Fisiologia e Biofísica - Em Português

July 7, 2017 | Autor: Douglas Benício | Categoria: Fisiologia, Biofísica
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VIII Curso de Inverno

Fisiologia: do cotidiano ao extremo 16 a 20 de Julho de 2012

 

 

 

  DADOS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Departamento de Fisiologia e Biofísica Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo Universidade de São Paulo - Instituto de Ciências Biomédicas – Departamento de Fisiologia e Biofísica. Fisiologia: do cotiano ao extremo VIII Curso de Inverno do Departamento de Fisiologia e Biofísica, São Paulo, 2012 / coordenação do Prof. Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader; organização de Cecília Cerqueira Café Mendes, Leandro Bueno Lima. - São Paulo: ICB/BMB, 2012. – 139 f. : il. Apostila do VIII Curso de Inverno Descritores: 1. Fisiologia 2. Fisiologia – Congressos, conferências etc III. Título.

     

 

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Coordenação Docente: Prof. Dr. Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader Comissão Organizadora – Pós-graduandos Cecilia Cerqueira Café Mendes Leandro Bueno Lima Documentação Científica: Leila Affini Pós-graduandos participantes: Aline Coelho Macedo - Ângelo Bernak de Oliveira Ariane de Oliveira Turati - Bárbara Falquetto Barna Caio Jordão Teixeira - Carla Rocha dos Santos Caroline Cristiano Real - Gabriela Pena Chaves Gabriela Virginia Moreira - Hadassa Batinga da Silva Izabela Martina Ramos Ribeiro - Jáfia Lacerda Alves Leandro Bueno Lima - Lucila Emiko Tsugiyama Martina Navarro - Natalia Ribeiro

Alunos de iniciação científica: André de Almeida da Mota - Danilo Araújo Amaral Santos Lais Cardinali - Vanessa Sayuri Site: Itamar Klemps Filho

Designer Gráfico Paulo Mansur

Personagens – Fisiolino e Extremoso

Victor Daibert São Paulo – Jul/2012

 

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Índice Apresentação  ..........................................................................................................................  7   Conhecendo  o  ICB  ..................................................................................................................  8   A  Universidade  perante  a  educação  e  a  formação  continuada  dos  professores  .....................................................................................................................................................  9     Cronograma  ..........................................................................................................................  11     Capítulo  1  -­‐  Equilíbrio  energético  .................................................................................  13   1.  Introdução  ..................................................................................................................................  13   2.  O  que  é  Metabolismo?  .............................................................................................................  13   3.  Referências  Bibliográficas  ....................................................................................................  32     Capítulo  2  -­‐  Controle  Alimentar  .....................................................................................  33     1.  Fome  X  Apetite  X  Saciedade  .................................................................................................  33   2.  Regulação  central  da  ingestão  alimentar  ........................................................................  35   3.  Mecanismos  de  regulação  da  ingestão  alimentar  .........................................................  36   4.  O  alimento  no  controle  alimentar  ......................................................................................  41   5.  Alimentação  e  recompensa  ...................................................................................................  42   6.  Obesidade  ...................................................................................................................................  42   7.  Referências  bibliográficas  ....................................................................................................  44  

  Capítulo  3  –  Equilíbrio  Hidroeletrolítico  ....................................................................  45     1.  Fisiologia  Intestinal  .................................................................................................................  45   2.  Fisiologia  Renal  ........................................................................................................................  50   3.  Referências  bibliográficas  ....................................................................................................  56  

  Capítulo  4  –  Exercício  Físico  ...........................................................................................  57     1.  Sistema  Muscular  Esquelético  .............................................................................................  57   2.  Sistema  Respiratório  ..............................................................................................................  62   3.  Sistema  Cardiovascular  ..........................................................................................................  65   4.  Sistema  Endócrino  ...................................................................................................................  68   5.  Referências  bibliográficas  ....................................................................................................  76  

  Capítulo  5  -­‐  Estresse:  fatores  desencadeantes,  respostas  fisiológicas  e  suas   consequências.  ....................................................................................................................  77    

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  1.  Histórico  e  desenvolvimento  do  conceito  de  estresse  ................................................  77   2.  Natureza  multifatorial  do  estresse  ....................................................................................  78   3.  Sistema  nervoso  autônomo  ..................................................................................................  79   4.  Endorfinas,  Peptídeos  cerebrais  e  outros  hormônios  .................................................  84   5.  Resposta  cardiovascular  ao  estresse  ................................................................................  86   6.  Estresse  e  envelhecimento  ...................................................................................................  87   7.  Estresse  e  sistema  imune  ......................................................................................................  88   8.  Estresse  para  o  sucesso  ..........................................................................................................  89   9.  Referências  Bibliográficas  ....................................................................................................  91  

  Capítulo  6  -­‐  Sono  .................................................................................................................  92     1.  Breve  histórico  ..........................................................................................................................  93   2.  O  Ritmo  Circadiano  do  ciclo  Vigília/Sono  ........................................................................  93   3.  O  que  acontece  enquanto  dormimos:  sono  de  ondas  lentas  e  seus  estágios  .......  96   4.  O  sono  Paradoxal  ou  REM  .....................................................................................................  98   5.  Neuroanatomia  do  sono  .........................................................................................................  99   6.  Ontogenia  do  sono  ................................................................................................................  102   7.  Substâncias  de  abuso  e  Sono  .............................................................................................  105   8.  Distúrbios  do  sono  ................................................................................................................  106   9.  Privação  de  sono  ...................................................................................................................  110   10.  Considerações  finais  ..........................................................................................................  111   11.  Referências  Bibliográficas  ...............................................................................................  111  

  Capítulo  7  –  Quente  e  frio  ..............................................................................................  113     1.  Introdução  ...............................................................................................................................  113   2.  Regulação  Hipotalâmica  da  Temperatura  ....................................................................  114   3.  Transferência  do  Calor  Corporal  .....................................................................................  115   4.  Influência  da  Umidade  do  Ar  nos  Processos  de  Troca  de  Calor  ............................  117   5.  Conservação  e  Produção  de  Calor  ...................................................................................  118   6.  Condições  Especiais  na  Termorregulação  ....................................................................  120   7.  Fatores  que  modificam  a  tolerância  ao  calor  e  ao  frio  .............................................  122   8.  Complicações  do  estresse  térmico  excessivo  ..............................................................  123   9.  Referências  bibliográficas  .................................................................................................  125  

  Capítulo  8  –  Altos  e  Baixos  .............................................................................................  126   1.  Respostas  Fisiológicas  a  Altitude  .....................................................................................  126   2.    Respostas  Fisiológicas  ao  Mergulho  ..............................................................................  132   3.     Referências  Bibliográficas  .............................................................................................  132        

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Suplemento  .........................................................................................................................  133   Quando  a  fisiologia  falha:  Ciclo  percepção-­‐ação  ....................................................  133   1.  Introdução  ...............................................................................................................................  134   2.  Conclusão  .................................................................................................................................  137   3.  Referências  ..............................................................................................................................  138  

  Anexo………………………………………………………………………………………………………………………………..139    

 

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Apresentação Parabéns! Se vocês estão lendo este texto, significa que vocês foram selecionados para participar da sétima edição do Curso de Inverno do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB-USP. Esse Curso já tem história, e é uma iniciativa dos alunos de pós-graduação do departamento que conta também com o auxílio de estagiários de iniciação científica, sendo voltado para professores do ensino médio e fundamental. Foi inspirado por propostas semelhantes desenvolvidas no Departamento de Bioquímica do IQ-USP pelo prof. Bayardo Baptista Torres desde 2002. A cada três anos, a temática do Curso de Inverno vem sendo renovada. Em anos anteriores, os temas "Alimentação: do hábito à célula" e "Fisiologia da reprodução humana: do comportamento ao desenvolvimento" foram abordados. Para 2011, os pós-graduandos e alunos de iniciação científica encararam o desafio de desenvolver um novo tema: "Fisiologia: do cotidiano ao extremo". E por que esse tema? Se entendemos a Fisiologia como o estudo do funcionamento do organismo saudável, os princípios fisiológicos estão por trás de todas adaptações do nosso organismo no nosso dia-a-dia, e também quando o colocamos à prova. Em outras palavras, a Fisiologia é algo que "acontece" com a gente, e não só nos livros didáticos. No entanto, a forma em que essa disciplina é ministrada, separando-a nos diferentes sistemas orgânicos, muitas vezes faz com que os alunos a enxerguem como algo estanque e distante da realidade. Isso não é verdade, pois é o funcionamento em concerto de todos esses sistemas que nos possibilitam realizar as tarefas mais triviais de um dia qualquer, como acordar, ir ao banheiro, comer, nos exercitar, enfrentar os estresses do trabalho e dormir. Mesmo quando desafiamos o nosso organismo, em grandes altitudes ou no mergulho, em ambientes quentes ou frios, os princípios fisiológicos e a conversa entre os diferentes órgãos continuam presentes. É essa visão integrada da Fisiologia que os pós-graduandos e alunos de iniciação científica do Departamento de Fisiologia e Biofísica querem oferecer para vocês. Ao longo do primeiro semestre de 2012, eles trabalharam arduamente na concepção do Curso. Acreditamos que muitas das questões que serão discutidas vocês também as encontrem nas suas salas de aula. Se assim for, esperamos que tenhamos com o Curso de Inverno os ajudado a respondê-las. Mas se não for esse o caso, por favor nos ajudem a melhorá-lo para as próximas edições. Pois é justamente a participação e a contribuição de vocês, professores, que têm sido a motriz e o incentivo para que esse Curso continue sendo oferecido. Sejam bem-vindos!!!

Fernando Rodrigues de Moraes Abdulkader Professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica ICB-USP Coordenador do VII Curso de Inverno

 

 

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Conhecendo o ICB O Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) tem um total de 183 laboratórios onde atuam 145 docentes-pesquisadores, oriundos das mais diferentes áreas de formação, sendo 93,7% em regime de dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa, e todos com titulação igual ou superior a Doutor. Mantém um quadro de 295 funcionários, composto por 21% de servidores de nível superior, 42% de técnicos e 37% de servidores de nível básico. O ICB é constituido por uma Administração Central e por 7 Departamentos (Anatomia, Biologia Celular, Fisiologia

e Biofísica, Farmacologia,

Imunologia, Microbiologia e Parasitologia), além de sediar o Centro de Pesquisa em Biotecnologia da USP e de dispor de um Centro Avançado para estudo de moléstias tropicais na região Amazônica. A infraestrutura para ensino e pesquisa destes Departamentos ocupam hoje 4 diferentes prédios. O ICB é uma unidade que oferece disciplinas básicas e aplicadas de graduação, para alunos de 16 cursos de graduação da USP. São oferecidas anualmente 108 disciplinas aos 10.400 alunos de graduação matriculados anualmente nos sete Departamentos (6 delas, para alunos do período noturno). É responsável pelo oferecimento de um curso de Graduação, o Bacharelado em Ciências Fundamentais para a Saúde (CFS), que tem como alvo alunos regulares da USP que apresentam inclinação para a pesquisa e ensino e que não conseguiram desenvolver essas habilidades no curso de origem. Foi recentemente criado o curso de Biomedicina oferecido pelo ICB. Com início em 2012, o referido curso, com duração de oito semestres e 40 alunos anualmente, será ministrado em tempo integral e contempla um currículo de atividades destinada a promover uma sólida base teórica e prática nas diversas disciplina da área biomédica. O ICB oferece Programas de Pós-Graduação nas áreas de Biologia Celular e Tecidual, Biologia da Relação Patógeno-Hospedeiro, Ciências Morfofuncionais, Farmacologia, Fisiologia Humana, Imunologia e Microbiologia, nos quais se encontram matriculados, atualmente, um total de 609 alunos entre Mestrado e Doutorado, com bolsas obtidas da FAPESP, CAPES ou CNPq. É responsável pela gestão acadêmica, administrativa e financeira do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (interunidades), que interage com o Instituto de Biociências, Escola Politécnica, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia e com o Instituto Butantã. Benedito Corrêa Professor Titular do Departamento de Microbiologia ICB-USP Vice-Diretor do ICB

 

 

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

A Universidade perante a educação e a formação continuada dos professores A importância da educação pode, e deve, ser considerada em dois níveis diferentes. No plano individual, é a garantia da inserção social conveniente e da inclusão e manutenção no mundo do trabalho. É a instrumentação necessária para melhor entender o mundo, apreciá-lo e participar da vida comunitária. Ou seja, é a forma de exercer e ter reconhecida a cidadania. No plano coletivo, é o recurso mais consistentemente reconhecido como capaz de promover o desenvolvimento do país, com a consequente melhoria das condições de vida de seus cidadãos. A história recente registra os êxitos marcantes de programas de médio e longo prazo adotados em países que souberam reconhecer a necessidade da adoção de políticas públicas educacionais para superar a estagnação do desenvolvimento. Qualquer que seja o projeto educacional a ser adotado, seu sucesso estará subordinado ao desempenho dos professores. São eles os agentes diretos e multiplicadores da ação educativa. Nas condições das nossas escolas públicas, em que um professor de ensino médio tem a seu cargo em torno de 300 alunos/ano (uma estimativa conservadora), o potencial amplificador justifica os investimentos na formação desses docentes. Até há algumas décadas, a boa formação do profissional estava associada à quantidade de conhecimento acumulada no curso de graduação (informação) e no exercício da profissão (experiência prática). Na maioria dos casos, o conteúdo coberto no curso de graduação, complementado com eventuais atualizações, era suficiente para um longo tempo de exercício da profissão. Este modelo, frequentemente denominado conteudista, perdurou enquanto foi possível os currículos assimilarem o aumento exponencial de conhecimento. Atentos à necessidade de alterar o modelo educacional, organismos nacionais e internacionais têm lançado diretrizes sugerindo que os projetos pedagógicos contemplem, além dos conteúdos, o desenvolvimento da capacidade de incorporar e articular conhecimentos novos. Estas recomendações baseiam-se na premissa de que a habilidade fundamental atualmente exigida dos egressos dos cursos superiores é a capacidade de transformar informações em conhecimento na ausência de um tutor. Em outras palavras, preconiza-se a formação continuada para todas as categorias profissionais; os professores não são exceção.

 

 

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  A universidade tem contribuído com a formação continuada de professores, embora não de maneira articulada e centralizada. As numerosas oportunidades que oferece são, em geral, provenientes de iniciativas pontuais, sem um programa institucional amplo e contínuo. Esse cenário felizmente está mudando e, cada vez mais, acumulam-se indicadores da tomada de consciência de que esta é também uma responsabilidade da Universidade. Este reconhecimento atinge também as agências de fomento. São paradigmáticas destas mudanças as diretrizes estabelecidas pela FAPESP para os projetos de criação de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, em edital atual. Além do desenvolvimento de pesquisas inovadoras, os projetos devem contemplar ações específicas voltadas à educação:

Além de se integrar nos programas usuais de iniciação científica e de pós-graduação, cumpre também aos Centros realizar atividades de extensão na área de educação básica, tais como atividades para alunos e professores de segundo grau, treinamento de professores, cursos de difusão científica e programas de educação continuada. (FAPESP - Edital Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão - CEPID – 2011).

Com a reunião de esforços dos diferentes segmentos empenhados na melhoria da educação brasileira, certamente poderemos oferecer aos professores o apoio que desejam e merecem.

Bayardo Baptista Torres Professor Titular do Departamento de Bioquímica IQ-USP

 

 

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Cronograma Segunda-feira (16/07) 8:30 – 10:15h Abertura: Prof. Dr. Ângelo Rafael Carpinelli – Vice-Chefe do Departamento     Apresentação do Cronograma Entrega de referências para as discussões em grupo 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Aula teórica: Introdução à Fisiologia 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aula teórico-prática: Equilíbrio energético, parte 1 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Aula teórico-prática: Equilíbrio energético, parte 2

Terça-feira (17/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Controle Alimentar 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Discussão em grupo : Quando a Fisiologia Falha, parte 1 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aula teórica: Equilíbrio hidroeletrolítico 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Aula teórico-prática: Exercício Físico, parte 1

Quarta-feira (18/07) 8:30 – 10:15h Aula teórico-prática: Exercício Físico, parte 2 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Trabalho em grupo: Metodologia de Ensino, parte 1 12:30 – 14:00h Almoço

 

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  14:00 – 15:45h Aula teórica: Estresse 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Visita aos laboratórios do Departamento de Fisiologia e Biofísica

Quinta-feira (19/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Sono 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Visita aos laboratórios do Departamento de Fisiologia e Biofísica 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 15:45h Aula teórica: Quente e Frio 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Discussão em grupo: Quando a Fisiologia Falha, parte 2

Sexta-feira (20/07) 8:30 – 10:15h Aula teórica: Altos e Baixos 10:15 – 10:30h Intervalo 10:30 – 12:30h Aula teórica: Fisiologia dos Extremos - Microgravidade 12:30 – 14:00h Almoço 14:00 – 14:30h Convidado: Prof. Dr. Luiz Menna Barreto (EACH/USP) – O tempo e a vida 14:30 – 15:45h Trabalho em grupo: Metodologia de ensino, parte 2 15:45 – 16:00h Intervalo 16:00 – 18:00h Avaliação do Curso/Fórum

 

 

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 1 - Equilíbrio energético Autores: Caroline Cristiano Real, Gabriela Pena Chaves-Kirsten, Paula Bargi de Souza Revisão: Prof. Dr. Ubiratan Fabres Machado

1. Introdução Um dos principais fatores limitantes da vida dos seres vivos é a obtenção de energia para que o organismo desempenhe suas atividades. Essas atividades englobam desde os processos vitais para a sobrevivência até a prática de exercício físico intenso, por exemplo. Assim, é através da alimentação que obtemos os nutrientes necessários (carboidratos, proteínas e lipídios), que quando oxidados, levam à produção de CO2, H2O e energia. O que acontece com o nosso organismo quando nos alimentamos? Quais os principais hormônios envolvidos com o metabolismo energético e como eles atuam regulando a disponibilidade de energia para as diversas atividades desenvolvidas no cotidiano? Estas questões serão abordadas neste capítulo sobre equilíbrio energético, suas vias e o destino dos nutrientes ingeridos após a refeição e a importância da regulação hormonal nos estados de jejum e absortivo.

2. O que é Metabolismo? O metabolismo é definido como a transformação química de qualquer molécula, que ocorre em células ou organismos. Algumas dessas reações químicas envolvem a liberação ou armazenamento de energia, o que chamamos de metabolismo energético. Essas reações químicas corporais irão determinar o que acontece com os nutrientes absorvidos a partir dos alimentos ingeridos. Assim o metabolismo energético envolve a utilização de substratos energéticos (a partir de fontes endógenas ou exógenas), síntese (anabolismo – requer gasto energético para que ocorra) e degradação (catabolismo – envolve quebra de moléculas grandes e  

 

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  mais complexas em moléculas menores e mais simples e resultam usualmente em liberação de energia) de componentes estruturais e funcionais e também a eliminação de resíduos gerados a partir destas reações. Todos esses processos são regulados pelo Sistema Endócrino em termos de velocidade ou direção das reações de acordo com a necessidade do organismo naquele determinado instante.

2.1. Energia

Aquisição vs Consumo e Taxa Metabólica

Basal

A disponibilidade de energia para os humanos consiste na energia química contida nas ligações químicas que estão presentes nos alimentos que ingerimos. A regulação

da

quantidade

de

alimentos

ingeridos

depende

de

mecanismos

comportamentais como a fome e a saciedade para nos avisar o quanto e quando comer. Assim, é através da alimentação que realizamos a aquisição energética. Nos alimentos encontramos três categorias de nutrientes que podem vir a gerar energia: carboidratos, lípides e proteínas, dos quais, alguns metabólitos podem ser oxidados gerando energia, ou então armazenados para futura utilização. A quantidade de energia obtida pela oxidação varia com a categoria do substrato e é expressa em termos de Calorias/grama ou Kcal/grama. Assim a quantidade de Kcal produzida por cada 1 grama do nutriente é de 4,2 para os carboidratos, 4,3 para as proteínas e 9,4 para as gorduras. Cerca de metade da energia liberada nas reações químicas é perdida na forma de calor. Já com relação ao consumo de energia, 60-70% da energia ingerida é utilizada para manter as condições mínimas de existência, caracterizando a Taxa Metabólica Basal (TMB). Além da TMB, a energia é necessária para realizar o processamento dos alimentos (5-15%), ou seja, é necessário um gasto energético para que as reações químicas que envolvem a digestão, absorção e armazenamento dos alimentos ocorram. Também utilizamos energia para manter a temperatura corporal constante através da Termogênese. Outra forma de consumo energético envolve o exercício físico que pode ser classificado em espontâneo ou ocupacional (postura corporal, manutenção do tônus muscular, preocupação – consumo de 20-30%) ou proposital (exercício físico). O consumo total de energia tem uma grande variabilidade de pessoa para pessoa, de dia para dia, tipo e duração dos exercícios realizados. Por exemplo, o gasto calórico de

 

 

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um indivíduo adulto em repouso é de 1440 cal por dia, entretanto durante atividades domésticas este valor pode aumentar de 2 a 5 vezes, e durante exercício físico. Até 10 vezes. Por isso, existem diferenças na quantidade de energia adquirida pela ingestão alimentar necessária para manter a TMB. Com relação à TMB, o gasto energético é necessário para manter as condições mínimas de existência, e os processos envolvidos incluem: reações químicas de síntese e degradação, geração de gradientes iônicos que, por sua vez, são de fundamental importância para a gênese e condução de sinais nervosos (estes são responsáveis por cerca de 40% do consumo energético da TMB), além disso, há gasto energético para a realização de trabalho mecânico como respiração e circulação sanguínea. Vários fatores afetam a TMB em humanos, como a idade (declina com a idade), sexo, quantidade de massa muscular, dieta (uma vez que depois de cada refeição há um gasto energético), hormônios e mesmo fatores genéticos. Homens têm uma TMB média de 1,0 kcal/h/kg e para as mulheres é 0,9 kcal/h/g. A diferença surge principalmente porque as mulheres possuem uma porcentagem de tecido adiposo mais elevada e uma menor massa muscular magra. Os músculos têm uma taxa de consumo de oxigênio (que representa o gasto energético) em repouso mais elevada do que a gordura, porque adicionalmente ao gasto energético básico para a manutenção da homeostase celular o músculo gasta energia para manter o seu tônus contrátil. Alguns hormônios também influenciam a TMB. Os hormônios tireoidianos, T3 e T4, aumentam o metabolismo por aumentar a taxa de reações químicas, a testosterona inibe ações catabólicas no músculo esquelético, induzindo maior massa muscular, o hormônio do crescimento (GH) estimula muitas reações celulares que gastam energia. O estado febril também aumenta a TMB basal, uma vez que para ocorrer o aumento da temperatura corpórea é necessário aumento na atividade de reações que consomem energia. Os fatores que reduzem a TMB incluem o sono, o jejum e a desnutrição, o que serve para poupar a energia adquirida.

Disponibilização de Energia Os carboidratos, proteínas e lipídios absorvidos após a refeição são metabolizados sofrendo modificações por diversas reações enzimáticas encadeadas, chamadas de “vias metabólicas”. Carboidratos, proteínas e lípides podem gerar  

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  substratos que são passíveis de serem oxidados. A oxidação é um fenômeno final de algumas vias metabólicas, que culmina com geração de energia. Em outras palavras, a partir da oxidação dos alimentos são geradas moléculas de adenosina trifosfato, ATP, que fazem um elo entre as funções que utilizam e as que mobilizam energia. Por esta razão, a ATP é conhecida como a moeda energética presente em todas as células e é necessária para as diferentes funções das células. A molécula de ATP possui duas ligações de alta energia entre os seus fosfatos. Esta energia corresponde a 12 kcal por ligação de fosfato, totalizando 24 kcal por molécula de ATP convertida a ADP e em seguida a AMP. Para ter-se uma idéia, cerca de 2300 kcal são geradas ou consumidas por dia, o que equivale a 63 kg de ATP. Deste modo, a molécula de ATP participa de diversas funções que necessitam energia como trabalho mecânico, reações sintéticas, transporte pelas membranas, geração e condução de sinal seja ele de natureza química, mecânica ou elétrica. Participa também da produção de calor que atua na regulação da temperatura corporal e desintoxicação do organismo por degradação de produtos tóxicos, como a amônia que é convertida em uréia com consumo energético. Portanto, pouquíssimo ATP é estocado no organismo. Além do ATP, a molécula de fosfocreatina também é capaz de “armazenar” energia através de uma ligação fosfato presente em sua molécula. Essa ligação, em condições fisiológicas, corresponde a 13 kcal. A fosfocreatina é de 3-8 vezes mais abundante que o ATP no músculo, mas não serve como elo direto entre a energia obtida dos alimentos e o consumo mediado pelas funções celulares. A geração desta molécula ocorre quando o grupo fosfato do ATP é transferido para a creatina, tendo como produtos o ADP e fosfocreatina. Assim, essa molécula serve como um sistema tampão de ATP. Quando há grandes quantidades de ATP formado, a reação é deslocada para a síntese de fosfocreatina, cuja principal reserva ocorre nos músculos, de 70 a 80 nmol (o que sustenta apenas 20s de exercício intenso) e quando o consumo de ATP é maior que a síntese, há uma redução na quantidade de ATP, e com isso a reação é deslocada garantindo as necessidades de ATP livre para o consumo, e consequentemente creatina livre também. De modo geral, os substratos que chegam à circulação, provenientes das biomoléculas ingeridas, digeridas e então absorvidas podem seguir vários caminhos: metabolizadas imediatamente gerando ATP ou fosfocreatina, que podem ser imediatamente utilizadas em compostos com capacidade de estocar grande

 

 

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  quantidade de energia, ou ainda metabolizadas gerando compostos utilizados para a síntese de componentes básicos necessários para o crescimento e manutenção celular e tecidual. Particularmente importante é o fato de que substratos ricos em energia como a glicose e os ácidos graxos, após cada refeição, são estocados como glicogênio e gordura respectivamente, ficando disponíveis para serem utilizados como fonte de energia nos períodos de jejum.

2.2. Estado Absortivo vs Estado pós-absortivo

Em humanos, os estados metabólicos são 2: o estado absortivo (ou alimentado) e o estado pós-absortivo (ou jejum). O estado absortivo é o período que se segue após uma refeição quando os produtos

digeridos

estão

sendo

absorvidos,

metabolizados

e

utilizados

ou

armazenados. É um estado preponderantemente anabólico, no qual substratos básicos (glicose, ácidos graxos e aminoácidos) estão sendo utilizados na síntese de compostos complexos, e a energia das moléculas esta sendo transferida para moléculas altamente energéticas ou armazenadas em ligações químicas de outras moléculas. Após algum tempo, cessa a absorção dos alimentos, o organismo entra no estado pós-absortivo ou de jejum, e passa a explorar as reservas energéticas que estão armazenadas. Trata-se de um estado catabólico, em que as células degradam macromoléculas que contenham substratos capazes de serem oxidados liberando energia.

2.2.1. Estado Absortivo Metabolismo dos Carboidratos Os carboidratos são absorvidos principalmente como glicose, sendo que a sua concentração sanguínea (glicemia) é a mais regulada dos três nutrientes (incluindo proteínas e gorduras), pois a glicose é o único substrato que o cérebro pode metabolizar, exceto em períodos de inanição, assim como é preferido pela retina e epitélio germinativo das gônadas. As hemácias são células que também dependem exclusivamente da glicose como substrato energético. Logo, faz-se necessário um maior controle metabólico deste substrato.

 

 

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Os valores glicêmicos variam de 60 a 110 mg/dL, conforme o estado alimentar, e se a glicemia cair abaixo de certo nível as funções cerebrais, por exemplo, são imediatamente afetadas apresentando desde irritação, sonolência até perda de consciência. Além de garantir um suprimento adequado para o SNC, a regulação da glicemia é importante no controle do volume urinário (excreção excessiva deste substrato na urina, que ocorre quando há um aumento exacerbado da glicemia) provoca aumento da excreção de líquidos pela chamada de diurese osmótica. A glicose entra nas células através do mecanismo de difusão facilitada por meio de proteínas transportadoras de glicose que estão presentes na membrana plasmática das células. Nas células, a glicose é convertida rapidamente em glicose-6P (impedindo sua saída para o meio extracelular) e pode ser oxidada por meio da glicólise, seguida pelo ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa, ou ainda, pode ser acumulada sob a forma de polímeros de glicogênio através da glicogenoênese. Este armazenamento de glicogênio pode ocorrer em todas as células, mas ocorre em grandes quantidades no fígado e músculos. Um dos produtos da glicólise é o piruvato, que na presença de O2 segue a via de oxidação através do ciclo de Krebs, na mitocôndria, para a cadeia de transporte de elétrons e para a fosforilação oxidativa gerando ATP (Figura 1). Mas em condições anaeróbias, há uma interrupção da fosforilação oxidativa e consequentemente há um acúmulo de piruvato, que bloquearia a glicólise. Entretanto, ocorre a conversão para lactato que, por sua vez, se difunde para o meio extracelular, permitindo assim que na ausência de O2 ainda haja obtenção de energia pela glicólise. Além da glicólise, 30% da glicose é consumida pela via das Pentoses-Fosfato no fígado e adipócitos gerando CO2 e hidrogênio utilizados na fosforilação oxidativa. Se a quantidade de glicose aumenta muito, o excesso de glicose absorvido e não utilizado naquele determinado momento é armazenado sob a forma de glicogênio nos músculos e fígado (glicogênese). Todavia, como os estoques de glicogênio são limitados, o excesso de glicose é convertido no fígado e no tecido adiposo em gordura (lipogênese), sob a forma de triglicerídeos, e armazenado no tecido adiposo.

Metabolismo dos Lipídios Os constituintes das gorduras são os triglicerídios, também chamados de triacilgliceróis, os fosfolipídios e o colesterol. Os lipídios contem ácidos graxos que, assim como a glicose, servem de fonte energética para diversos processos metabólicos.

 

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  Os ácidos graxos de cadeia curta (até 4 átomos de carbono – obtidos pela fermentação de carboidratos e proteínas da dieta, tais como leite, fibras) e de cadeia média (6 a 14 átomos de carbono – óleo de côco) são transferidos do intestino para a corrente sanguínea e oxidados pelo fígado. Já os ácidos graxos de cadeias longas de carbonos (ômega 3, ômega 6), são os constituintes dos triglicerídios. A absorção ocorre sob a forma de ácidos graxos e monoacilglicerol. As células absortivas do intestino, então, ressintetizam em seu citoplasma os triglicerídios, empacotando-os em partículas contendo muitas dessas moléculas, chamadas de quilomícrons (lipoproteínas - 90% de lipídios associados a apolipoproteínas). Os quilomícrons são então liberados para o meio extracelular e entram no sistema linfático e em seguida para a circulação sanguínea. O triglicerídio presente no sangue pode ser metabolizado por uma enzima associada ao endotélio vascular, chamada de lípase lipoproteica, em ácido graxo e glicerol. Estes se difundem pela membrana plasmática e, no meio intracelular, ou se combinam novamente em triglicerídio podendo, ser armazenado, ou ainda, a molécula de ácido graxo pode sofrer beta-oxidação e seguir para o ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa enquanto a molécula de glicerol pode receber um grupamento fosfato, formando o alfa-glicerofosfato e ser oxidado pela via glicolítica. Para ter-se uma ideia, uma molécula de ácido esteárico, um ácido graxo saturado com 18 carbonos, gera 146 moléculas de ATP. O armazenamento de lipídios é feito sob a forma de gotículas de triglicerídio no tecido adiposo, cuja principal função é a de reserva energética. Tanto a glicose, quanto as proteínas, via formação de acetil-CoA, podem dar origem a triglicerídios e estes também serem armazenados. Os quilomícrons que perdem apenas parte de seus triacilgliceróis formam os quilomícrons remanescentes. Estes dão origem a novas lipoproteínas, podendo ser elas: as de densidade muito baixa (VLDL -

very low density lipoproteins); de

densidade baixa (LDL – low density lipoproteins); e as de densidade alta (HDL – high density lipoproteins). Quanto mais lipídios ligados à proteína menor a densidade da lipoproteína, sendo assim, a HDL é a que mais possui relativamente mais proteínas ligadas a lipídios, porém é das mais volumosas. A LDL e a HDL apresentam maior dificuldade de dissociação dos triacilgliceróis, permanecendo por mais tempo na corrente sanguínea. A LDL é rica em colesterol, é capaz de transportar o colesterol do fígado a outros tecidos. O colesterol é necessário para o funcionamento normal da membrana plasmática de células de mamíferos, sendo sintetizado no retículo endoplasmático das células ou derivado da dieta, sendo que na segunda fonte é transportado pela via sanguínea pelas lipoproteínas de baixa densidade e é  

 

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incorporado pelas células através de endocitose mediada por receptores associados à clatrina na membrana plasmática, e então hidrolizados em lisossomas. Porém, em indivíduos não saudáveis o metabolismo do colesterol se torna deficitário e o LDL passa a uma concentração sanguínea anormal, e induzindo danos em algumas estruturas celulares (daí ser chamado de “colesterol ruim”). Com o aumento desta fração no sangue ocorre a formação de placas de ateromas devido a deposição destas moléculas na parede dos vasos podendo obstruí-los completamente ou parcialmente. A formação destas placas pode causar um infarto do miocárdio se a obstrução for em vasos do coração ou, um acidente vascular encefálico se for em vasos do encéfalo. Logo, o menor risco de doenças vasculares correlaciona-se com o aumento da relação HDL/LDL. A prática regular de exercício é capaz de aumentar esta relação. O mesmo parece ocorrer com a ingestão diária de uma taça de vinho tinto, porém, o excesso de bebida alcoólica causa aumento na produção de triacilgliceróis no fígado, causando aumento do colesterol.

