Fios e Fibras - Vivendo a privatização das Telecomunicações do Rio de Janeiro

May 18, 2017 | Autor: Ana Christina Iachan | Categoria: Dissertation
Share Embed


Descrição do Produto

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL-CPDOC CURSO DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

Fios e Fibras Vivendo a privatização das Telecomunicações do Rio de Janeiro

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC Para obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais

Ana Christina Saraiva Iachan Rio de Janeiro Julho de 2006 1

Ficha Catalográfica

Iachan, Ana Christina Saraiva Fios e Fibras – Vivendo a privatização das Telecomunicações do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV / CPDOC/ Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, 2006, 271 folhas.

Dissertação (Mestrado Profissionalizante em História Política, Bens Culturais e Projetos Sociais) – Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro. Pós-Graduação em História Política, Bens Culturais e Projetos Sociais – CPDOC, 2006. 1. Trabalhadores em Telecomunicações 2. Privatização 3. Trabalho 4. Telecomunicações do Rio de Janeiro

2

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL-CPDOC CURSO DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

Fios e Fibras Vivendo a privatização das Telecomunicações do Rio de Janeiro

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO POR: ANA CHRISTINA SARAIVA IACHAN

E APROVADO EM 03/08/2006 PELA BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão (orientador)

_________________________________________ Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira (CPDOC)

_________________________________________ Prof. Dr. Rogério Valle (COPPE-UFRJ)

3

AGRADECIMENTOS

Muitos foram os que colaboraram durante a caminhada para a realização deste trabalho. Essas contribuições vieram de diferentes formas e pessoas: agradeço a todos que se reconhecerem como parte dele. Ao professor Sérgio Lamarão pelas orientações, incentivo e apoio, especialmente pela compreensão das dificuldades e desafios que encontrei. Aos profs. Marieta de Moraes Ferreira e Rogério Valle, pelas observações e sugestões quando da realização do trabalho de qualificação. A todos os professores do CPDOC-FGV com quem convivi e que me abriram novos horizontes de conhecimento. Aos amigos, companheiros dessa jornada acadêmica, pelo estímulo e amizade em especial a Tatiana, Ivone, Giorgy e Silvana, pela parceria em alguns trabalhos, pela amizade e atenção. A Ignês Cordeiro de Farias por ter-me proporcionado o conhecimento de campo da metodologia de História Oral e possibilitado a participação na entrevista do ministro Euclides Quandt de Oliveira que deu sustentação à pesquisa. Às bibliotecárias Lígia e Denise , da biblioteca Mario Henrique Simonsen da FGV pela gentileza, atenção e presteza no atendimento às minhas inúmeras demandas. A todos os empregados da CTB/TELERJ/TELEMAR, que colaboraram com seus valiosos depoimentos, meu respeito e gratidão por toda a emoção que imprimiram a este trabalho. A Beatriz, Murilo, Marília, Pais, Ailton, D’Ajuz, Carlos Frederico, Sílvio, Sílvia, Glória, Suzana, Margareth e Regina, meu carinho. Meu agradecimento a Fred Padilha, Ângela Nogueira e Paulo Rosário que enriqueceram com dados questões relevantes sobre a história da empresa. Minha

homenagem

especial

a

Humberto

D’Ângelo

uma

verdadeira

personificação da história recente das comunicações, tendo participado desde 1955, perfazendo assim o próprio ciclo da empresa: privada estrangeira, estatal, privada brasileira.

Humberto, além de disponibilizar seu tempo, forneceu documentação

valiosa que deu sustentação à pesquisa. Meu agradecimento ao deputado Gilberto Palmares pelo seu depoimento.

4

Ao Garrone companheiro de jornada, meu antigo mestre na arte da modelagem de dados, pela disponibilidade para ler e fazer observações sobre partes deste trabalho, meu carinho. Ao Roberto, meu marido, Felipe e Alexandre, meus filhos, pelo apoio e amor e por acreditarem e me fazerem crer na possibilidade dessa conquista. Aos meus pais Lair e Dalva por me terem ensinado o valor dos vínculos de longo prazo.

5

Resumo

Esta dissertação analisa um evento da história recente do país - o processo de privatização do sistema TELEBRÁS - através do resgate da memória de alguns dos seus atores, os empregados das operadoras de telefonia. Para tanto, privilegiou-se o estudo de caso de uma empresa privatizada em julho de 1998 – a Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. (TELERJ). O setor de telecomunicações é de grande relevância para o desenvolvimento econômico e social na era contemporânea e o presente trabalho acompanha a história da empresa desde a sua formação em 1923, transformação em empresa estatal e sua privatização. A partir do processo de preparação para venda, que foi operado desde a quebra do monopólio das telecomunicações em 1995, e, de forma mais radical, desde sua privatização, analisou-se o processo de desconstrução do modelo de empresa estatal. Para analisar as mudanças advindas com a privatização e suas conseqüências para os empregados, foram estudados o processo de conquista de direitos sociais vinculados ao trabalho no contexto da sociedade salarial, tal qual definida por Robert Castel (1998), e as exigências da flexibilidade como tal, vistas por Sennet (1999).

6

Abstract

This dissertation analyzes a recent event in the history of Brazil, the privatization process of the TELEBRÁS system, bringing to the forefront the memories of some of its actors, the telephone companies’ employees. This work specifically privileges the case of one company, which was privatized in July of 1998 – Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. (TELERJ). The telecommunication sector is extremely relevant to understand economic and social development in the contemporary era and this thesis traces the history of TELERJ through many moments: its formation, in 1923, as a private enterprise founded by foreign capital, its transformation into a state owned company until its privatization. The (de)construction process of the state owned company model, beginning with the process of preparing to sell until the rupture of the telecommunication monopoly in 1995, is examined in a more elaborate way. To analyze the changes that followed the privatization process and its consequences for the employees, this research studies the process of social rights conquest related to work in the context of the employment society, as defined by Robert Castel (1998) and the flexibility demands as seen by Sennet (1999).

7

INDICE Introdução........................................................................................................................ 10 Capítulo 1 – O contexto histórico .................................................................................. 19 1.1 - O estabelecimento das comunicações por fio no Brasil ....................................... 19 1.2 - A montagem do negócio da telefonia no Brasil .................................................... 20 1.2.1 - As regras de concessão..................................................................................... 22 1.2.2 - O debate sobre a propriedade da exploração................................................ 24 1.3 - A estabilização e a expansão do serviço no Rio de Janeiro ................................. 25 1. 4 - O amadurecimento do setor.................................................................................. 28 1.5 - A deterioração da rede e a falta de expansão ....................................................... 30 1.6 - Os planos de desenvolvimento ............................................................................... 31 1.7 - A crise na cidade do Rio de Janeiro ...................................................................... 33 1.8 - As telecomunicações nacionais: regulamentação e novo direcionamento ......... 41 1.8.1 - A criação do Sistema TELEBRÁS ................................................................. 44 1.8.2 - As operadoras na Guanabara e no Rio de Janeiro - TELERJ e CETEL.. 45 1.9 – Crise e planos econômicos ..................................................................................... 48 1.9.1 - Desaceleração: crise e FMI ............................................................................. 52 1.9.2 - A desaceleração nas telecomunicações........................................................... 54 1.9.3 – A democracia e a onda dos planos de estabilização ..................................... 57 1.9.4 - A longa Constituinte: o porto do monopólio ................................................. 61 1.9.5 - A crise................................................................................................................ 67 1.10 – O furacão Collor................................................................................................... 69 1.11 - O governo Itamar Franco .................................................................................... 76 1.12 - A estabilização com o Real ................................................................................... 77 Capítulo 2 – O processo de reestruturação das telecomunicações.............................. 82 2.1 - Reformas no mundo - privatização, desregulamentação e flexibilização .......... 85 2.2 - A operacionalização da reforma das telecomunicações ...................................... 87 2.2.1 - A Emenda Constitucional nº. 8 ....................................................................... 88 2.2.2 - A Lei Mínima e a Lei Geral das Telecomunicações...................................... 93 2. 3 - A regulação ............................................................................................................. 97 2. 4 - Preparação para a privatização............................................................................ 98 2. 4. 1 - Recuperação das tarifas ................................................................................ 99 2.5 - Investimentos......................................................................................................... 102 2.6 - Metas e controles................................................................................................... 104 2.7 - O modelo de concorrência.................................................................................... 108 2.8 - A venda .................................................................................................................. 108 2.8.1 - A questão do valor de venda ......................................................................... 110 2.8.2 - A formatação .................................................................................................. 114 2.8.3 - A preparação para o leilão - ações e reações ............................................... 115 2.9 - O espetáculo do leilão ....................................................................................... 116 2.10 - Pós-leilão: os resultados...................................................................................... 118 2.11 – TELERJ: a empresa e a situação pré-privatização......................................... 120 2.11.1 - Indicadores de desempenho ........................................................................ 121 2.11.2 - As críticas ao desempenho .......................................................................... 125 2.11.3 - Transformação TELERJ ........................................................................... 127 2.11.4 - A TELERJ na mídia .................................................................................... 129 8

Capítulo 3 – Narrativas do velho e do novo mundo do trabalho .............................. 134 3. 1 - As transformações no mundo do trabalho ........................................................ 134 3.2 - Da estabilidade à desfiliação ................................................................................ 139 3.3 - O fim do emprego.................................................................................................. 141 3.4 - A corrosão do caráter ........................................................................................... 142 3.5 - Liofilização ................................ ................................ ................................ ............. 144 3.6 – Referências complementares............................................................................... 147 3.7 - Fontes utilizadas.................................................................................................... 150 3.8 – Seleção dos depoentes e preparação das entrevistas ......................................... 152 3.9 - Anos de chumbo - Idade de ouro ......................................................................... 157 3.10 - Uma relação de longo prazo............................................................................... 168 3.11 – Uma longa década que foi se perdendo ............................................................ 176 3.11. 1 - A interferências políticas............................................................................ 181 3.11.2 - O sindicato .................................................................................................... 185 3.11.3 - A incorporação da CETEL ......................................................................... 187 3.11.4 - Afundando de vez com Collor................................................................... 189 3.12 - Preparando a privatização ................................................................................. 192 3. 13 - A consolidação- 16 em 1 .................................................................................... 203 4- Trajetórias pessoais .................................................................................................. 227 4.1 - As classificações..................................................................................................... 228 4.1.1 - Continuando ................................................................................................... 229 4.1.2 - Uma estrada lateral........................................................................................ 235 4.1.3 - Os aposentados precoces ............................................................................... 236 4.1.4 - Os aposentados ............................................................................................... 239 4.1.5 - Reinventando a si mesmo .............................................................................. 239 4.1. 6 - Na passagem .................................................................................................. 242 4.1.7 - O olhar do novo.............................................................................................. 244 4.2 - O novo mundo do trabalho e o perfil do trabalhador ....................................... 246 Considerações finais...................................................................................................... 250 Referências Bibliográficas ............................................................................................ 254 Lista de Tabelas, Quadros, Gráficos e Mapas ............................................................ 262 Anexo I -Roteiro de entrevista ..................................................................................... 263 Anexo 2- Resposta ao ministro..................................................................................... 268

9

Introdução

O objetivo desta dissertação é analisar um evento da história recente do país, o processo de privatização do sistema Telebrás, privilegiando-se o estudo de caso de uma empresa – a Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. – TELERJ, através do resgate da memória de alguns dos seus atores, os então empregados das operadoras de telefonia. De todos os setores da economia afetados pelas mudanças trazidas pelo processo de globalização, as telecomunicações chamam atenção pelo seu caráter estratégico, por suas características de alta tecnologia e pelo número de pessoas envolvidas. A categoria dos trabalhadores em telecomunicações constitui um instigante universo de pesquisa sobre as relações de trabalho. Historicamente, a atividade foi marcada pelas relações formais de trabalho. Os trabalhadores em telecomunicações, no passado denominados “telefônicos”, foram empregados, no caso da TELERJ, de um grupo canadense que atuou por mais de 40 anos no segmento. Eles estavam organizados desde 1926 no Centro Operário dos Empregados da Light e Companhias Associadas que viria, mais tarde, a transformar-se em sindicato da categoria. Posteriormente, na condição de empregados de empresas estatais federais, mas com âmbito de atuação estadual, a categoria obteve um número significativo de direitos sociais vinculados ao trabalho, sobretudo o da previdência privada. Tanto no tempo da propriedade privada estrangeira quanto no de empresa estatal, no âmbito do Sistema Telebrás, o paradigma da empresa era a AT&T americana, maior empregadora mundial até a sua divisão em 1984. A AT&T foi, ao longo de oito décadas, um modelo de grande empresa da era industrial, na qual o saber técnico e a experiência eram valorizados, estabilidade e benefícios eram concedidos para manter o empregado na empresa. Das empresas do antigo sistema Telebrás, a TELERJ destaca-se por estar ligada à própria história do invento. Em 1876, Dom Pedro II, em visita a uma exposição, na Filadélfia, EUA, assistiu a uma apresentação feita pelo inventor do telefone, Alexander Graham Bell. Já no ano seguinte, um telefone era instalado no Rio de Janeiro, quase ao mesmo tempo em Bell apresentava pela primeira vez seu invento à rainha Victoria da Inglaterra. Assim, a cidade do Rio

10

de Janeiro foi uma das primeiras metrópoles mundiais a ter acesso a este meio de comunicação. Em 1878, várias outras conexões particulares já eram colocadas em funcionamento. Em1880, foi criada em Boston, EUA, a Companhia Telefônica do Brasil, subsidiária da Continental Telephone Company, que no ano seguinte seria autorizada a atuar no Brasil. Assim, o serviço foi introduzido no Brasil sob a administração de uma empresa estrangeira e a posse do governo central. Até a década de 1920, o serviço telefônico no Brasil passou por profundas e freqüentes alterações, com a criação de numerosas empresas, na sua quase totalidade de origem estrangeira, sucessivas fusões, trocas de nomes e de proprietários. O serviço telefônico no Distrito Federal e nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo eram operados pela Rio de Janeiro and São Paulo Company. A empresa tinha sede em Toronto no Canadá e pertencia ao grupo canadense Brazilian Traction Light and Power, que operava diversos serviços públicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, como bondes, energia elétrica e gás. Em 1923, a empresa mudou sua razão social para Brazilian Telephone Company, com a opção de usar a denominação em português de Companhia Telephônica Brasileira - CTB. O governo federal concedeu-lhe autorização para continuar operando na área onde nove empresas haviam-lhe antecedido desde 1881.

A CTB se consolidou daí em diante sob a rígida administração estrangeira, usando materiais, métodos e normas próprios (Vergara e Pinto, 1998: 71). Em 1956, transferiu sua sede de Toronto, no Canadá, para o Rio de Janeiro em razão da nacionalização imposta no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) e alterou sua ortografia para Companhia Telefônica Brasileira. Na década de 1950 estendendo-se até a década de 1960, o sistema telefônico se deteriorou em função do aumento do tráfego, resultado do surto de crescimento industrial que ocorria no país. No entanto, a CTB não efetuava as expansões necessárias para atendimento da demanda por estas requererem vultosos investimentos. A direção da empresa argumentava que não contava com a boa vontade do poder concedente (o Estado) para fixar tarifas justas que pudessem garantir parte do capital necessário à expansão. A CTB tinha sua imagem bastante desgastada por críticas, muitas das quais atribuídas à sua condição de empresa estrangeira. No inicio da década de 1960, a CTB sofreu duas intervenções: uma do governo do estado da Guanabara, durante a administração Carlos Lacerda, e outra do governo federal, sob a presidência de João Goulart. Em 1963, Lacerda criou uma companhia

11

estadual, a CETEL, para operar em áreas onde a CTB oferecia um serviço precário. Em 1966 a empresa foi adquirida pelo governo federal e em 1972 incorporada ao sistema Telebrás. Em relação aos empregados, a mudança de controle acionário não teve um impacto imediato. A CTB operava dentro dos padrões do grupo Light, que praticava uma política de pessoal de valorização das relações de longo prazo1, não sendo comum a prática da demissão de um grande número de empregados2. Em 1971, a Companhia Telefônica de Minas Gerais, futura TELEMIG, e a Companhia Telefônica do Espírito Santo, futura TELEST, ganharam autonomia e desligaram-se da CTB. Semelhante situação ocorreu em 1973, quando a Diretoria de Operações São Paulo foi separada, sendo criada a Telesp. Assim a CTB perdeu sua função de cabeça do sistema telefônico nacional e limitou-se, juntamente com a CETEL, à prestação de serviços nos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. A CTB estatal manteve o padrão de estabilidade3 e somente aos poucos, através da criação de incentivos à aposentadoria, promoveu uma renovação de seus quadros. O modelo estatal de empresa, sob a forte influência do regime militar, particularmente presente no setor, imprimiu uma lógica de maior controle burocrático e de estabilidade para os empregados. A progressão de carreira adotada baseava-se na equação habilidade mais esforço, embora não fossem desprezíveis os atributos do capital social dos grupos formados internamente. Como empresa estatal, a TELERJ refletiu as mudanças políticas e econômicas que ocorreram no país, no estado do Rio de Janeiro e mais especificamente na cidade do Rio de Janeiro, as quais possibilitaram sua expansão, mas que também foram responsáveis por muitos períodos de grave crise. 1

A revista Sino Azul das décadas de 1940, 50 e 60 dedica uma seção aos prêmios por tempo de serviço, que correspondiam a sinos (símbolo da companhia) de bronze(10 anos) de prata (20 anos) e ouro ( 30 anos). 2 Gomes(2002) assinala que no período canadense não era comum a demissão na Light. A empresa incentivava a contratação de familiares dos empregados sendo comum a perpetuação de famílias por gerações no interior da empresa. (147-149) 3 Estabilidade decenal – como a empresa incentivava a permanência do empregado e a CLT, em seu artigo art. 492, provia estabilidade decenal, isto é, estabilidade após de 10 anos de serviços prestados à mesma empresa. Vários empregados quando da compra da empresa pelo governo já eram estáveis. Com a criação do FGTS (Lei 5.107/66) a estabilidade decenal passou a atingir só aos não optantes do FGTS.

12

As relações sociais que se estabeleceram no interior da empresa, entre seus empregados, e com a sociedade propiciaram a construção de uma identidade própria, extremamente moldada pelos valores dos dirigentes militares: integração e segurança nacionais com qualidade técnica. Dessa forma, trabalhar na TELERJ ou na CETEL significava fazer parte de um quadro de empregados de uma empresa estatal de serviços públicos e, assim, estas pessoas se viam como trabalhando para a sociedade, com o objetivo de prover serviços de comunicação, “ligar pessoas”. Além disso, significava ter um emprego estável, carreira, e receber salário regular, ter benefícios. E assim com fios rígidos e fibras flexíveis foram os empregados da TELERJ construindo suas trajetórias profissionais. O estatuto da condição de assalariado, bem como o lugar ocupado na divisão social do trabalho, se tornou suporte de uma identidade social e de integração comunitária (Castel, 1998). O orgulho técnico, a perícia, no sentido usado por Sennet (2005) de conhecimento do trabalho, era adquirida a partir de formação técnica específica e pela experiência obtida após anos de trabalho. A partir do final da década de 1980, a crise provocada no setor devida, sobretudo, à falta de investimentos em expansão, serviu de argumento para justificar a necessidade de privatização. No período que antecedeu a privatização, a TELERJ voltou a gozar de péssima reputação junto à população, novamente por não atender à demanda por instalações e pela sobrecarga no sistema, que deteriorava a qualidade dos serviços. Com a preparação para a privatização, além dos recursos para atualização da rede, observou-se um movimento de “enxugamento” dos quadros da empresa, já muito sobrecarregados, sobretudo após a incorporação da CETEL em 1989. Assim ocorreram, no período 1991-1996, três grandes ondas de demissão, sendo duas por iniciativa da empresa e uma devida a circunstâncias de caráter nacional, envolvendo o pagamento de multas rescisórias relacionadas ao FGTS. A grande demissão de 1996 fez uso do mecanismo conhecido pelos trabalhadores como Plano de Demissão Incentivada ou Voluntária – PDI ou PDV. Após a privatização, ocorrida em 1998, observou-se o início de um processo de reestruturação da empresa, ou melhor, das empresas que formaram a nova holding Tele Norte Leste (Telemar), com o objetivo de consolidar e padronizar processos e integrar as

13

empresas. Nos primeiros 120 dias após a privatização, foi efetuado um diagnóstico da situação das empresas da holding e os controladores decidiram demitir, no caso da TELERJ, cerca de 30% dos empregados. As demissões foram processadas em apenas um dia. Este processo em nada difere de outros que envolvem fusões, incorporações, onde também são comuns as reduções em massa, estando a distinção na velocidade e no volume das demissões. Posteriormente, novas políticas foram instauradas pelo novo controlador, sob alegação de modernização e reestruturação. Esse conjunto de ações enfraqueceu as relações internas e as dos trabalhadores com o sindicato, em função da ameaça de perda de emprego. Os mecanismos utilizados e as suas conseqüências nas relações de trabalho estão presentes nos depoimentos dos trabalhadores analisados neste trabalho. Desse modo, tem-se como argumento que o processo de privatização viabilizou a precarização e a deterioração das condições de trabalho, a partir da adoção de políticas de caráter neoliberal e de modelos de administração apoiados no conceito de flexibilização do trabalho e, conseqüentemente, das relações com o trabalhador. Neste trabalho, privilegiou-se a abordagem qualitativa de análise da pesquisa. Assim, os critérios de quantidade e de representatividade estatística não foram considerados. A amostragem qualitativa privilegia os sujeitos sociais que detêm os atributos que o pesquisador deseja conhecer, sendo, portanto, sua escolha proposital e não aleatória. Foi utilizada a metodologia de história oral por esta utilizar com instrumento a realização de entrevistas com pessoas que participaram de – ou testemunharam – os acontecimentos. Para elaboração de um roteiro que permitisse estruturar as entrevistas, foi feito um estudo da empresa e das transformações pelas quais passou e as contingências a que esteve submetida nos últimos trinta anos. No entanto, para compreender as contingências e a empresa nos últimos anos, foi necessário estender o período de estudo até a criação da empresa e de suas origens. Assim, a despeito de terem constituído uma fonte de informações fundamental, as entrevistas não foram as únicas fontes utilizadas. No intuito de abranger de forma mais ampla a realidade pesquisada, associaram-se às fontes orais, informações de outras naturezas: dados quantitativos de fontes oficiais, bibliografia sobre o setor, jornais,

14

revistas especializadas, documentos institucionais, documentos para investidores, revistas de circulação interna etc. Os depoimentos foram interpretados a partir do referencial teórico com que o estudo foi estruturado e balizado pela cronologia dos acontecimentos históricos tanto no nível do país quanto no da empresa. Uma das etapas da construção do trabalho de campo consistiu em efetuar os contatos e conversar previamente com os possíveis entrevistados. Esta foi uma estratégia importante para delimitar o universo da pesquisa. Dois fatos provocaram uma maior delimitação da pesquisa. Ao estudar o processo de transformação em dois segmentos de trabalhadores, as antigas telefonistas e atendentes e os antigos IRLA (instalador reparador linha de assinante), surgiram questões que iam muito além dos objetivos deste trabalho4. A inclusão destes trabalhadores na amostra, além de aumentar sobremaneira o número de entrevistados e ampliar a questão relativa à requalificação profissional, introduziria a necessidade de análise de novas atividades, como trabalho nos chamados call centers, ou como a instalação e manutenção de serviços destinados ao uso de Internet, além de outras questões, como doenças ocupacionais e trabalho degradante. Nem o referencial teórico aqui utilizado, nem a metodologia qualitativa sozinha dariam conta da multiplicidade de configurações de novas formas de trabalho, de inserção e mesmo de doenças ocupacionais. Cada um dos itens mencionados, pela sua complexidade, merece um estudo particular. Assim, foi efetuado um recorte no universo a ser trabalhado, representado pelo segmento médio da empresa, formado por técnicos e profissionais de nível superior. Foram priorizadas as áreas de Planejamento de Redes e de Tecnologia da Informação. No entanto, como os profissionais entrevistados tinham vários anos de empresa e esta possibilitava, a um conjunto expressivo de empregados, a mobilidade entre setores, os entrevistados, em sua maioria, transitaram por diferentes áreas da companhia. A seleção dos entrevistados procurou abranger homens e mulheres, empregados que entraram na empresa em períodos distintos e por critérios recrutamento e seleção também distintos, de diferentes departamentos, das duas empresas (TELERJ e CETEL) e de níveis hierárquicos diversos, desde técnico até ex-presidente. Profissionais que

4

Foram utilizados nestes estudos a tese : A dor e o sentido da vida e duas entrevistas uma com um técnico que trabalhou no Call Center de Telemarketing e outra com o ex-líder sindical

15

deixaram a empresa espontaneamente, migraram para empresas do sistema ou foram demitidos, entre 1996 até 2005. Foram contatados também empregados ativos, mas com estes, no entanto, não foram gravadas entrevistas. Para estabelecimento da amostra foram utilizados os seguintes critérios baseados no período de saída da empresa: 1) saída no período pré-privatização (1996-1997); 2) saída incentivada pós-privatização (novembro de 1998); 3) saída no período de transformação “16 em 1” (1999-2000); 4) saída no período de antecipação de metas (2000-2001); 5) saídas após a antecipação de metas e a criação da OI (2001-2002); 6) saídas após a consolidação(2003-2005). Outro critério utilizado para seleção da amostra foram as trajetórias profissionais após a saída da empresa (ativos e inativos). Foi efetuada uma entrevista com um ex-líder sindical, que atualmente exerce mandato legislativo na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, tendo este fornecido um panorama da situação dos trabalhadores no setor. Foi incluída, entre os entrevistados, uma ex-empregada que entrou após a transformação de 16 em 1, em 2000, não tendo, portanto, vivido o ambiente anterior de empresa estatal e de 16 empresas diferentes. Esta profissional foi escolhida por tratar-se de alguém mais jovem, o que permitiu uma análise da influência de geração na percepção e na adaptação ao ambiente da empresa. Além desta questão da idade, a entrevistada atuava em um segmento novo de atividade, o de Inteligência de Mercado. Este tipo de atividade não existia anteriormente, dado que a empresa trabalhava em regime de monopólio estatal. Foram assim entrevistados 18 ex-empregados e um líder sindical, perfazendo cerca de 20 horas de entrevistas temáticas que resultaram em aproximadamente 150 páginas de transcrições, que foram conferidas e editadas para uso nos Capítulos III e IV. O resultado foi a história da empresa contada pelos seus empregados, a história da telefonia no estado do Rio de Janeiro, mas sobretudo na cidade do Rio de Janeiro. Esta história serviu de pano de fundo para apresentar as mudanças no mundo do trabalho em um segmento específico, de tecnologia de ponta, como o das telecomunicações. As transformações ocorridas às vezes provocaram verdadeiros choques nos entrevistados, que em menos de seis meses tiveram que mudar, de uma mentalidade de instalar telefones e conectar pessoas, para outra, centrada no aumento do retorno do capital investido pelos acionistas controladores.

16

Antes de descrever a estruturação do trabalho, sinto-me no dever metodológico de informar ao leitor que minha ligação com o objeto pesquisado antecede ao evento privatização que possibilitou a construção do objetivo desta pesquisa. Fui empregada da TELERJ por 23 anos, tendo saído em dezembro de 2002. Como pesquisadora consciente de ter sido sujeito do objeto pesquisado, procurei manter um distanciamento que permitisse construir a pesquisa com a maior objetividade possível e desejável. Por outro lado, minha experiência pessoal foi relevante para o desenvolvimento desta pesquisa, pois facilitou o contato com os entrevistados e o entendimento de seu linguajar, que por vezes envolvia palavras e códigos usados internamente, bem como termos técnicos. O conhecimento do objeto também facilitou o enquadramento temporal e as classificações efetuadas. O trabalho ficou estruturado da seguinte forma: No Capítulo I, é apresentado o contexto histórico e traçado um panorama do setor de telecomunicações desde a instalação do primeiro telefone na capital do Império, passando pelas várias concessões, até chegar ao estabelecimento da Companhia Telephonica Brasileira em 1923. A história da empresa é contada a partir deste momento até o período que precede o processo de privatização, ou seja, até 1994. Ao mesmo tempo são revistos alguns eventos que constrangeram o ambiente da empresa, como controles externos, contenção de tarifas, planos econômicos, crises as mais diversas e até mesmo disputas políticas, com o objetivo de contextualizar as culturas das empresas CTB, TELERJ e TELEMAR. O processo de privatização é mostrado no Capítulo II. São apresentados desde os antecedentes, passando pela quebra do monopólio, através da EC nº. 8 de 1995, a criação da Lei Mínima que permitiu a venda da Banda B da telefonia celular, seguida pela criação da Lei Geral das Telecomunicações que criou todo o novo arcabouço legal para o setor, incluindo aí novo papel do Estado de regulador através da ANATEL, culminando com o leilão de venda das empresas do Sistema Telebrás, em 29 de julho de 1998. O Capítulo III apresenta o referencial teórico utilizado para análise das narrativas dos entrevistados, seguido das próprias narrativas ordenadas cronologicamente e associadas aos eventos da história econômica do Brasil, da história das telecomunicações

17

e da empresa. Confrontam-se aqui as informações coletadas para o capítulo I com as interpretações dadas pelos atores, os empregados. O Capítulo IV apresenta as narrativas das trajetórias pessoais após a saída da empresa. Neste capítulo é utilizada a classificação de Castel (1998) de ativos e inativos. No Capítulo V são feitas algumas considerações finais e algumas sugestões para uma nova agenda de investigações.

18

Capítulo 1 – O contexto histórico 1.1 - O estabelecimento das comunicações por fio no Brasil Na segunda metade do século XIX o Brasil ingressou na era das comunicações instantâneas, inicialmente através da implantação do telégrafo elétrico, na década de 1850, e, posteriormente do telefone, no final da década de 1870.5 Telegrafia e telefonia eram consideradas comunicações de mesma natureza, por serem ambas as transmissões feitas via fio metálico. Por determinação do imperador Pedro II, em maio de 1852, sob a responsabilidade técnica do engenheiro e professor Guilherme Süch Capanema, foi introduzido o telégrafo elétrico no Brasil. A primeira ligação foi estabelecida, no Rio de Janeiro, entre o Quartel General do Exército e a Quinta da Boa Vista, por intermédio de uma linha subterrânea de 4.300m de comprimento. A motivação inicial do Ministério da Justiça para a instalação dessa linha parece ter sido o combate ao tráfico de escravos.6 O tráfico negreiro fora abolido em setembro de 1850, mas o controle da costa era muito difícil. Com o telégrafo, a Corte passou a dispor de um eficiente meio de comunicação para transmitir às províncias instruções referentes aos procedimentos de fiscalização. Na prática, porém, a expansão do telégrafo nos primeiros anos limitou-se às repartições existentes na Corte e cidades próximas, como Petrópolis e Niterói. Em 1866, a expansão se deu para o sul do país, sendo feita a conexão entre as cidades do Rio de Janeiro e Porto Alegre, possibilitando comunicações mais rápidas entre a Corte e as tropas que lutavam na Guerra do Paraguai. A partir de 1870, os serviços telegráficos passaram a expandir-se com base em uma política de concessões à iniciativa privada, tanto nacional quanto estrangeira, sendo a grande maioria constituída por empresas internacionais. Como as ferrovias utilizavam o telégrafo para comunicação entre as estações e controle de tráfego, os decretos de concessão para construção e exploração das mesmas também incluíam itens relativos à exploração dos serviços telegráficos, inclusive estabelecendo tarifas.

5

Correios Brasil, Historia dos Correios, disponível em www.correios.com.br acesso em 03/09/05 Ildeu de C e Silva, Mauro C. Moreira Revista Ciência Hoje, disponível em http://cienciahoje.uol.com.br acesso em 02/01/06 6

19

Em 1872, o visconde de Mauá tentou estabelecer a primeira ligação internacional entre Recife e Lisboa por cabo submarino, mas devido a dificuldades financeiras transferiu os direitos à Telegraph Construction and Maintenance Company, empresa inglesa que já estava estabelecida em Portugal e que tinha a preferência dos portugueses para a implantação da ligação telegráfica com o Brasil. Foi então constituída a Brazilian Submarine Telegraph Company, que lançou os cabos e operou os serviços desta ligação do Brasil com a Europa. Em 1874, a norte-americana Western Telegraph Co. Ltda. começou a operar uma linha telegráfica por cabo submarino entre o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Pará. O ano de 1877 é o marco inicial da telefonia no Brasil. Poucos meses após a visita de D. Pedro II, em 1876, à Exposição Universal de Filadélfia, comemorativa do centenário da Independência Americana, onde a invenção estava sendo demonstrada por Alexander Graham Bell, foi instalada a primeira infra-estrutura de telefonia, no Rio de Janeiro. Foi então estabelecida uma ligação entre a residência imperial, o Palácio da Quinta da Boa Vista, e as residências dos ministros, utilizando equipamentos montados pela Western and Brazilian Telegraph Company. Ainda em 1877 foi instalada a primeira ligação comercial, que consistia de uma linha conectando a loja "O Grande Mágico", estabelecida na atual Rua do Ouvidor, ao Quartel do Corpo de Bombeiros. A expansão da rede foi determinada, posteriormente, pelo ministro e secretário de Estado de Negócios da Agricultura, João Lins Vieira Cansanção Sinimbu, com o objetivo de ligar a sede do ministério às repartições da Corte. O Decreto nº. 7461, de 6 de setembro de 1879, representa a primeira legislação relacionada à telefonia. Através desse decreto, o Imperador concedeu a Frederico Allen Grower o privilégio, por dez anos, de introduzir o “telephono cronometro” de sua invenção no Império.

1.2 - A montagem do negócio da telefonia no Brasil Charles Paul Mackie, um empresário norte-americano de Boston, foi o permissionário da primeira concessão, autorizada em 15 de novembro de 1879 pelo Decreto nº. 7589. A concessão consistia na permissão para construir e explorar por si ou por meio de uma empresa, linhas telefônicas na Capital e na cidade de Niterói, ligando-as

20

por cabo submarino Brasil, (Leis do Império, 1879). O decreto determinava que as linhas da companhia não fossem instaladas sem a prévia aprovação da Repartição Geral de Telégrafos, a fim de não prejudicar as linhas telefônicas já existentes na Corte e na cidade de Niterói, especialmente as linhas da Polícia e do Corpo de Bombeiros, que eram operadas pelos Telégrafos. Caso fosse necessária a expansão de novas linhas do Estado, a empresa deveria remover as linhas que pudessem causar-lhes interferência. Ficou estabelecido que os aparelhos instalados fossem fornecidos gratuitamente pela empresa, que cobraria apenas uma taxa mensal ou anual estabelecida com a aprovação do Governo Imperial. Foram estipuladas multas pelas faltas que a empresa viesse a cometer na execução do serviço. O decreto firmava um monopólio por cinco anos e a concessão era válida por dez anos. A Repartição dos Correios, subordinada ao Ministério da Justiça, era o órgão responsável pela fiscalização dos serviços, além de operar algumas linhas especiais para conexão entre gabinetes de ministros no Rio de Janeiro. Em 1880 foi criada, no estado de Nova Iorque, uma sociedade por ações (3.000 ações) que constituiu a Telephone Company of Brazil7, primeira empresa a explorar comercialmente o serviço telefônico no Brasil. Segundo seus estatutos, parte integrante do Decreto nº. 8065, de 17 de abril de 1881, que a autorizava a funcionar no Império, a companhia tinha por objetivo construir e operar serviços de telefonia. (...) linhas telefônicas na cidade do Rio de Janeiro e seus subúrbios e na cidade de Niterói, no Império do Brasil, que serão postas em comunicação com a dita capital por um cabo submarino de conformidade com os termos do Decreto de 15 de novembro de 1879, nº. 7539, e também construir e fazer trabalhar quaisquer outras linhas telefônicas e tratar quaisquer outros negócios relativos a isto, que possam ser permitidos ou concedidos pelo Governo do Brasil (Brasil, Leis do Império, 1881, 329:330). De acordo com o Guia do viajante no Rio de Janeiro, publicação de 1882, os serviços telefônicos disponíveis para a população da cidade eram divididos em cinco classes: serviço comercial (comunicação dos estabelecimentos comerciais); serviço doméstico (comunicação entre residências e com demais assinantes); linhas particulares 7

Os sócios eram Henry S. Russel, Teodore N. Vail, Charles P. Mackie, William A. Forbes, George l. Bradley, Charles Emerson, James H. Howard. Alguns deles eram ligados à Bell Telephone Company. Teodore Vail foi por duas vezes presidente da Bell e responsável pela sua expansão e pela criação da AT&T.

21

(ligações entre dois pontos); telefone nas fazendas (comunicação interna) e serviço de recados avulsos (conversações pré-pagas entre os postos de serviço e serviço de mensageiros para pequenas encomendas).

1.2.1 - As regras de concessão O decreto de concessão à Telephone Company of Brazil criou jurisprudência caracterizando o Estado como poder concedente, em moldes semelhantes ao ocorrido na Europa. Tomando-se por base o modelo inglês, as linhas telefônicas foram consideradas equivalentes às telegráficas e, como estas, vistas como pertencentes ao domínio exclusivo do Estado. Sua majestade o Imperador, conformando-se por sua imperial e imediata resolução de 2 do corrente com o parecer da seção dos Negócios do Império do conselho de estado, exarado em consulta de 10 de fevereiro último, manda declarar a V. Ex para seu conhecimento e devidos efeitos, que achando-se as linhas telefônicas em iguais condições às telegráficas pertencem, como estas ao domínio do Estado, e cabe ao governo o direito de as conceder, ainda que para uso particular das localidades. (Diário Oficial, 15/5/1881, apud Brito, 1976: 34). Assim, cabia ao Governo Imperial o direito de conceder ou explorar diretamente os serviços telegráficos e telefônicos. Através de uma sucessão de decretos o Governo Imperial procurou regular o negócio nascente de telefonia. O Decreto nº. 8453 A, de 11 de março de 1882, estabeleceu as bases para concessão das linhas telefônicas. O serviço era submetido à fiscalização do Estado, representado pela Secretaria de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas8, mais precisamente pela Repartição Geral dos Telégrafos9. O decreto estipulava que as concessões e o monopólio por área tinham validade por 15 anos. As sanções pelo não cumprimento das regras estabelecidas eram rígidas, implicando inclusive em cassação das concessões. O Decreto nº. 8935, de 21 de abril de 1883, estabeleceu um novo modelo para a concessão e colocação de linhas telefônicas. Por esta nova regra o concessionário deveria 8

Em 1861, foi criada a Secretaria do Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, à qual se vinculavam os correios terrestres marítimos e os telégrafos. 9 A Repartição Geral dos Telégrafos era separada do Departamento de Correios; somente em 1931 é que houve a fusão dos dois serviços, criando-se o Departamento de Correios e Telégrafos - DCT. (www.correios.gov.br)

22

depositar a caução de 2.000 mil réis, da qual seriam deduzidas todas as multas a que viessem a incorrer. A infra-estrutura de conexão deveria seguir o disposto no Regulamento dos Telégrafos de 24 de dezembro de 1881, observadas as conveniências do serviço público. A rede telefônica para o atendimento dos serviços públicos deveria ser separada da comercial. Com o novo decreto, o período de concessão e a garantia de monopólio por área de exploração foram estendidos para 25 anos, mas o governo tinha o direito de resgatar as linhas e todo o ativo operacional a partir do décimo ano, desde que emitisse um comunicado com um ano de antecedência. Como preço do resgate a empresa concessionária receberia, até expirar o prazo de concessão, uma anuidade equivalente à renda líquida média dos três últimos anos acrescida de 15% . Ficou determinado que, ao término do prazo da concessão, seria efetuada uma avaliação do ativo operacional da companhia, por avaliadores nomeados pelo Governo, e seria feito um leilão público destes ativos. Foi estabelecido que as concessões devessem ser dadas por área e que a exploração dos serviços se restringisse aos limites da cidade e seus arrabaldes. O concessionário era obrigado a oferecer gratuidade às principais repartições públicas das capitais das províncias cobertas pela concessão. Mantiveram-se inalteradas as sanções relativas ao não cumprimento nas regras estabelecidas nos atos de concessão10, sendo igualmente mantida a competência da Repartição dos Telégrafos, que era a operadora dos serviços telegráficos, de fiscalizar os serviços, eliminar ou vetar qualquer linha telefônica particular que prejudicasse as federais. A competência privativa do Governo Imperial para conceder o direito à exploração de linhas telefônicas, ainda que para uso particular das localidades, foi reafirmada através do Decreto nº. 8354, de 24 de dezembro de 1884. As sanções estipuladas eram efetivamente aplicadas como atestam o Decreto nº. 9664 de 1886, que torna caduca as concessões feitas à Companhia Telefônica do Brasil em diversas cidades 10

A concessão caducaria nas seguintes situações: “1- Se o assentamento das linhas não estiver começado dentro do prazo de seis meses, contados da publicação do respectivo decreto. 2- Se dentro de um ano contado da mesma data não se tiver concluído o assentamento das linhas. 3- Se for verificado o abuso de empregar-se para algum dos fios para outro fim que não seja a transmissão da voz. 4- Se depois de estabelecido o serviço for interrompido por mais de um mês, salvo caso de força maior, a juízo do Governo. 5- Findo o prazo do privilégio todas as linhas exploradas pela empresa reverterão para a Câmara Municipal do lugar da concessão (cf. Brasil, Leis do Império, Atos do Poder Executivo, 1883, 569:573).

23

do Império; e o ofício da Diretoria de Obras Públicas do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas sobre os abusos cometidos pela mesma empresa11.

1.2.2 - O debate sobre a propriedade da exploração A título de experiência, numa iniciativa governamental de operação de serviços, a Repartição dos Telégrafos fez uma instalação em Maceió em 1884. O serviço funcionou regularmente por oito anos, sendo suspenso para manutenção de linhas e aparelhos. As linhas eram utilizadas também para envio e recepção de telegramas.

12

Efetuada a

manutenção, o sistema voltou a operar até 1º de dezembro de 1896, quando houve uma tentativa de leilão público, mas as ofertas apresentadas foram consideradas inaceitáveis e os equipamentos foram doados ao Estado. O debate sobre a propriedade e a exploração dos serviços telefônicos surgiu logo depois do estabelecimento do negócio de telefonia. Relatórios do Departamento de Telégrafos afirmam que os serviços prestados pelas primeiras concessionárias eram irregulares e a exploração não fora devidamente regulamentada. O sistema de concessões isoladas impedia que o uso do telefone se expandisse, pois não havia conexão entre as redes das diferentes concessionárias, o que acabava por onerar o usuário, obrigado a possuir aparelhos de diferentes empresas. Eram usados argumentos em prol da exploração pelo Estado, tomando-se como base os diversos modelos utilizados na Europa. Relatório do Departamento de Telégrafos brasileiro trazia informações sobre as várias formas de exploração do serviço adotadas em países europeus no final do século XIX. A Alemanha desde o princípio serviu o público sem fazer concessões a particulares. A Inglaterra impôs às companhias condições que são contínuo motivo de queixa. A França fez concessões por curto prazo a título de ensaio, criando logo um imposto de 10% sobre a renda, ao mesmo tempo estabeleceu linhas telefônicas por conta do Estado; passados cinco anos verificou-se que o resultado era muito satisfatório e trata-se de ampliar o sistema, continuando a 11 12

Relatório de 1884, Repartição Geral dos Telégrafos, apud Brito, 1976, 189:190 Repartição Geral dos Telégrafos: Relatório de 1902, apud Brito, 1976, 255:256

24

empresa particular por igual período, e onerada do mesmo modo. A administração francesa vai assim adquirindo experiência por conta própria e comparando-as com o que obtêm os particulares, para depois chamar a si todo o sistema. O Governo central da Suíça principiou a fazer concessões, mas as municipalidades opuseram-se e exigiram que as linhas fossem estabelecidas pelo Governo. Este formulou regras para ir servindo os municípios, logo que em cada localidade se apresente um número determinado de pedidos, garantindo renda igualmente marcada. Este meio é talvez o que se deva adotar, porque a ninguém faz imposições, nem sobrecarrega os cofres públicos. É questão ainda em estudo, e brevemente poderá haver dados suficientes para que seja convenientemente resolvida (Relatório 1899, apud Brito, 1976: 189-190).

1.3 - A estabilização e a expansão do serviço no Rio de Janeiro Com a República começaram a ser alteradas as regras que regiam a exploração dos serviços públicos. O Decreto nº. 199, de 6 de fevereiro de 1890, transferiu para a administração da Capital Federal os serviços relativos às linhas de bonde e telefônicas compreendidas na área do município. O primeiro contrato de concessão elaborado na República, através do Decreto nº. 889, de 18 de outubro de 1896, introduzia alterações na forma de remuneração e de exploração dos serviços. O prazo de concessão foi alterado para 15 anos, sendo incluída uma cláusula obrigando o concessionário a pagar ao Estado 10% da renda bruta da empresa. O Governo Federal poderia a qualquer tempo, dentro do prazo da concessão, proceder ao resgate da empresa, sendo a importância relativa ao resgate paga em apólices da dívida pública, que produziriam juros equivalentes à receita média anual nos cinco anos anteriores. O concessionário permanecia sujeito ao regulamento do Decreto nº. 8.935, de 1883. A Constituição republicana de 1891 rompeu o modelo vigente no Império de centralização do poder de concessão, repassando a atribuição dos serviços públicos para cada estado da federação13. Vários destes estados em suas Constituições reproduziram esse preceito de descentralização. Muitas das antigas concessões de telefonia local, iniciadas ainda no período imperial, foram caducando; as novas concessões já foram sendo elaboradas tendo os estados e os municípios como poder 13

O Artigo 9 , parágrafo 4º, repassa aos estados competência das concessões de serviços públicos.

25

concedente. A competência do governo central foi mantida na exploração, direta ou por concessões, das comunicações interurbanas e internacionais. Em 23 de novembro de 1897, por meio de concorrência, a municipalidade da Capital firmou contrato com a Siemens & Halske relativo aos serviços de telefonia. Posteriormente, esta concessão foi transferida para a empresa alemã Brasilianische Elektricitäts Gesellschaft. Os preços das assinaturas anuais variavam conforme o câmbio, sendo cotados segundo zonas, variando de 250 mil réis a 500 mil réis na área urbana. Fora da área urbana, o valor era de 60 mil réis nos primeiros 2 km e de 60 mil réis por ano e por km acrescido. Em 1899, a Brasilianische Elektricitäts Gesellschaft recebeu autorização, através do Decreto nº. 3250 para operar no território nacional, o que possibilitou a implantação da primeira linha telefônica interurbana no país, entre Rio de Janeiro e São Paulo. A concessionária foi autorizada a instalar centrais telefônicas nestas duas cidades e a explorar o serviço por 30 anos. A Repartição dos Telégrafos manteve sob sua responsabilidade algumas linhas no Rio de Janeiro para ligações entre órgãos de governo. Em 1906, essa repartição empreendeu um esforço de modernização dessas linhas, porém em 1907 interrompeu os trabalhos e contratou a Brasilianische para operar o serviço telefônico público. A concessão dos serviços interurbanos permanecia sendo uma atribuição do Governo Federal. Em março 17 de março de 1910 o Decreto nº. 7.908 autorizava a funcionar no Brasil a Interurban Telephone Company of Brazil. A empresa criada no ano anterior e com sede na cidade de Detroit, nos Estados Unidos, nomeou seu representante no Brasil Edward D. Trowbridge. A área de operação incluía, além da Capital Federal, os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Trowbridge repassou para a empresa as concessões anteriormente obtidas em seu nome. No início dos anos 19l0, o grupo Light and Power no Brasil, de origem canadense, explorava os serviços públicos eletricidade e bondes em São Paulo e no Rio de Janeiro. O objetivo original dos canadenses era atuar apenas nas áreas de força e iluminação e de transportes, serviços onde eram especialistas. O grupo comandava empresas do mesmo tipo (eletricidade e bondes) no México, Caribe e Barcelona. Os telefones e o gás foram absorvidos no projeto do Rio em função das concessões

26

existentes e das negociações para adquiri-las. A compra da Rio de Janeiro Telephone Company foi acertada como complemento da aquisição da Companhia Vila Isabel, uma vez que ambas eram controladas pela holding alemã Siemens & Halske Aktien Gesellschaft, que condicionou o fechamento do negócio à compra da empresa telefônica (Lamarão,1997:74). A telefonia não estava nos projetos originais dos empresários da Light, mas a sua entrada no negócio foi resultado da necessidade de absorver outros segmentos de serviços para poder exercer o monopólio nas suas áreas de interesse. Os principais acionistas das empresas Light and Power decidiram reunir em 1912 os investimentos no Brasil em uma grande holding. O grupo, que tinha capital anglo-americano-canadense, constituiu a Brazilian Traction Light and Power com sede em Toronto, no Canadá. Neste mesmo ano, foi incorporada a Interurban Telephone Company of Brazil. Posteriormente, entre 1912-1913, foram adquiridas diversas empresas no estado de São Paulo e empresas interestaduais. Estas empresas tinham o controle das redes de diversos municípios, cada qual com sua concessão específica e mais as concessões de serviços interurbanos entre os municípios de sua jurisdição. Dando prosseguimento ao seu projeto de expansão, a Interurban Telephone Company of Brazil passou a expandir a rede nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e instalou linhas interurbanas nestes três estados. Ao longo dos anos seguintes foram sendo compradas as empresas municipais nos estados do Rio e Minas, consolidando o monopólio na região. Com a eclosão da Primeira Guerra e a conseqüente dificuldade de importação de equipamentos, o sistema ficou praticamente estagnado. Em dezembro de 1915, estavam em operação no Rio de Janeiro 11.811 telefones, 1.151 em Niterói, 727 em Petrópolis. A partir daí o número de assinantes evoluiu lentamente. Em 1916 foi criada a Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Company. A Rio de Janeiro and Sao Paulo Telephone Company mudou em 1923 sua denominação para Brazilian Telephone Company,14 mantendo a sede no Canadá e operando na capital federal e em algumas cidades dos estados de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais 14

e Rio de Janeiro. A Brazilian Telephone Company ficou

Fonte: www.laws.justice.gc.ca/preivlaw acesso em 12/11/2005

27

conhecida pela sua denominação em português: Companhia Telefônica Brasileira CTB.

1. 4 - O amadurecimento do setor Vitoriosa a Revolução de 1930, houve um fortalecimento do Executivo e a transferência para o governo federal de funções antes desempenhadas pelos governos estaduais. A nova concepção do papel do Estado como propulsor do desenvolvimento determinava a sua intervenção na economia. A exploração dos serviços telefônicos passa a sofrer nova regulamentação, mas o regime de concessões não foi basicamente alterado. Foi mantida como atribuição do Governo Federal, pelo Decreto nº. 19.883 de 17 de abril de 1931, a concessão para exploração dos serviços telefônicos interestaduais e internacionais. Paralelamente, começaram a surgir pressões de cunho nacionalista no sentido de ampliar a participação estatal na expansão dos serviços públicos; nas telecomunicações, porém, não houve nenhuma ação concreta. Foi mantida a descentralização do regime de concessões e não houve nenhum investimento estatal nesta área. O grupo Light, através da Brazilian Telephone Company- Companhia Telefônica Brasileira, permaneceu exercendo seu monopólio na capital federal. O Decreto nº. 20.047, de 27 de maio de 1931, e o Decreto nº. 21.111, de 1º de março de 1932, foram os únicos instrumentos a dispor sobre comunicações até a criação do Código Brasileiro de Telecomunicações, muito mais tarde. O foco principal da regulamentação eram as atividades de radiodifusão, garantindo ao governo o controle sobre as emissões de ondas. A partir de 1931, acompanhando o ritmo de recuperação da economia, começou uma pequena expansão do sistema, visando atender ao segmento de empresas. A Companhia Telefônica Brasileira instalou o primeiro grande PABX em empresa particular, com 40 ramais internos. Neste mesmo ano, os telégrafos passaram à Administração Geral dos Correios, com o nome de Departamento dos Correios e Telégrafos.

28

A Constituição de 1934, em seu Artigo 5º, determinou que fosse de competência da União a manutenção dos serviços de correios e a exploração ou concessão dos serviços de telégrafos e radiocomunicação, mas não fazia referência aos serviços telefônicos. Na primeira metade da década de 1930, os serviços telefônicos ainda eram usados por uma parcela pequena da população. Somente em 1935, entrou em atividade no Rio de Janeiro, o primeiro posto telefônico público, instalado na antiga galeria Cruzeiro (atual Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco). Os telefones de uso público foram aos poucos sendo instalados em estabelecimentos comerciais, como farmácias, mercearias e bares, ampliando assim a oferta de serviços telefônicos à população. A defasagem entre o número de telefones instalados no Rio de Janeiro e nos grandes centros internacionais já era grande. Em 1939 o Rio de Janeiro contava com 100 mil telefones e uma densidade telefônica (número de telefones por mil habitantes) de 5,8; o Brasil como um todo possuía 300 mil telefones e uma densidade que não chegava a 1. No mundo já existiam 41 milhões, dos quais cerca de 50 % instalados nos Estados Unidos. Cidades como Nova Iorque com 1.630 mil, Chicago com 962 mil e Los Angeles com 440 mil contavam com mais telefones que todo o país. O Brasil buscava integrar-se ao contexto mundial do setor, tendo ao longo da década de 1930 assinando diversos acordos internacionais. Em novembro de 1937, foi instaurado por um golpe o Estado Novo, que estabeleceu um poder forte, autoritário e reforçou o intervencionismo estatal na economia e na vida social iniciado em 1930. A grande meta do Estado Novo era o desenvolvimento econômico através da industrialização e para tal foram criados vários órgãos de apoio em áreas consideradas estratégicas. Embora a telefonia não tenha sido afetada pelas reformas introduzidas, mesmo assim a expansão e a qualidade dos serviços passaram a ser alvo de crescentes preocupações governamentais. O setor público, tanto a nível federal quanto nos estados, passou a reconhecer cada vez mais o interesse público e importância política da telefonia. O artigo 15º da Constituição estado-novista manteve o mesmo texto do artigo 5º da Constituição anterior no tocante às comunicações, não tratando também de telefonia. No entanto, em seu artigo 16º, era incluída, como competência privativa da União, o poder de legislar sobre comunicações. As concessões de telefonia local foram mantidas

29

como atribuição dos estados, porém em 1942, o governo federal, fazendo uso do artigo 16º. , estabeleceu normas para o exercício pelos estados do poder de legislar sobre comunicações. O Decreto nº. 5.144 determinava que nenhuma concessão de serviço devesse ser outorgada sem que fossem seguidas normas que garantissem a qualidade e a continuidade dos serviços. A questão da remuneração da exploração através das tarifas foi pela primeira vez tratada como sendo a garantia para conservação e expansão da rede. O texto do decreto era explícito sobre a necessidade de estabelecimento de uma tarifa que garantisse não só a conservação, mas também a expansão dos serviços: Nenhuma concessão de serviço telefônico poderá ser outorgada: a) sem que se estabeleça seguro processo de verificação do capital efetivamente empregado na sua montagem e custeio; b) sem que por via de tarifa se assegure a sua conservação e renovação, bem como a amortização do seu capital, para efeito de resgate ou reversão; c) sem que se regulem os casos de revisão de tarifas, a fiscalização da sua execução e sua contabilidade. 1.5 - A deterioração da rede e a falta de expansão Até a eclosão do conflito mundial em 1939, a CTB operava em condições satisfatórias, oferecendo serviços de boa qualidade.

15

Contudo, com a restrição às

importações em decorrência da Segunda Guerra Mundial, teve início um período de deterioração dos serviços telefônicos em todo o país. Em 31 de maio de 1944, num esforço voltado para a melhoria das ligações interurbanas, a Radional, empresa do grupo ITT, foi autorizada a instalar e operar estações radiotelefônicas de serviço telefônico para o interior do Rio de Janeiro, em vinte capitais estaduais e nas capitais dos territórios federais. O número de telefones na cidade do Rio de Janeiro na década de 1940 cresceu mais de 87,6%, passando de 113 para 212 mil (Kestelman, 2002: 230). Essa taxa era bem superior à do crescimento de domicílios, que fora de 29,8%. No entanto, o incremento da demanda por telefones superava em muito o crescimento da população.

15

Fonte : Telerj- Departamento de Planejamento e Controle Empresarial -PPC-3 1995:2

30

Como conseqüência, em 1943 a procura por assinaturas já não estava sendo atendida, desenhando-se uma longa fila de espera pela instalação de telefones. 16 No caso brasileiro, as razões do atraso dos serviços telefônicos, gerados a partir da Segunda Guerra, deveram-se prioritariamente à falta de equipamentos, causada pela dificuldade de importação, já que estes não eram fabricados localmente, à desvalorização da moeda e ,sobretudo, à insuficiência de tarifas.

1.6 - Os planos de desenvolvimento A Assembléia Nacional Constituinte de 1946 foi aberta em 2 de fevereiro sob o impacto do fim da guerra na Europa, com a derrota do nazi-fascismo, e da queda do Estado Novo no Brasil. Os trabalhos da Constituinte de 1946 foram marcados pela heterogeneidade ideológica dos seus integrantes, que incluíam deputados e senadores representativos de todo o espectro político. Os constituintes produziram um texto preocupado fundamentalmente em delimitar o raio de ação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para evitar uma nova experiência política baseada no poder discricionário do Executivo. O texto restaurou o princípio federalista, estabelecendo-se a divisão de atribuições entre a União, os estados e os municípios. 17 A nova Constituição, promulgada em setembro, determinava em seu artigo 5º, que competia à União regular e explorar, diretamente ou mediante concessão ou autorização, os serviços de telégrafos, radiocomunicação, radiodifusão e de telefones interestaduais e internacionais. Por exclusão, a regulação e exploração, direta ou através de concessões, dos serviços locais permanecia sob a responsabilidade dos estados que poderiam, de acordo com suas respectivas constituições, repassá-las para os seus municípios.

18

A

Constituição, em seu artigo 151, dispunha sobre o estabelecimento de tarifas e de seus 16

Os serviços de telecomunicações para atendimento às atividades civis (residências, comércio, indústrias e propriedades rurais), em função da guerra na Europa, sofreram deterioração em todo o mundo. Na Inglaterra e nos Estados Unidos todo o esforço foi voltado para o atendimento às necessidades militares, fossem elas de equipamentos e instalações, assim como pesquisas. O Bell Labs (laboratório do sistema AT&T) participou de mais de 1.000 projetos governamentais, fornecendo inclusive treinamento em comunicações para o pessoal militar.. Para ter-se uma medida da situação ao final da II ª Guerra nos Estados Unidos havia uma demanda reprimida responsável por uma fila de dois milhões de ordens de serviço (instalações, consertos, transferências) não atendidas. Disponível em http://www.bellsystemmemorial.com/bellsystem_history acesso em 13/01/2006 17 DHBB, verbete Constituição 1946, 2001, vol II: 1571 18 Brasil, Leis disponível em http://www.presidencia.gov.br/ acesso em 13/01/2006

31

reajustes, fazendo referência de que o valor destas deveria permitir melhorias e expansão necessárias à adequada prestação dos serviços. O Governo Dutra (1946-1951) lançou em 1947 uma iniciativa de intervenção planejada do Estado para o desenvolvimento econômico. O plano SALTE, como ficou conhecida esta intervenção, representava a soma das sugestões dos vários ministérios para o planejamento econômico do Brasil. Quatro áreas eram priorizadas: saúde, alimentação, transporte e energia. Os recursos para sua execução seriam provenientes da receita federal e de empréstimos externos. Foi justamente a inexistência de definições claras de financiamento que dificultou sua implementação. Este plano não tratou de telecomunicações, embora visasse o desenvolvimento do país. De acordo com o exministro das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira, na administração Dutra e durante grande parte das décadas seguintes os governos não tinham planos formais para a recuperação da telefonia e a expansão das telecomunicações. Esta responsabilidade era tida como exclusiva das concessionárias , não cabendo ao Estado intervir. O Plano Salte não entrou em telecomunicações. Por quê? Porque o governo, até então, considerava primeiro que telecomunicações era telefonia, que a telefonia era uma responsabilidade dos concessionários e que esses concessionários eram todos estrangeiros. 19 (Oliveira,2005) No segundo governo Vargas (1951-1954), o discurso de defesa dos interesses nacionais e de combate à participação estrangeira na esfera econômica, principalmente nos serviços públicos, tornou-se dominante entre as lideranças populares e os políticos populistas. Os apagões sacrificavam a população e causavam prejuízos à indústria. A degradação dos serviços telefônicos, por sua vez, atingira um ponto tal, que passara ser considerado um gargalo ao desenvolvimento econômico do país. Como decorrência de uma política de “abrasileiramento” das empresas estrangeiras, a Lei Nº. 2.354, de 29 de dezembro de 1954, obrigou as empresas estrangeiras a converterem seus balanços para cruzeiros, porém não estipulou câmbio para essa conversão. Quandt de Oliveira (1992) atribui a esse fato e às constantes mudanças nas políticas cambiais a discussão que se estendeu por longo tempo sobre o valor da Companhia Telefônica Brasileira e a sua disponibilidade financeira para 19

Depoimento ao CPDOC, 2005 disponível em http:www.cpdoc.fgv.br

32

investimento em expansão. O Decreto nº. 40.439, de 28 de novembro de 1956 concedeu nacionalização à Sociedade Anônima Brazilian Telephone Company, sob a denominação de Companhia Telefônica Brasileira. A empresa, apesar de nacionalizada, continuou sob o controle acionário da canadense Brazilian Traction and Light Power. Nas principais cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, devido à aceleração da industrialização e a conseqüente urbanização, estava ocorrendo uma enorme defasagem entre a oferta e a demanda de serviços públicos de um modo geral. Segundo dados do Banco Mundial (Banco Mundial, apud Oliveira,1992: 75), na década de 1950, a CTB operava aproximadamente 75% dos telefones no Brasil. Suas concessões eram contíguas (DF, RJ, SP, MG e ES) e cobriam a área de maior concentração populacional do país. A operação dos 25% de telefones restantes estava a cargo de mais de 800 entidades, incluindo prefeituras, pequenas e médias empresas e cooperativas. Assim qualquer processo de expansão do serviço telefônico envolvia a CTB. Ainda segundo Quandt de Oliveira (1992), o serviço no Rio de Janeiro apresentava falhas, era insuficiente para atender a demanda, mas ainda assim era o melhor do Brasil. Por ser sede do governo federal, a cidade do Rio de Janeiro era naturalmente o alvo prioritário das reclamações, embora, na prática, a situação em São Paulo fosse ainda pior.

1.7 - A crise na cidade do Rio de Janeiro Um novo contrato de concessão entre a Prefeitura do Distrito Federal e a Companhia Telefônica fora assinado em 26 de setembro de 1953 (Oliveira, E.Q., 1992: 267), já dentro de uma doutrina moderna de concessões de serviços públicos. Esse contrato estipulava o número de terminais telefônicos a serem instalados, as tarifas a serem cobradas e um cronograma de expansão, mas não foram incluídas as garantias para uma boa execução da expansão. (Oliveira, E.Q. 1992: 226). Diante do volume de reclamações sobre o serviço telefônico prestado pela CTB, principalmente por parte do comércio e da indústria, o prefeito Francisco Negrão de Lima decidiu ainda em 1956 pelo estabelecimento da comissão de Fiscalização prevista no contrato. O relatório nº. 2 de 1957, da Comissão de Fiscalização da Prefeitura, observava que o número de pedidos de instalação era cerca de 150.000, quase 80% da base instalada. O crescimento desmesurado da demanda era atribuído ao aumento indiscutível

33

do poder aquisitivo da população e às tarifas em geral cobradas para os serviços públicos, e tinha ocorrido num momento em que as empresas não estavam nem financeira nem tecnicamente preparadas para proporcionar uma oferta que diminuísse a fila de pedidos. Pela previsão do relatório, a CTB levaria mais de vinte anos para atender à demanda, mesmo se reinvestisse integralmente os lucros e as reservas. O relatório afirmava também que a concessionária vinha se mostrando desinteressada em obter novos recursos, fosse por aumento de capital social, fosse pela obtenção de novos empréstimos, alegando que os lucros contratuais permitidos não atraíam novos acionistas e que não desejava submeter os títulos existentes a uma baixa cotação na Bolsa de Valores. Para a segunda alternativa, havia dificuldade de obtenção de empréstimos no mercado internacional. Ao analisar o crescimento do número de terminais instalados desde 1910, o relatório demonstrava que sempre ocorreram irregularidades no atendimento à demanda e mencionava como possíveis causas das dificuldades entre o poder concedente e a concessionária na interpretação de questões de ordem jurídica de cláusulas contratuais. As dificuldades de serem estabelecidas regras de longo prazo eram atribuídas à instabilidade do cenário brasileiro. A dificuldade de se estabelecer normas e princípios para vigorar em um largo período, principalmente em nosso país, onde as condições sociais e econômicas sofrem evoluções turbilhonares, acarretam sempre a caducidade, de fato de dispositivos contratuais, estribadas em argumentos sibilinos de interpretação jurídica, com graves prejuízos para a indispensável expansão dos serviços (Comissão de Fiscalização, Relatório 2,1957, apud Oliveira, 1992: 363). A Comissão elaborou, em conjunto com a CTB, um plano para a instalação dos novos telefones, com o respectivo cronograma econômico-financeiro, levando em consideração inclusive os custos de importação, já que praticamente inexistia uma indústria de equipamentos no Brasil.20 No relatório constava como premissa que no regime de concessão vigente as concessionárias eram obrigadas a expandir o serviço de modo a atender a todos os novos assinantes. A comissão ainda salientou que os quadros técnicos da companhia estavam dimensionados para uma situação de rede estagnada e não poderiam atender ao ritmo de expansão, previsto em 12%, necessário ao 20

Oliveira , E. Q. op. cit p 36

34

cumprimento do plano estabelecido. Partindo desse quadro de definições e concluindo que a companhia sozinha não tinha como proceder à expansão e que a encampação não era possível naquele momento, a comissão elaborou uma proposta para distribuição dos custos do investimento. Os custos de expansão seriam cobertos pelo re-investimento total dos lucros decorrentes da operação no Rio de Janeiro, o Fundo de Encampação21 seria elevado para 20% do valor das contas dos assinantes; adicionalmente, os futuros assinantes deveriam pagar o custo da instalação dos telefones, mas este valor seria considerado um empréstimo a ser devolvido pela CTB.22 O problema da CTB, no Rio de Janeiro nada tinha de original, repetindo-se em todos os estados e cidades do Brasil, não só para telecomunicações, mas para diversos serviços públicos. A impossibilidade de obtenção de recursos para expansão e incapacidade técnica para atendimento da demanda na velocidade demandada eram os principais entraves à solução do problema. 23 O Governo Kubitscheck acompanhou a ação da Prefeitura do Distrito Federal, mas a sua preocupação não se limitava à capital. O problema se estendia a outras localidades24, conforme salientado no próprio relatório da Prefeitura. Para JK, as dificuldades nas comunicações telefônicas dificultavam o desenvolvimento almejado pelo seu Plano de Metas. Deste modo, foi criada em 1957, pelo Decreto nº. 41.800, uma comissão responsável pelo estudo da expansão dos serviços telefônicos em todo o país. Os estudos não se transformaram em projeto de lei, mas foram encaminhados ao Estado Maior das Forças Armadas, como subsídio para a implantação das comunicações na nova capital (Oliveira, 1992:39). Foi formada uma

21

O Fundo de Encampação era previsto em contrato e visava cobrir, mesmo que parcialmente, os custos com uma possível encampação 22 Oliveira, E. Q. idem , p 229 23 Comissão de Fiscalização idem p 361 24 O longo tempo de espera para instalação para diversas localidades é confirmado pelo relatório da TELEBRASil de 1966 e pelo depoimento de um ex-empregado da CTB em Minas. “As reclamações maiores na capital , Belo Horizonte, eram sobre a falta de telefone. As filas levavam 10, 15 anos para até o pedido de telefone ser atendido. Como não havia computador na época, as inscrições eram feitas em fichas em ordem alfabética de rua. Quando o cliente ia à empresa saber da posição do seu pedido, o atendente solicitava o endereço completo, pesquisava a ficha correspondente ao endereço e informava ao cliente, que ele deveria voltar dali a cinco anos para obter novas informações sobre a sua posição na fila.”

35

comissão mista (civis e militares) para elaborar planos de modo a garantir a comunicação a partir de Brasília com todo o resto do país. Esses estudos, embora tenham servido de subsídios para o que veio mais tarde a ser Código Brasileiro de Telecomunicações, não tiveram influência imediata na melhoria dos serviços. Também não foram estabelecidas propostas que possibilitassem o aporte financeiro necessário à expansão e à modernização dos serviços. A inflação em níveis mais elevados, embora fosse recente, já afetava as empresas, pois não estava previsto nenhum reajuste de tarifas fora do período de renovação do contrato. As concessionárias eram estrangeiras e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) não possuía linha de crédito destinada à telefonia. O aumento previsto do Fundo de Encampação de 4% para 20% sobre a conta mensal dos assinantes também não foi efetuado. Desse modo, a primeira reação das concessionárias locais à deterioração do valor das tarifas foi estancar o processo de expansão, deixando assim de atender a novos clientes e aumentar a capacidade da rede existente. O governo brasileiro, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento industrial, decidiu conceder benefícios a fim de incentivar a produção no país de equipamentos de telecomunicações. A Lei nº. 3.683, de 9 de dezembro de 1959, representou a primeira iniciativa para modernização dos equipamentos e um esforço no sentido do estabelecimento de uma indústria de equipamentos de telecomunicações. Ela concedia isenção de direitos para importação de peças e materiais destinados à fabricação, no país, de centrais telefônicas automáticas para serviços públicos. Até o início da década de 1960, a CTB ainda conseguiu fazer instalações de novos terminais, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, a pressão gerada não só pela demanda reprimida como pelo surto de crescimento industrial que ocorria no país causaram impacto na qualidade dos serviços, a ponto de serem observadas demoras para a obtenção do tom de discar de até 30 minutos no centro da cidade do Rio de Janeiro.25 A resolução dos problemas que afetavam a capital era um forte instrumento para demonstrar a eficiência de uma administração e a possibilidade de ser esta administração capaz de resolver os problemas do país. Em 5 de dezembro de 1960, Carlos Lacerda foi empossado como primeiro governador do recém-criado estado. Logo após a posse, 25

Telerj, Departamento de Controle Empresarial, 1995:3

36

Lacerda procurou a direção da CTB para que solucionasse o problema da falta de telefones. Como não obteve sucesso, nomeou uma Comissão de Intervenção a fim de efetuar um levantamento técnico-financeiro da empresa. Quandt (1992) lembra que, à época, cogitava-se que a empresa estava escondendo a sua real situação, que seria financeiramente boa, pois estava desinteressada em aplicar recursos próprios, porque sabia que os investimentos não teriam o retorno desejado. 26 No Rio Grande do Sul, a situação das telecomunicações também era precária. A concessionária local era a Companhia Telefônica Nacional - CTN, controlada pela International Telephone and Telegraph - ITT, empresa norte-americana que explorava serviços de telecomunicações em vários países fora dos Estados Unidos. Após ter assumido o governo estadual, Leonel Brizola também procurou a CTN com objetivo de resolver situação de crise na telefonia. Como solução para o aporte de recursos para expansão, ele propôs a criação da uma empresa de economia mista, com a participação do governo do estado e da CTN. A empresa protelou a decisão sobre esta associação. Jânio Quadros venceu as eleições para presidente de 3 de outubro de 1960. Logo nos primeiros meses do governo, as divergências entre Lacerda e o presidente se explicitaram27. Segundo o ex-ministro Quandt, Jânio recém-empossado presidente, foi alertado que se Lacerda, então governador da Guanabara, assumisse o sistema telefônico do Rio de Janeiro, teria possibilidade de controlar as comunicações de todo o país.

