal Le Monde Diplomatique, onde o artigo de Ramonet foi publicado, recebeu mais de 5 mil cartas comentando o documento. É importante ter em mente o lugar ocupado pelo Le Monde na imprensa francesa, num campo “combativo” da esquerda, além da movimentação dos trabalhadores franceses a partir de 1995, para entender como foi possível que em tão pouco tempo a ATTAC fosse constituída e se tornasse presente em quase trinta países, inclusive o Brasil, assumindo papel importante inclusive na organização do Fórum Social Mundial de 2002, além de ser uma das mais importantes organizações nas manifestações anti-globalização de que falamos ao início deste trabalho. Efetivamente, a ATTAC foi fundada em 3 de junho de 1998, com o nome de ATTAC – Association pour une Taxation des Transactions Financières pour l'aide aux Citoyens” (Associação para uma Taxação das Transações Financeiras para o Auxílio aos Cidadãos). Além dos acompanhamentos das novas frentes de luta do movimento social contra a globalização, a ATTAC passou efetivamente a defender a implantação da Taxa Tobim como forma de geração de recursos para a aplicação na redução da pobreza no mundo.

2.1.3. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais é uma articulação de oitenta e duas entidades de atuação local, regional ou nacional, que vem monitorando as políticas das instituições financeiras multilaterais sobre o Brasil. A partir de 2005, diversas destas organizações passaram a dirigir-se ao BNDES, apresentando propostas e críticas, mas inicialmente atuando de modo desarticulado. Segundo Luciana Badin12, em 2006, o IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas e a Rede Brasil “realizaram um seminário na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, para discutir não apenas questões pontuais, mas a atuação do Banco em determinados setores: energia e desenvolvimento agrário. Neste seminário houve a participação de outros setores da sociedade, de movimentos sociais, como por exemplo, o Movimento dos Sem Terra, o Movimento dos Atingidos por Barragens, a Rede Alerta contra o Deserto Verde, e fica cada vez mais claro a 12 Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Redes, ongs e movimentos sociais colocam em xeque o modelo de desenvolvimento financiado pelo BNDES e criam a “Plataforma BNDES”. http://www.rbrasil.org.br/content,0,0,1981,0,0.html. Acesso em 22/02/2008.

30 importância de ampliarmos essa discussão e introduzir outros elementos que não somente uma discussão pontual do Banco, mas também uma questão mais propositiva, não no ponto de vista de um questionamento, uma crítica, mas também na identificação de estarmos construindo propostas para o Banco” Este Seminário teve como designação “o BNDES que temos e o BNDES que queremos” e, segundo Badin, pode ser considerado um marco no surgimento de uma plataforma apresentada pelas organizações e movimentos do Banco designada de “Plataforma BNDES”. A partir deste seminário, outras reuniões foram acontecendo e outros temas foram agregando-se, resultando num longo documento de 19 páginas, que tem como princípio diferenciar crescimento e desenvolvimento. Para a Plataforma BNDES, “Desenvolvimento se refere à dimensão qualitativa da economia, à eficiência e à eficácia econômica, social e ambiental dos modos de produzir e consumir no curto, médio e longo prazos. Assim, aquele tipo de desenvolvimento que defendemos é o que aprofunda a democracia. Ele é endógeno (gerado a partir dos potenciais e recursos das pessoas, comunidades, povo e território eco-social), é soberano (cujos sujeitos sejam os portadores dos potenciais e recursos a desenvolver), é solidário (com base na consciência de que ninguém desenvolve ninguém e ninguém se desenvolve sozinho) e sustentável (que considera os custos no curto, médio e longo prazos e os internaliza tão integralmente quanto possível no momento de contabilizá-los). O tipo de desenvolvimento que esperamos ver o BNDES financiar deve ter como objetivo central a promoção do desenvolvimento próprio, ao mesmo tempo soberano, solidário e sustentável, de cada pessoa e comunidade que constitui nosso vasto País, na perspectiva de superar desigualdades” (Plataforma BNDES: 2007, 2).

O documento ressalta o fato de que exprime a voz de setores comprometidos com as populações “negativamente afetadas” pelo modelo de desenvolvimento tradicionalmente adotados no Brasil, e por isso defende a “redefinição dos rumos do desenvolvimento brasileiro”. Mais que isso, afirma que o BNDES, enquanto banco público de fomento ao desenvolvimento “...não apenas deve, mas precisa abrir suas portas ao diálogo com a sociedade, sob pena de, caso rume em sentido contrário, ser totalmente capturado pela lógica de mercado, o que esvaziaria o caráter público indispensável ao financiamento de um tipo de desenvolvimento, como já dissemos, democrático e justo com a maioria da população brasileira. Alguns sinais desta captura são visíveis. Eles estão na escolha do desembolso financeiro como único critério de eficiência do Banco e na própria perspectiva de eliminação de riscos, características de um banco privado comercial e não de

31 um banco público de desenvolvimento. Em nossa opinião, o BNDES tem de passar a trabalhar com um conceito de políticas sociais, quando da concepção de medidas estruturantes e abandonando de vez a idéia de que o S de sua sigla signifique resquícios de políticas compensatórias. É fundamental que esta orientação política se transforme em prática, nos financiamentos do BNDES. Afinal, se a maior fonte de recursos do Banco provêem dos trabalhadores e das trabalhadoras, é necessário criar condições para que eles e elas se beneficiem destes repasses compulsórios”. (Plataforma BNDES, 2007: 2-3).

O documento vai propor ao Banco acolher sugestões nas seguintes áreas: 1. Transparência e necessidade de publicidade 2. Participação e controle social 3. Desenvolvimento de critérios e parâmetros: a. Territoriais/Regionais b. Socioambientais c. Climáticos d. Gênero e raça / etnia e. Trabalho e renda 4. Políticas setoriais para as seguintes áreas: a. Infra-estrutura social b. Descentralização do crédito c. Desenvolvimento rural sustentável e agroecológico d. Energia e clima e. Integração regional Não importa, para o escopo deste trabalho, aprofundar o caráter das propostas que constituem a Plataforma BNDES entregue ao banco. Importa captar a presença de um novo tipo de movimentação, que parte do movimento social e direciona ao banco público um conjunto de demandas de democratização das sua estrutura operacional e a alteração de seus critérios de análise, segundo pressupostos que apontem para o desenvolvimento de uma economia solidária. A importância dessa iniciativa deve considerar o fato de que a carteira de financiamento do BNDES aproxima-se de R$ 200 bilhões, que o banco tem a previsão de liberar um montante de aproximadamente R$ 80 bilhões em 2008, e que o BNDES, quando comparado a outras organizações interacionais de fomento, como o BID ou o Banco Mundial, é o que tem realizado os maiores volumes de desembolso, em nível mundial. Em 2005, por exemplo, o BNDES liberou empréstimos duas vezes maiores do que o Banco Mundial e quatro vezes maiores do que o BID13.

13 Torres Filho, E.T. Direcionamento do crédito: o papel dos bancos de desenvolvimento e a experiência recente do BNDES. p. 291.

32 É absolutamente relevante também considerar que, neste caso, em específico, o movimento construiu um canal de interlocução política, que resultou na participação do presidente do banco, sr. Luciano Coutinho, numa reunião das organizações, quando recebeu o documento produzido coletivamente. Esta reunião aconteceu em agosto de 2007, e em outubro, conforme notícia veiculada pelo site “Repórter Brasil”, o Banco ofereceu uma primeira resposta às reivindicações da Plataforma BNDES, no sentido de aumentar o grau de informação pública sobre as operações do banco, bem como a determinação para a constituição de grupos de trabalho com vistas à preparação e adoção de critérios de avaliação, que em alguma medida contemplem as demandas da Plataforma. Numa articulação muito similar à Rede Brasil, constitui-se também uma outra articulação, de que a própria Rede Brasil participa, juntamente com outras organizações latino-americanas, discutindo a proposta de instalação do Banco do Sul, proposto pelo presidente Hugo Chavez, da Venezuela, à comunidade de países da América do Sul, no início de 2007. Segundo Fabrina Furtado (2007), secretária da Rede Brasil, “...o Banco do Sul precisa ser baseado em uma lógica que não seja dominada por critérios financeiros, mas sim de complementaridade, reciprocidade e solidariedade a partir de outras estratégias de desenvolvimento diferente das políticas neoliberais e desenvolvimentistas. O Banco não pode condicionar o acesso a crédito a projetos essencialmente rentáveis, a indicadores macroeconômicos ou a contratação de determinadas empresas a serem executoras dos projetos. Assim sendo, o Banco não deve apoiar os projetos de liberalização comercial e financeira e privatizações (ou as Parcerias Público-Privada - PPPs) propostos e apoiados pelas IFMs como por exemplo, a Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA). Pelo contrário, o Banco deve servir como proteção aos países do Sul dos impactos negativos da globalização econômica e política apoiando o desenvolvimento interno e regional autônomo.”

O socioeconomista Marcos Arruda, durante o Fórum Social Mundial de 2007, em Nairobi, participou de um debate com 65 pessoas, representando a Rede Brasil, e a respeito do Banco do Sul, fez uma apresentação no Seminário “Uma Arquitetura Institucional Internacional diferente: O Banco do Sul”. Para Arruda (2007), o Banco do Sul representa uma revolução nas finanças, que para ele viria substituir o Banco Mundial, para os países da América do Sul. “A lógica de financiamento do ‘desenvolvimento’ ao introduzir a perspectiva da solidariedade (finanças solidárias) às relações produtivas e comerciais é invertida. Ela se dá no

33 contexto de iniciativas como a ALBA e outros esforços de integração solidária da América do Sul, que transformam nas relações entre países, pois incorporam os valores mencionados acima na prática dos intercâmbios”. O objetivo maior, segundo ele, é a construção de instrumento autônomo e soberano de financiamento de um outro desenvolvimento e de um sistema de intercâmbios eqüitativo, e a redução drástica da dependência dos países do Sul em relação a créditos e financiamentos do Norte. “Uma das possibilidades mais importantes é que o Banco do Sul sirva para atrair as reservas internacionais dos países do Sul, hoje em geral aprisionadas no FMI e nos bancos do hemisfério Norte. Desta forma, as reservas podem ser um fator de capitalização do Banco do Sul e ao mesmo tempo passam para a gestão soberana dos países sócios do Banco”. “A América do Sul tem servido de berço desta iniciativa. Nela surge também a proposta de uma ou mais moedas complementares para promover intercâmbios de bens, serviços e saberes sem a intermediação das divisas dos países do Norte. Também se prevê a implantação de um Parlamento Sul-Americano, que reforça a construção democrática no continente. Contudo, os desafios políticos e civilizatórios são imensos, sobretudo pela diversidade de tipos de governo que temos hoje na América do Sul. A solução dos problemas técnicos passa necessariamente pela questão política. A condição para o avanço dessas iniciativas, que apontam para uma união democrática dos povos do continente, exige a participação ativa dos mesmos povos neste processo. As Redes de Economia Solidária e outras redes da sociedade civil são importantes atores nesta mobilização”. (Arruda, 2007).

