Football, modernidade e distinção social: apropriação da prática do futebol pela classe dominante em Porto Velho nos anos de 1920

June 4, 2017 | Autor: Elis Oliveira | Categoria: Football (soccer), Sports History, Amazonia
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Ao meu avô Eli Fernandes, minha maior referência durante a infância e o que me motivou a gostar de futebol.

AGRADECIMENTOS

A Elysmeire, Italo, Gianluca e Isys, minha família. Todo agradecimento é pouco perto da importância que exercem em minha vida. Ao Professor Tuninho, meu orientador neste trabalho, por aceitar iniciar essa trajetória sobre este tema junto comigo, motivando-me e atuando diretamente na lapidação e conclusão não apenas desta monografia como da minha formação inicial como pesquisadora. Sua postura profissional e suas orientações foram elementares para a realização de meus primeiros passos no ambiente da pesquisa acadêmica. À professora Mara, pelo diálogo e auxílio constante, apoiando-me nos momentos em que mais preciso, mostrando-se uma conselheira e amiga verdadeira. É uma profissional exemplar e grande inspiração para mim. Ao Professor Dante, meu orientador no programa de Monitoria Acadêmica, que compartilhou comigo uma parcela do muito que sabe sobre a História da Amazônia e de Rondônia, motivando constantemente meu crescimento acadêmico. Ao professor Estevão e Lia Fernandes, ainda em 2012, por serem os primeiros no incentivo para que eu realizasse uma análise sobre o futebol, acreditando nessa minha trajetória. Aos professores Alexandre Pacheco, Berenice Tourinho, Edinaldo Bezerra, Fernando Danner, Jonas Cardoso, Lilian Moser, Marcelo Martins, Marco Teixeira, Maria do Carmo, Marlene Rodrigues, Marta Valéria de Lima, Rosângela França, Sônia de Souza, Vagner da Silva, Valdir Aparecido de Souza e Valéria Silva que ao longo das disciplinas que cursei contribuíram diretamente para a minha formação acadêmica. Aos funcionários do Centro de Documentação do Estado de Rondônia, por disponibilizarem um espaço para que eu pudesse realizar minha pesquisa de levantamento de dados no jornal “Alto Madeira”. Aos meus avós, tios e primos que por estarem sempre torcendo por mim e me apoiando em todas as minhas escolhas e projetos. Aos amigos Aline, João, Juliany, Leonardo, Lowranna, Renan, Samalei e Pâmela, pela paciência e companheirismo. A você, se ainda não foi citado, por estar dedicando um pouco de seu tempo para ler minhas considerações.

“O Futebol é uma moda fugaz que não irá durar um mês” (Graciliano Ramos em 1902)

"Diabo! A coisa é assim tão séria? Pois um divertimento é capaz de inspirar um período tão gravemente apaixonado a um escritor? (...) Reatei a leitura, dizendo cá com os meus botões: isto é exceção, pois não acredito que um jogo de bola e sobretudo jogado com os pés, seja capaz de inspirar paixões e ódios. Mas, não senhor! A cousa era a sério e o narrador da partida, mais adiante, já falava em armas.” (Lima Barreto, “Sobre o foot-ball” em 1918) “Para ler o significado do esporte no mundo em que vivemos, é preciso uma certa sabedoria, uma certa sensibilidade para aquilo que faz as sociedades: os símbolos. Primeiro, temos que entender que não é futebol, mas o que ele permite transportar que conta” (Roberto DaMatta em 1998)

RESUMO

Nesta monografia propomos uma análise da relação entre o discurso da modernidade, classe social e apropriação do futebol como símbolo da/para promoção de distinção social, no período de transição do século XIX para o século XX, na cidade de Porto Velho. Nosso objetivo é analisar como o futebol era apropriado e usado durante a década de 1920, a partir de mapeamento dos atores sociais que seriam responsáveis por controlar a prática do futebol na cidade, observando as ocupações desses indivíduos na sociedade portovelhense, a fim de entender qual a classe social a que pertenciam e os seus interesses no controle da prática do futebol, ainda enfatizando como eles usaram esse elemento cultural para legitimar sua visão de mundo. Temos como fonte de estudo as observações presentes na literatura sobre a cidade de Porto Velho, na primeira metade do século passado, bem como a coleta e análise de dados (usando o método da crítica externa e interna do documento) sobre a prática de futebol descrito no jornal, conhecido como “Alto Madeira”, além de outras informações sobre a história da cidade disponíveis em livros, teses e dissertações e artigos científicos. Ressaltamos que, à semelhança do que ocorreu em outras cidades brasileiras, o futebol ganhou um lugar de destaque em Porto Velho como um símbolo de prática esportiva com um ar de distinção social, onde grande importância era direcionada para este como uma importante prática presente na vida social local, ganhando ao longo dos anos da década de 1920 o crescente espaço nos jornais locais e também no cenário sociocultural da cidade. Ao mesmo tempo, essa prática foi estabelecida como uma atividade segregada e limitada a um seleto grupo, sendo usada como uma ferramenta para disseminar a visão de mundo e a defesa da modernidade, por parte dos membros da classe dominante local.

Palavras-chave: Futebol, modernidade, distinção social e classe dominante.

ABSTRACT

We presents in this monograph an analysis of the relationship between the discourse of modernity, social class and appropriation of football as a symbol of/for the promotion of social distinction, in the period of transition from the nineteenth to the twentieth century, in the city of Porto Velho. Our goal is to analyze how football was appropriate and used during the 1920s, from mapping the social actors who would be responsible for controlling the practice of football in the city, observing the occupations these individuals in portovelhense society in order to understand which social class they belonged and their interests in the control of soccer practice, still emphasizing how they used this cultural element to legitimize their worldview. We used as a source of study observations in the literature on the city of Porto Velho, in the first half of the last century, as well as the collection and analysis of data (using the method of external and internal criticism of the document) about the practice of soccer described in the newspaper, known as “Alto Madeira”, and other information about the history of the city available in books, theses and dissertations and scientific articles. We emphasize that similar to what occurred in other Brazilian cities, football gained a prominent place in Porto Velho as a symbol of sporting practice with an air of social distinction, where great importance was directed to present this as an important practice in the social life place, winning over the years of the 1920s the growing space in local newspapers and also in the socio-cultural scenario of the city. At the same time, this practice was established as a element segregated and limited to a select group, used as a tool to spread the vision of the world and the defense of modernity by members of the ruling class local.

Keywords: Soccer, modernity, social distinction and ruling class.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Eixos de análise ......................................................................................... 13 Figura 2: Planta esquemática da cidade de Porto Velho em 1917 ............................ 37 Figura 3: Planta parcial de Porto Velho – 1925 ......................................................... 45 Figura 4: Expectativa sobre a partida de football ...................................................... 49 Figura 5: Visita de um clube de Manaus em Porto Velho .......................................... 50 Figura 6: Cobrança de pagamento dos sócios do Ypiranga ...................................... 74

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11 2. A HISTÓRIA E O FUTEBOL NO BRASIL ........................................................... 16 2.1 – Futebol como objeto de estudo na História ................................................... 17 2.1.1 Considerações sobre o objeto neste estudo .............................................. 22 2.2 Chegada e apropriação da prática do football no Brasil ................................... 24 3 – O FUTEBOL EM PORTO VELHO ...................................................................... 32 3.1 A formação da cidade de Porto Velho.............................................................. 33 3.2 A prática do football em Porto Velho ................................................................ 41 4 – CLASSE DOMINANTE, DISTINÇÃO SOCIAL E FUTEBOL .............................. 53 4.1 Classe dominante e sua visão de mundo ........................................................ 53 4.2 Ferramentas do controle da prática do football ................................................ 69 4.2.1 O jornal “Alto Madeira” ............................................................................... 69 4.2.2 Os clubes e Ligas ...................................................................................... 72 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 83 6 – REFERÊNCIAS ................................................................................................... 86

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1. INTRODUÇÃO

Sobre a epígrafe: Graciliano Ramos, lamentamos informar-lhe que o futebol acabou sendo mais do que uma moda que passaria brevemente, da mesma forma devemos responder afirmativamente a você Lima Barreto, o futebol é coisa séria. E se em 1998, Roberto DaMatta concluiu a importância de abordar o futebol, foi justamente pela ampla dimensão que este alcançou no século XX e que nesta primeira metade do século XXI ainda continua sendo ampliada. Consideramos que a atividade esportiva, em especial o futebol, consistiu ao longo do século XX em importante prática cultural para as diversas relações em sociedade e, notadamente no Brasil, se consolidou como um dos maiores, senão o maior, símbolo de paixão nacional. Devido a isso, passamos a nos questionar e a procurar entender o porquê de a prática lúdica consistir em tamanha importância para o mundo contemporâneo. Indagamos, então, sobre a possibilidade de esse esporte possuir em Porto Velho, nas primeiras décadas do século XX, alguma relevância. A partir de tal questionamento, passamos a visitar o Centro de Documentação de História de Rondônia onde tivemos contato com o Jornal “Alto Madeira”, inaugurado no ano de 1917, e observamos que o futebol, já em 1919, passava a figurar no cenário local como uma importante prática corporal institucionalizada a partir da emergência de clubes esportivos. O primeiro contato com o “Alto Madeira” e a grande quantidade de informações sobre o futebol reafirmou a questão que esta pesquisa formula sobre a importância da prática do futebol em Porto Velho durante os anos 20 do século passado e a possibilidade de analisar a prática do football neste local a partir das notícias do jornal. A partir de 1919, as notícias sobre o football passaram a ganhar destaque nas publicações do jornal, que relatava a realização de jogos e os resultados destes, elencando os players de cada time, o local e horário de jogos, além de, por vezes, analisar o andamento das partidas a partir de crônicas. De forma geral, outros meios também consistiam em importantes referências para a história local, como os relatórios da construção da EFMM, relatos de viajantes, mapas, etc. Porém, muitas destas fontes não contêm informações diretamente relacionadas à prática do football na cidade. O jornal, por seu turno, nos permite analisar a sua prática na cidade de Porto Velho a partir das notícias

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específicas sobre esportes, de maneira especial o futebol. As publicações deste periódico se realizavam, ao menos ao longo da primeira metade do século XX, duas vezes por semana e seu conteúdo era diversificado. Mesmo com uma tiragem limitada, o jornal destinava sessão específica sobre a prática do esporte na cidade de Porto Velho. De certa maneira, a escassez de maiores informações em outras fontes, acabou atribuindo ao jornal (não somente em nosso estudo, como na maioria das pesquisas acerca da história da formação do futebol no Brasil) segundo Melo et al (2013), o papel de mais importante fonte documental utilizada pelos pesquisadores do esporte. Sendo, então, “um dos poucos meios de acesso ao passado futebolístico nacional, os periódicos foram a base para que historiadores e cientistas sociais pudessem se debruçar sobre as suas temáticas” (HOLLANDA; MELO, 2012, p. 15). Dessa forma, atribuímos ao jornal “Alto Madeira” a condição de fonte primária de análise, capaz de possibilitar a realização de nosso estudo, onde de acordo com Barros (2012, p. 63): A fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o seu problema. Ela é precisamente o material através do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo.

As considerações estabelecidas ao longo do texto são feitas a partir da coleta de dados do jornal e da análise temática com o mapeamento das notícias sobre o futebol. Para isso realizamos consulta a todos os jornais disponíveis 1 e que correspondiam ao recorte temporal de nossa pesquisa. Com a utilização da técnica de transcrição integral das notícias sobre a prática esportiva optamos por reproduzir ao longo de nosso estudo as informações de acordo como estão escritas no jornal, de modo a manter sua grafia original e seguindo as regras básicas de paleografia, anotaremos a referência do documento transcrito (nome do jornal, data e edição) para eventuais consultas em pesquisas posteriores. A análise dos dados se deu a partir das etapas de crítica externa e crítica interna ao documento. Tal opção metodológica se faz necessária, uma vez que as fontes, de um modo geral, possuem historicidade e é vital compreender estes aspectos e analisar criticamente os documentos, mas sem deixar de percebê-los

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Infelizmente, muitos dos jornais da época estão em péssimas condições de conservação e muitos outros já não se encontram disponíveis para acesso.

