Fotodocumentação e participação política: um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

July 24, 2017 | Autor: Fabiene Gama | Categoria: Visual Anthropology, Photography, Brazil, Bangladesh, Slums, Favelas, and Shanty-towns, Global South
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia École des Hautes Études en Sciences Sociales Formation en Anthropologie Sociale TESE EM COTUTELA

FOTODOCUMENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: Um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama

2012

FOTODOCUMENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: Um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama

Tese de Doutorado apresentada em cotutela ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, e à École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Antropologia. Orientadores: Marco Gonçalves (UFRJ) e (EHESS)

Antonio Jean-Paul

Teixeira Colleyn

Rio de Janeiro Novembro de 2012

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FOTODOCUMENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: Um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama Marco Antonio Teixeira Gonçalves e Jean-Paul Colley (orientadores)

Tese de Doutorado apresentada em cotutela ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, e à École des Hautes Études en Sciences Sociales, França, como requisitos parcial à obtenção do título de Doutora em Antropologia. Aprovada por:

_________________________________________ Presidente: Prof. Dr. Marco Antonio Teixeira Gonçalves Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/IFCS/UFRJ _________________________________________ Prof. Dr. Jean-Paul Colleyn École des Hautes Études en Sciences Sociales _________________________________________ Prof. Dra. Beatriz Heredia Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/IFCS/UFRJ

_________________________________________ Profa. Dra. Christine Douxami Université de Franche-Comté _________________________________________ Prof. Dr. José Mapril Universidade Nova de Lisboa _________________________________________ Prof. Dra. Bianca Freire-Medeiros (suplente) Fundação Getúlio Vargas/FGV _________________________________________ Prof. Dr.Erwan Dianteill (suplente) Université Paris Descartes

Rio de Janeiro Novembro de 2012

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Gama, Fabiene. Fotodocumentação e participação política: um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh/Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama. Rio de Janeiro/Paris: UFRJ/PPGSA e EHESS, 2012. xvii, 376f. il; 31cm. Orientadores: Marco Antonio Teixeira Gonçalves e Jean-Paul Colleyn. Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia, 2012. Tese em cotutela com a École des Hautes Études en Sciences Sociales. Institut Interdisciplinaire d’Anthropologie du Contemporain (IIAC) CNRS UMR 8177. Formation en Anthropologie Sociale, Paris, 2012. Referências Bibliográficas: f. 277-288. 1. Antropologia visual. 2. Autorrepresentações. 3. Fotografia. 4. Ativismo visual. 5. Favelas. 6. Bangladesh. I. Gonçalves, Marco Antonio T./Colleyn, Jean-Paul II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia/École des Hautes Études en Sciences Sociales. III. Título.

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RESUMO FOTODOCUMENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: Um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama Marco Antonio Teixeira Gonçalves e Jean-Paul Colley (orientadores)

Resumo da Tese de Doutorado apresentada em cotutela ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, e à École des Hautes Études en Sciences Sociales, França, como requisitos parcial à obtenção do título de Doutora em Antropologia.

Esta tese trata comparativamente da performance de dois grupos que utilizam fotografias para atuar na área dos direitos humanos. O primeiro, Imagens do Povo (Rio de Janeiro/Brasil), é um grupo de fotógrafos residentes em favelas cariocas que nasceu de um desejo de produzir imagens dos populares não ligadas à violência a fim de combater o processo de criminalização da pobreza. O segundo, Drik Picutre Library (Daca/Bangladesh), é um grupo de fotógrafos bangladechianos com base em um bairro de classe média de Daca que está preocupado com a imagem que o "ocidente" tem deles, relacionadas à pobreza e ao fundamentalismo religioso. O modo como esses fotógrafos reagem através de imagens a representações problemáticas feitas por Outros sobre eles é o tema desta discussão, que se insere na tradição antropológica de estudos sobre identidades, alteridades e representações sociais. Através de uma comparação transcultural, eu reflito sobre como a documentação do cotidiano e sentimentos subjetivos de privação, injustiça e exclusão são usados para construir novas formas de protesto e de ação de pessoas no mundo. Palavras-chave: autorrepresentações, fotografia, ativismo, favelas e Bangladesh. Rio de Janeiro Novembro de 2012

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SUMMARY PHOTODOCUMENTATION AND POLITICAL PARTICIPATION: A comparative study between Brazil and Bangladesh

Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama Marco Antonio Teixeira Gonçalves e Jean-Paul Colley (supervisors)

Summary of the Ph.D. thesis presented in a joint-supervision to the Programa de PósGraduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil, and to the École des Hautes Études en Sciences Sociales, France, as required to obtain the title of Ph.D. in Anthropology.

This thesis compares the performance of two groups that use photography to campaign for human rights. The first one, Imagens do Povo (Rio de Janeiro/Brazil) is a group of Brazilian photographers living in the slums that was born of a desire to produce images of the populares [slum dwellers] not linked to violence in order to fight against the process of criminalization of poverty. The second one, Drik Picutre Library (Dhaka/Bangladesh) is a group of Bangladeshi photographers based in a middle-class neighbourhood of Dhaka that are concerned with the image that the "West" has about them, related to poverty and religious fundamentalism. The way these photographers react through images to troublesome representations Others make about them is the theme of this discussion, which is part of the tradition of anthropological studies of identity, otherness and social representations. Through a cross-cultural comparison, I reflect on how the documentation of the everyday life and subjective feelings of deprivation, injustice and exclusion are used to build new forms of protest and action by people worldwide. Keywords: self-representation, photography, activism, favelas and Bangladesh.

Rio de Janeiro November 2012

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RÉSUMÉ PHOTODOCUMENTATION ET PARTICIPATION POLITIQUE: Une étude comparative entre le Brésil et le Bangladesh Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama Marco Antonio Teixeira Gonçalves e Jean-Paul Colley (directeurs)

Résumé de la Thèse de Doctorat présenté en cotutelle au Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brésil et à l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, France, pour l'obtention du titre de Docteur en Anthropologie.

Cette thèse porte sur les performances de deux groupes qui utilisent des photographies pour agir dans le domaine des droits de l'homme. Le premier, Imagens do Povo (Rio de Janeiro / Brésil), est un groupe de photographes brésiliens vivant dans des bidonvilles à Rio qui produit des images des populares [les populaires] non liées à la violence afin de lutter contre le processus de criminalisation de la pauvreté. Le deuxième, Drik Picture Library (Dhaka/Bangladesh), est un groupe de photographes bangladais basé dans un quartier de classe moyenne de Dhaka qui est concerné par l'image que «l'Occident» porte sur cette population, liée à la pauvreté et au fondamentalisme religieux. La manière dont ces photographes réagissent à travers les images à des représentations problématiques faites par les Autres à leur sujet est le thème de cette discussion, qui fait partie de la tradition d'études anthropologiques sur l'identité, l'altérité et les représentations sociales. À travers d'une comparaison interculturelle, je réfléchis à la façon dont la documentation de la vie quotidienne et des sentiments subjectifs de privation, d'injustice et d'exclusion sont utilisés pour construire de nouvelles formes de contestation et d'action de personnes dans le monde. Mots-clés: photographie, autoreprésentations, activisme, Brésil, Bangladesh.

Rio de Janeiro Novembre 2012

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And tomorrow... The dreams of Vertov and Flaherty will be combined into a mechanical “cine-eye-ear” which is such a 'participant' camera that it will pass automatically into the hand of those who were, up to now, always in front of it. Then the anthropologist will no longer monopolize the observation of things. (Rouch, 1975: 102).

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AGRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que, ao longo dos quatro anos que dediquei à pesquisa, colaboraram de diversas maneiras para sua realização, oferecendo-me tempo, informações, reflexões, apoio e incentivo. Palavras em folhas de agradecimento não conseguirão expressar a minha gratidão a cada uma delas. Minha família, especialmente, sempre estimulou minha opção pelo doutorado (e portanto pela distância, pela ausência e pelo pouco tempo disponível) e minhas andanças pelo mundo. E ofereceu-me toda a ajuda necessária para a conclusão desse longo trabalho com tranquilidade. A ela sou profundamente grata. A Marco Antonio Gonçalves, meu orientador no Brasil, agradeço o estímulo e a confiança depositadas em mim e no projeto desde o princípio, e toda a ajuda para viabilização desta pesquisa internacional. A leveza com a qual conduziu a orientação, especialmente durante a escrita, orientando importantes escolhas e tomadas de decisão, foram fundamentais ao longo de todos esses anos. Agradeço igualmente a Jean-Paul Colleyn, meu orientador na França, que aceitou com generosidade o desafio de orientar uma tese escrita em português, sobre uma pesquisa comparativa entre o Brasil e Bangladesh. Seus preciosos comentários são a prova de que o conhecimento transpõe fronteiras. Agradeço à CAPES pela concessão das bolsas de estudos, no Brasil e na França, sem as quais os anos de dedicação exclusiva ao novos temas em que me lançava seriam impossíveis. E à EHESS, por ter financiado muitas das minhas idas e vindas entre a França e o Brasil através do seu programa de “aide à la mobilité”. Denise e Cláudia, no PPGSA/IFCS/UFRJ, Elizabeth Dubois, no CEAF/EHESS, Nadine Boillon e Annie Télias, no IIAC/EHESS, ajudaram-me enormemente em todas as questões prático-burocráticas que envolviam a UFRJ e a EHESS. Sem a ajuda delas tudo teria sido muito mais difícil. Em Bangladesh, duas pessoas tiveram importância fundamental no desenvolvimento da pesquisa, sem as quais nada teria começado: Rahnuma Ahmed e Shahidul Alam. Rahnuma Ahmed foi meu primeiro contato no país, e através dela cheguei a muitas outras pessoas. Agradeço seus conselhos, sua amizade e o tempo que dispensou ajudando-me a compreender, em tão pouco tempo, tanta coisa sobre seu país. Sem ela, o período vivido em Daca teria sido menos doce e menos rico. Shahidul Alam, por sua vez, sempre encontrou tempo em sua ix

agenda lotada de atividades para minha pesquisa. As entrevistas, conversas, jantares e textos que me ofereceu foram um privilégio e uma honra. Aprendi tanto em nossos encontros que repetidamente tive a sensação de que ainda tinha muito a aprender. Com João Roberto Ripper o aprendizado se dá através do carinho e da compaixão. Agradeço a ele a Dante Gastaldoni o acolhimento caloroso que tive em nossos encontros, e todo o interesse e apoio demonstrados à pesquisa. Kita Pedroza desempenhou um papel duplo desde o início do estudo, como amiga e como colaboradora. Graças a ela tive inserção e contato privilegiado com fotógrafos e coordenadores da Imagens do Povo. Com ela pude partilhar muitas das importantes reflexões desenvolvidas nesta tese. Essa pesquisa não teria sido possível sem a colaboração de todos os fotógrafos com os quais tive o prazer de compartilhar visões de mundo, imagens e experiências. Em Bangladesh: Munem Wasif, Taslima Akther, Janatul Mawa, Abir Abdullah, Andrew Biraj, Munira Munni, Nafis Gazi Ahmed, Saikat Mojumder, Tanvir Murad Topu, Tanzim Wahab, Ya Sin, Rashid Talukder, Anwar Hossain, Mahmud, Safiqul Alam Kiron e Hassan Bipul. Um agradecimento especial é dedicado a Saiful Huq Omi, que não apenas me ofereceu hospedagem como esteve disponível ao longo dos anos que seguiram meu campo em Daca, prestando esclarecimentos, tirando dúvidas, partilhando pensamentos. No Brasil, Davi Marcos, Bira Carvalho e Naldinho Lourenço não apenas dedicaram horas a fio aos nossos encontros, como leram meus textos, ouviram minhas ponderações, responderam às minhas incansáveis questões. Uma parte enorme das análises aqui desenvolvidas só existe porque tiveram a paciência e o interesse necessário para o crescimento da pesquisa. Francisco Valdean, nesse sentido, foi mais do que um interlocutor. Ele foi generoso e acompanhou de perto o desenvolvimento da tese, oferecendo ajuda, informações e análises em momentos importantes. Fábio Caffé, Francisco César e Elisângela Leite também contribuíram em momentos decisivos. A esses fotógrafos agradeço toda a confiança depositada, o esforço para ler os textos no pouco tempo disponibilizado, os comentários e os incentivos constantes ao longo de todos esses anos. Em Daca, Sha Jahan cuidou de mim como uma filha e Ekramul Kabir Shohan me ofereceu assistência em diversos assuntos. Agradeço ainda a Anu Muhammad, Meghna Guhathakurta, Shireen Huq e Kushi Kabir por partilharem comigo importantes reflexões acerca do ativismo x

em Bangladesh. A Manosh Chowdhury agradeço as interessantes reflexões que me presenteou sobre muitas das questões que nortearam a comparação. Ainda em Bangladesh, algumas pessoas tiveram importância crucial nas experiências que vivi no país: Soma, Rashida, Sâmia, Mamun e Akash são a família que encontrei na Ásia, e a elas e a ele tenho profunda gratidão, que carregarei por toda a vida. Agradeço ainda a Susan Halder, minha professora de Bengali em Daca, que foi paciente ao me ensinar não apenas as regras do idioma como importantes códigos culturais bangladechianos. Em Paris, agradeço a Philippe Benoit (INALCO) por ter me aceitado em seu curso de Bengali como aluna especial e toda a paciência e atenção que me ofereceu. Ele foi o responsável pelos meus primeiros contatos com o idioma e mediou importantes encontros com pesquisadores franceses que trabalhavam sobre Bangladesh. Thibaut Dhubert me ofereceu dicas e contatos antes da minha primeira viagem a Daca e Jérémie Codron esclarecimentos de muitas dúvidas durante o desenvolvimento da pesquisa. Com ele pude dividir muitas das reflexões iniciais. Ainda na França, algumas pessoas tiveram papel vital na construção do meu percurso, revisando meus textos em francês, sugerindo cursos, artigos, eventos, contatos, além de me oferecerem sua amizade. Foram elas: Dorothée Serges, Luisa Simões, Mathieu Carpentier, Alienor Martaud, Nathanael Turpin-Grinset, Julie Levasseur, Pascal Aubrée e Emmanuel Grimaud. Luiza Stankevicins, Guido Marcondes, Loic le Gall, Andrea Eichenberger, Emilie Cremin, Luiza Duarte, Andrea Paganini e Nae-Yeong tornaram minha estadia em Paris menos fria e menos solitária, e Jennifer Huad, Anne-Laure e Maddallen Barahona foram amigas que me ajudaram a manter a sanidade nos momentos finais. Antoine Giocancchini e Mariana Konstandini ofereceram-me não apenas sua amizade mas também o ambiente adequado para a escrita da tese. No Brasil, e em todos os trânsitos, alguns amigos estiveram sempre presentes: Graziella Moraes, Emílio Domingos, Júlia Polessa, Shirléia Leandro, Raíza Siqueira, Diego Madias, Gustavo Chiesa, Rosilene Melo, Sâmia Dahas, Thamya Rocha e, especialmente, Ana Luiza de Abreu, Fabrício Cavalcanti, Lia Rocha e Juliana Farias com os quais pude dividir mais do que momentos de prazer, também os percalços, dúvidas e reflexões da pesquisa. A Palloma Menezes, além da amizade, agradeço a ajuda com a cópia e o envio da tese de Lotte Hoek, da Holanda, e a Flávia Bali, por tudo.

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Agradeço também aos professores Els Lagrou, José Reginaldo Gonçalves, Scott Head, Bianca-Freire Medeiros, Marc Piault, Patrícia Birman, Veena Das, Sylvaine Conord e Sylvain Maresca pelas preciosas reflexões que me ofereceram em diferentes etapas do desenvolvimento da pesquisa. A Lotte Hoek agradeço o envio de seus textos sobre as representações visuais em Bangladesh, a Patricia Monte-Mór e José Inácio Parente, os constantes incentivos, conselhos, dicas e sugestões. Agradeço ainda a Beatriz Herediae Christine Douxami por aceitarem compor a banca e a Erwan Dianteill pela pré-avaliação da tese. Milton Roberto Ribeiro Monteiro, dito Milton Guran, teve uma importância crucial desde os primeiros passos da pesquisa que originou este trabalho comparativo, ainda em 2004. Um dos maiores incentivadores dessa pesquisa, Guran contribuiu com entrevistas, textos, contatos, sugestões e conselhos. Sua experiência na antropologia e na fotografia, simultaneamente, trouxeram sempre pontos de vista interessantes para a minha proposta comparativa internacional e interdisciplinar. Antes da conclusão da tese, as participações em três congressos aportaram contribuições preciosas para o texto. Foram eles: a 28ª RBA, através do “GT TRÂNSITOS SUL-SUL. Pessoas, mercadorias, conhecimento e políticas em fluxo por circuitos não centrais”, coordenado por Andréa Lobo e Pilar Uriarte Bálsamo; a 22ª EASA, através do painel “Imagining Bangladesh and its 40 years”, coordenado por José Mapril e Benjamin Zeitlyn e o 2º Forum da ISA, através da sessão “Culture and visual forms of power: Experiencing contemporary spaces of resistance” do Grupo Sociologia Visual, coordenado por Jerome Krase e Lidia Manzo. A eles e a Ellen Bal agradeço os importantes comentários. A dissertação de mestrado de Thiago Carminati sobre a Imagens do Povo e as de Maria Sørlie Berntsen e Lotte Hoek sobre a Drik Picture Library foram referências importantes para o desenvolvimento dos argumentos que apresento nesta tese. Poder ler trabalhos elaborados sobre os mesmos grupos que trabalhava antes de terminar minha análise não apenas assegurou os caminhos que eu trilhava como indicou-me novas perspectivas. Sou muito grata a Thiago e Maria, principalmente, por terem dividido suas reflexões comigo assim que as concluíram. Agradeço a Ellen Costa, Matt Watts, Diana e John Veitch que me ajudaram com as revisões e traduções para o inglês. A ajuda deles foi fundamental para a preparação dos textos para os congressos e publicações internacionais. Por fim, agradeço a Sônia Bali pela cuidadosa revisão do português da tese no pouco tempo de que dispusemos para isto. xii

LISTA DE MAPAS E ENSAIOS FOTOGRÁFICOS

1. Mapa mundi

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2. Mapa das regiões administrativas do município do Rio de Janeiro

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3. Mapa do distrito de Daca

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4. Munem Wasif – Colors Magazine

87

5. Ensaio fotográfico de Munem Wasif - In God we trust

92

6. Google Images – Matam

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7. Ensaio fotográfico de Bira Carvalho – A “alma” da favela

115

8. Ensaio fotográfico de Taslima Akhter – The life and struggle of the garment workers

144

9. Google Images – Slum Bangladesh

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10. Google Images – Ocupação Alemão

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11. Ensaio fotográfico de Francisco Valdean – O cotidiano do “Alemão”

171

12. Ensaio fotográfico de Francisco Valdean – O cotidiano das favelas

181

13. Google Images – Garment workers Bangladesh

199

14. Ensaio fotográfico de Saiful Huq Omi – Heroes never die

217

15. Ensaio fotográfico de Naldinho Lourenço – O assassinato de Matheus Rodrigues

242

16. Fazendo Média – Assassinato de Matheus Rodrigues

246

17. Andrew Biraj – Prêmio World Press Photo

272

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LISTA DE SIGLAS ACNUR AL BASAD BNP BOPE CCBB CCC CHT CPB CEASM CUFA DEGASE EHESS EIVRJ ESPOCC FIES FGV IIAC IBASE IBGE INALCO INSS IOJ IPP JI JSM JU LAS MN MOBRAL MS

Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados Awami League Socialist Party of Bangladesh Bangladesh Nationalist Party Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar Centro Cultural do Banco do Brasil Clean Clother Campaign Chittagong Hill Tracts Communist Party of Bangladesh Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré Central Única das Favelas Departamento Geral de Ações Socioeducativas École des Hautes Études en Sciences Sociales Encontros sobre Inclusão Visual do Rio de Janeiro Escola Popular de Comunicação Crítica Fundo Itaú de Excelência Social – FIES Fundação Getúlio Vargas Institut Interdisciplinaire d’Anthropologie du Contemporain Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Institut de Langues et Civilisations Orientales Instituto Nacional do Seguro Social Islami Oikya Jote Instituto Pereira Passos Jamaat-e-Islami Joop Swart Masterclass Jahangirnagar University Laboratoire d’Anthropologie Sociale Museu Nacional Movimento Brasileiro de Alfabetização Ministério da Saúde

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MST NEXTIMAGEM NPC OAB OSCIP ONG ONU OSI PCJSS PRONASCI PT PUC/RJ RAB RAI RETEM SAARC SEDES SESC SIM SMH SVS UERJ UFRJ UFRRJ UNB UNHCR UNICEF UPP UR WPP

Movimento dos trabalhadores sem terra Núcleo de Experimentações em Etnografia e Imagem Núcleo Piratininga de Comunicação Ordem dos Advogados do Brasil Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Organização não-governamental Organização das Nações Unidas Open Society Institute Parbatya Chhatagram Jana Shanghatti Samiti Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania Partido dos Trabalhadores Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rapid Action Battallion Royal Anthropological Institute Rede de Trabalho e Educação na Maré South Asian Association for Regional Cooperation Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário da Prefeitura do Rio de Janeiro Serviço Social do Comércio Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde Secretaria Municipal de Habitação Secretaria de Vigilância em Saúde Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Universidade de Brasília United Nations High Commissioner for Refugees Fundo das Nações Unidas para a Infância Unidade de Polícia Pacificadora Uruguai World Press Photo

SUMÁRIO Fotodocumentação e participação política: Um estudo comparativo entre o Brasil e o Bangladesh

