Flexibilidade, Proteção do Emprego e Contratos de Trabalho

June 14, 2017 | Autor: João Cerejeira | Categoria: Human Capital, Minimum Wage
Share Embed


Descrição do Produto

Flexibilidade, Proteção do Emprego e Contratos de Trabalho João Cerejeira NIPE – Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho

Introdução O debate sobre o grau de flexibilidade/rigidez do mercado de trabalho é um tema recorrente quer para economistas quer para os agentes políticos, tendo assumido particular relevância a partir da crise petrolífera dos anos 70. A manutenção de elevados níveis de desemprego nos anos 70 e 80 colocaram em questão os regimes de proteção do emprego e da regulação das relações laborais até então praticados, considerados agora como excessivamente penalizadores dos despedimentos e dotados de uma rigidez excessiva, quer no domínio da fixação dos salários, quer no que diz respeito à organização do trabalho no interior da empresa. A solução encontrada para flexibilizar o mercado de trabalho adotada em muitos países, nomeadamente os do sul da Europa, e assim facilitar a criação de emprego, foi a de introduzir novas formas contratuais, nomeadamente contratos temporários, não alterando de forma substancial os direitos anteriormente adquiridos. Em Portugal, a legislação relativa aos contratos a prazo instituída em 1976, foi sofrendo várias alterações ao longo dos anos, sendo as mais relevantes as que disseram respeito às compensações por caducidade do contrato (inicialmente inexistentes), quer as relativas à duração e ao número máximo de renovações dos contratos. Inicialmente, a contratação a prazo estava essencialmente associada aos processos de seleção dos trabalhadores para a ocupação de postos de trabalho permanentes, sendo o instrumento privilegiado de triagem nos processos de recrutamento. Porém, verifica-se que em períodos de maior volatilidade da economia, o recurso à contratação a prazo torna-se o principal, senão o único, instrumento de recrutamento de novos trabalhadores. A existência de elevados custos de despedimento de trabalhadores com contrato permanente, nomeadamente os custos processuais associados ao processo legal de despedimento, custos estes de natureza incerta, faz com que, apesar de representarem 22% do emprego por conta de outrem total, mais de metade da rotação do emprego (entradas mais saídas) seja de trabalhadores com contratos a prazo. A coexistência de dois mercados de trabalho paralelos com níveis de proteção diferenciados face a choques económicos, para além de questões relacionadas com equidade, induz uma rotação excessiva de trabalhadores no mercado de trabalho1, com consequências negativas ao nível do investimento em capital humano, quer por parte do empregador, quer por parte do trabalhador. O recurso crescente a contratos temporários será assim traduzido em menores qualificações futuras dos trabalhadores com maior permanência neste tipo de regime, com implicações quer ao nível da sua produtividade quer ao nível da compensação futura esperada. 1

Ver Centeno e Novo (2012), para o caso português.

Segmentação laboral e formação em Portugal e na Zona Euro – Evolução recente

O Gráfico 1 apresenta a percentagem de trabalhadores por conta de outrem com contratos temporários ou a prazo, em Portugal e na Zona Euro (17 países), nos últimos anos. Em Portugal, e desde 2006, a percentagem de trabalhadores sob este regime manteve-se sistematicamente acima dos 20%, atingindo o seu valor máximo no segundo trimestre de 2008, com 23% dos trabalhadores por conta de outrem. O recurso ao trabalho temporário em Portugal tem uma incidência superior relativamente aos restantes países da Zona Euro. De facto, esta diferença foi até crescente até 2010, quando atingiu 8 pontos percentuais, tendo estabilizado a partir daí em valores em torno dos 6 pontos percentuais.

Gráfico 1: Proporção de trabalhadores por conta de outrem com contratos temporários 25.0%

20.0%

15.0%

10.0%

0.0%

2005Q1 2005Q2 2005Q3 2005Q4 2006Q1 2006Q2 2006Q3 2006Q4 2007Q1 2007Q2 2007Q3 2007Q4 2008Q1 2008Q2 2008Q3 2008Q4 2009Q1 2009Q2 2009Q3 2009Q4 2010Q1 2010Q2 2010Q3 2010Q4 2011Q1 2011Q2 2011Q3 2011Q4 2012Q1 2012Q2 2012Q3 2012Q4 2013Q1 2013Q2 2013Q3 2013Q4 2014Q1 2014Q2 2014Q3 2014Q4 2015Q1

5.0%

Zona Euro (17 países)

Portugal

Diferença

Fonte: Eurostat

Sendo a contratação a prazo a forma preferida para os novos contratos, nomeadamente na contratação do primeiro emprego de jovens, será de esperar que o impacto da segmentação laboral na formação profissional seja também mais evidente neste grupo etário. O Gráfico 2 apresenta a taxa de participação em ações de educação formal ou formação profissional da população empregada, por grupo etário, em Portugal e na Zona Euro (17 países). As diferenças são particularmente pronunciadas no caso do grupo etário dos 18 aos 24 anos de idade: em 2014, 43% dos jovens adultos da Zona Euro receberam algum tipo de formação ou educação formal nas quatro semanas anteriores ao inquérito, por oposição a apenas 19% dos jovens

adultos portugueses. Apesar de a diferença também existir no grupo etário de trabalhadores do grupo etário dos 25 aos 64 anos, neste grupo o diferencial é bem menor, de apenas 1,9 pontos percentuais (12,1% e 10,2% na Zona Euro e em Portugal, respetivamente).