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como capazes de retratar importantes aspectos da sociedade. A partir da nossa fonte específica, foi possível analisar a construção do futebol em Porto Velho e mapear a divisão social local a partir da maneira como este esporte era retratado pelo jornal, ao passo que tais informações (embora dispersas e irregularmente relatadas) estão presentes no conjunto das notícias do “Alto Madeira”, sendo possível observar a composição da diretoria de alguns clubes e de seus jogadores. Com a análise das fontes, torna-se possível considerar a implantação do futebol na cidade de Porto Velho na segunda década do século XX, a partir do controle desta prática esportiva pela elite econômica – e política – local. Deste modo, é possível desvendar as especificidades do discurso deste grupo a partir da construção do futebol em Rondônia, pois entendemos que o futebol teve a capacidade de desempenhar na cidade de Porto Velho um destacado papel de propagador da visão de mundo de determinados segmentos da classe dominante local. Essa percepção nos permite elaborar considerações que podem auxiliar a pensarmos a história da cidade a partir do futebol, dos usos e contradições 2 da prática esportiva local. Nosso estudo se constitui então numa relação entre o discurso de modernidade e a apropriação do futebol na qualidade de símbolo da/para promoção da distinção social (denominado aqui por football) no período de transição dos séculos XIX ao XX, perpassando pelas décadas iniciais deste século na cidade de Porto Velho, notadamente os anos de 1920.

Figura 1: Eixos de análise

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Embora não consista em nosso objeto de análise, é possível considerar a possibilidade da prática do football por elementos que não correspondiam ao projeto discursivo defendido pela classe dominante local. Ao longo de nosso estudo estabelecemos algumas ferramentas para o controle do football, e mesmo não pontuando diretamentamente a relação de conflito nesta prática, é salutar a presença de elementos dispares ao previsto pelo grupo hegemônico, e de tal modo, a busca por controle se efetiva enquanto estratégia para impedir que estes outros personagens se inserissem no cenário futebolistico local.

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Em nossa análise, nos remeteremos aos estudos de Bourdieu (2003), Melo (2007, 2010a, 2010b) e Giulianotti (2010) sobre a formação do esporte moderno, além de estudiosos da história da formação do football nas cidades brasileiras (Pereira, 2000; Franco Junior, 2007; Santos, 2009; Fernandez, 2010), partindo ainda de considerações de Hobsbawm (s/d, 1995) sobre as conjunturas em nível mundial acerca do processo histórico e econômico que se estabelecia na passagem dos séculos XIX para o XX. Recorremos também a considerações de Thompson (1987), no que se refere à definição de classe social com ênfase nas suas experiências em sociedade. Sobre modernidade trabalhamos com os argumentos levantados por Hardman (2005) em conjunto com outros estudos específicos sobre a história da cidade de Porto Velho (Menezes, s/d; Cantanhede, 1950; Lima, 2001; Fonseca, 2007; Nogueira, 2008; Carvalho, 2009). Importante ainda, no que concerne ao âmbito da apropriação discursiva da prática do football, nos respaldamos por considerações de Bakhtin (1990) acerca dos signos e da relação entre superestrutura e infraestrutura nas relações em sociedade. Nossos objetivos consistem em analisar qual a maneira e com que objetivos o futebol foi apropriado e utilizado na cidade de Porto Velho durante os anos de 1920, caracterizando-o como elemento representativo para a compreensão de alguns aspectos socioculturais desta cidade, especificamente mapeando quem seriam os atores sociais responsáveis pelo controle da prática do futebol na cidade de Porto Velho, observando quais as ocupações desempenhadas por estes sujeitos na sociedade portovelhense, de modo a compreender qual classe social estes ocupavam e quais os interesses deste grupo a partir do controle da prática do futebol e de que maneira utilizaram-se deste elemento cultural para legitimar sua visão de mundo. Ao longo deste trabalho, enfatizaremos a importância de observar o futebol naquela época e consideramos que este já permeava no período em questão outras dimensões que iam além de um simples entretenimento e lazer, consistindo em atividade cultural elementar na construção de discursos e projetos para a cidade de Porto Velho. No primeiro item, denominado por “A História e o futebol no Brasil” será ressaltada a importância do futebol como um objeto para a análise histórica e também realizaremos uma contextualização da prática deste esporte no cenário nacional, notadamente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

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No segundo item de nossa análise “O football em Porto Velho”, descrevemos a cidade de Porto Velho nas primeiras duas décadas do século XX, narrando ainda sobre as características e a importância atribuída a prática do football na cidade, de modo a possibilitar uma compreensão da magnitude desta prática esportiva ainda nas primeiras décadas do século XX. Na sequência, na terceira etapa de nosso estudo, denominada por “Classe dominante, distinção social e football” analisaremos a construção discursiva e o controle da prática do football em Porto Velho por parte de um grupo específico, o qual denominamos como classe dominante. Neste tópico, estabeleceremos no que consiste este grupo, a visão de cidade defendida por eles e as ferramentas por meio das quais utilizaram a prática do esporte de origem bretão para difundir seus posicionamentos. Por fim, esperamos que nosso estudo possa auxiliar numa contínua procura por maior compreensão sobre a cidade de Porto Velho. Esperamos ainda que a leitura nos permita entrar em um campo de football de Porto Velho dos anos vinte e observar a partir deste ponto um dado projeto/visão/discurso para a cidade. A bola já está sendo disputada. O referee já apitou há muito o início da partida de football. Convidamos o leitor a conhecer esse jogo, seus praticantes, objetivos e ferramentas para a implantação de discursos e controle da prática esportiva e também da própria cidade.

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2. A HISTÓRIA E O FUTEBOL NO BRASIL

Qual a importância do futebol na sociedade brasileira? Essa pergunta talvez não seja tão difícil de ser respondida, já que em todo o território nacional a prática deste esporte é vista em larga escala e sob as mais diversas justificativas. Do futebol profissional ao amador, a prática na escola, no bairro, na rua, não apenas como atividade esportiva e sim como forma de entretenimento faz com que o lazer deste “bolapé” direcione milhões de brasileiros a conduzir a bola – ou algo parecido a ela – seja com o objetivo de marcar gols e/ou realizar dribles e jogadas de efeito. O futebol é na atualidade uma das marcas do sentimento nacional, tendo sido progressivamente construído, sobretudo depois do sucesso alcançado por seleções vitoriosas, como a da copa do mundo de 1958, 1962 e 1970, devidamente apropriado politicamente pelos governos da época. Além disso, o futebol é também ferramenta de identificação local e social, não apenas pela figura da seleção brasileira e clubes futebolísticos, como pela imensa difusão da prática amadora e de lazer, tanto que a presença de quadras de futebol de salão e campos de futebol estabeleceram-se nos mais diversos e improváveis espaços. A questão aqui, neste sentido, seria além de perceber a importância do futebol e sim analisar as razões desta importância. Por consistir em um importante fenômeno cultural na atualidade, o futebol tornou-se em mais um instrumento para reflexão no âmbito das ciências humanas, se estabelecendo ao longo das últimas décadas do século XX como um relevante objeto de observação no estudo da História. Mas como a análise sobre o futebol ganhou espaço no cenário da produção histórica? Quais mudanças na operação historiográfica auxiliaram na consolidação das pesquisas sobre as práticas culturais? Quais as possibilidades de análise da sociedade a partir da história do futebol? Enfim, estes questionamentos consistem em importante etapa para a apreensão das potencialidades de um estudo que tenha o futebol na qualidade de objeto de análise que procuramos, ao longo dos tópicos a seguir, demonstrar a relevância e o destaque do estudo sobre essa prática cultural.

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2.1 – Futebol como objeto de estudo na História Definida por Bloch (1997) como a ciência dos homens no tempo, a História desempenha importante papel para as análises das relações humanas temporal e espacialmente definidas, num conjunto fundamentado pelos mais diversos campos de abordagem. Estes campos são também denominados por muitos como domínios da História e representam o importante dimensionamento da análise histórica, a partir de variadas abordagens, fontes e objetos de estudo. Os domínios da História são múltiplos e foram amplamente debatidos ao longo do século XX. E, de certo modo, seria ingenuidade de nossa parte acreditar que a operação historiográfica poderia estar fora do processo de transformação histórica, porquanto foram justamente as mudanças no decorrer das relações humanas que possibilitaram não apenas a consolidação da História como uma disciplina científica, mas sim e principalmente, auxiliaram na construção da ampliação dos campos de análise histórica. Ou seja, a História, seus domínios, objetos e fontes possuem historicidade. Neste sentido, o século XX, denominado por Hobsbawm (1995) como um breve século, devido às inúmeras transformações no cenário político, econômico e sociocultural a partir da emergência de guerras de proporções mundiais, estabeleceu no campo de produção acadêmica (notadamente das Ciências Humanas), após a 1º Guerra Mundial, a crescente necessidade de estudos que observassem importantes aspectos da vida em sociedade, em detrimento de um estudo enviesado para grandes líderes, percebendo-se as diferenças sociais e econômicas, estruturalmente estabelecidas. Na sequência, foi com o choque ocasionado pela 2º Guerra Mundial e também durante a ocorrência da Guerra Fria que pensadores de diversos países passaram a reconsiderar seus modelos de análise e determinadas posições teóricas, pois tal como pontua Pesavento (2008, p. 8-9): De uma certa forma, podemos, por um lado, falar de um esgotamento de modelos e de um regime de verdades e de explicações globalizantes, com aspiração à totalidade, ou mesmo de um fim para as certezas normativas de análise da história, até então assentes. Sistemas globais explicativos passaram a ser denunciados, pois a realidade parecia mesmo escapar a

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enquadramentos redutores, tal a complexidade instaurada no mundo pós-Segunda Guerra Mundial3.

Desta maneira, com a temeridade de um mundo em guerra e com a crescente incerteza perante os acontecimentos catastróficos, aliada à percepção de que as diferenças humanas não se davam apenas em níveis econômicos e políticos, a cultura passou a representar para o campo de análise histórica um relevante objeto de estudo. Pois se as diferenças se ampliavam entre os mais diversos grupos, dentro e fora das realidades nacionais, seria importante entender os hábitos, costumes, maneiras de observar e manifestar-se em sociedade. Com isso, se os historiadores da primeira metade deste breve século denunciavam uma história factual e biográfica, foi na segunda metade que pensadores das ciências humanas afirmavam que uma história total (com a ênfase apenas nos aspectos sociais e econômicos) também seria deficiente para constituir e compreender a complexidade histórica. Neste meandro, a chamada Nova História se instituiu e possibilitou principalmente o alargamento das fontes históricas, conforme pontua Luca (2011, p. 112): A prática historiográfica alterou-se significativamente nas décadas finais do século XX. Na França, a terceira geração dos Annales realizou deslocamentos que, sem negar a relevância das questões de ordem estrutural perceptíveis na longa duração, nem a pertinência dos estudos de natureza econômica e demográfica levados a efeito a partir de fontes passíveis de tratamento estatístico, propunha ‘novos objetos, problemas e abordagens’.

