Formação de trabalhadores e o modelo de gestão das empresas estratégicas: uma empresa júnior como objeto de análise

June 19, 2017 | Autor: E. Moura da Costa | Categoria: Psicología Social, Psicologia Organizacional E Do Trabalho
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FORMAÇÃO DE TRABALHADORES E O MODELO DE GESTÃO DAS EMPRESAS ESTRATÉGICAS: UMA EMPRESA JÚNIOR COMO OBJETO DE ANÁLISE Eduardo Moura da Costa 1 Francisco Hashimoto 2 Resumo O objetivo geral da pesquisa é investigar como tem ocorrido a formação dos universitários brasileiros frente às modificações que o mercado de trabalho vem sofrendo nas últimas décadas. Contudo, nosso foco não é o tradicional paradigma político-pedagógico instituído nas universidades, mas sim, uma nova tecnologia que chegou ao país no final dos anos 80, denominada Empresa júnior. Esta tecnologia é proposta como um complemento à formação dos universitários na medida em que lhes é possibilitada a prestação de consultorias, a vivência da dinâmica empresarial e o contato direto com o mercado. Atualmente, estima-se que existam mais de 20 mil estudantes fazendo parte das mais de 600 empresas juniores espalhadas pelo país, fato que coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking dos países que mais possuem essa tecnologia educativa. Especificamente, objetivase investigar como as características das empresas estratégicas, juntamente com suas contradições, são incorporadas pelas empresas juniores, e assim procurar entender como os indivíduos são formados. Para tanto, utilizarse-á a experiência de uma Empresa Júnior como objeto de análise. Os dados serão interpretados a luz da psicossociologia ou sociologia clínica, a qual se trata de uma teoria baseada na sociologia e na psicanálise que estuda a dinâmica das organizações e seus efeitos subjetivos. Investigaremos o perfil do empresário júnior, as estratégias de gestão, a ideologia das empresas juniores e as relações grupais na empresa. A metodologia de pesquisa é de ordem qualitativa, assim sendo, os dados serão coletados a partir de observações, estudo dos documentos e entrevistas com seus participantes. A pesquisa encontra-se na fase inicial de coleta de dados, mas lança-se a hipótese de que os participantes estejam adotando modelos de gestão e formação característico das organizações flexíveis, perpassadas pelos perversos padrões de gestão das empresas estratégicas, que podem ter consequências importantes para a produção da subjetividade dos futuros trabalhadores. Palavras-chave: formação de trabalhadores; gestão estratégica; empresa júnior.

Introdução Todos os setores da economia nacional vêm se modernizando constantemente nos últimos 20 anos. As principais mudanças são à entrada de novas tecnologias, tanto aquelas 1

Discente do curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis). Endereço para contato: Rua Platina, 1275, Bairro: Vila Ebenezer, CEP:19807-190. Telefone: (18) 97031306.E-mail: [email protected]. 2 Docente do curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis). Endereço para contato: Av. Dom Antonio, 2100, Bairro: Parque Universitário, CEP: 19.806-900. Telefone: (18) 3302-5800. E-mail: [email protected]

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relacionadas aos aparatos da microeletrônica, da informática e de telecomunicações, quanto de novas técnicas no campo administrativo e de gestão dos recursos humanos. Presenciamos com isso, uma demanda cada vez maior por mão de obra qualificada para atender a implantação dessas tecnologias em todos os níveis da economia, seja na indústria, no setor de serviços e ou até mesmo na agricultura ou nas indústrias de base. Aquele que hoje pretende se inserir neste mercado que se pauta nas novas tecnologias, necessita desenvolver múltiplas competências, além das básicas de cada área do conhecimento. Diante das complexas exigências feitas por esse novo cenário, pode-se presumir que as universidades não possuem condições de formarem os indivíduos abarcando todas as competências requeridas. Além disso, entra em discussão o papel das universidades, pois a formação para o mercado não é seu foco nem seu único propósito. Ela também possui a missão de produzir conhecimento, pelo menos às universidades públicas e parte das privadas, e atuar na extensão universitária, desenvolvendo projetos sociais voltados à comunidade. Inserido nesse contexto, encontra-se a proposta da presente pesquisa de iniciação cientifica, a qual tem como objetivo analisar a formação dos empresários juniores, tendo com base as práticas das organizações estratégicas. Por outro ângulo, pretende-se verificar se a empresa júnior, que será objeto de análise, utiliza-se dos conceitos das organizações estratégicas, bem como verificar se estão presentes os conflitos dessa estrutura organizacional. Serão investigados, dentre outros aspectos, as histórias de vida, as relações estabelecidas com a empresa, as formas de organização das tarefas, a gestão, as gratificações simbólicas, os significados atribuídos as empresa, os conflitos, dentre outros aspectos.