2.1.4. Fórum Brasileiro de Economia Solidária O Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) constituiu-se em estreita proximidade com a realização dos Fóruns Sociais. No I Fórum Social, realizado em Porto Alegre, entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001, a oficina “Economia Popular Solidária e Autogestão” reuniu mais de 1500 participantes, dentre os quais representantes de uma variada gama de organizações de práticas associativas, sociais e políticas diferentes. Faziam-se presentes movimentos atuantes no campo rural e urbano, estudantes, igrejas, grupos sindicais, representantes de universidades, gestores públicos, entidades atuantes no campo do crédito, redes de formação ou informação e organizações com vínculos aos movimentos internacionais. A vitalidade do debate propiciou a constituição do constituição do Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT- Brasileiro), composta por doze entidades e redes nacionais que em momentos e níveis diferentes: a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES); Instituto Políticas

34 Alternativas para o Cone Sul (PACS); Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE); Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Autogestão (ANTEAG); Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (IBASE);

Cáritas

Brasileira;

Movimento

dos

Trabalhadores

Sem

Terra

(MST/CONCRAB); Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCPs); Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT); UNITRABALHO; Associação Brasileira de Instituições de Microcrédito (ABCRED); e alguns gestores públicos que futuramente constituíram a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária. O trabalho do GT-Brasileiro consistiu no esforço de acolher e ajudar a coordenar a enorme diversidade de itinerários diferentes dos muitos atores envolvidos na economia solidária, procurando favorecer a construção da identidade da “economia solidária”, bem como fortalecer a divulgação e a articulação nacional das diversas ações existentes nesse campo no país. Inspirado pelo modelo do Fórum Social, o GT-Brasileiro passou a organizar-se através de Plenárias por meio de qual, de maneira não hierárquica, foram elaborando os “princípios da economia solidária”, o que permitiu ampliar e caracterizar o movimento e seu campo de ação. Ao final de 2002, pouco tempo após a eleição presidencial concluída com a vitória de Lula, nos dias 9 e 10 de dezembro, contando com a participação de mais de 200 pessoas, realizou-se a I Plenária Brasileira de Economia Solidária. Nesta Plenária, dentre outras ações, houve a aprovação de um documento encaminhado ao presidente recém eleito, na forma de carta,

com

o

título

“Economia

Solidária

como

Estratégia

Política

de

Desenvolvimento”. Além de apresentar o ideário do movimento de economia solidária no Brasil, o documento reivindicava a instalação de um órgão oficial para a interlocução com o movimento de economia solidária. O Fórum Social Mundial de 2003, novamente em Porto Alegre, em janeiro, propiciou a oportunidade para a continuidade das discussões com a realização da II Plenária Brasileira de Economia Solidária,

coordenada

pelo

professor

Paul

Singer,

com

a

presença

de

aproximadamente 800 pessoas. A proposta da criação de uma Secretaria Nacional de Economia Solidária foi aceita pelo presidente Lula, o que se concretizou ainda no primeiro semestre de

2003, com a condução do prefessor Paul Singer ao cargo de Secretário Nacional14. Em junho de 2003, na continuidade do ascenso dessas mobilizações, realizou-se a III Plenária Brasileira de Economia Solidária, preparada em eventos regionais realizados em 17 estados. A III Plenária reuniu a participação de 900 pessoas de diversas partes do país, e deliberou pela denominação Fórum Brasileiro de Economia Solidária para o movimento. O FBES assumiu a incumbência de articular e mobilizar as bases da Economia Solidária pelo país em torno da Carta de Princípios e da Plataforma de Lutas aprovadas naquela oportunidade. Além de se definir a composição e funcionamento do FBES, foi iniciado um processo interlocução do FBES com a SENAES com o compromisso de promover um intercâmbio qualificado de interesses econômicos, sociais e políticos, numa perspectiva de superar práticas tradicionais de dependência, que tanto têm comprometido a autonomia necessária ao desenvolvimento das organizações sociais. Outro fruto decorrente daquele evento foi o desencadeamento da criação dos fóruns estaduais e regionais que puderam garantir, por sua vez, a realização do I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária com trabalhadores advindos de todos os estados. Este encontro teve um total de 2500 pessoas e aconteceu nos dias 13, 14 e 15 de agosto de 2004. Neste

processo,

o

FBES

foi

desafiado

a

gerir

abastecimento,

comercialização, trabalhar com moeda social, promover rodadas de negócio, realizar feiras em todos os estados, fazer campanha de consumo consciente, comércio justo e solidário, constituir redes, cadeias produtivas, finanças solidárias, discutir as questões relativas ao marco legal (especialmente a lei geral do cooperativismo e das cooperativas de trabalho). Houve além disso, a demanda pela articulação também com as estruturas do Estado, bem como com os movimentos latino-americanos e internacionais. O FBES passou a articular-se de modo próprio, desencadeando seus próprios processos de organização, mas muito próximo à recém constituída Secretaria Nacional de Economia Solidária, SENAES. A SENAES, por sua vez, passou a atuar de forma a assegurar a identidade da ação pública do Estado, com 14 A instalação da SENAES, Secretaria Nacional de Economia Solidária, foi muito discutida no governo, que buscava considerar o seu melhor posicionamento institucional no organograma governamental. Ao final, depois de muitos defenderem que ficasse nos ministérios do Planejamento ou do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, optou-se por sua instalação no Ministério do Trabalho e Emprego. Durante a I Conferência Nacional de Economia Solidária, em junho de 2006, o tema surgiu novamente, por influência da criação de um Ministério de Economia Solidária pelo governo venezuelano, fato que repercutiu bastante no movimento de economia solidária no Brasil, especialmente após o Fórum Social de janeiro de 2006, em Caracas.

vistas a estruturar a política pública de economia solidária, mas neste processo, serviu de suporte para o fortalecimento e o crescimento do FBES. Em 2006, a SENAES convocou, em fevereiro de 2006, a I Conferência Nacional de Economia Solidária15, que realizou-se em junho, com a participação de mais de 1200 delegados, eleitos em Conferências Estaduais. O FBES sistematizou, ao longo de sua trajetória, a sua carta de princípios, mas também uma pauta com suas propostas de ação. Para a realização de sua IV Plenária Nacional, convocada para março de 2008, estas propostas foram agrupadas em um banco de dados, organizado por Daniel Tygel (2007) em quatro eixos temáticos: Finanças Solidárias, Formação, Marco Legal e Produção, Comercialização e Consumo. Este banco consolida as resoluções políticas que iam se adotando nos eventos do movimento ou nas plenárias do FBES. Não cabe aqui apresentar todas as propostas, mas, interessa-nos particularmente aquelas referentes às finanças solidárias. O trabalho de Tygel nos interessa, porque nele, também estão incorporadas as resoluções relativas às finanças solidárias produzidas na I Conferência Nacional de Economia Solidária. Destaca-se, pela frequência, a reivindicação da criação de um “Sistema Nacional de Finanças Solidárias”. Com pequenas variações, tais como uma “política nacional de finanças solidárias” ou um “sistema nacional de financiamento da economia solidária”, esta proposição implica na percepção dos integrantes do FBES de que o Estado deve fomentar uma política de desenvolvimento solidário. Para tanto, os documentos produzidos nos diversos eventos demandam a utilização de créditos solidários no conjunto das políticas públicas, disponibilizando mais recursos que permitam o crescimento e o fortalecimento dos empreendimentos de economia solidária. Para tanto, o I Encontro Nacional de Empreendimentos Solidários, de 2004, sugeriu a a criação de entidades financeiras, geridos em parceria entre os entes federais, estaduais e municipais e as representações dos movimentos dos empreendimentos solidários para gerenciar o financiamento de projetos da economia solidária com crédito rotativo para estas atividades, bem como fomentar a 15 Para a Conferência Nacional de Economia Solidária, foi instalada uma Comissão Organizadora constituída por integrantes da SENAES, mas também por representantes dos movimentos e do FBES. A Comissão preparou um pequeno documento encaminhado ao todos os movimentos, gestores públicos, entidades, facultando a liberdade de organizarem conferências municipais ou regionais com o intuito de eleger representantes para as conferências estaduais, onde seriam eleitos, segundo os critérios definidos no Documento Preparatório, os delegados à Conferência Nacional. Contabiliza-se que, apesar do exíguo prazo de organização – a Conferência Nacional começou a ser preparada em fevereiro, e realizou no final de junho de 2006, ente os dias 26 e 29 de junho, foram realizadas mais de 150 conferências municipais ou regionais e 27 conferências estaduais, totalizando a participação de mais de 15 mil pessoas nos debates.

criação de moedas sociais em atividades locais. Na Conferência Nacional, o tema deste Sistema Nacional de Finanças Solidárias também se fez presente, mas com uma perspectiva mais ampla, vinculado a uma política geral de democratização do crédito, o que implicaria na abordagem de questões pertinentes à política tributária, à capitalização das instituições fornecedoras de crédito, à regulamentação da autorização de captação de poupança, aos processos de cobrança e outros. Uma ação voltada à democratização do crédito deverá valorizar iniciativas existentes na área das finanças solidárias. No que se refere às agências de financiamento, devem ser estimuladas as cooperativas de crédito, as OSCIPs de microcrédito, os "bancos comunitários", as fundações públicas e os fundos públicos de desenvolvimento, além dos fundos rotativos e os sistemas de moedas sociais circulantes locais, lastreados em moeda nacional (Reais) e outros sistemas de moeda social como outras formas criativas de lastros. A democratização do crédito e acessibilidade pelos empreendimentos solidários exige que se consolide e se amplie a presença de uma vasta rede destas organizações pelo país, criando um Sistema Nacional de Finanças Solidárias, o que requer um fundo de financiamento específico com controle social, como também o desenvolvimento de um marco legal apropriado, capaz de lidar com as questões tributárias, com o problema da capitalização das instituições, da captação de poupança, da cobrança, dentre outros. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006).

