FLAGELO E RENASCIMENTO: A epopeia migratória, cosmocêntrica, sob a micro-ótica biográfica da cearense Virginia Maria da Conceição (1889-1961)

June 1, 2017 | Autor: Laercio Braga | Categoria: Migração, Colonização, Resiliência, Flagelo, Cosmogenia
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©2013 by Laércio da Silva Braga/E-Book 1ª edição Normatização e Diagramação Laércio da Silva Braga Orientação acadêmica Prof. Raimundo Jorge Nascimento de Jesus Capa Laércio da Silva Braga a partir da tela “Criança morta” (1944) de Cândido Portinari. Revisão Prof.ª Maria Celma de Andrade Souza

B813F Braga, Laércio Flagelo e renascimento: a epopeia migratória, cosmocêntrica, sob a micro-ótica biográfica da cearense Virginia Maria da Conceição (18891961)/Laércio da Silva Braga. – Belém: Laércio da Silva Braga, 2014. 183 p. ; E-Book. ISBN 978-85-916793-1-7 1. Brasil - História. 2. Migração. 3. Missões franciscanas. 4. Mentalidade. 5. Nordeste brasileiro. 6. Transportes marítimos. 7. Colonização nordestina. I. Braga, Laércio da Silva. II. Título. CDU 981

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LAÉRCIO DA SILVA BRAGA

FLAGELO E RENASCIMENTO: A epopeia migratória, cosmocêntrica, sob a micro-ótica biográfica da cearense Virginia Maria da Conceição (1889-1961).

Monografia apresentada pelo acadêmico Laércio da Silva Braga à Faculdade Integrada Brasil Amazônia - FIBRA, sob a orientação do Prof. Ms. Raimundo Jorge Nascimento de Jesus, como requisito final para a obtenção do título de Pós-Graduação “Lato Sensu” em História Contemporânea.

Belém - Pará 2014

4 DEDICATÓRIA

Dedico esta Monografia a todos os migrantes

do

Nordeste

refugiados

das

grandes

brasileiro, secas,

que

chegaram ao Pará em busca da “Terra Prometida” e contribuíram, com a força do trabalho, para construir este Estado, como

exemplos

de

trabalhadores

aguerridos e um dos formadores de nossa identidade cultural.

5 AGRADECIMENTOS

A construção desta Monografia seria inviável se, já em tenra idade, não tivesse despertado para o fato de conhecer a história da origem de minha própria família e, principalmente, se não tivesse a disposição e a predisposição de pessoas extremamente importantes para minha vida pessoal, formadores do meu caráter, como profissional e pessoa humana. Posso afirmar que tive grandes e nunca desperdiçadas oportunidades, determinação e paciência para ouvir pessoas que confiaram imediatamente na minha proposta. Pessoas que perceberam a dimensão de se contar uma história vista de baixo, que ampliaria, à medida que cientificamente evoluía e chegasse na fase escrita, descambaria num trabalho interessante, capaz de documentar um momento, a mentalidade, o cotidiano e a aventura migratória de muitos de nossos ascendentes. Assim, de antemão, impossível esquecer o apoio da colega de turma Erika Lopes, do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em História Contemporânea da Faculdade Integrada Brasil Amazônia, iniciado em 2012, que não mediu esforços para que eu me decidisse por fazer o curso na mesma turma, apesar dos compromissos profissionais que formavam quase um impedimento natural. Ainda destaco os colegas George Alexandre Vasconcelos, Alan Tavares Cruz, Hellem Carla Reis, Elisângela Alencar, Iris Pereira, Lúcia Favacho, pessoas com as quais me senti, realmente, honrado em estar junto durante este ano e meio de convivência.

6 E ainda um especial agradecimento à minha querida mãe, Maria Laide que, com sua cumplicidade me faz um historiador informado completamente, relatando-me as minúcias do nosso passado; minha tiaavó Maria de Nazaré Souza, que partiu em 2003, minhas tias: Maria Serafim

do

Nascimento

(Lordinha),

Lucimar

Pinho,

Zuleide

Nascimento, Raimunda Nascimento, Mírian Serafim Ferreira, Maria de Nazaré Pereira (Marizita), primo João Benedito Filho, amigos como Maria de Lourdes de Souza (Mariinha Horácio) que nos deixou em 2005, Francisco Alves da Silva (Chico Alves) que nos deixou recentemente, Maria da Silva Aranha (Maria Severo) que nos deixou em 2001, Manoel Raimundo de Souza (Totó) que nos deixou em 2004, o casal Segundo Rodriguez Guntiñas e Lucila Losada Rodrigues com quem convivi estreitamente, e nos deixaram em 2011 e os demais referendados como entrevistados. Agradeço sumamente a compreensão dos meus filhos amados, Lutti Braga, Lucas Braga e Laila Braga, a quem deixo como herança, Mentalidade, História e Memória. Compreendo que estes substantivos sejam a maior riqueza que herdarão de mim. À minha esposa, Lia Braga, que profissionalmente exerce área distinta à minha e soube compreender a distância em que me vi obrigado a ficar nos finais de semana, no decorrer do Curso. Às minhas irmãs Laize Braga, Lenize Braga e Leila Braga, sempre incentivadoras e orgulhosas dos meus projetos de escrever a história de nossa ascendência e aos demais irmãos, que me abençoam

7 com sua fraternidade, sabendo que deixo um legado que dinheiro jamais alcança. Às minhas sobrinhas queridas Larissa Braga Araújo, Lana Braga e Laís Braga, que me mimam com os seus carinhos e afetos e aos meus sobrinhos Loui Braga Gonçalves e Leonardo Braga. Este, mesmo à distância torce pela elucidação de nossas raízes familiares. Ao meu primo, Marcel Adriano Albuquerque, sempre diligente a acompanhar-me quando o assunto é pesquisa histórica. À minha amiga de infância, Márcia Moreira, que sempre viu em mim uma potencialidade para escrever a História e me dispensa uma amizade fraternal, sabendo que esses laços tem origem em nossos bisavós. À amiga Celma Souza, que me brinda com uma primorosa revisão e me garante uma evolução na língua pátria, que me permite expressar-me com muito mais vigor. Agradeço

grandemente

aos

oficiais

escrivães

e

demais

funcionários do Cartório Único de Ofício de Santa Maria do Pará (Tabelionato Botelho), nas pessoas de Maria Cristina Araújo Freitas, Rosimar Borges de Lima Costa, Gelcimar Leite Fernandes, Jaqueline Costa Lima e Edinéia Xavier Braga. Ao meu orientador Prof. Ms. Raimundo Jorge Nascimento de Jesus que acreditou no tema de minha monografia e me incentivou a

8 desenvolvê-la ao ver nela profundidade e ampliação, a partir da microhistória. Enfim, aproveito ainda a oportunidade para agradecer toda a população de Santa Maria do Pará, que de uma forma ou de outra contribuem, enxergando em mim alguém que lhes dá a oportunidade para repensar as mentalidades, para que, juntos, possamos construir uma identidade local.

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E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida como a de há pouco, franzina mesmo quando é a explosão de uma vida severina.

(João Cabral de Melo Neto)

10 SUMÁRIO

CAPA FOLHA DE ROSTO DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS EPÍGRAFE SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO....................................................................................14 Do Cariri ao Pará...................................................................................24 A heroína da vida comum.....................................................................52 Missões franciscanas no Ceará e no Pará..............................................68 Os transportes marítimos.......................................................................75 A vila colonial anfitriã e a vila da última acolhida...............................90 Cotidiano de colonos em Santa Maria................................................105

11 Políticas públicas e políticas de politicagem.......................................128 Integração gastronômica.....................................................................138 CONCLUSÃO....................................................................................145 FONTES..............................................................................................151 REFERÊNCIAS..................................................................................154 ANEXOS.............................................................................................159 LISTA DE ILUSTRAÇÕES...............................................................176 LISTA DE ANEXOS..........................................................................181

12 RESUMO

Esta monografia discorre sobre a migração de nordestinos, especialmente cearenses, para o Estado do Pará, em tons de epopeia, tomando como base a história e a mentalidade da sertaneja Virginia Maria da Conceição e a sua jornada no início do século XX. Centra-se no processo migratório em microescala, a partir da existência desta sertaneja, apresentando o cenário das grandes secas que atingiram o Nordeste brasileiro, o desencadeamento das migrações, as leis de imigração, os transportes marítimos, a cosmogonia da migrante nordestina, as vilas coloniais que recepcionavam os retirantes, com foco no processo adaptativo, na integração cultural, na resiliência e no exemplo de vida na formação de uma identidade local. A vida da sertaneja nos serve de parâmetro para outras experiências migratórias, pois se desloca no convívio social local cotidianamente, interagindo na simbiótica intenção de reconstruir-se e de recriar a experiência natal na terra adotiva. Assim, desde sua saída e de sua família do Estado do Ceará, refugiada de uma grande seca, viu seu intento de chegar à “terra prometida” abalado pela morte de toda a família, antes mesmo de pisar no solo paraense. Diante da desventura descomunal, a vida no desconhecido tinha que reprogramar-se, sem, contudo, macular a fé inabalável e a dignidade guardiã de sua conduta. Foi um exemplo de superação das adversidades impostas pela vida e pelas intempéries e, ao final desenvolve-se em um perfil local exemplar e notório, carregado de simplicidade.

PALAVRAS-CHAVE: flagelo, migração, colonização, cosmogenia, resiliência.

13 ABSTRACT Scourge and rebirth: the epic migration, cosmocentric, under the optical micro-biographical focus of the cearense woman Virginia Maria da Conceição (1889-1961) This term pape discuss about the migration of northerners, especially cearenses, to the State of Pará, like an epic, talking as base the history and thinking of the backcountry Virginia Maria da Conceição and her journey on the beginning of the 20th century. Focus on the migratory micro process, from the existence of this backcountry dweller, presenting the scenery of the great droughts that hit the Brazilian Northwest, the unchaining of migration, immigration laws, the sea transports, the cosmogony of the northerner immigrant, the colonial villages that received the migrants, with focus on the adaptive process, on the cultural integration, on the resilience and on the life example of formation of a local identity. The life of this backcountry dweller serves us as parameter for others migratory experiences, because it changes the local living every day, interacting on the symbiotic intention of reconstructing and recreating the homely experience on the adopted land. Therefore, since her left and her family of the State of Ceará, running from a great drought, she saw her intent to reach to the "promised land", shaked by the death of all the family, even before from stepping on paraense soil. Before of a colossal misfortune, the life on the unknown had to redoing itself, without, although, hurt the unshakable faith, and the dignity guarding her conduct. It was an example of getting across of adversity imposed by life and and other problems, and, by the ending, become an exampling and notorious persona, full of simplicity.

KEYWORDS: resilience.

scourge,

migration,

colonization,

cosmogony,

14 INTRODUÇÃO Falar sobre a migração nordestina para o Pará, com propriedade, é ter que afastar-se um pouco da generalização e embarcar numa microescala abrangente. Não é tarefa fácil, no mundo contemporâneo, principalmente se o personagem central da amostragem morreu faz 52 anos seja mulher e que este personagem existiu sem qualquer expressão social significativa, digna de registro documental amplo, senão na sua própria sociedade que, enfim, não envolve grandes personagens, nem grandes feitos que não seja ter vivido por si mesma, portanto, longe de um registro histórico que o guarde para a posteridade em bibliografias. E, que tal personagem, não demonstre maior interesse que não o de ser ostentado em fotografias nos álbuns comuns de família, considerando o recurso fotográfico ínfimo, em que tais fotografias não foram tomadas por profissionais gabaritados da época, como Fidanza1 e outros estúdios conhecidos. Virgínia Maria da Conceição2 (1889-1961) era seu nome (figura 1). Neste sentido, desejamos dizer que a personagem viveu a

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FIDANZA: estúdio de fotografia localizado em Belém do imigrante português, Felipe Augusto Fidanza muito bem referendado pelas pessoas abastadas do final do séc. XIX e início do séc. XX. 2 Virginia Maria da Conceição, Virginia Serafim nasceu no Crato-CE em um dia de 1889 e faleceu em Santa Maria do Pará em 26/01/1961.

15 vida comum, das pessoas comuns, na simplicidade de sua existência, eloquente e épica, mesmo que seja apenas aquilo chamado de flagelo e, portanto, parte de uma coletividade. Não podemos dissociar que nos dedicamos em evocar e acatar a micro-história, como preponderante e inalienável, assim como utilizar metodologica e fartamente a história oral, para explicar a vida da sertaneja em questão. Sim, nossa personagem foi uma das milhares de pessoas migradas do nordeste brasileiro em busca de melhores condições de vida, vinda ao Pará com sua família nuclear composta de um marido e cinco filhos, mas quando aqui aportou, estava completamente sozinha, infeliz e doente. Falamos nesta característica historiográfica, porque a microhistória está muito bem colocada e justificada, quando referenciamos a obra que a define, como o livro “O queijo e os vermes” de Carlo Ginzburg3 que trata da mentalidade na Idade Média, proporcionando o que era o cotidiano na época medieval. Embalados nesta excelente e esclarecedora obra, pensamos no cotidiano de uma sertaneja, para 3

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Ginzburg é um historiador e antropólogo italiano, conhecido como um dos pioneiros no estudo da micro história.

16 repensar e fomentar a atmosfera daqueles tempos. Ou ainda, estar de acordo com Peter Burke [org.] (1992): A micro história como uma prática essencialmente baseada na redução da escala de observação, em uma análise microscópica e em um estudo intensivo do material documental. Essa definição já suscita possíveis ambigüidades: não é simplesmente uma questão de chamar a atenção para as causas e os efeitos do fato, de dimensões diferentes coexistirem em cada sistema social; em outras palavras, o problema de descrever vastas estruturas sociais complexas, sem perder a visão da escala do espaço social de cada indivíduo, e a partir daí, do povo e de sua situação na vida4 (p. 136-137).

Estivemos desde o início, intencionados em escrever sobre a migração dos “cearenses” para a Amazônia, na busca da “terra prometida”, longe da profunda pobreza enfatizada pelas grandes secas do Nordeste brasileiro do final do século XIX e início do século XX, fenômenos climáticos que trouxeram enormes levas de pessoas que transformaram o Estado do Pará, na sua fisionomia, geograficamente e demograficamente, momento de criação de um inconsciente “Nordeste Amazônico” em microescala. Números seriam insuficientes para descrever tal feito ao longo de tantas secas, então, resolvemos transformar esse interessante fenômeno,

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Giovanni Levi, In: P. Burke (org.). A Escrita da História: novas perspectivas. SP: Edusp, 1992.

17 numa trajetória de uma única personagem, Virginia Maria da Conceição5 (1889), nossa bisavó materna, mas que, pelos relatos, pode transformar nossa visão simplista do que foi a epopeia migratória de muitos nordestinos, e o que ela significou para o Estado do Pará. É a história de uma mulher, portanto, nos revela uma inclusão de gênero, muito embora pela trajetória, pode ser a história de qualquer um dos migrantes brasileiros e parte da história de muitos ascendentes de paraenses, em qualquer um dos recônditos em que se instalaram e sua contribuição para a sociedade que somos hoje. O palco maior são algumas vilas coloniais do início do século XX, esclarecendo lugares paraenses como Belém, Igarapé-Açu e Santa Maria do Pará. A história recorrente é que Virginia Maria da Conceição saiu casada do Ceará por motivo de seca (da cidade do Crato, nas imediações de Icó) com cinco filhos (que se ignoram os nomes) e do esposo José Tavares. Sim, ela era uma refugiada! Na viagem de vapor 5

Virginia Maria da Conceição é o nome constante antes do casamento com João Serafim das Chagas (18/07/1888). Depois do casamento, ocorrido em 05/11/1919 (anexo 1) apresenta-se em outros documentos como Virginia Serafim das Chagas ou simplesmente, como Virginia Serafim. Entretanto, utilizaremos sempre o nome oficial Virginia Maria da Conceição.

18 do Ceará ao Pará os filhos e o marido caíram doentes, acometidos de febre amarela, e foram morrendo durante o trajeto, os corpos eram jogados no mar. A própria Virginia ao chegar no Port Of Pará chegou doente, com muita febre e inchada. Foi trasladada, junto aos outros migrantes, de trem, para a Colônia do Prata, onde ficou no Barracão dos Imigrantes.

Figura 1: cartão apresentando Virginia Maria da Conceição em dois períodos da vida, idosa e jovem. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013. Por estar doente não conseguia trabalhar para conseguir alimento, então, mendigou pelas ruas da Colônia do Prata. Ajudaram-na, comovidos pela situação, frei Daniel de Samarate (1890-1924), Ir.

19 Verônica Maria de Canindé6 (Cecília de Paula Pimenta, 03/10/1866) e a parteira da vila, Maria José Uchôa. Virginia Maria da Conceição consegue reerguer-se e fica na própria colônia ajudando as freiras, por um bom tempo, depois trabalhou na colheita de algodão, e como uma espécie de babá das crianças, Francisco Alves da Silva7, Chico Alves (1910-2013) e Maria da Silva Aranha,8 Maria Severo (1903-2001) e outras crianças parentes deles. Lembravam-se nitidamente quando ela ficava a repará-los e cantava para elas. Maria Aranha devia ser uma criança de fato porque, no passado, meninas de 10 anos já eram donas de casa. E seu irmão, Francisco Alves da Silva, ainda era praticamente de colo.

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Ir. Verônica Maria de Canindé iniciou a vida religiosa aos 38 anos, na capela do Retiro Saudoso. Chegou na Missão do Prata, no Pará, em 19 de dezembro de 1904. Tinha vindo, junto com outras quatro postulantes da Terceira Ordem Secular, que já trabalhavam na Missão Capuchinha em Canindé, junto aos primeiros missionários. Em 11 de dezembro de 1906, frei João Pedro, superior da ordem, designou-a para a Missão de Ourém. Partiu no dia 15 de dezembro e chegaram ao local em 21 de dezembro de 1906. Em Ourém Ir. Verônica assumiu o ofício de Mestra. Permaneceu ali até 1914. In: CASTILHO, Utília Maria Rodrigues. Uma história de amor feita de luzes e sombras. Fortaleza: Congregação da Irmãs Capuchinhas, 2004, p. 33-33 e 3839. 7 Francisco (Chico Alves) da Silva (nascido em Icó em 10/01/1910). Entrevistado em 14/07/2000 e 04/03/2010. Faleceu em 19/06/2013 aos 103 anos de idade. 8 Maria da Silva Aranha, Maria Severo (1903). Entrevistada formalmente em 21/07/2000 cujo áudio foi extraviado, mas há documento escrito a partir do original. Falecida em 30/08/2001.

20 Quando restabeleceu completamente a saúde, montou uma banca de café na feira livre da Colônia do Prata, que era uma vila próspera, habitada de bons amigos nordestinos. Conheceu assim, João Serafim das Chagas9 (1888-1961), um potiguar, viúvo, espécie de barbeiro e carpinteiro. Casaram-se em 1919, com a benção de frei Josué Maria, na igreja do Prata. Com João teve mais sete filhos: João Serafim das Chagas Filho10 (1921?), Raymundo Serafim das Chagas11 (24/06/1924), Francisca Serafim das Chagas12 (15/10/1925), José Serafim das Chagas13 (24/12/1926), Maria de Nazaré Serafim das Chagas14

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João Serafim das Chagas (1888), natural do Estado do Rio Grande do Norte, do município de Ceará Mirim. Pais: Joaquim Serafim das Chagas e Theodora Maria de Jesus. Faleceu em 17/07/1961. 10 Tudo leva a crer que João Serafim das Chagas Filho teve morte prematura, talvez vítima da varíola que grassava na vila na década de 1920. Foi o primeiro filho do casal. Morreu em tenra idade, pois nem sequer teve registro em cartório formalmente, o que já ocorreu com o segundo filho, Raymundo. 11 Raymundo Serafim das Chagas viveu até os 16 anos de idade. A história diz que o mesmo, depois do almoço, comeu um abacate e foi para a roça a cavalo. No caminho passou mal e faleceu, talvez de congestão, mas pode ter sido um problema congênito de coração, pois Virginia Maria da Conceição também faleceu de ataque cardíaco. 12 Francisca Serafim das Chagas, depois do casamento, Francisca Serafim da Silva faleceu em 11/10/1981, por complicações de câncer. Há discordâncias entre sua verdadeira data de nascimento e Registro Civil em cartório. Utilizaremos o dia e o mês considerado pela própria e pela família. 13 José Serafim das Chagas faleceu em 26/06/2001, por complicações de acidente vascular cerebral. 14 Maria de Nazaré Serafim das Chagas, depois do casamento em 27/07/1952 com João Benedito de Sousa (14/03/1925) Maria de Nazaré Serafim de Sousa ou Lelé faleceu em 25/02/2003 tinha um histórico de doenças e faleceu de causas naturais.

21 (27/05/1927), Antonio Serafim das Chagas15 (15/10/1930) e Maria de Lourdes Serafim das Chagas16 (10/05/1932). João Serafim das Chagas (1888-1961) era também, junto com a família, uma das muitas vítimas das grandes secas do Nordeste brasileiro. Arribou do Rio Grande do Norte, da cidade do Ceará Mirim, já viúvo, pois a esposa tinha morrido em consequência das privações do flagelo, com um casal de filhos e com os irmãos Luis, Maria e Moça. Vieram para a Colônia do Prata. Quando a Colônia do Prata foi vendida ao governo federal, para ser criada ali a primeira colônia agrícola de hansenianos do Brasil (1921), o casal Virginia e João mudou para a vila de Santa Maria. Já em Santa Maria, montaram uma pensão para acolher os muitos caixeiros viajantes que passavam por lá, com dormida e boia ao tempo que Virginia, também montou uma banca no Mercado para vender seus quitutes.

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Antonio Serafim das Chagas era dado ao vício da bebida. Teve enfisema pulmonar, um acidente vascular cerebral que o prostrou e faleceu em 1968 (Livro: 08; óbito: 1873; folha: 49). 16 Maria de Lourdes Serafim das Chagas casou em 1955 ( com Pedro Alves da Silva Medeiros) e faleceu aos 23 anos, com complicações do parto.

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Figura 2 - Acima: enteada Antonia Serafim das Chagas (?)*, Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1954) e José Serafim das Chagas (1926-2001). Abaixo: Antonio Serafim das Chagas (1930-1968), Francisca Serafim da Silva (1925-1981) e Maria de Nazareth Serafim das Chagas (1927-2003). *O retrato de Antonia Serafim das Chagas foi feito a partir de depoimentos, portanto, trata-se de um retrato-falado.

No momento em que se mudou para o centro da vila de Santa Maria morreu o primeiro filho do casal, João, aos seis anos de idade, de causa ainda nebulosa, mas presume-se que tenha morrido em consequência de alguma doença, pelas palavras que Virginia pronunciou ao lhe contarem da morte do segundo filho do casal,

23 Raymundo (1924), aos dezesseis anos de idade. Segundo a neta Mírian de Fátima Serafim Ferreira17 ela teria dito chorando: “De novo não, vão morrer todos os meus filhos!” (sem paginação). Depois a vida se desenvolveu normalmente, passados os tormentos do evento migratório, vendo os filhos casar e a pequena vila desenvolver -se. Entretanto, em 1954, morreu sua segunda filha, aos vinte e dois anos, de complicações do parto. E seu filho caçula, Antonio, foi preso injustamente. Foram abalos no coração maltratado de Virginia. Jamais Virginia Maria da Conceição voltou ao Ceará. Faleceu em 26/01/1961 e está enterrada no jazigo da família, no cemitério municipal de Santa Maria do Pará, construído pelos pioneiros do lugar, em regime de mutirão, em 1925 e a família, a partir dela, encontra-se na 4ª geração. Reitera-se que, particularmente, não foi uma heroína nos padrões aristocráticos, mas uma heroína que “A História Vista de Baixo” vem resgatar, assim como nos permite Peter Burke (Org., 1992):

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Mírian de Fátima Serafim Ferreira (21/06/1957) entrevistada em 09/11/2013.

24 A história vista de baixo ajuda a convencer aqueles de nós nascidos sem colheres de prata em nossas bocas, de que temos um passado, de que viemos de algum lugar. Mas também, com o passar dos anos, vai desempenhar um importante papel, ajudando a corrigir e a ampliar aquela história política da corrente principal [...]18 (p. 62).

DO CARIRI AO PARÁ O relato unânime é que dona Virginia Maria da Conceição era da cidade de Crato19, no Estado do Ceará, na Região do Cariri. Vivendo hoje um tempo que pode se dizer pujante, poucos conseguem imaginar as consequências das grandes secas que assolaram a região e a penúria em que viviam os sertanejos dos anos 1900. Não é que hoje as secas sejam menos de castigar os sertanejos, mas atualmente temos mais informação, poder de reivindicação, agentes associativos e midiáticos e políticas públicas no Nordeste brasileiro que, se não resolvem o

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SHARP, Jim. História Vista de Baixo. In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992. 19 Sobre esse aspecto temos os relatos de sua filha, Maria de Nazaré Souza (19272003), suas netas Maria Laide da Silva (1943), Maria Zuleide Serafim do Nascimento (1945), Maria Lucimar da Silva Pinho (1941), Mírian de Fátima Serafim Ferreira (1957) , sua nora Maria de Nazaré Pereira, Marizita (1938) , sua neta adotiva, Maria Serafim do Nascimento (1935), seu neto João Benedito Filho (1953) e amigos como: Maria Freire Losada (1904-2003), Januário Carneiro de Menezes (1913-[?]), Maria de Lourdes de Souza (1912-2005), Maria da Silva Aranha (1903-2001), Maria Nadir Bezerra (1927), Francisco Alves da Silva (1910-2013).

25 problema secular, ao menos discute-se mais aguerridamente a questão e o colocam em pauta constante. Os antecedentes dos 1900 eram bem mais cruéis, haja vista a seca de 1877-1880 ter desestabilizado o nordeste brasileiro, desequilibrando a economia de subsistência, o que deixou parte da população sem meios para exercer atividades produtivas (LACERDA, 2006). Sob nota de rodapé, a mesma autoria ainda descreve os anos de seca, basicamente dos primórdios do nordeste: Os efeitos horrendos de secas de larga duração, atingindo três anos consecutivos, dentre elas as verificadas entre 1721/25, 1777/1778, 1790/93, 1824/25 e 1877/1879. Anotem-se também as de 1692, 1710/11, 1809/10, 1844/45, 1888/89, 1915 e 1932/33 (p. 68).

