Fontes arqueológicas, o uso das moedas em acervos nacionais.pdf

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Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira

Prof. Dr. Carlos Bauer Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Prof. Dr. Fábio Régio Bento Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt

©2016 Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.) Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

A11193 A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cul-tura material/Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.). Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 384 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0400-7 1. Ciências Humanas 2. Arqueologia 3. Teoria e Método em Arqueologia 4. Artefatos I. Navarro, Alexandre Guida II. Gouveia Neto, João Costa.

CDD: 900 Índices para catálogo sistemático: Arqueologia

930.1

Escrita

302.22

IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

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Presidente IPHAN Kátia Bogéa Chefe de Gabinete Rafael Arrelaro Diretor do Departamento de Planejamento e Administração Marcos José Silva Rêgo Diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização

Andrey Rosenthal Schlee Diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz Diretor do Departamento de Articulação e Fomento Marcelo Brito Diretor do PAC Cidades Históricas Robson Antônio de Almeida Assessor Especial da Presidência Glayson Nunes Assessora de Comunicação Fernanda da Silva Pereira Assessora Parlamentar Rachel Carneiro de Abreu Marques Superintendente Substituto IPHAN/MA Maurício Itapary Presidente Interino Michel Temer Ministro da Cultura Marcelo Calero

Sumário

Apresentação ...................................................................................................... 9 Prefácio ............................................................................................................. 13 Capítulo 1

Alexandre Guida Navarro

Las Serpientes Emplumadas de Chichén Itzá: imaginería y distribución espacial ............................................................................................................. 17

Capítulo 2

Bernd Fahmel Beyer

Tepeyollotli, el dios engendrador de los mesoamericanos ........................ 31 Capítulo 3

E. Elizabeth Jiménez García

Análisis iconográfico del Códice Azoyú, interpretación de fuentes documentales y el aporte de datos arqueológicos para el estudio de la historia de La Montaña de Guerrero, México, durante el siglo XVI ........ 51 Capítulo 4

Eréndira D. Camarena Ortiz

Las cerámicas de las tumbas 1 y 2 de Zaachila ........................................... 67 Capítulo 5

Octavio Ramón Rocha Herrera

Mujeres y diosas en Yautepec, Morelos. Un estudio de arqueología de género ................................................................................................................ 83 Capítulo 6

Octavio Quesada García

La imagen de la creación universal en el antiguo México ...................... 107 Capítulo 7

João Costa Gouveia Neto

Os instrumentos musicais e a cultura material de elite na São Luís da segunda metade do século XIX .................................................................. 125

Capítulo 8

Cláudio Umpierre Carlan | Pedro Paulo A. Funari

Fontes arqueológicas: o uso das moedas em acervos nacionais............. 141 Capítulo 9

Anna C. Roosevelt

New information from old collections: the interface of science and systematic collections .................................................................................. 151 Capítulo 10

Juan García Targa

Algunas reflexiones en torno a las ciudades mayas ................................. 161 Capítulo 11

Adriana Zierer

Paraíso, salvação e cultura material na Visão de Túndalo ...................... 179 Capítulo 12

Ana Livia Bomfim Vieira

Atenas: uma sociedade de imagens ............................................................ 201 Capítulo 13

Leila Maria França

Evidências da circulação do jade na pintura mural teotihuacana........... 215 Capítulo 14

Patrícia Boreggio do Valle Pontin

Mito e realidade nos vasos gregos: o escudo em seu contexto .............. 239 Capítulo 15

Alexandre Guida Navarro

Arqueologia da Baixada Maranhense: o caso das estearias e sua complexidade social ..................................................................................... 267

Capítulo 16

Philipe Luiz Trindade de Azevedo

Terras, castelos e outras doações na história material da ordem do templo e sua especial influência em Tomar ........................................................... 301 Capítulo 17

Helayne Xavier Bras

O discurso civilizador nas representações da sociedade ludovicense no romance Vencidos e Degenerados .......................................................... 313 Capítulo 18

Jakson dos Santos Ribeiro

O reduto da bohemia: a poética do Bar do Cantarele como espaço de sociabilidade para homens caxienses ......................................................... 325 Capítulo 19

Solange Pereira Oliveira

A evidência de um simbolismo: os instrumentos de tortura infernal num manuscrito medieval............................................................................ 341 Capítulo 20