O que se depreende de algumas leituras das demandas dos empreendimentos de economia solidária, é a perspectiva de um tratamento preferencial pretendido por alguns setores do movimento, como forma de proteção e incubação destes empreendimentos, de tal modo que protegidos pela política pública, eles possam desenvolver-se e crescer. Nesta perspectiva, aparecem diversas proposições defendendo a desburocratização de financiamento a pequenos grupos de economia solidária, a elaboração de legislação específica para regulamentar a criação de fundos específicos para a economia solidária em nível nacional, estadual e municipal, a necessidade de financiamento e apoio dos governos populares, ou ainda o acesso aos recursos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador pela Secretaria Nacional de Economia Solidária. O desenvolvimento da economia popular solidária requer a construção de uma política de crédito e financiamento solidários apropriados às características dos empreendimentos econômicos solidários, o que inclui desde estabelecer novas condições de acesso aos fundos públicos (municipais, estaduais e federais) já

existentes, como também a criação de programas e fundos específicos de economia solidária que considerem as características regionais, a estruturação e o fortalecimento de diversas agências de financiamento, novos instrumentos de captação de poupança que dêem suporte ao financiamento, novas linhas de crédito para investimento e capital de giro, linhas de investimentos não reembolsáveis e um sistema de garantias apropriado. Uma significativa soma de recursos destinados ao financiamento do desenvolvimento urbano e rural pode desencadear um grande fortalecimento da economia solidária, quando aprovado e gerido com a participação de empreendimentos autogestionários e organizações locais. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006)

Estes fundos devem ser obtidos junto ao FAT, fundos constitucionais de desenvolvimento regional e ao BNDES, segundo o documento aprovado na Conferência Nacional de Economia Solidária. Além disso, deve-se atuar para que recursos do FAT, dos Fundos de Desenvolvimento Regional e do BNDES, possam ser acessados pela Economia Solidária. Urge a criação de um programa similar ao PRONAF, com acesso diferenciado aos recursos, com taxas escalonadas em função de características e porte dos empreendimentos, com prazos alongados e com carências que auxiliem na maturação do empreendimento. Nesse sentido, propõese a criação do "PRONADES" - Programa Nacional de Desenvolvimento de Economia Solidária. Sistema "agregador" das várias possibilidades de finanças de economia solidária em todas as políticas setoriais e econômicas. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006)

Apesar de dirigir-se ao Estado e aos fundos públicos onde encontram vultosos volumes financeiros, o objetivo destas ações, seria na perspectiva dos movimentos reunidos no FBES, estimular o desenvolvimento local comunitário, através de formas menos burocráticas e mais baratas de financiamento às comunidades de baixa renda e associações, com o acompanhamento por entidades de assistência técnica aos projetos. Isso teria como consequência, dentre outras, viabilizar financeiramente as comunidades indígenas, negras, além dos grupos de portadores de necessidades especiais que estão envolvidos em algum tipo de empreendimento. Apesar de propugnar, portanto, a constituição de uma política pública dirigida ao fortalecimento dos empreendimentos de economia solidária, o movimento não entende que diretamente o Estado deva ser o agente responsável pelas funções de análise e concessão de de financiamento aos empreendimentos solidários. O ideal, na perspectiva do movimento, está no fomento à criação de instituições de finanças solidárias: cooperativas de crédito, instituições de microcrédito, iniciativas

de fundos solidários, bancos comunitários, que na nesta lógica, tornaria próxima e acessível a relação entre a necessidade do movimento e a deliberação pela concessão do crédito. Esta proximidade16 é tida como facilitadora das operações, que rapidamente podem ser avaliadas, reduzindo a burocracia, a abstração e o enrijecimento de critérios de análise de risco de crédito, segundo os modelos exigidos pelo sistema bancário, dos grupos de baixa renda. É neste sentido, de valorizar a proximidade e a construção de laços organizativos e sociais comunitários, que inserem-se também as demandas por estruturas de financiamento baseados nos Fundos Solidários, em que o governo apoiaria de modo a gerar recursos rotativos disponíveis à comunidade. Os documentos do FBES apostam neste instrumento para reforçar o caráter da gestão democrática dos projetos comunitários, o que além de mobilizar a comunidade poderia ter como consequência o fortalecimento da cidadania dos sujeitos coletivos, grupos comunidades e trabalhadores associados. “No âmbito da política de financiamento, poupança e crédito à Economia Solidária, requer-se igualmente estruturar linhas subsidiadas e não-reembolsáveis, em função do público envolvido ou do perfil da atividade desenvolvida. Por exemplo, empreendimentos constituídos por egressos do sistema penitenciário, portadores de necessidades especiais ou outras minorias. Também linhas específicas de crédito com condições apropriadas em função do perfil da atividade. Assim, linhas de fomento às cooperativas e empreendimentos autogestionários. aos empreendimentos que impactem positivamente a preservação do meio ambiente. empreendimentos com impacto na preservação ou difusão da cultura, tais como os artesãos. Em todos os casos, importa que o sistema opere com os mais flexíveis modelos de avaliação dos projetos e a menor burocracia para o acesso ao financiamento, considerando, por exemplo, o calendário agrícola na concessão de crédito para a agricultura familiar. Esses financiamentos devem contemplar principalmente os empreendimentos em fase de implantação e maturação”. (I Conferência Nacional de Economia Solidária, 2006). 16 A dualidade distância/proximidade é interessante no debate das finanças solidárias. A temática da escassez do crédito para os empreendedores populares, com suas microempresas, ou mesmo aqueles informais, ou ainda reunidos em empreendimentos de economia solidária pode ser compreendida por meio da elaboração de Stiglitz e Weiss (1981). Segundo eles, a escassez do crédito pode resultar da ausência de disponibilidades financeiras que permitam atender a toda a gama de demandantes, de um lado, ou, numa segunda situação, nos casos em que se impõe a “assimetria de informação” entre o fornecedor e o demandante do crédito. Ou seja, uma situação em que o tomador de crédito conhece as características do negócio no qual pretende investir o dinheiro emprestado e também conhece as probabilidades de êxito ou fracasso desse negócio, enquanto o emprestador consegue observar ou não o retorno esperado do crédito. É neste contexto que a proximidade equaciona o problema econômico do fornecimento do crédito, permitindo ao emprestador condições de observação da dinâmica do negócio para qual o crédito será ou não conferido. (Lhacer, 2003) A proximidade, entretanto, é pensada também com outras abordagens. na ótica do fortalecimento do tecido de relações sociais, do fortalecimento do desenvolvimento local, da democracia, etc. (Neyret, 2006; Laville, 2007).

2.2. Redes e Grupos de Estudo e Fomento No movimento das finanças solidárias constituíram-se algumas redes de estudo e de fomento à criação de organizações de financiamento da economia solidária. No Brasil, temos a ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário, ligada à CUT, e na Europa, temos a rede INAISE – Rede Internacional de Economia Social. 2.2.1. ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário Há ainda aqueles que tem se dedicado ao fortalecimento do cooperativismo

de

crédito,

buscando

resgatar

na tradição

do

movimento

cooperativista dimensões da autogestão e a proximidade. Assim, tem sido a atuação da ADS - Agência de Desenvolvimento Solidário. A ADS foi criada em dezembro de 1999, a partir de um intenso debate no realizado em grupos sindicais vinculados à CUT sobre as novas configurações do mercado de trabalho e da organização produtiva no Brasil. Naquela conjuntura, deliberou-se no interior da CUT sobre a necessidade de atuar com vistas a constituir novos referenciais de geração de trabalho e renda e de alternativas de desenvolvimento, tendo como princípios fundamentais a economia solidária e o desenvolvimento sustentável. A missão da ADS é promover a constituição, fortalecimento e articulação de empreendimentos auto gestionários, buscando a geração de trabalho e renda, através da organização econômica, social e política dos trabalhadores e inseridos num processo de desenvolvimento sustentável e solidário. Sua estratégia de ação consiste na formação de complexos cooperativos, concentrações locais de empreendimentos econômicos solidários que atuam em estreita cooperação entre si, segundo princípios da economia solidária e articulados ao desenvolvimento local, que garantem a sua sustentabilidade, autonomia e capacidade de inovação endógenas. Estes complexos cooperativos são compostos por empreendimentos de produção, de serviços e de crédito, com políticas integradas e coletivas de formação, de comercialização, de desenvolvimento tecnológico e outras. Para promoção e fortalecimento dos complexos cooperativos, são implementadas políticas de crédito, comercialização, desenvolvimetno tecnológico e autogestão. A ADS articula também a implementação de políticas públicas, com a finalidade de criar ambientes institucionais mais favoráveis ao desenvolvimento da

economia solidária. A ADS, a partir de sua ação de fomento e organização de empreendimentos econômicos solidários, gestou duas novas centrais, responsáveis pela organização política e representação dos empreendimentos: a UNISOL Brasil central de empreendimentos autogestionários e de cooperativas de produção e serviço, que envolve hoje pouco mais de 170 cooperativas, e a Cooperativa Central de Crédito e Economia Solidária – ECOSOL. 2.2.2. INAISE INAISE é uma rede que envolve grupos de atores financeiros de toda a Europa, especialmente, mas que já conta com membros associados também na Ásia. Principalmente integram-no as organizações que se especializam na oferta de serviços financeiros com vistas ao financiamento da economia social, mas também da economia solidária. Habitualmente, são bancos sociais, que primam por um conjunto de valores distintos do mercado bancário convencional, de forma que procuram realizar sua atividade bancária tendo como horizonte o princípio de uma economia que valorize a vida humana e o bem estar das pessoas, preocupando-se com a saúde, a segurança e a promoção do desenvolvimento e da cultura. Ocupamse de apoiar o comércio justo e agem movidos pela convicção de que é necessário dar transparência à utilização do dinheiro captado dos seus clientes. Este tipo de organização, os bancos sociais, existem desde o final dos anos 1960 na Europa, e possuía em 2005, ativos de 300 milhões de euros. O INAISE propriamente não se caracteriza enquanto instituição de operação financeira, mas é uma rede de debates, conhecimento e difusão dos conceitos das práticas de financiamento da economia social e solidária. Fundado no início dos anos 1990, o INAISE passou a participar de todas as edições do Fórum Social Mundial, procurando agregar novos parceiros à rede. Os sócios asiáticos e australianos que se incorporaram ao INAISE, aderiram à rede em função do Fórum de 2005, em Porto Alegre. Recentemente, o INAISE, com recursos de um grupo de bancos sociais da França, Alemanha, Inglaterra, Holanda e Bélgica instalaram um Institute for Social Banking, em parceria com algumas universidades, com o intuito de promover cursos de graduação e pós-graduação em atividades bancária de orientação social. A sede do Institute for Social Banking situa-se na Alemanha, e a concepção com que

trabalha baseia-se na idéia de que a finalidade do dinheiro não é obter a maior lucratividade possível, mas atender às necessidades humanas, acabar com a pobreza, estimular a inovação, o desenvolvimento de habilidades e assegurar o futuro das pessoas.