Separar os códigos encampados traumaticamente daquela mentalidade é tarefa plausível, devido às fartas somatizações dos efeitos produzidos pelas secas, em anos posteriores. Plausível, porque muitas vezes se formou aqui um inconsciente preconceituoso em relação ao migrante nordestino e, especialmente, provindo do Ceará, quando recordamos o preconceito daqueles nossos ascendentes em relação aos próprios conterrâneos, pelos anos 1970. Quando se viam esfarrapados sertanejos, pelas ruas de Santa Maria, era quase sinônimo

26 de ladrão e não vítimas de um flagelo e da corrupção figadal dos “coronéis” e políticos; uma negação da própria origem. Desgostar de sua terra natal, maldizê-la para sempre, e nunca mais querer pisar os pés de volta, era produto de quem tinha vivido a feição calamitosa de uma outra realidade, e não por questões de princípios equivocados. Virginia Maria da Conceição veio do Crato com uma carga de mágoas de sua terra natal, sem intenção de retorno. A maioria dos nossos entrevistados disse que Virginia Maria da Conceição veio de Crato-CE, mas sua filha Maria de Nazaré de Souza20 dizia que a mãe era de Aurora, distrito de Milagres. No entanto observamos que, tanto Aurora quanto Milagres, são municípios distintos e, na história dos mesmos, não consta que tivessem ligação política. O que os dois municípios tem em comum é estarem localizados na mesma geografia, na Região do Cariri. Pode ser que Virginia Maria da Conceição tenha nascido na localidade de Aurora, 20

Maria de Nazaré de Souza, Lelé (30/12/1928). Entrevistada formalmente mas sem registro de áudio e com registro escrito a partir de original. Entrevistas em: 12/06/2000, 13/07/2000 e 21/09/2000. Maria de Nazaré tem uma discordância quando à sua data de nascimento. Declarava a data oficial de 30/12/1928, mas no cartório da vila São Jorge do Jabuti, da comarca de Igarapé-Açu, existe registro com a data de 27/05/1927 o que iremos considerar para estabelecer a temporalidade correta. Faleceu em 25/02/2003.

27 mas referendava mesmo a cidade de Crato, principalmente pela proximidade com Juazeiro do Norte, terra de Pe. Cícero, de quem era muito devota. Porém, Crato, Milagres ou Aurora guardam os mesmos relatos das insidiosas secas, absolutamente comuns. A neta Mírian de Fátima Serafim Ferreira21 relatou que a avó dizia, segundo sua mãe, Francisca Serafim da Silva, que Virginia Maria da Conceição era de Tabuleiro. Sabemos que a vila de Tabuleiro Grande era inicialmente distrito de Crato e hoje chama-se Juazeiro do Norte, portanto, na mesma Região do Cariri e são cidades vizinhas. Crato tem sua descrição histórica ufana, como ,aliás, têm muitos lugares do sertão, incontestavelmente. Para uma descrição sintética, cabe esquecer as agruras impostas pelas variações climáticas, de modo a produzir miséria. Assim, Barros (REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA, 1964) descreve historicamente o Crato em tons de pequena epopeia urbana, e cremos que não poderia fazer de forma contrária:

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Mírian de Fátima Serafim Ferreira (21/06/1957). Entrevistada em 2006 e 09/11/2013.

28 Crato é um dos aglomerados mais antigos do Cariri, pois, apenas Missão Velha lhe é anterior. Surgiu, em meados do século XVIII, quando as comunicações por terra entre o sertão do Jaguaribe e a província da Bahia, através do caminho que seguia o vale do Salgado, tornaram-se mais frequentes, contribuindo para a fixação de portugueses junto aos índios Cariri que viviam na região. (...) O núcleo urbano do Crato surgiria, pois, como foco da região agrícola do Cariri que se desenvolveria em torno de uma capela que ficou muito tempo dependente da freguesia de Icó. Centro da vila agrícola de uma área de posição remota em relação aos grandes centros de consumo, cuja produção apenas encontrava mercado na região sertaneja escassamente povoada, o aglomerado do Crato pouco cresceu, embora fosse elevada a vila em 1764. Comprova-o a descrição que dele nos deixou George Gardner em seu relato de viagem pela província do Ceará, em 1838: “A vila de Crato é uma cidade pequena e assaz pobre, tendo cerca de um têrço do tamanho de Icó. É muito irregularmente edificada e as casas, com uma única exceção têm apenas um pavimento” (p. 94-95).

A partida de Virginia Maria da Conceição do Ceará rumo ao Pará aconteceu certamente entre os anos 1905/1913, por influência da Igreja Católica, pelas notícias dos conterrâneos advindas do Pará e em consequência das secas que formavam levas de flagelados. O fenômeno do Padre Cícero em Juazeiro do Norte é um dos pontos de confluência de católicos desde aqueles tempos e era vizinho ao município de CratoCE, mas era mesmo em Canindé-CE que as palavras dos capuchinhos lombardos insuflava a vontade dos flagelados da seca para uma outra realidade. E essa realidade compreendia o Estado do Pará e seu plano de ocupação e desenvolvimento e a Missão Capuchinha implantada na Colônia do Prata.

29 O cenário em que Virginia Maria da Conceição nasceu foi nesse nordeste de sofrimento. Dizia-se ser filha de bondosos agricultores, castigados pelas grandes secas, portanto, sem grandes posses. Então, era das imediações da cidade de Crato, não necessariamente do centro da cidade. Virginia Maria da Conceição tinha um irmão, mas não se sabe quantos mais tivera. E muitos primos, mas todos ficaram no Estado do Ceará e de lá ela partiu junto do marido, José Tavares22 e mais cinco filhos. O nome de seus pais: Avelino Gonçalves da Costa e Theodora Maria de Lima23. Existe uma discordância. Tanto sua filha, Maria de Nazaré de Souza24, como o neto, João Benedito Filho25 eram unânimes em dizer que os nomes dos pais de Virginia Serafim eram outros: Avelino Gonçalves da Costa e Alexandrina Maria de Jesus. Entre os

22

O nome de José Tavares consta no documento: ARQUIDIOCESE DE BELÉM – CURIA METROPOLITANA. Fls nº 047, do livro 03B , emitido em 02/03/2001 (anexo 1). 23 Nome constante na Certidão de Casamento (ARQUIDIOCESE DE BELÉM – CURIA METROPOLITANA. Fls nº 047, do livro 03B , emitido em 02/03/2001), mas depoimentos da filha Maria de Nazaré de Souza (colhido em 2000) eram: Avelino Gonçalves da Costa e Alexandrina Maria de Jesus. 24 Maria de Nazaré de Souza, Lelé (27/05/1927). Entrevistada formalmente, mas com registro de áudio extraviado e com registro escrito a partir de original. Entrevistas em: 12/06/2000, 13/07/2000 e 21/09/2000. Faleceu em 25/02/2003. 25 João Benedito filho, nascido em 11/07/1953. Entrevista realizada em 28/02/2010 e 09/11/2013.

30 relatos documentados em 1919, data de seu casamento com o viúvo João Serafim das Chagas e os anos 2000/2010, acreditamos no primeiro. No cartório de São Jorge do Jabuti, comarca de Igarapé-Açu, os pais de Virginia são: José Gonçalves da Silva e Theodora Maria da Conceição. Anote-se que Virgínia e seu segundo marido, João Serafim das Chagas,26 eram analfabetos, mas ambos gozavam de excelente saúde mental e os frades, embora fossem italianos, eram astutos e atentos à língua portuguesa, não se confundiriam em suas anotações. Ademais, o casal, aos 30 e 31 anos de idade, respectivamente, tinham fresca a informação com os nomes dos pais. Se não pelos relatos anteriores, de fontes orais ou documentais, não se sabe muito dos ascendentes de Virginia Maria da Conceição. Pela sua trágica vinda do estado do Ceará a história dos seus pais e familiares apagou-se nas brumas do tempo, enquanto o episódio de sua travessia oceânica, sua chegada, sua nova vida, com um novo

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ARQUIDIOCESE DE BELÉM – CURIA METROPOLITANA. Fls nº 047, do livro 03B , emitido em 02/03/2001. Atesta o casamento religioso entre Virginia Maria da Conceição com João Serafim das Chagas em 05/11/1919. Assistido pelos freis Josué Maria e Dositheo, mais o Juiz de Paz, Augusto Uchôa.

31 casamento, tomou maiores proporções e foi, geralmente, o centro das conversas entre os amigos, filhos e netos. Portanto, não sabemos se, quando chegou ao Pará, Virginia Maria da Conceição tinha os pais vivos ou mortos. As boas lembranças estavam materializadas em um brinco de ouro, presente da mãe: a joia tinha ganchos para pôr nos furos das orelhas de onde pendia uma bola de pedra azul como se fosse uma bola de gude. Muito estimado e propulsor de muitas conversas sobre o passado. É inútil pensar que sobraram bons relatos do processo de migração do Nordeste ao Norte do Brasil. E o relato da neta Maria Laide da Silva27 (1943) era de que Virginia Maria da Conceição declarava jamais voltar “para aquela terra desgraçada”. O que de fato foi levado à risca até sua morte, em 1961. A neta Maria Zuleide Serafim do Nascimento28 reproduz, a partir de fatos testemunhais, as palavras da avó sobre seus pais: “o pouco que falava (dos pais) era que eram humildes, e que andavam vários quilômetros pra pegar água em

27

Maria Laide da Silva (05/01/1943). Entrevista realizada em 2000, 23/09/2009, 06/03/2010, 04/05/2012 e 26/10/2013. 28 Maria Zuleide Serafim do Nascimento (11/09/1945). Entrevista gravada em 20/09/2009, 09/10/2013 e escrita em 02/05/2001.

32 cacimbas... (...) Eram pessoas honestas, trabalhadoras, mas viviam com muitas dificuldades por motivo da sêca”. Moraes (1984) reflete a abrangência das secas que trouxeram migrantes ao Pará: (...) as grandes secas de 1915 e de 1919, mais uma vez agentes de expulsão de contingentes populacionais para a Amazônia, mesmo "guando”' a produção de borracha entrara em crise. Por outro lado, o Ceará, que de todos os Estados nordestinos foi o que máis expulsou população nessa conjuntura, teve desde o primeiro censo, "até 1920 , saldo migratorio sempre-negativo (p. 61).

Figura 3 - amigos de Virginia Maria da Conceição: à esquerda: Maria Freire Losada (1904-2003), Benigno Rodriguez Losada (1899-1975) e Lucila Losada Rodriguez (1921-2011). À direita: Maria da Silva Aranha, a Maria Severo (1903-2001) e Francisco Alves da Silva, o Chico Alves (1910-2013).

33 Maria Serafim do Nascimento29, a Lordinha (1935), dizia que Virginia Maria da Conceição falava sempre em seca no Ceará. Disse que os netos brincavam com ela: “Vovó a senhora vai pro Ceará?”. Ao que ela respondia: “Deus me livre, Deus me livre!... No dia em que eu morrer, se minha alma tiver vergonha, lá não vai!”. Maria Laide da Silva30, a neta, completa: “ela dizia que, de lá já vim!”. Maria Serafim do Nascimento também diz que “foram oito dias de uma viagem tenebrosa!”. As netas sempre enfatizam sobre uma grande seca no Ceará e sobre determinada doença que estava matando as pessoas, então, as pessoas também vinham fugindo de lá. Apolinário Virginio do Nascimento31 (1928), esposo de Maria Serafim do Nascimento, a Lordinha (1935?), afirma com convicção que: “As pessoas vinham fugidas da seca e havia doenças espalhadas no Ceará... E que essas pessoas vinham de contrabando (no navio). 29

Maria Serafim do Nascimento, Lordinha (20/01/1935). Entrevistada em 15/08/2009 e 06/03/2010. 30 Maria Laide da Silva (05/01/1943). Entrevistada em 2000, 23/09/2009, 06/03/2010, 23/09/2010, 04/05/2012 e 26/10/2013. 31 Apolinário Virginio do Nascimento (14/07/1928). Entrevistado em 06/03/2010 e 24/11/2013.

34 Ninguém podia saber... Agora tinha 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classes”. Para tamanho infortúnio e sem um registro formal, certamente vinham clandestinos na embarcação. Assim Apolinário completa: “Eles vinham escondidos no porão do navio. Não transportavam passageiros... Uma doença estava matando muita gente!” (sem paginação).

As lembranças do Ceará não eram nada boas e foram para sempre justificadas que, não obstante das grades secas que assolaram o Nordeste brasileiro daqueles tempos, formando contingente de flagelados, a política cearense era cercear o acesso do povo do campo aos grandes centros urbanos. O fato de Virginia Maria da Conceição ter amaldiçoado sua terra natal, poderia ser interpretado como algo causador de todas as desgraças na sua vida, principalmente em uma época em que a mentalidade supersticiosa estava muito arraigada ao cotidiano das pessoas, mas para quem viveu a realidade daqueles tempos, não eram apenas os fatores climáticos que solapavam a vida dos flagelados. Havia campos de concentração oficializados, com a finalidade de afastar os maltrapilhos e esfomeados da capital, Fortaleza (SÁ, 2005): O objetivo dos campos era evitar que os retirantes alcançassem Fortaleza, trazendo “o caos, a miséria, a moléstia e a sujeira”, como informavam os boletins do poder público à época. Naquele ano criou-se o campo de concentração (era assim mesmo que se chamava) do Alagadiço, nos arredores da capital cearense, cenário do livro de

35 Rachel32, que chegou a juntar 8 mil esfarrapados, que recebiam alguma comida e permaneciam vigiados por soldados. A segregação dos miseráveis era a lei, mas chegou um momento em que o flagelo em massa era tão chocante, com uma média de 150 mortes diárias, que o governo do Estado ordenou em, 18 de dezembro de 1915, como contam os arquivos dos jornais da época, a dispersão dos flagelados, ou “molambudos”, como eram também conhecidos (sem paginação)

O cenário que caracterizamos como cruel e desumano, tinha antecedentes nos rigores da seca dos anos 1877. Um medo incontrolável levou as autoridades a esquematizar um meio de deter os horrores provocados pela grande seca daquele ano, quando 110 mil famintos, vindos do sertão, invadiram as ruas de Fortaleza, que tinham a falsa ilusão de urbanidade e civilidade parisiense. Rodolfo Teófilo (apud SÁ, idem) descreve assim o calvário daquele ano: A peste e a fome matam mais de 400 por dia! O que te afirmo é que, durante o tempo em que estive parado em uma esquina, vi passar 20 cadáveres: e como seguem para a vala! Faz horror! Os que têm rede, vão nela, suja, rota, como se acha; os que não a têm, são amarrados de pés e mãos em um comprido pau e assim são levados para a sepultura. E as crianças que morrem nos abarracamentos, como são conduzidas! Pela manhã os encarregados de sepultá-las vão recolhendo-as em um grande saco; e, ensacados os cadáveres, é atado aquele sudário de grossa estopa a um pau e conduzido para a sepultura (sem paginação).

Vejamos como não era fácil simplesmente abandonar a terra natal em busca de melhores condições no Norte do país. Tinham de enfrentar 32

Rachel de Queiroz, a escritora, autora de O Quinze.

36 o monitoramento das elites tradicionais urbanas, também. Era necessário ter, antecipadamente, condições, planejamento e acertos antes de embarcar na aventura migratória, coisa que a maioria analfabeta não tinha qualquer condição, e aí ficavam sujeitos às intermediações de terceiros que “facilitavam” a migração. Lacerda (2006) bem coloca a questão migratória na sua realidade mais autêntica: Deslocar-se do Ceará até Belém do Pará, entretanto, não era tarefa das mais fáceis, considerando-se que a viagem teria que ser feita de navio e implicava em muitos custos, que nem sempre eram viáveis às pessoas que saíam do Estado do Ceará em situação de extrema miséria. Aqueles que, atingidos pela seca, resolviam migrar juntamente com toda família, às vezes até com agregados, tinham que enfrentar grandes gastos (p. 133).

Já Nunes (2008) antecipa, em pelo menos vinte anos, as consequências que levaram nordestinos a migrarem em direção ao Pará: A partir de 1878 a política de colonização do Pará se voltaria para na promoção de condições para recebimento da migração cearense. Segundo Marco Antonio Villa, estudioso das secas que atingiram o Nordeste nos séculos XIX e XX, o próprio governo imperial acabou estimulando a migração para outras províncias ao diminuir a alimentação que era fornecida aos retirantes; o que se por um lado piorava ainda mais as condições de sobrevivência nas cidades da região

37 que sofria com a escassez de chuva, por outro lado acabava obrigando esses retirantes a migrar para a Amazônia33 (p. 113).

Grandes gastos ao governo poderiam ser reembolsáveis com muito trabalho nos núcleos colonizadores. No caso de Virginia Maria da Conceição isso não pôde ser concretizado inicialmente, justamente porque perdera toda a família em viagem. Os acertos do governo estavam para o chefe da família, no caso, de seu marido, José Tavares, e na falta dele, nada do encetado foi concretizado, se o foi oficialmente. A mulher, na mentalidade da época, estava descartada dos trabalhos pesados no campo de cultivares, embora na prática ela contribuísse, não apenas na formação familiar, mas realmente nas práticas diárias da agricultura. Provavelmente, se Virginia Maria da Conceição, tivesse chegado com saúde, provaria sua força e capacidade para o trabalho. Os contratantes eram propagandeadores dos incentivos do Governo do Estado, para aquele que se aventurava a ocupar e desbravar a Amazônia, com sua força de trabalho, referendados pelas leis que se

33

VILLA, Marco Antonio. A vida e morte no sertão. Histórias das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Editora Ática, 2001, p. 63.

38 estabeleceram no final do século XIX como exibe Ernesto Cruz (1958, p. 78-79): (...) o Congresso do Estado autorizou, nos Têrmos da lei nº 53, de 27 de agôsto de 1892, a fundação de uma Escola de Agricultura e Fazenda agrícola moderna. Veio depois a autorização para a fundação de núcleos coloniais suburbanos (Lei nº 581, de 20 de junho de 1898). A seguir, a lei que reorganizou o “SERVIÇO DE IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO DO ESTADO” (Lei nº 583, de 21 de junho de 1898). Entre as disposições que concediam favores aos imigrantes, figuravam estas: 1. Transporte gratuito, agasalho e comedoria durante o trajeto até o ponto escolhido para sua localização. 2. Concessão, ao preço mínimo de OITO mil rés por hectare, de um lote de terras, próprias para a lavoura, tendo a área de 25 hectares correspondentes a 250 metros de frente sôbre 1.000 de fundos, convenientemente demarcada na frente e em parte dos fundos. 3. Preparação prévia dos trabalhos de derrubadas, queima e limpeza de uma parte do terreno para o primeiro plantio e para a situação de moradia do colono em extensão não excedente a 3.600 metros quadrados. 4. Adiantamento da construção de uma pequena casa embarreada e coberta de madeira ou zinco. 5. Fornecimento gratuito das sementes que deverá plantar o colono no primeiro ano de sua instalação. 6. Fornecimento gratuito, por uma única vez, de utensílios domésticos marcados na tabela do Gôverno, e por duas vêzes de ferramenta indispensável para os trabalhos da lavoura. 7. Adiantamento das rações para sua nutrição em conformidade com as tabelas marcadas pelo Gôverno, seis meses integralmente e outros seis meses na razão da metade. 8. Tratamento gratuito na colônia aos que enfermarem nos primeiros anos, distribuindo-se-lhes gratuitamente os medicamentos de que necessitarem nessas ocasiões.

39 9. Preferência para a execução assalariada nos serviços gerais da colônia, dentro dos três últimos trimestres do primeiro ano de instalação, aos imigrantes adultos do sexo masculino de cada família, não podendo ser admitido mais de dois em cada semana. 10. Concessão gratuita de um lote ao colono na sede do núcleo, depois de dois anos de instalação no lote agrícola convenientemente beneficiado. 11. Proteção às viúvas e órfãos dos que falecerem na colônia, os dois primeiros anos de instalação, auxiliando-os para que possam continuar a manter-se na agricultura, ou facilitando-lhes a repatriação quando se mostrem impossibilitados para essa manutenção, por insuficiência de fôrças.

Diante de tantas adversidades produzidas pelas secas do período, decerto Virginia Maria da Conceição e o esposo obedeceram ao fluxo migratório, como uma possibilidade de mudança concreta da miséria em que viviam. Era a esperança. Cardoso (in REVISTA DE HISTÓRIA, 4, 1, 2012) revela o cenário que esperava os migrantes para o Norte: Como se vê, o vale amazônico era tido como um espaço vazio, fonte de riquezas ainda insondáveis a espera dos braços desbravadores responsáveis pelo despertar de seu sonho edênico... (...). A seca, portanto, torna-se a chave mestra para a discussão, pois é entendida como inerente ao processo migratório, posicionada como marco inicial do deslocamento de cearenses para a Amazônia (p. 70).

Como podemos observar, o Norte era a alternativa plausível de quem queria vencer na vida. E vencer não significava mesmo ficar rico,

40 mas ao menos deixar a vida miserável. Do jeito que viviam no sertão, seriam aniquilados, também, na memória individual ou até na coletiva. Vejamos o que complementa Cardoso (idem): Dessa maneira, os “desventurados” cearenses somente teriam como alternativa migrar, como “verdadeiros esqueletos animados, com a pelle ennegrecida pelo pó das estradas e collada aos ossos”34, transformados em vítimas, dignos de dó. A seca é aí percebida como fenômeno causador das migrações e de todas as dificuldades do sertanejo, levando-se em conta que, segundo tal abordagem, os problemas em torno da sobrevivência somente se apresentavam verdadeiramente em momentos de estiagem, como eles vivessem harmonicamente, sem enfrentamentos em época de chuvas regulares. Essa perspectiva tece uma “história do inevitável, do fatal, do imutável. Os rios secam, os reservatórios secam, a terra seca, as plantas morrem, o gado morre… E o sertanejo ou morre, ou se retira”35 (p. 70).

As organizações religiosas também estavam dispostas a receber sertanejos castigados pelas grandes secas, como podemos bem ver as preocupações dos missionários franciscanos, no caso, preocupações de frei Daniel de Samarate para Frei João Pedro (NEMBRO, 1998): O que fazer, frei João Pedro, com “todos esses flagelados pela seca? Vamos acolhe-los no território da Colônia?” (...) “Pode tranqüilamente aceitá-las, Frei Daniel – respondia o Superior -, dando a elas, de acordo

34

Rodolpho Theóphilo, História da seca no Ceará: 1877-1880, Rio de Janeiro, Imprensa Ingleza, 1922, p. 97. 35 Viviane Lima de Morais, Razões e destinos da migração: trabalhadores e emigrantes cearenses pelo Brasil no final do século XIX, Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003, p. 31.

41 com o Governador, um lote de terreno para que possam lavrar suas roças. Aqui há terra para todos (p. 76).

Virginia Maria da Conceição deve ter casado em primeiras núpcias por volta de 1904, aos 15 anos de idade. De outra forma, não poderia sair do Estado do Ceará com cerca de 21 anos, com cinco filhos, sem que nenhum deles fosse gêmeo com o outro. Basicamente tivera um filho por ano, num tempo em que ter uma família extensa, era absolutamente normal no Nordeste brasileiro e outros recônditos nos assentamentos coloniais. Casamento de menores de idade era uma prática corriqueira e absolutamente aceitável na mentalidade de então. Outro fato insuflador do casamento precoce era a extrema pobreza. E tudo leva a crer que Virginia Maria da Conceição tivera um casamento arranjado, para garantir a própria sobrevivência, pois, no relato de sua neta Mírian de Fátima Serafim Ferreira36, que ouviu da mãe, Francisca Serafim da Silva, sua avó incentivou o casamento entre a mãe e Waldemar Pereira da Silva37 (o que de fato acorreu em 1939),

36

Mírian de Fátima Serafim Ferreira (nascida em Santa Maria do Pará (21/06/1957). Entrevistada em 2006 e 09/11/2013. 37 Waldemar Pereira da Silva, filho de Francisco Pereira da Silva (paraibano) e Francisca Maria da Silva (Serra do Baturité-CE). O casamento ocorreu aos 02 de setembro de 1939, na capela de Santa Maria, paróquia de São Jorge. Celebrante: Pe.

42 mesmo ela sendo menor de idade (14 anos). Waldemar Pereira da Silva era um proeminente caixeiro viajante38 que se encantou dela quando a viu um dia servindo boia na pensão39 de seus pais e acertou matrimônio com os futuros sogros, dando-lhes garantia de que a filha/esposa não teria dificuldades financeiras. A mãe, Virginia, orientou-a a aceitar o contrato “porque não eram eternos e se preocupava muito com o futuro dela na sua ausência por morte”. A justificativa para que a filha casasse com o caixeiro viajante/mascate era a própria vida de Virgínia Maria da Conceição até aquele momento e o infortúnio de sua terrível chegada ao Pará, sozinha, sem os cinco filhos e o marido, José Tavares. Virginia já estava em um outro bom relacionamento, com outros cinco filhos vivos, mas deste segundo relacionamento, já havia perdido mais dois filhos, João Filho e

João Pedro van Bree. A mãe de Waldemar Pereira da Silva, dona Francisca Maria da Silva era também refugiada, pois, na seca de 1877 morreu toda sua família e ela ficou sendo criada pela madrinha. Uma epidemia matou dois irmãos, Osvaldo e Manoel, depois morreu Alzira, outra irmã. 38 Caixeiro viajante é um termo local para designar o mascate. Caixeiro no Dicionário Eletrônico Aurélio significa: Substantivo masculino. 1.Empregado em casa de comércio que vende ao balcão; balconista. 2.Aquele que entrega a domicílio as mercadorias compradas; entregador. 39 O imóvel estava situado na Av. Santa Maria, 973 (antiga travessa Telegráfica) veio abaixo em 1957 para construção de um sobrado, hoje pertencente aos herdeiros de Francisca Serafim da Silva e Waldemar Pereira da Silva.

43 Raymundo. Contando os filhos do primeiro e do segundo casamento, teve doze. O futuro pregava peças e ela queria uma vida mais digna para sua filha. Acontece que Francisca era apaixonada por um amigo de infância40, uma paixão mútua, em forma de bilhetinhos na escola, jamais levada a efeito. O jovem por quem Francisca era apaixonada – e era correspondida – era um estudante ainda sem carreira profissional, ao passo que Waldemar Pereira da Silva era um próspero comerciante em ascensão contínua. Francisca nunca se apaixonou pelo marido, porém jamais lhe foi infiel. Transformou o amor que sentia pelo jovem em amizade, completamente. A família de Waldemar também era de refugiados, portanto tinham muito em comum, e muito significava sobreviver e se perpetuar no mundo.

40

O jovem chamava-se, Zacarias Garcia dos Santos (31/08/1924 a 31/08/1985). Essa história ficou em segredo absoluto até 2006, quando a filha de Francisca, Mírian Fátima Serafim Ferreira nos revelou. Na entrevista de 09/11/2013 reafirmou o que dissera. Pela vida toda Francisca Serafim da Silva respeitou o marido, todavia, nunca se apaixonou por ele. Transformou o amor que sentia pelo jovem Zacarias em amizade e convidou-o a batizar a filha Maria Zuleide Serafim do Nascimento (1945).

44

Figura 4 - casal Waldemar Pereira da Silva (1915-1980) e Francisca Serafim da Silva (1925-1981). Foto de autor desconhecido, 1939.

