FORMAÇÃO, TRABALHO OU ASSISTÊNCIA? PANORAMA E CRÍTICA DO ESTÁGIO NÃO-OBRIGATÓRIO NA UFSC

June 5, 2017 | Autor: Tsamiyah Levi | Categoria: Juventude, Trabalho, UFSC, Estágio não-obrigatório, Assistência
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FORMAÇÃO, TRABALHO OU ASSISTÊNCIA? PANORAMA E CRÍTICA DO ESTÁGIO NÃO-OBRIGATÓRIO NA UFSC FORMATION, LABOUR OR ASSISTANCE? OVERVIEW AND CRITICAL ABOUT NON-MANDATORY INTERNSHIP Tsamiyah Carreño Levi1 Treicy Giovanella da Silveira2 Antonio Alberto Brunetta3 RESUMO O objetivo da pesquisa é problematizar as condições de formação e atuação dos bolsistas de estágio não obrigatório na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e produzir um panorama das precariedades que lhe são inerentes. Nossa hipótese diz respeito à articulação entre juventude, trabalho, formação e assistência como condição legitimadora da precariedade da formação e do trabalho. A metodologia abrange a análise quantitativa de dados oficiais do Departamento de Integração Acadêmica e Profissional (DIP/UFSC) sobre os bolsistas, considerando o período de 2008 a 2014. Através da análise qualitativa, são avaliadas as legislações sobre estágio, nacionais e da universidade. Os resultados apontam para a centralidade do trabalho na articulação entre assistência, formação e trabalho e a amplitude no uso da modalidade de bolsa como meio de apropriação de trabalho em condições adversas, legitimado pela necessidade de assistência aos estudantes, o que ocasiona um paradoxo nas políticas que tentam articular formação, trabalho e assistência. Palavras-chave: Estágio não-obrigatório. UFSC. Juventude. Trabalho. Assistência. ABSTRACT This work aims to render problematic the conditions of formation and actuation of students on nonmandatory internships on the Santa Catarina’s National University (UFSC) and to produce a scenery of its inherent precariousness. Our hypothesis talks about the articulation between youth, labour, professional formation and assistance as a condition that legitimate the precariousness of labour and formation. The methodology develops a quantitative analysis of official data, from the Department of Academic and Professional Integration (DIP/UFSC), considering the period of 2008 to 2014. Aspects such as the legislation about internships, national and university specific, are evaluated through qualitative analysis. The results points to the centrality of labour in the articulation between assistance, formation and labour and also the amplitude in the use of the internship as a mean of appropriation of labour in adverse conditions, made legit by the necessity of assistance to students, what develops a paradox on politics that try to articulate formation, labour and assistance. Keywords: Non-mandatory internship. UFSC. Youth. Labour. Assistance.

                                                             1

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email: [email protected] 2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected] 3 Doutor em Ciências Sociais; Professor do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]  

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1. CONTEXTO DO ESTÁGIO NÃO OBRIGATÓRIO E OS PROBLEMAS PARA A FORMAÇÃO Após mais de uma década de reduzido investimento federal na educação superior brasileira, sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (19942001), o governo Luís Inácio Lula da Silva (2002-2010) apresenta o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)4 como possibilidade de ampliação pontual do investimento financeiro e de infraestrutura. De acordo com o REUNI, para a ampliação do investimento se fez necessária a expansão de campi, cursos e vagas em cursos de graduação, estes com metas quantitativas de redução de evasão dos cursos e de número de professores por aluno nos cursos. Apenas essas informações já são suficientes para que possamos inferir que às universidades federais brasileiras, mediante o REUNI, já se apresentava como horizonte aquilo que Marilena Chauí (2001) definiu como “universidade administrada”, isto é, a implantação de um modelo de expansão pautado na otimização dos recursos, a qual implica a “escolarização” do ensino superior, o que em outras palavras significa a articulação da formação superior às demandas do mercado de modo a privá-la de sua função de produtora autônoma de conhecimento e de crítica. No caso da UFSC5, o REUNI implicou, resumidamente, a criação de três novos campi, 22 novos cursos, ampliação de vagas em 24 cursos já existentes, totalizando 1910 novas vagas para estudantes de graduação e a abertura de 116 novas vagas para docentes. Vale lembrar que essa expansão se fez orientada pelo princípio de reduzir a seletividade do vestibular, o que a despeito do mérito de pretender trazer para os bancos da universidade jovens de camadas da sociedade historicamente excluídas da educação superior, implicou na necessidade de maior investimento em assistência estudantil como forma de garantir a permanência desses estudantes. E é justamente a maneira como a assistência estudantil tem sido pervertida em seus objetivos (que deveriam coincidir com a garantia da formação de qualidade) que neste trabalho ensejamos debater. Para tanto, a UFSC, por meio do Edital nº 18/PROGRAD/2013 (Programa Institucional de Bolsas de Estágio - PIBE 20146) dispôs de 800 bolsas para estágios não obrigatórios, as quais teriam validade para o ano de 2014, sendo 80 destas (10%) destinadas a estudantes com deficiência, e das 720 bolsas restantes (90%) seriam assim distribuídas: 400 bolsas para setores específicos da Administração Central, incluindo a Farmácia-Escola, o Colégio de Aplicação (CA) e o Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI); e 320 bolsas para os Centros de Ensino em seus Departamentos, Coordenações de Cursos, Laboratórios e Núcleos. O valor das bolsas é de R$ 364,00 (trezentos e sessenta e quatro reais), acrescido do valor do auxílio-transporte que será de R$132,00 (cento e trinta e dois reais).                                                              4