Introdução .............................................................................................................................................. 1   Criminalização, ativismo, identidade e representações: a escolha do tema ........................................ 4   Do Brasil a Bangladesh: questões metodológicas da comparação internacional ................................ 8   Nota sobre a comparação ............................................................................................................. 11   Campo no Brasil [2008-2009] ...................................................................................................... 13   Preparando o campo de Bangladesh em Paris [2009-2010] ....................................................... 17   Campo em Bangladesh [2010] ..................................................................................................... 19   A volta para casa [2011] : organizando e compartilhando conhecimentos no Brasil e em Bangladesh .................................................................................................................................... 27   O ordinário e o extraordinário no foto-ativismo da “maioria”: a apresentação da tese..................... 32   1. Identidades, alteridades, imaginações e representações............................................................... 35   1.1 Falar de si e do Outro .................................................................................................................. 36   1.1.1 Identidades culturais e culturas identitárias em tempos de globalização ........................... 41   1.1.2 Sobre fotografias e construções identitárias........................................................................ 44   1.1.3 A construção de estereótipos e a luta pelo poder ................................................................ 46   1.2 Breve contextualização histórica: contextos em que nascem os fotógrafos ativistas que questionam a desigualdade social ...................................................................................................... 50   1.2.1 Bangladesh, Drik Picture Library e Pathshala - South Asian Media Academy .................. 50   1.2.2 Brasil, Imagens do Povo e Escola de Fotógrafos Populares............................................... 55   1.2.3 Redes: conexões políticas, econômicas e culturais.............................................................. 58   1.3 Imaginando-se “marginais”: a fotografia social subalterna ........................................................ 63   1.3.1 Identidades territoriais: a posição geográfica como contestação política ......................... 63   1.3.2 A fotografia social e a inclusão dos pobres ......................................................................... 65   1.3.3 Política da pena e da justiça: a ação humanitária e o engajamento pela imagem ............. 68   2. Jogos identitários e lutas simbólicas ............................................................................................... 70   2.1. Perfil dos fotógrafos ................................................................................................................... 74   2.1.2. Etapas da formação e da profissionalização ...................................................................... 75   2.2 Como nasce um fotógrafo ativista bengali muçulmano .............................................................. 83   2.2.1 Munem Wasif ........................................................................................................................ 84   2.2.2 "In God we trust": uma documentação politicamente muçulmana. .................................... 90   2.3 Como nasce um fotógrafo ativista popular ............................................................................... 106   2.3.1 Bira Carvalho..................................................................................................................... 107   2.3.2 A “alma” da favela ............................................................................................................ 112   2.4 Como são construídas “más” (wrong e wickedness) e “boas” (good e proper) representações: a luta pela apresentação da sua identidade como crítica à criminalização de uma população ........... 123   2.4.1 Algumas disparidades ........................................................................................................ 126   2.4.2 As propostas partilhadas para uma boa representação .................................................... 128   2.4.3 Más representações ............................................................................................................ 132   3. O cotidiano como alternativa ao espetáculo ................................................................................ 135   3.1 Taslima Akther: fotógrafa e ativista .......................................................................................... 137   3.1.2 The life and struggle of garment workers .......................................................................... 139   3.2 Francisco Valdean: fotógrafo da agência Imagens do Povo, graduando em Ciências Sociais, arte-educador e blogueiro ................................................................................................................ 163   3.2.1 O cotidiano das favelas cariocas ....................................................................................... 168   3.3 Algumas reflexões sobre os imponderáveis da vida cotidiana .................................................. 196  

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4. A violência vista de perto :  onde se colocam os limites da documentação da dor, da denúncia e da demanda por justiça ..................................................................................................................... 202   4.1 Saiful Huq Omi: fotógrafo, escritor, editor e ativista social...................................................... 206   4.1.1 Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 1989-2005 ...................... 211   4.2 Naldinho Lourenço .................................................................................................................... 234   4.2.1 O caso do assassinato de Matheus..................................................................................... 239   4.3 Silêncios, denúncias, ameaças e negociações: as implicações da documentação da violência na vida cotidiana................................................................................................................................... 259   Comentários finais ............................................................................................................................. 263   Mimesis e alteridade: questões da/para a militância ....................................................................... 264   Sobre coletividades e individualidades ........................................................................................... 268   Sobre autonomias e militâncias ....................................................................................................... 270   Posicionando a periferia no centro .................................................................................................. 274   Referências Bibliográficas ................................................................................................................. 277   Artigos em jornais: .......................................................................................................................... 286   Documentos Eletrônicos .................................................................................................................. 286   Websites .............................................................................................................................................. 289   Vídeos online ...................................................................................................................................... 291   Anexos ................................................................................................................................................. 292   1. Alfabeto Bengali .......................................................................................................................... 293   2. Números Bengalis ....................................................................................................................... 294   3. Folder Imagens do Povo .............................................................................................................. 295   4. Ficha de admissão da Pathshala .................................................................................................. 296   5. Drik Press Release (23 de março de 2010) .................................................................................. 297   6. Folder Majority World ................................................................................................................ 298   7. Breve historia da fotografia em Bangladesh : ............................................................................. 304   1. Emerginf from shadows – Shahidul Alam ............................................................................... 304   2. Hassan Bipul ........................................................................................................................... 309   8. Texto de João Roberto Ripper e Flávio Pachalski....................................................................... 312   9. Saiful Huq Omi - Give Us Another Decade! -A Tribute to My Teacher .................................... 321   10. Saiful Huq Omi – My own war ................................................................................................. 323   12. Visible Rights Conferences ....................................................................................................... 328   Résumé étendu de la thèse ................................................................................................................. 330   Introduction ..................................................................................................................................... 331   Notes méthodologiques ................................................................................................................... 333   Brève présentation de la thèse ......................................................................................................... 335   Identités et altérités: parler de soi et des autres ............................................................................... 337   Quelques réflexions sur les stéréotypes et les luttes pour le pouvoir .............................................. 339   Bangladesh, Drik Picture Library et Pathshala – South Asian Media Academy ............................ 341   Brésil, Imagens do Povo et Escola de Fotógrafos populares........................................................... 346   Des agences et des écoles photo du « Sud »: similitudes et différences ......................................... 348   Comment est né un photographe militant musulman ...................................................................... 351   ‘In God we trust’: une documentation « politiquement musulmane » ........................................ 352   Comment est né un photographe militant populaire ....................................................................... 354   L’ « âme » de la favela ................................................................................................................ 355   La lutte pour la présentation d'une identité en tant que critique de la criminalisation de la population ......................................................................................................................................................... 357   La vie quotidienne comme une alternative au spectacle ................................................................. 361   Photographier son propre groupe en période d'incertitude .............................................................. 367   Quelques réflexions sur la relation entre l'autoreprésentation et le photo-activisme ...................... 370   Conclusions ..................................................................................................................................... 372   DVD - Vídeos produzidos pelos fotógrafos ...................................................................................... 376   xvii

Introdução

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Esta tese trata da performance de fotógrafos formados por duas escolas e agências situadas em países diferentes do chamado "Sul Global" que utilizam fotografias para atuar politicamente na área dos direitos humanos. A primeira escola, Pathshala – South Asian Media Academy1, é uma uniciativa privada que surgiu como braço educativo da Drik Picture Library2, uma agência sediada em um bairro de classe média de Daca, Bangladesh, através de uma parceria com a World Press Photo (WPP)3. A escola e a agência, criadas pelo fotógrafo e ativista Shahidul Alam4, estão preocupadas com a imagem que o "ocidente" tem dos bangladechianos e por isso propõem formar e inserir fotógrafos locais no mercado internacional da fotografia, criando suas próprias representações do país, competindo equitativamente com fotógrafos oriundos de outras partes do mundo. A segunda, a Escola de Fotógrafos Populares5, surgiu junto com a agência Imagens do Povo6 e um banco de imagens como um projeto do Observatório de Favelas7, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) situada no Conjunto de Favelas da Maré8, no Rio de Janeiro, Brasil. Criada pelo fotógrafo ativista João Roberto Ripper9, oferece cursos gratuitos e assistência profissional a moradores de favelas cariocas e visa pruduzir imagens dessas áreas, bem como de seus habitantes, não relacionadas à violência para combater a relação estabelecida entre criminalidade e pobreza (ou simplesmente a criminalização da pobreza), que provoca uma série de intervenções do Estado, através da polícia. Intervenções que com frequência geram violência simbólica, ou mesmo física e letal. Sem se preocupar com o mercado internacional, questiona a desigualdade entre indivíduos dentro da própria sociedade. Em comum, os dois grupos de fotógrafos10 compartilham um descontentamento sobre as 1

www.pathshala.net www.drik.net 3 www.worldpressphoto.org 4 http://www.shahidulalam.com 5 www.imagensdopovo.org.br/ip/escolaip.html 6 www.imagensdopovo.org.br 7 Tanto o CEASM quanto o Observatório de Favelas são organizações não-governamentais criadas por moradores do Conjunto de Favelas da Maré, um perfil raríssimo entre as diversas ONGs que existem no Rio de Janeiro, quase sempre criadas e dirigidas por moradores de áreas mais abastadas da cidade. 8 Escolhi utilizar o termo “conjunto” e não “complexo”, como é frequentemente utilizado em referência às favelas do bairro chamado Maré por respeito à proposta de Francisco Valdean, fotógrafo da Imagens do Povo, que entende que o termo “complexo” faz referência ao termo utilizando para falar de presídios (“Complexos Penitenciários”). 9 http://www.imagenshumanas.com.br 10 Chamarei de “grupo de fotógrafos” quando me referir às ações e idéias partilhadas por escola e agência coletivamente. 2

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imagens produzidas a seu respeito por fotojornalistas que não vivem em seus territórios (seja a favela, seja Bangladesh), pois tendem a representá-los de uma forma que consideram pejorativa - a partir de tragédias e do fundamentalismo religioso, em Bangladesh, e da violência armada do tráfico de drogas, no Brasil -, apresentando repetidamente a pobreza como pano de fundo. Também acreditam que esses fotojornalistas chegam a Bangladesh e às favelas cariocas frequentemente interessados em documentar notícias ligadas a eventos extraordinários, que terminam por produzir representações massivas dos bangladechianos e dos favelados (ou populares, como propõem os fotógrafos brasileiros) ligadas ao espetacular, e não à sua vida tal como ela é. Por não se reconhecerem nessas imagens, fotógrafos e aspirantes a fotógrafos locais se organizaram coletivamente em torno de grupos para construir discursivamente e imageticamente

atuações,

apresentações

e

representações

em

prol

do

incômodo

compartilhado. Propõem assim a elaboração de imagens endógenas, que chamei de autorrepresentações11, para produção de representações mais “profundas”, ou “mais verdadeiras” dos “seus”. O fato de fotógrafos e fotografados serem oriundos da mesma localidade, apresenta, segundo os fotógrafos da Drik e da Imagens do Povo, um diferencial na construção das representações: eles compreendem melhor a realidade local. Além disso, existe a possibilidade de contestação da imagem registrada por parte dos fotografados, caso não concordem com a representação construída, o que produz um diferencial também na relação dos próprios fotografados com a imagem – e com a sua imagem, especialmente. Mas definem de maneira diferente o que consideram o olhar externo, como vemos nos trechos abaixo retirados dos seus websites: Drik is part of a worldwide network of organizations campaigning for human rights and social change through photography, information technology and media activism. It also provides support for creative individuals who challenge the hegemony of Western media. (Drik Picture Library12) O objetivo maior do projeto é, através do registro da realidade vivida nas periferias e favelas do Brasil e da constituição de um acervo de imagens sobre os diferentes grupos e movimentos populares do país, colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos. Tudo isso através de um jornalismo parcial e comprometido, nascido do convívio com as comunidades documentadas, aprendendo com elas a essência de suas vidas (Imagens do Povo13)

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Chamarei de “autorrepresentações” as representações construídas de si por um grupo social. www.drik.net 13 www.observatoriodefavelas.org.br/observatorio/projetos/#5 12

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Se no caso bangladechiano o Outro é o estrangeiro, o espectador ocidental imaginado como espelho da Europa e/ou dos Estados Unidos, no caso brasileiro é o “não morador de favela”, especialmente aquele que vive na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Tentando compreender de que maneira a mudança do sujeito produtor de imagens pode estar vinculada a uma mudança nas próprias representações, neste trabalho analiso o modo como os fotógrafos em torno da Drik/Pathshala e da Imagens do Povo/Escola de Fotógrafos Populares estão utilizando fotografias para reagir a representações que consideram problemáticas (seja de um território, uma etnia, uma religião ou uma classe social). Reflito sobre a importância da documentação da vida cotidiana para a apresentação de imagens que possam competir socialmente com o registro de eventos espetaculares, assim como sobre a importância da elaboração de denúncias que respeitem a integridade e dignidade dos envolvidos. A despeito das especificidades de cada caso, vou argumentar que (re)presentações negativas sobre grupos sociais vistos como Outros podem produzir unidades em torno de questões como identidade, apresentação, representação, alteridade e subjetividade. Essas “unidades” ou “coletividades”, contudo, ainda que sejam muitas vezes percebidas como contraditórias e sejam bastante criticadas pela “identidade” (no singular) e pelos estereótipos positivos que apresentam, são complexas, múltiplas, negociadas e encontram-se em constante transformação. Desse modo, o foco é colocado nos processos criativos (pessoais e coletivos) que esses fotógrafos propõem e experimentam, atinando para o papel da imaginação como prática social (Appadurai, 2004; Gonçalves e Head, 2009).

Criminalização, ativismo, identidade e representações: a escolha do tema A primeira pergunta que escuto quando falo sobre o meu tema de pesquisa é: “mas por que Bangladesh?”. Provavelmente por ser brasileira, ninguém me pergunta o porquê de estudar o meu próprio país. Nem o porquê de estudar as favelas, ou mesmo por que fazer uma comparação. Mas “por que Bangladesh?” é sempre colocado, em tom de grande surpresa, que costuma crescer a cada descoberta (geográfica, política, imagética) sobre esse pequeno país sul-asiático. Escolhi Bangladesh por causa da Drik Picture Library, agência que descobri ainda durante o mestrado, quando já realizava pesquisa sobre projetos sociais fotográficos e

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autorrepresentações14. Foi através da Out of Focus15, uma oficina fotográfica levada a cabo pela Drik em parceria com a UNICEF, que estimulava crianças da classe trabalhadora a fotografar seu universo, descrita por Flores (2004) em texto apresentado no XXVII Coloquio Internacional de Historia del Arte, no México: Los parámetros ideológicos de Fuera de Foco son paralelos a los del colectivo Drik, que asume como su objetivo el uso consciente del poder social, económico y político que da el acceso a la tecnología. Drik ha tocado todos los aspectos del proceso de comunicación fotográfica: además de abrir una agencia de imagen (Drik Picture Library), el colectivo dirigido por Alam ha iniciado, además, un instituto de educación fotográfica (Pathshala), un laboratorio de servicios fotográficos, una galería, una editorial y un buró de servicios de diseño y multimedia; ha organizado el primer festival de fotografía de Asia (Chobi Mela) y, finalmente, ha introducido el internet y el correo electrónico a Bangladesh instalando el primer servidor público. El colectivo tiene muy clara su ética de trabajo: mientras que los distintos proyectos de Drik proveen servicios tecnológicos de alta calidad a una clientela nacional e internacional, las ganancias se utilizan para apoyar una red de individuos creativos que retan la hegemonía mediática occidental. Drik ha trabajado críticamente con y en contra de los gobiernos en Bangladesh, vinculándose permanentemente con organizaciones y agencias fotográficas internacionales y luchando por un “uso efectivo de los medios y el internet para promover los derechos humanos”. (Flores, 2004: 30)

O texto, que apresentava grupos com propostas próximas daqueles que eu acompanhava no Brasil desde 2004, foi-me apresentado pelo antropólogo e fotógrafo Milton Guran, curador dos Encontros Internacionais de Fotografia do Rio de Janeiro (FotoRio) e idealizador dos Encontros para Inclusão Visual do Rio de Janeiro (EIVRJ). Os EIVRJ são encontros bianuais que acontecem desde 2004 no âmbito do FotoRio e reúnem grupos que trabalham com a fotografia como ferramenta de inclusão social (ou “visual”) em diversos pontos do país e fora dele (Gama, 2009b). São oficinas e cursos que têm como objetivo aguçar o olhar de jovens e crianças de baixa renda através da técnica fotográfica, estimulando representações endógenas em áreas até então massivamente documentadas por membros oriundos de classes mais abastadas (Gama, 2006 e 2009b).

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Algumas das reflexões desenvolvidas nesta tese já estão sendo elaboradas desde 2004, quando comecei minha pesquisa sobre projetos sociais que utilizam a fotografia como instrumento de “inclusão visual” e a ideia de autorrepresentação fotográfica por moradores de favelas da cidade do Rio de Janeiro (Ver Gama, 2006). Naquele primeiro momento, no entanto, apesar de acompanhar a formação e a produção dos grupos que agora tomo para reflexão, não foquei, mas em outro chamado Olhares do Morro. Essa análise foi desenvolvida na minha dissertação de mestrado defendida em 2006 no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob orientação da professora Clarice Peixoto. 15 O projeto Out of Focus, que aconteceu pela primeira vez em 1994 e voltou a se repetir alguns anos depois, resultou em um website (www.drik.net/focus/outoffocus.htm) e um calendário onde, além das fotos, podemos ler algumas informações sobre a atuação da UNICEF no país. Algumas das crianças que participaram deste projeto atualmente trabalham na Drik Picture Library. 5

A Imagens do Povo participa desses encontros desde o princípio e, junto com outros grupos de fotógrafos e o coordenador do FotoRio, tentam articular o movimento de inclusão visual com o objetivo de trocar experiências e dar visibilidade a atuações voltadas para a “educação visual”, a democratização dos meios de comunicação e a autorrepresentação de populações de baixa renda. Há cada vez mais grupos voltados para estas questões surgindo no Brasil, mas não exclusivamente. Nos últimos anos, grupos que utilizam recursos (audio)visuais vêm se multiplicando em todo o mundo, e em especial nos países periféricos (Flores, 2004; Gama, 2006b). Existem em países como Argentina, França, México, África do Sul, Arábia Saudita, Índia, Itália, Holanda, Bangladesh, Haiti e Israel. Este crescimento está tecnicamente relacionado ao barateamento dos custos de câmeras fotográficas e de vídeo, principalmente das digitais, e, socialmente, à importância que as imagens (e o consumo delas) vêm ganhando na sociedade contemporânea. Esses grupos também vêm ganhando visibilidade e espaço na mídia e na academia (Cf. Copque 2003; Hoek, 2003; Gama 2006, 2009b; Carminati, 2008; Berntsen, 2011). Entre 2006 e 2008, por exemplo, aconteceram sucessivamente no Centro Universitário SENAC de São Paulo, no Brasil, e na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, as Conferências Internacionais “Direitos Visíveis: Fotografia para e com jovens”16 que reuniu acadêmicos, fotógrafos e membros da sociedade civil de diversos países, dentre os quais o Brasil e Bangladesh. Milton Guran, o principal articulador do movimento de inclusão visual brasileiro, e Shahidul Alam, o idealizador da agência e da escola bangladechiana, participaram da 2ª edição da conferência em 2007, nos Estados Unidos. Curiosa para saber mais sobre como uma agência do outro lado do planeta estaria organizada em torno de questões tão próximas àquelas da agência que ganha cada vez mais força no Brasil, a Imagens do Povo, baseei-me nessa rede internacional de fotógrafos e ativistas voltados para os “direitos visuais” para elaborar o projeto comparativo. Dentre todos os grupos apontados por Flores em seu texto e presentes nas conferências “Visible Rights”, escolhi Drik por ser aquele que existia há mais tempo (quase vinte anos) e disponibilizava mais informações online, algo fundamental nesta primeira etapa para a elaboração de um projeto à distância.17. 16

Em inglês: “Visible Rights: Photography by and for youth”. Ver http://www.fas.harvard.edu/~cultagen/programs.htm?visible 17 Neste momento, eu sequer imaginava que as informações disponibilizadas na Internet pelos fotógrafos 6

Ao escolher a Drik através das informações sobre a Out of Focus, entretanto, eu imaginava que os fotógrafos das agências bangladechiana e brasileira tinham perfis parecidos. Mas ao me debruçar sobre o grupo, descobri uma diferença importante: enquanto no caso brasileiro a agência é composta por fotógrafos populares, em sua maioria oriundos das camadas baixas da sociedade carioca (as “classes populares”), no caso bangladechiano, os fotógrafos são oriundos das camadas médias, sendo alguns da classe alta, de diversas cidades do país. Ou seja, enquanto no Brasil são os habitantes das favelas que registram sua vida cotidiana para demonstrar o que seria sua realidade e a de seus vizinhos, em Bangladesh são membros das classes mais abastadas os responsáveis pela produção de imagens para combater os olhares que eles chamam de “eurocêntricos” sobre a população bangladechiana. Fotografam os mesmos temas massivamente registrados por estrangeiros (tais como grupos de refugiados, monções e madraças), sem participação “popular” pois, segundo eles, as populações dos “bostie” [favelas]18 em Bangladesh não possuiriam os meios (nem econômicos, nem intelectuais) para realizar tal atividade. Todavia se há menos heterogeneidade socioeconômica nos bostie bangladechianos que nas favelas brasileiras, há também outro fator importante que parece ser responsável pela inexistência de tal atividade no país: o não engajamento de fotógrafos e cineastas oriundos das outras camadas sociais com a transformação desse quadro19. Tendo em vista os diferentes contextos e perfis encontrados, tive que readaptar o tema inicialmente proposto para a tese e a alternativa encontrada para a comparação foi direcionar minha atenção para outra desigualdade, que não aquela apresentada inicialmente pelos brasileiros – social -, mas a que fui pouco a pouco descobrindo no decorrer da pesquisa: a da autoridade para apresentar/representar determinados grupos sociais. bangladechianos seriam importantes durante todo o desenvolvimento da pesquisa Ao longo dos últimos anos mantive-me atualizada sobre a produção e as atividades dos fotógrafos através de seus websites, páginas pessoais e profissionais no Facebook e vídeos disponibilizados no Youtube. Também tive a chance de voltar a eles com novas questões e ter retornos rápidos e fáceis através do e-mail, Gtalk e Skype. 18 Autores como Valladares (2009), Gilbert (2007) e Depaule (2006) argumentaram a inadequação da utilização dos termos “favela”, “slum” e “bidonville” como equivalentes. “Bostie” poderia ser enquadrado na mesma reflexão. Segundo Valladares (2009:1), a inadequação se dá porque “banlieue, bidonville, ghetto, slum, taudis do not have the same meaning everywhere and that one should beware of semantic conversions and generalizations. In fact it seems that the systematic use of such words ends up stigmatizing neighborhoods situated at the bottom of the hierarchical system of places that compose the metropolis and it also ends up endorsing the idea of a positive link between territory, identity and commitment”. Ainda que compreenda as implicações da tradução simplista desses termos, escolhi utilizá-la para facilitar a compreensão do(a) leitor(a). 19 Uma exceção seria justamente a oficina fotográfica Out of Focus desenvolvida pela Drik, mas que não gerou maior engajamento da população, ainda que algumas dessas crianças atualmente trabalhem em setores administrativos da agência. 7

A partir deste novo enfoque, a discussão sobre a relação entre identidades e alteridades ganhou mais força que aquela sobre as representações das áreas populares (foco da minha dissertação de mestrado). Atentando para as diferenças das duas organizações, outras questões também apareceram como importantes, como, por exemplo, o que significa apresentar-se como uma agência independente (ou mesmo comercial) ou um projeto social. Em Bangladesh, garantem que são “independentes” e se autossustentam através de suas atividades profissionais. No Brasil, atrelam sua independência à autonomia em relação às cobranças do mercado de trabalho, mas por fazerem parte de uma OSCIP, dependem de financiamentos de uma organização que desenvolve projetos tão urgentes quanto a redução da letalidade juvenil. Desse modo, os fotógrafos brasileiros ainda lutam para conquistar uma sustentabilidade através de financiamentos escassos e irregulares. Mas é preciso compreender o que significa a “independência” bangladechiana e brasileira. Assim, neste trabalho, também atento para quando essas “identidades” são apresentadas, quando elas aparecem de forma mais obscura e em que situações são apresentadas em conjunto. O que significa ser um “ativista” ou simplesmente um “fotógrafo” em um ou outro contexto também aparece como definidor de muitos valores que partilham, e isto aparece de forma mais clara através dos ensaios produzidos pelos fotógrafos de cada grupo.