28

Assim ele determinou ao Ministro da Viação e Obras Públicas, Clóvis Pestana, que fosse criado um grupo de trabalho para estudar a situação dos serviços telefônicos. O Grupo, partindo dos estudos efetuados pela Comissão, criada pelo Decreto nº. 41.800, elaborou o Plano Nacional de Telefonia. O documento mostrava a necessidade de alteração na política de prestação de serviços públicos de telefonia, da centralização da fiscalização, da unificação de normas e procedimentos e para isto propunha a criação de um órgão central de supervisão. Este órgão ficaria também responsável pela obtenção de recursos, que seriam inicialmente provenientes do autofinanciamento, até que a fixação de novas tarifas que assegurassem a saúde financeira das concessionárias, para que então, estas pudessem buscar recursos através de financiamento ou no mercado de capitais. 26

Idem Oliveira pg 43 DHBB, verbete Carlos Lacerda, disponível em www.cpdoc.fgv.br 28 Idem Oliveira pg 43 27

37

A Comissão de Intervenção da CTB procurou o Grupo de Trabalho para apresentar a solução para a Guanabara, que seria a criação de uma empresa estadual de economia mista. O Grupo rechaçou a proposta, argumentando que não deveria ser dado andamento a soluções em separado por estado. A prioridade era a criação da estrutura proposta no nível federal. O Decreto nº. 50.666, de 30 de maio de 1961, criou o Conselho Nacional de Telecomunicações, subordinado ao Presidente da República com atribuições para estudar e definir o problema nacional de telecomunicações e apresentar dentro de três meses um anteprojeto do Código Nacional de Telecomunicações. A crise provocada pela suspensão da Rádio Jornal do Brasil29 e a criação por decreto do Conselho Nacional de Telecomunicações transferindo a subordinação técnica de Rádio do Ministério da Viação e Obras Públicas (um ministério técnico) passando para o controle do Ministério da Justiça (um ministério político) deixava claro que o presidente pretendia controlar toda a radiodifusão. Assim, fez com que fosse incluído no decreto, como atribuição do Conselho a elaboração, em seis meses, de um anteprojeto, de lei complementar sobre radiodifusão. O Conselho teria também funções técnicas, delineando os grandes troncos do Sistema Nacional de Telecomunicações, além de coordenar e fomentar a indústria brasileira de telecomunicações e o ensino técnico profissional. Com a criação do Conselho, o Governo federal passava a centralizar as decisões sobre telecomunicações, buscando analisar o problema sob todos os ângulos (telefonia local, interestadual, internacional, integração nacional, formação de indústria no Brasil e geração de mão-de-obra especializada). Contudo, com a posse do vice-presidente João Goulart em 7 de setembro de 1961, em função da renúncia de Jânio no dia 24 de agosto, o Conselho praticamente não chegou a funcionar. Seus membros pediram exoneração e não foram substituídos. Jango também considerava importante a solução da telefonia, principalmente o caso da Guanabara e solicitou ao Secretário do Conselho de Segurança Nacional, general Amaury Kruel, o exame da crise. Kruel recomendou que se procedesse à nacionalização propondo que a empresa fosse encampada. Porém o parecer do consultor-geral da 29

A suspensão da Radio Jornal do Brasil deveu-se à divulgação de matéria sobre o encontro de Arturo Frondisi e Jânio no Uruguai que desagradou ao Presidente Fonte: Entrevista do ex-ministro Quandt Oliveira ao CPDOC 2005, Silva (1990:17) e anais da Câmara disponíveis em www.camara.gov.br acesso em 20/02/2006

38

República, Antônio Balbino, descartou a encampação por não ser o governo federal o poder concedente e sugeriu que o BNDE efetuasse a negociação. Em dezembro de 1961, o Banco iniciou negociações com a COBAST, representante no Brasil da Brazilian Traction Light and Power Co., para a compra da CTB. Em março de 1962 Lacerda convocou o presidente da empresa, Antônio Galotti, e propôs-lhe a compra das ações. Galotti recusou, informando que estava negociando com o BNDE a compra de toda a empresa. Em represália, Lacerda ameaçou de desapropriação todos os bens da empresa na Guanabara. Em atenção ao parecer do consultor-geral, Tancredo Neves, primeiro ministro do primeiro gabinete parlamentarista, publicou o Decreto nº. 790 em 27 de março de 1962 invocando inclusive razões de segurança para disciplinar os serviços telefônicos interestaduais. Sob o argumento da garantia dos serviços interestaduais, que eram por determinação constitucional atribuição da União, o decreto trazia para a esfera federal, mais precisamente para o Ministério da Viação e Obras Públicas, a fiscalização das empresas que efetivassem comunicações entre dois ou mais estados, bem como todo o processo de desmembramento, separação e serviços ou patrimônio de empresa concessionária em mais de um estado. Nesse caso, seria inclusive necessário o parecer do Conselho de Segurança Nacional. O decreto instituía, também, uma tarifa a ser cobrada de todos os usuários relativa ao serviço interestadual, que deveria ser depositada pelas empresas mensalmente no BNDE, à ordem do Ministério da Viação e Obras Públicas (Brasil , Leis, apud Brito 1976 :150) . Em 30 de março de 1962, Lacerda baixou o Decreto nº. 940, declarando de utilidade pública para fins de desapropriação todos os bens da Companhia Telefônica Brasileira. No dia seguinte, mediante o Decreto nº. 814, foi executada a intervenção federal na CTB com o argumento que os serviços interestaduais dependiam da eficiência dos serviços locais e que estes eram deficientes na área de concessão da companhia. Considerando que, na forma do artigo 5º n º. XII da Constituição, compete à União explorar diretamente ou mediante concessão os serviços de telefones interestaduais, cuja eficiência depende das redes locais; (...) Considerando a importância das telecomunicações em áreas territoriais onde encontram-se concentrados serviços públicos federais cujo funcionamento regular interessa particularmente à segurança nacional;

39

(...) Considerando a precariedade do funcionamento dos serviços interurbanos e interestaduais de que é concessionária a Companhia Telefônica Brasileira nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde se encontram repartições públicas, civis e militares, essenciais à administração federal e à segurança nacional. (Brasil, Leis, apud Brito 1976:152) A intervenção deveria ser executada pelo prazo de 180 dias, por interventores nomeados pelo governo federal, e deveria apresentar um relatório sobre a situação existente e as medidas aconselháveis para a solução nacional dos problemas das telecomunicações. Completando o decreto de intervenção, o secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, general Amaury Kruel, determinou instruções reguladoras da concessão de prioridade para instalação de telefones. Mas as disputas entre Governo Federal e os governos estaduais para controle das telecomunicações continuaram, sendo inclusive levadas, no caso da CTB, à justiça para deliberação sobre a legalidade da intervenção. A cassação da permissão de funcionamento e a desapropriação dos bens da CTN determinada pelo governo do Rio Grande do Sul foram efetivadas em 16 de fevereiro de 1962, pelo Decreto nº. 13.186. A desapropriação da CTN, segunda maior concessionária do país, com cerca de 70.000 telefones, criou um problema nas relações entre os governos brasileiro e norte-americano, pois feria o artigo o artigo 6º. do Foreign Aid Act dos Estados Unidos, já que não houvera garantia de justa compensação. Jango viajou, em abril de 1962, a Washington a fim de buscar recursos financeiros e discutir os temas que vinham dificultando as relações entre os dois países, entre eles a nacionalização de empresas norte-americanas de serviço público. A saída era a garantir o pagamento de justas indenizações às empresas que, em contrapartida, aplicariam estes valores em outros ramos da indústria brasileira.

30

O governo não desejava que o problema causado pela

encampação se repetisse. Deste modo, a intervenção na CTB foi sucessivamente prorrogada. A telefonia tornava-se, assim, palco das disputas políticas da época. Derrotado na sua luta pelo controle da CTB, Lacerda assinou, em 24 de dezembro de 1962, a Lei estadual nº. 263 que criou a Companhia Estadual de Telefones CETEL. Em 20 de janeiro de 1963, foi estabelecida a área de concessão da CETEL, 30

Informações obtidas no DHBB, verbete João Goulart

40

cobrindo toda a região que não era atendida pelo serviço automático da CTB, como a ilha do Governador, a Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz.

1.8 - As telecomunicações nacionais: regulamentação e novo direcionamento Numa tentativa de pôr um fim ao caos em que se encontravam os serviços de comunicações, e, sobretudo, visando lançar as bases de uma nova política para as telecomunicações, foi promulgada em 27 de março de 1962 a Lei nº. 4.177. Esse instrumento legal determinava a criação do Código Brasileiro de Telecomunicações, que estruturou o setor a partir de quatro eixos: a) criação do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL), órgão ligado à Presidência da República, com atribuições de caráter normativo, de fiscalização e de planejamento, encarregado entre outras tarefas, de aprovar as especificações das redes telefônicas, estabelecer tarifas e elaborar o Plano Nacional de Telecomunicações; b) constituição do Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT), com o objetivo de permitir a homogeneização, em termos técnicos, da rede de telecomunicações nacional; c) autorização da criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL), empresa operadora estatal, responsável pelos serviços de telecomunicações interurbanos e internacionais; e d) criação do Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT), recolhido através de sobretaxa nas contas telefônicas da ordem de 30%, destinado a financiar o estabelecimento e a expansão do STB através da EMBRATEL (Araújo e Brandi: 2001:192). O CBT31 começou a funcionar realmente a partir de 20 de maio de 1963, quando o Decreto nº. 52026 criou o Regulamento Geral para execução da Lei nº 4.117. Eram mantidos os serviços intra-estaduais e locais sob as jurisdições de estados e municípios, sujeitos às normas e determinações do CONTEL. Ainda em 1963, o CONTEL aprovou critérios para nortear o estabelecimento das tarifas dos serviços de telecomunicações . A EMBRATEL foi constituída em 1965 tendo como sua principal tarefa implantar um sistema básico de microondas, integrando todos os estados e territórios da 31

O Código já havia sido amplamente discutido, tendo os militares, através do EMFA, tido grande influência na sua definição. Assim, ao assumirem o poder em 1964, os militares deram grande impulso à implantação do CBT, sendo primeiro estruturado o Contel, que elaborou normas e regulamentos para o setor, como o Plano Nacional de Telecomunicações e a regulamentação do Fundo Nacional de Telecomunicações. A política do regime militar considerava que a expansão com controle centralizado das telecomunicações privilegiava a integração e garantia a segurança nacionais. A marca desse período pode ser resumida pelo lema “segurança e desenvolvimento". (Silva,1990:11-28)

41

Federação. Na realização desta tarefa, a EMBRATEL foi assumindo os serviços nacionais e internacionais prestados pelas multinacionais (duas americanas, uma inglesa, uma italiana e uma francesa) e que dividiam os serviços de telex, telefonia , telegrafia. Uma característica dessa política foi não impor nenhum rompimento de contrato, nem encampação das concessionárias existentes (Silva, 1995)32. A última das concessionárias teve seu contrato vencido em 1973, ficando a partir deste período a EMBRATEL com o monopólio das comunicações interestaduais e internacionais. A EMBRATEL promoveu a modernização de telecomunicações adotando a tecnologia de comunicações via satélite, o que resultou em expansão dos serviços e ganhos econômicos. Em 1966, o CONTEL regulamentou a prática do autofinanciamento, que já era de uso em algumas concessionárias. O autofinanciamento referia-se à participação financeira dos promitentes assinantes, ou seja, ao pagamento prévio parcelado para aquisição de linhas telefônicas. Este foi um importante instrumento que possibilitou a expansão dos serviços de telefonia no Brasil. O Estado foi assim assumindo a tarefa de implantar uma infra-estrutura de telecomunicações compatível com as demandas do país, custeada, em parte, pelos próprios usuários através da cobrança do FNT nas contas telefônicas, das tarifas e sendo a expansão da telefonia local garantida através do autofinanciamento. A atuação governamental tinha respaldo no próprio resultado negativo em termos de preços e qualidade do serviço prestado.33 Em 1966, finalmente foram completadas as negociações para compra da CTB, ficando a EMBRATEL como principal acionista. A questão da fragmentação do poder de outorgar concessões só foi superada em 13 de fevereiro de 1967, pelo Decreto-Lei nº. 162, que concentrava o poder de concessão na União. Essa disposição depois consolidada pela Constituição de 1967, promulgada em 24 de janeiro. A nova Carta estabelecia ser competência da União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telecomunicações. No dia seguinte, o presidente da República, marechal Humberto Castelo Branco, expediu o Decreto-Lei nº.200, que introduziu alterações fundamentais na organização da administração

32 33

Disponível em www.sinttelrio.org.br, acesso em 20/02/2006 Neves M. BNDES disponível www.bndes.gov.br acesso em 02/02/2006

42

federal.34 Entre outras providências, esse decreto criou o Ministério das Comunicações e extinguiu o CONTEL. A EMBRATEL, o Departamento de Correios e Telégrafos e as diversas concessionárias de serviços telefônicos passaram para a esfera da nova pasta. Hygino Corsetti, titular das Comunicações no Governo Médici (1969-1974), submeteu ao presidente da República a Exposição de Motivos 57/71, de 15 de julho de 1971, que propunha a implementação de um Plano Nacional de Telefonia, de médio a longo prazo, e um plano que ele denominou de Plano de Emergência. O Plano previa a implantação de 10 milhões de terminais telefônicos, num prazo não superior a dez anos. O Plano de Emergência deveria instalar um milhão de terminais em no máximo quatro anos. O investimento deveria ser dividido entre governo, usuários (autofinanciamento) e companhias concessionárias. O objetivo era “atenuar a demanda mais premente e melhorar as condições de operação do sistema existente, nas áreas de concessão da Companhia Telefônica Brasileira e de suas subsidiárias”. Assim, a solução dos problemas de telecomunicações na Guanabara e no Rio de Janeiro continuava sendo prioritária para o governo federal. (Brasil, EM 123b, apud Brito 1976). Sentindo

a

necessidade

de

reformulação

da

estrutura

nacional

de

telecomunicações, o Ministério das Comunicações elaborou um plano para criação de uma holding. A idéia inicial era usar-se a EMBRATEL ou a CTB nesta função de holding. A exposição de motivos 118/71, de 25 de agosto de 1971, sugeria a constituição de uma entidade com atribuições de planejar e coordenar as telecomunicações a nível nacional, devendo obter os recursos financeiros necessários à implantação e expansão de sistemas. A criação dessa entidade decorria da necessidade de coordenação centralizada em “moldes empresariais”, pois, de acordo com a exposição do ministro, a existência de um grande número de empresas operadoras configurava-se como um entrave à execução do Plano Nacional. A Portaria nº. 329, de 11 de maio de 1972, determinava à Secretaria Geral do Ministério que elaborasse estudos no sentido de propor uma sistemática para integração das empresas no âmbito de cada estado ou região. Surge aí o conceito de empresa-pólo, ou seja, uma operadora de telefonia local por estado, visando extinguir a multiplicidade de operadoras, ficando essas novas empresas sob o comando da holding a ser criada. 34

Informações obtidas no DHHBB, verbete A Constituição de 1967 e AI-4 www.cpdoc.fgv.br.

43

1.8.1 - A criação do Sistema TELEBRÁS Em 11 de julho de 1972, através da Lei 5.792, foi criada a Telecomunicações Brasileiras S. A.- TELEBRÁS, vinculada ao Ministério das Comunicações, com atribuições de planejar, implantar e operar o Sistema Nacional de Telecomunicações (SNT). O comandante Euclides Quandt de Oliveira, que já havia sido presidente do CONTEL no governo Castelo Branco, tornou-se seu primeiro presidente. O Grupo TELEBRÁS35 foi constituído a partir da aquisição das antigas empresas operadoras de serviços de telefonia locais no âmbito estadual, e da EMBRATEL como operadora dos serviços interurbanos e internacionais. A TELEBRÁS efetuou a incorporação das companhias telefônicas existentes, através da aquisição de seus patrimônios ou de seus controles acionários. Assim teve início o processo de estadualização, isto é, agregação das empresas existentes na base de uma por estado. Ainda como parte desse processo, a TELEBRÁS instituiu em cada estado uma empresapólo36. Os recursos do Sistema TELEBRÁS advinham das tarifas cobradas pelo uso dos serviços, do autofinanciamento (venda antecipada do direito de uso de linha telefônica em troca de ações das empresas estaduais) e do Fundo Nacional de Telecomunicações. Os recursos, todos próprios, sem aporte do Tesouro Nacional, eram aplicados na expansão da telefonia local e de longa distância; na integração da rede de telefonia básica em todo o país; nos estudos da demanda por serviços de telefonia e no desenvolvimento de soluções para o seu atendimento. Durante os primeiros anos de implantação, o Sistema TELEBRÁS alcançou elevadas taxas de crescimento. Os recursos advindos da prestação de serviços interurbanos e internacionais, explorados pela EMBRATEL, financiaram a telefonia urbana através de um mecanismo de subsídios cruzados, modelo adotado pelo Bell System (AT&T)37 desde os tempos de Theodore Vail. 35

Inicialmente a denominação utilizada era Grupo Telebrás, posteriormente adotou-se a nomenclatura Sistema Telebrás (STB). 36 A TELEBRÁS e a Evolução das Telecomunicações – disponível em www.telebras.com.br acesso em 21/07/05 37 A American Telephone and Telegrah (AT&T ) era a empresa holding do Bell System, sua história confunde-se em grande parte com a história das telecomunicações nos Estados Unidos. Até 1894, quando

44

O governo federal estabeleceu como meta para o decênio 1972-1982 a instalação de 10 milhões de telefones. Entre 1972 e 1980, o número de terminais instalados cresceu cerca de 340%, passando de 1,4 milhões em 1972 para 5,1 milhões em 1980. As taxas de crescimento dos novos terminais telefônicos e da densidade telefônica, entre 1972 e 1980, foram de 17,3% a.a. e 14,55% a.a., respectivamente. Nesta época, a TELEBRÁS também dedicou recursos significativos para as atividades de P&D, em seu Centro de Pesquisa e Desenvolvimento instalado em Campinas (CPqD), que resultaram no avanço da capacitação tecnológica do país no setor de telecomunicações.38

1.8.2 - As operadoras na Guanabara e no Rio de Janeiro - TELERJ e CETEL A CETEL começou a operar em junho de 1965, dois anos após a sua criação. A empresa foi implantada com a previsão de instalação de 14,9 mil linhas telefônicas. Alguns estudos, porém, indicavam que ela só seria viável quando atingisse a marca de 32 mil linhas. Durante muito tempo o serviço da CETEL foi bastante insatrisfatório (somente cerca de 20% das chamadas eram completadas). De acordo, com o General Alencastro, presidente da TELEBRÁS no período 1974-1985, e presidente da CETEL em 1965, a principal marca da CETEL foi a adoção de tecnologias pioneiras no Brasil, especialmente na rede externa. A EMBRATEL e a Brazilian Traction assinaram o contrato de compra da CTB em 16 de março de 1966. A EMBRATEL comprou todas as ações da Companhia expirou a segunda patente de Bell, somente a Bell Telephone e suas licenciadas operavam nos Estados Unidos. Entre 1894 e 1904, aproximadamente 6.000 companhias independentes começaram a operar. A multiplicidade de operadoras trouxe um grave problema, pois não havia interconexão das redes e os usuários de diferentes companhias não conseguiam comunicar-se entre si. Em 1907, Theodore Vail assumiu pela segunda vez a presidência da AT&T e desenvolveu uma filosofia e estratégia que moldaram o a participação da AT&T. Para Vail, que também possuía ações da Telephone Company of Brazil, o negócio de telefonia era um monopólio natural e deveria ser garantida a integração do sistema a nível nacional, ou seja, em todo o território americano. A melhor alternativa na sua visão para evitar a estatização dos serviços, como estava ocorrendo na Europa, era a regulação governamental. Ele levou a empresa a atrair capitais e expandir-se, não limitando suas atividades à simples exploração dos serviços e incorporação das operadoras já existentes, mas produzindo equipamentos e investindo em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e adquirindo empresas de que atuassem em ramos complementares, como o caso da telegrafia (AT&T History- disponível em www.bellsystemmemorial.com) 38

Fagundes, As Telecomunicações no Brasil disponível em www.ie.ufrj.br/grc/docs/td_as_telecomunicacoes_no_brasil_uma_agenda_para_as_politicas_publicas. doc ,acesso em 20/04/05

45

Telefônica Brasileira e foram repassados adicionalmente todos os títulos e créditos da CTB completando o valor total de US$96.315.787,00 que seriam pagos trimestralmente em 20 anos com juros de 6% ao ano, vencendo a última prestação em 1986. Na época da compra da CTB pelo governo federal, a cidade do Rio de Janeiro apresentava a melhor teledensidade39 das grandes cidades servidas pela CTB, equivalendo a 10,1. De qualquer modo, dados de 1964 publicados em The World’s Telephones (apud TELERJ,1995:3) mostram que a densidade registrada no Rio se encontrava muito abaixo das encontradas em grandes cidades européias, como Londres (58,3) e Paris (37,6). Em 1966, a CTB mantinha 250.000 terminais instalados nos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, 90% dos quais na cidade do Rio de Janeiro. A primeira diretoria da nova CTB, em regime de colegiado, compunha-se da Presidência, Vice-Presidência, e de cinco diretorias: Técnica, Administrativa, Econômico-Financeira, Operação Rio e Operação São Paulo. Com exceção das diretorias Administrativa e Econômico-Financeira, os outros cargos de direção eram ocupados por funcionários da Empresa (TELERJ, 1995:8). A nova CTB estatal tinha como principais objetivos resgatar, em pouco tempo, sua antiga boa imagem, atendendo à grande demanda reprimida, tanto na área local quanto na área interurbana, integrando-se ao esforço nacional de desenvolvimento das telecomunicações. Para tal, era preciso, além de recuperar-se, desenvolver-se adotando novas tecnologias. A cidade de São Paulo já havia viabilizado na gestão anterior uma expansão de 206 mil terminais, recorrendo ao sistema de autofinanciamento. Essa solução fora adotada pioneiramente, e com sucesso, em várias cidades de Minas Gerais. Assim, com o intuito de resolver o problema da expansão e obter os recursos necessários, a CTB decidiu adotar como padrão o sistema de autofinanciamento, que consistia no pagamento pelo promitente assinante de 50% do custo do terminal, recebendo em troca, além do serviço, ações da empresa. O autofinanciamento não foi inicialmente bem recebido pelo público e os primeiros planos de expansão lançados não tiveram sucesso. (Kestelman, 2003: 322).

39

Telefones por 100 habitantes

46

Em 1969, foi introduzido na rede da Guanabara, o sétimo algarismo na numeração local com o objetivo de prepará-la para uma expansão e atender ao esquema de numeração exigido pelo DDD nacional que estava sendo instalado pela EMBRATEL. Tanto a Guanabara quanto o estado do Rio de Janeiro foram objeto de grandes planos de expansão (150 mil na Guanabara e 45 mil no Rio de Janeiro), contratados com a Standard Electric (SESA), vencedora de uma concorrência internacional, para fabricação local de equipamentos na nova tecnologia de barras cruzadas (cross bar). A exigência de produção local implicou na consolidação de um parque industrial do ramo no país que rapidamente progrediu em tamanho e diversificação de produtos. Em 1971, com a missão imposta pelo ministro Corsetti (1969-1974) de implantação de um milhão de telefones, mais do que o dobro da planta instalada na ocasião, iniciou-se uma nova era na CTB. A CTB deveria instalar 232 mil telefones na Guanabara e 116 mil no estado do Rio de Janeiro até 1975. Iniciou-se então um período de reordenação e de expansão de quadros, mudanças de processos e automação e mudanças tecnológicas. Foram lançados programas de treinamento, inclusive no exterior, para o pessoal técnico nas áreas de planejamento, projeto e operação, tendo sido também iniciado um programa local para o treinamento técnico básico. A operação no estado de São Paulo foi desmembrada em 1973, quando foi criada a Telecomunicações de São Paulo S.A. – Telesp, ficando assim a CTB limitada ao estado do Rio de Janeiro e à Guanabara. A CETEL foi mantida como operadora em sua área anterior, o que configurou uma exceção dentro do sistema: a Guanabara era o único estado do Brasil a contar com duas empresas controladas pela TELEBRÁS em operação. A portaria ministerial nº. 1149, de 11 de outubro de 1974, atribuiu às empresaspólo do STB o objetivo de implantar, expandir e operar os meios necessários à execução dos serviços públicos de telecomunicações em sua área de cobertura. A CTB ficou responsável pela expansão dos serviços de telecomunicações na área correspondente aos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Em assembléia extraordinária foi aprovada, em 20 de fevereiro de 1976, a empresa passou a denominar-se Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. - TELERJ. Mesmo sob regime militar a telefonia no Rio era considerada como “área de segurança”,

47

assim a presidência da Telebras nunca indicou seus presidentes. Eles eram escolhidos pelo SNI (Dias, 2004:47). Tecnicamente a empresa evoluía, tendo em 1976 inaugurado a Central de Rádio do Rio Comprido, importante centro de difusão de transmissão com o interior do estado. Nesta segunda metade da década de 1970, a TELERJ operava em uma área correspondente a 0,52% do território brasileiro, atendendo a 9,56% da população do país. A empresa já possuía 40 localidades integradas ao sistema de Discagem Direta à Distância- DDD e 96% de sua área operacional automatizada (Casals, 1998: 30). O primeiro choque do petróleo, em 1973, provocou um severo abalo no ritmo de expansão, em função da dificuldade na obtenção de recursos para seguir a grande expansão que fora contratada. Porém foi o segundo choque, no final da década, que efetivamente provocou uma sucessão de problemas econômicos que se refletiram na capacidade de captação das empresas do grupo TELEBRÁS tendo afetado, sobretudo a TELERJ que estava conseguindo evoluir com seu plano de expansão. A CETEL também evoluiu, sobretudo tecnicamente, a ponto de em 1978 ter seus indicadores operacionais considerados pela TELEBRÁS como superiores aos da TELERJ ( Dias, 2004). Em 1978 – em função de uma infiltração de gás, seguida de explosão da rede externa, no bairro do Catete, que interrompeu de uma só vez 21 mil linhas –, a empresa voltou às manchetes dos jornais de maneira negativa. Assim, a nova diretoria, que assumiu em 1979, teve novamente como objetivo recuperar a imagem da empresa e modernizar a rede externa.

1.9 – Crise e planos econômicos Durante mais de duas décadas as telecomunicações brasileiras se desenvolveram sob a égide do monopólio estatal. Porém, ainda na década de 1980 fruto das mudanças ocorridas na forma de exploração do setor, principalmente, nos Estados Unidos e na Inglaterra, começou no Brasil um movimento em prol da modificação do modelo. A nau das telecomunicações navegou, com garbo nas calmas águas do monopólio estatal, em anos felizes e produtivos, mas de repente, sopram os ventos da mudança prenunciando o início da tormenta sobre o modelo tradicional e a política industrial. (Telebrasil, março/abril 1987:6)

48

Nos seus primeiros 15 anos de atuação, enquanto a população brasileira aumentou em 50% e o PIB cresceu 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema TELEBRÁS cresceu mais de 500%, o que veio colocar o país entre os detentores das maiores redes telefônicas do mundo. A rede criada integrava o país de norte a sul e de leste a oeste, cobrindo mais de 20 mil localidades em todo o território nacional. A bordo reputava-se serem estes anos felizes e produtivos. A tempestade – como indicavam os barômetros externos do congestionamento da rede, da fila dos planos de expansão não atendidos e do comércio paralelo de telefones40 - era chegada e não amainaria. A demanda por serviços crescia bem mais que a capacidade de atendimento. Na linha do horizonte, vindo de outros oceanos, após décadas de calmaria, desde a Segunda Guerra, surgiram as grandes ondas de mudança nos modelos de política econômica vigentes. Já na segunda metade da década de 1970, uma nova tendência começou a dominar as teorias de economia política nos países desenvolvidos do mundo ocidental. O keynesianismo e a economia mista, com a intervenção do Estado, que haviam dominado o pensamento político desde a crise de 1929 e se consolidado após a Segunda

Guerra,

começaram

a

ser

suplantados

pela

defesa

fervorosa

da

desregulamentação dos setores controlados pelo Estado. A idéia de privatização de empresas estatais e, sobretudo de ser a competição o único meio existente para garantir o crescimento, foram ganhando força. Nos Estados Unidos, onde uma diminuta parcela das empresas era estatal, somente parte deste arcabouço era enfatizada, mais explicitamente a questão da regulação estatal. As teses liberais eram defendidas por economistas de grande destaque, como os Prêmios Nobel Friedrich A. Von Hayek (1974), Milton Friedman (1976) e George Stigler (1982). Entretanto, é evidente que somente o prestígio intelectual não explica porque estas teses se tornaram a tendência ideológica dominante a partir dos anos 1980. Na

40

Mercado paralelo tornara-se uma atividade muito rentável. A Portaria 209 baixada em 6 de agosto de 1986 proibia o mercado paralelo de telefones que havia se tornado uma atividade em franca expansão, porém várias liminares foram concedidas pela Justiça . O objetivo do MiniCom com a Portaria era sanear o mercado e acabar com os especuladores, que contrariavam, segundo o Governo, as medidas de controle da inflação e desviavam a poupança popular, pois muitos consumidores acabavam sendo lesados, não recebendo a linha comprada. Por outro lado, a Justiça, entendeu que se tratava de uma atividade que não podia ser extinta de uma hora para outra em função de uma Portaria, pois até então a atividade não era ilícita, sendo admitido oficialmente o comércio de linhas entre particulares.

49

realidade, nos países ocidentais os choques do petróleo, a rápida aceleração da inflação e os altos níveis de desemprego minaram a confiança nas políticas econômicas do pósguerra. Ao mesmo tempo, a estagnação das economias sob regime socialista levava os observadores atribuírem-na ao dirigismo estatal, que não deixava espaço ao empreendimento e à competição, que segundo eles, seriam o verdadeiro motor da economia. Para os países do Terceiro Mundo ficava a impressão de que as economias capitalistas estavam crescendo, enquanto que as socialistas definhavam ou, ainda pior, desapareciam. Sob esta nova ótica, a propriedade e a forma de exploração dos ditos “serviços públicos” 41, tão críticas para qualquer economia – como os transportes, água e esgotos, eletricidade e comunicações – passaram a ser discutidas, sendo colocada no centro do debate a questão do monopólio, sobretudo o estatal. A base para a defesa da exploração monopolista nestes setores devia-se ao menor custo por usuário, já que o custo total era dividido pelo número máximo de usuários, evitando-se a duplicação de redes. A existência de uma rede única possibilitava o uso de subsídios cruzados que garantiam a expansão e o atendimento a áreas pouco rentáveis. Foi dentro deste contexto que, no início do século XX, a maioria dos países desenvolvidos contava com monopólios estatais para prover as telecomunicações, com exceção dos Estados Unidos. A idéia de monopólio natural42 para os serviços de comunicações foi introduzida, em 1907, por Theodore Vail, presidente da AT&T norte-americana. Segundo Vail, os serviços telefônicos, pela natureza de sua tecnologia, operariam mais eficientemente como um monopólio que oferecesse serviços a todos. “O monopólio natural seria assim um substituto aceitável à competição de mercado”. O governo americano aceitou o princípio e, em 1913, o monopólio foi regulamentado através do Kingsbury

41

Existem dois tipos de serviços públicos: os não-comerciais, que são financiados pelos impostos como é o exemplo da educação e da saúde públicas, e os comerciais, que são financiados pelos usuários, encaixam-se neste caso os serviços de água, luz, correios e telecomunicações. 42 O conceito baseava-se no princípio de que com a tecnologia existente era mais eficiente prover serviços através de uma única empresa do que tentar provê-los através de múltiplos concorrentes. Eram considerados monopólios naturais os serviços de distribuição de energia elétrica, de água, enfim uma parcela dos serviços públicos comerciais. O serviço telefônico só então passaria a ser um monopólio natural.

50

Commitment.43 Ganhos de eficiência eram conseguidos por escalas imensas de oferta de telefonia. Com estes enormes ganhos de escala, vinham também todos os problemas relacionados ao poder de mercado desfrutado pelos

exploradores do monopólio de

caráter estatal ou privado. Apesar de as particularidades de cada país, até a década de 1980 o setor de serviços estruturou-se de forma pública ou privada, mas quase sempre regulamentada como um monopólio. As empresas de telecomunicações assim constituídas (monopólio) restringiam-se ao seu mercado nacional, isto é, não operavam em escala mundial. Nos países em que a exploração do monopólio tinha caráter estatal, esta intervenção era justificada pelo caráter estratégico das telecomunicações para o desenvolvimento econômico, pela falta de capital privado nacional para exploração dos serviços e por questões relacionadas à segurança nacional. 44 Em resumo, no início dos anos 1980, o capitalismo se remodelou em ritmo acelerado. Para fazer face à sua necessidade de expansão territorial, as grandes corporações globais, em busca de garantir competitividade, através da redução de custos, pressionaram pela redução das tarifas interurbanas, internacionais e dos serviços de comunicação de dados.

45

Assim, o processo de liberalização e de privatização dos

monopólios estatais teve início no mundo. Para o Brasil e para a maior parte da América Latina aqueles anos ficaram conhecidos como a “década perdida”. Especificamente no caso brasileiro, devido à dificuldade em estabilizar a economia, a década perdida estendeu-se até a metade dos anos 1990. Nesse período, o barco das telecomunicações brasileiras navegava nas águas revoltas da crise econômica, subindo e descendo ao sabor dos planos econômicos. A bordo, somente aqueles que estavam na gávea podiam vislumbrar o horizonte das mudanças. Os demais, tanto na proa como na popa, assoberbados em manter o navio no curso, não se davam conta que, além das duzentas milhas, o mar era outro, bem mais bravio.

43

As informações sobre o Kingsburry Commitment e todo o modelo de constituição do monopólio pela ATT encontram-se disponíveis em : http://www.att.com/history/history3.html 44 A AT&T por força de decisão judicial teve seu monopólio quebrado em 01/01/1984. 45 Com a explosão da informática surge a necessidade de conexão entre computadores e a troca de informações entre redes de computadores.

51

1.9.1 - Desaceleração: crise e FMI A partir do segundo choque do petróleo, quando o preço do barril chegou a US$35, e com o aumento dos juros internacionais, o ajustamento tornou-se prioritário na agenda governamental. Diferentemente do que se seguiu ao primeiro choque, quando o Brasil era “uma ilha de tranqüilidade”, a escassez de financiamento começou a ter reflexos, culminando com uma explosão de desequilíbrios internos que caracterizaram o período final do último governo militar. A alta do dólar e a disparada dos juros no mercado internacional foram a gota d'água que faltava para a explosão da crise dos países devedores. O III PND (1980-1985), criado no governo João Figueiredo (1979-1985), estabelecia como metas prioritárias o crescimento da renda e do emprego, o equilíbrio do balanço de pagamentos, o controle da dívida externa e o combate à inflação. Visando o equilíbrio do balanço de pagamentos, foi dada prioridade ao desenvolvimento de novas fontes de energia. As comunicações tinham papel relevante, como opção para a redução do deslocamento e do conseqüente consumo de combustíveis. Em 1981, a política seguida baseava-se na contenção salarial, no controle de gastos do governo, no aumento da arrecadação, na elevação das taxas de juros internas, no aumento do preço interno dos derivados do petróleo, a fim de estimular diretamente a substituição. Na tentativa de controle do déficit público foram estabelecidos limites de investimento para as estatais e, na busca do controle da inflação, as tarifas foram sendo achatadas. Em dezembro de 1980, foi estabelecida uma limitação do crescimento nominal dos investimentos das estatais em 66% (Carneiro e Modiano,1990: 325). Com o objetivo de controlar os gastos das empresas estatais foi criada a Secretaria de Controle das Empresas Estatais - SEST46, que passou a definir limites orçamentários para todos os tipos de empresas do Estado, sobretudo para investimento e despesas correntes. O acesso das empresas ao crédito doméstico e internacional também era controlado e extremamente limitado. À medida que a inflação subia, o governo recorria ao controle de preços e tarifas para procurar estabilizar a situação.

46

A SEST era subordinada à Secretaria Extraordinária de Planejamento da Presidência da República

52

A aprovação do Decreto nº. 86.215, de 1981, inaugurou o processo de desestatização do setor produtivo estatal. Esse decreto fixava as primeiras diretrizes para a transferência e desativação de empresas controladas pelo Governo Federal. A responsabilidade pelo processo era da Comissão Especial de Desestatização. Essa primeira fase da reforma patrimonial ficou conhecida como “fase das reprivatizações”. Outro processo importante, que teve início com o modelo de reforma proposto pelo governo Figueiredo, foi o de terceirização de parte dos serviços do setor público. A terceirização aprofundou e disseminou o processo de desestatização. Entre os setores que passaram por esse processo destacavam-se os serviços de limpeza, de segurança e de tecnologia da informação. Com a falência do México em 1982, foi interrompida a possibilidade de captação de recursos externos no sistema bancário internacional. A partir de então, a solução encontrada pelo setor público brasileiro foi captar recursos internamente, para manter o ajuste das contas orçamentárias e cambiais. Para piorar ainda mais o cenário, as exportações brasileiras registraram em 1982 uma redução de US$3 bilhões. Assim, em setembro deste ano, por ocasião da reunião de Toronto, são iniciadas conversações com o FMI e com credores privados (Carneiro e Modiano, 1990:325). Nas eleições de 1982, a população manifestou seu descontentamento elegendo um grande número de candidatos das oposições nos principais estados brasileiros47. Foi assim explicitada a contestação e a rejeição ao regime militar, que já se manifestava desde 1974, sendo introduzida uma alternativa real de poder, articulando políticos de tradições e partidos diferentes como Leonel Brizola (PDT) eleito governador do Rio de Janeiro, Franco Montoro (PMDB) eleito governador de São Paulo e Tancredo Neves( do então PP) eleito governador de Minas Gerais. A campanha das Diretas-Já (1984) demonstrou o grande desejo de mudança existente no seio da sociedade. Dessa forma, qualquer tentativa de retrocesso ou manutenção do regime tornava-se inviável, pois, além da rejeição da sociedade, não havia apoio do empresariado e nem entusiasmo dos militares da corporação. 47

O PDS, cujos quadros eram egressos da Arena, só elegeu governadores no Nordeste, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso. O PDT elegeu Brizola no Rio de Janeiro. Nos outros nove estados, foram eleitos governadores pelo PMDB. Para a Câmara dos Deputados o quadro ficou da seguinte forma: o PDS elegeu 235 deputados; PMDB: 200; o PDT:23 ; o PTB:13; PT:8.

53

As altas taxas de inflação tinham prejudicado principalmente os assalariados, mas tiveram impacto em todos os setores. A crise era geral. A inflação acumulada passou de 110,24% em 1980, para 223,90% em 1984, último ano do regime militar. A maioria dos objetivos do III PND, não foi nem de longe alcançada, o período foi marcado por grave crise econômica, que se refletia em problemas fundamentais, tais como inflação, desemprego e crise da dívida externa. O esgotamento do modelo econômico conduziu o país, na primeira metade da década de 1980, a taxas reais de crescimento mínimo, em torno de 1% ao ano, que corroeram as bases do regime. Assim, o regime militar perdeu parte da sustentação político-partidária com a formação da Aliança Democrática, que reuniu o PMDB e a dissidência do PDS48. Da bancada de 281 ou 51,3% dos membros do Congresso Nacional, eleita em 1982, o PDS perdeu 117 para o PFL, ficando reduzido, em 1985, a menos de um terço (29,1%). (Nascimento,1997: v 4).

1.9.2 - A desaceleração nas telecomunicações Na área das telecomunicações, os investimentos, principalmente a partir da ida do Brasil ao FMI, em 1983, foram sensivelmente reduzidos. O controle exercido pela SEST sobre os dispêndios, os cortes dos investimentos previstos e a contenção das tarifas, exercida pela área econômica, com reajustes abaixo do nível de inflação, além do achatamento salarial, tiveram impactos profundos no desempenho do STB na segunda metade da década. A falta de recursos atingiu não só a expansão, mas também a manutenção, com reflexos visíveis nos indicadores do sistema: congestionamento da rede, não cumprimento do prazo de entrega dos novos terminais, aumento do tempo para obtenção do tom de discar etc. A principal fonte de recursos, o Fundo Nacional de Telecomunicações, foi sendo aos poucos desviada. De acordo com o projetado, quando da criação do Sistema Nacional de Telecomunicações, a partir de 1966 todos os usuários passariam a pagar uma sobretarifa de 30% a cada ligação. Os recursos daí derivados seriam destinados à composição do FNT. Estavam previstos dez anos de recolhimento, tempo destinado à criação e à consolidação do sistema. Por conseguinte, o recolhimento da sobretaxa para o FNT 48

Esta dissidência do PDS dará nascimento ao PFL — Partido da Frente Liberal

54

deveria acabar em 1º de maio de 1976. No entanto, em 1974, quando da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), parte das sobre-tarifas dos serviços de telecomunicações – até então, destinadas exclusivamente ao FNT – foram compor este outro fundo. O prazo de recolhimento do FNT ficou sem previsão de término. Ainda no governo Figueiredo, o FND foi extinto e a totalidade dos recursos do antigo FNT passou a constituir recursos ordinários do Tesouro Nacional. Em 1984, foi criado um imposto sobre os serviços de comunicação (ISSC), que incidia sobre os serviços públicos essenciais, sendo entendidos como essenciais os serviços de telefonia local, interestadual, nacional e internacional e telex, ficando isentos os serviços de comunicação postal, radiodifusão sonora, televisão, radioamador. O baixo valor das tarifas acabou provocando distorções, pois na falta dos recursos advindos das tarifas ocorreu o encarecimento da taxa de instalação do terminal, que acabou se situando em níveis muito acima dos praticados internacionalmente. A taxa de instalação média chegou a atingir o patamar de US$1.200 (Dalmazo, 2002:178). Um dos principais efeitos desta distorção era a impossibilidade de aquisição de uma linha pelas camadas mais pobres da população. A Tabela I apresenta os valores relativos ao investimento no período 1980-1985 e sua composição relativa. A partir de 1983 houve uma queda no total de investimentos do STB, com redução substancial dos financiamentos. O ano de 1984 é o que apresenta os valores mais baixos. Tabela I Investimentos e fontes de financiamento do STB -1980-85 Composição relativa do Financiamento Investimentos (US$milhões)

Anos 1980 1981 1982 1983 1984 1985

932 1.330 1.523 992 864 918

Recursos Próprios*

Empréstimos e financiamentos 9 29 36 55 69 67

AutoRecursos financiamento fiscais 42 23 22 12 5 2

32 24 23 21 21 24

17 24 19 12 5 7

Fonte: Almeida, Marcio W. (1993). Serviços de infra-estrutura e competitividade de telecomunicações e competitividade. In: Coutinho, l: coord: Estudo da competitividade da insdustria brasileira. Disponivel em :http://ftp.mct.gov.br/publi/Compet/Default.htm acesso em 20/02/2006 * basicamente constituído pelas tarifas

55

Durante o governo Figueiredo, o Ministério das Comunicações, sob o comando de Haroldo de Mattos (1979-1984), um engenheiro militar com longa história no setor, direcionou a política de telefonia não só para atendimento da demanda básica, mas para promover o atendimento social e universal. Em novembro de 1982, a meta de interiorização da telefonia foi alcançada, tendo a telefonia chegado a todos os municípios brasileiros. No novo estado do Rio de Janeiro, proveniente da fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro ocorrida em março de 1975, duas empresas continuaram a operar: a TELERJ, atendendo à quase totalidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e ao interior do estado e a CETEL, que cobria uma pequena parte da cidade do Rio de Janeiro (Zona Oeste, Barra da Tijuca e ilhas do Governador e Paquetá). No início da década de 1980, a TELERJ iniciou um plano de recuperação dos serviços de telefonia local (urbana e rural), tendo sido efetivadas grandes expansões na capital e no interior do estado, iniciadas instalações de equipamentos de pressurização de cabos, ampliações de rotas interurbanas, além de ações visando à melhoria de qualificação da mão-de-obra e a descentralização administrativa na área operacional. Essas ações refletiram-se positivamente nos indicadores de qualidade, como atendimento a reparos, atendimento a carnês, obtenção do tom de discar. A TELERJ conseguiu resgatar sua antiga imagem de boa prestadora de serviços, passando, inclusive a ser alvo de inúmeras manifestações por parte de vários segmentos da sociedade. Em 1982, o Rio de Janeiro tornou-se a primeira unidade da federação a contar com o serviço telefônico local automático em todas as sedes de municípios. Nesse período, as obras do metrô foram o grande entrave ao desempenho da telefonia local, sendo as responsáveis pelas freqüentes interrupções dos serviços, sobretudo nas áreas do Centro, da Tijuca e em Botafogo49. A crise da economia e o empobrecimento do estado acabaram por comprometer outros indicadores de ordem financeira da empresa, pois os serviços mais rentáveis não encontravam usuários. Por outro lado, o estado manteve seu pioneirismo na implantação de novas tecnologias, tendo sido a CETEL a primeira a instalar no Brasil cabos de fibra ótica. 50

49 50

Telerj -PPC 1995: 8 Ligação entre as estações de Jacarepaguá e Cidade de Deus.

56

1.9.3 – A democracia e a onda dos planos de estabilização No dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheu o deputado Tancredo Neves, que concorreu com Paulo Maluf, como novo presidente da República. Ele fazia parte da Aliança Democrática – o grupo de oposição formado pelo PMDB e pela Frente Liberal. No entanto, Tancredo Neves não chegou a tomar posse, pois ficou doente e vindo a falecer no dia 21 de abril de 1985. Assumiu então a presidência, seu vice o senador José Sarney. Em 1985, logo no início do governo Sarney (1985-1990) foi criado o Programa de Privatização, que substituiu a Comissão Especial pelo Conselho Interministerial de Privatização51. O decreto ampliava o alcance do programa de forma a incluir todas as empresas do Estado, à exceção dos monopólios públicos estabelecidos na Constituição de 1969. Cabiam ao ministro do Planejamento as decisões relativas à inclusão ou exclusão de empresas do rol das privatizáveis. Com o advento da Nova República, Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia por dois mandatos (1971-1975 e 1979-1983), ambos por escolha indireta, foi escolhido pelo presidente eleito Tancredo Neves para assumir a pasta das Comunicações, tendo sido mantido no cargo por José Sarney após a morte de Tancredo em abril de 198552. A popularização e a interiorização do telefone foram declaradas como metas básicas em março de 1985 pelo novo titular da pasta. ACM tornou-se um verdadeiro super-ministro de Sarney, constituindo-se num dos principais interlocutores entre o governo e o Parlamento, sendo o principal responsável pela política de aproximação do governo com o Centrão53. Ao fortalecer as lideranças do emergente Centrão, o governo utilizava os recursos políticos disponíveis – cargos, verbas e também as concessões de rádio e TV – com o objetivo de conseguir apoio para as suas posições de uma considerável parcela do plenário.

51

Decreto nº. 91.991, de 28 de novembro de 1985. Informações obtidas no DHBB, v. III, p. 3.431-3.442. 53 Centrão - bloco suprapartidário de orientação conservadora 52

57

Novamente em 1985, a TELERJ passou por um problema semelhante ao vivido em 1978, um incêndio em uma caixa subterrânea no centro da capital provocou a interrupção de 35.000 terminais. Ao longo de 1985, a economia continuou com baixo desempenho e apresentando altas taxas de inflação, que chegaram ao patamar de 235,11%. Assim já no início de 1986, vários fatores contribuíam para a configuração de um ambiente nervoso, dentre os principais destacava-se a inflação, que havia atingido níveis alarmantes a partir de novembro de 1985. O governo não aparentava dispor de mecanismos que pudessem deter o aumento inflacionário; vinham eclodindo sucessivas greves, principalmente nos serviços públicos, deixando a população sobressaltada; Pairava o temor de que todo o crescimento já atingido fosse lambido pela fogueira da inflação. Dentro desse complexo cenário, foi anunciado, em 28 de fevereiro de 1986, um conjunto de medidas que ficou conhecido como Plano Cruzado54. O Plano Cruzado baseava-se na teoria da inflação inercial e sua meta era atingir a meta de inflação zero; para tal foi introduzida uma nova moeda - o cruzado- com a equivalência, para fins de conversão, de Cr$ 1.000,00 para cada CZ$1,00. Os preços foram congelados com exceção das tarifas de energia elétrica que tiveram um aumento de 20%. A conversão dos salários foi efetuada pela média dos últimos seis meses, com abono de 8% (16% para o salário mínimo), com a introdução de um gatilho, que seria acionado toda vez que a inflação atingisse 20%. A taxa de câmbio foi fixada no nível de 27 de fevereiro. Foi buscado um ajuste fiscal baseado na reforma fiscal de dezembro de 1985, que implicava num aumento de imposto de renda sobre ganhos de capital das operações financeiras. O sucesso inicial do plano provocou uma explosão de consumo levando ao racionamento. Para burlar o congelamento foi usado o artifício da maquiagem de produtos. O PIB cresceu (7,5%), mas a situação fiscal piorou e o desequilíbrio externo retornou. Só em dezembro de 1986, após as eleições de 15 de novembro, foi lançado um novo plano, o Cruzado II, visando controlar o déficit público via aumento das tarifas públicas e de impostos indiretos. 54

Em 28/02/1986 foi anunciado o Plano Cruzado pelo ministro Dílson Funaro. Entre as medidas adotadas estava o congelamento de câmbio, preços e salários, instituição do gatilho salarial, extinção da correção monetária e a criação do Cruzado (Cz$), a nova moeda, que equivale a mil Cruzeiros. As tarifas foram congeladas e com exceção da de energia elétrica não foram repassadas as defasagens anteriores. http://www.economiabr.net acesso em 01/02/2006

58

O grande aumento do consumo atingiu também as comunicações, tendo o tráfego telefônico apresentado um sensível incremento no período. Por força do pouco investimento anterior, as demandas começaram a não ser atendidas e o sistema começou a apresentar sinais de sobrecarga. O plano de expansão, lançado em novembro de 1986, teve larga procura pela população, o que, segundo propaganda do ministério em jornais da época, demonstrava a confiança do povo brasileiro nas iniciativas do Ministério das Comunicações. Entretanto, a fila de promitentes assinantes não atendidos começou a crescer. A perda de reservas, que ao fim de 1986 estavam em pouco mais de US$ 6 bilhões, assim como a deterioração da balança comercial, cujo superávit caiu de US$ 13 bilhões em 1984/1985 para a cerca de US$ 8 bilhões em 1986, levaram em 20 de fevereiro de 1987, o presidente Sarney a anunciar a suspensão do pagamento dos juros da dívida externa. Em abril, a taxa de inflação alcançou o patamar mensal de 20%, impondo a substituição do ministro da Fazenda e a busca de um novo plano. Em substituição a Dílson Funaro, principal responsável pelo Plano Cruzado, foi nomeado Luiz Carlos Bresser Pereira. Ao ser empossado, o novo ministro comprometeuse a realizar um rígido controle dos gastos públicos, conforme preconizado pelo FMI, mas também a manter o gatilho salarial55. Em junho, Bresser lançou mais um plano emergencial, cujo objetivo não era como o do Plano Cruzado, obter inflação zero, mas simplesmente, conter o processo inflacionário e evitar a hiperinflação. A intenção era promover um choque deflacionário com o término do gatilho salarial e a contenção do déficit público. Novamente, foi introduzido o congelamento de preços, só que por tempo préfixado (três meses) e com aumento prévio de várias tarifas públicas. Foi efetuada uma desvalorização cambial de 9,5%, sem, no entanto, haver congelamento do câmbio. O gatilho foi extinto e introduzido o congelamento de salários por três meses56. Foi criada uma nova unidade monetária, a URP57. Os aluguéis foram congelados no nível de junho, 55

Mecanismo pelo qual os salários dos trabalhadores eram reajustados sempre que a inflação atingisse níveis iguais ou superiores a 20% 56 Salários congelados no nível de 12/junho, com o resíduo inflacionário sendo pago em seis parcelas a partir de setembro. 57 Unidade de Referência de Preços, constituída pela média geométrica da taxa de inflação dos três meses anteriores, para corrigir os salários a partir de setembro.

59

sem compensação; os contratos pós-fixados foram mantidos e introduzida a “tablita”

58

para os pré-fixados. A âncora do Plano Bresser era a contenção salarial. No início, o Plano foi bem sucedido no controle da inflação, tendo havido recuperação da balança comercial e diminuição do déficit público. Entretanto, logo após a primeira descompressão dos preços, ocorreu um retorno da aceleração inflacionária e começou a existir uma forte pressão por reposição salarial. Em dezembro, o ministro Bresser pediu demissão, sendo substituído por Maílson da Nóbrega. O novo titular da pasta praticou uma política de congelamento de empréstimos ao setor público, contenção salarial e redução do prazo de recolhimento dos impostos. Sua estratégia visava manter a inflação no patamar de 15% ao mês e reduzir o déficit público. A inflação foi mantida abaixo de 20% ao mês no primeiro semestre de 1988, porém com o reajuste das tarifas públicas no segundo semestre a inflação voltou a acelerar chegando quase aos 30% mensais em novembro e dezembro. Durante todo o período, os investimentos e os dispêndios das estatais foram mantidos sob rigoroso controle e os reajustes das tarifas eram usados como item de política econômica. Com relação às tarifas telefônicas para recompor uma inflação da ordem de 20 % ao mês, o reajuste de 1987 foi o seguinte: a ficha telefônica passou Cz$ de 0,40 para Cz$0,70, a assinatura sofreu um reajuste de 66%, passando o valor da assinatura básica de Cz$23,20 para R$38,51. Os pulsos e serviços de DDD e DDI sofreram reajuste também de 66%, porém o telex e os serviços de comunicações, produtos consumidos pelo segmento empresarial, tiveram seus preços majorados em 75%. Os serviços eventuais prestados pelas operadoras, os serviços de repetição de sinais de TV e radiodifusão sofreram reajuste de 98%59. O governo Sarney prometera democratizar e popularizar a telefonia no país. Assim, embora contido, o investimento destinou-se prioritariamente à telefonia urbana. A partir de 1988, começaram ser feitos investimentos nos serviços de textos e dados. (Dalmazo, 2002:53) Em função do alto turnover, que estava ocorrendo no sistema TELEBRÁS, notadamente de pessoal técnico e gerencial, além do forte movimento grevista que abrangeu as principais capitais do país, a TELEBRÁS iniciou uma espécie

58 59

Tabela de conversão com desvalorização de 15% ao mês. Fonte: TELEBRASil março/abril 1987 : 67

60

de descompressão da curva salarial, que vinha sendo comprimida de longa data. Com relação aos recursos para o STB, continuaram os controles e as dificuldades para obtenção de financiamentos. Entretanto, a TELEBRÁS teve no exercício fiscal de 1986 um crescimento recorde, que a colocou em 22º lugar entre as empresas de maior rentabilidade do mundo, com um lucro de 590 milhões de dólares60, segundo a revista norte-americana Businessweek. Ao analisar as privatizações no período Sarney, constata-se serem devoluções à iniciativa privada de empresas que haviam sido socorridas pelo Estado, principalmente, através de bancos oficiais e haviam passado ao controle do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), sendo pouquíssimas as subsidiárias de empresas públicas então incluídas no processo (Almeida, 1999:9). Segundo Velasco (1997:18), não havia motivação ideológica ou pressões externas para as privatizações. As desestatizações se davam por interesse do BNDES, sob o argumento de “que os prejuízos importam”, sendo o objetivo da venda das empresas a reversão deste quadro de perdas. No entanto, o argumento da ineficiência financeira das empresas pode ser refutado, pois pelo menos uma empresa incluída neste processo, a Aracruz Celulose, nunca esteve no rol das empresas deficitárias.

1.9.4 - A longa Constituinte: o porto do monopólio A Nova República significou o início de uma grande mudança nas relações econômicas entre o Estado e as empresas nacionais e estrangeiras. O ponto de partida dessas mudanças foi a elaboração de uma nova Constituição, promulgada em outubro de 1988. O MiniCom, em 1986, tentou promover uma de mudança da política do setor estabelecendo, entre outros pontos, a livre competição em várias áreas. A contrapartida seria o aumento dos recursos a serem aplicados pela TELEBRÁS em P&D, passando a ser de 2,5% da receita da empresa, ao invés de 1% destinados até então (Porto e Pochman, 2000: 30). A primeira tentativa de abertura se deu na exploração privada de

60

TELEBRASil vol 9- n.2- março /abril 1987: 80

61

novos serviços como transmissão de dados via satélite61. Para tal, o MiniCom usou como estratégia a criação de decretos regulamentares, portarias e normas, nos quais eram definidas novas categorias, conceitos e serviços, tentando regulamentar o setor com instrumentos do Poder Executivo. A inclusão do monopólio estatal no texto da Constituição tem neste movimento um ponto decisivo. A Victori Comunicações, empresa associada às Organizações Globo, ao Bradesco e a italiana Victori Internacional, enviara uma carta ao secretário-geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Vilar Furtado, solicitando permissão para instalar “um serviço limitado de múltiplos destinos”, o que na realidade era um pedido para explorar o serviço de transmissão de dados, até então era exclusivo da EMBRATEL e o mais lucrativo do STB. No segundo semestre de 1987, a autorização foi concedida por Antônio Carlos Magalhães. A notícia da concessão gerou uma intensa movimentação contrária, iniciada pela Associação dos Empregados da EMBRATEL (AEBT) e que ganhou a adesão de sindicatos, associações, partidos políticos, e outros setores organizados da sociedade civil. A reação se externou através de greves, mandados judiciais e outros procedimentos, que amparados na legislação existente conseguiram frear o movimento em prol da exploração privada62. Um verdadeiro embate foi travado na Assembléia Nacional Constituinte em 1987. Na discussão da questão do monopólio estavam, na verdade, incluídos dois problemas distintos: a questão do monopólio e da competição, e a questão da propriedade, que remetia à discussão de estatização X privatização. Esses itens faziam parte de uma agenda mais ampla, intimamente ligada à nova ordem econômica e social que se desejava para o país. Na defesa da questão do monopólio, era utilizado o conceito criado já nas primeiras décadas do século XX de monopólio natural. Em resumo, a defesa era de que o monopólio administrando um caixa único poderia, inclusive, praticar a eqüidade, tendo a possibilidade de transferir recursos para aplicações sociais, p.ex.: popularização da 61

A Portaria Nº 109 de janeiro de 1979 definia: Entende-se como serviço de comunicação de dados a função desempenhada pela Embratel, consistindo em prover um sistema ou conjunto de elementos, recursos ou instalações específicas, sob procedimentos determinados que atendam às necessidades de assinantes de comunicação de dados”. MiniCom, apud Dalmazo,2002:84 62 As informações referentes ao “Caso Victori” foram retiradas de Dalmazo, 2002:71 e confirmadas no livro de Rômulo Vilar Furtado (2004), embora este último dê outro enfoque ao episódio.

62

telefonia com os benefícios gerados pelos serviços mais rentáveis (comunicação de dados, transmissão de TV, repetição de sinais). Os argumentos contrários eram de que a competição é que aperfeiçoaria o conjunto. Com relação à propriedade e, sobretudo com respeito à exploração dos serviços, os argumentos pró-manutenção do modelo de exploração estatal baseavam-se no conceito de que as telecomunicações, por constituírem infra-estrutura estratégica63 e social essencial ao país, deviam ser mantidas nas mãos do Estado. Já na visão "privatista", o estímulo do lucro, seria o principal ingrediente para o melhor desempenho global. Em 1987, paralelamente aos trabalhos da Constituinte, a RNT (Revista Nacional de Telemática)64 reuniu profissionais e empresários do setor, dirigentes e ex-dirigentes, parlamentares, sindicalistas, usuários, profissionais da área estatal e privada que por intermédio de palestras, debates e conversas ao pé do ouvido discutiram o tema central “Política Nacional das TCs65 – O que mudar?”. No MiniCom, Antônio Carlos Magalhães defendia o monopólio estatal tal como estava, como o melhor caminho para atingir a universalização dos serviços, mas o secretário-geral Rômulo Villar Furtado, no cargo desde o governo Geisel, argumentava que o processo havia funcionado ao longo de 15 anos, quando os serviços foram decuplicados, mas que agora não era certo que aquela mesma estrutura suportasse novos serviços. Segundo ele, não havia capital privado suficiente para adquirir o STB, o que mostra que não era cogitada a idéia, de venda ao capital estrangeiro naquele momento em que se vivia um clima de redemocratização e de forte nacionalismo. Dois ministros do período militar, Higyno Corsetti (1969-1974) e Quandt de Oliveira (1974-1978), mantinham-se defensores do modelo de monopólio estatal na exploração dos serviços e ressaltando o papel do Estado no incentivo a P&D. Corsetti (1969-1974) dissociava as falhas existentes da questão da propriedade: A criação da TELEBRÁS foi um ato muito estudado, num tempo em que havia mais de mil empresas telefônicas operando no País. Limitar o monopólio apenas à telefonia seria satisfatório hoje, mas será que amanhã o usuário residencial não desejará outros serviços? Administrar uma empresa estatal ou privada é apenas uma questão de competência. Havendo monopólio 63

Conceito este desenvolvido no período militar. Revista Nacional de Telemática tinha como editor Ethevaldo Siqueira ferrenho defensor da modificação do modelo e autor em 1995 do Livro Telecomunicações – Privatização ou Caos 65 TCs refere-se a telecomunicações 64

63

este deve ser do Estado, que visa o aproveitamento de recursos; o fornecimento de equipamentos deve ficar com a empresa privada, que deve ficar com a empresa privada, que visa o lucro, e P&D deve ser estimulada pelo Governo. O monopólio da TELEBRÁS, queira Deus, deve permanecer como está, até o serviço atingir a maioria dos brasileiros e cabe ao Congresso protegê-lo contra o perigo das interferências políticas. Para Quandt, o regime ser privado ou monopólio eram meios e não finalidades e destacava que era necessário analisar a questão, levando-se em conta o atendimento ao usuário. Já houve época em que as TCs foram da iniciativa privada, mas existia falta de facilidades66 por inadequações das tarifas, tal como hoje acontece com a empresa estatal- o que é grave. Por outro lado, não se deve abrir mão do monopólio para só entregar os serviços rentáveis a terceiros. É necessário concentrar num só sistema todos os recursos disponíveis. A existência do Sistema TELEBRÁS, de per si, não constitui problema, mas sim a conjuntura a que está submetido. Outros ex-dirigentes, porém tinham posição diferente. O ex-ministro Haroldo de Mattos (1979-1984) e o ex-presidente da TELEBRÁS José Antônio Alencastro e Silva (1974-1984) defendiam a imediata revisão do modelo, que segundo eles já dava sinais de irreversível fadiga. Haroldo de Mattos, também usando o argumento da defesa do usuário, afirmava: A interferência demasiada do Governo, que fixa preços, tarifas e salários, pode inviabilizar o atendimento às necessidades do cidadão. Há que se definir uma estratégia perquirindo como o atual modelo das TCs, enfrentar o desafio do futuro. Alencastro era defensor do monopólio e da privatização e assim explicitou sua concepção de um novo modelo de serviços sob exploração privada, mas com o Estado na função de fiscalização: Mudei meu ponto de vista, porque a TELEBRÁS não tem competência - principalmente de marketing67 para levar a efeito o serviço universal, que a sociedade precisa. O Governo ficaria com as ações 66

O termo facilidades refere-se às conexões físicas entre as centrais telefônicas e o local de instalação dos acessos telefônicos 67 Grifo da autora

64

preferenciais; as ordinárias com grupos privados e com os empregados. A diretoria seria privada, com um diretor da União com direito a veto em assuntos de Segurança Nacional. As discussões sobre o modelo a ser adotado para as telecomunicações incluíam-se no debate sobre a nova ordem econômica e social que a sociedade desejava para o país: de um lado encontravam-se os defensores da adesão imediata do Brasil no modelo econômico neoliberal que se expandia no mundo e que implicava a retirada do Estado da economia, na livre concorrência e na competição entre os mercados; de outro os representantes dos sindicatos e os nacionalistas que defendiam uma Constituição que assegurasse a redemocratização do Brasil. Para estes últimos a redemocratização passava pela manutenção do papel do Estado de modo a garantir acesso amplo e irrestrito de todos os brasileiros, não só aos direitos civis, mas também aos direitos sociais. Assim, a arena do debate foi transferida para a Assembléia Constituinte68. A discussão sobre a política de telecomunicações e radiodifusão foi travada na Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, a segunda subcomissão da oitava comissão da Constituinte - a da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação69. O deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ), ex-vice-presidente da TELERJ - foi o presidente da Subcomissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Constituinte, cujo relator era a deputada Cristina Tavares (PMDB-PE), ao lado de outros parlamentares, dentre os quais Rita Furtado70 (PFL-RO). 68

A Assembléia Nacional Constituinte, cuja convocação foi resultante do compromisso assumido pelas forças políticas que chegaram ao poder em 1985, reuniu 559 parlamentares, entre deputados e senadores, eleitos em novembro em 1986. 69 O corpo constituinte, excluídos os membros da Mesa, foi dividido em oito comissões temáticas e uma Comissão de Sistematização, respeitando-se no interior de cada uma delas o peso dos partidos. Uma vez instalada, cada comissão dividiu-se em três subcomissões, iniciando-se nesse nível descentralizado o debate da matéria constitucional. Cada subcomissão, após elaborar seu anteprojeto, juntou-se às outras duas convizinhas na comissão temática ascendente, para a feitura de novo anteprojeto. Os textos das oito comissões foram enviados à Comissão de Sistematização, a fim de que fossem compatibilizados em um único projeto constitucional. Este projeto seria então enviado ao plenário da Constituinte, para votação em dois turnos. As 24 subcomissões funcionaram de 7 de abril a 25 de maio de 1987. Em conformidade com as preferências dos parlamentares, a composição de cada uma variou entre o mínimo de 14 integrantes – Questão Urbana e Transporte – e o máximo de 26 – Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos. 70 Rita Furtado foi superintendente da Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás) na região amazônica desde 1976. Seis anos depois deixou o cargo para se candidatar a deputada federal por Rondônia, na legenda do Partido da Frente Liberal. Eleita. garantiu um assento na Constituinte. Vale informar que ela era casada com Rômulo Vilar Furtado, já devidamente caracterizado neste texto (Lamarão:1997).

65

As questões relativas à reforma agrária, aos direitos trabalhistas, a organização sindical e às comunicações foram as que geraram os debates mais acirrados. A polarização das posições foi tamanha no caso específico das telecomunicações71 que de todas as comissões temáticas criadas para preparar o esboço da futura Constituição, apenas a das Comunicações não conseguiu concluir e entregar seu relatório. O principal ponto de discórdia era o artigo 13, que incluía “como monopólio do Estado a exploração de serviços públicos de telecomunicações”. Apesar dos serviços de telecomunicações funcionarem na prática em regime de monopólio estatal, este não estava inscrito na Constituição de 1967. Arolde de Oliveira encabeçava a lista dos que defendiam a exploração dos serviços pela iniciativa privada. As divergências chegaram a inviabilizar a continuidade dos trabalhos, tendo a deputada Cristina Tavares se retirado do plenário em protesto, sendo acompanhada por todos os deputados que apoiavam a inclusão do monopólio na Carta. Assim a questão acabou por ser levada à Comissão de Sistematização sem um relatório conclusivo. Amparada numa das regras da Constituinte, foi apresentada uma emenda popular com 111 mil assinaturas, assegurando o monopólio estatal da exploração dos serviços de telecomunicações. A ação contou com o apoio de parlamentares de vários partidos. Assim, no dia 17 de agosto de 1987, o monopólio estatal foi confirmado no plenário por 392 votos contra quatro, sendo explicitado no artigo 21. No entanto, as tentativas de contorno do monopólio por meio de ações do Executivo continuaram. Em 8 de novembro de 1988, a Portaria Nº. 525 modificou a exclusividade da EMBRATEL no provimento de serviços de comunicação de dados. Esta modificação acabou beneficiando as operadoras locais que puderam explorar um serviço bem mais rentável que a telefonia básica. Em 1989, o governo Sarney enviou ao Congresso, junto com a legislação sobre o Plano Verão, Medida Provisória que autorizava a privatização de todas as empresas do Estado, com exceção das que constituíam monopólios previstos na Constituição de 1988.

71

As questões relativas à radiodifusão e televisão também geraram muitos debates, mas por tratarem-se de matéria muito complexa e existirem muitas disputas políticas na sua concessão, não são expostas neste texto. De março de 1985 ao início de outubro de 1988 foram outorgadas 858 concessões de emissoras de rádio e TV. Entre 1987 e 1988 o Ministério das Comunicações distribuiu 168 emissoras de rádio e televisão, muitas destas concessões foram distribuídas a 91 parlamentares. Destes 82 votaram a favor da emenda que concedeu mais um ano de mandato ao Presidente. (Lamarão,1997)

66

1.9.5 - A crise Embora confirmado o monopólio, a situação do STB ao final dos anos 1980 era de difícil, caracterizada por: demanda não atendida, indicadores operacionais em declínio e rentabilidade comprometida. O quadro econômico do país impactou profundamente o seu desempenho, tanto operacional quanto financeiro. Para o setor de telecomunicações, os baixos níveis de investimentos eram extremamente prejudiciais, já que, além de não permitirem o atendimento da demanda, provocaram também a defasagem tecnológica e a perda na qualidade dos serviços. A partir de 1985, o indicador da taxa de obtenção do tom de discar foi caindo, chegando a 84% em 1989, quando o recomendável era 98%. 72 A queda das tarifas era um dos fatores determinantes da retração dos investimentos. As tarifas de telefonia reduziram-se em cerca de 72% ao longo dos dez anos. Em 1983, as tarifas ficaram 10% abaixo da inflação e em 1986, com o Plano Cruzado, a tarifa média correspondia acerca de 30% do valor da de 1979. O outro fator era a extinção do FNT, já mencionada, embora houvesse ainda uma sobre-tarifa sobre os serviços de telecomunicações, o que onerava o usuário, os recursos não eram aplicados no sistema. O congestionamento das linhas atingiu níveis inaceitáveis em 1989: 31% das ligações locais não eram completadas por problemas técnicos, como congestionamento da rede ou mau funcionamento dos equipamentos de transmissão. A penetração de rede telefônica brasileira ficou em torno de sete telefones para cada 100 habitantes. Os ganhos de produtividade no período 1978-1990 foram de apenas 50%, resultando numa defasagem de preço de 64% para a tarifa do pulso local e de 55% para a tarifa de acesso (assinatura) no mesmo período73. Como os custos não estavam sendo cobertos pelas tarifas74, faltavam recursos próprios para ampliar os investimentos para atender à demanda crescente.

72

Fonte : Telebrás, apud Barbosa 1991 Fiúza,Néri IPEA Texto para discussão nº. 573 , jul /1998 74 Uma tarifa residencial ou comercial pode ser composta por dois elementos: uma assinatura mensal, com uma franquia de pulsos e uma tarifa de uso. Esta última pode ser linear ou por degraus podendo ser diferenciada segundo o horário de uso. 73

67

A Tabela II mostra a evolução das instalações de terminais telefônicos desde a criação da TELEBRÁS. Destaca-se o aumento significativo da demanda não atendida a partir da segunda metade da década de 1980.

Tabela II Term inais telefônicos instalados Demanda não Taxa de crescim ento Milhões atendida (m ilhões de m édio anual term inais)

Ano

1972 1974 1979 1982 1986 1989

1,5 2 4,9 6,1 7,8 10.3

33% 19,70% 7,80% 6,30% 9,70%

2,5 2,5

A limitação dos investimentos e o conseqüente não atendimento da demanda trouxeram uma série de distorções, entre as quais, a expansão do mercado paralelo e a elevação dos preços. Em janeiro de 1988, um telefone residencial em algumas áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro chegou a custar Cz$500.000,00, enquanto que o preço pelo plano de expansão era de Cz$105.301,00 (Barbosa, 1991:94). No entanto, apesar de toda a redução de investimento, convém atentar para a evolução havida na densidade per capita que cresceu 471% em duas décadas contra um crescimento do PIB per capita da ordem de 123%. Embora a cidade do Rio de Janeiro apresentasse ainda uma das maiores densidades do país com 24,2 %, o Estado do Rio apresentava densidade bem inferior: 13,4 %. Em dezembro de 1988, a TELERJ operava 1.090.155 terminais. No final da década de 1980, o STB deixava de ser um bom negócio, chegando a apresentar taxas negativas de rentabilidade. Sua taxa de retorno do investimento que era de 8,9 em 1980 caiu para 3,4 em 1986 e foi de -13,4 em 1989. Em janeiro de 1989, foi lançado o Plano Verão. Este plano misturava elementos dos planos anteriores, baseando-se também no congelamento de preços e salários, na criação de nova moeda (cruzado novo), no expurgo da aceleração inflacionária dos contratos pós-fixados, desvalorização cambial de 18% e congelamento cambial. Este

68

plano também não teve sucesso. Os meses finais do governo Sarney foram de crescente aceleração da inflação que atingiu 80% no último mês de seu governo. No final de 1989, por determinação do Ministério das Comunicações, a TELERJ efetuou a incorporação da CETEL, passando o estado do Rio de Janeiro a contar com uma única concessionária de serviços de telefonia, a TELERJ.

1.10 – O furacão Collor Na campanha eleitoral de Collor destacavam-se as críticas ao modelo de Estado intervencionista e empresarial vigente. Collor criticava duramente o governo Sarney acusando-o de toda sorte de irregularidades. Seu discurso trazia um forte apelo à modernização, com vistas à abertura de mercado e à integração na nova ordem econômica internacional. Ele se propunha a fazer uma grande transformação nas estruturas administrativas, tendo como orientação o princípio do Estado mínimo. Como já visto, o final dos anos 1980 foi marcado pelo acirramento da crise fiscal, pelo descontrole inflacionário e aumento do déficit público, o que em muito contribuiu para difundir, junto à opinião pública, a noção da ineficiência do setor público. A burocracia, entendida como o corpo de funcionários públicos, passou a ser o alvo prioritário das críticas ao Estado. O discurso de campanha de Collor vinha ao encontro desta vertente da opinião pública. O então candidato era apresentado pela mídia como um jovem ex-governador, o caçador de marajás, o defensor do interesse público, que desafiara os poderosos em seu estado. Ele era o elemento novo, o elemento moderno, a opor-se ao elemento antigo, o representante de um regime falido (o socialismo que tivera seu marco de derrocada com a derrubada do Muro de Berlim), o candidato do atraso, Lula. Fernando Collor de Melo foi empossado em 15 de março de 1990. Em seu discurso de posse, prometeu acabar com a inflação, que havia atingido em cinco anos a casa dos 10.000.000%, moralizar a administração pública e modernizar o país. Seus primeiros atos, como Presidente, foram cinco medidas provisórias e quatro decretos que se referiam à redução do número de ministérios75 e à venda de imóveis. O governo, baseando-se em um diagnóstico de gigantismo do Executivo Federal, extinguiu e 75

Redução dos ministérios de 23 para 12

69

modificou o status de vários órgãos públicos e operou cortes de pessoal. Um dos ministérios extintos foi o das Comunicações, que foi incorporado pelo novo Ministério da Infra-Estrutura (Minfra) sob o comando de Osíris Silva. No dia seguinte à posse, o governo anunciou o seu plano de estabilização, o Plano Brasil Novo76, que ficou conhecido como Plano Collor. Os objetivos centrais do Plano eram o combate à inflação, a redução do déficit público e a preparação da economia para a expansão liderada pelo capital privado. Este foi o quarto plano econômico após o Cruzado. Com relação ao controle da inflação, sua premissa básica era que a inflação brasileira, além do componente inercial, era fruto de um excesso de liquidez na economia. Visando a resolver a questão da liquidez, foi decretado o bloqueio, por 18 meses, dos depósitos à vista ou em caderneta de poupança, das aplicações em títulos públicos ou privados, das aplicações em fundos de curto prazo (CDB/RDB) e das letras de câmbio e debêntures. Esta medida configurou-se como o maior seqüestro de liquidez efetuado na economia brasileira. Dentre as outras medidas adotadas destacam-se a abertura comercial, a criação de novos tributos (imposto de renda sobre os ganhos em bolsa), o aumento da alíquota do IPI e a redução dos prazos de recolhimento, a incidência de IOF sobre as operações com ouro e ações negociadas na Bolsa, a extinção de autarquias, fundações e empresas públicas. Os objetivos centrais do Plano Collor estavam sintonizados com as recomendações do Consenso de Washington77, que preconizava a retirada do Estado das atividades econômicas, liberalização da importação de bens e serviços e da entrada de capitais de risco estrangeiros, e obtenção de estabilidade monetária. Com relação às telecomunicações, as metas do recém-criado Minfra incluíam o atendimento da demanda e a recuperação do valor real das tarifas, principalmente, do valor da assinatura. A Tabela III apresenta os valores referentes à assinatura (comercial e residencial) no período.

76

O plano Brasil Novo (Plano Collor) foi instituído pela lei 8.024/90 de 12/04/1990 Seminário promovido pelo governo-norte americano em 1993, quando foi elaborada e uma estratégia de ajuste e estabilização das economias dos países periféricos em acordo com as diretrizes do FMI e do Banco Mundial. Informações retiradas do verbete Fernando Henrique Cardoso do DHBB, vol I, p 1094 77

70

Tabela III Quadro comparativo Tarifas ( valores US$ taxa de cambio 15/06/90) com imposto Item de tarifação Tarifas Fixas Assinatura Comercial Residencial Tx. Instalação Tarifas de Uso Local até 50 Km entre 50 e 100Km entre 100 e 300 km maior que 300 Km

Brasil

EUA

Japão

França

Alemanha Inglaterra

Suécia

5,71 1,45

13,91 8,75

ND ND

4,93/6,88 4,93/6,88

16,02 16,02

17,57 11,33

16,39 7,90

3782,70

46,20

ND

44,10

38,58

226,53

245,84

0,04 0,19 0,33 0,49 0,65

0,20 0,33 0,41 0,52 0,65

0,02 0,09 0,25 0,49 0,86

0,02 0,12 0,32 0,56 0,56

0,02 0,18 0,41 0,68 0,68

0,09 0,21 0,23 0,23 0,23

0,04 0,07 0,13 0,20 0,20

Fonte Eurodata Yearbook Apud Barbosa 1990,89

Ao analisá-la, constata-se que o valor da assinatura no Brasil era comparativamente o mais baixo, porém o valor da instalação era de longe o mais alto. O alto custo de instalação era devido ao processo de captação de recursos, que era feito através do autofinanciamento, mas, sobretudo, ao custo do terminal, este sim muito superior no Brasil à média internacional e que só foi reduzido com a fabricação das centrais Trópico78. É importante notar que a assinatura básica mensal dava direito a uma franquia de 90 pulsos. Com ela, o usuário podia realizar 45 chamadas locais típicas (duração de três minutos), o que tornava a tarifa mensal ainda mais barata. A tarifa para uso local dos serviços de telefonia básica local encontrava-se no mesmo nível das tarifas da maioria dos países europeus e do Japão, enquanto nos EUA o preço era mais alto. As tarifas de interurbano apresentavam-se praticamente no mesmo nível das praticadas nos EUA. Em 12 de abril de 1990, foi instituído, pela Lei Nº. 803, o Programa Nacional de Desestatização (PND), que tinha como principais objetivos: reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades “indevidamente exploradas pelo setor público”. Isso contribuiria para a redução da dívida pública, permitindo a retomada de investimentos nas empresas e atividades que viessem a ser transferidas à iniciativa privada. O PND contava com razoável apoio de parte da opinião pública, em parte devida à expectativa de ele viesse a ajudar no enfrentamento da 78

A Tropico é uma central de comutação de telefonia pública (fixa), cujo projeto foi desenvolvido pelo Centro de Pesquisas da Telebrás em conjunto com empresas e fabricado pelas três empresas detentoras da tecnologia disponibilizada: a Alcatel, a Promon e a STC (Sharp).

