Formação Territorial do Brasil e de Mato Grosso: Complexidade do Espaço Agrário e Terras Devolutas

May 19, 2017 | Autor: D. Delben Ferreir... | Categoria: Rural Development, Amazonia, Land-use planning
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FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL E DE MATO GROSSO: COMPLEXIDADE DO ESPAÇO AGRÁRIO E TERRAS DEVOLUTAS Diogo Marcelo Delben Ferreira de Lima – Doutorando no PPGH da FFLCH-USP Wanderley Messias da Costa – Professor Titular da FFLCH-USP Resumo: A formação territorial pressupõe um conjunto de processos e fatos históricos e geográficos que denotam a apropriação do espaço pelo Estado e pelos atores sociais, bem como as dinâmicas e as tensões territoriais. No Brasil, a ocupação e o povoamento do território ocorreram a partir da colonização europeia e da integração nacional, enquanto projetos geopolíticos dos poderes instituídos no curso do tempoespaço. O Estado de Mato Grosso corresponde a certa parte do constructo do território brasileiro, isto, pois, foi fortemente impactado pelas principais políticas territoriais coloniais e republicanas. O presente trabalho desenvolve a problemática da formação territorial do Brasil e do Estado de Mato Grosso com base nos aportes da geografia política, com foco na análise da complexidade do espaço agrário nacional e da situação das terras devolutas. O objetivo do estudo é investigar a apropriação do espaço agrário em diferentes períodos e contextos sociais, e os seus rebatimentos na atual conjuntura e na estrutura fundiária estadual. A pesquisa deve contribuir para democratização dos conhecimentos geopolíticos relacionados ao território e ao desenvolvimento. A metodologia adotada preserva abordagem geográfica crítica e ressalta certas categorias de análise espacial, como: poder, território e Estado. As técnicas de pesquisa social corroboraram a busca de fontes primárias e secundárias, especialmente o levantamento e a sistematização de documentos e informações na área. No período colonial, o Tratado de Tordesilhas permitiu que as metrópoles europeias se apossassem de territórios além-mar e implantassem modelo agroexportador baseado no capitalismo comercial. Com o Tratado de Madri, a ocupação dos territórios sul-americanos intensifica-se face o princípio utis possidetis e a expansão portuguesa a oeste. As concessões de terras pela Coroa Portuguesa foram largamente utilizadas para ocupação e exploração das terras na colônia, merecendo destaque as capitanias hereditárias e as sesmarias. Em verdade, a história da formação territorial do Brasil se confunde com o processo de constituição da propriedade privada, uma vez que a Lei de Terras de 1850 veio a assegurar todos os direitos reais constituídos mediante o reconhecimento das posses e impôs a vedação de obtenção de terras senão pelo instituto da compra e venda. Ocorre que a mudança no regime jurídico de propriedade não transformaria o modelo econômico agrário, que passou a ser próprio do capitalismo tardio e da modernização conservadora. Já no período republicano, as Constituições e o Código Civil (de 1916) não consagraram inovações importantes na questão da propriedade territorial, todavia, à luz do pacto federativo brasileiro, colaboraram para a complexidade do espaço agrário e acentuaram os problemas afetos à situação das terras devolutas. Além disso, os instrumentos jurídicos “agrários”, como o Estatuto da Terra, o Código de Terras do Estado de Mato Grosso, e as leis que tratam de terras públicas e devolutas e de áreas na fronteira, foram determinantes para a gênese de um ambiente agrário marcado pela estrutura fundiária heterogênea e pela multiplicidade de atores e de fatos sociais, e pelas rugosidades. Desfazer o cipoal jurídico-político agrário é medida que se impõe para efetivar o reordenamento do território com justiça e desenvolvimento social. Palavras-chave: ordenamento territorial; desenvolvimento; geopolítica;