Gráfico 2: Taxa de participação em ações de educação ou formação da população empregada, por grupo etário, nas quatro semanas anteriores ao inquérito. 45.0% 40.0% 35.0% 30.0% 25.0% 20.0% 15.0% 10.0% 5.0% 0.0% 2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

Zona Euro (17 países) 18-24 anos

Portugal 18-24 anos

Zona Euro (17 países) 25-64 anos

Portugal 25-64 anos

2013

2014

Fonte: Eurostat, Labour Force Survey.

Um novo tipo de contrato laboral: a experiência Italiana e propostas para Portugal A constatação da ineficiência económica gerada pela existência de mercados de trabalho duais, tem motivado quer a investigação quer o debate sobre as medidas de política necessárias à redução da segmentação laboral. As propostas têm surgido de vários economistas e investigadores das relações laborais nomeadamente de países como França2, Espanha3 ou Itália4. Neste último país, uma reforma laboral está em curso, sendo as medidas com mais impacto adotadas em março de 2015. O aspeto central da reforma consiste num novo tipo de contratos, o “Contratto a Tutele Crescenti” em que as indemnizações por despedimento são crescentes com a antiguidade na empresa. Estes novos contratos também contemplam uma redução no intervalo de indemnizações que os tribunais poderão fixar, o que reduz a incerteza em caso disputa judicial relacionada com um despedimento sem justa causa. Em termos práticos, até março de 2015, uma empresa com mais de 15 trabalhadora era obrigada a readmitir o trabalhador em caso de despedimento sem justa causa. Aliado ao facto

2

Ver Cahuc e Carcillo (2006) ou Blanchard e Tirole (2008). Ver Bentolila et al. e Le Barbanchon (2012). 4 Ver por exemplo, Boeri e Garibaldi (2006 e 2008). 3

do tempo processual ser incerto, o custo de despedimento poderia chegar aos 36 meses de salário, o que o tornava no principal obstáculo à contratação sem termo. O novo tipo de contrato não permite a readmissão por despedimento por razões económicas ou disciplinares, mas obriga ao pagamento de uma indemnização no valor de dois meses por cada ano de antiguidade, com um mínimo de quatro meses e um máximo de vinte e quatro meses. Adicionalmente, os empregadores podem optar por um nível intermédio de indeminização: um mês por cada ano de antiguidade, com um mínimo de dois meses e um máximo de dezoito meses, em conjunto com uma notificação prévia do despedimento. Esta opção é possível para o caso do despedimento por razões económicas, mas o trabalhador terá de renegar ao direito de processar o empregador. Esta compensação, designada como “rupture conventionelle” é semelhante à legislação francesa neste domínio. Para o caso português é conhecida a proposta de Centeno (2013), de criação de um contrato único ao abrigo do qual a intervenção do poder judicial limitar-se-ia aos casos de despedimento por motivos não económicos, como as associadas à discriminação de género, idade ou atividade sindical. A flexibilidade despedimento por motivos económicos aproxima-se assim da existente para os contratos a prazo, mas com um valor de compensação elevado (embora sem nenhuma proposta em concreto) e crescente com a antiguidade. A esta compensação é também sugerido um aumento do período de pré-aviso de despedimento, de forma a facilitar a transição entre empregos, e um alargamento do período experimental, que permita a redução da incerteza quer por parte do empregador, relativamente às competências do trabalhador a contratar, quer por parte do trabalhador, no que diz respeito à qualidade do posto de trabalho que vai ocupar5. A proposta contempla ainda a limitação do recurso á contratação a prazo, limitada apenas a situações de substituição temporária de trabalhadores ausentes por motivos de saúde ou maternidade. Notas finais A constatação da característica dual do mercado de trabalho português é um facto aceite pela generalidade dos atores políticos, mesmo que não seja dada a mesma relevância por todos. O debate e as reformas que estão a ser implementadas em alguns dos países do sul da Europa merecem, pois, a atenção e o acompanhamento por parte dos investigadores e decisores políticos portugueses. Num momento em que surgem os primeiros sinais consistentes e positivos no mercado de trabalho, é oportuno que se foque a atenção não apenas nos números de crescimento do emprego, mas também na qualidade desse mesmo emprego. A opção por um regime contratual que combine as vantagens da contratação temporária com elementos de segurança e estabilidade associados à contratação sem termo, seja em regime de contrato único, seja como opção adicional de contratação, estando longe de esgotar o debate em torno das relações laborais, deverá, sem dúvida, fazer parte da sua agenda.

Referências Bentolila, S., P. Cahuc, J. Dolado, e T. Le Barbanchon (2012), “Two-Tier labour markets in a deep recession: France vs. Spain”, Economic Journal 122: 155–187. Blanchard O. J. e J. Tirole (2008), “The joint design of unemployment insurance and employment protection: A first pass”, Journal of the European Economic Association 6(1): 4577. Boeri, T. e P. Garibaldi (2006), “Un sentiero verso la stabilità”, www.lavoce.info, 8 Maio. 5

É sabido que um bom ajustamento entre as caraterísticas do trabalhador e o perfil requerido pela empresa é um elemento fundamental no estabelecimento de uma relação contratual duradoura e produtiva.

Boeri, T. e P. Garibaldi (2008), “Un nuovo contratto per tutti”, Chiarelettere. Centeno, M. e Novo, A. (2012), "Excess worker turnover and fixed-term contracts: Causal evidence in a two-tier system", Labour Economics, 19(3): 320-328. Centeno, M. (2013), “O Tabalho, Uma Visão de Mercado”, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.