71

crise de financiamento do Estado brasileiro, que havia marcado a década anterior. A favor da privatização somava-se a grande repercussão que os programas de privatização tiveram pelo mundo 79. Nos termos desta lei, poderiam ser privatizadas: as empresas controladas direta ou indiretamente pela União e instituídas por lei ou ato do Poder Executivo e aquelas criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, tivessem passado ao controle, direto ou indireto, da União. No entanto, o parágrafo terceiro excluía do programa as empresas públicas ou sociedades de economia mista que exercessem atividades de competência exclusiva da União, de acordo com os Arts. 21, 159, inciso I, alínea c e 177 da Constituição Federal, o Banco do Brasil S.A., e, ainda, o órgão oficial ressegurador. Assim, neste período estava afastada a possibilidade de privatização do STB. 80 O PND priorizou as empresas produtoras de bens, com ênfase nos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, além de segmentos dos setores metalmecânico e de aeronáutico81. Foram assim incluídas no PND empresas com histórico de lucros e porte econômico. A Usiminas foi a primeira grande estatal brasileira a ser privatizada. O que ampliou consideravelmente tanto a magnitude pelos valores envolvidos, quanto o escopo do processo, transferindo ao setor privado empresas que com participação ou controle estatal desde a sua criação. A aprovação das reformas neoliberais propostas era dificultada pelo modesto apoio que Collor possuía no Congresso. Só 40 % do Congresso se denominavam liberais sob o ponto de vista econômico, incluindo aí 29% do PMDB, maior partido no Congresso naquele período (Kingstone, 2002: 27). As ações do Ministério da Fazenda eram freqüentemente contestadas na Justiça. Além disto, o Plano Collor não se mostrava efetivo no combate à inflação. No final do mês de maio de 1990, a inflação já beirava os 8%. Em setembro, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, enviou carta de intenções ao FMI prevendo o declínio

79

As elites brasileiras tinham opiniões divergentes com relação às reformas econômicas orientadas para o mercado, tendo sido observada uma baixa receptividade quase geral à privatização de serviços públicos. Survey de Soares Lima e Boschi, 1994, apud (Velasco: 1997,15). 80 Informações disponíveis em http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8031.htm acesso em 19/04/2006 81 As empresas mais importantes incluídas na primeira lista de privatização eram a USIMINAS, a CST, a COPESUL e a COPENE.

72

da inflação, mas, simultaneamente, informou que o Brasil não pagaria os juros da dívida, que estavam na casa dos R$ 8,5 bilhões de dólares. Em meio a esta instabilidade econômica, no segundo semestre de 1990, finalmente entraram em operação as primeiras centrais digitais (Trópico) desenvolvidas no Brasil, com recursos do STB. Essas centrais baratearam o custo de instalação do terminal que estava em torno de US$1.000, trazendo-o para um patamar de US$ 400 (Loural, 2004:10)82. Mas o recrudescimento da inflação, nos meses seguintes, corroeu todo o possível ganho, que não chegou sequer a ser repassado de imediato ao bolso do promitente assinante. Ainda em 1990, foi introduzida a nova tecnologia de telefonia móvel celular pela TELERJ, atendendo ao município do Rio de Janeiro, com capacidade para 11.000 terminais83. Fruto da evolução tecnológica recente, este serviço, nascido na Escandinávia em 1981, propiciava desde logo a competição pela possibilidade de divisão do espectro de freqüências disponíveis em duas bandas. As iniciativas para privatizar total ou parcialmente as telecomunicações já eram muito fortes, porém a oposição dos trabalhadores mostrava-se em greves, demonstrações e batalhas judiciais. Em novembro de 1990, a Portaria Nº. 882 do Ministério da InfraEstrutura tentou contornar o monopólio estatal, criando uma brecha para a exploração privada na telefonia celular, ao considerá-la como um serviço público restrito. Ficou determinado que a faixa A fosse reservada às operadoras públicas e a faixa B às empresas privadas. Em setembro de 1991, o Supremo Tribunal Federal considerou a portaria sem efeito normativo. A inflação do mês de setembro chegou a 13,25%. A política econômica, além de não ter conseguido controlar a inflação, tivera efeitos recessivos com significativo aumento do desemprego. Em dezembro, a inflação chegou a bater na casa dos 20% ao mês. Assim, em 31 de janeiro de 1991, foi lançado o Plano Collor II que adotava medidas de ordem financeira como: extinção das operações de overnight, criação do Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), substituição do Bônus do Tesouro Nacional pela taxa Referencial Diária como indexador de contratos pré-fixados, elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e, novamente, congelamento de preços e salários. Em 82

O desenvolvimento da tecnologia Trópico permitiu ao país uma economia da ordem de US$ 2,2 bilhões, entre 1990 e 1996. 83 Fonte: TELERJ-PPC, 1995:19

73

março de 1991, a inflação acumulada ultrapassava 400% e a taxa de desemprego 5,23%. O PIB teve redução de 4,6% e a renda per capita regredira aos níveis de 1979. Ainda em março, foi lançado o Projeto de Reconstrução Nacional, constituído por sete emendas constitucionais, 42 projetos de lei e dez decretos. Este conjunto de medidas tinha por objetivo reerguer a economia, que mostrava novamente graves sinais de crise e aumento da inflação. Entre outras ações, este pacote de medidas visava quebrar o monopólio estatal em vários setores. Collor tentou selar com os governadores, após uma primeira tentativa junto ao Congresso, um acordo que garantisse a aprovação do Plano em troca da rolagem da dívida dos estados. Porém, o governo Collor já estava sem força política para aprovar esse conjunto de projetos e emendas. Apenas duas emendas passaram: a que limitou os salários de deputados estaduais e vereadores e outra que antecipou em cinco meses o plebiscito sobre o sistema e o regime de governo, previsto inicialmente para setembro de 1993. Em maio, a economia estava em plena recessão e a produção industrial apresentava uma redução de 12% em relação a março de 1990. Zélia Cardoso foi substituída pelo embaixador em Washington, Marcílio Marques Moreira. O novo ministro afastou a hipótese de novos congelamentos, passando a atuar dentro de uma estratégia de liberação gradual do controle de preços, manutenção de altas taxas de juros, contenção da emissão monetária e abertura do mercado ao capital estrangeiro. Os Planos Collor I e II não conseguiram estabilizar a economia nem solucionar o problema da dívida externa, nem tampouco concretizar a prometida inserção do Brasil no mercado capitalista internacional. As oposições política, sindical e popular e as divisões dentro do empresariado impossibilitaram ao governo a consecução de sua proposta de reestruturação da economia e de reforma institucional no Brasil. Segundo dados do BNDES84, entre 1990 e 1992 68 empresas foram incluídas no Programa de Desestatização. É importante notar, que nesse período, as empresas eram privatizadas uma a uma e não por bloco. Foram privatizadas 18 empresas nos setores de siderurgia, fertilizantes e petroquímica, e arrecadados US$ 4 bilhões, tendo sido usados

84

BNDES- Histórico das privatizações- disponível http://www.bndes.gov.br/privatizacao/resultados/historico/history.asp acesso em 15/02/2006

74

títulos da dívida pública como forma de pagamento. A instabilidade econômica e política de 1992 foram as responsáveis pela diminuição do ímpeto das privatizações neste ano. As tentativas de flexibilização do monopólio continuaram, tendo como alvo principal os segmentos mais rentáveis. O segmento de comunicação de dados via satélite, um dos mais rentáveis, foi liberalizado pelo Decreto nº. 177, de junho de 1991, sendo deste modo extinto o monopólio da EMBRATEL nestes serviços. Os investimentos em telecomunicações da TELEBRÁS foram drasticamente reduzidos. O ano de 1991 foi o único, em toda a história da TELEBRÁS, em que tanto o lucro consolidado do sistema (US$140 milhões) quanto a taxa interna de retorno foram negativos (-1,4%)85 . Em maio de 1992 foi extinto o Ministério da Infra-Estrutura, tendo sido criado em seu lugar o Ministério dos Transportes e Comunicações, cujo titular foi o deputado federal paranaense Afonso Camargo86. O novo ministro chegou a assinar um documento de entendimento com o Banco Mundial para a reestruturação do setor de telecomunicações, que propunha mudanças na política tarifária, criação de uma estrutura de regulação, aumento da participação privada e a privatização da TELEBRÁS. Este processo foi suspenso em função da crise pela qual o governo passava. O fracasso na estabilização e as denúncias de corrupção reduziram o ímpeto das reformas. A revista Veja, em sua edição de 13 de maio de 1992, publicou uma entrevista em que Pedro Collor acusava o tesoureiro da campanha presidencial de seu irmão, o empresário Paulo César Farias de articular um esquema de corrupção, de tráfico de influência, loteamento de cargos públicos e cobrança de propina dentro do governo Um mês depois, foi instaurada uma CPI para apurar as denúncias. Em agosto, a população brasileira começou a sair às ruas para pedir o impeachment. Entidades da sociedade civil - lideradas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) - deram entrada no pedido de impeachment do presidente, o que levou a Câmara dos Deputados a afastar Collor do poder em 29 de setembro. Os brasileiros puderam assistir ao vivo, pela televisão e por rádio, ao afastamento do presidente. Em votação aberta, após tentativa de manobra do presidente para uma sessão secreta, os 85

Fonte: Telebrás apud Pochamn e Porto,2000:33 Ministro dos Transportes de 1985 a 1986, no governo José Sarney, o deputado Afonso Camargo . Em sua gestão foi criado o vale-transporte. Foi candidato derrotado no 1º turno à Presidência da República em 1989. Informações obtidas no verbete Afonso Camargo do DHBB vol I : 974. 86

75

deputados votaram pela abertura de processo de impeachment de Collor. Foram 441 votos a favor (eram necessários 336), 38 contra, 23 ausências e uma abstenção87. O vicepresidente Itamar Franco assumiu a Presidência pelo restante do período. O sistema TELEBRÁS fechou o ano de 1992 em 11º lugar em tamanho da rede de telecomunicações no mundo. Neste ano, a TELEBRÁS operava aproximadamente 94 % dos terminais em serviço, cerca de 11,7 milhões de terminais, possuía perto de 100.000 empregados e um faturamento anual da ordem de US$ 8 bilhões (US$ 7,8 bilhões em 1992). A TELEBRÁS continuava a estimular a implantação de novas tecnologias, embora com relativa lentidão em função da falta de recursos. Em junho de 1992 – durante a Eco 92 conferência mundial da ONU sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro –, a TELEBRÁS implantou oficialmente no Brasil o telefone público a cartão, que foi um desenvolvido pelo CPqD. O cartão indutivo era uma tecnologia de baixo custo de fabricação e muito eficiente. O segmento industrial de telecomunicações era composto por cerca de 160 empresas com 30.000 empregos diretos, e um faturamento anual da ordem de US$ 2 bilhões (US$ 1,8 bilhão, em 1992). Participava também do setor um segmento de 140 empresas prestadoras de serviços, empregando 55.000 trabalhadores, com um faturamento próximo a US$ l bilhão anuais (US$ 800 milhões em 1992) (Pinto e Silva,1994:10).88 Apesar dos reveses de 1992, foram instalados nesse ano 850 mil novos terminais telefônicos e 998 novas localidades passaram a ter atendimento. O recémimplantado serviço móvel celular ganhou 47.000 novos terminais.

1.11 - O governo Itamar Franco Itamar Franco anunciou uma revisão geral na política de seu antecessor. O processo de privatização só foi levado a cabo para as empresas que já estavam na lista do BNDES, não sendo preparadas novas empresas. O Presidente recriou o Ministério das Comunicações, que passou a ter como titular o senador Hugo Napoleão (PFL-PI). As

87

LATTMAN-WELTMAN, Fernando 10 anos do impeachment de Fernando Collor disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/Impeachment.asp acesso em 02/05/2006 88 Política de telecomunicações no Brasil Arthur P. Pinto e Silva, 1994- SINTTEL.

76

metas da TELEBRÁS passaram a ser a duplicação do número de terminais telefônicos até o ano 2000 (em torno de 10,6 milhões na época), elaboração de uma nova política industrial e tecnológica de longo prazo, alteração da política tarifária com a supressão dos subsídios cruzados e redefinição da relação do STB com o Estado, o que incluía a criação de um contrato de gestão89. No entanto, ainda em 1993, o processo de privatização foi retomado com a venda da CSN, em abril, por US$1.495,3 milhões, mais um repasse da dívida da ordem de US$ 532 milhões. Com o objetivo de efetuar um controle democrático do PND foram introduzidas mudanças na legislação com relação aos componentes e ao controle do processo, mas também foram incorporadas medidas com relação aos meios de pagamento e ao perfil dos investidores. Entre as mudanças efetuadas estavam: 1) a ampliação do uso de créditos contra o Tesouro Nacional como meios de pagamento; 2) a venda de participações minoritárias, detidas direta ou indiretamente pelo Estado; 3) a eliminação da discriminação contra investidores estrangeiros, permitindo sua participação em até 100% do capital votante das empresas a serem alienadas90. Estava prevista para outubro de 1993 uma revisão constitucional, mas o PMDB e o PSDB eram contrários à revisão naquele momento. O próprio presidente dava maior prioridade à elaboração do Plano Real, composto de um conjunto de medidas contra a inflação e para desafogar o caixa do governo, e que devia ser encaminhado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo até o final de 1993.

1.12 - A estabilização com o Real Ao final de 1993 combinaram-se condições políticas, históricas e econômicas que permitiram ao governo brasileiro um novo plano de estabilização - o Plano Real. O Plano foi elaborado na gestão do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, mas parte de sua execução coube ao seu sucessor, o ex-embaixador, Rubens Ricupero. O primeiro documento deste Plano é o Programa de Ação Imediata (PAI), elaborado em julho de 1993. Neste documento, já eram colocadas as questões relativas à reorganização

89

Estas informações foram retiradas do verbete “Telebrás” de Rejane Araújo e Paulo Brandi, DHBB, v V, p 5715 a 5726 90 Idem 11

77

do setor público, inclusive a privatização era mencionada entre as medidas de saneamento: A recuperação das finanças públicas não é uma mera questão de gastar menos e arrecadar mais. Ela envolve uma ampla reorganização do setor público e de suas relações com a economia privada, incluindo: I) corte e maior eficiência de gastos; II) recuperação da receita tributária; (...) VI) privatização. .A privatização é um passo necessário nessa mudança de ramo do Governo Federal. Mas é também um imperativo do equilíbrio financeiro. (...) O fato é que a maioria das empresas públicas foi presa de um verdadeiro conluio entre interesses corporativos, políticos e econômicos. De público só lhes restou o nome e o ônus para o Erário, que não suporta mais a conta do descalabro nem tem, por outro lado, como bancar os investimentos necessários em muitas dessas empresas. (PAI,1993) Porém, no parágrafo referente às diretrizes para privatização, não havia nenhuma referência ao setor de telecomunicações. As diretrizes a seguir obedecem ao propósito geral de acelerar e ampliar as fronteiras do processo de privatização. 1. Concluir rapidamente a privatização de empresas dos setores siderúrgicos, petroquímico e de fertilizantes, conforme o programa já definido; 2. Dar início à privatização dos setores elétrico e de transporte ferroviário; 3. Simplificar e acelerar o processo de venda das pequenas participações do governo em empresas, que estão concentradas no Banco do Brasil e no BNDES; 4. No caso das empresas com perspectivas de rentabilidade, vender o controle acionário, mas preservar em mãos do Tesouro parcela das ações preferenciais, para que o patrimônio público se beneficie com a valorização da empresa graças a gestão privada. (PAI,1993)91 O Plano Real foi organizado em três etapas, que tiveram inicio em dezembro de 1993. O objetivo da primeira fase era a eliminação de déficit fiscal, através de medidas

91

Informações retiradas do site www.fazenda.gov.br/portugues/docs/documentos.asp acesso em 01/05/2006

78

de aumento das receitas tributárias e a criação de um Fundo Social de Emergência92, assim tornando possível ao governo o financiamento do déficit público de maneira não inflacionária. Na segunda fase, realizada ao longo dos primeiros meses de 1994, o objetivo era o alinhamento de preços e os contratos indexados em diferentes datas. Assim, a inércia inflacionária foi eliminada. A terceira e última fase, iniciada em julho de 1994, implantou a reforma monetária com a criação de uma nova moeda - o Real (R$), cujo paridade de troca com o dólar era 1 para 193. A dívida foi negociada em 1993, porém sem o aval do FMI. Em outubro de 1993 os contratos de renegociação com os credores privados foram assinados, todavia não foi obtido o aval do FMI. O plano foi considerado o mais bem-sucedido de todos os planos lançados nos últimos anos para combater casos de inflação crônica, tendo resultado no fim de quase três décadas de inflação elevada. Entretanto, o plano apresentou posteriormente algumas fragilidades, tais como o aumento do déficit em conta corrente em função da sobrevalorização cambial, o desequilíbrio fiscal e a necessidade de financiamento do setor público. Assim, a reforma patrimonial, que incluía a venda de ativos da União, passou a ser vista como uma necessidade imperiosa para a manutenção do plano e a conseqüente estabilidade da economia. Em abril, Fernando Henrique afastou-se do ministério para lançar-se candidato às eleições presidenciais. Assim, a pasta da Fazenda foi entregue a Rubens Ricúpero, que ficou responsável pela condução do plano. Embalado pelo sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso foi lançado candidato numa chapa de coalizão com o PFL, tendo inicialmente como vice o senador Guilherme Palmeira (PFL-AL), que em função de denúncias de favorecimento de interesses privados, acabou sendo substituído pelo também senador Marco Maciel (PFL-PE). O programa de governo do candidato estava explicitado num documento chamado “Mãos a Obra Brasil”, que se apoiava em cinco pilares: saúde, educação, segurança, habitação e agricultura. No plano econômico era enfatizada a necessidade de privatização 92

O FSE foi constituído pelo prazo de 2 anos sendo foi alvo de muitas divergências quanto à sua validade. , pois era um dispositivo orçamentário baseado na desvinculação de tributos e contribuições sociais de suas destinações originais definidas na Constituição. 93 US$1 equivalia a Cr$2,75. Os diferentes preços da economia foram convertidos por uma nova unidade (URV) que era a média dos preços verificados nos meses de novembro de 1993 a fevereiro de 1994. Uma URV equivalia a um dólar. Tarifas e contratos foram convertidos nessa unidade.

79

das grandes empresas siderúrgicas e mineradoras, a extinção do monopólio de serviços públicos e a abertura do país aos capitais estrangeiros. No âmbito institucional, eram propostas as reformas previdenciária, fiscal e administrativa. Fernando Henrique obteve a vitória no primeiro turno da eleição com 54,3% dos votos. Ao despedir-se no Senado já como presidente eleito, FHC declarou que a principal questão a ser resolvida era a superação do modelo de desenvolvimento, implantado por Vargas, de intervenção estatal, em que o Estado tinha papel de principal fonte de investimento, por uma nova forma de orientar as ações governamentais nos campos econômico, político e social. Em outras palavras, ele pregava a extinção do Estadoempresário.94 Nos 25 meses do governo Itamar Franco, foi privatizado um total de 15 empresas, cujo resultado ficou em torno de US$ 6,5 bilhões, sendo US$ 4,6 bilhões como receita s e US$ 1,9 bilhão das dívidas transferidas. Da receita, US$ 3 bilhões foram pagos em moedas de privatização e US$ 1,6 bilhão, em moeda corrente, o que indica, em termos de recursos obtidos um ganho significativo, em relação aos anteriores (Pego, Lima e Pereira, 1999: 13). Durante o governo Itamar (1992-1994), a TELEBRÁS voltou a ser rentável, porém com resultados muito baixos, em função das baixas tarifas, que haviam sido convertidas pela média, perpetuando assim a defasagem advinda de políticas e planos econômicos. A tabela IV apresenta as informações financeiras consolidadas entre os anos de 1992 e 1994.

Tabela IV – TELEBRÁS -Informações Financeiras- Consolidado- US$milhões Ano Lucro consolidado Receita Taxa de retorno do investimento

1992

1993

1994

307

1607

5305

6566

703 7063

2,3

5,7

2,6

Fonte : TELEBRÁS apud Pochman e Porto, 2000

94

Informações obtidas do verbete Fernando Henrique Cardoso do DHBB, v 1, págs. 1091-1097.

80

O crescimento da demanda por chamadas telefônicas locais e também por chamadas de longa distância é acelerado nos períodos de crescimento da renda, mas mesmo em períodos de estagnação a taxa mostrou-se superior à de crescimento da planta, porque o maior incentivador de uso foi o valor da tarifa. O valor da tarifa do pulso telefônico local caiu cerca de 90% em termos reais. Os ganhos de produtividade não foram o principal fator desta redução, mas o uso das tarifas de serviços públicos como instrumento de controle de inflação. No período 1978-1990 os ganhos de produtividade foram de 50%, mas a defasagem de preço foi de 64% para a tarifa do pulso local e de 55% para a assinatura (IPEA,1998). A mesma razão que levou à crise de atendimento nos anos 1950, a insuficiência tarifária foi novamente a responsável pela crise do sistema. Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 1995, enfatizou ser a justiça social sua principal meta, mas que para atingi-la era necessário reorganizar o Estado, pois a administração federal encontrava-se deteriorada em função dos desmandos financeiros, da prática do clientelismo, do corporativismo, da ineficiência e, sobretudo, da corrupção. O presidente, além do apoio popular e dos partidos da coalizão, contou de imediato com o apoio de oito governadores do PMDB para a execução das reformas.

81

Capítulo 2 – O processo de reestruturação das telecomunicações Os principais ingredientes para o sucesso da campanha de Fernando Henrique foram o êxito imediato do Plano Real e o ambicioso projeto "Mãos à Obra, Brasil". Os planos de governo, devido à sua amplitude, requeriam extenso apoio e, sobretudo, uma sólida base de sustentação no Congresso. Fernando Henrique Cardoso foi eleito por uma aliança envolvendo cinco partidos; entretanto, a sua sustentação no Congresso mostravase altamente oscilante, dependendo da matéria em discussão. Fernando Henrique Cardoso começou seu elenco de reformas pelo envio ao Congresso, em abril de 1995, da Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº. 33, relativa à reforma da previdência. A passagem da PEC na Câmara dos Deputados foi extremamente atribulada, e acabou sendo rejeitada. Em face dos problemas enfrentados na reforma da previdência, o governo voltou-se para a privatização, disposto a mobilizar os recursos legais de que dispunha95. O papel de interlocutor com o Congresso, a fim de garantir a aprovação das iniciativas do Executivo, coube ao ministro das Comunicações, Sérgio Motta, amigo do presidente. Antes da posse, em dezembro de 1994, Sérgio Motta, com base no compromisso de campanha havia traçado as metas para sua gestão à frente do MiniCom. Levando em conta que a tecnologia da informação se tornara peça fundamental do desenvolvimento da economia e da própria sociedade, o “Mãos à Obra, Brasil”, no capítulo referente às telecomunicações, afirmava: (...)Não se trata apenas de alcançar uma maior difusão de um serviço já existente, por uma questão de eqüidade e justiça. Trata-se de investir pesadamente em comunicações, para construir uma infra-estrutura forte, essencial para gerar as riquezas de que o país necessita para investir nas áreas sociais. (...) O setor das telecomunicações é hoje, sem dúvida, um dos mais atraentes e lucrativos para o investimento privado, em nível internacional. (...) Pode-se contar que não faltarão investidores interessados em expandir essa atividade no mundo, em geral, e num país com as dimensões e o potencial do Brasil, 95

A Constituição de 1988 conferia ao chefe do Executivo o “poder da agenda” (Limongi e Figueiredo, 1998), isto é, a capacidade de determinar não só quais propostas serão consideradas pelo Congresso, mas também quando o serão. Assim, o presidente pode ditar a agenda dos trabalhos legislativos e induzir os parlamentares à cooperação, além de controlar o acesso a cargos na esfera do Executivo.

82

(...) O Governo Fernando Henrique proporá emenda constitucional visando à flexibilização do monopólio estatal nas telecomunicações.96 O conceito de “flexibilização” referia-se à eliminação da exclusividade da concessão para a exploração dos serviços públicos a empresas sob controle acionário estatal, instituída pela Constituição de 1988, com o objetivo de introduzir o regime de competição na prestação dos serviços. Foi a partir de 1997 – por ocasião, mais especificamente, da privatização da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – que o programa de privatização brasileiro, devido ao volume dos recursos arrecadados e à importância estratégica da empresa, começou a ter impactos fiscais e macroeconômicos positivos. A privatização da CVRD representou um ponto de inflexão no processo, iniciado timidamente ainda nos anos 1980. O Gráfico I apresenta bem claramente a importância em termos de volume de dinheiro da privatização da TELEBRÁS. O valor obtido com a privatização das telecomunicações em 1998 (37,5 bilhões) é superior à soma dos valores obtidos nos três primeiros anos do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (35,8 milhões). Gráfico I – Valores anuais apurados com as privatizações no Brasil Valores apurados US$ B 40,0

37,5

35,0 30,0

27,7

25,0 20,0 15,0 10,7 10,0 5,0

6,5 2,0

3,4

4,2

4,5 2,3

1,6

2,9

2,0

0,0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte : BNDES (2002) apud Banco Mundial disponível em http://www.privatizationlink.com/topic/statdata.cfm 96

Informações constantes da exposição de motivos que encaminhou a PEC da EC8 disponível http://www.anatel.gov.br/biblioteca/leis/exposicao_motivos_lgt.pdf acesso em 12/04/2006.

83

A privatização das telecomunicações foi a maior, em valor, destinada aos cofres do governo federal, A privatização do setor de eletricidade beneficiou, sobretudo, os governos estaduais, que eram, majoritariamente, os proprietários das empresas de distribuição de energia elétrica, e em alguns casos também da geração e da transmissão. A essa altura, é importante descrever o conceito privatização aqui utilizado. Entende-se por privatização a mudança da relação de propriedade com a transferência do patrimônio estatal – no caso específico aqui tratado, da empresa estatal – para as mãos do capital privado. Em resumo, é uma operação de compra/venda de ativos reais e financeiros. Com já foi visto anteriormente, a primeira etapa do processo de privatização brasileiro foi iniciada, ainda na década de 1980, com a venda de empresas que haviam passado às mãos do BNDES. O processo foi retomado , e incrementado, no governo Collor. O PND marca, com efeito, a segunda etapa, na qual foram incluídas empresas dos ramos siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. A terceira etapa do processo de privatização brasileiro corresponde àquela iniciada no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1999), quando o processo se consolidou. Na realidade, Fernando Henrique Cardoso acolheu as premissas econômicas fundamentais previstas no PND, aprofundando-as em relação à sua redação inicial, mediante o encaminhamento ao Congresso Nacional das propostas de concessão de serviços na área de transportes (rodovias, ferrovias e portos) e obtendo, obtendo dos parlamentares, as alterações constitucionais que extinguiram os monopólios de telecomunicações e petróleo e que permitiram a criação das agências reguladoras dos setores de petróleo e gás, energia elétrica e telecomunicações. O processo de abertura do mercado nacional foi ampliado por intermédio do ingresso de capitais estrangeiros para a aquisição de ações ou pelo controle de empresas estatais ou privadas, e pela a desoneração das importações através da redução de alíquotas alfandegárias. Nessa terceira etapa, teve lugar uma importante alteração no processo de privatização, pois, ao invés de se privatizar empresa por empresa, como vinha ocorrendo, iniciou-se a venda por bloco ou segmento. No caso específico da TELEBRÁS, o critério utilizado foi o da formação de holdings regionais, buscando garantir a concorrência

84

dentro de cada região. Os resultados alcançados no triênio 1995/1998 indicam um valor total de privatizações e concessões de US$ 72,7 bilhões, que equivalem a 85,3% de todo o valor privatizado no período 1991/1998 (US$ 85,2 bilhões). As grandes vedetes deste período foram a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), privatizada em maio de 1997, e o Sistema TELEBRÁS, vendido em 29 de julho de 1998. O Tesouro Nacional recebeu, no período 1994/1998, cerca de R$ 21,1 bilhões das privatizações. Desse montante, R$ 17,9 bilhões foram utilizados para abater a dívida pública, em particular a de curto prazo, que tem maior custo para o Estado. No entanto, o resultado diverge das análises anteriores que contavam que as receitas de privatização garantissem a superação das dificuldades e que tornassem possível a redução substancial da dívida, porém as receitas obtidas foram sendo consumidas pelos juros altos praticados no período para defender a política cambial vigente (Pego, Lima e Pereira,1999: 15). Há uma mudança significativa tanto na distribuição das moedas utilizadas no processo quanto no perfil dos investidores. Foram utilizadas as moedas de privatização em somente 5% do valor total arrecadado, sendo os restantes 95% pagos em reais, mas deste valor uma grande parcela foi financiada com recursos do BNDES.

2.1 - Reformas no mundo - privatização, desregulamentação e flexibilização Segundo Donahue (1986:14), em 1979, quando Margareth Thatcher tomou posse como primeira-ministra da Grã-Bretanha, acadêmicos ingleses e membros do seu partido, o Conservador, prepararam uma agenda de privatização. Em meados da década de 1980, foram vendidas a British Telecom, a British Gas, a Jaguar, a British Airways e a British Petroleum, entre outras. A França iniciou em 1986 um processo mais tímido, com o governo vendendo sua participação na Saint Gobain, uma empresa produtora de materiais de construção, vidros, cerâmicas e plásticos e no Paribas, um banco de varejo. O processo de privatização francês se expandiu para outros segmentos na década de 1990.

A

Espanha vendeu sua companhia de petróleo e a SEAT, fabricante de automóveis. A Itália privatizou a Alfa Romeo, sua parte na Alitalia e outros ativos. O Japão privatizou a Japan Airlines, a Nippon Telegrah and Telephone e outras empresas públicas. O setor de telecomunicações nos países desenvolvidos, pressionado pelo interesse das grandes corporações transnacionais no sentido de redução de custos para aumento da 85

competitividade, sofreu uma importante transformação através dos processos de desregulamentação, privatização, alteração da posição do Estado, constituição de novas formas e instâncias de regulação e internacionalização da concorrência. O marco inicial deste processo de mudança pode ser localizado em 1982, quando a justiça americana proferiu a sentença de divisão da AT&T em sete empresas, as chamadas Baby Bells. As novas empresas ficaram responsáveis pelo fornecimento de serviços de telefonia local enquanto a AT&T passou a dedicar-se à exploração dos serviços e foi liberada para atuar em mercados estrangeiros. A British Telecom (BT) constituiu o único caso europeu de privatização de telecomunicações na década de 1980. A empresa foi inicialmente separada dos serviços postais e reorganizada; paralelamente, foi criado um órgão regulador para o setor: o Office of Telecomunications - Oftel. Em maio de 1984, as ações (50,2%) da operadora inglesa foram ofertadas no mercado de capitais, tendo o governo ainda mantido uma relevante parcela de ações em seu poder. O processo de venda foi completado já na década de 1990, com a venda de nova parcela de ações em poder do Estado. Após a privatização da BT, foi desenvolvida uma política de incentivo às competidoras em vários segmentos das telecomunicações. Foi então estabelecido um duopólio para a telefonia fixa, sendo a Mercury Comunications, a concorrente. O Japão iniciou um processo de regulamentação e reordenação no setor em 1985 estabelecendo a concorrência. Alemanha e França mantiveram o mantiveram o controle estatal, mas procederam à abertura de seus mercados. Na América Latina, o processo iniciou-se no Chile e no México, seguidos pela Argentina e finalmente pelo Brasil. O processo brasileiro foi completamente diferente daqueles ocorridos na Europa Ocidental. Na França, a abertura foi precedida de um intenso debate com a sociedade, de modo a assegurar um controle mínimo sobre os serviços de comunicação. O primeiro acordo multilateral em telecomunicações, sob o Sistema da Organização Mundial do Comércio (OMC), firmado em 15 de fevereiro de 1997. Sessenta e nove países (incluindo o Japão e o Brasil) marcaram a disseminação do modelo de liberalização dos serviços básicos de telecomunicações. 97

97

Essencialmente serviços de voz local, de longa distância e internacional e serviços de transmissão de dados.

86

A desregulamentação foi discutida entre os países membros da OMC ao longo de três anos, sob o postulado que a liberalização dos mercados globais reverteria no desenvolvimento da indústria internacional de telecomunicações e em serviços diversificados e mais baratos (Piragibe, 2000).

2.2 - A operacionalização da reforma das telecomunicações A Constituição de 1988 dispunha que as telecomunicações eram um dos setores estratégicos fechados ao investimento privado. Desse modo, a privatização não era só uma questão a ser resolvida por legislação específica, como o fora em outras nações da América Latina, como a Argentina. Para a alteração da Constituição era necessária a maioria de 3/5 em dois turnos98 ou no regimento da Casa (projeto de lei complementar ou alteração do Regimento Interno). A aprovação da legislação que autorizou a venda e criou o arcabouço regulatório para o setor de telecomunicações passou pelo Congresso com relativa rapidez e com certa facilidade. Foram dois anos desde a proposta de quebra de monopólio em 1995 até a aprovação da Lei Geral em 1997. Kingstone (2003) fez uma análise acurada do processo e explica como o governo obteve sucesso nessa empreitada de venda de uma empresa que estava entre as poucas estatais efetivamente rentáveis. Ele explica, com base em dados e entrevistas, que o governo não esperava uma aprovação fácil das reformas tendo ido bem além do que se imaginava inicialmente, ou seja, pela venda completa do STB. Também, é analisada a estratégia dos defensores do monopólio estatal, seus erros de abordagem do problema, que acabaram por derrotar a tese da manutenção do sistema de propriedade estatal, independente da introdução da concorrência. Uma grande parcela do Legislativo, sobretudo na Câmara dos Deputados, era contrária à privatização completa e apoiava a manutenção do papel do Estado no setor. Adicionalmente a um sentimento nacionalista, a influência política nas empresas estatais era uma fonte de poder para os parlamentares. As operadoras ofereciam um conjunto

98

Constituição- Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:..§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

87

considerável de cargos a serem preenchidos por indicação política. A escassez de telefones transformava a simples instalação de um telefone ou de um tronco numa fonte de poder eleitoral. Em janeiro de 1995, logo após a posse do presidente Fernando Henrique, foi iniciado o processo de formulação de um novo modelo para as comunicações. Também em janeiro, o ministro Motta determinou a preparação de um projeto de medida provisória para efetuar a regionalização da TELEBRÁS. Os estudos previam a fusão de subsidiárias locais em regionais. O ministro argumentava que a falta de recursos para investimento na rede de telefonia e a extrema politização ocorrida no setor eram os principais responsáveis pelo não atendimento por parte das operadoras locais às necessidades do consumo.

2.2.1 - A Emenda Constitucional nº. 8 A primeira ação do Executivo no sentido da privatização foi o encaminhamento ao Congresso Nacional, em 16 de fevereiro de 1995, da Mensagem n.º 191/95, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 03 - A/95. Paralelamente, o ministro propôs um programa de investimentos de US$25 milhões, recursos advindos de parcerias do sistema TELEBRÁS com a iniciativa privada. Desta proposta resultou a Emenda Constitucional nº. 8, de 15 de agosto de 1995, que alterou o inciso XI e a alínea "a" do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal, dando-lhes a seguinte redação: Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

88

Um estudo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)99 constatou que a maioria da Câmara dos Deputados (59%) era favorável à abertura do setor, preservando o caráter estatal da TELEBRÁS. Então, como o governo conseguiu passar as reformas de maneira tão fácil? Kingstone (2002) menciona a importância de duas lideranças fundamentais: a de Luiz Eduardo Magalhães100, presidente da Câmara dos Deputados, e do ministro Sérgio Motta, representando o presidente da República. Como presidente da Câmara, cabia a Luiz Eduardo a organização do processo no Legislativo e a escolha do relator. A designação de Alberto Goldman (PMDB-SP) foi crucial para garantir uma forte, confiável e efetiva aliança com o governo (Kingstone: 2002,31). O ministro Motta combinava conhecimento técnico do setor com capacidade de negociação, além de manter uma ligação estreita com o presidente. Em 1995, a conjunção do baixo desempenho das operadoras do sistema TELEBRÁS com a popularidade de Fernando Henrique, além das manobras políticas do ministro com o objetivo de conseguir apoio às reformas, tornou a resistência à aprovação da emenda muito difícil. O desempenho precário também operava no sentido de atrair interessados, dada a ampla possibilidade de expansão do sistema, em função da demanda reprimida. Portanto, havia muita possibilidade de ganho em curto prazo, desde que fossem admitidas opções de flexibilização do monopólio estatal ou de desestatização do STB.

101

No final de1994, o Brasil contava com 13,2 milhões de terminais telefônicos

instalados, e 800 mil terminais de telefonia celular. Por outro lado, os defensores do monopólio – a Federação Interestadual de Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL), a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fenatel) e o Partido dos Trabalhadores (PT) e outros 99

A pesquisa do DIAP mostrava que 28% dos deputados se opunham a qualquer emenda constitucional. No senado o percentual caia para 20%. No entanto, 59% dos deputados e 71% dos senadores expressavam preferência pela liberalização do setor, o que requeria uma emenda constitucional ( Kingstone, 2002: 39). 100

Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) fora o deputado mais votado na Bahia nas eleições de 1994, tendo sido escolhido para a presidência da Câmara, em janeiro de 1995 colocou-se ao lado do presidente contra a elevação do salário mínimo para R$70,00. Era filho de Antônio Carlos Magalhães (DHBB, v III, p. 3.4593.463). 101

A Argentina e o México, também possuíam ampla possibilidade de expansão dos seus sistemas de telefonia. Esses países eram os concorrentes naturais ao Brasil na atração de investidores. Entretanto, em dezembro de 1996, os serviços de telecomunicações da Argentina e do México já haviam sido privatizados. (Pastoriza, 1996).

89

parlamentares simpatizantes – cometeram um erro estratégico, segundo Kingstone (2003), ao erguer uma barreira ao conceito privatização. Essa decisão tornou fácil o maniqueísmo de associar os defensores à figura de retrógrados, que eram simples defensores de seus interesses, prejudicando a modernização, que era de grande interesse da maioria do povo brasileiro. O debate ficou assim circunscrito à quebra do monopólio, não tendo havido uma discussão ampla do modelo de privatização, de concorrência e de trabalho, assim como da preservação do papel da TELEBRÁS na nova configuração. Com raras exceções, os parlamentares não possuíam o perfil técnico necessário para analisar as alternativas propostas (Kingstone: 2003, 31). Boa parte do debate girou em torno da liberação à entrada de capital estrangeiro. O retorno do capital estrangeiro ao setor era um ponto polêmico, mesmo para os "privatistas", além de que parecia à época não existir capital nacional disponível para comprar o STB. Concluiu-se, assim, por permitir a entrada de capital estrangeiro até no nível de 49% da propriedade das ações das empresas. Em 15 de agosto de 1995 foi promulgada a EC nº. 8. O objetivo inicial da PEC era a simples supressão da condição incluída na Constituição de 1988, de que os serviços de telecomunicações, tidos como públicos não restritos102 , somente poderiam ser explorados pela União, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão a “empresas sob controle estatal”. A expressão entre aspas era suprimida no projeto, retornando-se, assim, à situação anterior à Constituição de 1988, quando os serviços podiam ser prestados tanto por empresas estatais quanto privadas, mediante concessão da União. No entanto, durante a tramitação no Congresso foi acrescentado que a exploração destes serviços seria regulamentada “nos termos de uma lei que disporia sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”. Assim, se fizeram necessários novos passos para a montagem do arcabouço jurídico que permitisse a total reestruturação do setor, incluindo aí a venda completa do sistema TELEBRÁS. Em atendimento à EC nº. 8, o Ministério das Comunicações elaborou um projeto sobre a reorganização dos serviços de telecomunicações, que incluía ainda a criação de 102

Os serviços públicos restritos são aqueles destinados ao uso de passageiros de navios, aeronaves, veículos em movimento, bem assim ao do público, em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicações fixo local. (Decreto nº. 96.618, disponível em www.senado.gov.br)

90

um órgão regulador. O projeto contou com o apoio de consultores nacionais e internacionais, mediante acordo de cooperação firmado entre o governo brasileiro, representado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, e a União Internacional de Telecomunicações (UIT)103, organismo especializado da Organização das Nações Unidas. O MiniCom contou com vasta consultoria externa na elaboração do novo modelo para o setor, em particular do Banco Mundial104, além de efetuar avaliações das privatizações já ocorridas na Argentina, Bolívia, México, Chile e Venezuela. Diversas consultorias internacionais com experiência na formatação de outras privatizações passaram a fazer levantamentos e a assessorar na montagem do novo modelo, inclusive das partes operacionais, como divisão das operadoras, valor, forma de venda mais adequada etc. De acordo com Maria da Conceição Tavares (1998), na TELEBRÁS reinou a McKinsey Consulting, na EMBRATEL a Cap Gemini Consulting e no BNDES, onde foi feita a formatação da venda, liderou a Salomon Smith Barney, associada à Morgan Stanley. Para a avaliação econômico-financeira, ainda no BNDES105, atuou a Arthur D. Little, associada à Coopers & Lybrand e à Deloitte & Touche Corporative Finance. Kingstone (2003) atribui a aprovação rápida e fácil da quebra do monopólio das comunicações e da legislação posterior, que permitiu a venda total da TELEBRÁS, ao fato de o debate ter praticamente coincidido com a discussão sobre a quebra do monopólio em outros setores mais simbólicos do sucesso do empreendimento estatal, como o de petróleo. Assim, as forças de oposição concentraram-se na defesa da

103

A UIT realizou dois processos seletivos. Um para a contratação dos serviços relativos à estruturação do órgão regulador e aos aspectos básicos da regulamentação, que contou com a participação de 5 empresas internacionais. O outro, visando o detalhamento do modelo de reestruturação e privatização, teve a participação de 15 empresas, também internacionais (GAT, 1998: 10). 104 O relatório reservado de 1992 do Banco Mundial serviu de referência para a política de abertura das telecomunicações a ser adotada pelo Brasil. O documento faz um balanço das causas da deterioração dos serviços, apontando como resultado da política de intervenção estatal e enfatizando que as falhas governamentais são mais perniciosas do que as falhas de mercado (Dalmazo, 2002:260). 105 O BNDES como instituição gestora do FND tinha a responsabilidade de supervisionar o trabalho dos consultores e auditores privados e tornar efetivo o processo de privatização. O procedimento de venda de uma empresa desdobrava-se em várias etapas: inclusão formal no PND, licitação para contratação de consultores para avaliação do preço mínimo, convocação de assembléia de acionistas para aprovação do preço mínimo, publicação do edital de venda e finalmente, o leilão e as ofertas ao público e aos empregados (Landau, 1995:2-2) apud (Tenório,1996:300).

91

Petrobrás. A quebra do monopólio do petróleo teve como contrapartida o compromisso do governo de não vender a Petrobrás106. O ministro Motta ignorou a preferência parlamentar pela manutenção da TELEBRÁS, por acreditar que a sua preservação iria prejudicar a competição, considerado o requisito mais importante para garantir o cumprimento de acordos comerciais internacionais, como o firmado em abril de 1994 com a Organização Mundial do Comércio (OMC), aprovado pelo Congresso em dezembro do mesmo ano. O acordo, além de reconhecer a "importância crescente do comércio de serviços para o crescimento e desenvolvimento da economia mundial", visava "estabelecer um quadro de princípios e regras para o comércio de serviços com vistas à expansão do mesmo sob condições de transparência e liberalização progressiva". No tocante às telecomunicações, o texto mencionava o “reconhecimento das características específicas do setor de serviços de telecomunicações, em particular sua dupla função como setor independente de atividade econômica e meio fundamental de transporte de outras atividades econômicas”. O acordo aplicava-se a todas as medidas que afetassem o acesso às redes e serviços públicos de telecomunicações e sua utilização, com exceção dos serviços de distribuição por cabo ou a difusão de programas de rádio ou televisão. 107 Em setembro de 1995, um mês após a aprovação da Emenda Constitucional nº 8, o Ministério das Comunicações divulgou dois textos sobre a reforma estrutural do setor de telecomunicações: Plano de Trabalho (REST-1/95) e Premissas e Considerações Gerais (REST-2/95). Esses documentos continham as linhas básicas norteadoras de um novo modelo institucional para as telecomunicações brasileira. Já visando a posterior privatização, com a intenção de tornar mais atrativas as operadoras, ainda em 1995 foi lançado o Programa de Recuperação e Ampliação do Sistema de Telecomunicações e do Sistema Postal (PASTE), com a intenção de reduzir a defasagem entre a demanda e a oferta de serviços. Seu objetivo era não só promover o acesso da população aos serviços básicos, mas também aumentar a oferta de serviços não-básicos de telecomunicações. Entre os principais objetivos do PASTE estava o 106

No dia 9 de agosto, foi divulgada uma carta na qual o governo federal se comprometia em não privatizar a Petrobras e em garantir à empresa o privilégio de exploração das 29 bacias já identificadas (Sarmento e Moreira, 2005) , Petrobras 50 anos disponível em www.cpdoc.com.br acesso em 13/06/2006. 107 Informações extraídas da E.M. n.o 231 /MC.

92

aumento da teledensidade,

108

sendo a meta atingir uma teledensidade de 15 para cada

100 habitantes em 1999 e 24 para 100 em 2003. Com relação à telefonia móvel o objetivo era modesto: seis terminais para cada 100 habitantes em 1999 e dez telefones para cada 100 habitantes em 2003. Na telefonia fixa, tendo como base os 13,2 milhões do final de 1994, a previsão era de um crescimento anual de 13,4% no período 1994-1999 e de 12,8% no período 2000-2003. Quanto à telefonia celular, os acréscimos médios previstos eram de 64,4 % de 1994 a 1999, e de 15,7% entre 2000 e 2003, em relação aos 800 mil terminais existentes em 1994. No entanto, no PASTE não estava indicada a distribuição entre o setor público e o privado com relação aos investimentos. Tabela V- Metas do PASTE (em milhões)* 1 9 9 9-2 0 0 3 Segm entos de M ercado

T elefonia Fixa

T elefonia M óvel

T elefonia Fixa

Telefonia M óvel

T otal

24,7

9,6

40,0

17,2

Fam ílias

15,7

6,2

22,2

10,2

(41% )

(17% )

(55% )

(25% )

1,8

0,7

3,2

1,2

(20% )

(8% )

(40% )

(15% )

7,6

2,7

14,6

5,8

(37% )

(13% )

(50% )

(20% )

U rbanas

Fam ílias R urais

E m p resas e O utras Entidades

Fonte: Exposição de Motivos E.M. n.o 231 /MC, 10/12/1996

(*) os números entre parênteses indicam o percentual de atendimento em cada caso. 2.2.2 - A Lei Mínima e a Lei Geral das Telecomunicações A segunda ação do arcabouço legal para privatização do setor foi a Lei Mínima (Lei 9.295/1996), sancionada em 19 de julho de 1996, que possibilitou a abertura imediata do mercado de telefonia celular privada - Banda B. As operadoras do Sistema TELEBRÁS, que já ofereciam o serviço, constituíam a Banda A .

Assim o Brasil foi dividido em 10 regiões para a exploração da telefonia celular (serviço SMC),

foi prevista também uma licitação posterior (2001) para serviços

108

Foi utilizado o conceito de número de telefones por 100 habitantes; no entanto, a UIT indica o uso da teledensidade como uma medida do número de telefones por PIB por capita.

93

celulares SMP para três regiões. A divisão regional para os dois serviços é apresentada no Mapa I.

MAPA I – Divisão regional para telefonia celular

Com base na Lei Mínima, foram licitadas em 1997 concessões da Banda B da telefonia celular para dez áreas do território nacional, no valor de US$ 4 bilhões. Pelas regras estabelecidas para este leilão, os consórcios eram obrigados a possuir em sua composição 51% de capital nacional. O quadro I apresenta as empresas e as áreas de concessão da Banda B e os controladores. Quadro I Telefonia Movel Banda B- controle ESTADOS AM, RR, AP, PA, MA AC, RO, MT, MS, GO, TO RS PR, SC SP

MG RJ, ES BA, SE AL, PE, PB, RN, CE, PI

BANDA B Norte Brasil Telecom (Grupo Splice) Americel (TIW, Oportunity, fundos de pensão) Telet (TIW, Oportunity, fundos de pensão) Global Telecom (Portugal Telecom) Capital – BCP (Bell South); Interior – Tess (Telecom Americas) Maxitel (Telecom Italia) ATL (Algar, Telmex, SBC) Maxitel (Telecom Italia) BCP Nordeste (Bell South)

Fonte: Ind. DIESP, n.82 (jan./fev 2001)/ Gazeta Mercantil (23/08/01), apud Madeira (2003)

94

A Exposição de Motivos no. 231/MC encaminhou à Presidência da República o Projeto de Lei Geral das Telecomunicações. A competição foi o caminho escolhido pelo novo modelo para embasar e alcançar os objetivos propostos na Exposição de Motivos. Todavia, não foi prevista uma competição entre as empresas existentes, sob controle estatal, e as novas entrantes, mas sim apenas entre empresas privadas. O Estado deveria passar da função de provedor para a de “regulador dos serviços e indutor das forças de mercado”. O objetivo era a criação de um ambiente de estabilidade regulatória que estimulasse os investimentos no setor. Em contraposição à proposta de venda da TELEBRÁS, as entidades sindicais e um grupo de fabricantes nacionais encaminhou uma proposta alternativa. O projeto previa a criação de uma empresa única109, que adotaria o contrato público de gestão. O contrato de gestão estabeleceria as regras tarifárias, metas e prazos para a ampliação e a modernização da planta telefônica, assegurando, também, a participação da sociedade civil através do Conselho de Administração. O Conselho seria encarregado de formular a política administrativo-financeira e de investimentos. O projeto previa a participação da sociedade nas mudanças que viriam a ocorrer, permitindo-lhe que viesse a ter conhecimento prévio e poder sobre esse processo. Os dois projetos defendiam a universalização, pois era claro àquela época que as camadas mais pobres da população não tinham acesso aos serviços. A Tabela VI apresenta a situação no período. As classes A e B, que representavam, em 1994, 16% das famílias brasileiras, e detinham juntas 81% das linhas de telefone do Brasil.

109

A empresa única seria chamada Brasil Telecom. O governo, no entanto, propunha a fragmentação da Telebrás e a criação de 12 empresas. (Leal, 2001: 66)

95

Tabela VI - CONCENTRAÇÃO DE TELEFONES Classe A (acima de R$ 3 mil/mês)

Famílias 4%

Linhas 32%

B (de R$ 2 mil a R$ 3mil)

12%

49%

C (de R$ 1 mil a R$ 2 mil)

27%

17%

D (de R$ 500 a R$ 1 mil)

46%

2%

E (menos de R$ 500)

11%

0%

Fonte: O Globo 25/07/1998– COLUNA PANORAMA ECONÔMICO Dirceu Viana/Míriam Leitão

No projeto do governo universalizar significava “possibilitar o acesso de qualquer pessoa ao serviço de telecomunicação, independentemente de sua localização e condições sócio-econômicas”. Já o projeto apresentado pela FITTEL ampliava o conceito, conferindo importância a itens como serviços necessários à “educação, saúde e segurança pública”, e frisando que os serviços universais seriam aqueles tornados indispensáveis à vida cotidiana “após escolha e subscrição por espontânea opção de uma grande maioria de usuários residenciais, numa região ou em todo o país”. 110 O projeto não encontrou repercussão por parte da mídia, não sendo nem ao menos avaliado pela sociedade. A estratégia da FITTEL de opor-se radicalmente à privatização mostrou-se assim um fracasso. Algumas poucas emendas incluídas no projeto aprovado foram frutos deste trabalho, salientando-se a inclusão dos instrumentos necessários para financiar e viabilizar a universalização dos serviços. A

terceira

ação

governamental

para

a

reconfiguração

do

setor

de

telecomunicações foi a Lei Geral das Telecomunicações (LGT) - Lei nº. 9.472. Aprovado em 18 de junho de 1997 pela Câmara dos Deputados e em 10 de julho pelo Senado Federal, o projeto de lei foi sendo sancionada pelo Presidente da República em 16 de julho de 1997. A LGT substituiu o antigo CBT de 1962, inaugurando uma nova fase das telecomunicações no Brasil. A Lei Geral estabeleceu que a regulação, ou seja, a criação de uma agência reguladora deveria ser regulamentada através de lei própria a ser criada 120 dias após a aprovação da LGT.

110

Texto do projeto apud (Leal, 2001: 66).

96

2. 3 - A regulação O processo de desenvolvimento brasileiro, marcado pela estratégia de substituição de importações comandada pelo setor produtivo estatal, gerou uma ampla teia de relacionamentos entre os setores público e privado, mas que não incorporava o exercício da atividade de regulação da forma como esta é tradicionalmente entendida. A regulação dos serviços de infra-estrutura essenciais à coletividade é uma tarefa complexa e delicada. Quando os serviços públicos são providos por empresas estatais, o Estado exerce ao simultaneamente o papel de regulador e explorador. Assim, com a saída do Estado do papel de provedor, fez-se necessária a criação da figura da agência reguladora, como ente público dotado de autonomia em relação ao Poder Executivo para controlar e estabelecer regras para o setor. As agências reguladoras são pessoas jurídicas de direito público interno, criadas por lei específica sob a forma de autarquia especial, integrante da administração indireta, a fim de desempenharem atividades típicas de Estado. Elas integram o segundo setor (serviços exclusivos), juntamente com as agências executivas. Até a privatização, o poder de regulação do setor de telecomunicações estava centrado no Ministério das Comunicações, organismo controlador da TELEBRÁS, a grande empresa provedora de serviços e também a reguladora da concessão, e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT). O quadro se alterou a partir da aprovação da LGT, que determinou que o Estado deixasse de exercer o papel de provedor dos serviços de telecomunicações e passasse a regulamentá-lo. O artigo 6 da LGT destacava que os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o poder público assegura-la, bem como corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica. Já o artigo 8 criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), cuja regulamentação foi aprovada pelo Decreto nº. 2.338, de 7 de outubro de 1997. O órgão máximo da ANATEL é o Conselho Diretor, formado por cinco diretores escolhidos pelo presidente da República, com a aprovação do Senado. A ANATEL também possui um

97

Conselho Consultivo, com representantes dos poderes Executivo e Legislativo, das entidades de classe das concessionárias, das entidades representativas dos usuários e da sociedade como todo. A competência deste Conselho restringe-se a “opinar, aconselhar, apreciar e requerer informações”111 sobre questões relativas ao setor. A lei atribuiu à ANATEL responsabilidade para aprovar, suspender e cancelar concessões; regulamentar os procedimentos de licenciamento e prestação de serviços; fiscalizar

o

funcionamento

das

concessionárias;

gerenciar

os

espectros

de

telecomunicações, incluindo equipamento em órbita; e certificar produtos e equipamentos. Na prática, foi delegada à ANATEL as funções da Secretaria de Defesa Econômica (SDE), em termos de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, no sentido de: a) instaurar processos administrativos para identificar e reprimir as infrações previstas na Lei 8.884/94, remetendo ao CADE os processos para que sejam julgados; b) definir as condições e celebrar compromissos para que essas práticas sejam cessadas; e c) encaminhar ao CADE as solicitações das empresas para que sejam apreciados os atos que visem à concentração econômica (Pires, 2000: 62). Nos primeiros momentos, a ANATEL teve como principal atribuição a elaboração do Plano Geral de Outorgas, aprovado em fevereiro de 1998, que estabeleceu regras para as concessões dos serviços públicos de telefonia. A agência foi também responsável pelo estabelecimento de metas de universalização, de qualidade e do sistema tarifário e outros requisitos fundamentais para a privatização do setor. Assim, foi dado início ao processo de formatação e preparação para a privatização do Sistema TELEBRÁS.112

2. 4 - Preparação para a privatização Na intenção de preparar as empresas do Sistema TELEBRÁS para a venda, além dos planos de investimentos, foram executadas algumas ações com relação às próprias empresas e ao seu equilíbrio econômico-financeiro assim foi processado um ajuste 111

Parágrafo 1 art. 36. O procedimento de venda de uma empresa desdobrava-se em várias etapas: inclusão formal no PND, licitação para contratação de consultores para avaliação do preço mínimo, convocação de assembléia de acionistas para aprovação do preço mínimo, publicação do edital de venda e finalmente, o leilão e as ofertas ao público e aos empregados (Landau,1995:2-2) 112

98

tarifário e extintos os subsídios cruzados. O reajuste das tarifas por si só já se refletiu positivamente no faturamento das empresas quase que de imediato. Os investimentos foram direcionados para expansão e melhoria, sobretudo das redes urbanas, mas, no entanto os seus efeitos não foram sentidos de imediato.

2. 4. 1 - Recuperação das tarifas Como visto anteriormente, durante toda a década de 1980 até a introdução do Plano Real em 1994, as tarifas públicas foram contidas com o intuito de controlar inflação. No caso do setor de telecomunicações, a redução do valor das tarifas incidiu sobretudo sobre as referentes aos serviços locais, por fazerem parte da cesta de bens e, serviços computada nos índices de inflação. Assim, os sucessivos governos sempre relutaram em efetuar reajustes destas tarifas, majorando preferencialmente as tarifas de longa distância. No período 1978/1990, os ganhos de produtividade foram de apenas 50%, resultando numa defasagem de preço de 64% para a tarifa do pulso local e de 55% para a tarifa de acesso (assinatura) (Fiúza e Néri, 1998: 5). As tarifas de longa distância subsidiavam os serviços locais e o valor da assinatura residencial chegou a um mínimo de US$0,44. Assim, diante deste baixo valor, houve uma redução artificial do custo de oportunidade de manter linhas inativas, o que deu maior margem à especulação com linhas telefônicas, criando um rentável mercado paralelo. A partir da aprovação da EC nº. 8, quando foram iniciadas as ações para a privatização do setor, o governo iniciou uma série de medidas visando a reestruturação tarifária. As portarias MC 280 e 305 objetivavam a recomposição do valor real das tarifas e a eliminação dos subsídios cruzados. O primeiro passo para a correção das tarifas elevou em cinco vezes o valor da assinatura residencial e em 80% o da tarifa local (ver Tabela VII. O minuto de discagem interurbana subiu 22%, recompondo a inflação do período (julho de 1994 a novembro de 1995).

113

A assinatura residencial subiu 511%,

passando de R$0,61 para R$ 3,73, enquanto que o pulso local passava de R$0,03 para R$0,05, num aumento de 67%. O minuto interurbano também sofreu um reajuste de 26%, permanecendo inalterada a tarifa internacional. 113

A redução de 32% do minuto médio internacional deve-se à redução de ICMS e não à redução de tarifas

99

Em abril de 1997, a Portaria MC 226 deu andamento à reestruturação tarifária. Através de um novo reajuste, elevou a assinatura para R$13,82 (271%) e o pulso para R$ 0,08 (60%). É importante ressaltar que o valor da ficha (VF) custava menos que o pulso de linha privada (R$ 0,043 contra R$ 0,058). O valor das tarifas cobradas pela prestação de determinado serviço telefônico passou a ser orientado pela visão do custo e não mais do benefício social. Tabela VII- Reajuste de tarifas

Assinatura básica

Portaria MC 280 e 305 Portaria MC 226 nov/95 abr/97 Tarifa em R$ Reajuste Tarifa em R$ reajuste vigência de/para de de/para de a partir de 0,61/3,73

Residencial Comercial Tronco Pulso local Minuto Interurbano Minuto Internacional

0,61/3,73 7,21/13,02 9,27/17,35 0,03/0,05 0,2409/0,3040 não houve

Tarifas com impostos

511%3,73/13,82 81%13,02/20,73 87%17,35/27,64 67%0,05/0,08 26%0,3040/0,2488 minuto inicial 2,21/1,33 minuto subseqüente 1,61/0,90

271% 59% 59% 60% -18% -39%

19/5/1997 20/5/1997 21/5/1997 4/4/1997 19/5/1997 4/4/1997

Fonte: BNDES , 1997

Em síntese, para preparar as empresas do Sistema TELEBRÁS para a privatização, foram feitas duas rodadas de reestruturação tarifária, “eliminando-se” os subsídios cruzados existentes entre os serviços local e interurbano. Verifica-se na Tabela VIII que a maior redução ocorre no ao custo da comunicação de dados e o maior aumento ao telefone público, são assim as grandes empresas que efetuam trocas de dados como é o casos dos bancos os maiores beneficiados com o realinhamento tarifário.

100

Tabela VIII - Impacto da revisão tarifária na composição das receitas do Sistema TELEBRÁS (25/04/97) Serviço

Participação Aumento/ Impacto da Receita Redução na Receita

Telefone público Móvel Celular Comunicação de dados Comunicação de Textos Som e imagem Outros Total

74,9 15,46 7

8,29 -1 -41,85

6,2092 -0,1546 -2,9295

0,59

0

0

0,81 1,24

0 0

0 0

100

3,1251

Fonte: TELEBRÁS 1997

No período de 1995 a 1997, ocorreram os chamados “tarifaços”, tendo a assinatura básica residencial, a não-residencial e o pulso local sido reajustados respectivamente em 2.172,7%, 187,4% e 163,6%e114.

Em 1997, o minuto médio

interurbano e internacional foi reduzido em 32% e 17%, respectivamente. Tabela IX

Valor das tarifas 1ª etapa 2ª etapa

Assinatura Residencial 2,70 10,00 Não residencial 9,42 15,00 Tronco CPCT (PABX) 12,55 20,00 Média 5,10 12,05 0,036 0,06/3min Pulso Local 0,05 0,06/2min Ficha TP/Crédito (cartão) Interurbano 0,20 0,13 Minuto médio Internacional 1,471 1,23 Minuto médio 1.117,00 0,00 Autofinanciamento 0 300,00 Instalação

Entr. Em vigor 19/5/1997 19/5/1997 19/5/1997 19/5/1997 4/4/1997 4/4/1997 19/5/1997 4/4/1997 1/7/1997 1/5/1997

Fonte: TELEBRAS APUD Dalmazo (2002) Obs: Preços líquidos de impostos e contribuições PIS/PASEP e Cofins

O subsídio cruzado da telefonia interurbana e internacional para a local foi extinto. Para efetuar a revisão e propor um novo modelo, a TELEBRÁS contratou o serviço de consultoria da BellCore.

Estabelecidos os novos critérios de tarifação,

estavam abertos os caminhos para a cisão do sistema e a abertura da rede a firmas entrantes. Complementando a reestruturação, o sistema de autofinanciamento, pelo qual o 114

Indicadores IESP/FUNDAP (maio/junho de 1997) e Banco Bozano, Simonsen (1997) apud GAT(1998)

101

usuário adquiria a posse da linha e participação acionária na TELEBRÁS, foi igualmente extinto.

2.5 - Investimentos A reestruturação tarifária, além de reduzir drasticamente o subsídio cruzado embutido nas tarifas, fortaleceu o caixa do sistema TELEBRÁS e, por conseguinte, a sua capacidade de investimento. Paralelamente, o governo autorizou um aumento de 201% nos investimentos da TELEBRÁS. É importante comparar este número com o de outras empresas estatais que não estavam em processo de privatização, como era o caso da Petrobrás e da Eletrobrás, que tiveram autorização de apenas 4% e 7%, respectivamente. O investimento subiu em 1996 para R$ 6,8 bilhões e atingiu R$7 bilhões em 1997. O ministro Sergio Motta salientava que esse novo momento de elevação do investimento e das tarifas deveria ser entendido :

não como uma revitalização de uma empresa estatal com vistas a sua continuidade pública, mas como uma proposição de revitalização e valorização visando sua privatização (que também implica no aporte de significativos recursos fiscais) e preparação para o enfrentamento da concorrência (garantia de substancial market share futuro e, portanto, de valorização para a venda)115. Em 1997, o lucro líquido da TELEBRÁS foi de R$ 3,9 bilhões. A maior parte desse montante permaneceu no país116, sendo repartido entre a União e os demais acionistas. A tabela X apresenta os investimentos na década de 1990 antes da privatização, destacando-se o aumento de 77% no investimento entre 1995 e 1997.

115

Maria Clara R. M.- Serviços que custam dólares. in Gazeta Mercantil, 19/05/1998, A-3. apud GAT 1998 116 A Telebrás tinha investidores estrangeiros, pois havia lançado ADRs na Bolsa de Nova Iorque. A maior parte das ações é de propriedade particular, com cerca de 25% em mãos de estrangeiros(ADRs) e o restante pulverizado entre 5,8 milhões de acionistas(boa parte correspondendo aos compradores de planos de expansão) o restante pertencia à União. GAT

102

Tabela X – Investimentos e fontes de financiamentos (1990-1995) Investimentos e fontes de financiamento do STB -1990-1995 Composição relativa do Financiamento Recursos Empréstim AutoRecursos fiscais Investimentos Próprios* os e financiame Anos (US$milhões) financiame nto ntos 1990 2.783 69 6 25 1991 3.263 52 22 26 1992 4.272 64 23 13 1993 4.285 55 33 12 1994 4.414 64 20 17 1995 4.512 58 27 15 1996 6.843 Nd Nd Nd Nd 1997 8.000

0 0 0 0 0 0

Fonte: Almeida, Marcio W. (1993). Serviços de infra-estrutura e competitividade de telecomunicações e competitividade. In: Coutinho, l: coord: Estudo da competitividade da insdustria brasileira. Disponivel em :http://ftp.mct.gov.br/publi/Compet/Default.htm acesso em 20/02/2006 * basicamente constituído pelas tarifas

Para ter-se uma visão do porte da TELEBRÁS, em 1996, ela era o segundo maior grupo empresarial brasileiro em patrimônio líquido (atrás, apenas, da Eletrobrás) e terceiro, em receita (atrás da Petrobrás e do Grupo Itaú). Estima-se que, em fins de 1997, estavam em operação cerca de 21 milhões de terminais, sendo 17 milhões convencionais e quatro milhões celulares. Em termos de receita líquida e linhas telefônicas em operação, a TELEBRÁS encontrava-se entre os 15 maiores operadores do mundo. O seu lucro em 1996 foi de R$ 2,6 bilhões, situando-se em quinto lugar entre os grandes operadores mundiais de telecomunicações. Segundo a International Telecom Statistics de 1997, publicada pela Siemens, em dezembro de 1996, o Brasil ocupava o 13o lugar no ranking mundial em número de terminais convencionais em serviço e o 10o lugar em acessos celulares em serviço. Em 1996, a planta total instalada brasileira era de 16,4 milhões de terminais convencionais e 3,1 milhões de acessos celulares. Deste total, o STB operava 91% dos acessos convencionais e 89% dos acessos celulares. 117 Do ponto de vista da produtividade das operadoras, um dos indicadores mais utilizados é o de empregados por 1000 terminais instalados que passou de 6,5 em 1994 para 4,3 em 1996. A digitalização da rede é um recurso tecnológico indispensável à oferta 117

BNDES- Telecomunicações ranking setorial, vol I -1997

103

de serviços diferenciados de valor agregado. A atualização tecnológica da planta permitiu que 57,2% da rede local estivessem digitalizadas ao final de 1996. O retorno dos investimentos pode ser medido pela evolução dos indicadores de qualidade, como a taxa de congestionamento de ligações interurbanas, que apresentou uma redução de 6,7% em relação a 1995, ficando em torno de 8,92. Em 1996, o faturamento consolidado do Sistema TELEBRÁS atingiu a marca dos 16,5 bilhões de reais. No quadro geral, a Telesp se destacava, com uma participação de 28,9% na receita total, seguida pela EMBRATEL com 14% e pela TELERJ com 10%, conforme gráfico abaixo. Gráfico II Faturamento Consolidado -1996 Telebrasília 3% Telesc 4% Telebahia 5%

Outras 22%

Telepar 5% Telemig 8%

Embratel 14%

Telerj 10%

Outras Embratel Telesp Telerj Telemig Telepar Telebahia Telesc Telebrasília

Telesp 29%

Fonte: BNDES, 1997.

2.6 - Metas e controles As regras básicas do modelo de concorrência foram explicitadas no Plano Geral de Outorgas (PGO) aprovado pelo Decreto nº. 2.534, de 2 de abril de 1998. A outorga, ou seja, a licença, é requisito para a participação como concessionária de serviços de telecomunicações, sendo a ANATEL a responsável pelo controle das outorgas. O PGO

104

tratava da exploração STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado)118 e dividiu o Brasil em três regiões, sendo criada uma quarta área de cobertura nacional para comunicações de longa distância. Assim, a TELEBRÁS foi cindida em três holdings regionais, que passaram a controlar as empresas operadoras estaduais de telefonia fixa, e em mais oito holdings que passaram a controlar as operadoras de telefonia móvel (Banda A)119, e uma operadora de longa distância (EMBRATEL).

120

O mapa a seguir

mostra as três regiões de atuação das holdings regionais do STFC.

Mapa II – Regionais do STFC

R

R

R

As três holdings regionais foram assim constituídas: empresas das regiões Norte Nordeste e Leste: TELEAMAZON, TELAIMA, TELEPARÁ, TELEAMAPÁ, TELMA, TELEPISA, TELECEARÁ, TELERN, TELPA, TELPE, TELASA, TELERGIPE,

118

Serviço telefônico fixo comutado é o serviço de telecomunicações que, por meio da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia. São modalidades do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral o serviço local, o serviço de longa distância nacional e o serviço de longa distância internacional. O serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral será prestado nos regimes público e privado, nos termos dos arts. 18, inciso I,64 e 65, inciso III, da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, e do disposto no Plano Geral de Outorgas (PGO).(ANATEL,1998). Disponível em www.anatel.gov.br acesso em 10/03/2006 119 Cada tele estadual foi cindida em celular e fixa em janeiro de 1998. 120 Com relação ao Centro de Pesquisas (CPqD) ficou estabelecido que este iria ser desligado da Telebrás e transformado em uma fundação privada. A holding Telebrás continuaria existindo apenas pelo prazo necessário à transição para o novo cenário. Foi garantido aos acionistas minoritários da Telebrás e das teles estaduais os direitos integralmente preservados.

105

TELEBAHIA, TELEMIG, TELEST E TELERJ; empresas das regiões Sul e CentroOeste: TELESC, TELEPAR, TELEMS, TELEGOIAS, TELEBRASÍLIA, TELEMAT, TELERON E TELEACRE; e a empresa do Estado de São Paulo – Telesp. Já as holdings de telefonia celular (banda A) incluíam a Telesp (áreas 1 e 2), a TELERJ e TELEST (área 3), a TELEMIG (área 4), a TELEPAR, a TELESC e a CTMR (áreas 5 e 6), TELEBRASÍLIA, TELEGOIÁS, TELEMS, TELEMAT, TELEACRE E TELERON (área 7), a TELAMAZON, TELAIMA, TELEPARÁ, TELEAMAPÁ E TELMA (área 8), TELEBAHIA e TELESERGIPE (área 9); e a TELASA, TELPE, TELPA, TELERN, TELECEARÁ e TELEPISA (área 10). Em 2 de junho de 1998, cada uma das 27 teles estaduais assinou com a ANATEL um contrato de concessão, que lhes permitia o direito de explorar o serviço de telefonia fixa até 31 de dezembro de 2005. As antigas teles passaram a operar sob o regime público, não lhes cabendo o direito de exclusividade na prestação do serviço121. No intuito de garantir o regime de concorrência, foram previstas companhias concorrentes às regionais constituídas, as empresas “espelho”, que passariam a operar em regime privado. Assim, passaram a coexistir dois regimes, o público e o privado, a regular a exploração dos serviços de telefonia fixa (STFC).

O regime público era provido através de

concessões, isto é, o cujo direito de atuação nascia da outorga de concessão por parte do Estado, representado pela ANATEL. O regime privado era provido através de autorizações, obtidas através de licitação e vigentes a partir de janeiro de 1999. Neste regime não havia as obrigatoriedades de universalização e de continuidade. O Plano Geral de Metas de Universalização estabeleceu metas de universalização em termos de acessos individuais e coletivos. Eram considerados como acessos individuais os telefones instalados em residências, comércio, indústrias, etc., pelos quais estava prevista a cobrança de uma taxa mensal correspondente à assinatura do serviço. Os acessos coletivos eram os telefones de uso público - TUP- (orelhões, telefones instalados em áreas comerciais), que funcionavam mediante a introdução de cartões, e os instalados em postos de serviço. A universalização foi o processo concebido a fim de garantir acesso aos serviços de telecomunicações a qualquer cidadão (ANATEL, 1998). 121

Objeto de concessão às empresas alcançadas pelo art. 207 da Lei nº 9.472,

106

O Plano Geral de Metas de Qualidade, instituído através da Resolução 30 de 29 de junho de 1998, definia as metas de qualidade a serem cumpridas pelas concessionárias, que também constavam do contrato de concessão das teles. Essas metas compreendiam a oferta de Plano Básico de Serviços (que inclui habilitação) a qualquer usuário; a concessão de desconto ao usuário por interrupção causada pela concessionária; o atendimento 24 horas através de central de atendimento; a garantia de sigilo e confidencialidade dos dados e informações dos usuários; a divulgação ampla das tarifas e das condições de serviço; o atendimento gratuito, em até 48 horas, aos pedidos de desligamento solicitados pelos usuários; oferta, gratuita, a todo usuário, da Lista Telefônica.

Quadro II – Metas de atendimento Metas de atendimento ao usuário

Meta do sinal de discar

Data Atendimento A partir de 31/12/1998 3 seg

Nº casos 98%

Atendimento a Pedidos de reparo Atendimento a usuários pedidos de usuários por 100 não residenciais em até residenciais em até acessos/mês 8 horas 24 horas

Metas de solicitação de reparo A partir de 31/12/1999 31/12/2001 31/12/2003 31/12/2005

Até 3,0 Até 2,5 Até 2,0 Até 1,5 Setor de atendimento

Metas de atendimento pessoal ao usuário A partir de 31/12/1998 10 min 95 % casos

95% 96% 97% 98% Pedidos verbais que não possam ser atendidos de imediato Responder em 1 dia útil- 95% casos

95% 96% 97% 98%

Fonte: TELERJ- O novo modelo de telecomunicações – janeiro 1999

As metas do PGMU e do PGMQ passaram a fazer parte dos contratos de concessão, que foram assinados pelas teles em junho de 1998 As concessionárias passaram a ser obrigadas, sob o risco de altas sanções por não cumprimento, a prestar serviços com regularidade (sem interrupção), eficiência, segurança, cortesia e modicidade de tarifas (ANATEL, 1998).