Tarantini P. Freire

Arquitetura para além da técnica ................................................................ 355 Capítulo 21

Renata Carvalho Silva

O espaço ritual tenetehara: cultura material e análise sociossimbólica ............................................................................................. 367

Capítulo 8

Fontes arqueológicas: o uso das moedas em acervos nacionais Cláudio Umpierre Carlan Instituto de Ciências Humanas e Letras Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL) Pedro Paulo A. Funari Professor Titular Departamento de História, IFCH, UNICAMP Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/UNICAMP)

Introdução: as fontes arqueológicas para o estudo da História A História iniciou-se como disciplina, no século XIX, como o estudo de documentos escritos, tanto os conservados em arquivos como os oriun-dos da tradição textual. Isso dava continuidade à longa tradição literária da historiografia anterior ao positivismo e que consultava, de maneira prioritária, a documentação escrita e visava, da mesma forma, a produzir uma obra literária digna de preservação para a posteridade. Os primeiros historiado-res foram, antes de tudo, filólogos e isso porque buscavam conhecer “aquilo que realmente aconteceu”, “wie es eigentlich gewesen”, na famosa frase de Leopold von Ranke (1795-1886), de 1823 e, para isso, precisavam conhe-cer as fontes, os documentos escritos, em sua língua original. Esta foi uma verdadeira revolução epistemológica: a ideia de que a História se faz com documentos e que os devemos conhecer muito bem. Precisamos diferenciar documentos falsos de verdadeiros e isso só é possível com um conhecimento aprofundado da língua utilizada. Os documentos escritos tornaram-se sinônimos de História, a tal ponto que, até hoje, usamos a expressão Pré-História para um passado sem escrita. Por sua origem filológica, a História mantém, portanto, uma ligação fortíssima com o documento escrito. Uma consequência desta preocupação com a documentação fez surgi-

rem grandes iniciativas arqueológicas de coleta e publicação de artefatos, 141

Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

edifícios e outros aspectos da cultura material, que deve ser entendida como tudo que é feito ou utilizado pelo homem. Esculturas romanas eram conhecidas desde o Renascimento, assim como pinturas parietais, tendo servido de base, inclusive, para que os renascentistas estabelecessem seus cânones. O próprio nome, Renascimento, deve-se não só à leitura das obras antigas, como à coleta de objetos artísticos antigos, que passavam a fazer parte de coleções privadas, papais ou de autoridades. As pesquisas arqueológicas começaram, a partir do século XIX, a fornecer uma quantidade crescente de edifícios, ruas, estradas, aquedutos, artefatos de topo o tipo, descobertos e estudados, publicados. Criaram-se méto-dos científicos para esse trabalho arqueológico, visando à transformação da cultura material em fonte histórica. As primeiras escavações em Pompeia, no século XVIII, retiravam objetos sem qualquer registro de campo, recortavam pinturas das paredes sem muitas vezes sequer marcar de onde vinham. As escavações científicas surgidas no século XIX tinham como princípio básico, como bons historiadores, o registro detalhado de tudo que se encontrava, o desenho das estruturas e dos objetos e até mesmo o des-carte adotava parâmetros da nascente História. As sociedades nacionais nascentes encorajaram o desenvolvimento da Arqueologia e os institutos e escolas, a evolução da pesquisa e do ensino; espaços nos quais os arqueólogos se agrupavam em torno de temas de pesquisa e de revistas especializadas. O mais célebre e importante foi o Instituto de Correspondência Arqueológica, fundado em 1829 na cidade de Roma. Na realização de sua primeira sessão, ocorrida em 21 de abril de 1829, dia do aniversário da fundação de Roma, o instituto aprovou seu manifesto de associação, no qual se entendia como uma instituição internacional para dar conta e criar as ferramentas de investigação arqueológica. Nessa direção, o instituto se encarregaria da tarefa de recompilar e difundir através de seus correspon-dentes os descobrimentos arqueológicos da Antiguidade Clássica, bem como estreitar os laços entre os estudiosos, gerando uma cooperação internacional por meio da criação de uma associação e da publicação de dois periódicos, o

Boletim e os Anais do Instituto de Correspondência Arqueológica. Nesse mesmo espírito, a Grécia cria seu Departamento de Arqueologia em 1834 e a Sociedade Arqueológica de Atenas em 1837. A França também cria sua Sociedade de Arqueologia Grega em 1837 e, logo depois, a primeira instituição estrangeira na Grécia, a Escola Francesa de Atenas em 1846, sendo seguida por outras de várias nações, como o Instituto Alemão de Ar142