Essas mudanças não se limitaram aos teóricos próximos da vertente dos Annales, como também aos marxistas (denominados de neomarxistas) a exemplo de Eric Hobsbawm, E. P. Thompson e Raymond Williams, que passaram a observar a importância da cultura na História. Seria então importante a realização de estudos capazes de observar os papéis individuais juntamente com as relações em 3

Essas mudanças são abordadas por muitos pensadores da História enquanto o embate entre o “Iluminismo” e a chamada “Pós-modernidade” (CARDOSO, 1997). Todavia, não temos aqui a pretensão de considerar esse momento como tendo sido estabelecido partir da ascensão da análise dos fenômenos em si em detrimento (e até mesmo negação) das estruturas totalizante, numa ruptura total ao referencial teórico das primeiras gerações dos Annales e do marxismo. Ao contrário disso, acreditamos que teóricos como Hobsbawm, Gramsci e E. P. Thompson conseguiram (tal como abordado no decorrer de nossos apontamentos) apropriar-se destas renovações metodológicas sem deixar de analisar questões estruturais da sociedade, estabelecendo adaptações dos conceitos marxistas e observando a cultura enquanto importante aspecto para a análise histórica. Em suma, não seria uma negação a História total, mas sim reconsiderações acerca dos conceitos “engessados” e incapazes de captar as particularidades culturais.

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sociedade, a partir dos mais diversos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, cabendo aos sistemas culturais um papel salutar. A cultura, nesse sentido, está entendida aqui não a partir de um critério de alienação, estando a serviço de uma classe social dominante, nem também a partir da ideia de uma alta e baixa cultura, mas enquanto um “conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica” (PESOVENTO, 2008, p. 15). E neste molde, a cultura estaria presente em todas as relações humanas e passível de ser utilizada como objeto nos estudos de história política, história social, econômica e notadamente, de história cultural. Portanto, a cultura não seria mera reflexão superestrutural das relações na infraestrutura da sociedade, ao contrário, tal como o conceito de representação estabelecido por Pesavento (2008), os elementos culturais (que neste estudo tem como exemplo o futebol), tanto podem se colocar, na qualidade de forma simbólica, no lugar de algo quanto são capazes de atribuir novos e diversos significados para as relações sociais. Neste cenário, quando falamos sobre o futebol brasileiro na atualidade quase sempre o remetemos como um esporte símbolo do Brasil. Não que isto seja um equívoco, mas não podemos desconsiderar a influência do processo de modernidade para a chegada e a consolidação da prática deste esporte de origem bretão nas cidades brasileiras a partir dos anos finais do século XIX. Além disso, precisamos compreender esse processo de formação do futebol brasileiro que, inserido nesse contexto de modernidade no início do século XX, possui especificidades capazes de caracterizar as relações sociais das cidades brasileiras de então. Não somente no Brasil o futebol figura como um importante fenômeno representativo da sociedade, ao passo em que a partir dos campos de futebol se engendram as mais diversas relações, sejam elas econômicas, sociais e até mesmo políticas, a exemplo da importância que os países destinam ao órgão máximo do futebol mundial, a FIFA, que contém um número maior de países filiados do que a ONU. Dessa forma em relação ao esporte o historiador Victor Melo (2007, p. 17) afirma que, É provável que seja uma das práticas sociais mais fortes no que se refere à transnacionalidade, em que se destacam seus eventos mais

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conhecidos (os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol) e duas de suas entidades organizativas (a Federação Internacional de Futebol e o Comitê Olímpico Internacional, ambas com mais membros que a Organização das Nações Unidas).

Todavia, mesmo remetendo tamanha importância histórica em cenário internacional e nacional, o futebol fora estabelecido durante um longo período como um objeto de estudo pouco abordado, sendo até mesmo considerado por muitos na qualidade de um simples instrumento de controle e engano para as camadas populares. De modo a reverter essa situação, a década de 1980, tal questão foi levantada por DaMatta et al (1982, p. 16), ao suscitar que: Tal como tem ocorrido com o meu trabalho (veja-se as criticas aos meus livros Carnavais, Malandros e Heróis e Universo do Carnaval), há uma nítida consciência de que temas tais como esse são tabu dentro das sociologias oficiais que os tem sistematicamente abordado seja como seja como ; seja, ainda, como (quer dizer: casos de mistificação e alienação social), tudo isso para ser corrigido com a administração da ideologia correta pelo grupo apropriado.

De modo a contornar a situação com a qual a análise sobre o futebol se estabelecia, geralmente abordado a partir de uma superficialidade e descrédito, ao longo da década de 1980, DaMatta, acompanhado de outros autores da sociologia, promoveu uma série de estudos enfatizando a importância do futebol para a análise da sociedade.

E principalmente a partir dos anos de 1990, com as mudanças

anteriormente descritas no campo historiográfico e a

emergência de uma nova

postura por parte de grandes pesquisadores brasileiros, a história do futebol em cenário nacional ganhou destaque e pesquisadores da História passaram a observar o futebol como um importante objeto de análise. Especificamente no campo da História, a criação de grupos de pesquisas, revistas especializadas na análise esportiva (a exemplo da Revista RECORDE, pertencente ao Laboratório de História do Esporte e do Lazer, do programa de PósGraduação em História Comparada, do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro) pesquisas de pós-graduação, livros, portais eletrônicos e grupos em redes sociais, como o Centro Esportivo Virtual e sítio eletrônico do Museu do Futebol, possibilitam a difusão do estudo da prática esportiva como produção historiográfica.

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Além disso, em 2003 foi criado o grupo de trabalho “História do Esporte” vinculado a Associação Nacional de Historia (ANPUH) voltado para as análises das manifestações esportivas e a realização de eventos acadêmicos, a exemplo do “I Simpósio de estudos sobre o futebol” ocorrido em 2010, o que demonstra não somente a relevância que este estudo desempenha para a História, como também a crescente produção acadêmica na área e um esforço de consolidar o futebol como destacado objeto de estudo. Já nos anos 2000 intensificaram as publicações em livros, artigos e revistas acadêmicas, estabelecendo a construção de um estudo do esporte, em especial do futebol, como objeto de estudo, consistindo em importante ferramenta para compreender aspectos históricos, cabendo ao pesquisador estabelecer recorte temporal, espacial e institucional a ser estudado. Em um trabalho recente, Melo et al (2013) sistematizam e apontam as diversas possibilidades da pesquisa sobre o esporte, a partir das dimensões culturais, política, econômica, no âmbito da história comparada e enfatizando importantes ferramentas para a análise histórica do esporte, tais como os meios de comunicação, arte, arquivos e fontes orais. Em síntese, se consolida na época atual uma série de estudos especializados na observação do esporte e das suas potencialidades. Desta maneira, compreender a construção desta paixão pelo futebol constituise como uma importante etapa para a análise da sociedade brasileira a partir de suas múltiplas relações culturais, políticas e econômicas. Todavia, ao analisar a prática do futebol é necessário percebê-la de maneira variada, observando assim as diversas construções simbólicas direcionadas a esta prática esportiva e também às ferramentas de controle de determinados grupos sobre ela. É vital ainda considerar o futebol não como mero reflexo das relações em sociedade e sim, na qualidade de um importante campo, seguindo definição de Bourdieu, no qual estas relações se estabelecem, modificam-se e consolidam-se seguindo uma lógica, um conjunto de regras e uma história própria.

Segundo

Bourdieu (2003, p. 183): A história do desporto é uma história relativamente autônoma que, ainda quando é escandida pelos grandes acontecimentos da história econômica e política, tem o seu próprio ritmo, as suas próprias leis de evolução, as suas próprias crises, em sua a sua cronologia específica.

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Cabe então reafirmar a importância de estudar, no âmbito historiográfico o fenômeno futebolístico, analisando-o não apenas como microcosmo meramente reflexivo de uma relação macro, mas também como um campo capaz de estabelecer uma lógica e historicidade própria, rompendo com a mera constatação deste como paixão nacional e sim buscando compreender o processo de inserção, difusão e construção do futebol como importante símbolo local, nacional e até mesmo internacional e de classes sociais.

2.1.1 Considerações sobre o objeto neste estudo Ao longo do século XX, o football foi apropriado e sofreu importantes significações por diversos segmentos sociais e, a partir dos anos de 1930 (durante o governo de Getúlio Vargas,) passou a significar um importante símbolo nacional. Embora não seja nosso objetivo nesta pesquisa construir uma análise acerca desse processo de transformação dos discursos sobre a prática do football ao longo do século XX, é vital ressaltar que o processo de popularização desta modalidade esportiva se fez em um cenário de disputa entre as camadas mais abastadas e os setores populares, os primeiros defendiam o caráter distinto do football para com os grupos menos abastados, e estes objetivavam realizar a prática deste esporte. Limitamo-nos aqui a compreender o processo de construção inicial da prática do football sob o controle dos segmentos da classe dominante e ressaltamos a importância de observar as especificidades desta prática esportiva no momento em questão, de modo a compreender a formação histórica do futebol não como um fenômeno linear e homogêneo, mas sim enfatizando as diversas e até mesmo divergentes apropriações discursivas em torno de sua prática. Desta maneira, historiando o futebol (mesmo que neste estudo tal tarefa se resuma a analisar um recorte temporal e espacial específico) é possível construir posteriormente uma análise mais ampla e capaz de observar as permanências e descontinuidades entre os diversos momentos históricos e atores sociais envolvidos na prática do futebol. Alertamos o leitor sobre a necessidade de evitar os juízos de valores atuais e uma análise sobre as práticas esportivas no passado a partir da construção simbólica atual do futebol, que o estabelece entre outras coisas na qualidade de uma paixão global e local (considerando-o como se assim sempre o tivesse sido), posto que no que tange ao nosso recorte temático, os discursos sobre esta prática

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esportiva em muito diverge da conjuntura do futebol atual. Esse esforço se faz necessário ao ponto de evitarmos o anacronismo (embora concordemos que não podemos efetivamente descolarmo-nos de nossas próprias perspectivas no tempo presente em relação aos nossos posicionamentos sobre o passado), utilizaremos ao longo de nossa pesquisa o termo football para relacionar a prática do futebol em seu momento histórico específico (estabelecido aqui nas primeiras duas décadas do século XX). Desta forma, ao utilizarmos o termo football ao longo de nosso estudo o fazemos no sentido de remeter a prática deste esporte como um importante fator cultural para a promoção do modus vivendi moderno sob o controle discursivo dos segmentos da classe dominante, fator este específico do momento em questão (período de transição do século XIX para o XX). Se hoje o futebol é uma paixão em escala global (internacional, nacional, regional, local e clubístisca) este fator foi constituído ao longo do processo histórico e de certo modo, mostrando diferenças significantes à prática deste esporte nas primeiras décadas do século em solo brasileiro. E envoltos por essas discussões no cenário historiográfico, ao objetivarmos analisar o futebol em Porto Velho nos anos de 1920 estamos cientes da complexidade deste elemento cultural e da possibilidade de analisar a partir dele os mais diversos aspectos socioculturais, econômicos e políticos na cidade. E de certa maneira, todos estes aspectos estão interligados, e que serão direta ou indiretamente abordados em nossa análise. Para isso algumas questões podem ser suscitadas: Com que objetivos e de que maneira o football bretão foi inicialmente apropriado em solo brasileiro? Quais as ferramentas criadas para a utilização do football para representar os anseios daqueles que controlavam sua prática? E neste sentido, de que forma podemos analisar o controle da prática do football na cidade de Porto Velho neste mesmo período? Enfim, as múltiplas dimensões do futebol acabam possibilitando a construção de outras questões, mas por ora nos deteremos a estas, de modo a estabelecer a construção de uma análise sobre a apropriação deste esporte em solo brasileiro pelas classes sociais durante as duas primeiras décadas do século XX.