107

2.7 - O modelo de concorrência Para garantir a competição quase que imediata, foi prevista a exploração em regime de duopólio para a telefonia local. No período que vai da privatização até 31 de dezembro de 1999 haveria uma nova empresa autorizada (espelho) competindo no serviço local. No caso do serviço de longa distância intra-regional, a competição estava prevista para ocorrer entre quatro empresas: a tele estadual, a nova autorizada (espelho), a EMBRATEL e a concorrente (autorizada) da EMBRATEL. A partir de 2002, a competição seria livre sem restrição ao número de concorrentes. Ficou vedada às empresas concessionárias a prestação de serviço de TV a cabo, embora fossem permitidas parcerias. Eram também proibidas as ofertas de serviços casados com o serviço fixo comutado, ou seja, forçar o usuário a consumir um serviço por venda casada. Com o objetivo de garantir a concorrência, algumas medidas com relação a fusões, integrações e aquisições foram tomadas quando da privatização. Destacavam-se entre elas a proibição de fusões por um período de cinco anos após a privatização, entre as concessionárias de telefonias fixa ou celular recentemente privatizadas; a proibição de que um mesmo grupo de acionistas tivesse participação relevante ou controle acionário direto em concessionárias que atuassem em regiões distintas do PGO; proibição da integração vertical dos serviços locais e de longa distância; e proibição de participação de qualquer concessionária de telefonia fixa na licitação das autorizações para a operação de empresas-espelho em suas áreas de atuação.

2.8 - A venda A questão da redução do déficit público no Brasil foi atrelada à estabilização da economia, um dos pilares do Plano Real. Deste modo, a privatização acabou sendo bem aceita por larga parcela da sociedade, ao ser apresentada como uma política capaz de contribuir fortemente para a redução dos problemas de ordem financeira do país. O governo, para reforçar seus argumentos quanto à necessidade da privatização, além daqueles relativos à ineficiência das empresas e da falta de recursos para investimentos, demonstrava a intenção de usar integralmente os recursos arrecadados no abatimento da dívida pública, considerada o calcanhar de Aquiles do Plano Real. A estimativa de

108

arrecadação total era de R$16,2 bilhões122. Deste montante, 40% deveriam entrar de imediato nos cofres públicos, correspondendo ao valor pago à vista pelos vencedores, sendo o restante financiado em três anos. Assim era esperado um abatimento, logo após a privatização, de R$6,5 bilhões da dívida e a desoneração de parte do déficit público, pois os recursos para os investimentos não viriam mais do Tesouro, passando a vir do exterior, já que a maioria das empresas concorrentes era estrangeira. A preferência do governo brasileiro pela forma de leilões para venda dos ativos das empresas em processo de privatização divergia do modelo largamente utilizado na Europa de venda pulverizada ao público, através da oferta de ações a preço fixo. A opção da venda pulverizada foi iniciada na Inglaterra, ainda no governo Thatcher, mas foi descartada no Brasil, embora o PND a permitisse. A escolha do modelo de leilões era justificada como sendo a forma que garantia o maior valor de venda, por permitir ágios em relação a um preço mínimo estipulado123. O governo salientava que a pulverização das ações, a preço fixo, era menos atrativa, quer do ponto de vista financeiro, quer sob o ponto de vista do risco, pois a pulverização poderia vir a dificultar a formação de núcleos de investidores estratégicos124. O leilão de viva voz já vinha sendo adotado desde o governo Sarney, quando das vendas por meio de blocos indivisíveis de ações ou de ativos, e esta modalidade foi mantida nos governos Collor e Itamar. No primeiro governo Fernando Henrique, o método adotado passou a ser o de envelope fechado. No entanto, leilões de viva voz eram percebidos pela sociedade como sendo mais transparentes. A disputa entre investidores interessados, em local de fácil acesso, como é o caso das bolsas de valores, com possibilidade de repiques é mais próxima dos leilões de objetos a que a população está acostumada. Assim, a incerteza com relação aos resultados e a percepção de maior arrecadação de recursos levam à sensação de maior neutralidade do processo. Segundo Velasco (2001:33), como o processo de privatização à época da venda da TELEBRÁS já 122

Revista Época 27/07/1998 disponível em http://epoca.globo.com/edic/19980727 A idéia de venda com ágio acabava por gerar a percepção de que o Estado estava “ganhando” . Esta percepção da opinião pública de “ganho” com o processo, acabava por trazer o apoio à implementação dessa política (Velasco, 2001:32). 123

124

Em cartilha explicativa, o BNDES, entre outros motivos, defendeu a opção em não vender de forma pulverizada as ações ordinárias da Vale em razão de ser esta a alternativa em que a União obteria menos recursos. (Velasco, 2001:33)

109

se encontrava difundido e aceito, a escolha da forma de venda recaiu sobre o leilão do tipo misto, envelope fechado, seguido de leilão viva voz. No setor de telecomunicações, o leilão foi inicialmente adotado na concorrência para a outorga de concessões para a exploração da banda B do serviço móvel celular. As tarifas propostas pelos competidores foram levadas em consideração na escolha da proposta vencedora, representando 40% de um índice que combinava preço ofertado e valor das tarifas. No entanto, em função das regras estabelecidas pelo Plano Geral de Outorgas e pelas metas de universalização e de qualidade, a questão da redução das tarifas não foi item de avaliação das propostas de compra das empresas oriundas do Sistema TELEBRÁS.

2.8.1 - A questão do valor de venda O ministro Sérgio Motta previra que a venda do sistema TELEBRÁS renderia R$35 bilhões ao governo (Biondi, 1999:38). No que dizia respeito ao capital estrangeiro e à preservação de parte do papel de controlador, Motta, inicialmente, defendia a idéia de um limite de 25% a 30%, além da manutenção de golden share pelo governo. Posteriormente, ele foi mais incisivo com relação a atrair o capital estrangeiro. Do mesmo modo, em 1995, quando questionado sobre a venda da EMBRATEL ele afirmou que a EMBRATEL não seria privatizada, pois era "a espinha dorsal do sistema" e, portanto, de cunho estratégico para o país125. No entanto, poucos meses antes da venda as expectativas e o próprio processo foram alterados em função do afastamento por razões de saúde, seguida pela morte do ministro no final de abril de 1998. Além disso, a crise de liquidez internacional, advinda da longa crise financeira nos mercados asiáticos, mudou o quadro, provocando o desinteresse das empresas norte-americanas em investir pesadamente no Brasil. Assim, o preço do sistema TELEBRÁS depreciou-se e o quadro tornou-se incerto com relação ao sucesso do processo de privatização. A mudança de comando no MiniCom, em função da morte do ministro Sérgio Motta, foi um fator importante na condução do processo, pois seu sucesso processo dependia, especificamente, do modo como era conduzido. O novo ministro, Luiz Carlos 125

Correio Braziliense,16/2/1995, p. 10.

110

Mendonça de Barros, decidiu alterar o processo, com o argumento de aumentar a atratividade das empresas, não impôs restrições à participação do capital estrangeiro126 , não tornou obrigatória a participação de operadoras nos consórcio, retirou a exigência de compra de compra interna de equipamentos, não restringiu a participação de grupos controladores de conglomerados da mídia e abandonou a idéia de manter a participação e o poder de veto através das golden share. A necessidade de operadores no consórcio havia sido obrigatória na licitação da banda B da telefonia celular, quando todos os grupos vencedores tiveram que buscar parceiros estrangeiros com experiência nesse mercado. O mesmo ocorreu, posteriormente, na licitação das “empresas-espelho” que competiriam e com as três holdings regionais de telefonia fixa e a EMBRATEL. O governo argumentava que o mecanismo era usado para evitar que os investidores entrassem no país só para obter lucros e depois abandonar o negócio Mendonça de Barros reforçou o papel do BNDES no processo de privatização. Também decidiu pelo parcelamento do pagamento da concessão em três parcelas anuais, sendo a primeira de 40% e as demais de 30% cada. Seu objetivo, com essas medidas, era manter a atratividade do negócio. Assim sendo, a questão do valor mínimo era um quesito extremamente importante para diminuir o risco de fracasso do leilão. A avaliação inicial do consórcio de consultorias contratado pelo BNDES, liderado pela Arthur D. Little, para determinação do valor econômico das empresas do sistema TELEBRÁS, foi de R$ 120 bilhões. Considerando o ambiente de competição após a privatização e deduzidas as despesas dos novos controladores, o valor caiu para R$ 71 bilhões e a participação da União de 19,26%, referente ao bloco de controle, ficou em R$ 11,3 bilhões. A metodologia utilizada pelos consultores para avaliação das empresas foi centrada no Fluxo de Caixa Descontado (FCD), calculado para um horizonte de projeção de dez anos (1998-2007), adicionando-se ainda um valor residual remanescente para os 17 anos seguintes. Segundo a Arhtur D. Little, sua metodologia partia de dados históricos e aplicava fatores específicos a cada variável de negócio a fim de obter projeções quantitativas, levando em consideração a interdependência entre variáveis características

126

Muito se havia discutido sobre a participação do capital estrangeiro, porém a LGT atribuía ao Presidente da República a decisão.

111

do mercado, de cada tele, o efeito esperado da Regulamentação, além de benchmarks internacionais (Little,1998: 9). Os valores obtidos foram descontados a valor presente (31.12.1997 - data base) a uma taxa de desconto que refletia e o custo de capital dos acionistas (GAT2,1998). O número final de venda de R$ 11,3 bilhões, sugerido ao Governo, correspondia aos 19,26% do bloco de controle, após a aplicação de um redutor sugerido pelo ministro Mendonça de Barros. O valor mínimo ficava assim quase três vezes menor do que o previsto pelo ministro Motta. Sobre esse valor, o governo aplicou um prêmio de controle de 19,2% para chegar ao mínimo de R$ 13,47 bilhões (Gazeta Mercantil, 12/06/1998, p. A1). O valor estimado foi alvo de contestação à época do leilão. O GAT127 analisou especificamente a questão dos valores de venda, baseando-se nos trabalhos das consultorias Arthur D. Little Ltda. e Coopers & Librand Consultores Ltda., que efetuou o serviço de avaliação econômico-financeira, e do consórcio Brasilcom, liderado por Salomon Brothers e integrado por Morgan Stanley & Co. Incorporated. Este último havia efetuado, além do serviço de avaliação econômico-financeira, a identificação de ajustes e pontos críticos à desestatização, serviços de assessoria, assistência e auditoria jurídica, auditoria contábil, avaliação patrimonial e demais serviços necessários para a montagem e execução do processo de desestatização. Este relatório considerou excessivos os custos de comercialização estimados, bem como a perda exagerada de market share, estimativa que, segundo o GAT, não seguia os padrões internacionais. O relatório concluiu que o valor estipulado para venda tinha sido subestimado. Biondi (1999) contestava a escolha do FDC como método para estimativa do valor das estatais, pois não levava em conta o valor dos bens acumulados pelas empresas: “O preço de venda das estatais não leva em conta o patrimônio que elas acumularam”. O critério utilizado para o cálculo levava em consideração o faturamento previsto, subtraídas as despesas previstas para a empresa funcionar, e a remuneração do capital (próprio e de terceiros) que o investidor/comprador deveria auferir/pagar ao longo desses

127

Grupo de Assessoramento Técnico da COPPE - UFRJ ao Ministério Público Federal sobre o Processo de Privatização da Telebrás

112

mesmos anos. Assim, Biondi estimava que o valor, atentando-se para o patrimônio acumulado, deveria ser muito superior ao valor estabelecido. De acordo com o “Sumário sobre as Conclusões da Avaliação EconômicoFinanceira do Sistema TELEBRÁS”128, elaborado pelo consórcio liderado pela Arthur D. Little129, a avaliação do valor considerou tanto o potencial do mercado brasileiro como os desafios impostos pela competição e pelo novo ambiente de regulação. Estas restrições impostas (competição e metas) causariam um decréscimo no faturamento das empresas afetando assim o preço de venda das empresas. Entre os elementos estimados estavam a perda de participação de mercado, as reduções de tarifas130, os novos custos, o risco Brasil, o crescimento do número de terminais e o do volume de tráfego e os novos serviços. A consultoria afirmava que o mercado brasileiro de telecomunicações seria um dos mais interessantes do mundo, mesmo levando-se em consideração as grandes mudanças a serem enfrentadas pelas operadoras privatizadas. Em defesa da questão do preço estabelecido, Mendonça de Barros fez declarações à imprensa um mês antes do leilão, que acabaram sendo acusadas de provocar nova depreciação na avaliação do sistema TELEBRÁS. Mendonça de Barros divulgou um novo valor global para o Sistema TELEBRÁS: R$ 90,94 bilhões. O preço mínimo, porém, foi fixado em cima de um valor global de R$ 69,94 bilhões porque considera a competição futura. (...)Segundo o ministro, a competição tira 15% do valor de venda das empresas de telefonia fixa. Mendonça de Barros disse que, se o ex-ministro Sérgio Motta falou de um preço de R$ 30 bilhões, foi em outras circunstâncias: - a redução do valor da empresa quando não há monopólio é de 41%” (...) O preço mínimo do sistema foi fixado em R$ 13,470 bilhões para a participação da União (18,61%). (O Globo, 24/06/98:26).

128

ARTHUR D. LITTLE -COOPERS&LYBRAND -DELOITTE &TOUCHE , Sumário sobre as Conclusões da Avaliação Econômico-Financeira do Sistema TELEBRÁS- Serviço A disponível em http://www.bndes.gov.br/privatizacao/download/avserva.pdf. 129 De acordo com suas credenciais a Arthur D. Little instalou-se no Brasil em 1911 é era a líder em serviços de privatização em todos os segmentos de negócio, e membro de uma rede internacional de 700 escritórios em todo o mundo. 130

Redução de Tarifas exigida pela ANATEL. Para cesta local a redução prevista até 2005 era de 4,9%.

113

2.8.2 - A formatação O Sistema TELEBRÁS era formado por uma empresa holding que controlava 27 operadoras estaduais (as teles) e uma operadora nacional (EMBRATEL). Detinha cerca de 91% da planta telefônica do país. Outras quatro empresas independentes estavam tecnicamente integradas ao Sistema: a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT)131, a Ceterp (Centrais Telefônicas de Ribeirão Preto), controlada pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, São Paulo; a Sercomtel (Serviços de Comunicações de Londrina), controlada pela Prefeitura Municipal de Londrina - PR; e a Companhia Telefônica do Brasil Central (CTBC), empresa privada que opera no Triângulo Mineiro. Em janeiro de 1998, ocorreu a primeira ação de ordem prática para a separação das empresas que foi a cisão das teles estaduais com a separação por segmento: telefonia fixa e telefonia celular. Assim em maio foi criado um novo quadro com 28 empresas, competição, metas de universalização e qualidade de serviço, proposto em substituição ao STB. O governo deixava de ser gestor para assumir um papel de regulador. A distribuição inicialmente proposta incluía três holdings fixas (licenças nacionais), uma empresa de longa distância, oito operadoras de Celular Banda A, 12 entrantes em banda B e PCS, três “espelhos” para as teles e um “espelho” para a EMBRATEL . Com relação ao controle acionário, a TELEBRÁS detinha 77% do capital das empresas do sistema, e o governo federal era dono de 19,26% dessa porção, ou seja, foram postos à venda 14,8% do valor total das empresas do sistema TELEBRÁS - esta porcentagem correspondia a 51,79% do total de ações com direito a voto do sistema, ou 64,4 bilhões de ações. Foram ofertadas 2,18% das ações preferenciais em mãos do Governo a empregados e aposentados do Sistema TELEBRÁS132. O restante (48,21% das ações ordinárias e 97,82% das ações preferenciais), representando 80,74% do capital total do sistema TELEBRÁS, não pertencia ao governo federal, estando pulverizado entre mais de 3,5 milhões de acionistas privados.

131

Em 17 de dezembro de 1996, um Consórcio internacional (liderado pela Telefônica de España e com a participação da RBS) comprou 35% das ações ordinárias da CRT do governo do Rio Grande do Sul, por R$ 681 milhões, com ágio superior a 50% sobre o preço mínimo estabelecido. 132 Os empregados das empresas integrantes do Sistema Telebrás puderam comprar papéis dessas empresas por um valor quase 50% menor que a média de preços das ações. O preço do lote de 12 mil ações preferenciais foi estimado de R$ 69,24. As ações poderão ser pagas à vista ou em 25 vezes

114

2.8.3 - A preparação para o leilão - ações e reações Com o objetivo de fornecer informações sobre as empresas de telefonia fixa, as operadoras de telefonia celular da banda A e a EMBRATEL foram criadas, as salas de informação (data rooms) No entanto, o número de empresas inscritas no data-room ficou abaixo do esperado. Só vinte e cinco grupos fizeram inscrição no data-room. Pairou, então, um certo receio no governo que o leilão não tivesse sucesso e que algumas empresas não encontrassem comparadores. Assim, a preparação do leilão seguiu todos os passos para que não houvesse nenhum insucesso e que todas as empresas fossem vendidas, sendo cuidadosamente verificados todos os procedimentos do leilão, inclusive a seqüência e o tipo do leilão133. Velasco (2001), ao analisar os processo de privatização, salienta que o modo de implementação não é neutro, que no caso brasileiro o apoio obtido pelo governo federal por parte de uma parcela significativa da sociedade às privatizações permitiu ao Executivo ampla liberdade na escolha da forma de implementação. Ainda segundo ele, o sucesso do leilão dependia também da ordem em que as empresas estavam sendo leiloadas, pois quem vencesse um lance estaria desabilitado a concorrer aos outros. Em resumo, a ordem em que são colocadas as empresas no leilão importa. No caso, a Telesp – diferentemente do início do processo de privatização, quando a EMBRATEL era considerada a “jóia da Coroa” – tornou-se a nova menina dos olhos dos compradores. Considerando esta nova configuração, a ordem para oferta da Telesp passou a ser fundamental. Uma notícia publicada em O Globo às vésperas do leilão, deixa clara esta questão: Ao determinar que a Telesp será a primeira empresa a ser vendida no leilão da TELEBRÁS, o Governo quer garantir que a TELERJ e as demais empresas da holding Tele Norte Leste sejam vendidas.. - “Nós colocamos a Telesp na frente para ter certeza de que os concorrentes colocarão envelopes para todas. Para não correr o risco de perder a empresa, eles poderiam não fazer propostas para as outras” explicou André Lara134. (O Globo, 27/07/1998, Economia:17) Ainda como à época da pré-qualificação das empresas e consórcios interessados no leilão, o BNDES e o MiniCom tomaram conhecimento do pouco interesse despertado 133 134

A seqüência e o tipo de leilão não são neutros eles influenciam no resultado final (Velasco,2001: 186) André Lara Resende – presidente do BNDES

115

pela Tele Norte Leste e até mesmo pela EMBRATEL135. Dado o quadro, passaram a articular consórcios para concorrerem no leilão junto com os investidores estrangeiros. No caso da Tele Norte Leste, considerada a patinho feio do leilão, a articulação foi no sentido de congregarem grandes grupos nacionais para participar da disputa. Assim foi formado o consórcio TELEMAR, liderado pela Andrade Gutierrez e com a participação dos grupos Inepar, Fiago (La Fonte)136, a Macal Investimentos e Participações137, Brasil Veículos e Companhia de Seguros Aliança138. A experiência adquirida com o caso CVRD, empresa emblemática, privatizada em 1997, após uma série de ações na Justiça, serviu como advertência para o enfrentamento do mesmo tipo de problema no caso da TELEBRÁS. Neste sentido, foram preparados seminários e palestras para juízes, desembargadores e ministros dos tribunais de Justiça, assim como para técnicos e ministros do TCU. A batalha jurídica foi grande. Mais de 100 ações foram impetradas na Justiça, na sua maioria contra a cisão das teles, tornando o quadro incerto às vésperas do leilão. No entanto, o governo saiu vitorioso e o leilão foi mantido para o dia 29 de julho de 1998.

2.9 - O espetáculo do leilão No dia do leilão, foi montado um verdadeiro espetáculo e divulgada na imprensa a seqüência de ações a ser efetuada. Foi pedido também reforço de policiamento para as cercanias da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para evitar manifestações contrárias que pudessem atrapalhar o procedimento. Estavam previstos 1.500 participantes entre investidores, assessores financeiros e jurídicos, além de pessoal envolvido da Bolsa, BNDES e envolvidos na infra-estrutura de apoio, além de e 700 jornalistas. Abaixo está transcrito o passo a passo do leilão, divulgado na grande imprensa, no dia 29 de julho, tendo os procedimentos divulgados sido cumpridos à risca. 1. LARGADA O leiloeiro abre o pregão e pede que os corretores que querem dar lances se apresentem. As propostas são encaminhadas mediante envelopes 135

A Embratel tinha um débito estimado de R$1,2 bilhão com a Receita Federal o que se tornava um obstáculo à privatização. 136 De Carlos Jereissati 137 De Antônio Dias Leite 138 Do Banco do Brasil

116

fechados e cada um tem uma cor diferente: Telesp (amarelo), Tele Norte Leste (azul) e EMBRATEL (rosa). 2. PROPOSTAS Os envelopes com as propostas para a Telesp são retidos e os corretores colocam num escaninho as suas propostas para as outras empresas do mesmo grupo. 3. ABERTURA DAS PROPOSTAS O leiloeiro abre as propostas para Telesp, os valores são lidos em voz alta e digitados no computador. O leiloeiro pede que os corretores confiram os dados e se não houver erros, o leiloeiro anuncia o vencedor. Se a diferença entre dois ou mais lances for de 5% ou menos, o leiloeiro abre para o pregão de viva voz. 4. TRITURADOR O grupo que vencer uma empresa terá automaticamente seus envelopes para outras empresas do mesmo grupo triturados. Pelas regras do leilão, quem vencer a disputa pela Telesp, por exemplo, não pode também comprar a EMBRATEL, que está no mesmo grupo de venda 5. VIVA VOZ Toda a vez que a diferença entre uma proposta e outra for inferior a 5%, será aberto o leilão de viva voz. ( O Globo, 28/07/1998) No caso das empresas de telefonia fixa, foi feita uma divisão por grupos. O grupo A contemplava as empresas de telefonia fixa e a empresa de longa-distância. A tabela abaixo mostra a divisão do Grupo A, segundo o BNDES à divisão adotada seguiu o critério de parcela do PIB gerada pela área de abrangência, Deste modo, a Telesp ficou sozinha e a TELERJ e a TELEMIG ficaram no mesmo grupo. Quadro III – Leilão- Preço mínimo das empresas- Grupo A Seq. Cor do envelope 1 Amarelo

2 Verde

3 Azul 4 Rosa

Empresas

Telesp (Telesp e CTBC2) Tele Centro Sul (Telebrasília, Telegoiás, Telemat, Teleron, Teleacre, Telems,Telepar,Telesc,CTMR Tele Norte Leste Telerj, Telemig, Telest, Telebahia, Telergipe, Telasa, Telpe,Telepisa, Telma, Telepará, Teleamapá, Teleamazon e Telaima Embratel

Preço mínimo (R$bilhões)

Abrangência

3,52 1,95

34 27

3,4 1,8

86

Fonte: O Globo (29/07/1998: 29)

Os grupos B e C correspondiam às empresas de telefonia celular, criadas em janeiro de 1998, a partir da cisão das teles estaduais. Não foram incluídas as empresas

117

independentes integrantes do Sistema TELEBRÁS: CRT, SERCOMTEL, CETERP e CTBC. Em junho de 1998, a Telefónica comprou 50,1% das ações da CRT por US$1,02 bilhões.

2.10 - Pós-leilão: os resultados Assim, a privatização do Sistema TELEBRÁS ocorreu no dia 29 de julho 1998 através de 12 leilões consecutivos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, pela venda do controle das três holdings de telefonia fixa, uma de longa distância e oito de telefonia celular, configurando a maior operação de privatização de um bloco de controle já realizada no mundo. Com a venda, o governo federal arrecadou um total de R$ 22 bilhões, obtendo um ágio de 63% sobre o preço mínimo estipulado. A tabela abaixo mostra a composição dos consórcios que disputaram e os ganhadores. Tabela XI

Fonte : BNDES-2003

A Tele Norte Leste foi a terceira empresa vendida no leilão. O leilão da holding, que incluía 16 telefônicas estaduais, entre as quais a TELERJ, sucedeu à venda das operadoras fixas Telesp e Tele Centro Sul, tendo começado às 10h15m e durado somente cerca de sete minutos. Foi entregue somente uma proposta pela empresa, no valor de R$3.434.000.108, lida em segundos pelo leiloeiro, sendo o restante do tempo levado para validação deste único lance. O ágio pela Tele Norte Leste139 foi de apenas 1%, sendo a única empresa de telefonia fixa comprada exclusivamente por grupos brasileiros. Foi 139

Os analistas de mercado batizaram a Tele Norte Leste de TELEMAR porque englobava o litoral das regiões Sudeste e Nordeste.

118

também a única a não apresentar uma operadora de telecomunicações no grupo de controle, liderado pela Construtora Andrade Gutierrez140 e pela La Fonte Participações, cada qual com cerca de 20%. Também faziam parte do consórcio o grupo paranaense Inepar141, dono da Iridium Telecomunicações e da Globaltelecom (empresa que venceu a concorrência para exploração da banda B no Paraná e em Santa Catarina); a Fiago142, do grupo La Fonte; e a Macal143. As seguradoras Brasilveículos144 e Aliança do Brasil – que tinham o Banco do Brasil como acionista e eram controladas pelas também seguradoras Sul América e Aliança da Bahia, respectivamente – ficaram cada uma com 10% do consórcio (O Globo, 30/07/1998). Os novos proprietários estabeleceram um prazo de 90 dias para que fosse feita uma auditoria na empresa, a fim de avaliarem a validade de um plano de metas elaborado pela consultoria McKinsey para a TELEBRÁS. Logo após o leilão, o presidente da AG Telecom, Otávio Marques de Azevedo, lembrou que a TELEMAR tinha indicadores de performance melhores do que algumas das empresas estrangeiras que participaram do leilão da TELEBRÁS. A receita de US$ 118,70 por empregado é igual ao da mexicana Telmex e, se a comparação for feita com a TELEMIG, o peso da disputa aumenta, já que a telefônica mineira tem indicadores melhores do que a 140

A Andrade Gutierrez Telecomunicações Ltda. (AG Telecom) era controlada pela holding Andrade Gutierrez que, tinha à época, patrimônio líquido de US$ 2,9 bilhões e um faturamento anual de US$ 1,3 bilhão. A AG Telecom faturou, em 1997, US$ 120 milhões. 141 O grupo Inepar, de Curitiba, era formado por mais de uma dezena de empresas, algumas em associação com companhias internacionais. Elas atuavam em setores como produção de equipamentos eletromecânicos, construção pesada, operação de energia e telecomunicações. Em 1997, o grupo faturou R$ 620 milhões com um lucro líquido de 47,1 milhões e um patrimônio líquido de R$ 454 milhões. 142 Fundo de private equity administrado pelo Banco FonteCindam, que assessorou os compradores da Tele Norte Leste e que foi adquirido pela La Fonte Participações. Ela pertence ao empresário Carlos Jereissati, irmão do então governador do Ceará, Tasso Jereissati. O grupo La Fonte já tinha participação em duas operadoras de telefonia celular da banda B, a Telet e a Americel, em sociedade com fundos de pensão de estatais e o Opportunity. (O Globo, 30/07/1998). 143 A empresa Macal pertencia ao empresário Antônio Dias Leite, ex-controlador da Multicanal (empresa vendida para a GloboCabo). Segundo informações dos investidores na Tele Norte Leste, também são sócios da Macal os empresários Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Roberto Thompson, da GP Investimentos. Os três últimos faziam parte do grupo de controle do Banco Garantia e participam da Macal como pessoas físicas. ( O Globo, 30/07/1998). 144 BRASILVEÍCULOS-A Brasilveículos era uma empresa administrada pela companhia de seguros Sul América e pelo Banco do Brasil. A empresa é resultante da cisão da antiga seguradora que o Banco do Brasil controlava, mas mantinha inativa. A seguradora integra ainda o grupo de empresas Brasilseguridade, composto ainda por Brasilsaúde, Brasilcap e Brasilprev. A Sul América tem o controle do capital votante, mas o Banco do Brasil vende seguros e dirige todo o grupo (O Globo, 30/07/1998)

119

Telefónica de España na comparação do número de empregados por terminal instalado: 4,55 contra os 4,35 da Telefónica. (O Globo, 30/07/1998). Com base nestas declarações, pode-se concluir que a situação, se analisada empresa a empresa, ao invés de uma média nacional, não era tão ruim quanto se argumentava no início do processo de privatização. Carlos Jereissati, presidente do Grupo LaFonte, foi designado presidente do Conselho de Administração da Tele Norte Leste. Em uma de suas primeiras declarações à imprensa, ele afirmou que a vitória do grupo representava a valorização do empresariado nacional: “Este consórcio representa a fé nos brasileiros. É hora de acreditar e fazer renascer o capitalismo brasileiro, a indústria nacional de equipamentos de telecomunicações e valorizar a nossa mão-de-obra”. No entanto, Jereissati não detalhou os planos imediatos para as 16 companhias, mas admitiu que algumas demissões seriam inevitáveis. “Hoje essas operadoras empregam 37 mil pessoas” e segundo ele a McKinsey já havia proposto qual seria um número ideal de empregados, porém Jereissati não revelou este número. Ele afirmava que “haverá um enxugamento mais cedo ou mais tarde, não há dúvida. Mas na massa geral, a manutenção dos empregos será quase estável e o número de empregos indiretos que serão criados é enorme”. Jereissati argumentava que pelo fato da TELEMAR englobar 16 empresas estaduais, os executivos seriam os mais afetados com os cortes, pois haveria um número excessivo de executivos no mesmo cargo, porém ele também afirmava que os atuais funcionários da empresa seriam valorizados, sendo que os novos dirigentes da Tele Norte Leste seriam escolhidos no corpo das empresas TELEBAHIA, TELEMIG e TELECEARÁ. A respeito da TELERJ, Jereissati foi lacônico: “A TELERJ é a maior fonte de preocupação do nosso grupo, do Governo e do público em geral” (O Globo, 31/07/1998).

2.11 – TELERJ: a empresa e a situação pré-privatização Até a privatização a TELERJ era uma empresa de economia mista, de capital aberto, concessionária de serviço público de telecomunicações no Estado do Rio de Janeiro, atendendo a 81 municípios. Suas atividades básicas eram a exploração do serviço

120

telefônico local e intra-estadual, o serviço móvel celular145 e o serviço de transmissão de dados. A empresa era considerada, de acordo com as Normas Operacionais do BNDES, uma empresa de grande porte, possuindo um patrimônio líquido de R$2,94 bilhões146 e R$1,66 bilhão de faturamento anual. Em 31 de dezembro de 1996, operava 1.842.920 terminais convencionais, tendo apresentado um crescimento de 5,6% em relação ao ano anterior147 e 174.000 acessos celulares, com crescimento de 45% em relação a 1995. Em 1997, apresentou um novo crescimento de 11,4 % fechando o ano com 2,105 milhões de terminais fixos instalados. Em relação à base instalada do setor, a TELERJ detinha 11,2% dos terminais convencionais e 5,5% dos celulares. A TELEBRÁS era controladora de 82,15% do seu capital. A TELERJ ocupava em 1996 o segundo lugar no ranking geral por faturamento148 mas somente o oitavo lugar em atendimento ao mercado. A revista Exame-500 Maiores e Melhores/97149 classificou a TELERJ como a primeira empresa do Estado do Rio de Janeiro em crescimento de vendas.

2.11.1 - Indicadores de desempenho Até a 1996, a TELERJ apresentava o mais baixo de índice de digitalização da rede150 com 34,19% quando a média do setor era de 57,2%. O Gráfico III apresenta alguns indicadores tanto técnicos quanto econômico-financeiros comparando-os com os do setor. Ao analisar o Gráfico III percebe-se um problema grave, pois a taxa de congestionamento da rede era altíssima, em torno de 20%. Fato este que se que se refletia brutalmente na qualidade do serviço. O custo operacional do terminal telefônico da TELERJ, também, estava 16% acima da média do setor. 145

O serviço móvel celular foi separado em janeiro de 1998, sendo constituída a Telerj Celular Os principais bens de uma empresa de telefonia são: equipamentos de transmissão (inclusive planta externa e linhas tronco),equipamentos de mesa e equipamentos de comutação. Os terrenos e edificações das empresas compreendem principalmente centrais de comutação telefônica e outros bens técnicos, administrativos e propriedades comerciais. As centrais de comutação incluem centrais de comutação locais, “de transferência”, que fazem a ligação entre as locais e as instalações de transmissão de longa distância, e as centrais “paralelas”, que conectam as centrais locais entre si e com as centrais “de transferência”. 147 1.744.632 terminais convencionais e 120.000 celulares em 1995. Fonte : (BNDES, 1997) 148 A primeira empresa de Telefonia fixa do ranking era a Telesp que explorava os serviços em São Paulo (BNDES,1997) 149 Apud BNDES, Cadernos Infra-Estrutura edição especial 1997 150 É um indicador de grau de modernização da rede 146

121

Gráfico III- Indicadores de desempenho Receita operacional Custo Teledensidade Teledensidade Tráfego/Terminal Taxa de Retorno s Patrim. bruta p/ terminal operacional/terminal convencional celular local pulsos congestionamento % Líquido (R$) (R$) TELERJ 13,84 1,31 5.754 20,72% 2,40% 913,00 339,00 SETOR 10,49 2,01 4.620 8,92% 10,70% 847,00 291,00

16,00 13,84 14,00 913,00

12,00

847,00

10,49

10,00 8,00 Série1

6,00

Série2 339,00

4,00

291,00

1,31

2,00

2,01

0,00 Teledensidade convencional

Teledensidade celular

TELERJ SETOR

Receita operacional bruta p/ Custo operacional/terminal terminal (R$) (R$)

Fonte: BNDES, 1997

Um funcionário da empresa por mais de 27 anos, que exerceu cargos de diretor financeiro e presidente, argumentou que os custos da TELERJ eram altos, inclusive, devido ao grande número de empregados: Fora isso, todos os projetos eram caros. Porque ela tinha, também, esse excesso de pessoal, até na área técnica. Então, por um problema contábil, toda essa mão de obra técnica ela rateava em cima dos projetos. Desde a década de 1980, a TELERJ conseguia ter quase o dobro de pessoas na área técnica, de implantação, do que a Telesp. Isso realmente era um grande problema. O custo de terminal integrado151, no Rio de Janeiro era o mais alto em todo sistema TELEBRÁS. Outros indicadores corroboram a opinião do ex-presidente, como por exemplo, a receita bruta operacional por empregado era de R$139,99 mil/ano em 1996, contra a média do setor que era de R$171,5 mil. É importante notar que em 1996, este indicador apresentou uma melhora de 50% em relação ao ano anterior, sobretudo devido à redução 151

Indicador de serviço da Telebrás

122

de pessoal ocorrida em 1995, ao realinhamento tarifário e à melhoria da planta. Com relação à redução de pessoal, pode-se ter uma idéia mais acurada incluindo-se na análise um outro indicador, relativo ao número de empregados por 1000 terminais instalados. Este indicador sofreu reduções significativas entre 1994 e 1996, tendo passado de 7,84 para 5,89. No entanto, este valor ainda estava muito acima da média do setor, que era de 4,29 empregados por 1000 terminais. Ao compara-se a TELERJ com outras duas empresas do sistema TELEBRÁS, TELESP e TELEMIG, constata-se que efetivamente a situação era desfavorável à TELERJ, pois a Telesp apresentava 3,94 empregados/1000 terminais e a TELEMIG 4,44 empregados/1000 terminais. A partir 1995, quando o setor começou a ser preparado para a venda , o tráfego telefônico no Brasil apresentou um crescimento razoável e consistente. Entretanto, a TELERJ apresentou uma evolução muito tímida, sobretudo com relação ao serviço interurbano. Para ter-se uma idéia dos volumes, a TELERJ era responsável por 14,45% de todo o tráfego local do sistema TELEBRÁS, mas por somente 5,93% do tráfego interurbano. Este fato pode ser explicado pela alta taxa de congestionamento apresentada pela rede da TELERJ.

No entanto, o baixo desempenho, também, pode estar

relacionado, como afirma um ex-presidente, com a própria situação do Estado do Rio de Janeiro e sua perda de participação no mercado brasileiro. Ainda de acordo com o expresidente, outros indicadores de desempenho, sobretudo aqueles referentes ao segmento de negócios (comércio, indústrias e bancos) eram baixos: O Estado do Rio que começou a minguar, e além de estar minguando, nosso interior sempre foi muito pobre. Você pega o interior do Rio e compara com três cidades de São Paulo: Campinas, Ribeirão Preto e Bauru. Só estas três ocupam todo interior do Estado do Rio de Janeiro. Esse esvaziamento dificultou realmente e explica o pouco recurso que a TELERJ arrecadava no faturamento, porque o próprio interurbano dela era fraco, era muito pequeno. Então, isso dificultou o seu crescimento. O número de terminais de negócio, também era baixíssimo. Quando você ia fazer análise, por exemplo, de mesas PABX, os indicadores eram baixíssimos. No entanto, onde se gerava mais receita era justamente nos terminais de negócios, nas grandes mesas. Mesmo no residencial, todos nossos indicadores de receita eram baixos (Fred Padilha, ex-presidente). O economista Carlos Lessa (2000) confirma esta percepção de esvaziamento do Estado do Rio de Janeiro desde a mudança da capital, sobretudo na década de 1980. Esta

123

diminuição da atividade econômica no Rio tem um reflexo direto nas empresas prestadoras de serviços de infra-estrutura, pois estas têm seus serviços mais lucrativos, justamente, associados ao setor de negócios e, sobretudo ao de grandes negócios como os do segmento financeiro. A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em vez de atrair indústrias, perdeu importantes unidades industriais. Nos anos 80, ficou visível o fracasso da retomada de industrialização do Rio de Janeiro. Além da clássica abulia agropecuária fluminense e das frustrações industrializastes, ganhou-se consciência do anacronismo do porto do Rio, superado por Santos e perdendo cargas para Vitória. O papel clássico de pólo comercial do Rio havia sido estruturalmente superado. A concentração de riquezas atraiu para São Paulo o alto comando das redes privadas de bancos e operações do mercado financeiro. O Rio de Janeiro tem perdido posição relativa no PIB brasileiro Esta participação que foi da ordem de 16,1% em 1970 caiu para 11,5% em 1990. (Lessa, 2001:351) Como visto no Capítulo I, os recursos da TELEBRÁS para expansão e melhoria da rede foram sendo reduzidos ao longo de 15 anos. Além disso, a TELERJ recebeu durante este período, proporcionalmente, menos recursos que outras operadoras. Levando-se em consideração o número de terminais em serviço e a idade da rede (equipamentos mais antigos requerem mais recursos para sua manutenção), constata-se que a TELERJ no período 1980-1993 recebeu, com freqüência, menos recursos que a TELESP, a TELEMIG e a TELEBAHIA. A tabela XII ilustra esta situação. Tabela XII Evolução dos investimentos do sistema Telebras e das principais operadoras 1980-93 Indice de investimento das operadoras Investimentos Número Embratel Telesp Telerj Telemig (R$ milhões)

Anos 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

2.740,90 3.091,00 3.505,40 2.693,30 2.487,10 2.711,50 3.264,30 3.547,80 3.691,00 4.483,80 3.041,60 4.845,80 5.130,00 4.622,60

100 113 128 98 91 99 119 129 135 164 111 177 187 169

100 97 134 114 112 101 115 98 119 168 153 199 215 201

100 163 172 130 117 125 149 161 139 217 95 301 272 227

100 82 97 80 71 81 70 98 141 181 157 177 158 149

100 87 116 83 86 115 146 169 163 177 122 163 307 267

Telebahia 100 102 114 72 79 78 92 111 122 192 168 201 228 164

Fonte: Secretaria de controle das estatais -SEST apud Dalmazo(2000:51-52) Nota: Valores deflacionados pelo IGP_DI,base dez/96=100

124

A escassez de recursos foi frequentemente creditada ao fato de a oposição ao governo federal terem se sucedido à frente do governo fluminense na década de 1980. Seja qual for a razão, nos primeiros cinco anos da década de 1990 a média anual de investimentos da TELERJ ficou em US$ 250 milhões. O dinheiro seria insuficiente até mesmo para manter em funcionamento a rede instalada de 1,6 milhão de linhas.152 Já com vistas à privatização, os investimentos começaram a serem feitos a partir de 1996, mas somente em 1997 é que os equipamentos antigos começaram a ser substituídos. A TELERJ possuía em 1996, ainda em funcionamento, equipamentos com mais de 60 anos de uso, como era o caso das centrais rotativas belgas Rotary 7A2. Com capacidade para dez mil assinantes e funcionando desde 1936, estas centrais eram responsáveis por receber e transferir impulsos telefônicos. No entanto, desde a década de 1970 não havia mais peça de reposição. No dizer de um responsável pela manutenção deste tipo de equipamento, o desempenho era muito ruim: “Se 200 assinantes ligassem ao mesmo tempo, 180 ouviam ruído” (Extra, 28/07/1998, Primeiro Caderno: 10). Às vésperas da privatização, as centrais Rotary foram substituídas por centrais digitais CPA, permitindo em vez de 1.960 chamadas simultâneas por cabo metálico, cerca de 34.600 num cabo de fibra ótica e, em vez de dez mil, cem mil assinantes por central. Estes, entre outros problemas, fizeram da TELERJ a maldição dos cariocas.

2.11.2 - As críticas ao desempenho A TELERJ era o principal alvo das críticas dos leitores que costumam recorrer às colunas de defesa do consumidor nos jornais do Rio. A empresa, desde os primeiros meses do primeiro governo Fernando Henrique, foi o alvo principal das críticas da mídia e do ministro. A ineficiência da empresa corroborava os argumentos de que o controle estatal era maléfico para a produtividade das empresas de serviços públicos, confirmando a necessidade urgente de privatização do sistema TELEBRÁS. Em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, em março de 1995 o ministro Sérgio Motta classificou a TELERJ como "calamidade" e defendeu seu fechamento puro e simples. De patinho feio do Sistema TELEBRÁS, a TELERJ além de ser o primo pobre, 152

Flávia Oliveira, O Globo 31/05/1998, Economia,/ Primeiro Caderno, p. 48

125

passou a ser mal vista por parte dos clientes, que no extremo a classificavam, na página de protesto pela qualidade dos serviços prestados “Eu odeio a TELERJ”, como uma empresa incompetente, ineficiente, irresponsável e que tratava os problemas com descaso153. No entanto, no dia 7 de fevereiro de 1995, em visita ao governador do Rio de Janeiro, Marcelo Alencar, o ministro Motta anunciou a liberação de R$l,7bilhão de reais da União para as telecomunicações no Rio. O ministro chegou a dizer que a TELERJ era a segunda vergonha nacional depois da miséria e que por isso investiria R$ 4 bilhões até 1998 (O Globo, 31/05/1998, Economia: 49).

Desse total, R$300 milhões seriam

destinados a recuperar e ampliar os sistemas da TELERJ. Um mês depois desse anúncio, o governo baixou o Decreto N º. 1410, que efetuava um corte profundo no orçamento das estatais. Com o corte, o novo limite passou a ser de R$168 milhões e como já haviam sido contratados cerca de R151 milhões de reais, restaram pouco mais de R$ 16 milhões para novos investimentos (Interativa: março 1995). A situação financeira da empresa também não era boa apresentando uma rentabilidade abaixo da obtida pelo sistema TELEBRÁS (5,14% contra a média de 13,29% do setor em 1996), bem como um endividamento oneroso154 de 23,4%, bem acima da média do setor que era de 10,5%155. A questão das tarifas era um ponto nevrálgico no setor, sendo a principal fonte de recursos do Sistema TELEBRÁS - e da TELERJ, portanto. A defasagem das tarifas até 1995 chegou a causar um problema muito grave para a empresa, pois como sua rede era antiga, seus custos de manutenção eram altos e 70% dos terminais telefônicos instalados não cobriam o seu custo de manutenção (Interativa, maio/junho 1995). A conta média dos assinantes em 1996, após a elevação das tarifas, era de R$ 67,77. Visando reduzir os custos com pessoal, a TELERJ instituiu um Plano de Demissão Incentivada em 1996. Somado a este plano ocorreram ações do governo, mas, sobretudo boatos, de fim da multa de 40% sobre o FGTS em caso de demissão, assim ao longo de dois anos foram desligados da empresa perto de 2.000 empregados. A TELERJ 153

Atributos nomeados à empresa no site “Eu odeio a Telerj referentes aos anos de 1997/1998 www.pagebuilder.com.br/odeioatelerj acesso em 02/03/2006 154 Endividamento oneroso (curto e longo prazo)/patrimônio líquido 155 Fonte: BNDES- Perfil das Operadoras vol II, 1997

126

passou de 13.324 empregados para 11.876 em 1996 e 11.097 em dezembro de 1997156. A Tabela XIII mostra a divisão por função ao longo dos anos de preparação para a privatização Tabela XIII N ú m e ro d e e m p re g a d o s p o r a tiv id a d e s d e g e rê n c ia e o p e ra ç õ e s A tiv id a d e d e z /9 5 d e z /9 6 d e z /9 7 R e d u ç ã o G e rê n c ia O p e ra ç õ e s T o ta l d e e m p re g a d o s

1 .3 3 6 1 1 .9 8 8

1 .3 9 0 1 0 .4 8 6

1 .0 6 9 1 0 .0 2 8

1 9 ,9 9 % 1 6 ,3 5 %

1 3 .3 2 4

1 1 .8 7 6

1 1 .0 9 7

1 6 ,7 1 %

O b s: N a a tiv id a d e d e g e rê n c ia f o ra m c o n sid e ra d o s to d o s o s o c u p a n te s d e f u n ç ã o c o m issio n a d a e x c e to se c re tá ria s In c lu íd o s e m p re g a d o s n a á re a d e te le f o n ia c e lu la r (9 6 e 9 7 ), u m a v e z q u e a c isã o fix a X c e lu la r o c o rre u e m 3 1 /0 1 /1 9 9 8 F o n te : R e s p o s ta s a o s in v e s tid o re s . D a d o s d o d a ta ro o m T e le b ra s 1998

Algumas ações da empresa, que estavam dando resultado, foram classificadas pelo ministro como errôneas. O caso do aluguel de telefones ilustra a situação. O aluguel de telefones estava sendo praticado pela empresa no intuito de diminuir as queixas com relação ao custo do autofinanciamento, além de conter o crescimento do mercado paralelo. Outras ações, como no dizer de uma especialista em terceirização da TELERJ, começavam acertando, mas ao serem expandidas sem critério acabavam por potencializar os problemas existentes. A modalidade contratual teve efeito reverso157 e a TELERJ disparou em número de reclamações no Procon, atingindo o primeiro lugar com 1.977 reclamações em 1997. 2.11.3 - Transformação TELERJ 158 O ano de 1996 representou o início de uma nova fase, voltada à preparação para a privatização e ao enfrentamento da concorrência, prevista inicialmente na telefonia celular e, após a venda, também na telefonia fixa. O professor da Unicamp, especialista em telecomunicações e tecnologia da informação, Márcio Wohlers (1998) afirma ser a 156

Fonte: Resposta aos investidores-Data room Telebrás 1998 A Telerj efetuou uma contrato de instalação de terminais e expandiu a mesma modalidade contratual para a contratação de serviços de manutenção. Uum dos efeitos negativos do processo foi a queda na taxa de atendimento de reparações de defeitos que caiu de 90,24 em 1995 para 62,54 em 1996 BNDES, Perfil das Operadoras Vol II- 1997 158 Transformação Telerj foi o nome dado pela empresa à nova estratégia de negócios em 1996. 157

127

recuperação da capacidade de financiamento das operadoras o principal indutor da elevação dos investimentos da TELEBRÁS. A forte elevação tarifária, ocorrida a partir do final de 1995, e a alta rentabilidade da telefonia celular, em menor grau, contribuíram para o aumento dos investimentos. Os ganhos de escala, advindos com a expansão da rede e contenção de custos, também contribuíram para tornar o cenário mais favorável. O investimento global aumentou em valor absoluto, assim como seus principais componentes (telefonia convencional e celular). Em 1996, o investimento total aumentou 51% em relação a 1995. O crescimento do valor investido na telefonia celular foi superior ao efetuado na telefonia fixa, sendo respectivamente de 88% e 52%. Wohlers (1998: 51)159 enfatiza a alocação de recursos para a TELERJ nos anos de 1996 e 1997 e a redução para outras operadoras como uma forma de compensar a histórica defasagem de investimento, que se refletiam na baixa capacidade de modernização e ampliação da planta da operadora do Rio de Janeiro. A TELERJ, durante o ano de 1996160, instalou novas linhas convencionais e de celulares. Mas, entretanto, ocorreu um descompasso entre a instalação e a modernização da planta, o que acabou por aumentando o congestionamento do sistema e sendo alvo de mais críticas. No caso da telefonia celular, o problema teve repercussão ainda maior, sendo preciso suspender as novas habilitações que estavam programadas. Isso porque as habilitações estavam bem superiores à ampliação da capacidade do sistema. Apesar desses percalços, 1996 foi o ano em que se iniciou a recuperação da companhia, tendo obtido um lucro de R$64,1 bilhões contra um prejuízo de R$111,6 milhões em 1995. Outro ponto relevante para análise da situação da empresa refere-se ao seu quadro de direção, seu planejamento e a execução de seus planos. Com freqüência, o corpo diretor era imposto por critérios político-partidários. Raros eram os profissionais da empresa, ou mesmo egressos do sistema TELEBRÁS, que galgavam os postos de direção. Os profissionais deste segmento configuravam-se como um grupo à parte, de rápida passagem por tal posição, sem possuir um passado em comum com os demais

159

Investimento e privatização das telecomunicações no Brasil: dois vetores da mesma estratégia disponível www.cepal.org/publicaciones acesso em 02/05/2006 160 Em 1996, foram investidos R$ 958,1 milhões (1995: R$252,9 milhões ), aplicados na implantação de novos terminais convencionais e móveis celulares, recuperação da qualidade dos serviços, modernização e ampliação da planta básica. (BNDES , 1997)

128

empregados. Desse modo, as ações de planejamento, de direcionamento ficavam truncadas pela falta de continuidade na execução.

2.11.4 - A TELERJ na mídia Além das dificuldades operacionais e financeiras, a TELERJ conviveu com forte pressão veiculada pela mídia, que ressaltava a baixa qualidade dos serviços prestados pela estatal à população, sendo as críticas exacerbadas nos meses que antecederam ao leilão. Assim, a mídia reforçava os aspectos negativos, difundindo uma idéia de maus serviços entre a população. Mesmo os moradores de áreas que não conviviam com os problemas de centrais e equipamentos antigos, que já possuíam telefone e não sofriam com interrupções, atestavam os maus serviços prestados pela companhia não em função da realidade vivida, mas da imagem percebida. Na percepção dos usuários, ou pelo menos, daquela passada e reforçada pela mídia, a TELERJ era a pior prestadora de serviços do mundo, tanto que era a única a ter um site “Eu odeio a TELERJ”. Enfocando esta percepção, foi efetuada pela autora uma pesquisa no jornal O Globo nos dois anos que precederam à privatização. As matérias versavam sempre sobre os maus serviços prestados. Estas matérias não se limitavam à seção de defesa do consumidor, estando distribuídas nas mais diversas editorias, desde a de economia até a de panorama político. Ao longo do período (1995-1998), as telecomunicações foram tema até de cadernos especiais. As matérias veiculadas, além de reforçar a necessidade de privatização de todo o Sistema TELEBRÁS, frisavam que a TELERJ era uma calamidade e que nenhum investimento feito pelo governo poderia salvá-la. Posteriormente, já às vésperas do leilão de venda, passou a pesar sobre ela a pecha de poder ser a responsável pelo desinteresse dos compradores na Tele Norte Leste. A seguir, é apresentado um apanhado de matérias veiculadas na imprensa no período. A AMEAÇA À RIO-2004 161 Marcello Alencar falou sobre a importância de o Rio sediar as Olímpiadas de 2004. Mas o governador também falou sobre problemas do estado, inclusive com o ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Um dos temas do encontro com Motta foi exatamente a TELERJ, cujo sistema de telecomunicações foi alvo de críticas do próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) no relatório que elaborou sobre a cidade do Rio. 161

O Rio candidatou-se a hospedar as Olímpiadas d e 20041.

129

O sonho de os serviços melhorarem veio no ano passado, quando a TELERJ anunciou que iria investir cerca de R$ 1 bilhão, o que significava mais do que o triplo em relação aos cerca de R$ 300 milhões anuais que vinham sendo investidos. O ano de 1996 passou, a empresa investiu cerca de R$ 900 milhões e, apesar de tantas promessas feitas, pouca coisa melhorou (O Globo, 26 / 02/1997). Apesar dos investimentos em 1996, o sistema telefônico da cidade continua caótico(...). O mais grave é que os serviços que funcionavam, ainda que precariamente, pioraram (O Globo 31/05/1997). A TELERJ NA BERLINDA: Cansados das promessas não cumpridas pela estatal, assinantes dizem que é difícil acreditar na empresa (2ª edição) Revolta e indignação entre usuários da TELERJ. (O Globo,31/05/1998,31/05/1998) INSPEÇÃO NA PIOR TELEFÔNICA DO PAÍS (O Globo, 04/06/1998:33) Do ex-ministro Francisco Dornelles, dando sua fórmula para o presidente Fernando Henrique Cardoso melhorar imediatamente a popularidade no Rio de Janeiro: Basta anunciar a demissão sumária do presidente da TELERJ e de toda a diretoria que Fernando Henrique sobe dez pontos nas pesquisas. Tratase, sem dúvida, da companhia telefônica mais incompetente e inoperante do país” (Faria,T, O GLOBO , 08/06/1998:2). DE PIONEIRA DA TELEFONIA NO PAÍS, TELERJ VIROU UM MARTÍRIO PARA SEUS USUÁRIOS. Quem precisa de telefone reclama de prazos não cumpridos, péssimo atendimento e falta de soluções. Linhas cruzadas, mudas, transferidas por engano. Quando o assunto é problema, a TELERJ tem de tudo. O Procon que o diga. No ano passado, a telefônica reinou absoluta no ranking de reclamações do órgão de defesa do consumidor (O Globo, 09/06/1998:2). “O edital do leilão do sistema TELEBRÁS saiu caprichado. ... Certamente esta é uma das áreas em que a população mais anseia pela desestatização. Com exceção dos atuais funcionários das companhias que estão à venda, deve-se contar nos dedos quem seja contra, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a venda da TELERJ ou da Telesp para grupos nacionais ou estrangeiros. (George Vidor, O Globo,15/06/1998:22) O caso típico do regime vigente na gestão das telecomunicações, antes da criação da TELEBRÁS, foi o da antecessora da TELERJ em ineficiência, a Companhia Telefônica Brasileira, a histórica CTB (O Globo, 09/07/1998:33).162

162

As caixas altas correspondem às manchetes dos jornais. Os negritos são da autora.

130

Pouquíssimas são as matérias em que um representante da empresa é ouvido. Mesmo assim, o tom dado à entrevista é de certo descrédito com relação às ações que estavam sendo executadas. Desde 95 estamos investindo para melhorar os serviços. A maior parte das obras já foi feita, e daqui a dois ou, no máximo, três meses, teremos um serviço entre razoável e bom - garante Danilo Lobo, presidente da TELERJ... “Mas, enquanto todas as melhorias não vêm a via-crucis dos usuários continua. Os casos vão do hilário ao absurdo.”Em outras vezes, é atribuída à empresa a responsabilidade pelo falta de respostas, como uma espécie de omissão, de pouco caso com os clientes. “Procurada pelo GLOBO, a TELERJ não quis falar sobre o assunto, alegando que não tinha concluído ainda, seu programa de obras para este ano. (Barbieri, O Globo, 26/02/1997:12) As privatizações das empresas de telecomunicações com sede no Rio de Janeiro eram apresentadas como um benefício para o Rio, não só pela possibilidade de solução dos problemas pelo aporte de investimentos que os novos donos fariam, mas como se o estado do Rio de Janeiro fosse de algum modo usufruir dos recursos obtidos com a privatização. O próprio governador Marcello Alencar declarou que “as próximas privatizações da banda B e das operadoras TELERJ e EMBRATEL, somadas aos investimentos em curso, ultrapassarão US$ 18 bilhões até o ano 2003 (O Globo, 28/05/1998,10). Em síntese, o desempenho da TELERJ era afetado por problemas tanto de ordem técnica e quanto administrativa, dentre os quais se destacavam a desatualização da estrutura de suporte para os entroncamentos, o que dificultava a instalação de novos terminais telefônicos, o baixo índice de qualidade da planta instalada, contratos de planos de expansão e solicitações de mudança de endereço com prazos vencidos, endividamento elevado, descrédito perante a opinião pública. Embora no período 1996-1998, a TELERJ tenha obtido recursos para sua expansão e efetuado investimento da ordem de R$4 bilhões163, o resultado não pôde ser percebido pela população, pois a expansão dos serviços de infra-estrutura de telecomunicações em uma planta tão antiga demandou certo tempo para conclusão, devido a diversos fatores, tais como: a) os processos de compra eram demorados, pois 163

Jornal da Telerj janeiro/fevereiro 1998

131

deviam obedecer à Lei nº. 8.666164; b) os prazos de entrega dos fornecedores eram longos; c) a necessidade de treinamento de pessoal terceirizado para execução da expansão; d) em face da precariedade do treinamento o índice de erros na execução das tarefas era alto, o que acarretava muito re-trabalho e consequentemente alongava o tempo de execução; e) a instalação de novos terminais sem que o processo fosse antecedido pela modernização da rede aumentou os problemas de congestionamento. No entanto, a partir do início de 1998, a situação começou a ser regularizada, sobretudo em função do aumento do percentual de digitalização da rede. Na visão de Fred Padilha(ex-presidente TELERJ- 1992) houve um excesso de otimismo na execução do plano de recuperação, pois não era factível a recuperação da empresa no tempo desejado pelo ministro. O responsável técnico pelos projetos, no caso o vice-presidente, não foi capaz de sinalizar esta impossibilidade ao ministro. Assim, foi criada uma expectativa de recuperação que não era factível dentro prazo previsto, ou seja, até a privatização. Era previsível que uma empresa, cuja média de investimentos era da ordem de R$250 milhões/ano, tivesse dificuldades para executar um orçamento de R$4 bilhões em dois anos. A TELERJ, que passou integrar a holding Tele Norte Leste a partir da cisão da TELEBRÁS, tendo firmado firmou com a ANATEL, em junho de 1998, o contrato de concessão PBOG/SPB N.º 021 e 055/98 . Este contrato determinava que a TELERJ passasse a atuar sob regime público, sendo portanto obrigada a cumprir o Plano Geral de Outorgas e o Plano de Metas para Universalização, atuando na sua área de concessão que abrangia todos os municípios do Rio de Janeiro. A data de término do referido contrato era 31 de dezembro de 2005, podendo o mesmo ser prorrogado, com ônus para a concessionária, por um período de 20 anos (TELERJ,1999). A privatização, em 28 de julho de 1998, pegou a empresa ainda mal vista pela população, sobretudo em função do serviço de reparos, que continuava precário, sobretudo devido à baixa qualificação técnica das empresas terceirizadas. As metas de 164

A Constituição de 1988 equiparou as empresas estatais à administração pública tanto com relação às contratações de bens e serviços, com a exigência de processos licitatórios, assim como na gestão de recursos humanos, com limitações salariais e exigência de concurso público para provisionamento de cargos. A Lei 8.666/93 dispõe sobre a compra de bens e serviços, impondo uma série de passos para a execução de uma licitação (com a publicação de edital, abertura pública das propostas, com possibilidade de recurso etc.), o que torna complicada qualquer operação de compra.

132

atendimento impostas pelo novo contrato constituíram o maior desafio para a empresa. Os problemas da TELERJ celular, como a falta de telefones e de cobertura, continuavam sendo creditados à antiga empresa-mãe, que na verdade desde janeiro de 1998 só operava os serviços de telefonia fixa e de interurbano intra-regional.

133

Capítulo 3 – Narrativas do velho e do novo mundo do trabalho A seguir, são apresentadas as contribuições teóricas utilizadas para a análise do processo de privatização sob a ótica dos trabalhadores da antiga TELERJ, atual TELEMAR-Rio. Foram extraídos dessas contribuições, conceitos, idéias, reflexões que permitissem não apenas descrever o processo, mas também, a partir deles, identificar a repercussão que as mudanças do mundo do trabalho tiveram sobre a vida e a visão de mundo destes trabalhadores. O estudo deste pequeno fato, desta pequena amostra, pode ser considerado como representativo de uma nova realidade do mundo do trabalho, que não é particular deste segmento, nem sequer do Brasil, mas sim que se apresenta em todo o mundo, variando somente na intensidade, na velocidade e, sobretudo, na agressividade com que se instaura.

3. 1 - As transformações no mundo do trabalho A categoria trabalho se constitui, ainda hoje, num campo privilegiado para a compreensão das transformações no mundo, em particular da vida cotidiana e das formas de sociabilidade. O mundo do trabalho permite à “classe-que-vive-do-trabalho”165 a construção de identidades, de subjetividades e de representações que configuram a sua forma de pensar e agir no mundo social. Sob o ponto de vista sociológico, Émile Durkheim foi o primeiro autor a trabalhar com a categoria de representações sociais. Na concepção durkheimiana, é a sociedade que pensa. Tomando-se este sentido, as representações circulam pelo mundo e pelas mentes e nem sempre são conscientes do ponto de vista individual. Como assinala Castel (1998), ao fazer a genealogia da sociedade salarial, a vida cheia de incerteza que se havia instaurado com a ruptura dos sólidos laços no advento da Revolução Industrial, foi sendo alterada ao longo das primeiras décadas do século XX. Em termos práticos, após a Segunda Guerra, período em que o Estado de Bem-Estar se 165

Antunes define a classe-que vive do trabalho como sendo uma noção ampliada, abrangente e contemporânea de classe trabalhadora hoje. A classe-que-vive-do-trabalho,deve incorporar aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, como o enorme leque de trabalhadores precarizados, terceirizados, part time. (XXVIII ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS)

134

difunde e consolida (Welfare State), a incerteza do início do processo da sociedade salarial foi superada, sendo então estabelecida uma idéia de uma comunhão de longo prazo entre trabalhadores e empresas. Além da garantia de sobrevivência, o trabalho passou a significar, para os trabalhadores da era do Estado do Bem-Estar, inclusão e perspectiva de satisfação das suas necessidades. Sob o aspecto da subjetividade, esta configuração implicou no “enraizamento” do trabalhador na ética do trabalho. Desta forma, as novas normas comportamentais e de atitude perante o trabalho tornaram possível uma nova atribuição de significação ao trabalho e ao trabalhador nas sociedades capitalistas avançadas. Assim, o trabalho passa a ser o “sentido da vida” e, para o trabalhador instruído, assume a possibilidade de enriquecimento futuro, superando o problema da simples sobrevivência. No Brasil, a industrialização só pôde, finalmente, deslanchar, a partir de 1930 com o governo Vargas.

A industrialização brasileira apresentava então um corte

fortemente estatal e de feição nacionalista. Posteriormente, na década de 1950, com Juscelino Kubitschek (1955-1961) o padrão de acumulação industrial deu seu segundo salto. A partir do golpe de 1964, se acelerou fortemente a industrialização no Brasil, baseada, sobretudo, numa política industrial e no planejamento estatais, tendo o Estado assumido claramente o papel de empresário através de empresas estatais. Como assinala Francisco Oliveira (2003:60), a empresa estatal, qualquer que seja, como que antecipa uma espécie de Estado de Bem Estar para seus funcionários e trabalhadores. Além da própria previdência social, criada pelo Governo Vargas, na década de 1940, a quase totalidade das empresas estatais destinava fundos próprios para planos de seguridade, os chamados planos de pensão, por elas patrocinados e que vieram a se transformar nos grandes investidores no mercado de capitais brasileiro. Os direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – tais como risco de insalubridade e de periculosidade, sobreaviso, auxílio refeição e creche – tão freqüentemente desrespeitados por grande parcela das empresas nacionais – eram fielmente cumpridos pelas empresas estatais. As empresas proviam também assistência médica complementar e, através dos fundos por ela patrocinados, suplemento de auxíliodoença e empréstimos. As empresas estatais praticavam uma espécie de estabilidade “consentida”. Assim, os vínculos estabelecidos com os trabalhadores por estas empresas,

135

que tinham um traço público na sua formação, na sua trajetória, eram fortes. O nacionalismo também era valor trabalhado no interior desta empresas, como conseqüência, os trabalhadores não sentiam a empresa como um inimigo. As greves não eram feitas contra medidas opressivas tomadas pela empresa, mas por melhorias salariais e sobretudo de benéficos. Ocorreram até mesmo greves políticas em defesa “das conquistas nacionais”. De fato, a combinação de estabilidade consentida, garantia de aposentadoria tranqüila, nacionalismo e direitos trabalhistas respeitados moldou corações e mentes do mundo produtivo estatal. A partir das chamadas crises do petróleo na década de 1970, mas, sobretudo, em função da recessão mundial provocada pela sobrevalorização do dólar e pelo aumento que já vinha ocorrendo da inflação, começou a configurar-se um quadro de turbulência muito intensa. Deste modo, foi preciso que fossem criados novos mecanismos e formas de acumulação, em resposta ao quadro crítico que se havia configurado na sociedade capitalista ocidental. O keynesianismo, expressão máxima de intervenção, nos marcos do capitalismo, do Estado nas relações econômicas e sociais, entrou em crise.Generalizou-se a idéia de que o Estado de Bem-Estar-Social havia engendrado o aumento do gasto público, além de ter permitido uma pressão das classes trabalhadoras na manutenção dos direitos sociais. Buscou-se, a partir daí, um novo modelo de Estado, reduzido em seu tamanho e em sua política intervencionista, assegurando apenas uma política de “ordenamento institucional”, caracterizada pela garantia da livre concorrência e o livre jogo do mercado, intensificando-se, assim, o processo de “financeirização” da economia. Essa transformação foi fortemente estimulada pelas vitórias eleitorais de Margareth Thatcher (1979-1990), na Inglaterra, e Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos, quando um novo receituário se mostrou para o mundo contemporâneo: o receituário neoliberal e seu ideário de Estado mínimo. O neoliberalismo preconizava o jogo do livre mercado e a completa liberdade da lei da oferta e da procura. Na verdade, era propalado que o Estado deveria parar de opor restrições ao capital, defendendo direitos e leis sociais, deveria deixar de estimular processos de oligopolização e suspender investimentos em pesquisa e desenvolvimento em setores de tecnologia de ponta. Dentro deste receituário, teve início a privatização de

136

empresas estatais, seguida de uma desregulamentação da economia. A Inglaterra foi, até certo ponto, o grande laboratório do experimento neoliberal, seguida de perto pelos Estados Unidos, com Ronald Reagan. Aos poucos, esse ideário tornou-se dominante, e em alguns casos foi colocado, principalmente, para os países da América Latina, como a única alternativa capaz de tirá-los da profunda crise financeira em que viviam. Na década de 1980, no fim da ditadura militar e durante o período Sarney, o Brasil ainda se encontrava relativamente distante do processo de reestruturação produtiva do capital e do projeto neoliberal, já em curso acelerado nos países capitalistas centrais. No entanto, a nossa particularidade também começou, mesmo que de modo lento, a ser afetada pelos novos traços universais de mudança no sistema produtivo mundial e na nova divisão do trabalho. Foi, então, durante a década de 1980 que ocorreram os primeiros impulsos do nosso processo de reestruturação produtiva, levando as empresas a adotarem, mesmo que de modo restrito, os novos padrões de organização interna das empresas e a adoção de novas tecnologias, além de novas formas de organização social do trabalho. Foi, entretanto, nos anos 1990 que a reestruturação produtiva do capital desenvolveu-se intensamente em nosso país, através da implantação de novos receituários como do processo de qualidade total, e dos sistemas just-in-time e kanban, das formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho. Constata-se no Brasil, a partir do final da década de 1980, o começo de um processo de descentralização produtiva, caracterizada pelas transferências de plantas industriais, sob a alegação da concorrência internacional. Assim, tem início um movimento de mudanças geográfico-espaciais e de redução das plantas industriais, buscando níveis mais baixos para remuneração da força de trabalho e vantagens fiscais. O processo de abertura da economia e de privatização, dentro dos preceitos do neoliberalismo, teve início no governo de Fernando Collor (1990-1992), intensificou-se nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). As conseqüências deste processo são tão intensas, no Brasil, que segundo estudiosos têm afirmado, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) mudou de mãos, em função do processo de privatização. (Antunes, 2002:70) Na escala mundial, outros eventos de grande envergadura ocorreram nas últimas décadas do século passado, como o fim do bloco soviético, simbolizado pela queda do

137

mundo de Berlim em 1989. A simultaneidade destes acontecimentos acabou provocando mudanças muito fortes para os trabalhadores em todo o planeta. O mundo do trabalho transmudou-se e embora as causas apontadas para a corrosão da sociedade salarial sejam várias, o ponto de partida desta mudança pode ser representado pelo fracasso da greve dos mineiros de carvão, na Grã-Bretanha em 1984, e a conseqüente consolidação do projeto neoliberal da primeira-ministra. O similar brasileiro da greve dos mineiros ingleses foi a greve dos petroleiros em 1995. Como assinala o jornal francês Le Monde (06/06/1995), o fracasso da greve dos petroleiros sinalizava o fim de uma época no Brasil. Comparando a vitória do governo Fernando Henrique à vitória de Thatcher e à implantação de um projeto de cunho neoliberal, o jornal francês afirmou: “A via estará assim aberta para todos os projetos presidenciais de filosofia neoliberal. A próxima etapa poderá ser o abandono do monopólio das telecomunicações”. Desde a década de 1990, as empresas dos mais diversos segmentos têm intensificado o processo de reestruturação produtiva, através das inovações tecnológicas e da introdução de mudanças organizacionais, reduzindo quadros próprios, efetuando forte subcontratação e terceirização da força de trabalho, ampliando a rede de empresas fornecedoras, além de reduzir os níveis hierárquicos e alterar os processos de progressão salarial, substituindo-os por uma política de concessão de prêmios de produtividade e pela implantação do conceito de remuneração variável. Assim, no final do século XX, iniciou-se um movimento de dissolução de todos os laços surgidos com o advento da sociedade salarial. É importante ressaltar que parcelas imensas, se não a maioria da população mundial, nunca se beneficiaram da sociedade salarial do pós-guerra, tendo sobrevivido através de trabalhos precários, de baixíssima remuneração e, muitas vezes, em condições insalubres. No entanto, o foco aqui tratado refere-se às categorias que estavam inseridas nesta configuração de sociedade de bemestar e em especial às suas trajetórias e modos de sobreviver à incerteza e ao risco Essa nova configuração do mundo do trabalho – caracterizada pelo retorno da incerteza e pela substituição da mentalidade do longo prazo por outra de curto, às vezes curtíssimo prazo – transformou também a vida das pessoas, seus valores e seus relacionamentos. O status do emprego muda, torna-se “flexível”. Com as novas

138

tecnologias da microeletrônica e da informação, as empresas tendem a adicionar ao seu domínio cada vez mais certeza, enquanto que, para os trabalhadores, aumenta a incerteza e a sensação de insegurança num mundo onde a nova palavra de ordem é exatamente flexibilidade. Para o trabalhador, a flexibilidade pode vir a significar precarização, subcontratação, terceirização, contratos por tempo determinado e desemprego. Esta mudança é mais significativa para as camadas médias dos trabalhadores urbanos, aqueles que tinham logrado obter empregos com carteira assinada e certos benefícios. Assim, tem início para esses trabalhadores uma nova era: a do trabalho sob quaisquer condições. Este processo ocorreu em quase todos os segmentos industriais e de serviços e o setor de telecomunicações, após a privatização, oferece um exemplo importante desse processo. A passagem do controle acionário do Estado para o capital privado, assim como a mudança da configuração do setor de monopólio para concorrência, impactou fortemente seu processo de reestruturação. Os trabalhadores em telecomunicações foram diretamente atingidos pelas mudanças nos processos e rotinas de trabalho, fundamentadas e impulsionadas, principalmente, pela tecnologia da informação, pela microeletrônica e pelas mutações organizacionais induzidas por novos processos de gestão.

3.2 - Da estabilidade à desfiliação No

caso

específico

desta

pesquisa,

centrada

em

uma

empresa

de

telecomunicações no Rio de Janeiro, a CTB/TELERJ/TeLEMAR-Rio, os ex-empregados ouvidos acreditavam que sua permanência na empresa era vista por ela como uma garantia de estabilidade organizacional, pois haviam adquirido um conhecimento específico dos processos e técnicas da companhia que eram difíceis de serem obtidos no mercado. Além de um contrato de trabalho por tempo indeterminado assinado, existia um outro tipo de contrato, um “contrato psicológico” entre empregado e empresa, no qual a lealdade e o envolvimento eram trocados por estabilidade e oportunidades de desenvolvimento. Estes trabalhadores possuíam elevada identificação emocional com a empresa, bem como compartilhavam de suas crenças e valores A questão posta por Castel (1998) sobre o processo de passagem de uma zona de trabalho estável, com compromissos de longo prazo, para uma nova configuração, em que estão presentes novas formas de relacionamento, que privilegiam um lado negativo do individualismo e a

139

precarização do trabalho, serve de base de apoio às outras contribuições teóricas escolhidas. Castel (1998) introduz o conceito de que o percurso profissional passaria por zonas desde a estabilidade até a desfiliação. Segundo este autor, a desfiliação tem origem no processo de desligamento em relação ao trabalho e à inserção social, com a passagem da zona de integração (trabalho estável e forte inserção relacional), para a zona de vulnerabilidade (trabalho precário e fragilidade dos apoios relacionais) e finalmente zona de desfiliação (ausência de trabalho e isolamento relacional). Diz ele: Assim, a associação trabalho estável - inserção relacional sólida caracteriza uma área de integração. Inversamente, a ausência de participação em qualquer atividade produtiva e o isolamento relacional conjugam seus efeitos negativos para produzir a exclusão, ou melhor, como vou tentar demonstrar, a desfiliação. A vulnerabilidade social é uma zona intermediária, instável, que conjuga a precariedade do trabalho e a fragilidade dos suportes de proximidade (Castel, 1998: 24). A partir das entrevistas verificou-se que, atualmente, a precariedade seria uma etapa num percurso profissional que foi alterado com a privatização, que provocou o rompimento do contrato de longo prazo até então vigente entre a TELEMAR-Rio e o entrevistado. Mas, na verdade, ela pode se tornar um estado permanente. Podemos depreender dos testemunhos que um número crescente de pessoas passa de projeto em projeto, de ocupação provisória em ocupação provisória, entrecortados por períodos mais ou menos longos de desemprego. Pode-se, então, verificar certa constância da precariedade. No caso brasileiro, esta precariedade pode estar vinculada à condição de autônomo, mas, sobretudo, à nova condição de micro empresário, sem empresa, o empregado de si mesmo, o PJ166. Assim, a precariedade – ou seja, a inexistência quer do vínculo empregatício quer da obrigatoriedade de obediência à CLT – seria não mais uma situação temporária, mas sim uma condição permanente na nova organização do trabalho. Esta constituição paradoxal da permanência da precariedade se deve ao fato que não existe propriamente um desemprego, entendendo-se desemprego como uma privação de emprego, mas existem trabalhos episódicos, ao sabor das contingências do ambiente econômico. As explicações dadas para esta situação utilizam o argumento de que “assim 166

Pessoa Jurídica

140

são os mercados”. Deste modo, o capitalismo em seu estágio atual seria incapaz de gerar empregos suficientes, haveria um déficit de empregos estáveis sob a proteção de leis trabalhistas, inclusive nos países desenvolvidos. Estaria ocorrendo uma subversão da noção de emprego, que estaria sendo contornado, desestabilizado e sofrendo a concorrência de formas cada vez mais numerosas de organização do trabalho atípicas. Na verdade, o contrato por tempo indeterminado e a carteira de trabalho é que correm o risco de tornarem-se atípicos.