Do Brasil a Bangladesh: questões metodológicas da comparação internacional A moeda corrente do comparatismo crítico, ou do juízo estético, não é mais a soberania da cultura nacional concebida, como propõe Benedict Anderson, como uma "comunidade imaginada" com raízes em um "tempo vazio homogêneo" de modernidade e progresso. As grandes narrativas conectivas do capitalismo e da classe dirigem os mecanismos de reprodução social, mas não fornecem, em si próprios, uma estrutura fundamental para aqueles modos de identificação cultural e afeto político que se formam em torno de questões de sexualidade, raça, feminismo, o mundo de refugiados ou migrantes ou o destino social fatal da AIDS. (Bhabha, 1998, p.25)

Esta pesquisa se deu em quatro diferentes momentos: primeiro no Rio de Janeiro/Brasil, entre 2008 e 2009, com a realização de um trabalho de campo que foi a continuação da pesquisa que venho desenvolvendo em favelas cariocas desde 2004; depois em Paris/França, entre 2009 e 2010, com um período de preparação para o segundo trabalho de campo a ser realizado em Bangladesh, seguido de um terceiro, em Daca/Bangladesh, em 2010, onde realizei duas 8

viagens a campo e um último, entre o Rio de Janeiro/Brasil e Paris/França, entre 2011 e 2012, no qual me dediquei à organização e análise de todo o material coletado e à escrita da tese. Ela foi, desse modo, fortemente marcada por esses deslocamentos e pelas diferentes áreas geográficas (Brasil, França Bangladesh), linguísticas (português, francês, inglês e bengali) e teóricas (antropologia, sociologia, fotografia, comunicação, artes etc.) pelas quais passei e que me afetaram ao longo dos quatro anos de elaboração da tese. Trabalhar com domínios tão distintos apresentou implicações positivas e negativas para a pesquisa e para a pesquisadora, e um estranhamento que decidi apresentar ao leitor através da publicação das citações utilizadas nas línguas a que tive acesso. Assim, ao longo do texto, será possível ler trechos em inglês, francês e espanhol, além do português e de algumas expressões em bengali. Os países nos quais tais grupos estão situados são política, social e geograficamente bem diferentes. Apesar da aparente aproximação de suas propostas (construir uma representação endógena em áreas massivamente representadas por pessoas “de fora”), cada região trouxe contribuições com escalas e desejos distintos, que estão relacionados à história de cada país. Cada caso também apresentou particularidades que me fizeram vivenciar os trabalhos de campo de maneira distinta, nas áreas da minha cidade que até então eu desconhecia e no outro país, tão diferente do meu. Cada um ofereceu informações que complementaram aquelas que eu encontrava em um e noutro grupo, abrindo pistas para a pesquisa sobre pontos para os quais antes eu não atentava. Desse modo, meu objetivo não foi comparar as sociedades bangladechiana e brasileira, mas refletir sobre como essas produções fotográficas com tons de globalização são apresentadas em forma de demandas políticas, de autorrepresentações e como elas estão acontecendo em diferentes pontos do planeta. Foi sobre similaridades e peculiaridades que me debrucei, mas também, e principalmente, sobre o que um grupo apresentava para refletirmos sobre o outro. Assim, analiso comparativamente a produção, a circulação e a comercialização das imagens dos dois grupos de fotógrafos, atentando para a forma como pretendem participar visualmente das sociedades contemporâneas. Ao me debruçar sobre práticas documentais fotográficas, interessei-me por trabalhos realizados por aqueles que produzem ensaios de longo período para apresentação de histórias sobre determinados temas, e não por uma fotografia com o

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objetivo único de informar algo20. São fotógrafos que veem na fotografia um uso que vai além do registro do acontecimento, ou de uma possível circulação comercial (institucional ou jornalística). Eles consideram que a imagem teria um caminho a ser percorrido (seja jurídico, cultural ou social) depois do momento registrado. A pesquisa se deu através de diversos meios. Analisei fotografias e discursos produzidos pelos fotógrafos e coordenadores da Imagens do Povo, da Escola de Fotógrafos Populares, da Drik Picture Library e da Pathshala; websites (dos fotógrafos, das agências, das escolas e das redes sociais nas quais participam, entre outros); publicações (deles e sobre eles) e exposições (individuais e coletivas); atividades das instituições às quais estão vinculados e suas histórias de vida. Realizei entrevistas abertas e a observação participante, mas também utilizei documentos oficiais de ambos os grupos como fontes de informação. Participei de reuniões coletivas, aulas, dos Encontros sobre Inclusão Visual do Rio de Janeiro e acompanhei os fotógrafos em saídas para produção de imagens. Compartilhei textos (meus, deles e de outros) e enviei meus textos sobre os fotógrafos brasileiros para ouvir suas reações antes da inserção na tese.21 Interessou-me observar as “funções” e “significados” das fotografias produzidas e da própria prática fotográfica para os seus produtores, atentando para o modo como as imagens mediam teias de relações entre diferentes domínios social e simbolicamente construídos, estabelecendo pontes. Desde o início, algumas questões se colocaram presentes: que fotografias são produzidas, como (enquadramentos, foco, disposição dos planos), por quem e para quem? O que está sendo transmitido por meio dessas imagens? Que desejos sociais são mobilizados por elas? Como autorrepresentações podem intervir nas representações massivamente difundidas sobre determinada população? Como elas ajudam a compreender identidades e representações de grupos sociais fora dos “centros de poder”? Que papel adquirem as imagens nesses contextos? Durante a pesquisa, no entanto, outras questões apareceram: o que significa falar de si ou dos seus? Onde estão os limites entre o “eu” e o “outro”? Qual é a relação entre identidade e alteridade? As fotografias produzidas pelos grupos tentam promover/vender 20

Muitos argumentariam que esta seria a diferença fundamental entre o fotojornalismo e a fotodocumentação, mas esta divisão não aparece de forma clara nestes grupos, que muitas vezes se referem a seus trabalhos como “fotorreportagens”. 21 Por causa do idioma em que escrevi a tese, não foi possível partilhar estas primeiras reflexões com os fotógrafos bangladechianos. A prática de compartilhar minhas impressões sobre eles (verbal, imagética e textualmente), no entanto, tem se mostrado uma interessante ferramenta em minhas pesquisas, que me permitem ter acesso a novas e importantes reflexões dos sujeitos pesquisados através da reação à minha organização das informações obtidas. (Cf. Gama, 2006 e 2009). 10

“experiências” (tal como apontado por Haraway, 1989, e Kirshenblatt-Gimblett, 1998)? De que tipos? Como os fotógrafos circulam as imagens produzidas (em termos de mercado? Como dádivas? Como documentos?)? Há temas não documentados? Quais e por quê?

Nota sobre a comparação Comparando a produção de fotógrafos de mundos tão diferentes e utilizando um exemplo para pensar no outro, neste trabalho eu reflito sobre a produção de imagens como forma de atuação política. Para isto, tomo emprestada a concepção de política presente no Online Dictionary of Social Sciences: “In general speech, politics refers much more widely to processes that involve the exercise of power, status or influence in making decisions or establishing social relationships”.22 Parti do princípio de que tais grupos de fotógrafos partilham símbolos de comunidades imaginadas, como propôs Anderson (2008), mas não em termos de culturas nacionais imaginadas como homogêneas, e sim de identificações culturais em torno de afetos políticos, como nos sugeriria Bhabha (1998). Estes afetos, aqui, estão voltados para temas ligados ao fotoativismo, à fotodocumentação, aos direitos humanos, à subalternidade e ainda às identidades popular e muçulmana. Os trabalhos de campo realizados no Brasil e em Bangladesh aconteceram de forma bastante diferente. Primeiro, pelo tempo dedicado à realização da pesquisa. No Brasil ela aconteceu durante anos, o que intensificou a intimidade e as experiências compartilhadas com os fotógrafos; em Bangladesh ela precisou ser realizada em alguns meses. Fatores como o domínio do idioma local e dos códigos culturais também tiveram implicações. No Rio, eu saí da minha casa para realizar a pesquisa em outra área da cidade onde vivia, ao passo que para chegar em Daca precisei tomar um avião, passar pela França, aprender um outro idioma, descobrir a história e a cultura de um país e realizar uma imersão com um recorte temporal bem restrito. No Rio, o campo se deu em meio a diversas outras atividades da minha vida (pessoal e profissional), enquanto em Daca vivi uma imersão total na pesquisa durante todo o tempo que permaneci na cidade. Ao chegar a Bangladesh pela primeira vez, eu não conhecia ninguém, não falava fluentemente o idioma e sabia muito pouco sobre o país. No Brasil, ainda que estivesse claro 22

http://bitbucket.icaap.org/dict.pl 11

que eu não era uma popular, eu circulava como alguém que vivia em outra área da mesma cidade. Isso sem dúvida trouxe implicações para minha pesquisa, mas estas eram bem diferentes daquelas que experimentei em Bangladesh. Neste país, minha cor, meu tamanho, meu idioma ou ainda meu comportamento me colocavam no centro das atenções e eu era vista como “exótica” por todos os lados. Ambos os grupos perto dos quais trabalhei23, no entanto, estavam habituados à presença de “estrangeiros” em suas sedes, cursos e reuniões. Assim, ainda que eu fosse inevitavelmente vista como diferente, os fotógrafos que encontrei tinham uma percepção da alteridade bastante diferente da de seus vizinhos e compatriotas. O campo no Brasil, então, apresentou algumas vantagens em relação ao de Bangladesh. Nele, pude usar minha língua materna e os conhecimentos que já tinha adquirido através das pesquisas que realizei anteriormente em favelas e com grupos de fotógrafos populares. O oposto aconteceu em relação a Bangladesh, sobre o qual, ainda no Brasil, quase nada consegui descobrir. Não há embaixada de Bangladesh no Brasil24, centros de estudos sobre o país (ou mesmo sobre a Ásia do Sul) ou curso de Bengali (a língua falada em Bangladesh). Ainda que hoje seja possível realizarmos pesquisas através da Internet, quando não se conhece absolutamente nada sobre determinado assunto é difícil encontrar as palavras certas para realizar as buscas. É preciso saber onde e o que procurar, e até chegar a Paris não sabia sequer por onde começar. A religião apareceu como algo importante em Bangladesh, conhecido como um país de maioria muçulmana. Uma das perguntas que mais ouvi de desconhecidos que me abordaram na rua era “qual é sua religião?”25. Ainda que não me considere católica, entendi, em Bangladesh, que “nascemos” católicos no Brasil. Costumava, então, confirmar minha 23

Trinh T. Minh-ha propôs a expressão “speak nearby” [falar próximo] como alternativa à “falar sobre”. Para ela, esta seria “a speaking that does not objectify, does not point to an object as if it is distant from the speaking subject or absent from the speaking place. A speaking that reflects on itself and can come very close to a subject without, however, seizing or claiming it. A speaking in brief, whose closures are only moments of transition opening up to other possible moments of transition — these are forms of indirectness well understood by anyone in tune with poetic language. Every element constructed in a film refers to the world around it, while having at the same time a life of its own. And this life is precisely what is lacking when one uses word, image, or sound just as an instrument of thought. To say therefore that one prefers not to speak about but rather to speak nearby, is a great challenge. Because actually, this is not just a technique or a statement to be made verbally. It is an attitude in life, a way of positioning oneself in relation to the world.” (Chen, 1992: 87) 24 Uma embaixada do Brasil foi (re)aberta em Bangladesh em 2010, entre minha primeira e segunda viagem de campo. 25 Mariza Peirano (1988) compartilhou da mesma experiência em sua passagem pela Índia, em seu texto “Are you Catholic?’ Relato de viagem, reflexões teóricas e perplexidades éticas”, publicado na revista Dados em 1988.

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vinculação a esta religião quando confrontada nas ruas. No Brasil, a religião não apareceu como uma questão para mim, ainda que tenha aparecido timidamente como importante na formação dos fotógrafos. Era onde eu morava que importava. Tanto “lá” quanto “aqui”, portanto, eu era uma “estrangeira” para os grupos, sendo estranhada em graus diferenciados, mas não menos importantes. A questão do gênero não foi apresentada de forma importante pelos grupos, nem mesmo pelas poucas mulheres entrevistadas, sobretudo no Brasil. A única exceção foi Taslima Akhter, em Bangladesh, que há anos se dedica à documentação da vida das costureiras [garment workers] em seus país. Se a trato na tese, é a partir das ausências e dos silêncios que notei sobre determinados assuntos. A discussão sobre o gênero não é um tema central, e não o desenvolvo como gostaria, mas vale a pena ressaltar, desde já, que a maioria absoluta dos fotógrafos é do sexo masculino. Vejamos, cronologicamente, como aconteceram as diferentes etapas dos trabalhos de campo, começando pelo Brasil, passando pela França até chegar a Bangladesh, voltando para a França e em seguida para o Brasil.

Campo no Brasil [2008-2009]

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Seria difícil para mim precisar exatamente quando comecei a pesquisa sobre a Imagens do Povo. Minha pesquisa sobre projetos sociais fotográficos no Brasil teve início em 2004, mesmo ano em que surgiu a agência e sua Escola de Fotógrafos Populares. E conheci o programa neste mesmo ano, no 1º EIVRJ. Mas Ripper e os fotógrafos, eu os fui conhecendo pouco a pouco nos anos que seguiram. Kita Pedroza, fotógrafa e antropóloga que coordenou a agência entre 2006 e 2010, todavia, eu já conhecia desde 2004. Nos encontramos em uma conferência da Associação Brasileira de Antropologia em Recife. Na época, Kita coordenava outro banco de imagens, o do portal Viva Favela26 da ONG Viva Rio.27 Lembro da primeira vez que fui ao Observatório de Favelas, em 2005. A sede da ONG recém aberta ainda estava em reforma. Era um evento do FotoRio que consistia na projeção de algumas imagens da primeira turma da Escola de Fotógrafos Populares para fotógrafos que participavam da “Visita Cidadã”, uma visita organizada na Nova Holanda, uma favela da Maré, como parte da Jornada Internacional de Inclusão Visual do FotoRio. Só voltaria ao Observatório em 2006, quando inauguraram a primeira turma da Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC)28, um outro projeto/escola do Observatório de Favelas que contaria com o Imagens do Povo como seu braço fotográfico. Mas desde o início acompanho exposições e atividades do grupo, e converso com envolvidos de maneira informal. Especialmente Kita, que foi uma importante interlocutora nesta pesquisa. Sua formação nas Ciências Sociais e sua experiência com o uso da fotografia como ferramenta de pesquisa antropológica, assim como o trabalho que desenvolveu na Imagens do Povo apontavam questões importantes para esta pesquisa frequentemente. Nossa amizade, que começou bem antes da sua entrada no programa, e paralelamente às minhas pesquisas, permitiu trocas que perduraram mesmo quando decidiu sair da agência para investir em seus projetos pessoais. Dos fotógrafos do grupo, alguns foram fundamentais para as reflexões desenvolvidas nesta tese: Francisco Valdean (que durante a pesquisa cursava a graduação em Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Naldinho Lourenço, Bira Carvalho e Davi 26

http://www.vivafavela.com.br Cf. Lucas (2012). 28 www.espocc.org.br 27

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Marcos. Suas reflexões foram tão fundamentais que se tornaram eles mesmos o foco desta tese. Dentre eles, as reflexões oferecidas por Valdean merecem destaque. Além do interesse na fotografia, partilhamos reflexões sobre as Ciências Sociais, sobre a migração do nordeste rumo ao Rio de Janeiro, sobre as representações sociais das favelas, sobre a percepção da violência etc. Graças ao seu interesse na minha pesquisa e à curiosidade que tinha sobre as questões que eu apresentava, com ele pude partilhar reflexões de forma especial e isso ficará claro no texto. Ainda que seja difícil afirmar quando comecei a pesquisa para esta tese, posso dizer que o trabalho de campo na Maré começou efetivamente em 2008, e aconteceu de forma mais intensa entre julho e outubro de 2009, quando acompanhei algumas aulas da Escola de Fotógrafos Populares29. Foi também neste período que realizei a maior parte das entrevistas com os fotógrafos Francisco Valdean, Bira Carvalho, Davi Marcos, Naldinho Lourenço, Elisângela Leite e João Roberto Ripper. Com Kita nunca gravei uma entrevista formal. Outro marco importante aconteceu em agosto de 2009, quando fui convidada por Kita para dar uma aula na escola. O contive surgiu a partir de algumas conversas em 2008, quando eu ministrava uma disciplina sobre antropologia e fotografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e ganharam força no começo de 2009, quando comecei a dar aulas sobre metodologia da ciência na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Kita já tinha proposto uma aula sobre minha pesquisa do mestrado, mas a sugestão sempre me deixava receosa. Ainda que eu tivesse grande interesse em partilhar minhas reflexões sobre a agência “divergente” do movimento de inclusão visual que eu tinha pesquisado anos antes (Cf. Gama, 2006), eu tinha receio de que o pouco tempo e o risco do monólogo que uma palestra apresenta causasse mal-entendidos e prejudicasse essa minha nova pesquisa, agora próxima a eles. Mas aceitei o risco, ansiosa para experimentar esse espaço privilegiado de troca coletiva com o grupo. E o convite transformou a minha relação com os fotógrafos. Se antes eu não encontrava meu lugar junto ao grupo, me sentindo sempre deslocada em meio às diferentes atividades que realizavam, a partir do convite passei a ser vista como uma “palestrante” e vários fotógrafos (e coordenadores) passaram a se aproximar se referindo a mim como 29

Estive presente especialmente naquelas oferecidas pelos coordenadores e por convidados. De aulas técnicas, por exemplo, não participei. 15

“parceira”. Compreendi neste momento que a minha relação com eles seria distinta daquela que experimentei anteriormente em outras pesquisas. Cerca de um mês antes da data combinada, entretanto, um convidado cancelou sua participação e Kita perguntou se eu aceitaria antecipar minha aula. Se aceitasse, eu daria a aula em três dias, sem conseguir preparar as discussões que pretendia, com a qualidade didática que me interessava. Fiquei ainda mais apreensiva, mas aceitei, acreditando que tal proposta só poderia ser feita a uma “parceira”. A minha relação com o grupo, portanto, já estava diferente. Decidi, contudo, fazer da minha primeira palestra na escola um curso básico sobre a relação entre a antropologia e a fotografia. Queria garantir, antes de apresentar a minha análise sobre o outro grupo de fotógrafos populares, que tivessem um primeiro contato com a forma como trabalhamos na antropologia. A aula se deu em três etapas: a primeira, sobre o que é antropologia, o relativismo cultural e o etnocentrismo, seguida de uma breve história da relação entre a antropologia e a fotografia (ou os usos da fotografia pela antropologia), concluindo com a exibição de alguns trabalhos fotográficos de antropólogos (Malinowski, Levi-Strauss e Verger). A discussão sobre antropologia gerou tamanho interesse que no final tivemos pouco tempo para falar sobre o projeto fotográfico, que ficou reservado para um segundo encontro. Ainda que tenha sido uma aula muito diferente das que vinham tendo na escola (as mais teóricas eram muito voltadas para a história da fotografia), os alunos participaram bastante e se mostraram interessados. O segundo encontro, no entanto, só aconteceu em 2011, quando retornei do período que passei fora do país (entre a França e Bangladesh). Dessa vez, o convite partiu de Valdean, que agora atuava como professor de fotografia na ESPOCC. Nesta ocasião, apresentei o trabalho que realizei sobre a Olhares do Morro (Gama, 2006), mas também o movimento de inclusão visual (Gama, 2009b) e a Drik Picture Library. Decidimos (eu e Valdean) deixar a discussão sobre a Imagens do Povo por último e o tempo da aula (3h ou 4h) acabou antes que tivéssemos a oportunidade de tratar desta agência, ainda que ela tenha aparecido de forma indireta nas discussões anteriores. Acredito que o fato de termos decidido deixar a Imagens do Povo por último, arcando com o risco (ou mesmo investindo nele) de deixá-la fora da discussão, acabou sendo uma estratégia para nos pouparmos dessa embaraçosa situação que inevitavelmente nos colocaria em campos opostos – o desagradável “eu x eles” que o falar do “outro” implica. A aula mais uma vez 16

gerou bastante debate e participação dos alunos. Uns passaram a me procurar a partir desse momento para divulgar seus eventos ou pedir informações e ajuda na elaboração de projetos. Outros me adicionaram como contato na rede social Facebook30 e convidaram-me a participar do grupo dedicado à turma de 2011 da ESPOCC.