2.3 redes e grupos de operadores financeiros O campo das finanças solidárias se completa pela presença de um vasto número de organizações, atuando diretamente como operadores financeiros junto às populações empobrecidas ou aos grupos associados. Quando emprego a expressão operadores financeiros, refiro-me a uma diversificada gama de serviços financeiros que estas organizações tem fornecido aos seus associados ou clientes: crédito para consumo, crédito individual ou grupal, financiamento do microempreendimento, financiamento habitacional, antecipação de compra de produção, contas correntes, poupança, seguros, remessas internacionais para trabalhadores migrantes, garantia de crédito, etc. A depender de sua história, de sua filosofia, da região em que está atua ou do país em que está instalado, estes operadores realizam um ou mais desses serviços de operação financeira, normalmente atendendo a populações de baixa renda. Ocupam um espaço em que os bancos habitualmente não operam, porque consideram elevados os custos relativos do atendimento dessa clientela, preferindo concentrar-se em operações mais vultosas. 2.3.1 O Cooperativismo de Crédito O movimento do cooperativismo de crédito é o que mais tradicionalmnte é apresentado como expressão das finanças solidárias. Com efeito, o cooperativismo de crédito deita raízes no século XIX, sendo seus fundadores os alemães Hermann Schulze-Delitzsch e Francisco Wilhelm Raiffeisen, na década de 1850. O modelo criado por Schulze-Delitzsch baseava-se no princípio do ingresso de recursos pelo associado, e na garantia de responsabilidade ilimitada que o associado possuía pelo

destino da cooperativa17. Em 1859 já existiam 183 cooperativas similares e em 1865, organizou-se o Banco Alemão de Cooperativas, com a maioria das ações do banco sendo subscritas pelas cooperativas. Em 1912, mais de 1000 Bancos do Povo, neste modelo, atuavam na Alemanha. Além do modelo criado por Schulze-Delitzsch, também as cooperativas iniciadas por Reiffeisen tiveram rápido desenvolvimento. A inspiração que eles tiveram, seguiu-se à Itália e ao Canadá, principalmente, mas posteriormente o modelo do cooperativismo difundiu-se por todo o mundo. No Brasil, a primeira cooperativa de crédito data de 1902, tendo sido fundada em Nova Petrópolis (RS) mas durante o regime militar, especialmente, a legislação criada caracterizou-se por ser excessivamente restritiva, dificultando seu crescimento. Atualmente, existem 1452 cooperativas de crédito registradas junto ao Banco Central, com um capital de R$ 6,2 bilhões de reais (2006), e ativos de R$ 30,2 bilhões de reais (2006). As cooperativas de crédito realizaram R$ 13,2 bilhões em créditos em 2006, o equivalente a 1,8% do crédito disponível no mercado. É importante observar que apenas 10 anos antes, as cooperativas de crédito haviam concedido empréstimos totais de R$ 1 bilhão, com uma participação de 0,5% do mercado de crédito nacional. Ou seja, a participação do cooperativismo de crédito no mercado creditício expandiu-se 260% em 10 anos. Outro dado de elevada relevância, é que, segundo a OCB – Organização das Cooperativas do Brasil, 56% dos créditos realizam-se com valor menores ou iguais a R$ 3 mil reais. Além disso, é também crescente a participação do cooperativismo no patrimônio líquido do mercado financeiro nacional, que passou de 1,3% em 1996 para 3,2% em 2006. Mas expansão ainda maior, obteve o índice de participação dos ativos das cooperativas em relação aos ativos do Sistema Financeiro Nacional, que incrementou-se 400% no período.

A Tabela 3 facilita a visualização deste

17 Assim exprime-se Paul Singer (2002): “Os membros têm de depositar sua poupança na cooperativa para constituir o seu capital de giro. Precisando de mais dinheiro para atender às necessidades de capital dos membros, a cooperativa recorre ao mercado, a partir do princípio da responsabilidade ilimitada, que Schulze-Delitzsche traduzia no velho lema “todos por um e um por todos. Todos os empréstimos feitos pela cooperativa destinam-se a financiar investimento produtivo. A Garantia dos empréstimos era basicamente o caráter dos membros que os recebiam. Como todos penhoravam juntos seus bens, era de interesse de cada um admitir como sócios pessoas sóbrias, de hábitos regulares e frugais. Pois se parte dos sócios não honrasse seus débitos, os outros sócios tinham que pagar por eles, com seu dinheiro ou propriedades. Cada empréstimo era endossado por dois membros e vencia em três meses. Um princípio básico da cooperativa é que sua porta estava sempre aberta a pessoas de valor, necessitadas de empréstimos, sem distinçãó de profissão ou classe. Cooperativas com estes princípios passaram a ser conhecidas como “Bancos do Povo” (MOODY e FITE, 1971, p.4-6). Apud: SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária, p. 66.

movimento. Tabela 2: Evolução do Cooperativismo de Crédito no Brasil 1996

2006

Variação

Ativos (bilhões R$)

1,5

30,2

1.913,3%

% Ativos no SFN*

0,3%

1,5%

400,0%

PL** (bilhões R$)

0,6

6,2

933,3%

% do PL no SFN

1,3%

3,2%

146,1%

Crédito (bilhões RS)

1,0

12,1

1.110,0%

% do Crédito no SFN

0,5%

1,8%

260,0%

* Sistema Financeiro Nacional

**Patrimônio Líquido

Fonte: OCB – Organização das Cooperativas do Brasil

Os dados apresentados, da OCB, agregam todo o cooperativismo no país, porque consolida os números do Banco Central. Entretanto, nem todas as cooperativas de crédito sentem-se representadas e identificadas com a OCB. Há uma ramificação recente que insiste no resgate do cooperativismo enquanto participação no movimento da economia solidária. Este é o caso, por exemplo, das cooperativas do sistema Cresol18. Existem outros, mas no caso Cresol, os números revelam o fortalecimento ainda mais acelerado desse ramo do cooperativismo. O número de cooperativas envolvidas saiu de 5, em 1996, para 112 em 2006 e o de associados saiu de 1,6 mil para 77,5 mil, no mesmo período. O patrimônio líquido envolvido era de R$ 101 mil em 1996 e chegou a 76,5 milhões de reais em 2006. Evidentemente, os números apresentados, quando referem-se a valores monetários, precisariam ser deflacionados para assegurar mais clareza analítica, mas permitem vislumbrar a acelerada curva de crescimento, uma vez que a taxa de inflação no período manteve-se em patamar relativamente baixo.

2.3.2 As instituições operadoras do microcrédito Dentre as redes de operadores financeiros, as organizações de microcrédito têm obtido grande repercussão internacional para suas atividades. Para todos os efeitos, é muito difícil caracterizar precisamente o que seja uma organização de microcrédito. Em todo o mundo, habitualmente as organizações que realizam a concessão do microcrédito também realizam outras atividades financeiras, mais habitualmente a gestão da poupança da comunidade, razão pela 18 Os números apresentados constam de publicação institucional de março de 2007 do Sistema Cresol, sem título.

qual muitas cooperativas consideram-se organizações de microcrédito. Neste caso, estamos nos referindo àquelas instituições de microcrédito constituídas na forma de organizações sem fins lucrativos. Há que se ressaltar, o que dificulta essa classificação, que algumas ONGs fornecedoras de microcrédito, em várias regiões do mundo, constituíram-se em bancos, em função da maior capacidade de ação propiciada pelo modelo dos bancos. Então se poderia optar por distinguí-las das cooperativas pelo fato de que o capital de que dispõe não gera benefícios patrimoniais ou remuneratórios aos seus associados, mas no caso do Compartamos no México, as instituições associadas acabaram obtendo beneficios com a conversão da instituição em banco e depois com a abertura de capital no mercado financeiro. Para o CGAP - Consultative Group to Assist the Poor, instituições de microcrédito são aquelas que se assim se definem em função da oferta de serviços financeiros aos pobres. A caracterização do serviço financeiro fornecido aos pobres é que distingue a instituição de microcrédito do banco convencional, e para ele, tendo em vista o custo operacional relativamente elevado da atividade, o ideal é que a organização de microcrédito evolua no sentido de operar como instituição de microfinanças. Os bancos oriundos das ONGs dedicadas ao microcrédito e que se mantiveram orientadas à prestação de serviços a este público são tratados pelo CGAP como instituições de microfinanças. Entretanto, há diversos setores que não aceitam considerar o microcrédito como partícipe do movimento das finanças solidárias. Citando o exemplo da ADIE – Associação pelo direito à iniciativa econômica, francesa, “que financia microprojetos individuais de criação de empresas por desempregados”, Genauto C. França Filho e Jean Louis Laville (2004), observam que a diversidade de experiências é bastante heterogêneo e que que existe um “risco liberal” em muitas delas. Esse “risco liberal” consistiria numa “certa vulnerabilidade no sentido de sua apropriação sob a ótica de um discurso liberalizante do ponto de vista econômico”. Ele prossegue dizendo que “a concentração da ajuda em empreendedores individuais, como acontece em algumas experiências, pode conduzir a uma situação em que antigos assalariados transformam-se em novos terceiros subcontratantes”. Para França Filho e Laville, “tendências deste tipo refletem uma evolução instrumental, afetando a dinâmica das relações trabalhistas, que é acentuada pela moda do microcrédito junto às grandes instituições financeiras internacionais

que defendem a multiplicação de microempresas independentes como alternativa positiva às regras protetoras da relação assalariada. A distinção, pois, da perspectiva da finança solidária em relação à abordagem liberal se situa em dois pontos: nessas experiências, de um lado, a seleção dos projetos a investir é fundado sobre critérios de utilidade social; e, de outro, dá-se ênfase à importância do acompanhamento do projeto após seu início” (França Filho e Laville: 2004: 123).

O professor Paul Singer, em Introdução à Economia Solidária (2002), inclui a experiência de Bangladesh, o Grameen Bank, entre as experiências da economia solidária, inclusive como um resgate contemporâneo dos movimento das cooperativas de crédito, mas quando se refere ao microcrédito no Brasil, o faz em apenas uma frase, com uma manifestação contra qual muitos atores do microcrédito já se manifestaram. Para ele, “nas experiências do microcrédito em nosso país, as adaptações sacrificam a prioridade aos mais pobres e o caráter democrático e emancipatório que são as marcas do Grameen”. Já Luiz Inácio Gaiger (2004) tem uma abordagem mais otimista do papel representado pelo microcrédito. Citando o Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos - CEAPE Ana Terra, Gaiger afirma ser esta organização a pioneira no “apoio solidário a pequenos empreendedores individuais, ao introduzir práticas de confiança mútua na intermediação do crédito e na formação gerencial. Seu serviço é visto como uma forma de combate à pobreza, pela criação e fortalecimento de postos de trabalho em estratos de baixa renda e, igualmente, por seus efeitos indiretos, como a diminuição da evasão escolar, a valorização da mulher e a promoção da cidadania. Sua clientela majoritária compõese de empreendedores familiares, alijados do sistema financeiro convencional por causa da precariedade dos seus negócios e da falta de garantias reais. Uma modalidade de empréstimo, introduzida no Brasil pelo CEAPE, é a Fiança Solidária: pessoas com pequenos negócios associam-se em confiança e avalizam mutuamente os créditos contraídos. O processo seleciona naturalmente os bons pagadores e incrementa os laços pessoais e as práticas de mútua ajuda. A oferta de créditos sucessivos tem por fim adicionar um poderoso estímulo ao negócio e agregar um caráter educativo ao aporte financeiro”19.

