“Formas longas” nas línguas Jê: a morfofonologia do sufixo de nome de ação (handout)
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“Formas longas” nas línguas Jê: a morfofonologia do sufixo de nome de ação Andrey Nikulin, UnB–PPGL
V Workshop de Línguas Indígenas da USP · 21 de outubro de 2016 · FFLCH, USP
0. Línguas Jê Jê do Cerrado (= Jê Amazônicas) Jê Centrais (Xavánte, Xerénte, Xakriabá, Akroá-mirim) Jê Setentrionais latu senso Panará Jê Setentrionais strictu senso Apinajé, Mẽbengôkrê Tapayúna, Ki ̃sêdjê Timbíra (Krahô, Parkatêjê, Pykobjê, Apãniekrá...) Jê Meridionais latu senso Ingain Jê Meridionais strictu senso: Kaingáng, Xokléng 1. “Formas longas” Os verbos nas línguas Jê do Cerrado podem ocorrer em sua forma finita (“curta”) ou não finita (“longa”). A ocorrência das formas não finitas pode ser condicionada por: 1) certos marcadores de TAM; 2) marcadores de negação; 3) posição dentro de uma oração subordinada. A função sintática das formas não finitas não será discutida neste trabalho. 2. Derivação das formas não finitas A nominalização nas línguas Jê do Cerrado dá-se, na maioria dos casos, por conta de sufixos. Às vezes os verbos sofrem ainda outras modificações na margem esquerda; estas não serão investigadas no presente trabalho.
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“Formas longas” nas línguas Jê: a morfofonologia do sufixo de nome de ação Andrey Nikulin, UnB–PPGL
V Workshop de Línguas Indígenas da USP · 21 de outubro de 2016 · FFLCH, USP
2.1. Apinajé Os verbos que terminam em consoante frequentemente ocorrem sem a vogal eco (OLIVEIRA 2005): pɾɔ̃t ɔ̃
pɾɔ̃t
kaʔuku
‘correr’
kaʔuk
‘moer’
Os verbos que terminam em vogal acrescentam um sufixo lexicalmente determinado: mɔ̃
mɔ̃-ɾ
‘ir / vir’
aɨ
aɨ-ɾ, aɨ-k
‘cortar’
a=pe
ja=pe-ɲ
‘chegar’
pɨ
pɨ-j, pɨ-k
‘pegar’
atʃə
atʃə-n
‘enterrar’
ɾe
ɾe-j
‘atravessar’
it=pe n gɔ̃ɾɔ̃
pe-k n gɔ̃-t
‘flatular’ ‘dormir’ (exceção)
buɾ tʃwa
n
bə-ɾ wə-ɾ
‘chorar’ ‘tomar banho’
Alguns verbos sofrem mudanças irregulares: kukja
kukje-ɾ
‘perguntar’
tʃa
tʃə-m
‘estar de pé’
n
2.2. Mẽbengôkrê Apenas os verbos que terminam em uma vogal são sujeitos a modificações na margem direita quanto à derivação das formas longas (SALANOVA 2001: 51): ku=dʒi
dʒi-ɾi
‘colocar’
mɾã
mɾã-ɲ
‘andar’