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm. Acesso em 20 de julho de 2015. 5 Para mais informações consultar: http://www.orgaosdeliberativos.ufsc.br/files/2011/08/reuni-cun30042009.pdf 6 Neste ponto do texto, vale uma digressão em relação à nomenclatura do PIBE, pois a palavra “bolsa” precede a palavra “estágio”, o que nos sugere, novamente, tanto a necessidade de assistência estudantil, mas sobretudo a perversão da atividade fim para a qual a bolsa é paga, no caso, o estágio. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outros programas do governo federal, tais como o Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), o Programa de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), entre outros. Revista da ABET, v. 13, n. 2, Julho a Dezembro de 2014

 

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Ainda, de acordo com o Edital 18/PROGRAD/2013, se estabelece que a definição da oferta de campos de estágio é feita pelos setores específicos respeitando as respectivas demandas, as quais devem ser identificadas em formulário eletrônico próprio e referendadas pela chefia do setor. Temos aqui um primeiro indicativo de que a formação sucumbe à demanda por trabalho nos setores da instituição, as quais visam prioritariamente o atendimento aos interesses do setor, mesmo que por meio do Programa de Atividades de Estágio (PAE) sejam descritas as atividades a serem desenvolvidas pelo estagiário em compatibilidade com o curso que realiza. Assim, se exige também, a articulação das atividades do estágio não obrigatório com uma disciplina do curso de formação e a anuência de um orientador de estágio, no caso o professor da respectiva disciplina. A premência das demandas pelo trabalho dos estagiários em detrimento da formação dos estudantes se revela também pelo fato de que o edital estabelece critérios para a seleção dos pedidos de estagiários, deixando a critério do supervisor do estágio (profissional responsável pelo campo de estágio) a definição dos critérios para a seleção do bolsista. É recorrente que a demanda dos setores por estagiários seja, em geral, duas vezes maior que a oferta de bolsas, cabendo até mesmo um item do edital para tratar dos pedidos de reconsideração da seleção das propostas que não puderam ser aceitas. Podemos então, preliminarmente inferir que, tal como afirmamos no início deste texto, a expansão da universidade preconizada pelo REUNI, não se fez acompanhar da ampliação do número de servidores técnicos administrativos em proporção equivalente, exigindo de maneira urgente o trabalho dos estagiários nos setores. Até aqui, já podemos verificar o nível considerável de articulação entre formação, trabalho e assistência que se realiza por meio do oferecimento de bolsas de estágio na Universidade Federal de Santa Catarina. No entanto, é preciso frisar que a articulação se dá por meio da predominância dos interesses por prover os setores da universidade (em suas mais variadas demandas) de mão de obra, pois em termos bastante diretos se pode afirmar que são 800 trabalhadores que se disponibilizam como força de trabalho temporária, com baixa remuneração, para a realização de atividades básicas na própria instituição de ensino superior no limite de 30 horas semanais, estas compatíveis com o horário escolar. A evidência mais marcante de que o trabalho se constitui como mote prioritário na trama dos estágios não obrigatórios é revelada pelo fato de que a Lei 11.788/2008, legislação nacional que regulamenta as atividades de estágios de estudantes, enquanto atenta-se para a Decreto-Lei 5.452/1943 (CLT), possui como fundamento a defesa da condição de formação do estudante, a qual se dá frente aos riscos da exploração no contexto de trabalho, tal como se apresenta logo em seu Art. 1º “Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior [...]”, mas a mesma lei define em 20% a quantidade de estagiários em relação ao total de trabalhadores na instituição concedente do estágio. Doravante, o fato das instituições públicas federais serem campos concedentes de estágios é também matéria de Orientação Normativa nº 4/20147, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a qual estabelece, no parágrafo 6º do Art. 7º, a possibilidade de                                                              7

