FORMAÇÃO CONTINUADA NO ENSINO FUNDAMENTAL: IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES DE RENDIMENTO ESCOLAR

August 4, 2017 | Autor: Marilia Marques Mira | Categoria: Formação docente continuada, Avaliação De Rendimento Escolar
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FORMAÇÃO CONTINUADA NO ENSINO FUNDAMENTAL: IMPLICAÇÕES DAS AVALIAÇÕES DE RENDIMENTO ESCOLAR

RESUMO Este estudo focaliza a relação entre os projetos de formação continuada elaborados pelas equipes pedagógicas das escolas de uma rede municipal de ensino e os processos de avaliação de rendimento escolar em larga escala. A partir da identificação das principais temáticas escolhidas pelas equipes de 176 escolas para seus projetos de formação continuada em 2012 e 2013, analisa as justificativas dos mesmos, buscando identificar se os processos de avaliação de rendimento escolar influenciaram nessa escolha. Fundamenta-se nos estudos sobre formação continuada de professores de autores como Pacheco (2013), Candau (2013), Oliveira (2011), Gatti e Barreto (2009), Barreto (2001). Os resultados parciais dessa análise indicam que as temáticas predominantes nos projetos referem-se aos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, sendo que a justificativa da maioria das escolas que fez essa opção aponta para a busca de melhores resultados nas avaliações externas. Isso se relaciona, intrinsecamente, ao processo de internacionalização das políticas educativas e seus impactos na gestão dos sistemas, nas reformas curriculares e nos processos de formação dos profissionais da educação. Evidencia-se, com isso, uma concepção regulatória de avaliação, que tem influenciando os processos de formação docente e levado cada vez mais ao controle e à pressão sobre o trabalho dos professores. Da mesma forma, explicita-se a necessidade de, a partir dos espaços de contradição possíveis, no interior das escolas e nas redes de ensino, discutir a importância da avaliação numa perspectiva emancipadora, contribuindo para que a formação docente seja concebida como desenvolvimento profissional, tendo o professor e a escola como protagonistas do processo. Palavras-chave: Formação continuada. Ensino fundamental. Avaliação de rendimento escolar. INTRODUÇÃO

De acordo com Gatti e Barreto (2009), a formação continuada tem sido objeto de atenção de pesquisadores, educadores e associações profissionais. É significativo o número de profissionais do magistério que participa de atividades com esse objetivo. As autoras apontam as secretarias municipais de educação como uma das principais instituições provedoras desse tipo de formação, com destaque para os cursos presenciais. Na rede de ensino pesquisada, um dos eventos de formação continuada que acontece anualmente é a Semana de Estudos Pedagógicos (SEP). Esse evento realiza-se em dois momentos: um organizado pela própria secretaria, envolvendo palestras a todos os profissionais e outro, organizado pelas equipes de cada escola, a partir de orientações

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emanadas da Secretaria Municipal da Educação (SME), em que cada coletivo escolar, com base no diagnóstico de suas necessidades, deve indicar a(s) temática(s) a ser(em) trabalhada(s). A carga horária total é de 20 horas. Nesse estudo, tomou-se como objeto os projetos de formação elaborados pelas equipes escolares, nos anos de 2012 e 2013. Considerou-se como questões norteadoras: Quais os principais temas escolhidos para o desenvolvimento dos projetos de formação continuada? Há relação entre as escolhas das escolas e os processos de avaliação de rendimento escolar realizados pela rede de ensino e/ou pelo governo federal? Para responder a essas questões, foram definidos como objetivos: a) identificar as temáticas predominantes nos projetos de formação continuada elaborados pelas escolas; b) analisar as justificativas das escolas para a definição das temáticas, identificando se estão relacionadas aos resultados de avaliação de rendimento escolar. Tais questões foram definidas, considerando-se que, em nosso país, tem sido frequente o debate sobre os usos dos resultados das avaliações e suas influências nos sistemas educacionais. A partir da realização da Prova Brasil (2005), do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (2007) e a divulgação de seus resultados por escola e município, tem sido recorrente, pelos gestores dos sistemas de ensino, a busca de justificativas para os resultados negativos, assim como a definição de estratégias para atingir as metas propostas, a cada avaliação realizada. Para realizar esse estudo, foram consultados os projetos de formação elaborados por 176 escolas de uma rede municipal de ensino e alguns documentos orientadores da formação nessa rede.

