Formação agronômica: a mudança em questão

May 30, 2017 | Autor: Marcelo Miná Dias | Categoria: AGRONOMIA, Formação profissional
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Formação Agronômica: a mudança em questão José Marcos Froehlich1 Marcelo Miná Dias2 Este texto se propõe a fazer um resgate panorâmico e, portanto, não exaustivo dos principais argumentos acadêmicos que, ao nosso entendimento, vêm fundamentando a necessidade de reformulação/transformação dos conteúdos teóricos conformadores das disciplinas que compõem a formação profissional do Engenheiro Agrônomo, particularmente daquelas referidas a área de conhecimento da sócio-economia. Aqui não se pretende uma elaboração cabal de proposta de mudança, outrossim, tentamos, a partir do conjunto de idéias que se apresenta ao tema, elucidar os possíveis caminhos que atualmente parecem conduzir a tais relevantes câmbios. Por trás do aparente consenso sobre a necessidade de mudanças (compreendidas desde simples readequações pontuais até transformações mais amplas e abrangentes), subjaz uma carência de aprofundamentos teóricos mais elaborados no atual debate sobre os rumos da formação científica em Ciências Agrárias. Em meados dos anos 80 este debate fundamentou-se na crítica à “agricultura moderna”, conseguindo atingir considerável nível de aceitação teórica na academia agronômica, muito embora seu reflexo nos currículos tenha sido bastante residual. Hoje, além da crítica à agricultura moderna  revisitada ante o acúmulo de mais de uma década de experiências em “práticas não convencionais” de agricultura, conduzidas na maioria dos casos por organizações não-governamentais , apresentam-se várias outras temáticas não menos importantes que tentam cada vez mais tratar da complexidade que envolve a prática da agricultura e, também, o esforço teórico da ciência agronômica na elaboração de saberes sobre tudo que envolve o agro neste fim de milênio. Estas distintas contribuições, já tematizadas em vários trabalhos, representam ainda um campo teórico a ser enfrentado. O que pretendemos, pois, é apresentar temas a serem problematizados; conteúdos cujas matrizes teóricas possam ser aprofundadas na busca de alternativas à formação profissional. Estes temas propostas são a seguir apresentados de maneira esquemática, sem a preocupação exaustiva de lhes conferir um maior rigor quanto ao seu detalhamento crítico mais radical3, um trabalho que muito bem pode ser feito a partir da exposição apressada que se segue. I O modelo de desenvolvimento agrícola convencional e hegemônico entrou, desde o final dos anos 70, em uma fase de esgotamento. O Estado tende a considerá-lo cada vez menos capaz de atender as demandas econômicas, quando o seu foco de atenção é direcionado para a produção em pequena escala ou para a agricultura familiar, e Mestre em Sociologia e Professor do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (DEAER/UFSM). 2 Engenheiro Agrônomo e Professor do DEAER/UFSM. 3 Radical no sentido que lhe dá Marx, ou seja, que vá à raiz dos problemas. 1