3.3 - O fim do emprego Jeremy Rikfin discute a questão do fim do emprego tendo por base o déficit na geração de empregos e mesmo de trabalho. Rifkin (1995) atribui a radical mudança no número e na qualidade dos empregos disponíveis aos efeitos da tecnologia. Ele coloca um elemento novo na antiga discussão dos economistas sobre as razões do desemprego na economia na era industrial. A questão era se o desemprego apresentava-se como conseqüência de uma fraca adaptação da qualificação e aptidões do trabalhador às necessidades, sendo assim considerado estrutural, ou se era resultado de uma falta geral de demanda. Rifkin (1995), analisando a sociedade pós-industrial, imputa à introdução de novas tecnologias a responsabilidade principal pelo desemprego. As máquinas e, sobretudo, os novos sistemas de informação estariam substituindo os trabalhadores em todos os setores. Essa afirmação seria verdadeira até mesmo para os setores de telecomunicações e de tecnologia de informação, não estando estes segmentos a salvo da ação do desemprego tecnológico. Fazendo um paralelo com o passado, onde os novos setores de atividades criados absorviam a mão-de-obra liberada com advento da industrialização, ele argumenta que novos setores, como o do conhecimento, seriam incapazes de absorver os grandes contingentes de força de trabalho liberados pela introdução da robotização e de outros processos de automação. Nem mesmo a procura de novos mercados seria uma solução de médio prazo, pois o desemprego tecnológico ocorreria em todos os países quase que simultaneamente, afetando desta maneira parcelas significativas de suas populações e, conseqüentemente, seu poder de consumo. Ainda de acordo com Rifkin (1995), a atual

141

revolução tecnológica acarretou uma liberação massiva de mão-de-obra levando a um declínio sistemático e inevitável dos empregos: A Era da Informação chegou. Nos próximos anos, novas e mais sofisticadas tecnologias de software aproximarão cada vez mais a civilização de um mundo praticamente sem trabalhadores! (Rifkin, 1994: xvii). Existiria, no entender desse autor, uma “classe douta”, perfeitamente adaptada à esta sociedade de novas tecnologias, e a dos “empregados”, cujo emprego é ameaçado fortemente pela automatização galopante das suas tarefas. No entanto, esta classe douta pode também, ao longo de sua vida, sofrer muitos revezes em função da absorção de novas tecnologias, podendo ser também colocada fora do mercado. Mesmo os programas para readaptação e re-treinamento estariam fadados ao insucesso, pois não haveria como treinar trabalhadores sem qualificação ou com baixa qualificação para assumirem postos de trabalho avançados. No entanto, até mesmo alguns destes postos de trabalho avançados também estariam em risco em função de outros processos de automação, como, por exemplo, aqueles baseados em redes neurais e inteligência artificial. Para Rifkin, flexibilidade e capacidade de adaptação são qualidades já requeridas, mas que deveriam ganhar ainda mais importância em proveito de uma autonomia do trabalhador. A velocidade requerida nas respostas e nas adaptações necessárias aos trabalhadores para atenderem às demandas do mercado faria com que o conteúdo de seu trabalho fosse afetado e por decorrência suas atitudes e suas interações. Esta é a questão tratada por Richard Sennet.

3.4 - A corrosão do caráter Sennet utiliza o conceito de “corrosão do caráter” para trabalhar com as questões da flexibilização, readaptação e velocidade de resposta e sua influência na vida da classeque-trabalha. Para ele, o termo “caráter” (1999: 10) é o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, estando associado a uma noção de longo prazo e à experiência emocional dos atores. Ele argumenta que o ambiente moderno, com ênfase na flexibilidade e nos trabalhos de curto prazo, impede que sejam criados vínculos entre os empregados e deles com a organização. Para o autor,

142

O termo caráter concentra-se no aspecto de longo prazo de nossa experiência emocional. É expresso pela lealdade e compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro (...) Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem. Segundo Sennett (1999), as exigências de flexibilidade na atuação do trabalhador e a fugacidade das relações de trabalho contribuem para enfraquecer valores como o compromisso, a confiança e lealdade, fundamentais para a consolidação do caráter humano. Na sua visão, a decadência desses valores seria um reflexo do desaparecimento das relações de longo prazo no trabalho e estaria se reproduzindo na vida diária. A reinvenção diária da empresa e a flexibilização tornaram-se uma regra de mercado na qual o que interessa é o retorno de curto prazo para os acionistas. As novas análises constantes de seu recente livro A cultura do novo capitalismo (2005) ajudam a esclarecer como as coisas se passam no mundo das grandes empresas e o seu reflexo para o trabalhador. Algumas análises feitas por Sennet vêm ao encontro das narrativas dos entrevistados, tais como: as empresas valorizam menos habilidades e mais capacidade de adaptação, trabalho ficou mais informal e volumoso, as novas estruturas de recompensa são pouco transparentes, confusas e instáveis, o empregado tem menos liberdade para trabalhar, ele é livre para mudar de emprego. O sucesso é quando o trabalhador consegue manter seu emprego e tem sucesso quem pode e consegue migrar física e intelectualmente. A questão da perícia, um elemento muito valorizado por técnicos e engenheiros, equivale, no conceito introduzido por Sennet, à habilidade desenvolvida ao longo do tempo em resolver problemas e desempenhar com perfeição a sua função. A perícia não é mais valorizada; o que é valorizado é a capacidade de aprender rápida e superficialmente. Segundo ele, isso levaria a um novo “modo de vida superficial”. Outro item tratado por Sennet e que encontra eco nas narrativas dos entrevistados refere-se ao tempo flexível. Na verdade, o tempo não se tornou flexível dentro das empresas: o horário convencional “8 às 17h” ou “9 às 18h” foi substituído pelo “tenho

143

horário para entrar, mas não para sair”. A questão relativa à ética individual do trabalho foi de várias formas, repetida pelos entrevistados dentro da mesma ótica utilizada por Sennet. Para ele, o atualmente tão estimulado trabalho em equipe não é necessariamente sinônimo de trabalho partilhado e de criação de vínculos de solidariedade.

Há história, mas não a narrativa partilhada de dificuldade, e, portanto tampouco destino partilhado. Nessas condições o caráter se corrói; a pergunta “Quem precisa de mim?” não tem resposta imediata. (Sennet, 1999). Em um mercado de poucos ganhadores e em que o “vencedor leva tudo”, as pessoas vêem-se obrigadas a se superarem diariamente, mesmo sem saber qual será o destino no dia seguinte. Neste jogo de alto risco, para o trabalhador de meia-idade – entenda-se meia-idade no mercado brasileiro como aqueles trabalhadores com mais de 40 anos – a aposta é muito alta, pois a sua moeda, a experiência, não tem valor neste jogo.

3.5 - Liofilização A liofilização – conceito trazido por Ricardo Antunes (1999: 52) da química, e que consiste num processo de secagem a frio que preserva as características do produto – é extremamente útil para análise dos processos de enxugamento que vêm ocorrendo nas empresas, pois estas, mesmo dispensando grandes contingentes de trabalhadores, aparentemente mantêm as suas funções principais conservadas. No intuito de ampliar a lucratividade e a produtividade, as empresas têm buscado de várias formas minimizarem o custo do trabalho e maximizar a produtividade, o que as tem levado a terceirizar e mesmo “quarteirizar” um número crescente de atividades. Isso explicaria em parte como, apesar da redução de pessoal, as empresas conseguem preservar as suas principais atividades. A liofilização organizacional nas antigas empresas pertencentes à TELEBRÁS, apoiada nas novas tecnologias da informação, na implementação de programas de unificação e na reestruturação organizacional, sobretudo de cunho mercadológico, vem, desde a privatização, reduzindo a estrutura administrativa e os quadros funcionais das empresas.

144

A partir do final dos anos 1990, paralelamente à privatização das empresas de telecomunicações, ocorre no Brasil, acompanhando um movimento mundial, uma proliferação dos call centers das empresas de telemarketing, que dão suporte ao trabalho de vendas, sobretudo ao setor bancário. As empresas de telefonia fixa surgem, então, como as provedoras com maior poder de competição neste segmento. Um exemplo extremamente relevante neste processo de liofilização é o da TELEMAR, que procedeu no período 1998-2000 à unificação de 16 empresas, implantou sistemas de informação de última geração, como ERP167, e procedeu à mudança rápida de tecnologia, tendo logrado digitalizar quase que integralmente a sua planta. Como conseqüência foram desativados ou bastante reduzidos os grandes centros de computação, fechadas lojas de atendimento, terceirizados serviços de manutenção da rede, repassados os serviços de atendimento e informações aos call centers. Visando adequar sua força de trabalho às modalidades atuais de seu processo produtivo, a empresa passou a exigir uma aparente “nova qualificação”, um novo perfil, sobretudo uma redução de faixa etária para os trabalhadores/as da empresa. Sua filosofia está expressa em seu site institucional, no qual fica claro que a concorrência é o grande direcionador das ações: De olho no futuro e atenta às constantes transformações do mercado, a TELEMAR concentra seus esforços nas pessoas que farão a Empresa alcançar suas metas e ser cada vez mais competitiva no setor Telecomunicações. (...) Com o suporte de uma Equipe bem ajustada aos valores da Empresa e voltada para o mercado, a TELEMAR acredita que, através das pessoas, poderá superar a concorrência construindo uma Empresa vencedora. A TELEMAR se posiciona como uma das mais bem sucedidas dentre as operadoras de serviços de telecomunicações, tendo crescido e logrado antecipar as metas estabelecidas pela ANATEL, o que possibilitou a sua entrada em novos mercados como a telefonia móvel e os serviços de longa distância e internacionais.168 Atualmente, a

167

Enterprise resource planning- sistemas de gestão de empresas envolvendo módulos de controle de materias, contabilidade, finanças, cadeia de logística e recursos humanos. 168 A TELEMAR possui Concessão de Telefonia Fixa, Licença para Móvel (GSM) e Autorização para prestação de serviços de longa distância nacional e internacional e serviço de dados(Apresentação Corporativa Agosto- 2005 –em www.telemar.com.br acesso em 03/03/2006)

145

TELEMAR estabelece-se como uma empresa integrada de telecom com 15 milhões de linhas fixas em serviço, 8,1 milhões de assinantes na telefonia móvel, 600 mil assinantes ADSL, cobrindo uma área correspondente a 65% do território brasileiro, 41% do PIB e a 99 milhões de habitantes (mais de 20 milhões de domicílios). Tem uma posição de liderança em serviços locais, longa distância, móvel e banda larga na Região I (sua área de concessão), sendo também um forte competidor de serviços corporativos e de dados. Seu valor de mercado é de aproximadamente US$6,3 bilhões. Apresentou-se em 2005 como a número 1 no Ibovespa (TNLP4), movimentando em média aproximadamente US$45 milhões/dia e possui alta liquidez na Bolsa de Nova Iorque (NYSE -TNE), com uma movimentação média de US$ 24 milhões/dia.169 A TELEMAR apresenta pequena variação entre os controladores iniciais170, mantendo-se sob o controle de capital nacional, sem possuir uma operadora entre seus controladores. Segundo informações da empresa aos seus acionistas, as quatro principais linhas de negócio da Companhia combinam forte geração de caixa com novas oportunidades de crescimento. Enquanto a empresa crescia, o número de empregados próprios era drasticamente reduzido de 31.928 mil em julho de 1998171, mês da privatização, para 6.698 no terceiro trimestre de 2005, perfazendo uma redução de 79% do quadro de pessoal próprio. No entanto, o número de operadores em call center expandiu-se, ficando na casa dos 32.000 em 2005172. Estes últimos estão alocados na CONTAX, empresa de Contact Center, criada em 2001 e que em 2005 tornou-se uma empresa distinta da TELEMAR173. O número de

169

Idem 1 A Inepar retirou-se do grupo controlador. A composição em 2005 era: BNDESPAR: 25,0% Fiago: 19,9% (Previ/Telos/Funcef/Petros/SISTEL) AG Tel./Asseca/Lexpart/LFTEL: 41,1% (10,275% cada) Brasil Cap/Brasil Veículos: 10,0% (5,0% cada) Fundação Atlântico: 4,0% (Fundo de Pensão do Empregados)

170

171

Total de empregados das 16 empresas vieram a compor a TELEMAR. A partir de 2000 quando termina a unificação das empresas não foram encontrados dados sobre cada empresa só pela holding. Deste modo, a comparação está sendo feita no nível da empresa holding. 172 Correspondente a 16.500 posições de atendimento. As posições de atendimento tiveram crescimento médio anual de 49%, em linha com o aumento de receitas líquidas (58%) e da base de clientes. A Contax tinha no final de 2004 mais de 30 clientes, incluindo grandes bancos, serviços públicos, seguradoras, tv a cabo, telecom, varejo e uma receita líquida de R$413 milhões. 173 O processo de Spin-off foi aprovado em novembro de 2004 e foi concluído em março de 2005.

146

empregados da OI, a operadora de telefonia móvel da TELEMAR, que chegou a ter 1.200 empregados próprios em 2004, foi reduzido para 971 no segundo trimestre de 2005.174 Com a reestruturação organizacional, o aporte de novas tecnologias e a imensa redução do quadro próprio, o indicador de receita bruta por empregado cresceu de R$ 288 mil/ano em 1998 para R$ 1.453 em 2002.175A redução do número de empregados não se deveu unicamente à incorporação de novas tecnologias que, por si só, seriam grandes redutoras de mão-de-obra. Há que se considerar também o processo de terceirização. Não se encontram disponíveis os números relativos aos terceiros176, pois muitas vezes eles não são contabilizados como mão-de-obra e sim em projetos turn-key ou como horas de consultoria, etc. No entanto, alguns elementos são fortes indicadores do grau de terceirização instaurado, pois houve um aumento percentual no item relativo a despesas com terceiros de 25% para 35% ao longo dos últimos anos.

3.6 – Referências complementares Um dos interesses do projeto era investigar como os valores dos criadores do sistema TELEBRÁS (integração nacional, segurança, desenvolvimento de tecnologia nacional), durante o regime militar, foram compartilhados pelos empregados e como estes valores influenciaram as relações e o ambiente de trabalho. E como – e se – estes valores foram substituídos. Após as entrevistas, em função dos valores expressos por alguns entrevistados, foi necessária a busca de referenciais teóricos complementares que ajudassem a dar conta da análise destes elementos. Foram então incorporadas as análises de Max Weber sobre as burocracias e das características de reprodução da estrutura de hierarquia e comandos militares177. De John Kenneth Galbraith(1967), foram trazidas as análises das

174

Dados de pessoal obtidos no relatório Consolidado de 2003, disponível em www.telemar.com.br, os dados relativos aos anos de 2004 e 2005 foram obtidos no site especializado www.teleco.com.br em 01/06/2006 apud press release TELEMAR. 175 Idem 10 176 Existe Sumula do TST (331) referente à proibição de uso de mão de obra terceirizado como permanente. O uso só é permitido para trabalhos temporários e para os de segurança e limpeza. Deste modo, o uso de mão de obra terceirizada para a atividade fim seria ilegal. 177 Burocracia e liderança política in Os Pensadores XXXVII (1974)

147

corporações industriais do pós-guerra, seus valores e os comportamentos de seus dirigentes e de seus quadros178. A TELEMAR-Rio179 é herdeira direta da TELERJ, empresa criada durante o regime militar e que teve entre seus dirigentes vários militares. A TELERJ, por sua vez, é herdeira direta da CTB, subsidiária de um grande conglomerado de base canadense, que operou por mais de 50 anos os serviços de infra-estrutura no Rio de Janeiro, desde bondes, passando pelo gás, telefones e energia elétrica. Assim, a CTB reproduzia o grande modelo das corporações multinacionais. De acordo com Weber (1974), a gestão burocrática evidenciava os seguintes princípios: a legalidade das normas; a formalidade dos procedimentos; a racionalidade na divisão do trabalho; as rotinas e os procedimentos estandardizados; competência técnica e por fim a completa previsibilidade de funcionamento. Deste modo, a eficiência, a precisão, a continuidade, a unidade e estrita subordinação eram os pilares em que se assentavam as grandes organizações burocráticas. Uma organização burocrática, na medida em que é um sistema social racional, é uma organização técnica e, por conseguinte deve ser administrada por técnicos. Essa visão da necessidade de uma tecnoburocracia é muito valorizada e estimulada durante os governos militares. Estes valores de eficiência técnica foram claramente passados para os empregados do sistema TELEBRÁS, que se orgulhavam de seu alto nível técnico e lamentavam a interferência política na gestão do setor e, sobretudo, na das empresas. No caso da TELEMAR-Rio a proficiência dos técnicos da empresa era, segundo os entrevistados, reconhecida e respeitada dentro do antigo sistema TELEBRÁS. Os relatos sugerem que a engenharia era a profissão-chave e o conhecimento técnico a principal virtude. A missão, assim como a definição das atividades, estava imbuída do ethos militar e a da cultura da profissão de engenharia. O pioneirismo e o nacionalismo eram valores da cultura organizacional. Era conferida forte ênfase à conformidade às normas, disciplina, concentração de autoridade e grande distância hierárquica, sobretudo no que tange à relação entre direção da empresa e as áreas 178

O Novo Estado Industrial (1967) Em abril de 1999 a Telerj para fins internos e de divulgação adotou a marca fantasia TELEMAR-Rio. No entanto, a Telecomunicações do Rio de Janeiro foi mantida e a ela agregadas as outras empresas do grupo. 179

148

operacionais. Esses elementos, quando combinados a um processo decisório racional e parcialmente meritocrático, correspondem a uma mentalidade tecnocrática, refletindo uma visão tecnocrática e burocrática. Os consumidores de serviços de comunicações eram considerados usuários, muito mais que clientes. Como a posição era monopolista era oferecida uma pequena gama de serviços. De Galbraith (1967) foram trazidos os conceitos de grande empresa no período pós-guerra, antes dos choques do petróleo, ou seja, na vigência plena do Welfare State. Galbraith afirmava que a antiga economia de mercado, que governava os interesses capitalistas, vinha sendo continuamente substituída pelo que ele cunhou de “Novo Estado Industrial”. Neste estágio do capitalismo, os compromissos de longo prazo eram bem vistos e o individualismo, tão cultuado na América, era substituído por uma sociedade cooperativa. Assim ele explica ocaso do empresário clássico: Num grau surpreendente, os homens de negócio americanos e os que escrevem sobre este assunto pararam de interpretar nossa sociedade cooperativa como individualista e de esconder nossa busca de segurança por palavras como “competição” (....) A interdependência é reconhecida. Como em todas as organizações, há uma compaixão protetora pelo homem por causa de seus infortúnios, temperamentos, inadequação (...) A vida dos executivos, longe de ser competitiva ou perigosa, é altamente segura.(Gabraith,1967: 104) Ele continua abordando um tema muito relevante que é a estabilidade no emprego. De uma pesquisa com 308 executivos, 265 continuaram na mesma firma até a aposentadoria ou morte, 13 se demitiram antes da aposentadoria, neles incluídos os que o fizeram por empregos melhores. Apenas cinco perderam emprego por que a companhia fracassou ou foram demitidos. Portanto, a busca de segurança e certa aversão ao risco não foram sempre valores a serem banidos, na verdade já foram cultuados.180 Quarenta anos depois, o quadro é totalmente diferente.

180

A Carteira , pelos lançamentos que recebe, configura a história de uma vida. Quem a examinar, logo verá se o portador (...) andou de fábrica em fábrica como uma abelha, ou permaneceu no mesmo estabelecimento, subindo a escala profissional. Pode ser um padrão de honra. Pode ser uma advertência.. (Alexandre Marcondes Filho) in Carteira de Trabalho década de 1970.

149

3.7 - Fontes utilizadas A metodologia de base deste trabalho foi a análise qualitativa, ancorando-se nos referenciais da História Oral. As entrevistas de história oral podem ser utilizadas para entendimento sob o ponto de vista histórico de um personagem, grupo ou uma organização, assim como de acontecimentos e conjunturas que o entrevistado vivenciou na qualidade de ator ou testemunha. Escrever a história do presente através do relato dos participantes é, pois, acreditar que a própria trajetória dos indivíduos pode ser utilizada como uma rica fonte de pesquisa. Verena Alberti (2004) resume as possibilidades da história oral para um pesquisador no tripé método-fonte-técnica. Este método de pesquisa vem trazer àquele que escreve a história a voz dos próprios atores. Assim, a escrita deixa de ser unicamente um discurso construído pelo historiador, uma vez que as fontes são uma criação do entrevistado e do entrevistador. Com relação à importância da preparação do entrevistador, Alberti (2004) assinala que este ocupa uma posição crucial na “criação do concebido sobre o vivido”. Assim, é de extrema relevância a questão pesquisador/sujeitos pesquisados, por exigir um processo contínuo de vigilância, a fim de evitar vieses interpretativos. No caso específico, como a autora compartilha com os entrevistados a condição de ex-empregado, este esforço foi ainda maior, pois foi extremamente difícil rememorar fatos e não deixar de envolver por emoções, que, por algumas vezes, invadiram os entrevistados. É necessário um cuidado especial ao fazer-se uso de entrevistas de história oral para não cair nas numerosas “armadilhas” inerentes ao método. Tratava-se, com efeito, de não se deixar subjugar ao considerar como verdade plena os testemunhos e sucumbir aos encantos e à subjetividade da memória dos outros. A memória acarreta uma representação seletiva do passado O passado é visto com olhos de hoje do narrador, podendo não corresponder mais à realidade vivida. Consciente de todos os desafios e cuidados que o método-técnica de história oral impõe, o trabalho foi iniciado por um estudo intensivo sobre a história da implantação e desenvolvimento da telefonia na cidade do Rio de Janeiro e no Brasil181, assim como da estrutura e das modificações ocorridas no setor nos últimos 40 anos no país. Esse estudo forneceu os subsídios para a elaboração do roteiro geral de entrevistas, que orientou as 181

Este estudo pautou a elaboração do capítulo I

150

pesquisas específicas necessárias para alguns entrevistados. Assim foi criado um roteiro geral182, utilizado em 15 das 19 entrevistas. Foram adaptados roteiros para quatro entrevistados, a saber: Fred Padilha (ex-diretor e ex- presidente). O roteiro foi adaptado para tratar de assuntos relativos à situação tanto financeira quanto operacional da empresa, uma vez que o depoente exerceu cargos de direção e participou do processo de formatação para venda. Gilberto Palmares (ex-líder sindical e deputado estadual no Rio de Janeiro pelo PT). O foco da entrevista foi a participação do sindicato no processo de resistência à privatização, mas também foram formuladas questões sobre a situação atual do mercado de trabalho em telecomunicações no Rio de Janeiro. Humberto D’Ângelo (antigo empregado, que ingressou em 1955 na CTB e só veio a sair da empresa em 1999, já na TELEMAR). Foram incluídas perguntas relativas à antiga CTB e à SISTEL, além de específicas sobre o processo de fornecimento de informações aos interessados na compra e sobre seu contato com os novos controladores. Suzana Roma (entrou na empresa já privatizada em 2000). O foco da entrevista foi a percepção da entrevistada sobre o ambiente de trabalho, com ênfase na questão do individualismo e das demissões, além dos valores que uma nova geração, dentro da mesma empresa, tinha sobre trabalho. Uma vez contatados os entrevistados, foram elaborados os roteiros individuais, relacionando-se os dados do roteiro geral com os das trajetórias dos depoentes. As entrevistas de história oral foram tomadas como fontes para a compreensão do passado e, ao lado de dos poucos documentos escritos preservados, de artigos de jornais e revistas, constituíram-se na base para a pesquisa. Na seleção dos relatos que compuseram o presente trabalho foi necessário o estabelecimento de alguns padrões e alguns estudos 182

Ver Roteiro básico - Anexo 1

151

mais detalhados da conjuntura da época, além da confrontação entre relatos diversos sobre o mesmo período e a pesquisa das fontes escritas. No entanto, nem tudo foi passível de confirmação. Assim, vale salientar como é importante, ao utilizar-se da fonte oral, terse consciência das suas limitações, assumindo que qualquer memória tem esquecimentos, silêncios, distorções. Os limites da análise referem-se ao próprio escopo da metodologia qualitativa e da própria prática científica das ciências sociais. A escolha do referencial teórico, por exemplo, já impôs além de um marco orientador, uma série de limitações, pois conduz a análises que valorizam mais determinados aspectos da realidade em detrimento de outros.

3.8 – Seleção dos depoentes e preparação das entrevistas O

universo

desta

pesquisa

compreendeu

os

ex-empregados

da

CTB/TELERJ/TELEMAR que passaram pelo processo de privatização, entendido como aquele que vai desde o início da preparação em 1995, até o vencimento do primeiro contrato de concessão em 31 de dezembro de 2005. A fim de dar conta dentro do tempo previsto e dentro do escopo proposto no projeto de qualificação, a amostra de entrevistados foi retirada entre técnicos e profissionais de nível superior que atuaram em diversas áreas da empresa. Ficaram assim de fora desta amostra duas categorias de profissionais extremamente significativas, sobretudo em termos numéricos: as antigas telefonistas e o pessoal de rede externa (Irlas183 e ex-cabistas). Nos dois casos, a exclusão deve-se à profundidade das transformações que aconteceram com nestes segmentos. Os profissionais de rede externa passaram por um processo brutal de terceirização, e o pessoal de atendimento, as extelefonistas mudaram totalmente o escopo de seu serviço, que era de prestação de informações e atendimento, para o segmento de telemarketing. Estas duas categorias, por sua especificidade e pelas mudanças radicais ocorridas nos últimos anos envolvendo, tanto o serviço prestado quanto as formas de prestação, merecem estudos mais aprofundados e específicos, incluindo pesquisas mais abrangentes e de caráter quantitativo. 183

Instalador e reparador de linha de assinante

152

A análise qualitativa ancora a sua escolha de amostra segundo critérios distintos aos da metodologia quantitativa (critério de representatividade estatística), não sendo, portanto, o critério numérico que determina a escolha. A amostragem qualitativa privilegia os sujeitos sociais que detêm os atributos que o pesquisador deseja conhecer. Assim sendo, a escolha é proposital e não aleatória. A narrativa dos entrevistados é reveladora não só de suas vivências particulares, mas, também de condições estruturais e de sistemas de valores. No entanto, é fundamental incluir-se na amostra um número suficiente de depoimentos com o objetivo principal de garantir certa reincidência das informações e perspectivas, viabilizando o exercício interpretativo. Contudo, as informações ímpares não devem ser ignoradas, pois podem ser dotadas de um potencial explicativo considerável. Buscando contemplar a diversidade existente no universo dos ex-empregados da CTB/TELERJ/TELEMAR-Rio, dois critérios básicos foram adotados para composição da amostra: a entrada e a saída da empresa. Foi entrevistado pelo menos um trabalhador que atendesse a cada tipo de critério de entrada e de saída. Os critérios de entrada foram basicamente cronológicos e contemplaram empregados que ingressaram desde a década de 1950, incluindo um empregado vindo de outra empresa do sistema TELEBRÁS e uma trabalhadora da CETEL. Os critérios de saída já foram mais amplos, incluindo saídos desde 1996 até 2005: 1) saída no período pré-privatização (1996-1997); 2) saída incentivada pós-privatização (novembro de 1998); 3) saída no período de transformação 16 em 1 (1999-2000); 4) saída no período de antecipação de metas ( 2000-2001); 5) saídas após a antecipação de metas e a criação da OI (2001-2002); 6) saídas após a consolidação(2003-2005). Outro critério utilizado para seleção da amostra foram as trajetórias profissionais após a saída da empresa (ativos e inativos). Tem-se assim um entrelaçamento de duas dimensões: a cronológica (seqüência de eventos ordenados no tempo, associados aos eventos da história econômica do Brasil e da história das telecomunicações) e a do ponto de vista dos agentes dentro deste enredo. Assim, foi estabelecida uma moldura para o cenário representada pelo conjunto de símbolos e valores compartilhados dentro e em torno da empresa. Foram explorados os relatos sobre os motivos de atração inicial da empresa, os de permanência e o contexto de

153

saída da empresa, bem como as trajetórias de saída e todo o processo de re-inserção, ou não, no mundo do trabalho. Para a montagem da amostra, foram consideradas questões relativas à idade, gênero e grau de instrução que são fundamentais para as percepções e o modo de atuação durante os processos de mudança. As idades dos entrevistados variaram de 70 a 35 anos. O tempo médio de empresa ficou em torno de 25 anos, porém os dos extremos foram: o máximo de 44 anos e o mínimo de 2 anos. Dos entrevistados, 11 eram homens e 7 mulheres, sendo que um casal foi entrevistado aumentando o número total de entrevistados para 19. Um entrevistado não era ex-empregado, mas era líder sindical à época da privatização e, atualmente, ocupa uma vaga de deputado estadual, e tem como principal bandeira a defesa dos trabalhadores, em especial dos trabalhadores em empresas de telecomunicações. Foi a partir da entrevista com este ator, que surgiu a decisão de fazer o recorte metodológico e a proposta para um futuro estudo dos segmentos de telemarketing (ex-telefonistas) e de manutenção da rede externa (ex-cabistas e instaladores). Esta opção se deve à particularidade e a extensão do processo de mudança nestes segmentos Assim, a escolha da amostra privilegiou o segmento técnico e de profissionais de nível superior envolvidos com as áreas de planejamento de rede de telecomunicações, tecnologia da informação, manutenção e suporte internos às redes, recursos humanos e planejamento. O quadro a seguir apresenta os entrevistados e as classificações efetuadas segundo critérios de entrada e saída, assim como a justificativa da escolha de seu nome para compor a amostra. Todos os entrevistados ex-empregados já haviam saído da TELEMAR quando da entrevista. No entanto, foram feitas algumas perguntas relativas à sua situação atual na empresa a três empregados, mas não foram concedidas entrevistas e o material não foi gravado. Esses depoimentos serviram para reforçar os relatos nos pontos relativos ao incômodo causado pela instabilidade do ambiente e pelas demissões sucessivas. Cabe notar que esses três entrevistados estavam em faixa etária mais baixa que a média dos entrevistados (tinham menos de quarenta anos).

154

Quadro IV – Lista de entrevistados Entrevistado

Formação Engenheiro de Telecomunicações

Atividade

Origem

DT

1 emprego

Advogada / técnica treinamento

Diversos- área administrativa

3 Antonio

Engenheiro Telecom

técnico de Ti, Assessor Presidência, Projetos, 1 Telerj a ir para matriz

1 emprego

4 Beatriz

Matemática

Atendimento a cliente, processos, faturamento

1 emprego

Produção (TI)

IBM e ITT Mão de obra d eterceiros absorvida

1 Ailton 2 Angela Nogueira

5 Carlos

0

2 grau

0

Entrada

Saída

1975

2004

0

1976

2002

Faz concurso publico

Se viu forçado a aposentar-se. Viveu o período Itamar na presidência da empresa. Participou 1 grande projeto de unificação e de controle de projetos da matriz. Saiu depois da criação da OI (metas)-

0

1980

2005

Terceirizada- PJ

Idade< 50 - solicitou para sairTransf. OI

1998

Função de adm. e alocação de mão Saiu no PIRC- trajetória de obra em anterior- terceiro absorvido prestadora de serviço

1970

Trabalhou 2 0 2 grau- > formou-se em Diversos vezes(saiu e 6 Carlos Frederico Administraçào já inclusive pr'prio retornou) em 1997 trabalhando na empresa negóciso foi para a celular

7 Fred Padilha

Engenheiro Telecom

PRODERJ

8 Garrone

Ex-militar - Economista

Marinha

9 Gilberto Palmares

Líder sindical Parlamentar

Embratel Contabilidade

Trajetória Justificativa Quarterizado para Demitido 2 vezes Telemar Indicadores, treinamento, nova professora carreira , mas mantinha carreira paralela

CLT IBM Teletrabalho ( adaptação às prestando serviço novas tecnologias) Embratel De Técnico a Presidente, participou da negociação de Diretor TCS e Embratel ADRs em NY à época da privatização. História da Telerj. Diretor TCS Aposentou-se me 1996 (sem PDV) e retonou como Aposentado terceirizado, trabalhou no Telemarketing..

1971

2000

1978

1996

1978

2000

Psicologa

1955

2000

Aposentado

1976

1999

Comerciante

1 emprego

1971

1998

Alguns eventuais trabalhos (site)

Petrobras

1971

1999

aposentado

1977

2000

empresas (restaurante) Professor

1977

2003

1981Cetel

2003

1981

2001

2002

2004

10 Gloria

Engenheira

Proderj

11 Humberto

CTB (CTMG)2 grau-. cursos InternosSISTEL-Telerj- 10 emprego > Admistrador Telemar (matriz)

12 Margareth

Economista

0

1 emprego/estagiária 0

13 Marília

Bibliotecária

14 Murilo

Engenheiro/Economista

Analista de sistemas

15 Paulo Rosário

Técnico-> Economista

Diversos - RH e Área bancária planejamento

16 Regina

0 2 grau- cursos Internos Rede

17 Silvia

Técnica Telecom-> Adm_> inteligância de negócios (2004)

18 Silvio

Técnico centraisCTB- SERPRO Retornado Engenheiro operacional

19 Suzana

Estatística

De tecnica em telecom a Especialista faturamento

DB Marketing

0

1 emprego

0

1 emprego

diversos em grandes empresas sendo a última a Coca Cola

Solicitou saída. Estava em projeto de ponta. Experiência com consultorias Trajetória- Participou do dataroom, negociador com sindicato, gerente de pessoal na matriz esposa Fred Padilha , filha de ex-presidente Embratel

Saída após PIRC- tratamento agressivo na época saída Participou do PIRC e contrataçòes/demissòes posteriores. Indicadores , Telebras

estagiária direito do Rede- CO- representnate trabalhoAssemblé sindical após privatização ia legislativa Terceirizada Egressa da Cetel, PJ diretamente pela prestando serviço Telemar, PJ Telemar e posteriormente CLT na (outsourcing) + Embratel Embratel Trabalha como PJ Iniciou como técnico de numa empresacentrais Penta conta. Foi tem todos os terceirizado em 1999 e direitos é recontratado em 2000 como aposentado empregado. SISTEL Novo perfil - novo profissionalsolicitou saída

155

As entrevistas efetuadas foram do tipo temáticas, semi-estruturadas a partir de um roteiro, cujo fio condutor foi a própria cronologia utilizada nos capítulos 1 e 2. Os entrevistados tiveram acesso a este roteiro no começo da entrevista, antes do início da gravação. A duração média das entrevistas foi de 1h. No total foram cerca de 20h de entrevistas gravadas, transcritas por profissional especializado e revistas pela pesquisadora, a fim de evitar lacunas para ou entendimento equivocados dos depoimentos. Em conversas prévias de apresentação dos objetivos e do roteiro e esclarecimentos de dúvidas, foram gastas outras dez horas. Em função de a entrevistadora ser alguém que conhecia os fatos, algumas vezes os entrevistados partiram deste conhecimento e forneceram seus relatos, o que causou a existência de lacunas que dificultam o entendimento. O mesmo fato ocorre com termos utilizados internamente. Deste modo, para dar mais clareza ao leitor foi necessária a intervenção em alguns relatos fornecendo informações complementares, que haviam sido mencionadas em trechos não utilizados ou eram de conhecimento comum. . Com relação ao tratamento dado às entrevistas, para facilitar a análise, as mesmas foram codificadas e classificadas de acordo com o referencial teórico, os assuntos principais e os temas recorrentes. Assim, foi montada uma história da empresa a partir do relato dos entrevistados sobre os principais eventos Além das entrevistas, no intuito de conhecer melhor a empresa, sua cultura organizacional, seus valores e representações, foi feita uma pesquisa no material digitalizado referente à revista Sino Azul. A publicação começou a ser editada em 1929, na antiga CTB, tendo existido até 1989. A pesquisa foi feita no período 1953 a 1989. O interesse pelo ano de 1953 refere-se a busca de textos sobre o contrato firmado pela Prefeitura do Rio de Janeiro com a empresa, do qual constavam já algumas metas de expansão. A pesquisa para as décadas de 1960 foi feita especificamente com relação a possíveis referências à intervenção ocorrida em 1963 e a posterior aquisição da companhia pelo Governo. A pesquisa foi mais intensa, quase que de volume em volume para a década de 1970, em busca dos sinais da reestruturação e das novas metas. A pesquisa na década de 1980 dividiu-se em dois períodos, até 1985 e de 1985 até o último número, na busca de ter a visão da empresa sobre como ela reagia ao cenário macro-

156

econômico. À parte a motivação inicial da pesquisa, a revista mostrou-se fonte de rica informação sobre não só a empresa, sua estrutura organizacional e seus métodos de trabalho, mas sobre toda uma mudança de comportamentos, de valores e de visões do mundo do trabalho, que caracterizaram os últimos cinqüenta anos. Também foram utilizados como fonte de pesquisa, artigos de jornais do período pré-privatização, com foco especial no período imediatamente anterior ao leilão, nos artigos e cartas de leitores que tratavam especificamente sobre a TELERJ e posteriormente sobre reestruturações e demissões na TELEMAR. Assim, as fontes de pesquisa para os capítulos 3 e 4 foram os relatos, algumas matérias da revista Sino Azul, para ilustrar melhor alguns pontos sobre a empresa e, também, os artigos de jornais para contextualizar o processo de privatização, além do material concernente ao referencial teórico. As análises das entrevistas também conduziram a estudos mais aprofundados sobre alguns temas referenciados pelos entrevistados.

3.9 - Anos de chumbo - Idade de ouro Diferente de outras estatais privatizadas, que foram criadas por decreto como a CSN ou a Vale do Rio Doce, a TELEMAR-Rio tem uma história circular. Empresa particular, crise de investimento em função da contenção de tarifas e das políticas econômicas governamentais, empresa estatizada em meio às reclamações de deficiência no fornecimento de serviços, empresa modernizada e atendendo ao mercado, novamente crise financeira, contenção de tarifa, crise, privatização, reestruturação e expansão. Na década de 1960, por não ter conseguido atender por seus serviços, a CTB gozava de péssimo conceito junto à opinião pública e ao próprio governo. Quando estagiei em 1966, foi logo após a encampação, e aquilo era uma bagunça. Ao ponto que eu fiz um relatório de saída, foi até interessante, foi como eu sentia a CTB na época e como as pessoas com quem eu tive a oportunidade de lidar. Então, achava que se um dia eu quisesse voltar para a CTB, eles não me contratariam (Fred). No período sob controle canadense, os focos principais eram o orçamento e o controle financeiro. A parte operacional era determinada localmente, mas, sobretudo com

157

contratação de serviços externos, sobretudo na parte de planejamento e projetos. A execução de projetos de expansão era habitualmente feita por empreiteiras. A empresa tinha presidente e vice-presidente no Brasil, subordinados a Toronto no Canadá, a parte que mais era ligada à sede no Canadá era a parte financeira, o interesse era o controle do orçamento e os gastos feitos bem em cima do orçamento aprovado pelo Canadá. A parte operacional era , determinada pelas restrições do ambiente aqui do Brasil que era tarifas congeladas, então com pouca expansão operacional. Em Minas Gerais, nós tínhamos a parte operacional do Estado e a parte normativa era no Rio de Janeiro (Humberto). Em 1962, a CTB sofreu intervenção federal sendo o General Jair Dantas Ribeiro nomeado interventor, inaugurando um longo período de dirigentes militares. A empresa embora tenha sido comprada pelo Governo em 1966, somente na década de 1970184 que começa se reestruturar e a contratar profissionais para as novas atividades. Desde a criação da EMBRATEL em 1965, as telecomunicações começaram a se desenvolver e surgiu a necessidade de formação de pessoal especializado no ramo telecomunicações. Até a década de 1960, somente as Forças Armadas possuíam profissionais especializados em comunicações formados localmente. O Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) formaram os primeiros profissionais para o mercado. Posteriormente, nos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a PUC-Rio e a UFF começaram formar os novos profissionais. Sou engenheiro de telecomunicações formado pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Fui para TELERJ em1971, me formei em 1966, então já tinha 4 anos de carreira. Carreira essa, que iniciei em São José dos Campos, quando tive a oportunidade de fazer pós graduação no ITA. Lá comecei a me envolver com processamento de dados, terminei vindo pro Rio, fui trabalhar no CPDERJ, inicialmente, Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro. Na época era em Niterói. Eu fui diretor do CPDERJ e saí de lá na mudança de governo para o Raimundo Padilha. Saí de lá e fui parar no SERPRO(Serviços Federal de Processamento de Dados). Fui depois convidado para ir para a TELERJ( CTB na época). A CTB estava naquela época se reestruturando (Fred).

184

Em 1973 a CTB passa a operar só no estado do Rio de Janeiro e em 1976 ela passou a denominar-se Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro S. A.

158

Eu fiz Engenharia Elétrica na PUC. Naquela época estavam começando as telecomunicações, a partir de 68 é que começou a crescer. Não existia Engenharia de Telecomunicações, fiz Elétrica com especialização em Telecomunicações.Tinha um trabalho de fim de curso que foi sobre planejamento telefônico. Eu tinha que pegar informações junto à TELERJ e foi por causa desse trabalho de fim de curso que eu fiz, eu mais uns colegas. Ao final do curso, o gerente da TELERJ se interessou pelo tipo de trabalho, e me contratou. Foi por acaso, por causa do trabalho de fim de curso. Porque naquela época o pessoal da PUC era da EMBRATEL. A EMBRATEL, todo final de ano chegava e pegava todos os formandos da PUC e levava para a EMBRATEL e a TELERJ pegava o pessoal da Fluminense. Nesse final de 72, a TELERJ chamou primeiro e eu fui (Aílton). Eu fui para a PUC, sempre gostei de física, mas na época eu fiquei um pouco deslumbrado com o Ministério das Comunicações, do Quandt de Oliveira, esse pessoal todo. Acabei fazendo a escolha, o que praticamente quase todo mundo fazia na escola, ia para telecomunicações. Num dia olhando o quadro de avisos eu vi uma inscrição para estágio para TELERJ. Eu e um colega nos inscrevemos e fizemos o estágio. Eu comecei a estagiar em agosto de 74. Fiz um bom estágio e fui aproveitado. Virei empregado em fevereiro de 76. (Antônio) Fiz engenharia civil na PUC me formei em 1968, fiz também economia na UERJ e me formei junto. Aí, a Petrobrás lançou uns concursos que tinham anualmente. Passei e optei por processamento de dados que eu nem sabia bem ainda o que era. Fiz uma pós-graduação interna de nove meses de duração em tempo integral na Petrobrás. Quando nós estávamos em 71, tivemos como notícia de que a antiga CTB estava se reestruturando nessa área de informática, embora esse nome na época não existisse. Começou a contratar pessoas e importou dos EUA o gerente, que era um profissional brasileiro com larga experiência na área e nível de doutorado. A área de processamento de dados da CTB até então utilizava as instalações da ITT, empresa americana que funcionava dentro da própria CTB, lá no Jacaré. Nós nos submetemos a um concurso, o convite nos levou a fazer um concurso, aberto, com anúncio no jornal (Murilo). Com o Decreto Lei Nº. 200/67 – que possibilitou que empresas públicas seguissem regras do setor privado e instituía o poder controlador do Estado pela via do direito privado e da lei da sociedade anônima –, as empresas públicas passaram a ter maior agilidade nas ações, constituindo uma espécie de contraponto aos órgãos públicos e autarquias. Assim, emerge um conjunto de profissionais representa um novo perfil dentro da categoria do serviço público, o do profissionalismo. A CTB passa a proceder pequenos

159

concursos para provimento de cargos, mas essa não era a única forma de entrada haviam convênios com escolas técnicas e estágios. Fiz um concurso [para a CTB], era um concurso de pequeno porte, não era um concurso público, mas era um concurso Fiz processo de seleção através de prova, mas estava no mercado financeiro nessa ocasião, e a vaga que me destinaram era mais para administração de prédio, então fugi um pouco. Aí venceu aquele concurso, eu acabei fazendo um outro, e nesse segundo eu fui chamado para a área comercial (Paulo). Entrei através de concurso, prova escrita, oral, postura185. Fiz a prova, quando completou um ano(...) eles me chamaram e eu fui contratada para o cargo que era de atendente de conserto de ordem comercial (Regina). Entrei por concurso, saiu um edital no jornal e eu fiz prova. Teve prova de inglês, teve de biblioteconomia, acho que foi só... E fui contratada para bibliotecária (Marília). Primeiramente, fiz a escola técnica, na saída da escola técnica eu fiz um curso específico chamado Telefonia PentaConta186, findado esse curso ingressei na CTB. (Sílvio) Eram cinco estagiários em 1978, eu e mais quatro, mas eles não quiseram que os estagiários entrassem sem fazer a prova, apesar de tudo já estar encaminhado. Desses estagiários, só eu e a B. passamos, os outros três não foram aprovados na prova, e aí não foram contratados (Beatriz). Os novos profissionais da CTB estatal inserem-se neste conjunto de transformações e do crescimento da tecnoburocracia estatal, mas ainda são mantidos traços da antiga burocracia da empresa canadense.

Em 1971, a época já era de mudanças, e aquelas pessoas que eram do tempo dos canadenses estavam saindo e foi nesta hora de mudanças que fui parar na CTB. Ainda tinha alguma coisa (do tempo dos canadenses) porque ainda tinha muita gente antiga. Tanto é que nessa época que criaram uma aposentadoria especial para pessoal de nível de superintendência e de cargos altos poderem se aposentar. Até no jargão da área eram usadas muitas palavras em inglês, expressões usadas pelos canadenses, então ainda existia essa influência deles ainda. (Paulo).

185

Das telefonistas à época, além da prova de conhecimentos era cobrado que fossem destras, tivessem boa dicção , uma certa altura mínima e postura compatível com os uso dos equipamentos. 186 O sistema Crossbar do tipo Pentaconta foi utilizado na pela Telerj em substituição às centrais rotativas e antes das centrais CPAs. Em 1997, representava 50% da rede da Telerj.

160

Eu já cheguei em 1971 sob a égide da empresa nova estatal. Mas, havia muita informação sobre como era anteriormente. Eu recebi muita coisa vivida e mostrada da rotina dos canadenses que eram muito válidas. Especialmente influências na área de pessoal, marcas sérias da área de rotinas de trabalho e metodologias para sistematização do trabalho. Eles eram extremamente organizados, extremamente cuidadosos no sentido de que a informação tinha que estar disponível, ainda que você não tivesse lá (para explicar) para que o outro pudesse fazer sua tarefa (Ângela). Para atender ao vulto da expansão imposta pelo Plano de Um Milhão de Telefones, a empresa teve que efetuar alterações tanto em termos quantitativos quanto qualitativos em seu quadro de pessoal, sobretudo na área técnica. Houve uma mudança especial no nível de escolaridade exigido para contratação, passando a empresa a dar prioridade à contratação de pessoal de nível médio e superior. Em 1971 é criado o Plano de Classificação de Cargos e Salários (PCCS), estabelecendo um conjunto de cargos técnicos e administrativos e suas atribuições específicas, alinhados a uma escala salarial com regras de promoção definidas. 187 Na CTB canadense, vários serviços eram prestados por terceiros, sendo a empresa muito dependente destes prestadores. Ela mantinha como pessoal próprio, uma parcela de pessoal administrativo, principalmente na área financeira, os serviços atendimento como via telefonista (interurbano, informações, serviços a cobrar, etc.), além de setores de manutenção e de reparos.

188

O planejamento da rede ficava a cargo de empresas

especializadas, assim como a execução dos projetos

ficavam com as empreiteiras.

Diversos eram os serviços prestados localmente pelos próprios fornecedores de equipamentos. No entanto, com a administração estatal, este quadro foi rapidamente sendo mudado, sendo vários serviços absorvidos como o de processamento de dados, de planejamento de redes é também criado um laboratório controle de qualidade. Assim foram contratados novos profissionais, além serem absorvidos alguns profissionais das prestadoras de serviço e até de fornecedores189. Também sofreram ampliação as áreas administrativas, de oficinas e equipamentos. Em 1970, eu fui contratado pela ITT Data Services para prestar serviços à CTB na implantação do faturamento (Carlos). 187

Este plano sofreu duas reformulações respectivamente em 1982 e 1989. Diversos números 1946 a 1962 189 Fonte: Telerj- PPC 1995 188

161

Até 1973, a parte mesmo importante que é a parte de planejamento de rede se contratava fora, naquela época. A contratada era a ADK que depois virou PROMOM, que comprava na SESA190 os projetos, o detalhamento do planejamento (Aílton). A partir da necessidade de expansão da planta e com a informática nascente começaram a ser implantados os primeiros sistemas, como o de faturamento. Estes sistemas foram comprados e eram operados por fornecedores internacionais. Pouco tempo depois, a empresa optou por internalizar estes sistemas e montar seu próprio CPD, contratando inclusive pessoal dos fornecedores. Eu fiz uma carreira muito colada com a CTB, trabalhando na ITT até 1973 e depois ingressando na própria CTB, como funcionário da CTB (Carlos). A introdução de novas tecnologias foi a marca deste período sendo objetivo não só sua absorção, mas o desenvolvimento de

novas soluções , tanto na área de

processamento de dados, quanto na área de telecomunicações. Na CTB foi implantado o primeiro laboratório de estudos para desenvolvimento da qualidade em telecomunicações. O pessoal técnico teve participação na elaboração de soluções relativas aos planos de sinalização, encaminhamento e numeração para estrutura requerida pela nova rede telefônica nacional integrada por processos automáticos. A CTB estava naquela época se reestruturando, então estava montando não só a parte de empresa como um todo e também acompanhando essa mudança empresarial a criação de um CPD191, que a idéia era inclusive tornar o CPD a nível Brasil em termos da área de telecomunicações. Porque a CTB pegava as quatro maiores empresas, maiores estados em termos de telecomunicações. Era Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo. O resto, realmente, eram pequenas empresas então a idéia era que a CTB desenvolvesse sistemas para distribuir pelo Brasil (Fred). A CTB na época estava fazendo tudo novo, então, na área de informática, então era algo muito motivador. Era tudo bom, a melhor máquina, melhor equipe, as melhores técnicas gerenciais, área de análise de sistemas, maiores desafios, nós rapidamente fizemos cursos pioneiros na área, desenvolvemos sistemas de atualização on line, ninguém tinha. Em 1972, estava desenvolvendo e implantando sistema com terminais remotos 190 191

Standard Electric-SESA, posteriormente adquirida pela francesa Alcatel Centro de Processamento de Dados

162

acessando conta de telefônica na unidade comercial do Maracanã, e atualizando a conta telefônica em casos de reclamação do assinante. Isso era revolucionário. Esse início foi muito bom (Murilo). Esse grupo de Pesquisa Operacional criava modelos, modelos matemáticos para representar o sistema telefônico. Todos aqueles trabalhos que a gente contratava, eles pegavam, “vamos fazer esse troço aqui”, e começaram a desenvolver os modelos, modelos para localização de fios, circuito de junção e entroncamento. Têm várias teses de mestrado que foram feitas por esse grupo na área de telecomunicações. Esse grupo foi o primeiro a desenvolver esses modelos de planejamento, essas ferramentas computacionais, para a área de telecomunicações. As ferramentas que a gente criou ali, nós depois passamos para a Telesp e para a TELEMIG.O planejamento de telefone no Brasil começou nesse grupo e tendo apoio da empresa, do chefe, tudo. Essa época foi a época áurea da empresa. (Aílton).

No setor de telecomunicações era possível a convivência entre equipamentos arcaicos e novos192. Na CTB, os velhos equipamentos eletromecânicos continuaram por muito tempo a conviver com as novas centrais. A rede, embora tenha sido expandida, apresentava focos de problemas, sobretudo em época de chuvas. Assim, também internamente a empresa apresentava ilhas de desenvolvimento e ilhas não adaptadas aos padrões da modernidade pretendida. Nós lidávamos com o pessoal de rua, com o pessoal reparador, e atendimento ao cliente que era um 103 antigamente que era a fase de conserto de telefone. Aquelas mesas manipuladoras, através de um cartão, ainda era cartão, tudo manual (Regina). Quando eu entrei na empresa não havia automatização, vamos assim dizer, na parte burocrática, havia uma limitação muito grande, porém, os processos na CTB eram bem definidos. O sistema telefônico estava exaurido, estava bem sacrificado, a ponto de nós termos grandes problemas com assinantes, a planta era muito vulnerável às infiltrações (Paulo).

A estrutura militar se adequava à já existente numa empresa como a CTB, uma empresa criada em 1923 e que havia preservado a forma de organização hierárquica de

192

A escolha do que a de mais avançado em tecnologia, no entanto parece ser um fato habitual no Brasil. O processo de industrialização brasileiro, não resulta de uma evolução sendo marcado por momentos e locais em que se verifica a introdução de tecnologias avançadas em condições bastante desniveladas em relação às estruturas por relação às estruturas em funcionamento (cf. Itani, A Subterrâneos do trabalho- imaginário tecnológico no cotidiano 1997:32).

163

modelo weberiano, centralizada com o controle no topo. A visão que os empregados possuíam da administração militar na empresa e no setor era relativamente boa, por que embora rígida, ela era revestida de

legitimidade que lhes era fornecida pelo

reconhecimento do seu saber técnico da área . Em termos gerenciais, lógico, nós tínhamos a presença de muitos militares em posições chaves. Determinado nível em diante, como chefia de departamentos (Paulo). Mas, eu já peguei os militares implantando uma cultura também de organização, mas uma organização hierárquica. Não uma organização que eu percebia que o canadense tinha que era uma organização de fluir a rotina do trabalho e mapear a possibilidade de resposta do trabalho. Já o militarismo veio trazer uma configuração bastante hierárquica para o trabalho, uma configuração estrutural de organização um pouco diferente. A pesar de serem militares, entre aspas, que eram da área de Aeronáutica, entre aspas, mais abertos do que os militares do Exército, ficou-se dentro da TELERJ uns militares do Exército e os militares da Aeronáutica. Mas há efetivamente mudança da cultura canadense para uma nova cultura, uma nova forma de estruturação. Eram na verdade duas visões, uma que era do Exército focada nas metodologias de rede, essa questão toda, muito preocupada com isso, e a área da aeronáutica muito preocupada com a implantação da área de recursos humanos (Ângela). Pelo menos o nosso grupo lá não tinha essa imagem dos militares na direção. Pelo contrário, tinha uma disciplina, coisa e tal. Militar era um grupo disciplinado, os cronogramas tinham que ser cumpridos, as metas tinham que ser cumpridas. Era um rigor, mas um rigor bom, produtivo. Não tinha nada aterrorizando. Era uma coisa olhando o desenvolvimento. Sempre olhando melhorar, criar, aumentar a empresa, melhorar o serviço, incentivo a criar um sistema melhor de telecomunicações com o Brasil, em cada estado. (Aílton). Ligado diretamente a gente nunca teve nenhuma influência assim, pode ser que houvesse algum departamento, algum milico, algum ex-milico, coisa assim, mas de maneira geral os militares podiam até ter as rédeas, obviamente, e tinham lá nos ministérios, mas para os empregados isso não influenciou (Antônio). Até falavam que os coronéis estavam lá na TELERJ, mas como era especializada em telecomunicações, eu acho que eles desenvolveram, lutavam para que a empresa crescesse e desenvolvesse. Eu não senti a influência direta (Marília). Algumas áreas não possuíam chefias militares e a influência destes era muito distante. No entanto, a questão da hierarquia rígida perpassava toda a organização.

164

Eu vinha da Marinha, e vi na CTB mais hierarquia que na Marinha. Porque a pessoa do setor de informática quando tinha que fazer alguma visita em outro setor fora da informática tinha que seguir rigorosamente a hierarquia. Para falar com o chefe de seção antes tinha que avisar chefe de divisão porque o chefe de divisão pedia autorização ao chefe de departamento. Eu nem na Marinha vi esse rigor na hierarquia. Na verdade na CTB, na TELERJ a cúpula, e às vezes até segundo escalões, eram de militares, mas basicamente do Exército. Quando era setores da aeronáutica a hierarquia não era tão sentida assim. Da Marinha não me lembro de ter ninguém na época. Eu me adaptei, porque eu presenciei pessoas que fugiam dessa hierarquia não se davam bem (Garrone). Nós fomos montar este projeto para a empresa. Era um projeto que o presidente da empresa queria fazer. Ele colocou um coronel para ser o usuário chefe e as reuniões com ele, às vezes eram meio tensas porque ele, volta e meia, se virava para a gente e dizia assim: então eu vou falar com o presidente. Esse era o argumento final e definitivo dele. O presidente era um general, nem me lembro quem era, e voltava ele com uma decisão, porque era uma coisa claramente hierarquizada e militarizada. Ele respondia ao presidente e se falou estava falado, e a gente que tratasse de fazer o que era para fazer (Murilo). Eu sentia na empresa sim, uma obediência muito grande a uma hierarquia que vinha ditada pela TELEBRÁS, que fazia era a holding do sistema. Mas, não percebia nada que influenciasse o dia a dia do trabalho da minha área de atuação. Você sabia que existia uma influência muito grande em termos de cumprimento de metas, mas nada que não fosse diferente de hoje (Carlos). Embora não fosse evidente, havia um rígido controle do pessoal e das informações por parte dos serviços de inteligência do regime militar. O governo tinha em cada estatal uma assessoria de segurança e informações que trabalhava de acordo com o Serviço Nacional de Informações, que recebia regularmente informações, para aprovar ou não esta ou aquela indicação em determinadas áreas e para cargos de chefia. As restrições estendiam-se aos fornecedores (Silva, 2003:62)193. Dizia o folclore que o nome da gente ia para Brasília, para o SNI. Se ia ou não, eu não sei, mas isso não me preocupava, era filha de militar, que foi do Conselho de Segurança Nacional, então não tinha a menor preocupação se isso acontecia mesmo ou não (Beatriz). Fiquei apreensivo, porque meu pai tinha ideologia, ele era fichado, mas fui contratado (Carlos Frederico). 193

Op cit 4

165

A CTB durante algum tempo disputou com a EMBRATEL o papel de holding do sistema de telecomunicações, papel que acabou sendo da nova empresa criada para este fim a TELEBRÁS. Em 1974, após a determinação da TELEBRÁS de ser instituída uma empresapólo por estado, a CTB foi desmembrada, mas essa denominação foi mantida até 1976, quando passou a denominar-se Telecomunicações do Rio de Janeiro - TELERJ. Esta perda de primazia no cenário nacional de telecomunicações teve repercussões em todo um desenrolar de ações e comportamentos dos empregados posteriormente. A operadora do Rio de Janeiro deixou de comandar o maior parque de telefonia do país, limitando-se aos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara. Embora a TELERJ se atribuísse uma colocação na dianteira das telefônicas estaduais e a ela fosse creditado o mérito do pioneirismo, o quadro rapidamente começou a ser alterado e ela foi perdendo esta dianteira e o poder sobre as outras empresas. Com a cisão a TELERJ herdou um grande passivo trabalhista. A Telesp era uma diretoria da CTB, chama-se DOSP, Diretoria de Operação São Paulo, e assim era Minas e Espírito Santo. E assim era a cabeça de toda administração da área de telefonia. A CTB era no Rio de Janeiro, no Rio tinha diretoria de operações, administração, financeira, técnica, tudo era no Rio de Janeiro. Quando houve a separação, o Rio de Janeiro tinha bem mais telefones do que São Paulo. Passaram-se 3, 4 anos e a Telesp já estava tendo mais terminais do que o Rio de Janeiro. A TELERJ ficou com dois problemas, um que era a cabeça de toda a CTB, que consumia e tinha muitos militares, e praticamente eles ficaram na CTB porque eles estavam na administração. Então a TELERJ teve que bancar com uma folha de pagamento muito elevada.(...) Ai tinha gente de SP, Minas, todos ficaram na mão da TELERJ. E fora isso o estado do Rio que começou a minguar (Fred). Eu comecei trabalhando para São Paulo, porque a CTB pegava São Paulo, Rio, Minas e Espírito Santo. E o planejamento tinha os núcleos, um que fazia planejamento de São Paulo, um que fazia Rio e Espírito Santo e um que fazia Minas Gerais. Eu comecei trabalhando com São Paulo. Seis meses depois, houve a separação, inclusive a minha seção toda foi para São Paulo, criaram a Telesp. Meu chefe foi para São Paulo e queria me levar, ir junto. Só que naquela época estava recém-casado, com a família toda aqui no Rio. Davam aumento, pulava um nível para eu ir para lá, mas eu não fui (Aílton). A própria divisão da então denominada CTB foi responsável por um problema que se arrastaria por anos e que se tornou motivo de discussões com a TELEBRÁS: o

166

excesso de pessoal. A TELERJ herdou os profissionais administrativos que atuavam na antiga empresa - mãe que mantinha uma estrutura única para os quatro estados. Por não contar com procedimentos automatizados, o número de profissionais era elevado. Mesmo nas áreas técnicas, sobretudo devido ao fato de serem mantidas várias gerações de equipamentos, havia um contingente grande de pessoal, o que sempre influiu nos indicadores da empresa. Com quadro cheio, salário médio um pouco elevado devido à cultura da empresa no sentido de que quem não cometesse falta grave, fosse empregado de carreira, ser mantido. A folha ficava pesada. Fazíamos alguns estudos para tentar aliviar o quadro, tempo de aposentar e etc. Isso deu origem a algumas coisas até como uma aposentadoria, porque não existia previdência privada, essas condições que hoje existem. E me lembro que houve até um contrato de complementação de aposentadoria que já era fruto de uma medida de se aliviar o quadro (Paulo). A TELERJ sempre teve dificuldade em lidar com a perda da primazia entre as empresas e, sobretudo em absorver o papel centralizador e coordenador da TELEBRÁS. Aliás, se por um lado os padrões da TELEBRÁS, no início, foram os responsáveis pela difusão das telecomunicações no país, por outro lado, a visão de padronização para todo o país e o zelo na manutenção de altos padrões tecnológicos acabou por prejudicar o desenvolvimento posterior do sistema, pois a padronização acabava por encarecer e aí inviabilizar a implantação em áreas mais pobres do vasto território nacional. Não só na área de telecomunicações, mas também na de informática a padronização era contestada, inclusive pelo fato da TELERJ ter sido pioneira na implantação de alguns softwares (Carlos). Naquela época já se falava da possibilidade de tentar fazer implantação no interior, por exemplo, com uns sistemas menos qualificados. Não precisava chegar no interior e implantar sistemas com uma capacidade de DDI por exemplo, ou mesmo de DDD, da forma como era implantado. Então, podiam se fazer coisas mais simples, mas aí a TELEBRÁS não abria mão de certos indicadores da ordem técnica. Aí é visão Brasil (Fred). Na verdade, o que eu acho que a TELEBRÁS queria era dar uma uniformidade, e que talvez esse tenha sido o pecado, com esse imenso território você dá uniformidade, padronização, quando as coisas não deveriam ser tão padronizadas (Ângela). Eu acho que a TELERJ, já naquela época, teve um erro de estratégia da informática. Ela tinha que se relacionar melhor com as outras teles. Ela

167

realmente se julgou superior. Quando eu digo “ela” são as administrações da época (Garrone). Nas reuniões que eram promovidas com as outras empresas (do Sistema TELEBRÁS) via-se que as pessoas de outras empresas tinham mais intimidade, mais contato entre si do que nós da TELERJ com eles. Deixamos de aproveitar o desenvolvimento de muita coisa que acabou sendo feito em conjunto (pelas empresas) ao longo do tempo (Murilo). A questão do controle sobre as finanças das empresas também era um ponto de fricção nas relações. O ex-ministro Euclides Quandt relatou que a TELEBRÁS exercia controle rígido sobre as finanças das empresas do sistema, sendo o diretor financeiro o único diretor que ela não abria mão de indicar194. A TELEBRÁS implantou uma série de indicadores de qualidade e financeiros baseados em padrão internacionais a serem atingidos pelas operadoras. A avalanche de indicadores colocados pelo sistema, que eram sem sombra de dúvida indicadores de qualidade, mas que na verdade não houve um preparo da organização para viver indicadores. Então eu diria assim, o sistema passou a viver pra responder indicadores. Então, ao invés de trabalharmos para alcançar eficiência, nós trabalhávamos para responder indicadores (Ângela). Com o objetivo de garantir a consolidação de uma indústria de equipamentos no Brasil, a TELEBRÁS decidiu implantar uma política de planejamento de compras e uma divisão do mercado entre fornecedores. No Rio de Janeiro era a NEC, a Ericson era São Paulo, a Siemens era Minas Gerais. Isso na área de comutação, na área de transmissão também tinha lá aquelas empresas multinacionais que atuavam junto às empresas de cada estado (Aílton).

3.10 - Uma relação de longo prazo No esquema da pirâmide weberiana, era-se recompensado ter efetuado o seu trabalho o melhor possível, conhecia-se previamente todos os degraus, que, se não levavam ao topo, pelo menos garantiam a visão de evolução e de reconhecimento. A fim de consolidar esta visão de evolução na carreira, este sentido de “galgar” novas posições, 194

Entrevista concedida ao CPDOC pelo ex-ministro Euclides Quandt disponível em www.cpdoc.fgv.br

168

era criada uma espécie de “mercado interno de trabalho”, em que a partir de treinamento, avaliações de desempenho e, também, da antiguidade, processava-se a evolução na carreira. O Plano de Cargos e Salários e suas regras de progressão demarcavam o caminho. Como o custo do treinamento era alto para as empresas, elas desenvolviam formas de garantir a manutenção da mão-de-obra, que ela havia qualificado segundo as suas necessidades. A partir de treinamentos internos, externos e no

decorrer do próprio

trabalho os empregados desenvolviam habilidades para lidar com a tecnologia e os processos específicos da empresa. Assim, era construída uma expectativa de uma relação de longa duração tanto por parte da empresa como por parte do empregado. A intenção na época, o objetivo que se pensava na época era o seguinte: nós estávamos numa época de pleno emprego, interessava a empresa manter os seus empregados, principalmente porque era uma empresa de telecomunicações que não tinha concorrência no mercado. Então você tinha que ter seus empregados treinados numa profissão que era difícil de conseguir alguém já treinado, ou com conhecimento, porque a formação era muito pouca. No nível técnico não havia nenhuma, só havia técnicos de nível médio de eletricidade e eletrônica, e a empresa tinha que dar complementação em telecomunicações para esses técnicos. Então, naquela época, era difícil conseguir esses profissionais e a empresa então resolveu, entendeu que deveria manter seus profissionais (Humberto). Quando fui contratado, pegamos os primeiros 10 anos, eu nunca perdi uma promoção. Então em termos salariais eu sempre fui promovido. Todo ano tinha minha promoção, quando passou a ser ano e meio passei a ter a minha promoção, quando passou pra dois anos também tinha promoção. Ou seja, a empresa, no meu caso particular, eu nunca perdi uma promoção. Quando comecei já com salário elevado, ai que outros quesitos começaram a ser colocados. (Antônio) As oportunidades eram muitas para quem queria aproveitar. Quem quis ocupar espaço, teve espaço pra ocupar. Não é que estavam sendo dadas as oportunidades. As oportunidades estavam ali. As pessoas tinham que buscá-la, porque na verdade ninguém estava oferecendo oportunidade para ninguém (Fred). A TELERJ tinha um plano de cargos e salários. Se você tinha formação em matemática, engenharia, enfim, existiam umas determinadas profissões que te enquadravam numa situação mais elevada, não em termos profissionais, mas em termos mesmo financeiros. E ai você concorria nas épocas de promoção e você estando nesse nível ( os intervalos em termos de

169

tempo ente promoções) os intervalos eram bem menores. Essa coisa era interessante (Gloria). As promoções de início de carreira reproduziam o esquema militar, no qual o critério de antiguidade e atendimento aos requisitos impostos por um padrão de avaliação eram os preponderantes. No entanto, se por um lado este planejamento de carreira dava uma garantia à empresa de manutenção do empregado e ao empregado permitia um planejamento financeiro e mesmo de vida, ele provoca certa acomodação e os critérios de mérito nem sempre espelhavam a realidade. Além do que, em termos de segurança no emprego, havia uma distinção entre as práticas adotadas para os gerentes e para os trabalhadores da base da pirâmide: os gerentes tinham empregos mais garantidos e podiam se deslocar com mais facilidade na organização, os trabalhadores estavam mais sujeitos às imposições não só do negócio, mas da cultura da empresa195. A avaliação por desempenho, a meritocracia, é um ponto muito discutido, porque como você tinha uma estabilidade na gerência, se você é bem visto pela gerência você vai ser sempre promovido. Se sua gerência não tem muita afinidade, você nunca vai ser promovido. Então ela não saiu para uma visão de mérito mais ampla, no sentido de uma avaliação 360 graus, uma avaliação do cliente... Não. A avaliação dela sempre era uma avaliação de desempenho, muito baseada em insumos de desempenho, tipo assiduidade, todos os “des” da vida consagrando que aqueles que agiam conforme o prescrito e aqueles que queriam subverter um pouco a ordem, questionar um pouco as coisas, não eram as pessoas privilegiadas. A avaliação de desempenho sempre consagrou o status quo. A gerência se sentia estável, absolutamente necessária e fundamental ao processo. (Ângela). Eu tive um chefe que comandava tudo, então tudo que você quisesse fazer tinha que passar por ele e ele brecava muita coisa.(...) Nós tivemos oportunidade de ir para outra área que pagava melhor , ele brecou e alegou que éramos da Rede, não podíamos mudar. Quer dizer, ser da Rede era o fim do túnel ali, não dava para melhorar e tudo ficou por isso mesmo, por que ele era o chefe. (Regina). Faltava o crescimento, pelo menos que a gente visse se alguém podia subir. Isso eu sentia falta. Porque isso também era uma coisa que eu via no meu pai. Aquela história, você ganha pouco, mas você consegue subir, nem que seja por antiguidade você sobe, por merecimento e por antiguidade, lá não existia. Então, depois de certo tempo, comecei a querer ser analista. Primeira coisa que eu quis foi sair do pool(programação). Aquilo ali era 195

A expressão cultura da empresa é tomada no sentido padrões de comportamento e valores transmitidos e compartilhados no interior da instituição.,

170

muito programador, se eu saísse do pool talvez eu me sentisse e conseguisse passar para análise. Aí eu consegui, fui até a primeira a sair, a primeira programadora a sair do pool (Beatriz). Nos anos do “milagre”, então se tinha as promoções dentro do plano de carreira, era praticamente uma (promoção) por ano e em termos salariais as pessoas estavam relativamente satisfeitas. Embora, se alguém achasse que havia entrado na empresa mal classificada, para acertar isso era meio complicado. Mas quem já entrou num nível compatível, então ia tendo as promoções se não ocorresse nenhum contratempo. Realmente, nessa época não tinha muito mérito. A pessoa era promovida, como se diz nas Forças Armadas, depois de cumprir o interstício, tanto tempo nessa função aí tem uma promoção (Garrone). A empresa exigia responsabilidade, lealdade e empenho, o que é uma visão bem diferente da que habitualmente se tem do serviço público. A TELERJ era e agia como uma empresa “fordista”, com controles, alguns maiores, outros mais frouxos, dependendo da área, da chefia e da função exercida. É trabalhava-se muito, importante também é a coisa das viradas de noite. E aí, eu ainda estava solteira nessa época e morava com meus pais e eu chegava continuamente em casa 2, 3 horas da manhã, isso era normal. E um belo dia a minha mãe disse assim: eu não estou entendendo que trabalho é esse, isso é para tirar couro de alguém? Porque eu nunca vi uma coisa dessas. Então é uma coisa interessante porque a minha história na informática é uma história, é diferente das outras histórias. Porque eu já iniciei na empresa indo até tarde, e virando noite. Então, aquela questão que vinha de emprego de estatal é cabide de emprego, o meu começo, a minha experiência, depois ao longo da minha trajetória vai mostrar que não foi nada disso. (Glória) Nas áreas em que trabalhei área tinha uma estrutura hierárquica que também nós respeitávamos muito, e era rígida. Tudo muito bem definido, e bem rígido, até horários. Muito rígido. Até horários. Ao ponto de eu ter tido um colega na ocasião que foi demitido por atraso. Chegava atrasado minutos, só que ele reincidia muitas vezes e foi demitido por isso. Então era uma visão bem rígida. Com relação a integridade moral, ética, muito respeitosa (Paulo). Então, por exemplo, tinha uma área grande que era uma área de digitação, tinha o ganho por produtividade. Então você tinha que dar uma produtividade mínima, se não desse você era mandado embora. A área de produção era a mesma coisa. A área de operação você fazia, você tinha estatísticas em que você não podia cometer erros durante o processamento (Carlos). Eu percebi eram pessoas liberais ali. Que eu não tinha cartão de ponto, eu entrava e saía no horário quase que eu queria, se um dia chegava aqui mais

171

tarde eu ficava até mais tarde no outro dia, e era uma coisa mais até de conversar com o chefe. Eu fiquei de madrugada, amanhã eu não venho, era uma coisa fácil, não era opressiva (Beatriz). Eu comecei logo com uma implantação. Fiquei uma semana direto, quase não ia em casa, achei que ia perder a mulher. A gente virava noite, dormia no chão, atrás das cortinas, mas implantamos ( Carlos Frederico). Minha área era flexível. Algumas áreas, veja bem, no próprio departamento a gente sabia de histórias, por exemplo, a parte de digitação, digitação é um horror, as história que se contam, não sei nem se eram verdade, mas você tinha 3, 4 argolinhas, só podia a quinta argolinha sair quando a primeira voltasse do banheiro, histórias antigas, não sei se... Pra se afastar só podiam sair 3 pessoas, a quarta tinha que esperar a terceira voltar pra ir no banheiro, coisa do tipo. Conosco nunca houve nada disso. Nem sei se essas histórias que contavam se tinha algum fundo de verdade, se era assim mesmo ou não. Pelo menos existiam alguns lugares rígidos, marcando ponto, pressão, aquele negócio todo, e outros que a pessoa trabalhava numa certa produtividade. Tem que fazer o programa, botar o sistema no ar, tem alguns casos que às vezes também não eram muito rígidos, mas você trabalhava mais com uma certa produtividade, nada era muito controlado, pelo menos na nossa área.(Antônio) Eu trabalhava em horário de rodízio, a jornada que não me lembro muito bem, sei que era 24 horas no ar. Nós tivemos sempre aquela preocupação de atender bem o cliente. Tinha trabalho sábado e domingo por rodízio (Regina). Fui em 1976 para a produção. O setor de digitação era uma linha de produção e a pessoa que gerenciava aquele setor de digitação tinha, não vou dizer nem que era muito rigor, até muito terror. Então, ele buscava alcançar as metas na base de terror. Não lembro qual o tipo de controle, mas realmente não existia uma escala para elas poderem ir ao banheiro. Justamente, porque ali tinha determinada meta a ser cumprida. Então, quando entrava um trabalho para digitar, ele tinha que estar sempre pronto numa determinada data/hora, porque isso seria usado em determinados sistemas, tipo faturamento, e se houve um problema desse tipo o atraso era grande. Mas isso não foi só na época de 76, aí com essa pessoa não, era o ritmo da área (Garrone). Com relação a se tratar como se fosse um emprego público, realmente a gente tinha uma liberdade maior. Em contra partida, por ter o comprometimento a gente tinha, digamos assim, o bônus de ter essa facilidade eventualmente conseguir resolver algumas coisas dentro do horário de expediente, porque era uma troca. A gente dava o trabalho, a gente aumentava a carga horária, a gente não era remunerada por isso, mas em

172

compensação os chefes sabiam que numa necessidade nossa eles também não tinham como dizer não. Porque eles sabiam que podiam contar com a gente (Sílvia). No início, a coisa era um pouco rígida, obviamente, tudo que está iniciando você tem que ter um controle, andamento de como a coisa está se fazendo. Então nós chegávamos muito cedo e saíamos tarde, mas era prazeroso porque nós estávamos criando alguma coisa que valia a pena. E todo mundo tinha esse espírito. Então, a coisa fluiu dessa forma. Posteriormente, nós angariamos a confiança das pessoas e a coisa passou a ser mais flexível. Mas a princípio, a coisa foi meio dura (Sílvio). O investimento em treinamento era grande. A TELERJ possuía um centro de treinamento próprio, localizado no Jacaré. Haviam quatro bibliotecas instaladas em diferentes prédios, que dispunham de material de alta qualidade, livros, manuais e periódicos. A revista Sino Azul, veículo de divulgação interna editado desde 1927, transformou-se, no início dos anos 1970, de órgão de comunicação dos empregados da empresa em uma revista informativa de telecomunicações, tratando inclusive de assuntos de conjuntura econômica. A Sino Azul foi um dos melhores periódicos sobre telecomunicações. A mudança de perfil da revista espelha mudança de perfil da empresa e dos empregados, onde o saber técnico passou a ser privilegiado e estimulado. A revista foi aos poucos se transformando numa revista de engenheiros para engenheiros, sendo freqüentes os gráficos e esquemas, e abundantes as descrições técnicas detalhadas com equações e desenhos. Analisando o relato dos entrevistados, verifica-se ser o treinamento formal, em sala de aula, um ponto de divergência. Essa divergência não dizia respeito, necessariamente, à existência ou à qualidade do treinamento, mas sim nos motivos, nos critérios de indicação e na conscientização do empregados e, sobretudo, no pouco aproveitamento destes treinamentos por parte da empresa. O treinamento era abundante e às vezes incoerente. Eu cansei de fazer, eu devo ter feito, sem exagero, de 200 a 300 cursos na TELERJ, se não mais. Cursos de um dia, dois dias, meio dia, 5 dias, uma semana, de mês, curso até maiores. Além de me pagarem pós-graduação na NCE196 e tal. Alguns tinham um certo critério, algumas visão. Por exemplo, na época, pelo menos o que me colocaram, pode ser mentira, mas minha pós-graduação em TI na NCE 196

Núcleo de Computação Eletrônica da UFRJ

173

eles, eles eu digo segundo o meu chefe de gabinete, eles estavam me preparando para ser chefe de departamento de lá. Considerando aquela estrutura toda. Então, tinha uma certa lógica em preparar alguém para o cargo. Agora, tirando uma maluquice dessas, eu fiz cursos de: vamos implantar não sei o quê, e eu fazia uns 4, 5 cursos encadeados. Não implantaram nada, mas fiz os cursos. Era curso engatilhado um atrás do outro que não dava nem tempo de você assimilar. Eu cansei de fazer cursos de avançado um, dois, três e quatro e não usava nem o básico.. Não existia um planejamento tipo assim: vamos no ano que vem fazer os projetos A, B e C e vamos, então, treinar as pessoas. Essas 4 ou 5 que vão ser alocadas aqui, dominam o assunto? - Uns dominam, outros não. Vamos dar uma arrumada, vamos botar todo mundo fazendo o básico, depois o avançado aqui, visando aquele projeto (Antônio) Treinamento gerencial eu quase não tive, exerci os cargos no limite da minha competência (Murilo). Na estatal todo mundo culpava a empresa pelo treinamento que não fez (Carlos). No início, acho que na década de 70, início de 80, a gente até mexia que a TELERJ formava técnico para outras empresas. Eu acho que eles eram nem estimulados, eu acho que havia essa liberdade de brotar, de buscar, de criar, não é nem de criar, de buscar, de fazer, do conhecimento eu acho que havia uma busca do conhecimento, isso eu posso dizer com certeza pela procura que eles iam à biblioteca. E não era só de consulta a manuais, muitos técnicos tinham realmente interesse de conhecer, não queriam quebrar galho, queriam entender para poder resolver os problemas que apareciam. De conhecer o porquê, como aquele software funcionava. Então, eu acho que a TELERJ permitiu que essas pessoas se desenvolvessem. É uma pena que ela não soube aproveitar. Teve um gerente que dizia que a TELERJ era muito rica tecnicamente, ele veio de uma empresa americana, morou fora, e ele disse que a TELERJ era uma empresa rica tecnicamente. Teve outros também que me disseram isso (Marília). E na nossa época, para todos nós, qualquer tipo de serviço havia treinamento. Você tinha cursos, você era treinada para aquilo. Fiquei lá na Rede uns 6 meses, depois passei para outro setor, também ligado a conserto, também tive treinamento (Regina). Naquela época na década de 1970, estudar era a maior facilidade, o grupo era um grupo que gostava de estudar. Eu fiz o meu mestrado durante o meu horário de expediente. Terça e quinta pela manhã, meu chefe me liberava para fazer o mestrado. Meu próprio chefe era o meu orientador, todo mundo ali estudava, trabalhava numa harmonia maravilhosa. (Ailton)

174

Eu me lembro que quando dirigia a área de treinamento197 eu chamei várias pessoas Que se perdiam dentro do treinamento e perguntava assim, “ah, tô procurando a minha sala”. Vem cá, que curso você veio fazer? Ele não sabia o que ele tinha que fazer. Ai eu perguntava: veio fazer esse curso por quê? Porque meu chefe recebeu vagas, tinha que mandar alguém me mandou. Você quer fazer esse curso? Não. Veja bem, a possibilidade de aprendizagem não era uma coisa despertada no empregado. Ele ia para o treinamento como algo chato que ele tinha que fazer. Claro que não falo isso do pessoal mais esclarecido, mas o empregado lá na ponta reagia assim. No caso do treinamento em Segurança no Trabalho esclarecíamos: vai ter que usar bota sim. Sabe o que o cara fazia? Arrebentava a bota, porque a bota de proteção com aquela coisa de chumbo, ele arrancava aquilo porque não queria ficar com os dedinhos dele abafados (Ângela). Com o objetivo de manter o empregado na empresa, sobretudo em função do investimento feito em treinamento a TELEBRÁS decidiu criar em 1978 um plano de aposentadoria e pensão para os empregados do sistema. A EMBRATEL já contava à época com um plano de previdência próprio, a Telos. A SISTEL foi criada para os empregados das operadoras locais e da própria TELEBRÁS No entanto, havia outros motivos para a criação de previdência privada pelas estatais, sendo o principal estimular a poupança interna e fortalecer o mercado de capitais.