Assim, numa jogada jurídica permissível nos porões do cartório, a data de nascimento de Francisca Serafim das Chagas foi alterada para o nascimento em 1923 quando, na verdade, tinha nascido em 1925. Tinha, portanto, apenas 14 anos de idade e não 16 anos como constava no novo documento. A alteração de datas e nomes não era uma prática estranha, muito menos rara nos registros oficiais. Bastava a declaração oral de datas e

45 nomes para que o registro fosse efetuado, sendo assim, estabelecer uma ascendência

é

muito

difícil,

principalmente

ao

observarmos

sobrenomes femininos “da Conceição”, “de Jesus”, “das Chagas”. E essa prática é muito corriqueira ao nos depararmos com migrantes do final dos séculos XIX e XX. Francisca Serafim da Silva (1925-1981) ficou como primogênita de Virginia Maria da Conceição após a morte dos irmãos João Filho e Raymundo. Tornaram-se cúmplices e confidentes em muitos aspectos, até no número de filhos, sendo que Francisca teve ao todo treze filhos, com o casamento com Waldemar Pereira da Silva (1915-1980): Raimundo41, Manoel42, Maria Lucimar43, Maria Laide44, José Valderi45, Maria Zuleide46, Raimunda47, Hermes48, Lúcia Maria49, Lucival50,

41

Raimundo Serafim da Silva (10/02/1940) teve o nome em homenagem ao tio falecido, mas morreu meia hora depois de nascer, às 17:00 h (Livro 1, óbito nº 380, folha 152v). 42 Manoel Serafim da Silva (30/01/1942), morreu seis dias após o nascimento, de infecção intestinal, mesmo tendo tido assistência médica. 43 Maria Lucimar da Silva Pinho (25/02/1941). 44 Maria Laide da Silva (05/01/1943). 45 José Valderi Serafim da Silva (09/06/1944). 46 Maria Zuleide Serafim do Nascimento (11/09/1945). 47 Raimunda Serafim Silva do Nascimento (24/12/1946). 48 Hermes Pereira da Silva (12/07/1950). Faleceu em 20/11/1991. 49 Lucia Maria da Silva Albuquerque (19/09/1951). 50 Lucival Serafim da Silva (26/10/1952).

46 Maria do Perpetuo Socorro51, Mírian de Fátima52 e Valdemar Francisco53. A vida da filha Francisca imitava um pouco os passos da mãe, pois perdeu os dois primeiros filhos e tomou essas coincidências trágicas como signo, até na morte: seis meses depois que Virginia Maria da Conceição faleceu, o esposo João Serafim das Chagas também faleceu, então quando o marido de Francisca morreu, ela encucou que morreria seis meses após. Como ela estava doente, acometida por câncer, se entregou à morte, falecendo nove meses depois (1981). Foi praticamente um pacto de morte. O fato é que Virgínia Maria da Conceição chegou ao Pará por volta de 1905 e antes de 1914. A data de 1910 é considerada quando constamos no diário de frei Daniel de Samarate54 a informação, na página 115, que no dia 05 de fevereiro de 1910, um sábado, Frei Daniel de Samarate assistiu ao casamento de cinco importantes personagens de nossa colonização, na própria colônia do Prata:

51

Maria do Perpetuo Socorro Serafim Cereja (14/02/1959). Mírian de Fátima Serafim Ferreira (21/06/1957). 53 Waldemar Francisco Serafim da Silva (11/03/1964). 54 SAMARATE, Frei Daniel Rossini de. A Deus louvado!.. – Diário interior “Jornal de Serviço” de frei Daniel Rossini de Samarate, missionário Capuchinho, hanseniano entre os hansenianos. Milão: Editora Velar, 1995. 52

47 5. Sábado. Intenção da missa: pro Superiori. Chegou hoje Frei Mansueto que veiu se despedir dos irmãos do Prata para ir a Fortaleza para onde foi destinado. As 4:30 da tarde assisti ao Casamento de 5 rapazes do Prata: de Manoel Braz com Maria Saraiva, Manoel Fernandes e Leoniza, José Gomes com Joanna Carneiro, Aprijo com Virginia, todos do Instituto e de Manoel Montes com Maria Loyola. Foi um ato solemne e imponente. Correu tudo na mais perfeita ordem.

Ora, Manoel Braz era o cacique da aldeia Jeju, avô da atual cacique, Maria Cassiano55. Manoel Fernandes era morador da vila de Santa Maria, assim como Aprijo (na verdade Aprígio) e Virginia eram compadres de Virginia e João Serafim. Exceto pelo cacique da aldeia jeju, os demais vieram no mesmo navio que Virginia da Conceição. Se todos esses personagens do seu tempo já constavam na Colônia do Prata, então, nossa personagem já estava presente também. Outro dado importante, e que podemos usar como parâmetro para data, é o relato da filha Maria de Nazaré Serafim de Souza56 quando

55

Maria Francisca da Silva, Maria Cassiano ou Maria Paulino, índia Tembé (nascida Aldeia Jeju em 20/01/1934). Entrevistada em 20/01/2000, 22/07/2000, 21/10/2000. 56 Maria de Nazaré de Souza, Lelé (27/05/1927). Entrevistada em 12/06/2000, 21/09/2000, 13/07/2000 formalmente, entretanto, o áudio foi extraviado, mas restou documento escrito a partir do original. Faleceu em 25/02/2003.

48 disse que a Ir. Verônica57, religiosa capuchinha ajudou Virginia Maria da Conceição em sua chegada à Colônia do Prata, sozinha e doente. Irmã Verônica Maria de Canindé chegou à Colônia do Prata em 1904. Por causa dessa ajuda à sua mãe, Maria de Nazaré batizou seu 5º filho, uma menina, de Verônica. Frei Daniel de Samarate também foi um dos beneméritos de Virginia Maria da Conceição, pedindo a parteira do local, Maria José Uchôa, que a ajudasse com mantença e remédios. Essa parteira pedia ao filho58 que levasse refeições diárias para o Barracão de Imigrantes, que existia nessa época na Colônia do Prata.

57

Irmã Verônica (Irmã Verônica Maria de Canindé), a mesma Cecília de Paula Pimenta, nascida em 03 de outubro de 1866, estava com 38 anos de idade quando iniciou a vida religiosa na Capela do Retiro Saudoso, uma entre cinco cearenses que compuseram a criação das Terceiras de São Francisco em Belém que vieram colaborar com o desenvolvimento da Colônia do Prata, com a direção do Instituto Feminino. Ver p. 59-60 MUNIZ, João de Palma. O Instituto Santo Antonio do Prata (Município de Igarapé-Assú). Belém: Typografia da Livraria Escolar, 1913 e a página 33 do livro de CASTILHO, Irmã Utília Maria, IMC. Irmãs Missionárias Capuchinhas – uma história de amor (feita de luzes e sombras) – 1904 – 2004. Fortaleza: Congregação das Irmãs Capuchinhas, 2004. 58 Encontramos o nome de um filho de Maria José Uchoa chamado José de Sousa Uchoa. Seu casamento deu-se com Persilia Alves Cardoso quando estava com 31 anos de idade em 29/05/1937. No livro de casamentos da Paróquia de Santa Maria do Pará, nº 1 - A. Acreditamos que este senhor seja a pessoa que levava a alimentação para Virginia Maria da Conceição quando estava prostrada no Barracão de Imigrantes da Colônia do Prata.

49 Frei Daniel de Samarate, missionário capuchinho, foi diretor da Colônia do Prata entre 1900-1913, por motivo de moléstia (leia-se hanseníase) teve de abandonar definidamente a Colônia do Prata em 31/01/1913, a residência do Anil no Maranhão em 11/12/1914 e o convento, já em Belém, para o Leprosário do Tucunduba em 27/04/1914, onde faleceu em 10/05/1924. Se frei Daniel de Samarate ajudou Virginia Maria da Conceição com medicamentos, em sua chegada à Colônia do Prata, logo, esse acontecimento se deu antes de sua chorada despedida da Colônia do Prata em 31/01/1913. De outra forma, como poderiam estabelecer contatos, já que ele estava internado numa área restrita? A hanseníase era, naquela ocasião, uma doença abominável e incurável e os doentes deveriam ficar em lugares isolados, totalmente. Pesquisas iconográficas mostram Virginia Maria da Conceição nas escadas da Escola feminina na Colônia do Prata, junto ao corpo de funcionários, assinalada com o nº 3 da página 40 do Álbum de Governo do Estado Pará59, no canto esquerdo da fotografia, com os cabelos

59

PARÁ, Governo do Estado do, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará; oito anos de governo. Paris: Chaponet, 1908.

50 presos, a testa proeminente, magra, com o semblante sério. A fotografia condiz com os relatos dos entrevistados e com o relato da própria Virginia Maria da Conceição que trabalhou com os padres e freiras, e muitos a reconheceram na referida fotografia. O citado álbum é de 1908 e as fotografias dele são de antes de 1909 ou até esta data. Outro evento que colabora com a elucidação de sua chegada ao Pará diz respeito à campanha de erradicação da febre amarela em Belém, por Oswaldo Cruz: Às 11 horas da manhã do domingo 6 de novembro de 1910, a população de Belém, entre surpresa e excitada, viu desembarcar de bordo do vapor “Bahia”, portanto volumosa equipagem , a numerosa comitiva de Oswaldo Cruz (FRAIHA NETO, 2012).

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Figura 5 - alunas e corpo dirigente do Instituto Feminino da Colônia do Prata, com destaque para Virginia Maria da Conceição. PARÁ, Governo do Estado do, 19011909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará; oito anos de governo. Paris: Chaponet, 1908, p. 40. Reprodução: Laércio Braga, 2006.

Em 16 de outubro de 1912, o sanitarista Oswaldo Cruz declara erradicada a febre amarela em Belém. Desta forma, podemos concluir que Virginia Maria da Conceição deve ter chegado no período em que a febre amarela estava instalada em Belém e “viajava” nos porões dos vapores. Não eram raros os casos registrados estatisticamente. Assim, podemos situar a chegada de Virginia Maria da Conceição ao Pará entre 1905 e 1913.

52 A HEROÍNA DA VIDA COMUM Virginia Maria da Conceição, em 1955, era uma senhora de 66 anos de idade, respeitada, trabalhadeira, quituteira de mão cheia, religiosa extremada. Em casa tinha um oratório de madeira confeccionado pelo esposo, João Serafim das Chagas (1888-1961), que tinha as imagens de Pe. Cícero Romão Batista, Nossa Senhora de Nazaré e São Sebastião. Segunda a neta Maria Zuleide Serafim do Nascimento60: “Os dois (Virginia e João) eram muito católicos. Quando eu me entendi por gente, a vovó usava um rosário no pescoço. As aves marias branca e os pai nosso azuis só tirava pra tomar banho. E no canto do quarto tinha um oratório de madeira feito pelo vovô. Dentro do oratório tinha N. S. de Nazaré, S. Sebastião e Padre Cícero. Ela tinha muito ciúme pra gente não quebrar as imagens. A única pessoa que confiava de limpar e arrumar era eu. Trocava as velas queimadas, colocava flores, porque todos os dias rezavam o rosário” (sem paginação).

Era uma mulher de estatura mediana, de pele clara, magra. Não era triste, nem feliz totalmente. Tinha tempos de ficar com o olhar perdido, pensando no passado de tragédias e ao mesmo tempo feliz, comunicativa e sorridente. Chorava e sorria com a mesma facilidade. E era uma mulher de opinião forte! “Era determinada em dizer a verdade 60

Maria Zuleide Serafim do Nascimento (Santa Maria do Pará, 11/09/1945). Entrevistada em 02/05/2001, 20/09/2009, 09/10/2013.

53 e chamar a atenção, doesse a quem doesse”, revela o neto João Benedito Filho61. Era opiniosa, perdoava, mas guardava, no fundo, uma mágoa eterna. Era demais apegada aos filhos e temia perdê-los um dia, como tinha acontecido com sua primeira família, com seus dois filhos do seu segundo casamento, com a morte dos netos, filhos de Francisca (Chiquinha) e com a morte de sua filha caçula, Maria de Lourdes (1932-1954). Virginia Maria da Conceição não perdia uma novena, principalmente, porque a vida social que a vila de Santa Maria oferecia eram as missas, novenas, trezenas, arraiais e em espaços de anos, Santas Missões da Igreja Católica. Certamente, o mundo girava em torno da cruz.

61

João Benedito Filho (11/07/1953). Entrevistado em 28/02/2010 e 09/11/2013.

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Figura 6 - cartão com fotografia de Virginia Maria da Conceição, com vestido (desenho de Maria Laide da Silva, 2013) e fogareiro (sem autoria). Arte de Laércio Braga, 2013.

Em si, Virginia Maria da Conceição não tinha vaidades, nem almejava ostentação. Usava os poucos cabelos presos em um coque, fixado por pente de chifre de boi. Tinha um rosário de contas brancas, com os padre-nossos de cor azul, que usava cotidianamente. A boca estava desprovida de dentes, tanto dos superiores, quanto dos inferiores. Não se incomodava com o fato, nem mesmo com as insistência de sua filha, Francisca Serafim da Silva, a Chiquinha (19231981), para que colocasse dentadura, pois ela achava que não tinha necessidade. O único acessório que tinha, e que fora presente de sua mãe, no Ceará, era o brinco de ouro do qual pendia uma conta azul. Usava-o sempre e tinha-o como relíquia.

55 Os vestidos não tinham grandes detalhes plásticos: eram vestidos com saia evasê, lisos, de botões laterais ou à frente, muito abaixo dos joelhos, sem adereços, de tecido de algodão, raramente estampados. Diríamos que era o traje próprio de uma migrante do nordeste brasileiro. A roupa íntima era calcinha de tecido de algodão branco com botões laterais e às vezes no fundo, para facilitar urinar na retrete, sem tirar toda a peça. O sutiã, quando usava ─ e raramente usava ─, era também uma peça produzida artesanalmente, de tecido de algodão branco, que estava no formato dos seios não fartos. Ensinou a filha e as netas a usarem o mesmo tipo de roupa íntima, tanto quanto confeccioná-la, utilizando apenas agulha e linha. O efeito da calcinha de tecido de algodão, com os anos prolongados do uso, possibilitava às mulheres marcarem as cinturas. Mesmo quando envelheciam, como no caso de Virginia, permaneciam com a cintura marcada. Era uma mulher amável com as pessoas, com os filhos e netos, submissa ao marido e incansável, para com a própria subsistência, sempre rigorosa com o caráter dos filhos e com uma postura impoluta diante da sociedade. Não dispensava um gole de genebra holandesa, tanto ela quanto o esposo e, de vez em quando, dava umas pitadas num

56 cachimbo. O marido produzia rapé, que vivia cheirando. Quando ela estava gripada, utilizava o produto para apressar a saída do catarro do peito. No universo nordestino de Virginia Maria da Conceição não faltava o vocabulário próprio que, ainda hoje, permeia as frases dos descendentes e os comunitários santamarienses, de uma forma muito peculiar: munganga (trejeitos engraçados); magote (quantidade); pelejei (batalha,

luta);

trovisco

(embriagar-se

ligeiramente);

acatruzar

(aborrecer, apoquentar); gorgomilo (garganta, goela); farnezim (frenesi, impaciência, inquietação); triscar (roçar levemente). Muitas outras palavras compõem esse vocabulário, falado de forma arrastada, bem ao estilo nordestino. Acordava-se quase sempre de madrugada, para preparar seus quitutes, buscando água do poço da casa62 da filha (situada na Av. Santa Maria, 973) no centro da vila, para abastecer os potes e lavar a louça no jirau, nos fundos da casa. O acesso ao poço era feito mesmo

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O imóvel situado na antiga Travessa telegráfica, hoje Av. Santa Maria, nº 973, era onde estava localizada a pensão de caixeiros viajantes, que foi vendido ao genro Waldemar Pereira da Silva (1915-1980) em 20/09/1954 por Cr$30.000,00, de acordo com documento de Compra e Venda (anexo 3).

57 pelos quintais e não demorava quase nada. As roupas eram lavadas no igarapé Influência63. Água encanada, só a partir de 1967, quando o prefeito Pedro Barros da Silva (1918-1999) inaugurou o serviço de água64. A trouxa de roupa suja era transportada na cabeça até o igarapé, que ficava cerca de um quilômetro e meio de sua casa. Era uma mulher de aparência frágil, mas muito longe de sê-lo. Colocasse uma mão de pilão em suas mãos para ver sua destreza, capacidade e força. A sertaneja trabalhava muito, todos os dias, sem descanso, sem aposentadoria ou intenção dela. E mesmo assim, as vantagens sociais dos trabalhadores e donas de casa eram outras. Não estava contemplada, nem a vila oferecia esse suporte. Virginia vivia em um tempo em que o nome dieta calculada, restrição alimentar, não fazia qualquer sentido. Comia muito gordura, que conseguia derretendo banha de porco para cozinhar os alimentos 63

No início dos anos 1980 esse igarapé já havia desaparecido. No lugar hoje estão as bombas de captação de água empresa pública COSANPA do município de Santa Maria do Pará. O igarapé Influência era muito utilizado pelas famílias coloniais da vila, para higiene pessoal, lavação de louça e roupa, mas também não era difícil encontrar animais de montaria serem banhados no local. 64 A data de inauguração foi em 1º de fevereiro de 1968, com a presença do gov. do estado, Tem. Cel. Alacid da Silva Nunes e o prefeito de Belém, Estélio de Mendonça Maroja e comitiva. Na ocasião seria dado posse à nova administração dos poderes Executivo e Legislativo (Severiano Benedito de Sousa, diplomado em 07/12/1966).

58 que abastecia sua sempre farta mesa, com um cardápio que não dispensava farinha d’água, feijão, carnes, manteiga, rapadura. Claro, o açaí estava presente, tomado com farinha d’água baguda, com açúcar, assim como o cupuaçu, transformado em vinho (o sentido de vinho aqui é suco)

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e doce, com coco e adoçado com rapadura. No dia em

que Virginia tomava açaí, ficava praticamente inviável servir-se de outro alimento, pois a crença popular dizia que faltava um grau para o mesmo ser veneno e, uma mistura no intestino, poderia ser fatal. A comida preparada por Virginia Maria da Conceição era deliciosa, mas quase que totalmente distante do cardápio paraense. Entretanto, o açaí era tomado à tarde, muito tempo depois do almoço. O Nordeste fazia parte do passado, malquerido, mas o sabor nunca se distanciou de sua natalidade. Andava calçada com um tamanco, por ser absolutamente fácil de livrar-se dos pés, e muito raramente, em ocasiões muito festivas, usava uma sandália rasteira, presa por tiras, embora adorasse mesmo era

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Na vila, por esta época, inexistia liquidificador. Processava-se artesanalmente o cupuaçu: arrancava-se apenas uma tampa da casca do fruto e com um pedaço de bambu cortado em um dos lados em vários pedaços, introduzia entre os caroços e friccionava até desprender a polpa.

59 andar descalça. Vencia quilômetros para visitar amigos, carregando sempre consigo alguma neta ou neto, para que lhe fizesse companhia. Ia à vila São Paulo, cerca de 10 km do centro de Santa Maria, passear na casa dos amigos e compadres Miguel Pinheiro de Almeida (19061996) e dona Agostinha Pinheiro de Souza (1918-2002); para a Travessa São João da Mata, visitar o senhor João Boi e na antiga travessa do Abacate, visitar a família do senhor João Alves da Silva (1882-1964) e Maria Alves da Silva (1918-1993), Pedro Batista Aranha (1923-1946) e Maria da Silva Aranha [Maria Severo] (1903-2001) e no sítio do senhor Mamédio e dona Mariana, que eram padrinhos da filha Francisca. As conversas com os amigos eram sempre cordiais e de fartos sorrisos. Dentre estes amigos também estava o casal, Maria Freire Losada (1904-2003) e Benigno Rodrigez Losada (1889-1975), proprietários do sítio São Francisco, que tinha o alambique66 onde se fabricava a cachaça Dunga. O sítio estava a cinco quilômetros do centro de Santa Maria.

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Este alambique do sítio São Francisco é referenciado no livro de Ernesto Cruz, p. 130, A Estrada de Ferro de Bragança: visão social, econômica e política. Belém: SPVEA, 1955 e em outras bibliografias do Estado do Pará.

60 A respeitabilidade que demonstrava cotidianamente, tanto consigo como no trato com as pessoas, tornava-a uma pessoa referencial, e por tudo, estava colocada em um patamar econômico que se igualava aos respeitos das pequenas fortunas, pontentosa das elites locais. Ninguém desmerecia sua pobreza, uma vez que o poder econômico estava nivelado à economia da vida social religiosa e, basicamente, por serem a maioria migrantes do Nordeste brasileiro. E além do quê, as pessoas influentes politicamente na cidade, as pessoas referenciais pioneiras, engenheiros, técnicos, funcionários públicos, imigrantes espanhóis ou italianos, índios, eram todos de seu relacionamento e eram tratados com a mesma distinção. Foi por esta sua influência de amizade verdadeira, que o filho, Antonio Serafim das Chagas (1930-1968) conseguiu um trabalho na Casa de Força e Luz, mandada construir pelo prefeito João Flor de Oliveira67 e posta em funcionamento pelo prefeito Francisco Miguel

67

João Flor de Oliveira foi o 20º prefeito eleito de Igarapé-Açu. Governou de 1951 a 1955 (Fonte: FREITAS, Aluizio de Maraes. Memória de Igarapé-Açu. Belém: Gráfica Supercores, 2005, p. 31). Por esta época Santa Maria (1955) foi cidade por alguns meses, mas depois o município caiu e voltou a ser vila de Igarapé-Açu novamente.

61 Gomes68, de João Pessoa (Igarapé-Açu) em 1959, que funcionava por cerca de três horas, à noite. Era uma mulher muito simples e esta simplicidade se estendia a toda a família. Não se sabe em que momento que muitos dos membros tomaram ares de aristocracia. Mas talvez esta transmutação, pode ser creditada ao pioneirismo dos nossos ascendentes ou porque, Virginia Maria da Conceição não dispensava o cerimonial da época, nos eventos sociais fartamente acontecidos na vila de Santa Maria, e religiosamente repetidos em seu universo cultural. Costumava a ir à igreja com o véu clássico das católicas. Repassou o costume às suas filhas, Francisca, Nazaré e Maria de Lourdes, inclusive nos anos sessenta, Francisca e Nazaré entraram para a confraria do Sagrado Coração de Jesus. Todas as filhas casaram cerimoniosamente, também. Casamento era um evento extremamente público na vila de Santa Maria. Reproduziremos o cerimonial de Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1955):

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Francisco Miguel Gomes foi o 21º prefeito eleito de Igarapé-Açu. Governou de 1955 a 1959 (idem).

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Figura 7 - cartão com fotografias com os casamentos de Maria de Nazaré Sousa, a Lelé (1927-2003) e Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1968). Fotos sem autoria do Álbum de João Benedito Filho.

Maria de Lourdes casou em uma cerimônia simples, mas de bom gosto com Pedro Alves da Silva Medeiros69 (1934). A noiva foi preparada esmeradamente para as núpcias. Era costume da época o noivo presentear a noiva com o vestido, então, o mesmo foi encomendado para uma costureira local que sabia o que estava na moda no mundo, e o branco, que significava a pureza, tinha inspiração nas vestes nupciais da Rainha Vitória da Inglaterra. Vivia-se no interior da

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Não foi possível saber mais informação sobre Pedro Medeiros além das informações da Certidão de Casamento Religioso em 06/12/1955. O mesmo reside em lugar ignorado, sem qualquer outro tipo de contato.

63 floresta amazônica, mas o bom gosto sempre esteve globalizado. Outro costume corriqueiro, depois da oficialização da união na igreja, tomar as bênçãos dos pais da noiva, na residência destes. Almofadas eram preparadas com esmero, bordadas à mão meticulosamente, para receber os noivos, de joelhos, unicamente para a ocasião. Quando a noiva chegava da igreja, os pais já estavam sentados diante das almofadas. Noiva e noivo se ajoelhavam e pediam as suas benções. Era uma convenção levada muito a sério, assim como a noiva sair de casa a caminho da igreja, acompanhada do noivo, pais, padrinhos, damas de honra e demais familiares, de pé. A convenção era absolutamente necessária, para que toda a cidade pudesse ver o séquito, e de uma certa maneira, admirá-lo. Já a recepção em casa era oferecida pelos pais da noiva. Era composta por uma mesa farta, sem economia na quantidade e na variação, com todas as delícias que a vida singela poderia oferecer, com direito a bolo, partido durante o evento pelo casal, também cerimoniosamente, mas nunca servido logo aos convivas, pois bastava a

64 enorme quantidade de doces, cremes e pavês ofertados como sobremesas. Logo no primeiro ano de casamento, Maria de Lourdes engravidou e vivia dizendo para todos – como se isso fosse uma premonição – que morreria em consequência do parto. O curioso naquilo tudo é que sua gravidez transcorria dentro da normalidade. Ela tinha vinte e dois anos. Quando chegou a hora do parto, Virginia Maria da Conceição mandou chamar a parteira, a senhora Leocádia, que já havia botado muita criança no mundo, mas nada pudera fazer para ajudar Maria de Lourdes. A coitada sofreu durante três dias. Ao final do terceiro dia foi levada para a cidade de Castanhal, para uma conhecida maternidade, por sua irmã Francisca Serafim da Silva (1925-1981). Na maternidade penou mais ainda: médicos carniceiros queriam que ela tivesse a filha de parto normal. Não tinha passagem para a criança, mesmo assim judiaram bastante dela, acabando por infeccioná-la. Depois do mau entendimento em Castanhal, foi transferida para a Santa Casa de Misericórdia, em Belém.

65 O médico que atendeu Maria de Lourdes na capital chamou reservadamente a irmã, Francisca, e lhe disse secamente que “os carniceiros de Castanhal haviam feito o impossível, e o desnecessário” para a parturiente. Iria tentar salvar a criança, mas não garantia a vida da mãe. O caso era de cesariana e urgente, por causa das muitas lacerações que havia, além disso, o bebê já estava em sofrimento. A menina veio ao mundo cheia de hematomas, o rosto deformado, roxa. Felizmente sobreviveu em meio ao trauma. Maria de Lourdes, como esperado, ficou super debilitada e com uma forte infecção, porém, inteiramente consciente. Se resistisse às próximas setenta e duas horas, sobreviveria. Ladeada pela mãe, Virginia Maria da Conceição e pela irmã (Francisca) na Santa Casa de Misericórdia, disse textualmente: Vou morrer... Mamãe, quero que a senhora cuide da minha filha, lhe dê boa educação e lhe batize com o nome de Maria de Nazaré do Socorro Serafim. É uma promessa que fiz. As coisinhas que comprei com meu dinheiro (fabricava cocada e um garoto vendia para ela, com o quê fez seu enxoval), vá em casa buscar que são suas (TOMBO DA FAMÍLIA SERAFIM PEREIRA DA SILVA, Braga, 2002).

