Formação Econômica do Brasil - Comentário por Gustavo B D Rocha

July 9, 2017 | Autor: Clock Hour | Categoria: International Political Economy, History of International Relations
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Instituto de Ciência Política Política Externa Brasileira Professor: Doutor Carlos Henrique Cardim

GUSTAVO BAQUIÃO DANTAS ROCHA Matrícula: 140041150

Formação Econômica do Brasil: Comentário sobre a obra de Celso Furtado

BRASÍLIA 2015

Celso Furtado teve uma atuação ativa na então recém-criada Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), esteve à frente da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), foi Ministro Extraordinário do Planejamento durante o governo de João Goulart e Ministro da Cultura no mandato de José Sarney, além de décadas de ativismo acadêmico e serviço junto a diversos órgãos públicos. A obra “Formação Econômica do Brasil” (FURTADO, 1958) se insere em um contexto histórico brasileiro no qual há uma crescente preocupação dos economistas e historiadores em explicar as causas do subdesenvolvimento brasileiro com foco especial no papel dos desequilíbrios e do mercado externo. Como representantes deste contexto histórico no qual se insere a obra de Furtado podem-se destacar “História Econômica Brasileira: 1500-1820” (SIMONSEN, 1933) e “História Econômica do Brasil” (JÚNIOR, 1945). “Formação Econômica do Brasil” tem um caráter majoritariamente analítico, ao invés de descritivo e, destarte, lança um conjunto de hipóteses que geraram grandes debates na literatura e linhas de pesquisa. Tais hipóteses foram posteriormente ou confirmadas, ou revistas, ou radicalmente negadas. O livro, entretanto, não foi jamais mudado. A questão central da obra é compreender em que momento e de que forma o Brasil alcançou um crescimento autossustentado (entendido como a capacidade brasileira de se desenvolver a partir de um impulso externo inicial mesmo depois que tal impulso se cesse). Tal crescimento é propiciado pelos gastos autônomos realizados no Brasil e propiciados tanto diretamente pelas exportações (entrada bruta de capital) quanto indiretamente pelas mesmas (efeito multiplicador propiciado pela estrutura econômica interna). Na busca de Furtado pelo crescimento autossustentado está “Implícita [...] a ideia de que a diversificação da estrutura produtiva é benéfica e desejável” (VERSIANI, 2015). Para Furtado, o Brasil atinge o crescimento autossustentado quando da Grande Depressão de 1929-1933. Furtado analisa os diversos episódios, ciclos e processos econômicos que levaram desde os portugueses à descoberta e ocupação das terras brasileiras até a industrialização mais robusta no Brasil que veio a consolidar-se na década de 1970. Nos capítulos de I a IV, Furtado analisa o período de 1500-1650, que engloba, essencialmente, a gênese, desenvolvimento e decadência da produção açucareira no Nordeste brasileiro. O autor ressalta que para Portugal, a descoberta das terras na América inicialmente “pareceu ser episódio secundário” (FURTADO, 2005, p. 15). O cultivo do açúcar, aliado à experiência portuguesa na empresa agrícola, ao financiamento holandês do cultivo e às condições geográficas e climáticas favoráveis, permitiu uma ocupação rentável do território brasileiro. A prosperidade monopolística portuguesa em relação à produção açucareira durante