A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

queologia em 1875, a Escola Americana de Estudos Clássicos em Atenas em 1882 e a Escola Britânica em Atenas em 1885. O mesmo se deu na Itália com a fundação da Escola Francesa de Roma em 1873, da Escola Italiana de Arqueologia em 1875 e do Instituto Alemão de Arqueologia em 1929. Conscientes de que uma ciência só pode perpetuar-se se os resultados de investigações se difundirem através de publicações e do ensino, medidas foram tomadas no sentido de criar publicações e cátedras de Arqueologia clássica nas universidades. Em 1843, são criados os primeiros periódicos, a Revista Arqueológica em Londres e a Revista Arqueológica em Berlim; logo a seguir, em 1844, é criada a Revista Arqueológica em Bordeaux. A publicação desse tipo de revista de caráter especificamente arqueológico confirma que a Arqueologia Clássica já estava estabelecida por volta de 1840.

A primeira cátedra de Arqueologia Clássica é criada em 1802 na Universidade de Kiel na Alemanha, sendo titular o arqueólogo dinamarquês Jörgen Zoëga. Depois, em 1844, Edward Gerhard, um dos fundadores do Instituto de Correspondência Arqueológica, torna-se catedrático de Arqueologia Clássica na Universidade de Berlim. Em 1837, a Universidade de Atenas cria a primeira cátedra de Arqueologia Grega, ocupada pelo arqueólogo alemão Ludwig Ross. Na Itália, Antonio Salinas ocupa a cátedra de Arqueologia Clássica criada em 1865 na Universidade de Palermo e o arqueólogo austríaco Emanuel Löwy, aquela da Universidade de Roma criada em 1889. Em 1876, a França cria duas cátedras de Arqueologia Grega, com Georges Perrot na Universidade da Sorbonne e Léon-Maxime Collignon na Universidade de Bordeaux. Fenômeno que ocorrerá em quase todas as universidades europeias e em algumas americanas. Neste contexto, pode entender-se a fundação de instituições como o Museu Histórico Nacional e a constituição de um acervo arqueológico a serviço da nação. Neste artigo, trataremos de um caso particular, referente às moedas romanas lá armazenadas, de modo a mostrar seu valor como documentação histórica. 1. Moedas romanas no Brasil e seu uso como fonte histórica O Museu Histórico Nacional (MHN), criado pelo decreto número 15596, de 2 de agosto de 1922 pelo então presidente da República, Epitácio Pessoa (1919-1922), com a função de museu voltado para a História do Brasil, iniciou as suas atividades no dia 11 de outubro daquele mesmo 143

Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

ano, integrado à Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil. Além de sua origem histórica, antiga Fortaleza de Santiago e da Prisão do Calabouço (hoje restam poucas evidências), o MHN sempre foi identificado pela sua coleção de numismática, o maior acervo monetário da América Latina.

Não se pode falar sobre a coleção numismática do MHN, sem mencio-nar o fundo reunido anteriormente na Biblioteca Nacional, que lhe serviu de base. Criada em 1810, durante a regência de D. João, a Biblioteca Nacio-nal havia inaugurado em 1880, sob a direção de Ramiz Galvão, uma ofen-siva para reunir uma coleção de moedas e medalhas, sobretudo brasileiras, que se encontravam em caráter transitório no Museu Nacional. Galvão não conseguiu que o fundo numismático viesse para a biblioteca durante a sua administração, mas é considerado como o iniciador da coleção numismáti-ca naquela instituição. Em um relatório de 1881, dirigido ao Barão Homem de Melo, ministro de Império, que doou 114 moedas e 10 medalhas, Galvão utilizou diferen-tes argumentos para alcançar seus objetivos: A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, exmo sñr., não possuía moedas nem medalhas por um vício de organização que é fácil de explicar; quando criada, pensou-se que esses trabalhos eram antes objetos de curiosidades, e por isso os deixaram fazendo parte do Museu Nacional...É todavia incontestável que moedas e medalhas são antes de tudo documentos subsidiários da história, e que por conseqüência o seu lugar próprio não é ao lado das coleções de história natural...o lugar da numismática é ao lado da história, e o da história é na Biblioteca Nacional. Pensando assim todas as grandes bibliotecas da Europa tem a sua seção de numismática... (Vieira, 1995, p. 98)