O rosto de Maria de Lourdes estava sereno. Parecia feliz antes de resignada, segurando a mão da mãe. Ainda disse-lhe: “Não chorem

66 vocês duas, eu sabia que ia morrer... Agora chamem o Pedro que eu quero me despedir dele também” (idem, sem paginação). O esposo Pedro Medeiros, aflito, aguardava na recepção, já que na maternidade não se permitia a companhia masculina. Bem no momento em que foram chamá-lo, Maria de Lourdes começou a passar mal. À medida que Pedro Medeiros foi entrando na enfermaria, ela perdia as forças. Não falou mais, apenas estendeu-lhe as mãos e apertou as dele, falecendo naquele momento, lindamente, como a heroína de um filme romântico, uma heroína cabocla, humilde, feliz, que casou por amor e foi gerada igualmente com muito amor, por um casal eternamente apaixonado e cúmplice. A filha de Maria de Lourdes ficou aos cuidados de Virginia Maria da Conceição. Viveu até os sete anos, quando inesperadamente, morreu. As primas dizem que foi Maria de Lourdes quem veio buscála, como convém dizer de todos os casais, pais e filhos que morrem pouco tempo depois do outro. A morte de Socorrinho, como chamavam a filha sobrevivente de Maria de Lourdes, foi um abalo a mais na vida de Virginia Maria da

67 Conceição, pois ela só se conformou com a morte da filha por causa da responsabilidade de criar a neta. E assim, a menina ficou em suas mãos até os cinco anos de idade, quando o pai, já em novas núpcias, praticamente arrancou-lhe das mãos. Virginia entregou-a, mas quase morreu de tanto chorar. Socorrinho faleceu de febre amarela, contraída nas imediações da rodovia Belém-Brasília, que ainda conservava muita mata. Correu à boca miúda, que foi a mãe quem tinha vindo buscá-la para a eternidade, pois a madrasta não gostava da menina, e o pai pouco ligava para isso, e para a filha como um todo. Diziam dele, muito ignorante e estúpido, mas estas coisas não se assina embaixo, pois se não gostasse da menina não a exigiria para educar. O ruim é que contrariou o pedido de Maria de Lourdes, feito no leito de morte. Era mais uma história triste nos signos de Virginia Maria da Conceição. Maria de Lourdes e Maria de Nazaré do Socorro estão sepultadas ladeadas, no cemitério de Santa Maria. O pai teve a consideração de trazer o corpo da filha para ficar entre os seus e próximo da mãe/avó.

68 A neta Maria Zuleide Serafim do Nascimento70 (1945) disse sobre um episódio que envolvia tristeza. Lembrou-se que “quando a minha tia de Lourdes faleceu de parto, ela (Virginia Maria da Conceição) ficou muito abalada, sempre que falava nela, chorava muito”.

MISSÕES FRANCISCANAS NOS ESTADOS DO CEARÁ E NO PARÁ Os capuchinhos lombardos, desde 1898, estavam instalados, oficialmente, no Estado do Ceará, na cidade de Canindé, onde permaneceram até 191571. No Canindé chegaram depois de um massacre promovido pelos índios Guajajara em 1901, em Barra do Corda Maranhão, em que foram assassinados quatro frades, sete freiras e mais de duzentos e cinquenta colonos. E, os mesmos capuchinhos lombardos, estavam instalados na Colônia do Prata, no Estado do Pará. Natural que neste processo de secas e consolidação de formação de

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Maria Zuleide Serafim do Nascimento (11/09/1945). Entrevistada em 02/05/2001, 20/09/2009 e 09/10/2013. 71 VIEIRA, Gonzaga. Canindé da lenda à realidade. Ceará: Edições Canindé, 1986.

69 vilas no Estado do Pará, as homilias das missas em honra de São Francisco do Canindé, contemplassem a esperança de um lugar capaz de superar a carência de água e tivesse floresta abundante que, se derrubadas, forneceriam lotes agriculturáveis.

Figura 8 - cartão com galeria de religiosos como frei Carlos Olearo, irmã Verônica, frei Daniel de Samarate, padre Calado e padre Cícero Romão Batista. Figuras que, além dos santos comuns da Igreja Católica faziam parte da cosmogonia de Virginia. Reprodução e arte gráfica de Laércio Braga, 2013.

A presença dos Capuchinhos Lombardos no Ceará, na cidade de Canindé, passou a ser muito importante estrategicamente no Nordeste brasileiro, como esclarece Velar (1993): A oferta de cuidar espiritualmente do Santuário de São Francisco em Canindé feita por Dom Joaquim José Vieira, bispo de Fortaleza, leva não somente à abertura de nova residência, mas também ao alargamento do espaço de atividades dos Capuchinhos Lombardos que passam assim a abranger também o Estado do Ceará... (...) O Santuário de São Francisco do Canindé, surgido de antiga capela construída entre o ano

70 de 1785 1795, tornara-se aos poucos centro notável de devoção popular que atraía muitos romeiros (p. 65).

O apostolado dos Capuchinhos Lombardos, no Santuário de Canindé, não seria em vão. Havia muitas almas para serem cuidadas, muito flagelo para ser abrandado espiritualmente, muitas distorções para serem aplacadas com a Palavra de Deus, assim Velar (idem) continua a enaltecer: Igreja e paróquia empenham ao máximo os missionários num árduo trabalho de evangelização e catequese. As recorrentes secas na área solicitam a sua presença humanitária para enfrentar de alguma maneira as desastrosas consequências desse flagelo que leva a população à fome (p. 72).

Muniz (1913) enaltece o início da missão no Norte do País, com grande ênfase no trabalho dos capuchinhos lombardos, de quem era grande amigo, integrante do governo estadual: Iniciara-se o anno de 1898 em um modesto capitulo de frades, esses precursores da civilização, principalmente no Brasil, capitulo realizado em 20 de janeiro daquelle anno no convento dos Capuchinhos Lombardos da Missão do Norte do nosso paiz, no Estado do Maranhão, foi resolvido enfrentar o importante problema social da catechese dos selvagens disseminados na zona dos rios Capim e Guamá, sem outro calculo que o sacrifio e a lucta, sem mais outro fim que a chamada ao gremio christão e catholico de almas perdidas nas selvas, e levar a outros tantos brasileiros abandonados, não só os confortos da civilisação, como assegurar-lhes todas as protecções da nossa legislação (p. 5).

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Esse lugar de assentamentos chamava-se Instituto Santo Antonio do Maracanã, depois chamado Instituto Santo Antonio do Prata ou simplesmente, Colônia do Prata. Após 1921, a Colônia do Prata72 foi perdendo status de vila e em 1924, definitivamente passou a ser abrigo de hansenianos. Hoje o lugar é uma autarquia federal sob a jurisdição do município de Igarapé-Açu-PA e está próximo da cidade de Santa Maria do Pará, em cerca de seis quilômetros, enquanto dista do primeiro, vinte e um quilômetros. A Colônia do Prata girava em torno da religião, da catequese dos índios Tembé e do assentamento de colonos migrantes do nordeste brasileiro, refugiados das grandes secas e imigrantes estrangeiros, para garantir um desenvolvimento tecnológico indispensável. BRAGA (2001) sintetiza o trabalho da Missão Capuchinha na região Norte e Nordeste: 72

Apenas em 1983 a discriminação contra os hansenianos passou a ser derrubada, mesmo por um lento processo de aceitação da população brasileira, através de uma campanha do governo federal que afirmava que a hanseníase tem cura e o doente poderia receber o tratamento na sua própria casa, sem as estigmatizações de antes, portanto, somente de 1983 viviam na Colônia do Prata apenas os hansenianos, sob um regime quase militar que incluía guaritas na entrada e na saída dos cinco mil hectares do lugar, que tinha moeda corrente própria. Para saber mais ler jornal O Liberal, 25 de julho de 2001.

72 Através da Missão Capuchinha, o governo queria fomentar a criação de núcleos coloniais para introduzir imigrantes, produzir em terrenos incultos e inaproveitados. Os capuchinhos queriam juntar os índios “entregues ao paganismo” em nome da agremiação cristã e católica. Atingiriam assim outros tantos brasileiros que se aventuravam na floresta com o intuito de lhes relegar os confortos possíveis da civilização, bem como lhes assegurar as proteções de nossas leis. Os índios, julgados incapazes de opinar, ficaram no fogo cerrado das pretensões e se deixaram envolver com promessas que interfeririam profundamente em seus costumes, tradições e direitos. Como núcleo colonial a Missão do Prata correspondeu a todas as expectativas. Em menos de quatro meses surgiu florescente núcleo civilizador, que enchia de esperanças o governo e orgulhava os missionários. A vila não parava de crescer e se modernizar. Os brios europeus eram evidentes, seja nas construções planejadas rigorosamente por engenheiros qualificados, seja nos ensinamentos curriculares e nos preceitos religiosos. Toda a região do Prata somava cinquenta mil metros quadrados. Sendo assim, o atual território de Santa Maria do Pará, estava direta e proporcionalmente dentro do programa da Missão Capuchinha. Aqui de forma mais contundente porque a grande maioria dos índios chamados à civilização estava do lado direito do rio Maracanã, e com a permissão dos pais, freqüentavam a escola, em regime de internato ou não. Como a Missão Capuchinha estava assentada no nordeste brasileiro, foi mais fácil adentrar com imigrantes nordestinos, refugiados das grandes secas, para povoar o promissor vilarejo, como também imigrantes estrangeiros, como espanhóis, italianos, sírios e portugueses, atraídos pela propaganda governista (p. 18-20).

Realmente, o Pará correspondia às expectativas dos retirantes, por ser uma terra de grande abundância e inculta. O destino final, no caso, a Colônia do Prata, era outro primor, uma vila muito bem constituída e formada em torno da cruz, que reunia todos os estereótipos religiosos cultuados pelos sertanejos, exatamente como no Nordeste brasileiro,

73 no Ceará, terra de Pe. Cícero Romão Batista73, beatos, como Antonio Conselheiro (13/3/1830-22/9/1897, respectivamente, QuixeramobimCE e Canudos-BA) e outros. E os edifícios públicos da Colônia do Prata eram magníficos e se perpetuam como tais. Na Colônia do Prata estavam reunidos todos esses arquétipos de um núcleo colonial dirigido por frades capuchinhos, com o diferencial que aqui talvez fosse, realmente, a “Terra Prometida”. Reunia a Palavra de Deus, a bondade, a catequese aos silvícolas, os discípulos mártires em pleno exercício da evangelização (como frei Daniel de Samarate, acometido de hanseníase), o trabalho e desenvolvimento diante uma 73

Pe. Cícero Romão Batista nasceu no Crato (Ceará) no dia 24 de Março de 1844, seus pais eram Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana (D. Quinô). Foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870 e retornou ao Crato aguardando a definição do Bispo sobre seu destino. Padre Cícero foi convidado pelo Prof. Semeão Correia de Macedo para visitar o Juazeiro (então pertencente ao Crato), para celebrar a Missa do Galo no Natal de 1871. Foi amor a primeira vista, a pequena Juazeiro encantou-se com a oratória do jovem Padre de 28 anos, estatura baixa, pele branca, cabelos claros e olhos azuis. A recíproca foi verdadeira. O Ardente desejo de evangelizar aquele povo humilde que lhe fora confiado, fez do Padre Cícero um incansável missionário, pregando, visitando, exortando. Era todo um trabalho Pastoral que precisava ser feito. Padre Cícero exerce sobre o povo de Juazeiro um domínio absoluto, toda a população o tem como amigo e conselheiro, a base de todo o seu trabalho foi à família. No dia 10 de março de 1889, um fato fora do comum transformou a vida de Juazeiro e á vida do Padre Cícero para sempre. Naquele dia ao distribuir a comunhão aos fiéis durante a Santa Missa, Padre Cícero foi surpreendido com o fato da Beata Maria de Araújo, ao receber a hóstia consagrada, não pode engolir, pois a mesma transformara-se em sangue. Para saber mais: .

74 floresta inexpugnável, irrigada por rios e igarapés, com abençoada chuva, frequente e fertilizadora. O Pará representava uma conquista imensurável: para cada família um lote de terra, ferramentas agrícolas, escola para os filhos. Significava nunca mais ter privações por causa de seca, garantia de que, semeando, haveria colheita certa. Significava estar perto das coisas de Deus, como parte cotidiana da vida. Haveria sempre uma novena, um terço para ser rezado, uma missa a assistir, um padre como conselheiro sempre pronto a abençoar e ministrar extrema unção. Até morrer, seria com dignidade, sem o paganismo garantido das prematuras mortes. A família estaria preservada, a continuidade garantida, a fé renovada e inabalada. As redes ainda continuariam a ser os caixões dos mortos migrantes por muito tempo, enquanto as posses fossem reduzidas, mas a falta de dignidade das mortes estava com os dias contados em algumas dezenas de anos, poucas. Quando surgisse o dinheiro da força de trabalho nos campos de cultivo, surgiria o profissional carpinteiro para ajeitar os colonos mortos, no caixão, dignamente. Da memória que

75 guardamos, nos anos 1970, muitos comunitários ainda mandavam confeccionar os caixões dos entes falecidos, por profissionais carpinteiros, não exatamente oficiais na função: caixões de tábuas brancas (madeira não nobre), coberto e forrado de tecido roxo ou azul para os anjinhos (crianças falecidas), às vezes enfeitados de galões, estilo grega ou retos, em tons de roxo e negro. O morto vinha com uma mortalha apropriada, branca (se fosse moça virgem ou inupta. Neste caso, dependendo da idade, também podiam vesti-la de noiva), roxa comumente e azul para os anjinhos. Apenas na década de 80 foi que surgiram os primeiros armadores na cidade.

OS TRANSPORTES MARÍTIMOS A telenovela da Rede Globo, Terra Nostra74 oferece-nos grandemente a informação do que era a imigração estrangeira para nosso País, no início do século XX. Num cenário espetacular, de dentro

74

Terra Nostra foi uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo, entre 20 de setembro de 1999 e 3 de junho de 2000, às 21 horas, totalizando 221 capítulos. Foi escrita por Benedito Ruy Barbosa, com colaboração de Edmara Barbosa e Edilene Barbosa, e dirigida por Marcelo Travesso e Carlos Magalhães com direção geral e de núcleo de Jayme Monjardim.

76 de um navio, dividido em classes sociais, estavam os personagens principais, Giuliana e Matteo (respectivamente, Ana Paula Arósio e Thiago Lacerda) e outros personagens não centrais. As dificuldades de embarque, os dias transcorridos na embarcação, as doenças oportunistas, as amizades formadas na terra que ficou para trás e as novas formadas na viagem... Basicamente, dão a mesma abrangência do que foi a viagem de migrantes do Nordeste-Norte nos vapores nacionais, em menor escala. Para a neta/enteada Maria Serafim do Nascimento, a Lordinha75 (1935?) a travessia aconteceu em oito dias. A obra fictícia de Benedito Ruy Barbosa pode ser usada como uma importante ferramenta histórica, no sentido que reproduz quase que fielmente um contexto histórico. Muitos descendentes de Virginia Maria da Conceição puderam assim vislumbrar o que a mãe, avó, 75

Maria Serafim do Nascimento, Lordinha (20/01/1935). Entrevistada em 15/08/2009 e 06/03/2010. É filha de uma sua enteada, Antonia, portanto, sente-se sua neta e ao falar de Virginia Maria da Conceição, trata-a por vovó. Não teve oportunidade de educação ou o tempo a consumiu não lhe dando oportunidade, pois quando Virginia lhe trouxe para criar tinha três anos de idade. Entregou-a à filha Francisca Serafim da Silva (Chiquinha), para que cuidasse dos filhos desta quando tinha nove anos de idade. Em seu Registro de Nascimento, consta uma idade estimada. Pensa-se que já passou dos 80 anos. Quando Lordinha chegou para ficar com a família, Chiquinha já tinha seus quatro primeiros filhos de um total de onze. A primeira filha, Maria Lucimar da Silva Pinho tinha nascido em 1941. A família lembra que ficou entre eles com uns nove anos de idade, portanto, sua data de nascimento seria 1932.

77 bisavó relatava, da própria verbalização ou reprodução de outrem. Arrancou lágrimas das netas Maria Laide da Silva (1943), Maria Zuleide Serafim do Nascimento (1945) e Maria Lucimar da Silva Pinho (1941).

Figura 9 - 1. vapor Equitaine; 2. Hospedaria de imigrantes; 3. Escadinha do Vero-Peso; 4. Um tipo de vapor do início do século XX. Compilações de Álbum de Governo, 1899 e 1908.

O transporte no início do século XX mais comumente utilizado era o marítimo, a vapor. E havia muitos navios que faziam a navegação de cabotagem, como os vapores, Acre, Alagoas, Ambrose, Anselmo, Argentina, Brazil, Cearense, Cyril, Clement, Colombo, Espírito Santo,

78 João Alfredo, La Plata, Manaus, Maranhão, Olinda, Pará, Pernambuco, Rio Grande, Sergipe, Terezina só para citar alguns. No relato de Manoel Raimundo (Seu Totó) Teixeira de Souza76 (1918-2004) seus pais77 e avô, Francisco Justino de Souza (Chico Justino),

Maria

Ferreira da Luz (Joana Justino) e Vicente Justino tinham vindo do Ceará, do Arraial do Uruburetama no vapor Cyril (que ele reproduzia como Círio). É importante salientar que as famílias nordestinas que se assentaram na região, eram basicamente parentes e conhecidos, se não na própria origem, nos porões dos vapores que os trazia ao Pará. Em terras

paraenses

firmaram-se

cada

vez

mais

como

amigos,

desenvolveram o compadrio e formaram laços familiares.

76

Manoel Raimundo de Souza, Totó (11/02/1918) Nasceu em Sta. Maria e faleceu em 09/11/2004). Entrevistado em 13/07/2000, 25/07/2000, 31/07/2000 e 02/08/2000. 77 O casal veio acompanhado de uma filha com um ano de idade e sua mãe já chegou gestante. Primeiro moraram na hospedaria de imigrantes, no distrito de Outeiro, e Belém, depois foram para a Colônia do Prata. Tinha vindo em 1905 porque uma grande seca assolou o Ceará nesta época. Primeiramente migrariam para o Maranhão, mas por falta de calado num porto de lá vieram mesmo para o Pará.

79 O correto é afirmar que o transporte marítimo era mesmo a vapor, pois, Leite (1991) fala do encurtamento das viagens pela nova tecnologia, maior espaço e mais conforto aos passageiros: Os vapores tornaram-se maiores e mais potentes: os navios da Red Cross Line que serviam Belém do Pará em 1872 pouco excediam a média de 1000 toneladas, mas, em carreiras mais importantes, a Royal Mail tinha nessa altura navios de 3000 toneladas; nos anos 90, as 5000 toneladas eram frequentes, e pouco antes da primeira guerra mundial muitos navios ultrapassavam as 8000 toneladas. Para as companhias de navegação isto significava grandes investimentos e para os passageiros aumentava o espaço e a segurança (p. 744).

Pinto (apud LEITE, idem) diz respeito aos vapores que aportavam em Belém, provenientes de imediações e até do exterior: Os vapores que escalavam periodicamente o porto de Belém faziam parte de uma companhia não subsidiada que o Anuário Postal de 1872 dava como saindo de Lisboa para o Pará, Maranhão e Ceará, aproximadamente nos dias 1, 10 e 20 de cada mês; segundo os jornais, tratava-se da Red Cross Line of Steamers78 (p. 744).

José Valente (O LIBERAL, 2007) salienta sobre o fim da navegação, em grande escala, enaltecendo o patrimônio das nossas águas:

78

Ver Ernesto Madeira Pinto, Anuário Postal para 1872, p. 172; Comércio de Lisboa de 15 Dezembro de 1878, p. 4.

80 A praça de Belém tinha uma frota de 154 vapores e mais 40 pertencentes à Companhia The Amazon Stean Navicatiom Ltda. Esses vapores, 50 de cabotagem, legavam Belém ao Maranhão, Parnaíba, Fortaleza e Recife. Os demais vapores iam a todos os pontos da bacia Amazônica, viajavam também para Mosqueiro quatro vezes por dia e até Pinheiro (Icoaraci) era ligada a Belém por vapores, pois em 1900 não havia estrada de rodagem, só um caminho carrocável (p. 12).

A senhora Maria Eliza dos Santos79 (1933) relata que veio com a família, e que a viagem do Ceará ao Pará foi realizada em oito dias em 1951, a data em que chegou ao Pará. E o navio em que veio “era de ferro e grande, com 1ª, 2ª e 3ª classe (com beliche), com salão de festa, bar, matadouro”. Perguntada se veio muita gente na embarcação e quantas pessoas aproximadamente, respondeu: “1.800 pessoas só na 3ª classe – 3000 pessoas, aproximadamente”. E que serviram aos passageiros “carne, arroz, feijão, macarrão e água” e que quem pagou as passagens foi “o governo” e que ficaram inicialmente numa “hospedaria”. Maria Zuleide Serafim do Nascimento80 relata que a avó, Virginia Maria da Conceição, “disse que tinha vindo num vapor, com chaminés,

79

Maria Eliza dos Santos (04/06/1933). Entrevistada em 21/09/2000. Maria Zuleide Serafim do Nascimento (11/09/1945). Entrevistada em 02/05/2001, 20/09/2009 e 09/10/2013. 80

81 parecendo o navio da novela Terra Nostra (conotação da própria entrevistada)... Era dividido em 1ª, 2ª e 3ª classes”. Complementa Zuleide que os passageiros todos eram migrantes e que muitos, eram amigos do seu tempo e que, “nos primeiros dias no vapor, comiam carne seca de bode, com chibé de rapadura e, nos últimos dias, se alimentavam apenas de rapadura com farinha”. Se a base da alimentação a bordo do vapor foi a acima descrita, então, provavelmente o navio não era especificamente para transporte de passageiros. A neta Lucimar da Silva Pinho81 disse que a avó “falava no navio Aquidabã82...” e que descrevia “uma viagem pavorosa, com o

81

Maria Lucimar da Silva Pinho (25/02/1941). Entrevistada em 28/02/2010. O encouraçado Aquidabã foi construído na Inglaterra pelo estaleiro Samuda & Brothers, tendo tido sua quilha batida em maio de 1883, sendo lançado ao mar em 17 de janeiro de 1885 e incorporado a Armada Imperial Brasileira em 29 de janeiro de 1886, seu primeiro comandante foi o Capitão de Mar e Guerra Custódio José de Melo, mais tarde Ministro da Marinha e líder na Revolta da Armada, logo que chegou ao Brasil o navio foi subordinado a 1ª Divisão de Guerra. O Aquidabã era basicamente idêntico ao Riachuelo, apenas diferindo por possuir uma única chaminé e ter seu armamento secundário ligeiramente inferior, tinha como dimensões comprimento de 93.33 metros, boca de 17.16 metros e calado de 5.60 metros deslocando 5.029 toneladas, com uma potência de 4.500 hps podendo desenvolver uma velocidade máxima de 16 nós, seu armamento principal era constituído por 4 canhões de 225 mm montados em duas torres complementados por 4 canhões de 140 mm, 11 metralhadoras de 25 mm, 5 metralhadoras de 11 mm e 5 tubos lança torpedos. Seu nome é em homenagem ao riacho, afluente do rio Paraguai, às margens do qual foi travada em 1º de março de 1870 a batalha que pôs fim à Guerra do Paraguai. A história do Aquidabã confunde-se com a própria história da republica em seus 82

82 navio balançando, com a água do mar invadindo...”. Falava da morte dos filhos e do marido. Sobre o vapor Aquidabã, a informação que temos é que Paulo de Oliveira Ribeiro (REVISTA NAVAL, sem paginação): “o encouraçado Aquidabã ficou famoso na história naval brasileira como um dos mais terríveis acidentes navais da Marinha do Brasil em tempos de paz, e seus mortos são reverenciados até hoje”. Entretanto, o navio Aquidabã afundou em 21 de janeiro de 190683, no Estado do Rio de Janeiro.

primeiros anos, pois durante seus quase 21 anos de serviço a Marinha ele participou de inúmeros acontecimentos históricos brasileiros, aonde se destacam; o movimento que derrubou o então presidente Marechal Deodoro em 1891 e a Revolta da Armada em 1893, sendo a nau capitânia da esquadra revoltosa, sob o comando do então Capitão de Fragata (futuro Ministro da Marinha) Alexandrino Faria de Alencar. Para saber mais acessar: . 83 Mas em 21 de janeiro de 1906 terminaria a gloriosa carreira desse encouraçado. O Aquidabã encontrava-se fundeado na Enseada Jacuacanga, na Baia da Ilha Grande, Estado do Rio de Janeiro, juntamente com os cruzadores Tamandaré e Barroso, sendo este ultimo a capitânia do então Ministro Almirante Júlio César de Noronha. Esses navios levavam uma comitiva ministerial que realizava estudos visando a construção de uma base naval naquela baia, destinada a reparos e construções de navios de guerra, o tão sonhado Porto Militar. Por volta das 22:45hs houve uma grande explosão, devido a combustão espontânea de cordite em um paiol de munições destinado a torre de ré de canhões de 225 mm, explosão essa que partiu o navio ao meio fazendo-o afundar em poucos minutos. Faleceram 113 homens entre tripulação e membros da comitiva ministerial, sendo 15 oficiais, entre os quais o comandante do navio Capitão de Fragata Artur da Serra Pinto, o imediato capitão tenente Henrique de Noronha, primo do Ministro da Marinha e os Contra Almirantes João Cândido Brasil, Rodrigo José da Rocha e Francisco Calheiros da Graça, pertencentes a comitiva ministerial, além de16

83 Como podemos observar, o navio Aquidabã citado por nossa entrevistada, era um navio de guerra, portanto, longe de fazer o transporte de passageiros entre Fortaleza e Belém. Talvez Virginia Maria da Conceição o citasse, pela tragédia de seu afundamento, todavia, não podemos eximi-lo da história, uma vez que relatou terem vindo clandestinos nos porões de um navio e tendo que prover a própria alimentação. Precisamos eliminar a hipótese desta viagem ter sido feita no Aquidabã pois, se assim o fosse, deveria ter sido realizada até 21 janeiro de 1906, e Virginia Maria da Conceição teria de ter casado aos 12 de idade, para vir ao Pará com os cinco filhos. O fato é que não gravou o nome do vapor especificamente, apenas as condições de viagem, mar revolto, conversas com companheiros de bordo, doenças e mortes. Tudo indica que a viagem tenha ocorrido antes de dezembro de 1913, a bordo do mesmo navio em que vieram os membros da família Alves, seus protetores, também, após a viuvez. Se Virginia Maria da Conceição veio por conta própria com a família, as provisões se escassearam em poucos dias. E se veio por

guardas-marinha, incluindo o filho do Ministro da Marinha , 81 praças e um fotografo civil. Salvaram-se 96 homens entre oficiais e praças (idem).