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2.2 Chegada e apropriação da prática do football no Brasil Na transição do século XIX para o século XX as cidades brasileiras passaram por um processo de grandes transformações sociopolíticas, econômicas e culturais. O fim do império, abolição da escravatura e a inclusão do Brasil no processo de revolução industrial podem caracterizar o limiar do século XX, mudanças essas que acabariam refletindo em novos hábitos culturais na sociedade das cidades brasileiras, a partir do discurso de defesa da modernidade. Esse processo pode ser entendido como a construção de um novo estilo de vida e de conduta social, tendo como exemplo os países europeus (notadamente a Inglaterra e a França) e sendo representado por três pilares: higienização, embelezamento e racionalização (NOGUEIRA, 2008). Aliado a este processo, a Segunda Revolução Industrial desempenhou importante papel na construção da chamada modernidade em novas regiões a partir do avanço do capital, a exemplo do que ocorria em algumas localidades da Amazônia, como por exemplo, Manaus, Belém e Porto Velho. A produção em larga escala, o crescimento desenfreado e formação das grandes cidades, a urbanização, a construção de estradas de ferro e o advento da eletricidade, pareciam mostrar ao homem a possibilidade de que tudo poderia estar sob o seu controle, inclusive seus próprios corpos, moldados e remodelados pelos padrões de beleza, como procura de uma crescente grandiosidade e distinção. Este cenário tornou possível a formação internacional do esporte moderno, composto de regras e organizações específicas, que passaria a estabelecer-se na qualidade de mais um importante instrumento de construção e disseminação desse ideal modernizador, liderado pelos segmentos da classe dominante da sociedade burguesa. A cultura atuaria então como agente e ferramenta de legitimação e implantação de modos de vida. Melo (2010a, p. 94) ressalta que a construção do esporte foi um fator intrinsecamente relacionado ao modo de vida das sociedades modernas: Enfim, o esporte, neste processo, constitui-se em poderosa representação de valores, sensibilidades e desejos que permeiam o ideário e imaginário da modernidade: a necessidade de superação de limites, o extremo de determinadas situações (comuns em um cenário em que a tensão e a violência foram constantes), a valorização da tecnologia, a consolidação de identidades nacionais, a busca de uma emoção controlada, o exaltar de um certo conceito de beleza. O seu desempenho tem grande relação com uma sociedade

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que enfatiza as noções de produção, precisão, desempenho e disputa.

Bourdieu (2003), também analisando o papel do esporte, considerou que a mudança do jogo para o desporto (esporte) tenha sido efetivado sob o controle4 das “elites” da sociedade burguesa e que seria um erro supor que tal construção não tenha se efetivado como uma ferramenta para legitimar a visão de mundo deste grupo. O esporte nasceu, portanto, envolto de um ideário moderno e que tem como princípios a regulação dos corpos a partir do seu poder disciplinar e moralizador. Em suma, seria um erro esquecer que a definição moderna do desporto, muitas vezes associada ao nome de Coubertin, é parte integrante de um ‘ideal moral’, quer dizer de um ethos que é o das fracções dominantes da classe dominante” (p. 188) [...] “O desporto é concebido como uma escola de coragem e de virilidade, capaz de ‘formar o caráter’ e de inculcar a vontade de vencer (‘will to win’) que é a marca dos verdadeiros chefes, mas uma vontade de vencer segundo as regras – é o fair play, disposição cavalheiresca em tudo oposta à busca vulgar da vitória a todo preço. (p. 187)

Este autor relaciona então a origem do esporte, no qual o futebol se insere, ao movimento discursivo da modernidade (durante a transição do século XIX ao XX) aliada ao ideal de distinção social/moral por parte das elites burguesas, além da constituição de regras capazes de controlar e regulamentar os corpos. Desta forma, esportes como o remo, ciclismo, corrida a pé, tênis, ginástica, hipismo, football entre outras atividades corporais seriam apropriados neste processo como práticas culturais fundamentais ao desenvolvimento do ideal moderno, consistindo na relação entre educação física e moral, a partir do discurso de mens sana in corpore sano, num modelo de promoção de cuidado do corpo e da mente a partir da realização da atividade física aliada ao discurso de distinção social e do fair play. Entre estes esportes acima listados, o football acabaria conquistando maior espaço e se tornando símbolo deste processo, pelos motivos como: a facilidade de ser praticado e adaptado a diferentes regiões (diferente do remo, que por ser um esporte aquático, exigia sua prática apenas aos rios e mares) e por ser um esporte de prática coletiva (diferente do tênis e turfe) com isso possibilitando um maior número de praticantes além de constituir sua prática em posições diversas a serem ocupadas no campo de jogo, o que permitiu a presença de adeptos com diferentes 4

Não que posteriormente tal poder não tenha sido revisto, ao passo que o próprio Bourdieu pontua que “o campo das práticas desportivas é lugar de lutas que têm, entre outras coisas, por parada em jogo o monopólio da imposição da definição da prática desportiva e da função legítima da actividade desportiva” (BOURDIEU, 2003, p. 189)

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características físicas. Outro importante fator para a construção da importância da prática do football seria o fato deste ser caracterizado como um esporte de origem bretão, o que lhe conferiu o aspecto de ser uma prática distinta e europeizada. Porém, a conquista de esporte símbolo se deu de maneira gradativa e a partir de esforços significativos por parte de seus adeptos, como veremos adiante. Ao longo da segunda metade do século XIX, o football já estava sendo amplamente praticado nas escolas inglesas, mas ainda sem uma normatização capaz de tornar a prática desta modalidade em um esporte, ou seja, na qualidade de uma prática corporal institucionalizada, a partir de definição de Melo 5 (2010a). Pois não havia regras específicas sobre as infrações (a exemplo do uso das mãos) e nem sobre a demarcação do campo e tempo de jogo, cabendo a cada escola e suas respectivas equipes que praticavam o football a construção de suas regras próprias e que muitas vezes divergiam entre os grupos praticantes (relatam daí o surgimento tanto do football quanto do rugby), estando sem o controle de um órgão responsável por regular e administrar a prática deste esporte, como ressalta Giulianotti (2010, p. 18), As regras do futebol eram codificadas e os jogos supervisionados pelos professores das escolas. No entanto, logo surgiram importantes inconsistências entre as normas do futebol de instituições rivais. Como relata Birley (1993, p. 257), o futebol ‘não era exatamente um jogo singular, mas um arranjo dos códigos tribais mais ou menos semelhantes preferidos pelas diferentes escolas públicas’. Por volta da década de 1860, campeonatos entre faculdades dividiram os jovens cavalheiros em dois grandes campos. Os veteranos de Rugby e de Eton eram favoráveis a um jogo com pontapés nas canelas e que permitisse o uso das mãos, enquanto os de Harrow proibiram essas ações.

De modo a solucionar essa questão, foi fundada em 1863 em Londres a Football Association que passou a organizar efetivamente o football como um esporte, a partir da discussão das regras gerais a serem aplicadas ao jogo, proibindo entre outras coisas, o uso das mãos pelos praticantes do jogo, exceto o goleiro (goal keeper). Todavia, apenas em 1904 com a criação da FIFA (Fédération Internationale

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Segundo este autor, o conceito moderno de esporte se adequa as seguintes condicionantes: “Organiza-se em entidades representativas (locais, nacionais e internacionais); Possui um calendário próprio, já não mais seguindo estritamente outros tempos sociais ou rituais; Envolve um corpo técnico especializado cada vez maios (treinadores, preparadores físicos, dirigentes, gestores, psicólogos, médicos, entre muitos outros); Gera um mercado ao seu redor, que extrapola até mesmo o que a princípio poderia ser condierado específico da prática esportiva.” (p. 90)

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de Football Association), o futebol passou a possuir normas internacionalmente integradas (Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça), estando este esporte desde então sob o controle deste órgão. Podemos observar com isso que ao longo da segunda metade do século XIX, na Europa, o futebol já gerava esforços significativos em sua prática. Entretanto, neste mesmo período, no Brasil, a prática desta modalidade nem de longe se constituía em uma atividade cotidiana ou organizada, que viria a ser modificada ainda nos anos finais deste século e, principalmente, nos primeiros anos do século XX com a efetivação do ideário das classes dominantes brasileiras acerca da valorização da cultura e modo de vida europeu. A importação desta prática desportiva se dava, sobretudo, através dos jovens filhos das camadas dominantes que, realizando viagens de passeio e de estudos aos países da Europa, importavam também determinados aspectos desse modo de vida urbano e moderno para as práticas culturais das cidades brasileiras, período este denominado por Jeffrey Needell (apud Melo, 2010b) de belle époque tropical, em sua análise sobre o Rio de Janeiro. O avanço do capital em escala global se manifestou ao longo do século XIX e meados do XX a partir de grandes empreendimentos e trânsito de mercadorias como também de pessoas e de ideias. No tocante as práticas culturais, Hobsbawm (ebook, p. 305) enfatiza a crescente oposição entre a modernidade (o novo) e o tradicional, o primeiro representado pela figura das cidades e o segundo do campo: Com o triunfo da cidade e da indústria, uma divisão cada vez maior se interpunha entre de um lado os setores "modernos" das massas, quer dizer, os urbanizados, os instruídos, aqueles que aceitavam o conteúdo da cultura hegemônica – a da sociedade burguesa – e de outro lado, os setores "tradicionais" cada vez mais minados.

Hardman (2005) enfatiza esse processo como o início da ‘era do espetáculo’, a partir da valorização e da exposição do progresso tecnológico e das relações comerciais onde se ‘tinha sequência o desenho da nova cartografia imperialista: territórios e culturas existiam como objetos a serem anexados ao arsenal voraz de mercadorias e capitais.” (p. 241) A Inglaterra exerceria neste cenário um papel de destaque, tanto por sua posição precursora na revolução industrial como também por suas práticas culturais, a exemplo do futebol, já que O imperialismo inglês evidentemente exportava não apenas uma longa série de produtos industriais e de serviços, mas também fenômenos sociais e culturais que os acompanhavam, mesmo sem

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premeditação, e cuja origem inglesa por si só atraía, conferindo-lhes ares de modernidade. Dentre eles, o futebol. (FRANCO JUNIOR, 2007, p. 40)

Sobre a Inglaterra recaía então o posto de país símbolo do avanço econômico e também cultural, onde o futebol ganharia posição de destaque. Nesse cenário, Charles Miller e Oscar Cox, retornam respectivamente em 1894 e 1897 de seus estudos na Inglaterra e Suécia trazendo consigo elementos culturais do continente europeu, entre eles um livro de regras do Football Association e a vontade de praticar cotidianamente este esporte, Muller e Cox. Ambos jovens que, apesar dos nomes estrangeiros, eram nascidos no Brasil; ambos filhos de famílias abastadas que buscaram, na Europa, a base de uma educação que não poderiam ter em seu país de origem, trazendo de lá a semente de novas práticas e tradições. Mais que mera coincidência, a semelhança entre suas trajetórias indica a lógica que caracterizou a consolidação de uma certa memória sobre o futebol – que afirma ser ele um esporte que ‘nasce e se desenvolve entre a elite’. (PEREIRA, 2000, p. 22)

Charles Miller, em São Paulo, e Oscar Cox, na então capital federal, o Rio de Janeiro, iniciaram a prática deste esporte em suas cidades, além de participarem na criação de clubes destinados diretamente a essa prática. Entretanto a familiarização desse esporte, mesmo entre os elementos das classes mais abastadas da sociedade não se deu com tanta facilidade. É vital ressaltar que nesse período, o esporte que era mais conhecido nas principais cidades do Brasil era o remo, seguido pelo turfe, cabendo a prática do football um desconhecimento por parte da imprensa e de determinados segmentos da sociedade, conforme nos narra Pereira (2000): Apesar do entusiasmo desses jovens, seus clubes não mereciam ainda maiores atenções da imprensa carioca. Noticiando seu aparecimento com pequenas notas, os grandes jornais do Rio de Janeiro limitavam-se a divulgar muito ocasionalmente os eventos por eles promovidos [...] Nos círculos restritos da juventude educada nos colégios europeus, entretanto, o jogo ia se firmando de maneira rápida. (p. 29)

A prática do football no início do século XX no Brasil se moldava entre os jovens das classes mais abastadas das diversas cidades brasileiras, fundando clubes e passando a reunir-se regularmente para sua atividade. E se ainda consistia em um esporte desconhecido pela maioria da população e da intelectualidade, em pouco tempo essa situação seria contornada e o football conquistaria um amplo