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ambientais, vide os enormes prejuízos agroambientais produzidos pela agricultura baseada em monocultivos intensivos4. O diagnóstico acadêmico acresce a estes fatores, com os quais, grosso modo, está em acordo, as conseqüências deletérias provocadas pela “modernização da agricultura” e por suas racionalidades social (organização do trabalho no campo, redefinição do espaço produtivo), política (concentração dos esforços cognitivos em determinados produtos, produtores e regiões de relevância econômica) e cultural (descaso às outras racionalidades que não aquelas legitimadoras do modelo dominante). Diante deste aparente consenso, o uso intensivo de capital, fertilizantes sintéticos, a grande escala de produção baseada no uso de combustíveis fósseis e a utilização de tecnologias de domínio cognitivo alheio aos agricultores que as utilizam  fatores que formam o arcabouço tecnológico e conceitual deste modelo  passam a ser questionados tanto com relação à sua capacidade de garantir a reprodutibilidade econômica e ambiental do processo de produção agrícola, quanto em relação à sua inadequação ao desenvolvimento da agricultura familiar. As políticas públicas direcionadas à pesquisa agrícola e à extensão rural, sustentáculos do modelo, sofrem uma remodelagem discursiva (e, em alguns casos, um redirecionamento institucional) em favor da pequena e “agro-sustentável” escala de produção ao longo dos anos 80, que assistem ao declínio do discurso da “Política de Segurança Alimentar”, até então predominante, cedendo espaço para os discurso da “Qualidade do Ambiente”. Os anos 90 testemunham a consolidação do discurso da “sustentabilidade” aplicado ao desenvolvimento, e de maneira extensiva à agricultura. Ao longo do mesmo período, o ambiente acadêmico agronômico presencia a reforma do currículo mínimo do Curso e o auge do debate sobre a “agricultura alternativa”, que teve o Movimento Estudantil e algumas entidades representativas de classe, como a FAEAB5, na condução das discussões. Embora de amplo alcance, é difícil avaliar a influência destes embates teóricos e destas revisões discursivas sobre os conteúdos curriculares. Influências sobre experiências pontuais podem ser encontradas com certa facilidade em quase todas as Escolas de Agronomia do país, mas, de uma maneira geral, os currículos e seus conteúdos parecem ter passado ilesos pelo redirecionamento discursivo a favor das questões ambientais e da agricultura familiar. Ou seja, a nível de formação profissional, considerando o currículo como um determinado institucional, situamo-nos naquilo que Guimarães (1997) denomina de “paradoxo institucional do desenvolvimento sustentável”. Em suas próprias palavras: “Poderíamos dizer que convivemos ainda com duas realidades contrapostas. Por um lado, todos concordam que o estilo atual está esgotado e é decididamente insustentável, não só sob o ponto de vista econômico e ambiental, mas principalmente no que se refere à justiça social. Por outro lado não se adotam as medidas indispensáveis para transformar as instituições econômicas, sociais e políticas que deram sustento ao estilo vigente. (...) Até o momento, o que vemos são transformações cosméticas tendentes, quando muito a ‘esverdecer’ o estilo atual sem promover, de fato, as mudanças” (p. 28). 4 5

Graziano Neto (1985), Buttel, Kenny e Kloppenburg (1985). Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil.