Objetivos

De forma específica, buscar-se-á elencar os dispositivos que atravessam as subjetividades dos “executivos” que estão de acordo com os modelos contemporâneos de gestão empresarial. Dessa forma, serão investigadas as configurações das políticas de recursos humanos, as mediações que os empresários juniores estabelecem com as práticas de gestão da empresa, as práticas de controle, as hierarquias, as questões ideológicas, os

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aspectos psicológicos, as formas de execução dos projetos, a filosofia do movimento de empresários juniores, dentre outros aspectos que serão levantados durante a pesquisa. No discurso sobre a formação dos universitários que fazem parte das empresas juniores, comunica-se que elas têm a capacidade de desenvolver competências que farão parte dos impasses cotidianos daqueles que irão trabalhar nas organizações hipermodernas, que estão exigindo cada vez mais competências que extrapolam aquelas de ordem teórica e técnica. Algumas competências que elas dizem desenvolver são: empreendedorismo, o espírito de competição, o trabalho em equipe, flexibilidade, iniciativa, liderança, capacidade estratégica, inovação, dentre outros. Assim sendo, parece-nos que esses estudantes são formados pelas empresas juniores para atuarem no nível gerencial das organizações. Entendemos que o estudo justifica-se primeiramente pela escassez de investigações que versem sobre empresa júnior. Outro aspecto relevante da pesquisa é a acelerada propagação que esta tecnologia vem sofrendo nos últimos dez anos, no Brasil. As questões envolvendo a formação para o trabalho no atual momento do sistema capitalista de produção também é de extrema relevância, tendo em vista que muito das práticas que serão desenvolvidas, seja ela alienada ou não, está estreitamente relacionada com os aspectos que fizeram parte da formação dos trabalhadores.

Objeto de pesquisa

Ao se levar em conta alguns pontos importantes do atual momento do capitalismo, tais como, a reestruturação produtiva, as terceirizações, o enxugamento dos quadros de funcionários, o deslocamento do trabalho coletivo para o individual, o trabalho part-time; pode-se compreender o terreno fértil que propiciou o surgimento e a expansão de um modelo de formação e prestação de consultorias denominado Empresa Júnior. Esta tecnologia formativa surgiu primeiramente na ESSEC (L'Ecole Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales de Paris) em 1967, na França. Logo após o surgimento da empresa pioneira, a Júnior-Entreprise, já existiam por volta de 20 dessas associações espalhadas pela França. Neste período também foi criado a Confederação Francesa de Empresas Juniores (CNJE). Posteriormente, ocorreu a difusão para outros países do continente europeu e fora dele. Em um primeiro momento, o conceito surgiu entre as escolas de engenharia e administração e em seguida se difundiu para outros cursos como:

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administração, economia, agronomia, veterinária e vários outros que foram capazes de se adequarem ao modelo de prestação de consultorias. Foi em 1987, por intermédio da Câmara de Comércio Fraco Brasileira, na figura de João Carlos Chaves, que estas ideias chegaram ao Brasil. As universidades pioneiras que adotaram esse modelo foram a Universidade de São Paulo, através da Escola Politécnica, a Fundação Getúlio Vargas e a Universidade Federal da Bahia. Atualmente o Brasil é o país que mais possui Empresas Juniores, totalizando por volta de 600 empresas com um contingente de 20 mil universitários participantes. Podemos supor que esse número alto de empresas juniores se deu devido ao incentivo que as universidades brasileiras tem dado para esse conceito, principalmente após 2003, ano em que o MEC (Ministério da Educação e Cultura) passou atribuir pontos àquelas instituições superiores de educação que possuem empresas juniores em seus campi. São Paulo é o estado onde mais se encontram empresas juniores, contando com 34 federadas, porém existem mais de 200 não federadas nas várias universidades do estado, grande parte nas públicas, tais como, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade Federal de São Paulo. Em linhas gerais, segundo a Confederação das empresas juniores do Brasil (BRASIL JÚNIOR, 2011) entende-se por Empresa Júnior como sendo uma associação civil, sem fins lucrativos, composta e gerida por estudantes de graduação de entidades de ensino superior, que realiza serviços em forma de consultorias e desenvolve projetos para empresas, entidades e sociedade em geral, nas suas áreas de atuação, sob a orientação e professores e profissionais especializados. Ainda segunda a Confederação, os objetivos da associação é promover a aplicação prática adquirida nos cursos, favorecer o relacionamento entre escola e empresa e contribuir com a sociedade com a prestação de serviços para empresas de micro, pequeno e médio porte, especialmente. Existe uma diversidade enorme de configurações de empresas juniores que divergem em função da área de atuação, do modelo de gestão, da região em que atuam, dos serviços prestados, das condições econômicas, dentre outros fatores. De maneira geral, elas são divididas em departamentos ou diretorias de modo a organizar as tarefas e a gerir os projetos. Contam com uma média de 30 alunos participantes que podem ser de apenas uma área ou agregar várias áreas comuns. Possuem desde os departamentos clássicos de administração, financeiro, recursos humanos, até aqueles mais específicos, tais como de

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eventos e de qualidade. Os processos de entrada dos alunos na empresa juniores podem ser por indicação, via processo seletivo ou por estágios de trainee, que ocorre aos moldes das empresas que disputam o mercado, onde o aluno fica determinado tempo em experiência para posteriormente ser efetivado no cargo ou não.

Metodologia

Tratando-se de um estudo de caso e tomou-se como objeto uma empresa júnior da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), localizada no interior do estado de São Paulo, que presta consultorias em recursos humanos. Tal empresa foi fundada no início do movimento de empresas juniores e possui por volta de 30 participantes. Justifica-se a escolha de tal empresa devido ao tempo de existência e sua relevância frente à Federação das Empresas Juniores do Estado de São Paulo (FEJESP). Optou-se pelo estudo de caráter qualitativo dos fenômenos, o qual segundo Minayo (2009), não se opõe a objetividade pelo simples fato de se encontrar no campo das ciências humanas e sociais. Ainda de acordo com a autora, tal método de abordagem dos fatos diz respeito às “expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nas representações sociais, nas expressões da subjetividade, nos símbolos e significados” (MINAYO, 2009, p.14). Justifica-se a opção por tal abordagem devido à complexidade dos fenômenos a serem estudados. Entendemos que esse objeto, as empresas juniores, estão atravessadas pelos determinantes históricos, econômicos, sociais, políticos e ideológicos, que interagem dialeticamente com a subjetividade dos sujeitos que serão investigados. Em relação à revisão da literatura referente às empresas juniores optou-se pela utilização do banco de teses e dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para pesquisarmos sobre as produções nessa área do conhecimento. Não limitamos o período nem o tipo de estudo, tese e dissertação, pois as investigações na área são escassas. Ao fazermos uma busca pela palavra chave “Empresa Júnior” encontrou-se como resultados 55 teses e dissertações (Anexo D). Contudo, ao fazermos uma primeira seleção, constatamos que grande parte dos estudos encontrados não versava sobre empresas juniores. Desses 55 resultados encontrados, apenas 10 estavam diretamente relacionados à temática da pesquisa. Destas 10, apenas 3 delas pertencem a teses de doutoramento e as 7 restantes são dissertações de mestrado. Escolhemos 2 dessas