Metabolismo das Proteínas As proteínas constituem ¾ dos sólidos corporais sob a forma de proteínas estruturais, enzimas, proteínas de contração muscular, proteínas transportadoras, etc. As proteínas são totalmente degradadas no trato gastrointestinal, e seus aminoácidos é que são passíveis de serem absorvidos. Há 20 diferentes aminoácidos (aa) que compõem as proteínas, sendo que 10 deles são essenciais, ou seja, precisam ser obtidos a partir da dieta e os outros 10 podem ser gerados endogenamente. A concentração plasmática de aa varia entre 35 e 65 mg/dL na média e sua entrada na célula se dá por meio de difusão facilitada ou transporte dependente de sódio. Os aa obtidos das proteínas dos alimentos são utilizados primeiramente para a síntese proteica nos ribossomas, onde as ligações peptídicas vão ligando os aa de acordo com a tradução do mRNA. Poder-se-ia pensar, portanto, que as proteínas constituem uma forma de estoque de aa. Entretanto, diferentemente do glicogênio e dos triglicerídios, que são somente macromoléculas com função de armazenamento energético, as proteínas tem funções muito variadas, e sua degradação, portanto, acarretaria comprometimento de inúmeras funções vitais para o organismo. Ainda assim, em casos de baixa ingestão de glicose, ou períodos de jejum, a degradação de proteínas sobrepuja a síntese (principalmente no músculo esquelético que é onde se encontra a maior quantidade de proteínas do organismo), e os aa assim liberados

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  podem ser convertidos em glicose pela gliconeogênese, assim como o glicerol dos triglicerídios. A Figura 1 ilustra de forma resumida os caminhos de metabolização seguidos pela glicose, aminoácidos e ácidos graxos.

Figura 1. Via comum de metabolização de glicose, aminoácidos e ácidos graxos. (Curi, R.; Procopio, J., 2009).

Balanço do Período Absortivo Uma importante conquista evolutiva dos mamíferos é a capacidade de estocar os nutrientes provenientes de uma refeição para posteriormente, na ausência de refeição, mobilizar esses estoques proporcionando substratos energéticos necessários para garantir a vida celular e do organismo. Assim, 75% da energia proveniente de uma refeição é armazenada sob a forma de triglicerídios no tecido adiposo, correspondendo a cerca de 10-30% do peso corpóreo, mas em obesos pode chegar a atingir 80%. Os triglicerídios geram 9,4 kcal/g e podem suprir o organismo por até 2 meses sem que haja ingestão alimentar. Os 25% restantes da energia obtida é armazenada sob a forma de proteínas cuja oxidação libera 4,3 kcal/g oxidada, mas trata-se de uma fonte de energia  

 

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deletéria, uma vez que, como discutimos acima, as proteínas exercem diversas funções no organismo sejam elas estruturais e de transporte entre outras. Menos de 1% da energia obtida com a ingestão alimentar é estocada sob a forma de glicogênio no fígado e no músculo. Como podemos notar, a maior parte do estoque energético é feito sob a forma de gordura. Esta estratégia do organismo é uma forma bastante eficiente de acumular energia sem ocupar muito volume, pois como a gordura não é solúvel em água ela ocupa um volume pequeno, quando comparado ao glicogênio que para ser armazenado deve estar solubilizado em água. Por exemplo, 131.600 Kcal de energia de gordura representam 14 kg, enquanto o mesmo armazenamento de energia na forma de glicogênio representaria 31,33 kg, assim, teríamos o dobro do nosso peso corporal.

2.2.2. Estado Pós-Absortivo Uma vez que todos os nutrientes de uma refeição foram digeridos, absorvidos e distribuídos (estoque ou consumo) para as várias células, a concentração de glicose extracelular começa a cair, pois o consumo celular é constante. Assim, a queda de glicose é um dos sinais de que o organismo passará para o estado pós-absortivo, que também pode ser chamado de estado de jejum. No estado de jejum o indivíduo depende de substratos endógenos para manter a concentração plasmática de glicose em uma faixa suficiente para garantir o aporte de substrato energético para todo o organismo, principalmente para os tecidos que dependem exclusivamente deste metabólito como, por exemplo, o sistema nervoso e o rim.

Metabolismo dos Carboidratos O fígado é a primeira fonte de glicose durante o jejum. Através da glicogenólise, o glicogênio pode satisfazer as demandas energéticas do organismo por 4 a 5 horas. O fígado também pode produzir glicose a partir de aa ou de outros substratos (como o glicerol e o lactato) numa sequência de reações chamada de gliconeogênese. Os estoques de glicogênio muscular não podem ser convertidos à glicose livre uma vez que os músculos não possuem a enzima glicose-6-fosfatase que desfosforila a glicose-6-fosfato gerando glicose. Assim, nas células musculares, o glicogênio gera

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  a glicose-6-fosfato que será utilizada localmente. A glicose-6-fosfato, por sua vez, pode gerar piruvato ou lactato, dependendo da disponibilidade de O2, estes por sua vez, são transportados para o fígado que os utiliza na via da gliconeogênese para produzir glicose. Todas as vias descritas acima são reguladas pela insulina, um hormônio que será discutido adiante, para que ocorram de forma adequada. Assim, no jejum, quando a insulina diminui ocorre diminuição drástica da captação de glicose pelos tecidos muscular e adiposo, e aumenta a atividade de vias que “geram” glicose, sustentando a concentração de glicose no sangue. Porém, se a falta de insulina for intensa, como no diabetes, os níveis de glicose atingem valores superiores à 180mg/dL, a glicose não é mais totalmente reabsorvida pelos túbulos renais provocando perda de glicose na urina (glicosúria) e diurese osmótica. Este quadro leva à poliúria (aumento do volume de água eliminado). A perda excessiva de água provoca desidratação e estimulação do centro de sede, com consequente aumento da ingestão de líquidos (polidipsia). Sendo estas algumas das características do diabetes.

Metabolismo dos Lipídios No estado de jejum, o tecido adiposo hidrolisa seus estoques de triglicerídios em ácido graxo e glicerol. O glicerol, no fígado pode ser convertido em glicose. Os ácidos graxos, liberados no sangue, podem ser utilizados como fonte de energia por muitos tecidos. As longas cadeias de carbono dos ácidos graxos são quebradas em duas unidades de carbono através do processo de beta oxidação. Se existir excessiva oxidação de ácido graxo, o acetil-CoA acumulado é direcionado para a formação de corpos cetônicos que são transportados na circulação. Algumas células são capazes de captarem e converterem os corpos cetônicos em acetil-CoA. O acetil-CoA volta para o ciclo de Krebs. Durante um período de jejum prolongado, aumenta de forma considerável a quantidade de ácidos graxos disponíveis. Assim a quantidade de acetil-CoA formada ultrapassa a capacidade de oxidação da mesma pelo ciclo de Krebs, levando assim a um acúmulo desse metabólito. Como consequência deste acúmulo, haverá uma pequena geração de corpos cetônicos. É importante ressaltar que a insulina é grande inibidora desta via, e, portanto, a geração de corpos cetônicos é mínima enquanto houver concentrações basais de insulina, como no jejum. Entretanto, no diabetes, se a falta de insulina for grave, a geração de corpos cetônicos pode ser intensa. Além da glicose, os corpos cetônicos podem, em um mecanismo de ajuste que envolve alguns dias, ser utilizados pelo cérebro como fonte de energia. A capacidade  

 

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de oxidação de corpos cetônicos pelos neurônios é altamente desenvolvida no período neonatal, e vai desaparecendo durante o primeiro ano de vida, para, nos adultos, somente ser recuperada depois de alguns dias de deficiência de energia (tempo necessário para a expressão de enzimas importantes para a oxidação). Os corpos cetônicos, ácido acetoacético e beta-hidroxibutírico são ácidos fortes. Assim, uma produção excessiva de cetona, devido a déficit de insulina, leva a um estado de acidose metabólica, conhecido como cetoacidose. Pessoas em cetoacidose têm um odor de fruta em seu hálito devido à acetona (volátil) que é um produto de degradação espontânea dos corpos cetônicos. A cetoacidose diabética reduz o pH sanguíneo provocando graves alterações sistêmicas no organismo. Esta acidose pode culminar na depressão do sistema nervoso (coma diabético) e até mesmo na morte.

Metabolismo das Proteínas A glicose ou o ATP podem ser produzidos a partir de aa oriundos principalmente das proteínas musculares. A utilização deste metabólito como fonte de energia só é possível após a sua desaminação. A desaminação dos aa promove a remoção dos grupos amino, que são convertidos em uréia no fígado e então excretados. Os aa desaminados, por sua vez, podem tornar-se intermediários do ciclo de Krebs gerando ATP, poupando glicose para ser usada pelo cérebro. Outros aminoácidos podem ser processados a piruvato, e no fígado se converterem a glicose pela gliconeogênese. Novamente, se houver a diminuição de insulina circulante no sangue, o metabolismo das proteínas também é afetado. Ocorre diminuição no transporte de aminoácidos e da síntese protéica, e aumento na proteólise, aumentando o pool de aa na circulação. Alguns aa circulantes podem ser convertidos pelo fígado em glicose, ajudando a elevar a glicemia. Com déficit de insulina, ocorre aumento excessivo da proteólise muscular, e mesmo que o indivíduo mantenha a ingestão alimentar, haverá perda de massa muscular, que junto com a degradação da gordura levará ao emagrecimento do indivíduo. Dessa forma, o diabetes por falta de insulina caracteriza-se por emagrecimento e polidipsia associada à poliúria.

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2.3. Controle Homeostático do Metabolismo – Regulação hormonal O sistema endócrino tem uma responsabilidade primária na regulação do metabolismo energético. De acordo com as necessidades do organismo, diferentes hormônios são liberados e agem através de alterações na atividade enzimática das vias metabólicas, regulando o fluxo dos nutrientes. Uma característica significativa é a utilização de diferentes enzimas para catalisar reações diretas e inversas. Vários hormônios estão envolvidos na regulação do fluxo de nutrientes através das vias metabólicas, alterando as atividades enzimáticas. Agora veremos um pouco sobre quais os principais hormônios e como eles atuam para regular o fluxo de substratos de acordo com a demanda energética. Como já foi descrito, a glicose é o principal substrato energético para o organismo, especialmente para o SNC. Manter a glicemia dentro de uma faixa ideal (60-110 mg/dL) é a principal função do hormônio insulina, que é auxiliado por outros chamados contra-reguladores. Assim, no período absortivo, quando ocorre um aumento da glicemia, há em resposta um aumento na secreção de insulina, que ao induzir um aumento generalizado do consumo de glicose, promove uma redução da glicemia. Porém, quando há uma redução mais acentuada dos níveis glicêmicos, nos períodos de jejum, a insulinemia cai ao mínimo basal, e, ainda, há estímulo na secreção de glucagon e outros contra-reguladores da ação da insulina como o cortisol, o hormônio do crescimento (GH), e as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina, cujas ações levam ao aumento da glicemia.

2.3.1. Hormônios Pancreáticos O pâncreas é uma glândula mista. A maior parte do tecido pancreático está envolvida com a produção e secreção de enzimas digestivas e bicarbonato. Apenas 2% da massa do órgão são grupamentos de células endócrinas, conhecidos como ilhotas de Langerhans, dispersas no tecido exócrino do pâncreas. Existem cerca de 1 milhão de ilhotas. As ilhotas contêm quatro tipos de células distintas, cada uma associada a um hormônio peptídico diferente. Três quartos da ilhota correspondem às células B (no passado chamadas de células beta) que produzem insulina e se localizam na porção central da ilhota, 20% correspondem às células A (no passado chamadas de células alfa), localizadas perifericamente e que secretam o glucagon. A insulina juntamente com o glucagon coordenam o fluxo e o destino metabólico da glicose endógena dos

 

 

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ácidos graxos livres, dos aa e de outros substratos energéticos, e também coordenam a distribuição eficiente dos nutrientes provenientes das refeições, principalmente nos músculos, tecido adiposo e fígado. A insulina e o glucagon, na maioria dos processos, atuam de maneira antagônica para manter a concentração de glicose dentro da concentração ideal. Ambos estão presentes no sangue a maior parte do tempo, e é a proporção entre suas concentrações que determina qual via metabólica estará preferencialmente agindo. Nestas regulações, a ação da insulina é geralmente dominante sobre a do glucagon, uma vez que a concentração de glucagon na periferia, sobre tudo no músculo, é muito baixa, às vezes insuficiente para ações metabólicas efetivas. Deste modo, no estado alimentado, quando está ocorrendo absorção dos nutrientes, há um predomínio da insulina, de modo que a glicose é utilizada para a produção de energia através da sua oxidação e o excesso é armazenado como glicogênio no fígado; triglicerídio e ácidos graxos no tecido adiposo, sob a forma de gordura, e os aa seguem para a síntese de proteínas.

Já no estado de jejum, em

concentração mínima de insulina e com ajuda do glucagon que aumenta, tudo se inverte, contribuindo para impedir que ocorra uma redução excessiva da glicemia: há um estímulo para que o fígado libere glicose a partir do glicogênio armazenado e sintetize glicose a partir de outros substratos através da gliconeogênese, e há degradação de triglicerídio e ácidos graxos no tecido adiposo, e de proteínas no músculo provendo precursores gliconeogênicos para o fígado. Além disso, os ácidos graxos oriundos da lipólise podem ser fonte alternativa de energia. Em uma pessoa saudável, a glicose é mantida dentro da faixa de 60 a 99 mg/dL no plasma de um indivíduo em jejum. Podendo aumentar transitoriamente até cerca de 120 mg/dL após uma refeição. A glicemia pós-refeição estimula a liberação de insulina (até 75 µU/mL) e inibe a de glucagon (60 pg/mL), o que por sua vez promove a utilização (consumo ou estoque) de glicose. Durante o jejum noturno há redução na glicemia (até 60 mg/dL) e também na insulinemia (10 µU/mL) com aumento na concentração de glucagon (75 pg/mL), o que estimula as vias metabólicas que promovem produção endógena de glicose, e fortalecem a idéia de que a direção do metabolismo energético é determinada pela proporção insulina-glucagon.

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Insulina A insulina é um hormônio peptídico constituído por duas cadeias, A e B, unidas por pontes dissulfeto, e provenientes de uma única mólecula chamada próinsulina, codificada por um gene específico. O principal estímulo para a secreção de insulina é um aumento na glicemia acima de valores de 100mg/dL. A glicose chega à célula B, e é transportada para dentro da célula através do transportador de glicose GLUT2. Sua entrada desencadeia uma série de eventos que culminam com a entrada de cálcio na célula e a exocitose dos grânulos contendo insulina. Além da glicose, que é o principal estimulador da secreção de insulina, os aa (principalmente a lisina, arginina, alanina e leucina), os ácidos graxos livres e cetoácidos também estimulam a secreção de insulina, mas em menor escala. Os neurônios parassimpáticos estimulam a secreção de insulina assim como outros hormônios, como o glucagon, peptídio semelhante ao glucagon, o polipeptídio inibidor gástrico, a secretina e a colecistocinina que estão aumentados no período de absorção dos alimentos. A redução da glicemia observada no jejum e nos exercícios promove uma redução na secreção de insulina, assim como a atividade simpática e outros reguladores, como a somatostatina, a leptina, a interleucina-1 e a prostaglandina E2. De modo que nessas situações onde há pouca glicose disponível, há uma inibição na secreção de insulina reduzindo seu efeito de estocar substratos no músculo e no tecido adiposo, e favorecer a distribuição de glicose para os tecidos que consome exclusivamente este substrato energético como o SNC. Os alvos primários da insulina no metabolismo intermediário (período entre a aquisição e o gasto de energia, ou seja, período em que os metabolitos são estocados ou não) são o fígado, o tecido adiposo e os músculos esqueléticos. No geral a insulina provoca um aumento no metabolismo da glicose, mas alguns tecidos como cérebro e epitélios renal e intestinal não exigem insulina para utilizar a glicose em seu metabolismo.

Como a insulina diminui a concentração de glicose no plasma? 1) Aumentando a captação e o estoque de glicose: A insulina aumenta a captação de glicose no tecido adiposo e nos músculos esqueléticos por promover uma translocação do transportador de glicose sensível à insulina, o GLUT4, para a membrana plasmática. No estado basal, parte do GLUT4

 

 

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está localizada em vesículas no citoplasma, e com a estimulação da insulina, uma série de eventos culmina com a translocação dessas vesículas e inserção das proteínas na membrana plasmática aumentando a difusão facilitada da glicose. Nos

hepatócitos, o

aumento

do

transporte

de

glicose

é

realizado

indiretamente por ação da insulina. A insulina ativa a enzima glicocinase que fosforila a glicose em glicose-6-fosfato e com isso mantêm a concentração de glicose intracelular baixa, mantendo um alto gradiente (diferença) de concentração, e assim permitindo que a glicose continue a se difundir para o hepatócito pelo GLUT2. Observação: Os GLUTs são capazes de realizar fluxo bi-direcional de glicose, de acordo com o gradiente de concentração. Assim, no jejum, com uma baixa ação da insulina, a concentração extra-celular de glicose é baixa, enquanto a intracelular é muito maior, em consequência da formação de glicose a partir da gliconeogênese e da glicogenólise, e então ocorre efluxo (saída) de glicose do hepatócito para o sangue.

2) Acentuando a captação e a utilização de glicose: Na maioria dos tecidos, incluindo os já citados territórios de estoque, a insulina estimula a via glicolítica pela enzima glicocinase, reduzindo a concentração de glicose livre, e assim aumento o gradiente para influxo da glicose para ser estocada. Por exemplo, nos músculos, cerca de 20-50% da glicose captada sofre oxidação, o restante é armazenado como glicogênio (varia de acordo com o tipo de fibra muscular). A insulina também estimula a captação de aa e síntese protéica – anabolismo – e inibe a proteólise, diminuindo a saída de aa e, por conseguinte, reduzindo ainda esse produto necessário para a gliconeogênese.

Deficiência de insulina A deficiência de insulina leva a um quadro muito bem conhecido pela sociedade, o diabetes mellitus ou apenas diabetes. O diabetes é uma doença epidêmica na atualidade que acomete cerca de 200 milhões de pessoas no mundo. Isto porque esta disfunção está associada a fatores ambientais tais como hábitos alimentares e padrão de atividade física. A incidência do diabetes está associada diretamente à obesidade, que vem crescendo assustadoramente. Esta doença pode ser classificada em dois tipos: diabetes tipo 1 (a causa primária é deficiência na produção de insulina) e diabetes tipo 2 (a causa primária é deficiência na ação biológica da insulina). No primeiro caso há uma destruição, em geral auto-imune das

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  células B pancreáticas, assim não há produção de insulina, e o paciente tornase dependente de insulina exógena. Já no segundo caso, ocorre uma deficiência na capacidade dos tecidos responderem a insulina, e com isto captarem glicose, o que leva a um acúmulo do substrato na circulação. Haverá então, inicialmente, uma hipersecreção de insulina (compensatória), que segue-se de falência progressiva das células B, comprometendo ao longo do tempo a secreção de insulina. Neste tipo de diabetes (tipo 2), o uso de medicamentos que aumentem a eficiência de ação do hormônio ou estimulem sua secreção

(deve-se tomar cuidado com o estímulo da

secreção pois pode acelerar a falência das células B) é indicado para o controle da doença. É muito importante destacar que é o diabetes tipo 2 que se relaciona com obesidade, e que tem sua incidência crescente, determinando prevalências epidêmicas no mundo atual. O diabetes causa importantes alterações metabólicas na maioria das células, o que ao longo prazo leva a alterações morfo-estruturais em vários tecidos como vasos sanguíneos (macroangiopatia que leva ao infarto do miocárdio e ao acidente vascular cerebral), rim (nefropatia, que leva à insuficiência renal), neurônios (neuropatia, que leva à perda de sensibilidade, ou defeitos motores), retina (retinopatia que leva à cegueira).

Hiperinsulinemia O excesso de insulina no sangue promove aumento do transporte/utilização de glicose pelos tecidos, levando a um quadro de hipoglicemia (diminuição de glicose circulante no sangue), causando alterações neurológicas que podem ser graves, incluindo o coma insulínico. Hiperinsulinemia endógena é rara, e pode ocorrer em pacientes portadores de insulinoma (tumor das células B secretor de insulina), ou, que tenham defeitos genéticos que induzem hipersecreção de insulina. Porém, pode ocorrer com mais frequência em pacientes tratados com insulina exógena, cuja busca de glicemias baixas induz a hiperinsulinemia. Este quadro pode ocorrer no início da diabetes do tipo 2, pois o organismo hipersecreta insulina para tentar controlar os níveis de glicemia, porém, com o tempo as células entram em exaustão e falência, assim este paciente também passa a depender de insulina exógena, porém, em doses menores do que o paciente com diabetes do tipo 1.

 

 

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Glucagon O glucagon é um peptídeo de cadeia única, com 29 aa, secretado pelas células A pancreáticas, e suas ações sobre o metabolismo energético são antagônicas às ações da insulina. O principal estímulo para a secreção de glucagon é a redução da glicemia para valores inferiores a 70 mg/dL, e decorre principalmente da queda da insulina, que tem efeito parácrino inibidor da secreção de glucagon. Outros fatores estimulam a secreção de glucagon em menor escala, os aa alanina, serina, glicina, cisteína, e treonina, a atividade simpática, alguns hormônios gastrointestinais, tais como gastrina e colecistocinina, e situações como jejum (onde há redução da glicemia), exercício físico e estresse (situações que necessitam de um aporte energético para os músculos envolvidos com o exercício ou com a possível reação de fuga). Os aa estimulam tanto a secreção de insulina quanto a de glucagon, a secreção deste último previne uma hipoglicemia decorrente de uma refeição contendo apenas proteína e não carboidratos. Em praticamente todos os aspectos, as ações do glucagon são exatamente opostas àquelas da insulina, promovendo a mobilização de combustíveis em especial a glicose. O principal alvo é o fígado, onde estimula a produção de glicose, por estimular as enzimas que fazem parte das vias da glicogenólise (glicogênio fosforilase) e da gliconeogênese (PEPCK e G6-Pase) e inibe as enzimas da glicólise (glicocinase) e da síntese de glicogênio (glicogênio sintase).. Assim o glucagon contribui, junto à redução da insulina, para aumentar a concentração plasmática de glicose. A insulina e o glucagon são responsáveis pelo controle minuto-a-minuto da glicemia. No caso do jejum se prolongar por mais de alguns dias, ocorrem outras alterações além da queda da relação insulina-glucagon. O organismo pode sobreviver por 2 a 3 meses sem alimentação graças a regulação precisa e coordenada do metabolismo energético por parte dos hormônios, metabólitos e sistema nervoso.

2.3.2. Hormônios contra-reguladores da insulina Outros hormônios atuam no período de jejum para manutenção da glicemia, regulando o fluxo dos diferentes substratos energético. Como estes atuam no sentido de aumentar a glicemia, eles são chamados, juntamente com o glucagon, de hormônios contra-reguladores da ação da insulina.

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  Entre eles estão as catecolaminas, adrenalina e noradrenalina (ADR e NOR) produzidas na medula da glândula adrenal ou liberadas de terminações simpáticas, o cortisol, um glicocorticoide produzido na zona fasciculada do córtex adrenal, e o hormônio do crescimento (GH), produzido na hipófise anterior. As catecolaminas, principalmente a ADR que é produzida em maior quantidade pela medula adrenal, atuam no fígado estimulando a gliconeogênese e a glicogenólise, aumentando a saída de glicose para o sangue. Também promove a ativação da enzima lipase hormônio sensível, promovendo a lipólise dos triglicerídios do tecido adiposo e aumentando a concentração de ácidos graxos livres e glicerol plasmáticos. Nos músculos, as catecolaminas reduzem a proteólise, auxiliando na manutenção da massa muscular, um efeito muito importante para balancear os efeitos do cortisol sobre a massa protéica. Com relação ao cortisol, suas ações sobre o metabolismo dos carboidratos incluem o estímulo da gliconeogênese e a redução na utilização de glicose. Sobre o metabolismo de proteínas, o cortisol reduz a síntese e aumenta o catabolismo, reduz a captação de aa por tecidos extra-hepáticos e aumenta a captação hepática para fornecer substratos a gliconeogênese. Sobre os lipídios, o cortisol possui efeito dual, podendo ser lipolítico ou lipogênico, de acordo com o território adiposo. Enquanto reduz massa adiposa periférica, ele estimula o acúmulo de gordura centrípeta. O GH possui uma ação anabólica sobre a síntese protéica, seja no fígado como nos músculos, aumentando a captação de aa, inibindo uma proteólise acentuada causada pelo aumento do cortisol. O GH também aumenta a gliconeogênese, a síntese de proteínas envolvidas neste processo e a lipólise, esta última através da ativação da lípase hormônio sensível. Além disso, o GH diminui a captação de glicose, favorecendo a utilização de ácidos graxos livres como fonte energética. As ações desses hormônios contra-reguladores são muito parecidas e juntas garantem que haja um direcionamento do consumo de glicose preferencialmente para o cérebro e hemácias e um consumo de ácidos graxos livres pelos demais tecidos para poupar a glicose. Estas ações também ocorrem no exercício físico. Diferentemente do jejum, que é caracterizado por um período sem ingestão alimentar, no exercício físico a demanda por energia aumenta, necessitando da ação destes contra-reguladores para que haja alterações nos fluxos metabólicos e consequentemente manutenção da glicemia dentro de níveis aceitáveis.

 

 

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Estes hormônios, por serem contra-reguladores da insulina, são considerados diabetogênicos, e quando em excesso (como em algumas doenças) podem induzir o que se chama de diabetes secundário.

2.4. Jejum prolongado Caso o jejum se prolongue, ocorrem adaptações no SNC (expressão de enzimas oxidativas), o que permite usar os corpos cetônicos como fonte de energia. Nestas situações, a gliconeogênese renal é intensa, e contribui com a hepática. Há uma redução da atividade tireoidiana, reduzindo assim a taxa metabólica basal, o que permite maior poupança das reservas energéticas. O tempo de sobrevivência sem ingestão alimentar se dependesse das reservas energéticas do tecido adiposo seria muito longo. Entretanto ocorre importante desequilíbrio hidroeletrolítico, junto a intensa proteólise, o que leva à morte do indivíduo. Não fosse por isto, poderíamos manter um indivíduo sedado, até extinguir seus excessos de massa adiposa, como forma de emagrecimento.

3. Referências Bibliográficas GANONG WF. Fisiologia Médica. 22ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2010. CURI R; PROCOPIO, J. Fisiologia Basica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. AIRES, M.M. Fisiologia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. BERNE R.M.; LEVY M.N.; KOEPPEN BM; STANTON BA. Fisiologia. 5a edição. Elsiever, 2004. SILVERTHORN, D.U. Fisiologia Humana: Uma abordagem integrada. 2ª edição. Manole, 2003.

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 2 - Controle Alimentar Autoras: Lais Cardinali, Vanessa Sayuri Nagaishi Revisão: Prof. Dr. José Donato Júnior Pela manhã, após um longo período de sono, Fisiolino e Extremoso estão “morrendo” de fome: o estômago começa a roncar, e só de pensar no café da manhã já começam a salivar. Cada um dos irmãos toma café da manhã à sua maneira: Fisiolino com uma dieta mais equilibrada e Extremoso, não muito preocupado com isso, é adepto de refeições rápidas e não muito elaboradas. Todos conhecemos a sensação de fome, mas o que será que acontece em nosso corpo que induz essa sensação e nos impele a buscar alimento? Será que a composição nutricional da refeição influi no controle alimentar? E quando começamos a comer uma refeição, o que nos faz parar? Neste capítulo, abordaremos como a fisiologia se encarrega de regular a ingestão de alimentos, bem como o que “falha” nesses mecanismos que acaba por levar à obesidade.

1. Fome X Apetite X Saciedade Comemos quando estamos com fome e paramos de comer porque estamos saciados. Isso parece óbvio. Mas o que será que ocorre em nosso corpo que resulta na sensação de fome e saciedade? O sistema digestório não é capaz de regular por si só a ingestão de energia. Uma vez que engolimos um alimento, este será digerido e seus nutrientes serão absorvidos. Dessa forma, o ato de comer é o meio pelo qual o corpo exerce controle da entrada de energia e dependemos de mecanismos comportamentais, como a fome e a saciedade, para nos dizer quando e quanto comer. Fome, apetite, saciedade. Cada uma dessas sensações sofre controle fisiológico, bem como influência de fatores ambientais e culturais. A fome pode ser caracterizada como uma grande vontade de comer. Uma característica peculiar da fome é a sensação de aperto no estômago, acompanhada de contrações involuntárias rítmicas e inquietude, que fazem com que o indivíduo

 

 

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procure por adequado suprimento alimentar. Estudos recentes mostraram que a fome, além da supressão da intensidade dos sinais de saciedade, os quais serão apresentados posteriormente, é resultado da liberação de um hormônio, a grelina. Esse hormônio, produzido principalmente pelo estômago, é liberado para a corrente sanguínea quando o estômago está vazio e em estados de hipoglicemia (condição em que os níveis de glicose no sangue estão abaixo do normal). A grelina age nos mesmos neurônios que a leptina, hormônio que será abordado posteriormente, mas realizando ações contrárias, ou seja, induzindo sensação de fome. Sua concentração aumenta no jejum, tem um pico antes das refeições e reduz logo após a ingestão de alimentos (Figura 1).

Figura 1 - Distribuição de concentrações plasmáticas de grelina durante 24h e associação com consumo de café-da-manhã (C), almoço (A) e jantar (J). Fonte: Adaptado de Cummings et al, 2001.

A queda da concentração de glicose no sangue é, portanto, um fator que estimula a ingestão alimentar. Esse controle alimentar baseado nos níveis de glicemia ficou conhecido como teoria glicostática. A vontade que sentimos de comer chocolate, não é fome, é apetite. O apetite é um refinamento do processo de fome, sendo o desejo por um alimento de tipo particular e, por tanto, útil em ajudar a escolher a qualidade/composição do alimento a ser ingerido. O termo saciedade é usado para descrever a sensação que é oposta à fome. Significa uma sensação de plenitude em relação à necessidade de alimentos. Em geral, a saciedade surge após uma refeição completa, onde diferentes sinais advindos de diversas áreas do organismo são processados no sistema nervoso central, sinalizando a inibição da fome.

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2. Regulação central da ingestão alimentar A regulação dos comportamentos motivados, como a fome, sede e comportamentos sexuais, é realizada na porção do cérebro denominada hipotálamo (Figura 2a).

Figura 2 – Regulação central do controle do comportamento alimentar. (a) Visão sagital do encéfalo humano, mostrando a localização do hipotálamo. (b) Secção coronal no plano indicado na parte a, mostrando a localização de três importantes núcleos para o controle do comportamento alimentar: o n. arqueado, o n. paraventricular e a área hipotalâmica lateral. Fonte: adaptado de Bear, 2008.

Estudos em ratos mostraram que uma lesão bilateral (destruição de neurônios) de uma porção do hipotálamo, denominado hipotálamo ventromedial, faz com que o animal aumente a ingestão de alimentos, tornando-se obeso; e quando a lesão acomete o hipotálamo lateral, o animal não come e acaba por desenvolver anorexia. Esses achados difundiram a ideia de que o hipotálamo ventromedial seria o “centro da saciedade”, enquanto o hipotálamo lateral seria o “centro da fome”. Hoje é conhecido que o controle alimentar não se resume a esse “centro dual”, havendo outros importantes centros hipotalâmicos envolvidos, como os núcleos arqueado e paraventricular (Figura 2b), bem como mecanismos periféricos (fora do sistema nervoso central). O núcleo arqueado compreende dois grupos de neurônios importantes para o controle alimentar, os neurônios anorexígenos, os quais liberam neurotransmissores (α-MSH e CART) que inibem a ingestão alimentar, e os neurônios orexígenos (liberam NPY e AgRP), que estimulam essa ingestão. Esses centros hipotalâmicos são influenciados por diversos sinais, incluindo alguns hormônios (grelina, leptina, colecistoquinina e insulina) e sinais neurais provenientes do trato gastrointestinal, que abordaremos posteriormente.