Preparando o campo de Bangladesh em Paris [2009-2010] Em 2009 recebi uma bolsa do projeto “Arte, Imagem e Memória: Horizontes de uma Antropologia da Imagem e da Cognição” (Acordo Capes-Cofecub 2007-2011), coordenado pelos professores Carlos Fausto (MN/UFRJ) e Carlos Severi (LAS/EHESS) do qual o professor Marco Antônio Gonçalves (NEXTIMAGEM/UFRJ), meu orientador no Brasil, também fazia parte, para passar um ano em Paris, realizando um estágio no Laboratoire d'Anthropologie Sociale da École des Hautes Études em Sciences Sociales (LAS/EHESS), instituição em que, um ano mais tarde, iria me inscrever em regime de cotutela sob orientação do professor Jean-Paul Colleyn (IIAC/EHESS). O período em Paris, além de ter sido de grande importância para a minha formação, foi fundamental para a preparação do meu primeiro campo em Bangladesh. Cheguei a Paris com pouquíssimas informações sobre o país e foi apenas lá que comecei a desenvolver a parte asiática da pesquisa. Primeiramente, através de um curso de Bengali no Institut National de Langues et Civilisations Orientales (INALCO), onde me inscrevi no primeiro ano como aluna especial. Comecei a aprender a língua em novembro de 2009 e a estudei por quase um ano, em francês, realizando em seguida um curso intensivo durante os dois meses que vivi em Daca em minha segunda viagem à cidade, onde passei a estudar o idioma em inglês. Através do INALCO tomei contato com bibliografias sobre Bangladesh e aprendi sobre sua história, cultura e literatura. Philippe Benoit, coordenador da formação, além de ter ensinado a gramática do idioma, me colocou em contato com pesquisadores franceses que realizavam pesquisa no país. O contato com tais pesquisadores, especialmente antes da primeira visita ao país, foi de grande importância para a preparação da viagem. Alguns me ofereceram contatos na cidade, outros me deram indicações de lugares a conhecer. Mas o mais importante foi ouvir histórias de quem já tinha vivido a experiência que eu estava prestes a experimentar. 30

www.facebook.com 17

Preparei as minhas duas viagens de campo para Daca em Paris e acredito que o fato de ter deixado esta cidade e voltado para ela a cada campo trouxe implicações para a pesquisa. Parti pela primeira vez em fevereiro de 2009 e pela segunda em agosto deste mesmo ano. Fiquei um mês da primeira vez e dois da segunda. A primeira foi uma viagem exploratória. Buscava fazer os primeiros contatos, conhecer o lugar e descobrir se a pesquisa era viável. Afinal de contas, a maior parte dos contatos que eu tinha tentado fazer via internet tinham ficado sem resposta. Tinha conseguido, no entanto, contato com os coordenadores da Drik, e eles me ajudaram a reservar um hotel no mesmo bairro em que viviam e em que estava situada a agência, próximo da escola, abrindo portas para a pesquisa. A segunda viagem foi bem mais fácil. Já conhecia muita gente e algumas pessoas tinham se tornado amigas e com elas eu mantinha contato frequente via telefone e Internet. Antes mesmo de comprar a minha segunda passagem para o país, eu já tinha algumas propostas de hospedagem. Decidi ficar na casa oferecida por Saiful Huq Omi, fotógrafo formado pela Pathshala que tinha conhecido rapidamente na minha primeira viagem a Daca e que voltaria a encontrar alguns meses depois em Paris. Mas a casa que ele me ofereceu, situada em Mirpur, um bairro de classe média baixa de Daca, não era onde ele vivia com sua família. Era uma casa que funcionava como sede para sua agência, a Counter Photo, onde ele também planejava criar uma escola de cinema documentário e, para isso, organizava reuniões, encontros e palestras com possíveis parceiros e interessados. Omi vive com sua esposa na casa de seus pais, tal como é costume em famílias muçulmanas, e achou que eu ficaria mais à vontade nesta casa, onde eu viveria só com o caseiro Sha Jahan. Durante o dia, apesar disso, a casa costumava ser bastante frequentada por ele, por seu assistente Ekramul Kabir Shohan e por jovens estudantes e ativistas interessados nas discussões sobre representações visuais.

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Campo em Bangladesh [2010]

Ao chegar a Daca, a capital de Bangladesh, pela primeira vez, tudo o que eu tinha era a reserva de um hotel e um convite para jantar na casa em que Shahidul Alam vivia com sua companheira, Rahnuma Ahmed31. Deixei Paris em um voo que fez escala em Dubai, nos Emirados Árabes, onde perdi quase todos os passageiros “ocidentais” que seguiram diferentes rumos, pegando um novo voo composto em sua quase totalidade por homens bengalis que deixavam o oriente médio rumo a Bangladesh para as comemorações do Dia Internacional da

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Rahnuma, sua companheira, é antropóloga, escritora e ativista. Dentre suas múltiplas funções, durante a pesquisa Rahnuma ocupava, ao lado de Shahidul, o cargo de diretora da Drik. Antiga professora da Jahangirnagar University, é reconhecida por seus textos feministas e críticos ao imperialismo americano. 19

Língua Maternal, o Ekushey February32. Cheguei a Daca um pouco antes do meu primeiro encontro, consciente de que a partir daquele momento eu deveria deixar o Português e o Francês de lado para tentar me comunicar em Inglês e utilizar as minhas poucas palavras em Bengali. O jantar estava marcado para as 19h, quando Shahidul e um amigo, um advogado inglês que passava um período na cidade, passaram no hotel para me buscar. Ao me ver, Shahidul abriu os braços, me abraçou e disse “Finally you’re here!”, uma resposta a um e-mail que eu lhe enviei dias antes, dizendo que finalmente estava chegando. Passamos para pegar uma jovem antropóloga norueguesa que realizava pesquisa sobre a Drik e seguimos rumo a seu flat, onde nos encontraríamos ainda com um casal de americanos (um fotógrafo e uma editora), um artista/ativista bangladechiano que vive entre Daca e Nova York e Rahnuma. Nesse jantar, que mais parecia uma reunião informal de ativistas bangladechianos e estrangeiros, tive a oportunidade de conhecer pessoas que seriam fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa e fui rapidamente inserida no centro de discussões importantes para o grupo de fotógrafos que chegava para conhecer. Mas foi apenas dois dias depois, quando saí sozinha pela primeira vez na cidade33 para ver as comemorações do Ekushey February, que realmente comecei a vivenciar meus primeiros contatos com a população local. Era um dia de comemorações importantes para os bangladechianos, que travaram sua luta pela independência do Paquistão tendo como uma das principais demandas o reconhecimento da sua língua, o Bangla (ou Bengali), como língua da nação34. As ruas estavam lotadas e eu tentava descobrir como chegar até o Shaheed Minar35 quando Soma, uma jovem de dezesseis 32

O Movimento pela Língua (ভাষা আন্দোলন Bhasha Andolon), foi um movimento político do Paquistão Oriental (futuro Bangladesh) para reconhecimento da língua bengali como uma língua oficial do Paquistão. Desencadeado em 1948, quando o governo do Paquistão afirmou que o Urdu seria a única língua nacional, e tendo seu clímax em 21 de fevereiro de 1952, quando estudantes da Universidade de Daca junto com outros ativistas organizaram um protesto que culminou na morte de muitos deles pela polícia. O movimento ganhou tamanha importância não apenas dentro, mas também fora do país que a UNESCO declarou, em 2000, o dia 21 de fevereiro como o Dia Internacional da Língua Maternal. O movimento pela língua foi o precursor de movimentos nacionalistas bengalis que culminaram na guerra pela independência em 1971. 33 Nos dois primeiros dias fiquei entre o hotel em que estava hospedada e a casa de Shahidul Alam e Rahnuma Ahmed. 34 O nome do país, Bangladesh, foi criado a partir dessa demanda. Sendo “desh” a palavra bengali para “país”, Bangladesh significa “o país do Bengali”. 35 Shaheed Minar é o monumento construído em homenagem àqueles que morreram lutando pelo Movimento pela Língua em 1952. 20

anos, ao me ver sozinha, se aproximou e ofereceu ajuda, propondo que seguíssemos juntas. Ela estava acompanhada de Mousomi e Pupul, suas melhores amigas, em uma das entradas de acesso à ruas interditadas. Aceitei a companhia e passamos o resto do dia juntas. Depois de me fazer visitar o Shaheed Minar, Soma me levou para conhecer parte de sua família que vivia e trabalhava na High Court, perto de onde estávamos. Sua família, pouco habituada com a presença de estrangeiros, me recebeu calorosamente, passando a me convidar para almoços, passeios, visitas... E decidiram me adotar. Foi com elas que tive a oportunidade de conhecer o Bangladesh que existe longe das entrevistas, encontros profissionais e discussões em torno da fotografia. Os fotógrafos que eu chegava para conhecer dispunham de pouco tempo livre para oferecerme, dada as diversas atividades com as quais estavam envolvidos diariamente. Eles também estavam muito habituados a receber estrangeiros interessados em seu trabalho (algo muito especial neste país onde a presença de estrangeiros é escassa), e gente disposta a criticá-los pelo que faziam ou deixavam de fazer. Havia sempre tantos fotógrafos interessados em conhecê-los que uma pesquisadora gerava pouco interesse. Gostavam de falar sobre seu trabalho e se colocavam à disposição para conversas, mas fugir do formato “entrevista” era difícil. Outra dificuldade enfrentada estava relacionada à segregação entre os universos masculino e feminino existente no país, o que gerou obstáculos ao estabelecimento de uma relação mais íntima com os fotógrafos (em sua maioria do sexo masculino) no pouco tempo de que eu dispus para realização do trabalho de campo no país. O campo em Bangladesh, assim, teve uma característica especial. Não foi com os fotógrafos que passei horas a fio aprendendo os códigos locais, mas com a família de Soma, composta majoritariamente por mulheres. A experiência junto a essa família também foi importante por me fazer visitar áreas da cidade que, sem elas, eu não teria conhecido36. E esta circulação causava surpresa entre os fotógrafos, especialmente o casal de coordenadores, visto que a maioria dos estrangeiros que visitavam (ou mesmo moravam em) a cidade restringiam sua circulação aos bairros mais ricos. E quando não se encontravam entre estrangeiros (a maioria expatriados), estavam com os fotógrafos da agência e/ou da escola, membros das classes mais abastadas. Durante o meu segundo campo na cidade, Rahnuma chegou a sugerir a uma

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Soma e sua família vivem em um bairro pobre da periferia de Daca chamado Kamrangirchar. 21

conhecida que tinha vindo do Sri Lanka para trabalhar na Drik que passasse a circular na cidade comigo para perder o medo que sentia em Daca. Mas vivi momentos preciosos junto aos fotógrafos e coordenadores da Drik e da Pathshala. E a atenção e o tempo dispensado por Shahidul e Rahnuma, que são conhecidos pelo difícil acesso, foram essenciais para o desenvolvimento desta pesquisa. Perguntei-me diversas vezes por que me recebiam de maneira tão privilegiada, enquanto tantos outros passavam pelo país quase sem conseguir contato com eles. Acredito que o fato de ser brasileira, ou seja, de ter vindo de outro país do “Sul” (ou do “Majority World” 37, como Shahidul propõe), contou bastante. Afinal, em meio a tantas demandas de europeus e americanos, este já era um diferencial para um grupo que valorizava relações Sul-Sul. E é realmente rara a presença de latino-americanos em Bangladesh, ainda mais na agência e na escola de fotografia. O fato de eu ter contatado Rahnuma ao mesmo tempo que Shahidul, por termos a mesma formação, também contribuiu para a recepção que tive. Rahnuma foi de grande importância na mediação do contato com Shahidul, pressionando-o a marcar entrevistas e fazendo convites para visitas, jantares e mesmo consultas à sua biblioteca particular. Foi ela quem deu retorno à maioria dos e-mails que enviei aos dois. Ressaltaria ainda dois outros elementos que, acredito, também favoreceram a boa recepção que tive entre os fotógrafos, especialmente durante meu segundo campo: as fotos que publiquei na internet da minha primeira viagem e as roupas que eu usei no país. Ao publicar as fotos que produzi em Bangladesh no Facebook, o primeiro comentário que recebi veio de Saiful Huq Omi, um dos fotógrafos cujo trabalho analisarei nesta tese. Ele dizia: “It seems you loved Bangladesh... at least your images say that!”. Em seguida, outros postaram comentários elogiando as fotos. Todos entenderam que eu tinha adorado o país. Sobre as roupas, lembro de uma situação curiosa. Ao fazer a minha primeira entrevista com Janatul Mawa, uma das fotógrafas que estavam se formando na Pathshala durante meu segundo campo, disse: “Lembro de você, da primeira vez que você veio a Bangladesh. Você 37

Termo proposto por Shahidul Alam para substituir “países em desenvolvimento” e “terceiro mundo”, que considera pejorativos. Segundo Becker: “O modo pelo qual as coisas são chamadas quase sempre reflete relações de poder.”. (Becker apud Gastaldo, 2008:150). Neste sentido, se setores da sociedade como sociólogos, policiais, jornalistas, entre outros, usam termos como favelados, favelas e pobres para se referir a tal população, os fotógrafos da Imagens do Povo, em sua maioria moradores dessas áreas, se (auto)referem a elas como comunidades populares (e a si como fotógrafos populares). 22

estava na Pathshala, sentada no chão ao lado da Rahnuma e usava um sári”. Ainda que tenha estado com Rahnuma na Pathshala em um dos meus primeiros dias na cidade, eu nunca usei um sári na Escola. Retruquei, então, que ela deveria estar se confundido, não era eu. Mas Mawa ofereceu tantos detalhes sobre o que eu fazia em tal dia, que tive certeza: era de mim que ela falava. Pensei sobre as roupas que eu usava, e se alguma poderia parecer um sári. Talvez tenha usado um dos vestidos longos e coloridos que trouxe do Brasil e que costumava usar por baixo de uma camisa de manga longa e um orna, espécie de echarpe que faz parte do shalwar kameez38 e serve como alternativa ao hijab para cobrir o colo e a cabeça. Tentava, assim, respeitar os códigos locais, ainda que utilizasse roupas “ocidentais”. O que teria feito Mawa guardar a lembrança de que eu estava de sári, então? Lembro que ela falou sobre a minha postura e o jeito como eu e Rahnuma conversávamos. Neste dia Rahnuma me propôs um nome bangladechiano, Fabiha. Pensei em Anu Muhammad, ativista e professor de economia da Jahangirnagar University (JU), militante do “National Committee to Protect Oil, Gas, Mineral Resources Power and Ports”, que ao me encontrar pela primeira vez, disse: “você não parece uma estrangeira, você parece uma bengali”, corrigindo em seguida: “se não fosse sua altura, você poderia ser uma bengali”. Eu estava descendo de um rickshaw para encontrá-lo. Acredito que a lembrança que Mawa guardou de mim pode estar relacionada com o meu comportamento. Estar “vestida de sári” também significa “ser como uma de nós”. Particularmente interessada em representações visuais, achei a imagem proposta pela fotógrafa adorável. No momento em que conversávamos, eu já estava habituada a usar shalwar kameez e sentia, nas ruas, que apesar da minha altura, os transeuntes já não se viraram para me acompanhar com a certeza de que eu era uma estrangeira, perguntando-se muitas vezes, uns aos outros e a mim mesma: “bangali ba bideshi?” (bengalesa ou estrangeira?). O fazer “boas fotos”, ou fotos que demonstravam que eu tinha gostado de Bangladesh, e poder, através de determinados comportamentos, ser vista como “uma deles” apontava-me

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Modelo de três peças (calça, camisa longa e echarpe) que as mulheres costumam usar na Ásia do Sul. 23

frequentemente elementos importantes sobre o que consideram boas e más representações dos “seus”. Pude, então, através da minha própria performance, ter acesso a informações para esta pesquisa que foram fundamentais para a compreensão mais ampla das questões que me colocava. Em Bangladesh um(a) estrangeiro(a) quase nunca passa despercebido, e raramente fica muito tempo sozinho(a) em um ambiente público. Os olhares estão por todos os lados, e nos acompanham a cada passo. Eu era tão estranha e curiosa para eles que muitos registravam com suas câmeras ou com seus celulares a minha presença. Foram muitas as reclamações que escutei de estrangeiros (antropólogos, fotógrafos, jornalistas e missionários) sobre a falta ou mesmo a invasão de privacidade vivenciada diariamente no país. Eu, em geral tão curiosa quanto eles, mas bem mais tímida, adorava o contato com os desconhecidos. Queria descobri-los e o fato de eles também estarem curiosos a meu respeito me deixava à vontade para viver essa experiência de alteridade compartilhada. Vivi momentos de muita diversão e ingenuidade nesses encontros. Posava para fotos com transeuntes (e aproveitava o momento para tirar algumas também), respondia a perguntas curiosas (e fazia as minhas também), trocava contatos, conhecia pessoas. Ironicamente, os momentos de maior calma que experimentei na esfera pública foram dentro de ônibus. Circular em Daca em um transporte coletivo era tão raro para um estrangeiro e, portanto, inesperado para os bangladechianos, que muitas vezes, dentro do ônibus, eu não era abordada como nas ruas. As pessoas não tiravam fotos de mim e poucos puxavam conversa. Eu estava tão próxima que talvez perdesse o exotismo. Neste sentido, os meses de estudo do Bengali foram fundamentais. Ainda que tenham sido insuficientes para realizar as entrevistas com os fotógrafos (todas realizadas em Inglês39), ou desenvolver longas conversas, eles me permitiram interações na esfera pública que foram imprescindíveis para a vivência na cidade. Com o nível de expressão que adquiri na língua, pude utilizar o transporte público (e é preciso deixar claro que, quando não se conhece o alfabeto, pegar um simples ônibus se torna algo impossível), reconhecer os valores (os números também são diferentes)40, fazer perguntas e arriscar algumas conversas. 39

As entrevistas foram feiras em inglês, idioma que os fotógrafos dominavam, uma das exigências para ingressar na Pathshala. 40 Ver anexos 1 e 2. 24

Com os fotógrafos, por outro lado, o fato de ter me hospedado na casa de Saiful Huq Omi me abriu portas. Quando as pessoas descobriam que eu estava em sua casa, a relação comigo se transformava rapidamente. Alguns passaram a me oferecer sua própria casa para hospedagem. Omi é um jovem fotógrafo com carreira ascendente na atualidade e, apesar de ser conhecido por sua personalidade forte (e por vezes “difícil”), é bastante admirado por fotógrafos em início de carreira e estabelecidos. Ganhou bolsas, prêmios e expôs suas fotos em diversos países da Europa. Omi foi o fotógrafo de quem fiquei mais próxima durante a pesquisa. Nos conhecemos rapidamente da primeira vez que fui a Bangladesh, mas tivemos a oportunidade de nos encontrarmos em Paris antes da minha segunda viagem a Daca, no mesmo ano. Foi quando ele viajava pela Europa, acompanhado de sua esposa Ritu, para expor seu trabalho. Nos aproximamos nesta ocasião, quando acabei servindo de mediadora entre eles e os franceses em algumas situações. O momento partilhado com Omi e sua esposa em Paris foi especial por estarem com um emprego do tempo bastante diferente do usual. Tivemos oportunidade de conversar sobre os mais diversos assuntos entre passeios, visitas, jantares e concertos. Esses momentos de informalidade se mostraram importantes no retorno ao país. Mas ao encontrar Omi no aeroporto em Daca quando cheguei à cidade pela segunda vez, percebi que nossa interação naquele país seria diferente. Andando rapidamente, falando de perfil e sem me cumprimentar quando nos encontramos, entendi que, naquele território, a distância se colocava presente. Mas ainda que de maneira diferenciada, continuamos próximos. Mais do que um interlocutor privilegiado, Omi se tornou um amigo e se mostrou pessoalmente interessado em meu projeto, colaborando bastante com a pesquisa. Dava sugestões, esclarecia dúvidas, mediava contatos e se colocava sempre disponível em minhas incansáveis abordagens, tanto em Daca quanto na volta pra casa. Em Bangladesh, foi também através dele que tive a oportunidade de dar uma aula a jovens cineastas em um dos encontros que aconteciam na sua agência Counter Foto, a casa onde vivi durante meu segundo campo. Propuseram-me falar sobre “antropologia visual”, área da

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antropologia ainda pouco conhecida entre antropólogos, fotógrafos e cineastas no país41. Aceitei o convite e propus a discussão do vídeo Every good marriage begins with tears, dirigido por Simon Chambers e Delwar Hussain, e gravado entre Londres e Bangladesh. O filme trata dos casamentos arranjados com jovens em Bangladesh de duas irmãs, nascidas em Londres, de uma família tradicional bangladechiana (British Bangladeshi). Com personalidades e maneiras bastante diferentes de encarar o casamento, o enredo explora os sentimentos da jovem que se recusa a aceitar o casamento a partir de um tom pessoal onde o diretor se coloca presente e investe em humor e dramaticidade. Premiado pelo Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland (RAI) em 2007, o filme gerou grande discussão e certa polêmica entre os jovens para os quais o apresentei em Daca. O debate sobre a imagem construída de Bangladesh e dos bangladechianos me surpreendeu pelo caráter crítico e me colocou mais uma vez no centro de uma discussão sobre representações, identidades e autoridades. Tive, então, a oportunidade de discutir, além do filme, a minha própria pesquisa com esses jovens, que também estavam interessados em produzir vídeos de caráter político em seu país. Assim como no Brasil, após este encontro, muitos desses jovens passaram a me procurar e me adicionar como contato no Facebook, convidando-me para participar de diversos grupos virtuais e partilhando eventos que organizavam à distância. Nos meses que se seguiram, notei que alguns estavam especialmente interessados no cinema latino-americano, notadamente no Cinema Novo brasileiro. A Internet se mostrou um meio extraordinário para a continuação da pesquisa à distância. A instantaneidade com a qual postavam suas atividades e fotos no Facebook, além de notícias que consideravam importantes da esfera política e social de seu país me permitiram acompanhar muitas discussões mesmo sem estar presente fisicamente ao lado deles. Assim como Omi, Rahuma também mediou muitos dos meus encontros. E procurar pessoas em nome de Rahnuma me possibilitou encontrar pessoas importantes que, de outra maneira, não teria acontecido. Especialmente ativistas como Anu Muhammad, Meghna Guhathakurta, Shireen Huq e Kushi Kabir, que trouxeram importantes reflexões sobre o ativismo, as 41

Pathshala oferece cursos de antropologia visual aos seus estudantes, mas o que aprendem nessas aulas está mais relacionado à discussão subalterna, aos estudos feministas e aos estudos de populações refugiadas que com a reflexão sobre o uso da imagem na/pela antropologia. 26

violências e questões de gênero no país. Além deles, de Shahidul Alam e de Saiful Huq Omi, também entrevistei para esta pesquisa Munem Wasif, Taslima Akther, Janatul Mawa, Abir Abdullah, Andrew Biraj, Munira Munni, Nafis Gazi Ahmed, Saikat Mojumder, Tanvir Murad Topu, Tanzim Wahab e Ya Sin. Com alguns gravei as conversas/entrevistas, com outros não. Além dos ativistas e dos fotógrafos da Drik e da Pathshala, também encontrei fotógrafos de outras agências, como Mahmud e Safiqul Alam Kiron, da Map Photo Agency42, Anwar Hossain, que vive e trabalha atualmente em Paris, e Hassan Bipul, que trabalha como jornalista em um jornal local. Nunca entrevistei formalmente Rahnuma, mas com ela e com Omi tive longas e frequentes conversas. Foram eles que me ofereceram os mais importantes esclarecimentos para esta pesquisa. Ekramul Kabir Shohan, assistente de Omi na Counter Foto, me ofereceu assistência em diversas etapas da pesquisa in loco e Manosh Chowdhury, professor de Antropologia da JU também colaborou com importantes reflexões e sugestões teóricas para esta tese.

A volta para casa [2011] : organizando e compartilhando conhecimentos no Brasil e em Bangladesh Aprendi que as pessoas não esperavam que eu fosse exatamente igual a elas; na realidade, estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo porque viam que eu era diferente, bastava que tivesse um interesse amigável por elas. Abandonei portanto meus esforços de imersão total. Ainda assim, meu comportamento foi afetado pela vida na esquina (Whyte, 2005)

Ao longo dos quatro anos de desenvolvimento desta pesquisa, muitas transformações aconteceram nos dois grupos. A Imagens do Povo passou por diferentes coordenadores: inicialmente coordenada por seu idealizador, Ripper, ela passou pelas mãos de Kita Pedroza (2006-2010) e em seguida de Joana Mazza (2011- ). O fato de os fotógrafos não se apropriarem do projeto e, em especial, da coordenação foi um problema frequentemente ressaltado por todos os que a coordenaram. Algo facilmente compreensível, visto que fotógrafos se interessam prioritariamente pela prática fotográfica, e não necessariamente pela administração do projeto.