Introdução A geografia política é competente para análise das relações sociais e humanas no âmbito da organização política do espaço geográfico e do território, entretanto, prevaleceu na literatura um enfoque internacionalista e estatal, motivo pelo qual a geopolítica foi tomada por um conjunto de estratégicas de apropriação, dominação e controle do território. Todavia, cumpre difundir os conhecimentos e as práticas afetos à relação sociedade e espaço na linha da geografia do poder, por isto mesmo, o ensaio dedica-se a análise da formação territorial do Brasil e de Mato Grosso, com foco nas questões relacionadas à apropriação do espaço agrário e das terras devolutas. A formação territorial pressupõe um conjunto de processos e fatos históricos e geográficos que denotam a apropriação do espaço pelo Estado e pelos atores sociais, bem como as dinâmicas e as tensões territoriais. Na perspectiva de Antonio Carlos Robert Moraes (2000)1, a política de colonização mostra a relação entre a sociedade que se expande e os lugares onde se dá esta expansão, desta forma, a colonização implica a conquista e a dominação territorial, a apropriação das terras, a submissão das populações locais e a exploração dos recursos. A saber, a colonização do Brasil não se resume aquela impetrada no período colonial pelos europeus, mas se entende às políticas territoriais do Estado brasileiro, a própria “geografia política brasileira”, este é umas das teses de Wanderley Messias (2013)2. No Brasil, a ocupação e o povoamento do território ocorreram a partir da colonização europeia e da integração nacional, enquanto projetos geopolíticos dos poderes instituídos no curso do tempo-espaço. O Estado de Mato Grosso corresponde a certa parte do constructo do território brasileiro, isto, pois, foi fortemente impactado pelas principais políticas territoriais coloniais e republicanas. A necessidade de compreender o posicionamento do Brasil no mundo e a sua organização político-territorial deve estimular os estudos geopolíticos específicos, os quais podem contribuir na reformulação do papel do Estado e na construção de uma nova agenda política que proponha uma repactuação federativa e um reordenamento territorial e fundiário adequado aos desafios do crescimento e do desenvolvimento socioambiental. O presente trabalho desenvolve a problemática da formação territorial do Brasil e do Estado de Mato Grosso com base nos aportes da geografia política, com foco na análise da complexidade do espaço agrário nacional e da situação das terras devolutas. O objetivo do estudo é investigar a apropriação do espaço agrário em diferentes períodos e contextos sociais, e os seus rebatimentos na atual conjuntura e na estrutura fundiária estadual. A pesquisa deve contribuir para democratização dos conhecimentos geopolíticos relacionados ao território e ao desenvolvimento. A metodologia adotada preserva abordagem geográfica crítica e ressalta certas categorias de análise espacial, como: poder, território e Estado. As técnicas de pesquisa social corroboraram a busca de fontes primárias e secundárias, especialmente o levantamento e a sistematização de documentos e informações na área. 1

MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo. Hucitec, 2000. 2 COSTA, Wanderley Messias da. Geografia política e geopolítica. Discursos sobre o território e o poder. 2 ed. 2 reimpr. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2013.

Formação territorial do Brasil Colônia e as políticas territoriais pretéritas: Capitanias Hereditárias, Sesmarias e Lei de Terras de 1850 A formação territorial do Brasil esteve intimamente ligada às intencionalidades dos países europeus e aos complexos processos socioespaciais que se desenvolveram na continente americano durante o período das grandes navegações, descobrimentos e do robustecimento do capitalismo comercial. É inconteste que a atual configuração do território brasileiro tem as suas raízes na “geopolítica colonial”, ou seja, na política eurocêntrica de conquista de territórios e de recursos de outros povos e nações. A saber, as distintas territorialidades americanas (do norte, do centro e do sul), assim definidas por causa das diferentes características geográficas, demográficas, étnicas, sociais e produtivas, contribuíram para que o processo de ocupação “da(s) América(s)” ocorre-se de forma gradual, progressiva, setorial e estratégica. A história registra diferentes formas de domínio externo, de apropriação dos territórios e de submissão das populações indígenas e locais aos interesses de franceses e ingleses (América do Norte), de espanhóis (América Central e Andes), de portugueses (América do Sul e Brasil), além de incursões de holandeses. No caso sul-americano, nenhum fator geopolítico influenciou mais a questão territorial do que a polarização travada entre Portugal e Espanha, seja no campo da disputa pelo poder, seja na implementação das próprias estratégias territoriais, ou até mesmo no momento de aliança, como aconteceu na unificação das Coroas Ibéricas em 15803. A construção do Tratado de Tordesilhas (1491), que dividia o mundo em linhas imaginárias e separava as terras a serem descobertas e colonizadas por Portugal e Espanha, é ilustrativa neste sentido ainda que as demais potências europeias, como a França, negassem a sua validade. No curso do século XVI, a ocupação do território brasileiro consistiu na expansão territorial do domínio português sob as terras além-mar banhadas pelo Atlântico, e pode ser atribuída à capacidade técnica (cientifica e tecnológica nas áreas geográfica e náutica) e financeira da então potência europeia, que foi proporcionada pelo desenvolvimento dos centros urbanos, do comércio e dos transportes. Ademais, a rivalidade com as outras nações europeias e a corrida imperialista impulsionaram os avanços territoriais na colônia: primeiro no litoral, depois no Norte e no Nordeste e, por fim, no interior do país e com direção a fronteira oeste. Os interesses imediatos de Portugal na ampliação da sua influência e presença no mundo focavam a manutenção das rotas de comércio e do acesso às especiarias na Índia e na África, outrossim, a necessidade de exploração das terras brasileiras por ocasião das ameaças e disputas de territórios com ingleses, franceses e holandeses forçaria a implantação de políticas territoriais (coloniais) de ocupação e de exploração do território, como o Sistema de Capitanias Hereditárias (1534-1759) e o Regime Sesmarial (1530-1822). Equívoco pensar que apenas os interesses econômicos das firmas europeias na exploração dos produtos florestais e marinhos da costa brasileira e dos minérios no interior do território, e no exercício da plantation de produtos tropicais, teria sido suficiente para a adoção de geopolítica colonial e de estratégias espaciais, pautadas na destinação de vastas áreas para colonização do país, aquelas pertencentes à Coroa Portuguesa e dadas a pessoas da nobreza e de prestígio na sociedade metropolitana. 3

Cf. MORAES (op cit).