Além do CEAPE Ana Terra, Gaiger (2004) comenta também o papel da Instituição Comunitária de Crédito Porto Alegre Solidariedade - Portosol, inaugurada em 1996. Para ele, o que importa ressaltar é que a Portosol “além dos avais convencionalmente praticados, aceita como garantia 19 GAIGER, Luiz Inácio. A economia solidária e o projeto de outra mundialização. Dados, 2004, vol.47, no.4, p.809-10.

a formação de grupos solidários, cujos membros contraem financiamentos de igual valor e se responsabilizam mutuamente pelos débitos individuais. A marca distintiva do banco, a exemplo de experiências internacionalmente consagradas, é a relação com a clientela, personalizada no agente comunitário de crédito. Ao banco incumbe aproximar-se do cliente, avaliar a solvabilidade do seu negócio, calcular suas condições de pagamento e monitorar as atividades financiadas, instituindo um relacionamento com base no conhecimento pessoal e na transparência. Trunfo decisivo é a aceitação de distintas modalidades de garantia para os empréstimos contraídos: fiador ou avalista, reserva de domínio das aquisições ou bens alienáveis, "avais solidários" e fórmulas mistas. São premissas do trabalho valorizar a autonomia e a iniciativa própria dos beneficiários, operar com eficiência e estabelecer vínculos duradouros com a clientela”20.

Do nosso ponto de vista, trataremos as organizações atuantes no microcrédito como partícipes do movimento das finanças solidárias, pelo seu caráter cooperativista, com mais frequência internacionalmente, como também pela dimensão de atenção prioritária às populações de baixa renda, no Brasil, bem como pela metodologia de crédito, que utiliza-se com frequência de grupos solidários para obter o crédito ou para o aval do crédito. Evidentemente, não há situações ideais e práticas perfeitas. Mas, assim também, as cooperativas autogestionárias, por exemplo, também não são. Que hajam resistências e contradições no interior dos movimentos de economia solidária é uma dimensão de realidade, que entretanto não invalida o caráter geral das iniciativas. O microcrédito e as microfinanças são práticas financeiras cujas origens podem ser encontradas ainda na Idade Média. Sua forma contemporânea surgiu nos anos 1970, sendo que há quase simultaneidade entre o projeto UNO organizado no Brasil, em Recife, e o Grameen Bank, em Bangladesh, sob a liderança do economista Muhammad Yunus. Desde este momento, o microcrédito, incluindo a conversão de muitas dessas organizações em entidades microfinanceiras, passou por extrardinária evolução quantitativa. Estima-se que hoje mais de 10 mil organizações atuem com o microcrédito e as microfinanças no mundo e o número de clientes já ultrapasse 100 milhões de pessoas. Com efeito, em 1997, realizou-se uma grande conferência internacional denominada Microcredit Summit, e na época, 13,4 milhões de pessoas já eram clientes do microcrédito. Em Hallifax, no Canadá, realizou-se o segundo Microcredit Summit, e esse número, 10 anos depois havia crescido para 92,2 milhões de pessoas (Servet, 2006). Como se verifica, a taxa de 20 Id.Ibid., p.810.

expansão é fortíssima, mas ainda assim, estima-se que o público alvo seja alcançado em apenas 1/7 do seu potencial, em termos mundiais. Jean-Michel Servet (2006) procura explanar sobre uma possível periodização do desenvolvimento das microfinanças, apontando três fases de seu desenvolvimento, como se segue: 1a. Fase: entre 1975-1985, é o período da emergência das organizações modernas de microfinanças, com a aparição das primeiras organizações. Conseguiram elevadas taxas de pagamentos dos seus créditos. Seus fundadores são hoje nomes emblemáticos no mundo das microfinanças, tais como o prof. Yunus, do Grameen Bank; 2a. Fase: entre 1985-1995: um grande números de organizações das mais conhecidas na atualidade foram fundadas neste período, tais como o BRI na Indonésia, ou o BancoSol na Bolívia. Os números de beneficiários passa a alcançar elevadas cifras, tais como milhões de pessoas na Ásia ou centenas de milhares em outras regiões; 3a. Fase: entre 1995-2005: nesse período, verifica-se por um interesse quase geral pelas microfinanças enquanto técnica financeira, bem como por sua integração nos programas de desenvolvimento econômico e pela proliferação de modelos, ao mesmo tempo em que se evidencia uma forte tensão entre o objetivo de luta contra a pobreza e a autonomia financeira das organizações. As instituições públicas e fornecedores de funding, pensando em acelerar a conversão das instituições em organizações auto-sustentáveis incitam a uma concentração das microfinanças. Há uma diversificação de serviços e uma interrogação crescente sobre a capacidade das microfinanças de realizar as suas promessas e sobre a eficiência relativa das instituições nos contextos particulares nos quais elas intervém. (Servet, 2006: 13) Uma das experiências pioneiras no microcrédito, em termos mundiais, aconteceu no Brasil: trata-se da implantação do Projeto UNO21, em 1973, em 21 “A UNO, organização especializada em crédito e capacitação, apoiada pela Accion International, iniciou a experiência pioneira de desenvolvimento de pequenos negócios, proporcionando capacitação e financiamentos para atividades produtivas em Recife e em Salvador. As suas iniciativas contribuíram para a elaboração de uma alternativa de apoio financeiro aos empreendedores, mediante o desenvolvimento da metodologia do grupo solidário que a Acción International desenvolveu, em parceria com organizações não governamentais (ONG) da América Latina e do Caribe, sendo, posteriormente, disseminada a outros continentes”. In CORSINI, J.N. Microcrédito e Inserção Social em Cidade Baianas: Estudo da Experiência do Centro de Apoio aos

Pernambuco. Posteriormente, nos anos 1980, surgiram as experiências dos Centros de Apoio ao Pequeno Empreendedor – CEAPE22, cujas instituições, em sua maioria, continuam presentes e ativas, em vários estados brasileiros; na década de 1990, a partir de 1996, as experiências de constituição das Instituições Comunitárias de Crédito, em que, com frequência observou-se a participação do poder público, notadamente municipal, em associação com outras entidades, tais como sindicatos, associações comerciais, bancos de fomento, etc. Também verificou-se, muitas vezes, o surgimento de iniciativas em que o próprio poder público, diretamente, através de programas governamentais, procurasse estimular o fornecimento de crédito à população de baixa renda. A característica principal desse período é que todas estas experiências concentravam sua atividade sobre as operações de crédito, dirigidos, quase exclusivamente, ao financiamento do microempreendimento. A segunda metade da década de 1990, marca o período em que o microcrédito passa a expandir-se mais fortemente no Brasil. Alguns defendem que haja correlação entre esta expansão e a estabilização econômica, obtida com a implantação do Plano Real, a partir de 1994. Neste período, os governos passam a atuar no sentido de favorecer o desenvolvimento de políticas locais, e há diversos casos de municípios em que, por esta razão, são criadas instituições comunitárias de crédito (ICCs), com o intuito de fornecer microcrédito. Podemos citar Porto Alegre e Blumenau entre as primeiras, sendo que o modelo de Porto Alegre (Portosol) foi reproduzido em diversas localidades, com adaptações. Também o governo federal, diretamente ou através de bancos sob seu controle, como o BNB – Banco do Nordeste do Brasil, que implantou o programa Crediamigo23 ou o BNDES, passam a intervir nesse segmento, buscando estimular o desenvolvimento do microcrédito tanto pelo fornecimento do crédito ao microempreender, quanto pelo apoio direto às organizações operadoras, através da ajuda para seu desenvolvimento institucional (treinamento de pessoal, desenvolvimento de software, aquisições de equipamentos, etc.), do fornecimento de recursos de funding para constituição de carteiras ou pela adequação do marco jurídico. Neste sentido, muitas organizações passaram a atuar com a cobertura da Pequenos Empreendimentos da Bahia – CEAPE/BAHIA Salvador, 2007. Dissertação de Mestrado. 22 CORSINI, 2007. 23 O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo orientado em funcionamento no Brasil. Recente pesquisa de autoria de Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, indica que desde 1998 o Crediamigo já efetuou mais de 3,3 milhões de operações, tendo desembolsado R$ 2,8 bilhões. Presente em 1420 municípios, o Crediamigo possuía, em março de 2007, 244 mil clientes ativos e uma carteira de microcréditos de 166 milhões de reais.

legislação, no caso das organizações sem fins lucrativos, desde que adaptadas à Lei federal 9.790, de 1999, obtendo junto ao Ministério da Justiça, a qualificação de OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Mas, além disso, foram

constituídas

também

as

SCM



Sociedades

de

Crédito

ao

Microempreendedor, por meio da Lei federal 10.194, de 2001, com a perspectiva de atender a investidores privados interessados em financiar atividades produtivas dos empreendedores de baixa renda. Em 2001, uma rede de cinquenta organizações da sociedade civil, mas também

alguns

programas

de

microcrédito

conduzidos

diretamente

por

administrações municipais, como em Recife ou em Belém, fundam a ABCRED24 Associação Brasileira de Gestores e Operadores de Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito, Crédito Popular Solidário e Entidades Similares - que passa a propor a organização de um Sistema Nacional de Financiamento da Economia Popular, apresentada aos candidatos a presidente nas eleições de 2002. Gradativamente, o Brasil vê a ampliação dos serviços financeiros à população de baixa renda, inclusive pelo sistema financeiro, aproveitando-se inclusive de facilidades advindas das tecnologias de informação. É o caso, por exemplo, da multiplicação das redes de correspondentes bancários, dispondo crescentemente de novos produtos disponíveis a oferecer para seus clientes. A partir de 2003, dentro de uma perspectiva política, implementada pelo novo governo, sob a liderança da Lula, decidida a viabilizar a expansão do crédito, com vistas à ampliação da atividade econômica, algumas inovações na legislação e nas normas infra-legais são postas em andamento, para assegurar fontes adicionais para o financiamento das operações de microcrédito; para incentivar o ingresso de novos contingentes de pessoas ao sistema bancário; para incentivar a operação de microcrédito pelos agentes do sistema financeiro, públicos ou privados; e para estimular a expansão do cooperativismo de crédito e o ingresso das cooperativas de 24 A ABCRED tem como objetivos: a) promover o desenvolvimento econômico social sustentável e combater a pobreza e a exclusão; b) estimular a criação, crescimento e consolidação da prática e gestão de microcrédito visando o desenvolvimento local e regional sustentável; c) estimular os dirigentes de instituições gestoras e operadoras de microcrédito, crédito popular e solidário e entidades similares por meio de debates, seminários e cursos a aprimorarem seus objetivos e encaminharem a solução das questões que dificultam o atendimento aos micro empreendedores, no enfrentamento da exclusão social, na geração de emprego trabalho e renda; d) buscar fontes alternativas de recursos financeiros para fomentar as entidades praticantes de microcrédito em todo território nacional; entre outros. Informações extraídas da página eletrônica da ABCRED, http://www.abcred.org.br.