No ano de 1977, fui convidado a fazer parte da fundação da SISTEL, já estava há um ano sendo analisada pela TELEBRÁS de se criar uma fundação de seguridade de previdência, tendo como objetivo primordial complementar a previdência oficial . Esse era o objetivo maior do SISTEL: Previdência privada, não só na parte que complementava a aposentadoria e pensão do INSS, do INPS na época, mas de auxílio doença, todos os auxílios: auxílio funeral, todos os auxílios que a previdência oficial concedia. Então a TELEBRÁS achava que complementar a parte de previdência seria um atrativo a mais para manter seus empregados. Isso do ponto de vista da manutenção dos empregados. Do ponto de vista de poupança interna era o que o Brasil precisava. As fundações ou institutos de previdência tinham uma grande capacidade de promover essa poupança interna através da Bolsa de Valores. Nessa época, que é de novembro de 77, coincidiu com a criação da SISTEL, a instituição da lei que regulamentava a que regulamentava as fundações a lei 9435. Nessa legislação havia um leque de aplicações determinado, os valores das fundações não podiam ser aplicado de qualquer maneira. Então 20% dessas aplicações seriam em ações de empresas abertas. Então com isso, você dava um estimulo à poupança interna. Então essas eram as razões, as principais. A SISTEL então foi criada em novembro de 77, 197

Final da década de 1980

175

passando a efetivamente a serem descontadas as contribuições em janeiro de 78 (Humberto). E na época, em 1978, eu quase que nem raciocinei muito. As pessoas entraram para a Previdência e eu entrei também. Foi talvez uma das coisas mais certas que eu fiz. Hoje em dia, não tenho a menor dúvida isso (Antônio). Assim que surgiu a Fundação, logo que surgiu, eu novinha, lembro que minha chefe: (explicando) isso que está aqui (desconto), fica para quando vocês se aposentarem. Continuei na Fundação, não abri mão da Fundação (Regina).

3.11 – Uma longa década que foi se perdendo No final da década de 1970 e início da década de 1980, as empresas estatais, de um de um modo geral, deram início a uma nova política de pessoal, baseada no propósito da extensão de benéficos, por outro lado com a atuação mais forte dos sindicatos a a questão dos benefícios passou a ser tratada com maior empenho. Além da previdência privada supra mencionada, a TELERJ criou um plano de assistência médica, o criou um sistema de medicina suplementar próprio o SAMS, algo como um plano de saúde administrado pela própria empresa que beneficiava a empregados, cônjuges, filhos e outros dependentes198. Na época, a empresa adotava o seguinte slogan “Empregado satisfeito, trabalho bem feito”. A TELERJ oferecia o padrão do sistema, até que chegou um presidente que foi uma pessoa vanguardista no sentido de conceder benefícios e ele cria o SAMS. Isso faz uma grande diferença quando ele cria a assistência médica supletiva, que era um grande programa de assistência médica. E ele aí deu um avanço maior do que algumas outras empresas (Ângela). A assistência era muito boa. Usava bastante, meus filhos nasceram através dela (Antônio). O pessoal de nível salarial mais baixo, muitos não tinham acesso à saúde. Do jeito que a TELERJ aderiu ao plano, esses benefícios foram muito

198

Tinham direito à assistência médica os ascendentes desde que comprovada a dependência financeira. dependente

176

bem recebidos pelos profissionais, havia pessoas que até as mães eram colocadas como dependentes (Carlos). Ao longo da década, com a participação mais ativa do sindicato da categoria o Sinttel-Rio vão sendo incluídos outros benefícios, como reembolso odontológico, cesta de alimentos, lanche matinal, auxílio-creche e auxílio-babá para as empregadas, plano de expansão para empregados, que era a venda financiada de telefones com desconto em folha, além do estabelecimento de convênios como o efetuado com o BNH199 para comprar de moradia nos conjuntos habitacionais, em especial nos subúrbios.

A parte de distribuição de tíquete-restaurante também foi outra coisa que iniciou um vale para atender especificamente ao pessoal da Rede e depois foi estendido para a empresa como um todo. Aquele café da manhã, para quem chegava até 15 minutos antes do serviço, aquele lanchezinho foi sentido no desempenho dos profissionais no primeiro momento. Depois não. Depois isso daí, se você dá os benefícios todos de uma vez a pessoa de acostuma e depois não reconhece aquilo como benéfico (Carlos). A qualidade do ambiente de trabalho é um consenso nas narrativas. Assim, todos classificam o ambiente como bom, os salários como satisfatórios apesar de terem sido grandemente corroídos pela inflação. A estabilidade também é valorizada. Os salários não eram salários altos para o mercado. Existia a troca de uma estabilidade por um salário mediano. E como o clima e o ambiente era tão bom, muita gente trocava salário por esse clima (Paulo). Além de você ter um trabalho, um serviço, a TELERJ te dava todo apoio, e você andando direitinho você não tinha como você sair. Você podia projetar a sua vida ali. Minha vida foi toda feita ali. Entrei menina e tive filho, casei, estudei, criei minhas filhas também ali. E outra coisa, a despreocupação com que você trabalhava. Você trabalhava muito, mas era tranqüilo (Regina). Ao serem interrogados sobre os motivos de permanência na empresa, os entrevistados mencionam, sobretudo o ambiente, o grupo com quem trabalhavam e o fato de ser uma grande empresa. Em seguida vinham os benefícios e, por fim, a estabilidade. Ao longo do tempo foi uma parceria muito interessante, porque pessoas também foram verdadeiras parceiras. E durante muito tempo, um 199

Banco Nacional da Habitação

177

período muito longo, nós trabalhamos juntos e assim posso dizer que foi um resultado muito bom (Glória). Então eu acho que nesses primeiros anos nós nos sentíamos, até por essa reunião entre os colegas, a gente sentia que estávamos trabalhando numa grande empresa (Marília).

No inicio da década de 1980, a empresa iniciou um processo de melhoria da qualidade dos serviços e efetuou uma reestruturação em busca de eficiência. A maior mudança ocorreu na área de operações e visava atender melhor ao usuário. Nessa perspectiva, foram unificados os processos de operação em Centros de operação, os CÓS, e efetivamente tentada a implantação de métodos mais modernos de administração, tentando sobretudo vencer a barreira de comunicação que a rígida hierarquia erguera. Assim, são criados os Centros de Operações que centralizavam todo o atendimento ao usuário. Houve uma unificação na época, vieram também outros funcionários, engenheiros. Os cargos maiores eram ocupados por engenheiros. Antes, não tinha muito entrosamento, aí a chefia mudou, esta já foi de pegar mesmo, de visualizar o serviço todo. As áreas foram centralizadas, então tudo era visível. E nós tínhamos integração direto com a chefia. Você tinha a chefia imediata e tinha um superior, mas davam muita liberdade de você trabalhar. Mas, sempre respeitando o cliente. Você sabe que atender ao cliente demora. A escuta sempre ouve200. Então, nós tínhamos uma responsabilidade de atender bem o cliente. A gente sabia que se passasse uma imagem errada, tinham reclamações, você tinha punição verbalmente, essas coisas todas. E naquela fase a cobrança foi grande, mas foi uma interação também muito grande, houve um conjunto. Desde a pessoa da base, à pessoa da rua, ai passou os comerciais ficaram juntos ali também , então ficou atendimento comercial, junto com os consertos, exame de linha, pessoal da rede. Todos interagiram. ( Regina). Nós vimos que o atendimento aos usuários remotos era feito pelos próprios operadores. Bom, fiz um relatório, esse relatório gerou um projeto que veio a dar início a criação da rede (interna) da TELERJ. Essa rede cresceu de tal ordem de que com a tecnologia melhorando nós conseguimos modernizar o 102, modernizamos esse centro que era feito com microficha, colocamos terminais de vídeo, e a coisa foi um sucesso. Daí pra frente houve uma expansão, digamos assim, da rede com um todo, criaram-se as lojas de atendimento ao público, tudo isso com uma tecnologia existente (Sílvio). 200

Refere-se à escuta no atendimento ao cliente para verificar se o empregado está fazendo o atendimento de acordo com os padrões.

178

A organização tentou reforçar a ligação do empregado com a empresa, e implantar uma cultura de integração. Foram então promovidos os Jogos da TELERJ201, que buscavam integrar os profissionais através do esporte. Foi também criado o Coral da TELERJ como uma forma de integração entre os empregados de diversos setores. O canto coral era também muito estimulado por tratar-se de uma atividade disciplinadora e socializadora por excelência, cuja característica principal é a união. Datas como o Dia da Telefonista (29 de junho) e o Dia das Comunicações [5 de maio eram motivos para muitas comemorações. Com o incentivo da empresa, foi formado até um bloco de carnaval. Para a comunicação com os empregados e também, para propaganda institucional foram criados dois os bonecos Teleco e Teca personificando os empregados. Eu jogava, treinava e voltava para trabalhar, não era dispensada não. Mas tinha condução, tinha assistência. Era muito bom (Regina). Era a forma como ele dava ênfase no empregado, desenvolvimento dos esportes, festas para todo mundo, e você notava um clima, eu não sei, alguns achavam que era uma grande demagogia que era feito com o empregado. De certa forma valorizou e o pessoal gostava disso, mas também por sua vez era autoritário ( Murilo). O presidente inventou aquele negócio de Jogos da TELERJ. Eu achava ótimo porque eu jogava vôlei (Beatriz). A revista Sino Azul reforçava a imagem de ligação da TELERJ com o Rio de Janeiro, notadamente, com a cidade do Rio de Janeiro. Tentando divulgar a empresa e buscando a integração com a população, são promovidas exposições sobre o trabalho da empresa e seus equipamentos. Eram incentivadas visitas de escolas, de representantes de clubes e associações como Rotary e Lions e da comunidade às dependências do Museu de Telefone, às centrais telefônicas e aos setores de atendimento. Eram ministradas palestras a líderes de associações comerciais, parlamentares e jornalistas sobre os problemas enfrentados pela empresa. Estas foram as primeiras tentativas na busca da mudança de 201

Desde a década de 1940, com a inauguração de um clube da CTB, são promovidas competições esportivas de tênis, vôlei e futebol. A revista Sino Azul divulgava estes eventos. Era feitas várias comemorações também como o dia da Telefonista e até o 4 de julho, data da Independência dos Estados Unidos. Fonte: Revista Sino Azul, diversos números 1942 a 1962.

179

perfil da empresa e de certa preocupação com marketing. Posteriormente, porém, este direcionamento foi abandonado. Embora monopolista, a empresa buscou neste período ter uma visão de mercado e, sobretudo, integrar-se ao cotidiano de sua área de atuação. O abandono desta estratégia configurou-se num grande retrocesso. Foi uma época em que se começou a tentar colocar propaganda naquelas cabines telefônicas. Quem botava a cabine, vendia publicidade e a TELERJ ainda ganhava um pouco percentual desse espaço. Ai por acaso, veio uma crítica no jornal sobre a cabine da esquina da rua Vinícius de Moraes (que tinha propaganda) da Bumbum202. O responsável pelo marketing da TELERJ mandou tirar porque pegava mal uma empresa estatal fazer propaganda de Bumbum. E vai por aí, era essa a mentalidade. Outro negócio foi a ficha telefônica. A TELERJ passou a vender espaço na ficha telefônica. Fazia aquele empacotamento de 5 e por tira e vinha a propaganda. Começou com Fiat Lux. Eles recolhiam a ficha telefônica, limpavam as fichas, encartelavam, distribuíam e eles ganhavam um trocadinho da publicidade que tinha lá. Eu não quero saber, a TELERJ não estava gastando um tostão, não estava pagando nada. Então, eu acho que essa falta de visão pra certas coisas, ele trocava certas coisas. Tanto é que quando ele [o presidente] saiu acabaram com isso. A TELERJ comprou máquina de encartelar, aí descobriu que a máquina de encartelar, só podia encartelar duas fichas em cada pedaço para não rasgar. Comprou-se máquina, passou-se a fazer toda a limpeza daquele troço, e tinha um problema, como eram empacotadas de duas em duas, não podia mais ser tripa de 5 tinha que ser de quatro, aí dava problema de troco. Foram decisões da administração da TELERJ, então foram essas pequenas coisas que se você somar afetaram o desempenho da empresa. A TELERJ não era uma empresa voltada para o mercado. (Fred) A propaganda do Ministério das Comunicações estimulava a utilização do telefone e dos Correios para evitar deslocamentos e reduzir o consumo de combustíveis. Mas justamente em função da crise do petróleo, os recursos para a expansão do sistema começam a rarear. A TELERJ foi uma do sistema TELEBRÁS que mais sofreram com o agravamento da situação financeira do país e a redução de investimentos. Sem o FNT 203 e impossibilitada de buscar recursos externos, a TELEBRÁS redistribuía o pouco que cabia às empresas. A TELEBRÁS fazia a divisão dos recursos e o fazia em função dos projetos que a empresa propunha. Esses projetos tinham que ser embasados, 202 203

Loja de biquínis que começou em Ipanema na rua Vinicius de Moraes Fundo Nacional de Telecomunicações

180

inclusive em termos de rentabilidade esperada, dos retornos, em termos de receita. Ela era muito criticada com relação aos retornos previstos nos projetos da TELERJ. Fora isso, todos os projetos eram caros (Fred). Então aí o número elevado de empregados é que era sempre a reclamação da TELEBRÁS, tem muito empregado por mil terminais. Sempre era citado a TELERJ com excesso de empregados por mil terminais, mas ela não estava acima da média salarial (Paulo). A recordação que tenho são limitações até em função de problemas políticos do governo, na época Brizola, coisa desse tipo. Então as destinações eram diminuídas. E nós fazíamos estudos, reivindicávamos, porque esta redução comprometia muita aquela melhora que havíamos obtido nas nossas plantas, na nossa parte técnica, naqueles investimentos. Não é que o dinheiro viesse de TELEBRÁS, não é isso, eram concessões de limites, facilitações de tarifas para que desse um pulso maior e uma amplitude maior no trabalho no Rio de Janeiro. Enquanto TELEMIG crescia, o nosso encolhia. E isso foi um grande problema para nós que nós sabíamos que ia ter reflexos nos anos futuros. Um trabalho que se deixa de fazer numa planta por 3 anos seguidos compromete os próximos anos, não só o próprio ano da execução (Paulo). Não tinha dinheiro para o Rio. Não posso comprar do que eu quero. Tenho que comprar do que me oferece mais barato, nas condições que a gente tinha para fazer. Como a situação era ruim de grana, acabou ficando uma bagunça. Ficaram vários tipos de equipamentos, aí eram gerados problemas de interface (Aílton).

3.11. 1 - A interferências políticas Com a Nova República foi inaugurado um período de poucos recursos para o sistema como um todo, mas, sobretudo para o Rio. Se por um lado houve uma redução do ritmo de crescimento, por outro se registrou um aumento da interferência política e de ativismo do sindicato. Eu entendo que a influência era mais na parte direção da empresa. Porque a parte de operacional não tinha muita interferência, mas a parte de direção da empresa que influía talvez até no ânimo dos empregados tivesse uma elevada influência política. Vários presidentes e diretores designados politicamente e com tendências diferentes (Humberto). O quadro V mostra as indicações políticas feitas e efetivadas na TELERJ, no nível da direção superior. 181

Quadro V- Indicações Governo Sarney Cargo Presidente Vice-Presidente Diretor financeiro Diretor de Operações Diretor Administrativo Diretor de RH

Dirigente indicado Indicação Antônio João R.F. Família de Tancredo Mendes Neves Arolde de Oliveira PFL Roberto Nunes de PMDB Miranda Lázaro de Brito PFL Cláudio de Chagas PMDB Freitas Hélio Kestelmann Minicom-RômuloVilar Furtado

Fonte : RNT (1985) p. 10-17 maio apud Dalmazo (2002: 85)

A interferência política na administração da empresa é vista pelos entrevistados como uma desqualificação da administração profissional. Isso provocou um distanciamento maior do corpo técnico com relação às decisões superiores. Começou a haver aquele problema de colocar gerentes por indicações políticas, o que até então praticamente não acontecia. Quando acontecia de haver certas imposições, na época dos militares, eram pessoas qualificadas. Então, essa preocupação fez com que realmente se retardasse um pouco a tentativa de melhorar a empresa (Fred). Bom, quando os políticos voltaram, vieram eleições, aquele negócio todo, nós tivemos chefe de todo o tipo, ex-atleta, político etc. Um cara que fosse bem ligado, que desse um pouco de azar nas eleições, sempre arrumava um lugar para ficar (Antônio). Mudaram algumas cabeças, mas eu não sentia que houvesse alguma mudança de gerência, de uma visão mais moderna. Eu não percebia isso (Marília). Era muita politicagem nessa época. O trabalho já não era mais o mesmo, o nosso grupo acabou, a empresa piorou muito. Mas ainda tinham pessoas que, sempre tem, grupo de pessoas que querem defender a empresa. Até essa época a gente ainda tinha orgulho da empresa, depois a gente começou a criticar a direção da empresa. A direção, os diretores, é que tinha problema, não o corpo técnico. Esse espírito de corpo que foi sendo perdido, as pessoas perderam o entusiasmo (Aílton).

182

Em algum tempo, aos problemas usuais de rede, de depredação de orelhões , de pessoal, das obras do metrô e do empobrecimento do Estado do Rio de Janeiro, foram sendo adicionados a falta de recursos financeiros e a influência política. A TELEBRÁS chegou a cogitar uma nova intervenção na TELERJ. A TELERJ já era um problema naquela época. Quase que se buscou uma intervenção na TELERJ, mas só que não foi possível porque tinha o problema político (Fred). A crise econômica por que o país passava com os altos índices de inflação e a proliferação de planos econômicos influía no desempenho da empresa e acarretavam um aumento de trabalho para o pessoal das áreas financeiras e de informática. Na verdade não era uma questão da empresa e sim uma questão do país. Era uma loucura você conviver com esse tipo de apresentação da economia. Porque os sistemas ficavam insustentáveis. Uma vez, nós tivemos uma visita de uns americanos na TELERJ e eles então perguntaram o seguinte: como vocês dão conta dos sistemas devido a essa política econômica que vocês têm? E vocês dão conta? Damos. Mas como é que vocês fazem você pegam no meio do ano, vocês fecham o balanço com uma moeda e abrem com outra? Abrimos. E olha, os americanos disseram assim: nós temos que tirar o chapéu para vocês. Porque realmente a gente não consegue entender como vocês conseguem fazer esse tipo de malabarismo (Glória). As altas taxas de inflação e a política de contenção de dispêndios do governo acabaram por corroer o caixa das empresas e sobretudo o salário dos empregados, mesmo daqueles que conseguiam obter ganhos com promoções e re-enquadramentos, já raros naquela época. Na narrativa da entrevistada, percebemos dois momentos bem diferenciados: o do ingresso na empresa, quando ela considera o salário muito bom, e uma década, quando o considera baixo. O salário era muito bom, até na minha carteira, era 20 mil e alguma coisa, e isso era muito dinheiro. Eu me lembro que fiz meu enxoval, eu comprei apartamento, meu apartamento eu comprei sozinha, não precisei de composição de renda. No final consegui passar para analista, Mas mesmo assim o salário era baixo, continuou sendo baixo e foi baixo até o final (Beatriz).

183

A limitação de contratação, ocorrida a partir de 1983, acabou por homogeneizar demais a empresa, pois não entraram novos empregados e assim, mesmo os empregados de baixo desempenho eram conservados, pois seus postos não podiam ser preenchidos. Existia, também, uma clara restrição à participação dos subordinados nas decisões tomadas pela cúpula que, na maioria dos casos, não se preocupava em mantê-los informados de objetivos ou estratégias. As narrativas dão conta a carência de muitos elementos que permitissem o crescimento da empresa e dos seus empregados. Na verdade faltava muita coisa. A TELERJ podia na época vangloriarse, e realmente era reconhecido, era o corpo técnico dela. Isso ela tinha realmente em várias áreas. Mas, havia aquele problema dos recursos, problema do próprio Estado do Rio de Janeiro, esse era outro problema. O fato de você fazer um projeto no interior, ele não custava mais barato porque ia ser feito num lugar mais pobre e tudo mais. E aí também havia um problema de padronização em função até da própria TELEBRÁS, porque já naquela época se falava da possibilidade de tentar fazer implantação no interior, por exemplo, com uns sistemas menos qualificados. Existiam, também, problemas na alta administração, um presidente tinha dificuldade de substituir um diretor. Não era o presidente que fazia a sua diretoria (Fred). O desempenho da empresa em boa parte da década de 1980 permaneceu medíocre. Somado a isso, o país retardava a implantação de avanços tecnológicos, a digitalização que já caminhava a passos largos nos países desenvolvidos encontrava dificuldades para ser adotada em larga escala. Assim, a corrida tecnológica que se acelerava , foi sendo perdida e foi aumentando a defasagem entre a qualidade e diversidade dos serviços oferecidos e os disponíveis no mercado mundial. Num ponto a histórias do Rio com a perda de “capitalidade”204 e a sua dificuldade em encontrar uma nova inserção no quadro nacional se assemelha à da sua concessionária de serviços telefônicos e a sua dificuldade de lidar com a empresa holding e de ter uma presença política de destaque no setor. No período depois dos militares o Ministro das Comunicações nunca teve um carioca. Os mineiros sempre dominaram Brasília na parte de Comunicações. A Bahia também com Antônio Carlos. Bahia e Minas, Rio

204

O conceito de capitalidade conforme trabalhado por Marly Silva da Motta define as cidades capitais como o lugar da política e da cultura, como núcleo da sociabilidade intelectual e da produção simbólica, representando, cada uma a sua maneira, o papel de foco da civilização, núcleo da modernidade, teatro do poder e lugar de memória (Motta,2000:24) Saudades da Guanabara –FGV 2000 Saudades da Guanabara, FGV 2000

184

nunca. Então, tinha dinheiro para Minas, para Bahia, mas não tinha dinheiro para o Rio (Aílton). A gente viveu uma fase da TELEBRÁS começar a controlar excessivamente, tirar a autonomia das empresas. Eu me lembro de um exemplo crucial: nós tivemos que perguntar a TELEBRÁS se poderíamos não funcionar na quarta-feira de cinzas porque a TELERJ ficava ali no Sambódromo e era impossível o empregado chegar antes que houvesse uma lavagem de rua, uma série de coisas. Nós tivemos que perguntar a TELEBRÁS e ainda tivemos que explicar isso. “Essa história que a TELERJ viveu de ter comandado e depois seus comandados saírem e evoluírem mais do que ela, é uma história ruim. A questão que ficou obscurecida era que ela possuía planta velha, tecnologia obsoleta, falta de investimentos, e depois começou o problema do quadro de pessoal e de não poder demitir (Ângela). 3.11.2 - O sindicato Até a década de 1970, o Sindicato dos Telefônicos, SINTTEL-RJ205 não era classificado como um sindicato de luta. Ele desempenhava um papel, sobretudo, de assistência social. Ele se voltava mais para ter um gabinete dentário, um atendimento médico, do que pleitear salário. Ele não era um sindicato de luta salarial (Humberto). A corrosão dos salários provocada pela alta inflação começou a provocar uma mobilização da categoria até então pouco ativa, embora em grande número sindicalizada, sobretudo nas camadas salariais mais baixas. Os engenheiros e profissionais de nível superior apresentavam baixa taxa de adesão ao sindicato. Em 1987, o SINTTEL-RJ, filiado à CUT, conseguiu uma grande adesão à greve por melhorias salariais. As campanhas incluíam, além das reivindicações de reposição salarial em função da política econômica do governo, sobretudo a ampliação dos benefícios. Para alguns segmentos da 205

O Sinttel/Rio tem sua origem no Centro Operário dos Empregados da Light e Companhias Associadas, criado em 1926. Em outubro de 1930, o Centro foi desmembrado, dando origem ao Sindicato de Carris Urbanos e outras entidades. Já em outubro daquele mesmo ano foi fundada a Associação Profissional dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas. Em 1º de agosto de 1941 o Departamento Nacional do Trabalho concedeu a Carta Sindical, transformando a Associação em Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas do Rio de Janeiro. Entre as décadas de 40 e 60 a ação sindical foi totalmente controlada pelo Departamento Nacional do Trabalho. As diretorias do Sindicato eram eleitas com o apoio irrestrito da CTB, transformando a entidade numa parceira da empresa e do Estado. ( SINTTEL-RIO disponível em www. Sinttelrio.org.br)

185

categoria dos telefônicos – como telefonistas, pessoal da rede externa e digitadores – eram incluídas reivindicações concernentes a controles, intervalos e pagamento de adicionais. Durante algumas campanhas salariais, algumas chefias impuseram constrangimentos aos subordinados que participavam mais ativamente do movimento. As sanções à adesão à greve eram muito fortes, sobretudo para os profissionais que exerciam cargos de chefia. Eu acho que o sindicato nunca teve uma imagem muito boa. Eu acho que a greve só via, de um modo geral, a questão salarial. Agora, o que me irritava quando tinha greve era de meu gerente ligar para mim e dizer: olha, se você participar da greve você vai ter o seu dia cortado. Isso pra mim parecia uma tutela, uma questão paternalista que pra mim não deveria ter, porque greve... Você tem que ser responsável pela greve. Você sabe que quando você faz greve, você pode ser mandado embora, você pode ter seu ponto cortado... Enfim, uma série de sanções. Mas isso faz parte. Então eu nunca aceitei que gerente nenhum dissesse pra mim quais eram as conseqüências da minha greve (Marília). Eu não via o sindicato nem próximo e nem longe, mas eu via o sindicato como algo que lutava pela nossa categoria. Eu sentia aquilo ali presente, que ia fazer um movimento pela categoria, ia dizer alguma coisa pela categoria. E é interessante porque ai voltando um pouco, mesmo na fase militar, se nós não podíamos falar alguma coisa, mas o sindicato podia falar pela gente. Você sentia que existia um ponto em que esse ponto estaria atento naquilo que nos era de direito (Paulo). Quando fiz três meses de empresa já veio um rapazinho com papelzinho para me sindicalizar. Até hoje sou sindicalizada. (Regina). Na época, o sindicato era relativamente atuante, que brigava, fazia greve pra poder negociar aumento de salário, essas coisas todas. (Aílton) O setor onde eu trabalhava era bem alienado. Então, todos eram contra a entrar pro sindicato, a contribuição sindical. Nas greves, quando começaram a surgir, então tinha aqueles que não queriam aderir. Uns por medo, outros por não acreditarem. Não tinha realmente uma visão da importância do sindicato. Acho que aí apareceram todos os motivos, cada um dizia: ah, não, eles querem se dar bem. Quem se dá bem mesmo são os lideres sindicais. Mas eu acho o sindicato foi até bem atuante para conseguir coisas para nós, a meu juízo. (Garrone). O percentual de sindicalizados na TELERJ comparando com a média nacional, era muito alto. Você tinha grande parte dos trabalhadores da TELERJ, principalmente algumas áreas com percentual altíssimo. Todo esse

186

pessoal dos segmentos tradicionais eram fortemente sindicalizados. O pessoal de nível superior e técnico era um pessoal que de início não se identificava muito, mas o sindicato era meio coisa de peão. Isso ainda existia um pouco na TELERJ Você tinha até uma parcela de pessoas que influenciava mais nos chamados sindicatos de profissionais liberais, de nível superior, engenheiro, administrador, advogados. Você sente que claramente no decorrer do processo, década de 80, principalmente, certa migração. Pessoas que começam nesses setores a ter presença dentro do sindicato. Os acordos coletivos que eram assinados abrangendo todo mundo, isso faz com que o pessoal participe. Mudou da água para o vinho. (Gilberto- ex-líder sindical) No mês de dissídio (dezembro), durante as campanhas salariais, começaram a ocorrer greves, sendo em algumas situações os grevistas punidos com demissão. Meu chefe chegou a ser demitido, por causa de uma greve. Antônio Carlos Magalhães veio e mandou demitir os grevistas. Aí chega o diretor e diz: escolhe um chefe de divisão para demitir que a gente tem que demitir um chefe de divisão. Então ele, um chefe de divisão, cara respeitado, foi demitido (Aílton). 3.11.3 - A incorporação da CETEL Em dezembro de 1989, ocorreu um evento relevante na história da TELERJ: a incorporação da CETEL. Dispondo de um contingente de empregados bem inferior à TELERJ, mas também grande para os padrões TELEBRÁS, a CETEL adotava procedimentos significativamente distintos, e sua absorção foi vista com certa desconfiança pelos dois lados, ambos pouco afeitos a mudanças e diferenças. Eu prestei um concurso para a então CETEL em 1980. Identifiquei-me muito com a empresa porque realmente estava dentro daquilo que eu tinha escolhido: telecomunicações. Nesse meio tempo, eu trabalhei em estações, ia inclusive a casa de cliente para estar fazendo verificações com relação à reclamação de contas. Na época, a CETEL, por ser uma empresa pequena, era muito familiar. A gente tinha a oportunidade de passar no corredor, se cumprimentar, saber quem era quem, onde trabalhava e saber onde e a quem recorrer no caso das coisas quando precisasse resolver um problema. Apesar de eu ser novinha de idade, eu já percebia que existia uma força política muito grande, sobretudo aos militares. Mas até os militares, graças a Deus, daquela época eram como se fossem uns pais mais austeros para a gente. Eu compreendia na época que tinha que ser assim, que era pra não ter uma desorganização. Nos 10 anos em que lá estive, a partir do quinto ano, eu já 187

escutava falar que a CETEL ia ser encampada pela TELERJ. Até que se concretizou. Numa sexta-feira, nós fomos chamados pelo coordenador e ele nos comunicou que realmente já tinha ocorrido a encampação e que a gente a partir da próxima semana estaria trabalhando na TELERJ e num outro bairro distante da minha casa (Sílvia). Desde a criação das empresas-pólo, a situação peculiar de duas operadoras na mesma área era discutida pela TELEBRÁS. Porém, por diversas razões, sendo a maioria de ordem política, a junção não havia ocorrido. Um impedimento de ordem jurídica sempre levantado, era a questão relativa ao direito de recesso para acionistas. Eu participei de uns três grupos de trabalho para incorporar a CETEL. Depois de um, dois meses, os trabalhos eram suspensos porque se levantavam tantos problemas, problemas até políticos, que ia ser um escândalo e tal. As pessoas tinham medo e cancelava-se a incorporação. Até que veio o Antônio Carlos no ministério e tinha o presidente da CETEL, que também era do PFL, e aí tiveram as brigas políticas. O ministro queria tirar o presidente da CETEL e não conseguia por problemas políticos, porque era do PFL e tudo mais. Então, ele arquitetou uma maneira de tirá-lo de lá. Como CETEL realmente estava um bagaço, porque se nós estávamos com problema de área de atuação, a CETEL tinha muito mais ainda, porque na época o Estado do Rio era realmente muito precário. E ela também tinha o problema (do excesso) de pessoal, negócio todo. Ela tinha algumas pequenas vantagens em relação a nós, vantagens tecnológicas. Mas, ela tinha muitos problemas e lá a renda era muito pior do que a nossa. O Antônio Carlos resolveu fazer com que a administração da CETEL fosse unificada com a da TELERJ, como uma forma de reduzir despesas. Então, ele partiu desse princípio e fez a incorporação e conseguiu tirar o presidente. Só que era realmente um troço muito difícil administrar a TELERJ e a CETEL, e não havia uma luz no fim do túnel, ninguém dizia até quando ia durar essa integração. Eles chamavam de administração-técnico alguma coisa. No final, foi feita a incorporação, não houve escândalo nenhum. E o preço que a TELERJ pagou para incorporar a CETEL, em termos da dissidência, foi o valor de um Escorte na época. Não me lembro mais qual foi o valor, mas guardei esse símbolo que foi o Escorte. Foi o que a TELERJ pagou para as acionistas que foram dissidentes da incorporação da CETEL (Fred). Em termos práticos, o processo ocorreu inicialmente através da absorção dos sistemas da CETEL pela TELERJ e, posteriormente, pela absorção completa dos ativos, inclusive do pessoal. Este processo de incorporação foi o primeiro trauma a que o pessoal da CETEL se submeteu, o primeiro de muitos outros que estavam por vir. Fomos em grupo, e isso daí foi um fator que ajudou bastante, porque eu não estava indo sozinha, estava indo com um grupo que na época a gente

188

podia chamar de amigos, porque naquela época, ambiente de trabalho era um ambiente em que você fazia grandes amizades. Lá chegando, a recepção que nós tivemos foi diferente dependendo do setor que se ia. Primeiro, porque a nossa faixa etária era muito inferior aos profissionais que lá estavam. Então a gente a princípio foi meio que discriminado porque garota novinha, então rola todo aquele comentário pelos homens. o setor para qual eu fui o chefe não tinha características diferentes daqueles que eu encontrava na CETEL. Foi realmente um chefe excepcional, o pessoal daquela área eles me receberam muito bem, me ajudaram muito, e no final eles gostaram do meu trabalho (Sílvia). Essa fusão com a CETEL foi até um pouco traumática para o pessoal da CETEL. Porque era quase uma intervenção da TELERJ dentro da CETEL. Chefes de departamentos, diretores, foram para lá, juntaram. Eu acho que aí que teve demissão, mas a demissão foi mais do pessoal da CETEL. Eles que sofreram muito mais com isso. Uns vieram para cá, na área de planejamento veio a turma do planejamento para cá, mas não veio a turma toda, veio um pessoal de nível melhor. Nosso grupo era um grupo mais de elite, vamos chamar assim. Então, a turma técnica, aquela turma toda da CETEL foi mandada embora. Sofreram muito, depois criamos amizade com as pessoas que trabalharam com a gente, e eles comentavam que foi muito traumático, como foi pra gente a privatização (Aílton). Na minha visão, é a daquela relação dominador-dominado. Havia uma predefinição de que as pessoas da CETEL eram inferiores tecnicamente às pessoas da TELERJ. Para mim havia nitidamente isso. Mais tarde, aí por mudanças políticas, eles começaram a dar a volta por cima. Começaram a ocupar lugares daqueles que os tinham, entre aspas, desprezado. (Garrone). Embora os empregados da CETEL estivessem numa faixa etária e em grande parte com níveis salariais mais baixos e seus equipamentos fossem mais novos, a sua incorporação acabou por agravar os problemas da TELERJ, sobretudo o de pessoal. Se não me engano, chegamos a 17.400 empregados depois da fusão da CETEL. Isso criou um problema sério e que a TELEBRÁS, logicamente, ela sempre vinha pressionando. (Paulo). 3.11.4 - Afundando de vez com Collor O governo Collor fez da TELERJ um reduto para seus correligionários. Assim, apesar de algumas evoluções tecnológicas importantes como a pioneira introdução da telefonia móvel e do telefone a cartão indutivo. O desgaste da imagem da concessionária diante do público se deteriorou ainda mais. A empresa buscou iniciar um processo de

189

reestruturação através da implantação da sistemática da qualidade total, mas em função da descontinuidade das administrações e além de fatores de ordem cultural este processo também não foi desenvolvido por completo. O grande impacto que nós tivemos realmente foi o período Collor. O período Collor é uma coisa que foi marcante para todo mundo e especificamente a TELERJ sofreu um processo de politização tão radical e essa politização de um nível baixíssimo, presidente que o Collor colocou para a gente um presidente que era o tesoureiro de campanha dele. Você olhava pra cara do sujeito já não passava grande coisa que dali pudesse surgir alguma coisa boa. Ele não estava realmente preocupado com a empresa, estava interessado em ter frentes na empresa. Bom, não vou dizer mais nada nessa área, mas voltando a falar da área em que eu me encontrava, que eu sei que não foi muito diferente de outras áreas da empresa, foi o choque de gestão mais fundo que nós tivemos. Você imagine mudando o general do exército e ele trocando até o cabo, sargento. Ele fez isso: desestruturou completamente a nossa área, ficamos sem liderança nenhuma durante um bom tempo. Isso foi muito nítido na área de informática e outras áreas da empresa eu não sei até que nível foi, mas na nossa área isso foi muito sério porque as pessoas que entraram não tinham preparo, não tinha conhecimento e nem competência. Essa coisa trazia uma amargura para quem estava lá que você podia ser bom, se esforçar, mas a sua carreira não dependia disso. Para mim me chocou bastante (Murilo). Ficou ruim porque começaram a ser admitidos em setores gerenciais pessoas que não tinham condições para estar naqueles cargos, mas que eram amigos dos amigos dos amigos dos coloridos (Garrrone). Tinham alguns que assumiam e tinham que levar aqueles outros porque faziam parte da patota. Isso eu acho absolutamente negativo. Mas isso não é um problema de TELERJ, é de qualquer empresa. Mas na TELERJ havia evidência disso. Fulano assumiu, vai assumi fulano, sicrano tem que arrumar o lugarzinho com fulano. E não havia isenção às vezes no processo de escolha (Ângela). Em 1991, visando adequar a empresa aos padrões internacionais de prestação de serviços foi iniciado o Programa de Qualidade Total, tendo a TELERJ em alguns setores chegado até a ganhar prêmios. Porém, o programa nunca foi aplicado em toda a sua potencialidade. E o movimento da qualidade na TELERJ a gente viu que foi exatamente isso. Foi uma patota. A ponto de a gente ganhar prêmios de qualidade, de certificação e depois fechar o centro de treinamento. Quanto se

190

gastou para isso? Chamando-se consultoria, no momento que esse treinamento não existiria mais. Teve lucidez isso? Isso era para a consagração de trajetórias individuais. Não eram trajetórias pensando na empresa como um todo, na sobrevivência da empresa como um todo (Ângela). A primeira grande demissão de pessoal se dá na época Collor. A justificativa é o inchaço do quadro de pessoal o que havia ficado mais evidente desde a incorporação da CETEL. Os critérios de dispensa não ficaram muito claros, mas foram associados a desempenho. Então, a TELERJ teve uma primeira possibilidade de tentar resolver as coisas graças ao Collor. Os motivos que estavam na cabeça do Collor não eram motivos que estavam na cabeça da gente. Quando o Collor disse que tem que reduzir pessoal da máquina estatal, tem que mandar gente embora, mandar embora militares. Então, essa foi uma grande oportunidade pra TELERJ, porque ela pôde nessa fase i dispensar os 4 mil e poucos empregados. Tive muito contato na época com sindicatos, foi tudo resolvido. Eu acho que foi tudo muito bem resolvido porque eu nunca, meu nome foi jogado no jornal, eu nunca recebi uma ameaça com telefonema ameaçadora, de ninguém, nunca receber um trote. Meu carro ficava na garagem da TELERJ, nunca teve um arranhão. E eu fica lá ate meia noite, uma hora. Na verdade, o que a TELERJ fez nessas demissões foi praticamente dispensar a quantidade de pessoas em termos numéricos que foi o pessoal CETEL. Não foi o pessoal do CETEL que foi mandado embora, mas em termos quantitativos, 4 mil e poucos empregados que saíram nessa época da empresa foram praticamente a mesma quantidade que estava sendo absorvida na empresa. (Fred) Foi feito num determinado dia lá, eu não estava em função de chefia nessa época, nunca entendi os critérios. Um belo dia alguém chegou e falou fulano, beltrano e cicrano vão embora, foi também um choque na empresa. Foi o primeiro grande choque de demissão que nós tivemos, depois até nos acostumamos com isso, mais para a frente (Murilo). Aquela demissão que teve naquele fatídico dia de setembro que a gente só ficava esperando os nomes. Lembro-me de um dia tenso em que absolutamente não se sabia de nada. As pessoas ficavam em grupo para ter algumas informações e diziam para gente assim: não, você não vai. Falaram isso para a H. e logo depois ela foi chamada e foi demitida. Então, as informações que nós tínhamos eram nada. No final do dia comecei a achar aquilo tudo uma palhaçada, porque tinha gente que foi demitida e que logo depois conseguiu reverter (Beatriz). Tiveram demissões sim, as iniciais eu, particularmente, compreendi porque aquelas pessoas estavam indo primeiro. Porque pelo menos no meu entender eram pessoas que realmente não estava contribuindo. Porque quando 191

você se vê diante de uma ameaça de demissão, você tem várias maneiras de se comportar, ou você se acomoda, ou você fala mal, ou você corre atrás pra você crescer e se manter ou ali ou em outro lugar. Então, as pessoas que foram primeiro eram as pessoas que na realidade anteriormente já não se dedicavam muito (Sílvia). À medida que a tecnologia avançou, o próprio setor de informática foi passando a sofrer com a automação que ele próprio implantava. Na TELERJ, a primeira área a sentir estes efeitos foi a de digitação. A redução do efetivo se deveu à difusão de novas tecnologias, como o processamento online, e pela automação do processo de faturamento que estava sendo iniciado instalação das centrais mais modernas. A empresa optou por iniciar um processo de re-treinamento de parte deste contingente. No entanto, Rifkin (1995) salienta que não adianta re-treinar para postos que em muito pouco tempo também não existirão. Antes de ocorrerem demissões começou a haver um processo. A produção, para você ter uma idéia, tinha uma área de digitação, se não me engano inicialmente era cerca de 200 profissionais de digitação. Com a modernização não tinha emprego pra todo mundo. A uma demissão veio acontecendo ao longo do tempo. Então, o critério de demissão nós passamos privilegiar os profissionais que já tinham época, prazo pra aposentadoria, então foram demitidos inicialmente esses até chegar ao ponto da extinção total da digitação. E aí, todos tiveram que ser demitidos, à exceção daqueles que passaram em programas que fizemos internamente de redirecionamento de carreira. (Carlos) A grande demissão no governo Collor foi o ponto de inflexão na curva da relação de longo prazo Pela primeira vez, a estabilidade consentida fora atingida: aproximadamente de 4.000 empregados foram dispensados.

3.12 - Preparando a privatização

A partir da quebra do monopólio, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, foram tomadas medidas para recuperar as tarifas e acabar com o subsídio cruzado. O governo deu início, nessa ocasião, a vultosos investimentos com o objetivo de melhorar os serviços e aumentar a atratividade das empresas, tendo por finalidade a venda do sistema TELEBRÁS.

192

Em 95 o pessoal mudou a Constituição, abrindo a questão do monopólio. Iniciou um processo de reajuste de tarifa, recomposição tarifária. Uma dos principais pontos de estrangulamento das empresas, entre elas a TELERJ, é que, como a tarifa era mantida lá embaixo, não havia recursos para investir. Para a privatização ser atraente, eles iniciaram um processo de recuperação das tarifas (...). Outra coisa a destacar é que a TELERJ e o estado do Rio de Janeiro têm algumas especificidades. Na época, (...) demonstrou-se que os investimentos do governo federal eram, historicamente e em vários setores, muito mais baixos no Rio de Janeiro do que, por exemplo, em Minas Gerais. Se compararmos os investimentos na própria TELERJ com os investimentos na TELEMIG ou na TELEBAHIA, vamos ver que aqui eles foram muito menores. (...). Você tinha o quantitativo de investimentos liberados muito inferiores a outros estados. Você queria o telefone, não tinha o telefone. Essa questão foi trabalhada de forma eficiente pra jogar a população contra a TELERJ. Você tinha a população absolutamente revoltada (...).Uma parcela significativa da população foi ganha para o processo de privatização. (...). Não foi só o sistema de telecomunicações que foi privatizado. Várias outras áreas foram, também, objeto de privatização, empresas como a Light, a Companhia Siderúrgica Nacional. Do ponto de vista de relação de trabalho, eu acho que esses fenômenos do ideário, o conjunto de questões que simbolizavam as mudanças de natureza neoliberal não estavam só na privatização. (...) E antes do processo de privatização, já estava em curso um processo de terceirização de algumas áreas (Gilberto, exlíder sindical). Eu me lembro que uma ocasião nós gastávamos por ano com um nível de investimento (...) de 300, 350 milhões de dólares na planta. Aquele ministro, Sérgio Motta, destinou quase 1 bilhão e 100. Se você tem capacidade para fazer 300 e pouco, como você vai fazer quatro plantas, 3 plantas e meia em um ano? (Paulo). O processo de externalização de atividades – ou de terceirização como é mais conhecido – consiste em concentrar esforços naquilo que é a vantagem competitiva da empresa e transferir o conjunto das atividades, seja de apoio ou mesmo de produção e serviços, para outras empresas, com o objetivo de reduzir custos. As atividades podem ser mantidas no interior da empresa contratante ou deslocadas para as plantas das contratadas. Na TELERJ, durante muito tempo a terceirização ficou restrita às atividades relativas à expansão, como as obras civis e de rede, executadas, respectivamente, por empreiteiras e por firmas especializadas. Na década de 1980, as atividades de vigilância e limpeza foram terceirizadas. Até as vésperas da privatização, o percentual de contratos de terceirização de mão-de-obra era considerado baixo em

193

comparação com as outras empresas da TELEBRÁS e, sobretudo com uma grande parte das grandes empresas. As outras empresas do grupo já utilizavam esta e outras modalidades de contratação para terceirizar atividades, tanto atividade-meio quanto atividade-fim. Entre as outras modalidades, estavam os convênios com fundações para fornecimento de mão-de-obra direta, como estagiários e aprendizes, ou indireta, sob a forma de consultoria. Foram firmados contratos com universidades para o fornecimento dos mais diferentes serviços técnicos, entre os quais projetos de sistemas e desenvolvimento de aplicativos específicos para o segmento. A TELERJ começou a efetuar estudos neste sentido tardiamente, tendo enfrentado uma série de problemas, alguns de ordem interna, alguns inerentes à forma inadequada de contratação para o tipo de serviço a ser prestados, além da deficiência nos critérios de qualidade dos serviços prestados e na dificuldade de manutenção dos mesmos. (...) a TELERJ sempre foi a campeã de reclamações junto aos órgãos competentes. O que eu verificava é que na área de tecnologia da informação, a gente realmente tinha alguns problemas. Esses problemas eram causados pelos mais diversos fatos. Por exemplo, teve época em que a gente tinha pessoas vindas de fora que não tinham muito conhecimento daquilo que já existia e chegavam ali e faziam um pedaço, uma ponta e iam embora. E nem sempre os funcionários tinham a oportunidade de estar acompanhando o que estava sendo feito. É como se cada um de fora chegasse e fizesse uma droguinha e fosse embora. As coisas ficavam lá pra gente consertar (Sílvia). Eu acho que o pessoal que trabalhava na área de operações talvez sentisse mais as mudanças. No caso deles, teve logo aquela demissão enorme do pessoal de rua206. Então, começaram as primeiras terceirizadas que eles começaram a contratar. Era o pessoal que ia consertar o cabo e não sabia nada. Tiraram o pessoal que conhecia, alguns se associaram para formar firmas pequenas, mas nem todos, então foi um Deus nos acuda realmente. (Beatriz) A TELERJ terceirizou porque não tinha mais mão de obra (própria) para fazer. Mas ela colocou empregado próprio trabalhando junto com terceiro. Então, ela não mudou a mentalidade. Ela usou isso como projeto tampão. Nós tínhamos uma lógica para a instalação de telefone. Não tínhamos mais empregados, não podíamos mais contratar, não tínhamos mais autonomia para trazer pessoas. Então não tinham pessoas para instalar. Faz-se um contrato de terceirização de serviço. Aí saiu todo mundo instalando telefone rapidinho. Êba, deu certo! O que o diretor de Operações faz? 206

Demissões de 1991 e1996.

194

Contrata na mesma modalidade desse contrato para reparos. O que o terceirizado passou a fazer? Quanto mais reparo mais eu ganho. Ele consertava o seu telefone e estragava o meu, que era vizinha sua. Depois esperava a ordem de serviço para poder consertar o seu telefone também. Quando a TELERJ se deu conta disso, percebeu que a modalidade contratual teve efeito reverso, nós disparamos e fomos a primeira empresa em reclamações, superando a Golden Cross na época. Então, nós fizemos muitas vezes a nossa crucificação mesmo. (Ângela) Era consenso entre os empregados que a empresa não estava bem e que era necessário melhorar a qualidade dos serviços prestados. Durante o processo de discussão no Congresso da quebra do monopólio, começaram a serem veiculadas pela imprensa severas críticas ao desempenho do TELEBRÁS, inclusive do próprio ministro das Comunicações, Sérgio Motta. O principal alvo da campanha era a TELERJ . O ponto alto desse movimento foi a entrevista do ministro ao programa Roda Viva da TV Cultura, em março de 1995. O ministro fez menção aos problemas do Sistema TELEBRÁS e em particular chamou a TELERJ de calamidade, tendo utilizado outros termos mais pejorativos. Os empregados da TELERJ sentiram-se particularmente afetados pelas declarações do ministro e chegaram a publicar uma matéria paga em resposta às críticas, pedindo apuração das denúncias. Na entrevista, Sérgio Motta praticamente agrediu os empregados da TELERJ, principalmente as chefias. (...). Nós, gerentes na época, entendemos que fomos agredidos pelo ministro (...) [e] respondemos através de uma matéria paga no Globo. Nós nos cotizamos e pagamos um anúncio de talvez ¼ de página respondendo ao ministro. Isso era fruto da mídia da época, por forçar muito a barra em cima da TELERJ, principalmente por causa dos defeitos. As pessoas de fora lendo o jornal todo dia criticando a TELERJ, todo dia falando que tem tantos mil defeitos que não são consertados. Então, as pessoas começaram a acreditar que a TELERJ realmente era isso, que as pessoas também eram assim. Eu credito esse detalhe a isso. Uma conseqüência das notícias. E vêm as pessoas de fora, pegam a empresa nessa hora e acham que realmente isso acontecia. Com relação à qualidade do pessoal da TELERJ, não acho que era bem assim, porque antes da privatização muita gente se baseava na TELERJ pra fazer as coisas. (...) Eu acho que tecnicamente a TELERJ era competente. Agora, os defeitos eram causados em decorrência de ser uma empresa muito antiga, com os cabos telefônicos dentro de um terreno arenoso. A TELERJ pagava pelo fato de atuar numa cidade litorânea, terreno muito úmido, e os cabos por muitos e muitos anos iam deteriorando. Então, era difícil realmente combater os defeitos do Rio de Janeiro (Humberto).

195

Eu não me sentia bem, (...) porque a essa altura era uma coisa sentida por qualquer empregado da empresa, do nível mais alto até o faxineiro. Se você conversava com seus amigos de fora da empresa, só ouvia reclamação e eram todas justas. E você sabia que a TELERJ tinha capacidade para fazer as coisas funcionarem e não funcionavam. Então, havia um sentimento de injustiça. As pessoas gostariam de estar rendendo mais, funcionando melhor, davam o melhor de si, mas não tinham os recursos necessários. Não tínhamos o apoio necessário (...) a empresa realmente não funcionava bem (Murilo). Realmente, a TELERJ era uma calamidade porque além dela ter sofrido anos e mais anos pelos seus próprios problemas, ainda havia os problemas do Estado do Rio. Depois a empresa pegou uma administração pela frente que aproveitou para depenar ainda as poucas coisas que tinha, inclusive todos os contratos ficaram muito mais elevados. (...). Quando o ministro falou aquilo, a demanda que tinha aqui do Rio era uma coisa espantosa, havia uma pressão realmente grande. Na Baixada, por exemplo, era uma briga muito grande, terminais com 48 meses, 50 meses ( de plano de expansão com prazo vencido sem instalação). Na verdade, eu diria que isso (...) era até prejudicial à privatização. Eu diria o contrário, eu diria que se ele quisesse começar bem o processo da privatização, acho que ele não deveria nem ter tocado nesse assunto, porque eu acho que era prejuízo para a privatização, colocar a venda algo tão calamitoso como era a TELERJ. Eu não vejo com esses olhos a palavra do ministro (Fred). A gente sentia muito, como se a gente tivesse uma possibilidade de falar pra cima coisas que se sabia tecnicamente, mas que não passavam pelos nossos diretores a capacidade de esclarecer. Por outro lado tinha certeza de que se queria esse esclarecimento. Lá atrás, um dia botaram um presidente da TELEBRÁS, que era um cara maravilhoso, que a TELEBRÁS considera o bam-bam-bam para presidir a TELERJ. Por que ele não conseguiu mudar a TELERJ se ele era o homem mais capaz e conhecia tudo, que era capaz de fazer? Porque na verdade a TELERJ herdava uma história, ela herdava um peso, em função das estruturas que ficaram vigentes que na verdade dirigiam vários estados e passaram a não dirigir. O que ocorre é que era preciso culpar uma classe pra poder fazer uma mudança convencendo na mídia que isso era absolutamente necessário (Ângela). Isso foi razão de uma grande reação. Vários gerentes trabalharam na empresa durante mais de um ano para resgatar a empresa, se envolvendo, não tendo horário pra sair, envolvendo sábado e domingo, e eu fui um deles. Porque se meus companheiros estavam fazendo isso, eu não ia deixar de acreditar, e não deixava de acreditar (na recuperação). E ele [o ministro] fez essa declaração aí houve justamente a revolta dos gerentes, porque houve uma orquestração com publicação em jornais de circulação. Então você vê o seguinte, como havia uma união, houve uma reação e se colocou no jornal de

196

grande circulação uma resposta207. Aí ele fez algumas reuniões conosco e disse: se o problema é esse, realmente eu admito. Admitiu e colocou (recursos). Só que fisicamente era impossível, por mais que todos trabalhassem, era impossível você fazer quatro plantas em um ano, ou três plantas e meia em um ano. O fato de você liberar limite num ano só não vai consertar o que você deixou de fazer três, quatro anos pra trás. Porque o comprometimento ele já esta ocorrendo. Então você reverter você leva certo tempo mais rápido que você faça. Eu acredito que tenha havido outras variáveis. Até pelo próprio processo que nós estávamos você cai, você fica deprimido com a situação, você fica mais ineficiente, então aquilo gera uma série de coisas. (Paulo) O sistema TELEBRÁS passou por um processo de formatação e preparação para a privatização. Em 1996, já prevendo a possibilidade de privatização, a empresa ofereceu um primeiro Plano de Desligamento Incentivado – PDI, que obedeceu a determinadas regras impostas pela diretoria. Essas regras referiam-se basicamente à elegibilidade para a adesão ao plano e aos benefícios a serem oferecidos. Antes da privatização, nós tivemos um chamado PDI, Programa de Desligamento Incentivado (...). Fui eu quem comandou esse programa. Eu já havia deixando a área de planejamento econômico-financeiro, apesar de eu ter sido convidado no final de 95, outubro, (...) a assumir a gerência de um departamento que estava sendo formado por dois outros departamentos de RH. Foram desenhadas as possíveis diminuições de pessoal, mas não imaginava que fossemos chegar aos problemas que chegamos. Você vê, mesmo com os problemas da empresa, o modelo TELERJ foi adotado por todas as teles. Todas elas adotaram o PDI (...) Nós trabalhamos durante meses, acho que mais de sete meses. Porque batia na TELEBRÁS, a TELEBRÁS mandava reduzir, ou alterar, enfim. Aquele trabalho de ir, voltar, ir, voltar. Esse foi o primeiro programa, mil e pouco empregados, (...) mas existiu o respeito. Só foram desligados aqueles que estavam sendo incentivados, quer dizer, 98%, 97% eram os “aposentáveis”. Os indivíduos que tinham condições de se aposentar e que queriam aderir ao plano. (...) Os que não queriam, não saíam. Então, eram condições bem claras e que tinha um batalhão de gente assessorando, tinham vantagens financeiras. Se não me engano era quase 60% de cada salário a pessoa recebia da sua remuneração. Plano de saúde durante seis meses, a previdência privada já existia e era paga pela empresa, não me recordo quantos meses, não sei se até se aposentar para aqueles que queriam se aposentar, ou tantos anos, a empresa daria a parte dela até o indivíduo se aposentar. Foi um senhor plano (...) nós queríamos aliviar o quadro para evitar chegarmos com um quadro na privatização muito cheio, 207

Foi publicado no dia 17 de março de 1995, como matéria paga, no Jornal o Globo, a resposta dos profissionais da Telerj às diversas matérias veiculadas na imprensa sobre a entrevista do ministro Sérgio Motta ao programa Roda Viva da TV Cultura de SP. Ver reprodução do anúncio no anexo 2.

197

até porque nós havíamos incorporado a CETEL, e como já tínhamos esse problema meio crônico. Depois teve uma saída grande, mas não foi incentivada. Foi um desespero dos empregados na área técnica operacional, na área de engenharia, que era a (projeto de) reformulação da previdência (oficial). Com isso criou-se uma corrida à aposentadoria. E o empregado que era aposentável perdia o direito aos 40% de multa do FGTS de indenização (ao ser demitido). Isso era legislação e o TCU, e nós éramos auditados. Então se não me engano foram mais mil, mil e poucos empregados da área técnica (que saíram). Isso nos causou um problema sério, porque você tirar mil e pouco (empregados) da área técnica (operacional)é ruim. Você já estava com problemas na área técnica, você tira mil e poucos num mês, imagina o que aconteceu. (Paulo). Eu não saí com o PDI. Eu saí porque começou um boato, e eu soube depois, boato esse incrementado pelo diretor de pessoal, de recursos humanos, que pessoas como eu, que já tinham tempo para a aposentadoria, se eu não saíssem até o dia que eu saí , correria o risco de perder (os 40% do fundo). Nessa época eles já queriam diminuir o nível de funcionários. Então eu vim trabalhar e voltei aposentado. Porque foi assim: Quem se aposentar hoje ainda recebe (40% do FGTS), que era o último dia do mês, 30 de outubro, então tem que decidir isso hoje porque se não vai correr esse risco. O país passou por momentos em que leis, regras, nada disso estava valendo. Então, era possível se saber pelo Jornal Nacional que a partir daquela data deixa de valer os 40% do Fundo de Garantia para quem já atingiu aquela meta. (Garrone) Na preparação para a privatização, o papel da TELERJ limitou-se ao de uma mera informante de dados. Assim, ignorando os rumos do processo, a empresa não se preparou para enfrentar o novo cenário que se avizinhava.

No entanto desde 1991, outras

subsidiárias208 se aparelharam para fazer face ao novo cenário de competição que se configurava. Somente às vésperas da privatização, assim mesmo pontualmente, a TELERJ começou a participar do processo em conjunto com as outras empresas que seriam agrupadas na Tele Norte Leste. Eu acho que quem se preparou foi a TELEBRÁS, se muniu de dados sobre as empresas. O preparo da empresa foi no sentido de fornecer dados. Sempre mais e mais dados. E a gente na verdade muitas vezes entregou de bandeja dados que poderiam ter ficado um pouco mais reservados para o momento posterior. A gente não fez isso. A gente sequer se preparou ideologicamente pra isso (Ângela).

208

Ver descrição do processo de transição na TELEMIG em Rodrigues, Carrieri e Luz- Tempos de desconstrução- Cap 2- p 34 e 35

198

Nós começamos um processo pré-privatização. Reuniões sucessivas que visavam fazer uma avaliação na área de informática, procurar buscar padrões, melhores sistemas, melhores práticas, o que se esperaria seria adequado, para que as empresas da área trabalhassem de forma harmônica e na hora que privatizasse juntássemos, já sabíamos que ia juntar várias das empresas, era importante que nós estivéssemos minimamente organizados. Bom, foi pra mim um processo muito chocante. Porque no dia que eu fui para a primeira dessas reuniões, percebi nitidamente que algo já fora montado, e que eu era o patinho feio. Percebi que as pessoas se falavam, se relacionavam. Bahia e Minas é que predominavam, porque nós estávamos falando de TELEMAR, que ia ser do Rio para cima. Eu cheguei com toda vontade, toda garra, toda disposição, novo no cargo, com uma enorme vontade de fazer coisas, e até trouxe essas posições para o meu chefe, que era o vice-presidente da empresa, e falei para ele: “as coisas já estavam andando, os outros já estavam conversando há muito tempo, a gente aqui está meio fora”. Nessa época, até que o dinheiro entrou, comecei a receber facilidades de reestruturação. Fizemos um trabalho de consultoria amplo, contratamos uma consultoria e reestruturamos o departamento, mas faltavam seis meses para a privatização. Foi assim um banho de loja importante que nós demos, melhoramos alguma coisa, mas a essência que eram os sistemas, que eram os equipamentos, que eram as redes, principalmente os sistemas de informação que nós tínhamos não era coisa que se pudesse mudar em 6 meses, pois estávamos defasados em relação ao resto do sistema TELEBRÁS. (Murilo). Sob o ponto de vista dos empregados, o desempenho do sindicato ao longo do processo ainda hoje constitui um ponto polêmico. Era preciso preparar a transição e isso não foi feito. Alguns empregados argumentaram que mais importante que a discussão travada sobre da mudança de controle acionário do setor era a discussão das alterações nas relações de trabalho, o que não foi feito. O sindicato aglutinou os empregados em torno do combate à idéia de privatização. Decidida a privatização, o combate se deu no nível jurídico da contestação da venda, tendo sido estabelecidas poucas regras com relação à manutenção dos empregos e às novas regras de contratação e demissão. Não foram discutidas, por exemplo, as avaliações das consultorias209 em termos de expansão ou redução do número de empregados. O debate, nesse caso, resumiu-se aos critérios de apreçamento utilizados.

209

A privatização do Sistema Telebrás poderá criar 100 mil empregos nos próximos dez anos. Em 2003 deve levar a um aumento de 65% na força de trabalho do setor, principalmente nas empresas privadas. Essa análise consta de relatório que integra estudo sobre produtividade no Brasil, divulgado na semana passada

199

O processo de resistência à privatização ele ocorreu, foi bastante acentuado, e ele foi um elemento que ajudou também a aglutinar pessoas dentro e no entorno do sindicato (Gilberto, ex-líder sindical). O problema estava no deslocamento da empresa para o futuro. E isso se dá na área de relações trabalhistas de uma maneira evidente até com o sindicato que foi absolutamente piegas o tempo todo, lutando pela chupeta enquanto que o emprego estava correndo risco. Um sindicato que percebeu muito pouco o panorama de competitividade que vinha para as telecomunicações. O sindicato não percebeu que, com a abertura à competição, o clima seria outro, o preparo do empregado seria outro. E eles continuaram lutando pela creche, por isso e por aquilo, sem brigar pela atualização tecnológica, por um plano de incentivo para o funcionário, para a provável saída de funcionário. Sem brigar por um processo de terceirização diferente desse que ocorreu (...) (Ângela). Muitos empregados se julgavam indispensáveis à empresa. Eles acreditavam que sua experiência, conhecimento e capacidade de trabalho seriam certamente reconhecidos. Como se a TELERJ fosse eterna, como a rede fosse a mesma, como se instalar e reparar telefone fosse sempre a nossa missão. E o empregado acreditava naquela TELERJ que ele instalava, botava, ia lá reparar o fio,estava sem dinheiro para fazer isso, lamentava que a TELERJ não era mais a mesma, que já não tinha mais a capacidade de solução de problema. (...) O empregado tinha um fazer que ele tava convencido de fazer bem feito, de fazer da forma melhor. A ponta tinha muita coisa do saber fazer, da habilidade manual, de uma história vivida, absolutamente importante, pertinente, mas que não ia dar conta da nova realidade tecnológica, que não tinha esse trabalho artesanal, que não tem essa configuração da forma como eles estavam vendo. Mas o que mais me espanta é que a gerência não percebia isso. A gerência se sentia estável absolutamente necessária e fundamental ao processo. E eu dizia: quando houver uma mudança cultural é a gerência que vai ser mexida, não vai ser o empregado. Empregado fica enquanto eu precisar puxar o conhecimento, mas a gerência vai mudar, porque é essa gerência que não lida com a competição. Porque lidar com a competição é ter valores que a gente tinha que desprezar em nós (Ângela). Como observado pelo Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) da COPPE/UFRJ ao Ministério Público Federal sobre o processo de privatização da TELEBRÁS (1998), os critérios de avaliação usados pelas consultorias internacionais, pela consultoria americana McKinsey. O Estado De São Paulo(pág. 1 e B5). Dados da consultoria foram utilizados TELEMAR para estimar o percentual de pessoal a ser demitido em nov/1998.

200

que apoiaram o BNDES e a TELEBRÁS, superestimavam a influência da competição no âmbito da telefonia fixa e, sobretudo, a demanda. Eu acho que essas consultorias consagradas realmente avaliaram mal (...). Ao fazerem as previsões para o futuro do setor de telecomunicações, eles também estavam fazendo previsões para o futuro do próprio Brasil. Então, o mesmo problema que ia ter na TELERJ de conseguir arrumar o dinheiro, o Brasil também não está conseguindo. Logo depois com o próprio Fernando Henrique, ainda no segundo mandato, as coisas começaram a ficar mais claras, dólar disparando, muita coisa escondida. Então, realmente o fator é esse, não adianta você estimar qual seria a demanda de modo geral (por padrões internacionais), a demanda é função do preço. Se você não tem como pagar realmente, aquela demanda que você achava que existia, não existe, e assim foi210 previram uma demanda que não existiu. (Fred) A TELERJ, em conjunto com as outras concessionárias que faziam parte da holding Tele Norte Leste, disponibilizou recursos e informações sobre a empresa para os interessados na compra. O processo lá em Brasília foi o seguinte, você tinha os interessados na compra do sistema TELEBRÁS, ainda não estava dividido, era um sistema só que foi leiloado por região. Os interessados – espanhóis, italianos, empresas nacionais – queriam conhecer o que estavam comprando, e aí faziam as perguntas. Ocorreram reuniões com os grupos de compradores em que a gente tinha que reunir uma pessoa de cada área com os seus diretores pra responder a qualquer tipo de pergunta que os possíveis compradores fizessem. As questões eram respondias através do data-room do BNDES, que jogava ali as perguntas de cada interessado e nós respondíamos através do sistema de computação, e respondíamos também em reuniões com esse pessoal (Humberto). A viabilização da separação acionária da TELEBRÁS em holdings regionais foi um processo complexo, envolvendo inclusive ações junto à SEC ( US Securities and Exchange Comission)211 norte-americana e à Bolsa de Valores de Nova Iorque.

Foi um processo complexo de negociação com a SEC, Banco de Nova York, Bolsa de Nova York. Eu ia também para Washington, era uma briga pra convencer da divisão. Para o americano a contabilidade era diferente, e para eles se a TELEBRÁS não morresse, como não morreu até hoje, 210

Durante todo o processo de privatização uma das razões enunciadas era a baixa teledensidade do país. Posteriormente, tanto a TELEMAR quanto a Telefônica passaram a defender a utilização do indicador Telefones/ PIB per capita que era o recomendado pela UIT. 211 Corresponde à CVM brasileira – Comissão de Valores Mobiliários

201

dependendo da forma da divisão tinha um tipo de tributação . Se acabasse TELEBRÁS e dividisse em 12 era simplesmente uma ação que dividiu em 12, caso contrário era como uma ação que desse um dividendo, então eles iam pagar uma tributação elevadíssima. Foi um período realmente muito ruim, mas deu certo. Quer dizer, privatizou. Agosto ia privatizar, e privatizou (Fred) Havia um temor dos responsáveis pela privatização que não houvesse interessados nem na Tele Norte Leste nem na EMBRATEL. Por conta disso, houve incentivo e intervenção governamental para a formação de consórcios e afrouxamento das regras para a compra.