Ainda que o Tratado de Tordesilhas tenha assegurado a partilha dos territórios ultramarinos entre Portugal e Espanha, foi o Sistema de Capitanias Hereditárias que proporcionou o povoamento, o exercício de atividades produtivas e econômicas e até o surgimento de vilas, especialmente nas capitanias hereditárias mais dinâmicas, como a de Pernambuco e de São Vicente (atual São Paulo), e também da Bahia por causa da implantação da sede do Governo Português. Isto porque, em número de 12 (doze) faixas litorâneas – com tamanhos varáveis (de 30 a 100 léguas) – e na qualidade de “firmas colonizadoras”, as capitanias hereditárias importavam forma de gestão do territorial que assegurava aos donatários ampla autonomia político-administrativa e financeira em suas terras4. Na seara da formação econômica do Brasil, leciona Caio Prado Junior (2012) 5 sobre a exploração do território brasileiro que teve início de forma predatória na costa, com a retirada indiscriminada de pau-brasil por portugueses e franceses, que nada deixaram a título de legado civilizatório, pelo contrário, contribuíram para estabelecimento de um ambiente colonial litorâneo hostil e bélico. Somente com a difusão da cultura da cana-de-açúcar e da estruturação do comércio internacional em torno deste produto é que as capitanias hereditárias foram se tornando mais atrativas para os capitalistas estrangeiros, bem como cumpriram, em certa medida, a sua função político-jurídica de povoamento do território. A expansão de outras atividades produtivas no interior do território, como a agropecuária no sertão nordestino, a mineração no centro-sul do país e a borracha na Amazônia, contribuiu para consolidação do sistema colonial, para a internalização do domínio estrangeiro e para a implantação de modelo agroexportador caracterizado pela grande propriedade rural (latifúndio), pela produção de commodities de interesse do mercado externo (monoculturas), pelo uso de técnicas de produção em larga escala de produtos tropicais (plantation), pelo absenteísmo e pela subexploração da terra, pela utilização intensiva de bens naturais e pela exploração da força de trabalho. Ainda que algumas capitanias hereditárias tenham sido mais organizadas e mais prósperas e tenham sido responsáveis pela ocorrência de verdadeiros corredores de ocupação e de povoamento do território e pelo surgimento de áreas produtivas e de núcleos urbanos na Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, entre outras áreas, e de centros de escoamento da produção (portos), que ligavam a colônia à metrópole, como ensina Manoel Correia de Andrade (2004)6, as demais capitanias hereditárias foram determinantes para a desenvoltura do (pré) capitalismo no campo brasileiro, assim como o Regime Sesmarial. Como dito, outro instrumento fundamental na apropriação do território foi o instituto das sesmarias, criado em Portugal, por volta do ano de 1375, para manter a produção de alimentos e o povoamento das áreas rurais no sistema feudal europeu. No Brasil Colônia, o instituto tinha praticamente os mesmos objetivos, porém produziu resultados diversos, uma vez que a concessão de terras nada mais representava do que benesses da Coroa Portuguesa a representantes da nobreza e descentralização da própria soberania do Reino de Portugal. 4

Os instrumentos regulatórios da relação entre a Coroa Portuguesa e o(s) donatário(s) eram a Carta de Doação, que atribuía direitos e deveres aos particulares, sobretudo direitos possessórios e políticos, e a Carta Foral, que definia questões financeiras e tributárias. 5 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 43 ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 2012. 6 ANDRADE, Manoel Correia de. A questão do território no Brasil. 2 ed. São Paulo. Ed. Hucitec, 2004.