Disponível em: http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/285335

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Os órgãos e entidades poderão autorizar a contratação de estagiários de nível superior e médio profissionalizante acima do limite previsto no caput, observado o disposto no § 4º do art. 17 da Lei nº 11.788, de 2008, e a competência de que trata o art. 13 do Decreto-Lei nº 200, de 1967, com base na razoabilidade, no interesse público e na dotação orçamentária.

O que se desdobra do disposto na orientação normativa é, mais uma vez, a dimensão da demanda por trabalhadores nos órgãos federais, a qual tende a ser suprida por trabalhadores precarizados sob o argumento da contribuição à formação e a assistência aos mesmos, no contexto da expansão da educação superior brasileira, sem os aportes de recursos humanos suficientes8. Em sintonia com a legislação federal, a Resolução Normativa 14/CUn/2011, que regulamenta os estágios curriculares dos alunos dos cursos de graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, é também demonstrativa da conversão em trabalho precário das prioridades de formação preconizadas pelo estágio, pois em seus artigos 17 e 18 acabam por demonstrar a alta demanda pela mão de obra representada pelos estagiários: Art. 17. As bolsas de estágio a que se refere o art. 16 serão distribuídas para os campos de estágio na Universidade por meio das unidades universitárias e unidades administrativas, mediante justificativa de demanda, observados os requisitos previstos nos art. 2.º e 3.º desta Resolução Normativa. Art. 18. O processo de distribuição a que se refere o art. 17 será conduzido por comissão designada pelo Pró-Reitor de Ensino de Graduação para avaliar as demandas das unidades universitárias e unidades administrativas da Universidade.

Vê-se que as ofertas de estágio nos setores da universidade exigem a “justificativa de demanda”, reveladora do fato de que ao invés dos setores da universidade se apresentarem como campo de estágio, no qual o estagiário possa aprender uma atividade profissional e constituir sua formação de modo aplicado, o que ocorre é a abertura de campos de estágio mediante a demanda justificada por trabalhadores no setor. Isso nos leva a ponderar sobre as efetivas condições de formação dos estudantes em estágio, considerando as admitidas sobrecargas de trabalho no setor apresentadas como justificativas de demandas. Assim, mesmo que o estágio não obrigatório seja previsto nos projetos pedagógicos dos cursos, estes dispõem de pouco ou nenhuma autonomia diante da vinculação direta do estágio em relação à legislação trabalhista e à necessidade de assistência por parte dos estudantes para permanecerem nos cursos, na medida em que a permanência também atende às metas de redução da evasão e ampliação das taxas de conclusão dos cursos, tais como compactuadas pelo REUNI.                                                              8

Tratando especificamente das universidades federais da região Sudeste do Brasil, o diagnóstico de Sguissardi e Silva Junior (2009) sobre a realidade do trabalho coaduna nossas afirmações, pois entre 1995 e 2005, houve um decréscimo de 40% na composição do corpo técnico no mesmo período, trabalho que passou a ser assumido pelos próprios docentes, pelo que estamos afirmando, também por estagiários.