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espaço na vida social em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MELO, 2010b). Essa conquista de espaço dava-se com o crescimento do football entre os segmentos das classes dominantes, que organizavam, controlavam e passavam a divulgar amplamente a prática desse esporte, a partir da disseminação das regras dessa modalidade e o firmamento dos benefícios do football, divulgados nos grandes jornais e entre a intelectualidade. Soma-se a isso a formação de clubes, ligas esportivas e de espaços apropriados para a realização das partidas de football, contando ainda com a realização de jogos interestaduais. Em 1902, Cox fundou o Fluminense Football Club, sendo “formada pelo que havia de melhor em nossa sociedade, quase todos educados em colégios da Europa.” (Fernandez, 2010, p. 20). Dessa maneira, ao longo da primeira década do século XX emergiram na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, um número significativo de clubes especializados na prática do football, onde o Fluminense Football Club se tornou uma agremiação pioneira na construção da prática desse esporte como um elemento de distinção social e racial. Era a demarcação de qualidades elitizadas numa visão de mundo moderna. Segundo Pereira (2000). O time do Fluminense ia dando ao jogo no Rio de Janeiro um perfil definido: palco de afirmação de modismos e hábitos europeus, os estádios serviam para essa juventude endinheirada como um espaço de celebração de seu cosmopolitismo e refinamento, em um processo que ia imprimindo ao futebol por eles praticado a marca da modernidade. (p. 31)

Em 1904, seguindo o exemplo do Fluminense, clubes como Bangu Atletic Club, Botafogo Foot-ball Club, e muitos outros clubes foram criados e tinham como objetivo realizar a prática do football, seja por estrangeiros (Bangu) ou por brasileiros (Botafogo). Mantinham-se, assim, os preceitos da sofisticação e distinção defendidos pelos sócios do Fluminense, enfatizando sua origem inglesa. A sofisticação do perfil construído para o futebol no Rio de Janeiro faria ainda com que muitos jovens, antes dedicados a outros esportes como o ciclismo ou as corridas a pé, passassem a se tornar seus defensores. [...] Seu crescimento era acompanhado pelo aparecimento, em outros bairros, de agremiações semelhantes – como o Riachuelo Foot-ball Club, fundado em 19 de outubro de 1905 na estação do Riachuelo pelos irmãos Joppert, o Cosme Velho F.C., o Leme F.C, o Boêmios F.C. (de Vila Isabel), o Engenho Velho F.C., o Humaitá F.C. e o Brazilian F.C. (de Copacabana). Tal incremento do número de clubs atestava o interesse que o jogo despertava na pequena parcela da juventude carioca que, podendo pagar o preço da mensalidade, estava em dias com as últimas novidades inglesas,

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em um processo que acontecia simultaneamente em diferentes cidades brasileiras. (PEREIRA, 2000, p. 35)

Todavia, o crescente espaço conquistado pelo football nessas primeiras décadas do século XX deve ser analisado com cautela, porquanto havia por parte dos clubes, diretorias, sócios e atletas o claro objetivo de disseminar a prática desse esporte, destinada, entretanto, para apenas os segmentos mais abastados da sociedade. Esta segregação se dava de maneira clara a partir dos próprios regimentos dos clubes, uma vez que para realizar a prática regular e oficial desta modalidade seria necessário estar inserido dentro de uma associação clubística, o que demandaria um pagamento de valores significativos em mensalidades, fato que ocasionava a distinção daqueles que faziam parte da classe dominante para os segmentos da população menos abastada, que não teriam condições para arcar com os gastos dessa prática esportiva. Nesse cenário de elitismo, ganhavam destaque os comportamentos refinados, como o conhecimento das regras, o amadorismo (ou seja, jogar por amor ao jogo e não receber por isso) e o respeito ao fair play, onde os verdadeiros sportmen deveriam realizar a prática deste esporte como um instrumento de promoção à disciplinarização do corpo e respeito às regras, onde o objetivo não seria o de ganhar a todo custo, mas sim estabelecer uma competição respeitosa e distinta. Além disso, a própria utilização dos termos ingleses remetia-se na qualidade de elemento para uma aproximação entre a realidade brasileira e a cultura europeia, numa visão de mundo moderna e industriosa que durante esses anos seria uma das tônicas dos debates políticos, econômicos e culturais nas principais cidades brasileiras, tal como ressalta Santos (2009, p. 184): Ser jogador era ser chique na passagem do século XIX para o século XX. Assim registravam os jornais por todo o Brasil. Se tornar um sportmen resultaria em agregar bons valores que serviriam como um passaporte à moderna sociedade que emergia.

Ao remeterem a prática do football brasileiro a sua origem inglesa, os jovens da classe dominante brasileira construíam em torno dessa prática uma significação que em muito divergia do próprio desenvolvimento do football em terras britânicas. No início do século XX, na Inglaterra, esse esporte já estaria popularizado entre diversos segmentos da sociedade, enquanto no Brasil defendia-se a prática do football como elemento diferenciador das classes sociais. Percebemos com isso que

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o football no Brasil se construía a partir de uma visão de mundo moderna, que tinha como base não o conjunto da totalidade da realidade vivenciada nos países europeus, mas sim uma reprodução elitizada do modo de vida destes países, Portando-se como agentes da modernidade, espécie de porta-vozes da civilização, esses sportmen iam fazendo do foot-ball a sua própria marca [...] operação que transformava um jogo aparentemente brutal e sem sentido, praticado por operários ingleses, em um fino e delicado evento social [...] atribuindo ao jogo o caráter mágico de transformar seus praticantes, dando a eles uma identidade particular que os convertia na vanguarda do cosmopolitismo na cidade. (PEREIRA, 2000, p. 41)

Cabendo ao football no Brasil, nesse período inicial, um importante elemento cultural para a efetivação dos interesses das classes dominantes, onde os sportmen constituíam-se modernidade

simbolicamente em

terras

como

brasileiras.

representantes O

da

cosmopolitismo,

civilização a

e

urbanização,

da o

embelezamento e controle não somente das cidades, mas também dos corpos, tornam a prática esportiva uma ferramenta eficaz na promoção e reprodução do discurso da distinção social e em defesa do homem moderno. E quando falamos desse processo no Brasil, muitas vezes ele acaba se resumindo ao encadeamento histórico ocorrido nas principais cidades e regiões centrais na produção econômica brasileira (região sul e sudeste). Todavia, para analisarmos a realidade nacional se faz necessário ampliarmos nossos horizontes e observarmos a amplitude da relação entre football, classe dominante, modernidade e distinção em outras cidades brasileiras de modo a confirmarmos ou não o estabelecimento desse processo em outras partes do território nacional. Com esse objetivo, traremos aqui uma discussão inicial sobre o football em Perto Velho durante os anos de 1920. A cidade, hoje capital do estado de Rondônia, foi idealizada justamente nesse período histórico de início do século XX, a partir do avanço do capital e da construção de estradas de ferro pelas mais diversas regiões brasileiras. Algumas questões podem ser suscitadas: havia uma prática desse esporte nos primórdios do século XX? O football se estabeleceu como um elemento moderno também nessa região da Amazônia? Quais os clubes, as ligas, e os campeonatos? O que era a cidade de Porto Velho, afinal? Existem semelhanças entre o processo ocorrido nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo? Avancemos então a partir da perspectiva levantada por Hardman (2005) sobre a modernidade na selva, para tentar compreender que posição ocuparia o football nesse cenário.

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3 – O FUTEBOL EM PORTO VELHO

Qual foi a importância do futebol em Porto Velho? Essa pergunta ainda não parece tão fácil de ser respondida e, ao contrário, não estamos próximos a obter alguma resposta simples e objetiva acerca dessa questão, ao menos em comparação a importância atribuída a essa prática esportiva e sua conotação de símbolo nacional. Mas, se na atualidade o futebol na capital do estado de Rondônia nem de longe representa a grandiosidade e não contempla os altos investimentos destinados ao futebol em outras cidades, a exemplo do próprio Rio de Janeiro, cabenos realizar algumas indagações acerca do processo inicial de formação do football na cidade de Porto Velho, de modo a construirmos uma perspectiva acerca da história desta prática esportiva na região. Esse trabalho representa um esforço inicial para os estudos sobre a construção do football na cidade de Porto Velho, compreendendo os diversos usos e discursos em torno de sua prática, analisando como se deu a apropriação inicial desse esporte nessa região, o que para nós é uma questão importante, pois é capaz de nos trazer informações relevantes não apenas sobre a prática em si, mas amplia os horizontes já construídos pela historiografia, sobre a própria história da cidade, colaborando para as discussões acerca das relações socioculturais em Porto Velho dos anos de 1920. Ao enfatizarmos a necessidade de analisar o processo de apropriação discursiva sobre a prática do futebol na cidade ao longo das duas primeiras décadas do século XX, não estamos de modo algum procurando estabelecer um marco de origem para a prática do futebol na cidade, apenas constituímos nossas considerações com base em nossas fontes de estudo e pesquisa, limitando nossa análise a partir dos dados colhidos tanto no Jornal “Alto Madeira” quanto na bibliografia sobre a cidade. Não podemos com isso realizar uma definição acerca do primeiro clube ou primeiro jogo, o que não é nosso objetivo, pois tal como ressalta Bloch (1997) essa busca exacerbada por uma origem não deve figurar no objetivo maior do historiador. Dessa maneira, alertamos o leitor para duas questões: primeiro a de que não realizamos uma análise de um mito de origem para a prática do futebol na cidade e, em segundo, não podemos afirmar que a apropriação discursiva sobre o futebol local no período dos anos de 1920 tenha se constituído em apenas uma única visão.

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Todavia, embasados nas informações contidas em nossas fontes nesse momento histórico nos é possível registrar a uma dada apropriação discursiva que se tornou hegemônica e que foi utilizada por um determinado segmento da sociedade local no controle da prática deste esporte. Mas para estabelecer tais considerações se faz necessário alguns apontamentos acerca da formação histórica da cidade de Porto Velho, enfatizando alguns aspectos socioculturais, econômicos e políticos ao longo das duas primeiras décadas do século XX. Afinal, como se constitui o espaço no qual a prática do football se estabeleceu? Não poderíamos analisar a prática do football em Porto Velho sem antes contextualizarmos essa cidade. É importante também frisar a própria importância das cidades como um lócus privilegiado para o desenrolar dos discursos da modernidade no processo de industrial em curso. Nesse cenário, analisando-o em relação ao futebol, Giulianotti ressalta que (2010, p. 42), A difusão internacional do futebol durante o final do século XIX e o início do século XX ocorreu quando a maior parte das nações na Europa e na América Latina estava negociando suas fronteiras e formulando suas identidades culturais. Grandes e pequenas cidades estavam em construção, para serem ocupadas por novos cidadãos provenientes das áreas rurais ou do exterior. Os processos característicos da modernização (industrialização, urbanização e grande migração) desenredavam os velhos laços sociais e culturais das comunidades rurais.

E defendemos que Porto Velho teria sua formação vinculada a esse processo descrito acima. A forte relação entre o capital industrial (estabelecido aqui a partir dos investimentos para a construção de uma ferrovia) e o discurso de modernidade, segundo os quais o urbano ganharia maior destaque e influência em relação ao ambiente rural e doméstico, imbricaria na estrutura de ocupação inicial de Porto Velho na qualidade de um espaço adequado e fabril sob o controle da construtora da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM).