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II A “eclética” disciplina científica agronomia se encontra, historicamente, muito mais próxima e identificada com a compreensão e a divulgação  através do ensino, da pesquisa e da extensão  das proposições tecnológicas associadas ao modelo de desenvolvimento baseado nos pressupostos que brevemente localizamos acima. Um modelo de desenvolvimento que tem mostrado um claro conteúdo mantenedor de estruturas de dependência (econômica e cognitiva) e subordinação de setores majoritários da sociedade6, em detrimento da compreensão e do estudo da dinâmica dos processos que envolvem o agro em todas as suas matizes sistêmicas, dentre elas a cultural, a social e a econômica, além dos processos biológicos e mecânicos7. Parafraseando Thiollent (1979), se na academia o critério do bom rendimento, dentro da lógica mercadológica, aplica-se à intelectualidade sob a ideologia carreirística  como no esporte predomina a ideologia recordista  na elaboração e condução do ensino agronômico predomina o critério de bom rendimento associado à ideologia produtivista, aparecendo-lhe a tecnologia como o “motor” do processo no qual o homem é visto como mais um dos objetos a serem “readequados” pela intervenção desenvolvimentista, cumprindo o ensino o fundamental papel de condutor teórico e instrumental desta concepção. Este viés do ensino agronômico vem determinando, desde os anos 80, a necessidade de novos enfoques teóricos e de novos instrumentais metodológicos e pedagógicos que venham a contribuir na formação de profissionais mais e melhor capacitados a trabalhar no desenvolvimento da agricultura 8. De todas estas propostas, destacam-se pontos em comum na busca da conformação de um perfil profissional mais condizente com as demandas acadêmicas e sociais. Estas elaborações críticas ao modelo dominante de formação profissional, com os quais nos identificamos, comungam com um ideal de formação profissional que (a) compreende a disciplina científica Agronomia fundada nas Ciências da Natureza e nas Ciências da Sociedade, portanto, para a sua compreensão e evolução não podem ser dicotomizados e deixados à incompreensão o estatuto social das Ciências Naturais nem o estatuto natural das Ciências Sociais9. Assim, os problemas que envolvem o agro não podem ser reduzidos ao problema tecnológico, ou seja, ao “o-que-como-quandotransferir-a-tecnologia-redentora”; (b) parte da compreensão da realidade como algo historicamente construído, dependente das inter-relações de todos os fatores (naturais e sociais) que a compõe. Sabemos que tanto mais nas “Ciências Agrárias” tem solo fértil a visão da sociedade pela lente do quadro funcionalista no qual a organizaGraziano da Silva et al. (1983). É pertinente dizer, de passagem, que o debate sobre o perfil profissional na Agronomia é sempre um dos desafios mais periferizados pelos acadêmicos da área. E isto tem um reflexo bastante indesejável tanto dentro quanto fora dos muros da universidade. Geralmente o senso comum e a grande imprensa tendem a fazer uma leitura bastante parcial sobre a formação profissional agronômica, sempre associando-a à atuação empresarial do agrônomo, voltada à agricultura de larga escala de produção destinada a mercados internacionais. Exemplo desta visão parcial pouco contributiva está em recente artigo sobre escolhas profissionais publicado pela Revista Veja (Sardemberg e Pastore, 1997, p.71). 8 Esta necessidade de uma “nova visão” para a formação profissional tem sido evidenciada por vários autores, dentre eles: Sebillotte (1987), Escosteguy (1988), Froehlich (1995), Almeida (1996), Cavalet (1996), Ferrari (1996), Neumann (1996) e Silva Neto (1996). 9 Morin (1990) 6 7

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ção social para a aquisição de conhecimentos, aptidões e normas de conduta são obtidas a partir de um referencial “onde não há contradições ou conflitos estruturais porque todo edifício se baseia num só postulado: o consenso dos agentes da organização em torno de suas normas de conduta socialmente reconhecidas (...); o consenso, a ordem, o equilíbrio são considerados como pré-requesitos de existência e de sobrevivência de qualquer organismo. Daí deriva, além da intuição biológica, o caráter ideológico e conservador da abordagem funcionalista” (Thiollent, 1979). Filiamo-nos àquelas propostas que se colocam em clara oposição às abordagens reducionistas e às supostas neutralidades epistemológicas que caracterizam os atuais currículos e algumas propostas de reformulação destes. III No ambiente acadêmico agronômico vivemos, pois, sob a égide de uma descabida compartimentalização do saber, tanto no nível mais amplo e abstrato dos grandes ramos científicos do conhecimento, quanto na disciplinarização dos currículos. Um viés que periferiza as Ciências da Sociedade, conferindo-lhes, quando muito, importância secundária na formação profissional. Em nome de um maior pragmatismo de conteúdos, com conseqüente abandono da reflexão teórica e apego às receitas técnicas pré-estabelecidas, assistimos à subordinação do conhecimento global e sistêmico ao conhecimento particularizado, instrumental e tecnológico. O que é, aliás, uma das características determinantes do modelo de desenvolvimento legitimador da “modernização da agricultura”. Este modelo traz em seu bojo uma concepção de ciência que tende a reduzir todo o problema do conhecimento à questão tecnológica, apresentando limitações intrínsecas quando tenta compreender (ou intervir em) realidades que não se adequam à sua lógica tecnicista; à sua lógica economicista. Assim, a racionalidade sócio-produtiva da agricultura familiar, e das outras tantas formas de agricultura, que não baseiam seu processo produtivo a partir dos preceitos da agricultura de grande escala, permanecem incompreendidos. E neste ponto defrontamo-nos com outro sério viés acadêmico dos atuais currículos, que implica em grave prejuízo à área de formação sócio-econômica. Os processos produtivos da “agricultura moderna” baseiam-se nos monocultivos e no uso de tecnologias (mecânicas e biológicas) que estão além do domínio cognitivo dos agricultores envolvidos no processo de produção. Este domínio encontra-se disperso entre os cientistas e os manipuladores de tecnologia, entre os assessores técnicos das industrias e agroindustrias e os administradores do processo de produção, aqueles localizados, não raro, em escritórios centrais de grandes companhias agropecuárias. Ou seja, o processo de produção dos monocultivos faz uso de tecnologias e metodologias de trabalho que se apresentam como dadas e consensuais. Não há conflitos a serem resolvidos. No limite, apenas peças de uma engrenagem maior a serem repostas ou consertadas, possibilitando o pleno funcionamento do sistema. Quando comparamos a realidade do sistema de produção dos monocultivos com sistemas de produção outros, mais diversificados, constatamos que os primeiros são bem mais simples em