 

 

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3. Mecanismos de regulação da ingestão alimentar A natureza nos dotou de mecanismos sofisticados de controle alimentar, alguns atuando durante um longo período, determinando a manutenção das reservas de gordura corporal, e outros durante um curto período, regulando o tamanho e a frequência de cada refeição.

3.1. Leptina: regulação a longo prazo A energia é essencial para o funcionamento do corpo. Dessa forma, nosso organismo é dotado de complexos mecanismos que regulam a ingestão alimentar conforme a necessidade, impelindo o indivíduo a buscar alimento ou suprimindo sua fome; e o excesso de energia ingerido é armazenado, em sua maior parte, como gordura, podendo ser acionado quando necessário. Os mecanismos de longo prazo do controle alimentar são os responsáveis pela manutenção da estabilidade relativa dessas reservas energéticas (gordura) ao longo do tempo. O organismo tende a manter as reservas energéticas corporais relativamente constantes. Se você já tentou emagrecer, sabe como o corpo se empenha em frustrar essa tentativa. Isso também pode ser observado em modelos animais. Ratos induzidos a perder peso por redução da ingestão calórica, quando têm acesso livre ao alimento passam a comer uma quantidade maior até retornarem ao nível normal de gordura corporal. Por outro lado, quando os animais são submetidos à alimentação forçada para ganhar peso, passam a comer pouco até que os níveis de gordura corporal retornem ao normal, quando têm oportunidade de regular sua própria dieta. Dessa forma, observa-se a existência de mecanismos responsáveis por manter o equilíbrio das reservas energéticas do organismo, o que poderia explicar a grande dificuldade em manter o emagrecimento resultante de um regime restritivo. Essa situação de homeostase energética baseada nas reservas de gordura corporal, que ficou conhecida como hipótese lipostática, para funcionar de forma eficiente é necessário que haja uma comunicação entre tecido adiposo, onde é armazenada a gordura, e o encéfalo, responsável pelas sensações de fome e saciedade. A resposta para essa lacuna da comunicação tecido adiposo – encéfalo foi encontrada com a descoberta da leptina (em grego leptos significa magro), um

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  hormônio produzido pelas células armazenadoras de gordura (adipócitos). A concentração de leptina no sangue reflete a quantidade de gordura armazenada; dessa forma, quanto maior o depósito de gordura corporal, maior será a concentração sérica desse hormônio. A leptina, então, irá interagir com neurônios do hipotálamo, causando redução da ingestão alimentar e aumento do gasto energético. A ação da leptina é considerada de longo prazo, uma vez que é produzida de acordo com os estoques de gordura corporal, e alterações nos níveis sanguíneos de leptina só ocorrerão após um tempo relativamente longo de manutenção de uma dieta hiper ou hipocalórica, suficiente para que haja alterações na quantidade de gordura corporal. A leptina é sintetizada nos adipócitos sob controle do gene da obesidade (ob). Camundongos cujo DNA não apresenta esse gene, chamados camundongos ob/ob (Figura 3), são obesos e a administração de leptina nesses animais reverte a obesidade e o distúrbio alimentar. Por esse motivo, a descoberta da leptina gerou grandes especulações e expectativas sobre o possível tratamento da obesidade. Assim, teoricamente, a suplementação desse hormônio em obesos permitiria que o encéfalo recebesse a informação para reduzir a ingestão de alimentos e acelerar o gasto de energia, levando ao emagrecimento. Entretanto, na prática, com exceção dos raros indivíduos com deficiência congênita do hormônio leptina (situação semelhante aos camundongos ob/ob) ou do seu receptor, a maioria dos pacientes obesos não respondeu à terapia com leptina. Descobriu-se que esses indivíduos não eram obesos devido à falta do hormônio, pelo contrário, apresentavam níveis altos de leptina no sangue, proporcional à elevada adiposidade. Dessa forma, a obesidade não era resultado de uma deficiência na produção de leptina, mas de uma resistência, ou seja, redução da responsividade, dos neurônios hipotalâmicos ao hormônio, de forma similar a que ocorre com a resistência à insulina observada no diabetes mellitus tipo 2, quando as células não respondem à insulina.

Figura 3 – Camundongo ob/ob (esquerda) ao lado de camundongo normal (direita).

 

 

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3.2. Regulação a curto prazo da ingestão alimentar Voltando à história dos irmãos, Fisiolino e Extremoso iniciam o desjejum vorazmente. Após um tempo se alimentando, a ânsia por comida diminui e advém uma sensação de saciedade, que os faz parar de comer. Aliado ao controle alimentar determinado pela ação da leptina, cujos níveis variam lentamente com as alterações dos depósitos de gordura armazenados no corpo, é necessário que outros mecanismos regulem o comportamento alimentar de forma mais rápida, como durante uma refeição, determinando seu início e término, ou entre refeições. Essa regulação é feita por meio dos sinais de saciedade, os quais se iniciam quando comemos e vão perdendo intensidade à medida que o alimento é digerido e seus componentes absorvidos ao longo do trato gastrointestinal. O estímulo para comer, ou fome, inicia-se com a liberação de grelina, cujo estímulo é o esvaziamento do estômago e a queda da glicemia, e termina pela ação coordenada de diversos sinais de saciedade, como distensão gástrica e liberação de colecistocinina e insulina. Alguns estímulos sensoriais também podem interferir na ingestão alimentar. O simples ato de mastigar e deglutir o alimento ajuda a criar uma sensação de saciedade; a visão, o cheiro e o gosto da comida podem estimular ou suprimir o apetite.

Distensão gástrica Todos sabemos o que é sentir-se “cheio” após uma lauta refeição. O estiramento das paredes do estômago é um poderoso sinal de saciedade. Esse estiramento, percebido por receptores, chega até o encéfalo por meio do nervo vago e inibe a fome. Mas como não voltamos a comer logo que o estômago se esvazia, é de supor que outros sinais mais duradouros mantenham sob bloqueio os comportamentos de ingestão alimentar.

Hormônios Aliado à distensão gástrica, a chegada de alimento ao estômago e intestino provoca a secreção de hormônios, como a colecistocinina e insulina. A colecistocinina (conhecida pela abreviatura do inglês CCK) é liberada em resposta à estimulação da porção inicial do intestino (duodeno) por certos tipos de alimento, especialmente lipídeos e proteínas. A CCK atua no encéfalo, induzindo saciedade e atua retardando o esvaziamento gástrico (passagem do alimento do estômago para o intestino delgado), mantendo o efeito da distensão gástrica por mais

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  tempo. Além disso, estimula a contração da vesícula biliar e a liberação da bile que, aliado ao retardo do esvaziamento gástrico, permite uma digestão lenta e uma absorção completa das gorduras. A insulina é um hormônio liberado na corrente sanguínea pelas células β do pâncreas quando os níveis plasmáticos de glicose estão elevados. Esse hormônio é essencial para o transporte de glicose para diversas células do organismo. A liberação de insulina é controlada de diversas maneiras (Figura 4). Antes mesmo da ingestão do alimento, durante a chamada fase cefálica, simplesmente a visão e o aroma do alimento já estimulam a liberação de insulina. Em resposta, os níveis de glicose sanguínea caem ligeiramente, e essa mudança, detectada por neurônios no encéfalo, aumenta o estímulo para comer. Durante a fase gástrica, quando o alimento chega ao estômago,

a

secreção

de

insulina

é

também

estimulada

por

hormônios

gastrointestinais, como a CCK. A liberação da insulina é máxima quando os componentes do alimento são absorvidos no intestino, e os níveis de glicose no sangue aumentam, durante a chamada fase de substrato. Esse aumento na insulina, juntamente com o aumento na glicemia, é um sinal de saciedade. Em contraste com os outros sinais de saciedade que discutimos, os quais se comunicam com o encéfalo principalmente via nervo vago, a insulina inibe o comportamento alimentar atuando diretamente em núcleos hipotalâmicos.

Figura 4 – Variações nos níveis de insulina no sangue antes, durante e após uma refeição. Detalhes no texto. Fonte: Bear, 2008.

 

Os carboidratos apresentam diferentes Índices Glicêmicos, ou seja, quando absorvidos causam alteração nos níveis sanguíneos de glicose de diferentes intensidades, dependendo, entre outros fatores, da velocidade de absorção e do tipo

 

 

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de carboidrato presente no alimento ingerido. Os carboidratos de absorção lenta ocasionarão aumentos brandos e por maior tempo na glicemia e, consequentemente, da insulina, proporcionando maior tempo de saciedade. Em contrapartida, os carboidratos de absorção rápida, como a glicose e a sacarose (açúcar de cozinha utilizado no cotidiano), provocam um aumento brusco nas concentrações sanguíneas de glicose e, consequentemente, de insulina, que provocará normalização da glicemia mais rapidamente, diminuindo a saciedade (Figura 5).

Figura 5 – Distribuição dos níveis plasmáticos de glicose, ao longo do tempo, de alimentos com índices glicêmicos alto (high GI) e baixo (low GI).

 

Receptores orais Postula-se que vários “fatores orais” relacionados com a alimentação, como a mastigação, a salivação, a deglutição e o paladar “avaliam” o alimento na medida em que ele passa pela boca. Depois da passagem de certa quantidade de alimento pela boca, tais fatores sinalizam no hipotálamo a inibição do consumo alimentar. Todavia, a inibição ocasionada por este mecanismo é menos intensa e duradoura (20 a 40 minutos) do que a ocasionada pelo enchimento gastrointestinal. A saciedade provocada pelos mecanismos apresentados nesta seção pode sofrer atraso, daí a importância de se realizar as refeições sem pressa, comendo devagar e mastigando bem os alimentos, para que haja tempo dos sinais de saciedade serem processados antes que tenha ocorrido a superalimentação. Além disso, especialistas recomendam não ficar muito tempo sem comer, sendo o ideal alimentar-se a cada três horas, devendo-se ingerir alimentos de baixa caloria entre as refeições principais. Com essas medidas, evita-se a fome exacerbada, que levaria o indivíduo a comer mais que o necessário e engordar.

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4. O alimento no controle alimentar Como vimos, os mecanismos fisiológicos relacionados com o controle alimentar dependem da qualidade do alimento ingerido, ou seja, de sua composição em carboidratos, proteínas e lipídeos, que determinarão a secreção de hormônios gastrointestinais. Dessa forma, nada mais justo que voltarmos nosso olhar para o alimento a fim de estudar os mecanismos fisiológicos que vão levar à fome e à saciedade. Trataremos nesta seção de um componente dos alimentos bastante importante no processo de controle alimentar: as fibras alimentares. As fibras são compostos presentes no alimento que não podem ser digeridos pelas enzimas digestivas humanas durante a passagem pelo trato gastrointestinal, não sendo absorvidos, chegando às porções finais do intestino grosso e sendo eliminados pelas fezes. São, em sua maioria, componentes não digeríveis do alimento vegetal. Mas por que ingerir fibras se não somos capazes de aproveitar seus nutrientes? As fibras alimentares podem ser divididas em dois grupos: as solúveis em água e as insolúveis. As fibras solúveis têm grande capacidade de captar água e formar gel e isso ocorre no estômago quando ingerimos esse tipo de fibras. O aumento de volume da fibra pode chegar a até sete vezes! Assim, as fibras contribuem para a sensação de saciedade, por aumentar o volume do alimento ingerido, ocasionando maior distensão gástrica, e por retardar o esvaziamento gástrico. Além de favorecer a saciedade, o consumo de fibras solúveis auxilia no controle do colesterol, evita constipação intestinal e aumenta a lubrificação das fezes, o que facilita a evacuação. As fibras solúveis ainda retardam a absorção dos carboidratos, levando a uma resposta glicêmica baixa. Já as fibras insolúveis exigem maior mastigação, facilitando o ataque das enzimas digestivas ao alimento e dando tempo de os sinais de saciedade começarem a fazer efeito. Além disso, esse tipo de fibra alimentar causa aumento do volume das fezes e acelera o trânsito intestinal. As fibras, seja solúvel ou insolúvel, por não serem digeridas ao longo do trato digestório, são fermentadas pelas bactérias que residem no intestino grosso, podendo causar efeitos secundários desagradáveis, como flatulência e distensão abdominal. As fibras alimentares regularizam o funcionamento intestinal, o que as tornam relevantes para o bem-estar das pessoas saudáveis e para o tratamento dietético de várias patologias. Importante salientar que os efeitos benéficos do consumo de fibras só ocorrerão se houver consumo adequado de água. Dentre as fontes de fibras solúveis destaca-se a aveia, frutas e vegetais. As leguminosas (feijões, lentilha, ervilhas) e cereais são fontes de ambos os tipos de

 

 

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fibras, sendo que os cereais integrais têm na sua composição um maior teor de fibras insolúveis. Conhecer os efeitos da composição dos alimentos sobre os mecanismos de controle alimentar é importante para auxiliar na escolha de uma alimentação mais saudável.

5. Alimentação e recompensa Comemos porque estamos com fome, mas também porque gostamos de comida e de comer. Extraímos prazer do sabor, do aroma, da visão e da textura do alimento, assim como do próprio ato de comer. Aliado aos sinais fisiológicos que motivam o comportamento alimentar, há o aspecto hedônico da alimentação: é gostoso, portanto, fazemos. Pesquisas em animais e seres humanos sugerem, entretanto, que o gostar e o querer são mediados por diferentes circuitos no encéfalo. A alimentação, como qualquer outra função envolvida na sobrevivência, promove respostas de recompensa, que reforçam o comportamento que a ocasionou. Fisiologicamente, essa recompensa é resultado da liberação do neurotransmissor dopamina em certas regiões do encéfalo. Dietas altamente palatáveis estão intimamente relacionadas com o aspecto do prazer e até do vício, a exemplo dos chocólatras. Mecanismo semelhante à da recompensa pela alimentação é responsável pela dependência de drogas de abuso.

6. Obesidade A obesidade está tomando proporções alarmantes, sendo considerada uma epidemia global. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo, estima-se que existam 300 milhões de obesos e 1 bilhão de pessoas com sobrepeso. No Brasil, os números também são preocupantes. Conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, cerca de metade (50,1% para homens e 48% para mulheres) da população adulta brasileira está com excesso de peso (Figura 6). Longe de ser uma questão simplesmente estética, é importante ter em mente que a obesidade é uma doença. O sobrepeso e a obesidade predispõem o indivíduo a diversas outras doenças, como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia, doenças coronarianas, acidente vascular cerebral e algumas formas de câncer.

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Figura 6 - Evolução de indicadores na população de 20+ anos de idade, por sexo – Brasil – períodos 1974-75, 1989, 2002-2003 e 2008-2009. Fonte: Baseado em dados do IBGE.

 

 

Quando a ingestão calórica excede o gasto energético, ocorre aumento de peso, uma vez que esse excesso de energia é armazenado principalmente na forma de gordura, como já sabemos. Ou seja, quando comemos muitos alimentos calóricos e não há um gasto energético suficiente (uma pessoa sedentária, por exemplo) acabamos engordando. Esse dado provavelmente não é novidade para você. Mas se é tão simples evitar a obesidade, já que basta não comer grandes quantidades de alimento, principalmente os altamente calóricos, por que ainda são observados índices tão alarmantes de excesso de peso e obesidade como os mostrados no início desta seção? O corpo humano foi programado, ao longo da evolução, para armazenar energia em períodos de abundância alimentar, para ser capaz de resistir a períodos de escassez. A ação da leptina, por exemplo, estudiosos acreditam ser mais importante para evitar subnutrição do que obesidade, uma vez que os efeitos biológicos provocados pela baixa concentração de leptina, ou seja, aumento da ingestão alimentar e diminuição do gasto energético, são muito mais intensos do que quando o hormônio se encontra em concentrações elevadas. Logo, os indivíduos são naturalmente muito mais propensos a ganhar peso do que perder. Nas condições atuais, em que há fácil acesso aos alimentos, e baixa necessidade de atividade física, essa característica que herdamos acaba não sendo mais vantajosa, mas prejudicial, predispondo-nos ao ganho de peso excessivo e à obesidade. Aliado a isso, os obesos apresentam um estado de resistência à leptina, como já discutimos. Dessa forma, apesar dos elevados níveis do hormônio no sangue, a informação acerca da dimensão das reservas energéticas não chega ao hipotálamo, e a ingestão alimentar não é suprimida. Dessa forma, a obesidade não deve ser encarada como resultado da pouca força de vontade, caráter e determinação do sujeito obeso, mas como uma doença

 

 

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crônica grave, de caráter multifatorial, cujas bases fisiológicas ainda estão sendo esclarecidas. Nosso organismo é dotado de variados e eficientes mecanismos de controle da ingestão alimentar, que visam regular a entrada de energia e nutrientes no organismo. Estudar esses mecanismos é importante para conhecer o que acontece em nosso corpo que permite controlar um processo tão natural para nós, como a alimentação, além de fornecer subsídios para a escolha de alimentos e hábitos de vida saudáveis.

7. Referências bibliográficas BEAR, M.F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo Patologia geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. CUMMINGS, D. E. et al. A Preprandial Rise in Plasma Ghrelin Levels Suggests a Role in Meal Initiation in Humans. Diabetes. v. 50, p. 1714-1719, jun. 2001. Disponível em: . Acessado em: 24 maio 2012. DE MELLO, V. D.; LAAKSONEN, D. E. Fibras na dieta: tendências atuais e benefícios à saúde na síndrome metabólica e no diabetes melito tipo 2. Arq. Bras. Endocrinol. Metab., São Paulo, v.53, n.5, jul. 2009. GUYTON, A.C. Fisiologia Humana. 5 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. IBGE. POF 2008-2009: desnutrição cai e peso das crianças brasileiras ultrapassa padrão internacional. 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1699&id_pag ina=1>. Acesso em:10 maio 2012. LENT, R. Cem bilhões de neurônios?: Conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. MACHADO ROMERO, C. E.; Zanesco, A.O papel dos hormônios leptina e grelina na gênese da obesidade. Rev. Nutr., Campinas, v.19, n.1, jan./fev. 2006. MATTOS, L. L.; Martins I. S. Consumo de fibras alimentares em população adulta. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 1, fev. 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v34n1/1381.pdf. Acessado em:25 maio 2012. SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 3 – Equilíbrio Hidroeletrolítico Autores: André de Almeida da Mota e Danilo Araújo Amaral Santos Revisão: Prof. Dr. Fernando R.M. Abdulkader e Profa. Dra. Maria Oliveira de Souza

1. Fisiologia Intestinal O epitélio de revestimento interno do trato gastrointestinal (TGI) separa o meio interno do meio externo e, é contínuo por todo o TGI. O transporte de substâncias da luz do TGI para a circulação ocorre através do epitélio e do endotélio dos capilares sanguíneos e linfáticos abaixo do epitélio. Muitas destas substâncias passam pelo fígado sendo metabolizadas ou armazenadas, antes mesmo de chegar à circulação sistêmica, e outras substâncias vão diretamente para a circulação sistêmica. O intestino tem papel importante na manutenção da homeostase energética e do equilíbrio hidroeletrolítico já que substratos absorvidos pelo intestino estão envolvidos em diversos eventos bioquímicos necessários para as funções fisiológicas. Macroscopicamente o intestino é classificado em delgado e grosso, onde o delgado é dividido em três segmentos diferenciados: duodeno, jejuno e íleo. O duodeno é o principal segmento do delgado envolvido em processos absortivos. O intestino delgado tem capacidade de absorção maior que o intestino grosso, absorvendo diariamente em média de 8 a 9 litros de água, o que corresponde a 80% da água que o atinge, além da capacidade de absorver também 90% de NaCl que o atinge. A Figura 1 explica a superfície absortiva do intestino delgado. O intestino grosso é dividido em ceco, colón, reto. O colón é dividido em quatro segmentos: cólon ascendente, cólon transverso, cólon descendente e cólon sigmóide. O cólon é o mais importante segmento do intestino grosso, pois está envolvido na absorção de água e eletrólitos, absorvendo 80% da água e 90% do NaCl que o atinge. Além da participação  

 

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na regulação do balanço hidroeletrolítico, o intestino grosso tem como principal função, a regulação do volume e composição das fezes, e é capaz de produzir muco para sua lubrificação.

Figura 1. Representação da superfície absortiva do intestino delgado. A. Corte longitudinal do intestino mostrando as dobras da mucosa e submucosa, visíveis a olho nu. B. Vilosidades. C. Continuidade do epitélio de revestimentos das vilosidades. D. Borda-em-escova da membrana luminal. 1. Compartimento luminal; 2. intracelular; 3. interstício; 4. compartimento vascular. As dobras circulares aumentam em 3x a área absortiva do delgado. As vilosidades intestinais elevam em 10x a área absortiva do delgado. E as microvilosidades (borda-em-escova) aumentam em 20x a área absortiva do delgado (modificado de Aires, M.M., 2ed., 2008).

A absorção que é o transporte de substâncias da luz intestinal para o interstício, ocorre através do epitélio intestinal por diversos mecanismos: difusão facilitada, osmose, transporte ativo primário e secundário. - Difusão facilitada: passagem de um soluto do meio externo para o meio interno, através de uma proteína carreadora, sem gasto de energia.

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- Osmose: Movimento da água entre meios com concentrações diferentes de solutos, separados por uma membrana permeável a água. - Transporte ativo primário: Consiste no movimento de substâncias contra o gradiente de concentração, usando energia resultante da hidrólise de uma molécula de ATP por proteínas de transporte que são genericamente conhecidas por bombas, mas, mais corretamente, são ATPases. - Transporte ativo secundário: É o transporte de uma substância contra seu próprio gradiente de concentração, acoplado ao transporte de uma outra substância que se move a favor de seu gradiente eletroquímico.

M. basolateral

Figura 2. Mecanismos de absorção de sódio em enterócito. Na borda em escova há os transportes passivos e acoplados NaCL, sódio-glicose, sódio-galactose, sódioaminoácidos. Na membrana basolateral, a saída do sódio da célula se dá principalmente por transporte ativo via sódio potássio ATPase (modificado de Curi, R., 2009).

Para entendermos o transporte de substâncias através do epitélio, temos antes que entender quais são as barreiras que as substâncias tem de atravessar. O epitélio intestinal apresenta monocamadas formadas por células assimétricas, que são mantidas coesas, sendo representado por um sistema de duas membranas celulares que delimitam três compartimentos distintos: membrana luminal (ML), que delimita a luz intestinal do compartimento

 

 

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intracelular das células epiteliais, e a membrana basolateral (MBL), que delimita o compartimento intracelular das células epiteliais do meio intersticial. A permeabilidade transepitelial pode ocorrer por duas vias: a via transcelular (através das duas membranas das células epiteliais) e a via inter-ou paracelular ( através da tight-junctions e dos espaços intercelulares laterais).

As

tight-

junctions possuem graus diferentes de permeabilidade iônica nos diferentes epitélios, e com base nestas diferenças temos dois tipos principais de epitélios: tight e leaky. O epitélio leaky tem maior condutividade iônica e maior permeabilidade à água do que o epitélio tight, com isso o epitélio leaky tem maior importância nos fluxos de água e íons, ao contrário do epitélio tight. Uma característica comum a todos os epitélios transportadores é a localização da bomba eletrogênica ou reogênica, (a sódio e potássio ATPase) na MBL, sendo esta a responsável pela passagem ativa do íon sódio pela via transepitelial, e pela manutenção do gradiente de potencial eletroquímico entre as células e o meio extracelular ( lúmem e interstício). Os epitélios transportadores também têm uma diferença de potencial elétrico transepitelial (DP-trans) entre os dois ambientes separados pelo epitélio: o fluido luminal e o meio intersticial, onde o meio intersticial é positiva em relação ao fluido luminal. Esta diferença de magnitude de potencial é devida aos distintos processos de transporte existentes nas duas membranas (luminal e baso-lateral), ou seja, ao transporte transepitelial, mas também depende da condutância iônica das tight–junctions que são as regiões de aderência entre as células epiteliais.

A manutenção e gênese da DP- trans,

deve-se à contribuição da sódio e potássio ATPase da MBL e à presença de diferentes transportadores na membrana luminal. Se a condutância das tight-junctions é alta, também denominadas vias de shunt, elas curto-circuitam a DP-trans resultante do transporte de íons transcelular. Ou seja, a DP-trans é baixa. Sendo assim a condutância iônica da via de shunt é o que determina a resistência elétrica do epitélio, estabelecendo se o epitélio é do tipo “tight” (resistência e DP-trans relativamente alta) ou “leaky” (resistência e DP-trans relativamente baixa).

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Normalmente ingerimos 2 L de água diariamente, tanto na forma líquida, quanto contida em alimentos. No trato gastrintestinal (TGI) são secretados aproximadamente 7 L de água por dia, líquidos provenientes de saliva (1,5 L), estômago (2,0 L), pâncreas (1,5 L), bile (0,5 L) e secreções do próprio delgado (1,5 L). Assim, diariamente passam pelo TGI no total cerca de 9 litros de fluidos, onde destes cerca de 7,5 L são absorvidos pelo delgado, e cerca de 1,4L pelo cólon, o que significa que apenas 0,1 L de fluido é excretado em aproximadamente 100 a 150g de fezes por dia. O epitélio duodenal é “leaky” sendo muito permeável a água, predominando os fluxos secretórios de água no duodeno. O jejuno absorve água em valores consideráveis, já que ele absorve produtos da digestão de proteínas, carboidratos em acoplamentos com o íon sódio, gerando gradientes osmóticos para absorção de água. A absorção de água é secundária e proporcional à absorção de solutos, ocorrendo entre dois compartimentos aproximadamente isotônicos, o luminal e o intersticialplasmático. A força movente para o fluxo absortivo de água resulta na diferença de osmolaridade entre o fluido luminal e os meios intra e intercelular. O sódio é o principal eletrólito do fluido extracelular, sendo absorvido em todo intestino, diminuindo a absorção no sentido céfalo-caudal, por diminuição de área absortiva. É altamente responsável pela volemia e está diretamente envolvido na absorção de vários substratos orgânicos, como glicose, galactose, e aminoácidos, através de transporte secundário. Por ter conteúdo isotônico, o intestino delgado só absorve sódio na ausência de gradiente de potencial eletroquímico significante, entre a luz intestinal e o compartimento intersticialvascular. Pouco sódio é excretado por via intestinal, ele é altamente reaproveitado. O sódio move-se da luz intestinal para o interior das células do delgado, através da ML, a favor de seu gradiente. A absorção de cloreto ocorre ao longo do intestino por duas vias, a paracelular e a transcelular. A transcelular tem duas vias: uma via absorção depende da entrada de sódio (transporte secundário), e na outra via absorção depende do contratransporte Cl¯/ HCO¯. A paracelular ocorre a favor do gradiente de potencial eletroquímico transepitelial, de maneira desacoplada.

 

 

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O transporte de potássio ocorre por difusão passiva através da via interou paracelular, a favor de seu gradiente de potencial químico transepitelial, ocorrendo secundariamente à absorção de água. Após absorção de água o volume do conteúdo intestinal é reduzido, ocorrendo um diferencial de potencial químico transepitelial para o potássio por aumento da diferença de concentração entre o lúmen e o interstício, o que é necessário para a absorção do potássio. Como o potássio necessita da absorção de água para ser absorvido, se há algum problema em absorver água (por exemplo, na diarréia), logo não haverá absorção de potássio, ocorrendo hipocalemia com consequentes distúrbios da contração muscular.

2. Fisiologia Renal A fisiologia renal do ser humano pode ser compreendida a partir do conhecimento de seu órgão. Os rins, órgãos em formato de feijão e localizados na região lombar, são responsáveis por formar a urina, composto que consiste em água e substâncias hidrossolúveis, geradas a partir da metabolização celular, como por exemplo: uréia, ácido úrico, creatinina. A urina também conter eletrólitos, como: NaCl, íons cálcio, KCl e outros. Um papel importante proporcionado pelos rins é o balanço de concentração, de diversos compostos, entre o filtrado e o interstício. Um destes compostos é o sódio, cuja ingestão diária de um individuo adulto é de cerca de 150 mEq, sendo excretada a mesma quantidade pela urina em condições normais, considerando que os rins filtram cerca de 24.000 mEq de sódio por dia, sendo que 99% desta quantidade é reabsorvida ao longo do néfron. O sangue não passa pelos rins apenas com a função de nutrir as células renais, mas principalmente com a função ser ali filtrado e depurado, retirando as substâncias a serem excretadas do sangue e, assim, eliminando-as através da urina. No rim nota-se a presença de uma artéria e uma veia renal. A artéria renal leva o sangue para o rime suas ramificações, passando por todas as estruturas renais, sendo elas: Córtex Renal, Medula Renal, Pirâmide, Pélvis

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Renal e Ureter. Os rins recebem 20% do débito cardíaco, que é o volume de sangue ejetado pelo coração por minuto. Do ponto de vista macroscópico, uma estrutura que tem extrema importância no processo de excreção renal e reabsorção de alguns compostos, se chama néfron. O néfron é a unidade funcional do rim, podendo ser dividido em: glomérulo, cápsula de Bowman, Túbulo Contorcido Proximal, Alça de Henle, Túbulo Contorcido Distal, Túbulo Coletor Cortical e Ducto Coletor. Há aproximadamente um milhão de néfrons em cada rim. A região onde ocorre o início da filtração e da formação de urina é no glomérulo. O glomérulo filtra cerca de 20% do plasma que nele chega. O fluido filtrado pelo glomérulo é considerado um ultrafiltrado do plasma, onde a sua composição de água e solutos são iguais à do sangue, exceto pela ausência de proteínas plasmáticas e células sanguíneas. Vale considerar também que substâncias ligadas as proteínas do plasma não são filtradas, tal como uma parte do cálcio circulante e alguns fármacos.

Figura 3. Estruturas do néfron (modificado de Curi, R., 2009).

 

 

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Para impedir que proteínas e células atravessem a membrana do capilar glomerular e alcancem a cápsula de Bowman, os capilares glomerulares apresentam estruturas anatômicas que garantem uma barreira física, impedindo a filtração de proteínas e células. Já outro tipo de barreira é a elétrica, que age impedindo a passagem de substâncias carregadas negativamente, pois a barreira filtrante tem uma característica eletronegativa. Isso faz com que ânions pequenos, que por seu tamanho passariam pelos poros da barreira filtrante, não o façam. Isso é particularmente importante no caso de proteínas plasmáticas. Após a cápsula de Bowman é encontrado o Túbulo Contorcido Proximal (TCP). O TCP pode ser dividido em três unidades: S1, S2 e S3. Ele se caracteriza por reabsorver grande parte do sódio e do cloreto filtrado por transporte transepitelial, e pela alta permeabilidade à água, tanto por via transepitelial como para celular. A reabsorção do filtrado glomerular pode chegar a 65% do seu volume no TCP, sabendo que o volume deste filtrado segue em torno de 180 litros por dia. Este filtrado que vem da cápsula de Bowman é considerado uma solução complexa, que apresenta solutos inorgânicos, solutos orgânicos de baixo peso molecular (uréia, glicose, aminoácidos e etc.) e moléculas protéicas que apresentem baixo peso molecular para as quais as barreiras impostas pelo glomérulo não são suficientes para impedir a sua passagem. Essa composição é alterada ao longo do TCP, ocorrem processos que reabsorvem grande parte dos solutos orgânicos e inorgânicos do filtrado, que ao chegar ao segmento fino descendente da alça de Henle não contém grande parte destes solutos. A solução que sai do TCP pode ser considerada isotônica em relação à concentração de NaCl, essa isotonicidade deve-se a uma diferença de potencial presente no epitélio do TCP que é de extrema importância para a reabsorção de cátions. Já no caso do cloreto nota-se um aumento de concentração ao longo do TCP chegando na ultima porção (S3) com concentração luminal maior que a concentração plasmática, assim, onde é reabsorvido, principalmente, por difusão ou arraste com a água. A água é reabsorvida, principalmente, a partir de um gradiente de pressão osmótica que tende a diluir substâncias reabsorvidas que, devido a uma propriedade

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anatômica dos epitélios que compõem o TCP, são altamente permeáveis a água devido a presença de proteínas de membranas chamadas aquaporinas. Essa intensa reabsorção de sódio, através de transportes acoplados e outros meios de reabsorção, e de água geram um gradiente favorável para a reabsorção passiva de outros compostos inorgânicos, como o cloreto e o potássio. A proteína de membrana que pode ser considerada como a de maior importância é a bomba de Na+- K+ ATPase, que faz uma troca de três íons de sódio (vindas do MIC) por dois íons de potássio (trazidos do interstício). Esse transporte ativo só é possível utilizando a energia proveniente da quebra de ATP, para isso há muitas mitocôndrias nas células do epitélio de transporte. Este mecanismo de transporte é importante para manter as concentrações intracelulares de sódio e potássio reguladas, uma vez que o potássio tende a sair do meio celular para o interstício e o sódio a entrar. Caso ocorra uma entrada descontrolada de sódio na célula pode ocorrer lise celular já que a água segue a concentração de sódio, tendendo a diluí-lo, um dos conceitos de osmose. O potássio tende a sair da célula devido a uma diferença de concentração. Já o sódio tende a entrar na célula através de vários mecanismos de transporte, como por exemplo uma troca entre um íon sódio dele vindo da luz do TCP por um íon de H+ intracelular, ou então ele se acopla a solutos orgânicos e/ou a solutos inorgânicos sendo absorvido junto destes.