3.1 A formação da cidade de Porto Velho Tendo sido formada por uma grande heterogeneidade de pessoas provenientes dos mais diversos países, Porto Velho foi constituída como um local importante para a realização do processo de implantação do modelo de crescimento

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industrial do início do século XX na Amazônia. Não se pode, neste sentido, negar a importância que a construção da EFMM desempenhou na formação social da cidade de Porto Velho, ao passo que “neste período, a empreiteira contratou 21.817 trabalhadores, incluindo os nacionais e os estrangeiros, compondo, no canteiro de obras da ferrovia, um núcleo populacional formado por homens de 23 nacionalidades” (LIMA, 2001, p. 35/6). Na segunda metade do século XIX, com a valorização da borracha como importante produto comercial para exportação, seria necessário desenvolver estratégias para se escoar a produção ao longo dos rios da Amazônia, e, neste sentido, a construção de uma estrada de ferro na região tornou-se uma possibilidade. Após tentativas frustradas de construção da Estrada, que tiveram início em 1870 com o comando do empresário norte-americano George Earl Church, a estrada de ferro foi concluída na sua terceira tentativa. Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903, firmou-se o compromisso entre o governo brasileiro e o boliviano para a construção de uma estrada de ferro capaz de escoar a produção de borracha, e em 1907 deu-se o início da construção da referida estrada pela empresa May Jackyll and Randolph Co. Ltda, contradada pela Madeira Mamoré Railway Company, esta estando ligada a Brazil Railway Company (responsável pela construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande) e sob o controle do norteamericano Percival Farquhar. Em um esforço para superar as dificuldades encontradas nas tentativas anteriores, e com a intenção de instituir o máximo de ordem em meio à selva amazônica, o ponto de início da construção da ferrovia deslocou-se sete (7) quilômetros da vila de Santo Antônio do Madeira, surgindo então Porto Velho. Este espaço surgia então no esforço de maximizar a possibilidade do avanço do capital industrial na Amazônia, cabendo não apenas a construção de espaços bem distribuídos como também ambientes salubres e capazes de potencializar o trabalho na estrada de ferro. Foi com esse objetivo que o sanitarista Oswaldo Cruz e outros médicos, com contrato com a Madeira Mamoré Railway Company, realizaram expedições para essa região a fim de observar suas condições sanitárias e também de pontuar os avanços alcançados pela construtora. De acordo com seu relatório, Cruz (1910, p. 15) informa que: A atual empresa de construção de E. F. Madeira-Mamoré encarou inteligentemente a questão sanitária e, afastando-se das normas até

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agora seguidas pelos seus predecessores, resolveu estabelecer sua base de operações fora do terrível foco que é a vila de Santo Antônio. Instalou-se a jusante de Santo Antônio em duas zonas denominadas: Porto Velho e Candelária, distando respectivamente de Santo Antônio 7 e 5 quilômetros. [...] Porto Velho de Santo Antônio (tal é o verdadeiro nome do novo povoado) é o centro industrial. Candelária é o centro dos serviços sanitários.

A então vila de Porto Velho, estabelecida como um centro industrial, consistiria em um espaço fabril e ordenadamente dividido, correspondente ao modelo preconizado pelo ideário da modernidade. Sobre a Amazônia, Hardman (2005) estabelece esse processo entre a grandiosidade das máquinas e seu aspecto fantasmagórico (que tomava o mundo, inclusive a floresta e demais regiões aparentemente inóspitas e distantes ao avanço do capital, num processo de criação de uma nova perspectiva sobre a realidade, a partir dos grandes empreendimentos e seu caráter sublime, numa relação entre o maravilhoso e, ao mesmo tempo, estranho e diferente de tudo que já havia sido observado). Um mundo cada vez mais interligado e multifacetado, que a partir das grandes empreitadas aproximavam-se grupos dos mais diversos países e realidades socioculturais ou apenas sociais. Nesse local, inúmeras culturas se encontram e sob a égide da modernidade. Neste sentido, de acordo com Fonseca (2007, p. 92): De fato, Porto Velho era anunciada como uma cidade moderna, planejada, a partir do pátio da ferrovia, seu núcleo inicial observavase a divisão funcional do espaço: o local de recreio, os locais de moradia (hierarquicamente divididos) e de trabalho (oficinas e escritórios).

. Além disso, o acesso e habitação dessa vila, construída, com base no ordenamento moderno, estava destinada apenas aos trabalhadores ligados aos serviços da estrada de ferro, evitando-se, portanto, o contato direto e negativo entre o novo, salubre, moderno e urbano com o antigo, o retrógrado, pobre e insalubre. Pois, segundo Lima (2001, p. 43): As razões para a escolha desse local teriam sido o fato de haver mais espaço disponível para a construção do pátio ferroviário e de o local oferecer um porto adequado para a atracação de navios, bem como por aquela área ser considerada mais salubre do que Santo Antônio. Porém haviam outros motivos: a empresa teria total autonomia jurídica sobre a área e exerceria maior controle sobre os funcionários, pois ali não haveria nada, exceto a ferrovia, ao passo que em Santo Antônio, além de existir as autoridades administrativas do Mato Grosso, às quais a construtora teria de submeter-se, havia as bebidas e as mulheres, que distraiam os trabalhadores e

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contribuíam para criar um ambiente de desordem, em nada condizente com os modernos padrões de disciplina e controle que a construtora pretendia impor aos funcionários.

De fato, essa distribuição e segregação espacial acabava por excluir outros personagens do espaço da então vila de Porto Velho, já que nem todos trabalhavam para a MMRC, mas possuíam relações comerciais e lucrativas a partir da presença dos funcionários da construtora, onde segundo Menezes (s/d, p. 137) Como a companhia construtora não consentia habitarem dentro dos limites da sua área as pessoas que não trabalhassem para a empresa, bem como o funcionamento de bares, casas de diversões e prostíbulos, na atual rua Natanael de Albuquerque surgiram as primeiras casas de palhas onde residiam mulheres que se empregavam na lavagem de roupas dos trabalhadores e operários da empresa, pessoas que vinham trabalhar na agricultura, os tiradores de lenha e dormentes etc.

Com isso, mesmo com a proibição da entrada de pessoas que não estivessem diretamente ligadas à construção da estrada de ferro, o entorno da vila de Porto Velho foi sendo ocupado e seria este o futuro município de Porto Velho, instituído em 1914. Com o findar da construção da estrada de ferro em 1912, e a necessidade de organização política do espaço construído ao redor da vila operária, em 1915 foi estabelecida a figura do superintendente municipal nessa região. A distribuição espacial do município de Porto Velho foi instituída respeitando os limites do pátio da MMRC e com a lei n. 3 de março de 1915 foi realizada a divisão das ruas e do espaço pertencente ao município. Conforme imagem abaixo, podemos observar a distribuição a partir da Avenida Divisória, que estabeleceu a divisão espacial entre a Porto Velho construída durante a construção da ferrovia (sob o domínio da MMRC) e a Porto Velho, administrada pelo superintendente6.

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Com isso a região administrada pelo superintendente municipal percorria da avenida divisória até as imediações da Avenida Joaquim Nabuco.

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Figura 2: Planta esquemática da cidade de Porto Velho em 1917. Fonte: FONSECA, 2007, p. 145

É vital destacar também que, com o findar da construção da ferrovia, a produção da borracha já entrava em declínio e os benefícios econômicos objetivados com a empreitada já não seriam alcançados em sua plenitude. Todavia, a cidade, ainda sob o efeito do projeto preconizado pela construtora, continuaria a ser idealizada pelo segmento dominante (que será devidamente descrito no item 4) na qualidade de um espaço modelo da civilidade. Com o estabelecimento de Porto Velho como um município (em 1914), coube ao seu primeiro superintendente municipal o papel de mantenedor do processo de modernização e higienização (observando-se suas especificidades) preconizado para o espaço da ferrovia, estendendo-o então para a região que outrora estaria alheia a esse movimento.

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Segundo Fonseca (2007, p. 128), o major engenheiro do exército, Fernando Guapindaia, pretendia, no período em que esteve no cargo de superintendente municipal, estabelecer em Porto Velho uma certa organicidade e semelhança com a da MMRC onde “pensara então em unir culturalmente as duas faces da cidade, tentando transformar aquela parte da cidade que começava a governar em algo parecido com a Porto Velho da ferrovia”. Importante, nesse sentido, é frisar que tais objetivos não beneficiariam a todos os habitantes do município recém instituído, para o qual Guapindaia não motivava-se por uma real pretensão de promover uma reforma higienista na cidade, construindo então uma série de “medidas aparentemente cosméticas” (FONSECA, 2007, p. 140) ou seja, medidas apenas superficiais e estéticas. Entre estas medidas, Guapindaia renomeou os nomes das ruas da cidade com personagens políticos e militares da História brasileira, em um esforço de constituir certo ordenamento para a distribuição espacial do município, tal como descreve Cantanhede (1050, p. 33): À administração Guapindaia muito deve esta cidade, pois, foi no seu gôverno que se procedeu ao alinhamento das principais ruas e aberturas de praças públicas; regulou-se o serviço de construções e de concessão de terrenos mediante certas exigências compatíveis com a época e os foros de Vila que passou a ser o antigo povoado.

Todavia, o importante aqui é percebermos justamente que o ideal de modernidade defendido pelos superintendentes não se caracterizava pela efetivação de projetos capazes de assimilar e melhorar a qualidade de vida de todos os moradores da cidade, ao contrário, consistia em um discurso para privilegiar a classe que o proferia, sendo pra ela os benefícios advindos destas “medidas aparentemente cosméticas”. É importante ainda observar que desde seus primórdios, a formação da cidade de Porto Velho possuía um conflito entre a ideologia modernizadora e a realidade por vezes “caótica” (irracional e desordenada), na medida em que havia um espaço, que era ordenado pela lógica de organização fabril e outro, que abrigaria os mais os diversos grupos, os quais nem todos representariam o aspecto moderno que pretendeu-se inicialmente. Caberia não somente ao superintendente, que ficaria responsável por gerir este espaço inicialmente desordenado, aliado ao segmento da classe dominante local, o papel de instituir sua visão de mundo, idealizando para o município de Porto Velho ao longo dos anos 1920 um lugar de destaque no processo de instituição da modernidade na Amazônia e, com isso, continuando o

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processo de exclusão dessas figuras desviantes e com a negação da possibilidade de participação e pertencimento destas numa visão moderna sobre a cidade. Nesse cenário, antes de adentrarmos em nossas considerações acerca da classe dominante e o processo de construção discursiva da cidade como um espaço moderno, faz-se importante observar a composição social existente em Porto Velho ao longo das duas primeiras décadas do século passado. No tocante à formação populacional da cidade, essa não se deu apenas no período de construção da estrada de ferro, como também a partir das atividades de cunho militar, a exemplo da Comissão Rondon (conjunto de comissões militares cuja atuação se deu entre o período de 1890-1930 sob a liderança de Rondon) para exploração e demarcação das terras como também para a construção das linhas telegráficas. O município ainda sofria com as mudanças do término da construção da ferrovia, quando alguns engenheiros e trabalhadores da estrada retornaram para seus países de origem. Além disso, no que concerne à divisão espacial entre a área sob o domínio da construtora da ferrovia e o entorno desta, Lima (2001, p. 50) nos informa que A população que residia fora do complexo ferroviário, nos limites que em 1914 formava a ‘municipalidade’ de Porto Velho, era constituído por ex-moradores da vila de Santo Antônio do Madeira e das margens do rio madeira, os quais exerciam as funções de tarefeiros (subcontratados de funcionários contratados pela EFMM), vendedores ambulantes, seringueiros, agricultores, lavadeiras, prostitutas e aqueles que viviam dos jogos de azar, entre outras ocupações, o que criou um cinturão de miséria na cidade recém criada.