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10 encontradas para fazermos uma análise detalhada. A justificativa para a escolha dessas 2 se deu devido ao enfoque dado às pesquisas, bem como pela área a qual elas pertencem, já que as restantes não tratam especificamente da formação dos empresários juniores. Os sujeitos da pesquisa serão os ocupantes dos cargos de diretoria e os demais participantes dos departamentos: presidência, administrativo, financeiro, comunicação e marketing, projetos, gestão de pessoas e pesquisa e desenvolvimento. Eles estão cursando psicologia (2º ao 5º ano) e possuem idades que variam de 18 a 25 anos. Metodologicamente a pesquisa será dividida em três etapas: Exploratória, trabalho de campo e coleta de dados. A primeira técnica de coleta de dados a ser utilizada é a entrevista individual. Serão investigados dentre outros aspectos as histórias de vida, as relações estabelecidas com a empresa, as formas de organização das tarefas, a gestão, as gratificações simbólicas e os conflitos. A segunda técnica de coleta de dados é a observação participante e a última trata-se da análise dos documentos cedidos A terceira e última etapa da investigação consistirá na análise e tratamento do material empírico, documental e do referencial teórico. Esta etapa pode ser subdividida em três períodos: a) ordenação dos dados; b) classificação dos dados; c) análise propriamente dita. Os dados serão interpretados a luz da sociologia e da psicanálise, por meio da produção de teóricos franceses e brasileiros que utilizam essas duas teorias para investigarem a dinâmica das organizações e seus efeitos subjetivos. Dentre os principais autores poderíamos elencar Eugène Enriquez (2000), Max Pagès (1987), Vicent de Gaulejac (2007), Maria Elizabeth Antunes Lima (1995), dentre outros.

Resultados A pesquisa ainda está em execução e apresentaremos os resultados referentes ao primeiro momento, que é o levantamento bibliográfico concernente às empresas juniores, bem como a literatura referente ao mundo do trabalho e as organizações estratégicas, que serão analisados a luz da Psicossociologia do Trabalho. De forma sintética, de acordo com Pàges et al.(1987), as empresas hipermodernas que possuem um modelo gestivo estratégico têm como características principais: 1) esfera globalizante de sua atuação caracterizada pelas multinacionais; 2) intelectualização das tarefas; 3) o aumento do papel da ciência para o incremento das técnicas de produção; 4) maior divisão técnica do trabalho; 5) mudanças e renovações constantes; 6) introdução de novas formas de mediação, bem como a potencialização das já existentes. As principais

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mediações são de ordem econômica, hierárquica, ideológica e psicológica. Em razão da importância das modificações empreendidas pelas empresas estratégicas no que diz respeito aos mecanismos de medicação, elas serão discutidas detalhadamente logo abaixo. As organizações estratégias modificaram substancialmente as políticas de recursos humanos para que houvesse uma relação satisfatória entre os objetivos e metas das organizações e as ações individuais e grupais dos trabalhadores. Por outro ângulo, as políticas de recursos humanos são as técnicas gestivas que tem como objetivo racionalizar e potencializar o trabalho desenvolvido na organização, a fim de alcançar sua meta básica, que é a produção de algum produto ou serviço com a melhor eficácia e lucratividade possíveis. Para Gaulejac (2007, p.39), O gerenciamento é a garantia da organização concreta da produção, ou seja, da conciliação dos diferentes elementos necessários para fazer a empresa viver. Sua função consiste em produzir um sistema que liga e combina elementos tão disparatados quanto o capital, o trabalho, as matérias-primas, a tecnologia, as regras, as normas, os procedimentos.

Os novos rearranjos nas políticas de recursos humanos oriundos das organizações pós-fordistas, possuíram e possuem como objetivo máximo propiciar com que os trabalhadores voluntariamente incorporem aos discursos e as práticas das organizações, isto de acordo com o referencial adotado. Os trabalhadores do modelo de gestão estratégica, segundo Enriquez (1997), estão cada vez mais presos à estrutura estratégica. Este fato é curioso tendo em vista que nunca na história da humanidade o homem teve seu estatuto de liberdade tão afirmado. Como resultado das exigências feitas pelas novas políticas e as contradições surgidas delas levam os ambientes de trabalho a níveis altíssimos de pressão e estresse, podendo desencadear patologias oriundas do trabalho, assédio moral e até violência interpessoal e simbólica. Todos esses fatores são respostas ao aumento das tecnologias, que ao invés de libertar o homem do trabalho, fez com que ele produzisse cada vez mais. As tecnologias libertaram o homem do estresse físico, mas elevaram os níveis do estresse e da pressão psicológica. Este contexto é interpretado por Gaulejac (2007) como sendo constitutivo de uma sociedade de indivíduos sob pressão. Foram encontrados dois trabalhos referentes às empresas juniores, que serão devidamente analisados. O primeiro tem como título “Das Histórias de Violência em uma Empresa Júnior à Reprodução da Ideologia da Administração” de autoria de Renata de Almeida Bicalho Pinto, defendida na pós-graduação em administração da Universidade