84 conta do governo, sabemos que a alimentação a bordo do vapor, se o retirante viesse sob contrato, era fornecida até o dia da chegada. O retirante, ao aportar no Pará, dali em diante, corria por sua conta, como já estivesse amplamente beneficiado. Virginia Maria da Conceição deve ter passado por privações, pois chegou doente gravemente e, desde o início, contou com a solidariedade dos companheiros de viagem. Consta que a família Alves foi uma das famílias que estava no mesmo navio que a sertaneja, pois eram provenientes das mesmas imediações que ela: Icó-CE. A saída do porto de Fortaleza foi carregada de esperança, mas logo nos primeiros dias um surto de febre amarela surpreendeu os passageiros, e os mais afetados foram mesmo a família de Virginia Maria da Conceição. “Havia dia em que morriam de dois filhos, até”, segundo relato de sua filha, Maria de Nazaré de Souza84 (1928-2003). E a mesma completa: “os corpos eram atirados no mar. Todo dia morria um... Até o marido morreu”.

84

Maria de Nazaré de Souza, Lelé (27/05/1927). Entrevistada formalmente em 12/06/2000, 21/09/2000, 13/07/2000 , entretanto, o áudio foi extraviado restando documento escrito a partir do original. Faleceu em 25/02/2003.

85 Para sua neta, Maria Zuleide Serafim do Nascimento85 (1945), Virginia Maria da Conceição contava que o vapor balançava muito em alto mar. Dizia que água entrava e os molhava e que os filhos e o marido tinham morrido de impaludismo. A informação de impaludismo (malária) não era correta, uma vez que ela tinha febre, mas não em hora distinta, tinha todo tempo febre e chegou no destino inchada, amarela e muito fraca., portanto, é mais correto assinalar que se tratava de febre amarela,86 mesmo.

85

Maria Zuleide Serafim do Nascimento (11/09/1945). Entrevistada em 02/05/2001, 20/09/2009 e 09/10/2013. 86 O Bio-Manguinhos Instituto de Tecnologia e Imunobiológicos, Fiocruz, A febre amarela é uma doença infecciosa grave, causada por vírus e transmitida por vetores. Geralmente, quem contrai este vírus não chega a apresentar sintomas ou os mesmos são muito fracos. As primeiras manifestações da doença são repentinas: febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias. A forma mais grave da doença é rara e costuma aparecer após um breve período de bem-estar (até dois dias), quando podem ocorrer insuficiências hepática e renal, icterícia (olhos e pele amarelados), manifestações hemorrágicas e cansaço intenso. A maioria dos infectados se recupera bem e adquire imunização permanente contra a febre amarela. A infecção acontece quando uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina contra ela circula em áreas florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, a pessoa pode se tornar fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Além do homem, a infecção pelo vírus também pode acometer outros vertebrados. Os macacos podem desenvolver a febre amarela silvestre de forma inaparente, mas ter a quantidade de vírus suficiente para infectar mosquitos. Uma pessoa não transmite a doença diretamente para outra. Para saber mais visitar sitio: <

86 Ainda no início do século XX, as ruas de Belém estavam tomadas pela terrível epidemia. Não obstante de ter ocorrido outrora um surto dizimador nos anos 1850, que mudou o comportamento das pessoas de fazerem os enterramentos nas igrejas e criando,

as urgências, o

Cemitério Nossa Senhora da Soledade, depois sobreveio novo surto, em 1871 (LOPES, 2010, p. 14-15). A erradicação da febre amarela, em Belém do Pará, só veio de fato a acontecer, oficialmente, em 25 de outubro de 1911. Virginia

Maria

da

Conceição

sobreviveu,

após

longa

convalescência, não apenas pela convalescência da infecção amarílica, mas também do trauma de ter perdido a família inteira em poucos dias, até a conformidade de aceitar o desafio futuro de vencer sozinha, sendo mulher, numa terra estranha, analfabeta e sem outras posses, senão um baú87 de tamanho mediano, que trouxera consigo, do Ceará. Era toda a sua herança do primeiro casamento e dos filhos.

http://www.bio.fiocruz.br/index.php/febre-amarela-sintomas-transmissao-eprevencao>. 87

Sobre essa sua bagagem, a neta Maria Zuleide Serafim do Nascimento, afirma que guardava algumas peças de roupa, uma estampa de São Francisco do Canindé; uma

87 Segundo o senhor Francisco (Chico) Alves da Silva88 “quando dona Vilgina chegou, já tinha perdido os filhos. Estava com os cabelos caindo... caiu todos os cabelos dela (sorri lembrando o fato)... Meu pai (João Alves, 1882-1964) levou ela para ajudar colher algodão e ajudar criar seus filhos”. O quadro a seguir demonstra os dados do obituário por febre amarela em Belém, que começou a elevar-se em 1895, o que culminou no ano de 1900, com registro de 466 óbitos durante o ano (FRAIHA NETO, 212, p. 26): ANO

ÓBITOS

ANO

ÓBITOS

1895

70

1903

130

1896

138

1904

191

1897

340

1905

183

1898

222

1906

253

1899

391

1907

193

lata de manteiga de meio quilo, que utilizava como cofre “de vez em quando a gente pegava um susto, por curiosidade íamos ver a imagem (de S. Francisco) e ela chagava e dizia: espera aí suas cornas! A gente saía correndo (...)... O cofrinho dela estávamos sempre atacando, vovó me dá dez centavos pra comprar bombom e ela nunca dizia não”. 88 Francisco (Chico) Alves da Silva (10/01/1910). Entrevistado em 14/07/2000 e 04/03/2010. Faleceu em 19/06/2013.

88 1900

466

1908

213

1901

131

1909

169

1902

145

1910 (1º sem.)

153

Figura 10: Nota: os dados até 1905 são de Arthur Viana; a partir de 1906, são do quadro estatístico elaborado pelo Dr. Américo Campos e referido por Cruz Moreira na sessão de 25 de outubro de 1910, da Câmara de Deputados.

Devemos atentar para o fato de que, se os cabelos de Virginia tinham caído, não foi apenas a febre amarílica que produziu tal efeito. O emocional estava afetado gravemente. E, se não fosse a ajuda desses amigos, pereceria com certeza, porque o mal da alma a atingiu completamente e a dominou por alguns anos, até constituir uma nova família. Mesmo depois de recuperada, Virginia ficou uma mulher de cabelos ralos, lisos e sem volume. Havia uma hospedaria para receber imigrantes no subúrbio de Belém, porém, não com regularidade eram dirigidos para lá. Para evitar a contaminação de qualquer doença endêmica, os imigrados deveriam passar por uma quarentena, no entanto, nem sempre isso era respeitado e as pessoas desciam mesmo no Port Of Pará (Escadinha do Ver-oPeso). Ernesto Cruz (1958) descreve a existência do prédio:

89 Ficava a Hospedaria dos Imigrantes, no Outeiro, a pequena distância da Capital, em um sítio saudável e aprazível, como esclarecia o Dr. Santa Rosa ao Governador Pais de Carvalho, num relatório datado de 1898. Relatório do Dr. Pais de Carvalho, ano de 1899, páginas 305 a 307 89 (p. 115-116).

Na rua ao lado da Estação da Estrada de Ferro de Bragança, em Belém, tinha um barracão usado para acomodar migrantes vindos do Ceará, antes de serem deslocados para os centros de colonização. Hoje essa rua chama-se Avenida Ceará, justamente pelo fato de acomodar grande número de flagelados, provenientes do Estado do Ceará. Entretanto, na vila anfitriã, também se atesta um barracão próprio para se receber imigrantes nacionais e estrangeiros, até mesmo porque, o lote que seria destinado a cada família, não estava disposto logo que desembarcavam.

Nem

mesmo

as

disposições

de

mantença,

equipamentos agrícolas e outras cláusulas do Serviço de Imigração e Colonização do Estado90 não (desnecessário) estavam aptas ao recémchegado. E estas regras não estavam devidamente esclarecidas, uma vez que encontramos relatos de migrados sertanejos dizendo que “os frades distribuíam charque de graça”. O produto fazia parte do processo

89 90

Relatório do Dr. Pais de Carvalho, ano de 1899, páginas 305 a 307. Lei nº 583, de 21 de junho de 1898.

90 de assentamento, portanto, via de regra, deveria ser distribuído de acordo com as famílias assentadas.

A VILA COLONIAL ANFRITRIÃ E A VILA DA ÚLTIMA ACOLHIDA A Colônia do Prata no início do século XX já despontava como modelo de assentamentos de colonos e núcleo de catequese indígena. Era o orgulho da Missão Capuchinha no Norte do país. A fundação e derrocada da Colônia do Prata, enquanto assentamento de colonos e catequese indígena é descrita por Braga (2011) de forma muito simplista: (...) de mata inculta, habitada por selvagens, em poucos dias assentou-se uma vila, que cresceu e se desenvolveu rapidamente e, que talvez devido a ciumeiras, o lugar foi preparado para ser a primeira colônia agrícola de hansenianos do Brasil [...] (p. 75).

91

Figura 11 - igreja e vista da Colônia do Prata. As fotos antigas são compilações de Álbum de Governo, 1908 e foto atual de Laércio Braga, 2006

A Colônia do Prata foi muito caridosa em receber a refugiada Virginia Maria da Conceição: trataram dela, alimentaram-na, deram-lhe assistência religiosa, devolveram-lhe a dignidade de mulher, mãe, esposa, trabalhadora, cidadã e amiga. Se o infortúnio da epopeia migratória arrancou-lhe as únicas riquezas da vida, a terra prometida devolveu na mesma intensidade. Em princípio, após a recuperação da infecção amarílica, Virginia Maria da Conceição passou a contribuir com as freiras, provavelmente agradecida pela acolhida da

caridosa Ir. Verônica, no Instituto

92 Feminina, fundado em 1906. Usava um hábito comum às freiras da Ordem Terceira Capuchinha. Vemo-la nas escadarias do colégio junto às freiras, vestindo um vestido longo marrom, sem a touca característica das freiras que emoldura o rosto, os cabelos presos e sandálias. Usava um rosário, que conservou por toda a vida, e só o tirava para tomar banho. Era um rosário de contas brancas com os padre-nossos azuis. Não se sabe por quanto tempo Virgínia Maria da Conceição permaneceu trabalhando com as freiras, mas acredita-se que até que sua protetora, irmã Verônica, não tivesse mais condições de mantê-la por lá. As portas da vida religiosa não estavam abertas para Virgínia Maria da Conceição, na congregação. Embora fosse pessoa religiosa, digna, não era exatamente o perfil que precisavam para a vida em fraternidade, naquela ocasião de desenvolvimento preliminar na Ordem das Irmãs Terceiro Capuchinhas. Era analfabeta, e precisavam de postulantes que não tinham tido uma vida civil casada. A congregação não podia se arriscar em dar qualquer mau exemplo, mesmo que esse mau exemplo fosse consequência da vida comum.

93 Frei João Pedro apud Nembro (1998) apresenta uma lista de requisitos necessários para a aceitação de uma candidata a freira da Ordem das Irmãs Terceiras Capuchinhas: 1. Filiação legítima; 2. Cor branca; 3. Idade válida entre 16 e 30 anos; 4. Sem defeitos evidentes e isenta de doença crônica ou contagiosa; com conhecimentos básicos de latim (a fim de poder rezar o Ofício divino) e suficiente capacidade para serem ou se tornarem capazes de ensinar ou trabalhar; 6. Certidão de batismo e, se possível, de crisma, além de atestado de saúde dado pelo médico; 7. Livre de compromissos em relação a parentes ou pessoas estranhas; 8. Tendo possibilidade, a postulante deve custear a sua viagem ou trazer o dinheiro suficiente para a volta (em casos particulares este item pode ser dispensado); 9. Não se exige enxoval, mas se alguma postulante possui bens, poderá trazer o que o superior achar oportuno sem contudo pedir qualquer alienação; o superior limitar-se-á a usufruto que será administrado por ele conforme à constituições91” (p. 33).

Depois dos cuidados da parteira local Maria José Uchôa92, através de seu filho, que levava comida ao barracão de Imigrantes, na Colônia do Prata e do convívio com as freiras atestado por Maria de Lourdes de

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AVPM, Prata-Tombo, II, 91903-1915, f. 22r-v. A primeira notícia formal que se tem de Maria Uchôa é a citação de seu nome no livro de Dr. H. C. de Souza Araújo, Lazarópolis do Prata; a primeira colônia agricola de leprosos do Brasil. Belém: Empreza graphica Amazonia, 1924, p.26 e, por alguns entrevistados afirmarem que foi trabalhar em Belém, na Santa casa de Misericórdia. Diziam-na boa de copo (cachaça) e excelente parteira. No citado livro aparece o nome de Maria Souza Maia Uchôa é citado como uma das damas que protestam contra a instalação da Colônia de Hansenianos na Colônia do Prata, endereçado à Primeira Dama do País (Telegramma – Repartição Geral dos Telegraphos. Palácio da Presidência da Republica. Procedente de Igarapé-Assú (Pará). N. 13. Pls. 72. Data 26. Hora 10. – senhora Presidente da Republica. Palacio do Cattete. Rio). 92

94 Souza93, Virginia Maria da Conceição foi contribuir na casa de velhos conhecidos, como a família Alves, onde cuidou das crianças e ajudou na colheita do algodão, permanecendo com eles o tempo suficiente para amealhar uma boa quantia para montar uma vendinha de seus quitutes, muito apreciados na feira livre da Colônia do Prata. Sobre esse momento, ouvimos de Maria da Silva Aranha94, a Maria Severo (1903-2001) que era madrinha do filho de Virginia Maria da Conceição, Antonio Serafim das Chagas (1930-1968), o seguinte depoimento: A comadre Virgina morava no barracão dos imigrantes com uma cambada de cearenses, sozinha, já viúva. Veio morar na casa de papai (João Alves) para ajudar... parece que tô vendo ela, alegre com crianças (ela, inclusive), rodeada por elas... nós botava ela pra cantar” (sem paginação).

Virginia Maria da Conceição cuidava de quatro crianças, contando com Maria da Silva Aranha. Saiu da casa deles no terreno que tinham na Vila São Luis, de Igarapé-Açu, quando terminou (de 93

Maria de Lourdes de Souza, Mariinha Horácio (20/01/1912, mas festejavam a data como se tivesse 90 anos em 2000, portanto, a data oficiosa era 20/01/1910). Entrevistada em várias ocasiões em 22/03/2000, 12/06/2000, 28/06/2000, 03/07/2000, 07/07/2000, 10/08/2000 e 20/10/2000. Faleceu em Belém 10/09/2005. 94 Maria da Silva Aranha, Maria Severo (1903). Entrevistada em 21/07/2000. Falecida em 30/08/2001.

95 apanhar) a safra do algodão. De lá, Maria da Silva Aranha (idem) diz que Virginia Maria da Conceição voltou para a Colônia do Prata e arrumou sua “banca de café”, que vendia bolos, pé-de-moleque, tapioca. Complementa sua fala, sinteticamente, esclarecendo a formação da família da comadre: “O João Serafim, viúvo, sempre ia lá (na banca de café). Se conheceram lá mesmo e se apaixonaram. Ele era barbeiro no Prata, quase em frente da onde ela vendia seus produtos... viviam felizes e cultivaram muita amizade com as famílias” (sem paginação).

Figura 12 - Feira Livre no Largo de Santo Antonio da Colônia do Prata, em 28 de maio de 1922. ARAÚJO, Dr. H. C. de Souza. Lazarópolis do Prata. Belém: Emp. Graphica Amazônia, 1924, p. 172.

96 Foi durante o ano de 1919 que conheceu o viúvo João Serafim das Chagas (1888-19161), com quem viria a contrair matrimônio no dia 05 de novembro de 191995 (anexo 1). Maria da Silva Aranha96 complementa que o casal, nos tempos da Colônia do Prata, “fabricavam uma concha com quenga de coco: ralavam, tiravam o leite para molhar a tapioca, botavam cabo e vendiam para o povo da colônia” (sem paginação). Não sabemos o nome da falecida esposa de João Serafim das Chagas, a data de seu casamento, nem a data do falecimento da mesma. Os nomes do casal de filhos97, resultado deste casamento, eram Manoel e Antonia.

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ARQUIDIOCESE DE BELÉM – CURIA METROPOLITANA. Fls nº 047, do livro 03B , emitido em 02/03/2001. 96 Maria da Silva Aranha, Maria Severo (1903). Entrevistada em 21/07/2000. Falecida em 30/08/2001. 97 Tudo leva a crer que Manoel e Antonia ainda foram cuidados por Virgínia, e já eram de idade o suficiente para escolherem os seus destinos. Aparentemente mudaram-se para Belém. Manoel para abraçou a religião evangélica. O pai (João Serafim das Chagas) era demais católico, então, os dois entraram em atrito e pediu que o filho escolhesse ele ou a nova religião. Escolheu a religião e ninguém nunca mais o viu. Antonia deixou uma filha, que não tinha condições de cuidar. Virginia Maria da Conceição sabendo do fato foi ao encontro da enteada e pediu para cuidar da menina, cujo nome era Maria de Lourdes e estava com três anos de idade, o ano sugerido é 1932. Maria de Lourdes teve o nome alterado com o casamento para Maria Serafim do Nascimento, e a data de seu nascimento foi estimada, pois a

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Figura 13 - reprodução de Laércio Braga (2013) da foto de João Serafim das Chagas (1888-1961), a partir do Álbum da Família Serafim da Silva Braga.

Já a vila de Santa Maria, cuja sede era Igarapé-Açu, para onde Virginia Maria da Conceição mudou-se definitivamente em 1927, recebeu, a partir de 1915, colonos e os refugiados da Colônia do Prata. Abrimos um parêntese para dizer que a Colônia do Prata, de vila promissora, como núcleo de colonização e catequese indígena, fechava

própria não aprendeu a ler e a escrever e chegou muito nova, sem guardar data, nem a lembrança da mãe. Estimativa nossa é que Maria de Lourdes nasceu em 1930.

98 as portas, definitivamente, em 1924, para as pessoas sãs, com o intuito de abrigar a primeira colônia agrícola de hansenianos do Brasil. Entretanto, antes da decisão definitiva, passou por vários processos de manifestações contrárias, por parte dos colonos assentados lá. O governo agia friamente na questão Colônia do Prata, julgando uma vanguarda no isolamento modelar dos doentes por hanseníase, incurável naqueles anos, e arrogantemente, por ter em parte custeado o assentamento de imigrantes nacionais e estrangeiros98. Se não existisse essa arrogância por parte das autoridades, teriam indenizado corretamente as pessoas. As reclamações foram intensas e amplas. Praticamente as pessoas tiveram de recomeçar novamente, com uma nova realidade. A Colônia do Prata era um primor como vila, composta de elementos culturais, arquitetônicos e sociais, com ares europeus na Amazônia, sobretudo, ares italianos que era a procedência dos capuchinhos que dirigiam a vila. O inventário dos prédios, arruamentos, experimentos agrícolas, convenções religiosas, nunca mais foram reproduzidos nas vilas para as quais as pessoas saíram 98

Lei nº 581, de 20 de junho de 1898 e Lei nº 583, de 21 de junho de 1898.

99 refugiadas. O Governo Estadual fechou os olhos para as conquistas daquelas pessoas, que tinham vindo contribuir com o desenvolvimento do Pará, mesmo que a realidade oferecida fosse uma realidade romântica. E o foi, por mais de 20 anos. Santa Maria não era mais que mata virgem! Um ponto a ser desbravado por essa brava gente nordestina. O sertanejo na Amazônia pôde, enfim, exercer sua aptidão pecuarista e agriculturável. No livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora Auxiliadora em Santa Maria do Pará (1988, p. 2-3) diz das razões que trouxeram os refugiados da Colônia do Prata justificando que “(...) devido a facilidade de cultivar o que eles mais conheciam, como mandioca, o feijão, e o algodão, assim o povo foi povoando a Região... (...)”. Praticamente a migração teria de ser refeita! E demorou para os órfãos da Colônia do Prata recuperarem-se de mais esse baque em suas vidas. E tal acontecimento teve um reflexo tão grande e tão traumático que, em anos, nem mesmo a arquitetura suplantou a nova realidade. Foi uma espécie de transtorno renovado. Coletivamente, foram tomados do imerecimento da “Terra Prometida”, como se estivessem sendo punidos

100 novamente, uma vez na terra natal, outra na Amazônia. Quando observamos as andanças de Ernesto Cruz (1958, p. 190) pelo interior do Pará, locais de assentamentos de colonos, constatamos pouca evolução, ainda na década de 50: (...) As habitações predominantes são as casas de enche-meio, semelhantes às de barrote e construídas segundo processos já conhecidos (Schmidt, Carlos Borges. “A habitação rural na região de Paraitinga”), o cipó substitui os pregos, como foi ensinado aos espanhóis de Benjamim Constant, amarrando os esteios das casas, e a cobertura das mesmas é de sapé ou, então, quando as posses permitem, de cavacos, pequena tabuinha de 0,15 m x 0,25 m, aproximadamente (Penteado, Antonio Rocha. Aspectos do habitat rural no Baixo Amazonas, p. 83). ...(...) A grande maioria das casas está assentada diretamente sôbre o solo e tem chão de terra batida cuidadosamente varrida pela dona de casa; mas há os que constroem sôbre estacas, que por hábito, como Igarapé-Açu e Anhanga, que por necessidade, como nos campos alagáveis de Bragança e Tracuateua. Porém, quase tôdas guardam entre si uma certa semelhança no que diz respeito ao grande formato que possuem, com sempre três ou mais cômodos, dispostos um após o outro, cominicado-se por um corredor lateral (Mattos, Dirceu Lino de. “Impressão de viagem à zona bragantina do Pará”).

Nem mesmo a ação dos anos foi capaz de superar mais esse trauma. Tantos anos passados e Santa Maria (anexo 2) permanecia a mesma, rancorosa com os governantes e sentimentalista em relação à Colônia do Prata, a colônia anfitriã no Pará. Braga (2012, p. 59) assinala que, em Santa Maria “As construções prevalentes na vila eram

101 as do tipo nordestinas, de taipa, com as frentes rebocadas com massa de cimento e geralmente caiadas. (...)” para falar de um processo de desenvolvimento urbanístico insipiente. Em seguida Braga (idem, p. 67-68) ainda reforça, como se fosse uma pobreza rica, a descrição singela da vila de Santa Maria, a segunda vila anfitriã dos refugiados nordestinos em seus primeiros passos, num passado não muito distante: Os moradores da vila de Santa Maria, de singelezas fidalgas, de espíritos orgulhosos, habitavam choupanas... tristes choupanas vêm a ser substituídas por casas de alvenaria, sinal claro de progresso das famílias abastadas. Entretanto, no início dos anos 1980 ainda constavam as casas de barro, caiadas, cobertas na maioria de cavacos. Na cultura local, o que significava sinal de abastança era a mesa farta e roupas da moda com modelos retirados das fotonovelas. Sempre existiu o bom gosto na veste das senhoras, moçoilas, rapazes. A cal reinava absoluta na vila de Santa Maria e, depois que passou a cidade, ainda reinou por anos, até o início da década de 90. Antigamente, alguns caiavam as paredes, geralmente, a frente das casas, sem um reboco de cimento. Sinceramente as casas eram mais frescas.(...). Vivia-se uma vida modesta, mas muito feliz. Vivia-se uma atmosfera familiar: um convívio estreito que atravessava anos.

A vila da última acolhida era de poucas casas, de barro, cobertas de cavacos e, geralmente, de chão de barro batido. Contavam-se nos

102 dedos as casas dos primeiros habitantes do lugar, e tais pessoas, eram os amigos refugiados do Nordeste brasileiro que tinham vindo da Colônia do Prata, na maioria refugiados mais uma vez. Basicamente viviam na base de compadrio. Entende-se que o casal, Virginia e João Serafim das Chagas deixou a Colônia do Prata em 1924, quando manter-se lá foi insuportável. Desgostava-os, sobretudo, ver os presos (tornou em 1921 colônia correcional, também) serem torturados pelo capitão Beltrão99, às vistas de todos. Os castigos infligidos eram desumanos, conforme a mentalidade da época admitia. Maria Freire Losada100 (1904-2003) e Lucila Lousada Rodrigues101 (1921-2011), mãe e filha, amigas da família, descreviam sempre com horror as brutalidades cometidas contra os presos.

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José Euclydes Mendonça Beltrão, capitão reformado da polícia do Estado, que era o chefe da Colonia Correcional de Santo Antonio do Prata em 1922, fundada em 10 de agosto de 1921, de acordo com a Lei nº 1.747 de 18 de novembro de 1918. Estava instalado onde funcionava o antigo Instituto da infancia Desvalida em Santo Antonio do Prata. Para saber mais: ARAUJO, Dr. H. C. de Souza. Lazarópolis do Prata – a primeira colonia agricola de leprosos fundada no Brasil. Belém: Empreza Graphica Amazonia, 1924, p. 17-23. 100 Maria Freire Losada (25/12/1904). Entrevistada em 04/07/2001. Falecida em 05/07/2003. 101 Lucila Rodriguez Lousada (31/10/1921). Entrevistada em 04/07/2000. Falecida em 20/02/2011.

103 Inicialmente, o casal Virginia e João Serafim das Chagas instalou-se num lote agrícola situado na antiga Travessa Santa Maria, relativamente próximo102 ao casal de amigos Benigno Rodrigues Losada (1889-1975) e Maria Freire Lousada (1904-2003), onde permaneceram até 1927. Depois de 1927, João Serafim das Chagas intimou Virginia Maria da Conceição a retornar ao Nordeste, para a terra sua natal, Ceará Mirim-RN. Não deu certo a viagem e mudaram-se para o centro vila de Santa Maria. Sobre a própria chegada à vila de Santa Maria, Maria de Nazaré de Souza103, Lelé (1927-2003) relata: “eu cheguei aqui em Santa Maria com três meses de idade”, portanto, o casal chegou, no centro da vila, junto com os filhos, no ano de 1927.

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Há de se considerar que o sentido de “relativamente próximo” estava ligado ao conceito de só existirem veredas e estradas carroçáveis, pois o acesso, em linha reta aproximava mais os amigos, separados por uns cinco quilômetros. Sem obstáculos de cercas de propriedades fechadas, e para um tempo em que as pessoas costumavam andar a pé, o tempo para chegar até os amigos diminuía consideravelmente. 103 Maria de Nazaré Serafim de Souza, Lelé (30/12/1928). Entrevistada em 12/06/2000, 13/07/2000 e 21/09/2000. Faleceu em 25/02/2003. Maria de Nazaré tem outra data de nascimento no cartório da vila de São Jorge do Jabuti (IgarapéAçu): consta que nasceu em 27/05/1927; data mais plausível.

