Formação e Capacitação Docente: o (sonhado) impacto na melhoria da qualidade da educação

June 16, 2017 | Autor: Gisela Wajskop | Categoria: Pedagogía
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Formação e Capacitação Docente : qual o impacto na melhoria da
qualidade da educação?
"Aprender a ensinar não é apenas praticar, sem mais. [...] a
aprendizagem de qualquer habilidade começa como prática corporal da qual é
possível obter conhecimento apenas quando ela ocorre centrada na imaginação
e não na mecânica da ação. A compreensão sobre o fazer [...] se desenvolve
por meio da imaginação e atinge seu grau máximo quando a linguagem exprime
de modo criativo como fazer algo."
Alliaud, 2010, p. 154
As duas últimas décadas vêm testemunhando enormes investimentos em
reformas educacionais no Brasil de maneira a fazer frente aos desafios das
sociedades atuais. Nestes últimos anos a grande maioria das crianças, dos
jovens e dos adultos brasileiros foi gradativamente saindo da
invisibilidade e adquirindo direitos democráticos importantes,
principalmente quanto ao acesso e frequência escolar. Quase 100% das
crianças estão no Ensino Básico e o número de egressos do Ensino Médio
aumentou enormemente.
Também, houve um afluxo ao Ensino Superior nunca antes visto no país
e, bastante estimulado por políticas afirmativas e inclusivas. Entre 1996,
ano da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Brasil, 1996) e 2008, houve crescimento na ordem de 185% do número de
matrículas neste nível de ensino, impulsionado pela ampliação significativa
do ensino superior privado.
Apesar de várias tentativas do governo brasileiro em valorizar os
professores nos últimos anos, especialmente por meio da lei do Piso
Salarial Nacional e da Política Nacional de Formação de Professores do
Ensino Básico, a situação atual ainda é muito crítica (Gatti e Barreto,
2009). Essa realidade é permeada por tensões e falta de consenso nacional
no âmbito acadêmico e político-institucionais (Aguiar et al., 2006;
Pisanechi, 2010). Há muito debate ideológico e poucos programas que
sobrevivem às constantes mudanças governamentais.
Neste período, diversas políticas foram elaboradas para a formação de
professores em IES[1], destacando-se a diferenciação e diversificação da
educação superior pública e privada, a expansão do ensino semipresencial e
à distância, novos programas destinados para a formação inicial e
continuada, a criação de diretrizes curriculares nacionais mandatórias
(Brasil, 2006), modificações nas políticas de financiamento, etc. Essas
políticas e programas muitas vezes, porém, não se preocuparam em garantir a
organicidade intrínseca das IES, materializando-se, em muitos casos, em
ações assinaladas por superposição e em políticas emergenciais que definem
uma cultura precária particular da formação e profissionalização docente em
nosso país (Barreto, 2015).
Apesar de algumas boas iniciativas, no entanto, baixos salários, más
condições de trabalho, desvalorização social e formação inicial de baixa
qualidade estão entre os vários desafios enfrentados, hoje, pelos sistemas
educacionais e pelos professores brasileiros em várias partes do país,
tanto nas redes privadas como públicas. Como resultado, a carreira é pouco
atrativa e os vestibulandos, candidatos à docência, são, em sua maioria,
aqueles cujos resultados acadêmicos no Ensino Médio não estão entre os
melhores demonstrando, também, baixa autoestima para a aprendizagem (Gatti
e Barreto, 2009).
Estudos internacionais apontam que só programas de formação de
qualidade e organicamente associados com as escolas básicas e seus desafios
reais advindos da territorialidade e culturas locais são capazes de
impactar o desenvolvimento eficaz dos seus professores (Darling-Hammond,
2006).
No Brasil, ao contrário, pesquisas mostram que a maioria dos programas
de formação docentes, principalmente dos cursos de Pedagogia e
Licenciaturas, não desenvolvem as habilidades profissionais docentes
necessárias para a inclusão das novas gerações na cultura geral humana.
Mesmo bons programas de formação, aqui, enfrentam dificuldades em
transformar as diretrizes oficiais em currículos interessantes, criativos e
articulados com a escola básica. A esse círculo vicioso acrescenta-se a
tendência centralista de nossas legislações e políticas de ensino que não
respeitam, sequer, o princípio federativo nacional. Não há currículo
nacional mandatório para o ensino básico (ainda que essa discussão sobre a
Base Comum Nacional esteja em curso) e, contraditoriamente, as faculdades
de educação sofrem regulação excessiva, para não citar as exigências
altamente burocratizadas, pouco encontradas em países nas quais a qualidade
educacional de sua população é alta. Entre uma escola básica disciplinadora
e moralizante (com exceções, é claro!) e uma universidade retórica e
ilustrada (com exceções, é claro!), ficam os professores sozinhos e
isolados em suas questões e desafios colocados pelo cotidiano escolar.
Nessa perspectiva, o país carece de um sistema educacional nacional mais
holístico, que induza e crie e condições mais autônomas e patrocinadoras de
redes de apoio para reflexões, ajuda e ações recíprocas entre as
instituições responsáveis pela qualidade da educação de sua população, ou
seja, entre as escolas, os sistemas de ensino das secretarias de educação
e as universidades.
A docência, em nossa sociedade, associada aos contextos dos cursos
iniciais de formação aligeirados vem se constituindo em ocupação para a
qual vem ganhando força, no seio da sociedade civil e dos governos,
concepções tecnicistas de ensino que pressupõem aprendizagens condicionadas
a avaliações, a metas e resultados. Por outro lado, é interessante
constatar um novo discurso de atratividade da carreira que, sem propor