Com isso, ao longo dos anos 1910-1920, a cidade abrigou muitos seringueiros e seringalistas, como também militares, comerciantes, destacando ainda a presença dos trabalhadores regulares da estrada de ferro, que continuavam hospedados no espaço construído pela MMRC. Os militares moradores da cidade, em geral, destinaram-se para a região em conjunto da Comissão Rondon, para a construção das linhas telegráficas e acabaram por firmar-se em Porto Velho, a exemplo do major e médico Augusto Tanajura (que se destacaria ao longo dos anos de 1920 ocupando importantes cargos na vida pública). O grupo dos comerciantes era composto tanto por elementos que vieram para a cidade para fazer parte da construção da EFMM (que após a construção, tiveram que estabelecer outras funções econômicas) e também por representantes comerciais de empresas regionais. Segundo Carvalho (2009, p. 51):

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A cidade cresceu e se desenvolveu em volta do pátio da estrada de ferro, após a linha divisória, atual Av. Presidente Dutra. O comércio se desenvolve na Travessa Floriano Peixoto – o Curral das Éguas – nas Ruas Barão do Rio Branco, Henrique Dias, Natanael de Albuquerque – antiga Rua da Palha – e Av. Sete de Setembro. Muitos comerciantes eram oriundos de Manaus e de Belém, como também alguns de origem estrangeira: portugueses, árabes, turcos, espanhóis e judeus. Os produtos comercializados eram, em grande parte, enlatados e de secos e molhados, vendidos no atacado e no varejo.

Com o período de declínio da exportação da borracha amazônica, a prática comercial mostrava-se ao longo dos anos de 1920 como uma das principais alternativas econômicas. Fonseca (2007) apresenta a presença do cultivo de legumes, frutas e cereais no entorno de Porto Velho, cuja comercialização era feita na cidade. Além disso, ressalta o comércio entre os criadores de gado da Bolívia e do Vale do Guaporé com a MMRC. Dessa forma, a economia da cidade, longe de figurar como uma das grandes potências nacionais, baseava-se na relação de pequenos comerciantes, médicos, trabalhadores da MMRC e demais moradores da cidade. Porto Velho pretendia-se grande, mas economicamente não chegava perto disso (não podendo então ser caracterizada como uma cidade cujas relações de produção capitalista se estabeleceram de maneira plena a partir da presença de um grupo detentor dos meios de produção - cuja dominação se fazia devido seu poderio econômico – aliada ainda a falta de uma boa distribuição e demarcação dos lugares ocupados no meio produtivo por parte dos personagens envolvidos nas disputas por hegemonia na cidade), todavia estes pequenos empreendedores, médicos, militares e comerciantes aliados aos trabalhadores da ferrovia, que devido seu papel de destaque na sociedade (tanto economicamente quanto politicamente), estabeleciamse na qualidade de classe dominante local e constituíam para si papel de destaque na construção ideológica de Porto Velho, pretendendo manter no imaginário da cidade o ideal de grandeza e civilidade e para isso, atuavam na composição e disseminação dos seus hábitos culturais “modernos e europeizados” Na vida social, o conjuncto é digno de apreço na organisação familiar e nos elementos cosmopolistas que a constituem. O Sport de football é defendido por quatro sociedades; um club recreativo, nos deleita com as suas excelentes festas; a Maçonaria, a Sociedade Beneficente Portuguesa, a Sociedade Irmã Caritas, promanam resultados com as suas obras de beneficiencia; a Caixa Escolar Municipal (...) a imprensa, está representada por dois periódicos e,

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balanceando tudo quanto possuímos, verificamos quanto conseguimos em dez annos de vida activa e laboriosa, o que é uma recommendação do nosso esforço e bôa vontade. (Jornal “Alto Madeira”, 24 de Janeiro de 1925, n. 792)

Assim, embora a economia da borracha já estivesse ao longo dos anos de 1910 em declínio, ainda em 1920 os segmentos da classe dominante idealizavam a construção e crescimento da cidade de Porto Velho, ao menos simbolicamente, como uma cidade referência do processo de avanço industrial na Amazônia, ilustrada pelos seus hábitos culturais locais, cenário no qual o futebol, ainda chamado por football entrava em cena e conquistava adeptos, figurando como uma importante ferramenta para a manutenção deste discurso de cidade moderna.

3.2 A prática do football em Porto Velho Nos livros sobre a história da cidade de Porto Velho é possível encontrar, de maneira fragmentada, uma série de indicações sobre o que seria esta cidade ao longo dos anos de 1920. Auxiliados por essas referências nos foi possível contextualizar as informações colhidas no jornal “Alto Madeira”, observando as considerações de historiadores e memorialistas sobre a cidade em seus aspectos políticos, econômicos e socioculturais. Entretanto, há inúmeras lacunas acerca do futebol em Porto Velho neste período, havendo poucas informações em livros ou na literatura local, com exceção do levantamento de dados realizado por Oliveira (2006) sobre o futebol nesta cidade, consistindo numa coletânea de informações, que em muito colaboram para nosso estudo. Mas ainda sentíamos certa angústia, no que tange a uma análise sobre o funcionamento do football nesta cidade ao longo dos anos de 1920, uma vez que, como enfatiza Wisnik (2008), é necessário não falar apenas sobre o controle da prática, os reflexos que se constituem fora do campo de jogo (as questões de fora) como também descrever e analisar a própria prática deste esporte (questões de dentro). Afinal como se constituiu o futebol em Porto Velho? Qual a dinâmica desta prática local? Como funcionavam os clubes? E as partidas? Existia de fato uma competição na cidade? O football poderia ser denominado por esporte já nos anos de 1920 ou ainda era apenas uma atividade de lazer, sem regularidade e comprometimento efetivo?

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Possíveis respostas para esses questionamentos foram se materializando ao longo de nossa pesquisa e das análises das informações presentes no jornal “Alto Madeira” ao longo dos anos de 1917 a 1930. Como foram várias as dúvidas levantadas, comecemos por uma questão elementar: o futebol nesta época pode ser considerado um esporte? Lembrando aqui a estrita relação entre esporte com o estabelecimento de regras específicas, um corpo de participantes e de dirigentes, a presença de instituições voltadas a esta prática (clubes, ligas e/ou confederações) em suma, a constituição de um próprio campo, a partir de definição de Bourdieu (2003) voltado a esta prática. Nossa resposta, que será devidamente justificada ao longo deste tópico, é afirmativa. Houve ao longo dos anos de 1920 na cidade de Porto Velho a construção de um conjunto de ferramentas para a prática do football que possibilitam a consideração deste como uma prática esportiva, figurando para além de um simples divertimento esporádico. Para isso defendemos que o importante fator foi justamente a presença dos clubes (e suas respectivas diretorias e filiados) em primeiro momento, e em seguida das ligas (que tinham como função a construção, regimento e controle da realização de campeonatos entre os clubes da cidade), aliado a divulgação das regras específicas do football em notícias do jornal “Alto Madeira”. É importante frisar que o football já estava sendo praticado pelo menos ao longo da segunda metade dos anos de 1910, onde de acordo com Oliveira (2006) consta a formação do União Sportiva em 1916 (mas que sem rivais, apenas realizava treinos e jogos de exibição). Todavia seria apenas a partir de 1919 que as atividades passariam a ser regularmente descritas no jornal, onde este último noticiava entre outras coisas a formação de clubes como o Ypiranga (que passaria a oferecer oposição ao União Sportiva). O esforço inicial para regular a prática do esporte na cidade consistiu na divulgação das regras internacionais do football no jornal “Alto Madeira”, a partir de 2 de outubro de 1919, na edição de número 247, o início da transcrição das regras internacionais do football, onde “(...) a partir da presente edição, iremos transcrevendo, para conhecimento dos players porto-velhenses”. Desta publicação até o dia 25 de dezembro de 1919, n. 271, foi publicada o conjunto de regras do football, disponibilizada ao jornal pelo sportman da União Sportiva, sr. Americo Silva, a partir da doação de um folheto.

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A formação dos clubes ao longo dos anos finais da década 1910 e ao longo dos anos de 1920 constituiu a tônica do football local. Clubes como Ypiranga Sport Club (1919), União Sportiva (1916), Rio Madeira Sport Club (1920), Ultima Hora Football Club (1920), Luso Sporting Club (1921), Noroeste Sport Club e Brazil Sport Club7 foram os principais responsáveis por realizar a prática regular e organizada do football em Porto Velho8. Estas organizações desportivas se formavam e se extinguiam anualmente com certa facilidade, permanecendo ativos ao longo dos anos de 1920 apenas alguns dos clubes acima listados, a exemplo do Ypiranga Sport Club, Brazil Sport Club, Noroeste e União Sportiva. É válido lembrar que muito embora boa parte dos clubes tenham tido pequena duração, os seus dirigentes e filiados rapidamente se inseriam em outras agremiações, revelando certo grau de rotatividade entre os membros das associações9, num momento onde mais do que uma rivalidade exorbitante, o football seria justamente o espaço de agregação dos elementos distintos da sociedade portovelhense, discussão que retomaremos no tópico 4. Mantendo a grafia em inglês, justamente como uma ferramenta para ostentar esta prática como um elemento da modernidade e de valorização da cultura europeia (e anglo-saxônica), a denominação dos clubes variavam entre o “football club”, “sport club” e outras nomenclaturas que relacionavam os clubes à prática esportiva. Todavia, em todas estas agremiações o esporte principal (e em geral, o único praticado) era justamente o football. Tal característica se reafirma ao longo das notícias presentes no jornal “Alto Madeira”, onde todas as informações concernentes aos clubes se direcionavam à prática deste referido esporte. A organização destes clubes dava-se por meio de suas diretorias, formadas por um seleto grupo da sociedade local (ver item 4) e divididas entre os mais 7

Quanto a estes dois últimos clubes, não nos foi possível averiguar os anos de sua fundação. 8 Haveriam ainda a divulgação por meio do “Alto Madeira” da criação de clubes nas cidades próximas a Porto Velho, como o Santa Cruz Foot-ball Club (Santo Antônio), Ypiranga Football Club (Guajará-Mirim), Abuná Bolivian Sport Club, 33 Foot-ball Club (Presidente Marques). 9 Um interessante exemplo é o caso foi relatado no “Alto Madeira” em 1922, quando Rigoberto Costa, que jogava pelo Ypiranga e era também membro da diretoria do Brazil Sport Club. Na notícia de 28 de maio de 1922, n. 524, o mesmo pede sua retirada da segunda agremiação citada anteriormente. Na edição n. 533, de 29 de junho do mesmo ano foi levada a assembleia o pedido de renúncia de Rigoberto do cargo de secretário, tendo esta sido negada e o mesmo continuou pertencendo a ambos os clubes durante o ano de 1922.

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diversos cargos (presidente, vice-presidente, orador, secretário, capitão, cobrador) responsáveis por promover e regular o desenvolvimento da prática do football e a consolidação de suas respectivas agremiações. Foi-nos possível mapear os membros dirigentes dos clubes pois não apenas os jogos entre as equipes eram noticiados no jornal, como também as reuniões e constituição da diretoria e demais sócios dos clubes, além de atividades de trainning (atividade interna de treinamento entre os jogadores de cada clube). Algumas agremiações possuíam sede e campo próprios, a exemplo do Ypiranga (localizada na praça 24 de Janeiro10, número 1 na imagem abaixo) e do União Sportiva (o seu campo localizava-se na região sob o controle da MMRC, ver número 2 na imagem), enquanto outros clubes estabeleciam suas sedes na residência de um dos seus membros dirigentes ou então reuniam-se no Clube Internacional, como também realizavam bailes no Hotel Brasil. Em geral, apenas o Ypiranga e o União Sportiva possuíam campo delimitado para a prática do football e a maioria das partidas deste esporte entre as diversas agremiações realizadas ao longo dos anos de 1920 foram jogadas na então praça 24 de Janeiro, denominado em meados de 1925 por Stadium Paulo Saldanha, espaço sede do Ypiranga.

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Até os dias atuais o Ypiranga continua mantendo sua sede neste local (não mais denominado enquanto praça 24 de Janeiro e sim como Ypiranga Esporte Clube).