Segundo Poliano, é bem possível que Gustavo Barroso, primeiro diretor do MHN, tenha usado uma argumentação semelhante para conseguir a transferência da coleção da Biblioteca Nacional para o Museu Histórico (Poliano, 1946, p. 9-10). O primeiro lote de peças estava composto por 406 moedas e 6 medalhas e foi doado à biblioteca em setembro de 1880. Nos anos seguintes, o acervo continuou a crescer, por meio de compras ou doações, como, por exemplo, a doação da coleção do comendador Antonio Pedro de Andrade, que compreendia 13.941 moedas e medalhas, entre ou-tros núcleos expressivos; de 4.559 moedas e 2.054 medalhas portuguesas; e de 4.420 moedas da Antiguidade. 144

A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

O comendador Antônio Pedro foi o maior doador individual da coleção numismática da Biblioteca Nacional/MHN (Vieira, 1995, p. 100). Nascido em Funchal, Ilha da Madeira, em 1839, emigrou para o Brasil com 16 anos. Trabalhou como jornalista no Correio Mercantil e no Jornal do Comércio. Como bancário, trabalhou no Banco Comercial do Rio de Janeiro, do qual foi gerente, diretor e por fim presidente (Dumans, 1940, p. 216). Seus núcleos mais orgânicos distribuem-se entre moedas de Portugal e colônias (4.599); romanas e bizantinas (4.420 peças); moedas brasileiras (2.337 peças); medalhas portuguesas (1.101 peças) e brasileiras (950 peças). É também possível que alguns exemplares sejam precedentes das coleções da família imperial, legadas pelo imperador D. Pedro II, constituídas desde o Primeiro Reinado e compostas de 1.593 moedas e 545 medalhas, por ele doadas ao Museu Nacional em 1891 e incorporadas pela Biblioteca Nacional em 1896. No termo de abertura do Primeiro Livro de Registro da Biblioteca

Na-cional, assinado pelo chefe da 3ª Seção de Numismática, Aurélio Lopes, iniciada em 30 de setembro de 1895, lê-se que: [...] Do inventário geral das coleções da Seção, iniciado em primeiro de outubro de 1894, e finalizado em setembro de 1895, sendo diretor da Biblioteca o Dr. Raul d’Ávila Pompeo, constava até essa última data a existência de 22.863 peças numismáticas: moedas, medalhas...

inclusive papel moeda. (Divisão de Controle de Patrimônio/MHN, processo 3/documento 1)

Esse número já englobava as 13.741 moedas e medalhas da coleção do Museu Nacional, segundo relação manuscrita de Gustavo Barroso (18881959), existente no Departamento de Numismática. Além de diretor do MHN em 1922, Barroso era advogado, professor, político, contista, folclo-rista, cronista, ensaísta e romancista. Foi um dos líderes nacionais da Ação Integralista Brasileira e um dos seus mais destacados ideólogos. Infelizmente, em 1937, foram roubadas da coleção 17 barras e 117 moedas de ouro. Apenas uma barra de ouro foi recuperada, já na década de 1980. Nem os mais conceituados museus estão livres de ações predatórias. Em 1922, quando o Museu Histórico Nacional foi criado, o decreto que o instituiu também determinou que o acervo numismático existente na Biblioteca Nacional – assim como em outras instituições, como o Arquivo Nacional e a Casa da Moeda – fosse para ali transferido. No momento em 145

Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

que se efetivou a cessão, a coleção total ultrapassava as 48 mil peças. Hoje ela chega a aproximadamente 130 mil. Grande parte dessa coleção é composta por moedas de bronze, naturalmente mais gastas, devido à sua maior circulação nas camadas mais po-pulares do Império, que as de prata ou de ouro. E, artisticamente falando, de categoria inferior, estão determinadas por fatores históricos precisos e definidos; o seu estudo pode vir a elucidar traços fundamentais do momen-to histórico em que essas peças se difundem. 2. Moedas brasileiras e sua relação iconográfica com as cunhagens romanas As cunhagens romanas influenciaram diretamente as demais emissões monetárias, tanto na Europa quanto na América. No Brasil, já as primeiras unidades monetárias cunhadas na Bahia, no final do século XVII, sofreram essa influência. Como podemos observar nos dois modelos abaixo: Figura 1

Fonte: Acervo e foto: Cláudio Umpierre Carlan. Alfenas, janeiro de 2013.