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2. O ESTÁGIO NÃO OBRIGATÓRIO: PANORAMA QUANTITATIVO (20082014) Os dados a seguir demonstram o aumento do número de estágios não obrigatórios registrados durante o período estudado e a predominância de jovens nestes cargos. Na Tabela 1, estão dispostos o total de registros de estágios não obrigatórios em todos os campi da UFSC. Os dez cursos com mais estagiários são, em ordem decrescente: farmácia (638 estágios não obrigatórios registrados), jornalismo (527), pedagogia (407), administração (376), biblioteconomia (noturno) (349), letras – língua portuguesa e literaturas (331), enfermagem (315), ciências econômicas (290), ciências da computação (243), medicina (234). Somados, estes cursos representam 33,37% (3710) dos estágios não obrigatórios registrados no período de 2008 a 2014. Tabela 1. Número de estágios por curso entre 2008 e 2014 Curso Administração Agronomia Agronomia [Curitibanos] Antropologia Arquitetura e Urbanismo Arquivologia Artes Cênicas Bach. interd em mob [Joinville] Biblioteconomia (noturno) Ciência e Tecnologia de Alimentos Ciências Biológicas Ciências Biológicas (Lic.– not) Ciências Contábeis Ciências da Computação Ciências Econômicas Ciências Econômicas (noturno) Ciências Rurais [Curitibanos] Ciências Sociais Cinema Colégio Agrícola de Camboriú Col. Agr. Sen. C Gomes de Oliveira Colégio de Aplicação Design Design,(hab. em des de animação) Design (hab. em design de produto) Design (hab. em design gráfico) Direito EaD - Administração EaD (LIBRAS (bach) EaD (LIBRAS– Licenciatura) EaD – Matemática - Licenciatura EaD – UAB – Adm. Pública EaD – UAB – Ciências Biológicas EaD – UAB – Filosofia Educação do Campo – Licenciatura Educação Física Educação Física – Bacharelado Engenharia Automotiva [Joinville]

N.de Curso estágios 606 Engenharia Elétrica 145 Eng Eletrônica 7 Eng Ferrov e Metrov ([Joinville] 14 Eng Florestal [Curitibanos] 157 Engenharia Mecânica 104 Eng Mecatrônica [Joinville] 122 Engenharia Naval [Joinville] 85 Engenharia Química 349 Eng Sanitária e Ambiental 71 Farmácia 209 Farmácia – Análises Clínicas 116 Física - Bacharelado 248 Física – Licenciatura (noturno) 243 Filosofia 290 Fisioterapia [Araranguá] 143 Fonoaudiologia 17 Geografia 163 Geologia 111 Museologia 16 História 46 Interc Indíg do Sul da M Atlântica (Lic) 1 Jornalismo 217 Letras – Alemão 20 Letras – Espanhol 19 Letras – Francês 112 Letras – Inglês 193 Letras – Italiano 1 Letras (Língua Port. e Literat) 2 6 2 2 3 1 6 66 10 3

Letras – LIBRAS (bach) Letras (LIBRAS– Licenc) Matemática – Licenciatura Matem. e Comp. Científica Medicina Med.Veterinária [Curitibanos] Meteorologia Museologia Nutrição Oceanografia

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N. de estágios 124 21 2 18 103 2 6 35 135 638 8 57 54 134 12 217 204 23 14 299 8 527 101 150 120 223 113 520 45 28 78 17 234 5 4 14 167 43

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Engenharia Civil Engenharia de Alimentos Engenharia de aquicultura Eng de Comp (vesp e not - Araranguá] Engenharia de controle e automação Eng. de energia (vesp e not -Araranguá] Eng. de Infraestrutura [Joinville] Engenharia de materiais Engenharia de Produção Civil Engenharia de Produção Elétrica Engenharia de Produção Mecânica Eng.de Transp.e Logística [Joinville] Total Fonte: UFSC

230 29 110 10 40 13 6 18 61 35 28 4

Odontologia Pedagogia Psicologia Química Química – Bacharelado Química – Licenciatura Relações Internacionais Secretariado Executivo Serviço Social Sist. de Informação (noturno) Tec da inf e comun (not -Araranguá] Zootecnia