104 No livro de Tombo da Família Serafim Pereira da Silva Braga (BRAGA, 2002) existe uma singela descrição da vila de Santa Maria, de uma forma muito fluente e esclarecedora: O povoado de Santa Maria começou a incrementar demograficamente durante a década de 20 (séc. XX), com a transformação da Colônia do Prata (antigo Núcleo de Catequese Indígena) em lazarópolis. A família Seraphim das Chagas saiu da Colônia do Prata passando a morar, relativamente, nas imediações (mediante módica indenização empreendida pelo governo federal), exatamente quando se bateu o martelo da venda definitiva do Prata para o governo federal, residindo próximo ao lote dos amigos devotados, e compadres, da família Losada (que por influência pessoal do senhor Benigno Losada lhes conseguiu o terreno). Mas não se adaptaram à vida no campo e logo se mudaram para o núcleo do povoado passando a residir na estrada do antigo telégrafo nacional (o telegrafo foi instalado aqui em 1885, ainda no 2º Império do Brasil) e hoje Avenida Santa Maria, quando montaram “casa para vender boia e pensão”, destinada aos muitos caixeiros viajantes em trânsito pelo povoado, segunda a própria filha do casal João e Virginia Seraphim das Chagas, Nazareth Souza, a tia Lelé. João também montou barbearia lado a lado à pensão. O trato cordial com os visitantes/hospedes era uma marca preponderante do casal. O ambiente familiar aprazível chamava a atenção e proporcionava o conforto que suprimia a distancia dos corações dos viajantes. Além de tudo, contavam com os quitutes gostosos e inspirados nas iguarias nordestinas, de D. Virginia, até hoje saudosos e desejados. Os viajantes falavam de assombrações, vistas naquele local com frequência, nas noites encantadas daqueles tempos. Talvez, os grandes mártires sacrificados na busca do paraíso migrados das desolantes secas nordestinas. Como Santa Maria sempre os recebeu de braços abertos, em suas formas espirituais, era difícil abandoná-la. (...) O mercado tinha cobertura de cavacos, paredes de tábua e taipa e chão de barro batido. Embaixo das copas das árvores (benjamins e mangueiras, estas últimas plantadas pelo cidadão Joaquim Alves Maia) formavam-se pontos de vendas, inclusive carne verde, com animais abatidos à céu aberto. Ao redor da capelinha realizavam-se os arraiais nas festividades religiosas,

105 com iluminação, ainda em fins dos anos 50, por “tabocas” (tipo tosco de luminária feita de bambu armado, praticamente, em forma de cruz, com pavios postos nas extremidades, alimentados por querosene). Pela década de sessenta (60), e somente em eventos especiais, usava-se a iluminação a base de acetileno, com aparelho próprio, que dava boa iluminação. E os eventos especiais, para o povoado, eram aqueles de caráter religioso, ou em prol destes fins (sem paginação).

COTIDIANO DE COLONOS EM SANTA MARIA Depois da transformação da Colônia do Prata na primeira colônia agrícola de hansenianos do Brasil, o Governo do Estado ofereceu módica compensação financeira aos colonos instalados na vila. Muitos protestos foram dirigidos à Assembleia Estadual por parte de comunitários, mas todos absolutamente rechaçados pelos órgãos de instalação, nem mesmo a inserção de capital da Missão Capuchinha foi considerada no inventário financeiro. Os frades foram praticamente expulsos do Prata, e ainda hoje se ressentem do caso. Muito menos o governo considerou que a Colônia do Prata fora assentada em território indígena Tembé. Não houve uma reparação financeira condizente, nem uma reparação moral em todos esses anos.

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Figura 14 - 1. Primeira capela da vila de Sta Maria ; 2. Igreja de taipa e coberta com telha de barro; 3. Igreja de concreto e telha de amianto de 1952; 4. Mercado de taipa e tábuas, coberto de cavaco construído pelo Sr. José Botêlho de Sousa (1876-1940?). Mostra as evoluções das construções de 1920 a 1952. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013.

A construção da vila da Colônia do Prata não se deu unilateralmente, contou com o laborioso trabalho de cidadãos locais, migrados e imigrantes. O governo não teria chegado à excelência apenas injetando dinheiro, até porque, logo depois da instalação do núcleo colonizador, o Estado do Pará entrou numa crise financeira que se abateu no início do século XX, por conta do declínio do comércio da borracha natural. O governo ficou impossibilitado de cumprir acordos

107 financeiros já assentados e o Prata foi uma dessas localidades desprivilegiadas, pois Palma Muniz (1913) responde pelo governador Dr. Augusto Montenegro, que sucedeu ao Dr. Paes de Carvalho: As difficuldades financeiras que encontrou obrigaram aquelle ilustre paraense a cercear immediatamente as despezas publicas, fazendo cessar obras e cortando outras despezas de caracter addiavel, para a equilibrar os orçamentos publicos, afim de poder fazer face a todos os problemas de vida economica, financeira e administrativa do Estado (p. 34-35).

Como se vê, a Colônia do Prata foi diretamente prejudicada e, em consequência, os colonos que nela habitavam. Tinham ajudado a erguêla com sua força de trabalho, mas não foram ouvidos quando de sua transformação em colônia de hansenianos. Os protestos foram muitos, de todos os lados, no âmbito local, dos próceres como Pe. Calado de Igarapé-Açu, deputados estaduais assembleianos, frades capuchinhos lombardos, às damas que cresceram e foram educadas no Instituto Feminino. Braga (2001, p. 33) referenda o mesmo pensamento: Com a queda do Prata enquanto núcleo colonial agrícola, o povoado de Santa Maria foi incrementado demograficamente. Os colonos indenizados, modicamente, vieram para lá, outros receberam terras dentro do atual território.

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Figura 15 - pensão de caixeiros viajantes e o sobrado que a sucedeu no ano de 1957, situado na Av. Santa Maria, 973. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013.

A notícia da venda da Colônia do Prata ao Governo Federal, para saldar dívidas, repercutiu muito mal sob muitos protestos e foi sendo paulatinamente dominada, na intenção de transformá-la. Braga (idem) sintetiza o processo: Houve muitos protestos, mas com o abandono dos frades em 31 de março de 1921, a instalação da Colônia Correcional _ com um dirigente (Capitão Beltrão) desumano, que açoitava os presos publicamente e, de forma bárbara que mantinha a ordem às custas de humilhações _ em 10 de agosto do mesmo ano, a proposta de compra feita em 1922 e a venda definitiva em 30 de dezembro de 1922 e a transferência dos primeiros doentes, foi o jeito o povo procurar outro rumo. O Prata foi se esvaziando sob protestos de todos os lados: dos colonos do próprio núcleo, dos povoados circunvizinhos, da Igreja na voz do padre Calado (Igarapé-Açu), de deputados e jornalistas. Apesar disso, a disposição para transformá-lo em Colônia de hansenianos permanecia

109 imutável. O que seria, inicialmente, assentado em 1400 hectares, tomou proporções três vezes maior, chegando a 4.300 hectares, entrando em área pertencente ao futuro território desta cidade [Santa Maria do Pará. A ênfase é nossa] (p. 32-33).

Santa Maria não era mais que um ramal colonial onde alguns refugiados da Colônia do Prata resolveram criar uma vila. Estas mesmas pessoas não quiseram ficar na vila São Jorge do Jabuti, que o governo havia preparado para assentar os refugiados. A explicação estava em que, sendo a hanseníase, doença incurável, em que o doente não deveria estar socializado com as pessoas sãs, a proximidade da Colônia do Prata era considerada prejudicial. Há de se compreender a mentalidade da época e os traumas sofridos por aqueles entes, antes de chegarem à Amazônia. Claramente as autoridades evocavam um feito grandioso que justificava, segundo Vicente Abranches (apud ARAÚJO, 1924, p. 97), quando diz ser necessária a instalação da colônia de hansenianos: “(...) O leprosario precisa o quanto antes ser installado. O contagio é o maior disseminador. A cohabitação é o maior infortunio. A segregação é a mais humana das prevenções. (...)”. Mas o governo também não estava disposto a discutir o direito dos colonos na questão da desocupação da Colônia do Prata e, usando

110 ardil, mandou logo em setembro de 1923, os primeiros hansenianos para abreviar a desocupação do espaço, alegando já tê-los indenizado suficientemente: E a remessa dos leprosos surtio o duplo effeito visado. Como, porém, eram elles em pequeno numero, a fiscalização da propriedade, por deficiente, não impedio que muitos colonos emigrantes levassem consigo portas, janellas, e coberturas de suas barracas (L. FREITAS APUD ARAÚJO, 1924, p.80).

Braga (idem) traz à tona a história de que os indígenas temiam o hansenianos: “Alguns índios, ainda em estado primitivo de cultura, fugiram de volta ao Gurupi ou às terras do Guamá, temendo pelos boatos que diziam que os hansenianos comiam o fígado de pessoas sãs, no intuito de curar-se”. Outros falavam do encontro de cadáveres na floresta. Para os refugiados da Colônia do Prata, apenas a distância os protegeria. A chegada dos primeiros colonizadores de Santa Maria do Pará, em um fluxo maior, se deu por volta de 1915. Falamos no sentido de formação de um núcleo urbano propriamente dito, não nas ocupações de lotes agriculturáveis, que não formam um processo urbanístico

111 explícito. Mais uma vez recorremos a Braga (idem) para ampliar a visão de constituição urbana: A Chegada dos imigrantes nordestinos Pela ótica dos imigrantes nordestinos, que, oficialmente, foi a que prevaleceu antes da pesquisa atual, e faz parte da história como um todo, os primeiros cidadãos a chegarem, a partir de 1915, foram os senhores Antonio Leandro , Vicente Justino e Maria do Carmo Reis, o Sr. Francisco (Chico) Justino e Joana (Maria Ferreira da Luz) Justino e o Sr. José Gomes. Vieram do Ceará para Belém, fugindo do flagelo da seca, em um navio chamado “Círio” (no caso Cyril), que trouxe mais de 100 famílias de imigrados brasileiros. Em agosto de 1917 chegaram os senhores Sebastião Joaquim do Nascimento (Sebastiãozinho) e Joaquim Alves Maia. No ano seguinte chegaram os senhores João Bezerra, Antônio Mamede de Souza e Mariana Rosa do Espírito Santo, José Virgolino e o português Joaquim Davi, que iniciou o ramo de comércio estabelecendo aqui uma mercearia. As casas, inicialmente foram erguidas com ripas e esteios não lavrados (roliços), amarrados com cipó, cobertos com palha de palmeiras ou cavacos. Os Alves, descendentes de João e Maria Alves, os nonagenários Maria (1903) e Francisco (1910), reclamam para si o pioneirismo da imigração nordestina na cidade, assim como os descendentes do senhor Sebastião Joaquim do Nascimento, que antes de se estabelecer definitivamente aqui, havia sondado as terras e ficado algum tempo até ir ao seu estado de origem e trazer a família junto (p. 27-29).

Para Virginia Maria da Conceição, já casada (05/11/1919) com João Serafim das Chagas, na belíssima igreja em estilo renascentista da Colônia do Prata (anexo 1), e assumindo o nome do esposo, dizia-se agora Virginia Serafim das Chagas. Doravante, o nome Virginia Maria da Conceição estava suplantado. Significava uma nova vida, em um

112 novo lugar, uma outra realidade não menos sofrível que fora a do passado. As dores eram outras, mas por serem dores, igualavam-se por ser mais uma na vida da sertaneja. Virginia Serafim104 é um nome usado moralmente (ou socialmente) a partir de 1919, com o segundo casamento, mas Virginia Maria da Conceição não era casada juridicamente com João Serafim das Chagas, portanto, vamos tratá-la na monografia pelo seu nome de solteira, para justificar a conotação científica, mantendo sem alteração seu nome original. Na área de Santa Maria, João Serafim das Chagas (1888-1861) tomou posse de um lote agriculturável, relativamente próximo ao sítio São Francisco, propriedade do espanhol Benigno Rodrigues Lousada (1889-1975) e sua esposa Maria Freire Losada (1904-2003), seu amigo e compadre, desde os tempos da Colônia do Prata. Saíram da Colônia do Prata na data limite para evacuação dos sãos, em 1924. Quem tinha plantações esperou só até a colheita.

104

Chamar Virginia Maria da Conceição de Virginia Serafim passou a ser uma convenção moral, pois casaram-se apenas em evento religioso (Certidão de Casamento folha nº 047, Livro: 03B, Matriz de Santo Antonio do Prata, Paróquia de Igarapé-Açu, em 05/11/1919).

113 As indenizações aos colonos tinham sido ridículas para que pudessem reconstruir a vida em outro local. Consideraram-se mais uma vez refugiados, desprezados na sua árdua tarefa de desenvolver o Pará, enviados para um novo começo que não tinha qualquer outra infraestrutura básica. Era preciso fundar novamente uma outra vila, sem subsídio governamental. Tudo deveria ser reconstruído na base da solidariedade, do mutirão. O governo transformou a Colônia do Prata na primeira colônia agrícola de hansenianos do Brasil e pôs centenas de colonos para penar, abandonados pela própria sorte, sem infraestrutura, sem assistência médica, sanitária, religiosa, financeira. O ônus desta transformação saiu da pele do povo trazido ao Pará para desenvolvê-lo. As famílias indígenas assentadas na colônia desde a fundação, em 1898, partiram para suas aldeias ou para os lotes demarcados para eles, porque o governo lhes disse que agora eram agricultores. Outros indígenas menos socializados com os brancos partiram para aldeias congêneres pelo Pará.

114

Figura 16 – Amigos de Virginia Maria da Conceição: Manoel Cardoso (19071988) de quem comprava pão para servir na sua banca; Manoel Alves da Silva (1909-1994) um dos pioneiros de Santa Maria com grande amizade; Maria de Nazaré Pereira (1938), sua nora que morou com ela até sua morte; Sebastião José do Nascimento um dos pioneiros de Santa Maria que participava dos mutirões em prol da comunidade; Maria de Lourdes de Souza (1910?-2006) grande amiga e comadre; Francisc Batista de Paiva (1890-1967), amigo dos tempos da Colônia do Prata e anfitrião no centro da vila de Santa Maria.

João Serafim das Chagas não era agricultor em essência, na Colônia do Prata trabalhava como barbeiro e um pouco como carpinteiro. Não se acostumou com a vida no campo e aos trabalhos pesados com a agricultura, ademais com filhos pequenos, incapazes de

115 contribuir com a força do trabalho, apesar dos seus compadres o incentivarem. O espanhol Benigno, sim, era um autêntico agricultor que inseria tecnologias no campo e gerava prodígios. O casal tinha adotado um índio chamado Fabiano, que era um sujeito arredio e que logo formou família e saiu de perto deles. O insucesso no campo foi tanto, que João Serafim das Chagas quis migrar novamente. Desta vez, de volta ao seu Rio Grande do Norte, donde ainda conservava parentes. Não via outra alternativa que não recomeçar da origem. O ano era 1927. Tomou o trem, com os filhos, com Virginia Serafim das Chagas, Raymundo (3 anos), Francisca (2 anos), José (1 ano) e Nazaré (3 meses) e talvez com os filhos do primeiro casamento, Manoel e Antonia e rumou para Belém, na intenção encontrar uns parentes e depois embarcar em um navio para voltar ao Rio Grande do Norte, apesar dos protestos silenciosos da esposa e dos amigos. A intenção era que o governo custeasse seu retorno para o Nordeste. João Filho, o primeiro dos filhos do casal, já era falecido, pois, desta tentativa de remigração, não se fala mais do seu nome.

116 Talvez a falta de dinheiro ou da possibilidade de embarque imediato, tenha feito com que o casal ficasse na estação central da Estrada de Ferro de Bragança, em São Brás, por uns quinze dias, dormindo pela calçada. Virginia chorava copiosamente e, em silencio, pedia à Virgem de Nazaré que o demovesse da ideia de saírem do Pará, terra que, apesar dos pesares, aprendeu a amar, sobretudo em comunhão com os muitos amigos que partilhavam do mesmo sentimento, das lutas e desejos. Era uma mulher devotada à religião católica apostólica romana e as suas leis, portanto, obediente ao esposo, à fé e temente a Deus. Passou alguns dias em protesto silencioso, orando à Nossa Senhora de Nazaré, para que o esposo voltasse atrás... E a graça foi atendida! Talvez nestes dias na Estação Central de Belém, os filhos do primeiro casamento de João Serafim das Chagas, Manoel e Antonia, já dois jovens, tenham permanecido por lá, seduzidos pela religião evangélica. A situação precária da família na Estação Central deve ter sofrido o assédio dos militantes evangélicos in loco. Tanto foi, que o casal de filhos resolveu permanecer em Belém para viverem a nova religião oferecida. João Serafim das Chagas, como ficou bem

117 explicitado, era católico fervoroso culturalmente e preso às suas convicções. Passavam por um período turbulento, mais um na vida sertaneja, mas tinha esperança na religião católica, por isso a abominação a essa novidade evangélica que negava Maria, Mãe de Deus. Pediu aos filhos que escolhessem entre eles e a nova religião, e os filhos escolheram a religião. Daquela data em diante, nunca mais se viram. Supõe-se que Manoel e Antonia tenham se encantado com as promessas do paraíso, no céu e terreno. A vida miserável e altamente comprometida com o trabalho braçal, desgostava os jovens e a vida, na ótica da visão evangélica, de clara inspiração norte-americana, seduzia enormemente os dois jovens. A história dos irmãos Manoel e Antonia Serafim das Chagas foi comumente estratificada até a data de 2013. Relato de um anônimo105 revela que Manoel realmente converteu-se à religião pentecostal e o pai (João Serafim das Chagas) pediu que escolhesse estar junto dele ou da nova religião. Já Antonia, vivia uma vida mundana em Belém, pelos 105

O entrevista foi realizada em 26/10/2013 acordando de que fosse sigilosa, para não melindrar pessoas da família, uma vez que o relato é em parte completamente oposto ao conhecido.

118 idos dos anos 1920/30. Em tese, deve ter dado à luz em 1929. A madrasta (Virginia Maria da Conceição), alguns anos depois, soube que a enteada estava com tuberculose (1939) e foi visitá-la em Belém. Antonia tinha uma filha e a mesma estava com 3 anos de idade. A filha de Antonia estava maltratada. Pelo fato de a mãe inspirar mais cuidados que ela,

a madrasta pediu-lhe para levar consigo a menina e ela

aceitou. A pequena já estava crescendo e não podia continuar num ambiente daqueles. Em Santa Maria, a menina ficou primeiramente aos cuidados da avó, criada entre os netos, filhos de Francisca, mas depois passou aos cuidados da tia, Francisca Serafim da Silva, a Chiquinha (1925-1981). Não se soube mais o destino de Antonia Serafim das Chagas. Apenas subsiste o relato que a filha de Antonia era fruto de um relacionamento com um local, irmão de um comerciante daqueles tempos, o português Joaquim Davi. Chamava-se José Davi e era proprietário do Café Passarinho em Belém. A história ficou na penumbra e o tempo apagou os detalhes. Virginia, João Serafim das Chagas e os filhos retornaram para Santa Maria, mas agora para o centro da vila. Era dezembro do ano de

119 1927. O neto João Benedito Filho106 (1953) relatou, segundo as palavras de sua mãe, Maria de Nazaré Souza107, o retorno do casal para a vila de Santa Maria: “A mamãe disse que chegou aqui em Santa Maria aos três meses de idade. Tinham passado quinze dias em Belém, na tentativa de encontrar parentes e comprar passagens. A vovó se apegou com Nossa Senhora de Nazaré, pedindo que tirasse a ideia de voltar para o Rio Grande do Norte, até que ele desistiu. Nesses quinze dias ficaram dormindo nas marquises da estação de trem da Estrada de Ferro de Bragança” (sem paginação).

O que era a vila de Santa Maria na década de 1927, do século XX? Quando chegaram no centro da vila de Santa Maria, Virginia e João Serafim das Chagas tinham, respectivamente, 38 e 39 anos de idade, quatro filhos menores e disposição para recomeçar. O transporte mais comum entre os comunitários eram cavalos e burros de carga, mas o casal não usava montaria, por se considerarem velhos. Entretanto, João Serafim das Chagas tinha um animal de carga, um cavalo ou um burro, que o ajudava a trazer produtos de sua plantação de mandioca,

106

João Benedito Filho (11/07/1953). Filho mais velho de Maria de Nazaré de Souza (Lelé). Entrevistado em 28/02/2010 e 04/11/2013. 107 Maria de Nazaré Souza, a Lelé (30/12/1928). Entrevistada em 12/06/2000, 13/07/2000 e 21/07/2000. Falecida em 25/02/2003.

120 macaxeira, milho, arroz e feijão, que cultivava num lote de sua propriedade, situado onde hoje está a confluência das rodovias federais BR-010 e BR-316, no Trevo (também chamado, por muitos anos, de Cliper), o posto de combustível Santa Maria e próximo à antiga Travessa Santa Maria, a dos pioneiros do lugar. Ainda no início da década de 80 persistiam os colonos utilizarem cavalos como meio de transporte e chapéu de massa, comprados na Loja “Anjo da Guarda”, de propriedade de Waldemar Pereira da Silva (1915-1980), genro de Virginia e João Serafim das Chagas. O local de fixação do casal Virginia e João Serafim das Chagas e seus filhos (Raymundo, Francisca, José e Nazaré) foi na antiga Travessa Telegráfica (sentido Belém-Maranhão) que cortava a vila (anexo 3). Não havia arruamentos, mas veredas para cascos de montarias. No centro tinha uma capela tosca, de uns 4 m x 8 m, com uma mesa que servia para demarcar o altar, coberta com pano de chita. Ao redor da mesa as senhoras fizeram uma espécie de saia pregueada do mesmo tecido. Por detrás dessa capela, tinha uma considerável

121 lagoa, onde o pioneiro Francisco Batista de Paiva, o Chico Paiva108 (1890-1967) cercou uma área próxima para ser o seu curral. Quase em frente à capela tinha um benjaminzeiro, cujos galhos eram utilizados como expositores das bandas de carne de porco e vaca. O local no centro da vila era um tanto encharcado. Olhando de frente para a capela tosca, à esquerda, tínhamos duas casas comerciais e residenciais, do José Ramos e Cícero Bitonho. À direita, no sentido paralelo oblíquo à capela, as casas da dona Bené, Manoel e Tereza de Barros (1895-1976), Abdias Alves de Lima, Elisa Gomes de Oliveira (1904-1993), Joaquim Alves Maia (1886-1949) e Francisco (Chico) Justino de Souza (Anexo 2). Como o casal Virginia e João Serafim das Chagas não tinha teto no centro da vila, um amigo que estava construindo uma casa, a qual já estava coberta por cavacos e com as paredes enxameadas de barro, lhes ofereceu a mesma, enquanto João Serafim das Chagas pudesse construir a sua própria. Esse amigo era Francisco Batista de Paiva, o

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Francisco Batista de Paiva, Chico Paiva (1890) foi um dos pioneiros da colonização de Santa Maria, talvez o primeiro a chegar. Seu óbito está no Livro 7, nº 1697, folha 6. Faleceu dia 18/02/1967 aos 77 anos de idade. Era filho de Antonio Paiva de Sousa e America Feladelfia de Sousa, ambos falecidos. Era de cor clara e faleceu às 12:35 h, na sua residência.

122 Chico Paiva (1890-1967). O casal não se fez de rogado e, acordando com os outros do vilarejo, apossou-se de um pedaço de terra às margens da Travessa Telegráfica que media onze metros de frente por sessenta de fundos (anexo 3). Lá, João e Virginia construíram sua casa com a módica indenização que o governo lhes concedera ao desapropriá-los da Colônia do Prata, e com o dinheiro que ganhavam, ele como barbeiro e Virginia com sua venda, bem como com a prodigiosa ajuda dos demais refugiados que moravam no centro. As pessoas se ajudavam mutuamente. Virginia Maria da Conceição e João Serafim das Chagas tiveram um pensamento de vanguarda: antevendo a prosperidade da vila Santa Maria, com o fechamento aos sadios da Colônia do Prata, imaginaram acertadamente construir uma pensão109 para receber os caixeiros 109

A casa de taipa totalmente, tinha as dimensões de 10 m x 12 m, coberta de cavacos e chão de barro batido e paredes rebocadas com o próprio barro amarelo e caiadas. Havia uma porta e duas janelas na fachada. Os hóspedes se serviam para café da manhã, almoço e jantar numa mesa comum, com cadeiras e bancos de madeira corrida. Havia armadores (escápulas) de um lado e outro em que os hóspedes armavam as redes ou ainda podiam, dependo do número de hóspedes, no madeirame, na parte mais baixa do telhado. Amaravam cordas num ponto e outro das estacas para atar as redes. Durante muito tempo esse imóvel serviu a esse propósito, apenas em 1939, com o casamento da filha, Francisca Serafim da Silva (1925-1981) com o caixeiro viajante, Waldemar Pereira da Silva (1915-1980) o negócio de pensão foi deixando aos poucos de existir, porque a casa foi dividida ao meio e passou a ser também residência da filha, marido e netos. Em 20 de outubro

123 viajantes e outros comerciantes que eram muitos. E assim, Virginia também venderia a boia. Como já moravam, desde 1924, na área territorial de Santa Maria, participaram de muitas benfeitorias, feitas em regime de mutirão na vila. A participação do casal Serafim das Chagas foi substancial na construção da capela110, na década de 1920 e do cemitério, por volta de 1925. Inaugurou a capelinha tosca o Cônego Antonio Calado Muniz de Almeida111 (1881-1981), que era pároco da sede do município, Igarapé-

de 1954, o imóvel foi vendido ao genro Waldemar Pereira da Silva, por Cr$30.000,00 e os dois passaram a residir noutro imóvel, situado na Rua Santa Lúcia esquina da Rua Xavier Pacheco, medindo 8m x 60 m. Após a morte do casal, em 1961, foi vendido à viúva Amélia Lemos Pereira pelo valor de Cr$50.000,00. No lugar da antiga pensão, na Travessa Telegráfica (hoje Av. Santa Maria, 973), foi erguido pelo genro, em 1957, um imponente sobrado de dois pavimentos que, inicialmente, funcionava uma loja de tecidos e produtos de armarinho, na parte frontal, no piso baixo que ostenta 4 portas de 1 m de largura e 2,5 m de altura. 110 Sobre a construção dessa capela, Maria Nadir Bezerra (17/11/1927). Entrevistada em 04/07/2001 e 08/03/2010 disse que “dona Joaninha (Maria Ferreira da Luz, Joana Justino) dizia que quando vieram para Santa Maria trouxeram junto um rapaz muito doente, que as pessoas cuidavam juntas. Houve um tempo que ele pediu às pessoas que não queria ficar na casa de ninguém. Queria mesmo ficar isolado. Aí, em mutirão construíram a casa dele, num pedaço de terra parecido com um ferro de engomar. A casa ficava onde hoje está a Igreja Matriz atual, uma casa estreita de uns 5 m x 10 m. quando ele estava para morrer pediu que as pessoas fizessem de sua casa uma capela... Foi que foi dito”. Dona Maria Nadir ainda alcançou a capela ao chegar em 1936: “uma casa estreita, rebocada, caiada, com pinturas de umas flores enormes nas paredes, uma porta frontal larga e outra simples, normal. Era coberta de cavacos, com uma mesa coberta de tecido de chita, com uma saia franzida”. 111 Antonio Calado Muniz de Almeida ou Pe. Calado, vigário de João Pessoa (IgarapéAçu), a quem pertencia essa área paroquial e para onde o padre chegou em 1909. Nasceu em Pilar-AL em 23/06/1881 e faleceu em Igarapé-Açu-PA em 21/05/1965.