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todas as suas inter-relações agroecológicas, além de serem ambientalmente muito mais instáveis10, dependendo do uso de elevados índices de insumos industrializados. Sabemos, pois, que, grosso modo, a agricultura familiar organiza seu processo produtivo a partir da diversificação de atividades e produtos. Academicamente falando isto implica em uma complexificação teórica deste mesmo processo e do trabalho de compreensão das inter-relações que se estabelecem entre os mais variados fatores. Do monocultivo à agricultura deversificada aumentam consideravelmente as variáveis envolvidas, as inter-relações estabelecidas e as possibilidades teóricas e práticas de intervenção para a melhoria do processo de produção. Criando um também mais elevado grau de exigência quanto as metodologias de diagnósticos que tentem ler a realidade do agro. A esta reconhecida complexificação em todos os níveis da prática da agricultura os currículos agronômicos deveriam estar preparados a corresponder, objetivando uma melhor compreensão e capacitação de seus formandos, a fim de que dêem respostas mais satisfatórias às demandas que hoje nos colocam os diversos setores sociais. Principalmente aqueles que há décadas foram marginalizados pelas políticas públicas e pela opção política da formação agronômica pelo quadro científico da “agricultura moderna”. A realidade nos mostra que tal capacidade de formação profissional ainda hoje permanece como um ideal, muito embora cresça significativamente o interesse acadêmico pela compreensão da complexidade que envolve a prática da agricultura e a teorização sobre o desenvolvimento rural. Porém, gradativa e lentamente, os agrônomos começam a perder medo da complexidade que se lhes impõe e, à medida que os ventos neoliberais afastam o subsídio estatal (financeiro e assistencial) ao agro, crescem também cocomitantemente as preocupações a cerca de outros modos de “que-fazer” agronômico; estes, no entanto, mais próximos das compreensões sistêmicas, das respostas tecnológicas apropriadas à diversidade, à localidade e ao “saberfazer” dos agricultores e, não menos importante, de um maior entendimento sobre a redefinição contínua do “lugar” rural e das novas faces da agricultura. IV O até aqui exposto indica a necessidade de uma mudança que vá além de meros reajustes pontuais ou “cosméticos”. Os dois ideários que balizam nossas colocações  o da “sustentabilidade” e o da “complexidade”  carregam em si tantos questionamentos quanto imprecisões sobre aquilo que “realmente” significam e representam. Fato este que pode ser tido como enormemente positivo. Podemos estar começando a romper com a dependência a modelos prontos, receitas acabadas, manuais absolutos. O ideário da mudança, assim como a própria mudança, está em construção por todos aqueles que se dispõem a enfrentá-lo. Neste caso, é possível identificarmos avanços e alguns retrocessos ou estagnações, em campos sócio-políticos bastante diferenciados. Por um lado os adeptos da lógica tecnicista, e seus conceitos/leis e préconceitos/normas de conduta muito bem arraigados, avançam quando tendem cada 10

Castro, Rodrigues e Ferreira (1988).