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Figura 3: Planta parcial de Porto Velho – 1925 Fonte: CARVALHO, 2009, p. 41

Ao longo dos anos de 1919 a 1922, quando não havia uma Liga que regulasse a prática dos jogos de football com a formação de campeonatos oficiais entre as diversas equipes locais, as disputas entre as agremiações faziam-se a partir do convite direto entre seus membros diretores, devidamente noticiado no “Alto

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Madeira”. Ficando os principais duelos de football sob a tutela do Ypiranga e União Sportiva, edificando em relação a esses dois clubes um papel de destaque na construção da rivalidade futebolística entre as agremiações locais. E mesmo com o surgimento de outras equipes e dos campeonatos promovidos pela Liga, os jogos entre estes dois clubes continuariam a receber grande atenção ao longo dos anos de 1920, enfatizada na publicação do “Alto Madeira” de número 792, de 24 de Janeiro de 1925: Conforme já annunciamos, realisar-se-á o match revanche entre os 1os. teams dos valorosos club União Sportiva e Ypiranga S. Club, no campo da praça 24 de janeiro, ás 16,20 horas. Vae ser, portanto, uma luta emocionante, na qual a vontade de vencer, de ambos os contendores, emprestará ao encontro um caracter sensacional. Certamente, a União procurará descontar a grande derrota que sofreu no dia 25, e o Ypiranga promoverá mantel-a, sem duvida. (grifo nosso)

As partidas entre essas duas equipes auxiliavam diretamente na promoção do football, que conquistava cada vez mais adeptos (para isso basta observar a formação de variadas agremiações a partir de 1920) e também torcedores (denominado na época também como assistência). O próprio “Alto Madeira”, ao noticiar a realização dos jogos, convocava e estimava a presença de pessoas para assistir às partidas. Ainda em 11 de abril de 1920, na edição de n. 302, acerca de uma partida entre Ypiranga e União Sportiva o jornal narra que o campo do Ypiranga, regorgitará naturalmente de espectadores, ansiosos pelo resulto deste encontro. Quantas gentis torcedoras não experimentarão hoje sensações, vendo os seus predilectos errando um shoot ou fasendo um goal?

Mesmo estando longe de alcançar a conotação e idolatria que o futebol tem na atualidade, já nos anos de 1920 a prática do football em Porto Velho consistia em uma relevante atividade cultural, não apenas para quem corria atrás da bola ao longo do campo por algumas dezenas de minutos, como também com a presença de espectadores (familiares e também membros do clube que não participavam das atividades físicas), divulgados nas publicações do “Alto Madeira”11. De um modo geral, o funcionamento dos clubes foi amplamente noticiado no jornal e essas agremiações, além de compor suas respectivas diretorias e sócios, E embora não tivemos contato com as publicações do jornal “A Gazeta”, a partir de notícias contidas no “Alto Madeira” é possível observar que este primeiro jornal também realizava uma série de publicações sobre o football. 11

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também objetivavam a formação de campeonatos locais onde pudessem competir entre si. Nestas competições disputavam-se uma série de premiações, fossem elas troféus, bandeiras e outras bonificações oferecidas por comerciantes locais e/ou figuras públicas e instituições locais (a exemplo da Comissão Portugueza), além dos próprios clubes, O popular sportman Barateiro, um enthusiasta adepto do prepara agradaveis surpresas para o festival do dia 24 do corrente, no referido ground. (Jornal “Alto Madeira”, 18 de Janeiro de 1920, n. 278) [...] um grupo de gentis torcedoras do valoroso Ypiranga, composto das senhorinhas Sophia Santos, Amazonia Wanderley e Labibe Mamud, fez a entrega de uma estatueta de bronze offerecida pela firma Rosa & Irmão, proprietários do Café do Pilao. (Jornal “Alto Madeira”, 5 de Janeiro de 1922, n. 483) Caberá como premio ao club vencedor uma fina bolla de futebol da marca , offerecida pelo snr. Centeno distincto representante da firma J. G. Araujo. (Jornal “Alto Madeira”, 12 de Janeiro de 1922, n. 485)

Além do apoio dos comerciantes locais na divulgação e promoção dos jogos de football, os clubes formaram ao longo dos anos de 1920 uma série de torneios e encontros, organizados a partir de 1923 por uma Liga que teria a incumbência de organizar e controlar a realização destas partidas (algo que se assemelharia hoje às federações). Cada agremiação teria seu representante junto a Liga onde em reuniões periódicas, estabeleciam as datas e regras dos confrontos entre as equipes de cada clube. Um importante exemplo de organização dos clubes numa Liga ocorreu em 1923, com a fundação da Liga Sportiva Porto-Velhense e o estabelecimento de um campeonato oficial entre os clubes locais. Em notícia de 29 de abril de 1923, n. 620 é possível observarmos o início da realização de um torneio e dos clubes participantes (lembrando novamente que muitos dos clubes formados nos anos 1920 não mantiveram-se ativos ao longo destes anos): No proximo dia 3 de Maio, realisar-se-á no campo do Ypiranga Sport Club, o torneio inicio do campeonato de foot-ball, entre as valentes equipes dos valorosos clubs, Ypiranga, União, Noroeste e Brazil. Os encontros obedecerão a seguinte ordem: 1º Ypiranga e União, 2º Brazil e Noroeste. 3º Vencedor do 1º versus vencedor do 2º. Os encontros terão duração de 30 minutos cada um, divididos em meios tempos, havendo um intervallo de 5 minutos entre os mesmos.

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Será iniciado o torneio ás 15 horas em ponto. Servirá de juiz do 1º encontro o snr. dr. Grijalva Antony, e do 2º, o sportman Cicero Menezes, e para um encontro final, o juiz será escolhido em Campo.

Nessa notícia é possível observar uma série de informações sobre a prática desse esporte em Porto Velho: a dinâmica do torneio, o local dos jogos, a duração destes, a quantidade de equipes participantes, a distribuição e escolha da arbitragem (e há ainda em outra publicação o detalhamento dos players de cada equipe). O conhecimento das regras, a criação de clubes, lugar apropriado para a prática (lembrando aqui que o campo do Ypiranga foi inaugurado em 1920, de acordo com publicação do “Alto Madeira” de 22 de janeiro de 1920, n. 279) e a distribuição dos papéis a serem desempenhados pelos adeptos desse esporte ao longo do jogo se constituem como importante fator para a formação da prática do football como um esporte. Os adeptos a essa prática em Porto Velho, e também aqueles que de alguma forma nutriam expectativas sobre este esporte, mesmo estando numa região periférica em relação ao eixo central da produção econômica brasileira da época, não faziam parte de um grupo alheio ao movimento e reverberações desta prática desportiva em cenário nacional e internacional. Esse esporte estaria então conquistando espaço cada vez maior e que não se limitava a uma atividade deslocada dos movimentos e acontecimentos em outras regiões, estabelecendo-se mais do que apenas uma atividade esportiva voltada exclusivamente aos seus adeptos e também como uma importante atividade lúdica e de entretenimento, onde ainda na primeira metade de década de 1920 já figurava como uma das principais atividades realizada nas datas festivas e feriados e que promovia ao redor de si uma série de expectativas:

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Figura 4: Expectativa sobre a partida de football Fonte: Jornal “Alto Madeira”, 6 de setembro de 1925, n. 856

Outro importante aspecto nesta descrição do football em Porto Velho como um importante elemento cultural pode ser observado numa informação divulgada no “Alto Madeira” no dia 28 de Julho de 1923 (n. 646), onde o mesmo notícia a realização de uma peça teatral sobre uma revista denominada por “Olha o off-side” criada na cidade e voltada diretamente para a temática para este esporte, Annuncia-se para bréve a representação da excellente revista de costumes portovelhense , original dos Srs. Drs. Grijalva Antony (da S. B. A. T.) e Adail Valente do Couto e Lafayette Comarú. Peça fadada a grande sucesso enfecha em seus dois hilariantes actos os acontecimentos mais palpitantes e de maior actualidade, destacando se entre cem outros, o desafio entre duas delicadas torcedoras do e . A parte final da interessante revista, é uma apparatosa apotheose aos clubs desportivos da terra, trajando as equipes os vesturarios de rigor e entoando hymnos ás suas victorias e tophéos. Tendo-se em conta o valor dos seus autores é de prever ruidoso triumpho pra

As notícias sobre o football no “Alto Madeira” não se limitavam aos duelos e relatos sobre os jogos entre os clubes locais. Em várias ocasiões, divulgou-se no jornal a presença de sportmen de clubes esportivos de Manaus e de Belém na cidade de Porto Velho, além da presença de informações sobre a prática do football

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em outras cidades, como Guajará-Mirim, Santo Antônio, Manaus e em cidades da Bolívia. Além disso, foi publicada do ano 1923 uma notícia sobre a prática do football feminino na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Outra reportagem, de 1925, narra a viagem da equipe do Club Athletico Paulistano para a França a fim de realizar jogos com os clubes deste país. Em notícia do jornal (imagem 4) neste mesmo ano narra a viagem do Nacional Football Club de Manaus para a realização de jogo contra o Ypiranga, em uma partida de comemoração a inauguração do stadium desta agremiação portovelhense:

Figura 5: Visita de um clube de Manaus em Porto Velho Fonte: Jornal “Alto Madeira”, 13 de setembro de 1925, n. 858

Ainda em 1923 foi realizado um match amistoso em Porto Velho entre uma seleção dos atletas dos clubes da cidade e um combinado boliviano, devidamente custeado pelos clubes locais12. Esse encontro recebeu grande divulgação no jornal tal como se figurasse na qualidade de um encontro formal entre países, onde a partir do football seria possível estabelecer um maior vínculo com outras nações. E’ a primeira cidade, de todo o território comprehendido no limite, ora exposto, que assistirá a um encontro internacional, de mais a mais revestido do caracter cordealissimo, que será o maior brilho da peleja, a se ferir na semana vindoura. A partida do 12 do corrente, o sensacional desportivo de tão auspicioso dia, que registra a descoberta da America, alem de reverter em incentivo para a nossa ardorosa mocidade, esteio possante do actual dia da Patria, guardará preciosamente na sua effectivação um abraço muito significativo das duas republicas latinas, cujas fronteiras aqui se encontram alargando lhes reciprocamente os destinos. [...]

Narrado no “Alto Madeira”, os clubes realizaram quermesses na avenida 7 de Setembro de modo a arrecadar fundos para a vinda do combinado boliviano. 12

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Tantos são os motivos e tantas são justas as considerações, que nos levam á com enthusiasmo indiscriptível, louvar a bella iniciativa dos nossos valorosos sportmen, antecipadamente coroada do mais brilhante êxito, pelo interessante e pelo apoio unanime que Ella despertou entre nós e no seio dos nossos illustres amigos da Bolivia. Em 12 de Outubro, não haverá vencidos, nem vencedores: é apenas a alma fraternal da raça, que mais uma vez triumpha, manifestandose com eloquência atravez desse memorabilissimo acontecimento.” (Jornal “Alto Madeira”, 7 de outubro de 1923, n. 666)

Ode ao football e a possibilidade de utilizá-lo como ferramenta para o enaltecimento das relações entre nações onde os sportmen seriam os responsáveis por construir a valorização da competição cordial em detrimento de uma mera disputa entre vencedores e perdedores. Esta notícia sobre o jogo entre portovelhenses e bolivianos emprega em seu bojo uma série de informações acerca de uma visão sobre football e de certo modo, sobre o discurso empregado para a cidade de Porto Velho. Aqui já podemos confirmar a hipótese de que é o football consistia numa importante prática cultural na cidade de Porto Velho ao longo dos anos de 1920, cabe ainda questionarmos o controle da prática deste esporte e os discursos construídos ao redor dele, de maneira a compreendermos a própria expectativa construída pelos adeptos ao football para a cidade em que viviam. Outro relato no “Alto Madeira”, na publicação de n. 381 de 13 de Janeiro de 1921, também consiste numa importante narrativa para que possamos analisar o discurso que se construiu sobre a prática do football, Eia mocidade sportiva; é preciso que vos animaes a engrandecer a Patria; é preciso que sejaes fortes para os embates sportivos. Esta secção espera de voz todo o esforço possível, no sentido de incrementando entre nos os
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