124 Açu. Da capela ficou como padroeira Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos. Era uma forma de homenagear os frades expulsos da Colônia do Prata, pois eram devotados à santa. Foi só em 1954, quando os negócios do genro Waldemar Pereira da Silva (1915-1980) cresceram, e o mesmo já era dono de vários bens imóveis na cidade, além de um posto de combustível (onde é o Trevo de Santa Maria, confluência das BR-010 e BR-316), que Virginia Maria da Conceição e o esposo resolveram vender o espaço da antiga pensão, nº 973 (anexo 4). Nele, Waldemar construiu um grande sobrado ao estilo 1950, que durante anos serviu de palco para festas memoráveis da família Serafim da Silva. Virginia Maria da Conceição mudou-se para um imóvel na rua Santa Lúcia, nº 250: uma outra casa simples, de paredes e chão de barro. Era coberta de telha de barro e ficava quase aos fundos do quintal da filha Francisca Serafim da Silva (1925-1981). A casa tinha sala, um quarto, acessados por um estreito corredor e uma cozinha, sem forro e um puxadinho que guardava o forno de barro, fogão à lenha, pilão (anexo 12). Nas paredes, caiadas, havia imagens de

125 santos, na sala de estar, entre elas Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, Nossa Senhora de Nazaré e São Francisco do Canindé e um relógio de parede, de madeira, que tocava de hora em hora. Ainda na sala, havia três cadeiras de madeira, confeccionadas por João Serafim e uma mesinha (como se fosse um aparador) coberta por um pano branco simples, com uma lamparina e um candeeiro, o chapéu de João, o véu de missa, vela e uma caixa de fósforos. Depois que Virginia e João faleceram, a casa foi vendida (anexo 4). No corredor da casa da rua Santa Lúcia estavam algumas escápulas presas nas estacas que sustentavam o barro, assim como nos quartos, com cordas, como se esperasse sempre alguém para se servir delas, armando uma rede. Na cozinha, havia uma mesa central relativamente grande, simples, que Virginia utilizava para as refeições e para fazer alguns dos seus quitutes, como a broa (anexo 7). Num canto da cozinha tinha uma mesa de cerca de um metro de altura, que comportava dois postes de barro com tampa e uma bandejinha com quatro copos. Próxima aos potes, uma concha especial para retirar-lhes a água e servir nos copos.

126 Tinha uma janela grande com um bom jirau, para lavar as louças mais confortavelmente. Havia também uma estante tosca, de madeira, confeccionada por João Serafim, que servia de armário para a louça e panelas bem ariadas e, na parte de baixo dessa estante, um armário, que servia para guardar alguns alimentos. A farinha de mandioca era guardada num saco de algodão, para que ficasse sempre bem torrada e crocante. No quarto do casal havia uma cama muito simples, com colchão de mola antigo, coberto com colcha de algodão colorido e travesseiros com enchimento de tufos de algodão. Cobria-se com lençol de algodão simples. Ao lado da cama uma espécie de criado-mudo, que recebia um oratório de madeira, com as imagens de São Sebastião, Nossa Senhora de Nazaré e Pe. Cícero Romão Batista, com dois pires de um conjunto de xícaras já desfeito, em que eram acendidas cotidianamente velas, antes que se rezasse o terço diário. Noutro canto do quarto havia um baú, com roupas e outras relíquias, que haviam sido trazidas do Ceará. Para as roupas utilizavam cabides de madeira, pregados na parede.

127 Havia sempre um penico, para aliviar-se nas noites frias, para quando o dia amanhecesse esvaziar na retrete, nos fundos do quintal.

Figura 17 - casa de Virginia Maria da Conceição (1889-1961) e João Serafim das Chagas (1888-1961), situada na rua Santa Lúcia, nº 250. Arte gráfica a partir do original de Laércio Braga, 2001.

No anexo de barro e de cobertura de cavaco, estava o forno de barro, fogão à lenha, o pilão (anexo12) e outros utensílios domésticos, aptos a serem utilizados na fabricação dos quitutes. O objeto de maior valor na casa era um rádio que pertencia ao filho do casal, Antonio serafim das Chagas (1930-1968) que residia com eles e era casado com Maria de Nazaré Pereira, a Marizita (1938).

128 Quem tinha um rádio naqueles tempos, tinha posses. Era considerado um entretenimento indispensável para se escutar as radionovelas e a programação da PRC5112, “a voz que fala e canta para a planície”.

POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍTICA DE POLITICAGEM A sertaneja Virginia Maria da Conceição detestava política de coronéis, e repassou aos filhos, netos e bisnetos a direção de nunca votar em determinado partido, por causa de um episódio acontecido em 01/04/1958, quando já estava com quase sessenta e nove anos de idade: a política frívola do general Magalhães Barata, já no poder há quase trinta anos, mandou prender um grupo de moradores, só porque não eram seus partidários. O exército veio à vila de Santa Maria e levou preso: Adolfo Garcia dos Santos (1902-1990), Antonio Maciel Rodrigues (19051983?), Antonio Maciel Coutinho (Lili), Pedro Barros da Silva (1918-

112

Rádio Clube do Pará, conhecida na Amazônia como PRC5. Em seu apogeu passou a ser conhecida como A Poderosa, trazendo a Belém artistas consagrados como Carmen Miranda, Silvio Caldas, Dalva de oliveira, Carlos Galhardo e Orlando Silva. Para saber mais: .

129 1999), João Botelho de Souza (1908-1981), Raimundo Leonardo, Pedro Leonardo, Pedro Casimiro, João Pessoa,

Miguel

(Marcolino)

Possidônio (1904-1995), Antonio Serafim das Chagas (1930-1968), Mário Ricardo, Osmar Bitonho, José Miguel e outros comunitários. Levaram aqueles filhos da terra e migrantes, acusando-os de conspiração contra o governo do Estado. O jovem Antonio Serafim, filho de Virginia Maria da Conceição, não tinha qualquer envolvimento político, assim como a maioria daquelas pessoas. E quem tinha algum envolvimento político, só tinha o defeito de não ser partidário do general Magalhães Barata. Antonio Serafim das Chagas estava no lugar errado, na hora errada. Quando os policiais chegaram para prender o pessoal, falaram que ele estava envolvido.

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Figura 18 - comemoração da libertação de presos políticos em 09/04/1958 no Restaurante Avenida, Belém Pará. Foto: autor desconhecido.

A época ainda estava sob o ranço que marcou a violenta disputa entre General Alexandre Zacharias Assumpção e general Magalhães Barata. Na sede do município, Igarapé-Açu, ferviam os ânimos da direita e da esquerda. Na vila de Santa Maria os comunitários polarizados faltavam estapear-se pelos militares, especialmente os que estavam do lado do general Magalhães Barata. Viviam saindo na rua com cartazes "fazendo pouco" uns dos outros. E a maioria dos comunitários em Santa Maria tinha raiva de o lugar ter voltado à

131 condição de vila de Igarapé-Açu, depois de ter conseguido emanciparse política e administrativamente em 1955. O motivo aludido à derrubada do município era porque o general Barata não gostava de Santa Maria, que não era seu reduto eleitoral. Vejamos como Roque (1998) descreve a política dos anos 1950 no Pará: Essa foi a disputa eleitoral mais acirrada na política paraense, marcada por brigas políticas, mortes e atentados. As opiniões eleitorais estavam divididas em: “Baratistas e Anti-Baratistas”. Porém, ninguém imaginou que o populista Magalhães Barata perdesse as eleições, por uma diferença mínima de votos, para Zacharias Assumpção, que venceu por 582 votos. Somente em 1955, finalmente Magalhães Barata, “líder carismático, autoritário e populista”, conseguiu se eleger Governador do Estado do Pará pelo voto direto dos paraenses (p. 10).

Então, não era difícil imaginar qual era a raiva embutida nos motivos das prisões em Santa Maria, quando saíram recolhendo pessoas como se recolhessem assassinos, inclusive um dos presos, Antonio Maciel Rodrigues, se refugiou na vila vizinha de São Jorge do Jabuti, na casa do comerciante Lauro Ramos, mas foi deletado e recolhido à prisão. Para prender Antonio Serafim das Chagas, que não estava no momento em que pegaram a maioria dos presos políticos, usaram um subterfúgio: foi-lhe dado um recado de que deveria ir até a delegacia,

132 apenas para conversar. Quando chegou ao local meteram-lhe em ferros. A prisão também se estenderia ao seu pai, João serafim das Chagas. As prisões foram efetuadas por causa de picuinhas e fofocas, por membros da família de um outro filho mais velho de Virginia Maria da Conceição, José Serafim das Chagas (1926-2001), em especial os sogros deste, que eram baratistas inveterados. A história é que eles ( Antonio e seu pai) tramavam contra o governo, e a administração populista do Cel. Magalhães Barata era tratada com mão de ferro. Vivia-se uma ditadura ferrenha. Roque (1999) descreve o nível das disputas eleitorais no período anterior a 1958 quando do episódio das prisões: Os primeiros deboches foram publicados no jornal vespertino “O Liberal”, de propriedade de Barata e mantido pelo Partido Social Democrático. Outros foram publicados nos jornais “A Folha do Norte” e a “Folha Vespertina”, ambos de Paulo Maranhão, que entre outros apelidos, chamava o general Barata de “Pilão Fardado”, por ser baixo e entroncado . Porém, do lado da violência verbal, houve comicidade neste pleito eleitoral. Em uma delas, o pessoal baratista adaptou uma marchinha carnavalesca para satisfazer o candidato Assumpção. A letra adaptada era a seguinte: “ Só porque o pinto/ fez cocô no chão/ jogaram cocô do pinto/ na careca do Assumpção”. O pessoal da Coligação resolveu dar o troco, com a mesma música: “Só porque o pinto/ fez cocô na lata,/ jogaram o cocô do pinto/ na cabeça do Barata” (p. 2).

133 A prisão deste seu filho deixou Virginia Maria da Conceição terrivelmente abalada. Chorou copiosamente durante oito dias, desesperada com a possibilidade de torturarem seu filho caçula. Segundo a neta, Maria Laide da Silva113 a avó abandonou qualquer comedimento e chorava alto e em bom som: “Vão colocar os anjinhos114 no meu filho!”. Maria Laíde chora, apenas com a lembrança do desespero da avó que ficou durante os oito dias transcorridos da prisão, praticamente sem dormir. As famílias dos outros prisioneiros também ficaram desesperadas, temendo que os presos fossem mandados para a Ilha de Cotijuba, na região insular de Belém, onde tinha uma prisão que reunia criminosos de justiça e presos políticos. Se para lá fossem mandados, corriam o risco de jamais voltarem, pois a política baratista permitia, além da tortura, a execução sumária de presos, para não inchar a população carcerária. Era muito comum ouvirem falar de prisioneiros serem presos a cordas e, durante a travessia para a ilha, serem lançados na Baía de 113

Maria Laide da Silva (05/01/1943). Entrevistada em 2000, 23/09/2009, 06/03/2010 e 23/09/2010, 04/05/2012 e 26/10/2013. 114 Anjinho trata-se de um instrumento de tortura medieval muito utilizado no século XVI, do Brasil colonial e comumente usado pela polícia e militares dos anos 50. Consistia de uma de ferro chato, com parafusos laterais, para apertar a cabeça do torturado.

134 Guajará. Se conseguissem nadar, salvavam-se. Nenhuma pessoa que foi lançada, voltou para contar da libertação. Mas enquanto as famílias e, principalmente Virginia Maria da Conceição, estavam desesperadas, ainda tinham de aguentar os escárnios das famílias partidárias do general Magalhães Barata. O sogro de José Serafim das Chagas (1926-2001) e sua esposa, Mariinha Cavalcante115 (1931-2010) vangloriavam-se dizendo que o governo efetuaria mais prisões, como a do esposo de Virginia, o velho senhor João Serafim das Chagas. Os rumores estavam grandes e a situação poderia transformar-se num caos maior, então, Waldemar Pereira da Silva (1915-1980) interveio, injuriado pela covardia, abordando o pai de Mariinha Cavalcante, pegando-o pela gola da camisa e lhe disse: “Se tu vieres prender meu sogro, não respondo pelos meus atos!” (Maria Laide da Silva, sem paginação). Foi o suficiente para que os ânimos e os vangloreios acabassem. Virginia ficava triste pela omissão de seu filho, José Serafim das Chagas. Por outro lado, o advogado Clovis Ferro Costa (ex-deputado estadual), contratado por um seguimento político, avançava no sentido 115

Maria Goleniesky das Chagas, Mariinha Cavalcante (1931-2010).

135 da soltura dos prisioneiros, o que aconteceu em 09/04/1958. E, da prisão da Central de Polícia (Seccional do Comércio), todos foram comemorar no restaurante Avenida, em Belém, esquina da Av. Nazaré com Av. Generalíssimo Deodoro, com fartura de Guarassuco à mesa e vários outros comunitários amigos e parentes dos injustiçados. Virginia Maria da Conceição fez uma jura de jamais votar para o partido daquele coronel, nem ela nem os seus, o que foi levado a efeito durante algumas gerações. Maria Nadir Bezerra116 conta sobre o episódio das prisões de 01/04/1958 de outra forma, não com menos picuinhas que a primeira contada: Havia um senhor chamado José Barreiro, que era “puxa-saco” do Barata. Todo mundo gostava dele, mas ninguém gostava de política, morava onde hoje é a casa do Manoel Fiscal... atentaram tanto a cabeça desse homem que ele foi embora de Santa Maria, mas antes foi no governo e fez fofoca que aqui tava pra virar Comunismo... Aí foi a polícia prendendo gente, aquela coisa! (sem paginação).

O general Magalhães Barata tinha cisma com Santa Maria. Um dos seus amigos na cidade, o senhor Pimentel, um famoso dono de farmácia em Santa Maria e baratista convicto, espalhou que o 116

Maria Nadir Bezerra (17/11/1927). Entrevistada em 04/07/2001 e 08/03/2010.

136 governador iria pernoitar em sua residência, no dia seguinte. À noite passaram excrementos humanos nas portas da casa dele e a visita não pôde ser concretizada. Ficou a rixa e na memória das pessoas. Só agora vem à tona que quem fez isso foi o Lili Maciel, que foi um dos presos daquela ocasião. Virginia Maria da Conceição sentia-se, mais uma vez na vida, vítima de um sistema. No Ceará, eram os cangaceiros e as tropas legais que determinavam a paz dos camponeses. Havia relato de que teve uma vez de dar abrigo, dentro de casa, para cangaceiros que lá se esconderam, enquanto a polícia estava na porta perguntando se não estariam por ali. A neta Maria Lucimar da Silva Pinho117 (1941) dizia que “era Lampião e Maria Bonita”, mas esta afirmação não procede quando observamos que, na época em que Lampião estava agindo pelos sertões do Nordeste, Virginia Maria da Conceição, já havia deixado o Estado do Ceará. É mais provável que tivesse sido o bando de Antonio Silvino, que precedeu o bando de Lampião. A geração de Virginia Maria da Conceição não tem tradição na política, como atividade profissional. Pode até engajar-se em atividades 117

Maria Lucimar da Silva Pinho (25/02/1941). Entrevistada em 28/02/2010.

137 concernentes, com apoio e presença física. A família formou-se longe de palanques, em atividades profissionais muito distintas. Mas o ranço do episódio de 1958 subsiste na memória de todos, e na memória da matriarca, existiu até o último suspiro. Nesta época, desde 1954, residiam na Rua Santa Lucia, esquina da Rua Xavier Pacheco, numa casa de 7 m x 13 m, tão simples como a própria existência. Antonio Serafim das Chagas era o único filho que continuava residindo com o casal118. A casa da rua Santa Lucia foi vendida logo após a morte do casal em 15/10/1961. A descrição do imóvel a bico de pena, no recibo de compra e venda era a seguinte: “Uma casa coberta com telhas de barro, chão batido, cercada de taipa, situada nesta vila de Santa Maria, contendo plantações, medindo 8 oito metros de frente por sessenta de fundos (60) ditos de fundos” (sem paginação).

E o último suspiro se deu no ano de 1961 aos setenta e dois anos de idade, de ataque cardíaco, sem sequer acordar-se. Na madrugada, o

118

Francisca Serafim da Silva ficou com Waldemar Pereira da Silva no lugar da Travessa Telegráfica, José Serafim das Chagas (1926-2001) tinha casado em 1950 com Maria Goleniesky das Chagas (1931-2010?), Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1949) casado com Pedro Medeiros e falecido de complicações do parto no ano seguinte e Maria de Nazaré Souza, Lelé (1927-2003) tinha se casado, em 1952 com João Aprigio de Souza.

138 esposo acordou ao ouvir que Virginia Maria da Conceição respirava ofegante, “meio como ronco”, e a esposa pereceu ali mesmo. Seis meses depois, João Serafim das Chagas também faleceu, por complicações de tétano, de uma pulga que tirou do pé com um punhal.

INTEGRAÇÃO GASTRONÔMICA O nordestino acrescentou muito ao bom paladar dos paraenses, de formas a deixar o sabor regional muito mais saboroso. A introdução da manipulação dos alimentos do jeito nordestino adquiriu uma simbiose excepcional com a culinária indígena muito preponderante na cozinha paraense. Os elementos que constituem a culinária nordestina estão afetos ao seu meio e às possibilidades climática. Como no Pará havia muita fartura, restou ao elemento migrado uma aprimoração de cardápio, de forma que não o alterasse.

139 Não seria ufanismo de nossa parte frisar essa simbiose de sabores, uma vez que o documentarista britânico James Winter apud Revista Época (2013, sem paginação) nos esclarece: Um prato não traz consigo apenas aromas, texturas e sabores. Tal como um documento, guarda por trás de simples receitas ingredientes como a eclosão de guerras, a trajetória de artistas ou mesmo o processo de formação de um povo. Foi com essa consciência, de que a história também pode ser contada a partir daquilo que os homens comem e cozinham, que o documentarista britânico James Winter decidiu buscar as origens e o contexto em que foram dados os nomes de pratos consagrados da culinária mundial.

Virginia Maria da Conceição teve essa excelência! Não raro ainda é lembrada pelo seus quitutes, principalmente quanto ao seu delicioso pé-de-moleque. Muitos ainda ficam com água na boca só de lembrar - pessoas que não o provam desde sua morte, ocorrida há 52 anos. O cardápio da banca de venda de Virginia Maria da Conceição era composto de bolo de milho, mas não era um bolo qualquer, que juntasse farinha de trigo a farinha de milho, era um bolo preparado no tacho, como se fosse polenta, e cozido deitado na folha de guarimã (anexo 5); festejado pé-de-moleque (anexo 6) preparado, também, na

140 folha de guarimã, com coco ralado adoçado com rapadura; pão da padaria do Manoel Padeiro (1907-1988), com manteiga; broa feita de goma seca com leite de coco e fermentada com bicarbonato (anexo 7); mingau de arroz com leite de coco (anexo 8); café quentinho posto em bule de esmalte, aquecido constantemente . A banca de venda de Virginia Maria da Conceição estava situada, nos anos 1950, ao lado do Mercado que dava para a antiga travessa do Telégrafo Nacional. O Mercado era uma tosca construção de barro e tábuas, construída pelo coronel José Botelho (BRAGA, p. 38), no coração da vila de Santa Maria. Banca era o sentido literal do negócio: mesa pequena, coberta com toalha de algodão branca. O mingau de arroz em panela e tampa de alumínio ariadas com esmero; o mingau, coberto antes de tampá-lo, por um guardanapo de algodão, preparado de saco de algodão, em que antigamente se transportava açúcar em grão. O pé-de-moleque assado, cortado em retângulos, ainda deitado sobre a folha de guarimã e posto numa tigela de louça. O bolo de milho cortado em retângulo, dentro de assadeira de alumínio, coberto com

141 guardanapo feito de saco de algodão. Noutra bandeja estavam cortados os pães, aptos a se passar manteiga e muitas broas. Num bule grande de esmalte verde, com uma ramagem branca, estava preparado o café adoçado com açúcar e posto num fogareiro constantemente aceso. O açúcar, para quem gostasse do café mais doce, estava posto num açucareiro, também de esmalte verde, sobre a mesa. O fogareiro de barro estava sobre a boca de um latão de querosene, preparado para recebê-lo e era alimentado a carvão (anexo 12). Os copos, utilizados para servir o café, eram do tipo americano e para servir o mingau de arroz, utilizavam-se latas vazias de leite condensado (com certeza leite condensado Moça, a marca mais famosa e há muito introduzida na região). As latinhas eram preparadas cuidadosamente, batidas na “boca” para não ferir os lábios de quem fosse servido.

142

Figura 19 - Francisca Serafim da Silva (1925-1981) e Maria de Nazaré de Sousa (1927-2003). Foto de autor desconhecido, década de 70.

As comidas que necessitavam de forno eram assadas em forno de barro cru, de forma côncava com uma única porta e um respirador, construído por João Serafim das Chagas, nos fundos da casa, numa barraca feita exclusivamente para tê-lo; assim como um fogão à lenha ou alimentado a carvão, que também era de barro cru sobre um caixote

143 de madeira, que ficava na altura da cintura, construído pelo mesmo (anexo 12). Não havia fogão alimentado a gás metano naquele tempo. Virginia Maria da Conceição apenas produzia as iguarias, quem as vendia no mercado geralmente era seu esposo, João Serafim das Chagas. Os hábitos alimentares na casa dos Serafim das Chagas eram costumeiramente nordestinos, até o final da década de 70. Os pratos típicos paraenses não eram vistos com bons olhos, justamente pela aparência. Apenas tinham leve influência nas frutas regionais, que rendiam bons sucos e doces e na variedade de animais que podiam ser criados para a alimentação (peru, galinha, pato). O tucupi e o jambu foram os únicos elementos da culinária paraense que, desde sempre, passaram a fazer parte da culinária, mas restritos aos dias festivos da padroeira (N. S. Auxiliadora) e em outros feriados, como Natal. Virginia Maria da Conceição costumava comer arroz quente com manteiga, baião-de-dois (anexo 9), feijão da colônia com toucinho, amassado com farinha de mandioca, que fazia bolinhos na palma da mão e chamava de capitão, carne de porco torrada e gostava de tomar

144 chibé, com rapadura raspada, paçoca de jabá batida à mão de pilão (anexos 8 e 11), Maria Isabel, que não é mais que arroz com jabá (anexo 10).

Figura 20 - outro “Mercado Velho” construído pelo senhor Pedro Barros da Silva (1918-1999) que substituiu o antigo de barro e taboas e cobertura de cavacos que era do Sr. Coronel José Botêlho de Souza (1876-1940?). Arte gráfica de Laércio Braga.

Nas tardes quentes do Pará, não dispensava o cuscuz para tomar com café puro, claro, muitas vezes torrado por ela mesma, da plantação que o marido cultivava para o próprio consumo. Nos eventos juninos, fabricava aluá (anexo 11). Nem ela nem o marido dispensavam um gole

145 de genebra holandesa, e ela não dispensava um pitada no cachimbo. Muitas senhoras desta época, quase centenária, tinham hábito, além do cachimbo, de mascarem tabaco (fumo de rolo). Tudo exatamente diferente do que pregamos hoje, quando o fumo é considerado démodé e infinitamente prejudicial. Vivemos um tempo em que apenas os vilões de filmes e novelas são os fumantes. No tempo de Virginia Maria da Conceição não havia a preocupação de comer gordura (anexo 11). As ingestões diárias eram acima da média e não havia grande preocupação quanto ao fato. Comiase sem medo e sem medida.

CONCLUSÃO Certamente, Virginia Maria da Conceição não foi uma migrante qualquer.

Flagelada

sim,

desgraçada

algumas

vezes

pelos

acontecimentos sinistros envolvendo mortes e desventuras, mas extremamente vitoriosa e guerreira no sentido de sobrevivência, capaz de vencer as adversidades trágicas da vida: miséria, seca, mortandade dos filhos, viuvez e os dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana,

146 para se firmar como mulher respeitável, embora essa sujeição fosse significativa para não cair em uma nova desgraça. Foi capaz de vencer todos os obstáculos que a vida lhe impôs, e conseguiu, ainda, ser extremamente feliz com a sua nova realidade. Como mulher, refugiada, mãe, trabalhadeira, conseguiu impor-se diante da sociedade de seu tempo como alguém referencial, na conduta pessoal e moral, como quituteira exemplar e uma das migrantes pioneiras do lugar que, inclusive, empreendeu com o esposo, João Serafim das Chagas a atividade de restaurante, com sua pensão para caixeiros viajantes. Muitos ainda lembram dos sabores dos seus quitutes, como Mario Alves da Silva119 (1944), Aristide da Silva Aranha120, o Mintinho (1932), Maria Nadir Bezerra (1927) e José de Sousa Nascimento121, o Zé Vaz (1950). Rememoram os sabores comercializados, dizendo-se com água na boca.

119

Mario Alves da Silva (23/01/1944). Entrevistado em 31/03/2011. Aristide da Silva Aranha, Mitinho (18/10/1932). Entrevistado em 17/04/2011. 121 José de Sousa Nascimento, Zé Vaz (26/11/1950). Entrevistado em 29/04/2011. 120

147 O seu retrato de defunto122 parece estranho para quem o observa hoje em dia, mas era a única lembrança que a família guardava dela, até que se descobrisse em 2001 um negativo de lambe-lambe que, solarizado, revelou uma foto familiar, junto aos filhos, netos e genro. Foi uma mulher que venceu todas as barreiras que a vida lhe impôs, conseguindo superá-las em plenitude, sem jamais abandonar a disposição natal para conseguir o seu maior feito na vida: viver honradamente com a força de seu trabalho, sem a mínima noção de que estava deixando como herança, um exemplo a ser seguido. Sintetiza, em muitos aspectos, a visão administrativa cobiçada por aqueles que pensaram o desenvolvimento do Estado do Pará, em microescala. Consultando o psicólogo Marcelo Gaia123, sobre o perfil de nossa migrante investigada, a palavra que define sua trajetória de vida é

122

“(...) no Brasil do século XIX a prática de conservar a imagem de um parente morto – e inclusive de levar seu corpo até o ateliê de um fotografo – não tinha nada de anormal. Era apenas um dos muitos hábitos que a fotografia disseminou pelo país.” Assim Ronaldo França (REVISTA VEJA. Clique no passado – pesquisa sobre os primeiros anos da fotografia no Brasil revela curiosidades saborosas. Reportagem de Ronaldo França. São Paulo: Abril Editora, Edição 1668, Ano 33, nº 39, 27 set 2000, p. 156-157.) descreve esse costume antigo no Brasil, ainda muito usado no século XX, nos interiores e ainda hoje, muito comum. 123 O perfil traçado pelo psicólogo Marcelo Gaia faz parte de uma consulta informal, para efeito acadêmico, em que o mesmo contribuiu com efeito na nossa amizade.