muwa ku=ga
mɤ-ɾɤ dʒʌ-ɾʌ
‘chorar’ ‘assar’
Exemplos de modificações irregulares: ɾuwa ~ ɾwə
ɾwə-k
kokij ~ kokje kokje-ɾ a
‘descer’ e
‘rachar lenha’ 2
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2.3. Pykobjê Só os verbos que terminam em uma vogal são sujeitos a modificações na margem direita quanto à derivação das formas longas (AMADO 2004): ki
kĩ-n
‘ralar’
ko
ko-ɾ
‘comer’
tẽ
tẽ-m
‘ir’
pa
ja=pa-k
‘ouvir’
tʃa
tʃə̃-m
‘levantar’
gõɾ ka
jõt tʃə-ɾ
‘dormir’ ‘assar’
Exemplos de modificações irregulares: kwa
kwɨ-ɾ
‘pegar’
tʃwa
ej=tʃwɨ-ɾ
‘tomar banho’
n
2.4. Ki s̃ êdjê Só os verbos que terminam em uma vogal são sujeitos a modificações na margem direita quanto à derivação das formas longas (NO NATO 2014: 140–142): a=ŋje
ŋjet / ŋje-ɾĕ ‘entrar’
ɺu
ɺu-n(i ̆)
‘derramar’
a=ⁿba
a=ⁿba-k(ɨ ̆)
‘escutar’
ku
ku-ɺŭ
i=hwe
hwe-k(ĕ)
‘flatular’
ta
sã-m(ã)̆
‘comer’
ⁿba
ⁿba-j(i ̆)
‘saber’
jeɺe
jet / jeɾĕ
‘estar de pé’ ‘estar pendurado’
O autor afirma que os verbos cuja raiz termina em a admitem apenas os sufixos -j(i ̆) e -k(ɨ ̆). Este fato se deve a uma palatalização diacrônica que ocorreu na história do Ki ̃sêdjê: em todas as palavras que terminavam em *-aɾ (foneticamente [-aɾi ̆]) em Proto-Jê Setentrional houve a mudança *ɾ > j (por exemplo, *paɾ [paɾi ̆] ‘pé’ > hwaj(i ̆)). Em um caso registrou-se uma modificação irregular: pəj(i ̆)
pot / poɾŏ
‘chegar’ 3
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2.5. Proto-Jê Setentrional Na maioria dos casos os sufixos nominalizadores utilizados nas línguas Jê Setentrionais demonstram correspondências regulares. O sufixo mais comum era *-ɾ(ᵊ), sendo que a ocorrência de *-mᵊ, *-kᵊ, *-nᵊ, *-ɲᵊ, *-tᵊ era menos comum (alguns verbos podiam ocorrer ora com -ɾ, ora com -kᵊ por motivos desconhecidos). *ke
*ke-dnᵊ
*tɯ
‘ralar’
*tɛ̃
*tɛ̃-mᵊ
*tɯ-ɾ, *tɯ-kᵊ ‘morrer’
*bɯ
*bɯ-ɾ
*ku
*ku-ɾ
‘comer’
* ba
* ba-ɾ, * ba-kᵊ ‘ouvir, saber’
*tʃa
*tʃa-mᵊ
‘levantar’
*mɛ̃
*mɛ̃-ɲᵊ
n
n
‘ir / vir’ ‘pegar’ n
‘jogar, arremessar’
Os verbos cuja raiz terminava em uma consoante sofriam a supressão da vogal eco, podendo resultar em alternâncias consonantais: *botʃi ̆
*bot
‘chegar’
*gɔ̃ɾᵊ
*cɔ̃-t / *ɲɔ̃-t ‘dormir’
Reconstroem-se as seguintes alternâncias adicionais: *ɟwa
*kokje ~ kokija
*cwɤ-ɾ/*ɟwɤ-ɾ ‘tomar banho’
* buw
* bɤ-ɾ