O instituto das sesmarias conferia o direito de uso das terras, integrantes do patrimônio metropolitano, e obrigava o sesmeiro a desta forma proceder sob pena de retorno da área ao domínio da Coroa, o que se chamava de incorrer em comisso, isto é, sujeitar-se a sanção imposta devido descumprimento das regras da concessão. A ocupação de faixas de terras a título de sesmarias – com medida média de 10 (dez) léguas – era parte da política de colonização portuguesa e regida pela legislação, que instituía as condições de exploração das terras e o pagamento de tributos7, ademais, indiretamente, o regime sesmarial desencadeou um conjunto de relações sociais entre sesmeiros e posseiros no espaço agrário colonial. Outrossim, à luz da dialética socioespacial, ao lado dos estabelecimentos rurais mercantis coloniais, formava-se a contradição do sistema capitalista – o “campesinato brasileiro” – com o surgimento de pequenas unidades produtivas de diferentes origens (familiar, negra, quilombola, cabocla), compostas por indivíduos pobres, destituídos de capital e altamente dependentes das condições de vida e de trabalho ofertadas pelas elites agrárias regionais. Semelhante (conceitualmente) ao movimento e ao grupo social originado na Europa, no curso e no pós-feudalismo, o campesinato brasileiro veio a desempenhar um papel fundamental na contestação do capitalismo agrário. O insucesso da exploração das “terras sesmariais”, atribuído à imensidão do território e à impossibilidade de se aplicar a devolução das áreas inexploradas ao patrimônio da Coroa Portuguesa, por causa da ausência e da precariedade do aparelho estatal administrativo, fizeram com que a apropriação das terras devolutas, desta forma denominadas pela ausência do domínio – do direito de propriedade da Coroa e dos particulares – se tornasse um expediente caríssimo e peculiar de poder geopolítico e de dominação pelas forças e elites políticas. Diante dos fatos históricos e geográficos, a política territorial colonial conspirou a favor das desigualdades regionais e sociais nas díspares regiões nordestinas (Zona da Mata, Agreste, Sertão, Meio-Norte), segundo as lições de Manuel de Manoel Correia de Andrade (2011)8, e nas outras regiões (Centro-Sul e Norte), como também se extrai dos estudos de Pierre Monbeig (1998)9 a respeito do avanço paulista e das fazendas de café em São Paulo, uma vez que nem ciclos produtivos e o vindouro desenvolvimento urbano-industrial foram capazes de quebrar a tradição aristocrática e oligárquica na gestão do território no Brasil. Os resultados das principais políticas territoriais coloniais foram insatisfatórios para promoção de projeto de colonização, povoamento e desenvolvimento territorial na perspectiva social e democrática, mas foram importantes na formação do espaço brasileiro, com todas as suas características e contradições. Aliás, o Tratado de Madri (1750), celebrado entre Portugal e Espanha, que reconhecia a ocupação dos territórios coloniais e imprimia os contornos das fronteiras interestados na América do Sul e das futuras unidades federativas (antes capitanias hereditárias)10, a partir do princípio utis possidetis, consagraria não só a expansão e a conquistas territoriais de Portugal a oeste, mas um princípio agrário fundamental: a terra pertence a quem ocupa. 7

O instrumento que disciplinava o pagamento de tributos era denominado foro enfitêutico. ANDRADE, Manoel Correia de. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 8 ed. São Paulo. Cortez, 2011. 9 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. Tradução de Ary França e Raul de Andrade Silva. 2 ed. São Paulo. Hucitec, 1998. 10 O Tratado de Santo Idelfonso (1777) encerrou as últimas disputas territoriais entre as Coroas Ibéricas no Sul do país, que envolviam a Colônia do Sacramento e os Setes Povos das Missões. 8

A extinção do Regime Sesmarial no ano de 1822, às vésperas da independência do Brasil, não implicou a eliminação do instituto no ordenamento jurídico nem no fim dos efeitos legais por ele produzidos, pelo contrário, as sesmarias concedidas vieram a ser reconhecidas como títulos de domínio, perdurando seus efeitos até os dias de hoje. Em acordo com Lia Osório Machado (1996)11, com o fim do Regime Sesmarial, e até a edição da Lei de Terras de 1850, não houve regulamento jurídico da matéria fundiária no país, por isso mesmo alguns autores chamam este período de “Império das Posses”, quando predominou os direitos possessórios sobre os direitos reivindicatórios, o que, indiretamente, beneficiou posseiros, colonos e imigrantes. Com efeito, as posses constituídas não tinham respaldo legal, pois as terras ditas devolutas deixaram de pertencer à Coroa Portuguesa, mas passaram a ser de domínio do Império (com a Proclamação da República em 1889, do Estado brasileiro); e ainda assim, geravam direitos de fato, uma vez que os posseiros conseguiam usufruir das terras e dos seus recursos. À margem do primado do direito de propriedade, foi sendo sedimentado o direito de posse, hoje, amplamente reconhecido pelo Estado, pelas instituições públicas e pela sociedade, sendo pressuposto fundamental da justiça agrária, embora marcado de forma indelével pelos conflitos de terras e dilemas sociais. Apenas com a Lei n.º 601/1850 sobreveio nova regulamentação do regime de propriedade e posse rural no país, que vedava a aquisição de terras de forma gratuita, ou seja, proibia a concessão de terras públicas ou devolutas, e assegurava os direitos reais constituídos mediante o reconhecimento das posses legítimas, formadas a partir da cultura efetiva e da moradia habitual. Em um só tempo, a lei obstaculizou o acesso à terra de novos ocupantes e posseiros, trabalhadores e agricultores pobres e escravos (em vias de serem libertos face à proximidade da abolição da escravidão em 1888) e fundou o direito de propriedade territorial privada no Brasil. Tamanha a importância da Lei de Terras que sua vigência não exauriu, e seus fundamentos conceitos e normativos ainda regem a política territorial e agrária atual, sabidamente: i) o estatuto jurídico das terras devolutas; ii) o reconhecimento da posse mansa e pacifica; iii) a revalidação das áreas concedidas a título de sesmarias e de outros tipos em direito admitidos; iv) a obrigatoriedade de cumprimento de cláusulas resolutivas na alienação das terras públicas; v) o devido processo administrativo para discriminação das terras públicas das de particulares; vi) a necessidade de destinação das terras públicas e devolutas; vii) obrigatoriedade do registro público 12 (Decreto n.º 1.138/1854); A geopolítica colonial, estruturada a partir das políticas (ou geoestratégias) territoriais europeias e portuguesas, como as já mencionadas capitanias hereditárias e sesmarias, serviram para o controle do território e para o relativo adensamento social e econômico no Brasil, nos moldes do projeto civilizatório dominante. Impulsionada pelos tratados internacionais e concretizada pela implementação de ações concretas da Coroa e do Império, a colonização do país forneceu os subsídios necessários para a formação do território, para a adoção do modelo agro-primário-exportador e para o primado da propriedade privada no Brasil. 11