189 348 563 26 29 13 144 115 27 281 19 50 11276

Na Tabela 2, estão dispostos os dados sobre o número total de alunos que iniciaram o estágio durante os anos analisados. Foram desconsiderados nesta etapa os dados sobre os campi de Araranguá, Joinville e Curitibanos. Com o foco nos cursos que compreendem o campus da UFSC em Florianópolis, é possível notar um aumento numérico na quantidade de estagiários por ano. Se, em 2008, o total de estágios iniciados foi de 760, em três anos este número aumentou para 1793, tendo um pico no ano seguinte (2012) de 2370 estágios registrados. Segundo o relatório obtido no DIP, os dados de 2014 estavam ainda incompletos, por isso aparecem como numericamente menores do que nos dois anos anteriores, ainda assim, demonstram um número expressivo de registro de estágio não obrigatório. Tabela 2. Evolução numérica dos bolsistas ao longo dos anos Ano 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Total

Frequência 760 1.258 1.133 1.793 2.370 2.248 1.714 11.276

Porcentagem 6,7 % 11,2 % 10 % 15,9 % 21 % 19,9 % 15,2 % 100 %

Fonte: UFSC

A partir do mesmo recorte (cursos do campus da UFSC em Florianópolis) é possível verificar que a população deste estudo é predominantemente jovem. Segundo a Tabela 3 e o Gráfico 1, há uma concentração de alunos nascidos entre os anos de 1983 e 1995. Em 2008 o número de bolsistas que comportam esta faixa etária de nascimento era de 681, o que equivale a 90,43% do total de bolsistas daquele ano; em 2009, 1134 (91,01% do total); em 2010, 1029 bolsistas (91,30% do total); em 2011, 1635 (92,63%); em 2012, 2144 (92,85%); em 2013, 2129 (95,72%); e 2014, 1576 (93,19).

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Tabela 3. Distribuição etária dos bolsistas ao longo dos anos Ano de nascimento 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Total

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Total

2 1 2 2 1 3 1 5 2 7 8 12 26 43 44 87 129 139 134 68 30 7 0 0 0 0 0 0 0 753

2 2 1 1 6 2 7 11 5 4 14 21 36 48 67 93 143 211 208 181 143 25 7 8 0 0 0 0 0 1246

1 2 5 1 3 3 5 10 8 8 8 18 26 19 38 60 72 116 170 173 215 132 31 3 0 0 0 0 0 1127

2 0 4 1 7 2 6 8 10 10 17 26 37 43 55 73 119 149 166 245 259 285 191 48 2 0 0 0 0 1765

5 2 4 3 5 9 6 15 16 12 20 31 37 34 44 77 125 134 179 253 301 372 321 250 50 4 0 0 0 2309

2 0 3 5 3 7 11 5 8 9 7 17 15 23 35 63 64 100 141 193 211 317 353 331 228 70 3 0 0 2224

2 16 1 8 2 21 4 17 2 27 3 29 2 38 5 59 3 52 5 55 5 79 9 134 8 185 13 223 33 316 24 477 33 685 33 882 80 1078 99 1212 107 1266 185 1323 218 1121 256 896 299 579 196 270 57 60 6 6 1 1 1691 11.115

Fonte: UFSC

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400 350 300 250 200 150 100 50 0

Gráfico 1. Distribuição etária dos bolsistas Fonte: UFSC

A fim de possibilitar uma análise mais profunda dos dados, trabalhamos com os dez cursos de graduação, citados acima, que contam com o maior número de estudantes com estágios não obrigatórios (3710), para investigar a relação entre o curso de origem e a área de atuação nas respectivas bolsas. Num total de 11.115 registros de estágios não obrigatórios, os dez cursos com mais estágios, representam 8,46% (314) dos estágios fora da área de atuação do curso de origem. Tabela 4. Relação dos estágios fora da área do curso entre os dez cursos com mais estagiários Porcentagem Estágios fora da Cursos Total de estagiários de estágios área fora da área Letras – Língua 69 331 20,84% Portuguesa e Literaturas Pedagogia 78 407 19,16% Ciências Econômicas 44 290 15,17% Jornalismo 73 527 13,85% Ciências da Computação 13 243 5,34% Administração 14 376 3,72% Medicina 7 234 2,99% Biblioteconomia 6 349 1,71% (noturno) Enfermagem 4 315 1,26% Farmácia 6 638 0,94% Total 314 3710 8,46% Fonte: UFSC