42

http://www.mapfoto.com.bd 27

Também mudaram a forma de apresentação de seu site e inseriram seções sobre os fotógrafos com portfólios. Criaram a Galeria 535 no próprio Observatório de Favelas; uma página no Youtube43, no Facebook44 e no Twitter45. Além de todos esses espaços virtuais, contam ainda com um Blog46. A maneira de se referirem à agência também mudou: passou a ser chamada de “agência-escola”. Já o grupo como um todo (agência, escola e banco de imagens), inicialmente

chamado de “projeto”, tem sido apresentado como um “programa”. Os

envolvidos costumam se referir a Imagens do Povo no masculino47, e tive uma interessante discussão com Francisco Valdean a respeito:

Valdean: “Do Imagens do Povo ou da Imagens do Povo? Já vi você escrever da Imagens do Povo, e também já li assim nos textos do Thiago. É só uma problematização... sei que da Imagens do Povo é por conta da concordância com a agência Imagens do Povo, não é? Mas é que nós nos referimos ao Imagens do Povo como "o Imagens do Povo" e quando vejo com "da" me soa estranho”. Eu: Sabe que a questão da concordância também me incomoda? Eu também falo do Imagens do Povo. Falo da quando estou falando da agência (porque as vezes falo da escola, do banco...). Mas talvez seja melhor tratar como o programa, e assim ficamos todos confortáveis no masculino, não é? Será? Será que vai ficar claro que estou falando da agência, quando falo da agência, e da Escola, quando falo da Escola? Ou forço a barra para trazer a agência para o meu universo feminino? (risos) Valdean: Na verdade eu falei isso do "do" ou "da" mais no sentido mesmo do universo, quando você fala "da" me soa estranho porque falamos "do", mas acho que é interessante qualquer abordagem no sentido do universo, porque se a concordância tá no feminino, por que falamos no masculino? Vai ver que é porque o imagens está tomado pelos homens, digo, tomado no sentido de que a participação aqui é maior do homens, mesmo já tendo passado duas coordenações femininas e proporcionalmente termos um grande número de mulheres na agência. Mas a participação efetiva é dos marmanjos. Não me entenda como reclamando esses ou aquele universo, apenas fiquei pensando na questão. Eu: Me veio agora uma coisa à cabeça... Será que o uso do masculino não está relacionado à idéia de projeto social? Ao falar de projetos sempre falamos em “os”... Valdean: É, faz sim. (por e-mail, em 10 de maio de 2012)

Se a Imagens do Povo vive um conflito relacionado à forma de se apresentar, a Drik não deixa dúvidas: quer ser reconhecida como uma agência (“independente”) de fotografias. A Pathshala, por sua vez, deixou de ser um instituto de fotografia e se tornou um centro de mídia (“Media Academy”), ampliando seu campo de atuação para outros setores de 43

www.youtube.com/imagensdopovo www.facebook.com/programaimagensdopovo 45 twitter.com/imagensdopovo 46 www.imagensdopovo.org.br/blogip/ 47 Usarei, nesta tese, o artigo definido “a” para me referir à agência Imagens do Povo, ainda que ela já tenha sido identificada por diversos substantivos (projeto, programa) no masculino. Estarei falando de “a” agência e “a” escola e não do centro/projeto/programa, no intuito de facilitar a comparação com o caso bangladechiano. 44

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comunicação. É apresentada usualmente como autônoma da Drik, mas, além de ter sido criada e dirigida pela mesma pessoa, Alam, as duas possuem fortes conexões. Os fotógrafos formados por esta escola muitas vezes se engajam em cargos administrativos na agência a fim de adquirir experiência e redes de contato. Outros, como foi o caso de Saiful Huq Omi, criaram sua própria agência e sonham em criar sua própria escola, ainda que invistam maior energia na prática fotográfica. Alguns fotógrafos também mudaram a forma de apresentação de seus trabalhos, como foi o caso de

Taslima Akhter e Munem Wasif, em Bangladesh. Ambos prepararam versões

diferentes dos ensaios aqui analisados para seus websites pessoais durante a pesquisa. Todas essas mudanças, com a constante atualização das informações via Internet, apresentaram dificuldades para o recorte temporal e a escolha do que deveria ser analisado. Escolhi combinar algumas dessas informações, em certos casos, e apenas apontar as mudanças em outros. Mas não sei se poderia afirmar com convicção que em algum momento tenha realmente “fechado” o campo. Fico me convencendo de que as novidades ficarão para a continuação da pesquisa no futuro, mas as informações que recebi até a última linha escrita foram consideradas para reflexão. A manutenção do contato de forma “virtual”, então, ao mesmo tempo que trouxe vantagens, trouxe dificuldades que certamente fazem parte de muitas das pesquisas desenvolvidas na contemporaneidade. Dar uma forma ou um enquadramento para este trabalho foi uma dificuldade pessoal minha48. Ao iniciar esta pesquisa, os fotógrafos em torno da Drik/Pathshala e da Imagens do Povo/Escola Popular de Fotógrafos não se conheciam49. Eu acreditava, contudo, que eles partilhavam muitos desejos e propostas. Assim, ao realizar minhas viagens, eu costumava levar e trazer informações, fotos e livros de um grupo para o outro, costurando, entre eles, a conexão que eu mesma procurava e a conexão periférica/sul-sul que eles tanto prezavam e buscavam.50 48

A dificuldade de delimitação temporal de uma pesquisa desse tipo também foi ressaltada por Berntsen (2011). Em agosto de 2012, no entanto, apresentei virtualmente (por e-mail) Joana Mazza, atual coordenadora da Imagens do Povo, a Shahidul Alam. 50 A importância do papel (ativo) do pesquisador na concretização das conexões sul-sul foi amplamente ressaltada no GT "TRÂNSITOS SUL-SUL Pessoas, mercadorias, conhecimento e políticas em fluxo por circuitos não centrais", coordenado por Pilar Uriarte Bálsamo (UR) e Andréa Lobo (UnB), na 28ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 02 e 05 de julho de 2012, em São Paulo, Brasil, na qual tive a 49

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Ao longo dos anos de pesquisa, pude perceber que os fotógrafos aproveitavam as informações que eu apresentava de um grupo para o outro de diferentes maneiras: em seus discursos, em suas imagens e mesmo na maneira de apresentá-los. As minhas análises tiveram impacto no modo como pensam sobre si através das questões que eu colocava sobre sua produção. Isso ficou claro, por exemplo, na maneira como elaboravam vídeos para apresentação de suas imagens no Brasil. Se antes, escolhas como a música a ser utilizada eram feitas aleatoriamente, depois que os questionei sobre o tempo e a trilha sonora escolhida para o vídeo de 10min51, prepararam um outro de 5min e inseriram um funk carioca como tema musical52. Ao mostrar as imagens produzidas por um grupo para o outro, percebia uma mistura de admiração e inquietação. Em Bangladesh, o fato de serem comparados a um grupo de fotógrafos populares (parte de uma ONG) por vezes gerava desconforto. Era como se eu também os estivesse olhando a partir do ângulo da pobreza. Os convites para as aulas, onde eles passavam a me escutar e a me fazer perguntas, por sua vez, muitas vezes me deixaram desconfortável. Para mim, era estranho estar na frente deles, reunidos, falando sobre suas práticas. Foi preciso certo tempo para compreender que éramos ambos especialistas, em domínios e com práticas diferentes (e, por que não, complementares), interessados em saber mais sobre o que outro fazia e teria a dizer. O fato de eu conhecer o trabalho de outros grupos, de ter uma reflexão externa e uma análise baseada em discussões teóricas da antropologia interessava a eles mais do que eu podia imaginar. Assim, o desejo que às vezes me assolava de querer observá-los para aprender sobre o que faziam antes de começar a apresentar meu próprio ponto de vista sobre diversos assuntos durou muito pouco tempo com ambos os grupos. Eles sempre me traziam para o centro da discussão. E as fronteiras estabelecidas entre “eu” e “eles”, ainda que por vezes bastante claras (quando o assunto era, por exemplo, “ocidente” x “oriente” ou “favela” x “asfalto”), em muitas outras eram difíceis de serem localizadas. Alguns fotógrafos, por exemplo, estavam se formando ou já eram diplomados em Ciências Sociais53 e estavam interessados oportunidade de participar como interventora. 51 O vídeo está disponível em sua página no Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=Rc7LLI0QDBM) e no DVD em anexo. 52 Ver DVD em anexo. 53 Este era o caso de Francisco Valdean, no Brasil, e Munem Wasif e Tanvir Murad Topu, em Bangladesh; além 30

pela “antropologia visual”. Particularmente interessada pelas propostas da antropologia compartilhada de Jean Rouch e da antropologia simétrica de Eduardo Viveiros de Castro, experimentei diversas formas de compartilhar a produção do conhecimento que tentei sistematizar nesta tese com os sujeitos perto dos quais trabalhei nos últimos quatro anos. No Brasil, por causa do longo período dedicado à pesquisa e, portanto, da maior familiaridade, além do idioma falado, os experimentos foram mais intensos. Foram muitas as conversas, a dois ou em grupo, no formato de entrevistas, jantares, exposições, manifestações e eventos onde pude não apenas descobrir suas ideias, ações, propostas e imagens, mas também partilhar os meus próprios questionamentos, reflexões e expectativas. Ao contrário de uma postura observadora, eu não apenas participei de suas discussões, encontros e atividades como provoquei muitos deles. E através dessas provocações, acredito que chegamos a pontos muito interessantes, que não teriam acontecido se eu tivesse me posicionado como mera ouvinte. Trocamos informações acerca da fotografia, da antropologia, da organização política, dos movimentos sociais, das relações de poder. É preciso, no entanto, ressaltar que a experiência também só pôde acontecer de tal maneira com o grupo brasileiro por causa do comportamento dos fotógrafos e coordenadores. Se eles não tivessem me questionado sobre o que eu pensava, se não tivessem me convidado para dar aulas e se não se interessassem pelo meu trabalho e minhas reflexões, a pesquisa não teria acontecido do mesmo modo. Em Bangladesh, contudo, a pesquisa aconteceu de forma diferente. Ainda que eu tenha acompanhado a produção dos fotógrafos bangladechianos pela Internet, a intensidade dos contatos, pela diferença do idioma, dos interesses e dos questionamentos não se deu como no Brasil. Mesmo contando com a ajuda e colaboração de preciosos interlocutores, especialmente antropólogos, este compartilhamento se deu de forma bem menos intensa e bem mais limitada que no Brasil.

de Kita Pedroza e Rahnuma Ahmed. 31

O ordinário e o extraordinário no foto-ativismo da “maioria”: a apresentação da tese Esta tese foi construída desde o princípio a partir da comparação entre os dois grupos - a Drik Picture Library (e a escola Pathshala) e a Imagens do Povo (e a Escola de Fotógrafos Populares). Ao compará-los, escolhi dividir o texto a partir de pontos que apareceram como importantes para os dois grupos e também para a reflexão sobre o ativismo fotográfico (ou foto-ativismo). Assim, começarei apresentando os principais temas que vão costurar as discussões apresentadas – identidades, representações e autorrepresentações – , demonstrando como eles aparecem nos grupos escolhidos. Apresentarei suas principais propostas, o papel dos idealizadores no perfil de cada escola criada e dos trabalhos desenvolvidos por seus fotógrafos e demonstrarei como eles se inserem na história da fotografia social. Discutirei alguns desses tópicos baseando-me na no livro “La soufrance à distance: morale humanitaire, médias et politique” de Luc Boltanski, onde o autor discute a questão humanitária e a introdução do argumento da piedade na política proposta por Hannah Arendt. As ações humanitárias, os testemunhos do sofrimento – próximos e distantes -, o engajamento pela palavra e pela imagem, as formas de se aproximar, de se distanciar e de agir, os sentimentos de pena e de justiça e as ideias de justiça social e “faire traide” serão abordadas. Analisarei, ainda que brevemente, as relações entre exigências morais de engajamento pela palavra e necessidade de ação daqueles que se deparam e se afetam com o sofrimento dos outros. A discussão se estende à maneira como esta relação aparece nos trabalhos fotográficos dos grupos, que são fortemente influenciados pelas propostas dos fotógrafos sociais, especialmente do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. A ideia da denúncia, da compaixão pelos mais pobres e por aqueles que sofrem injustiças sociais, a proposta de afetar outras pessoas que deveriam agir em prol dos desfavorecidos, a busca por uma formação na área das Ciências Humanas e, especialmente, nas Ciências Sociais, também serão abordadas no primeiro capítulo. Em seguida, no capítulo intitulado “Jogos identitários e lutas politicas”, passarei à apresentação das identidades colocadas em evidência por cada grupo de fotógrafos – popular, no Brasil, e muçulmana, em Bangladesh – e as implicações (jogos) presentes nas maneiras 32

como se apresentam. Examinarei como representações exógenas são capazes de reunir pessoas em prol de temas que, mais do que partilhados em grupos, são questionados coletivamente. Aproveitarei esta reflexão sobre representações para apresentar as visões de cada grupo sobre o que consideram boas e más representações, demonstrando como constroem seus trabalhos dialogando com essas imagens que questionam ou aprovam. A localização geográfica (o fato de morarem em favelas e em Bangladesh) aparecerá em evidência, ressaltando a marginalidade de suas posições geopolíticas. Para exemplificar seus discursos através de suas imagens, escolhi refletir sobre estas questões a partir dos trabalhos de um fotógrafo de cada grupo. Neste capítulo, veremos o trabalho de Munem Wasif sobre os muçulmanos em Bangaldesh, através do ensaio In God we trust, e o trabalho de Bira Carvalho sobre a “alma da favela”. No terceiro capítulo, “O cotidiano como alternativa ao espetáculo”, abordarei o que apareceu como a ocupação principal dos dois grupos: a documentação da vida cotidiana. Apresentada como contra-narrativa às representações hegemônicas realizadas por pessoas “de fora”, estrangeiras a tais áreas, a documentação do ordinário aparece como alternativa às imagens espetaculares vinculadas à busca de informações (extraordinárias) para produção de notícias. Para isto, também analisarei o trabalho de dois fotógrafos. Primeiro, o de Taslima Akhter sobre as costureiras [garment workers] de Bangladesh, grupo internacionalmente conhecido pela exploração no setor da indústria têxtil do país que alimenta o mercado internacional das grandes marcas. Em seguida, tratarei das documentações de Francisco Valdean, fotógrafo morador da Maré, que além de produzir imagens sobre a vida nas favelas cariocas também criou o Blog O Cotidiano54 para nos oferecer seu ponto de vista sobre o dia a dia das favelas da cidade, tão pouco conhecido pelos que nelas não vivem. No quarto e último capítulo, intitulado “A violência vista de perto: onde se colocam os limites da documentação da dor, da denúncia e da demanda por justiça”, tratarei da maneira como os fotógrafos destes grupos retratam eles mesmos casos de violência. Trarei para análise o livro “Heroes never die: tales of political violence in Bangladesh (1989-2005)”, de Saiful Huq Omi 54

O blog do Valdean, não é o único blog de um popular no Rio de Janeiro. Blogs de moradores de favelas têm pipocado na internet, e ganharam ainda mais visibilidade durante a ocupação da polícia do Conjunto de Favelas do Alemão em 2010. Cf: www.ocotidiano.com 33

e a documentação de Naldinho Lourenço do assassinato de uma criança pela polícia no Conjunto de Favelas da Maré. Através deles, refletirei sobre como registram a queixa da violência que "eles" sofrem e como propõem uma documentação “diferente” de casos extraordinários (e espetaculares). Aqui aparecerá uma das maiores tensões presentes no foto-ativismo desses grupos: se de um lado, ao documentar a violência, eles nos mostram imagens de cadáveres, luto, corpos debilitados e histórias do terror, ou seja, “imagens” contra as quais costumam lutar, essas documentações aparecem como necessárias para a exigência de cuidado e atenção às áreas e pessoas desprivilegiadas. Sendo um tipo de documentação rara em ambos os grupos, a reflexão sobre o registro da violência a partir dos casos apresentados por Naldinho e Omi expôs os limites da documentação que propõem os grupos nos quais estão inseridos. Ambas as documentações geraram polêmicas nos grupos e ameaças aos fotógrafos. Através delas, refletirei sobre o que pode e o que não pode ser dito e/ou mostrado neste tipo de documentação. Que assuntos são interditados aos ativistas e quais sequer aparecem em seus discursos, apesar da importância que adquirem em outros meios de comunicação (como o tráfico de drogas, no Brasil, e a violência contra mulheres, em Bangladesh). Como se pode falar sobre a violência em cada país? Onde se colocam os limites? Nos comentários finais, retomarei algumas reflexões sobre como constroem ao mesmo tempo suas identidades e alteridades, investindo em representações que consideram boas para as transformações sociais que desejam. A maneira como circulam suas imagens (seja através de doações, seja da comercialização) e como exigem reconhecimento aparece como estratégia de participação e de (re)posicionamento político no mundo em que buscam se inserir. Por fim, é importante dizer, ao trazer tais exemplos para a reflexão, que são poucos os fotógrafos que veem seu trabalho como parte de uma militância política, ou que desejam que seus trabalhos sejam vistos desta maneira. Munem Wasif, por exemplo, apesar de ter seu trabalho apontado como “militante” por diversos fotógrafos entrevistados, não se sente confortável em tal categoria. Escolhi tais trabalhos (e tais fotógrafos) para análise por terem se apresentado como “ativistas” ou por terem sido apontados por outros entrevistados como tal.

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Identidades, alteridades, imaginações e representações

Foto: Fabiene Gama

Capítulo 1

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Neste capítulo apresentarei alguns dos conceitos-chaves que nortearão esta tese, tais como identidade, alteridade, imaginação, representação, subjetividade, divíduo, autoimagem, autorrepresentação, grupos subalternos, redes. Esclarecendo meu posicionamento dentro das diferentes correntes teóricas da antropologia, demonstrarei como os grupos de fotógrafos perto dos quais escolhi trabalhar relacionam-se com eles. Em seguida, tratarei do contexto em que surgiram os distintos grupos de fotógrafos em cada país, da importância dos coordenadores para a formação de cada grupo e de sua inserção no métier da fotografia, e, em especial, da fotografia social.

1.1 Falar de si e do Outro A categoria do Outro é tão original quanto a própria consciência. Nas mais primitivas sociedades, nas mais antigas mitologias, encontra-se sempre uma dualidade que é a do mesmo e a do Outro. (Beauvoir, 1970: 11)

Na epígrafe escolhida para abertura deste capítulo, Simone de Beauvoir nos sugere que pensar o mundo e a relação com outras pessoas através de dualidades é algo intrínseco aos seres humanos. Para ela, “nenhuma coletividade se define nunca como uma sem colocar imediatamente a outra diante de si” (Beauvoir, 1970: 11). Indica-nos assim, prematuramente, uma reflexão que passaria a figurar no centro dos debates antropológicos anos depois, sobretudo a partir da década de 80 com a antropologia pós-colonial e reflexiva (Marcus e Cushman, 1982). Ao construirmos nossa(s) identidade(s) a partir da relação com nossa(s) alteridade(s), imaginamos ao mesmo tempo o “eu” e o “outro”. Nós as construímos também, simultaneamente, adaptando-as aos diferentes contextos que experimentamos cotidianamente (Agier, 2001; Hall, 1999). Isto significa que esses conceitos não estão em concorrência, não são puros opositores, mas são, como nos sugeriu Deleuze (1988), intercessores, encontros que permitem criações. Elaborando sua própria reflexão sobre identidades a partir do conceito de divíduo proposto por McKin Marriott, a antropóloga inglesa Marilyn Strathern fala de múltiplas relações, e não apenas de uma entre o “eu” e o “outro”. Desta forma, nos mostra que as identidades são frutos 36

de diversos encontros e relações fragmentadas que mantemos nos diferentes contextos em que nos encontramos, e não apenas fruto do encontro com diferentes alteridades. A autora propõe, assim, que as relações (e as identidades) não sejam vistas como simples e indivisas, mas como complexas e múltiplas. Pessoas são divíduos e não indivíduos. Estas identidades, múltiplas, multifacetadas e, portanto, complexas, nos apontam para outro conceito importante apresentado por Deleuze (1994): o de individuação. Individuação é o processo de manifestação criativa em permanente movimento e renovação através do qual uma pessoa passa a se identificar mais com as orientações que provêm de si-mesma, interpretando o mundo e a si através do self. Esse conhecimento a partir de si teria dois aspectos: aquele ligado a(s) sua(s) (múltiplas) autoimagem(s) e outro que implicaria sua autoestima. A individuação, que partiria do conceito de individualização, agregaria assim o processo agentivo do (in)divíduo no mundo e carregaria ainda uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que é normativo, é também criativo. Conscientes da maneira como pretendem atuar politicamente na sociedade contemporânea, os fotógrafos da Imagens do Povo e da Drik Picture Library questionam e constroem seu lugar simultaneamente como participante e como Outro em suas sociedades. Ao se organizarem em torno de uma agência de fotógrafos para produzir imagens sobre os “seus” com o intuito de transformar estereótipos sobre eles, esses jovens buscam defender direitos humanos como o acesso à comunicação, à expressão livre e à igualdade entre os diferentes (in)divíduos, seja no interior do país (caso do grupo brasileiro) seja no exterior (caso bangladechiano). Ao mesmo tempo em que nos falam de direitos, constroem-se a partir de uma alteridade perspectiva, ou seja, como um Outro virtualmente delimitado e fixo face a um grupo imaginado como mais poderoso, como mecanismos de questionamento do poder. Neste processo de construção de identidades, esses grupos nos falam sobre suas representações ao se apresentarem como gostariam de ser vistos. São várias as identidades que colocam em destaque, dependendo do que pretendem evidenciar em cada momento, e é sobre essas identidades e seus jogos políticos que refletirei ao longo desta tese, isto é, como concebem ou imaginam sua(s) identidade(s), alteridades(s) e pertencimento(s). Ao falarem sobre si, esses grupos mantêm diálogo constante e direto com o que imaginam ser a imagem que os Outros possuem deles. Essas apresentações/representações são produzidas 37

pelo mesmo jogo de espelhos apontado pela antropóloga Sylvia Caiuby Novaes em seu livro Jogo de Espelhos: Imagens da Representação de Si Através dos Outros, publicado em 1993: A representação de si está, obviamente, ligada à representação que se faz do outro e, como pretendemos mostrar, dos vários outros que surgem em cena num determinado contexto. Há, na verdade, uma relação de interdependência entre a imagem que se faz de si e a imagem que se faz destes vários outros. (Caiuby Novaes, 1993: 21)