SILVA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas. EDUNICAMP, 1996. 12 Cf. ROCHA et al. Manual de direito agrário constitucional: lições de direito agroambiental. ROCHA, Ibraim; TRECCANI, Girolamo Domenico; BENATTI, José Helder; HABER, Lilian Mendes; CHAVES, Rogério Arthur Friza. Belo Horizonte. Fórum, 2015.

Formação territorial da República do Brasil e do Estado de Mato Grosso e as políticas territoriais recentes: a complexidade do espaço agrário e terras devolutas Independente desde 1822, deixou de ser império para tornar-se a repúbica em 1889, o país teve grandes dificuldades na sua afirmação geopolítica e na integração nacional. Durante longo período, o Brasil foi vigiado de perto pelos colonizadores e tutelado pela Inglaterra e pelos Estados Unidos da América (num segundo momento), e foi tomado pelas disputas de interesses externos e das elites políticas, oligarquias agrárias e classes dirigentes (militares, burocratas, clérigos etc); resultado disso é o questionável projeto de integração e desenvolvimento nacional definido no curso do tempo-espaço ao sabor das circunstâncias e dos pactos de poder. Assim, a República, na realidade social, distanciou-se de valores sensíveis: igualdade, liberdade e justiça. Com a ocupação do interior do país, motivada pela ação das bandeiras paulistas para caçar indígenas e escravos e para procura de metais preciosos, e com os ciclos da mineração e da produção agropecuária para abastecimento dos centros consumidores, o desbravamento do território brasileiro facilitou a difusão dos interesses geopolíticos e capitalistas e se tornou um importante e inacabado capítulo da formação do espaço brasileiro. Celso Furtado13 destaca que a primeira metade do século XIX importou um período de transição no qual se firmaram a integridade territorial e a independência política do Brasil, em verdade, o “boom” do café e o posicionamento do centro-sul como polo dinâmico da política e da economia nacional trouxeram grandes vantagens, mas difícil falar em unidade territorial diante das revoltas provinciais nesta época 14. Na Primeira República ou República Velha (1889-1930), o poder concentrava-se nas mãos dos militares, aliados dos conservadores e das oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais, que mais tarde se alternariam no poder na conhecida “política do café com leite”. Apesar da instituição do poder republicano e da promulgação da Constituição de 1891, a primeira do Brasil republicano, as tensões políticas, tanto no Governo Central, no Rio de Janeiro, quanto nos governos estaduais, não permitiram a tão almejada unidade nacional. A instabilidade política, a pessoalidade do poder e as revoltas intestinas (Canudos na Bahia e Contestado no Sul) evidenciavam a corrupção do ideal republicano de erguer um país livre, independente e progressista. A título de informação, a Constituição Republicana de 1891 continha uma das principais “negociatas” do Governo Central com as elites políticas e agrárias regionais: a incorporação das terras devolutas ao patrimônio dos Estados, aquelas situadas em seus respectivos territórios, com reserva de domínio da União sob as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Além disso, o Código Civil de 1916 consagrou a matriz ideológica privatista e individualista de direitos e o modelo jurídico liberal, que reverberam nos instrumentos fundadores da atual conformação legal da propriedade territorial 15. 13

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32 ed. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 2003. 14 São exemplos de revoltas provinciais: a Cabonagem no Pará, a Sabinada na Bahia, a Balaiada no Maranhão, a Balaiada no Maranhão, a Farroupilha no Sul (COSTA, 2000). 15 Cf. LIMA, Diogo Marcelo Delben Ferreira de. Sensibilidade agroambiental nos países do Cone Sul: estrutura fundiária, produtividade agropecuária e sustentabilidade no espaço agrário da América Latina. In: 19 Congresso Brasileiro de Direito Ambiental e do 9 de Direto Ambiental dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola, 2014, São Paulo. Saúde ambiental: política nacional de saneamento básico e resíduos sólidos. São Paulo. O Direito Por Um Planeta Verde, 2014. v. 01. p. 319-326.