‘chorar’
*ɾuw
*ɾwɤ-kᵊ
‘descer’
n
a
a
n
*kokje-ɾ
‘rachar, partir’
(* bw não ocorria) n
Uma explicação diacrônica já foi encontrada por nós (NIKULIN 2015a, 2015b): PJS *wa, *wɤ e *uwa têm a mesma fonte (PJ *ɔ), sendo que *wɤ ocorre apenas em sílabas fechadas e *wa ~ *uwa apenas em sílabas abertas (*ɤ / *u seguindo consoantes labiais): PJ *cɔ / *jɔ > PSJ *cwa / *ɟwa ‘dente’, PJ *kVjɔ > PSJ *kaɟwa ‘sal’, PJ *kɔɾᵊ > PJS *kwɤɾᵊ ‘mandioca’, PJ *tɔb n > PJS *twɤb n ᵊ ‘gordura’, PJ *pɔ > PJS *pu ‘embrulhar, embrulho’. O mesmo ocorre com PJ *e (PJS *je, *e, *ija, a distribuição ainda não está muito clara). Em três raízes registrou-se uma alternância da consoante inicial: *gɔ̃ɾᵊ
*cɔ̃-t / *ɲɔ̃-t ‘dormir’
*gɔ̃
*cɔ̃-ɾ / *ɲɔ̃-ɾ ‘dar’ 4
*ga
*сʌ-ɾ / *ɟʌ-ɾ ‘assar’
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2.6. Proto-Jê do Cerrado Consideremos os alomorfes do sufixo examinado na língua Xavánte (o mesmo vale para o Xerénte): -tsi
(dza / dza-tsi ‘entrar.PL’, wi / wi-tsi ‘chegar’)
-mV
(nɛ̃ / nɛ̃-mɛ̃ ‘ir’)
-ɾi, -ɾĩ
(du / du-ɾi ‘carregar.SG’, pə̃ / pə̃-ɾĩ ‘matar.DU’)
-nV
(ʔɾɛ̃ / ʔɾɛ̃-nɛ̃ ‘comer’)
-ʔV (< *kV), -ɾV
(də / də-ʔə / də-ɾə ‘morrer’)
-ɾV
(hə / hə-ɾə ‘gritar’)
-bɾV, -mɾṼ zero
(watɔ / watɔ-bɾɔ ‘sair’) (ʔupi / ʔupi ‘tocar’)
Há correspondências regulares entre o Xavánte e o Proto-Jê Setentrional. Xavánte
PJS
Xavánte
PJS
-ɾi, -ɾĩ
*-ɾ
(*tu / *tu-ɾ ‘carregar’, *paH / *paH-ɾ ‘matar’)
-nV
*-ɾ(ᵊ) (*kɾɛ̃ / *kɾɛ̃-ɾᵊ ‘comer’)
-ʔV, -ɾV
*-kᵊ, *-ɾ(ᵊ)
(*tɯ / *tɯ-kᵊ / *tɯ-ɾᵊ ‘morrer’)
-bɾV
*-ɾ(ᵊ) (*katɔ / *katɔ-pɾᵊ ‘sair’)
-ɾV
*-ɾᵊ
(*kʌ / *kʌ-ɾᵊ ‘gritar’)
-mV
*-m
(*tɛ̃ / *tɛ̃-mᵊ ‘ir / vir’)
-mɾṼ zero
*-ɾ(ᵊ) (*nɔ̃ / *nɔ̃-pɾᵊ ‘estar deitado’) *-ɲ(ᵊ) (*mɛ̃j ‘jogar, arremessar’)
2.6.1. Contraste *-ɾᵊ / *-ɾ no PCerr Há motivos para supor que o alomorfe principal do sufixo em questão não era pronunciado da mesma maneira que o fonema *ɾ no final dos nomes no Proto-Jê do Cerrado. A evidência provém de três línguas: formas longas nomes
ɾi
contexto
a__
Mẽbengôkrê pa-ɾi ‘matar.PL’ ɾV kʌ-ɾʌ ‘gritar’ ɾV paɾi ‘pé’ ɾi bʌɾi ‘chifre’ ɔ, ʌ__
mõ-ɾõ ‘andar.PL’ bʌɲõɾõ ‘envira’
NDA 5
ɾi ɾV
Xavánte pə̃- ɾĩ ‘matar.DU’ ɾV hə-ɾə ‘gritar’ paɾa ‘pé’ ɾV wayhəɾə ‘papagaio’
ə__
NDA
Apinajé ɾ mɔ̃- ɾ ‘ir / vir’ ɾᵊ paɾᵊ ‘pé’
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