Exemplos de solutos orgânicos são:

glicose, aminoácidos e

ácidos orgânicos. •

Exemplos de solutos inorgânicos: íons ( Cl-, H+, HPO42- e etc.)

Um importante processo que também ocorre no TCP é a reabsorção de glicose. Essa reabsorção (ocorrida principalmente no primeiro segmento do túbulo) é um transporte ativo secundário, pois gasta ATP primariamente para reabsorver através da Na+- K+ ATPase. Usando este gradiente de sódio gerado pela bomba, há uma proteína de transporte na membrana luminal que acopla o transporte de Na+, a favor do gradiente, com a glicose, que passa então a ser transportada contra o seu gradiente de concentração. Nas porções mais iniciais do túbulo as proteínas de membrana responsáveis por esse transporte o fazem  

 

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em uma proporção de um Na+ por uma glicose. Já nas porções finais essa proporção fica em dois Na+ por uma glicose. Agora para a glicose se mover do meio intracelular para o interstício, isto se da através de difusão facilitada por um transportador chamado GLUT1 (nas porções finais do túbulo) e GLUT2 (nas porções iniciais do túbulo). O transporte de cloreto é outro ponto de destaque, visto que tem grande importância no meio celular, como por exemplo, na manutenção do volume celular. No TCP o íon cloreto (Cl-) é absorvido por 2 maneiras distintas, sendo elas: arraste pela água e troca entre íons através das membranas das células epiteliais. O arraste pela água é feito na porção mais inicial do TCP, onde uma voltagem negativa da luz do túbulo gera uma preferência pela reabsorção deste íon. Já nos segmentos finais do TCP a reabsorção ocorre por uma troca entre o Cl- com ânions intracelulares, como HCO3, OH-, oxalato e formato. A Alça de Henle (AH), principalmente o seu ramo ascendente corresponde a cerca de 25% do filtrado de NaCl e outros eletrólitos (Ca2+ e Mg2+), não sendo essa a sua única função, também podendo destacar a gênese de hipertonicidade na medula renal e a reabsorção de água filtrada. Já as porções descendente e ascendente fina realizam grandes transporte de água e de eletrólitos, por transportes passivos, a porção descendente por contar com grande concentração de proteínas de membrana que realizam o transporte da água (aquaporinas). O fluido vindo do túbulo proximal é isotônico em relação ao plasma, ou seja, constitui de mesma concentração total de íons, que vai se modificando na concentração especifica de cada soluto ao longo do segmento, assim mantendo um equilíbrio osmótico com o interstício. Na porção fina descendente ocorre uma perda de água do filtrado através das aquaporinas, que garantem a reabsorção de água para o interstício, assim, gerando um equilíbrio osmótico, sendo que neste segmento do néfron há uma maior concentração destas proteínas de membrana se comparado ao TCP. Há também a secreção de uréia no fluido luminal por difusão facilitada pelo transportador de uréia UT2.

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A porção ascendente fina já pode ser caracterizada como impermeável a água e permeável a NaCl e uréia, assim como outros íons, sendo que o NaCl é reabsorvido e a uréia é secretada para a luz. O ramo espesso ascendente se caracteriza pelo intenso transporte transepitelial de NaCl e a impermeabilidade a água. A reabsorção de NaCl se da através da ação do hormônio anti-diurético (ADH) que estimula a sua reabsorção através da atividade de proteínas que transportam Na+, K+ e 2Clda luz do túbulo para o citoplasma através da membrana luminal. Outros íons que também são reabsorvidos neste segmento são o potássio e o bicarbonato, cerca de 10%, o cálcio (25%) e o magnésio (70%). Nos túbulos contorcidos distais (TCD) destaca-se a reabsorção transcelular de sódio (aproximadamente 5%), graças ao acoplamento deste ao cloreto, sendo então reabsorvido de forma passiva, e a impermeabilidade a água. O sódio é transportados para o interstício através da Na+-K+ ATPase e o cloreto através de canais. Uma informação relevante é de que neste segmento a concentração de sódio é de, aproximadamente, 35 mEq ao contrário do filtrado no TCP que é de cerca de 150 mEq. Ou seja ao longo do ramo ascendente espesso da alça de Henle há uma diluição do filtrado que se da, não pela entrada de água, mas sim pela reabsorção de NaCl. O NaCl ali reabsorvido concentra o fluido que desce pelo ramo descendente (que como discutimos acima é permeável a íons e água), o que faz com que na transição entre os ramos descendente e ascendente (na medula) a osmolaridade seja muito alta. No ducto coletor também há ação do hormônio aldosterona, que controla a reabsorção de sódio (podendo ser reabsorvido passivamente) e excreção de potássio, pois, aumentam a síntese de proteínas de membrana que fazem a troca entre sódio por potássio (Na+- K+ ATPase na membrana basolateral e canais para o Na+ e canais para K+

na membrana luminal). A ação da

aldosterona, portante, aumenta ainda mais a reabsorção de NaCl no rim, acompanhada de água, o que aumenta o volume do meio extracelular. Alem de participar da regulação do volume extracelular, os rins também tem um papel na regulação da osmolaridade do fluido extracelular. Isso é dado  

 

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pela ação do hormônio antidiurético (ADH) sobre células do túbulo proximal e coletor, que aumenta nessas células a quantidade de aquaporinas na membrana luminal. Isso promove uma entrada regulada de água do filtrado para o meio intersticial através do epitélio, movida principalmente pela hipertonicidade medular gerada pelos sistemas de transporte da alça de Henle. Mas o que regula os níveis sanguíneos de ADH? Há no hipotálamo estruturas osmorreceptoras que monitoram a osmolaridade do meio extracelular momento a momento e, em resposta a esse monitoramento, regulam a liberação de ADH para o sangue. Os mesmos osmorreceptores participam do mecanismo da sede, no qual ocorre uma excitação dos osmorreceptores (presente no hipotálamo), resultante da hiperosmolaridade extracelular, gerando a sensação de

sede

à

nível

do

núcleo

vasculoso

terminal.

O

causador

da

hiperosmolaridade é o excesso de eletrólitos, que com a ingestão de água (solvente) será diluído. A sensação de sede é muito precisa, sendo requerida de acordo com a necessidade fisiológica de diminuição da concentração de eletrólitos.

3. Referências bibliográficas

AIRES, M. M. Fisiologia. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. AIRES, M. M. Fisiologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. CURI, R.; PROCOPIO, J. Fisiologia Básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. DOUGLAS, C. R. Fisiologia aplicada à Nutrição. 2 ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 4 – Exercício Físico Autores: Ariane de Oliveira Turati, Bruno Cezar de Oliveira Alcântara, Carla Rocha dos Santos, Carolina Catto e Lucila Emiko Tsugiyama. Revisão: Prof. Dr. Fabio Bessa Lima, Profa. Dra. Lisete Compagno Michelini e Profa. Dra. Maria Tereza Nunes

1. Sistema Muscular Esquelético Estrutura e composição do músculo esquelético   Parte do movimento humano depende da ação dos músculos esqueléticos, e esta por sua vez, depende da conversão de energia química contida no ATP em energia mecânica para a ação motora. O músculo esquelético (Figura 1) é recoberto externamente por epimísio, tecido conjuntivo fibroso, seguido de outra camada de tecido conjuntivo, perimísio, o qual envolve o fascículo, feixe de até 150 fibras musculares. Estas fibras são envolvidas pelo endomísio, uma fina camada de tecido conjuntivo, que as separa umas das outras. Logo abaixo do endomísio, circundando o conteúdo celular de cada fibra muscular existe uma fina membrana elástica, o sarcolema, o qual é constituído por uma membrana plasmática (plasmalema) e uma membrana basal. Entre essas duas membranas estão as células satélites, que são mioblastos (células precursoras de fibras musculares) quiescentes, mas capazes de auxiliar em processos de regeneração e adaptações ao exercício. Abaixo do sarcolema e entremeando todas as fibras musculares existe o sarcoplasma, meio aquoso que contém todas as substâncias necessárias para o funcionamento das células musculares, tais como enzimas, partículas de gordura, glicogênio e organelas. Ao redor de cada fibra muscular existe um sistema de túbulos e vesículas altamente especializado, que garante a rápida chegada da onda de despolarização da superfície externa da fibra até o seu meio interno, onde é iniciada a contração muscular. Esse sistema recebe o nome de retículo sarcoplasmático, o qual contém

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  bombas de íons Cálcio (Ca2+) responsáveis pela retirada ativa de Ca2+ do sarcoplasma após a contração muscular, mantendo a concentração basal deste íon e um ambiente favorável para a nova entrada de Ca2+ durante a contração muscular subsequente. O tecido muscular é também composto por água (75%), proteínas (20%), sais, ATP, lactato, minerais, íons, enzimas e nutrientes, além da mioglobina (proteína carreadora de oxigênio no músculo). Estão ainda presentes artérias e veias (paralelas a cada fibra muscular), arteríolas, capilares e vênulas (dentro e ao redor do endomísio), garantindo assim perfusão adequada, com ótima nutrição, oxigenação e remoção de metabólitos e de dióxido de carbono.

a

Figura 1. Estrutura do músculo esquelético (retirado de McArdle, W.D., 5 edição, 2003).

A fibra muscular (Figura 2), unidade padrão do tecido muscular possui vários constituintes. Entre eles há a miofibrila, que é uma subunidade da fibra muscular, contendo filamentos ainda mais finos, chamados miofilamentos. Esses miofilamentos são constituídos basicamente por: proteínas contráteis, a actina (filamento fino) e a miosina (filamento espesso), por proteínas regulatórias que afetam a interação dos filamentos proteicos durante a contração (como por exemplo: tropomiosina e

 

 

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  troponina) e por proteínas estruturais, responsáveis pela manutenção da estrutura do sarcômero (titina, α e β-actinina, talina, desmina), entre outras presentes.

Figura 2. Estrutura da fibra muscular (retirado de McArdle, W.D., 5a edição, 2003). Na miofibrila existe um padrão de estriações, com faixas mais claras e outras mais escuras: a área mais clara é a faixa I, constituída basicamente por filamentos de actina, contendo ao centro a linha Z (que, aderida ao sarcolema, proporciona estabilidade à estrutura), e a área mais escura denominada faixa A, composta por filamentos de actina e miosina, contendo ao centro a zona H (ausência de filamentos de actina) e a faixa M, de localização central. A estrutura delimitada por duas linhas Z constitui o sarcômero, que é de fato a unidade funcional de uma fibra muscular.

Contração muscular O processo de contração muscular é dependente da disponibilidade de Ca2+ intracelular, pois sua entrada no sarcoplasma desencadeia uma série de alterações que culminam na interação da actina com a miosina, que são as proteínas contráteis. (Figura 3). Esse processo é constituído de várias etapas: com a chegada de um potencial de ação na membrana muscular, ocorre a despolarização dos túbulos T (invaginações do sarcolema para o interior da fibra muscular, que aumentam a superfície celular além de levar a excitação até a intimidade da fibra). Próximos a estes, encontram-se cisternas e uma extensa rede de dutos intracelulares

 

 

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  (constituintes do retículo sarcoplasmático, que armazenam o Ca2+) e cuja estimulação leva à liberação de Ca2+ do retículo para o sarcoplasma. O Ca2+ liberado liga-se a troponina (presente no filamento de actina, inibindo sua interação com a miosina) e favorece a interação da actina. A interação de actina com as pontes cruzadas da miosina preparam o sarcômero para a contração, enquanto o ATP é hidrolisado, gerando energia para o deslizamento dos filamentos uns sobre os outros, encurtando os sarcômeros e promovendo a contração muscular. Esses ciclos se repetem enquanto houver Ca2+ livre no sarcoplasma e disponibilidade de ATP. O relaxamento da fibra muscular ocorre com o sequestro do Ca2+ para o retículo sarcoplasmático, permitindo que a troponina iniba a interação de actina e miosina, bloqueando a quebra de ATP para o fornecimento de energia.

a

Figura 3. Contração muscular (modificado de McArdle, W.D., 5 edição, 2003).

Tipos de fibra muscular São conhecidos dois tipos básicos de fibras musculares, diferenciadas por aspectos contráteis e metabólicos, chamadas de fibras de contração lenta (tipo I) ou oxidativas e fibras de contração rápida (tipo II) ou glicolíticas, subdividindo-se em tipos IIa, IIb (ou IIx) e IIc. As fibras de contração lenta tem por característica baixa atividade da miosina ATPase (enzima responsável pela velocidade de contração muscular), velocidade de contração mais lenta, metabolismo glicolítico menos desenvolvido e mitocôndrias grandes e numerosas. Portanto, são fibras predominantemente aeróbicas, resistentes à fadiga e apropriadas para exercícios físicos prolongados como corrida e natação. Já as fibras de contração rápida são caracterizadas por sua alta capacidade de transmissão do potencial de ação, alta atividade da miosina ATPase, rápida liberação e captação de Ca2+ para o retículo e eficiente turnover das pontes cruzadas. Por esse motivo, são fibras predominantemente anaeróbicas, pouco resistentes à fadiga e apropriadas para exercícios de velocidade e explosão como ocorre no atletismo

 

 

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  (provas de velocidade) e no basquete. As fibras de contração rápida do tipo IIa são fibras mais intermediárias, apresentando alta velocidade de contração, porém boa capacidade de utilização de energia tanto de fontes aeróbicas quanto anaeróbicas e por isso são reconhecidas como fibras rápidas oxidativas glicolíticas. As fibras do tipo IIb (IIx) são de fato as fibras mais fiéis a sua classificação, reconhecidas como fibra rápida glicolítica, pois possuem maior potencial anaeróbico e alta velocidade de contração.

Adaptações ao exercício físico aeróbico Cada indivíduo tem um tipo de composição muscular, podendo apresentar mais ou menos fibras oxidativas ou glicolíticas, o que é determinado geneticamente. As adaptações promovidas pelo exercício físico aeróbico são tanto advindas de mudanças bioquímicas, quanto de mudanças metabólicas e estruturais dos músculos. Portanto, o tipo básico de fibras musculares esqueléticas de um indivíduo não se altera, no entanto, todas as fibras existentes no músculo aprimoram seu potencial aeróbico. É importante ressaltar que as adaptações na musculatura são dependentes da especificidade do treinamento, por exemplo, um corredor de longa distância que objetiva aprimorar seu rendimento e adaptar sua musculatura para suportar percorrer maiores distâncias, deve treinar corrida e não natação, pois quanto maior for a utilização do músculo que será requisitado para tal atividade, melhor adaptação lhe ocorre. São observadas diversas alterações como aumento no conteúdo de mioglobina; oxidação mais rápida e eficiente de glicogênio e lipídeos, sendo que o estoque de lipídeos intramuscular aumenta garantindo preservação de glicogênio muscular; melhora na capacidade de enzimas oxidativas tais como a citrato sintase (enzima presente no ciclo do ácido cítrico); aumento no número e tamanho das mitocôndrias contribuindo para melhor oxidação. Em relação às fibras musculares, ocorre um aumento no tamanho das fibras de contração lenta em relação às de contração rápida e também pode haver conversão de fibras do tipo IIb para as do tipo IIa, auxiliando na oxidação rápida. Além disso, existe um aumento significativo na capilarização de indivíduos treinados aerobiamente, garantindo assim melhor chegada de oxigênio e de nutrientes, bem como a remoção de metabólitos e de calor do músculo em atividade.

 

 

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2. Sistema Respiratório Estrutura e função O sistema respiratório tem como principais funções: 1) realizar trocas gasosas através da ventilação pulmonar, um processo pelo qual o ar ambiente rico em oxigênio entra nos pulmões permitindo a oxigenação do sangue e a retirada de dióxido carbônico, e sua volta ao meio ambiente trazendo o excesso de dióxido carbônico. 2) manter o equilíbrio ácido-base na circulação, funções estas importantes para a manutenção da homeostase do organismo. Este sistema (Figura 5) é composto por vias aéreas superiores (cavidades oral e nasal) onde o ar é umidificado, aquecido e filtrado; zona condutora, (traqueia, brônquios e bronquíolos) onde o ar é conduzido; e a zona respiratória, composta pelos alvéolos, onde ocorre a ventilação pulmonar, onde ocorre o processo de trocas gasosas entre o sangue e o ar ambiente que chega aos alvéolos. O tecido pulmonar é entre os demais tecidos, o que recebe maior aporte de sangue em todo organismo, correspondendo ao débito cardíaco. O transporte do oxigênio que chega aos alvéolos é feito 97% pela hemoglobina (molécula carreadora de oxigênio) presente nas hemácias e 3% dissolvido no plasma. Já o transporte de gás carbônico é realizado 5% dissolvido no plasma, 60-80% na forma de bicarbonato de sódio e 20% como composto carbamínico.

Mecânica da ventilação A mecânica ventilatória engloba os processos de inspiração e expiração. A inspiração é um processo ativo, no qual músculo diafragma se contrai e desce, enquanto os músculos intercostais externos se contraem, tracionando as costelas para cima e para frente, auxiliando na expansão lateral da caixa torácica. Dessa maneira, a pressão intrapulmonar diminui, favorecendo o aparecimento de um gradiente de pressão entre o meio externo e o intrapulmonar, permitindo a entrada de ar nos pulmões.

 

 

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a

Figura 4. Estrutura do sistema respiratório (retirado de McArdle, W.D., 5 edição, 2003).

Já a expiração, em situação de repouso, é um processo passivo, pois resulta da retração natural do tecido pulmonar distendido e o relaxamento dos músculos inspiratórios. Dessa maneira, há redução do volume da caixa torácica e aumento da pressão intrapulmonar, gerando novo gradiente de pressão para a saída do ar. No entanto, em situações de exercício extenuante e hiperventilação, a expiração torna-se ativa para atender à maior demanda de trocas gasosas, com atuação dos músculos intercostais internos e abdominais. Um dos fatores que auxiliam a ventilação é a presença do surfactante (substância lipoprotéica que reveste os alvéolos), que contribui para a redução da tensão superficial existente entre o ar que chega aos alvéolos e a camada de líquido presente neles. A ventilação é controlada neuralmente, tendo suas áreas de controle situadas no bulbo e na ponte, que respondem a quimiorreceptores centrais e periféricos, sensíveis a pressão de oxigênio, pressão de gás carbônico e pH.

Volumes e capacidades pulmonares Os volumes e capacidades dos pulmões são importantes parâmetros para diagnósticos de doenças sendo também utilizados para prescrição de treinamento físico. Alguns desses parâmetros são:

 

 

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  Volume corrente (volume de uma inspiração ou de uma expiração durante um ciclo respiratório); Volume de reserva inspiratório (volume passível de ser inspirado além do volume corrente); Volume de reserva expiratório (volume passível de ser expirado após a expiração normal); Volume residual (volume de ar que permanece nos pulmões após a máxima expiração possível); Capacidade vital forçada (corresponde ao volume corrente, o volume de reserva inspiratório e o volume de reserva expiratório), Capacidade pulmonar total (é o volume residual e a capacidade vital forçada), Capacidade inspiratória (volume máximo inspirado após uma expiração normal), Capacidade residual funcional (volume restante nos pulmões após uma expiração normal). O consumo máximo de oxigênio (VO2 máximo) é uma medida feita para se avaliar a capacidade máxima que o organismo tem de captar e utilizar o oxigênio do ar inspirado. Este parâmetro é bastante utilizado na quantificação e prescrição de exercícios físicos, uma vez que o aumento na demanda de oxigênio dos músculos em atividade influencia diretamente na captura e utilização do oxigênio pelo organismo.

Adaptações ao exercício físico aeróbico Uma das principais adaptações do nosso organismo ao treinamento físico é a melhora do consumo de oxigênio, como dito anteriormente, ele está diretamente relacionado à capacidade de utilização do oxigênio e, portanto, está relacionado à capacidade do organismo de manter o exercício à custa do metabolismo aeróbio. O consumo máximo de oxigênio é influenciado diretamente: pela modalidade de exercício (exercícios que utilizam maior massa corporal e tem um componente dinâmico mais importante apresentam maior consumo), tempo de treinamento, sexo, composição corporal e idade. Da mesma forma que para o sistema muscular, a melhora do consumo máximo de oxigênio depende da especificidade do exercício e dos grupos musculares ativos, justamente porque a utilização do oxigênio é facilitada na musculatura ativa. Com o treinamento em exercício submáximo (o exercício realizado em intensidade moderada), a ventilação aumenta linearmente com a captação de oxigênio e a produção de dióxido de carbono, principalmente pelo aumento do volume corrente, sendo que a frequência respiratória tem papel mais importante em intensidades

 

 

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  maiores de exercício. Esse ajuste em longo prazo é o que favorece que mais oxigênio permaneça em contato com a superfície alveolar, melhorando a condição de trocas gasosas entre alvéolo e capilar. Ou seja, indivíduos treinados precisam ventilar menos para conseguir um mesmo consumo submáximo de oxigênio quando comparados a indivíduos destreinados. Além disso, a capacidade aeróbia melhora de 15 a 20% nos primeiros três meses e 50% nos primeiros dois anos. Portanto, os ajustes celulares, bioquímicos e estruturais que ocorrem no sistema respiratório, favorecem ainda mais o desempenho físico de forma a suportar cada vez mais eficientemente a sobrecarga de trabalho imposta ao organismo com menor esforço.

3. Sistema Cardiovascular Estrutura e função: músculo cardíaco e vasos sanguíneos Todas as células de nosso corpo necessitam de oxigênio e nutrientes essenciais para viver. O papel do sistema cardiovascular é manter a perfusão tecidual, garantindo que o sangue arterial rico em oxigênio e nutrientes chegue a todas as células que compõe o nosso organismo, removendo também da intimidade das células o gás carbônico e produtos nitrogenados produzidos pelo metabolismo celular.

A

pressão necessária para que o sangue circule é gerada pela atividade cardíaca e o fluxo sanguíneo é conduzido pela aorta, artérias e arteríolas até os capilares, vasos extremamente finos onde as trocas se realizam. Dos capilares o sangue, com menor teor de oxigênio e maior teor de gás carbônico após a troca com o líquido intersticial, retorna ao coração pelas vênulas e veias. Esta é a circulação sistêmica. Do coração o sangue venoso é direcionado à circulação pulmonar, ou seja, aos pulmões e capilares pulmonares, onde volta a ser oxigenado e libera o gás carbônico ao ar ambiente. O sangue arterial retorna ao ventrículo esquerdo, reiniciando o processo. O sangue flui continuamente pelo sistema circulatório através da atividade conjunta do coração (a "bomba propulsora" que gera a pressão sanguínea), dos vasos arteriais (que oferecem resistência à circulação do sangue e proporcionam distribuição adequada do sangue aos diferentes territórios) e dos vasos venosos (que funcionam como um reservatório de sangue).

 

 

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Hemodinâmica da circulação A diferença de pressão entre os diferentes compartimentos do sistema circulatório mantém o sangue circulando no organismo. A pressão é gerada na raiz da aorta pela atividade cíclica do coração, que engloba 2 fases: a diástole ou relaxamento das câmaras cardíacas durante a qual ocorre o enchimento do coração, e, a sístole ou contração, que se presta ao esvaziamento das câmaras cardíacas. Portanto, o ventrículo esquerdo ao se contrair ejeta um volume de sangue na aorta. As paredes da aorta são como bandas elásticas que se esticam durante a ejeção do sangue (sístole), armazenando parte da energia cinética gerada pelo coração e, ao se relaxarem durante a diástole, retornam a energia armazenada à circulação, garantindo um gradiente de pressão durante todo o ciclo cardíaco. Este efeito, associado à resistência oferecida pelas artérias de menor calibre (arteríolas) que evitam a saída instantânea do sangue do leito arterial durante a sístole, garantem a perfusão dos capilares também durante a diástole. Há também ao nível das arteríolas, queda acentuada dos níveis de pressão arterial, a qual continua caindo de forma mais gradual durante o trajeto pelos capilares, vênulas e veias. Os mecanismos de controle da pressão arterial são: Controle miogênico: Variações compensatórias do calibre dos vasos ocorrem em resposta a variações instantâneas de fluxo e pressão, deforma a manter constante o fluxo sanguíneo. Aumento da velocidade de fluxo causa maior atrito entre as camadas de sangue em movimento e o endotélio vascular, aumentando o estresse (ou tensão) de cisalhamento, o qual determina a secreção de NO, um importante vasodilatador da ação local. Controle

neural:

é

o

controle

instantâneo

da

pressão

comandado

pelos

barorreceptores arteriais (estruturas sensíveis a deformações da parede arterial, ativadas por variações para mais e para menos dos níveis de pressão) que desencadeiam mecanismos neurais, os quais determinam respostas reflexas que trazem de volta a pressão a seu nível controle, mantendo-o dentro de uma estreita faixa de variação. Controle renal: é um mecanismo de ação mais em longo prazo que regula o volume sanguíneo (volemia) por meio de retenção ou eliminação de sais e água através de mecanismos renais. Controle hormonal: é um importante coadjuvante do controle da pressão arterial, que engloba a ação de vários hormônios como a angiotensina II, a aldosterona e a

 

 

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  vasopressina. A angiotensina II tem ação vasoconstritora e trófica, aumentando a resistência oferecida à circulação do sangue e consequentemente a pressão arterial. Por sua vez a vasopressina age nos dutos coletores renais aumentando a reabsorção de água, enquanto que a aldosterona age nos túbulos renais aumentando a reabsorção ativa de sódio (e água passivamente). Estes efeitos contribuem de forma importante para a manutenção da volemia.

Adaptações ao exercício físico aeróbico Durante o exercício físico há aumento da perfusão dos tecidos em atividade desencadeada pela maior necessidade de oxigenação dos músculos devido à sua alta atividade metabólica. Desta forma ajustes funcionais e anatômicos são necessários para propiciar condições adequadas para a manutenção do exercício. Entre os ajustes instantâneos ao exercício, citam-se o aumento da frequência (FC) e volume sistólico de ejeção (VS, determinado pela maior contratilidade cardíaca) que aumentam o débito cardíaco (DC = FC x VS), e, a redistribuição do fluxo sanguíneo: há intensa vasodilatação muscular esquelética aumentando o fluxo sanguíneo para os músculos em atividade, acompanhada de vasoconstrição nos órgãos menos ativos (rins e trato gastrointestinal), o que reduz o fluxo local desviando-o para regiões mais ativas, como observado nas figuras 5 a (em repouso) e b (durante o exercício).

Figura 5: Redistribuição do débito cardíaco (http://www.fisio.icb.usp.br/aulasfisio/cursos/medicina/bmb115_2010/CV10CircCapTrocasLCM.pdf)

Entre os efeitos a longo-prazo do exercício repetitivo (treinamento aeróbio), pode-se dizer que a prática de exercício aeróbio possui efeitos preventivos e terapêuticos. Preventivo, pois diminui os efeitos que acomete todos durante o envelhecimento, o EF evita:

 

 

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  ● a diminuição dos miócitos cardíacos e a resposta contrátil a agentes como adrenalina e noradrenalina, o que poderia levar a uma diminuição da força de contração; ● aumento da fibrose intersticial, o que comprometeria o relaxamento; ● o aumento da rigidez arterial, pois com o envelhecimento há aumento de colágeno, o que levaria a um aumento do pulso de pressão; ● rarefação capilar nos tecidos exercitados; ● a diminuição dos músculos esqueléticos e a disfunção valvular, melhorando o retorno venoso; ● o aumento do estresse oxidativo, o que levaria a lesão de vasos. Citam-se também a bradicardia de repouso, a hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo, aumentando a capacidade cardíaca e, consequentemente o volume de ejeção, e a neoformação de vênulas de pequeno calibre, as quais aumentam a condutância da circulação, facilitando a oxigenação e a remoção de produtos do metabolismo celular de tecidos ativos. Há também aumento da diferença arteriovenosa de oxigênio (diminuição do conteúdo de oxigênio venoso), refletindo a extensão da maior remoção do oxigênio do sangue pelos tecidos em atividade. Outra vantagem da implementação da prática de exercício ao cotidiano é a sua eficácia terapêutica, pois se sabe que o EF melhora a qualidade de vida de indivíduos hipertensos, diabéticos, insuficientes cardíacos, os quais também possuem a atividade simpática aumentada e parassimpática diminuída, assim o EF é eficaz em melhorar os pontos já citados, assim como diminui o desequilíbrio neurovegetativo. Portanto, o exercício é um potente método profilático e terapêutico não farmacológico, de fácil acesso a toda população o qual melhora a qualidade de vida, pois em casos dos grupos de risco já citados, há diminuição de danos aos órgãos alvo (rins, coração, encéfalo, vasos) o que leva uma queda da mortalidade e diminuindo os custos ao paciente e a instituições de saúde.

4. Sistema Endócrino Aspectos gerais de organização e função  

O Sistema Endócrino é responsável pela comunicação entre diferentes células,

integrando e regulando variadas funções orgânicas. Tal comunicação é realizada através de hormônios, produzidos e secretados pelas diferentes glândulas corporais, que alcançam praticamente todo o organismo pela corrente sanguínea. De forma generalizada, sua organização consiste em um órgão efetor, a glândula propriamente dita, mensageiros produzidos por este órgão e que

 

 

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  caracterizam os hormônios que circulam por nosso corpo e ainda o órgão-alvo, que recebe as informações conduzidas pelos mensageiros, sendo dotados de receptores específicos para determinados hormônios. As glândulas podem ser classificadas em endócrinas e exócrinas. As primeiras são assim denominadas por eliminarem suas secreções diretamente no espaço extracelular (meio interno), de onde se difundem para a circulação sanguínea e são transportadas para todo o corpo até atingir seu alvo específico. Já as glândulas exócrinas possuem ductos que conduzem as substâncias secretadas para um compartimento definido (meio externo), como é o caso das glândulas do trato gastrointestinal e as sudoríparas. Os hormônios são divididos em duas principais categorias: os derivados de esteroides, que são lipofílicos e, portanto, têm capacidade de atravessar as membranas das células, atuando em seu núcleo e ainda os proteicos, que necessitam de receptores logo na membrana plasmática para exercerem suas funções, uma vez que não conseguem atravessá-la. No entanto, existem outras classes hormonais, como as prostaglandinas (peptídeos biologicamente ativos presentes nas membranas plasmáticas de quase todas as células) e a melatonina (hormônio anfifílico, o que permite sua atuação em todos os compartimentos do organismo), dentre outros. A atuação dos hormônios é muito ampla, abrangendo aspectos como modificações de ritmos de síntese proteica, a alteração do transporte através da membrana celular e de atividades enzimática e secretora, o que se reflete em fenômenos maiores que incluem a reprodução, o crescimento, o desenvolvimento e a adaptação a eventos ou circunstâncias às quais o corpo é submetido, levando em última instância ao controle da homeostase corporal. A liberação hormonal é essencialmente regulada por três fatores: hormonais, humorais e neurais. Os fatores hormonais implicam na ação de um hormônio que estimula ou inibe a secreção de outro, através de alças de retroalimentação positiva (estímulo favorável à secreção) ou negativa (inibição da secreção).