As imagens de si afetam e são afetadas pelas imagens dos outros sobre si, e estão em constante transformação nessas relações. Não existem essencialmente identidades e apresentações de si fixas ou rigidamente delimitadas, ainda que alguns grupos insistam em defendê-las visando seus interesses. É justamente em função desta qualidade agentiva, desta mútua e múltipla influência das relações sociais que se evidencia um permanente processo de transformação nos sujeitos em interação. Neste sentido, não há discursividade neutra, estamos sempre criando e incorporando novos significados às coisas e ao mundo, ao mesmo tempo em que os experimentamos. Centrando seu interesse nesse processo criativo de experimentação do mundo, Gonçalves e Head nos apresentam o conceito devir-imagético. O devir-imagético – enquanto uma noção mais abrangente – aponta para a imaginação/criatividade pessoal e para a ‘pessoalização’ dos processos culturais que é capaz de efetuar. Neste sentido, a criação do devir-imagético via a fabulação é justamente ‘monstruosa’ no sentido que ganha vida própria através da conjunção de fatores pessoais e impessoais tais quais as tecnologias, as instituições, os acontecimentos e produtos do ‘acaso’. (Gonçalves e Head, 2009: 29)

O devir-imagético nos fala sobre a responsabilidade das pessoas nas histórias contadas sobre o mundo, que se constituiria no momento mesmo desta apresentação. Ou seja, ele seria produzido por aqueles que fazem parte do próprio mundo. E ao apresentá-lo, formulam seu devir-personagem. Assim, o imaginado e o imaginário nos orientam para algo novo e importante nos processos culturais globais apontado pelo antropólogo indiano Arjun Appadurai (2004): a imaginação como prática social. A imaginação como fundadora de relações e práticas culturais é, também, importante nas relações estabelecidas entre os antropólogos e seus interlocutores, seja em campo, seja na elaboração da etnografia, pois possibilita a representação e a apresentação de uma narrativa (Strathern, 2004). As fabulações enquanto processos de construção de realidades evocam, necessariamente, os temas recorrentes neste trabalho como os de (auto)representações,

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identidades e lutas simbólicas. Neste sentido, sigo aqui Gonçalves e Head quando afirmam que o etnógrafo fabrica seus intercessores, os representa e os apresenta de múltiplas formas. O que define o intercessor não é necessariamente a interseção, mas a interferência, o ato de intervir que, ao produzir cruzamentos, é a chave para uma compreensão conceitual do fenômeno estudado. Neste sentido, a representação/apresentação de si e do outro produz zonas de cruzamento que movimentam o pensamento no sentido de emergir daí uma configuração de outra ordem que não se reduz à ficção/realidade, representação/apresentação. (Gonçalves e Head, 2009: 22)

Esses encontros são a matéria e o material deste trabalho assim como os intercessores, as intervenções, as fabulações, os desejos, o “eu” implicado pelo “outro” (e vice-versa) e a faculdade mimética que está relacionada ao fato de que o observador está totalmente imerso no que está sendo observado (Taussig, 1993a). Ver não é algo passivo. Expressar-se não é algo neutro. Ao nos falar sobre estas intervenções e agências em processos miméticos ligados à relação com a alteridade, Taussig (1993a) se apropria da reflexão benjaminiana que nos diz que a habilidade de imitar seria a capacidade de tornar-se outro para mostrar-nos que a cópia não seria apenas um retrato do original, mas algo que possuiria agência sobre ele, adquirindo poder. Retratar seria uma forma de incorporar e ter poder sobre o outro, pois uma pessoa não deixa de ser ela mesma para tornar-se outro através da mimesis, esta seria uma espécie de devir em que a pessoa é, ao mesmo tempo, ela mesma (eu) e outro. E mais: é para continuar a ser “eu” que ela se torna outro. A antropóloga norueguesa Maria S. Berntsen (2011), que realizou pesquisa sobre o mesmo grupo de fotógrafos em Bangladesh55, apoiou-se na reflexão taussiniana sobre mimesis para sugerir que os fotógrafos bangladechianos vinculados à Drik imitariam as estratégias do seu oponente (“os ocidentais”) com o objetivo de adquirir o poder de seus agentes mediáticos. Do mesmo modo, os fotógrafos brasileiros da Imagens do Povo, ainda que critiquem a representação mediática brasileira em torno das favelas, são formados como parte dessa mesma tradição (fotojornalistas e fotodocumentaristas), tendo fotógrafos do mainstream do fotojornalismo brasileiro atuando entre seus professores. Ambos, entretanto, fazem parte de

55

Tive a oportunidade de encontrar a antropóloga em Daca durante minha primeira estadia de campo. Nesta ocasião, e a posteriori, me beneficiei de seus comentários e ela mesma tornou-se mais uma importante interlocutora desta pesquisa. 39

um novo momento da construção de representações sobre grupos estigmatizados, em que os próprios grupos passam a falar sobre si mesmos.56 Os processos de cópia e os de ficcionalização da realidade, todavia, são pontos de tensão e controvérsia em ambos os grupos. Os fotógrafos brasileiros e os bangladechianos evitam falar sobre esses assuntos e quando o fazem é quase sempre em tom acusatório em relação a outros fotógrafos. Berntsen (2011) tem uma interessante reflexão a respeito da ficcionalização nas imagens produzidas por fotógrafos da Drik: Opinions on staging are highly subjective, but to give a general idea about the views expressed about the practice of staging in the Drik community there seemed to be a certain agreement that while staging is accepted in portraiture and NGO photography, it is regarded unethical in documentary photography and particularly in news-photography. In contemporary photography it is again accepted. (Berntsen, 2011: 68)

Se no Brasil a maior parte das fotos são feitas em ambientes públicos e com cenários pouco elaborados pelos fotógrafos, em Bangladesh eles ousam mais construir as (re)presentações que pretendem circular. O grau de intervenção dos fotógrafos nas imagens que produzem parece ter relação direta com o chamado profissionalismo, termo que tem como contraparte o ativismo (temas que serão desenvolvidos no próximo capítulo). Essa tensão proposta pela cópia e ficção é fruto da chamada cultura da autenticidade, tão cara para as sociedades ocidentais (tomadas aqui como grupos abstratos com os quais os fotógrafos dialogam, ainda que de forma diferente), como nos mostrou Freire-Medeiros: A “fixação na autenticidade” ganha novo impulso nas sociedades ocidentais contemporâneas a partir das lutas contra a repressão e a discriminação características das décadas de 1960 e 1970. O discurso político passa a ser marcado pela ênfase na necessidade de expressão dos sentimentos como lugar da verdade do sujeito; era preciso tudo dizer, em qualquer lugar, em nome da autenticidade (Freire-Medeiros, 2009: 44)

A ênfase na expressão dos sentimentos da qual nos fala a autora parece ser a mesma levantada anos antes pelo sociólogo francês Luc Boltanski em sua reflexão sobre a ação humanitária. O falar de si, como sugere Freire-Medeiros, apresenta uma nova aura de autenticidade na contemporaneidade e, no caso do relato sobre sofrimentos, ganha nova dramaticidade, em especial na produção de imagens de cunho social, como é o caso dos grupos que aqui 56

Movimento que parece acontecer no meio fotográfico um pouco mais tardiamente do que aconteceu na antropologia, por exemplo. 40

apresento. Uma explosão de fotógrafos, jornalistas, escritores, cineastas de grupos ditos minoritários passaram a existir clamando por oferecerem a “verdadeira” versão sobre as coisas que acontecem em sua volta, sobretudo a partir do processo de democratização pelo qual passaram tanto os países da América do Sul quanto os da Ásia a partir da década de 7057. Em seu estudo sobre o turismo social, em especial aquele praticado em favelas do Brasil, da Índia e da África do Sul, Freire-Medeiros demonstrou a importância dos “encontros autênticos”, notadamente entre “ocidentais” e “pobres”, no consumo de experiências de alteridade. Essas experiências foram incrementadas ao longo dos anos com o advento de câmeras (de foto e de vídeo) e aparelhos celulares. As imagens, agora produzidas de maneira eminente e circulando de forma instantânea com o advento da digitalização e da internet, passaram e ter um papel ainda mais especial neste processo, por possibilitarem um consumo à distância, por espectadores que observam a dor e a violência vivida por outros através de jornais, revistas e computadores, na proteção e no conforto de seus lares (Sontag, 2003).58

1.1.1 Identidades culturais e culturas identitárias em tempos de globalização Com o fim das “grandes narrativas”, nosso mundo encontra-se em uma fase de criatividade intensa feita de múltiplas buscas identitárias e, simultaneamente, de novas culturas declarativas de identidade. (Agier, 2001: 23)

Em seu texto “Distúrbios identitários em tempos de globalização” publicado na revista Mana em 2001, o antropólogo francês Michel Agier critica a ideia de “identidades culturais” (Hall, 1999) propondo em seu lugar “culturas identitárias”, acreditando que a primeira ressaltaria uma fixação dos processos identitários que a segunda negaria. Independente do termo que se escolha usar, o que Stuart Hall e Michel Agier parecem querer afirmar é que identidades são processos mutáveis que não existem fora dos contextos em que são declarados. Neste sentido, o ponto de partida para buscas de identidades, individuais ou coletivas, é o fato de que somos sempre o outro de alguém, ou “o outro de um outro”. Uma busca paradoxal, 57

O regime militar teve fim no Brasil em 1985 e Bangladesh conquistou sua independência em 1971. Após vários conflitos, apenas no final da década de 80 os países conquistaram governos mais democráticos. 58 Um interessante exemplo na literatura desta relação consumista foi a publicação do livro e, a posteriori, a produção do filme “Cidade de Deus”. Por ser escrito por um “morador” da Cidade de Deus, Paulo Lins, o livro ganhou esta “aura” de autenticidade, sendo assim recebido pelo grande público. 41

pois enfoca, ao mesmo tempo, o jogo da diferença e da hibridação. Sendo fruto de encontros, é nas cidades que os relacionamentos entre diferentes identidades acontecem de forma mais intensa As pessoas são apresentadas a diversos tipos de alteridades que as modificam e modificam seus referentes de pertencimentos originais o tempo todo. Esse processo de busca, de construção e de declaração identitária, é o que nos importa, especialmente sua maneira de construir diferenças ao demandar igualdades. É esse processo que Barth descreveu como a “construção social das diferenças culturais. Para tornar esse ponto mais preciso, eu diria que é nesse momento de edificação/justificação da identidade a ser construída que se elabora o conteúdo dos enunciados ou declarações identitárias, os quais, ao fazê-lo, não cessam de receber uma pluralidade de fluxos e informações. (Agier, 2001: 11)

Ao mesmo tempo em que constroem determinadas diferenças sociais e culturais, declarações identitárias também desconsideram muitas outras, em prol daquela pertencente a determinados grupos de que se pretende fazer parte. A identidade é, como nos mostrou Hall, “um lugar que se assume, uma costura de posição e contexto, e não uma essência ou uma substância a ser examinada” (Hall, 2011: 15-16). Assim, a edificação das identidades está também relacionada ao nascimento de sujeitos políticos, como nos demonstrou Caiuby Novaes: A identidade emerge quando sujeitos políticos se constituem e, neste sentido, a possibilidade de criação de um coletivo feminino, um “nós mulheres”, “nós índios”, “nós homossexuais” implica, necessariamente, a desconsideração das diferenças que marcam a distância entre estes vários grupos unidos num único sujeito político. (Caiuby Novaes, 1993: 26)

É como parte desses movimentos identitários de caráter étnico, racial, regional ou religioso que passaram a existir no mundo especialmente a partir da década de 60, mas que tomam outras formas (virtuais, tecnológicas) e outras proporções (globais ao mesmo tempo em que locais) na contemporaneidade, que compreendo a luta proposta pelos grupos de fotógrafos que analiso neste trabalho. Declarações identitárias, nascimento de sujeitos políticos e luta pelo processo de democratização da produção e do acesso à informação, portanto, são vistos aqui como parte de um mesmo prisma onde determinados grupos não se reconhecem em certas representações e exigem o direito de falar de si para poderem, simultaneamente, ter suas construções identitárias respeitadas e atuarem midiaticamente. Segundo Canclini (1997b), uma das principais questões da atualidade é a de como promover 42

interações culturais democráticas de longo prazo. Para ele, as principais mudanças ocorridas no último século se intensificaram com os meios de comunicação de massa que, apesar de contribuírem para a superação de fragmentações – na medida em que informam sobre experiências comuns de vida – e estabelecerem redes de comunicação, também reorganizam o mundo público como palco do consumo e dramatização dos signos de status (Canclini, 1997a). Ao refletir sobre as implicações da globalização em contextos latino-americanos, Canclini analisa principalmente o que diz respeito às transformações ocorridas nas culturas e identidades locais. Para ele, ao mesmo tempo em que elas deixam de ser vistas como algo fixo para serem compreendidas em seu processo mutatório, elas também são definidas na relação entre as localidades e o resto do mundo (Cf. Canclini 1996; 1997a e 1997b). Essas relações entre local e global têm se intensificado e expandido cada vez mais através das tecnologias e da revolução da informação (Hall, 1999), e o campo comunicacional passou a ser visto como um campo estratégico de luta pelo poder (Barbero, 1997): lutas cada vez mais simbólicas e discursivas. Para Stuart Hall (1997), devemos pensar as identidades sociais como construídas no interior da representação e através da cultura, e não fora delas. As identidades são resultados de um processo de identificação que permite nos posicionar no interior das definições fornecidas pelos diferentes discursos culturais. Se a cultura é algo fluido, em movimento e híbrido, devese levar em conta que toda ação social é “cultural”, todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado. É possível compreender, deste modo, porque a cultura é o elemento central nos processos globais de formação e mudança e tem papel constitutivo na formação de identidades e subjetividades. Hoje, as culturas são “de fronteira”, ou seja, perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento. Combinando local e global, países fora do eixo tecnológico-econômico, como os da América Latina e da Ásia, sobrevivem ao processo de globalização sem esvaziar suas culturas e identidades. Neste processo, reorganizam suas características tradicionais sem substituí-las por valores externos. Agier percebe o processo de globalização cultural de maneira menos radical que seus compatriotas Bourdieu e Wacquant (que a veriam como um “falso universalismo astuto, 43

manipulador e de mão única”) e Amselle (que “associa diretamente globalização e universalismo”). Para Agier, “há espaço para uma crítica das dominações globais e das respostas que estas engendram – crítica suscetível de conduzir a uma reflexão sobre as formas possíveis de resistência (local, artística, política etc.) a essas dominações.” (Agier, 2001: 20). As culturas identitárias tornaram-se um lugar comum das novas formas de participação política (idem). Fabricam novas ferramentas para exercer sua cidadania, que agora passam a apreender como um campo de ação não apenas o espaço de direito do Estado, mas, também, as iniciativas singulares das diferentes pessoas e grupos sociais de uma sociedade. Neste sentido, compreender as categorias que tais grupos propõem para falar de si, suas ações políticas em âmbito local e/ou global (lembrando que tais categorias agem como intercessores e não opositores), é a proposta dessa pesquisa. Assim, ao tratar de algumas dualidades presentes na discussão apresentada pelos grupos de fotógrafos ao longo deste texto, esclareço que não as compreendo como opostas e/ou contrárias, mas como imaginadas e negociadas culturalmente, politicamente e socialmente. Interessa-me compreender o que significa ser “de dentro”/“de fora”, oriente/ocidente, pobre/rico, subalterno/hegemônico. Meu objetivo, portanto, não é o de desconstruir tais dualidades, mas compreendê-las enquanto híbridas e negociadas.

1.1.2 Sobre fotografias e construções identitárias Até que ponto “uma imagem vale mais que mil palavras”? É possível estabelecer esta correspondência? A imagem seria um conjunto de informações de transmissão direta, ao contrário da comunicação verbal, com uma mediação a ser decodificada? Existiria uma leitura da imagem fotográfica capaz de substituir ou equivaler à de documentos escritos ou depoimentos verbais? Para uma tendência historiográfica, o documento fala; para alguns entusiastas da eloquência da imagem fotográfica, esta transmite clara e diretamente informações. Para outra, contudo, tanto o documento escrito quanto as imagens iconográficas ou fotográficas são representações que aguardam um leitor que as decifre (Leite, 1993: 23).

Ainda que uma leitura imagética não seja equivalente a uma leitura de documentos escritos, devemos entender as imagens e os textos como uma espécie de representação que contém informações objetivas e subjetivas que, por sua vez, são interpretadas por um leitor. Neste sentido, a fotografia, assim como documentos verbais, não são “verdades dadas”, mas (re)presentações construídas. Diversos autores discutem os usos sociais da fotografia percebendo-as como representações, ou realidades construídas, imaginadas, fabuladas, do mesmo modo que podemos entender as etnografias como textos, construções (Marcus e 44

Cushman, 1982). Ambas seriam ficções, não no sentido de ser algo falseado, mas no de serem interpretações. Fyfe e Law, por exemplo, descrevem a construção social das representações visuais (e suas desigualdades) do seguinte modo: A depiction is never just an illustration. It is the material representation, the apparently stabilised product of a process of work. And it is the site for the construction and depiction of social difference. To understand a visualisation is thus to inquire into its provenance and into the social work that it does. It is to note its principles of exclusion and inclusion, to detect the roles that it makes available, to understand the way in which they are distributed, and to decode the hierarchies and differences that it naturalises. And it is also to analyse the ways in which authorship is constructed or concealed and the sense of audience is realised. (Fyfe e Law, 1988:1).

Lins de Barros e Strozenberg seguem a mesma direção: Não fotografamos qualquer coisa, mas apenas aquilo que desejamos destacar da fluidez da existência cotidiana e tornar, não apenas eterno, mas exemplar. Como uma luz de palco, o foco da câmera destaca cenários e personagens que, sob sua mira, adquirem uma qualidade distinta e uma dramaticidade não perceptível ao olhar comum. Tampouco fotografamos de qualquer maneira. O melhor ângulo, o melhor enquadramento, a melhor luz, a melhor pose, são escolhidos porque os consideramos capazes de condensar, no fragmento do real aprisionado na imagem, toda a gama de múltiplos significados que emprestamos (ou desejamos emprestar) ao que ali ficará representado (Lins de Barros e Strozenberg 1992: 21).

Do mesmo modo para Tagg (1988) e Kossoy (1999), os usos sociais das fotografias e suas especificações históricas são importantes referenciais de análise uma vez que uma imagem deve ser pensada de acordo com seu contexto político, social e econômico. Assim, a fotografia pode ter tantas identidades quantas as que, historicamente, lhe forem investidas, sendo necessário perceber, em cada momento, o modo como foi entendida, os fins a que serviu, as visões de mundo que proporcionou. As fotografias são como a memória: funcionam como fragmentos da realidade que podem ser encadeados e/ou interpretados de acordo com interesses e subjetividades. As fotografias documentais e/ou jornalísticas trazem consigo ainda uma tensão inerente ao seu caráter de prova (por conter traços do “mundo real”, e são muitas vezes defendidas como tal pelos fotógrafos militantes) e aquele de fabulação, permitindo que alguns olhem uma fotografia como registro de algo que ocorreu, e outros como pura subjetividade. Boa parte dos teóricos que tratam do seu funcionamento cultural e ideológico, entretanto, entende o olhar fotográfico como um processo de construção de uma realidade social por parte de um sujeito, o fotógrafo, que tende a combinar traços da realidade para construir uma representação de 45

algo que pretende contar. Funciona como Lins de Barros e Strozenberg afirmam: “nas mãos de quem manipula, a câmera é um recurso de linguagem através do qual alguém elabora uma interpretação do real, atribuindo-lhe significados que irá materializar na imagem” (1992: 21). Neste processo criativo das imagens, as relações de poder se fazem presentes. Em algumas fotografias, especialmente naquelas onde se busca o “instante decisivo”59, frequente na prática fotojornalística, é o ponto de vista do sujeito que fotografa que prevalece. Em outras, como em alguns retratos onde se oferece um tempo para que o fotografado se posicione como e onde deseja, esta representação é frequentemente compartilhada ou negociada. Assim, a câmera se torna um curioso instrumento político à medida que possibilita a criação de uma imagem que ficará cristalizada para o futuro. Pois enquanto interpretação do real, uma imagem nos oferece informações das mais diversas naturezas, nos orientando, entre outras coisas, sobre o ideal desejado. Reiterando Lins de Barros e Strozenberg, “na fotografia tudo é paradoxo. Prova do real, ela nos fala do ideal. Ao refletir o concreto, ela espelha o imaginário. Se acreditamos na sua imagem é porque, nela, a técnica produz a magia, ocultando, ao olhar que vê a foto, o olhar que a fabricou” (Lins de Barros e Strozenberg1992: 21). Em um mundo regido por imagens, como na contemporaneidade, torna-se fundamental compreender o processo de construção (e interpretação) do signo fotográfico, pois se, por um lado, a fotografia proporciona fragmentos visuais que informam das múltiplas atividades e ações do homem, por outro, “ela sempre se prestou e sempre se prestará aos mais diferentes e interesseiros usos dirigidos.” (Kossoy, 1999: 19).

1.1.3 A construção de estereótipos e a luta pelo poder A relação de poder existe na medida em que algumas definições da situação são mais legítimas do que outras, e essa legitimidade é a resultante de quem tem o poder de propor e sustentar a definição. (Gasltado, 2008: 150).