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vez mais a perceber a insuficiência de sua leitura compreensiva da realidade, que se reflete no esgotamento de suas propostas de desenvolvimento para o agro. O retrocesso, ou estagnação, fica por conta da ainda inabalável crença na solução tecnológica como redentora de todos os problemas. As idéias expostas por Lacki (1997) são bastante ilustrativas desta portura. O autor é um conhecido representante da FAO na Amérina Latina e, em seu artigo/proposta para a reformulação da formação profissional da Ciências Agrárias, de ampla circulação entre as Escolas de Agronomia, faz-se uma bem elaborada defesa do “essencial problema da agricultura”, qual seja, o manejo tecnológico do processo produtivo, gerencial e organizativo. Manejo este que, ainda de acordo com o citado autor, deve permanecer “imune” de ideologias e politizações, o que o afilia à tradicional concepção de neutralidade da tecnologia e da ciência, em última instância11. Portanto, embora haja, nesta ótica, uma formulação de propostas que se revestem de todo um apelo pela integração dos conhecimentos , compreensão da realidade e outros bons ideais, há também, barreiras que impedem mudanças mais conseqüentes na formação profissional, pois está visão não consegue superar efetivamente o enquadramento do “modelo moderno”, mesmo que revisitado/reformulado ante a revisão do papel do Estado. Agora, nesta nova conjuntura, é necessário o profissional que tire leite das pedras, trabalhando com recursos escassos, e mesmo assim tem que ser apto a fazer com que este produtor “produza mais com menos”. Por outro lado, o acúmulo de experiências dos assim-chamados “alternativos”, baseados nas cada vez mais presentes organizações não-governamentais, traz importantes contribuições para o repensar do processo de formação profissional. Estes atores trazem consigo um valioso acervo de experiências e conhecimentos sobre intervenções no agro. Nestas experiências, as áreas agroecológica e organizacional do processo produtivo mostram significativos avanços teóricos e metodológicos que, de uma maneira geral, corroboram com muitos dos argumentos aqui expostos e que têm um papel positivo nas mudanças propostas. É bem verdade que resta ainda à “alternatividade” o enfrentamento empírico e teórico do discurso da tecnologia “apropriada”, da tecnologia “intermediária”. Na proposta alternativa, sem entramos em detalhamentos, o “fazer-tecnológico” parece reproduzir os mesmos viéses da proposta convencional, tanto mais quando a proposta alternativa passa a mediar com o mercado e com sua racionalidade produtivista. O que representa um indicativo de que há uma lacuna de conhecimentos, uma “caixa-preta” que parece limitar um “fazertecnológico” gerador de autonomia. V Torna-se, neste caso, bastante apropriada a leitura de Japiassú (1975) sobre a impossibilidade do conhecimento “compartimentalizado” e da neutralidade epistemológica. Corroborando com estes argumentos e ideais Morin (1993) condena o muro separador entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais, pois “el observador que observa, el espíritu que piensa y concibe, son indisociables de una cultura y por tanto, de una hic et nunc. (...) Todo esto es evidente. Pero es una evidencia que permanece aislada, rodeada de un cordón sanitário. (...) Topamos con la omnipotencia de un principio de disyunción: condena a las ciencias humanas a la inconsistencia extra-física y condena a las ciencias naturales a la inconsistencia de su realidad social” (p. 23-24). 11