De acordo com Becker e Egler16 (2010), o Brasil, na condição de semiperiferia na economia-mundo, detinha profunda heterogeneidade estrutural acumulada pelo capitalismo ao longo da sua história, ademais, para atender os interesses combinados de capitalistas estrangeiros e de setores hegemônicos domésticos, o Estado brasileiro decidiu pela adoção de via autoritária para implementação de projeto nacional para a modernidade, com outras palavras, ocorreu no Brasil a instalação da modernização conservadora, conforme Becker e Egler (2010) 17, isto pode ser percebido quando “o Estado negocia com grupos privados a manutenção de privilégios e a sua inclusão ou exclusão na apropriação da coisa pública, em troca do apoio de modernização de cima para baixo” (Becker e Egler, 2010, p. 33)18. Ainda que a recessão de 1929 e a crise da economia cafeeira tenham abalado os setores políticos, produtivo e financeiro do país, as bases do crescimento urbano e industrial estavam prontas e aptas a lançar a nação na sua maior jornada territorial – uma moderna interiorização do território nacional. A desarticulação socioespacial, isto é, a centralização político-administrativa, os contrastes inter e intra-regionais, a falta de um mercado interno forte, a precariedade da rede de transportes, comunicações e infraestrutura, dificultava o desenvolvimento nacional e a inserção do país no mercado mundial, razão pela qual era premente a adoção de “geopolítica nacional” para fazer frente aos desafios de se construir jovem e moderna nação republicana e democrática na América do Sul. Na Segunda República ou Era Vargas (1930-1945), com a Revolução de 1930 e com o surgimento do “Estado Novo”, sob o comando de Getúlio Vargas19, é construído autêntico projeto nacionalista, fundado no interesse público-estatal, na independência externa, no fortalecimento do mercado interno, na centralização do poder, no papel ativo do Estado na economia (intervencionismo), na abertura econômica e na inserção internacional. Aliado da burguesia urbano-industrial e apoiado por setores da pequena burguesia e do operariado, num contexto social favorável as mudanças significativas na sociedade brasileira por ocasião da irrupção de movimentos de artistas, intelectuais e jovens militares no período, o Governo consagrou o paradigma desenvolvimentista e implantou a mais incisiva política territorial no Brasil: a “Marcha para Oeste”. Sem embargo, Getúlio Vargas promoveu inovações político-administrativas, como a criação de ministérios e órgãos estatais importantes para a gestão pública, e tutelou direitos trabalhistas e previdenciários, outrossim, a sua personalidade populista e o seu comando autoritário, após a imposição da forma ditatorial de seu governo no ano de 1937, garantiram a execução de ações fundamentais para o desenvolvimento nacional, com destaque para a implantação das colônias agrícolas nacionais. Fomentadas pelo Estado e destinadas a atender o mercado doméstico, as colônias agrícolas consistiram nas primeiras áreas de expansão da fronteira agrícola em direção ao interior do país e de avanço do capitalismo no campo já sob o manto da revolução técnico-cientifica da produção de alimentos e commodities. 16

BECKER, Bertha K. EGLER, Claudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo. 6 ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2010. 17 Op cit. 18 Ibidem. 19 Para maiores informações sobre a política nacional e sobre o governo de Getúlio Vargas: BRESSERPEREIRA, Luiz Carlos. Desenvolvimento e crise no Brasil: história, economia e política de Getúlio Vargas a Lula. 5 ed. atual. São Paulo. Ed. 34, 2003.

Na propaganda e no discurso oficial da política de ocupação da Amazônia e dos “espaços vazios”, os argumentos do Governo eram convincentes para mobilização de massas de pequenos produtores rurais, agricultores familiares e trabalhadores rurais e para atração do capital estrangeiro na agricultura moderna brasileira. No que se refere ao interior do território nacional, essa primeira etapa de colonização público-privada, pois combinava as ações do Estado, das firmas colonizadoras privadas e das empresas agropecuárias, produziu resultados diretos em Goiás, no sul do então estado de Mato Grosso (hoje, Mato Grosso do Sul). A “política de colônias agrícolas” foi mais restrita, na verdade, logo após o fim do Estado Novo em 1947, foi a “política de colonização pública e privada” a principal responsável pelo povoamento do interior; espalharam-se pelo país diversos núcleos de colonização voltados a criação de aglomerados urbanos estratégicos para o apoio às atividades produtivas e à construção da malha ferroviária e viária no Brasil. Ocorre que a implantação das colônias agrícolas e de povoamento deprecava a aliança dos governos federal e estaduais, especialmente a concatenação dos atos estatais em matéria territorial e fundiária. Em outros termos, para a territorialização das gentes e do capital era cogente o regramento político-jurídico das terras públicas e devolutas, bem como a efetiva destinação daquelas aos agentes econômicos. Para Gislaene Moreno (2007)20, as formas históricas de acesso à terra, com destaque para o caso de Mato Grosso, e a institucionalização da propriedade privada estão ligadas ao processo de ocupação e formação territorial do Brasil, que é sustentáculo da lógica do desenvolvimento capitalista. Neste viés, as colônias foram grandes empreendimentos imobiliários indutores da agricultura moderna nos diversos estados da federação, que hoje têm grande importância no produto interno bruto nacional. Registra Fernando Tadeu de Miranda Borges (2001) 21, a respeito da história econômica de Mato Grosso, que a Província/Estado esteve isolado até praticamente os anos 1930, ou melhor, esteve ligado, sim, ao mercado externo, mas não à economia e à política nacional. Fato é que a ocupação antiga do estado de Mato Grosso, impetrada por força da atuação dos bandeirantes paulistas, da expansão territorial e da proteção da fronteira oeste, da exploração das minas de ouro e das suas atividades produtivas (extrativista, açucareira, madeireira e agropecuária), impôs certas marcas geográficas: a estrutura territorial e fundiária heterogênea. Para maior penetração do capital no território nacional, o Estado brasileiro teve que reforçar suas ações no interior do país, para isto intensificou o papel de órgãos e empresas públicas na área de planejamento, infraestrutura e crédito e prosseguiu com a construção de um conjunto de intervenções territoriais estratégicas: a construção da rodovia Belém-Brasília e fundação de Brasília, a capital federal no Planalto Central. No Governo de Juscelino Kubitschek (1956-61), avançou o desenvolvimentismo nacional, bem como foi ampliado o espaço das firmas capitalistas transnacionais na economia brasileira e do próprio país no plano internacional. O conhecido Plano de Metas, que prometia 50 anos de crescimento e 05 anos de governo, teve êxito no estabelecimento de um ambiente político-governamental receptivo aos largos investimentos privados nas áreas de modernização da agricultura, industrialização, transportes e energia. 20