quase um século e meio foi um dos responsáveis pelo aumento do interesse holandês sobre o Brasil, o que desencadeou sua invasão no Nordeste. A invasão permitiu que os holandeses adquirissem conhecimento para produzir açúcar em suas próprias possessões coloniais nas Antilhas e, por conseguinte, ruir o monopólio e a alta rentabilidade da empresa açucareira no Brasil. Já nos capítulos V, VI e VII, o autor discorre sobre as diferenças coloniais na América e como se dá a passagem à Independência no Brasil. Face às colônias de povoamento da América do Norte, o Brasil se mostrava marcadamente mais centralizado e impregnado de estruturas latifundiárias e escravistas que permitiam que a rentabilidade de seus plantations tropicais se concentrasse nas mãos de poucos grandes proprietários. A lógica econômica colonial que entrelaçava brasileiros, portugueses e os credores do reino português (a Inglaterra) se fundamentava em uma transferência de reservas metálicas do Brasil à Inglaterra tendo Portugal mais como um intermediário do que como maior beneficiário das riquezas de alémmar. Quando de um Brasil já independente, a renovação em 1827 dos tratados comerciais assimétricos firmados com a Inglaterra em 1810 fez com que a dependência formal que o Brasil sustentara com Portugal se convertesse em uma dependência econômica de facto com a Inglaterra. A segunda parte da obra (que se estende dos capítulos VIII a XII) aborda detalhadamente a economia escravista da agricultura canavieira no Brasil dos séculos XVI e XVII. No que tange à contabilidade da produção e venda do açúcar, há pouca capilaridade na transferência da renda bruta obtida diretamente pela exportação açucareira em direção à sociedade como um todo, dado o sistema escravista, a tendência dos grandes produtores de consumir bens importados e o não investimento da poupança em aumentos na capacidade produtiva através da compra de bens de capital. Há, outrossim, uma grande parcela da receita gerada pela venda do açúcar que se retinha nas mãos dos comerciantes (em sua maioria holandeses) que realizavam o intermédio com os centros consumidores na Europa. Subsidiária à monocultura canavieira, a pecuária para transporte, couro e carne fez com que esses artigos fossem basicamente os únicos que puderam ser supridos internamente. O papel da pecuária para a ocupação do interior da colônia foi essencial; no entanto, seu caráter extensivo, itinerante e de baixo capital aplicado lhe caracterizou, em termos de valor de exportação, como extremamente inferior à atividade açucareira. Com a queda da rentabilidade do açúcar e a consequente tendência à subsistência pela qual passou a pecuária, a região Nordeste já não tinha o fervor econômico que lhe fora característico outrora. A segunda metade do século XVII no Brasil foi caracterizado por um quadro de inatividade econômica que só

seria revertido com a descoberta do ouro, por volta de 1700 e que transferiria o centro econômico colonial para o Sudeste. Os capítulos XIII, XIV e XV tratam do ciclo da mineração. A descoberta do ouro, por volta de 1700, ocasionou um rápido fluxo migratório do Sul, Nordeste e da própria Metrópole em direção ao interior do Sudeste. Apesar da permanência da escravidão, Furtado crê que há, na mineração, um maior ativismo do escravo, de forma que este pode trabalhar para si próprio e comprar sua alforria. Em suma, “Se bem que a base da economia também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia açucareira” (Ibidem, p. 79). Esta é uma teoria de Furtado da qual muitos economistas que lhe seguiram discordam. Jacob Gorender, por exemplo, afirma que: “...a mineração, por si mesma, induzia a escravidão. O que multiplicou o número de alforrias [...] não foi propriamente a mineração, porém sua decadência” (GORENDER, 1978, p. 458). O efeito multiplicador na mineração foi superior ao àquele da atividade açucareira, o que propiciou uma maior especialização das regiões ligadas ao fornecimento de bens básicos de consumo às áreas mineradoras. Apesar das vultosas receitas obtidas no auge da mineração (por volta de 1760), já em 1780 a diminuição da oferta de ouro provocou mais uma vez um longo período de recessão econômica na colônia. Furtado conclui, adicionalmente, que apesar da presença de um maior efeito multiplicador e da prosperidade econômica do período, o crescimento autossustentado não foi atingido graças à “incapacidade técnica dos imigrantes para iniciar atividades manufatureiras numa escala ponderável” (FURTADO, 2005, p. 83). A quarta parte do livro (capítulos XVI a XXIX) trata da transição para uma economia assalariada no século XIX. No final do século XVIII, atingiu-se o menor nível de renda já observado no Brasil, alimentado por um conjunto de sistemas econômicos já pouco rentáveis e frouxamente interligados. Com a Independência, ocorre o que Furtado chama de Passivo Colonial, definido pelo colonialismo econômico que a Inglaterra exerceu sobre o Brasil através de tratados que garantiam aos produtos ingleses baixas tarifas de importação. A historiografia econômica elege tal fato como determinante para o atraso brasileiro subsequente e afirma que o protecionismo à época seria a solução para um aquecimento da atividade manufatureira nacional. Furtado, todavia, categoriza que o protecionismo não surtiria efeito devido à ausência de atividades manufatureiras (nem mesmo incipientes) em território nacional. A morosidade econômica é rompida apenas no fim do século XIX com a opulência do café na pauta de exportações brasileiras. Em 1888, com a abolição da escravidão, mão de obra base para o cultivo do café, os cafeicultores e o governo, preocupados com um suposto aumento dos gastos com salários dos agora alforriados escravos, incentivam a imigração europeia em