crédito no rol das organizações operadoras de microcrédito. Todas estas mudanças produziram, por consequência, o aumento da diversidade dos modelos jurídicos e das metodologias com que as populações de baixa renda são alcançadas pelos programas de microcrédito. Fundamentalmente, passou-se a designar de modo diverso o microcrédito chamado “de uso livre”, que pode ou não financiar atividades ou empreendimentos econômicos, e o “microcrédito produtivo orientado”, que compreende a modalidade mais tradicionalmente praticada no país, até aquele momento, que consiste fundamentalmente em apoio ao desenvolvimento de microempreendimentos econômicos, tendo além disso, como característica essencial, a intervenção da figura do agente de crédito, responsável pelas visitas in loco aos empreendedores, a avaliação do perfil sócio-econômico do empreendimento e do empreendedor popular, a análise do crédito solicitado, sua concessão, quando aprovada e seu acompanhamento posterior. Tais características e as especificidades deste tipo atuação, além de sua tradição na prática de dezenas de organizações atuantes no país, levaram o governo federal a propor ao Congresso Nacional nova legislação, por meio de Medida Provisória (MP 226/2004), instituindo o PNMPO – Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. A aprovação da Lei federal 11.110 pelo Congresso Nacional, em abril, coincidiu com o Ano Internacional do Microcrédito, em 2005. Alguns dados ainda a serem consolidados indicam que, apenas em 2007, no Brasil, as operações de microcrédito já alcançaram um volume total superior a R$ 1 bilhão de reais, excluídos os movimentos realizados por alguns bancos estaduais como o Banco do Estado de Sergipe, o Banco do Estado do Espírito Santo, a Nossa Caixa (SP), ou alguns governos como o do Estado do Paraná, dentre outros. Observa-se que, apesar da legislação já construída, há ainda grande dispersão das informações, a falta de coordenação das ações de microcrédito e microfinanças e enormes dificuldades para que as organizações de microcrédito possam obter canais efetivos de acesso aos recursos em tese disponíveis para o microcrédito. Durante o segundo semestre de 2007, um convênio entre o Ministério do Trabalho e Emprego, BNDES e BID possibilitou que se realizassem 10 oficinas para identificar possíveis dificuldades à expansão do microcrédito pelo Brasil. Participaram destas atividades, 375 pessoas, de mais de 100 organizações de microcrédito brasileiras.

Dentre diversas medidas reclamadas pelas instituições operadoras, são elencadas a constituição de um Conselho Nacional de Microfinanças, que integre as representações das instituições de microcrédito, a saber, a Abcred, a ABSCM – Associação Brasileira das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, a Ancosol – Associação Nacional das Cooperativas de Crédito Solidárias, os Ministérios do Trabalho e Emprego, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Banco Central, BNDES, Caixa, Banco do Brasil e Banco Popular do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil e o Banco da Amazônia, bem como os governos estaduais, os bancos estaduais e as agências estaduais de fomento. O Conselho teria como papel formular a política em suas diretrizes gerais e estratégicos, mas também em sua operacionalidade, coordenando os esforços para uma mais rápida disseminação do microcrédito produtivo orientado no país. As pesquisas recentes, além de estudar a saúde financeira das organizações de microcrédito, começam a ocupar-se de conhecer os impactos produzidos no fortalecimento ou crescimento dos pequenos empreendimentos e os resultados gerados sobre a renda dos microempreendedores e de suas famílias, a partir do acesso ao microcrédito. Mário Monzoni (2006) estudando o programa São Paulo Confia, examina a evolução de um grupo de 175 microempreendedores, na Favela Heliópolis, e conclui por incrementos sobre a renda dessas famílias da ordem de 40% superiores àqueles microempreendedores que não tiveram acesso ao microcrédito na mesma comunidade. Marcelo Neri (2008) estudando o Crediamigo também obtém resultados muito próximos a este, com um incremente de renda pelos clientes de microcrédito, de 37%, em média. Voltaremos a tratar da questão do microcrédito mais adiante. .

2.3.3 Fundos de Investimento em microempreendimentos ou em empreendimentos de “desenvolvimento sustentável” Existem ainda organizações que atuam como fundos de capital de risco que dedicam-se a capitalizar empreendimentos e empresas que possam comprovar padrões produtivos ambientalmente e socialmente “responsáveis”25. Na França, por exemplo, existe uma importante base instalada, com mais de 200 organizações

25 Já há um movimento nesta direção, especialmente relativamente à temática ambiental, inclusive junto aos bancos convencionais.

deste perfil criadas desde 1983, denominadas de CIGALES26 - Clubes de Investimento para uma Gestão Local de Poupança Solidária. “Constituídos por aproximadamente umas dez pessoas físicas, cada um desses clubes de investimento aporta entre 4500 e 6000 euros anualmente em empresas que tenham forma de sociedade de responsabilidade limitada, de pequena sociedade anônima ou de cooperativa. Mais de duzentos CIGALES foram criados depois de 1983; oitenta delas atuam em áreas extremamente diversificadas, que incluem atividades ecológicas, culturais, sociais, etc. Estes clubes dão o exemplo de mobilização de poupança de proximidade” (Servet, 2006: 257)

Deste modo, os CIGALES possibilitam às pessoas atuarem de modo a atuarem como cidadãos ativos sobre os territórios onde vivem, numa nítida perspectiva de desenvolvimento local. 2.3.4. Investidores em Bolsas Além das diversas formas de movimentos e organizações que já apresentamos que atuam objetivando superar o padrão desigual do sistema financeiro internacional, há tambe´m alguns grupos que optaram por atuar runo às finanças solidárias por meio dos investimentos que realizam em bolsas de valores. Neste caso, são grupos que procedem a seleção de ações de empresas que atendam, em suas práticas de mercado, a exigências estabelecidas pelo grupo em função de critérios de sustentabilidade ambiental, combate à pobreza, ao trabalho e à exploração sexual de crianças, obediência à legislações trabalhistas, etc. Tais organizações podem ser encontradas na Europa ou nos Estados Unidos. 2.3.5. Financiamento do Comércio Justo Outro campo em que a intervenção das organizações de finanças solidárias pode ser observada com frequência é aquele do comércio justo (fair trade). Neste caso, há inclusive, de modo bastante recorrente, laços de cooperação internacional. Os operadores financeiros das finanças solidárias, habitualmente cooperativas de crédito, sustentam as redes de lojas de comércio justo em suas aquisições de produtos antecipando os valores para a produção dos produtos adquiridos. Os produtores recebem o pagamento, ainda que parcial, e após a produção e entrega dos produtos, recebe o restante do recurso. Isto permite ao pequeno produtor o acesso a capital de giro em condições facilitadas. Deste modo, constitui-se uma cadeia que envolve produção, financiamento e consumo, com o 26 Clubs d'investissement pour une gestion alternative et locale de l'épargne solidaire.

intuito de elevar a remuneração do pequeno produtor e assegurar produtos sob determinadas especificações para as redes de consumo consciente. 2.3.6 Emissores de Moedas Sociais Existem ainda organizações que têm atuado na difusão das moedas sociais. São organizações que buscam fortalecer laços comunitários por meio da emissão de moedas locais, que estimulam a interação entre as pessoas da comunidade. Além de funcionar como meio transacional, a moeda social permite a expansão do microcrédito na comunidade. Entre os defensores da proposta de emissão de moeda social nas comunidades, estão aqueles que entendem que com esta prática, além de tudo, a comunidade retém riqueza internamente, evitando a “fuga de capitais”27 São diversos os casos em que a moeda social apresenta-se lastreada na moeda oficial do país, mas há outros em que ela apresenta-se sustentada por relações consensuadas na comunidade, tais como horas de trabalho, ou outras. No Brasil, as experiências mais representativas da utilização da moeda social acontecem nos casos do Banco Palmas, que se auto-entitula de “banco comunitário”, em Fortaleza, no Ceará, e na organização Instrodi, atuante no Rio Grande do Sul. Ambos os exemplos, tanto do Banco Palmas, quanto o Instrodi, propiciaram a constituição de redes de comunidades que tem gerado suas próprias moedas sociais. Este fenômeno, ainda que pouco representativo do ponto de vista macroeconômico tem chamado a atenção do Banco Central do Brasil, que têm procurado acompanhar o desenvolvimento destes movimentos com estudos e pesquisas, com enquanto. No caso do Banco Palmas, há parceiros governamentais que tem apoiado a formação dessa rede, especialmente a Secretaria Nacional de Economia Solidária. 2.3.7 Bancos Éticos e Alternativos Por fim, encerraremos nos exposição sobre a diversidade das formas que o movimento das finanças solidárias assumiu com a apresentação de uma forma bastante elaborada de organização do movimento, que consiste na articulação dos 27 “...É comum nos pequenos municípios que seus moradores efetuem compras em localidades maiores, transferindo a renda para outros pólos. Com o deslocamento, a economia local acaba tendo seu desenvolvimento travado pela fuga de capitais.” Extraído do boletim eletrônico Vermelho: http://www.vermelho.org.br/diario/2005/1107/1107_santana-moeda.asp. Acesso em 26/02/2008.