Os segundos

fatores, humorais, constituem nutrientes ou íons presentes no sangue e que por sua maior ou menor concentração servem de estímulo positivo ou negativo para a liberação de determinado hormônio, como é o caso da insulina liberada pelas células β-pancreáticas em resposta ao aumento de glicose plasmática. Por fim, o fator neural afeta a secreção de hormônios em determinadas condições, como em uma situação de estresse em que há aumento da atividade do Sistema Nervoso Simpático e consequentemente estimula a liberação de adrenalina pela medula da glândula adrenal. Há ainda padrões episódicos, como os que influem na liberação de hormônios em pulsos que podem apresentar variação diurna, como é o caso da melatonina, ou  

 

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  ainda em concordância com determinada fase do desenvolvimento, como é o caso do GH durante a puberdade. Além do controle puramente hormonal, é fundamental destacar que as funções corporais também são mediadas pela atuação conjunta dos Sistemas Endócrino e Nervoso. Esse é responsável pela detecção de estímulos provindos tanto do ambiente externo (percebidos de forma consciente ou não) quanto internos, processando-os e desencadeando ações de forma independente ou integrada, ao transmitir às glândulas informações necessárias para efetuar uma resposta neuroendócrina. A relação entre hipotálamo e hipófise é um exemplo marcante de resposta neuroendócrina. A produção e liberação de hormônios a partir da porção anterior da hipófise, também conhecida como adeno-hipófise, está sob jugo de alguns hormônios liberadores hipotalâmicos. Por outro lado, a porção posterior da hipófise, denominada neuro-hipófise é responsável apenas por liberar os hormônios produzidos nos diferentes núcleos hipotalâmicos, como é o caso da ocitocina e da vasopressina ou hormônio antidiurético (ADH). Já os hormônios adeno-hipofisários são proteicos e incluem: o hormônio do crescimento (GH), o hormônio luteinizante (LH), a prolactina (PRL), o hormônio tireo-estimulante (TSH), o hormônio folículo estimulante (FSH) e o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Esses são liberados na corrente sanguínea, promovendo a regulação de outras glândulas espalhadas pelo organismo, as quais liberaram novos hormônios, os quais efetuam a resposta final.

Adaptações ao Exercício Físico O exercício físico pode exercer tanto influência estimulatória quanto inibitória na secreção de certos hormônios. Em cada glândula do organismo, o exercício físico interfere de forma diferente e a secreção de hormônios específicos por essas também pode afetar o desempenho durante a prática da atividade física. A seguir, serão apresentados os hormônios neuro- e adeno-hipofisários, com a breve descrição de suas funções fundamentais e ainda com as respostas desses mediante a atividade física. Seguindo a série dos principais hormônios hipofisários, serão discutidos os hormônios pancreáticos, insulina e glucagon e ainda a melatonina, produzida pela glândula pineal.

Vasopressina ou Hormônio Antidiurético A principal função do hormônio antidiurético (ADH) é regular a osmolalidade dos líquidos corporais e conservar o volume desses. Sua ação ocorre em especial nos túbulos coletores renais favorecendo a reabsorção de água e evitando a perda desta  

 

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  pela urina ou por outros meios em condições normais. Em casos extremos, esse hormônio neuro-hipofisário possui potente efeito vasoconstritor, causando o aumento da pressão arterial em situações que elevam fortemente sua liberação, como em uma crise hemorrágica. Durante a prática de exercício ocorre aumento da produção e liberação de ADH, sinalizada ao hipotálamo por elevação da osmolalidade plasmática. Assim, objetiva-se a retenção de líquidos, especialmente em dias quentes, para compensar a perda de água decorrente da elevada sudorese. Esse fato se dá por conta do aumento da temperatura corporal, que ocorre durante a prática da atividade física em virtude da maior atividade muscular, e que é compensada pela eliminação de água pelo suor em uma tentativa de manter a temperatura próxima a valores normais.

Ocitocina O principal papel da ocitocina é estimular a contração da musculatura lisa uterina durante o parto, em um processo de retroalimentação positiva, e ainda auxiliar na descida do leite dos alvéolos para os dutos, permitindo que o bebê se alimente por sucção. Não existem registros na literatura que apontem para alterações na concentração desse hormônio durante a prática de atividades físicas.

Hormônio do crescimento O hormônio do crescimento (GH) tem sua liberação pela adeno-hipófise condicionada ao estímulo desta pelo hormônio liberador de GH (GHRH) produzido pelo hipotálamo. De forma generalizada, o GH está associado ao crescimento tecidual (cartilagens, osso e tecidos moles) em função de aumentar a proliferação celular em todo o organismo, uma vez que estimula a captação de aminoácidos pelas células, elevando tanto a transcrição quanto a tradução de proteínas ao mesmo tempo em que reduz o catabolismo dessas. Além desse processo, o GH direciona o uso preferencial de substratos lipídicos para a obtenção de energia em detrimento do uso de açúcares. Outro papel importante desse hormônio é induzir a liberação hepática de IGFs (do inglês “insulinlike growth factor” ou fatores de crescimento semelhantes à insulina), que acentuam a atividade do hormônio do crescimento. A atividade física induz a liberação de GH, a qual é diretamente proporcional a intensidade e duração do exercício. Algumas especulações que justificam tal processo envolvem o favorecimento da inibição da produção de somatostatina, conhecida por

 

 

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  reduzir a liberação de GH e ainda por estimular vias colinérgicas associadas à liberação desse hormônio. A elevação de GH durante a atividade física é benéfica para o organismo, uma vez que este, ao mobilizar os estoques do tecido adiposo, preserva o conteúdo plasmático de glicose, o que favorece a manutenção da atividade dos sistemas nervoso e muscular durante o exercício prolongado. Aparentemente, sessões de atividade resistida estão relacionadas ao maior pulso de GH do que atividades aeróbias, dado que as primeiras demandam maior síntese proteica tecidual do que as segundas. A liberação hormonal em organismos sedentários e treinados é bastante semelhante, com variação apenas no surgimento do pico, que ocorre mais cedo em sedentários, e na presença do GH durante a recuperação, que se estende por maior tempo em não-treinados, pois estes necessitam de maior quantidade de proteínas para a prática da atividade.

Hormônios tireoidianos O hormônio tireo-estimulante ou tireotrofina (TSH) liberado pela hipófise anterior atua na glândula tireoide estimulando a secreção de tiroxina (T4) e de triiodotironina (T3) ao regular a absorção de iodo pela glândula e síntese dos hormônios citados. O TSH é influenciado pelo hormônio liberador de TSH, o TRH hipotalâmico e também regulado positivamente pela atividade física. O T3 caracteriza a forma ativa do hormônio tireoidiano, sendo o resultado da conversão de T4 em células-alvo para esse hormônio. Assim, a triiodotironina é responsável por elevar a taxa de metabolismo basal do organismo e a temperatura corpora, estimulando ainda processos neuronais. Além desses aspectos, o hormônio tireoidiano regula o crescimento e o desenvolvimento dos tecidos e auxilia no processo de manutenção da pressão arterial. Durante a prática de atividades físicas, os níveis de T4 plasmáticos elevam-se em aproximadamente 35%, processo associado ao aumento na temperatura corporal o que, por sua vez, influencia a atividade de outros hormônios, proteínas e enzimas que flutuam com o momento de maior atividade do organismo.

Hormônios gonadais Os hormônios adeno-hipofisários LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo-estimulante) são liberados em função do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) do hipotálamo e são responsáveis pela atuação nas gônadas femininas e

 

 

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  masculinas, promovendo respostas de diferenciação geral e sexual mediadas pela atuação de estrógenos, progesterona e do andrógeno testosterona. Ao analisamos o processo de diferenciação geral citado anteriormente devemos entender o papel essencialmente anabólico da testosterona, aumento a massa da musculatura esquelética e consequentemente a força muscular e ainda a capacidade respiratória. A secreção de gonadotrofinas é regulada por elementos cíclicos, que variam de acordo com o estágio da vida e diariamente sendo, portanto, bastante complexa. Tal processo é mais evidente na mulher, em virtude das oscilações hormonais associadas ao ciclo menstrual. Por vezes, a ocorrência natural de tais flutuações dificulta a atribuição de alterações nas taxas desses hormônios à atividade física. No entanto, alguns registros apontam para o aumento de testosterona, estrógeno e progesterona em homens e mulheres após o exercício físico tanto aeróbio quanto anaeróbio, podendo ocorrer uma adaptação desses hormônios com o treinamento prolongado, o que é bastante claro em atletas. Em mulheres que treinam profissionalmente pode haver alterações de LH e FSH levando a disfunção menstrual.

Hormônios Adrenais Para analisar os hormônios da glândula adrenal é necessária uma abordagem distinta para aqueles produzidos em sua região interna, medular, e em sua região externa ou córtex. Vale ressaltar previamente que para os diferentes hormônios produzidos em cada região da glândula observa-se uma tendência generalizada de que seus níveis se elevem menos em pessoas treinadas do que naqueles sem treinamento. ● Medula Adrenal: A região interna da glândula adrenal é responsável pela produção de catecolaminas, que são a adrenalina e noradrenalina, cujo estímulo se dá pela ativação simpática. A atuação das catecolaminas envolve o aumento da taxa de metabolismo, o aumento da glicogenólise hepática e muscular, no momento da atividade física e ainda elevação da força de contração cardíaca, e como consequência, aumento na pressão arterial. Além disso, ocorre também uma maior mobilização de substratos energéticos (glicose e ácidos graxos livres) para o plasma e dilatação dos vasos nos músculos em atividade com concomitante vasoconstrição visceral e ainda hiperventilação. Com o treinamento verifica-se o surgimento de bradicardia e de uma elevação menor na pressão arterial como resultado da adaptação ao exercício físico. Tais

 

 

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  aspectos justificam-se pela menor demanda de oxigênio pelo miocárdio em pessoas treinadas. ● Córtex Adrenal: Os corticóides dividem-se em mineralo e glicocorticóides. O primeiro grupo envolve a aldosterona, que está associada a manutenção de eletrólitos, promovendo a retenção de sódio e excreção de potássio renal, com consequente regulação do volume de líquidos e da pressão arterial. Os níveis desse hormônio se elevam com a prática de atividade física, com o objetivo de manter o volume e homeostasia corporal. Os glicocorticoides tem por principal representante o cortisol que afeta o metabolismo da glicose, das proteínas e dos ácidos graxos livres. O hormônio liberador de corticotropina (CRH) estimula a hipófise anterior a sintetizar e liberar o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) que tem sua liberação aumentada pela prática do exercício físico e que promove a síntese e liberação do cortisol. A atuação do cortisol promove o catabolismo proteico, elevando o conteúdo plasmático de aminoácidos, que são conduzidos até o fígado para serem transformados em glicose através do processo de gliconeogênese. Sendo um hormônio facilitador, a ação de hormônios como o glucagon e o GH é favorecida. Por outro lado, a ação da insulina é antagonizada, havendo menor captação da glicose. No tecido adiposo, o cortisol promove a hidrólise do triacilglicerol em glicerol e ácidos graxos. Há ainda supressão do sistema imune e osteólise. Existe considerável variabilidade na renovação do cortisol com o exercício, dependendo de intensidade e duração, nível de aptidão, estado nutricional e até mesmo ritmo circadiano. A maior parte dos estudos indica que a produção de cortisol aumenta com a intensidade do exercício, acelerando a lipólise e a proteólise. Além disso, níveis extremamente altos de cortisol ocorrem após um exercício de longa duração, como uma corrida de maratona ou uma sessão intensa de treinamento de resistência. Até mesmo durante o exercício mais moderado, a secreção plasmática de cortisol aumenta com a duração prolongada. Dados indicam que corredores altamente treinados mantêm um estado de hipercortisolismo que é intensificado antes da competição ou do treinamento exaustivo. Os níveis de cortisol permanecem elevados também por até duas horas após o exercício, sugerindo que o cortisol desempenha algum papel na recuperação e no reparo dos tecidos.

 

 

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Hormônios Pancreáticos Tais hormônios são produzidos por diferentes grupamentos de células componentes das ilhotas pancreáticas. A insulina é produzida pelas células βpancreáticas, enquanto o glucagon é de produção pelas células α. De maneira geral, a atividade física aeróbia reduz a resposta ao exercício físico dos dois hormônios. Esses hormônios apresentam efeitos antagônicos no metabolismo de carboidratos, principalmente. De tal maneira, concentrações plasmáticas elevadas de insulina são acompanhadas por concentrações baixas do glucagon. ● Insulina: A principal função deste hormônio é regular o metabolismo da glicose em todos os tecidos, com exceção do cérebro. Seus efeitos decorrem da maior captação celular de glicose no tecido adiposo e músculo, principalmente, sendo, portanto, um hormônio hipoglicemiante Uma vez no interior celular, se a glicose não for imediatamente utilizada como substrato energético, sua destinação será a formação de glicogênio nos músculos e triglicerídeos no tecido adiposo. Sua liberação ocorre em resposta a hiperglicemia percebida pelas células pancreáticas, como ocorre normalmente após a alimentação e ainda pela maior concentração de aminoácidos. O efeito hipoglicemiante desencadeado por esse hormônio ocorre em curto prazo após sua liberação. No entanto, existem outros efeitos a médio e longo prazo dados pela insulina que envolve o aumento na síntese proteica e crescimento, uma vez que esse é um hormônio anabólico. O treinamento físico promove uma menor demanda na liberação de insulina tanto nas fases de repouso quanto nos momentos de atividade física moderada e ainda previne a ocorrência de resistência à insulina, característica do diabetes mellitus tipo II. A menor liberação de insulina aumenta a disponibilidade de glicose, assegurando a atividade muscular, sendo que tal supressão é tão maior quanto mais intensa for a atividade física. Há ainda um aumento progressivo na obtenção de energia a partir da mobilização de triglicerídeos. ● Glucagon: A liberação do glucagon pelas células α decorre da hipoglicemia, dos baixos níveis de ácidos graxos, da hiperaminoacidemia e em resposta ao estresse ou exercício físico. Após ser produzido, o glucagon pode ficar estocado em vesículas secretórias das células α ou ser diretamente liberado. Tal hormônio possui uma secreção pulsátil pelo controle nervoso no pâncreas. O glucagon é antagonista da insulina, estimulando o fígado e os músculos a degradarem realizarem glicogenólise. Então, a glicose liberada vai para a circulação sanguínea, enquanto a liberada pela quebra de glicogênio muscular é utilizada pelo próprio tecido. Ainda, o processo de gliconeogênese desempenhado pelo fígado é  

 

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  estimulado pelo glucagon ao elevar a captação de aminoácidos e evitando a hipoglicemia. É, portanto, um hormônio catabólico. O principal papel desempenhado pelo glucagon durante a atividade física de longa duração envolve a manutenção da glicemia.

Hormônio Pineal ● Melatonina: Tal hormônio é produzido pela glândula pineal, localizada na região diencefálica. De produção exclusivamente noturna, a melatonina é um importante indicador do ciclo claro-escuro, permitindo que o organismo adapte suas variadas funções a momentos específicos do dia. O metabolismo de carboidratos é consideravelmente influenciado pela melatonina, uma vez que esse atua em vias de outros hormônios, elevando a sensibilidade periférica à insulina, por exemplo. A suplementação com esse hormônio também auxilia na manutenção de estoques de glicogênio. Ainda, o aumento da liberação associado a prática de atividade física tem por benefício o aumento na defesa antioxidante gerada diretamente por esse hormônio, reduzindo o estresse oxidativo associado a prática de exercícios de grande intensidade. Estudos associados esse hormônio e a prática de atividade física são bastante recentes.

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 5 - Estresse: fatores desencadeantes, respostas fisiológicas e suas consequências. Autores: Aline Coelho Macedo e Leandro Bueno Lima Revisão: Profa. Dra. Sara Joyce Shammah-Lagnado

1. Histórico e desenvolvimento do conceito de estresse A palavra “estresse” é comumente utilizada nos últimos anos, mas infelizmente muitas vezes, pobremente definida. Sua popularidade estende-se muito além do campo das ciências da saúde. Executivos, legisladores, professores, economistas, cientistas sociais e outros grupos ocupacionais específicos têm se preocupado cada vez mais com o potencial papel do estresse em sua produtividade e saúde, uma vez que o estresse ocupacional tem se tornado fator de patogênese de diversas doenças cardiovasculares, gástricas, infecciosas, entre outras. Habitualmente, pensamos no estresse como um evento externo que produz respostas fisiológicas indesejáveis podendo resultar em diversas patologias. Atualmente, o conceito de estresse não apresenta uma definição exata por parte dos cientistas, visto que se trata de uma sensação subjetiva com sintomas variados em cada indivíduo. Em adição, não deve ser apresentado como um sinônimo de sofrimento. Algumas situações cotidianas causam medo e ansiedade à algumas pessoas, para outras, essas mesmas situações são agradáveis e até mesmo prazerosas. O termo foi criado há algumas décadas pelo pesquisador canadense Hans Selye

 

(1946)

que

considerava

que

o

 

estresse

era

um

conjunto

de

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  manifestações não específicas do organismo a qualquer exigência de mudança. Seu trabalho mostrava que quando animais de laboratório eram submetidos a qualquer estímulo desagradável ou a algum desafio, com grande consistência, respostas estereotipadas foram observadas, enfatizando efeitos deletérios corporais mediados pela estimulação do eixo pituitário adrenal cortical com consequente aumento dos níveis hormonais de corticóides acompanhado por mudanças macroscópicas e patológicas na mucosa gástrica, tecidos linfoides e córtex-adrenal. Se o agente estressor estiver sob a forma de calor ou frio extremo, ruídos altos, luzes intensas ou exercício muscular exaustivo, as mesmas alterações agudas são observadas. A exposição contínua ao estresse parece acarretar respostas que podem ser divididas em três fases: A primeira fase foi denominada reação de alarme vista como um sinal de alerta às defesas do organismo caracterizadas por uma estimulação acentuada do sistema nervoso simpático e as respostas pituitárias e adrenais. Com a persistência da tensão, outra fase pode ser identificada chamada fase de resistência onde as defesas do organismo foram mantidas e levam o organismo a adaptar-se. Finalmente, o estresse prolongado pode levar a um estágio de exaustão e morte. Todas as fases envolvidas na resposta ao estresse são acompanhadas de mudanças patológicas em vários tecidos e órgãos que são muito similares aos achados morfológicos e microscópicos vistos em distúrbios como hipertensão, doença cardíaca coronariana, úlcera péptica e artrite reumatoide. O termo “estresse” tem atraído todos os tipos de interesse saindo dos limites da endocrinologia e da biologia, sendo estudado por psiquiatras, psicólogos, cientistas comportamentais, sociólogos e ao público em geral.

2. Natureza multifatorial do estresse

Alguns pesquisadores consideram que o estresse é causado apenas por estímulos desagradáveis (agentes estressores) ou reações nocivas, todavia,

 

 

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  outros incluem estímulos agradáveis e reações emocionais positivas. Em geral são consideradas três categorias gerais de formas de estresse ou estressores. - Estresse Fisiológico: Comparado ao exercício muscular acompanhado de alterações bioquímicas a fim de manter a homeostase. -

Estresse Psicológico: Relacionado à ameaças intelectuais e emocionais, como

frustação e medo ou emoções agradáveis como alegria e exuberância. -

Estresse Social: Está intimamente ligado à segunda categoria, mas lida mais com o rompimento de unidades sociais. Frequentemente, há a combinação de duas ou até mesmo as três formas de

estresse.

3. Sistema nervoso autônomo O termo sistema nervoso autônomo (SNA) foi criado pelo fisiologista britânico John Langley (1853-1925), acreditando que os seus componentes funcionariam em considerável grau de independência do restante do sistema nervoso (SN).

O

SNA reúne um conjunto de neurônios situados na medula espinhal e tronco encefálico, que através de gânglios autonômicos controlam a musculatura lisa dos vasos sanguíneos, das vísceras digestivas, musculatura estriada do coração e varias glândulas exócrinas e endócrinas espalhadas pelo corpo. A organização estrutural do SNA que é composta por uma cadeia de dois neurônios, que difere do sistema motor somático que inerva diretamente o musculo estriado (fig. 1a). O SNA classicamente é subdividido em dois grandes sistemas: a divisão simpática e a parassimpática. Há uma diferença estrutural importante entre as duas divisões do SNA. O simpático possui axônios pré-ganglionares curtos que terminam em gânglios próximos a coluna vertebral e axônios pós-ganglionares longos que se projetam ate o órgão alvo (Fig. 1b). De forma diferente, no parassimpático os axônios dos neurônios pré-ganglionares são longos e os axônios pós-ganglionares são curtos (Fig. 1c).

 

 

79  

 

Figura 1. Diferença estrutural entre o sistema motor somático, SNA (simpático e parassimpático).

O nível de atividade do SNA é regulado pelas vias aferentes periféricas viscerais, pelo tronco encefálico, hipotálamo, o sistema límbico e outros centros do SNC. O sistema nervoso simpático e parassimpático atuam de forma sincronizada para manter a homeostase corporal, que é de fundamental importância para a sobrevivência do organismo. De um modo didático, o simpático é conhecido por ser recrutado sempre que o organismo encontra-se numa situação de emergência como lutar-ou-fugir, ou seja, quando se tem que gastar energia (catabolismo) para obter respostas rápidas (correr ou lutar). Já atividade parassimpática de um modo geral, causa efeitos antagônicos sobre um mesmo órgão inervado pelo simpático e está relacionado às funções de economia e obtenção de energia (anabolismo).

De qualquer maneira, um

determinado estado do organismo é uma consequência do balanço entre as atividades simpáticas e

 

 

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  parassimpáticas que se integram e se complementam. Como dito antes neste capítulo, iremos agora fazer uma comparação entre o simpático e o parassimpático, mostrando quais órgãos-alvo eles atuam de forma antagonista, sinergista e exclusiva, que será mostrada na Tabela 1 e Figura 3.

Simpático O corpo celular dos neurônios pré-ganglionares estão situados na coluna intermédio-lateral da medula, bilateralmente entre os segmentos T1 e L2. Uma característica marcante do simpático é que cada fibra pré-ganglionar se ramifica para inervar cerca de 10 neurônios pós-ganglionares situados no mesmo gânglio ou em gânglios vizinhos. Alguns axônios pré-ganglionares entram em gânglios paravertebrais situados em ambos os lados da coluna, dentro dos quais formam sinapses com as células pós-ganglionares. Outros axônios pré-ganglionares atravessam os gânglios paravertebrais sem interrupção e irão fazer sinapse com um segundo grupo de gânglios chamados pré-vertebrais. A medula da glândula adrenal é um caso especial, ela é um gânglio modificado (Figura 2). O neurotransmissor liberado pelas células pré-ganglionares é a acetilcolina, que diferente na junção neuromuscular esta se ligar em receptores muscarínicos (mas também



receptores

nicotínicos

nas

celulares

pós-ganglionares),

e

o

neurotransmissor liberado pelas células pós-ganglionares é a noradrenalina. Em cada órgão alvo a divisão simpática poderá atuar de forma sinérgica, exclusiva ou de forma antagonista, que erroneamente para maioria das pessoas, o simpático e o parassimpático são estritamente antagonistas. Nesta primeira etapa iremos descrever de forma singular a atuação do simpático em cada órgão-alvo, e no fim do capitulo abordaremos de forma a juntar a atuação do simpático e parassimpático, quer de forma antagonista, sinergista.

 

 

81  

 

Figura 2. As fibras pré-ganglionares simpáticas emergem da medula pela raiz ventral, misturadas às fibras motoras somáticas. Logo em seguida deixam os nervos espinhais pelos ramos comunicantes brancos e fazem sinapses com os neurônios pósganglionares. Os axônios pós-ganglionares da cadeia paravertebral retornam aos nervos espinhais pelos ramos comunicantes cinzentos, e depois se incorporam aos nervos periféricos, enquanto os dos gânglios pré-vertebral formam nervos periféricos diretamente. Alguns axônios pré-ganglionares inervam diretamente a medula adrenal, que nesse sentido é um “gânglio simpático” modificado (imagem retirada de Lent, R., 1a ed.,2005).

O simpático: Na musculatura lisa dos olhos – midríase e visão à distância. Nas glândulas salivares – salivação viscosa. Nos vasos sanguíneos periféricos – Vasoconstrição periférica. Nos brônquios – broncodilatação. No coração – ↑ força de contração e ↑ débito cardíaco. Nas glândulas sudoríparas – sudorese (*mediador químico pósganglionar é a acetilcolina). No intestino – inibição do peristaltismo e secreção gástrica, fechamento dos esfíncter e inibição das secreções digestivas. No pâncreas – inibição da secreção pancreática.

 

 

82  

  No fígado – produção e liberação de glicose hepática. Na medula adrenal – secreção de adrenalina. Na bexiga – relaxamento da parede da bexiga e fechamento dos esfíncteres. No órgão sexual – ejaculação. Parassimpático Diferentemente do simpático, o corpo celular dos neurônios pré-ganglionares estão localizados em dois setores separados: um conjunto de núcleos do tronco encefálico e a coluna intermédio-lateral da medula sacra (segmentos S2 a S4). De forma semelhante ao simpático, o neurotransmissor liberado pelas células pré-ganglionares é a acetilcolina (a célula pós-ganglionar, também possui receptores muscarínicos

e

nicotínicos).

Entretanto

as

células

pós-ganglionares

liberam

acetilcolina como neurotransmissor. Da mesma forma o parassimpático poderá atuar de forma sinérgica, exclusiva (lacrimação) ou de forma antagonista em cada órgão-alvo. O parassimpático: Na íris – miose e acomodação do cristalino (visão de perto) Nas glândulas salivares – salivação fluida (rica em H2O e eletrólito) Nos pulmões – broncoconstrição No coração – bradicardia No estomago – ↑ peristaltismo, ↑ secreção gástrica e ↓ tônus dos esfíncteres. Na bílis – secreção biliar No intestino – peristaltismo e vasodilatação

Na bexiga – micção No órgão sexual – ereção Agora que sabemos a função do simpático e do parassimpático, podemos compreender porque em uma situação em que corremos perigo (exemplo um cão  

 

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  feroz correndo atrás da gente, em uma rua deserta) o que chamamos de luta-ou-fuga o simpático é ativado.

4. Endorfinas, Peptídeos cerebrais e outros hormônios Uma nova área de interesse começou a se concentrar nas vias do córtex cerebral ou vias inferiores que são responsáveis pela estimulação hipotalâmica e pituitária durante o estresse, e que tem seus efeitos ativos mesmo na ausência de adrenalina. Assim, muitas pesquisas foram sendo direcionadas para uma elucidação dos sistemas hormonais. Consideráveis informações sobre a resposta cerebral ao estresse foram obtidas a partir de estudos a respeito das endorfinas, encefalinas e peptídeos que têm efeitos profundos no alívio da dor e alterações do humor, particularmente no caso da beta endorfina. Um dos peptídeos cerebrais, mais recentemente descoberto, a dinorfina, tem uma potência analgésica cerca de 200 vezes maior do que a morfina. A ligação com o estresse é firmemente estabelecida devido ao fato de tanto beta-endorfina como o ACTH

(hormônio

adrenocorticotrópico)

são

secretados

simultaneamente

e

proporcionalmente, sob estresse, e também a liberação destes compostos, é regida por mecanismo de feedback idêntico ao que rege a secreção de ACTH. Hoje é bem conhecido que alguns dos efeitos benéficos do alívio da dor visto com acupuntura ou efeito placebo estão relacionados à liberação endógena ou atividade dessas substâncias. Além disso, há um crescente interesse no papel da glândula pineal, descrita no século XVII, pelo filósofo francês René Descartes como a "sede da alma”. Seu principal hormônio, a melatonina, tem de influências importantes na regulação e secreção de determinados hormônios hipofisários envolvidos na ovulação e outros fenômenos ritmicos, como dormir, mudança de fusos horários, bem como uma variedade de outros ritmos circadianos que controlam a química corporal e a função.

 

 

84  

 

Figura 3. Figura esquemática dos alvos do simpático e do parassimpático (modificado de Bear, a M. F., Connors, B.W., e Paradiso M.A., 2 .ed., 2002).

Sendo assim, foi surpreendente constatar que a secreção desse hormônio aumenta durante o estresse, talvez porque fatores emocionais, trabalhando em turnos diferentes, ou frequentes viagens a longa distância podem afetar os hábitos de sono, o ciclo menstrual, e causar amenorréia, infertilidade e distúrbios emocionais. Desde os estudos de Cannon e Selye, tem havido progressos gigantescos nas investigações da fisiologia e principalmente neuroendocrinologia do estresse. Porém é

 

 

85  

  evidente que estamos apenas começando a desvendar os mecanismos pelos quais os estados emocionais e o poder da mente são capazes de produzir doenças, assim como preservar a saúde e o bem estar.

5. Resposta cardiovascular ao estresse Desde o resultado das investigações do importante pesquisador Walter Cannon (1914) em Harvard no início deste século, os estudos dos mecanismos pelos quais os estados emocionais podem produzir danos cardiovasculares ou causar morte súbita receberam grande impulso. Os estudos de Cannon demonstraram que a resposta ao estresse agudo tendo como causa o medo, levou a um aumento acentuado na atividade do sistema nervoso simpático e liberação de adrenalina que preparou os animais ara a reação de “luta ou fuga”. Posteriormente, seus trabalhos demonstraram a forte correlação da liberação acentuada de adrenalina em nosso organismo com as arritmias. Após a formulação do conceito de estresse no final de 1940, Selye forneceu informações adicionais sobre o papel dos fatores hipofisários e da supra-renal na modulação da resposta cardiovascular ao estresse. Suas pesquisas incluíram a produção experimental da necrose cardíaca metabólica. Em adição, foi observado que o estresse pode acelerar o processo de aterosclerose e oclusão coronariana, devido a uma elevação do colesterol, triglicérides,

ácidos

graxos,

aumento

da

agregação

plaquetária,

policitemia,

aceleração da coagulação sanguínea. Estamos também nos tornando conscientes do importante papel do estresse na indução de vasoespasmo coronariano na produção de sintomas clínicos e doenças (Gersh et al., 1981). Ainda mais significativo foi a identificação de infarto do miocárdio, na ausência de obstrução coronariana, devido à liberação excessiva de norepinefrina nas terminações nervosas do miocárdio. Tem sido demonstrado que esta liberação produz um tipo específico de dano no miocárdio que pode ser identificado por microscopia em animais de laboratório assim como em humanos que tenham tido morte súbita cardiaca devido a alguma situação estressante (Cebelin et al., 1980).

 

 

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6. Estresse e envelhecimento Frequentemente observamos o envelhecimento acelerado em pessoas que por alguma eventualidade passaram a ter que enfrentar alguma situação difícil como, por exemplo, a morte de um filho ou ter que cuidar de um parente hospitalizado. Este fato tornou-se interesse de diversos grupos de cientistas que sugeriam que o envelhecimento precoce era em parte causado por estresse, mas não estava confirmado os processos envolvidos neste mecanismo. Recentemente uma pesquisa demonstrou claramente que o estresse e a ansiedade podem adicionar alguns anos ä idade biológica das células de um indivíduo. O estudo foi realizado a pedido da Proceedings of the National Academy of Science e coordenado pela psicóloga Elissa Epel envolvendo 58 mães na faixa etária 20 a 50 anos, sendo que 39 das quais seus filhos apresentavam autismo, paralisia cerebral e outras deficiências e as demais tinham filhos saudáveis. As mulheres completaram questionários a respeito dos níveis de estresse que haviam sentido no mês anterior à pesquisa e foram coletadas amostras de sangue para que os cientistas pudessem analisar o DNA e os telômeros de cada uma delas. Os telômeros constituem uma espécie de tampa bioquímica que protege a integridade do material genético, que em divisões sucessivas tende a diminuir e atingir o nível crítico, chegando a célula ao estágio de envelhecimento. Os resultados da pesquisa indicaram que o estresse encurta prematuramente os telômeros. A pesquisa mediu os níveis de telomerase e radicais livres nessas mães estressadas e os resultados foram níveis baixos de telomerase e níveis altos de radicais livres, substâncias que danificam os tecidos intensificando o envelhecimento. Os dados proporcionados por pesquisas relevantes na área de estresse e senescência podem possibilitar a criação de novos tratamentos para a ansiedade para longevidade e qualidade de vida dos idosos. Dentre os novos tratamentos propostos, a telomerase tem um importante papel, para encontrarmos uma resposta para diminuir a ação do tempo sobre o corpo humano. Através da telomeroterapia, células da pele dos músculos e dos ossos, prejudicadas pelo envelhecimento e senescência, poderiam ser revitalizadas. Porém, este tipo de terapia ainda necessita de muitos estudos, pois a aplicação desta enzima poderia ocasionar mutações no genoma ocasionando cânceres.