O que eu sei é que o Opportunity tinha um grande interesse na TELERJ e que ele iria disputar a TELERJ, mas terminou ganhado antes em áreas que não esperava e aí não pôde entrar no leilão da TELERJ. Mas não era só a TELERJ que podia não ter interessados tinha também a EMBRATEL. A EMBRATEL inclusive quase que não sai, inclusive o ministro teve que intervir também na antevéspera para que tivesse realmente candidatos, no final tiveram até dois. (...) Porque a EMBRATEL foi uma empresa que foi desenvolvida de uma forma muito cara na época. Teve esse problema na nacionalização de equipamentos, aquela obrigatoriedade de nacionalizar equipamentos de informática, então as pessoas importavam e montavam aqui, e tinha pouca gente que fazia isso e os preços eram absurdos. Então, naquela época da privatização, 98, que você conseguia montar uma EMBRATEL melhor que ela e com preços muito inferiores, devido ao preço de equipamentos da época de transmissão. Mas isso também foi levado em consideração na hora de dar preço pra EMBRATEL, porque se fosse considerar exatamente o valor do ativo contado dela, realmente era difícil você privatizar. Terminou conseguindo, talvez o que tenha tido mais problema na privatização, para mim, foi a EMBRATEL (Fred). Apesar da intensa mobilização na Praça Quinze, dos opositores à privatização, como parlamentares, sindicalistas, empregados, movimentos populares, dentre eles o MST, em torno do prédio da Bolsa de Valores onde ocorria o leilão. No entanto, em muitos setores da empresa a privatização era tida como um fato consumado. No dia em que houve o leilão, estávamos todos reunidos na sala, não me lembro de quem, quando ouvimos a notícia de que a TELERJ tinha sido adquirida por um consórcio de quatro empresas. Fui pra casa muito triste e achei que no dia seguinte estaria todo mundo triste, chorando. Para mim foi uma grande decepção quando vi que os meus colegas se comportavam como

202

se nada tivesse acontecido. Deu uma vontade de chorar, porque isso me dá, pra mim era muito forte a minha relação. (...) (Marília). No dia que privatizou, (...) eu estava numa posição a essa altura privilegiada, que eu já tinha um nível de chefia e tal, mas o pessoal trabalhador mesmo não recebeu muita informação. Quando chegou a privatização, imediatamente, um monte de chefias foi mandado embora no primeiro mês e ficou um clima de terror por que ia haver mais demissões em três meses. (Murilo) Quando chegou a privatização, eu acho que a diretoria se entendia com perspectivas políticas, mas o empregado já estava machucado demais pelas evidências e pelo descrédito da população. (...) Eu via que alguns dirigentes estavam absolutamente separados do contexto do empregado. O empregado estava marcado como população e triste pela questão de não estar mais dando conta de atender a população. Sabendo que existia um processo de desgaste intencional da TELERJ, ele não se via com perspectiva de dar o salto. Acho que o desânimo tomou conta do empregado (...). A passividade que era o fator mais concreto, quer dizer, te rotulam tanto como servidor que você acaba achando que é mesmo. Eu não sou servidor público, eu cumpro horário, eu tenho meta, tenho resultado. A visão é completamente diferente, o comportamento é diferente (...). O espírito de empresa, o vestir a camisa, a gente tinha isso. O que doía no empregado é porque ele vestia a camisa, a calça, chapéu, paletó, gravata, tênis, capacete. Vestia tudo da TELERJ. A gente tinha orgulho de pertencer. Essa deterioração não acabou com o orgulho de pertencer. Magoou o orgulho de pertencer, mas não tirou do empregado o orgulho de pertencer. Tanto assim que a TELERJ continua sendo uma grande referência para quem trabalhou nela (Ângela).

3. 13 - A consolidação- 16 em 1 Logo após o leilão, em agosto de 1998, a Tele Norte Leste foi estabelecida em Brasília fora, portanto, da sua área de atuação (a localização da sede fora disputada por Minas e pela Bahia). Em uma de sua primeiras declarações à imprensa, o presidente do Conselho de Administração da holding Carlos Jereissati afirmou que a decisão pela sede dependeria dos “carinhos” que a empresa recebesse212.(O Globo 30/07/1998, 10 caderno : 28). Foi depois que nós ficamos lá, depois que o leilão terminou. A primeira sede começou no edifício da SISTEL em Brasília, com um andar 212

O governador do Rio Marcelo Alencar afirmou que fará o possível para que a empresa fique no Rio. (O Globo, 30/07/1998, 10 caderno : 28)

203

alugado da SISTEL. Em outubro a holding foi transferida para o Rio de Janeiro. Como Tele Norte Leste, antes de se denominar TELEMAR (com o nome de fantasia). (Humberto). Ainda nos primeiros dias após o leilão, os dirigentes da Tele Norte Leste declararam ter muita preocupação com a TELERJ. Os novos donos estabeleceram um prazo de 90 dias para que fosse efetuada uma auditoria nas 16 empresas, não apenas na TELERJ. O objetivo era fazer um diagnóstico de todas as empresas e traçar um rumo para a Tele Norte Leste. A holding veio para o Rio, parece que em outubro de 98, mas já estava se analisando o problema da transformação das empresas do sistema TELEBRÁS para a nova empresa que seria a Tele Norte Leste. Foi feito um trabalho de diagnosticar todas essas empresas, o que existia, chamavam raiox, uma fotografia. A recomendação era de se colocar no trabalho o que existia, fazer uma fotografia. Se era feio ou bonito, não interessa. O importante era quantificar, saber o que existia: tantos empregados, qual despesa, quantos cabos, quantos edifícios. Esse trabalho deveria ser feito por cada área (rede, informática, pessoal, suprimentos). Tudo que havia tinha de ser quantificado para que os novos donos soubessem o que tinham em mãos. Empregados efetivos, contratados, terceirizados, tudo. E aí acharam que benefícios concedidos eram um escândalo. E dentro desse trabalho, na área de recursos humanos, a quantidade de empregados foi foco de um trabalho especifico, para que eles determinassem qual seria o número ideal de empregados dentro da empresa. Mas isso feito por uma consultoria externa (Humberto). Os consultores fizeram um levantamento, uma avaliação (....) A Teleceará ganhou verde em tudo (...) Para a TELERJ era tudo vermelho. (...) A TELEBAHIA tinha alguma coisa boa (...). O Rio ganhou nota ruim no projeto do Ano 2000 dizendo que Rio não estava preparado. Depois eu fui e falei com o consultor, que era um português que organizava aquele levantamento: você teve a coragem de dizer que Rio não está preparado para o ano 2000? Eu sou coordenador, eu sou do Rio, 90% do que está aqui no questionário o Rio está fazendo. Por que a gente não está preparado? Quem disse para você? Ah, mas entrevistei... Entrevistou quem? Quem conhece o assunto? Quem deu essas informações? Nessa época, o estigma TELERJ era realmente muito brabo. (Antônio). Como se a história se repetisse a empresa sofreu uma espécie intervenção. A TELEMIG assumiu os postos de comando e passou a monitorar as ações das chefias. Renomadas consultorias começaram a fazer diligências e a traçar um mapa da situação.

204

Quando privatizaram a TELERJ, ela sofreu um processo de invasão, um processo de conquista muito curioso. Uma ou duas semanas depois da privatização, nós fomos invadidos pela TELEMIG. Chegou um monte de mineiros para tomar o lugar dos cariocas, na empresa inteira (...) Foi uma coisa impressionante, um impacto brutal, ainda mais nos níveis de chefia, onde eu me encontrava na ocasião. A primeira reunião com todos os chefes presidida pelo novo diretor, ele disse que tinha um mineiro para ocupar o lugar de cada um de nós (...) No meu caso foi pior. Ele falou assim: o seu mineiro é fulano que não quer vir morar no Rio não, então ele vai ficar do seu lado um tempo aí, até a gente ver o que vai fazer, mas é ele que manda. E eu tive que aturar uma pessoa, infelizmente desagradável, deselegante comigo, e com os companheiros, arrogante, durante algum tempo. (...) No resto da empresa foi um pouco diferente porque alguém assumiu diretamente, um outro mineiro em muitas áreas, não em todas, mas em muitas, e as coisas foram cada uma de um jeito. Até que esse mineiro, como não queria ficar no Rio, foi embora realmente e entrou um outro mineiro, uma pessoa bastante razoável (...). Ficou mais alguns meses comigo e aí entendeu que eu era uma pessoa séria, “apesar” de ser carioca, isso não era um demérito, porque parecia na ocasião que era. Ele começou a se interessar pelo que nós fazíamos, começou a valorizar e foi um período decente de trabalho, durante alguns meses. Eu sabia que ele também não ia ficar e ele ia contratar no mercado alguém para gerenciar informática. Eu o assessorei até chegar essa pessoa do mercado. Foi um período até frutífero (Murilo). Visando à redução de custos, a empresa iniciou um processo de padronização de procedimentos e de informações. Esse período foi longo e cheio de percalços para os que vinham da antiga TELERJ. As dificuldades encontradas na execução dos serviços foram aumentadas pelas barreiras impostas dentro da própria organização.

O que me causou espanto na TELEMAR foi a diferença que existia entre as filiais da empresa. Embora eu tenha sido sempre do Rio, quando trabalhei na TELERJ,tive contato com pessoas de outros estados. Vou me ater mais a Belo Horizonte, para onde viajei diversas vezes, fiz vários intercâmbios, trabalhei em conjunto em mesmo sistema. O que ocorre? Eu acho que até pela cultura do estado, tem uma séria de fatores sócioeconômicos, o comportamento era diferente. Talvez porque o carioca é mais maleável, ele não esquenta muito a cabeça. Se eu tenho essa informação e ela tá precisando, eu vou passar, o que ela vai fazer com essa informação deixou de ser minha responsabilidade. Então tudo que estava no nosso alcance, tudo que era pedido, a gente se comprometia, a gente mandava, sem problema

205

nenhum. Mas quando o caminho era inverso, era uma dificuldade incrível. As coisas não chegavam a tempo, ou quando chegavam nunca era de primeira que a gente poderia estar confiando, porque sempre tinha uma informação depois que a gente precisava corrigir (...). Particularmente isso pra mim foi minimizado, não sei se é porque sou meio sem vergonha mesmo, eu consegui fazer um contato legal com o pessoal de BH. Até porque o grupo que eu trabalhava, por ser a maior parte delas do sexo feminino acho que isso também facilita. Então eu criei uma amizade. E pela amizade eu conseguia o trabalho. O que eu via que com os outros colegas isso já não acontecia. Isso daí foi muito chato. Bahia a gente já não teve esse problema tanto assim acentuado. A troca era melhor. Quer dizer, era a mesma empresa que por estar distribuída em locais distintos, as culturas eram diferentes e a gente sofria um certo prejuízo com relação a isso (Sílvia). O padrão pretendido para a nova organização não levava em consideração o estágio tecnológico em que as empresas se encontravam. Foram efetuadas projeções com base em modelos internacionais. Os degraus para transição de um modelo para o outro eram pouco considerados. Foi adotado um padrão internacional e ainda observada a unificação de determinados serviços. Existiam 16 unidades independentes, 16 centros de processamento de dados, almoxarifados, recursos humanos, começou unificando por região. Começou com no máximo quatro, hoje nem sei em quantos estão, mas começou assim: vamos acabar com o CPDs de determinadas empresas, das 16 só vão ficar quatro, os almoxarifados ficam também quatro. Além do problema do padrão internacional, você tinha redução pela unificação de determinados serviços. (Humberto). A adoção da estratégia de redução de gastos pelo consórcio TELEMAR teve como foco principal a unificação de atividades dentro da nova holding. Isso acarretou profundas mudanças para os trabalhadores das empresas, em especial para a TELERJ, pois implicou na redução de milhares de postos de trabalho. Esta não foi uma estratégia isolada da empresa operadora, estando inserida em um contexto de mudanças econômicas e de reestruturação geral das empresas, baseadas na flexibilidade da produção e do trabalho e que implicaram em uma pressão para a redução dos custos. Em novembro de 1998, a TELEMAR decidiu promover uma grande redução de contingente, de modo a adequar-se aos padrões internacionais estabelecidos por renomadas consultorias. O instrumento utilizado foi um programa de demissão voluntária, denominado Programa Incentivado de Rescisão Contratual - PIRC. O objetivo era não apenas a redução do

206

quadro funcional, mas também a renovação da mão-de-obra existente. Os percentuais aplicados não foram iguais para todas as empresas, tendo sido os valores estabelecidos pelas consultorias contratadas para este fim.

À TELERJ coube a maior parte das

demissões. Na época do PIRC tivemos uma consultoria externa, que foi contratada justamente para que não houvesse um vínculo afetivo. Porque a consultoria externa chega e desmonta tudo sem nenhum vínculo de dó, né. Então tinha um vice-presidente que só veio pra isso, só pra acertar o quadro de pessoal, procurando não estabelecer vínculo de amizade com ninguém pra poder executar como devia ser. A consultoria também externa que trabalhou no PIRC, e depois, acha que dois anos consecutivos nos contratos de acordos coletivos de trabalho. Quer dizer, uma consultoria que não tinha vínculo, então podia fazer as coisas de uma maneira sem pensar muito, sem ficar com dó de ninguém. (...) O percentual de corte não foi idêntico para as empresas. O que se cortou foi percentual na holding, no número total de empregados por macrofunção. Algo como devem ser cortados tantos por cento de informática, tantos por cento de recursos humanos. (Por exemplo:). Eu tenho mil empregados de informática e eu tenho que ficar com 100. Para tantas linhas, deve ter essa quantidade de pessoal de manutenção. Então, foi assim o percentual de corte é esse, eu quero a Tele Norte Leste com tantos empregados nessa macrofunção. A empresa que teve mais empregados sobrando teve mais corte. A empresa que era considerada como tendo mais empregados sobrando era a TELERJ. Então, a TELERJ parece que teve 3.500 demitidos na época. A TELEMIG 1.500, Tele Bahia 1.600. ou 1.100. Cada empresa respondeu pela sua quantidade, quem já tinha mais aí cortou mais (Humberto) Depois de privatizada houve o PIRC, que foi um programa de incentivo. Esse foi diferente do anterior, o PDI de 1996. Eu me lembro que na época eu fui indicado para coordenar esse plano devido ao que foi feito no passado, era o gerente do departamento pessoal, RH, então achava que eu era a pessoa mais indicada e assim acabei embarcando. O problema é que a autonomia que eu tinha não era uma autonomia de definições, de parâmetros, como eu tivera no PDI. As diretrizes vinham de um diagnóstico de uma consultoria externa e de determinações dos donos, que queriam, logicamente, aliviar aquele quadro de uma forma brutal. Não era uma economia de dinheiro. Eles não queriam mais o pessoal da TELERJ; esse pessoal era gado marcado. Eu tinha autonomia operacional, mas não autonomia em definir parâmetros de coisa. Não vou dizer que fui um mero executor, mas não foi muito diferente. Foi tudo muito difícil e a dificuldade foi exacerbada pelo prazo. Isso foi mortal. (...) No PDI, houve uma mexida, mas não houve trauma, porque foi uma das coisas que eu mais me orgulhei e a equipe que trabalhou comigo

207

foi impecável, todos nós estávamos arrasados e cansados, mas não arrasados moralmente. Eu me lembro que isso me custou muito, mas foi motivo de orgulho da equipe toda que trabalhou comigo, da área de RH. (...) Nós ficamos aos pedaços, mas nada com relação à conduta ou à consciência. O PIRC foi outro negócio. Eu nunca havia pensado em passar por uma situação daquelas. Eu tinha uma visão que não iriam acontecer os desastres que aconteceram, porque eu estava entregando a empresa mais enxuta. Eu tive vontade de sair no PIRC, mas acabei não saindo. Nós tínhamos na época 10.300 empregados, pois aquela situação de excesso de pessoal já havia sido tremendamente minimizada. Quando os números vieram das consultorias, vieram sem condições de serem negociados ou tratados no nível que nós estávamos. E no meio disso, nós também estávamos decidindo se ficávamos ou não. Nós vamos ficar, ou não vamos ficar, vamos sair junto com os companheiros? (...) Bom, ai nessa reunião eu participei de algumas reuniões, mas com o dono pouquíssimo. E foi inegociável, (....)Nós fechamos o PIRC com 3.248 demitidos. Estava-se tirando um terço da força de trabalho de uma empresa. Estavam fatiando a empresa em três fatias, três partes, e estavam mandando um terço para fora. Isso em qualquer organização do mundo tem um custo, um impacto violentíssimo. (...). E a TELERJ, talvez pela condição dela já ser o patinho feio da história, não foi concedido, nem o que fora concedido a outras teles, como depois eu fiquei sabendo. Eu cheguei a tentar negociar com níveis superiores, tentei e eu cheguei onde queria e não nada foi concedido. Eu tive que demitir todo mundo num dia só. Isso era impossível de ser operacionalizado, pois não teríamos condições de fazer a homologação da demissão dessas pessoas. Você tem 10 dias úteis corridos para homologar. E eu não tinha espaço físico para homologar tanta gente de uma vez. (...) Um cara, na época, me sugeriu que eu alugasse um galpão na Avenida Brasil para por todo mundo dentro, chegando em um ônibus, ou em trem, igual aqueles judeus... Eu passei dias e dias sem dormir, meu carro ficou parado acho que oito a nove dias, direto, eu não conseguia nem chegar perto do meu carro. Primeiro me sentia inseguro porque não dormia, não dormia não era falta de dormir, era porque não tinha tempo. Saía do CPD muitas vezes 4, 5 horas da manhã, 9 horas tinha que estar na minha área porque o meu pessoal estava desabando também, e você tem que se fazer presente. Então me senti inseguro em dirigir, podia cochilar, coisas desse tipo. As coisas foram acontecendo e eu acho que as pessoas foram fazendo o previsto, viabilizando o processo, tanto o meu pessoal(RH), como de TI, e do meu relacionamento com a Caixa Econômica. Viabilizaram-se coisas que eu acho que jamais foram feitas. Então, nós fomos capazes de fazer isso, concretizar esse absurdo e homologar quase que todo mundo em quatro dias. Depois eu soube que em outras teles eles estão cedendo 3, 4 dias para as demissões, nós tivemos que fazer em um dia só, e a homologação não se fechou em nem três meses. Então, batemos um recorde, infelizmente, pela razão errada. Fomos muito eficientes numa coisa que eu jamais imaginava que fosse acontecer na proporção que aconteceu, pois nos já tínhamos reduzido muito.

208

Nessa fase foi um sinal de total desrespeito. Não da equipe da casa, da equipe dos entrantes e de muitos vindos do Sistema(TELEBRÁS) que, não sei porque, tiveram condutas que não condiziam com a nossa cultura (Paulo). Você pergunta como eu me senti nos primeiros três meses após a privatização? Ótima, porque eu percebi que estava livre de uma coisa que eu ia ter que fazer que era processo demissionário. Eu tinha sido convidada pelo então vice-presidente para atuar no processo demissionário e eu achava que o processo demissionário nunca poderia ocorrer dessa forma. A gente tinha que fazer uma identificação das tecnologias, das pessoas capazes, isso ia levar um tempo que eles não iam ter. (...). Meu marido disse assim: “você não tem estrutura psicológica para trabalhar de forma inadequada um processo demissionário”. E eu falei: “é verdade, vou embora”. (...) Então eu vivi, egoisticamente, o alívio de não ter demitido as pessoas. Foi muito bom para mim. E demitiram mal, porque eu acho que houve demissão ruim. Acho que se perdeu muito, se recontratou pessoas que saíram, várias pessoas da área técnica se chamou para voltar, e voltava como prestador de serviço. Isso tudo foi extremamente desgastante. (...). Eu não acreditava que eles fossem ficar com a gente, como ele me dizia. O diretor disse assim para mim: Ângela, olha só, esse plano não é para mandar pessoas como você embora. Eu falei: o que são pessoas como eu? Então pessoas como eu, já significa uma classe, uma categoria. Por algum fator vocês me enxergaram, mas têm que enxergar N pessoas que estão aí que são ótimas, mas isso não iria ocorrer. E a SISTEL precisava ser aliviada. Eles não iam bancar a SISTEL. Então tinha um cenário econômico financeiro complicado. Perguntei para eles uma coisa assim: olha só, vocês estão dizendo para eu ficar. Quem me garante que vocês vão ficar? Seis meses depois eles não ficaram, saíram. Então não havia garantia que eles seriam as pessoas que iriam comandar o processo. Toda vez que você tem demissão, qual é a providência imediata após a demissão? Demitir o demissor (Ângela). Passados 90 dias da privatização e da intervenção na TELERJ, os empregados já tinham a percepção que a sua posição era extremamente desfavorável dentro da nova holding. Assim, muitos trabalhadores prevendo a possibilidade de serem demitidos sem as vantagens do PIRC, apressavam seu desligamento das empresas e aderiram ao plano. No entanto, alguns poucos trabalhadores sofreram uma pressão para continuar, pois seu conhecimento era considerado essencial para efetuar a transição entre o modelo de processos anterior e o novo modelo a ser implantado.

209

Teve o PIRC, eles mandaram toda uma tabela para você, os números, os valores que cada um ia receber. Então, pensou-se, e aquilo foi um incentivo, porque você sair. As pessoas, cada um sabe por si, cada um ta passando a situação difícil de grana e tal, então muitos foram. E foi dito também o seguinte: caso você não aceitasse ,você sabia você tinha o risco de perder o incentivo e ir de qualquer jeito. Eu joguei com a sorte. Eu não entrei aqui de favor, entrei aqui através de concurso, batalhei para entrar aqui, então vou ver como é que fica, joguei com a sorte mesmo. Mas tenho vários colegas que aceitaram, depois realmente foi uma decepção. Vários colegas nossos que estão até hoje aí mal (Regina). O PIRC, eu acho que ali já mostrou um pouco, pelo menos para mim o que seria experiência de pós-privatização. Não foi muito uma escolha, essa coisa de poder sair não. Porque eu mesma não tive essa escolha, gostaria de ter saído nessa época, já tinha um feeling, um aviso também dos usuários onde trabalhávamos que os nossos sistemas não ficariam que seriam sistemas que viriam de Minas, da área financeira. E pra mim acho que o tempo que eu tinha dado a empresa era suficiente, mas não, foi me dito não porque não podemos ficar sem você nesse momento de transição (Glória). Eu fiquei até 98. Privatizou, eu continuei lá e eles resolveram colocar todos os economistas lá no Irajá. A empresa já estava privatizada, então o seu chefe ficava olhando você fazendo as coisas e você via que as pessoas faziam, faziam, mas não chegavam a lugar nenhum. Trabalhavam para burro, você via aquele monte de papel, quando ia ver, dois meses depois continuavam lá na mesa do chefe. Você tinha hora para chegar e não tinha pra sair. Quando você saía 5 horas as pessoas já te olhavam assim: essa daí não está querendo nada. Porque você tinha que mostrar serviço para nada, você tinha que estar fazendo. Aí resolvi sair. Peguei o dinheiro, apliquei e arranjei um outro trabalho. (Margareth). Não tive opção, saí no PIRC. É verdade que eu não teria tido opção, porque uns 15 dias depois elas acabaram com a minha biblioteca. Então, na verdade a biblioteca do departamento de informática, que eu montei, eu e a S. na verdade ela acabou junto comigo. Ela cumpriu um ciclo e eu também. Eu acho que não saberia trabalhar na TELERJ depois que ela foi privatizada. Eles me mandariam embora logo no primeiro momento. Porque eu não sei ficar calada. Eu lembro da roupa que estava meu vestido preto, acho que estava de luto. Eu achei que não houve uma transição, eu acho que não houve uma aproximação, não houve um pouco de generosidade. Eu acho que é essa a palavra, uma generosidade. É como nós fossemos descartáveis. Agora, gente nova vai entrar aqui, vocês não servem para nada. (Marília)

210

Após as demissões, a holding iniciou um processo de mudança na forma de remuneração, reduzindo benefícios (tíquete-alimentação, adicional de férias) e congelando vantagens indiretas, como o adicional por tempo de serviço. Esse adicional de tempo de serviço respeitava o acordo do sistema TELEBRÁS desde a sua criação. Para o empregado, era garantido um adicional 1% a cada ano de serviço sobre o salário nominal. Assim, no intuito de respeitar os direitos adquiridos dos trabalhadores, os anuênios acumulados até aquela data foram transformados em valores e incorporados aos salários, sendo extintos a partir de então. O PIRC configurou-se como um rompimento do contrato psicológico de trabalho mantido até então. Nó entanto, nesse primeiro momento os sobreviventes acreditavam que após tantas demissões e com o ritmo acelerado de trabalho que estava sendo imposto, eles seriam considerados necessários a fim de garantir a continuidade operacional da empresa. Assim, estaria tacitamente assegurado que sua manutenção como empregado, daquele episódio em diante, dependeria exclusivamente de seu empenho, competência e capacidade de adaptação ao novo ambiente. Eu fazia o meu trabalho e continuei fazendo, porque acreditava que se trabalhasse bem direitinho podia ser que eu não fosse demitida. O que eu não sabia era que tinha gente que fazia trabalho bem feito e terminou sendo demitida. Então, não era bem por aí, mas era a minha crença, era a solução que eu encontrava (Beatriz). Sempre fui reconhecida, e de repente fui colocada pra escanteio. Eu só tinha duas opções: a inicial foi me acomodar e ficar me lamentando. Logo em seguida, eu falei: não é por aí que eu vou conseguir alguma coisa. Voltei a estudar, voltei a me preparar, passei a observar o que eles faziam, qual a minha diferença com relação a eles. E nessa eu fui. Mudei a tecnologia, trabalhava com mainframe, comecei a me envolver com plataforma baixa, consegui na época um curso pago pela empresa, em Oracle. Fiz o curso e mudei de sistema. Fui para um sistema de tecnologia de ponta em termos de faturamento. Fui fazer parte desse grupo, era uma migração de sistemas que a gente tava fazendo de sistema antigo que existia para o novo, pra essa tecnologia de ponta (Sílvia). Desde a privatização, o pessoal egresso da TELERJ começou a perceber certa discriminação, tanto por parte dos novos contratados, como dos colegas das outras empresas da TELEMAR, mas, sobretudo dos dirigentes. Ter sido da TELERJ passou a

211

ser um estigma a ser carregado, mas preferencialmente uma marca a ser apagada. Até na imprensa foram veiculadas matérias sobre o medo da ineficiência da TELERJ vir a contaminar as outras empresas da holding. A ameaça “não vai sobrar ninguém da TELERJ” passou a ser uma constante. Os acionistas chegaram já com uma visão da TELERJ que, no meu entendimento, era obtida na mídia, nos jornais e nas reclamações constantes que havia sobre a TELERJ. Elas não conheciam o pessoal da TELERJ, conheciam de ouvir dizer. Então, o que veio com esse carimbo de pessoal inoperante é o problema que eles chegaram já convencidos disso, e não por conhecimento próprio. E isso prejudicou muito o pessoal da TELERJ, porque eles não queriam mais a TELERJ. Tanto é que de início na Tele Norte Leste vieram 25 empregados da TELEMIG, que era considerada uma empresapadrão. Vieram muitos empregados da TELEMIG e não deixaram trazer ninguém da TELERJ para a holding. (...) (Humberto). Eu acho que quem conhecia, e deveria, na minha maneira, entender que é um respeito maior do que fizeram, foi o pessoal que veio de Minas. E que inicialmente tiveram respeito, porque eles vinham em grande parte da mesma cultura, mas era como se eles estivessem se afastado daquele barco contaminado. Isso era notório. Então, essa conduta foi muito marcante. A ponto de não se fazer amizade, você trabalhar com uma pessoa dois anos e você não ser amiga dela. Eu nunca havia conseguido fazer isso na minha vida, trabalhar tanto tempo com uma pessoa e não ser amigo, não ter carinho, uma coisa à distância. Estranhei isso. E depois eu compreendi, se a situação para ele é nociva, ele está se afastando, pra que ele não seja comprometido com aquilo. Então existia o logotipo TELERJ, existia a marca TELERJ em todos nós. Nós somos diferenciados. Eu ouvi muitas vezes diversos níveis, diretores e presidentes, que todos seriam demitidos naquela época. Eu ouvi isso até dentro de reuniões fechadas, o que me causou muita estranheza, porque entre os presentes tinham pessoas com posições chaves, que eram TELERJ e se orgulhavam muito dela, e a gente se contorcia com essa coisa. Isso foi dito, e não foi uma vez não, era toda reunião era falado isso. Então era igual gado marcado. Você tinha um fim que já estava anunciado (Paulo). Nós recebemos um rótulo quando da privatização, empregado de estatal não trabalha, é palito pendurado, não produz. Assim a empresa colocou bem claro que não queria mais este perfil e o pessoal que veio de fora veio com esta visão, e colocaram uma marca muito forte nos antigos, em nós. Para algumas pessoas nós mostramos que não, que não era assim que a coisa funcionava, mas para outras não. Agora uma pergunta que fica é aquela se existe um grupo que ocupa muito tempo um espaço, chega um outro grupo, e até que ponto as coisas não são feitas porque cada um quer ter o poder e mostrar mais a sua vaidade. Não sei. (Glória)

212

A estratégia utilizada para a padronização e a instalação de novos processos buscava, sem dúvida, uma mudança na mentalidade vigente no período de monopólio estatal. Era necessário que as pessoas que trabalhavam na Tele Norte Leste mudassem seu enfoque de que estavam trabalhando para a sociedade, com o objetivo de integrar o país, para o de aumentar o retorno do capital investido pelos novos proprietários. Neste plano de transformação estava prevista a extinção de todas as empresas e a criação de uma nova, única, com o nome fantasia TELEMAR. A nova empresa foi lançada no dia 9 de abril de 1999, com unidades de negócios nos 16 estados da sua área de atuação e escritórios comerciais em outros três. Foi uma coisa nova. Apareceu esse cara, muito profissional, sabendo lidar com as coisas, lidar com prazos, sabendo mostrar como que eu tenho que trabalhar, como tenho que cobrar para funcionar. Então, esse tipo de trabalho nunca tinha feito. Nunca tinha nem sequer visto. Na TELERJ então, nem longe, ninguém trabalhava com isso. Não sei se vocês se lembram disso, mas para mim é emblemático, você entrava na holding, naquele quarto andar, ficava logo na entrada, um calendário ao contrário que cada dia o coordenador do projeto de implantação da TELEMAR tirava lá: faltam 38 dias e pagava geral, era um terror ...“estão atrasados faltam 37 dias”. Era um garotão atlético, alto, um cabelo meio aloirado, bigodão, era o terror dos caras. Era boa gente, mas fazia cena. Faltam 38 dias, 37, rodava aquele folhinha “projetos tais, tais, estão atrasados”. Então, esse tipo de botar pra quebrar e fazer a coisa, nunca vi nada parecido. Mas agora, eu tenho quase certeza. Não sei se foi a melhor TELEMAR que foi criada, mas sem um esquema desses aquilo não acontecia, mas de jeito nenhum (Antônio). Para os trabalhadores da TELERJ a mudança de nome para TELEMAR-Rio configurou-se como uma oportunidade de tentar apagar o estigma TELERJ dentro e fora da empresa. Sair da TELEMAR-Rio e ser incorporado, mesmo que não oficialmente, pela matriz era um sinal de progresso, era uma forma de apagar a marca de ineficiência trazida da TELERJ. O projeto maior de unificação “16 empresas em uma” foi um momento de transição que teve grandes reflexos em todas as empresas, dando início a um ciclo de mudanças rápidas e instaurando uma instabilidade e uma pressão por resultados sem precedentes. Aí eu realmente saí do Rio, da TELERJ, ou da TELEMAR do Rio de Janeiro, e passei a ser TELEMAR (corporativa). (...) Comecei a viajar para Minas para conhecer o STC mineiro, que foi implantado, depois fiquei quase seis meses em Vitória. Fiquei completamente alheia ao que acontecia no Rio, mas vivendo o que estava acontecendo em Vitória. A TELEMAR Espírito

213

Santo acabou. Era um prédio lindo e maravilhoso, já fui para lá metade do prédio já estava vazio, e cada vez esvaziava mais, e eles iam demitindo, demitindo, até que numa hora acho que fechou aquele prédio. Quando saí de lá ele estava à venda. O que era bastante triste. Aí, ocorreram mais demissões em quase todas as empresas, mas eles diziam “Não se preocupe, quem ficou tá garantido”, e não tinha garantia nenhuma ( Beatriz). Com a criação da nova marca TELEMAR,

utilizada

para identificar

genericamente a empresa, essa ganhou uma nova feição de empresa moderna com identidade única sem os antigos regionalismos. Para os egressos do antigo sistema TELEBRÁS, assim acabava a empresa com a qual tinham mantido uma relação duradoura e em seu lugar surgia uma nova relação, marcada pela instabilidade pela imprevisibilidade e, sobretudo pela velocidade de mudança. O foco da empresa também foi alterado, passando da engenharia, voltada para a tecnologia, para o marketing, para inventar negócios, criar necessidades. Para atender às novas exigências, a empresa trouxe profissionais de mercado e fez uso em larga escala dos serviços das consultorias internacionais. Este novo conjunto de profissionais, incorporados ao dia a dia da empresa, trouxe uma nova visão de mercado, de linha de produtos e serviços, mas, sobretudo capitanearam a instituição de novos valores, de uma nova maneira de relacionamento, não só externamente com os com clientes, fornecedores e os concorrentes, mas também internamente. Foi assim instaurada uma nova cultura competitiva e uma nova ética no trabalho. E tinha um programa em particular que estava com um programador de Vitória que a gente não conseguia, ele sempre ultrapassava o tempo, ( tempo de processamento previsto) , muita gente já tinha visto o programa e a gente não conseguia, não tinha conseguido ainda diminuir o tempo. E aí, certa noite, a gente continuava naquele sufoco, e, como em Vitória é tudo perto, o rapaz falou que ia em casa comer e tomar banho, e que depois voltava. Eu era uma das coordenadoras e falei: tudo bem, a gente fica esperando você voltar. Mas aí duas consultoras começaram a perguntar para os outros se alguém sabia a senha, até que conseguiram entrar na máquina do cara, pegaram o programa e começaram a criticar o programa dele. Como nenhuma das duas era expert acabaram chamando a C., que conhecia e que se recusou a dar palpite: “Já conversei com ele, se tiver que conversar, vou conversar com ele”. Aí, eu tive um ataque. Mandei saírem dali porque aquilo não era correto, era antiético: elas não podiam entrar no programa do cara sem o cara estar ali. Uma delas disse que eu estava defendendo o cara. Eu

214

falei: eu também quero resolver, mas não a esse custo. Se ele tiver errado a gente vai ver junto com ele aqui, ele vai ver o que está errado, a gente vai chamar gente que conheça, mas não dessa forma. Optamos por não contar nada para ele. Na hora que o cara voltou, pedimos para ele abrir a máquina e começar a checar. No final, ficou provado que não tinha muito como melhorar realmente a performance daquele programa. A gente teve é que aumentar o tempo da gente (Beatriz). Quem conhecia o sistema, quem sabia da solução era a gente. Quer dizer, a gente dizia o que era, dava solução para eles (consultores) só escreviam num formato mais bonitinho, num padrão de apresentação deles para mandar para diretoria. Eles cobravam uma fortuna da diretoria, mas quem fazia o trabalho éramos nós. A direção dizia que a gente não tinha capacidade de fazer o trabalho, e por isso eles tinham que contratar uma firma internacional. Eu cheguei a perguntar a um diretor se éramos nós que fazíamos o trabalho, porque eles eram contratados e o trabalho aparecia como sendo deles. Ele respondeu que para levar para os sócios tinha que levar de uma firma de padrão internacional. Se for a sua opinião, a sua opinião não vale. O que vale é dessa firma porque ela tem nome. Na verdade você que diz como essa firma faz, essa firma internacional vai fazer o seu planejamento, mas você tem, ele que tem que entregar, se for solução interna eles não aceitam. Como falavam: você foi da TELERJ? Não, esse cara não serve, era considerado cara ruim. Só que chegavam estas consultorias internacionais, trabalhei com por várias delas, elas traziam uns garotos e usavam a gente para fazer o trabalho para eles. Tudo que foi feito foi feito por nós antigos, e sem ganhar nada porque eu só ganhava o meu salário na TELEMAR. (Aílton) Nessa época me convidaram para participar do faturamento que eles estavam então reunindo as 16 empresas pra fornecer as informações para a área financeira. E ai então eu fui chamada pra dar uma ajuda. Depois, em paralelo, foi montado um grupo que era pra desenvolver o sistema, que esse sistema iria substituir os sistemas de todas as 16 tele. Tratava-se de um projeto que eles fizeram na época, chamado projeto Safira213. Eles estavam entrevistando pessoas que eram responsáveis pelos sistemas nas teles. Ao mesmo tempo eles estavam recrutando pessoas que tivessem uma visão da empresa, uma visão dos sistemas, para que fizessem parte também desse grupo. Mas, a quase totalidade desse grupo – não só consultores, como também contratados e terceiros – era formada por pessoas do mercado. A divisão era mais ou menos assim: tinha a consultoria, as pessoas novas no mercado e as pessoas que ainda eram empregadas das teles. Mas poucas foram as pessoas vindas das teles que realmente foram ouvidas no que

213

O projeto Safira envolvia a unificação de sistemas de matérias, financeiros, de contabilidade e de pessoal com a utilização de pacotes como SAP e Peoplesoft.

215

diz respeito ao sistema novo. Embora o SAP214 fosse um pacote, não se tinha como opinar, pelo menos no módulo em que eu participei que foi um módulo financeiro. Eu me sentia como uma pessoa que estava ali para dispor de informação na hora que eles queriam e para se virar e colocar informação da forma que eles queriam para o nosso se era viável ou se não era viável, não importava. Eu quero frisar bem que eu estou falando da minha experiência, outras pessoas podem ter tido outra experiência. Então, criaram uma cultura do vire-se. Na minha experiência com pessoal que foi contratado de mercado, eu vi que a relação deles era muito competitiva, entre eles muita competição. Assisti a reuniões em que cada um queria aparecer mais que o outro. Combinavam uma coisa no cafezinho e na reunião mudavam tudo, só para aparecer. Aí você vai me perguntar, “você nunca viu isso?”, “sim eu vi”, mas não pensei você pegar gente do mercado que fizesse esse tipo de coisa com essa sem cerimônia e também o modo como se tratavam e tratavam aos outros. Isso eu não tinha visto, foi uma coisa totalmente nova. Outra coisa que me incomodava era que sempre achavam que eu tinha que ser mais rápida do que eu era e me lembro perfeitamente que quando foi uma época em que a consultoria mandou uma outra pessoa para que fosse pra ficar comigo. Porque, eu não estaria dando conta o suficiente de correr com serviço. Foi uma coisa que comecei a questionar, porque ao longo da minha história em informática arregaçar a manga e virar a noite isso nunca foi problema. Prazo era uma coisa que não era questionada nessa estrutura. Os prazos eram determinados e vinham de cima e você não tinha que questionar se ia dar tempo, ou se não ia dar tempo. Você tinha que se virar pra fazer, então era uma coisa do tipo vire-se, é dessa forma que tem que entrar, não importa, e é assim. E aí eu venho uma questão. Será que isso é maior liberdade? Liberdade que digo é no sentido não só de expressão como também de liberdade de você poder realmente trabalhar e se responsabilizar por aquilo que você faz. Não sei. É uma pergunta. As pessoas que faziam parte dos grupos das outras teles, das outras 16 teles, presenciei que conforme as pessoas iam entregando o trabalho, no dia seguinte, essas pessoas eram chamadas e eram comunicadas que estavam sendo demitidas. E aí realmente pra mim começou a ficar muito difícil trabalhar dessa forma. Só vi uma saída, sair, mas antes tentei, fui conversar com uma pessoa que até na época era , digamos o gerente geral do projeto Safira, uma pessoa muito aberta para ouvir as pessoas. E ai ele falou que me liberar era complicado, porque eu era pessoa que era importante, fazia parte do grupo e tal. Eu poderei que realmente que eu não estava me adaptando. Eu me questionava em relação a isso que estava acontecendo. Será que eu não estava me adaptando, não estava enquadrando a esse grupo? Não estava sendo flexível o suficiente, ou não, ou se travava mesmo de uma questão de construção de valores, mas daqueles valores que você vai ferir 214

SAP- software desenvolvido na Alemanha para controle de várias funções de gerencia das empresas (material, contabilidade, controle financeiro, obras em andamento, etc).

216

completamente tudo que diz respeito a sua identidade do que você quer para você. E esse começou a ser o meu questionamento e assim fiquei durante dois meses, não dormia. E essa coisa me movimentando de mais, e isso indo num crescer, a ponto de eu 8 horas da manhã estar participando de uma reunião aqui no Leblon e tendo que sair daqui, até aí tudo bem, e ir para Minas. Ia pra Minas, chegava de Minas 11 horas, meia-noite noite em casa, para no dia seguinte ter que participar também de reunião no Leblon e ser mandada para Minas de novo. Enfim, era uma coisa que para mim contrariava tudo que falavam lá atrás sobre planejamento. É um vire-se, vire-se, isso tem que ser feito, e é assim. Assim trabalhar ali começou a ficar insuportável. Não consegui que me mandassem embora, e eu então pedi demissão. E ainda ouvi uma história muito interessante que era um consultor que fazia parte desse grupo que eu trabalhava, ele disse que “não sairia de uma empresa que não o mandasse embora. Mas tem gente que é bobo mesmo, que é trouxa mesmo”. Foram exatamente essas palavras que eu ouvi. Foi uma coisa que me marcou muito, e que eu pensei, é exatamente isso. Como continuar num mundo em que se eu faço aquilo está dentro de mim, que faz parte dos meus valores, sou chamada de trouxa, eu não posso continuar aqui mesmo. Aquilo me deu uma certeza muito maior. Agora quando eu saí, uma coisa me deu certa alegria, puseram três pessoas no meu lugar. Quando eu estava lá, eles queriam que eu acreditasse que eu era lenta, que não estava dando conta. (Glória) Um dia chegou um cara do mercado. Hoje a gente sabe muito bem qual era a missão dele. A missão dele era não se aproximar de ninguém, não ser amigo de ninguém pra não ter pena de depois poder afastar todo mundo. E ele levou um grupo com ele que foi chegando aos poucos, 3, 4, 5. No começo tudo foram flores porque o bom mineiro falou para ele que eu era uma pessoa aproveitável e ele me aproveitou. Fiquei ali num cargo de chefia embaixo dele, ele me respeitou durante uns tempos até começar a tomar umas atitudes deselegantes, que vieram a culminar no final do ano de 99 com a minha demissão. Porque o clima, a essa altura, na empresa era muito complicado para quem era oriundo da antiga TELERJ. A gente era “desimportante”, a gente não sabia das coisas, nossa experiência era demérito. Na minha área de informática, chegaram essas pessoas ditas de “mercado”, então tinham uma visão de empresa privada, dos novos tempos, como as coisas deviam ser, foco na tarefa, resultados, trabalho, metas, etc.. É claro que a gente sabia isso tudo, claro que a gente também fazia isso, mas a gente não tinha crédito, e não fomos bem tratados e aos poucos fomos sendo demitidos. A minha demissão aconteceu no final do ano de 99 e não foi nada suave. Aliás, foi um processo muito desagradável porque quando eu fui demitido, alegaram que foi por uma razão técnica. O diretor mandou fazer uma coisa e eu argumentei com ele que eu sabia que tecnicamente não dava para fazer. É eu falei, como durante 30 anos eu tinha falado, porque a minha função era técnica para alertar que não podia fazer. O que me foi vendido dito

217

é que o diretor não tinha gostado e tinha reclamado com esse “gerente de mercado”.. Só que no dia seguinte, esse “gerente de mercado” me demitiu para colocar no lugar o amigo dele que estava desempregado. Não sabia nada da função e colocou no meu lugar, tudo bem, isso é da vida, agora, não precisava fazer do jeito que fez. Porque aí entra a minha mágoa com a empresa, e que fez até que entrasse mais tarde com um processo trabalhista. Eu nunca iria antes entrar com um processo trabalhista contra uma empresa que eu tanto gostava, mas eles me demitiram da seguinte maneira, lá pelas 11 horas da manhã, ele me chamou me apresentou a carta, me fez assinar e me mandou embora pra casa no mesmo minuto, sem que eu falasse com ninguém. Eu achei aquilo meio esquisito, mas fui para casa. Quando eu estou em casa, nesse mesmo dia da demissão, lá pelo meio da tarde a secretária dele ligou e falou: você levou um celular, não pode não. Vou mandar o boy aí para pegar o celular. Eu achei aquilo uma extrema deselegância. Quatro horas da tarde tocou o boy na minha casa para buscar o meu celular funcional, que eu iria entregar a hora que pedisse, embora não fosse nem praxe da empresa. A empresa deixava você converter o celular funcional em celular pessoal, mantendo o número e você assumia o pagamento da conta. Ele falou quando saí para ir só depois do expediente apanhar as minhas coisas. Já achei aquilo muito marginal, bandido. Eu fui, levei meu filho, tinha um monte de coisas, levei umas caixas, quando eu entrei na empresa botaram um segurança, um armário, um cara enorme, do meu lado que acompanhou todos os meus passos desde a portaria até a minha antiga mesa. Comecei a desarrumar as coisas do meu armário, e o segurança do lado me fiscalizando. Eu com quase 30 anos de empresa, dando o meu suor ali, e aquele sujeito ali e os colegas vendo. Foi uma situação muito deselegante. Fui embora, nunca mais voltei, gostaria de ter voltado, deixei muitos amigos, e também esses amigos rapidamente acabaram sendo demitidos. Mas isso foi tão triste, tão marcante, eu fiquei impactado durante um ano até tomar a decisão de entrar na justiça contra a empresa. Essa virada da empresa, tornar-se uma empresa privada deste modo, foi uma coisa que foi feita de maneira muito rude (Murilo). Durante as várias etapas do processo de unificação a terceirização foi sendo aumentada, sendo utilizada inclusive para acelerar a consecução dos objetivos de unificação. Como estratégia de gestão moderna, visando também acelerar o processo de unificação, mas também quebrar qualquer resistência interna à desativação do CPD do Rio de Janeiro foi feito outsourcing, original em língua inglesa, de parte da área de informática na filial do Rio de Janeiro. O processo de outsourcing executado não difere de outros, que já vinha sendo adotados por diversas empresas. A diferenciação estava no

218

prazo do contrato215 , na forma de comunicação do processo e de passagem do pessoal para a empresa de outsourcing. Conosco aconteceu o seguinte, nós fomos convidados particularmente numa sexta-feira, eu fui comunicado, às cinco horas da tarde, que deveria permanecer na empresa, porque haveria uma nova virada de trabalho, dessas que todos analistas passam. Na nossa vida isso é freqüente e imaginei que nós teríamos algum processo a ser feito à noite. Então, às 18:30, dessa sexta-feira, nós nos reunimos numa sala fechada em torno de uma mesa enorme: de um lado tinham pessoas que eu nunca tinha visto, do outro tinham alguns do grupo e alguns gerentes também. E um dos diretores que eu não me lembro o nome agora, comandando o espetáculo. Foi-nos colocado que a partir daquele momento nós não mais pertenceríamos a TELERJ, e aqueles seriam os nossos novos patrões. Os que aceitassem estariam admitidos, e os que não, estariam demitidos. Em 30 minutos nós tínhamos que decidir as nossas vidas. Aqueles que estavam ausentes, que não foram convidados, na segunda-feira próxima estariam demitidos. Foi esse o primeiro contato com esse modernismo, com essa mudança. Foi feito um outsourcing e nós passamos como eu disse, da noite para o dia, saímos da TELERJ e passamos para a outra empresa. Só que o grupo que nos gerenciou era um grupo que estava acostumado a trabalhar com pessoas de menor nível técnico, ou menores condições e nós estranhamos demais. Aquilo que era um prazer passou a ser obrigação. A liberdade que nós tínhamos de decidir as coisas e comunicar depois foi invertida. Tanto é que eu fui chamado atenção duas vezes, quase perdi o emprego, porque tomei iniciativas quando não deveria. Para fazer realmente o seu trabalho, você estava muito preso, e as coisas ficavam emperradas. Tudo tinha que ser feito dentro de uma certa organização, não discordo da organização, mas sim de como ela foi conduzida. Nós éramos de certa forma mal tratados. Eu passei de uma empresa para outra, sem sair do lugar. Eu continuei trabalhando na minha mesa com alguns colegas que permaneceram e com outros que estávamos vendo pela primeira vez. Bom, aconteceram alguns fatos que desagradaram aos dirigentes da TELERJ. Não sei precisar o que aconteceu, só sei que o bolo solou, a coisa degringolou (Sílvio) Sob o ponto de vista macro-estrutural, a globalização e o neoliberalismo que foram os dois vetores que provocaram a privatização das telecomunicações acabaram também por determinar o reposicionamento da organização, este fortemente apoiado em estratégias de desenvolvimento utilizadas nos países desenvolvidos. Assim, não só nos TELEMAR buscou um padrão internacional nos processos, como também as mudanças nas relações de trabalho acompanharam as tendências mundiais de flexibilização. 215

Foi feito um contrato de sete meses, em geral os contratos são de 5 ou dez anos.

219

Os relatos dão conta de uma história muito semelhante às descritas por Sennet (1999), ao referir-se aos trabalhadores dispensados pela IBM na década de 1990. Barbara Rudolph (1998) descreve situações semelhantes ao tratar dos empregados dispensados durante as várias reestruturações da AT&T, ocorridas também naquele decênio. Com relação às mudanças dentro do ambiente de trabalho, também podem ser verificados vários pontos comuns com os depoimentos de empregados colhidos por Georgina Born (2005) durante a reestruturação sofrida pela a BBC216 também na década passada. Diferentemente da TELEBRÁS, nos três casos não houve mudança de controlador, tendo a BBC permanecido sob controle estatal. Em todos os casos, porém, ocorreu uma mudança de estratégia empresarial e adequação aos novos requisitos impostos pelo mercado. A TELEMAR constitui-se num exemplo extremamente relevante do processo de liofilização ao proceder à unificação de 16 empresas, a empresa implantou sistemas de informação de última geração, como ERP217, e procedeu à mudança rápida de tecnologia, tendo logrado digitalizar quase que integralmente a sua planta. Como conseqüências, foram desativados ou bastante reduzidos grandes centros de computação, fechadas lojas de atendimento, terceirizados serviços de manutenção da rede, repassados os serviços de atendimento e informações aos Call Center. Visando adequar sua força de trabalho às modalidades atuais de seu processo produtivo, a empresa passou exigir uma aparente “nova qualificação”, um novo perfil, sobretudo uma redução de faixa etária para os trabalhadores/as da empresa. Sennet (1999:148) analisa os a mudança da IBM que ao buscar uma estrutura mais enxuta e competitiva demitiu muitos engenheiros e administradores de meia idade. Estes profissionais tornam-se supérfluos numa idade demasiadamente baixa. Alguns destes profissionais voltaram a trabalhar para a própria IBM, mas como empregados de curto prazo com contratos, sem benéficos nem posição na instituição. Situação semelhante é descrita na AT&T com um agravante a contratação se dá para outro local, outra cidade pois

muitas atividades desempenhadas em

determinados locais ou foram extintas ou transferidas para outros lugares. Sem sombra de dúvida o caso se repete na TELEMAR, tendo inclusive as regras da previdência privada 216

British Broadcasting Corporation Enterprise resource planning- sistemas de gestão de empresas envolvendo módulos de controle de materiais, contabilidade, finanças, cadeia de logística e recursos humanos. 217

220

sido alteradas de modo a reduzir a idade mínima para a aposentadoria para 50 anos e desvinculando-a da concessão de aposentadoria pelo INSS. Anteriormente, como a aposentadoria da SISTEL era considerada como um complemento da aposentadoria da previdência social (INSS) , para requerer aposentadoria o empregado deveria atender aos requisitos da previdência social (30 ou 35 anos de serviço). A idade como tida como padrão para concessão de benefícios era 57 anos. Todo ano, no final do ano, acontecem as demissões e o quadro da TELEMAR vai diminuindo. Agora quem faz 50 anos é demitido, isso virou uma regra,uma regra de idade. Fez 50, 51 anos está na linha de tiro, vai sair. Todo ano tinha a turma que ia passando da idade, e era mandada embora, acho isso uma covardia. Pessoas de 50 anos são pessoas jovens, principalmente no nível de técnico, engenheiro, com experiência, e mais, você que era responsável por uma área, por um trabalho, é experiente, está na empresa há muitos anos, conhece muito bem o sistema, conhece muito bem a área que ele atua, o que ele faz e a empresa não prepara ninguém para substituir. Ela sabe que sai e não tem substituto (Aílton). Fiquei como TELEMAR quatro anos, saí em 2002. Os dois últimos anos foram os piores anos que eu já tive, porque é aquela história, eu já sabia que ia ser demitido algum dia, e chega um dia lá que alguém vem conversar comigo e me avisar que eu estava numa lista. Como eu tinha mais de 51 anos já estava achando bom, pelo menos era uma graninha. Minha mulher trabalha, temos as nossas despesas todas controladas há anos, então na parte financeira não tinha desespero. Como você sabia que as coisas eram assim, que toda hora tinha demisssão, hordas de demissão, então a partir de certo tempo as pessoas começaram a ficar um pouco anestesiadas com aquilo. Não era incomum todo dia você receber um e-mail de alguém: “Foi muito bom trabalhar com você...” Volta e meia você recebia um e-mail desses, eu mesmo mandei email desses. O meu dia foi até tranqüilo porque como eu já sabia, só não sabia o dia. A minha situação foi interessante, fui avisado e se eu voltasse no tempo talvez tivesse agido de maneira diferente. Eu sabia da informação e não utilizei a informação a meu ver adequadamente. Não quer dizer que fosse mudar muita coisa não, (...), mas eu fui avisado. Um dia uma pessoa chegou e disse: “Não dá pra eu ficar com essa informação mais, tenho que te contar. Você está na relação de demissão.” Quando é pra ser, tem alguma idéia? “Não sei, mas veja se arranja um lugar pra você ficar.” Avisou 2, 3 semanas antes. Ai eu peguei, liguei para umas duas ou três pessoas, mas não fui na pessoa que achei que deveria ter ido. Acho que deveria ter conversado com ele, talvez ali eu conseguisse uma sobrevida. Talvez. Conversei com um chefe que era da TELERJ até, passou a ser depois até bem conceituado, dirigia a parte de operações da rede. Esse cara olha como a vida é

221

interessante, e você vê como as coisas não são feitas por acaso, ele na época quis que eu fosse trabalhar com ele, e eu me dava muito bem com ele. “Preciso de um cara como você, com esse teu jeito de cobrar as coisas.” O diretor por influência da minha chefia não me largou, todo mundo me queria. Ele me disse até que chegou a um ponto que tinha quase que brigar com o diretor, porque o diretor não queria que você saísse. Era porque a minha chefia não queria que eu saísse. Aí na hora que eu estava na lista ele me disse: “ Agora ,se eu levar você para lá vai acontecer o seguinte. Eu sei que tenho que mandar alguém embora daqui a alguns meses, e aí vai ficar muito chato eu não te mandar embora porque eles vão saber que é só amizade que nós temos. Você acabou de chegar, outro cara está comigo há um ano e pouco, vou mandar embora um desses caras e você não? Então para eu evitar ter esse tipo de problema emocional, mas vai ser possível. E aí eu fui demitido. Quando saí da TELERJ virei a página, não quis mais nada que tivesse relação com TI, com a área. No dia seguinte eu já estava comprando jornal de concurso pra fazer qualquer porcaria, menos trabalhar no setor. (Antônio) 3. 14 - As metas, a OI e a CONTAX No ano de 2000, a TELEMAR adotou a estratégia de antecipação das metas da ANATEL, fato que impulsionou temporariamente as despesas com pessoal para a expansão das linhas e serviços. A partir desse ano, as despesas nominais referentes à mão-de-obra começaram a cair218, em contraposição à contínua elevação dos lucros da empresa. A consecução das metas possibilitou à empresa a aquisição de concessão para exploração de serviço móvel celular através da OI. Buscando garantir a liderança na sua área de atuação e criar novas oportunidades de negócio e novos produtos, foram criadas áreas de marketing e de inteligência de mercado, em conseqüência foram criados novos postos de trabalho e contratados novos profissionais especificamente para estas novas áreas. No entanto, mesmo nestas áreas a instabilidade imperou e a insatisfação com relação à falta de perspectivas futuras foi sentida inclusive pelos novos profissionais recém-contratados. Entrei em janeiro de 2001. Era tudo novo, a área era nova na empresa e as pessoas eram na maioria jovens. A empresa já tinha sido privatizada, tinha sofrido grandes mudanças, e uma consultoria grande fora contratada pra fazer segmentação de mercado. Essa área era de data base marketing tinha como objetivo segmentar o mercado e fazer ações de venda direcionadas para cada público, para oferecer produtos existentes e novos produtos para clientes que não possuíam aquele produto. Então era uma área de apoio à venda e marketing. Eles estavam contratando muito e com ótimos salários, o que 218

Fonte : Relatório aos investidores – Disponíveis em www. TELEMAR.com.br

222

depois não se manteve, com outras reestruturações a faixa salarial de contratação caiu muito. Eu entrei muito animada, muito empolgada porque essa área de data base marketing eu achava que era uma área muito interessante e diferente do que eu tinha feito nas outras empresas. Mas depois de pouco tempo, eu percebi que o ritmo de trabalho realmente era muito agitado e olha que eu já estava acostumada com ritmo intenso. As pessoas trabalhavam muito até depois da hora, e a pressão era grande, por todos os lados. Sentia muita instabilidade, porque eram muitas mudanças, tudo muito rápido, reestruturações, mudanças de chefia, de diretoria, até mesmo mudança de presidente. Passei por vários ciclos de demissão, demissão em massa, a primeira vez que isso aconteceu, eu fiquei bastante assim abalada, foram várias pessoas demitidas. Quem não foi demitido foi conduzido a um salão para explicarem o porquê do que estava acontecendo. Estavam reestruturando a empresa. Embora já tivesse passado por isso em outras empresas, eu acho que, naquela época, na TELEMAR, a freqüência que acontecia realmente era uma coisa muito diferente. Era uma coisa que eu sentia que acontecia todo final de ano, sem dúvida nenhuma, e às vezes, alem do final do ano, poderia acontecer em outro momento também (Suzana). Nestes últimos dois anos (2000 a 2002) eu vi coisas absurdas, muito dinheiro jogado fora. (...). Foi criada uma área de marketing, alguma coisa com esse nome para fazer não sabe o quê. Contratou-se gente, fez-se o diabo a quatro, não deu 8 meses acabou com o departamento e teve que demitir todo mundo. Aquela pergunta que fiz no início, alguém olha para esse grande mosaico? Não é possível alguém de cima ter olhado achado que era importante e depois de oito meses ter achado que não era mais. Por mais rapidez, por mais evolução de mercado, por mais visão, é muito erro de avaliação. Aí entra aquele lado pessoal, ele mexe com gente. Quando se contratou 10, 15 pessoas, essas pessoas saíram de algum lugar, ou estavam na rua, ou saíram de algum lugar. Quem estava desempregado tudo bem, ganhou uma sobrevida lá, mas quem estava em algum lugar e saiu achando que era vantajoso,pode. não ter mais para onde voltar e isso é complicado. (Antônio) Eu sou da parte da engenharia, mas antigamente faltava o mercado, aquela visão de mercado. Essa área de vendas que é a área mais importante hoje, área de vendas, nunca teve uma área de vendas no tempo de TELERJ. Agora não, área de vendas é a área mais importante da empresa. Agora, o que a empresa está vendendo? Ela fica criando produtos concorrentes dela mesma. Hoje ela tem um produto, ela cria um outro produto para concorrer com aquele produto dela, ou seja, o cliente passa para aquele outro produto e deixa de vender o anterior. Quanto a empresa ganhou? Nada. A receita continua a mesma, pelo contrário, às vezes diminui porque esse produto novo é mais barato do que aquele produto antigo, e para poder vender ela tem que vender mais barato. Ela vende mais barato o outro produto, aquela área afunda, demite a turma toda daquela outra área, demite o chefe daquela área e fica outra área do produto mais novo e por aí vai. (Ailton)

223

Assim, em abril de 2002, entrou em operação a OI, empresa exploradora de serviço celular o que também possibilitou à TELEMAR expansão do seu serviço de longa distância para além da sua área de concessão. A preparação para entrada da OI em operação possibilitou a alguns empregados um novo campo de atuação, embora a OI praticamente não tenha aproveitado os quadros da telefonia fixa, mas mesmo assim constitui-se numa frente para prestação de serviços. Nós éramos 20 analistas e eles iam demitir 10, metade. A gente não sabia qual ia ser a lógica. Foi na época que a S.. Eu estava de férias, eu não peguei, pessoal me ligou... ”meu Deus, que coisa horrorosa, chamar a gente numa sala, você, você, vocês vão para consultoria...”, era demitido e ia pra consultoria, vocês vão continuar, e eu, você continua. Eu dei a sorte de continuar e nem participei do mal estar de estar na sala com todo mundo. Fui para OI, fiquei na OI, nem fiz muita força não. E aí só tinha chefe jovem, de repente, a gente se viu cercado de uma garotada de 30 anos. Era realmente gente nova que tinha um ano de empresa, dois anos no máximo, que era o tempo que a OI tinha. E era estranho porque eles tinham realmente uma maneira diferente de conduzir. Agora, eu não tive dificuldade, tive até sorte. (Beatriz)

Para atender à própria demanda da TELEMAR e visando a obtenção de fatias do recém-criado mercado de call center foi criada a CONTAX, empresa de contact center do grupo TELEMAR. Para a CONTAX foram repassados todos os serviços de atendimento (reparos, solicitações de produtos, reclamações de contas, informações, etc.) da TELEMAR e da OI. Apesar da empresa ter crescido muito e se tornado uma grande contratadora de mão de obra , a instabilidade no ambiente era muito intensa.

Eu não sei se fiquei chocado, ou perturbado, porque era completamente diferente um ano antes quando eu saí. Não é que estivesse produzindo mais não. O nível de estresse era muito grande porque eram ordens e contra-ordens em curto prazo. O que valia hoje, três dias depois não estava valendo mais, então trabalhos eram feitos e eram simplesmente jogados fora

224

Aí eu comecei a trabalhar lá no telemarketing aquele setor era um departamento da TELEMAR Mais tarde, esse setor foi desvinculado da TELEMAR e formou a CONTAX, que é uma empresa da TELEMAR destinada a Call Center. Eu era ex-empreagado, mas era terceirizado nessa época. A questão das mudanças ficava mais evidente no Call-center porque lá eram lançadas campanhas de venda de determinados produtos da TELEMAR. Quando mudava uma chefia, tudo o que a chefia anterior tinha feito era desprezado. Eu nunca vi tanta mudança, tinha ficado mais de 20 anos, 23 anos na TELERJ. Naquele um ano, dois anos que eu fiquei como prestador houve muito mais mudança nos cargos de chefia do que nos 23 anos. Agora falo do setor de marketing, a cada equipe que chegava, era um tal de contratar gente, demitir, com uma velocidade tremenda. Então os “marketeiros” chegavam derrubando tudo o que o “marketeiro” anterior tinha planejado. Uns que eram “marketeiros” de carro, o outro era de perfume, achavam que podia fazer “marketagem” do mesmo jeito para telefone e serviços. Todos eles vinham como donos da verdade, donos de tudo, sabendo de tudo, e enaltecendo a incompetência da gestão que saiu. O call center começava a funcionar às 8 horas da manhã e eu ficava às vezes até 11 horas da noite. Ficava para adiantar o serviço, então me pediam para ficar, mas eu pedia para pagaram a hora extra. Eu ia com freqüência eu ia sábado para lá e eu alertava essa coisa da hora extra. Depois começou a ampliar, comecei a envolver em coisas de hardware, de telefonia, aí foi multiplicando, foi complicando. O que eu via é que tinha muita rotatividade inclusive dos chefes de turno. Eles com freqüência iam para outras empresas de telemarketing também, mas havia muita saída de atendente também, mas eu acho que a reposição era quase que imediata. O problema era o treinamento que tinha que ser dado. ( Garrone) A TELEMAR utilizou as mais diversas formas de flexibilização da sua mão de obra. Terceirizou e até quarterizou serviços e áreas inteiras, consolidou processos e consequentemente reduziu pessoas, concentrou atividades em determinadas localidades o que demandou muitas vezes numa mudança de residência dos trabalhadores. Testou todas as possibilidades de contratação: grandes consultorias, pequenas empreiteiras, empresas individuais e tudo sempre rápido. A empresa adotou a dimensão de tempo de suas próprias conexões físicas, tudo instantâneo e, é esta dimensão de tempo do novo capitalismo que mais diretamente afeta a vida emocional das pessoas dentro e fora do trabalho. É essa velocidade, esse curtíssimo prazo, essa instabilidade que impossibilitam a composição de narrativas e a

225

criação de “elos que ligam os seres humanos uns aos outros e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (Sennet,1999)

226

4- Trajetórias pessoais

É triste ver esse homem, guerreiro, menino Com a barra de seu tempo por sobre seus ombros Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra A dor que tem no peito, pois ama e ama O homem se humilha se castram seus sonhos Seu sonho é sua vida e vida é o trabalho E sem o seu trabalho, o homem não tem honra E sem a sua honra, se morre, se mata Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz Um homem também chora Gonzaguinha

Ao cortarem ou terem tido cortados os laços que os ligavam ao universo corporativo da TELERJ/TELEMAR dezessete entrevistados – Ailton, Antônio, Ângela, Beatriz, Carlos, Carlos Frederico, Fred, Garrone, Glória, Humberto, Margareth, Marília, Murilo, Paulo, Regina, Sílvia e Sílvio – tiveram que transpor a difícil fronteira entre o velho e o novo mundo do trabalho. Independentemente do grande espectro de circunstâncias e de ambientes que os cercaram, eles tiveram em comum a experiência da perda. No entanto, cada um teve que re-trabalhar individualmente suas visões, valores e expectativas sobre trabalho e até mesmo rever suas identidades. Como pessoas de meia idade que são agora, os entrevistados entraram no mercado de trabalho entre as décadas de 1960 e 1980, com expectativas típicas de sua geração e de sua classe social. Eles buscavam certa estabilidade, uma remuneração que lhes garantisse relativa tranqüilidade material e um bom ambiente de trabalho e uma carreira profissional que lhes trouxesse alguma satisfação. Como muitos de seus pares, os dezesseis entrevistados viam a organização como uma espécie de família e seu trabalho como uma missão de integrar o país, auxiliando na comunicação entre pessoas.

227

As narrativas descrevem os últimos trinta anos da história da empresa, que passou por altos e baixos, assim como seus empregados que vivenciaram bons e maus momentos. Inicialmente a privatização e, depois, os sucessivos enxugamentos reduziram estes homens e mulheres a uma linha numa planilha de controle de custos. A pressão e a deterioração do ambiente de trabalho fizeram com que alguns rompessem seus laços contratuais com a empresa, sem, no entanto, quebrar seus laços afetivos com os antigos companheiros. Se para uns o caminho da re-inserção no mercado de trabalho foi rápido e simples, para outros foi longo e entremeado de percalços. Para os que já vinham se preparando e mantinham ocupações paralelas ou já as tinham tido num passado recente, o episódio foi só um cruzamento com sinal e uma virada à direita. Alguns decidiram por novas empreitadas bem diversas das escolhas anteriores. Outros decidiram aposentar-se, ou porque era chegada a hora, ou porque a configuração do novo mercado de trabalho não os interessava mais. Resistência, vulnerabilidade, liberdade, criatividade pavimentaram as estradas desta viagem. Todos conseguiram assimilar a experiência e ultrapassá-la; alguns fizeram dela o motor para sua própria reinvenção. 4.1 - As classificações Castel compreende como primeira condição para a configuração da sociedade salarial a identificação precisa entre os trabalhadores ativos, “os que trabalham efetiva e regularmente inseridos no mercado de trabalho”, e os “inativos ou semi-ativos, que devem ser ou excluídos do mercado de trabalho ou integrados sob formas regulamentadas” (1998: 420). Seguindo o critério acima, os entrevistados ex-empregados da TELERJ foram classificados em cinco subgrupos. O primeiro subgrupo corresponde aos que continuaram com funções semelhantes às que desempenhavam anteriormente, embora às vezes com relações de trabalho diferente. O traço comum é uma relativa continuidade em relação à trajetória anterior. O segundo subgrupo congrega os que se aposentaram dentro dos critérios de contribuição, tempo de serviço e idade estabelecidos pela Fundação SISTEL. O

228

terceiro subgrupo engloba aqueles se aposentaram precocemente, em geral premidos pelas necessidades financeiras e pela situação de exclusão do mercado em função da idade.219 O quarto reúne os que buscaram novas atividades, de um modo geral bem distante daquelas que exerciam previamente. O quinto e último subgrupo compreende aquele que está numa posição de transição e ainda não se re-inseriu no mercado, nem possui fonte de renda alternativa Fora dessa classificação, mas ainda dentro da perspectiva da trajetória após a saída da TELEMAR, é apresentada a narrativa de uma jovem profissional desde a sua entrada já na TELEMAR e o seu percurso após a saída. Completando o quadro, dois entrevistados realizam um rápido mapeamento das condições de trabalho atuais e do perfil do novo profissional. 4.1.1 - Continuando Carlos, Carlos Frederico, Sílvia e Sílvio se re-inseriram no mercado de trabalho em atividades semelhantes àquelas que desempenhavam. Embora as diferenças fosse poucas, tiveram de lidar com muita atualização tecnológica e adaptação comportamental. Carlos decidiu sair da TELERJ em 1998 no Pirc 220, atualmente é gerente de conta em uma grande consultoria nacional. Lida com vários ex-colegas e conhece muito bem o mercado e o perfil desejado para os profissionais. Está na mesma empresa desde 1999 e trabalha como pessoa jurídica prestando serviços. Bom, quando você sai, a tua intenção é jamais voltar a trabalhar, mas depois de uma semana em casa, você chega à conclusão de que está totalmente errado. (...) não tinha muito para fazer, a não ser buscar alguma coisa para estudar, ou começar a trabalhar. Fui então convidado por um amigo para trabalhar em sistemas de imagem e de gerenciamento eletrônico de documentos. Trabalhar com ele foi uma coisa totalmente nova, mudou por completo a minha cabeça e a minha forma de atuação. Foi uma coisa maravilhosa. Comecei a reaprender a trabalhar aos 49 anos de idade. Fiquei quatro meses como autônomo contratado (...) para prestar serviços. Em seguida, uma empresa de consultoria ganhou um contrato para prestar serviço na Tele Norte Leste, que estava precisando de um gerente para 219

Dentre estes alguns foram migrados de Previdência Privada, da Fundação SISTEL para a TELEMARPrev(atual Fundação Atlântico), onde as regras de aposentadoria são diferentes das anteriores, sobretudo em relação ao limite de idade que é de 50 anos. 220 Plano Incentivado de Rescisão Contratual de novembro de 1998.

229

cuidar da conta. Por indicação da própria Tele Norte Leste foi indicado meu nome. Eu vim para fazer um trabalho que iria de abril a dezembro de 1999, só esse período. Fui contratado para cuidar deste contrato com a Tele Norte Leste, numa forma de atuação totalmente diferente do que eu estava acostumado. A única coisa similar à minha vida anterior era o contato com os amigos que ficaram na Tele Norte Leste. O clima não era muito bom porque as pessoas sabiam que em questão de dias as atividades no Rio de Janeiro iriam acabar. Das duas uma, ou eles migrariam para o estado onde estaria sido implantado o CPD, ou perderiam o emprego. Quando você passa muito tempo numa empresa, acaba adquirindo alguns vícios e acomodações. O mercado hoje não está muito propício a quem está querendo se acomodar. Então, a cada dia você tem que estar acompanhando o mercado. Se você quer se manter numa empresa de consultoria você tem que estar vendo as tendências do mercado e se atualizando. Como eu vivi numa fase de empresa privada, depois uma empresa estatal, depois empresa privada, o que eu senti? Muita gente tem aquele medo muito grande numa empresa estatal de perder a base e ficar sujeito ao mercado, à competitividade do mercado. O que eu posso dizer disso daí: tem fundamento? Tem, principalmente quando você vai ganhando idade. Porque, infelizmente, o nosso mercado faz questão de privilegiar as pessoas com s idade. Profissional na faixa de 45 anos já é considerado velho no mercado brasileiro e tem dificuldade de emprego. Eu posso considerar que sou um privilegiado, porque eu consegui me adaptar, mudar de carreira, ter sucesso na carreira, eu comecei uma vida nova depois de 1999. Eu estou começando essa carreira tem sete anos e acredito que tenho um longo caminho pela frente ainda e estou gostando muito, mas posso dizer que sou um privilegiado. Poucas são as pessoas que têm a sorte que eu tive. Carlos Frederico optou por uma atualização tecnológica antes mesmo da privatização, tendo migrado para a área de telefonia celular. Como analista de suporte a banco de dados, migrou também de tecnologia, abandonando a plataforma mainframe e especializando-se em plataformas distribuídas. Algum tempo após a privatização, saiu da empresa de telefonia celular, e dedicou-se ao seu sítio, onde possuía uma plantação de seringueiras, sendo sua segunda atividade desde o fim da década de 1980. Retornou como terceirizado prestando serviços à uma outra empresa de telecomunicações no Rio de Janeiro. Hoje trabalha como empregado CLT de uma grande multinacional americana que presta serviços de outsourcing em tecnologia de informação. Atualmente, está enquadrado como um dos poucos profissionais no Brasil que já vive a experiência do tele-trabalho.