Bancos Éticos e Alternativos ou Bancos Solidários. Em 2001, foi constituída uma federação, denominada FEBEA – Federação Européia de Bancos Éticos e Alternativos, que além de outros temas, tem discutido a constituição de um Banco Central Alternativo Europeu e está engajada na organização de um sistema internacional de finanças éticas e solidárias. É composta por um conjunto de 16 organizações financeiras, constituídos na forma de bancos, cooperativas ou associações, distribuídas por diversos países europeus, a saber: Itália, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Polônia, Inglaterra e Suíça. O alcance geográfico da FEBEA, porém, alastra-se por inúmeros outros países por meio das operações de financiamento ou de relações de parcerias com organizações latino-americanas, africanas ou asiáticas, em especial dedicadas ao microcrédito. A sede da FEBEA situa-se na cidade de Pádova, no norte da Itália, em razão da presença naquela cidade de um grupo de organizações que merecem um olhar muito atencioso, em função de, por vezes, terem caráter paradigmático no interior deste movimento. Tratam-se da Banca Ética, um banco cooperativo constituído também em 2001, mas preparado nos anos anteriores por importante mobilização das entidades e organizações italianas, e do Consórcio Etimos, uma espécie de cooperativa internacional, formado por organizações italianas e estrangeiras de diversos tipos e origens, tais como cooperativas de crédito, de produção, redes de comércio justo, organizações religiosas, etc. Tanto o Consórcio Etimos quanto a Banca Ética integram essencialmente uma mesma articulação, que inclui ainda a Etica SGR, dedicada a investimentos na Bolsa de Valores, e uma fundação cultural. Como dissemos acima, a Banca Ética e o Consórcio Etimos, a nosso ver constituem-se em paradigmas no interior do movimento das finanças éticas e solidárias dada a trajetória de suas constituições, ao perfil de sua atuação e ao ideário expresso em seus documentos. Sua origem está ancorada em uma tradição que vinha do início dos anos 80, de um grupo de sociedades denominadas MAGs (Mutuo Autogestione). A primeira MAG surgiu em Verona, em 1978, seguida de outras em Milão, Pádova, Udine, Piemonte, Emília Romana, Gênova e Veneza. Uma surgiu em 1978, uma em 1980, duas em 1983, uma em 1985 e outras três em 1986. Em 1989, constituido um Consórcio, denominado CTM-MAG, Consorzio Terzo Mondo – MAG. Segundo Laura Calegaro, as MAGs podem ter seus valores

sintetizados em quatro principais conjuntos: a) controle e uso responsavel dos ganhos, rendimentos e salários; b) sustentação de iniciativas de solidariedade social com recursos “limpos”; c) o desenvolvimento de um circuito de coleta de poupança alternativa aos tradicionais; d) renúncia a rendimentos e juros supérfluos (Calegaro, 2007: 13) Em função de mudanças na legislação bancária italiana, a partir de 1991, as MAGs vêem-se diante da imposição de passar por mudanças estruturais e estratégicas, sob pena de ficarem impedidas de prosseguir atuando. Em função disso, iniciam processos de fusões, de reestruturações e, de maneira associada, lançam em 1994 um movimento com o intuito de criar um banco, que em função de sua trajetória deveria ser um “banco ético”. Em 1998, o montante de recursos necessários para a capitalização da instituição já fora obtido, sendo seguido pelo pedido de formalização junto ao Banco Central italiano, cuja aprovação veio em 1999, com a instalação do banco ocorrendo em 2001. É muito interessante observar que tais organizações reivindicam-se participantes de um movimento de mudança social, baseado no exercício ativo da cidadania. Não admitem ser considerados meramente como operadores financeiros. Assim, por exemplo, na fundação da Banca Etica italiana em Bologna, no dia 24 de março de 2001, mais do que uma Ata de Constituição, publica-se um “Manifesto”28. Diz o Manifesto: “Banca Etica nasce no âmbito de um movimento que se reconhece na promoção da economia civil e solidária. As numerosas iniciativas e experiências que foram desenvolvidas neste contexto representam os muitos modos através dos quais os cidadãos organizados em grupos, associações, cooperativas, se têm mobilizado para a realização do bem comum. Banca Etica insere-se nesta iniciativa portadora de sentido de que nossa sociedade precisa para recuperar identidade civil e a esperança no futuro” (Zerbetto, 2003: 51)

A opção de posicionamento do Banco enquanto partícipe de um processo de lutas também se evidência no trecho a seguir, que aponta além disso a consciência de que atuar com finanças solidárias implica ocupar um lugar central nas práxis das lutas sociais contemporâneas. No texto, o Manifesto afirma que constituir finanças éticas e solidárias resulta não de opções meramente ideológicas, que se pretende enquanto reforço para a organização de experimentações e lutas que possam representar acumúlos políticos nos processos de transformação social. “(...)não doutrina ou ideologia, mas projetos em torno dos quais as 28 ZERBETTO, Claudio. Banchieri Ambulanti: presente e futuro nella finanza etica e nel microcredito. p. 51.

pessoas possam agregar-se e trabalhar para responder aos grandes desafios com quais a humanidade atualmente se defronta: a luta contra a exclusão, contra a pobreza e a degeneração social, o desemprego, o cuidado com o meio ambiente, as relações Norte-Sul, uma mais justa distribuição das riquezas e recursos do planeta. Tudo se tem feito tendo em conta que a remoção das desigualdades não pode prescindir, evidentemente, da diversidade, no direito e na situação da fato, das mulheres na relação com os homens. Os valores desta economia solidária repousam sobretudo sobre um conceito de cidadania ativa e responsável em processo de crescimento humano e econômico da sociedade. Banca Etica, especificamente, propõe-se como um instrumento de participação responsável dos cidadãos num dos setores mais complexos e, ao mesmo tempo, decisivo na organização da sociedade mundial: a finança”

O texto do Manifesto vai prosseguir apontando a dimensão planetária que o sistema financeiro alcançou e como esse fenômeno tem produzindo importantes condicionamentos às politicas de inúmeros países. Sempre na perspectiva de compreender-se enquanto parte do movimento de transformação, o Manifesto assume o lugar dos detentores, proprietários dos recursos de poupança, que é a matéria prima do mercado financeiro e que, segundo o texto é quem efetivamente dá poder aos seus gestores. Ao adotar esta compreensão, o Manifesto passa a explicitar o direcionamentos e o objetivos que o movimento de finanças solidárias pretende dar ao uso dos recursos financeiros: “Finanças não como instrumento de padronização, de despersonalização e de desagregação, mas como valorização das identidades, das diferenças, das relações interpessoais, da interação solidária entre as pessoas, empresas e instituições que animam a vida no território, finanças enquanto parte do desenvolvimento local. Na definição de suas estratégias, Banca Etica considera fundamental a presença ativa e responsável de sua base social” (Sconzo, p.117).

Coerentemente com estes objetivos, o Manifesto prossegue, apontando cinco linhas de atuação prioritárias: cooperação Norte-Sul; a questão social; o meio ambiente; o sistema financeiro; a paz e a não-violência. Sobre a cooperação Norte-Sul, o Manifesto afirma que o movimento das “finanças éticas” deve se perguntar sobre que tipo de iniciativas financeiras podem ser desencadeadas de modo a efetivamente contribuir ao “auto-desenvolvimento” das organizações dos países do Sul. O Manifesto posiciona-se em tensão com ações que possam ser caracterizadas como tutoras do desenvolvimento dos países empobrecidos. “Elemento fundante (...) é a convicção de que a emancipação da miséria e da pobreza da população mais pobre não pode depender

de programa de ajuda ou subvenções proveniente dos países mais ricos – habitualmente mal dimensionados, geradores de dependência e elaborado para atender objetivos políticos estratégicos – mas deve fundar-se no avivar da atividade de autodesenvolvimento, que sabe-se, poe em andamento, mesmo no campo econômico, círculos virtuosos sobre quais todos possam produzir renda, obtendo acesso aos bens e aos serviços essenciais. O objetivo é aquele de criar condições para a pessoa participar de modo ativo e responsável do processo de crescimento social, econômico e político da comunidade.” (Sconzo, p. 118)

Neste ponto, o Manifesto afirma a relevância de se criarem condições de acesso a crédito pelos grupos socialmente mais empobrecidos, destacando que deve ser uma modalidade de oferta de crédito cuja destinação possa ser a ativação de iniciativas econômicas, mesmo que simples. Com esta perspectiva, o microcrédito, na lógica dos movimentos de finanças éticas e solidárias, insere-se enquanto ferramenta emancipatória, geradora de autonomia, e posiciona-se politicamente orientando-se na direção de mudanças efetivas na lógica do desenvolvimento do sistema mundial. Esta discussão possui enorme atualidade, uma vez que as ações de microcrédito tem sido objeto de impulso por múltiplos atores diferentes, com perspectivas e objetivos sociais radicalmente distintos. De um lado, tem se posicionado aqueles que consideram o microcrédito como um meio de correção de distorções de mercado, especificamente aquelas geradas pela assimetria de informações, razão pela qual, segundo eles, os serviços financeiros não far-se-iam disponíveis às populações de baixa renda em escala apropriada pelos sistemas financeiros de cada país. Nesta perspectiva, o microcrédito, de modo particular, e as microfinanças, de modo mais amplo, ambos caracterizados pela oferta de produtos e serviços financeiros de baixo volume, corrigiriam deficiências dos provedores de serviços e da legislação, sem entretanto incidir estruturalmente nas relações sociais. De outro lado, o movimento das finanças éticas e solidárias, consideram o microcrédito e as microfinanças como partes dos processos de transformação do status quo em escala global. A “Declaração de Cusco” elaborada na ex-capital do império inca, no Peru, em 2005, durante o evento denominado Compartimos, promovido pelo Consórcio Etimos, com seus associados europeus, latino-americanos, asiáticos e africanos, afirma: “Convencidos que o microcrédito, se bem é um instrumento para alcançar o desenvolvimento, requer que as entidades de

microfinanças sejam suficientemente criativas e capazes de impulsionar simultaneamente um serviço financeiro e de emancipação dos atores econômicos populares que modifiquem seu status quo. É uma estratégia de empoderamento que começa pela sustentabilidade no tempo das organizações de microcrédito e requer que estas sejam capazes de construir redes e alianças para outorgar um serviço integral, que considere o microcrédito, a capacitação, a interaprendizagem, assistência técnica e a formação para a intervenção política” (Etimos, 2005)

A Declaração opõe-se, coerentemente, à concepção do microcrédito como uma oportunidade de negócios – de obtenção de ganhos em função do enorme números de pessoas alcançáveis pelos serviços financeiros dedicados à população de baixa renda. E, categoricamente, acusa: “Afirmamos que o aprofundamento da lógica mercantil representa uma ameaça ao desenvolvimento dos povos e à sustentabilidade do meio ambiente. Nesta lógica, o que se anuncia é o incremento das desigualdades entre as pessoas, das relações de poder inequitativas, da exclusão da maioria das pessoas das instâncias de tomada de decisão e do desrespeito à diversidade das culturas” (Etimos, 2005).

As diferente opiniões sobre o papel do microcrédito e sua utilização tem se evidenciado cada vez mais com maior nitidez. Torna-se cada vez mais presente a atuação de atores diversos no sentido de que o próprio sistema financeiro tradicional, utilizando-se de possibilidades advindas da utilização de novas tecnologias informacionais, possa atuar no segmento das microfinanças. Nesta perspectiva, poder-se-iam conduzir políticas de “bancarização” dos pobres, provendo-lhes serviços e incorporando-os na base de clientes das instituições financeiras, diretamente ou através da mediação de agências especialmente constituídas para este fim. No Brasil, tal postura pode ser verificada na legislação aprovada em 2003, criando uma modalidade específica de conta corrente “simplificada”, caracterizada pelo baixo volume de movimentação mensal, pela ausência da exigência de endereço do correntista, para qual dispõe-se da autorização da concessão de pequenos créditos. Pouco utilizada pelos bancos privados, por orientação governamental, foi objeto de forte ação dos bancos públicos, alcançando a casa de mais de 5 milhões de contas em poucos anos. Nesta mesma linha, o Banco do Brasil destinou R$ 100 milhões para fundar um outro banco, o Banco Popular do Brasil, exclusivamente orientado a este público, com estratégia operacional fundamentalmente assentada na utilização da tecnologia e nas contas simplificadas.