 

 

87  

 

7. Estresse e sistema imune A questão de que a mente pode influenciar o corpo na saúde e na doença é baseada na antiga noção de origem empírica que causa frequentes debates. Hoje é bem estabelecido que o sistema nervoso central exerce influência na regulação da função imune. A evidência experimental que elucida este pressuposto foi a demonstração feita por Metal’nikov and Chorine em 1926 em que uma resposta imune pode ser condicionada, neste caso, a administração concomitante de uma substância imunonológica (estímulo incondicionado) com o estímulo externo (condicionado). Com a associação suficiente, o estímulo condicionado por si só já era capaz de causar imunoregulação. A partir de então, surgiram muitas evidências consistentes sobre os efeitos do estresse na função imunológica como a descoberta de que a estimulação ou ablação de várias regiões do cérebro poderia alterar negativamente, bem como positivamente as respostas imunológicas. Primeiro, foi estabelecido que as respostas imunes periféricas podem alterar a taxa de disparo de neurônios no SNC (Besedovsky et al.,1977)Assim, a informação pode não fluir somente a partir do SNC para o sistema imunológico, mas também no sentido oposto. A segunda observação de que células do sistema imunológico pode produzir neuropeptídeos, tais como endorfina e outros neurotransmissores e os neurônios podem produzir citocinas como IL-1 (Blalock,1989). Em adição, as células do sistema imunológico e do SNC tem receptores para citocinas, neuropeptídeos e neurotransmissores. Assim, os dois sistemas podem se comunicar de forma bidirecional. (Stevens-Felten e Bellinger. 1997). Tendo em vista esta direta relação entre o SNC e o sitema imune, não é difícil entender o quanto o estresse fisiológico ou psicológico prolongado pode diminuir a capacidade imunológica, resultando em aumento do risco de doença O estresse compromete o sistema imunológico, atuando principalmente em três glândulas: Hipotálamo, a hipófise, e o par de glândulas supra-renais. Quando o hipotálamo recebe a informação de perigo ou algum estresse que exija do corpo alerta máximo, ele libera hormônios que atuam sobre a hipófise, que por sua vez libera hormônios que agem sobre as glândulas supra-renais. .As supra-renais podem ser ativadas via hipotálamo através do sistema nervoso simpático ou via hipófise pela liberação de mensageiros químicos solúveis no sangue.

Finalmente, as supra-renais liberam

hormônios de estresse como adrenalina (epinefrina), noradrenalina (norepinefrina) e

 

 

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  cortisol (uma forma de cortisona), aumentando a força do batimento cardíaco e dos músculos para reagir Na tentativa de empreender todos os recursos do organismo para lidar com uma crise imediata, a adrenalina e os hormônios do estresse tendem a “abrandar” todas as funções corporais não urgentes, incluindo a resposta imunológica. A imunidade diminuída é supostamente temporária, até que a crise imediata passe. Mas os problemas surgem quando o estresse é prolongado. Sob estresse crônico, a função imunológica pode ser reduzida o suficiente para que o corpo se torne mais vulnerável que o habitual às infecções bacterianas ou virais.

8. Estresse para o sucesso Temos uma grande dificuldade em conseguir manter o equilíbrio em nossas vidas e o resultado é o estresse. Geralmente a principal fonte de estresse está em nosso trabalho. Quase nove em cada dez adultos apresentam níveis elevados de estresse pelo menos uma ou duas vezes por semana e há diversas razões para isto. O mundo do trabalho e negócios mudou drasticamente no último século, as melhorias tecnológicas acarretaram uma sobrecarga de informações. A televisão e a mídia nos mostra instantaneamente informações do mundo inteiro. O estresse tecnológico também provém da rapidez na aquisição de dados e comunicação. Computadores, celulares, e-mail tornam a comunicação fácil e instantânea, com isso, as relações interpessoais estão se desintegrando. As mulheres, em particular, também sentiram muitas dificuldades em manter o equilíbrio em suas vidas pois tem que conciliar a carreira com os cuidados da casa, filhos, etc. A consequência disso, é o aumento nas taxas de ataque cardíaco, câncer no ovário e mama que muitos pesquisadores acreditam estar relacionados os estresse. As respostas fisiológicas ao estresse diferem muito entre as pessoas. Entretanto, o sentido ou sensação de estar fora de controle é sempre estressante. Diversas situações podem ser interpretadas de diversas maneiras. Por exemplo, há pessoas que adoram a sensação de estarem em uma montanha russa, outras por sua vez, rezam para colocar os pés em terra firme. A diferença entre essas pessoas está em como elas percebem o evento. O mais

 

 

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importante aprendizado a respeito do estresse é reconhecer que muitas vezes não são os eventos externos como a montanha russa ou o trabalho que causam estresse, mas como reagimos diante destes estímulos, a nossa percepção. Para algumas fontes de estresse nós não temos influência, outras podemos tentar fazer algo para minimizar os efeitos deletérios. Aprenda a identificar as tensões em sua vida sobre as quais você pode ganhar mais controle usando o seu tempo e talentos de forma mais eficaz. Quanto as outras, se você não pode evitar, escapar, ou diminuir seu impacto,

tente

aprender a aceitá-las. Se você não pode lutar e não pode fugir, tente ser mais paciente. O estresse não é necessariamente ruim e algumas tensões são prazerosas como em um beijo apaixonado. O aumento do estresse também pode levar a uma melhoria no desempenho e na produtividade. Apenas quando excede um determinado nível de tensão o estresse pode ser prejudicial. O que precisamos descobrir é nosso próprio limiar de estresse pessoal ideal.

9. Referências Bibliográficas BESEDOVSKY, H.O., E. SORKIN, D. F, and H. Haas. 1977.Hypothalamic changes during the immune response.Euro. J.Immunol. 7:323–325. BLALOCK, J.E. 1989. A molecular basis for bidirectional communication between the immune and neuroendocrine systems. Physiol. Rev.69:1–32. CANNON WJ: The emergency function of the adrenal medulla in pain and the major emotions. Am.J.Phisiol.33:356-372,1914. CANNON WJ:”Voodoo”death. Am.Anthropol.44:169-181,1942. CEBELIN MS, HIRSH CS: Human stress cardiomyopathy: Myocardial lesions in victims of homicidal assaults wwithout internal injuries. Hum. Pathol.2:123132,1980. LENT, R. Cem bilhões de neurônios: Conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Editora Atheneu, 2005.

 

 

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GERSH BJ, BASSENDINE M,F. Forman, R.W., R.S: Case report: Coronary artery spasm and myocardial infarction in the absence of angiographically demonstrable obstructive coronary disease. Mayo Clin. Proc. 56:700-708,1981.

BEAR, M.F., BARRY, W.C., PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso 2 ed.Porto Alegre: Artmed, 2002. SELYE, H. The Chemical Prevention of Cardiac Necroses, Ronald Press, New York, 1958. STEVENS-FELTEN, S.Y., and D.L. BELLINGER. 1997. Noradrenergicand peptidergic innervation of lymphoid organs.In Neuroimmunoendocrinology.J.E. Blalock, editor. Karger AG,Basel, Switzerland. 99–131. ROSCH, P.J. Stress Sucess - Reprint of article from Executive Excellence magazine, Vol. 10, No. 12, December 1993 ROSCH, P.J., Hendler, N.H. Stress Management and -Reprint of Chapter 14 from Health Promotion: Principles and Clinical Applications , Robert B. Taylor, M.D. (ed.) Appleton-Century-Crofts, 1982 ROSCH, P.J.Stress “Addiction”: Causes, consequences, and Cures - Reprint of Chapter 9 from Stress and Its Management - Number 6, Edited by Frederic Flach, M.D.W.W. Norton & Company, 1989.

 

 

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 VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 6 - Sono Autora: Hadassa Batinga da Silva Revisão: Prof. Dr. Luiz Roberto Giorgetti de Britto

O sono é um evento fisiológico, cuja importância está fundamentada em fatos como: 1.

Presença em, provavelmente, todos os animais, apesar do aspecto evolutivo

que, ao proporcionar momentos de redução de vigília pode favorecer a ação de predadores. 2.

Sua privação promove efeitos negativos, embora temporários, sobre o

desempenho cognitivo, comportamental, hormonal e no cérebro, tanto em homens quanto em animais não humanos. Apesar de sermos capazes de adiar o sono, em algum momento ele nos subjuga. O sono é vital para todos os animais, incluindo o homem. Sua privação prolongada pode ser fatal para alguns animais, não no homem. No entanto, ainda não se entende completamente. Diferente do que se pensava, o sono está longe de ser uma redução da atividade encefálica. O sono é composto por várias fases e precisamente controlado, sendo que em algumas delas o encéfalo pode estar tão ativo como se estivesse em fase de vigília, além de ser um processo ativo que requer a participação de várias regiões encefálicas; entre elas, umas são responsáveis por inibir regiões como por exemplo as áreas motoras (para impedir que atuem no sonho), e outras estão ativas para, por exemplo, promover o despertar ou mesmo a mudança das fases do sono. Portanto, o sono pode ser cuidadosamente definido como “um estado facilmente reversível de reduzida responsividade e interação com o meio ambiente” (o coma e a anestesia não são facilmente reversíveis e não se caracterizam como sono).

 

 

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1. Breve histórico Antigamente, a explicação aceita para o sono era a de que ele resultava de uma diminuição da atividade cerebral causada pela fadiga acumulada durante o dia. Até 1945, os cientistas acreditavam que durante a vigília a estimulação sensorial mantinha o indivíduo acordado, e que num estado de fadiga, esta estimulação era diminuída e o indivíduo entrava em sono. Em meados de 1950, este pensamento mudou com a descoberta de regiões encefálicas que permaneciam muito ativas durante o sono. Um melhor entendimento do sono foi possível com o uso da eletroencefalografia, técnica que registra a atividade elétrica cortical representada de forma gráfica, que tornou possível identificar e diferenciar as fases do sono. Com isso surgiu a teoria de que o sono não era um fenômeno único, mas que consistia em duas fases: a fase REM (“rapid eye movements”), assim chamada inicialmente por apresentar a presença de movimentos rápidos dos olhos, mas atualmente é também conhecido por sono paradoxal (para evidenciar a contradição entre atividade elétrica encefálica semelhante à vigília, porém com característica de sono profundo) e a fase não-REM (NREM) ou sono de ondas lentas. Estas fases se alternam durante todo o período de sono em forma de ciclo. Neste capítulo veremos mais detalhadamente essas fases do sono. Da mesma forma será abordada sua importância, o que ocorre quando há privação de sono e alguns distúrbios decorrentes de alterações no ciclo vigília/sono.

2. O Ritmo Circadiano do ciclo Vigília/Sono Você já parou para pensar quem avisa o seu corpo que está na hora de dormir? E de acordar? Claro que nos dias de trabalho ou estudo, grande parte das pessoas usa como auxílio o despertador. Mas, imaginem que, quando não se tinha o despertador será que as pessoas chegavam atrasadas ao trabalho? Ou acordavam junto com o nascer do sol, e iam dormir quando anoitecia? Isso mesmo! Pode-se pensar que o ciclo claro/escuro (CE) é responsável por sincronizar vários ritmos endógenos (ritmos que persistem mesmo sem dicas temporais externas ou ambientais) que temos. Como por exemplo, a liberação de vários hormônios, o próprio ciclo vigília/sono, ritmo de atividade e repouso. Quando o indivíduo perde as dicas temporais como os ritmos sociais, relógio, televisão, ciclo CE, esses ritmos endógenos permanecem tendo seu próprio ciclo, no entanto, não mais com um período de 24

 

 

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  horas, mas um pouco maior que isso, chegando a 26h (Figura 1). Existem seres vivos que seus ritmos são regidos por ritmos de temperatura ambiental, sazonalidade, ritmo das marés, da lua. Os seres humanos, por sua vez, tem a maioria dos ritmos endógenos sincronizados principalmente com o ciclo CE.

Figura 1: Actograma dos ritmos circadianos de vigília/sono e temperatura do corpo. Nos dois casos, o eixo vertical representa dias consecutivos (ler de cima para baixo). A abscissa representa as horas do dia. A barra horizontal indica o ciclo vigília/sono (vigília = preto, branco = sono), e duas marcas triangulares indicam o ritmo da temperatura corporal (ápice para cima =temperatura máxima; cima para baixo = temperatura mínima). No gráfico os ritmos circadianos de temperatura e o ciclo vigília/sono possuem um período de 25,3 h (Modificado de Weber, 1979).

 

Assim, ritmos circadianos (do latim circa - cerca, aproximadamente; diem – dias) são ciclos que tem duração de 24 horas (±4 horas). O ciclo vigília/sono, entre muitos outros ritmos, obedece a um ritmo circadiano (cerca de 24hs). Embora este ritmo seja endógeno, o mesmo pode ser modulado por fatores externos. A luz do sol, por exemplo, é um fator que está ligado à fase ativa do ritmo circadiano de animais diurnos, e também, à fase inativa de outros, como animais de hábitos noturnos. A informação luminosa que chega através dos olhos para os mamíferos atinge um par de núcleos na base do hipotálamo chamado de núcleos supraquiasmáticos NSQ - (pois se encontram logo acima do quiasma óptico). Cabe salientar que as células receptoras da informação luminosa estão na retina, não fazem parte do so sitema formador de imagens; por isso, alguns indivíduos cegos, mesmo não enxergando, são capazes de sincronizar com o ciclo CE. Esses núcleos são responsáveis por dar a ritmicidade de diversas variáveis, como o próprio ciclo vigília/sono, ritmo de atividade e repouso, o ritmo de comer e beber. Uma vez que, lesado esse núcleo, o animal perde a ritmicidade de vários ciclos, ou seja, perdem o padrão temporal (Figura 2).

 

 

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  O NSQ mantem uma relação com uma glândula chamada de pineal, enviandolhe informações sobre a luminosidade que chegam ao NSQ através do trato retinohipotalâmico. Essa glândula é responsável por produzir um hormônio chamado melatonina, a qual está vinculada à promoção do sono em humanos. Esse hormônio é produzido quando a informação luminosa diminui, alcançando seu pico máximo entre 2 e 4 horas da manhã. Tende-se generalizar a melatonina com a produção de sono; no entanto, ela é produzida também à noite em animais com hábitos noturnos, logo o significado desse hormônio para esses animais não é promoção de sono, mas de atividade. Então, podemos entender que a melatonina é o hormônio que indica a hora do dia ao organismo, e dessa forma ele pode se organizar para o sono ou para vigília. Da mesma forma podemos entender a ritmicidade do NSQ que tem seus neurônios mais ativos durante o dia e menos ativos durante a noite, tanto em animais diurnos como noturnos. Como foi mencionado, o corpo se prepara para o sono ou para a vigília. O que isso exatamente quer dizer? Quando a intensidade luminosa diminui, a pineal entra em ação, informando ao restante do corpo que horas são através da produção de melatonina, e consequentemente fatores endógenos começam a mudar; por exemplo, a temperatura central começa a diminuir, enquanto que a temperatura periférica começa a aumentar, o individuo começa a sentir a pressão do sono aumentar (momento que manter-se acordado começa a ficar difícil) e a tendência é procurar um lugar seguro e aconchegante para dormir. Depois de algumas horas de sono - entraremos nos detalhes dessas horas mais a frente – a melatonina começa a diminuir, a temperatura central começa aumentar lentamente, o pico do cortisol acontece e a temperatura periférica diminui, e aí, o indivíduo acorda. Isso acontece metodicamente todos os dias mais ou menos na mesma hora.

 

 

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Figura 2. Ritmos circadianos: ciclo vigília/sono, da temperatura central do corpo, dos níveis do hormônio cortisol circulante e da + excreção urinária de K, hormônio do crescimento é liberado, principalmente no sono (Fonte: Lent, R., 2ed., 2010).

3. O que acontece enquanto dormimos: sono de ondas lentas e seus estágios Nos primeiros momentos em que o corpo se prepara para dormir, a atividade neuronal, a taxa metabólica e a temperatura encefálica começam a diminuir. A atividade nervosa simpática também diminui, resultando em ritmo cardíaco e ritmo de pressão arterial diminuídos. Da mesma forma, a atividade nervosa parassimpática aumenta, exibindo motilidade gástrica aumentada. Mantêm-se, também, os reflexos e o tônus muscular para o ajuste postural intermitente. É sabido que o sono é bifásico e tem duração em torno de 90 a 100 minutos cada ciclo; esse ciclo ocorre entre 4 a 6 vezes por noite. Suas fases são conhecidas como sono de ondas lentas, ou NREM – a primeira fase, e sono paradoxal ou sono REM – a segunda fase. O sono de ondas lentas se concentra na primeira metade da noite e está dividido em 4 estágios. O indivíduo passa seguidamente pelos quatro estágios do sono de ondas lentas, em estágios de 1 a 4 (Figura1). À medida que o indivíduo passa por estas

fases

do

sono

respectivamente,

a

dificuldade

de

acordar

aumenta

progressivamente. O estágio 1 é a transição do estado de vigília para o  

 

96  

  estabelecimento do sono. No EEG (eletroencefalograma), as ondas exibidas nesta fase são as do tipo alfa (8 a 13Hz) que corresponde ao estado de vigília relaxada, mas aos poucos vão sendo substituídas por ondas de baixa voltagem do tipo teta (ondas de frequência mais baixa, 4 a 8Hz); O traçado da eletromiografia (EMG) apresenta redução no tônus muscular; nesse estágio é fácil acordar o indivíduo. No estágio 2, o EEG se mostra ainda mais lento que no estágio 1, mas estas ondas lentas são interrompidas por fusos de sono - que são descargas periódicas (ondas de 12 a 14HZ) com duração de aproximadamente 1 ou 2 segundos; esses fusos podem ser resultado de interações entre neurônios talâmicos e corticais, e podem ou não ser acompanhados por complexos K - conhecidos por serem ondas de alta amplitude, duração maior que 0,5 segundo com uma fase negativa aguda e uma fase positiva mais lenta. O estágio 3 é considerado um sono moderado a profundo, estando representado no EEG com ondas do tipo delta, que possuem alta amplitude e baixa frequência

(variando

de

0,5

a

4HZ),

podendo

apresentar

fusos

de

sono

esporadicamente; os movimentos oculares são raros e o tônus muscular diminui progressivamente; já não é mais tão fácil acordar o indivíduo; o estágio 4 é o mais profundo; o EEG apresenta ondas do tipo delta, que podem dominar 50% ou mais do traçado do EEG na primeira metade da noite num ritmo crescente (Figura 3). Depois de algum tempo de sono de ondas lentas, o traçado no EEG muda para o estágio 2 por 10 a 15 minutos e repentinamente entra em sono paradoxal, A sequência de acontecimento dos estágios do sono segue estágio 1, 2, 3, 4 depois retorna para o 2 e então entra em sono paradoxal, retornando para o estágio 1, podendo haver vairações importantes nessa sequência na mesma noite entre indivíduos.

 

 

97  

 

Figura 3. O eletroencefalograma (EEG) mostra a atividade neural nos 4 estágios do sono de ondas lentas (não-REM) e no sono paradoxal (sono REM). O eletro-oculograma (EOG) e o eletromiograma (EMG) mostram a atividade dos movimentos oculares e dos músculos corporais, respectivamente (Fonte: Lent, R., 2ed., 2010).

4. O sono Paradoxal ou REM O sono paradoxal ou REM concentra-se no ultimo terço da noite e está representado no EEG com ondas de baixa amplitude e frequência mista, muito semelhante às ondas representadas no estágio 1, e são conhecidas como ondas “dente de serra”, resultante da ativação da formação reticular mesencefálica; no entanto, há uma dificuldade de despertar o indivíduo nessa fase do sono, o que nos permite dizer que esse seria o primeiro paradoxo desta fase do sono. Outra particularidade do sono paradoxal é que, apesar de o individuo apresentar

máxima

hipotonia

na

musculatura

esquelética

(registrada

no

eletromiograma – EMG), são observados movimentos corporais erráticos e fásicos em

 

 

98  

  diversos grupos musculares, principalmente nos músculos da face e dos membros, além da possível emissão de sons. Outro paradoxo dessa fase do sono, é que apesar de haver um estado de hipotonia, há liberação de alguns movimentos. No sono paradoxal, a atividade metabólica em diversas áreas do encéfalo encontra-se aumentada em comparação com outras fases do sono, assemelhando-se com a vigília. No tocante aos movimentos oculares, o sono de ondas lentas apresenta movimentos oculares lentos, e no sono paradoxal movimentos rápidos. A respiração nos primeiros estágios do sono (2 ao 4) se mantém regular; porém, no sono paradoxal, a respiração torna-se irregular com episódios de diminuição na sua frequência (bradipnéia) alternados com o aumento (taquipnéia), apresentando pausas centrais com duração menor que 10 segundos; a frequência cardíaca acompanha as variações da respiração. Também há intumescência peniana e clitoriana, embora esses dados não sejam frequentemente registrados em polissonografia de rotina. De todos os paradoxos supracitados, os sonhos ainda representam o assunto mais controverso da literatura. Não se sabe ao certo a função dos sonhos. Mas, tem sido considerado que todo animal que possui sono paradoxal possívelmente sonhe. Diferente da vigília, o sono paradoxal, é a fase onde mais acontecem os sonhos de caráter alucinatório, com forte conteúdo emocional, ausência de consciência e controle. A razão pela qual não vivenciamos e reagimos aos nossos sonhos, como fazemos em nossa atividade cognitiva durante a vigília, é que no sono paradoxal a maior parte dos nossos músculos está em hipotonia máxima (chamada por muitos de “atonia”). O sonambulismo, por sua vez, acontece no sono de ondas lentas e não é acompanhado ou motivado por sonhos. A razão para se afirmar que os sonhos, em sua maior parte, ocorrem na fase do sono paradoxal, é que durante uma pesquisa em que se acordaram os voluntários em ambas as fases, constatou-se que na fase de sono paradoxal, quando despertos, os voluntários revelaram sonhos elaborados, vívidos, alucinatórios e emocionais, enquanto os voluntários que foram despertados na fase de sono de ondas lentas relataram menor quantidade de sonhos, e quando sonharam, os sonhos eram mais conceituais, menos vívidos e com menor carga de emoções.

5. Neuroanatomia do sono Quando as regiões encefálicas que promovem o sono REM estão ativas, as regiões que promovem o sono NREM estão inibidas, e vice-versa, esse mecanismo

 

 

99  

  também é conhecido como “flip-flop switch”. Essa modificação de ligar-desligar sono REM-NREM é modulada por um grupo de neurônios colinérgicos (que promovem o sono REM) e neurônios noradrenérgicos e serotoninérgicos (que inibem o sono REM). Mas, onde ficam esses grupos neuronais? Eis a resposta: existe um sistema conhecido como SARA (sistema ativador reticular ascendente) localizado no tronco encefálico, próximo à ponte e ao mesencéfalo, que são responsáveis por mediar o despertar e a dissincronia cortical da vigilía (eletricamente falando) via projeções para o tálamo e para o prosencéfalo basal. Esse sistema é constituído pelo núcleo dorsal da rafe (serotoninérgico), núcleo ceruleo (LC, noradrenérgico) do tronco cerebral e núcleo tuberomamilar (NTM histaminérgico) do hipotálamo posterior, que se projetam para o córtex e núcleos reticulares do tálamo (Figura 4). Figura 4 - Vias aminérgicas e colinérgicas Projeções ascendentes do tronco encefálico originadas do tálamo, hipotálamo posterior e prosencéfalo basal (PB). Neurônios do núcleo lateral-dorsal (NLD) e núcleo tegumento-pedúnculo-pontino (TPP) enviam fibras colinérgicas para o tálamo e diretamente para o córtex. Núcleos aminérgicos projetam-se difusamente e diretamente para o córtex. Núcleos tuberomamilares (NTM): histamina. Núcleo dorsal da rafe (NDR): serotonina (5-HT). Núcleo ceruleu (LC): noradrenalina (NA).Núcleo pré-óptico ventrolateral (VLPO): GABA e galanina.(Modificada do Aloé et al, 2005)

 

Os

circuitos

tálamo-corticais

e

projeções

aminérgicas-colinérgicas

são

responsáveis pela dessincronização do eletroencefalograma na vigília. A atividade aminérgica elevada durante a vigília ativa os circuitos tálamo-corticais, mas diminui durante o sono NREM, sendo ausente no sono REM. Os neurônios aminérgicos são denominados de "wake-on-and-sleep-off". Durante o sono REM o córtex cerebral está desmodulado pela ausência do tônus aminérgico. Os núcleos colinérgicos pontinos látero-dorsais, tegmento pedúnculo-pontino e núcleo colinérgico do prosencéfalo basal excitam os núcleos reticulares talâmicos, projeções tálamo-límbicas (córtex e amígdala) e projeções corticais diretas e estão sob o controle inibitório do sistema NDR e LC. Essas projeções colinérgicas tálamo-corticais e tálamo-límbicas são fundamentais para a dessincronização eletroencefalográfica durante a vigília e para a dessincronização eletroencefalográfica durante sono REM. De forma contrária com a atividade aminérgica, que no sono REM se mantém ausente, a atividade colinérgica dos núcleos pontinos látero-dorsais, tegumento pedúnculo-pontino e do prosencéfalo basal pode ser encontrada como máxima durante o sono REM e vigília, sendo mínima

 

 

100  

  ou ausente durante o sono NREM. Dessa forma, os núcleos colinérgicos ativam-se durante a vigília e durante o sono REM com dessincronização do EEG. Tendo então as células colinérgicas recebido a denominação de células "REM-and-wake-on". Portanto, cabe salientar que existe uma diferença entre a dessincronização do EEG no REM e na vigília pois, durante o sono REM, os sistemas aminérgicos não estão ativos e a ativação colinérgica ativa o córtex diretamente. Na vigília, os sistemas aminérgicos, dopaminérgicos, hipocretinas (hipocretina - produzida no hipotálamo posterior e importante para a manutenção da vigília) e colinérgicos estão ativos (modulação aminérgica cortical). As áreas que “ligam” a fase de sono são encontradas nos neurônios inibitórios gabaérgicos e galaninérgicos do núcleo pré-óptico ventro-lateral do hipotálamo anterior (VLPO) que ativam-se exclusivamente durante o sono NREM e REM e são conhecidas como “sleep on”. A área VLPO está relacionada com o sono de ondas lentas (SOL) e suas células projetam-se diretamente para os núcleos NTM, NDR, LC, núcleos colinérgicos pontinos laterodorsais, tegumento pedúnculo-pontino e sistema de hipocretinas, para produzir uma inibição nestes núcleos excitatórios promotores da vigília (Figura 5). Figura 5: Axônios do VLPO (gabaérgicos e galaninérgicos) projetam-se nos neurônios monoaminérgicos e colinérgicos promotores da vigília. (Fonte: Aloé et al, 2005)

A área VLPO mantém ativa com o propósito de inibir os sistemas aminérgico, colinérgico e hipocretinérgico, para que haja a inibição das células REM off e o então aparecimento do sono REM. No entanto, esta área também está sujeita a receber sinapses inibitórias dos NTM, NDR e LC, assim como sinapses de núcleos do sistema límbico e do núcleo supraquiasmático (NSQ), porém não recebe sinapses inibitórias do hipotálamo posterior (hipocretinas), constituindo-se outras vias para o controle do ciclo sono-vigília. A área VLPO e o sistema aminérgico mantém uma relação funcional de reciprocidade de inibição mútua entre os dois sistemas (Figura 6). Quando a área  

 

101  

  VLPO está ativa durante o sono, inibe as células do sistema aminérgico-colinérgico. Semelhantemente, quando os neurônios aminérgicos-colinérgicos estão ativos durante a vigília, inibem a área VLPO. Esse modelo de reciprocidade pressupõe que sono ou vigília ficam estáveis enquanto um dos componentes do equilíbrio se mantém suficientemente ativado. Modelos experimentais de estresse agudo e crônico com insônia em ratos demonstram que o estresse produz descontinuidade do sono por meio de conexões anatômicas das amígdalas, inibindo a atividade do VLPO devido ao aumento de atividade dos núcleos aminérgicos. A inibição gabaérgica sobre o núcleo dorsal da rafe e núcleo cerúleo seria a etapa sináptica final para a desativação das células “REM-off”, dando início ao sono REM de acordo com o modelo da interação recíproca. Figura 6: Modelo de interação recíproca (Fonte: Aloé et al, 2005)

6. Ontogenia do sono Os padrões elétricos do EEG bem como necessidade de dormir, leia-se duração de sono, variam ao longo da vida (Figura 7). A neurogênese do NSQ foi detectada em humanos em torno da 18ª semana de idade gestacional. Por imuno-histoquímica, a maturação dos NSQ mostrou-se contínua por todo o primeiro ano de vida. Há mudanças nos ritmos circadianos dos bebês até tarde da fase adulta, mas são menos dramáticas que durante a infância. Durante o primeiro ano de vida, os bebês gastam a maior parte do tempo dormindo, e isso se deve ao fato que o sistema nervoso central está ainda completando a sua maturação, o desenvolvimento em geral, o futuro cognitivo e psicomotor além do desenvolvimento do próprio temperamento, apesar de que os estudos são inconclusivos nesse ponto.

 

 

102  

 

Figura 7: Duração do sono em função da idade (tirado do Purves et al, 2005).

Outro ponto relevante sobre a finalização da maturação do sistema nervoso central é a sua plasticidade. Quando animais jovens quando privados de sono (REM e NREM) há uma perda da plasticidade cerebral, e essa perda é caracterizada pelo tamanho dos encéfalos (menores nesse caso), resultando numa diminuição no aprendizado e outros efeitos negativos comportamentais no longo prazo. Privação de sono REM pode levar ao subdesenvolvimento do sistema visual, porque nenhuma conexão é feita entre as células ganglionares da retina e o núcleo geniculado lateral. Fusos do sono e complexos K estão relacionados com a maturação normal do cérebro, e eles devem ter uma função no desenvolvimento do córtex cerebral, bem como de processos de memória e de aprendizagem. No recém-nascido, a criança modelo dorme 16-17 horas por dia. Aos 6 meses de idade, o sono, muitas vezes diminui para 13-14 horas por dia, e o período mais longo do sono é cerca de 6 horas em média. A partir de 1 ano de idade, o mais longo período de sono aumenta para cerca de 8-9 horas. Os estágios de sono em bebês pode ser denominado REM / NREM após 2 meses de idade. Antes desta idade, a terminologia para os estágios do sono é diferente. Na adolescência, a quantidade de sono NREM diminui entre os 11 a 17 anos, o que leva a associar o fato da puberdade. Eles podem dormir a noite inteira e, no entanto, ainda ficarem sonolentos durante o dia. Estruturalmente, observa-se uma diminuição para o início do sono REM, e um aumento no percentual total dos estágios mais superficiais (1 e 2). Um adolescente requer em média 8,5 a 9,25 horas de sono diário. No entanto, estudos tem demonstrado que a média de sono que os

 

 

103  

  adolescentes tem durante os dias escolares está reduzida para em torno de 7 horas, devido à tendência dos adolescentes de atrasarem a hora de dormir enquanto mantém o mesmo horário de acordar para ir à escola. Essa privação de 1 – 2 horas por dia durante os dias escolares é suficiente para desenvolver sintomas de sonolência, levando a reduzir o desempenho na escola. E durante os finais de semana a duração do sono é estendida como resultado de um efeito chamado rebote da privação do sono, que estão sujeitos durante a semana. Essa irregularidade resultante de uma privação parcial está também associada com a redução da concentração e variações de humor. Embora os mecanismos não estejam muito bem estabelecidos, essas mudanças na fisiologia dos adolescentes disparam o então chamado ‘atraso de fase’: tendência do corpo de atrasar seus ritmos biológicos, incluindo as horas de sono e acordar. Várias

fases

do

sono

participam

do

processo

de

consolidação

da

aprendizagem, e não apenas o sono paradoxal como se costumava acreditar. A privação de sono altera o funcionamento de várias regiões do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal. Esta região está associada com a memória de trabalho, e com mais outras funções cognitivas como o julgamento e processo de tomada de decisão. Portanto, mudanças no ciclo vigília/sono podem prejudicar o aprendizado de duas formas: redução de concentração e a capacidade de rápido aprendizado; consequentemente piora a consolidação do que foi aprendido. Além das mudanças de humor, a privação de sono pode exacerbar sintomas psiquiátricos como a depressão e causam mudanças metabólicas como aumento do apetite e ganho de peso. Na vida adulta (entre 20 e 30 anos), o padrão de sono mostra-se bastante estável com 25% do tempo nos estágios 3 e 4, com um tempo total de sono médio de 7h30min por noite, e com cerca de 2 horas de REM. A partir dos 40 anos de idade nos homens e 50 nas mulheres, o padrão de sono começa a mudar. Com o envelhecimento, o sono NREM tende a diminuir gradualmente, e acontece uma superficialização do sono, ou seja, facilmente despertam. Há diferenças entre o sono do homem e o sono da mulher, devido às mudanças mais drásticas na vida da mulher (desde o ciclo menstrual até a menopausa). As mulheres se queixam mais que os homens de problemas relativos ao sono.