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O acervo de experiências em “agricultura convencional” permanece ainda disperso e pouco sistematizado pela academia. Poderíamos até afirmar que há, grosso modo, uma falta de preocupação elaborativa por parte até mesmo daqueles que estão diretamente envolvidos com estas experiências. Os estudos sobre os possíveis ganhos teóricos para o conhecimento do “fazer agronômico”, advindos destas práticas, ainda representa um campo de pesquisas a ser melhor evidenciado. Nestas experiências reside, dúvidas não há, uma enorme contribuição à reconsideração dos meios e dos objetivos da formação profissional. A maioria dos documentos produzidos pelas organizações não-governamentais que trabalham com o desenvolvimento agrícola afirmam a inadequação da atual educação formal agronômica para o enfrentamento das realidades rurais. Apesar da falta de uma maior sistematização teórica, podemos constatar uma crescente demanda, embora geral e pouco articulada, por mudanças transformadoras na formação profissional. A desarticulação das propostas redefinidoras acaba por legitimar o modelo tradicional de ensino e de formação acadêmica, legitimando também aquelas práticas pedagógicas que se associam a este modelo. De uma forma ou de outra, os estudantes, já há algum tempo, começam a se dar conta da insuficiência dos conhecimentos que lhes são repassados  na maioria dos casos acriticamente  em sala de aula, buscando cada vez mais experiências vivenciais na agricultura ou nos ramos de conhecimento práticos a ela associados. Assim, é crescente o interesse por estágios, viagens de estudo, vivências etc. que possibilitem um conhecimento mais capacitador. O Movimento Estudantil tenta recoloca-se novamente no debate sobre a formação, através dos estágios de vivência (que já vêm sendo realizados a quase uma década, muito embora haja pouca produção teórica sobre eles) tenta-se uma alternativa pedagógica das mais valiosas, quando bem concebidas e conduzidas, ao “aulismo” e “teorismo” reinantes nas salas de aula da Agronomia. Quanto aos professores, quase sempre nos encontramos rendidos (e imobilizados) pelo viés tecnológico ao qual já nos referimos. As amarras de uma formação intelectual calcada no positivismo epistemológico, coloca hoje a maioria dos acadêmicos a espera de uma “nova” proposta redentora, de uma “nova” ideologia de intervenção. Novamente, a maioria está a espera de uma proposta que venha de um ente “superior” e diga claramente o perfil do profissional a ser formado doravante12. Para fugirmos deste imobilismo teórico e aprofundamos uma proposta de mudança, teremos que cada vez mais nos capicitarmos a cerca dos ideários da “sustentabilidade” e da “complexidade”. Como já explicitamos ao longo do texto, estes ideários trazem consigo vários novos paradigmas científicos e contribuições de diversos campos do conhecimento que ainda estão em construção, e que na área do conhecimento agronômico carecem de estudos mais radicais que lhes confira pertinência e importância quanto à sua contribuição à evolução da disciplina científica Agronomia. Uma elaboração teórica que necessita ser feita por cada vez mais acadêmicos, que busOs meios acadêmicos tendem a aceitar que tal proposta possa ser esta que já há algum tempo circula entre as Escolas de Agronomia, sendo articulada pela FAO (Lacki, 1997). Como vimos esta proposta representa muito mais uma revisão discursiva, adequando a formação profissional agronômica às correntes neoliberais, do que uma reconsideração do perfil profissional a partir dos novos e importantes referenciais teóricos que hoje se apresentam à realidade. Com relação este tipo de proposta, no caso da extensão rural, é elucidador o trabalho de Diesel (1994). 12

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quem metodologicamente trabalhar com a multidisciplinaridade, com a interdisciplinaridade, compreendendo cada vez mais os limites da especialização “cega”, do abandono do enfoque global e sistêmico. O trabalho que há de ser feito aponta para a busca de uma sistematização de referenciais teóricos e de experiências práticas, que já vêm sendo conduzidas nas mais diversas regiões do país, que fornecem subsídios para a formulação de uma efetiva proposta transformadora.

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