melhorias reais nas condições objetivas de trabalho – bons salários
iniciais, por exemplo - visam atrair 'melhores' alunos para a profissão.
Vale lembrar que o conceito de melhores, aí, está também associado à origem
social diferenciada!
Fato é que os aprendizes de docente não possuem as ferramentas
associadas às linguagens verbais nem escritas próprias da Ciência e da
Cultura letrada, pois a elas não foram jamais apresentados de maneira
genuína e verdadeira em sua escolaridade pregressa. Sequer desenvolveram
competências expressivas de reivindicação de espaços de participação
coletiva próprias da construção de conhecimentos na sociedade atual. Mas
eles estão nos bancos escolares e os procuram não apenas porque foram
atraídos pelo mercado de trabalho, mas também, porque querem aprender um
ofício que, em suas experiências de vida podem representa melhorias não
apenas financeiras, mas, principalmente, a constituição de uma identidade
mais fortalecida e capaz de protagonizar uma vida melhor para si e para
seus filhos. Vale ressaltar, ainda, que eles têm identidades
individualizadas e experiências pouco conhecidas pela cultura letrada que,
ao longo da história, restringiu–os à invisibilidade do trabalho manual.
Nessa medida, um dos maiores desafios que os estudantes de
licenciatura e pedagogia colocam às universidades no século XXI parece-nos
ser a construção de espaços de aprendizagens que levem em consideração seus
saberes e experiências como ponto de partida e não como falta. Além disso,
supõem a construção de uma Pedagogia de Formação que possa conceber a sala
de aula como comunidades de aprendizagens associadas à definição da
docência como uma profissão e não como uma ocupação. Dessa forma poderão
tornar os cursos de formação mais interessantes, investigativos,
significativos e autorais transformando a experiência dos aprendizes de
docente e, talvez, atraindo mais jovens para a carreira.
Para isso, terão de estar associados a uma reflexão e um modelo de
formação baseado na ideia da docência como prática social transformadora,
dinâmica e responsável pela distribuição de conhecimentos sistematizados no
âmbito das sociedades midiáticas e do conhecimento mais do que transforma-
la em ocupação eficaz condicionada a resultados. Trata-se de organizar um
sistema de formação "simultaneamente crítico e reflexivo sobre a cultura e
o funcionamento escolar no âmbito da cultura universal humana" (Wajskop,
2006, p. 243). Em concordância com Perinat (2004, p.21), só dessa maneira
professores e alunos podem tomar consciência de que o conteúdo de suas
aprendizagens está intrinsecamente mesclado com aqueles das práticas
institucionais nas quais estão imersos. Isto significa afirmar que, na
medida em que os sistemas de formação docente, tanto iniciais como
continuados constituírem-se de maneira harmônica e holística em genuína
articulação com as escolas, os professores irão se constituindo
profissionalmente nas negociações associadas entre o que os professores
precisam e devem ensinar (com base em um currículo nacional consensuado) e
aquilo que os alunos podem e conseguem aprender em cada sala de aula, em
cada escola, em cada comunidade e nas culturas locais específicas
(contextualizado nas diversidades locais).
Parece-me, no momento atual em que o país busca sua natureza
educadora, por meio da discussão sobre uma Base Nacional Curricular Comum
e, terá de responder às determinações do aditivo XXX da LDBEN (XXXXXX,
julho de 2015) que criam o sistema unificado de Formação de professores,
tornando mandatória a ação conjunta entre universidade e secretárias d
educação que necessitamos repensar o professor que queremos. O impacto na
melhoria da qualidade de nossa educação básica pressupõe professores
capazes de mobilizar múltiplos recursos para resolver os problemas
colocados pelas situações do trabalho docente vivenciado precocemente nos
estágios e por meio da investigação-ação que desenvolvem, de forma
reflexiva, ativa, protagonista. A criatividade, a autoria e a aprendizagem
baseada na investigação é a única saída para a formação de professores
capazes de um compromisso educativo e social com seu tempo e espaço
histórico, para o qual, as aprendizagens das crianças, dos jovens e
adolescentes é referência do exercício profissional competente. Nessa
perspectiva, será preciso debater âmbito da ampliação do mais autonomia
universitária na qual os cursos de formação de professores possam focar na
ampliação do universo cultural dos futuros docentes e na inserção precoce
dos estudantes no universo escolar, visando à colocação profissional de
docentes competentes, em um mercado de trabalho cada vez mais exigente,
como é o da realidade educacional brasileira do século XXI.
































Bibliografia
Aguiar, M. A. da S., Brzezinski, I., Freitas, H. C. L., Silva, M. S.
P. da, & Pino, I. R. Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no
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Disponível em
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Alliaud, A. Psicología en el campo de la educación. Ensayos y
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Barretto, E. S. S. Políticas de formação docente para a educação
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Gatti, B. A., & Barretto, E. S. de S. (Coord.). Professores do Brasil:
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________. Projeto pedagógico curricular do curso de pedagogia do
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pela Portaria Sesu/MEC, nº 144, de 9 de fevereiro de 2007. Mimeo (2006,
Oct.).


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[1] Instituições de Ensino Superior
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