 

 

104  

 

7. Substâncias de abuso e Sono Substâncias de abuso são substâncias psicoativas conhecidas como de uso não médico e pouco adaptativa, e também podem causar diversos problemas de saúde tanto físicos como mentais, incluindo distúrbios do sono. Muitas delas tem efeitos agudos e deletérios com consequência sobre o sono, que podem ser mantidas ou expandidas se o uso for crônico, e exacerbadas com a retirada. Estudos tem apontado que tanto o uso de substâncias de abuso podem causar um distúrbio nos ritmos circadianos (como o ciclo vigília/sono) como distúrbios do sono também podem levar ao uso de tais substâncias. Estimulantes como cocaína e anfetamina causam perda de peso, cansaço, insônia e sono interrompido. Drogas de outras classes como sedativos e calmantes (ex: benzodiazepínico, álcool), opióides (ex: heroína) inicialmente produzem efeitos que causam sono, incluindo sonolência diurna e reduz a latência de sono (tempo que leva para adormecer); no entanto causam interrupções no sono mais tarde da noite devido ao efeito agudo de retirada – no fim do efeito. A retirada ou abstinência dessas substâncias tem seu próprio impacto sobre os parâmetros do sono, que pode ser dependente da duração da abstinência. Os distúrbios do sono tendem a estar associados com a retirada aguda da droga, como evidenciada pelo aumento da latência de início de sono, redução do tempo total de sono; além disso, o sono paradoxal ou REM frequentemente apresenta um efeito rebote durante a abstinência. Com o período de abstinência se prolongando, os padrões de sono tendem a voltar ao normal. O uso de álcool pode atrasar a liberação de melatonina, causando assim um atraso de fase, além de causar um achatamento na curva do ritmo de temperatura, elevando a temperatura cedo da manhã e diminuindo no início da tarde, com 43% na redução da amplitude, em relação ao controle. Já é conhecido que o consumo de álcool próximo ao horário de se deitar reduz o sono REM e que a diminuição da presença de dois sonos REM na primeira fase da noite prejudica o desempenho no desenvolvimento de tarefas lógicas. Foi relatado que a total privação de sono debilita a memória no desempenho de uma tarefa lógica aprendida no mesmo dia, e este baixo desempenho pode permanecer de 48 a 72hs após o aprendizado da tarefa. O consumo de álcool neste período reduz a quantidade e o tempo do sono REM na primeira metade da noite, e isto pode refletir numa diminuição de aprendizado em tarefas usadas para análise cognitiva, além de também

 

 

105  

  afetar o estágio 2 do sono não-REM, prejudicando a performance na realização de tarefas de desempenho motor.

8. Distúrbios do sono Sonilóquio O sonilóquio é a emissão da fala ou de sons ininteligíveis durante o sono. Pode ocorrer por despertar parcial tanto durante o sono REM (1/4 dos episódios) como NREM (3/4). Os episódios são breves, ocorrem com frequência variada a cada noite e têm curta duração. Em pequeno grau, este distúrbio do sono afeta até 1/4 das crianças, anualmente, a partir dos 3 anos de idade. São desencadeantes habituais a sobrecarga física ou psíquica, a febre e os distúrbios afetivos. Não há base orgânica. O

diagnóstico

é

clínico,

não

havendo

necessidade

de

exames

auxiliares

comprobatórios. Nos casos muito intensos ou persistentes a avaliação psicológica é recomendável.

Síndrome da Movimentação Periódica dos Membros (PLMS) Também denominada de mioclonias noturnas, é caracterizada por movimentos repetitivos, estereotipados, principalmente dos membros inferiores, predominando durante o sono NREM. Cada abalo dura de 0,5 a 5 segundos, repetindo-se a cada 4 a 90 segundos resultando em despertares noturnos. Consequentemente o sono não é reparador e há sonolência diurna. Em alguns pacientes, há associação de PLMS com a síndrome das pernas inquietas (durante o sono) e/ou com a síndrome de déficit de atenção e hiperatividade (em vigília). O diagnóstico definitivo é feito pela polissonografia, através do registro da atividade do músculo tibial anterior.

Síndrome das Pernas Inquietas (SPI) Distúrbio de sono frequente, em que há aumento da movimentação dos membros, geralmente os inferiores. Acomete predominantemente crianças em idade escolar. Muitas vezes o quadro pode apresentar um componente predominante e intenso de adormecimento ou formigamento (parestesia), com aparecimento de dores agudas, que originam despertares. Estas dores são referidas nas pernas, entre o tornozelo e os joelhos. Os episódios podem ser ocasionais ou recorrentes. Na falta de melhor explicação, este quadro é denominado pelos pediatras como “dores de

 

 

106  

  crescimento”. O diagnóstico é feito pelo histórico do paciente e o tratamento pode ser acompanhado por massagem local nos quadros leves e moderados.

Insônia Definida com dificuldade de iniciar o sono (insônia inicial), dificuldade de manter o sono (insônia intermediária), ou acordar muito cedo (insônia terminal) por período e profundidade suficientes para recomposição física e psíquica ou, embora com menor frequência, por uma queixa de sono não restaurador ou de má qualidade. O sono profundo está reduzido na duração, entrecortado ou não por despertares frequentes. A caracterização de insônia depende de parâmetro individualizado segundo a necessidade de sono de cada um, a faixa etária e as atividades diárias. A insônia é um distúrbio frequente do sono. Foi observado que 9,5 % das crianças entre 1 e 2 anos apresentam insônia com ou sem despertares frequentes. Entre os préescolares a prevalência já é menor - cerca de 3% entre as crianças com idade entre 4 e 5 anos, com progressiva redução do índice até a adolescência, quando torna a elevar-se na fase adulta, principalmente em mulheres nas primeiras fase da menopausa. A insônia também está presente em 30 a 50% das pessoas com distúrbios de humor; doenças médicas (frequentemente com dor) são encontradas em 10% dos pacientes e apenas 10% parecem resultar em distúrbios de sono primários. As doenças psiquiátricas que mais incluem insônia são a depressão e a ansiedade. Alterações neurológicas, determinadas pelo uso de substâncias estimulantes como adrenérgicos, anti-histamínicos, teofilina e cafeína podem originar insônia; assim como as encefalopatias crônicas de variada natureza e a síndrome do déficit de atenção com hiperatividade.

Bruxismo O bruxismo é um distúrbio caracterizado pelo ranger ou apertar dos dentes (como uma mastigação) durante o período de sono. Sua causa ainda não foi definida completamente, porém, durante o bruxismo, a força realizada sobre a musculatura mastigatória e os dentes é excessiva, produzindo sintomas musculares e dentais, tais como dor facial, desconforto muscular (principalmente ao morder), dores de cabeça, desgaste dos dentes e danos à gengiva. Um sinal típico é o desgaste do esmalte dos dentes. Ocorre por despertar parcial durante o estágio 2 do sono NREM ou durante o sono REM. Pode também ocorrer em vigília. De modo geral, o indivíduo apresenta somente este movimento anômalo, porém, ocasionalmente, pode haver outro distúrbio do sono associado. Como decorrência do esforço muscular do masseter, pode ocorrer

 

 

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  cefaléia, dor facial, desgaste dentário ou da articulação têmporomandibular. A incidência anual de algum episódio de bruxismo é de 10 a 15%, para a faixa etária de 5 a 20 anos, a mais acometida. Crianças com retardo mental ou paralisia cerebral têm incidência maior. Os fatores desencadeantes, quando presentes, são agravos físicos e psíquicos. Há elevada frequência de antecedentes familiares positivos. O diagnóstico é clínico, geralmente fácil, embora por vezes possa ficar mascarado pela queixa de cefaléia,

alteração

dentária

ou

de

outros

movimentos

corpóreos

anômalos

concomitantes. Por esse motivo, o bruxismo geralmente é detectado pelo dentista, e as próteses dentárias são recomendáveis nos casos mais intensos, assim como a avaliação psicológica.

Apnéia do sono A apnéia obstrutiva do sono afeta uma série de eventos neuropsicológicos, como diminuição da atenção, memória e das funções motoras. Esta patologia é caracterizada por um período de apnéia mais longo que o normal durante o sono. Em condições normais esses picos de apnéia durante o sono ocorrem, porém são curtos e por isso não são capazes de interferir nas pressões de oxigênio e dióxido de carbono demandadas para os pulmões. Nesta patologia, esses picos são mais longos, diminuindo a demanda de gases, levando a uma interferência nas pressões pulmonares. Isto resulta em intervalos de hipóxia durante a noite e na fragmentação do sono, contribuindo para as deficiências nas funções cognitivas, resultando na diminuição do desempenho intelectual, muito comum em crianças.

Distúrbio comportamental do sono Não é sem razão que durante o tempo sono há máxima hipotonia muscular, principalmente nos grandes grupos musculares. Quando ocorre uma alteração ou disfunção nas regiões do tronco encefálico (região responsável pela hipotonia), além de uma associação a uma diminuição da atividade de neurônios serotoninérgicos ou noradrenérgicos (responsáveis pela inibição fásica do sono REM), o indivíduo tende a atuar durante o sonho, conhecido como distúrbio comportamental do sono REM que é caracterizado por um comportamento violento ou desorganizado durante do sono REM, apresentando perda intermitente da hipotonia no EMG. Isso ocorre mais comumente na sexta ou sétima década de vida.

 

 

108  

 

Pesadelos Definem-se como pesadelos aqueles sonhos cujo conteúdo fortemente emocional é desagradável. Sua incidência é maior em crianças que em adultos, e além disso, eles podem acontecer fora do sono REM, ao contrário dos adultos. Em crianças podem ter qualquer origem, e em adultos esta origem é geralmente emocional.

Narcolepsia É causada por um déficit do neurotransmissor hipocretina no hipotálamo o gerando uma sonolência excessiva. Sendo caracterizada por episódios de sono recorrente e de curta duração; outras características dessa patologia são episódios de perda do tônus muscular, conhecido com cataplexia, além de paralisia do sono e alucinações (“crises” de sonhos em plena vigília). O individuo narcoléptico pode perder a consciência rapidamente durante um acesso de riso ou cócegas.

Paralisia do sono Definida pela sensação de impossibilidade de movimentar o corpo, que geralmente acontece com algumas pessoas ao levantar. Sua duração é rápida, apenas alguns minutos, mas traz bastante desconforto. A paralisia do sono é resultante de um acordar parcial durante o sono REM, ou seja, o indivíduo está em vigília antes que a atonia muscular ocorrida no sono REM regrida.

Alucinações hipnagógicas Com mecanismo semelhante ao da paralisia do sono, portanto também devido a um despertar parcial durante o sono REM, ocorre na maioria das vezes ao despertar ou ao dormir. São alucinações compostas por sons e visões, podendo ser definido como “sonhando acordado”.

  Sonhos épicos São sonhos altamente grandiosos, bem elaborados e exaustivos que não permitem que o paciente tenha um sono reparador e, consequentemente, tendo um despertar já cansado. As causas deste distúrbio são desconhecidas até o presente momento, pois em testes clínicos não se detecta nenhuma alteração neuronal alguma.

 

 

109  

 

9. Privação de sono A privação de sono leva a várias alterações fisiológicas, desde alterações comportamentais, endócrinas e neuroquímicas, além de diminuir a longevidade. Do ponto de vista neuroendócrino, a privação do sono REM, de alguma forma, ativa o eixo hipotálamo/hipófise/suprarrenal. Num teste onde os voluntários permaneceram de 24 a 40 horas privados de sono e após este período foram submetidos a testes de atenção, sua desenvoltura foi incrivelmente prejudicada com atraso no tempo de reação e um aumento de erros na tarefa. Testes com animais usando a mesma abordagem mostraram que a atenção visual também foi prejudicada. Alguns estudos tem demonstrado que não somente a privação contínua de sono, mas também a redução crônica de sono habitual (diminuição de tempo total – ex: de 7 a 8 horas por dia para cerca de 4 a 6 horas) pode causar um prejuízo cumulativo perceptível nos teste de vigilância. Nos dias atuais, nós somos estimulados de diversas maneiras e expostos a grande variedade de estímulos como televisão e internet,

além

da

própria

pressão

da

sociedade

como

trabalho,

estudo,

aperfeiçoamento que exigem de nós atividades quase em tempo integral; essas mudanças sociais exigem de nós adaptações em termos de horários, ou seja, acordamos mais cedo e dormimos mais tarde, consequentemente a nossa carga horária de sono e descanso diminui. Portanto, a privação voluntária ou involuntária tornou-se comum ultimamente. As consequências cognitivas podem ser vistas entre profissionais como médicos, motoristas de ônibus, caminhões, trabalhadores de usina de energia, plataformas de petróleo ou mesmo trabalhadores em turno, cujos lapsos de atenção resultam em graves acidentes de trabalho que podem até mesmo custar vidas. Trabalho em Turno ou Noturno O trabalho em turno é caracterizado pela continuidade de produção ou provisão de serviços, que só é possível com vários times de trabalhadores no mesmo local de trabalho. Estes times podem ou mudar suas horas de trabalho ou trabalham sob uma agenda fixa, incluindo turnos noturnos. Ambas as mudanças na agenda e trabalhos noturnos podem

ser fatores para

várias doenças, como

gastrite, doenças

cardiovasculares e distúrbios do sono. Por exemplo, distúrbios gástricos podem estar relacionados às mudanças nos hábitos alimentares como consequência do horário de trabalho. Muitos trabalhadores aumentam o consumo de café, álcool e drogas para ajudarem a mantê-los acordados. O sono de trabalhadores em turno e noturnos é mais curto do que o sono dos trabalhadores diurnos. O sono diurno também tem diferenças estruturais, como a que

 

 

110  

  envolve a duração das fases do sono, que não é a mesma do sono noturno, levando a uma crônica privação de sono. O resultado da interrupção da ordem temporal interna é que a ressincronização de vários ritmos não ocorre na mesma velocidade, apesar das diferenças individuais. Portanto, matutinos (aqueles que tem preferências por dormir e acordar mais cedo) ficarem acordados durante o turno da noite é mais difícil do que os vespertinos (aqueles que tem preferência de dormir e acordar mais tarde). Portanto, distúrbios nos ritmos circadianos podem geram consequências graves a saúde do trabalhador. Estudos demonstram que esses trabalhadores em turno ou noturno tem aumento de peso, dos níveis de colesterol ou mesmo desenvolvem síndromes metabólicas, além dos riscos de acidentes de trabalho ocasionado pela privação de sono e suas consequências.

10. Considerações finais Apesar de todo avanço em mais de 50 anos após sua descoberta, o sono REM ainda intriga os estudiosos do ciclo sono-vigília. Até agora, todos os estudos indicam que o sono REM tem fundamental relevância no equilíbrio das funções orgânicas e, portanto, não deve ser deixado de lado, apesar de seu mecanismo e consolidação serem ainda desconhecidos. As causas e as tão peculiares modificações que acontecem nesta fase permanecerão uma grande incógnita até que seus mecanismos básicos e suas funções sejam completamente elucidados. É importante prosseguir com estudos envolvendo lesões, estimulação elétrica, administração de fármacos e até testes onde se realiza a privação do sono para analisar os mecanismos de geração, ação e as principais funções.

11. Referências Bibliográficas ALOÉ, F., AZEVEDO, A. P., HASAN, R. Mecanismo do ciclo sono-vigília. Revista Bras Psiquiatria, vol.27,n.1, p. 33 – 9, 2005. ALVES, R. S. C., EJZENBERG, B., OKAY, Y. Revisão das desordens de sono com excesiva movimentação, insônia e sonolência na criança. Pediatria (São Paulo), vol.24, p. 50 - 64, 2002. BEAR, MARK. F; CONNORS, W. B; PARADISO, A. M. Neurociências: desvendando o sistema nervosa. 2 edição. – Porto Alegre: Artmed, 2002. BERNE, R. M.; LEVY, M. N.; KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Fisiologia. 5 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

 

 

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112  

 

Capítulo 7 – Quente e frio Autores:   Bárbara   Falquetto   Barna,   Izabela   Martina   R   R   de   Toledo,   Sebastião   Donato   Silva   Junior     Revisão:  Profa.  Dra.  Sara  Joyce  Shammah  Lagnado,  Prof.  Dr.  Luiz  Roberto  G.  de  Britto  

1. Introdução  

A temperatura corporal interna dos seres humanos é mantida quase constante

durante toda a vida, isso o classifica como homeotermos. Embora sua temperatura varie no dia-a-dia e mesmo de hora em hora, essas flutuações geralmente são inferiores a 1 oC. A manutenção da temperatura corporal dentro desta estreita faixa de variação é possibilitada pelo hipotálamo, uma estrutura do sistema nervoso central que regula, além de outras funções a manutenção da temperatura corporal. Em algumas situações no entanto, como durante o exercício extenso e prolongado, problemas de saúde ou condições extremas de calor ou de frio, a temperatura corporal pode sofrer um desvio fora de sua faixa ideal de variação que é de 36,1 a 37,8 oC . A temperatura corporal reflete um equilíbrio meticuloso entre a produção e a perda de calor. Sempre que esse equilíbrio é perturbado, a temperatura corporal altera-se. Para manter uma temperatura interna constante é necessário portanto, um equilíbrio entre o ganho de calor dependente do metabolismo e também do meio ambiente e a perda de calor pelo corpo. Assim, se a produção de calor do corpo for superior a sua perda, a sua temperatura interna aumentará; o contrário também é verdadeiro, uma vez que a produção de calor do corpo for inferior a sua perda, a sua temperatura interna diminuirá. Como já mencionado anteriormente, o mecanismo regulador da temperatura corporal localiza-se numa estrutura chamada hipotálamo. No entanto, diferentemente de um termostato caseiro, o hipotálamo não apenas “liga ou desliga o calor”; mas modula as respostas destinadas a proteger o acúmulo ou a perda de calor pelo corpo. Na sequência do capítulo iremos discutir os mecanismos envolvidos na regulação da temperatura corporal, os estímulos que modulam a atividade do hipotálamo e as respostas a estes estímulos; fatores que podem influenciar os mecanismos termorregulatórios; e algumas complicações decorrentes de um estresse térmico excessivo.

 

 

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2. Regulação Hipotalâmica da Temperatura   São inúmeras as funções do hipotálamo responsáveis pela manutenção da vida. Essas funções compreendem o controle visceral da sede, da fome, das glândulas endócrinas, das gônadas e também da temperatura corporal. No hipotálamo, está localizado um grupo de neurônios responsável pelo mecanismo termorregulador, que trabalha tanto como um sensor quanto como um controlador da temperatura corporal. A porção anterior do hipotálamo apresenta um grupo de neurônios que identificam pequenas variações na temperatura do sangue que irriga essa região, denominada região termosensitiva do hipotálamo sendo portanto, um meio de monitoramento da temperatura corporal. variações

temperatura

corporal)

A atividade dessas células (no caso de

estimula

outras

regiões

hipotalâmicas

a

desencadearem respostas coordenadas para a conservação do calor (hipotálamo posterior) ou perda de calor (hipotálamo anterior). Além de receber informações sobre a temperatura corporal através da região termosensitiva, o hipotálamo também recebe essas informações, através de receptores térmicos (termoceptores) periféricos que existem predominantemente sob a forma de terminações nervosas livres. Nossa sensibilidade térmica baseia-se na existência de duas classes de termoceptores. Uma classe engloba os receptores de frio, e a outra, os receptores de calor. A distinção entre essas duas classes é a faixa de temperatura mais eficiente para a ativação de cada uma delas. Os receptores de frio, exibem uma atividade máxima para temperaturas situadas em torno dos 25 oC. Já os receptores de calor apresentam uma atividade máxima para temperaturas ao redor dos 40 oC. Algumas terminações nervosas associadas ao frio começam a descarregar novamente quando a temperatura ultrapassa os 40 oC, aumentando a frequência dessa descarga em paralelo ao aumento dessa temperatura. Esse fenômeno é denominado resposta paradoxal e é responsável pela sensação de frio provocada por temperaturas altas e potencialmente lesivas. O processo de transdução, mediado pelos termoceptores, é mediado por canais iônicos presentes nas membranas de terminações nervosas livres. Foi identificada uma família de proteínas, denominada de “TRP”, que inclui canais iônicos sensíveis à temperatura (a sigla origina-se do inglês e significa “receptor de potencial transiente”). A ampla família de proteínas TRP está envolvida, tanto em vertebrados quanto em

 

 

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  invertebrados, em uma grande variedade de processos de transdução, além da termocepção. Enquanto alguns membros da família TRP são ativados por temperaturas baixas (receptores de frio), outros são ativados por temperaturas mais altas (receptores de calor). Em torno de 43 oC ocorre a transição de uma sensação inócua de calor para uma sensação dolorosa de queimação. Essa transição coincide, aproximadamente, com o comportamento de diferentes subgrupos de proteínas TRP, que respondem a diferentes faixas de temperatura, acima ou abaixo de 43 Co. Alguns tipos de proteínas TRP (sensíveis ao calor) são também ativadas por substâncias vanilóides, tais como a capsaicina e a piperina, presentes em vários tipos de pimentas (e que também ativam vários tipos de nociceptores). Essa é a razão pela qual uma sensação de calor é atribuída ao sabor de muitas pimentas, caracterizando pratos também apresentados como “quentes”. Já outros representantes da família TRP, ativados por temperaturas mais baixas, em torno de 25 a 28 Co, são também sensíveis ao mentol e ao eucaliptol, o que explica a sensação de frescor que essas substâncias podem induzir. A partir das informações obtidas da região termosensitiva hipotalâmica e dos termoceptores, o hipotálamo integra a temperatura ambiente com a temperatura corporal e desencadeia mecanismos de ajustes que aumentam ou diminuem a geração e a dissipação de calor. As respostas desencadeadas pelo hipotálamo irão então atuar sobre os processos de transferência e conservação do calor corporal, que veremos a seguir.

3. Transferência do Calor Corporal    

Para que o corpo transfira calor para o meio ambiente, o calor produzido pelo

corpo deve ter acesso ao meio exterior. A transferência do calor do corpo para o meio externo pode ocorrer pelos seguintes mecanismos: condução, convecção, radiação, evaporação os quais detalharemos a seguir.

3.1 Condução    

 A troca de calor por condução envolve a transferência direta do calor de uma

molécula para outra através de um líquido, sólido ou gás. Como exemplo, o calor gerado profundamente no seu organismo pode ser conduzido através do tecido adjacente até atingir a superfície corporal. A perda de calor por condução envolve, portanto, o aquecimento das moléculas de ar e das superfícies mais frias que entram em contato com a pele. Ao contrário, se um objeto quente for pressionado contra sua

 

 

115  

  pele, o calor do objeto será conduzido para ela, aquecendo-a.   O   ritmo   de   perda   de   calor   por   condução   depende   de   dois   fatores:   o   gradiente   de   temperatura   entre   a   pele   e   as   superfícies   circulantes   e   suas   qualidades   térmicas.   Por   exemplo,   a   imersão   do   corpo   na   água   fria   ou   até   mesmo   em   temperatura   ambiente   pode   produzir   considerável   perda   de   calor.   A   colocação  de  uma  mão  na  água  com  temperatura  ambiente  ilustra  claramente  esse  fenômeno.   Por  que  a  mão  na  água  parece  mais  fria  que  a  mão  no  ar,  apesar  de  a  água  e  o  ar  possuírem   temperaturas  idênticas?  A  resposta  é  simples:  a  água  possui  maior  condutibilidade  absorvendo   vários   milhares   de   vezes   mais   calor   que   o   ar   e   o   conduz   para   longe   da   parte   corporal   mais   quente.   Outro   exemplo   de   perda   de   calor   por   condução   pode   ser   observado   quando   uma   pessoa   deita-­‐se   sobre   uma   rocha   protegida   do   sol,   esse   ato   irá   facilitar   a   perda   de   algum   calor   corporal  por  condutância  entre  a  superfície  fria  da  rocha  e  a  superfície  mais  quente  da  pessoa.  

3.2 Convecção  

A convecção envolve a mobilização do calor de um lugar a outro pelo movimento

de um gás ou de um líquido pela superfície aquecida. Embora nem sempre tenhamos consciência disso, o ar em torno de nós está em movimento constante. Ao circular em nosso redor passando pela pele, retiram moléculas de ar que foram aquecidas pelo seu contato com a pele. Quanto maior for o movimento de ar (ou líquido, como a água) maior é a taxa de remoção de calor por convecção. No entanto, se o movimento do ar ou a convecção prossegue lentamente, o ar próximo da pele se aquece e age como uma “zona de isolamento” que minimiza a perda adicional de calor por condução. Portanto, num ambiente que é mais frio que a temperatura da pele, a condução proporciona a transferência de calor da pele aos materiais que se encontram em contato (água, ar) enquanto a convecção envolve a mobilização do material aquecido para longe da pele. Quando combinada com a condução, a convecção também pode fazer que o corpo ganhe calor num ambiente mais quente, quando o meio ambiente é mais quente que a pele. Embora a condução e a convecção constantemente removam o calor corporal quando a temperatura ambiente é menor que a temperatura cutânea, sua contribuição para a perda total de calor do corpo é relativamente pequena (10 a 20%). Entretanto, se você submergir em água fria, a quantidade de calor dissipado de seu corpo para a água é aproximadamente 26 vezes maior do que quando você é exposto a uma temperatura ambiente similar.

 

 

116  

 

3.3 Radiação  

Os objetos emitem continuamente ondas térmicas eletromagnéticas, o que

possibilita a troca de calor por radiação. Essa forma de transferência de calor não requer contato molecular entre os objetos. Em repouso, o processo de radiação é o primeiro método de liberação de calor utilizado pelo nosso corpo. Neste sentido, nossa pele irradia constantemente calor em todas as direções para os objetos ao seu redor, assim como para roupas, móveis e paredes, mas também pode receber calor radioativo de objetos próximos que estejam aquecidos, ou seja, um corpo irá radiar ou receber calor se a temperatura do meio for menor ou maior que a sua, respectivamente. Uma pessoa pode permanecer aquecida absorvendo a energia térmica radiante proveniente da luz solar direta ou por reflexão a partir da neve, da areia e da água, até mesmo nas temperaturas do ar abaixo do ponto de congelamento.

3.4 Evaporação  

A

evaporação

proporciona

um

importante

meio

de

defesa

contra

o

superaquecimento. A medida que a água vaporiza-se a partir das vias respiratórias (ventilação) e da superfície cutânea (suor), o calor é continuamente transferido para o meio ambiente. A superfície do corpo possui cerca de 2 a 4 milhões de glândulas sudoríparas. Durante o estresse induzido pelo calor essas glândulas (controladas por fibras nervosas simpáticas colinérgicas) secretam grandes quantidades de solução salina hipotônica (0,2 a 0,4% de NaCl). A evaporação do suor a partir da pele exerce assim um efeito de esfriamento. Por sua vez, a pele esfriada resfria o sangue desviado dos tecidos internos para a superfície. Além da perda de calor pela evaporação do suor, cerca de 350 ml de transpiração infiltram-se diariamente através da pele e são evaporados para o meio ambiente. Além disso, cerca de 300 ml de água evaporam diariamente a partir das membranas mucosas úmidas das vias respiratórias. Isso é observado como “respiração nevoenta” em um clima frio.

4. Influência da Umidade do Ar nos Processos de Troca de Calor  

A umidade relativa do ar se refere à relação da água no ar ambiente a uma

determinada temperatura para a quantidade total de umidade que o ar poderia conter, enunciada como percentual. Por exemplo, 40% de umidade relativa significa que o ar ambiente contém somente 40% de sua capacidade de carrear umidade na temperatura específica.

 

 

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  A umidade relativa representa o fator mais importante que determina a eficácia da perda de calor por evaporação. Quando a umidade é elevada, o ar já contém muitas moléculas de água e isso reduz sua capacidade de aceitar mais água, limitando assim a capacidade de evaporação do suor e perda de calor pelo corpo. A baixa umidade, por sua vez, oferece o meio ideal para a evaporação e a perda de calor. No entanto, é importante ressaltar que uma umidade relativa muito baixa pode causar problemas, uma vez que se a evaporação da água através da pele ocorrer mais rapidamente do que a produção de suor, a pele pode tornar-se muito seca. Nossa percepção da temperatura ambiente também é afetada pela umidade relativa do ar. Considere duas situações: exposição ao ar seco do deserto numa temperatura de 32,2 Co com uma umidade relativa de 10% em comparação com a exposição ao ar na mesma temperatura com umidade relativa de 90%. Você transpira profusamente no deserto seco, mas a evaporação ocorre tão rapidamente que você não tem consciência de estar transpirando. Já num ar saturado com 90% de água, pouco suor pode evaporar, promovendo um banho contínuo de suor que goteja de sua pele e muito pouco calor será removido, gerando uma sensação de grande desconforto.

5. Conservação e Produção de Calor    

O gradiente normal de transferência de calor flui do corpo para o meio externo e,

em geral, a regulação central da temperatura não envolve qualquer sobrecarga fisiológica. No entanto, a perda excessiva de calor pode ocorrer no frio extremo. Nesse caso, a produção de calor pelo corpo aumenta, enquanto a perda de calor torna-se mais lenta a fim de minimizar qualquer declínio na temperatura central. Com a finalidade de conservar calor, o hipotálamo desencadeia uma série de reações em resposta à redução da temperatura ambiente e central. 5.1  Ajustes  Vasculares    

A estimulação dos receptores cutâneos durante o frio produz constrição dos

vasos sanguíneos periféricos, reduzindo imediatamente o fluxo de sangue quente para a superfície corporal mais fria e o redireciona para as regiões centrais mais quentes. Por exemplo, o fluxo sanguíneo cutâneo é de 250 ml/min em um ambiente termoneutro, porém em um estresse induzido pelo frio intenso, esse fluxo aproxima-se de zero. Consequentemente a temperatura da pele declina na direção da temperatura ambiente, maximizando os benefícios isolantes da pele, do músculo e da gordura

 

 

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  subcutânea. Uma pessoa com gordura corporal excessiva, exposta ao estresse induzido pelo frio, pode ser grandemente beneficiada por esse mecanismo responsável pela conservação do calor. Para uma pessoa vestida com roupa leve e com conteúdo normal de gordura corporal, a regulação do fluxo sanguíneo cutâneo proporciona em geral uma termorregulação efetiva em temperaturas ambientais entre 25 e 29 Co.   5.2  Atividade  Muscular    

Um dos principais mecanismos pelos quais nosso organismo evita o

resfriamento excessivo é através de tremores e calafrios, um ciclo rápido e involuntário de contração e relaxamento dos músculos esqueléticos, que pode causar um aumento de 4 a 5 vezes na taxa de produção de calor pelo corpo em repouso. Os calafrios geram uma quantidade significativa de calor, porém a atividade física possui a maior contribuição na defesa contra o frio. O metabolismo energético durante o exercício mantém uma temperatura central constante em um ambiente com até -30 Co, sem depender de uma vestimenta restritiva e pesada funcionando como barreira. É a temperatura interna, e não a produção de calor pelo corpo em si, que medeia a resposta termorreguladora ao frio. Os calafrios ainda ocorrem durante o exercício rigoroso se a temperatura central for baixa. Como resultado, com frequência o estresse induzido pelo frio acarreta um consumo de oxigênio mais alto durante o exercício (em virtude dos calafrios) do que o consumo exigido para realizar o mesmo exercício em um ambiente mais quente. Quando o metabolismo do exercício diminui (por ex. por causa da fadiga), apenas os calafrios não são suficientes para conseguir conservar a temperatura central. Até certo ponto é provável que a variabilidade entre os indivíduos na resposta de calafrios determine as consequências diversificadas para aqueles que se expõem acidentalmente e sem preparo a ambientes úmidos e frios. 5.3  Produção  Hormonal    

A maior produção de calor durante a exposição ao frio resulta em parte da ação

de

dois

hormônios

“calorinérgicos”

da

medula

supra-renal

(adrenalina

e

noradrenalina). O estresse induzido pela exposição prolongada ao frio estimula também a liberação de tiroxina, o hormônio tireoideano, que induz um maior metabolismo em repouso.

 

 

119  

 

6. Condições Especiais na Termorregulação    

Pelo exposto até agora, podemos perceber que o organismo humano possui

distintos mecanismos que garantem a manutenção da temperatura corporal em torno de 36,5 oC com variações diárias inferiores a 1 oC. Algumas situações, no entanto, impõem um alto estresse térmico ao organismo que podem provocar um aumento ou redução da temperatura corporal, colocando em risco a homeostase. Neste tópico discutiremos algumas alterações fisiológicas que ocorrem em resposta ao exercício quando o corpo é exposto ao estresse pelo calor ou frio, e o impacto desse estresse térmico sobre o desempenho.