Anverso: Coroa de louros circundando estrela (ao centro) e o valor de 1000 réis. Acima, Brasil, abaixo o ano de cuhagem 1924, duante a Presidência de Artur Bernardes (1922-1926). Essa moeda entrou em circulação 2 anos após as comemorações de 100 anos de Independência. A coroa de louros, simbolismo da imortalidade, emblema romano da vitória, tanto nas armas como do espírito (Chevalier; Gheerbrant, 1997, p. 581). No reverso, imagem da República (imagem feminina), com cornucópia, símbolo da delicidade e fecundidade, representação de várias divindades greco-romanas (Fortuna, Cosntância, Ceres, Baco, Abundância). 146

A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

Nas amoedações mais antigas, seu trabalho chega a ser artesanal. Certas emissões possuem características próprias (como as das moedas cunhadas por Constantino I e Constâncio II). Figura 2

Fonte: Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, junho de 2004. Foto: Cláudio Umpierre Carlan.

Anverso ou cara, busto só (nu), de Constantino I, à direita. Na legenda, a alusão ao Imperador como Augustus (CONSTANTINVS AVG). No reverso, os votos de 20 anos de governo, circundados por uma coroa de louros. As moedas laudatórias tinham por função passar uma mensagem de louvor e compromisso entre governante e governados. Constantino pretendia comemorar os seus 20 anos de governo cunhando peças semelhantes às da tetrarquia (da qual se achava o legítimo sucessor). A estrela existente depois da inscrição VOT XX remete aos tempos de Otávio Augusto (ele mesmo legítimo sucessor de Júlio César, assassinado no Senado). Otávio teria visto uma estrela cadente ou cometa cruzando os céus. Ele interpretou como uma mensagem de Júlio César, reconhecendo Augusto como seu sucessor, legitimando, dessa forma, o poder imperial. Essa amoedação data de 324-325, em Heracleia (Macedônia). Trata-se de um aes, pequena moeda de bronze, uma das mais antigas de Roma. Utilizada, principalmente, para o pagamento das tropas e pequenas operações econômicas.

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Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

Conclusão: a importância das moedas para o estudo da História A moeda mostra-se uma excelente fonte, pois, a partir de sua análise, encontramos diversos aspectos que abrangem a série na sua totalidade. Ou seja, aspectos políticos, estatais, jurídicos, religiosos, econômicos, mitoló-gicos, estéticos. Podendo informar sobre os mais variados retrospectos de uma sociedade, ela testemunha determinadas relações culturais importan-tes para o historiador. Mas também não podemos esquecer que as amoe-dações como documentos não são reflexo de uma simples troca comercial ou aquecimento na economia. Elas identificam um outro acontecimento paralelo, uma materialidade, constituída por camadas sedimentares de in-terpretações: “o documento, é assim, pensado arqueologicamente como monumento” (Jenkins, 2001, p. 11). Agradecimentos Agradecemos a Eliane Rose Nery, Rejane Vieira e Vera Tosttes. Devemos mencionar, ainda, o apoio institucional do CNPq, Fapesp, LAP-UNICAMP,

UNIFAL e MHN. A responsabilidade pelas ideias restringe-se aos autores.

Referências CARLAN, Cláudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Moedas: A Numismática e o Estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8. ed. Tradução de Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim e Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1997. FUNARI, Pedro Paulo Abreu; ORSE Jr., Charles E.; SCHIAVETTO, Solange Nunes de Oliveira. Identidades, discurso e poder: Estudos da ar-queologia contemporânea. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005. JENKINS, Keith. A História Repensada. Tradução de Mário Vilela. Revi-são Técnica de Margareth Rago. São Paulo: Contexto, 2001. MUSEU HISTÓRICO NACIONAL. Volume 1. Anais. Rio de Janeiro, 1940.

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POLIANO, Luis Marques. A Numismática no Museu Histórico Nacional. Revista Numismática, São Paulo: Sociedade Numismática Brasileira, ns. 1-4, 1946. VIEIRA, Rejane Maria Lobo. Uma grande coleção de moedas no Museu Histórico Nacional? In: Museu Histórico Nacional. Volume 27. Anais. Rio de Janeiro, 1995.

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