230

Na proposta, a empresa oferece todas as facilidades: primeiro foi mudar o computador que eu já tinha, laptop de última geração que já estava comigo; segundo, ela me reembolsava a impressora que eu comprasse e todo o material de escritório necessário (mesa, cadeira, arquivos), o que eu precisasse ela fornecia. Além disso, mensalmente, ela fornece uma verba mensal para papel, lápis, caneta, borracha, todo material de escritório, cartucho de impressora, etc. Ela fornece também o celular, telefone de trabalho e paga a conexão de internet banda larga, só não reembolsa o provedor. (...) Tenho salário fixo bem próximo ao que ganhava como terceiro, mas sou contratado CLT, com benefícios. Ganho hora extra, mas o regime é o seguinte: você tem que ser convidado a fazer hora extra. Eu trabalho em horário deslocado que já era uma opção minha antes. Eu começo a trabalhar as 16 e termino a meia-noite. Quando há um problema qualquer, para não acordar todo mundo, “tá tendo um problema aqui, fico ou não fico?”, normalmente você tem que decidir se vai ficar ou não. Eu é que decido se vou ficar ( para fazer hora-extra) ou não. Quando eu decido que vou ficar trabalhando e o supervisor chega e descobre que ainda estou conectado, ele pergunta a razão e normalmente autoriza o pagamento da hora extra. Agora, por exemplo, meu gerente, eu o chamo de técnico de supervisão, ele me pediu para entrar mais cedo hoje, porque a nossa fila de chamados (atendimento a problemas) está muito grande. Precisamos diminuir a fila e não tem ninguém para cobrir meu horário. Como somos quatro para atender 200 e não sei quantos, mais ou menos 300 instâncias de bancos de dados é muita coisa e a fila sempre é grande. Têm crescido muito os requisitos dos clientes, as manutenções são constantes: aumenta tabela, inclui, reorganiza. E tudo acontece na pressa, nós também temos que atender às coisas novas, aos projetos. Além disso, tem a própria burocracia da empresa, que é uma burocracia grande. Você chega e tem todos os procedimentos a efetuar para começar a trabalhar e depois também uma série de procedimentos finais para encerrar o seu dia. Todo relacionamento empresa-empregado mudou. Quem tem que cuidar da toda a minha vida sou eu, quem tem que cuidar da minha vida profissional sou eu, quem tem que escolher os cursos que vou fazer sou eu, quem tem que fazer o trabalho de secretária sou eu, sou eu quem faz o trabalho de boy etc. Na empresa moderna, o status que a gente tinha antigamente desapareceu (...). A carga de trabalho burocrático em cima do técnico é muito grande, você gasta duas, duas horas e meia para se atualizar a cada chegada ao trabalho. Tem que ler seus e-mails, (...) tem que atender às cobranças que chegam por e-mail que não estão no esquema de trabalho e tudo é “para ontem”. (...) A qualidade do trabalho cai bastante. Porque se você tem que atender 100, 150 chamados. Então, se você for parar para pesquisar um problema, analisar o chamado, abrir um chamado no fornecedor, obter documentação, dar continuidade ao chamado, etc. Se você fizer tudo isso, você acaba

231

atendendo menos chamados. Aí, você opta por uma solução para remediar o problema, ou seja, a qualidade do seu atendimento cai em função da sua necessidade de atender quantidade de chamados. (...) A satisfação de estar trabalhando em casa é muito grande. Apesar de eu determinar o horário de trabalho, esse horário é flexível. Eu posso chegar mais cedo e sair mais cedo. Eu posso chegar mais cedo e sair mais tarde. No suporte a banco de dados tudo que aparece entre as 18 as 24, quem tem que atender sou eu porque não mais ninguém pra atender, eu trabalho sozinho no horário. Posso chegar um pouco mais tarde, mas não posso sair nunca um pouco mais cedo. Eu não tenho percebido muito o isolamento, porque a gente tem ferramentas de comunicação muito eficientes e rápidas. Nós temos uma ferramenta de comunicação no próprio computador, a gente está vendo quem está conectado e então chama e as pessoas atendem. Senão, pego o telefone e digo que estou precisando de uma pessoa para me dar uma ajuda aqui. A empresa procura disponibilizar alguém. Eu só consigo trabalhar em casa porque eu tenho o meu escritório. No início, eu até fechava a porta porque a neta queria entrar no quarto. Agora como não tenho mais nenhuma neta aqui, as filhas trabalham o dia inteiro, ficamos só eu e Marisa em casa, eu mantenho a porta do escritório aberta. De vez em quando, vejo um pouco de televisão, dou um beijinho na mulher, assalto a geladeira e volto. Na realidade, esse estilo de trabalho, eu já buscava esse relacionamento novo há 10, 12 anos atrás e até já escrevia sobre ele. Estou bastante satisfeito com isso. Às vezes, sinto um certo isolamento, falta dos colegas, do pãozinho de queijo na lanchonete, do bate-papo, isso não tem mais. Mas uma vez por mês, quando há necessidade, eu me desloco até empresa, passo lá uma manhã, conversando com as pessoas, isso me deixa mais dentro da empresa. Você está se sentindo fora da empresa porque está trabalhando em casa, mas a empresa te acha a qualquer momento, e você acha a empresa a qualquer momento.

Sílvio foi terceirizado pela TELEMAR para uma empresa de outsourcing. Aposentou-se e foi readmitido na TELEMAR, mas acabou optando por sair da empresa. Em 2001, começou a trabalhar como prestador de serviços (PJ) na empresa onde está atualmente. Na realidade ainda fiquei um bom tempo e participei da desativação do CPD do Rio e da absorção de todos os processos por parte da TELEMARMinas. Depois que terminou este trabalho e o contrato da empresa de outsourcing acabou com a TELEMAR, eu e alguns colegas fomos readmitidos na TELEMAR-Rio. Só que nesse meio tempo eu já tinha decidido me aposentar( pela SISTEL), Já tinha decidido minha vida. Aí me convidaram para trabalhar em outra empresa, aceitei e fiquei um tempo nas duas, Uma espécie de 232

experiência. Como eu sempre cheguei cedo,desde o tempo da TELERJ, eu chegava por volta de 6 e meia, eu passei a trabalhar até as 9 horas, porque eu passei a pegar na outra empresa às 10 horas. Isso levou um mês, como eu não agüentei essa situação e pedi que me demitissem. Hoje, eu estou em outra empresa muito satisfeito, desenvolvendo um trabalho semelhante ao que fazia antes, só que agora eu atendo aos clientes diretamente ( a empresa é fornecedora de softwares para rede). Os clientes são empresas grandes, então o trabalho continua sendo muito, só que cada vez é um ambiente diferente. Também, dou treinamento que era uma coisa que eu também já fazia. Eu agora viajo mais, porque os clientes estão espalhados pelo país. Eu agora tenho uma microempresa, eu não sou mais CLT, sou PJ. Esse é o meu vínculo com essa empresa. Continuo chegando cedo, é uma coisa que adoro fazer, eu abro a empresa, tenho a confiança da direção e desenvolvo o meu trabalho promovendo cursos, atendendo aos clientes, o que é muito gratificante. (Sílvio) Depois de ter vivenciado uma terceirização e ter continuado prestando serviços como PJ , através de uma consultoria, para a própria TELEMAR, Sílvia viu o contrato ser cancelado e o novo sistema de faturamento ser desativado. Assim, ficou um período sem ocupação, retornando ao mercado como contratada PJ através de uma outra consultoria que alocava mão- de-obra para uma empresa de telecom do Rio de Janeiro. Posteriormente, foi contratada como CLT nesta empresa de telecom. O grupo que a TELEMAR terceirizou para a consultoria221 continuou prestando serviço para a TELEMAR, ao final dos quatro meses que eram uma espécie de experiência, eu resolvi não voltar mais pra TELEMAR e continuar na consultoria. Eu tive a chance de ser PJ, meu salário subiu mais de 100%. Só que ali eu já tinha visto que a minha vida ia ser diferente. A partir dali, não podia mais pensar em CLT. Eu não podia criar raízes em lugar nenhum mais. Até porque a minha idade já estava avançada, e eu sabia que, caindo para uma consultoria, a vida era essa. E eu tinha, desde o início, de me encaixar no novo tipo de vida, não podia criar falsas expectativas. O que ficou pra trás tinha ficado, dali pra frente era o novo. (...) fiquei por quase dois anos, fui uma das últimas pessoas, exfuncionário da TELEMAR a ser desligada dessa empresa, só restou mais uma pessoa daquele grupo todo que foi. Como a folha de pagamento dessa consultoria, 80% dela era da TELEMAR quando a TELEMAR descontinuou o sistema, a empresa também começou a cair. O que era bom acabou.

221

Um grupo de empregados foi demitido, mas já com o emprego na consultoria foi acertado pela própria TELEMAR. Os ex-empregados passaram a ser terceiros na TELEMAR.

233

Nunca estive desempregada e me vi por dois meses dentro de casa, foi um caos total. Família em pânico, mas a minha família é família com todas as letras maiúsculas, não temos muitos recursos, a gente é uma família de classe média mais para baixa do que para alta, mas os princípios familiares são de alta qualidade. As pessoas que me ampararam foram meus pais e meu filho. Dois meses se passaram e nada acontecia. Quais eram os piores horários? De manhã, quando via na tela do Bom Dia Rio a data do dia, e à noite quando terminava o Jornal Nacional quando davam “Boa Noite” e eu pensava: mais um dia passou e nada aconteceu. No entanto, nesses dias eu nunca perdi a fé, todo dia eu entrava, procurava emprego e sempre mandava currículo. Eu buscava de todas as maneiras, tentando fazer contato com ex-colegas meus que tinham saído e que já estavam empregados e principalmente pela Internet, cadastrando meu currículo nos sites. Providenciei passar meu currículo todo para o inglês, porque eu via que muitos sites pediam o currículo já em inglês. Providenciei uma seção de aulas particulares com professor de inglês, isso tudo tentando correr atrás. Foi justamente pela Internet, de uma empresa que eu nunca tinha escutado falar, que eu consegui um contato. A pessoa me telefonou numa quarta-feira, dizendo que tinha uma vaga que era o meu perfil, se eu podia fazer uma entrevista. No dia seguinte, eu vim fazer a entrevista na atual empresa que eu estou, isso na quinta-feira, e na quinta-feira mesmo ficaram de dar uma resposta. Quinta-feira passou e nada, nova decepção, mas na sexta-feira veio a resposta: você começa na segunda. Vim pra cá em maio, quando chegou dezembro eu fui contratada. Então hoje, o que eu vejo? Cada um tem um caminho a seguir, nada na nossa vida acontece por acaso. Cada empresa que se passa se pega (aprende) alguma coisa, se deixa (se cria) alguma coisa. Mesmo migrando de uma empresa para outra, você leva o conjunto de conhecimentos em telecomunicações que você tem, porque os conceitos não mudam, mudam os sistemas. Torno a repetir, porque eu sou de informática, mas o resto é o mesmo. E o que se tem que tirar de tudo isso? Aprender com as outras pessoas, como se comportar, como se levar o dia a dia, porque aqui também eu estou começando tudo de novo, exatamente como foi saindo da CETEL para TELERJ, da TELERJ pra privatização, da privatização para primeira consultoria, da primeira consultoria pra segunda. A gente começa do zero, o que não pode é perder a fé e achar estou velho, eu sou incapaz. Hoje em dia as pessoas que trabalham comigo aqui (eu virei CLT), a maior parte dos terceiros que aqui estão, são ex-colegas meus, ou da TELERJ ou da CETEL. São pessoas que já estão com a cabeça branquinha, são pessoas que são respeitadas aqui dentro, e não adianta vir a garotada recémformada, com muitos conceitos. São muito bons, mas são os anos que trazem bagagem de vida e experiência profissional. (...) hoje em dia me sinto feliz, não sei como vai ser daqui a meio minuto, pode sair dessa sala e muita coisa mudar, porque aqui dentro mesmo a trajetória que eu fiz foi muito rápida, me assusta. De repente eu me vi

234

envolvida com certas responsabilidades que eu não tive chance de ter anteriormente, mas está dando certo, então vamos que vamos. E quando pintar uma nova etapa a gente vai, vamos ver o que acontece. 4.1.2 - Uma estrada lateral Ângela e Paulo tomaram uma estrada lateral, a qual já tinham de alguma forma e em

alguns

momentos

trilhado,

mesmo

quando

ainda

estavam

na

CTB/TELERJ/TELEMAR Ângela saiu da TELERJ no PIRC de 1998 e dedicou-se em tempo integral à atividade acadêmica que já desenvolvia paralelamente à TELERJ.

Minha trajetória, depois de ter saído, está ligada a uma atividade que eu já vivia. Fui coordenadora acadêmica e diretora de campo, na Estácio. Eu tenho tido uma oportunidade grande de exercer cargos gerenciais, agora eu sempre exerci funções na área acadêmica. Eu nunca deixei de ter a prática na Estácio, que é uma empresa que corre atrás do prejuízo também, mas no sentido de que você tem uma história acadêmica. Eu sempre tive um respeito na universidade no sentido de aproveitamento Paulo saiu em 2001 da TELEMAR. Teve propostas para trabalhar como consultor de processos de reengenharia na área de Recursos Humanos, no entanto, optou por trabalhar gerenciando pessoal em no setor de alimentação e entretenimento. Posteriormente, decidiu retornar a atividade acadêmica. Atualmente, dá aulas em uma universidade e faz um mestrado em Economia.

Até como eu esperava, algumas pessoas se mobilizaram para me ajudar, mas eu não estava em condições, eu estava exausto. Eu queria ir para o meio do mato (...), a minha idéia era abrir uma pousada, alguma coisa assim. Como eu não podia gastar o dinheiro que eu havia imaginado que serviria de respaldo para minha filha, eu não podia ficar no meio do mato com uma pousada. Eu acho que a gente busca um pouco o isolamento (...). E fui tentar me recuperar, mas foi um pouco ruim, porque nunca havia ficado sem fazer nada desde o 13 anos de idade, quando comecei no comércio com meu pai. Aí me vi numa situação diferente. Estava a 280 por hora, bati com a cara na parede, parei e aquilo não fazia parte do dia. Além dos problemas de saúde, eu comecei a me sentir mal psicologicamente e pensei “não posso ficar parado, tenho que fazer alguma coisa se não eu vou alucinar alguém ou vou acabar mal”.

235

O meu currículo estava muito marcado por ajustes de pessoal de empresa. As ofertas eram aquelas em que eu ia gastar pelo menos metade do meu salário em avião, eram para fazer enxugamentos em empresas e eu não tinha mais condições psicologicamente. Não é que eu não tivesse mais condições, eu achava que eu podia viver de outra coisa, eu queria um pouco de felicidade. E aí decidi nunca mais voltar para a área de RH. Aí me chamaram para nivelar alguns sistemas na área de pequena empresa, como usuário na área de rede de restaurantes, de pequenos negócios. Acabei ficando dois anos. Voltei a dar aula no segundo semestre de 2001. Eu estava a 12 anos afastado da área acadêmica, algo que eu também não sabia mais se gostava de fazer. (...) Na realidade, eu achava que eu não ia gostar mais de fazer nada. Foi então que comecei a fazer um mestrado uns dois anos depois (...) e acabei abrindo mão da outra atividade porque era impossível conciliar as duas. Eu redesenhei um novo perfil. Voltei pra área acadêmica (...) Se ganha muito pouco, se comparado com a área empresarial, mas eu estou em busca de felicidade ali. A área de empresa é uma área que eu também gosto muito e eu estava bem, mas área de grande empresa eu não quis mais. Fiquei receoso de entrar e de ficar naquele ambiente pesado. Eu sei que tem empresas maravilhosas pra você trabalhar, mas eu talvez não tivesse a condição de entrar nessas empresas maravilhosas, pois eu não era um indivíduo preparado pro mercado, a não ser para aquilo que estava tinha sido feito na TELEMAR e que eu não queria fazer mais. 4.1.3 - Os aposentados precoces Os antigos empregados classificados nessa categoria – Aílton, Antônio, Marília, Murilo – são aqueles que optaram por requerer aposentadoria proporcional ou aqueles que o fizeram antes dos 57 anos (homens) ou 53 (mulheres) e que não desenvolveram outras atividades. As idades estabelecidas correspondem àquelas instituídas inicialmente pela SISTEL para aposentadoria.

Aílton é um caso particular, pois desde sua saída, prestou serviços eventuais à própria TELEMAR. No momento da entrevista, ele havia sido convidado por duas empresas a participar de uma licitação aberta pela TELEMAR. Saí em dezembro de 2003. Não recebi nenhum incentivo. Recebi a lei. Não teve nenhum acordo, funcionário 32 anos Não quis nem saber disso. Quando eu saí fui logo pegar o TELEMAR Prev, então me aposentei pelo TELEMAR Prev e hoje a minha renda é de aposentado. Mas ao sair, meu novo chefe falou: “nós estamos demitindo, sabe como é a regra da empresa e tudo mais, mas se você quiser pode prestar serviço pra gente. Saí em dezembro e três meses depois, em abril, voltei a trabalhar, fazendo as mesmas coisas que eu fazia antes. Continuei trabalhando em 2004. Não eram bem as

236

mesmas coisas, mas era na minha atividade mesmo. Eram problemas que tinham lá... Só que não podia ser, tinha sido demitido não podia. Tinha que ser pessoa física, não podia ser... então arranjaram uma empresa que eu prestava serviço para aquela empresa e aquela empresa prestava serviço para a TELEMAR. Então trabalhei na TELEMAR de abril ate dezembro fazendo isso e também tinha aquela minha vaidade de não posso receber menos do que eu recebia, do que eu custava para a empresa. Porque não era só o salário, mas também o que ela gastava de benefícios sociais. Eu não deixei me vender por um preço menor que o que eu custava para a empresa. Então, como agora para esta licitação eu estou me vendendo pelo preço que ela me pagaria se eu estivesse trabalhando hoje, com meu seguro saúde da Sul América que eles pagam para os funcionários, tudinho que eu tinha direito mais as leis sociais, impostos, tudo, é o que eu cobro para continuar trabalhando. No ano de 2004, trabalhei para uma firma como prestador de serviços. (...) montei uma firma e a minha firma prestava serviço para uma que prestava serviços à TELEMAR (era quarteirizado). Em 2005 eu não trabalhei, fiquei sem trabalhar o ano inteiro. De janeiro a dezembro não fiz nada. Agora, apareceu essa licitação para fazer o trabalho que eu fazia, também apresentei meu preço nas mesmas condições (incluindo todos os custos). (A licitação)Está para sair, mas ainda, não saiu. Está aparecendo trabalho um ano sim um ano não. (Ailton) Murilo saiu da TELEMAR em 1999, com uma idade bem próxima da aposentadoria - padrão da SISTEL. Aposentou-se, não voltando mais a trabalhar embora tenha procurado,

mas em função da idade e devido ao fato dos gerentes da

antiga TELERJ não serem bem vistos pelo mercado, acabou não conseguindo colocação. Depois que eu saí, pensei assim: eu tenho tanta experiência, eu vou continuar o meu trabalho. Mas, a essa altura eu já era um gerente mais do que um técnico. Eu não fazia programas, não fazia sistemas havia algum tempo. Claro que eu tinha uma visão técnica bastante ampla, tinha conhecimento, mas eu não me sentia mais em condições de sentar na frente de um terminal e sair desenvolvendo. Comecei a procurar posições gerenciais, passei por algumas entrevistas, e sofri dois tipos de impacto. Eu estava com 54, 55 anos, muito novo, mas o mercado não gostava. Uma coisa muito marcante para mim foi o dia em que fiz uma entrevista numa consultoria lá em São Paulo. Fui muito bem tratado, fiz uma entrevista ótima e tal. Dias depois o sujeito me falou o seguinte: é, mas você vem da TELERJ, e aí não dá. Ficou uma imagem que construíram contra a gente. Um monte de competências dentro da empresa, ótimos técnicos e isso foi tudo minado porque deixaram a empresa chegar numa posição realmente ruim frente à sociedade.

237

Marília foi bibliotecária atendendo à área de informática, à área de controle de qualidade da diretoria de engenharia e ao laboratório da TELERJ. Foi seu primeiro e único emprego. Ela decidiu sair no plano incentivado de novembro de 1998. No mês seguinte, a biblioteca foi desativada. Voltou a trabalhar logo após a sua saída, na montagem de um site sobre energia elétrica. Tem feito vários cursos, tendo completado um curso de formação em teologia. Saí no PIRC e fui obrigada a me aposentar com 27 anos de contribuição. Eu não tinha idade para a SISTEL. Para a SISTEL a idade era 55 anos, no mínimo, e tinha que ter 35 anos de trabalho. Até hoje eu fico me perguntando se o INSS eram 30 anos porque 35 da SISTEL, então eu fui muito prejudicada. Quando saí, passei dois meses estudando inglês na Inglaterra, Depois trabalhei com uma amiga da EMBRATEL. Fizemos uma bibliografia para uma biblioteca virtual sobre eficiência energética. Aprendi muita coisa sobre eficiência energética, o que foi bom que foi muito bom porque logo depois teve o apagão. Depois para atender os meus anseios, a minha busca, eu fiz um curso de teologia. Terminei ano passado, e estou fazendo uma pós-graduação em encadernação. Quer dizer, não que esteja relacionada minha área, mas relacionado com livro. Antes eu via muito conteúdo, agora eu vejo como o livro é feito, o carinho como o livro artesanal é feito, a escolha, a capa, escolha de todo o processo de elaboração, de uma encadernação é feita. Então o livro agora assume pra mim uma dimensão maior. Não só pelo conteúdo, pela qualidade como ele é feito artesanalmente, não em gráfica. O curso de teologia que para mim foi importantíssimo na minha busca de Deus, e continua sendo. Só Ele dá força. Antônio, Pais como era conhecido, trabalhou até 2002 na TELEMAR e aposentou-se em 2004. Após sua saída, decidiu estudar para fazer um concurso público em uma nova área de economia e finanças. Foi aprovado, mas não logrou classificação. Fiquei quatro anos na TELEMAR, mas os últimos dois anos foram terríveis. Foram os piores anos que eu já tive porque é aquela história, eu já sabia que ia ser demitido algum dia, e chega um dia lá que alguém vem pra conversar comigo. Como eu tinha mais de 51 anos já tava achando bom, pelo menos é uma graninha, o sistema me paga, então não estou muito preocupado com isso. Minha mulher trabalha então na parte financeira não tinha desespero. Quando saí não queria mais trabalhar com Tecnologia da Informação. Hoje em dia estamos comendo um pouco das reservas, digamos assim, mas na expectativa de que os filhos vão se formar, começar a trabalhar, vão ter a vida deles, o ganho deles. Temos o nosso gasto mensal planilhado, desde que era aquelas folhas enormes que agora virou uma planilha do Excel. 238

Praticamente meus gastos continuam os mesmos, poderia gastar mais se eu tivesse um outro emprego. A única coisa que eu acho que eu ainda não resolvi, não resolvi direito um problema com a minha maneira de ver: Eu acho que o Brasil, colocandose agora como um observador de fora, o Brasil ter um cara com o meu preparo, com a minha idade, não trabalhando, realmente eu acho um absurdo. Eu poderia estar rendendo, não estou falando em termos de salário não, estou falando em colaborar com a melhoria do país, mas o mercado não quer. É a única questão que me pega de vez em quando. Comecei a fazer concursos foi mais pra ter a cabeça ocupada. 4.1.4 - Os aposentados Fred, Garrone e Humberto são aposentados, mas atendendo aos critérios de 35 anos de trabalho e idade SISTEL. Humberto fez uma longa trajetória particular: ingressou na antiga CTB em 1955, em Minas, e só saiu em 1999, 44 anos depois, da TELEMAR. Fred e Garrone aposentaram-se no período correto e ambos voltaram a trabalhar dentro do antigo sistema: Garrone como prestador de serviço na própria TELEMAR até 2001. Ao tentar uma nova colocação foi considerado over-qualified, não voltando a trabalhar. Fred, após a privatização da TELEBRÁS, foi presidente da Tele Centro Sul celular e diretor da EMBRATEL.

4.1.5 - Reinventando a si mesmo Foram classificados nesta categoria os ex-empregados Glória, Margareth e Regina, que buscaram atividades bem diversas daquelas que vinham executando na TELEMAR. Glória solicitou seu desligamento da TELEMAR em 1999 por não concordar com o novo modo de trabalho que estava sendo imposto. Glória atuava na área de sistemas financeiros e de contabilidade iniciou um curso de arte-terapia e posteriormente de psicologia. Atualmente, é psico-terapeuta e está cursando pós-graduação na área. Foi uma coisa que comecei a questionar: por que eu não estava me adaptando, não estava enquadrando a esse grupo? Não estava sendo flexível o suficiente? Ou travava-se mesmo de uma questão de construção de valores, mas daqueles valores que, se você abandonar, você vai ferir completamente tudo que diz respeito à sua identidade, o que você quer pra você? Quando pedi para sair fui chamada por um psicólogo que atuava junto ao projeto. Ele desejava sair o motivo da minha saída, no meio da conversa

239

ele mencionou algo sobre a arrogância desse pessoal que “veio do mercado”. “quer dizer que você sabem , mas não fazem nada para mudar. Na entrevista de desligamento vocês querem que a gente coloque esta questão que ninguém tratou. A forma como o ser humano é tratado. Você era tratado como nada. Eu dizia em reunião : eu não concordo com isso. E respondiam: mas vai ter que engolir goela abaixo. O que isso? Isso lá é forma se falar com alguém? Antes de começar essa coisa de privatização, eu já pensava em quando eu me aposentasse trabalhar numa coisa diferente, em algo mais ligado a ciências humanas, deixar um pouco as ciências exatas. Quando aconteceu isso, me perguntei se não tinha chegado a hora de eu dar início a esse meu projeto. Mas como eu não tinha sido mandada embora, não tinha recursos financeiros. Não tinha tempo de aposentadoria... Essa foi uma coisa que pesou muito na balança, mas optei por seguir essa outra trajetória. E fui a procura de uma coisa que eu queria diferente. Eu queria trabalhar com ser humano em terapia, mas uma coisa diferente. E fui em busca disso, visitei vários lugares no Rio de Janeiro, de início não tava pensando em fazer direto outra faculdade, então fui nessa procura. Por intermédio de uma pessoa de São Paulo fui apresentada ao mundo da arte-terapia, que é o mundo da criação, a criação pela criação, não leva em conta a estética. É o criar. É você falar de você. Exatamente isso, puxa, encontrei o que queria e assim mergulhei. Voltei a ter uma vida literalmente de estudante com a “dureza” de estudante, isso eu com 47 anos. Para conhecer mais do assunto iniciei a faculdade de psicologia, não tinha terminado a arte-terapia quando iniciei a psicologia. Foi um rumo totalmente diferente da minha vida, mas acho que hoje, assim, foi uma coisa na época muito dolorida, mas hoje eu posso dizer que foi uma coisa muito boa, foi algo que eu encontrei e que acho que veio a calhar depois dessa minha passagem do meio.(a entrada na maturidade) Essa passagem do meio é quando você vê o seguinte: Eu tenho um tempo daqui pra frente, mas esse tempo, essa visão de tempo que você tem daqui pra frente não é uma visão tão longa quanto aquela visão quando a gente termina a adolescência, entra na faculdade que a sensação que a gente tem é que a linha da vida não vai terminar nunca. Então a visão começa a ficar diferente. Os anos estão passando e o que realmente eu fiz e o que eu gostaria de ter feito? E começam os seus questionamentos, seus questionamentos da finitude. São os questionamentos de que maneira modificar e adaptar a minha vida diante de uma nova realidade. E a minha proposta é trabalhar, justamente, essa passagem do meio (da meia -idade) que é uma passagem que mexe muito com as pessoas. (Glória)

Regina trabalhou sempre ligada à área-fim da empresa, sempre ligada a área de operações em atendimento, no relacionamento com o pessoal de rua, ou como técnica do segmento de comutação, atuando junto às centrais telefônicas. Foi representante sindical na empresa, mas embora tivesse estabilidade devido à atividade sindical, 240

solicitou sua demissão, por não suportar mais o ambiente de trabalho. Atualmente, estuda direito e é estagiária de direito do trabalho na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Eu fiquei mais dois anos e depois do PIRC ( sem nenhum incentivo). Eu na época estava em Ramos a passei a não suportar mais nem entrar. Eu via, nunca fizeram comigo não, mas eu via, eu ouvia o chefe se dirigir ao funcionário aos gritos, aos berros. Ficava com pena dos garotos novos, eles ganhavam salário mínimo, essas coisas e eram muito mal tratados. Eu não me lembro ter faltado nenhum dia ao trabalho. Só tive licença maternidade. Só que um dia eu levantei de manhã, me aprontei, saí . Só que quando cheguei no ponto do ônibus voltei. Até que minha filha falou: mãe, nunca vi você faltar ao trabalho. Não agüentava mais trabalhar, não suportava mais ficar ali. Foi quando eu pedi para sair. Graças a Deus o chefe me atendeu, pediu para eu ficar mais um pouco e me colocou numa lista, depois eu saí. Pagaram tudo direito, todos os meus direitos. Agora, porque fiz 50 anos, peguei a complementação da previdência. Mas, vários colegas nossos não conseguiram fazer isso quando saíram da TELERJ não podiam continuar pagando, porque aumentava muito a contribuição. Tiveram também mexidas no plano, você tinha um plano de saúde na aposentadoria, hoje não tem. Mudaram a previdência, porque antes cobria a parte de saúde e hoje não. E não adiantou questionar. Quando eu saí, eu tinha um propósito: não voltar nunca mais. Falei assim: qual área que eu vou seguir? Telecomunicações eu não queria mais, não depois de tudo aquilo. Então, vamos mudar radicalmente. Eu já estava estudando e parei então eu decidi: vou voltar para o direito. Eu tinha começado e a estudar, eu parei justamente quando fui pra Ramos, por que lá não tinha hora pra sair. Eu quero seguir na área do direito trabalhista.

Margareth é economista, tendo entrado na TELERJ em 1976. Conheceu Fred, um dos entrevistados, casou-se e teve um filho. Permaneceu até depois da privatização tendo optado pelo plano de incentivos. Atualmente, tem uma loja de roupas femininas em Itaipava. Eu estava trabalhando no Irajá, muito trabalho para nada, ficava tudo parado. Resolvi pedir as contas pensei: com o dinheiro que vou receber, e mais um trabalho que arranjei, dava para continuar. Peguei o dinheiro e apliquei. Hoje, tenho uma loja no shopping de Itaipava, vou para lá toda semana.

241

4.1. 6 - Na passagem Entre uma área e outra, da atividade à inatividade, instala-se uma zona intermediária, constituída de trabalhos episódicos, contratos de curto prazo e períodos de inatividade. Pelo menos quando a entrevista se deu, somente um dos entrevistados se encontrava nesta zona: Beatriz. Beatriz ingressou na TELERJ no início da década de 1980, tendo percorrido um extenso caminho. Em função, sobretudo de questões relativas ao salário e por acreditar que nas novas redes frouxas (Sennet, 1999:100) poderia vir a auferir ganhos monetários, Beatriz pediu para ser demitida da TELEMAR em 2005 após ter sobrevivido, como ela mesma afirma, mais por estar nos lugares certos na hora certa do que por perfil. Sua narrativa sobre sua longa sobrevivência na empresa, assim como a sua desesperança principalmente pela falta de valorização de sua experiência, fato que a levou a sair, apresentam vários pontos em comum com a narrativa da personagem Rose, apresentado por Sennet (1999: 98). Outro ponto que aproxima a narrativa de Beatriz às observações de Sennet refere-se à ética e à lealdade na relação empregado-empresa. Os fatos que ela vivenciou entram frontalmente em choque chocam com a visão que tem dessa relação. Recolocada dentro da OI como consultora, em um contrato de pequena duração, Beatriz não se adaptou a esta nova condição dentro da antiga empresa. Foi alocada por uma consultoria em outra empresa de telecomunicações no Rio de Janeiro, mas embora o projeto para o qual fora designada tivesse uma duração de dois anos, dois meses após o seu início, o mesmo foi suspenso por tempo indeterminado. Assim, na data da entrevista, Beatriz estava buscando há dois meses uma nova colocação. Eu achava que o fato de ser antiga devia valorizar o meu currículo dentro da empresa, mas isso não aconteceu. Aí fui para OI. O chefe imediato continuava sendo o mesmo, por acaso, e lá na OI só tinha chefe jovem. Então, de repente, a gente se viu cercado de uma garotada de 30 anos. A gente estava acostumada com aqueles chefes de antigamente, que eram pessoas que tinham uma história na empresa. Mesmo quando não eram da TELERJ, eles tinham vindo das outras empresas teles. Eles tinham 15, 20 anos de TELEMIG de TELEBAHIA, tinham conhecimento da empresa. Quando a gente chegou na OI, era realmente gente nova que tinha um ano de empresa, dois anos no máximo, que era o tempo que a OI tinha. Era

242

um pouco estranho, porque eles tinham realmente uma maneira diferente de conduzir. (...). Como é que eu sobrevivi? Eu dei sorte e realmente eu não comprei nenhuma briga nessas mudanças. Nem chefe nem com nenhum colega. Quando eu cheguei que eu vi que não estavam me dando muita bola de trabalho que eu pegava e aos pouquinhos eles foram vendo que a gente conseguia fazer o trabalho, eu até consegui ser líder de projeto lá na OI. O salário do pessoal da OI até às vezes era mais baixo, mas teve gente que foi contratada ainda na TELEMAR, para fazer o que eu fazia, mas com salário muito maior e eu não conseguia que aumentassem o meu salário de jeito nenhum. Aí contrataram pessoas ganhando mais 50% do meu salário. Foi quando eu perguntei: vocês não podem promover a gente? Ah não porque você está folha da TELEMAR, então também não podem me demitir. É também para demissão é difícil e ai foi desgastando porque eu queria ganhar mais, sabia que estava fazendo um trabalho que podia ganhar mais. A verdade é que eu via as pessoas fora da TELEMAR, foi uma época em que a consultoria ainda estava boa, todo mundo que estava saindo conseguia ficar lá fora bem. Eu acho que vou sair também porque não estou mais querendo ficar aqui. Pedi para ser mandada embora. Quando começou e que eles falaram que ia ser escalonada, de repente é a minha última chance de conseguir ser demitida, de ir num grupo, com os benefícios da demissão em grupo. Porque, se não depois, se eu for demitida, vou ser demitida uma hora lá sozinha se eles quiserem, ou o governo vai acabar com aquela história dos 40% do fundo de garantia que vivia ameaçando, e eu tinha 25 anos queria o meu fundo, além de estar precisando de dinheiro na hora. Eu vou confessar que nesse momento eu estava querendo um pouco sair daquele marasmo. Eu precisava aproveitar a reestruturação, onde queriam demitir, para fazer uma mudança. Eu escolhi, não sei se escolhi bem ou mal, mas eu fiz. A empresa estava dando seis meses de seguro, seis meses de plano de saúde, seis meses de INSS, e oferecendo os serviços de uma consultoria para tentar recolocar a gente, então tinham essas vantagenzinhas. Aí eu pensei, pelo menos fico seis meses com o plano, seis meses garantidos, depois eu me viro, vou à luta. Os dois primeiros meses foram maravilhosos. Eu achei que não queria voltar a trabalhar não. Eu realmente achei muito bom estar longe daquilo tudo. E a verdade que eu acho que não queria voltar a trabalhar com informática não. No dia que saí encontrei com outras colegas que também tinham sido demitidas, só que elas não queriam sair, eu tinha pedido. Saí dali feliz da vida. Fiquei dois meses em casa com pessoal ligando, a OI me ligou mais de uma vez para fazer uns trabalhos lá, mas eu não estava querendo, queria mesmo descansar. Depois de dois meses, eu comecei a ver o que vinha. A primeira coisa que veio foi na OI, fui, tive uma péssima experiência, tanto é que outro dia eu estando sem alocação, precisando trabalhar e apareceu nesse mesmo local com essa mesma pessoa,mas eu não aceitei.

243

Saí dali, fui chamada por uma grande consultoria e quando entrei eu voltei para casa feliz da vida. Eu vi um monte de gente grisalha, há anos eu não trabalho com um monte de gente de cabelinho mais grisalho. Encontrei até com gente da própria TELEMAR e da OI, peguei um monte de gente antiga. Ai realmente o projeto era até dezembro, acabou, e me dei bem. Não tive esse problema com eles, nem com o pessoal da cliente. Aquela história de conta é muito desagradável, conta que eu digo, assim, o gerente fala “a gente tem que lucrar com essa conta, essa conta está dando prejuízo, o projeto está acabando”, com isso eu não estava muito acostumada, o tive que aprender um pouco. Aprender a fazer entrevista também. Aí logo quando o projeto estava acabando, uma outra consultoria ligou por que tinha a vaga em outro cliente. Eu não fui porque o projeto não tinha terminado. Eu perguntei pode começar no mês que vem? Eles disseram não, e eu tinha sido entrevistada dois meses antes, mas quando eles chamam é para hoje. Isso é outra coisa que eu também ainda não aprendi. O pessoal que é PJ, este pessoal sai na hora que tem que sair, não tem, não vou nem chamar de ética, mas digo assim, se eu estou um trabalho, eu vou terminar. As pessoas não fazem isso, eles dizem “me chamaram, eu estou indo, tchau”. E você pensa que a consultoria que foi largada se importa, não. Se depois tiver que chamar aquele sujeito que te deixou na mão, eles chamam. Isso para mim eu achava estranho, e ainda acho. Eu ainda acho que tem que jogar limpo. Mas nem sempre é assim. Depois eu fui para um projeto grande, longo, mas que durou só dois meses, não foi confirmado, ficou suspenso. Aí lá fui eu pro olho da rua, junto com tantos outros, com a promessa de quando recomeçar ser chamada com toda certeza, só que se sabe lá quando vai acontecer. Eu ainda não estou lidando bem com essa coisa. Eu ainda gosto do pé no chão, da CLT, do salário não tão baixo, mas médio do que alto, mas que me mantenha. Eu me larguei numa aventura que não é o meu perfil, mas que eu estou tentando levar. 4.1.7 - O olhar do novo Suzana foi selecionada para fazer parte dos entrevistados justamente para agregar uma nova visão, uma avaliação de fora, de uma geração mais jovem, que já entrou no mercado de trabalho com nova configuração. Seu olhar sobre o ambiente que encontrou na empresa, suas experiências foram fundamentais para corroborar vários pontos levantados por outros entrevistados, mas que podiam ser visões de uma geração e não realidades. Suzana é estatística com especialização em marketing, tem experiência internacional, estudou na Universidade de Minnesota. Atuou em empresas do segmento financeiro na área de análise de risco, na de bebidas e alimentos, na área de inteligência

244

de marketing. Foi convidada a trabalhar na TELEMAR pelo seu ex-gerente numa multinacional. Ingressou em 2001, quando a empresa consolidava a sua integração e abria novas frentes nas áreas de Call Center, com a CONTAX, e na área de telefonia celular, com a OI. Embora seja jovem e já tenha desenvolvido uma postura mais “atual” de desprendimento com relação ao estabelecimento de laços de longo prazo entre empregado e empresa, a instabilidade gerada pelas constantes ondas de demissão e pelas freqüentes mudanças de chefia e de diretrizes a incomodavam e acabaram reforçando a sua decisão de sair. Fui para uma área era nova, que era de data base marketing, cujo objetivo é segmentar o mercado e fazer ações de venda direcionadas para cada público. Quando eu entrei, em janeiro de 2001, os salários eram muito atraentes. Passei por vários ciclos de demissão, demissão em massa. A primeira vez que isso aconteceu, fiquei bastante assim abalada. Várias pessoas foram demitidas, e quem não foi demitido foi conduzido a um salão pra explicarem o porque estava acontecendo aquilo, porque estavam reestruturando a empresa. Embora já tivesse passado por isso em outras empresas, eu acho que naquela época na TELEMAR a freqüência que acontecia realmente era uma coisa muito diferente. Eu passei por muitas chefias. Em alguns momentos, eu sentia que não tinha regra nenhuma, que a gente não sabia exatamente pra quem tava fazendo aquele determinado trabalho Enfim, não tinha muita organização. Já em outras circunstâncias, com outra chefia, a coordenação já amarrava muito bem os objetivos, explicava para quem estava fazendo o trabalho, tentava amarrar cronograma, então dependia muito da chefia que eu estava no momento. Eu não cheguei a aderir ao plano de aposentadoria. Aliás, eu nunca aderi a plano de aposentadoria nenhum de empresa. Por ter essa noção de rotatividade, eu tenho uma aposentadoria do Banco do Brasil, porque essa, aonde quer que eu esteja, eu estou contribuindo. Eu pedi demissão, não fui demitida, consegui sobreviver a todas as levas, mas o que aconteceu é que eu me sentia muito angustiada, principalmente nos finais de ano porque eu sabia, todo mundo sabia, que ia ter um corte na folha de pagamento, então era uma situação muito instável. E meu marido estava na Bélgica num projeto em 2002. Ele voltaria para o Brasil em 2002, mas acabou renovando o contrato e ficando 2003 também. Eu achei que ia ser uma oportunidade que eu ia perder de morar, além de estar afastada do meu marido, de oportunidade de morar um ano na Europa, e por um emprego que eu poderia dali a alguns meses nem estar mais ali. Então eu achei que eu não estava abrindo mão de tanta coisa assim. Depois da Bélgica, voltei para o Brasil em 2004 e trabalhei como consultora na mesma área de database marketing. Logo depois fui pra Light, em agosto de 2004 para trabalhar na área de previsão de mercado de energia

245

elétrica . Fiz um concurso pra Petrobras, e fui chamada agora em abril de 2006. (Suzana)

4.2 - O novo mundo do trabalho e o perfil do trabalhador Como foi visto anteriormente, dado o baixo crescimento e o rearranjo produtivo, o mercado de trabalho como um todo, não só no setor estudado, vem experimentando, nessa primeira década do século XXI, um processo de desestruturação, com o crescimento do desemprego. A privatização também causou a queda dos empregos em setores mais estruturados da economia. Assim, ocorreu uma a elevação da informalidade, do trabalho por conta própria, das ocupações em pequenos negócios e das formas de contratação mais precárias (temporário, pessoa jurídica, estágio, prazo determinado). Estes trabalhadores não conseguem nem a proteção dos acordos coletivos, pois como são na sua maioria terceirizados não são abrangidos pelos possíveis ganhos ou garantias obtidos pelos movimentos de trabalhadores e negociados pelos sindicatos. Dois entrevistados traçaram um quadro da nova situação do mundo do trabalho e do perfil e das condições do trabalhador. Embora tenha sido baseado nas áreas de telecomunicações e de tecnologia da informação, o quadro não é específico dessas áreas, dando conta, na realidade, de uma situação encontrada em outros segmentos e em outros países. A precarização é simplesmente uma fase na vida do trabalhador, nem a terceirização é usada pelas empresas por períodos em que a empresa para se adequar às imposições do mercado ou para ganhar uma vantagem competitiva. Tanto um quanto outro, aparentemente, viraram categorias, uma social e a outra de ordem jurídica: o “precariado222” e o “acontrato”. A nova relação trabalho-capital fez surgir, do mesmo modo que, no início da sociedade industrial, surgira a categoria operariado como classe social, o precariado como uma classe social. Ao invés de contratos por tempo 222

O termo “précariat”, aqui traduzido, é utilizado por Castel em um artigo publicado no jornal Le Monde . Para Castel , a precariedade teria deixado de ser uma etapa num percurso profissional para ser um estado permanente. A característica atual de permanência designaria uma nova categoria de trabalhadores que está tornando-se ,mesmo nos países centrais, mais numerosa que a de trabalhadores estáveis, sob a proteção da previdência social e com contrato de trabalho por tempo indeterminado. ( Le Monde, 29/04/06)

246

indeterminado, os contratos passaram a ser indeterminados ou, na maioria dos casos, inexistentes, sendo então um “acontrato”’. O processo de terceirização excluiu do acordo coletivo, uma coisa perversa, não só você começou a tirar conquistas do acordo, como você começou a tirar pessoas do acordo coletivo. Você faz uma discussão de acordo coletivo na TELEMAR, a grande maioria das pessoas não está incluída nesse acordo. A empresa x. me informou há duas ou três semanas atrás que ela tem entre quatro e cinco mil empregados no Rio de Janeiro, a maioria trabalhando regularmente para a TELEMAR. O sindicato está agora negociando o acordo coletivo com ela, mas desses quatro, cinco mil empregados que até 1995, 1996 estariam dentro do acordo coletivo da TELEMAR, hoje estão fora. Trabalhadores que não têm fundo de pensão, não têm auxílio creche, ganham salários irrisórios e às vezes não têm nem salário (ganham por produção). Hoje, foi recuperada uma coisa que é do início da Revolução Industrial, que é o chamado contrato por peça. Isso é absolutamente irregular. Você olha o pessoal de rede, não tem carteira assinada, só tem quando a gente vai lá e fiscaliza e ganham por produção. Um grupo de trabalhadores, eles definem uma determinada tarefa, tem uma sistemática de cálculo de aferição do trabalho e ganham em função daquilo, e um retrocesso completo. (...) A forma de contratação hoje é variada. Eu tenho cooperativas que funcionam corretamente e as que funcionam fraudulentamente. Ora as empresas eliminam esta modalidade de sub-contratação, ora ela volta. Ao longo desse processo surgiu algo novo e que é usado intensamente que são as pessoas contratadas como pessoas jurídicas. As empresas estão cheias de gente que saiu, se aposentou, foi demitida e que está trabalhando regularmente. Gente que entra de manhã e sai de tarde, mas não é empregado. Tudo para você burlar a questão previdenciária, a questão trabalhista. Você tem a terceirização, você transfere serviço para outra. Você tem a quarteirização, a quinteirização, porque tem isso, sem exagero. E você tem até o cúmulo do absurdo que é nada, você é chamado por uma empresa quarteirizada, terceirizada que te contrata e você põe lá um amigo teu para trabalhar. Ele trabalha por produção, recebe um dinheiro, repassa entre as pessoas. Não tem nada de previdência, nada de imposto de renda. Nada de nada. Eu já peguei uma situação dessas, porque o pessoal de rede, via de regra, ele tem o seu próprio carro, a empresa é dele, ele tem que ter as próprias ferramentas e tem que saber dirigir, a empresa dá um valor para a gasolina e outro para dirigir. O que eu peguei foi uma situação de um contratado, que não sabia dirigir, só que ele tinha um colega que dirigia. Então, uma pessoa participava do reparo, podia até entrar na casa do cliente e ninguém saberia quem era. Isso tudo é questionável até sob o ponto de vista da qualidade do serviço. Outra é uma tendência de todos prestadores de serviço, infelizmente, que é querer o usuário, cliente, consumidor, morador, cidadão rapidamente distante. As novas tecnologias, os novos recursos das telecomunicações, ao invés de servir para o trabalhador, do ponto de vista do trabalhar ficar menos

247

desgastante, mais prazeroso, serve ao contrário. Do ponto de vista do cidadão, de tornar mais ágeis as coisas, serve para atrasar, porque hoje uma das coisas que mais irrita uma pessoa é ligar para uma concessionária de serviços telefônicos. (Gilberto) A reorganização produtiva do capitalismo definida como a “especialização flexível” leva a uma completa mudança, não só no perfil do trabalhador em termos de capacidade técnico-profissional, mas, sobretudo em termos de sociabilidade.

Como

assinala Sennet (1999), ao cunhar a expressão “a força dos laços fracos”, a flexibilização acarreta uma diluição dos laços de confiança, solidariedade e compromisso mútuo dos indivíduos entre si. O novo perfil do profissional desejado é aquele que é desprendido emocionalmente, jovem, disponível e totalmente responsável por tudo que lhe ocorre, pois ele é “o único gerente de sua carreira”. Um dos entrevistados traça um perfil do tipo ideal de profissional, aquele que tem empregabilidade , termo novo que corresponde à atualização desejada pelo mercado de trabalho, atualização esta que é de inteira responsabilidade do trabalhador. O trabalhador é assim o único responsável pelo seu fracasso ou sucesso, ele é o único administrador de sua própria carreira. As empresas de consultoria buscavam aqui no mercado profissionais com um bom perfil técnico. O que mudou é que o profissional deixou de ter aquela estabilidade de trabalhar perto de casa, ou seja, no estado onde morava. Empregado de empresa de consultoria está sempre viajando, hoje é um projeto no Rio de Janeiro, outro em São Paulo, outro no Amazonas, outro fora do país. A instabilidade, ou seja, o profissional começa a ser visto pela qualidade do serviço que ele presta, então a qualidade melhorou. Então ele sabe se prestar um mau serviço, não só perde o emprego nessa consultoria como fica sem chances de conseguir emprego em outras. Porque o mercado continua sendo um mercado muito fechado no Rio de Janeiro e ainda diminuiu bastante. Assim, alguém na empresa a qual vai se prestar serviços acaba sempre conhecendo alguém que conhece o profissional, então se ele for mal recomendado, está roubado. O que eu noto que quando ele está vendo a empregabilidade dele garantida não só porque ele tem projeto, mas quando a empresa ta investindo nele, ele tem essa lealdade. Ele só sai realmente quando sente que o projeto está acabando, e a própria empresa sinaliza que ele não tem chance de continuidade. Aí, ele procura outro caminho. O profissional passa a ser o gerente de si mesmo. Se ele quer ter seu plano de previdência privada, décimo-terceiro, férias, fundo de garantia, ele

248

tem de contabilizar tudo isso para negociar um contrato favorável e não só o contrato, como as formas de reajuste. Hoje, numa empresa privada de consultoria, a empresa dando ou não treinamento, o profissional se mantém atualizado, porque sabe que a sobrevivência no mercado depende do conhecimento e do quanto ele está atualizado. Então, houve uma mudança muito grande do auto-estudo, e a tecnologia disponibilizou uma série de coisas favoráveis hoje para quem quer. O profissional tem que buscar a atualização. Hoje, você trabalha muito por metas. Se você não cumprir com as metas, não atinge seus objetivos, é mal avaliado e corre um risco grande de perder o emprego. Além disso, quando você presta serviços direto no site do cliente, você fica muito sujeito ao cumprimento do horário do próprio cliente. Então, não há necessidade de ter o cartão de ponto, porque esta é uma formalidade às vezes desnecessária. Uma tendência no mercado muito grande a só manter profissionais até os 45 anos de idade limite, a partir dessa faixa o mercado perde o interesse. (Carlos)

249

Considerações finais

No atual contexto da liberalização e flexibilidade são os interesses do mercado que se sobrepõem aos dos indivíduos e ao bem-estar social. Como assinalado por Castel, as proteções sociais vinculadas ao trabalho foram conquistadas, pela conciliação dos interesses do mercado e os compromissos sociais, no período fordista/keynesiano. Os impactos da flexibilização nas relações de trabalho tornaram-se mais visíveis no início dos anos 1990, tendo atingido não só os trabalhadores, mas também seus órgãos de representação. No Brasil a “demissão” do Estado empresário, que no passado recente tentou garantir um equilíbrio de forças entre capital e trabalho, facilitou a flexibilização do trabalho e dos direitos trabalhistas sob o argumento de adequação à nova realidade econômica. No entanto, é importante frisar que esse processo de reestruturação constitui um movimento mundial, que atinge, indistintamente, tanto os países industrializados da América do Norte e da Europa, quanto os países em desenvolvimento da Ásia e da América Latina, mas cuja natureza, motivação e conseqüências diferem entre si. O trabalho, ou melhor, as relações de trabalho, especialmente para as camadas médias das grandes empresas, fossem elas, norte-americanas, inglesas ou brasileiras sofreu modificações substanciais. Na sociedade brasileira, sobretudo para o segmento médio, o trabalho assalariado carrega uma dimensão social que ultrapassa o campo econômico. Estar empregado significa estar inserido em uma rede de proteções que se constitui em fundamento de cidadania. A reestruturação da IBM que provocou grandes demissões, o processo de downsizing enfrentado pela AT&T, o processo de redirecionamento sofrido pela BBC, os processos de reengenharia que afetaram bancos, siderúrgicas e empresas de telecomunicações no Brasil guardam, sob o ponto de vista dos que vivenciaram estes processos, grandes semelhanças. Nesse sentido, os relatos de Sennet (1999) sobre a IBM, de Barbara Rudolph(1998) sobre a AT&T, de Georgina Born(2005) sobre a BBC, as teses de Roseli Nespoli e de Eduardo Pinto e Silva sobre as demissões no Banespa e de Maria Soledad Gomes sobre eletricitários da Light e da Eletrosul, embora abordem o

250

tema com diferentes referenciais e diferentes objetivos, apresentam, nos relatos dos atores vários pontos em comum que vão além da demissão ou da extinção do contrato de trabalho, dando conta também da perda de vínculos importantes, da fragilidade e da luta por re-inserção ou adaptação. Todos esses trabalhos descrevem ou fazem referência à existência de processos de demissões voluntárias, incentivadas, que na sua maioria nada têm de voluntárias. Todos os que saem e os que permanecem vivenciam sentimentos de perda, de rompimento de elos que ultrapassam o ganho ou a perda financeira. Posteriormente, para os que permaneceram, é descrita a degradação do ambiente de trabalho atingindo várias dimensões: fadiga (física), ansiedade e redução da autoestima (psíquica) e organizacional (medo de demissão, pressão por metas, deterioração das condições contratuais de trabalho), desqualificação da experiência e do capital específico e valorização do conhecimento externo à organização (profissional) e alguns outros problemas de difícil classificação, como o entorpecimento e a culpa (entorpecimento causado pela angústia prolongada da espera pela demissão e culpa pela demissão ou pelo desejo de sair). Todos os depoimentos relatam o vínculo ao trabalho e à organização como elemento de pertencimento e de constituição de identidade. Ao longo de décadas estes empregados construíram relações inter-pessoais valiosas e intensas. No caso específico abordado neste trabalho há um reforço neste ponto, pois a própria atividade “de ligar pessoas” representava, para os trabalhadores em telecomunicações, uma missão. Eles percebiam-se inseridos e necessários ao processo. Os entrevistados viveram uma relação de estabilidade, garantias sociais, segurança e de crescimento na carreira que lhes possibilitou planejar o futuro e estabelecer fortes vínculos. O vínculo solidário, explicitado em graus diferentes, mas presente em quase todos os depoimentos, não foi construído somente em função do “vestir a camisa”, mas também em função das boas condições de trabalho e salariais no passado. Assim, o trabalho na empresa foi visto, até a privatização, como tendo atendido às necessidades de renda (salário, benefícios e estabilidade), de cunho social (responder à questão: o que você faz?) e psicológico (amizades e estabilidade).

251

No caso da TELERJ, a visão negativa que parte da população teve da empresa no período da pré-privatização foi atribuída a contingências externas, sendo narrada como causadora de um sentimento de injustiça, mas não percebida como razão para culpa ou desvalorização. Os profissionais sentiam-se orgulhosos de seus atributos técnicos e de sua perícia. A privatização da empresa não significou apenas uma mudança de controle de estatal para privado, mas também a fusão de 16 empresas em uma. Aqui o processo difere dos processos descritos na literatura acima referenciada, pois o estigma criado, na TELEMAR, contra os empregados oriundos da TELERJ é uma especificidade que adicionada à velocidade e à intensidade das mudanças impressas pelos novos controladores pinta com tintas mais fortes o quadro de transformações das relações de trabalho. Desrespeito e sensação de irrelevância são os termos utilizados para descrever as situações vivenciadas. Diante das alterações nas condições de trabalho, os remanescentes do PIRC de 1998 tiveram basicamente duas possibilidades: resignar-se ou adaptar-se, ignorando a possibilidade de futuras demissões em massa. O ambiente de trabalho deteriorado, caracterizado pela competição e individualismo, além das pressões por rapidez em função dos projetos de antecipação de metas, adicionado ao sentimento de desvalorização profissional, fizeram com que alguns vissem na solicitação de seu desligamento da empresa uma possibilidade de libertação, um alívio. Outros, no entanto, viram o processo como desagradável, mas também como inevitável, pois na sua percepção todas as grandes empresas tinham adotado as mesmas políticas e as mesmas técnicas e nada restava a fazer senão resignar-se. A questão da terceirização foi percebida inicialmente como ruim, com o passar do tempo foi aceita, pois era a perspectiva oferecida para que continuassem a ter ocupações. Se, por um lado, a hierarquia era vista por todos como prejudicial ao seu desenvolvimento e ao desempenho da empresa, as redes frouxas que as substituíram também não lhes possibilitaram crescimento. Os sucessivos “enxugamentos” são, na visão tanto dos mais velhos como dos mais novos, um fator de desestímulo e de dor, mesmo para os sobreviventes. O

252

sentimento de insegurança reduz a pressão dos empregados por melhores salários e condições de trabalho e diminui a adesão a movimentos coletivos. A questão do “perfil para continuar” foi vista não só como associada à capacidade de adaptação, qualificação e empenho, mas também como resultado de fator sorte. Este sentimento é o mesmo expresso nos relatos dos empregados da AT&T, como de que a questão não é necessariamente o que se faz, nem como se faz, mas onde se está quando é iniciado um processo de “enxugamento”. Precarização, individualismo, competição, falta de vínculos são realidades do mundo do trabalho neste início de século XXI, em economias bem ou mal sucedidas, em culturas diferentes, em tempos de prosperidade ou de crises. Por outro lado, várias são as empresas que depois de sucessivas liofilizações continuam prósperas e altamente rentáveis. Alguns otimistas conseguem vislumbrar o novo mundo como um ambiente que irá acomodar tanto a flexibilidade organizacional quanto os interesses individuais dos trabalhadores. Numa visão esperançosa, as empresas oferecerão oportunidades e os trabalhadores oferecerão talento e trabalho. Trabalhadores fluirão entre projetos e empregadores, enquanto as empresas adicionam e retiram peças como num Lego. A questão reside em quem detém as peças do Lego. Várias foram as questões abertas nessa dissertação, mas que estavam fora do escopo do presente trabalho. Existem, pelo menos, dois estudos que podem ser feitos, dando continuidade à agenda aberta por ela. O primeiro deles envolve a história das telefonistas, desde os primeiros tempos, quando a comutação era toda manual, até os dias de hoje com o novo papel do telemarketing. O segundo estudo refere-se aos instaladores, sua mudança de qualificação e a alteração no ambiente e no regime de trabalho., envolvendo terceirização, pequenas e grandes empresas fornecedoras de mão-de-obra e cooperativas.

253

Referências Bibliográficas Abreu,Alzira,Beloch, Israel,Lattman-Weltman Fernando, Lamarão Sérgio Tadeu de Niemeyer- Dicionário Histórico_Biográfico Brasileiro- 5v-Editora FGV- 2001 Abreu,Marcelo de Paiva org.[et al], A ordem do progresso :cem anos de política econômica republicana 1889-1989, Rio de Janeiro- Elsevier- 1990 Alberti, Verena- Manual de História Oral -Editora FGV- 2004 Almeida, Marcio Wohlers- Investimento e privatização das telecomunicações : dois vetores da mesma estratégia disponível em www.cepal.org/publicaciones Almeida, Maria Hermínia Tavares de -Negociando a Reforma: A Privatização de Empresas Públicas no Brasil. Dados vol.42 n.3 Rio de Janeiro 1999 Arthur D. Little, Coopers&Lybrand -Deloitte &Touche , Sumário sobre as Conclusões da Avaliação Econômico-Financeira do Sistema TELEBRÁS- Serviço A- disponível em http://www.bndes.gov.br/privatizacao/download/avserva.pdf. Antonaz, Diana- A dor e o sentido da vida- Um estudo de caso: a “nova doença” das telefonistas do Rio de Janeiro (1980/1990)-Museu Nacional, PPGAS- 2001(tese mimeo) Antunes, Ricardo – Os sentidos do trabalho- Boitempo Editorial- 2002, 258 p _______________- A superfluidade do trabalho in A mídia e os dilemas da transparência-Seminário de Comunicação do Banco do Brasil, 2002 Araújo, Silvia -A ação sindical no contexto político da privatização das telecomunicações no Brasil- Universidade Federal do Paraná, Brasil in Revista Electronica de Geografia e Ciências Sociales ,Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Vol. VI, núm. 119 (100), 1 de agosto de 2002 Ariés, Philippe - L'histoire des mentalités- IN e Goff, Jacques,Chartier, Roger,Revel,Jacques, La nouvelle histoire, Paris,CEPL(1978:402-423) Barbosa, Fernando de Holanda; FGV- Escola de Pós-Graduação em Economia. Aspectos econômicos das empresas estatais no Brasil : telecomunicações, eletricidade e petróleo. Rio de Janeiro: FGV, EPGE, 1991. 226 f. Bauman, Zygmunt – Modernidade Líquida- Jorge Zahar – 2001 Biondi, Aloysio. O Brasil Privatizado II: O assalto das privatizações continua. São Paulo, SP: Editora

254

_____________, O Brasil Privatizado: Um balanço do desmonte do Estado. São Paulo, SP: Editora Fundação Perseu Abramo, 1999. BNDES - Cadernos de Infra-estrutura 14 a_ As telecomunicações no Mundo ______ - Cadernos de Infra-estrutura 15 _ As telecomunicações no Brasil ______ - Cadernos de Infra-estrutura - Telecomunicações ranking setorial 2 v- 1997 ______ - Relatório de avaliação econômico-financeira- TELEBRÁS Brasil- Atos e Leis do Império Brito, Maurílio - Subsídios para a História do Brasil, Nec do Brasil -1976, (acompanha Guia do viajante ) Born, Georgina – Uncertain Vision, Birt,Dyke and the reinvention of the BBC, GrãBretanha, Vintage , 2004 Casals, Pedro - A questão do comprometimento com a qualidade na gestão de uma empresa de telecomunicações- Tese de mestrado- EBAP- FGV -1998 Castel, Robert – As metamorfoses da Questão Social – uma crônica do salário – Petrópolis- Ed.Vozes, 1998

Cattani, Antonio, (org)- Dicionário Crítico sobre Trabalho e Tecnologia,Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Editora Vozes, 2002 (368p) Chauveau-Agnés,Tétart, Philippe- Questões para a história do presente EDUSC,1999(132p). COPPE- Relatório do GAT (Grupo de Assessoramento Técnico) da COPPE - UFRJ ao Ministério Público Federal sobre o Processo de Privatização da TELEBRÁS (1998) ______- Relatório II do O GAT (Grupo de Assessoramento Técnico) da COPPE - UFRJ ao Ministério Público Federal sobre o Processo de Privatização da TELEBRÁS (1998)

Coutinho, Luciano (coord)- Estudo da competitividade da indústria brasileira, serviços de infra-estrutura de telecomunicações e competitividade, Ministério da Ciência e Tecnologia, 1993

255

Dalmazo, Renato de Abreu - As mediações cruciais das mudanças político-institucionais nas telecomunicações do Brasil- Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser- Porto Alegre 2002 disponível em www.fee.rs.gov.br Dias, Lia Ribeiro, Cornils, Patrícia- Alencastro- o general das telecomunicações, Plano Editorial , 2004(151p) Donahue, John D.- Privatização fins públicos meios privados, Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor,1992 (310p) Fagundes, As Telecomunicações no Brasil - uma agenda para as políticas publicas, disponível www.ie.ufrj.br/grc/docs/ ,acesso em 20/04/05 Ferreira, Marieta de Moraes, História Oral : um inventário das diferenças in Entrevistas: abordagens e usos de história Oral, Rio de Janeiro,FGV Editora-1994 Ferreira, Marieta de Moraes, Amado, Janaina - Usos & Abusos da História Oral- Editora FGV - 2005 ,304p FITTEL: Leia e fique sabendo-O Monopólio do Cidadão (1993) Fiuza, Eduardo Pedral,Neri, Marcelo Cortes- Reflexões sobre os mecanismos de universalização do acesso disponíveis para o setor de telecomunicações no Brasil, IPEA,julho 1998 Galbraith- J. Kenneth- O novo estado industrial- Editora Civilização Brasileira-1968 Rio de Janeiro,IFCS-UFRJ, 2002 Gomes, Maria Soledad Etchverry de Arruda – Empregabilidade nos tempos de reestruturação e flexibilização. Trajetórias de Trabalho e Narrativas de Ex-empregados do setor elétrico brasileiro. Kelly, Kevin- Novas regras para uma nova Economia- Objetiva 1999 Kelstelman, Hélio Nahmen; - Contexto histórico do processo de nstitucionalização das telecomunicações no Brasil. 2002. 2 v Dissertação (Mestrado) – Rio de Janeiro- FGVEBAPE Kingstone, Peter R. Privatizing Telebras-Brazilian Political Institutions and Policy Performance, Comporative Politics, New York, outubro 2003 Lacouture,Jean- L'histoire immédiate- In,Le Goff, Jacques,Chartier, Roger,Revel,Jacques, La nouvelle histoire, Paris,CEPL(1978:270-293) Lamarão, Sérgio Tadeu Niemeyer - A energia elétrica e o parque industrial carioca, 18801920, Tese doutorado, História Social, UFF, 1997

256

_____________________- Capital privado, poder público e espaço urbano: a disputa pela implantação dos serviços de energia elétrica na cidade do Rio de Janeiro (19051915), -Estudos Históricos,n.29 FGV-CPDOC ,2002

______________________- Mídia e política: as concessões de canais de rádio e televisão na

Assembléia Nacional Constituinte (1987-1988), XIX Simpósio Nacional da ANPUH, Belo Horizonte, julho de 1997. Laranjeira- Sonia - A Reestruturação das telecomunicações e os sindicatos,Scielo v18 n 52 Leal,Rosa Maria de Paiva- Atraso e modernidade no Brasil Globalizado- Uma análise do discurso da mídia na privatização das telecomunicações, Dissertação de mestrado 2001, ECO-UFRJ Lessa,Carlos- O Rio de Todos os Brasis- Uma reflexão sobre a auto-estima, Record 2001 Mathias, Suzeley Kalil- A militarização da burocracia- A participação militar na administração federal das Comunicações e da Educação – Editora Unesp-2004 Pochmann, Márcio- e-trabalho. São Paulo, SP: Publisher Brasil. 2002. _______________ - O emprego na globalização - A nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo. 2001. Rifkin- Jeremy - O Fim dos Empregos- Makron Books -1996 Rodrigues,Carrieri e Luz, Suzana Braga ,Alexandre Padua, Talita Ribeiro (org)- Tempos de descontrução - evolução e transformação de empresas- Um estudo da TELEMIG/Temar Minas- UFMG-FACE 2003 Rudolph, Barbara - Disconnected: How Six People From At&t Discovered the New Meaning of Work in A Downsized Corporate America ,1998, SIMON & SCHUSTER INC Ruduiti,Sandro- Relações interfirmas e emprego na rede de empresas- Sociologis, porto Alegre, ano 4, jul/dez p- 400-431 Sarmento,Carlos Eduardo Barbosa, Moreira,Regina da Luz -Petrobras 50 anos disponível em www.cpdoc.com.br Santos, Verlane A.,Melo, José Nilton,Albuquerque,Luciano, Calvalcante- As mudanças institucionais e tecnológicas no setor de telecomunicações brasileiro e seus impactos no

257

processo e nas relações de trabalho: o caso das telecomunicações em Sergipe. www.eptic.com.br Vol.IV, n.2, May/Ago 2002 Sennet, Richard – A corrosão do trabalho – Record 1999 _____________ - A cultura do Novo Capitalismo, Record, 2006 -189 Silva, Antonio Carlos Valente- A evolução do mercado de telecomunicação no Brasil no período pós-privatização ___________

- Respeito- A formação do caráter em um mundo desigual, Record, 2003

Silva, J. A. Alencastro - Telecomunicações Histórias para a História – Editel 1990 Simões, Ana M, Fernandes, Emerson A., Ferreira Lavínia- Reestruturação e privatização das telecomunicações: Uma análise dos impactos sobre o perfil e o nível de emprego do setor no estado da Bahia, 2002 disponível em http://www.sei.ba.gov.br/publicacoes/ SINTTEL-Rio, A TELERJ na alça da mira, Interativa n. 1 maio, jun, julho 1995 Siqueira, Ethevaldo (org),Privatização ou Caos-Telepress 1993 Soares, Hugo Pinheiro Soares- A longa História da Crise que vem impedindo o desenvolvimento do sistema de telefonia no Brasil - Trabalho apresentado I Congresso Brasileiro de Telecomunicações 1966. Tavares, Maria da Conceição Telecomunicações - O Jogo do Fim do Século Folha de São Paulo em 17/07/98. TELEMAR. Relatório Anual. 2001, 2002. TELEMAR - O cenário do setor de telecomunicações brasileiro- 30º Seminário Nacional de Informática Pública- Belo Horizonte, 13 de setembro de 2002 TELEMAR. Apresentação para investidores 2003, 2005 TELEMAR- Spin-off- CONTAX - 2005

TELERJ- Relatório Financeiro 1997 TELERJ- Departamento de Planejamento e Controle Empresarial -Relatório PPC-3- 1995 Tenório, Fernando Guilherme & Gianne Reis (2000), "Programa de Estudos em Gestão Social - As transformações no mundo do trabalho", Revista de Administração Pública, 34 (6).

258

Tenório, Fernando Guilherme- Flexibilização Organizacional- Mito ou realidade. 1996, Tese de doutorado, Rio de Janeiro, UFRJ, COPPE-1996 Tolfo, Suzana da Rosa, Philipi, Daniela, Grandi Caroline de Alencastro, Picinin Dhiancarlos, Noernberg, Taís- A demissão como geradora de exclusão: o caso dos trabalhadores do setor de telecomunicações UFSC disponível em www.rizoma.ufsc.br/pdfs/1010-of3-st3.pdf Ueda, Vanda,A implantação do telefone do telefone : O Caso da Companhia telefônica MELHORAMENTO E RESISTÊNCIA –Pelotas, Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona ,Nº 46, 15 de agosto de 1999. Vasconcelos, Daniel , César Bolaño (coord) Privatização das Telecomunicações na Europa e América Latina , Aracaju, dezembro 1997 Velasco Jr, Licinio,A Economia Política das Políticas Públicas: Fatores que Favoreceram as Privatizações no Período 1985/94, BNDES-Texto discussão n 54 maio 1997 Velasco Jr,Licinio - A Economia Política das Políticas Públicas: As Privatizações e a Reforma do Estado-BNDES- texto para discussão -Nº 55:maio 1997 disponível www. Bndes.com.br Velasco Jr,Licinio - Políticas Reformistas no Presidencialismo de Coalizão BrasileiroBNDES- texto para discussão -Nº 105:out 2005 Velasco, Licinio-A economia política das políticas públicas fatores que favoreceram m as privatizações no período 1985/94, BNDES - Texto para discussão 54, abril 1997 Vergara, Silvia Constant, Couto, Mario Soares- Cultura e mudança organizacional o Caso TELERJ - Revista de Administração de Empresas - RAC -1997 vol 2. n2. disponível www.anpad.org.br/enanpad1997 Vilhena, Rosa Maria de Paula; VIEIRA, Paulo Reis; Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Impactos causados pela privatização no ambiente de trabalho, relações interpessoais e perfil profissional: o caso EMBRATEL. 2001. 170 f. Weber, Max- Ensaios de Sociologia e outros escritos - Os Pensadores XXXVII- Victor Civita -1 974 Weid, Elizabeth von der - A expansão da Rio de Janeiro Tramway Light and Power ou as origens do “Polvo Canadense”- Fundação Casa de Rui Barbosa- disponível em www.casaruibarbosa.gov.br Wetzel, Ursula, Transformação do Contrato Psicológico no Contexto da Privatização: estudo de Casos, RAC,Edição Especial: 217-235

259

Sites www.anatel.gov.br www.att.com www.bt.com www.bellsystemmemorial.com www.bndes.gov.br www.camara.gov.br cienciahoje.uol.com.br www.correios.gov.br www.economia.br.net www.fazenda.gov.br www.ie.ufrj.br www.ipea.gov.br www.mc.gov.br www.presidencia.gov.br www.senado.gov.br www.sinttelrio.org www.telebrasil.org.br/ www.teleco.com.br/ www.telemar.com.br /www.teletime.com.br/ www.world.bank.org

Jornais O Globo ( vários números 1998 em diante) Extra (vários números 1998) Le Monde ( artigos arquivo 1995 em diante) TELERJ- Jornal - jan/fev 1998

260

Revistas Revista Sino Azul (material digitalizado de 1929 a 1989)Telebrasil vol 9- n.2- março /abril 1987, pag 80 Rio de Janeiro-publicação da Associação Brasileira de Telecomunicações (vários números)

261

Lista de Tabelas, Quadros, Gráficos e Mapas

Tabela I

– Investimentos e fontes de financiamento

Tabela II

– Terminais Telefônicos instalados

Tabela III

– Quadro comparativo das tarifas

Tabela IV-

– Informações financeiras

Tabela V

– Metas do PASTE

Tabela VI

– Concentração de telefones

Tabela VII

– Reajuste de tarifas

Tabela VIII

– Impacto da revisão tarifária na composição das receitas

Tabela IX

– Valores das Tarifas

Tabela X

– Investimentos e fontes de financiamentos (1990-1995)

Tabela XI

– Novo cenário das operadoras

Tabela XII

– Evolução de investimentos por empresa

Tabela XIII

– Número de empregados por atividade

Quadro I

– Telefonia Móvel celular

Quadro II

– Metas de atendimento

Quadro III

– Leilão- Preço mínimo das empresas

Quadro IV

– Lista de entrevistados

Quadro V

– Indicações Governo Sarney

Gráfico I – Valores anuais apurados com as privatizações no Brasil Gráfico II – Faturamento consolidado Gráfico III – Indicadores de desempenho

Mapa I Mapa II

– Divisão regional para telefonia celular – Empresas regionais do STFC

262

Anexo I - Roteiro de entrevista Roteiro básico de entrevista

Data : Local:

Nome:

Família e socialização

Data de nascimento: Local Pai: nome – atividade- origem Mãe : nome atividade- origem Irmãos:

Locais de moradia: Primeiros estudos: Formação: Superior ou técnicaTipo e local Casamento Filhos

Formação Profissional

Escolha da carreira

Estágios

263

Trajetória profissional até chegar na TELERJ

Como foi contratado?

Como foram os primeiros anos -

relações com colegas

-

superiores

-

com o resto da empresa

Como era a relação da empresa com o empregado? VantagensDesvantagens

O trabalho na CTB/TELERJ/TELEMAR

Período 1970-1985 (regime militar)

Melhores períodos

Áreas em que trabalhou Atividades e cargos que exerceu

Durante o regime militar como era?

E a organização do trabalho? Como era via a estrutura e a questão da hierarquia? Sua percepção sobre a empresa? Uma empresa de engenharia?

Como se sentia perante a família, amigos e a sociedade trabalhando na TELERJ?

264

Período de 1985 a 1995 Governo Sarney Como foi a redemocratização? Mudou muito?

Melhores períodos

Vantagens e desvantagens

Benefícios, salário, etc.

Áreas em que trabalhou

Atividades e cargos que exerceu

Ocorreram mudanças nas relações com superiores?

Como via a administração “politizada”?

Como foi o período Sarney? O que mudou na empresa? E para você? Como viu a incorporação da CETEL?

Governo Collor (1990-1992) Como foi o período Collor? O que mudou? Vantagens e desvantagens: Relação com superiores: Atividades que exerceu:

265

Como viu as demissões: Governo Itamar Franco (1992- 1994) Como foi o período com Itamar? O que mudou? Como estava a empresa? E o seu trabalho? Atividades que exerceu: Como via o sindicato?

Período 1995 – 1998( Os anos FHC)

O que mudou? Como era a administração? As relações mudaram ?

Era a favor ou contra a privatização? Por que motivos? O que esperava dela? Foi preparado? O que sabia do processo? O que era trabalhar na “patinho feio”do sistema? Regime de trabalho (horas extras, etc) Como via o sindicato? Demissões 9como viu as demissões no período).

Período- 1998-200x (empresa privatizada)

Como foi a vivência nos primeiros 6 meses após a privatização? Como viu o PIRC? Porque optou? Por que não? Como era o clima organizacional? Como foi a relação com os novos colegas

266

A relação com os antigos (mudança de comportamento) Houve uma mudança comportamento,? De perfil dos empregados?

Como ficou o regime de trabalho (horas extras, projetos)? Como ficaram a relação com superiores e a hierarquia? Quais eram as qualidades valorizadas? O que mais desvalorizava o profissional aos olhos do novo controlador (idade, capacitação, dificuldade de adaptação, necessidade de re-treinamento) Como foi o relacionamento com as consultorias? Como foi a vivência de cada ciclo de demissões? Como via o sindicato nesse período?

Como e quando foi a sua saída da empresa? O que foi para você trabalhar numa estatal e numa empresa como a TELEMAR? Havia uma diferença não só de comportamento, mas de visão de mundo? Qual a sua trajetória após ter saído? Como é a relação com ex-colegas?

267

Anexo 2- Resposta ao ministro Matéria Paga pelos gerentes da TELERJ - Jornal OGLOBO – 17/03/1995

268

269

This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only. This page will not be added after purchasing Win2PDF.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.