um sistema de servidão por dívidas. A superioridade técnica dos imigrantes foi um fator que permitiu a predileção dos cafeicultores por esta mão de obra e, destarte, não gerou uma mudança fundamental na desigual sociedade brasileira. Guinada pela exportação de café, o nível de renda da economia brasileira como um todo se elevou na segunda metade do século XIX. No entanto, tal desenvolvimento econômico foi desigual: o setor cafeeiro do Sudeste, a economia pecuária do Sul e a região produtora de borracha na Amazônia tiveram incrementos substanciais em seus níveis de renda; a Bahia com sua produção de cacau manteve estável sua renda per capita e o restante do Nordeste, devido à diminuição do valor internacional do açúcar e do algodão, reduziu sua renda per capita. A economia cafeeira aliada ao trabalho assalariado experimentou um aumento substantivo do efeito multiplicador, o que permite uma tendência ao aumento e à diversificação da produção interna. A existência de uma farta mão de obra ociosa no setor de subsistência permitiu que não houvesse uma pressão em direção ao aumento dos salários dos empregados pela cafeicultura. Há, por conseguinte, um quadro de aumento da demanda externa por café e existência de fatores produtivos (terra e trabalho) baratos internamente, o que possibilita um considerável influxo de capital inicialmente aos cafeicultores, mas que, dado o elevado multiplicador de renda, reflete-se na sociedade como um todo. Na quinta e última parte de sua obra, Furtado descreve como as crises na exportação de café contribuíram enfim para o crescimento autossustentado no Brasil e sua industrialização. Nos primeiros anos do século XX, a demanda mundial por café já mostrava sinais de exaustão e as exportações brasileiras já não conseguiam ser absorvidas pelo mercado. A proeminência política dos cafeicultores, beneficiada pela descentralização republicana permitiu, entretanto, que os interesses da classe cafeeira fossem defendidos na política (inicialmente a nível estadual e posteriormente a nível federal). Desta forma, o governo passou a interferir diretamente na economia e comprou milhares de sacas de café para amenizar um excesso de oferta e manter altos os preços internacionais do produto. Além disso, sucessivamente desvalorizava a moeda nacional a fim de que as exportações fossem beneficiadas. Em 1929, com o Crack da Bolsa de Nova Iorque e a subsequente crise mundial, a demanda internacional por café chegou a um nível irrisório. A isso soma-se a enorme quantidade do produto que houvera sido estocada pelo governo, o que se configura em um péssimo momento para a economia cafeeira e para a economia brasileira como um todo. O governo, então, age energicamente e queima seus estoques para abastecê-los novamente com o excesso de produção não absorvido pelo mercado. Para financiar tal compra, o governo promove uma expansão de crédito. Consequentemente, os efeitos da crise são intensamente

aliviados e, involuntariamente, há uma desvalorização substancial da moeda que torna os produtos importados assaz caros e favorece fortemente a produção para um mercado interno com nível de renda não prejudicado. É dessa forma que o “choque adverso” da crise mundial permite a industrialização e o deslocamento do centro econômico da agricultura para a indústria. Ou seja, “Ao manter -se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de investimento que o setor exportador” (Ibidem, p. 194). É possível perceber, em “Formação Econômica do Brasil” uma opulência de cenários e análises arrojadas que demonstram o caráter teórico, mais do que simplesmente histórico, da obra de Celso Furtado. A despeito das controvérsias estabelecidas entre alguns dos quadros teóricos presentes no livro e as explicações propostas por outros economistas e historiadores posteriormente, é inegável a representatividade da obra enquanto marco no estudo das raízes econômicas brasileiras. Ademais, a atuação de Furtado na CEPAL vem ao encontro de seu pensamento explícito na obra, como ilustrado pela busca por um desenvolvimento autossustentado embasado em uma indústria robusta e propiciado por fatores endógenos, e não através do maciço endividamento externo.

Referências Bibliográficas: FURTADO, C. (1958). “Formação Econômica do Brasil”. 32 ed. – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. SIMONSEN, R. C. (1933). “História Econômica Brasileira: 1500-1820”. 4 ed. – Brasília: Senado Federal, 2005. JÚNIOR, C. P. (1945). “História Econômica do Brasil”. 26 ed. – São Paulo: Brasiliense. VERSIANI, F. R. “O Economista como Historiador”. Disponível http://www.angelfire.com/ky2/mueller/ECH.htm/>. Acesso em: 26 jun. 2015. GORENDER, J. “O Escravismo Colonial”. 1978. Disponível http://www.angelfire.com/ky2/mueller/GENM.pdf/>. Acesso em: 26 jun. 2015.

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