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Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2009. Já o segundo, chama-se “Convergências, divergências e silêncios: o discurso contemporâneo sobre o empreendedorismo nas empresas juniores e na mídia de negócios” de autoria de Alessandra de Sá Mello da Costa, a qual trata-se de uma tese de doutorado defendida na pós-graduação em administração de empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2010. O tema central da pesquisa de Bicalho (2009) é a violência dentro das organizações de trabalho. Para tanto, utilizou-se como objeto de análise uma Empresa Júnior, já que segundo a autora, pouco se tem investigado nesse âmbito, e a maioria do que se tem produzido é um discurso positivo sobre tal tecnologia educativa. Como resultado da confrontação entre o levantamento teórico e a coleta de dados empíricos, a autora observou que “o discurso do aprendizado é utilizado como subterfúgio para o estabelecimento de violências interpessoais e simbólicas da empresa júnior” estudada (BICALHO, 2009, p. 155), bem como para a banalização e naturalização delas, aliado a reprodução do discurso ideológico da administração e do mundo gerencial. Isto se relaciona com o fato de que a violência faria parte do mercado de trabalho, e, diante disso seria importante se preparar para esse contexto. Vivenciar o mercado de trabalho na graduação faria, no discurso, com que os graduandos e futuros bacharéis tivessem uma valorização de sua mão de obra, pois desenvolveriam competências que seriam um diferencial na hora de competirem por uma posição no mercado. A competitividade é expressa no próprio cenário em que a empresa júnior se encontra, pois ela possui apenas vinte e sete vagas para mais de quinhentos alunos concorrerem. Nesse sentido, o diferencial de formação ficaria restrito a uma pequena parcela dos alunos, mesmo estando inserida em uma universidade pública. Pode-se apreender da pesquisa analisada que a reprodução da violência e da ideologia administrativa nas empresas juniores está atrelada à lógica do capital e do mundo administrativo. Os impactos formativos para os futuros profissionais são paradoxais, pois, por um lado alguns entrevistados ao ponderarem sobre o período de experiência na empresa júnior justificaram como sendo positivas, mesmo reconhecendo as mazelas, pois tal período propiciou a inserção no mercado de trabalho e o incremento da competitividade do profissional. Já Costa (2010), fez uma exaustiva pesquisa nas empresas juniores e nas mídias de negócios para tentar compreender como o discurso sobre o empreendedorismo é vinculado e produzido por estas duas instâncias. Sua motivação inicial foi compreender como