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Os diversos setores do Hospital Universitário (HU) são os que mais aglutinam bolsistas das diversas áreas de formação9. O curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas – é o curso com mais estágios fora da área de atuação principal do curso, ou seja, a maioria dos estágios é no Hospital Universitário ou em coordenações e departamentos dos cursos de graduação da UFSC, há casos até de estágios no Restaurante Universitário da UFSC. Com os outros cursos, a realização de estágio fora da área principal de atuação da graduação se mantém constante, além do já citado HU, há muitos estágios nas diferentes Pró-Reitorias da universidade. A caracterização do estágio não-obrigatório na UFSC, a partir destes dados, demonstra não só a precarização da formação dos alunos que se inserem em bolsas muito divergentes de seus cursos de origem, como também a dependência da própria universidade do trabalho destes bolsistas em cargos predominantemente burocráticos. 3. A JUVENTUDE E A PROMOÇÃO PRECARIEDADES DO TRABALHO

DA

REPRODUÇÃO

DAS

As universidades brasileiras convivem, diretamente, há mais de uma década com o desafio de democratizar-se e garantir a qualidade de sua produção científica e formativa. No entanto, a expansão universitária que tem buscado garantir a democratização do acesso (ainda em condições muito primárias) já se confronta com a realidade de sua precarização, haja vista o que expusemos no início deste texto e o que demonstram os dados sobre os estágios não obrigatórios enquanto estratégia de mobilização de mão de obra. Entre as alternativas políticas apresentadas para enfrentar o desafio, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos (2009), reconhecendo os condicionantes do engendramento entre a economia de mercado e a educação, apontam como alternativa para lidar com tal dilema: O estabelecimento de uma relação entre educação profissional e desenvolvimento, sob outras bases, demanda dos países periféricos e semiperiféricos um conjunto de decisões e de políticas que se desenvolvam de forma concomitante e articulada, buscando atender, ao mesmo tempo, os critérios de justiça social e de resposta aos imperativos das necessidades da produção (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2009, p. 11).

Consideramos inegável a necessidade de articulação entre assistência, formação e trabalho, mas não pudemos deixar de reconhecer, diante dos dados e das análises até aqui apresentadas, que a proposição dos autores já admite certo nível de contradição. Essas contradições têm sido responsáveis por tornar os jovens universitários alvos das políticas de educação superior enquanto reprodutoras da ordem econômica, pois no que diz respeito à análise qualitativa, considera-se a juventude enquanto condição que se articula social e culturalmente em função da idade, da geração, da classe social de origem, do gênero e da posição em que o jovem se encontra dentro da família. Conforme Mario Margulis e Marcelo Urresti (2000), é imprescindível levar em consideração também o cenário que articula a escola, o trabalho, as instituições                                                              9 Vale lembrar que as bolsas de estágio não obrigatório do Hospital Universitário não são computadas no total de vagas disponíveis pelos editais PIBE, pois seus recursos são oriundos do Ministério da Saúde. Revista da ABET, v. 13, n. 2, Julho a Dezembro de 2014

 