MORENO, Gislaene. Terra e poder em Mato Grosso. Política e mecanismos de burla. 1892-1992. Cuiabá. Editora Entrelinhas, EDUFMT, 2007. 21 BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo à pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso – 1970 a 1930. São Paulo. Storcecci, 2001.

As investidas do Governo Federal, voltadas ao crescimento econômico e social e à reestruturação produtiva do país surtiram efeitos nos anos 50, 60 e 70. Na visão de Barrozo (2008)22, a política de colonização da Amazônia e do Centro-Oeste estava fortemente apoiada na performance dos órgãos estatais e na execução de programas federais e estaduais, como os órgãos fundiários e bancos públicos e os planos regionais e setoriais de desenvolvimento (POLOAMAZÔNIA, POLONOROESTE, POLOCENTRO etc). No estado de Mato Grosso, atuaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – e diversos órgãos estaduais, com maior importância o Departamento de Terras e Colonização, a Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso e o Instituto de Terras do Estado de Mato Grosso – INTERMAT – em funcionamento. O Incra difundiu projetos de colonização e de assentamentos rurais em regiões afetas ao domínio da União (Sudeste, Médio-Norte e Sudoeste), sobretudo em áreas sob a influência das rodovias federais (BR-364, BR-163, BR-070) e da faixa de fronteira. O Estado, por meio dos órgãos fundiários estaduais, interveio em todo o território, em especial, nas áreas de ocupação antiga, na Baixada Cuiabana (Sul) e Norte. Contudo, a concessão de terras devolutas para implantação de projetos de colonização mostravase desigual e perversa na distribuição dos ônus e bônus da política de colonização e de desenvolvimento nacional, pois privilegiava setores e pessoas com poder político e econômico em detrimento das necessidades de agricultores pobres e trabalhadores rurais sem terra e de um ordenamento territorial justo e compatível com a realidade geográfica e social brasileira. A macroestratégia territorial tinha como objetivos não só a o povoamento e a integração nacional, mas a redução das tensões sociais nos grandes centros urbanos do sul e sudeste e a reprodução ampliada do capital em novos e promissores setores da economia brasileira, uma ambição da ascendente burguesia urbano-industrial. Wanderley Messias da Costa (2000)23 adverte que nenhuma política territorial é, por si só, exclusivamente geográfica ou geopolítica, simples instrumento de combinação das ações do Estado no espaço geográfico, ou melhor, com o avanço do capitalismo, essas políticas territoriais tendem a ser cada vez mais subestratégicas no âmbito da política externa maior. Amparados pelo entendimento crítico a respeito da valorização do espaço, pode-se afirmar que até mesmo a divisão do Estado de Mato Grosso em 1977 (e a criação do estado de Mato Grosso do Sul) nada mais representou do que senão mais uma subpolítica útil à divisão do poder e à estratégia territorial nacional. Na ditadura militar, o caráter autoritário da gestão territorial passa a ser oficial. Nem mesmo o Estatuto da Terra, Lei n. 4.504/1964, o Estatuto do Trabalhador Rural, a Lei n. 4.214/1963 (revogado pela Lei n. 5.889/1973) e o Código de Terras do Estado de Mato Grosso, Lei Estadual n. 3.922/1977, foram suficientes para a promoção da justiça agrária e para o estabelecimento de um ambiente social harmônico e com oportunidades de trabalho e de vida para as populações rurais. A territorialização do capital nos espaços amazônicos e do cerrado foi impactante e custosa para o meio ambiente e para a sociedade, e associada à política econômica dos militares e ao “Milagre Brasileiro”, teve a sua parcela de responsabilidade na instabilidade política, social, fiscal e monetária nos anos 1980 e 1990. 22

BARROSO, João Carlos. Mato Grosso do sonho à utopia da terra. BARROSO, João Carlos (org). Cuiabá. EdUFMT, Carlini & Caniato Editorial, 2008. 23 COSTA, Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. 9 ed. São Paulo. Contexto, 2000.