O Banco Central do Brasil tem atuado insistentemente no sentido de estimular o crescimento desta linha de atuação pelo sistema bancário como um todo, promovendo regularmente seminários a respeito. Há ainda o caso do Banco Real, de propriedade do ABN-AMRO, que criou uma empresa específica, Real Microcrédito29, para atuar no segmento. Em nível internacional, são dois os movimentos: de um lado, a expansão das organizações atuantes com microcrédito viabilizaram o surgimento de instituições bancárias, numa perspectiva de “baixo para cima”; de outro lado, “de cima para baixo”, bancos tem criado suas instâncias de atuação em microfinanças. Mas há ainda outro fenômeno, muito novo. Um banco, Compartamos, do México, nascido “de baixo para cima”, que abriu seu capital em bolsa de valores, num lançamento público de ações no mercado, sendo objeto de capitalização por investidores de modo geral. Tal fato, ocorrido em 20 de abril de 2007, opôs entre si líderes importantes do segmento do microcrédito e das microfinanças. Questionado a respeito, Mohammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz, em função da criação e condução do Graemeen Bank, declarou: “O microcrédito deveria ajudar os pobres a sair da pobreza protegendo-os dos agiotas e não criando outros novos. (...) Alguns estão dizendo que a oferta pública de ações dá um impulso significativo à “credibilidade” do microcrédito nos mercados globais. Porém, esse é meu temor, porque é um tipo equivocado de “credibilidade”. Está conduzindo o microcrédito na direção da agiotagem. A única justificativa para ganhos tremendos seria deixar os poupadores desfrutá-los, não investidores externos. O modelo ideal seria um segundo que pusesse a maior parte da propriedade da IMF nas mãos de seus clientes. Os clientes do Grameen Bank são donos de 94% de suas ações”30

Voltando ao Manifesto da Banca Ética, no tópico que trata da questão social, explicita um conjunto de pressupostos interessantes de se observar. Diz o texto: “Banca Ética faz própria uma visão da sociedade, compartilhada com o Terceiro Setor, que parte do pressuposto de que se deva reconhecer a dignidade substancial a todas as pessoas a componha, 29 O Banco Real está operando o microcrédito por meio de uma estrutura muito parecida com aquela adotada pelo Banco do Nordeste do Brasil, com o programa Crediamigo. A carteira de créditos é do banco, mas a seleção e o acompanhamento dos agentes de crédito é realizada pela Real Microcrédito, que atua deste modo como uma agência para a gestão da mão de obra dedicada ao atendimento do microcrédito. Informações do Banco Real informamestar atendendo 37 mil clientes no Brasil. 30 Texto extraído do Boletim Eletrônico “Noticias Electrónicas de la Cumbre de Microcrédito”, distribuído por correio eletrônico por responsabilidade do “Microcredit Summit Secretariat”. 18 de julho de 2007.

garantir e estimular a interdependência, a corresponsabilidade, a solidariedade, contemplando ao mesmo tempo o direito dever de dedicar atenção especial às pessoas em condições menos avantajadas. (...) Esta visão social afirma que a pessoa humana vale de per si, não só pela inteligência de que seja dotada, nem pelos bens econômicos que possua ou por sua produtividade. Afirma, por meio de sua própria ação, que as estruturas estão em função do homem e não o homem em função das estruturas. Além disso, testemunha que qualquer forma de ajuda, ainda que econômica, de fato, é autêntica se é libertadora ou promocional, se restitui à pessoa seus direitos e se a acompanha até sua autonomia” (Sconzo, 119120).

No que tange à questão ambiental, o Manifesto defende o cuidado com o meio ambiente, mas além de atuar em favor da difusão de uma consciência ambiental, o faz pela promoção de processos produtivos e de consumo que não tragam prejuízos ambientais. O conceito de fundo é financiar exclusivamente iniciativas econômicas que sejam ecologicamente sustentáveis, superando a dicotomia entre produção econômica e proteção ambiental. Ao invés disso, finanças éticas são aquelas que harmonizam os objetivos econômicos com o cuidado ao patrimônio ambiental31. Acerca do Sistema Financeiro, diz o Manifesto que o objetivo consiste em “transferir riqueza” de quem poupa a quem necessita efetuar investimentos. Acusando o mercado financeiro, tal como configurou-se recentemente, de ter fugido do controle das autoridades nacionais ou internacionais, de ter se convertido essencialmente em especulação, afirma que as finanças éticas são aquelas que financiam a economia “real”, propondo-se a modificar o comportamento “financista”, em favor de um sentido mais social, na ótica do desenvolvimento humano e ambiental. A evolução das finanças éticas implicaria, na perspectiva do Manifesto da Banca Etica, na exigência da transparência das operações financeiras do sistema bancário, explicitando as responsabilidades sociais e ecológicas dos investidores e dos investimentos32. É de extrema relevância apontar então algumas características do modelo operacional da Banca Etica. Em primeiro lugar, o conceito de transparência com que atua a organização implica um elevado sentido participativo. O banco estrutura-se por meio de uma rede de unidades regionais e cada unidade regional tem além das atribuições típicas da instituição bancária o papel de articulador e fomentador de 31 Sconzo, 2003: 120. 32 A Banca Etica inclui os elementos da análise sócio-ambiental na sua matriz de análise de crédito. Para o banco, a avaliação econômica e financeira do empreendimento deve ser acompanhada pela avaliação sócio-ambiental, de modo que a decisão sobre a concessão de financiamento subordine-se simultaneamente às duas lógicas.

uma consciência de “finanças éticas”. Para tanto, as pessoas são motivadas regularmente à frequência a eventos, cursos, palestras, que versem sobre temáticas relativas à ordem econômica ou às ações de superação da pobreza, exclusão e desigualdades. Além disso, por meio das unidades regionais, os clientes podem participar dos processos da assembléia anual do banco, por meio de qual definemse os critérios para destinação das disponibilidades de investimento. Finalmente, o conceito de transparência implica na publicação dos indicadores financeiros da organização mas muito mais do que isso, na explicitação de todas as operações de crédito, cliente por cliente, incluindo a informação da modalidade de crédito utilizada, os valores financiados bem como o destino do crédito. Finalmente, a Banca Etica trata da temática da Paz e da Não-Violência, afirmando reconhecer que os conflitos tem raízes complexas, mas comumente com enorme influência do dinheiro. Assim, para o Manifesto, para a existência de finanças éticas é preciso haver clareza quanto à origem do dinheiro, quanto ao seu emprego e quanto à gestão33. Só assim, pode-se evitar que o uso do dinheiro seja causador de conflitos indesejáveis que tem caracterizado uma visão violenta da economia.

33 Sconzo, 2003: 125-126.

63

Conclusão A dinâmica das lutas sociais adquiriu, necessariamente, com a acentuação dos processos da globalização,

fisionomia internacionalista. Não há

nada de novo na noção de que o enfrentamento do capitalismo teria que ter alcance internacional. O que há de novo, é que de modo simultâneo à temática evidentemente econômica do enfrentamento do capitalismo, especialmente do neoliberalismo, os movimentos e organizações que compõe o campo das finanças solidárias e aqueles que permeiam a cena política atual portando o ideário das alternativas impõem também que se acrescente à pauta o tratamento da questão de democracia, com forte ênfase numa perspectiva participativa. Com muita clareza, Gabriela Cunha (2003) observa: “Embora não se possa falar em um movimento organizado, pois entidades e grupos pró-modelos alternativos de desenvolvimento possuem objetivos e estratégias diversos (e por vezes até contrapostos), é possível ao menos identificar uma insatisfação comum com o modelo econômico vigente, e, apesar das diferenças, em geral todas as propostas levantam dois elementos comuns: a democracia inclusiva e participativa e o crescimento econômico justo e apropriado, tanto em termos sociais quanto ambientais” (Cunha, 2003: 53).

É desta composição entre o modelo econômico e as práticas participantes que emerge o revigoramento das iniciativas autogestionárias que tem se expandido. É daí também que parte o impulso revigorado para um modelo de cooperativismo “solidário”. Como

verificamos

ao

longo

da

exposição

ainda

incompleta,

evidentemente, dos movimentos e redes ou organizações de finanças solidárias, tanto no grupos daqueles atores caracterizados mais enquanto grupos de pressão política, quanto naqueles de fomento ou dos operadores, essa composição entre o sentido democrático das deliberações econômicas é de fato pauta constante. É este fator que explica que haja concomitância das práticas de lutas no campo do organismos multilaterais internacionais, numa esfera do global, quanto na

64 atuação com ênfase no local, como por exemplo, os movimentos de emissão de moedas sociais, que visam reter na comunidade o recurso produzido e transacionado ali mesmo. Amartya Sen (1999) argumenta que a distância entre a economia e a ética deu-se pela acentuação de um modelo de “engenharia econômica”, em detrimento de uma economia mais normativa.

Tal processo teria implicado em

empobrecimento tanto da ética quanto da economia. É o revigorar da economia política no sentido de que a economia seja pensada em função do pensar o modelo social que os processos produtivos está desenvolvendo que permitirá refazer os laços da interlocução entre elas, essencial para renovar a qualidade do debate econômico e também ético. O que os movimentos da economia solidária propiciam, e o das finanças solidárias de modo particular, é a retomada da economia política no âmbito das lutas e das práticas. Das lutas enquanto bandeiras reivindicativas, das práticas enquanto construções “de baixo para cima” do novo território de cidadania. As reivindicações apontam para o futuro a ser conquistado e para o macro político, incidindo na esfera do global, das estruturas de governança da ordem (ou desordem) internacional e na esfera dos Estados, enquanto as práticas revelam a construção local, com as forças possíveis, com a organização já disponível, fruto do acumulo da organização e das lutas já realizadas. Neste sentido combinam política com economia, economia com política, a partir de um conjunto de valores sintetizados no conceito de solidariedade. Ainda que a solidariedade para alguns possa ser vista como sinônimo de filantropia, aqui consiste em práticas de reciprocidade, igualdade e respeito à pluralidade, implica o processo dialógico e participativo para a formação dos consensos, das convicções e das deliberações, bem como no direcionamento de toda ação no intuito de redução da pobreza e exclusão social. É neste sentido que as finanças solidárias são expressão nítida da globalização anti-hegemônica (Boaventura Santos, 2002) e expressão da utopia e da alternativa de um outro mundo possível, como aponta o slogan do Fórum Social Mundial. A utopia de uma outra economia que acontece.

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