FORMAÇÃO CONTINUADA: DAS EVIDÊNCIAS ÀS POSSIBILIDADES

A formação continuada é compreendida, a partir da instituição da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, como componente essencial da profissionalização docente, devendo estar articulada à carreira do magistério e integrada ao cotidiano da escola. Nessa concepção, busca-se superar o entendimento de formação continuada a partir de um modelo de capacitação ou compensatório, compreendendo-a como parte do processo de desenvolvimento profissional (GATTI e BARRETO, 2009).

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Porém, em relatório recente sobre a formação continuada no país (DAVIS et al, 2011, p. 42), apontam-se as dificuldades dessa efetivação, considerando-se que [...] sem uma boa formação inicial, ainda, a Formação Continuada vê-se obrigada a suprir as carências e lacunas com as quais os docentes apresentam-se nas escolas. Nesse sentido, os problemas da primeira impedem que a segunda tenha um olhar prospectivo, que se volte para o desenvolvimento profissional, para a inovação [...].

Outra dificuldade relacionada à efetivação de uma concepção de formação continuada voltada ao desenvolvimento profissional, centrado nas necessidades dos professores e das escolas, relaciona-se ao papel que as avaliações de rendimento escolar (ou de larga escala) vêm assumindo, num contexto de internacionalização das políticas educativas. Nesse contexto, Candau (2013, p. 13) fundamentada no conceito de performatividade de Ball, explica que a formação docente é pensada a partir de uma cultura de performatividade que se revela por meio do controle (regulação) de resultados

e

desempenhos,

cuja

lógica

penetra

nas

instituições

educativas

mercantilizando e instrumentalizando os processos de formação inicial e continuada. Nessa perspectiva, continua a autora, a principal preocupação é formar docentes que garantam as metas previstas relativas ao desempenho dos estudantes, avaliados por meio de provas padronizadas. Essa lógica impacta, inclusive, a própria subjetividade dos professores, muitas vezes responsabilizados exclusivamente pelos resultados obtidos. Sobre esse aspecto Oliveira (2011) denuncia que políticas de regulação do trabalho docente vinculam, ainda, o resultado da avaliação à remuneração dos professores. Considerando-se essas questões, buscou-se identificar, nos projetos das escolas, se havia relação entre as escolhas dos temas e os resultados das avaliações externas. Destaca-se que, conforme orientações da SME, as escolas podem escolher o(s) tema(s) de formação, relacionados ao trabalho didático-pedagógico, a partir de um diagnóstico de suas necessidades. A identificação dos temas nos projetos de formação de 2012 mostrou que os mais escolhidos foram relacionados a três componentes curriculares: História (24%), Língua Portuguesa (20%) e Matemática (13%). Em 2011 e 2012, a avaliação de rendimento escolar da rede de ensino, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, abrangeu cinco componentes curriculares: Língua Portuguesa, Matemática, História,