148 resiliência, dentro de seu perfil psicológico. Virginia Maria da Conceição soube transmutar a vida de pelejas e acontecimentos trágicos em uma vida plena, de regeneração constante. Sofreu amplamente com os abalos pelos quais teve de passar, mas os venceu condignamente, deixando um legado incomparável, que nunca se perdeu em magnitude e é um exemplo atemporal que deve ser seguido pelas gerações, pois é um exemplo de superação, em um tempo em que a profissão de psicólogo sequer se materializava no seu meio social. E Virginia só venceu as adversidades, por ser uma mulher forte, religiosa, honesta, amiga, mãe, mulher e extremamente resignada ao trabalho, como efeito de regeneração. Virginia Maria da Conceição era intensa em suas emoções, tinha autocontrole dos seus impulsos, mas não deixava de exprimir suas opiniões verdadeiras, doesse a quem doesse e era muito otimista, apesar dos pesares. Nunca esmoreceu. Venceu as secas, a viuvez, a morte dos rebentos, venceu a própria morte prematura, as adversidades de uma vida absolutamente comum, reinventando-se sempre, para ser, no final, a sertaneja feliz que foi.

149

Figura 21 - foto fúnebre de Virginia Maria da Conceição de autoria do lambe-lambe Cardoso, 1961.

150

Figura 22 - família Serafim Pereira da Silva, 1950. Foto solarizada (2001) por Laércio Braga a partir de negativo do álbum de João Benedito Filho de autoria do lambe-lambe Cardoso, 1950. Da esquerda para direita, em pé: Antonio Serafim das Chagas, Raimunda Alves, Nazaré Souza (Lelé), Francisca Serafim da Silva (Chiquinha), Maria de Lourdes, Waldemar Pereira da Silva, Maria Serafim do Nascimento (Lordinha), José Serafim das Chagas. Adultos sentados da esquerda para direita: Francisca Pereira da Silva, João Serafim das Chagas, Virginia Maria da Conceição. Crianças da esquerda para direita: Lucimar, Berenice, Valderi, Zuleide, Raimunda, Laide.

151 FONTES Fontes orais: Entrevistados. 













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Apolinário Virginio do Nascimento (nascido em Santa Maria do Pará em 14/07/1928). Entrevista concedida a Laércio Braga em 06/03/2010. Antonio Maciel Filho (Neném, nascido em Santa Maria em 23/01/1939). Entrevista concedida a Laércio Braga em 09/11/2013. Anunciada Maria da Conceição (nascida no Estado do Ceará em 07/02/1908). Entrevista concedida a Laércio Braga em 29/07/2000. Aristide da Silva Aranha (nascido em Santa Maria na vila São Domingos, em 18/10/1932). Entrevista concedida a Laércio Braga em 17/04/2011. Edite Silva Santos (Edite Barros, nascida em Igarapé-Açu em 28/10/1929). Entrevista concedida a Laércio Braga em 22/08/2000 e 23/11/2004. Eva Cavalcante de Araújo (Eva Paiva, Igarapé-Açu-PA em 11/07/1925). Entrevista concedida a Laércio Braga em 19/08/2000 e 25/07/2000. Falecida em 03/04/2007. Francisco Alves da Silva (Chico Alves, nascido em Icó em 10/01/1910). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 14/07/2000 e 04/03/2010. Faleceu em 19/06/2013 aos 103 anos de idade. Francisco Teixeira de Souza. Entrevista concedida a Laércio Braga em 14/07/2000. Iracema Maia. (nascida em Santa Maria do Pará em 1926). Entrevista concedida a Laércio Braga em 17/08/2000. Falecimento em 2003 (?).

152 









 





Israel Martins Viana (Rael, 30/12/1931), nascido na vila São Domingos (Santa Maria do Pará). Entrevista concedida a Laércio Braga em 15/04/2011. Januário Carneiro de Menezes (nascido na Colônia do Prata em 10/07/1913). Entrevista concedida a Laércio Braga em 25/07/2000. José de Sousa Nascimento (Zé Vaz, nascido em Santa Maria do Pará em 23/11/1950). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 29/04/2011 e 05/05/2011. João Benedito Filho (nascido em Santa Maria do Pará em 11/07/1953). Entrevista concedida a Lutti Braga em 28/02/2010 e a Laércio Braga em 09/11/2013. Lucila Losada Rodrigues (nascida em Belém-PA em 31/10/1921). Entrevista concedida a Laércio Braga em 04/07/2001. Falecida em 20/02/2011. Manoel Fernandes de Lima (26/07/1929). Entrevista concedida a Laércio Braga em 14/11/2013. Maria Elisa dos Santos (nascida no Estado do Ceará em 04/06/1933). Entrevista concedida a Laércio Braga em 21/09/2000. Maria Freire Losada (nascida no Estado da Paraíba em 25/12/1904). Entrevista concedida a Laércio Braga em 04/07/2000. Falecida em 05/07/2003. Maria de Nazaré de Souza (Lelé, nascida na Colônia do Prata em 30/12/1928). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 12/06/2000, 21/09/2000 e 13/07/2000. Faleceu em 25/02/2003. Maria de Nazaré tem uma discordância quando à sua data de nascimento. Declarava a data oficial, mas no cartório da vila São Jorge do Jabuti, da comarca de Igarapé-Açu existe registro com a data de 27/05/1927, data que consideramos para efeito de temporalidade científica.

153 

















Maria de Nazaré Santos Silva (nascida em Moju-PA em 16/09/1946). Entrevista concedida a Laércio Braga em 21/11/2013. Maria Laide da Silva (nascida em Santa Maria do Pará em 05/01/1943). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 2000, 23/09/2009, 06/03/2010 e 23/09/2010 e 04/05/2012 e 26/10/2013. Maria Zuleide Serafim do Nascimento (nascida em Santa Maria do Pará em 11/09/1945). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 02/05/2001, 20/09/2009 e 09/10/2013. Maria Nadir Bezerra (nascida em Fortaleza-CE em 17/11/1927). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 04/07/2001 e 08/03/2010. Maria de Lourdes de Souza (Mariinha Horácio, nascida na Colônia do Prata-PA em 20/01/1912, mas festejavam a data como se tivesse 90 anos em 2000, portanto, a data oficiosa era 20/01/1910). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em várias ocasiões em 22/03/2000, 12/06/2000, 28/06/2000, 03/07/2000, 07/07/2000, 10/08/2000 e 20/10/2000. Faleceu em Belém 10/09/2005. Maria Lucimar da Silva Pinho (nascida em Santa Maria do Pará em 25/02/1941). Entrevista concedida a Laércio Braga em 28/02/2010. Maria Serafim do Nascimento (Lordinha, nascida em IgarapéAçu-PA em 20/01/1935). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 15/08/2009 e 06/03/2010. Maria da Silva Aranha (Maria Severo, nascida no Estado do Ceará em 1903). Entrevista concedida a Laércio Braga em 21/07/2000. Faleceu em 30/08/2001. Maria de Nazaré Pereira (Marizita, nascida em 17/04/1938). Entrevista concedida a Laércio Braga em 13/04/2011.

154 



 









Mario Alves da Silva (nascido em Santa Maria do Pará em 23/01/1944). Entrevista concedida a Laércio Braga em 31/03/2011. Mírian de Fátima Serafim Ferreira (nascida em Santa Maria do Pará, em 21/06/1957). Entrevista concedida a Laércio Braga em 09/11/2013. Pedro Botelho Leite. Entrevista concedida a Laércio Braga em 14/07/2000. Segundo Rodriguez Guntiñas (nascido na província do Lugo, Espanha, em 03/10/1918). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 04/07/2001 e em 11/11/2010. Faleceu em 19/01/2011. Sebastiana Otélia de Souza Farias (nascida em Santa Maria do Pará em 20/01/1948). Entrevista concedida a Laércio Braga em 03/05/2012. Manoel Raimundo de Souza (Seu Totó, nascido em Santa Maria do Pará em 11/02/1918). Entrevistas concedidas a Laércio Braga em 13/07/2000, 25/07/2000, 31/07/2000 e 02/08/2000. Faleceu em 09/11/2004. Raimunda Serafim do Nascimento (Ray, nascida em Santa Maria do Pará em 24/12/1946). Entrevista concedida a Laércio Braga em 04/05/2012. Raimundo Alencar Sobrinho (nascido em Timboteua-PA em 10/05/1927). Entrevista concedida a Laércio Braga em 31/08/2000 e 22/09/2000. Faleceu em 23/08/2001.

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159 ANEXO 1 Certidão de Casamento Religioso entre Virginia Maria da Conceição e João Serafim das Chagas.

160 ANEXO 2 Mapa do centro da vila de Santa Maria na década de 30.

161 ANEXO 3 Documento de compra e venda da residência e pensão da antiga Estrada do Telegrafo Nacional (hoje, Av. Santa Maria, nº 973), em 1954.

162 ANEXO 4 Documento de compra e venda da residência da Rua Santa Lúcia, nº 250.

163 ANEXO 5 BOLO DE MILHO Ingredientes: 01 kg de farinha de milho 02 cocos secos 01 pitada de sal 03 folhas de guarimã médias Modo de preparar: Deixava o milho debulhado, de molho, um dia para o outro. Depois pegava o milho inchado e moía na máquina (semelhante as máquinas de moer carne manualmente). Antigamente, tinha de quebrar no pilão ou num moinho artesanal. Ralava os dois cocos, no ralador próprio, e tirava o leite, mas deixava um pouquinho para acrescentar na massa. Colocava a massa numa panela grande com água, que devia fever até ficar na homogeneidade de polenta. As folhas de guarimã já estavam forrando uma forma de alumínio retangular, no lugar da manteiga. Despejava-se o mingau dentro da forma e colocava pra dourar dentro do forno de barro cru. Depois de pronto cortava em pedaços de 10 cm x 05 cm e servia numa bandeja de latão.

CUSCUZ Ingredientes: ½ kg de farinha de milho

164 02 cocos secos Modo de preparar: Deixava o milho debulhado, de molho um dia para o outro. Depois pegava o milho inchado e moía na máquina (semelhante as máquinas de moer carne manualmente). Antigamente, tinha de quebrar no pilão ou num moinho artesanal. Ralava os dois cocos, no ralador próprio, e tirava o leite, mas deixava um pouquinho do coco ralado no próprio leite. Em outro recipiente deixava parte do leite para encharcar, assim que se preparava e teria de molhar ainda quente e noutro separado (uma tigela) deixava para acrescentar, com uma concha. Colocava a massa umedecida na tampa de uma panela de alumínio média e cobria com um guardanapo amarrando as pontas deste na parte de cima da mesma. Recolocava a tampa na panela com a água dentro dela já borbulhante, para cozer em banho maria, por cerca de 20 min.

165 ANEXO 6

PÉ-DE-MOLEQUE Ingredientes: 01 kg de massa puba de mandioca 03 rapaduras 01 coco seco 01 pitada de sal 25 g de erva doce 25 g de cravo-da-índia 04 folhas médias de guarimã

Modo de preparar: Pega-se cinco (05) mandiocas grandes e põe de molho n’água por uns 5 ou 8 dias. Depois de vencido os dias, tirava a mandioca e colocava para escorrer, num tecido de algodão, semelhante ao que, antigamente, embalavam sacas de 60 kg de açúcar. Podia ser também prensado no tipiti ou peneirava a massa imprensando-a com as mãos, numa peneira grande. Quebrava-se as três rapaduras e deixavam os pedaços de molho com um pouco de água, para que desmanchassem e formassem um mel. Pegava-se a massa, acrescentava o coco ralado no raspador próprio, acrescentava uma pitada de sal, a erva-doce e o cravo-da-índia e o mel formado pela rapadura. Mexia vigorosamente tudo.

166 Lavava a folha de guarimã e com elas forrava a assadeira de alumínio retangular, despejava-se a massa, ajeitando com as mãos e colocava para assar no forno de barro cru, por cerca de 40 min. Depois de pronto cortava o pé-de-moleque em retângulos de 5 cm x 7 cm. Servia o pé-de-moleque numa vasilha funda de louça.

167 ANEXO 7

BROA Ingredientes: 02 kg de farinha de goma seca (geralmente era comprada, mas podia perfeitamente prepará-la) 02 cocos secos 200 g de açúcar 01 colher de sopa de bicarbonato de sódio Modo de preparar: Ralava-se o coco no ralador próprio e retirava-se o leite. Despejava o leite de coco numa vasilha média, adoçava com açúcar e levava ao fogo. Sempre mexendo, vai colocando a farinha de goma seca aos pouquinhos. A consistência homogênea, semelhante uma cola grossa e transparente ou igual a goma de tacacá, só que mais consistente. Na mesa de madeira já estava despejado mais goma seca, arrumada feito a boca de uma panela, para se derramar o mingau. Despejava o mingau no meio, deixava esfriar um pouco e depois ia misturando, misturando, sovando, sovando até formar um bolo consistente que se sova e sova até formar o ponto de broa. Quando a massa já estava bem consistente, acrescentava o bicarbonato de sódio, amassava bem e depois espalhava na mesa com o cilindro de madeira e cortava as broas com a boca vazada de uma lata de leite condensado. Depois era só pôr para assar no forno de barro até que dourassem. Servia as broas numa vasilha funda de louça.

168 ANEXO 8

MINGAU DE ARROZ Ingredientes: 01 kg de arroz comum 02 cocos secos 200 g de açúcar 01 colher de chá de sal. Modo de preparar: Ralava os cocos em ralador próprio e retirava o leite. Cozinhava o arroz numa panela grande de alumínio deixando ficar aquela papa, acrescentava açúcar, o sal, então, botava o leite de coco e cozinhava só mais um pouquinho. Levava a iguaria para vender na sua banca na panela de alumínio mesmo, forrando com um guardanapo antes de tampar a panela, para o calor não suar a tampa e desandar o mingau. Servia os fregueses em copos de lata de leite condensado, preparadas para atender a esse propósito. A canela em pó era a gosto do freguês. PAÇOCA DE JABÁ Ingredientes: 01 kg de charque 2,5 de farinha de mandioca (farinha d’água)

169 02 cebolas grandes Modo de preparar: Escaldava o charque duas vezes até que saísse o máximo de gordura do mesmo. Depois colocava para cozinhar um pouco. Quando o charque soltava toda aquela gordura ficava como se fosse frito. Escorria-se a água e botava o charque para fritar bem. Retirava do fogo, acrescentava a farinha de mandioca, misturava e jogava no pilão. Cortava rodelas de cebola e começava a pilar. A carne ia se esmagando. Mexia com a colher e pilava, acrescentava a cebola e pilava. A carne se desmanchava toda e virava paçoca. Servia com arroz quente, cozido com banha de porco.

170 ANEXO 9

BAIÃO-DE-DOIS Ingredientes: ½ kg de feijão da colônia vermelho ¼ de charque ¼ de toucinho de porco 01 cebola grande ½ maço de cheiro verde 02 dentes de alho amassados Modo de preparar: Cozinhava o feijão com o charque já escaldado e com o toucinho. Temperava com a cebola, o alho, cheiro verde. Quando estava cozido, acrescentava-se o arroz, deixava cozinhar até secar um pouco. Servia em casa numa tigela grande de louça.

171 ANEXO 10

MARIA ISABEL Ingredientes: ¼ de charque ½ de arroz 01 tomate 01 cebola 02 dentes de alho 1 colher média de urucum 01 colher de chá de cominho ½ maço de cheiro-verde Modo de preparar: Cortava-se o charque em cubos pequenos, tempera-o com a cebola, alho amassado, cheiro-verde, cominho, o urucum, tomate e refogava bem, até cozê-lo. Depois acrescentava o arroz e deixava cozinhar, mas sem secar totalmente. O urucum era retirado do próprio pé. Retirava-se os caroços da cachoupa e friccionava-os em uma peneira com um pouco de água, para que apenas o corante escorresse. O sabor é outro e dá mais sabor ao alimento, justamente porque está fresquinho.

Servia quente na mesa numa tigela grande.

172 ANEXO 11

ALUÁ 15 espigas grandes de milho 50 g de cravo-da-índia 50 g de erva-doce Cascas de 02 abacaxis 100 gramas de gengibre 02 ou 03 rapaduras. Modo de preparar: Em um pote de cerâmica grande com tampa, colocava-se as espigas de milho inteiras, acrescentava-se o cravo-da-índia, erva-doce, as rapaduras quebradas, a gengibre e as cascas de abacaxi. Enterrava-se no quintal com a boca para fora, amarrando-se a tampa para evitar entrar detritos ou insetos. Deixava enterrado por três dias para fermentar e depois coava e estava pronto para tomar.

PARA FAZER A GORDURA Compravam-se uns dois ou três quilos de toucinho de porco, cortava-os em pedaços e colocava em uma panela para fritar até que ficasse apenas o couro a formar torresmo. Colocava em uma vasilha para esfriar. Depois de esfriado, tampava, e estava pronto para ser utilizado na elaboração de enes alimentos.

173 O PILÃO O pilão que Virginia Maria da Conceição utilizava era de madeira, cilíndrico, vertical, com aproximadamente 01 m de altura, com uma mão de pilão, também de madeira, de aproximadamente 80 cm, com os dois lados aptos a pilar.

174 ANEXO 12

O FOGAREIRO Era o comumente usado pelas tacacazeiras da Feira do Ver-o-Peso, em Belém antes do advento do gás metano em botijões: de cerâmica, de forma quadrada, quase as mesmas dimensões da boca de um latão de querosene. Tinha a forma de pirâmide invertida, sem a ponta, vazada, para manter a brasa atiçada. O latão, além de mantê-lo alto do chão, tinha um suspiro para arejar cortado ao lado, como se fosse uma janela. Daquele ponto, para atiçar as brasas, a pessoa podia abanar.

O RASPA COCO Instrumento de ferro em forma de colher, com dentes semelhantes ao serrote na ponta ovalar. Na parte do que seria o cabo da colher tem dois furos, para meter pregos numa taboa de aproximadamente 0,50 cm ou 0,60 cm. A pessoa senta numa cadeira, põe por baixo das pernas o instrumento, para fixá-lo bem. Entre as canelas pode segurar uma bandeja funda para aparar as raspas do coco seco. O coco seco deve ser partido ao meio em duas quengas.

O FORNO DE BARRO Semelhante à cúpula invertida do Congresso Nacional em Brasília, só que mais alto, com uma porta frontal e um suspiro na parte superior. É feito de barro amarelo, cru sob uma base com armação de madeira e fundo do mesmo barro. O diâmetro do forno de Virginia Maria da Conceição era de aproximadamente 1,80 m x 1,20 m de altura, para preparar tantos quitutes diariamente. Ficava em um abrigo próprio nos

175 fundos da casa. A abertura frontal era fechada, após aquecido, com uma porta de ferro e Virginia colocava as brasas para o lado com um rodo, semelhante aos utilizados para torrar farinha d’água.

FOGÃO À LENHA Em forma retangular colocado no mesmo abrigo do forno de barro. Era alto do chão, mais para cima um pouco da altura da cintura. Tinha uma armação de madeira para que o barro amarelo e cru isolasse a temperatura da madeira, para evitar incêndio. No meio havia o espaço para pôr a lenha e nas laterais paredes de barro que guarneciam bocas de ferro maciço para receber panelas.

176 LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - cartão apresentando Virginia Maria da Conceição em dois períodos da vida, idosa e jovem. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013.............................................................................18

Figura 2 - acima: enteada Antonia Serafim das Chagas (?), Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1954) e José Serafim das Chagas (1926-2001). Abaixo: Antonio Serafim das Chagas (1930-1968), Francisca Serafim da Silva (1925-1981) e Maria de Nazareth Serafim das Chagas (19272003).......................................................................................22

Figura 3 - amigos de Virginia Maria da Conceição: à esquerda: Maria Freire Losada (1904-2003), Benigno Rodriguez Losada (18991975) e Lucila Losada Rodriguez (1921-2011). À direita: Maria da Silva Aranha, a Maria Severo (1903-2001) e Francisco Alves da Silva, o Chico Alves (19102013).......................................................................................32

Figura 4 - casal Waldemar Pereira da Silva (1916-1980) e Francisca Serafim da Silva (1925-1981). Foto de 1939 sem autoria, do Álbum da Família Serafim da Silva .......................................44

Figura 5 - alunas e corpo dirigente do Instituto Feminino da Colônia do Prata, com destaque para Virginia Maria da Conceição. PARÁ, Governo do Estado do, 1901-1909 (Augusto Montenegro). Álbum do Estado do Pará; oito anos de governo. Paris: Chaponet, 1908, p. 40. Reprodução: Laércio Braga, 2006.........................................................................................51

177

Figura 6 - cartão com fotografia de Virginia Maria da Conceição, com vestido (desenho de Maria Laide da Silva (2013) e fogareiro (sem autoria). Arte de Laércio Braga, 2013............................54

Figura 7 - cartão com fotografias com os casamentos de Maria de Nazaré Sousa, a Lelé (1927-2003) e Maria de Lourdes Serafim das Chagas (1932-1968). Fotos sem autoria do Álbum de João Benedito Filho.........................................................................62

Figura 8 - cartão com galeria de religiosos como frei Carlos Olearo, irmã Verônica, frei Daniel de Samarate, padre Calado e padre Cícero Romão Batista. Figuras que, além dos santos comuns da Igreja Católica faziam parte da cosmogonia de Virginia. Reprodução e arte gráfica de Laércio Braga, 2013.................69

Figura 9 - 1. vapor Equitaine; 2. Hospedaria de imigrantes; 3. Escadinha do Ver-o-Peso; 4. Um tipo de vapor do início do século XX. Compilações de Álbum de Governo, 1899 e 1908.........................................................................................77

Figura 10 – Tabela: Nota: os dados até 1905 são de Arthur Viana; a partir de 1906, são do quadro estatístico elaborado pelo Dr. Américo Campos e referido por Cruz Moreira na sessão de 25 de outubro de 1910 da Câmara de Deputados.........................87

Figura 11 - igreja e vista da Colônia do Prata. As fotos antigas são compilações de Álbum de Governo, 1908 e foto atual de Laércio Braga, 2006................................................................91

178

Figura 12 - Feira Livre no Largo de Santo Antonio da Colônia do Prata, em 28 de maio de 1922. ARAÚJO, Dr. H. C. de Souza. Lazarópolis do Prata. Belém: Emp. Graphica Amazônia, 1924, p. 172.......................................................................................95

Figura 13 - reprodução de Laércio Braga (2013) da foto de João Serafim das Chagas (1888-1961), a partir do Álbum da Família Serafim da Silva Braga..............................................97

Figura 14 - 1. Primeira capela da vila de Sta Maria ; 2. Igreja de taipa e coberta com telha de barro; 3. Igreja de concreto e telha de amianto de 1952; 4. Mercado de taipa e tábuas, coberto de cavaco construído por José Botêlho de Sousa (1876-1940?). Mostra as evoluções das construções de 1920 a 1952. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013.............................................106

Figura 15 - pensão de caixeiros viajantes e o sobrado que a sucedeu no ano de 1957, situado na Av. Santa Maria, 973. Arte gráfica de Laércio Braga, 2013..............................................................108

Figura 16 – Amigos de Virginia Maria da Conceição: Manoel Cardoso (1907-1988) de quem comprava pão para servir na sua banca; Manoel Alves da Silva (1909-1994) um dos pioneiros de Santa Maria com grande amizade; Maria de Nazaré Pereira (1938), sua nora que morou com ela até sua morte; Sebastião José do Nascimento um dos pioneiros de Santa Maria que participava dos mutirões em prol da comunidade; Maria de Lourdes de Souza (1910?-2006) grande amiga e comadre; Francisco Batista de Paiva (1890-1967), amigo dos tempos da Colônia do Prata e anfitrião no centro da vila de Santa Maria...........114

179

Figura 17 - casa de Virginia Maria da Conceição (1889-1961) e João Serafim das Chagas (1888-1961), situada na rua Santa Lúcia, nº 250. Arte gráfica a partir do original de Laércio Braga, 2001.......................................................................................127

Figura 18 - comemoração da libertação de presos políticos em 09/04/1958 no Restaurante Avenida, Belém Pará................130

Figura 19 - Francisca Serafim da Silva (1925-1981) e Maria de Nazaré de Sousa (1927-2003). Foto de autor desconhecido, década de 70...........................................................................................142

Figura 20 - outro “Mercado Velho” construído pelo senhor Pedro Barros da Silva (1918-1999) que substituiu o antigo de barro e tábuas e cobertura de cavacos. Arte gráfica de Laércio Braga.....................................................................................144

Figura 21 - foto fúnebre de Virginia Maria da Conceição de autoria do lambe-lambe Cardoso, 1961.................................................149

Figura 22 - família Serafim Pereira da Silva, 1950. Foto solarizada (2001) por Laércio Braga a partir de negativo do álbum de João Benedito Filho de autoria do lambe-lambe Cardoso, 1950. Da esquerda para direita, em pé: Antonio Serafim das Chagas, Raimunda Alves, Nazaré Souza (Lelé), Francisca Serafim da Silva (Chiquinha), Maria de Lourdes, Waldemar Pereira da Silva, Maria Serafim do Nascimento (Lordinha), José Serafim das Chagas. Adultos sentados da esquerda para direita: Francisca Pereira da Silva, João Serafim das Chagas,

180 Virginia Maria da Conceição. Crianças da esquerda para direita: Lucimar, Berenice, Valderi, Zuleide, Raimunda, Laide.....................................................................................150

181 LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 - Certidão de Casamento Religioso entre Virginia Maria da Conceição e João Serafim das Chagas..................................159

Anexo 2 - mapa da vila de Santa Maria em 1930 com os principais moradores do centro. Desenho de Edson Carlos Alves, 2001.......................................................................................160

Anexo 3 - reprodução de documento de Compra e Venda da casa da Travessa Telegráfica (Av. Santa Maria, nº 973) em 20 de outubro de 1954....................................................................161

Anexo 4 - reprodução de documento de Compra e Venda de imóvel da rua Santa Lúcia, nº 250 em 15 de outubro de 1961.......................................................................................162

Anexo 5 - receita de bolo de milho e cuscuz relatada por Maria Laide da Silva (1943)......................................................................163

Anexo 6 - receita de pé-de-moleque relatada por Maria Laide da Silva (1943)....................................................................................165

Anexo 7 - receita de broa relatada por Maria Laide da Silva (1943)....................................................................................167

182 Anexo 8 - receita de mingau de arroz, paçoca de jabá relatada por Maria Laide da Silva (1943).................................................168

Anexo 9 - receita de baião-de-dois relatada por Maria Laide da Silva (1943)....................................................................................170

Anexo 10 - receita de maria isabel relatada por Maria Laide da Silva (1943)....................................................................................171

Anexo 11 - receita de aluá, pra se fazer gordura relatada por Maria Laide da Silva (1943); o pilão...............................................172

Anexo 12 - o fogareiro; o raspa coco; o forno de barro; fogão à lenha......................................................................................174

183

184 “Virginia Maria da Conceição, minha bisavó materna, foi uma retirante forte e profundamente determinada a sobreviver, com amor e dedicação, apesar de todas as adversidades pelas quais passou”. “A micro-história está totalmente representada a serviço da História das migrações de nordestinos cearenses para o Pará, no início do séc. XX”.

Laércio Braga é graduado em História, escritor, pesquisador. A obra atual é resultado do curso de pós-graduação em História Contemporânea, que lhe valeu a nota máxima.

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