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religiosas, os partidos políticos, clubes e associações e o exército, tomando-as enquanto instituições presentes e atuantes na condição juvenil dos sujeitos. Partindo do pressuposto de que “é necessário acompanhar a referência à juventude com a multiplicidade de situações sociais nas quais esta etapa da vida se desenvolve e apresenta marcos sociais historicamente desenvolvidos que condicionam as diferentes maneiras de ser jovem”, Margulis e Urresti defendem que “a condição histórico-cultural de juventude não se oferece da mesma forma para todos os integrantes da categoria estatística jovem” (MARGULIS e URRESTI, 2000, p. 15 e 16, tradução nossa). Os jovens de setores médios e altos têm oportunidade de estudar e adiar sua entrada na vida adulta, pois possuem um contexto social protetor que possibilita isso. Já os jovens provenientes de setores populares necessitam entrar antes no mercado de trabalho, com trabalhos mais duros e menos atrativos, pois contraem obrigações familiares mais cedo (como casamento e filhos, por exemplo) e carecem de tempo e dinheiro para viver um período prolongado de relativa despreocupação. No caso dos universitários bolsistas, contata-se a extensão do período de estudos por parte das classes menos favorecidas, porém isso não necessariamente implica o adiamento da necessidade de trabalhar. Neste ponto, evidenciam-se mudanças no cenário da educação superior brasileira nos últimos anos, registrando maiores índices de acesso e, em decorrência, a necessidade do surgimento de mais políticas de permanência estudantil. Questiona-se, porém, de que forma essas políticas se inserem em um contexto de aumento da demanda de trabalho na universidade e precarização do mesmo, posto que não há contratação de servidores técnico-administrativos de forma a suprir tal demanda. A contratação de estudantes a partir da modalidade de bolsas de estágio não obrigatório possibilita-se junto ao discurso de que tal experiência de trabalho contribui para a formação profissional dos universitários. Articulam-se desta forma a assistência, o trabalho e a formação no intuito de manter os jovens na universidade, suprir a demanda de trabalho (burocrático em sua maioria) e o discurso de benefício da formação dos estudantes. Resta saber em que medida o projeto de formação ou educação profissional brasileiro está de fato comprometido com a realidade e as necessidades das classes trabalhadoras. Ao longo da análise compreendeu-se o trabalho realizado no âmbito dos estágios não obrigatórios enquanto condição articulada à formação dos estudantes universitários e à assistência dos mesmos. A articulação entre a oferta de bolsas e as políticas de permanência explicita a necessidade de a universidade lidar com as demandas daqueles estudantes, que não provêm dos setores sociais que conseguem oferecer a seus jovens a possibilidade de postergar as exigências de responsabilidade (da família e do trabalho), concedendo assim mais tempo legítimo para que se dediquem apenas aos estudos e à capacitação pessoal. Giuliano Saneh (2011) trata da problemática da “pressão social” sobre os jovens, analisando os processos de adaptação das diferentes juventudes ao que lhes é imposto. As juventudes, justamente por conta de suas diferentes posições (sociais, econômicas, culturais, etc.), desenvolvem maneiras diversas de lidar com o que lhes é imposto ou exigido. Saneh afirma que a adaptação é uma exigência às juventudes em seu processo formativo e simboliza equilíbrio e bom comportamento. É também sinal de rendição aos mecanismos que produzem e reproduzem as injustiças e misérias do mundo e assim mantêm o sistema vigente com desigualdade e destruição. Para os jovens da classe

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dominante a adaptação surge como mecanismo de legitimação da superioridade, em contraponto à adaptação das juventudes pobres, vista como ferramenta de sobrevivência para as mesmas (SANEH, 2011, p. 252). A adaptação ao cotidiano universitário dá-se em meio à necessidade de conciliar os estudos com a necessidade de obter meios para a sobrevivência. A oferta de bolsas de estágio não obrigatório surge como opção que permite o acesso facilitado a uma remuneração que, embora pequena, colabora com a permanência destes jovens na universidade. Vale lembrar que em se tratando de estágio não obrigatório, esse tipo de política conta ainda, para além da “rendição” (SANEH, 2011, p. 252), com o consentimento ativo por partes dos jovens que, buscando o atendimento às necessidades básicas acabam por consentir em se tornarem mão de obra precarizada para a universidade. O processo de socialização das gerações mais novas nos ambientes de educação e trabalho tem como regra universalizar as atitudes, passando a ideia de obrigatório, produtivo, eficiente, correto e inteligente, exigências particulares do modelo gerencial capitalista (SANEH, 2011, p. 257). Apresenta o conceito da “volta do parafuso”, o qual significa acentuar a crescente sensação de aperto, pressão e tensão sobre os indivíduos. Para ele, a lógica da competição, estimulada pelo capital, oprime os jovens pobres ou ricos, cada um com as respectivas cobranças com as quais tem de lidar (SANEH, 2011, p. 263). O “mundo competitivo e globalizado” como prega a retórica supostamente igualitária (no sentido de ser assim para todos) liberal, atua na verdade apertando ao máximo os jovens das classes pobres, pressionados desde cedo a enquadrar-se nas regras do jogo mercadológico, escritas e controladas por outra classe para favorecê-la (SANEH, 2011, p. 264).