Segundo entende Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2007) 24, o desenvolvimento do capitalismo ocorre de forma contraditória e desigual, enquanto impõe condições prejudiciais as formas autônomas e independentes de organização e trabalho humano, estabelece também outras alternativas ao modelo econômico dominante. Conforme o autor, a modernização da agricultura apenas prestigia a lógica capitalista (monopolista e lucrativista) em prejuízo do campesinato, de agricultores familiares e trabalhadores rurais. O processo de expropriação das terras é o ponto nevrálgico da questão agrária brasileira, mas a ineficiência do Estado e a ausência de prestações estatais em favor do cidadão do campo e pró-subordinação da agricultura à indústria e ao capital subsidiam um modelo econômico e social excludente. Após a redemocratização do país, e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o “novo” pacto federativo brasileiro e a reforma agrária assumem posição de relevo no campo da organização político-administrativa e do Estado, da problemática territorial e das relações entre unidades federativas, e do reordenamento agrário e fundiário. Devidamente recepcionadas pela Constituição Federal, as leis e as normas relacionadas às terras públicas e devolutas (Lei n. 6.383/1976) e às áreas de fronteira (Lei n. 6.634/1979), que interferem na questão territorial e nas atribuições dos entes federados devem gerar maior segurança jurídica para o reordenamento territorial e para a proteção da propriedade privada. Já a reforma agrária, regulamentada pela Lei n. 8.629/1993, para ter efetividade na defesa dos direitos sociais dos agricultores familiares e dos trabalhadores rurais, depende demasiadamente da implantação de políticas de governo e do reconhecimento jurídico e social por partes das instituições públicas e da sociedade. Fato é que a legislação especial concorreu para a gênese de um ambiente agrário marcado pela estrutura fundiária e pela multiplicidade de atores e fatos sociais, e pelas rugosidades. No Brasil, a questão territorial e agrária envolve, basicamente, a historiografia da gestão do território, a diversidade étnica e social no campo e a incapacidade do Estado de apresentar ações concretas no reconhecimento dos direitos territoriais e sociais de populações rurais. A formação territorial do Brasil evidencia o predomínio das formas excludentes de apropriação dos bens públicos e coletivos, como a terra, e demonstra que o processo de exploração do território serviu aos interesses capitalistas estrangeiros e nacionais. No caso de Mato Grosso, a formação territorial ressalta o uso do território por seletos grupos sociais (bandeirantes, capitalistas urbanos e rurais) e pelo Estado, a predominância da agricultura moderna e do modelo agrário exportador, ao mesmo tempo, são reconfiguradas as contradições do capitalismo no campo, como o campesinato. CONSIDERAÇÕES FINAIS A indissociabilidade dos aspectos territorial e agrário na formação do espaço brasileiro é incontestável, à vista disso, a estrutura territorial, produtiva e fundiária é conditio sine qua non para a implantação de projeto espacial inclusivo e sustentável direcionado a atender as demandas da sociedade, com respeito ao desenvolvimento humano e social. Desfazer o cipoal político-agrário é medida que se impõe para efetivar o reordenamento do território com justiça e desenvolvimento social. 24

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São Paulo. Labur Edições, 2007.

REFERÊNCIAS ANDRADE, Manoel Correia de. A questão do território no Brasil. 2 ed. São Paulo. Ed. Hucitec, 2004. ___. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 8 ed. São Paulo. Cortez, 2011. BARROSO, João Carlos. Mato Grosso do sonho à utopia da terra. BARROSO, João Carlos (org). Cuiabá. EdUFMT, Carlini & Caniato Editorial, 2008. BECKER, Bertha K. EGLER, Claudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo. 6 ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2010. BORGES, Fernando Tadeu de Miranda. Do extrativismo à pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso – 1970 a 1930. São Paulo. Storcecci, 2001. COSTA, Wanderley Messias da. O Estado e as políticas territoriais no Brasil. 9 ed. São Paulo. Contexto, 2000. ___. Geografia política e geopolítica. Discursos sobre o território e o poder. 2 ed. 2 reimpr. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2013. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32 ed. São Paulo. Companhia Editora Nacional, 2003. MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. Tradução de Ary França e Raul de Andrade Silva. 2 ed. São Paulo. Hucitec, 1998. MORENO, Gislaene. Terra e poder em Mato Grosso. Política e mecanismos de burla. 1892-1992. Cuiabá. Editora Entrelinhas, EDUFMT, 2007. MORAES, Antonio Carlos Robert. Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. São Paulo. Hucitec, 2000. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária. São Paulo. Labur Edições, 2007. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 43 ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 2012. SILVA, Ligia Osório Machado. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas. EDUNICAMP, 1996.

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