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Geografia e Ciências. Os resultados de desempenho dos estudantes em História, nesse período, foram baixos, o que pode explicar a procura pela formação nessa área, ao lado de Língua Portuguesa e Matemática, que já vêm sendo avaliadas tanto pela rede de ensino quanto pelo Ministério da Educação (MEC/Provinha Brasil e Prova Brasil). Em 2013, permanece a ênfase em Língua Portuguesa e Matemática, que juntas obtiveram 32% das escolhas. Diminui significativamente a escolha por História. Novamente, esses dados parecem indicar relação com o processo de avaliação de rendimento escolar, pois nesse ano não houve a avaliação da rede de ensino, ocorrendo apenas a avaliação externa pelo MEC, em Língua Portuguesa e Matemática. As justificativas apontadas nos projetos explicitam essa evidência: Tomando por base o resultado obtido por nossos alunos nas avaliações da SME, Provinha Brasil e Prova Brasil, percebemos a necessidade de retomar conteúdos de Língua Portuguesa nos quais apresentaram maiores dificuldades. Faz-se necessário investir na capacitação de nossos professores, propondo estratégias eficazes de trabalho, proporcionando uma melhoria na proposta oferecida aos alunos. (Escola A) Nossa escola encontra-se no Nível 4 (200-225) da escala de Desempenho de Matemática (SAEB) necessitando redimensionar o trabalho criando novas estratégias. (Escola B).

Considerando-se esses dados iniciais, pode-se inferir que, apesar da autonomia relativa que as escolas têm para a escolha dos temas de formação, os resultados das avaliações são justificativas para planejar a formação docente na perspectiva apontada por Pacheco (2013), ao questionar em que medida as equipes escolares compreendem suas escolhas dentro de um contexto maior, que implica a própria responsabilização pelos resultados das avaliações e pela aquisição de competências ligadas exclusivamente ao saber-fazer profissional, descolado de outros componentes necessários ao conhecimento docente. Neste sentido, somos desafiados a investigar, de forma ampla e situada historicamente, como o processo de formação continuada tem sido concebido nessa rede de ensino e sua relação com os processos de avaliação de rendimento escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados iniciais deste estudo apontaram que há relação entre os resultados das avaliações externas e as escolhas de temas para formação continuada de uma parcela

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significativa das escolas pesquisadas. Nesse sentido, indicam uma concepção regulatória de avaliação e de controle sobre o trabalho dos professores e das escolas. Ainda, é importante considerar, em relação aos processos de formação continuada, uma das principais queixas apontadas por Gatti e Barreto (2009, p. 221) que se referem à ausência de decisões coletivas no interior da escola na definição desses processos. Assim, cabe questionar: como as escolas têm se organizado para as discussões coletivas? Como, de fato, é definido o projeto de formação dos professores? Para buscar ampliar os avanços possíveis nesse processo, a partir dos espaços de contradição, uma possibilidade poderia ser o aprofundamento de estudos e debates no interior das escolas e nas redes de ensino, que evidenciem a importância da avaliação numa perspectiva emancipadora (BARRETO, 2001), em que a formação docente seja concebida como desenvolvimento profissional, tendo o professor e a escola como protagonistas, sujeitos desse processo.

REFERÊNCIAS BARRETO, E. S. S. A avaliação na educação básica entre dois modelos. In: Educação & Sociedade, ano XXII, n. 75, ago. 2001. p. 48-66. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v22n75/22n75a05.pdf. Acesso em 15. mar. 2014. CANDAU, V. M. Currículo, didática e formação de professores: uma teia de ideiasforça e perspectivas de futuro. In: OLIVEIRA, M. R. N. S.; PACHECO, J. A.(orgs.) Currículo, didática e formação de professores. 1ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 2013. p. 7-20. DAVIS, C.; NUNES, M.; ALMEIDA, P. Formação continuada de professores: uma análise das modalidades e das práticas em estados e municípios brasileiros. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2011. (Relatório de pesquisa). Disponível em: http://www.fvc.org.br/pdf/relatorio-formacao-continuada.pdf. Acesso em 12. mar. 2014. GATTI, B.A.; BARRETO, E. S. S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. OLIVEIRA, D. A. A nova regulação de forças no interior da escola: carreira, formação, e avaliação docente. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Porto Alegre, v. 27, n. 1, p. 25-38, jan./abr.2011. PACHECO, J. A. Políticas de formação de educadores e professores em Portugal. In: OLIVEIRA, M. R. N. S.; PACHECO, J. A.(orgs.) Currículo, didática e formação de professores. 1ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 2013.p. 45-68.

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