59

O “instante decisivo”, termo proposto por Cartier Bresson, seria aquele instante crucial em que um fotógrafo, antecipando-se ao momento que prevê que acontecerá, produzirá uma imagem representativa do que pretende informar sobre tal evento. Ainda que seja uma imagem estudada, no sentido em que seria necessário conhecer o que acontecerá para poder prever a cena a seguir, este tipo de fotografia teria uma proposta diferente da fotografia posada e mais profundamente estudada. Um instante pode ser uma imagem engraçada, contraditória, provocadora. Não uma imagem representativa de uma cena ou um gesto repetido cotidianamente. Faz parte do extraordinário, não do cotidiano, como desenvolverei no Capítulo 2 desta tese. 46

Retomando o conceito de individuação, agrego, agora, outros dois conceitos que são o de autoimagem e autoestima, oriundos das reflexões propostas por Elias e Scotson (2000). Esses autores abordam alguns mecanismos simbólicos de dominação investigando a relação entre dois grupos, estabelecidos e outsiders, mostrando como um mantém seu poder investindo na manutenção da coesão grupal e estigmatizando e excluindo o outro, menos poderoso, de suas relações sociais. Suas investigações apontam para o fato de que o estigma imposto por um grupo mais poderoso costuma estar presente na autoimagem de um menos poderoso (o que lhe confere “menos valor”). Marcando, ainda, que essa capacidade de estigmatização diminuiria ou se inverteria quando um não tivesse mais o monopólio das principais fontes de poder (Elias e Scotson, 2000: 24-28). Aprofundando as reflexões dos autores, percebemos que a dinâmica da relação entre grupos interligados na condição de estabelecidos e outsiders é determinada por sua forma de vinculação e não por características que os grupos tenham independente dela. Haveria um duplo vínculo nesta relação: os outsiders teriam uma função para os estabelecidos, que manteriam uma superioridade flexível, como diria Said (2007), a partir dessa relação. Seriam “superiores” apenas nessa relação, e não fora dela.60 Afixar o rótulo de ‘valor humano inferior’ a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo. Consequentemente, a capacidade de estigmatizar diminui ou até se inverte, quando um grupo deixa de estar em condições de manter seu monopólio das principais fontes de poder existentes numa sociedade e de excluir da participação nessas fontes outros grupos interdependentes. (Elias e Scotson, 2000: 24)

Para Elias e Scotson (2000), as categorias estabelecidos e outsiders se definem na relação que as nega e que as constitui como identidades sociais. Os indivíduos que fazem parte de cada uma delas estão, ao mesmo tempo, separados e unidos por um laço tenso e desigual de interdependência.

Superioridade

social

e

moral,

auto-percepção,

reconhecimento,

pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders expressa: a relação de poder. O conceito de poder, que diz respeito à relação entre dois ou mais indivíduos ou grupos sociais, é um atributo destas relações que se mantêm em um equilíbrio instável de forças. Assim, um grupo só poderia estigmatizar 60

Para uma discussão sobre a relevância das relações (e interações) sociais a partir dos conceitos de “indivíduo” e “sociedade”, especialmente no estilo de vida citadino, ver Simmel, 1967, 1978 e Frúgoli, 2007. 47

efetivamente outro quando estivesse bem estabelecido em posições de poder das quais o grupo estigmatizado estivesse excluído. Um grupo estabelecido tende a definir os outsiders a partir das características que despreza em si, enquanto se define a partir das características que mais valoriza. Quanto maior o desequilíbrio de poder, maior a capacidade de estigmatizar os outros, impondo a estes um sentimento de inferioridade. Estigma, segregações e o “medo do contágio” reforçam o tabu imputado aos outsiders. O contato está emocionalmente sancionado pelo “medo da poluição”. Assim, haveria quatro modos de estigmatizar um grupo: a pobreza; atribuir como características definidoras do outro grupo a anomia (a desorganização social e familiar) e a delinquência (o não cumprimento das leis); atribuir ao outro hábitos deficientes de limpeza e higiene; e tratar e ver os dominados como não inteiramente pertencentes à ordem social. Trazendo esta reflexão para os casos em análise, parece-me que o movimento gerado pelos grupos aqui examinados se aproxima daquele descrito por Elias e Scotson (2000). Ao se perceberem como parte de uma “comunidade” (imaginada, como diria Anderson, 2008, ou mesmo ética, como diria Bauman, 2003), os fotógrafos da Imagens do Povo e da Drik, assim como os demais envolvidos no movimento internacional pelos direitos visuais, investem na ideia de pertencimento e coesão em torno de estigmas para inverter as relações de poder inerentes ao binômio estabelecidos/outsiders. É ao se apresentarem como populares e bangladechianos61 que produzem fotografias sobre si que esses jovens conseguem uma visibilidade positiva. E é participando das redes de fotógrafos e ativistas de direitos humanos que fortalecem sua atuação. A construção de estereótipos, no entanto, vai além da luta simbólica pelo poder: está presente em todas as ações da vida cotidiana. Ervin Goffman, por exemplo, aponta para o fato de que estereótipos “não comprovados” são muitas vezes aplicados a desconhecidos a fim de obter informações que permitam utilizar a experiência anterior para se relacionar socialmente. Para combater os estereótipos negativos que lhes são frequentemente atribuídos, então, os fotoativistas investem em representações positivas, produzindo imagens que possam transformar as interações sociais.

61

É importante esclarecer que não faço uma relação entre moradores de Bangladesh e a pobreza. Meu objeto de comparação não é o que poderia designar de nível econômico mas sim político. 48

Ao documentar a vida cotidiana, buscam quebrar a (pré-)definição da situação (Goffman, 1975), construindo novas imagens e, assim, novas relações. Mas Stam e Shohat (1995) chamam a atenção para um problema: “Tampouco a auto-representação cromaticamente literal garante a representação não-eurocêntrica. O sistema pode simplesmente ‘usar’ o artista para representar os códigos dominantes; até mesmo, às vezes, desconsiderando suas objeções”. (Stam e Shohat, 1995: 75). Ou seja, ainda que representações endógenas tendam a construir personagens mais complexos, visto que grupos politicamente envolvidos em tais representações estão mais atentos para o modo como “os seus” são mostrados, representações “nativas” também podem acabar reproduzindo os padrões de dominação. Jean-Paul Colleyn argumenta na mesma direção, quando afirma que: “L’anti-colonialisme et la lutte pour indépendance politique n’impliquaient pas forcément de véritable rupture avec le modèle occidental” (Colleyn, 1991: 106). Ao elaborarem essas “novas” representações baseando-se em contra-discursos relacionados àqueles produzidos por seus Outros, esses fotógrafos muitas vezes recorrem a estereótipos positivos - tão fortes quanto aqueles – negativos - que tentam combater. Por partirem da busca por respostas a representações estereotipadas e problemáticas, constroem frequentemente (novos) estereótipos a fim de criar imagens tão poderosas quanto as primeiras. Essa abordagem do estereótipo (seja positivo ou negativo) acarreta uma série de armadilhas teóricas e políticas ao reduzir grupos a uma imagem não complexa. Como nos mostrou Colleyn: “Il faut dire que si l’opposition binaire Nord/Sud exprime bien l’une des contradictions majeures de notre époque, elle masque aussi l’hétérogénéité culturelle, sociale et économique d’un hémisphère comme de l’autre”. (Colleyn, 1991). Enfatizando os estereótipos positivos, no entanto, esses grupos nos indicam que o investimento na transformação de sua própria imagem é mais do que uma "limpeza simbólica” (Machado da Silva, 2008), é uma luta simbólica por poder. Uma vez que a maneira como as coisas são chamadas (e mostradas) implica uma relação de poder (Foucault, 1970; 1988), esses grupos de fotógrafos se auto-apresentam buscando construir representações sobre si que condigam mais com a realidade que reconhecem. E se todos agem “manejando a impressão”, como nos mostrou Goffman (1975), é importante compreender os meios através dos quais tais grupos tentam manejar as suas próprias impressões e os impactos que suas representações podem ter nas imagens vinculadas a seu 49

respeito. O ativismo através da fotografia, por sua vez, aparece ainda hoje como um tema impreciso para os fotógrafos que investem em uma fotografia social engajada, uma vez que são frequentemente questionados sobre a verdadeira transformação que seus trabalhos aportariam, especialmente para aquela população que (sofre e) é fotografada. Um dos meus objetivos é, justamente, compreender os limites e alcances de tal atuação, partindo da premissa de que as imagens têm importância crescente na contemporaneidade, especialmente quando comparadas a outros meios de comunicação como os textuais e os sonoros.

1.2 Breve contextualização histórica: contextos em que nascem os fotógrafos ativistas que questionam a desigualdade social O contexto político e social (a ditadura e o processo de democratização) dos países em que os idealizadores desses grupos de fotógrafos se tornaram ativistas em prol dos direitos humanos, assim como as redes sociais que estabeleceram em favor de suas causas funciona como princípio informador de como surgiram as agências e escolas, em Daca e no Rio de Janeiro, e determinaram as semelhanças e diferenças entre elas. Vejamos como aconteceu em cada caso.

1.2.1 Bangladesh, Drik Picture Library e Pathshala - South Asian Media Academy The Sanskrit word Drik means vision, inner vision, and philosophy of vision. That vision of a more egalitarian world, where materially poor nations have a say in how they are represented, remains our driving force (Alam, 2007).

Bangladesh é um país sul-asiático de 147.570 km2 com uma população de aproximadamente 160.000.000 habitantes. Tendo conquistado sua independência há cerca de 40 anos (em 1971), o país tem sua história atrelada à da Índia e à do Paquistão. Separado do primeiro e unificado ao segundo com o fim da colonização britânica (em 1947), por ser um território de maioria mulçumana, como o Paquistão, foi durante 24 anos conhecido como Paquistão Oriental (de 1947 a 1971). A divisão do chamado subcontinente indiano entre hindus e mulçumanos e a criação de um país baseado em uma religião (a muçulmana) e uma língua (o Bengali) teve uma série de implicações para as diferentes comunidades existentes no território. Uma delas foi o 50

surgimento de uma série de imaginários relacionados aos “heróis da guerra” e a grupos não muçulmanos e/ou não bengalis, como é o caso dos Biharis, também conhecidos como “os paquistaneses de Bangladesh”, por falarem urdo e não bengali62. Não cabe aqui uma extensa história desse país, que pode ser encontrada em autores como Markovits (1994), Meyer (2007), Jaffrelot (1996), Thapar (1990) e Van Schendell (2009). O importante a ressaltar neste momento é que alguns eventos e grupos sociais marcaram o imaginário sobre a história de Bangladesh mais do que outros, especialmente entre os fotógrafos documentaristas do país. Há, assim, temas que são repetidamente documentados pelos fotógrafos vinculados à Drik e à Pathshala. São eles: os freedom fighters (os veteranos da guerra contra o Paquistão que lutaram pela independência do país); o islã; grupos minoritários do país (como os Biharis, os Ronhingyas, os grupos indígenas de Chittagong Hill Tracts e até mesmo os hindus); as mudanças climáticas (em especial as monções); algumas violências praticadas contra as mulheres; o trabalho infantil e os desmontes de barcos. As favelas, para fazer um contraponto com o Brasil, são muito pouco retratadas. Após a conquista da independência, Bangladesh passou por uma série de alternâncias políticas até que em 1982, através de um golpe militar, o General Hossain Mohammed Ershad, chefe do Estado-Maior do Exército de Bangladesh, tomou o controle do governo e tornou-se presidente. O General Ershad manteve uma ditadura no país até o final desta mesma década quando, em meio a muitos protestos, renunciou ao poder. Shahidul Alam, fotógrafo e ativista63, nasceu em 1955, em meio a toda a agitação política que assolou Bangladesh, dos anos em que pertenceu ao Paquistão até a conquista da democracia, passando pela guerra de independência. Durante muitos desses anos, no entanto, viveu na Inglaterra, para onde partiu ainda jovem a fim de realizar seus estudos em química, financiado pela sua família, retornando apenas após a conclusão do doutorado. Foi na Inglaterra que descobriu sua paixão pela fotografia e que, através de estudos autodidatas, tornou-se 62

É interessante notarmos, no entanto, que apesar de serem vistos como “paquistaneses”, os biharis jamais habitaram o Paquistão. Migraram do Bihar, um estado do leste da Índia, para Bangladesh no momento da participação por serem mulçumanos e desejarem fazer parte desse novo estado islâmico. Enquanto Bangladesh foi Paquistão Oriental, os biharis, por falarem o urdu, idioma falado no Paquistão, tiveram uma série de privilégios políticos no país. Durante a guerra de independência, no entanto, foram vistos como traidores pelos bengaleses porque não desejavam a separação e lutaram ao lado dos paquistaneses para manter a unificação do país. Sendo rejeitados por Bangladesh e pelo Paquistão após a independência, tornaram-se um grupo de refugiados e vivem em campos como o de Daca, sendo vistos de forma discriminatória em Bangladesh até hoje. 63 Alam se apresenta como fotógrafo, escritor, artista, professor e curador em seu website pessoal. 51

fotógrafo. Iniciou seu treinamento fotográfico fazendo retratos, tanto na Inglaterra quanto em Bangladesh. Mas foi através do seu envolvimento como ativista no processo de democratização do seu país no final da década de 80, que se voltou para o fotojornalismo e fez parte da geração que transformou a história da fotografia em Bangladesh, que deixou de ser “pitoresca” para se tornar “documental”. Para Shahidul, 1989, o ano em que criou a agência Drik, foi um ano significativo. While photojournalists had recorded street life and political strife, and a few photographers had addressed poverty, there was no culture of documentary practice. No personal projects. Photography was still seen as an illustration, meant to fit in with a predetermined caption. The movement against General Ershad changed all that. Resistance had been building, and the iconic image of Noor Hossain, with “Let Democracy be Freed” painted on his back, was a turning point. In 1971, the photographs were taken surreptitiously, under fear of death. In the new movement, the photographers were in the fore. They were the witnesses of the people and empowered by people’s will. (Alam, Emerging from Shadows, s/d)

Em função da falta de liberdade de expressão em que seu país se encontrava e por não haver, em sua opinião, agências fotográficas capazes de oferecer o apoio de que os fotojornalistas do país precisavam para cobrir o que estava acontecendo, Shahidul decidiu criar sua própria agência, a Drik Picture Library, em uma antiga casa que pertencia a sua família em Dhanmondi. Our problems weren’t simply ones of surviving on slender means and competing against agencies based in London, Paris and New York. Our activism created problems on our home soil too. We had, by then, set up our own website and had helped to establish the first webzine and internet portal in the country. Our email network had been put to use when Taslima Nasrin was being persecuted. The website became the seat of resistance when pro-government thugs committed rape in a university campus. So the site, and later the agency, came under attack. The day after our human rights portal www.banglarights.net was launched all the telephone lines of the agency were disconnected. It took us two-and-a-half years to get the lines back, but that never stopped our internet service and we stayed connected. Later, Drik became the seat of resistance when the Government used the military to round up opposition activists. I was attacked on the street, during curfew and in a street protected by the military. I received eight knife wounds. So we learnt to walk a fine line. (Alam, 2007)

Após a organização da agência, e ao tomar consciência de outras coisas que faltavam em seu país, Shahidul deu início paralelamente a outros projetos: criou uma rede de internet; um site

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de notícias chamado Driknews64; um site voltado para informações na área de direitos humanos chamado Banglarights65; um blog pessoal de notícias chamado Shahidulnews66; o Festival Internacional de Fotografia Chobi Mela67 e a escola Pathshala68. Os nomes das iniciativas (Driknews, Banglarights, Chobi Mela e Pathshala) apontam para uma mistura entre palavras em sânscrito/bengali e inglês. Mas todos os sites e quase todas as publicações da agência, da escola e das demais iniciativas são em língua inglesa. Além dessas iniciativas em Bangladesh, Alam também se envolveu na criação de uma outra agência, a Majority World69, que funciona como um banco de imagens virtual e uma rede de fotógrafos do designado Sul Global ou, como preferem dizer, “Majority World”: “majority world is our more accurate and respectful term for what has been known as the developing world, the ‘third’ world and the global South” (Rowan Watts, em e-mail enviado logo após inscrição no site). A Pathshala – The South Asian Media Academy foi estruturada em uma casa a alguns quilômetros da sede da agência, em Panthapath, um bairro de classe média de Daca, em 1998. Foi criada através de uma parceria entre a Drik Picture Library e a World Press Photo, uma das maiores agências internacionais de fotografia, por meio de um programa educacional que durou três anos e contou com o apoio do British Council, da Thomson Foundation e do Panos South Asia. Foi concebida como o projeto educacional da Drik - “Pathshala has slowly grown to become a fully-fledged educational wing of Drik, a socially-conscious photo resource centre also based in Dhaka, Bangladesh”70 – e inicialmente imaginada como um instituto de fotografia. Mas no ano de 2010 se transformou em um instituto de mídia, expandindo suas atividades para os setores de broadcast, impressão e jornalismo multimídia. A Pathshala é uma escola privada que tenta sobreviver de forma autossustentável oferecendo diversos tipos de cursos, desde básicos de curta duração a uma formação de nível superior de três anos. Para ser admitido no curso longa duração, por exemplo, que forma a parcela mais importante dos alunos, os candidatos passam por um rígido processo de seleção que exige o 64

www.driknews.com www.banglarights.net 66 www.shahidulnews.com 67 www.chobimela.org/ 68 www.pathshala.net 69 www.majorityworld.com 70 www.pathshala.net/controller.php?view=aboutus 65

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nível de formação escolar designado Higher Secondary Certificate (HSC)/A level - Second class/ GPA 2.5, um inglês fluente (oral e escrito), um portfólio com dez fotografias, um curriculum vitae com duas referências, uma carta de intenção justificando o interesse no curso e uma formação básica em fotografia. Ao entrar na escola, além de aulas sobre técnicas e história da fotografia, os alunos também frequentam cursos de antropologia visual, métodos de pesquisa, elaboração de projeto, teorias da comunicação visual, webdesign, curadoria, publicação e inglês avançado. O esforço de Shahidul Alam de criar uma escola de fotografia veio ao encontro de seu desejo de ampliar o espaço de divulgação e reconhecimento dos fotógrafos de seu país no chamado ocidente e produzir trabalho de “qualidade internacional” no país. Hoje, a Pathshala é a escola mais importante na área da fotografia no país e, através das diversas parcerias que estabelece, tem formado estudantes de outros países, como o Japão e a Noruega. Fotógrafos estrangeiros com projetos em Bangladesh também costumam passar por ela, seja para fazer um estágio, seja para oferecer uma palestra e realizar trocas com os estudantes e jovens fotógrafos bangladechianos. O instituto se tornou, assim, um importante polo de encontro de fotógrafos e jornalistas. Em sua fundação, a escola teve como principal especialidade um gênero específico da fotografia, o fotojornalismo, mas vem progressivamente ampliando seu campo de atuação a fim de formar profissionais com diferentes perfis. Ainda que esse não tenha sido o objetivo inicial do seu fundador, e ainda que ele insista na importância de trabalhos de longo prazo (fotodocumentação) e engajados com os temas retratados, a maior parte dos estudantes formados pela escola parece trilhar sua vida profissional realizando assignments para ONGs ou fotorreportagens para agências estrangeiras. É assim que conseguem a sustentabilidade financeira que permite o investimento em seus projetos pessoais. Os jovens formados pela escola estão no centro das atenções e são cada vez mais reconhecidos profissionalmente, tanto dentro quanto fora do país. De acordo com o fotógrafo e jornalista Hassan Bipul (s/d), a fotografia é o setor que trouxe o maior número de prêmios para Bangladesh. Shahidul Alam, assim como GMB Akash, um ex-aluno da Pathshala, e Answar Hossain, um fotógrafo contemporâneo de Shahidul que vive na França estão entre os fotógrafos mais premiados. Foram mais de cem prêmios em instituições tão prestigiadas quanto a UNESCO e a Mother Jones Award for Documentary Photography. 54

Os alunos e ex-alunos da Pathshala estão conscientes deste espaço que a fotografia conquistou e cada vez mais excitados sobre a possibilidade de conquistarem o mundo, como vemos na fala reproduzida abaixo de Saiful Huq Omi, um dos fotógrafos sobre os quais refletirei neste trabalho: Shahidul, give us one more decade, I promise, we would take Pathshala walk a million more miles, we, your students, would continue our struggle to become a better human being, we would make sure Pathshala become the best photographic school in the world, your students, your band of army will march on to the west, to the east and to the south and to the north and we would occupy and will raise the flag of Bangladesh (Saiful Huq Omi, My Own War, texto publicado na sua página pessoal do Facebook)71.

1.2.2 Brasil, Imagens do Povo e Escola de Fotógrafos Populares A Escola de Fotógrafos Populares propõe-se a reunir um contingente de alunos oriundos de comunidades populares e capacitá-los a desenvolver, através da fotografia documental, um olhar crítico sobre seus territórios de origem. Ao longo do curso, cada aluno produz um ensaio fotográfico sobre aspectos pouco veiculados da vida nas favelas, em oposição à visão estigmatizante com que a grande imprensa frequentemente trata o tema, associando as comunidades populares apenas ao tráfico e à violência.72

Com uma população próxima àquela de Bangladesh (191.796.000 habitantes) distribuída numa área 58 vezes maior (8.514.877 km2), o Brasil é um país independente de Portugal desde 1822. Teve sua história atrelada a organizações populares e movimentos sociais que datam ainda do império, com o aparecimento de suas primeiras organizações nãogovernamentais já na década de 70, como aconteceu em Bangladesh, ainda que sua grande consolidação tenha se dado apenas na década de 80 (Landim, 2002). Desenvolveu, no entanto, uma tradição de participação popular diferente daquela vivenciada pelo país asiático. Um exemplo é a constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o maior movimento social da América Latina, organizado ainda na década de 80 influenciado pelos ideais da Teologia da Libertação, corrente cristã que, ao optar por uma atuação entre os pobres, teve forte participação na organização dos chamados “movimentos eclesiais de base” no país.