O resultado é que os jovens estão cada vez mais apertados pelas novas exigências curriculares, aumentando progressivamente a pressão nos que não têm condições de cursar universidades valorizadas, frequentar cursos de idiomas ou contar com a ajuda de amigos influentes para dar “boas referências”. Segundo o autor “o espaço entre o parafuso e a porca para os jovens pobres é consideravelmente menor. A velocidade da volta do parafuso é maior. O aperto chega mais rápido e com mais força” (SANEH, 2011, p. 265). Por fim, nota-se aqui a assistência como discurso legitimador da precariedade da formação e do trabalho dentro do espaço universitário – espaço este onde se propõe fomentar a produção crítica, supostamente desvencilhando-se das forças econômicas. Vê-se, porém, que em lugar de ser espaço de resistência aos ditames do mercado, tais forças influenciam e determinam as práticas internas da UFSC, reproduzindo a lógica de mercado no interior da universidade. A reprodução desta lógica fomenta a precarização da formação de maneira perversa, propagando a ilusão de escolha ao denominar-se “não obrigatório”. Dentro do espaço onde deveria haver um acumulado crítico, toma forma a reprodução de um raciocínio mercadológico em grandes dimensões (ao menos 800 trabalhadores estagiários anualmente na universidade pesquisada) e numa lógica de inexorabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que a atividade formativa articulada ao trabalho representa, em seu viés mais crítico, a tentativa de formação integral do homem. Todavia, compreende-se o

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trabalho realizado no âmbito dos estágios não-obrigatórios, enquanto condição articulada à formação dos estudantes universitários e à assistência dos mesmos. A articulação entre a oferta de bolsas e as políticas de permanência evidencia a urgência da universidade em lidar com as demandas dos estudantes provenientes de classes sociais que não conseguem garantir a seus jovens a possibilidade de estender o tempo dedicado aos estudos e postergar as responsabilidades familiares e profissionais. Dessa forma, enquanto se pretende, por meio das bolsas de estágio, promover a articulação eficiente entre formação, trabalho e assistência, o que pode estar ocorrendo é: 1) a precarização da formação, tendo em vista que por vez a carga de trabalho exigida ocupa o tempo destinado aos estudos acadêmicos e suas atividades correlatas; 2) a precarização do trabalho, levando-se em conta que por si só o regime de contratação é temporário e sem qualquer garantia trabalhista, ao mesmo tempo em que, a atuação do estagiário, indiretamente, suprime um posto de trabalho de um servidor público; 3) a precarização da própria assistência, além da perversão de seu sentido, pois apesar de anunciada como assistência, se estabelece uma contrapartida em termos de trabalho, o que implica a não promoção da efetiva igualdade de condições para a formação desses jovens em relação aos que não necessitam de assistência. Não obstante, 4) a precarização do próprio serviço público nos setores da instituição universitária, considerando que o serviço prestado no setor passa a ser prestado por um profissional ainda em formação e, muitas vezes, sem que sua formação esteja devidamente ajustada à sua atuação como bolsista. Em resumo, podemos afirmar que sob o argumento da formação, legitimado pela necessidade de assistência estudantil, é precarizada a condição de estudante-trabalhador, é comprometida a formação inicial do estudante do ensino superior, é fomentada uma cultura de precariedade, pois se deprecia, indiretamente, a condição de trabalho dos servidores técnico-administrativos, bem como a qualidade do serviço no setor da instituição educacional. Neste contexto, a formação que se efetiva nas universidades tem sido responsável por forjar subjetividades ajustadas à precarização que se apresenta como futuro profissional aos estudantes estagiários. REFERÊNCIAS CHAUÍ, Marilena de Souza. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: UNESP, 2001. EDITAL 018/PROGRAD/UFSC/2013. Programa Institucional de Bolsas de Estágio (PIBE). 2013. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Educação profissional e desenvolvimento. In.: UNESCO. Internacionl Handbook of Education for Changing World of Work. Bonn: UNIVOC, 2009. MARGULIS, Mario; URRESTI, Marcelo. La juventud es más que una palabra. Buenos Aires: Editora Biblos, 2000. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Diário Oficial da União. Brasília: DISTRITO FEDERAL, 26 set. 2008. SANEH, Giuliano. Apertando o parafuso: a ideologia da adaptação. In: SOUSA, Janice Tirelli Ponte de; GROPPO, Luís Antonio (Org.). Dilemas e contestações das juventudes. 1. ed. Florianópolis: Editora Em Debate, v. 1, pp. 251-272, 2011.

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SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JUNIOR, João dos Reis. Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Resolução Normativa nº 14, de 25 de out de 2011. Boletim Oficial da Universidade. Florianópolis, SC, 2011.

Recebido em setembro de 2014. Aprovado em novembro de 2014.

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