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determinados discursos tornam-se hegemônicos nas falas dos agentes sociais e como estes discursos são construídos historicamente. Ao analisar como o discurso sobre o empreendedorismo se desenvolveu e confrontar com o material coletado oriundo de entrevistas com os alunos e professores envolvidos em seis empresas juniores do Rio de Janeiro, a autora chegou a sete categorias que expressam o empreendedorismo nesse esse contexto. São elas: articulação universidade-mercado, espírito empreendedor, diferenciação no mercado, aprender fazendo, geração de riquezas, empreendedor como produto organizacional e modelos sociais de empreendedores. O segundo passo dado pela pesquisadora foi verificar quais as convergências, as divergências e os silêncios nos discursos sobre o empreendedorismo que são reproduzidos pelas empresas juniores estudadas. As convergências encontradas por Costa (2010) foram: a) o empreendedorismo se relaciona com livre mercado onde ideologicamente todos tem condição de passar de funcionários à empreendedores, b) espírito empreendedor, c) na relação academia e mercado, só importa o que tem uma aplicabilidade, d) nova ética empresarial, na qual os princípios e valores dos indivíduos devem estar relacionados aos da empresa, e) modelos exemplares de empreendedores, f) empreendedor como produto da organização, g) superação individual e crescimento profissional e pró-atividade na busca de conhecimento, h) “empreendedores concebidos discursivamente como o agente social por definição mais adequado para impulsionar a máquina capitalista, potencializar os ganhos provenientes das inovações e alavancar países ao promover o desenvolvimento econômico” (COSTA, 2010, p. 239). As divergências encontradas pela autora em relação ao discurso proferido pelas mídias de negócios e a reprodução das empresas juniores da ideologia do empreendedorismo estão no fato de que os empresários juniores poucos citaram as mídias como fonte de conhecimento e pouco liam sobre a área. A outra divergência mencionada pela pesquisadora refere-se à quase inexistência de matérias referentes às empresas juniores nas mídias de negócios estudadas. O primeiro silêncio se encontra no fato dos entrevistados não mencionarem sobre os possíveis lados negativos do empreendedorismo, sendo encarado como natural no atual contexto do capitalismo. Outro aspecto refere-se às histórias de fracasso, que nunca são citados, e quando são, o são para exaltar alguém que superou as dificuldades e venceu. O terceiro silêncio expressa a não evidência das contradições do sistema econômico

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neoliberal, nem das relações de trabalho na empresa júnior, que é relatado por várias entrevistas como sacrificante. “Um quarto silêncio diz respeito aos desdobramentos da utilização de determinados conceitos nos discursos sobre as ações empreendedoras, como harmonização (com as empresas), capacitação, treinamento e adequação (para o mercado)” (COSTA, 2010, p. 248). O último silêncio encontrado pela pesquisadora nas falas dos entrevistados é a não menção as “relações de poder e de dominação presentes na construção discursiva empreendedorismo” (COSTA, 2010, p. 250). Não é falado sobre as questões hierárquicas das empresas, nem sobre a demissão (desligamentos), alto índice de rotatividade e sobre a competição das empresas juniores entre si. Por fim, cabe dizer, que buscamos nos apropriar da literatura referente ao contexto produtivo mundial e nacional, aos modelos de gestão e políticas de recursos humanos, para assim tentarmos entender como estes fatores se relacionam no ambiente formativo que se propõem as empresas juniores. Lembramos que o objetivo é observar se as características das organizações estratégicas estão presentes na empresa júnior estudada, e quais são os impactos formativos para os membros graduandos. O próximo passo será a coleta de dados através dos documentos da empresa e das entrevistas com os participantes, os quais por fim serão analisados a luz da psicossociologia. Conclusões A presente pesquisa encontra-se em fase de coleta de dados, portanto, as conclusões esboçadas serão preliminares. No entanto, ao analisarmos a literatura referente às empresas juniores juntamente com os dados coletados preliminarmente, pode-se inferir que a empresa júnior analisada muito provavelmente apresenta características de gestão similar ao das organizações estratégicas. Os empresários juniores provavelmente não chegam ao nível de organização psíquica, de defesas psicológicas e de alienação constatadas por Lima (1995) nos trabalhadores de escritório e nos gestores da organização estratégica estudada por ela. Isso pode ser explicado devido ao fato de a empresa júnior não chegar a representar uma “proteção simbólica”, ou seja, ela não passaria a segurança e o acolhimento daquelas organizações, pois o vínculo com a empresa tem o objetivo, em tese, de formação, e não a garantia material da sobrevivência dos indivíduos. Outro fator que podemos elencar é o tempo de permanência reduzido na empresa júnior, que tem como média de permanência

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dois anos, pois Lima (1995) elenca como sendo uma variável importante para os indivíduos introjetarem o discurso da organização, bem como seus efeitos psíquicos. A despeito das diferenças citadas acima, acredita-se que as empresas juniores, através da reprodução dos discursos empresariais contemporâneos e também das violências ocorridas nesses contextos, preparam os estudantes para tal cenário. Contudo, é uma formação pelo negativo, pelo medo e pelo sofrimento, tendo o currículo diferenciado e a expectativa pela inserção no mercado como fatores que tornam tais práticas legitimadas e naturalizadas.

REFERÊNCIAS

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