6.1 Respostas fisiológicas ao exercício no calor  

O exercício físico é uma situação que promove um grande aumento nas

demandas do sistema cardiovascular. Em uma situação de exercício onde a temperatura

ambiente

é

elevada,

o

sistema

cardiovascular

pode

tornar-se

sobrecarregado. Em uma situação como essa, o sistema cardiovascular enfrenta uma situação de “competição” pelo fluxo sanguíneo. De um lado estão os músculos que necessitam do fornecimento de sangue arterial (mais oxigenado) para suportar o metabolismo energético; por outro lado, o sangue arterial deve ser desviado para a periferia a fim de transportar o calor metabólico para que ocorra o esfriamento na superfície da pele, o que dificulta que esse sangue forneça oxigênio aos músculos ativos. Por essa razão, as demandas cardiovasculares do exercício e aquelas da termorregulação competem pelo limitado suprimento de sangue. Para manter um fluxo sanguíneo cutâneo e muscular adequado durante o exercício na vigência de um estresse induzido pelo calor, o suprimento sanguíneo de alguns tecidos é comprometido temporariamente. Sendo assim, durante o estresse devido ao calor ambiental, ocorre uma constrição compensatória do leito vascular esplâncnico e dos tecidos renais, o que neutraliza rapidamente a vasodilatação ativa dos vasos subcutâneos responsáveis por 80 a 95% do fluxo sanguíneo elevado para a pele. Para manter um débito cardíaco constante enquanto o sangue é desviado para a periferia, ocorrem outros importantes ajustes cardiovasculares. A redistribuição do sangue reduz o volume sanguíneo que retorna ao coração, reduzindo o volume diastólico final. Por sua vez, isso reduz o volume de ejeção. O débito cardíaco permanece razoavelmente constante durante um período de exercício de 30 minutos

 

 

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  num ambiente quente (36 Co) ou em um ambiente termoneutro (20 Co), apesar de ocorrer uma diminuição constante no volume de ejeção. Um aumento na frequência cardíaca compensa a queda do volume de ejeção durante o exercício. O equilíbrio hídrico corporal durante o exercício também é fortemente influenciado pela temperatura ambiente. Em uma situação de alta temperatura, a evaporação torna-se o meio mais importante para a perda de calor, gerando um aumento da demanda de transpiração. Ao detectar o aumento da temperatura central, o hipotálamo transmite impulsos pelas fibras nervosas simpáticas para os milhões de glândulas sudoríparas de toda a superfície corporal. Essa maior estimulação das glândulas sudoríparas desencadeia um aumento da sudorese e consequentemente maior evaporação, garantido assim o resfriamento do sangue da região cutânea, o que irá contribuir para a redução da temperatura central. A perda de água e minerais através da transpiração desencadeia a liberação de hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina) responsável pela manutenção do equilíbrio hídrico, e da aldosterona, que é responsável pela manutenção dos níveis adequados de sódio.

6.2 Respostas fisiológicas ao exercício no frio    

     

A exposição humana ao frio extremo produz desafios fisiológicos e psicológicos

significativos. O frio ocupa uma posição proeminente entre os diferentes estressantes ambientais terrestres, por suas consequências potencialmente letais. Além dos efeitos do estresse ambiental induzido pelo frio propriamente dito, a temperatura central fica ainda mais comprometida durante a fadiga crônica devido ao esforço, a privação de sono, a nutrição inadequada e a menor produção de calor pelos calafrios. Uma diminuição da temperatura cutânea ou da temperatura sanguínea fornece uma retroalimentação ao mecanismo termorregulador hipotalâmico para que ele ative os mecanismos de conservação de calor corporal e aumento da produção de calor. Os principais mecanismos pelos quais nosso organismo evita o resfriamento excessivo são: tremores; termogênese sem tremores (envolve o estímulo do metabolismo pelo sistema nervoso simpático, o que aumenta a produção interna de calor); vasoconstrição periférica, já que o sistema nervoso simpático ativado promove contração dos músculos lisos que envolvem as arteríolas da pele. As diferenças no conteúdo de gordura corporal entre os indivíduos exercem uma grande influência sobre a função fisiológica no frio durante o repouso ou exercício. A gordura corporal adicional faz aumentar o isolamento efetivo, diminuindo a perda de calor. Os

 

 

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  nadadores oceânicos bem sucedidos, por exemplo, possuem habitualmente uma quantidade relativamente grande de gordura subcutânea, em comparação com os nadadores não oceânicos altamente treinados.

7. Fatores que modificam a tolerância ao calor e ao frio 7.1  Aclimatação      

A tolerância ao calor ou ao frio pode ser alterada pelo processo de aclimatação.

A aclimatação compreende uma série de ajustes fisiológicos que aumentam a tolerância de um individuo durante uma situação de estresse térmico ambiental. O meio esportivo é um cenário onde o processo de aclimatação é bastante discutido, sendo assim vamos usar essa particularidade do esporte para discutirmos as questões relacionadas à aclimatação. A aclimatação ao calor envolve uma série de modificações fisiológicas adaptativas que aprimoram a tolerância ao calor. As adaptações fisiológicas ocorrem em razão de uma exposição repetida aos ambientes quentes (particularmente quando combinadas ao exercício), com elevações concomitantes nas temperaturas central e cutânea e sudorese profusa, ampliando assim a capacidade de realizar exercícios com menos desconforto por ocasião da exposição subsequente ao calor. Grande parte do processo de aclimatação ocorre já na primeira semana de exposição ao calor e nas semanas subsequentes o processo torna-se mais lento. O processo exige apenas 2 a 4 horas de exposição diária ao calor. As primeiras sessões realizadas em um clima quente devem incluir 15 a 20 minutos de atividade física de baixa intensidade. Daí em diante a atividade deve aumentar de duração e intensidade. Os principais ajustes fisiológicos durante a aclimatação ao calor envolvem a melhora do fluxo sanguíneo cutâneo, o que irá promover uma melhora na eficiência no transporte do calor metabólico dos tecidos profundos para a superfície corporal. O débito sanguíneo é distribuído de forma mais eficiente, promovendo uma circulação apropriada para a pele e os músculos, a fim de atender as demandas do metabolismo e da termorregulação. O limiar para o início da sudorese também é reduzido, o que favorece um início precoce do esfriamento por evaporação durante o exercício. O suor apresenta uma menor concentração de sal, preservando assim os eletrólitos no liquido extracelular. Estes são os principais ajustes fisiológicos em resposta à aclimatação; no entanto, esses benefícios se dissipam dentro de duas a três semanas após o retorno para um ambiente mais temperado. Em relação à aclimatação ao frio as informações são bastantes limitadas. Fato é que

 

 

122  

  os seres humanos possuem uma capacidade muito menor de adaptação a exposição prolongada ao frio do que a uma exposição prolongada ao calor. Embora alguns sugiram que a exposição repetida a frio altera o fluxo sanguíneo periférico e a temperatura cutânea, essas alterações são pequenas e os achados são inconclusivos. Estudos de campo revelaram que a exposição crônica de algumas áreas da pele, como as mãos, podem prover uma tolerância ao frio. Por exemplo, os pescadores que devem trabalhar com suas mãos em água fria durante muitas horas desenvolvem uma maior vasodilatação e um maior aquecimento da área exposta a água. A taxa e o grau de ajustes a essas condições não foram ainda totalmente explicadas. Portanto, a aclimatação ao frio não é tão bem compreendida como a aclimatação ao estresse pelo calor ambiental.

8. Complicações do estresse térmico excessivo 8.1  Complicações  relacionadas  ao  calor          

A exposição à combinação do estresse pelo calor externo e a incapacidade de

dissipação do calor produzido metabolicamente podem levar a três distúrbios relacionados ao calor: cãibras pelo calor, exaustão pelo calor, intermação. As cãibras pelo calor, o menos grave dos três distúrbios

desencadeados pelo calor, são

caracterizados por cãibras severas dos músculos esqueléticos. Esse distúrbio envolve, sobretudo, os músculos que são mais intensamente solicitados durante o exercício. Provavelmente ele é decorrente das perdas minerais e da desidratação que acompanham as taxas elevadas de transpiração, mas ainda não foi estabelecida uma relação de causa-efeito. As cãibras pelo calor são tratadas mediante a remoção do indivíduo acometido para um local mais frio e da administração de líquidos ou de uma solução salina. A exaustão pelo calor é tipicamente acompanhada por sintomas como a fadiga extrema, dificuldade respiratória, tontura, vômitos, desmaio, pele fria e úmida ou quente e seca, hipotensão arterial e um pulso rápido e fraco. Geralmente se manifesta em pessoas não aclimatadas, na maioria das vezes durante a primeira onda de calor do verão ou com a primeira sessão de treinamento árduo em um dia quente. A exaustão térmica induzida pelo exercício resulta provavelmente de ajustes circulatórios não efetivos agravados por depleção do liquido extracelular, principalmente do volume plasmático por transpiração excessiva. Em geral, o sangue fica “estagnado” nos vasos periféricos dilatados; isso reduz drasticamente o retorno venoso necessário para manter o débito cardíaco. Uma pessoa vítima da exaustão induzida pelo calor deve deixar de exercitar-se e transferir-se para um ambiente mais frio.

 

 

123  

  A intermação, a mais séria e complexa das enfermidades devidas ao estresse induzido pelo calor, requer assistência médica imediata. A intermação reflete a falha dos mecanismos responsáveis pela regulação térmica em virtude de uma temperatura central excessivamente alta.  A  forma  clássica  de  intermação  –  temperatura  central  >  40  Co,   estado   mental   alterado,   ausência   de   sudorese   –   ocorre   habitualmente   durante   as   ondas   de   calor.  Afeta  as  pessoas  muito  jovens,  os  idosos  e  aqueles  com  doenças  crônicas.  Na  intermação   clássica,  o  calor  ambiental  sobrecarrega  os  mecanismos  corporais  responsáveis  pela  dissipação   de   calor.   Quando   a   termorregulação   falha,   a   sudorese   diminui,   a   pele   fica   seca   e   quente   e   a   temperatura  corporal  sobe  e  alcança  41,5  Co  ou  mais;  isso  impõe  uma  sobrecarga  desordenada   à   função   cardiovascular.   Os   sintomas,   que   costumam   ser   sutis,   agravam   a   complexidade   da   hipertermia   emergencial.   Com   um   exercício   intenso,   realizado   habitualmente   por   indivíduos   jovens   e   altamente   motivados,   a   transpiração   pode   progredir,   porém   o   ganho   de   calor   corporal   supera   os   mecanismos   para   a   perda   de   calor.   Outros   fatores   predisponentes   para   a   intermação   do   esforço   incluem   baixa   aptidão   física,   obesidade,   aclimatação   inadequada,   disfunção   das   glândulas   sudoríparas,   desidratação   e   doença   infecciosa.   Se   não   for   tratada,   a   incapacidade   progride   rapidamente   para   a   morte,   a   qual   ocorre   por   colapso   circulatório   e   dano   do   sistema   nervoso   central   e   de   outros   sistemas   orgânicos.   Enquanto   a   pessoa   está   esperando   pelo   tratamento   médico,   algumas   vezes   medidas   agressivas   devem   ser   adotadas   para   reduzir   a   temperatura   central,   pois   a   mortalidade   está   relacionada   tanto   a   magnitude   quanto   a   duração   da   hipertermia.   O   tratamento   imediato   inclui   reposição   hídrica   e   esfriamento   corporal   através   de   fricções   com   álcool,   aplicação   de   compressas   geladas   e   imersão  do  corpo  inteiro  em  água  fria  ou  até  gelada.  

8.2 Complicações relacionadas ao frio  

A hipotermia é a mais grave complicação térmica da exposição ao frio e que

pode resultar em morte. Quando a temperatura corporal cai abaixo de 34,5 Co o hipotálamo começa a perder sua capacidade de regulação da temperatura corporal. Essa capacidade é totalmente perdida quando a temperatura interna cai para aproximadamente 29,5 Co. Essa perda de função está associada a uma redução das reações metabólicas à metade de suas taxas normais a cada redução de 10 Co da temperatura celular. Como resultado, o resfriamento do corpo pode causar entorpecimento e mesmo coma. Casos de hipotermia acidental e dados obtidos de pacientes que são submetidos intencionalmente a hipotermia revelam que o limite inferior letal usualmente encontra-se entre 23 e 25 Co, embora alguns pacientes tenham se recuperado após apresentarem temperaturas retais inferiores a 18 Co.

 

 

124  

  Os riscos da exposição excessiva ao frio incluem a possível lesão de tecidos periféricos e dos sistemas cardiovascular e respiratório. O efeito mais importante da hipotermia ocorre sobre o coração. A morte por hipotermia decorre da parada cardíaca enquanto a respiração ainda é funcional. O resfriamento influencia sobretudo o nodo sinoatrial, o marcapasso principal do coração. Já em relação a possíveis lesões das vias aéreas, o ar ambiente frio em geral não representa um perigo especial. O ar frio que passa pela boca e pela traquéia é rapidamente aquecido, mesmo quando a temperatura do ar ambiente é inferior a -25 Co. Mesmo nessa temperatura, quando uma pessoa se encontra em repouso, e respirando principalmente através do nariz, o ar é aquecido em aproximadamente 15 Co após percorrer um trajeto de aproximadamente 5 cm no interior da fossa nasal. O congelamento é outra condição que pode acometer superfícies corporais expostas a uma temperatura de apenas alguns graus do ponto de congelamento (0 o

C). Devido a influência da circulação e da produção metabólica de calor sobre o

aquecimento, a temperatura do ar do meio ambiente necessária para congelar dedos expostos, nariz e orelhas é de aproximadamente -29 oC. O processo de congelamento pode promover uma drástica vasoconstrição da circulação cutânea, atingindo o ponto em que o tecido morre por falta de oxigênio e nutrientes. A hipotermia leve pode ser tratada protegendo-se do frio, pelo uso de roupas secas e ingestão de líquidos quentes. Os casos moderados e severos de hipotermia exigem a manipulação delicada, para evitar o desencadeamento de arritmias cardíacas. Isso exige o reaquecimento lento da vitima. Os casos de hipotermia requerem um ambiente hospitalar e cuidados médicos.

9. Referências bibliográficas   AIRES, MARGARIDA DE MELLO. Fisiologia - 3a edição - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. BERNE, R. M.; LEVY M.N.; KOEPPEN B.M. Fisiologia. 5.ed Rio de Janeiro. Elsevier.2004. COSTILL, D.L.; WILMORE J.H. Fisiologia do Esporte e do Exercício. São Paulo: Manole, 2001.

 

 

125  

VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Capítulo 8 – Altos e Baixos Autores: Ângelo Bernak de Oliveira e Natália Ribeiro Revisão: Prof. Dr. Thiago S. Moreira  

1. Respostas Fisiológicas a Altitude Alterações na pressão atmosférica como por exemplo subir elevadas altitudes promovem diversas alterações nos sistemas fisiológicos. No entanto, tais alterações necessitam de um determinado período de tempo para que possam ocorrer, ou seja, é necessário um tempo de aclimatação à nova condição. A falta deste período, em ocasiões em que o corpo é exposto a mudanças abruptas de pressão pode trazer consequencias deletérias para todo o organismo. Este capítulo tem o objetivo de elucidar alguns dos mecanismos envolvidos nas alterações fisiológicas observadas quando o organismo é exposto a diferentes níveis de pressão.

1.1 Respostas respiratórias A mais importante função do sistema respiratório é realizar trocas gasosas entre o corpo e o meio externo, disponibilizando o O2 necessário às células e retirando o CO2 produzido por seu metabolismo. Nos pulmões os gases se difundem de um meio onde exercem maior pressão para um local onde sua pressão é menor. A pressão exercida por um gás é chamada de pressão parcial (P) e é determinada pela sua fração (F) no ar atmosférico multiplicado pela pressão atmosférica. PO2 = FO2 na atmosfera x pressão atmosférica FO2 no ar atmosférico = 21%

 

 

126  

  Pressão atmosférica (ao nível do mar) = 760 mmHg Logo: PO2= 21 x 760 = 159 mmHg Ao nível do mar a pressão exercida pelo oxigênio é igual a 159 mmHg, porém o que acontece em altitudes mais elevadas? Nessas situações o que temos é uma queda da PO2 resultado da diminuição da pressão atmosférica, e consequentemente diminuição do O2 dissolvido no sangue. Quimiorreceptores são células especializadas em detectar alterações químicas na composição do sangue. Esses receptores são divididos em centrais e periféricos. Os quimiorreceptores centrais estão principlamente localizados na superfície ventral do bulbo e são sensíveis a alterações de pH e PCO2. Os quimiorreceptores periféricos estão

localizados

em

regiões

estratégicas

do

sistema

cardiovascular, mais

precisamente nos corpúsculos carotídeos e aórticos e são capazes de detectar alterações preferencialmente na PO2. A ativação dos quimiorreceptores periféricos estimula primeiramente os centros respiratórios, determinando alterações apropriadas da ventilação, mas também estimula centros cardiovasculares, como veremos mais adiante. A hiperventilação é a resposta imediata à altitude e visa manter o suprimento adequado de oxigênio. Contudo, há também aumento da liberação de CO2, o que resulta em um quadro conhecido como alcalose respiratória que consiste na redução da PCO2 acompanhada de elevação do pH sanguíneo. O aumento do pH e diminuição da PCO2 atenua a ativação dos quimiorreceptores diminuindo sua contribuição para o controle respiratório. A fim de reverter esse quadro, os rins passam a aumentar a excreção de HCO3- e reduzir a sua reabsorção, restabelecendo o pH e possibilitando novamente a ativação dos quimiorreceptores. Dessa maneira, ao final de uma semana, o pH sanguíneo está próximo de seus valores normais, a ventilação alveolar está aumentada, e as PO2 e PCO2 arteriais estão diminuídas.

1.2 Respostas Hematológicas Os sistemas respiratório e circulatório funcionam em conjunto para transportar o oxigênio até as células. Quando se difunde dos pulmões para o sangue, o oxigênio é transportado ligado a uma proteína presente nas hemácias (glóbulos vermelhos do sangue), denominada de hemoglobina. Um aumento na capacidade do sangue de carrear o oxigênio é o ajuste a longo prazo mais importante durante a exposição à altitude.

 

 

127  

A diminuição do conteúdo arterial de oxigênio estimula a liberação de eritropoietina (EPO), um hormônio produzido nos rins que estimula a produção de hemácias pela medula óssea (policitemia), incrementando assim a concentração de hemoglobina, o que melhora a capacidade de ligar o oxigênio disponível. O nível máximo das concentrações de EPO e o tempo necessário para atingi-lo parecem depender do grau de hipóxia (redução da PO2) a que os indivíduos são sujeito.

1.3 Respostas Cardiovasculares De maneira aguda, a diminuição da PO2 implica na ativação do sistema nervoso simpático mediado pela ativação dos quimiorreceptores periféricos. Essa ativação altera o fluxo sanguíneo, mediante uma redução do calibre dos vasos sanguíneos. Numa situação inicial de hipóxia, devido à altitude, observa-se um aumento na pressão arterial sistólica, bem como na freqüência e o débito cardíaco. Dessa maneira, o fluxo sanguíneo aumentado compensa, em parte, a queda da PO2 arterial. Além disso, a exposição a elevadas altitudes promove a redução do volume sanguíneo, o que pode ocorrer devido ao elevado índice de perda de água por sudação

e

pela

ventilação

alveolar,

aumento

da

diurese,

incremento

da

permeabilidade capilar e inadequada ingestão de fluidos, diminuindo o fluxo sanguíneo e aumentando a viscosidade do sangue (hemoconcentração), o que dificulta a irrigação das células. Outra adaptação observada é a angiogênese, que consiste no aumento do numero de capilares por unidade de tecido. Este processo é desencadeado pela hipóxia, onde a menor disponibilidade de oxigênio favorece a expressão do fator induzível por hipóxia (HIF-1). Esta proteína parece ser crucial para o aumento da rede vascular e, portanto, para a adaptação ao meio com menor oferta de oxigênio.

1.5 Síndrome Aguda de Grandes Altitudes (SAGA) A SAGA tem início após rápida exposição à altitude elevada (acima de 2500 m), e depende da velocidade de ascensão e principalmente da suscetibilidade de cada um. A maioria das pessoas experimenta algum desconforto relacionado a esta síndrome, cujos principais sintomas incluem respiração ofegante e dores de cabeça, podendo também ocorrer náuseas,

 

 

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vômitos, perda de apetite, oligúria, edema periórbital, hemorragias na retina, insônia e perda de cognição. Esses sintomas são exacerbados numa situação de exercício físico e resulta, possivelmente, da queda na saturação de oxigênio encefálico e pela desidratação. A principal forma de prevenção a este distúrbio é a ascensão gradual a elevadas altitudes, cerca de 300 m/dia. Contudo outras medidas podem ser realizadas como a adoção de uma dieta rica em carboidratos e pobre em sal. A diminuição do consumo de sal minimiza os efeitos da desidratação. Além disso, a constante hidratação se contrapõe a desidratação e a redução da volemia. Um benefício importante na manutenção de reservas de carboidratos reside no fato da oxidação dos carboidratos liberar mais energia por unidade de oxigênio do que a oxidação de gorduras, por exemplo, o que otimiza a manutenção das reservas energéticas . Já a constante hidratação se contrapõe a desidratação e a redução da volemia ocorridas em resposta a exposição à altitude. 1.6 Edema pulmonar e cerebral Em casos extremos de elevadas altitudes pode-se desencadear efeitos potencialmente fatais, como o edema pulmonar e cerebral. A diminuição da PO2 gera vasodilatação no cérebro, aumentando o fluxo e possibilitando a adequada perfusão deste órgão. Em conseqüência há aumento da pressão intracapilar, que desloca o líquido e as proteínas do compartimento vascular através da barreira hematoencefálica. O aumento do líquido cerebral gera compressão e deslocamento das estruturas cerebrais e acentua a ativação do sistema nervoso simpático. Por outro lado, nos pulmões, o que se observa é a vasoconstrição da microcirculação pulmonar, podendo acarretar um quadro conhecido como hipertensão pulmonar. O aumento de pressão nos vasos pulmonares desloca o fluido dos capilares para o interstício pulmonar, o que dificulta as trocas gasosas e pode gerar um quadro de insuficiência respiratória.

1.7 Doença crônica da montanha Como discutido anteriormente, a permanência em elevadas altitudes induz o aumento da viscosidade sanguínea, decorrente da desidratação e do incremento do

 

 

129  

  número de hemácias. Em alguns indivíduos pode ocorrer policitemia excessiva, provavelmente relacionada a variações genéticas em resposta ao EPO. Esta alteração reduz ainda mais a oferta de O2 agravando o quadro de hipóxia. Os efeitos incluem letargia, fraqueza, distúrbios do sono, pele de coloração azulada e alterações do estado mental Outro efeito resultante da exposição crônica a altitude é a hipertrofia do ventrículo direito, desenvolvida graças à maior força de contração exigida para que o coração consiga vencer a pressão aumentada do pulmão e assim bombear o sangue para este órgão. O quadro de hipóxia e disfunção ventricular direita, associada à hiperativação simpática podem gerar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, que pode ocasionar o óbito.

2. Respostas Fisiológicas ao Mergulho Historicamente o mergulho foi e continua sendo uma atividade realizada com a finalidade de buscar alimento, minerais valiosos, realizar atividades militares e observar a vida marinha. Esses mergulhos duravam poucos minutos e ao longo dos anos diversos aparatos e técnicas foram desenvolvidos e, atualmente, é comum os mergulhadores utilizarem snorkel (tubo em forma de J) ou cilindro de gás comprimido, possibilitando que o mergulhador fique submerso por mais tempo e chegue a maiores profundidades. Apesar de existir relatos na história do mergulho por volta de 4.500 a.C, as limitações e os riscos dessa atividade ainda estão presente nos tempos modernos. O mergulho consiste em um dos principais desafios para a fisiologia, uma vez que, além do estresse térmico, este ambiente caracteriza-se pela exposição do organismo a uma alta pressão (ambiente hiperbárico), diferente da pressão observada ao nível do mar de uma atmosfera (1 atm = 760 mmHg. Existem duas forças que contribuem para este aumento de pressão, o peso da coluna d’água sobre o mergulhador (pressão hidrostática) e o peso da atmosfera na superfície do mar. Onde a cada 10 metros de profundidade há o aumento de 1 atm, assim 20 metros de profundidade será equivalente a 2 atm ou 1.520 mmHg. Embora o corpo seja composto fundamentalmente por água, à mesma e pouco afetada pelas variações de pressão durante o mergulho. Entretanto, o corpo contém algumas cavidades cheias de ar, por exemplo, os pulmões, as vias respiratórias e o ouvido médio. Essas regiões são sensíveis a variações de pressão com o aumento da

 

 

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profundidade. Segundo a lei de Boyle, numa temperatura constante, o volume de uma determinada massa de gás varia inversamente com sua pressão. Assim, observa-se que o aumento da pressão comprime o pulmão. Dessa forma, se o volume pulmonar de 6 litros de ar for submetido ao dobro da pressão de 1 atm para 2 atm, esse volume pulmonar será reduzido pela metade, 3 litros. A partir disso, podemos deduzir que nosso sistema necessita acionar mecanismos fisiológicos para se adaptar e/ou desenvolver estratégias para manter seu funcionamento adequado. Dentre as modalidades de mergulho podemos citar o mergulho em apnéia, na qual o mergulhador se utiliza apenas da sua capacidade pulmonar. Alguns fatores serão determinantes para a duração da apnéia, por exemplo, a elevação da pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2) e queda da pressão parcial de oxigênio (PO2) no sangue arterial, provenientes do metabolismo e respiração celular. Assim, quanto maior a intensidade do exercício físico durante o mergulho, menor será o tempo submerso, devido ao maior consumo de O2 e produção de CO2. Uma estratégia que prolonga o tempo de mergulho é a hiperventilação antes de mergulhar em apnéia, possibilitando com essa manobra o aumento da pressão de PO2 e a redução da PCO2 no sangue arterial. Contudo, no momento em que a PCO2 for alta o suficiente para estimular a respiração o mergulhador inicia a subida, o tórax se expande como consequência da diminuição da pressão exercida pela água, somado a isso existe uma diminuição da PO2 intrapulmonar, interrompendo a difusão do O2 para o sangue, induzindo o desmaio durante subida. Além disso, níveis elevados de PCO2 podem causar desorientação e desmaio. Cabe ressaltar que o CO2 é importante para formação do ácido carbônico, auxiliando na manutenção do pH sanguíneo. Assim, quando maior a concentração de ácido carbônico mais baixo será o pH do sangue, promovendo uma quadro deacidose. Levando em consideração que valores de pH normal (7,4) promove a dilatação de vasos sanguíneos no encéfalo, a hiperventilação por reduzir a PCO2 e induzir um aumento do pH sanguíneo (alcalose) fazendo com que o vaso cerebral sofra contração, reduzindo o fluxo sanguíneo. Esses efeitos promovem vertigem ou perda da consciência. Curiosamente, quando imergimos nosso rosto em água gelada é disparado uma resposta fisiológica, chamado de reflexo do mergulho. Essa resposta consiste na redução da frequência cardíaca (bradicardia), redução do débito cardíaco (volume de sangue bombeado pelo coração durante um minuto), vasoconstrição periférica, levando a um aumento da pressão arterial, e acúmulo de lactato nos músculos devido a pouca oxigenação.

 

 

131  

  Dessa forma, fica evidente que o mergulho é uma condição adversa para a fisiologia humana, onde o organismo sofre alterações de forma aguda, principalmente por fatores físicos como a compressão dos pulmões, seios da face e ouvido médio. Apesar disso, a necessidade de inspirar O2 e expirar CO2 são respostas fisiológicas essenciais para manter a oxigenação dos tecidos, principalmente, do encéfalo e coração, e manobras para aumentar o tempo de mergulho como a hiperventilação apenas altera a saturação dos gases no sangue arterial, distanciando suas pressões parciais do ponto de ruptra da apnéia, porém o risco é elevado para o mergulhador, podendo levar a morte. Assim, o ambiente hiperbárico é extremamente perigoso para as

funções

vitais,

necessitando

de

conhecimento

técnico

e

planejamento.

Curiosamente os seres humanos com seus equipamentos conseguiram chegar a Lua e outros planetas do sistema Solar, entretanto, não conseguiram desvendar os mistérios que existem nas profundezas abissais dos nossos oceanos, devido à fragilidade do nosso corpo e inclusive de equipamentos em ambientes hiperbáricos.

3.

Referências Bibliográficas

Aires, Margarida de Mello (ed). Castrucci, Ana Maria de Lauro (ed). Fisiologia. 3. ed. Rio de Janeiro, Guanabara koogan, 2011. xiii, 1232. Dillard TA, Khosla S, Ewald FW Jr, Kaleem MA. Pulmonary function testing and extreme environments. Clin Chest Med. 2005. Sep;26(3):485-507, vii. Ferrigno M,  Ferretti G,  Ellis A,  Warkander D,  Costa M,  Cerretelli P,  Lundgren CE. Cardiovascular changes during deep breath-hold dives in a pressure chamber. J Appl Physiol.  1997. Oct;83(4):1282-90. Guyton, AC. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro- Elsevier, 2006. McArdle, William D. Fisiologia do Exercício: energia, nutrição e desempenho humano. Rio de Janeiro – Guanabara Koogan, 2008.

 

 

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VIII Curso de Inverno ICB-USP  

Suplemento Quando a fisiologia falha: Ciclo percepção-ação Autora: Martina Navarro Revisão: Prof. Dr. Luiz Eduardo Ribeiro do Valle

 

 

133  

1. Introdução Os animais, incluindo o homem, contam com "janelas" abertas para o meio, ou seja, estruturas que colocam o sistema nervoso em contato com os estímulos provenientes do ambiente: odores, sons, imagens, temperaturas, e todas as sensações necessárias para interpretarmos o ambiente e garantir além da sobrevivência, o prazer da vida. Essas “janelas” são os órgãos sensoriais. As informações referentes ao ambiente são percebidas pelos órgãos dos sentidos e continuamente enviadas ao encéfalo, na forma de impulsos nervosos. Portanto, podese dizer que os órgãos sensoriais são transdutores, pois convertem uma forma de energia (som, luz, calor, etc.) em outra (impulso nervoso). A porção inicial dos nossos equipamentos sensoriais é constituída pelos receptores, cuja função é converter diferentes formas de estímulos ambientais em um potencial gerador em suas membranas. Esses receptores conectam-se com fibras nervosas, que transformam esse potencial gerador em um potencial de ação ou impulso nervoso, que é transmitido para o encéfalo. Uma vez no encéfalo, essa informação em forma de impulso nervoso é processada de modo complexo, e a partir daí uma resposta comportamental quase sempre adequada ao evento é gerada. Assim, no ciclo percepção-ação, o primeiro passo é o processamento das informações disponíveis, seja ela visual, auditiva ou de qualquer outra natureza sensorial. Após este processamento é necessário selecionar dentre as mais variadas respostas possíveis, aquela mais adequada para a situação corrente. Porém, tanto nossa capacidade de processamento das informações sensoriais, quanto o tempo disponível para selecionarmos e programarmos a resposta mais adequada, são limitados. A cada momento recebemos uma sobrecarga de informações sensoriais das quais somente uma pequena parte é conscientizada. Muitos desse estímulos não processados são irrelevantes, porém em contrapartida existem outros que são relevantes mas que, dependendo das circunstâncias, não somos capazes de processar conscientemente. A interação adequada entre do organismo com o ambiente depende da capacidade de selecionar por meio da atenção os estímulos ambientais mais relevantes.

 

 

134  

   

1.1 Atenção A atenção é a capacidade de direcionar de modo seletivo os recursos de processamento de informação para objetos ou eventos mais relevantes. Em outras palavras, prestar atenção em algo significa que nosso cérebro está processando essa informação ao mesmo tempo em que está evitando processar os demais estímulos presentes. Ao selecionar os estímulos mais relevantes garantimos que as informações importantes para nossa sobrevivência sejam devidamente registradas. Essas informações são arquivadas na memória, podendo ser reutilizadas sempre que necessário. Porém, há momentos em que o processamento simultâneo de estímulos conflitantes é necessário, como o relatado na história de Fisiolino e Extremoso. A atenção seletiva, permite o processamento dessas fontes simultâneas de informação de forma diferenciada. No entanto, apesar dessas informações chegarem com sucesso ao cérebro, muitas vezes ele não consegue processá-las todas. Isto pode parecer uma falha do nosso sistema cognitivo, mas certamente é essa capacidade de direcionar a atenção a um estímulo relevante em detrimento de estímulos distratores concorrentes que permite o desempenho adequado na tarefa em execução. Para a grande maioria das situações essa capacidade de focar nossa atenção em um determinado estímulo é vantajosa.

1.2 Percepção Uma vez direcionada nossa atenção ao estímulo interessante, processamos a informação e portanto nos tornamos conscientes a respeito da mensagem ali contida. Então, perceber seria uma construção consciente dos elementos relevantes do ambiente. Porém em muitas situações podemos observar discrepâncias entre o estímulo percebido e o “real”. Vide como exemplo a clássica ilusão geométrica de Müller-Lyer , que consiste em dois segmentos de reta de mesmo comprimento, porém o segmento que possui as alhetas para fora (>
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