71 72

www.facebook.com/note.php?note_id=162409257137991 www.imagensdopovo.org.br/ip/paginas/index.asp?id_pagina=10 55

João Roberto Ripper73, fotógrafo e ativista da mesma geração de Shahidul Alam, também se formou como fotógrafo de maneira autodidata. Viveu durante o regime de ditadura militar no Brasil, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro, e iniciou sua carreira no jornal Luta Democrática, passando pelos jornais Última Hora e O Globo antes de se tornar um dos fundadores (com Ricardo Azoury e Rogério Reis) da agência fotográfica F4, uma das mais importantes agências da história do fotojornalismo brasileiro, em 1985. Produziu grande documentação junto a diferentes movimentos sociais no país, especialmente o MST. Também teve papel ativo na luta pela conquista dos direitos trabalhistas dos fotógrafos no Brasil como vice-presidente da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro, em 1981, e presidente do Sindicato dos Jornalista Profissionais do Rio de Janeiro, em 1983. No início dos anos 90, buscando investir em uma agência voltada para a produção de fotografias que se colocassem “a serviço” dos direitos humanos, Ripper criou a agência Imagens da Terra, especializada em fotografia documental de “denúncia social”. Na verdade não era bem uma agência, era uma ONG. Mas, como eu nunca havia tido esse tipo de experiência, criei uma ONG atípica, sem financiador. Era uma organização não governamental diferenciada, que trabalhava por contrato para sindicatos, alguns freelas para revistas, e, com o trabalho permanente nos sindicatos, podíamos investir em documentação social. (Ripper, em entrevista a Dante Gastaldoni em 18 de abril de 2009)74

Foi através da Imagens da Terra, uma agência coletiva, e da documentação dos movimentos campesinos e operários que Ripper passou a investir definitivamente na construção de representações parciais, rompendo com o jargão jornalístico da imparcialidade. Após oito anos, contudo, a Imagens da Terra fracassa economicamente e Ripper cria sua própria agência, a Imagens Humanas75, que mantém até hoje. Paralelamente a esta agência pessoal, em um trabalho de documentação no Conjunto de Favelas da Maré, surge a ideia de criar uma outra agência coletiva, agora composta pelo “povo” (ou pelos populares) - os moradores de favelas. Nomeando-a Imagens do Povo, essa nova agência é concebida, em 2004, como um projeto triplo (a Escola de Fotógrafos Populares, o banco de imagens e a agência) dentro do 73

http://www.imagenshumanas.com.br Dante Gastaldoni, professor da Universidade Federal Fluminense e coordenador pedagógico da Escola de Fotógrafos Populares realizou duas entrevistas com Ripper (em 18 de abril e em 20 de agosto de 2009) para publicação do livro Imagens Humanas lançado no mesmo ano (Cf. Ripper, 2009). Estive presente no segundo encontro, mas Dante gentilmente me passou as transcrições das duas entrevistas, que serviram como fonte para esta tese. 75 imagenshumanas.photoshelter.com/ 74

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programa pedagógico do Observatório de Favelas. A concepção do Programa Imagens do Povo em 2004 teve como principal característica a mobilização de moradores de favelas cariocas em torno da fotografia e da democratização da informação. Embora a Escola de Fotógrafos Populares hoje também receba alunos oriundos de outras áreas e classes sociais76, ela ainda guarda uma importante característica: a “compaixão” e a “identificação” com os problemas vividos pelos habitantes das “comunidades populares”, o desejo de democratizar a produção de informações sobre essas áreas e o engajamento com os problemas sociais vividos pelos grupos subalternos da sociedade brasileira. Para isso, o fotojornalismo e a fotodocumentação são as principais ferramentas, com o diferencial de serem realizados a partir da parcialidade e do engajamento politico77 com “os seus”. Assim, investem em imagens do que consideram “belo” e do que chamam de “solidariedade” dos moradores das favelas, denunciando suas dificuldades, como podemos ler no release oficial do grupo: “materializar uma fotografia engajada e solidária, capaz de denunciar as dificuldades das populações economicamente excluídas, sem deixar de destacar sua altivez, sensualidade e beleza.” Atualmente, além de um curso de dez meses para formação de fotógrafos, a Imagens do Povo oferece oficinas de fotografia artesanal (pinhole) e uma formação para educadores em fotografia. Alguns dos seus ex-alunos se tornaram professores, como ocorreu na escola bangladechiana, mas seus cursos acontecem de forma menos regular que aqueles oferecidos pela Pathshala por dependerem sempre de financiamento externo. Os alunos, em compensação, não pagam por eles. Aqueles que se formam pelo curso de longa duração da Escola de Fotógrafos Populares recebem um certificado de curso de extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma universidade pública federal brasileira. Nesta formação, além de cursos técnicos e teóricos sobre a fotografia, os alunos também têm cursos de artes visuais, introdução aos direitos humanos, análise da mídia e teoria das representações sociais. A linguagem 76

A agência, além de publicar o material produzido pelos alunos, ex-alunos e fotógrafos que “comungam com a ideia do projeto”, também recebe encomendas que podem pautar por vezes o trabalho dos fotógrafos. 77 Sobre a ideia de fotografia engajada defendida pelo grupo e de um “olhar engajado”, ver Guran (2009, originalmente apresentado em 2007), Carminati (2008) e Mauad (2008). 57

fotográfica é discutida a partir das ideias de construção do olhar e expressão ideológica. Contextualizado historicamente o surgimento das agências e escolas, é importante também atentarmos para as redes em que elas atuam uma vez que estas nos apresentam importantes informações sobre seus desejos e suas atuações78. As características interacionais dessas redes, o modo como os fotógrafos participam delas (conteúdo, direção, temporalidade, intensidade e frequência) e, ainda, o modo como os fotógrafos mudam seus comportamentos a partir da participação nelas é algo que nos revela sobre as diferentes características de cada grupo.

1.2.3 Redes: conexões políticas, econômicas e culturais Tanto o grupo brasileiro de fotógrafos quanto o bangladechiano percebem como fundamental sua atuação na área dos direitos humanos, em especial do direito à comunicação. Defendem a liberdade de investigação e lutam pela expansão do acesso à informação, sobretudo através da internet. São muitos os sites, flickrs, blogs e páginas em redes sociais, criados e atualizados constantemente por eles. A internet permite que seus trabalhos sejam acessados no momento em que são divulgados e boa parte de sua produção está disponível online para espectadores de diversos pontos do mundo. A fim de viabilizar suas atuações, os fotógrafos da Drik e da Imagens do Povo participam ativamente de redes voltadas para os universos do fotojornalismo e do fotodocumentarismo em seus países (alguns também participam desses universos no âmbito internacional) e de organizações voltadas para a preservação dos direitos humanos. Ambos desenvolvem projetos com a Anistia Internacional, através de campanhas e publicações, e a Organização das Nações Unidades (ONU), sobretudo através do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), através de publicações e financiamento de projetos. Na Drik, diferente do que acontece usualmente em Bangladesh, há uma maior presença de fotógrafos estrangeiros que na Imagens do Povo. No Brasil, os fotógrafos estão fortemente ligados a movimentos sociais, especialmente a três

78

Lotte Hoek também notou a importância das redes internacionais para o grupo bangladechiano em sua dissertação de mestrado sobre a Drik. (Cf. Hoek, 2003). 58

importantes redes: a Rede de Inclusão Visual79 (uma rede formada a partir dos Encontros sobre Inclusão Visual do Rio de Janeiro. Cf. Gama, 2009b), a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência80 (rede que reúne moradores de favelas, sobreviventes e familiares de vítimas de violência policial ou militar e militantes populares. Cf. Farias, 2007), e o Movimento Pela Moradia (uma organização de populares reunidos para protestar contra as remoções de favelas no Rio de Janeiro). Alguns fotógrafos de diversas turmas da Escola de Fotógrafos Populares se organizaram em torno do Favela em Foco81, um grupo igualmente voltado para temas relacionados às favelas, que produz, além de fotografias, textos e vídeos. Há também fotógrafos que se inserem, individualmente, em outras redes. Este é o caso de Francisco Valdean, um dos fotógrafos cujo trabalho será fonte para reflexão nesta tese. Particularmente interessado na elaboração de textos, e em combiná-los com suas fotografias, Valdean criou um Blog pessoal (O Cotidiano82) e se envolveu em uma rede de blogueiros populares. Dentre os parceiros oficiais da Imagens do Povo estão a produtora Metara Comunicação83, o Ateliê da Imagem84, a Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil85 e a ONG Viva Favela86. O programa (a agência e sua escola) também recebe apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e do Governo Federal (através do Programa Ponto de Cultura do Ministério da Cultura). Seus principais clientes são: Ação Comunitária do Brasil, Ateliê da Imagem, CEPP Centro de Estudos de Políticas Públicas, FICAS, FIES - Fundo Itaú Excelência Social, Instituto Desiderata, Metara Comunicação, O Instituto, ONG Luta Pela Paz, Projeto Vida Real, REDES - Rede de Desenvolvimento da Maré, Vila Olímpica da Maré. Em Bangladesh, a World Press Photo (WPP) aparece como uma das principais parceiras da Drik Picture Library. Foi através de uma parceria com ela que criaram a Pathshala e é ela quem premia muitos fotógrafos do grupo, como aconteceu com Saiful Huq Omi e Munem Wasif, dois fotógrafos que tomarei para reflexão nos próximos capítulos. Ambos ganharam uma bolsa para participar da Joop Swart Masterclass (JSM), um prestigioso curso da WPP 79

www.fotorio.fot.br/inclusao-visual.asp www.redecontraviolencia.org 81 favelaemfoco.wordpress.com/ 82 http://www.ocotidiano.com.br 83 www.metaracomunicacao.com.br/ 84 www.ateliedaimagem.com.br/ 85 rpcfb.com.br/ 86 www.vivafavela.com.br 80

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destinado a jovens fotojornalistas promissores. Algumas redes foram criadas pelo próprio Alam, como a Bangladesh Human Rights Networks (Banglarights) e a rede internacional de fotógrafos oriundos do Sul global, organizada através da Majority World; em outras ele foi o responsável pela mediação. Alguns fotógrafos, contudo, participam individualmente de outras redes, como acontece no Brasil. Este é o caso de Talisma Akhter, uma fotógrafa que também terá seu trabalho analisado nesta tese, que faz parte do movimento de costureiras que fotografa. A Drik conta com diversos clientes dentro e fora do país. Dentre os internacionais, estão: Anne Lyons, BBC, Choices, Coulours France, Concern Worldwide, Das Magazine, Encyclopedia Britannica Inc, European Commission, Gecko (UK), GEO Marazine, Global Exposure, Himal South Asia, Internacional Herald Tribune, ITDG, Le Monde Magazine, Liberation (France), Longman Asia Ltd, New Internationalist, News Week, Observer, ODA (UK), Out Look Magazine, People (UK), Reportage, SABA (USA), SEITA, SHE (UK), The Guardian, The Independent, The Methodist Church, The New York Times, The New Yorker, The Panos Institute, Thomas Nelson Australia, Time Magazine, UNDP, UNICEF, USAID, World Bank, World Development Movement. Entre seus clientes nacionais estão: Action Aid, Adcomm, Agrani Bank, Ain O Salish Kendro, Apex, ASA, BEXIMCO, Birman – Bangladesh, Bitopi, BRAC, British Council, BTC, CARE, Export Promotion Bureau, Expressions, FPAB, Grameen Trust, Gramen Bank, Hotel Sonargon, HRC, Igloo, ILO, Kumudini Welfare, LGED, MIDAS, Novartis, Oxfam, PROSHIKA, Save the Children Alliance, SMC, Sonali Bank, UCEP, ADAB, UNICEF, Unicom, Unitrend, WESTECS, Board of Investment, PWD, The Daily Star. É interessante notar que, enquanto quase todos os parceiros e clientes da Imagens do Povo são organizações, governos e empresas nacionais, no caso bangladechiano boa parte dos clientes apresentados como “nacionais” são braços locais de organizações e instituições estrangeiras. Neste sentido, os coordenadores dos grupos aparecem não apenas como mediadores entre os fotógrafos e o mundo da fotografia, mas também como definidores das diferentes redes em que eles passam a atuar. Tanto Alam quanto Ripper têm grande influência no perfil dos fotógrafos formados por suas 60

escolas, que vão buscar se inserir no mercado local, no Brasil, e internacional, em Bangladesh. Suas concepções de ativismo, diferenciadas, também impactam nessas atuações. No Brasil, ao defender uma postura humanitária e voluntária em prol dos menos favorecidos, Ripper acaba por estimular a doação de imagens por parte dos fotógrafos e da agência. Já em Bangladesh, por lutar pelo reconhecimento profissional dos fotógrafos locais e por uma competição capitalista mais igualitária, Alam acaba por estimular a comercialização das imagens dos “seus” em termos de mercado. Assim, ainda que possuam muitas similaridades – como a produção de fotografias de cunho social e a atuação em prol dos direitos humanos –, esses grupos, razoavelmente homogêneos de cada lado, têm perfis bastante diferenciados. Os fotógrafos brasileiros não parecem se preocupar com o que os estrangeiros pensam sobre eles, mas com suas imagens dentro do país, às vezes da própria cidade, e é nesta a arena que buscam agir, diferente do que propõem os bangladechianos.87 Enquanto em Bangladesh a atenção dos fotógrafos está voltada para o “profissionalismo” da produção de suas histórias, no Brasil os fotógrafos estão preocupados com a performance de sua “militância”. A dupla comercialização/ativismo então aparece como antagônica e por vezes contraditória. Mas “mercado” e “política” ou mesmo “ideologia” e “representação” são universos fortemente relacionados, como demonstrou Appadurai (2004) através dos conceitos de mediapaisagem e ideopaisagem. Mediapaisagem se refere à capacidade eletrônica de produzir e disseminar informações (em jornais, revistas e na internet, por exemplo), fornecendo amplo e complexo repertório de imagens e narrativas a espectadores de todo o mundo. Elas são explicações centradas na imagem, com base narrativa, de pedaços da realidade, e o que oferecem aos que as vivem e as transformam é uma série de elementos (como personagens, enredos e formas textuais) a partir dos quais podem formar vidas imaginadas, as deles próprios e as daqueles que vivem noutros lugares. Estes enredos podem desagregar-se, e desagregam-se, em complexos conjuntos de 87

Este, entretanto, não era o caso de uma outra agência de fotógrafos moradores de favelas com a qual trabalhei para a elaboração da minha dissertação de mestrado. A Olhares do Morro, grupo que pesquisei entre 2004 e 2006, e contava com um coordenador estrangeiro, construía imagens (discursivas e visuais) imaginando um diálogo com estrangeiros e, para isso, acessava termos como “ginga” para apresentar corpos estilizados no estilo “Cidade de Deus”, imagens que não encontramos nos trabalhos dos fotógrafos da Imagens do Povo. Tal estilização das imagens e dos corpos apresentados de forma sensualizada com cores fortemente contrastadas são vistas nas imagens bangladechianas. 61

metáforas em que as pessoas vivem (Lakoff e Johnson, 1980), pois ajudam a constituir narrativas do Outro e protonarrativas de vidas possíveis, fantasias que podem tornar-se prolegómenos ao desejo de aquisição e movimento. (Appadurai, 2004: 54).

Quanto mais distante o público que recebe essas imagens se encontra da paisagem documentada, mais confusas seriam as fronteiras entre as paisagens realistas e ficcionais e maior a probabilidade de construírem mundos imaginados que são “objetos quiméricos, estéticos, até fantásticos, particularmente se avaliados pelos critérios de outra perspectiva, de outro mundo imaginado” (Appadurai, 2004: 54). Já as ideopaisagens são concatenações de imagens políticas frequentemente ligadas a ideologias de Estados e contraideologias de movimentos que demandam poder. Segundo Appadurai, “são compostas por elementos da visão do mundo iluminista que consiste num encadeado de ideias, termos e imagens, entre os quais liberdade, prosperidade, direitos, soberania, representação e o termo dominante, democracia.” (idem). Mediapaisagens e ideopaisagens são ainda, segundo o autor, paisagens iconográficas intimamente relacionadas, onde mercado, política, ideologia, representações e direitos estão não apenas conectados, mas profundamente misturados. Fotógrafos de ambos os grupos se sentem desconfortáveis com a associação entre seu ativismo e a comercialização de imagens. Mas sua sobrevivência profissional depende da maneira como buscam se inserir no mercado através da ação política. Desse modo, suas atuações são viabilizadas de forma diferenciada: em Bangladesh buscam alternativas para ter seu trabalho autoral financiado por agências estrangeiras, no Brasil apresentam seus trabalhos através de projetos institucionais de outras ONGs nacionais ou instituições do governo. O fato de no Brasil terem nascido vinculados a uma OSCIP e em Bangladesh como uma agência comercial define a maneira como buscam participar imagética e politicamente. Mas são múltiplos os campos partilhados aos quais estes fotógrafos imaginam pertencer: fotojornalismo, fotodocumentarismo social, marginalidade, subalternidade, “Majority World”, ativistas. É através da imaginação desses diferentes “pertencimentos” e identidades que constroem suas autoimagens e autorrepresentações. Vejamos como a ideia de “marginalidade” aparece dentro da fotografia social que propõem.

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1.3 Imaginando-se “marginais”: a fotografia social subalterna A imaginação está agora no centro de todas as formas de ação, é em si um fato social e é o componente-chave da nova ordem global. (Appadurai, 2004: 49)

A inserção da Drik Picture Library e da Imagens do Povo na história da fotografia social se dá de maneira especial, a partir da inclusão de autorrepresentações e da discussão “subalterna” ligada a uma identidade territorializada.

1.3.1 Identidades territoriais: a posição geográfica como contestação política Os territórios onde vivem os fotógrafos aqui analisados ocupam lugar de importância nas fabulações sobre suas autoimagens e autorrepresentações. Em seus discursos, costumam associar identidades a lugares sugerindo relações entre estes e suas alteridades. Estas associações apontam para a ideia de uma identidade territorial (ou uma identidade territorializada) e para o conceito de alteridade perceptiva tal como proposta pelos membros do grupo “Frontières identitaires et représentation de l’altérité” da EHESS: Nous proposons ici de saisir la complexité des relations entre une identité territoriale et l’altérité qui en résulte, altérité perceptive. Dans cette perspective, les motivations économiques, politiques, culturelles et sociales sont examinées à partir de l’identification de l’espace et sous le prisme de l’appropriation, de la dominance, du sentiment d’exclusion (d’injustice), ainsi que des formes de reconnaissance individuelle et/ou collective. (Grupo de trabalho “Frontières identitaires et représentation de l’altérité”)88

A identificação do espaço (bairro ou país) e a imaginação de identidades e alteridades como acopladas a ele, assim como a assimilação dos sentimentos de exclusão e injustiça como frutos da relação entre espaços, identidades e alteridades como sugerem os pesquisadores acima, nos oferecem pistas sobre a performance dos fotógrafos aqui tomados para reflexão. Ao apresentarem sua posição geográfica como um lugar subalterno em relação aos contextos em que buscam se inserir (a cidade ou o país e o mundo) eles nos indicam que é como pertencentes à favela e a Bangladesh que se identificam em primeiro lugar, e definem seus interlocutores, assim como aqueles que criticam, a partir da geografia que imaginam. 88

http://frontieres.hypotheses.org/projet 63

Ao se posicionarem geograficamente, todavia, esses fotógrafos não buscam uma essência local, mas sim se situar no mundo a partir de um ponto de vista específico: o periférico. As culturas identitárias e as identidades territorializadas (que nascem a partir da valorização do local) ganham cada vez mais força na contemporaneidade, ao mesmo tempo em que as pessoas se sentem menos presas a seus territórios, mantendo diálogo com o mundo globalizado, especialmente através da internet. Appadurai (1986) demonstrou que os mesmos processos de homogeneização e desterritorialização causados pela globalização estimulam a valorização do local. Esses processos de mão-dupla (de valorização do local e do global simultaneamente), longe de apagar as diferenças culturais, as reforça. E acabam por expor uma das principais contradições de grupos que declaram suas identidades coletivamente: ao mesmo tempo em que demandam igualdade (de direitos, de cidadania e também de participação no mercado) é ressaltando suas especificidades que se constituem e organizam sua atuação. Situando-se em lugares geográficos apresentados como “periféricos”, essas organizações jogam com a marginalidade de sua posição, buscando se colocar no “centro” de suas atuações, seja através do discurso de “autenticidade” e da autoridade que possuem por falar de si, seja através da estimulação da circulação de pessoas oriundas de diferentes lugares (fotógrafos, professores, palestrantes, alunos ou como público) em suas sedes. Manifestam suas posições subalternas89 para demandar poder. A categoria subalterna, no entanto, é constituída na heterogeneidade, produzindo ambiguidades e contradições. Deste modo, não poderia ser compreendida nos termos apresentados pela teórica indiana Gayati Spivak anos atrás: The terms ‘people’ and ‘subaltern classes’ have been used as synonymous throughout this note. The social groups and elements included in this category represent the demographic difference between the total Indian population and all those whom we have described as the ‘elite’. (Spivak, 1988: 284)

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Ao trazer a discussão subalterna para esta tese, esclareço que compreendo que tais posições e/ou identidades – subalternas e hegemônicas – são relacionais e interdependentes, e não dadas naturalmente ou de forma independente. Por grupo subalterno compreendo aquele invisibilizado e/ou estigmatizados ao curso da sua história que demanda poder. O termo subalterno foi trazido por mim, e não apresentado pelos grupos, ainda que o termo “hegemônico” (ou “mídia hegemônica”) seja frequentemente utilizado. 64

Compreendo-os a partir da relação flexível que permite que certos grupos possam ser considerados “elite” em determinadas áreas e “subalternos” em outras, e vice-versa. Elites e subalternos não são categorias homogêneas ou fixas do mesmo modo que não o são populações e identidades. É preciso não apenas especificá-los, mas compreender as posições que ocupam e em que se colocam, atentando para o jogo político que encenam.

1.3.2 A fotografia social e a inclusão dos pobres Ces hommes qui vivent dans la rue et couchent sur le trottoir, dans une embrasure de porte ou dans des litières de cartons et de guenilles ne sont que des représentations particulières de ceux à côté desquels nous passons tous les jours “sans les voir”. La fonction de la photographie est, dans ce cas, de ranimer notre regard. (Christolhomme, 2010)

A invenção da fotografia social enquanto gênero fotográfico remonta às primeiras décadas que se seguiram à invenção da própria fotografia. Teve como primeiras representações, imagens da pobreza e da miséria elaboradas pelo fotógrafo americano Jacob A. Riis (18491914), que ficou conhecido a partir do registro das imagens da miséria em Nova York, ainda no final do século 19. No texto de apresentação do livreto La photographie sociale (2010) da prestigiosa coleção francesa Photo Poche, Michel Christolhomme, um ativista francês, afirma que este primeiro trabalho de Riis provocou uma mudança de consciência nos cidadãos americanos e contribuiu de forma decisiva para o surgimento de uma política habitacional e de escolarização na cidade americana. Intervenções com as quais sonham até hoje muitos fotógrafos sociais. Alguns anos depois desses primeiros registros, durante a grande depressão americana, foi criada em 1935 nos Estados Unidos a Farm Security Administration (FSA) com o objetivo de combater a pobreza rural americana. No quadro deste projeto, foi criado também um enorme programa fotográfico que contou com dezesseis fotógrafos contratados para registrar e informar políticos e a opinião pública sobre o estado da pobreza da população, especialmente nas áreas rurais do sul dos EUA. Sobre a FSA, Christolhomme escreveu: La FSA constitue certainement l’expérience collective la plus aboutie à ce jour dans le domaine de la photographie sociale par l’ampleur du projet, sa durée, la qualité des photographes, la quantité des images (soixante-dix-sept mille négatifs) et leur utilisation. (Christolhomme, 2010) 65

Dentre os fotógrafos que participaram deste projeto estavam Dorothea Lange e John Collier Jr., que anos depois publicou um dos primeiros e mais importantes livros da antropologia visual, o Visual Anthropology: Photography as a Research Method (1967), demonstrando a rápida conexão entre a prática da fotografia social e aquela das ciências sociais.90 Conexão esta evidenciada aqui através de dois fotógrafos dos grupos analisados, Francisco Valdean, da Imagens do Povo e Munem Wasif, da Pathshala, que possuem uma formação dupla em fotografia (documental e social) e ciências sociais. Mas foi durante a Segunda Guerra Mundial que a fotografia social se consagrou essencialmente à cobertura das consequências dos conflitos que tinham acabado de acontecer: a liberação dos campos de concentração, o retorno dos prisioneiros, os problemas de saúde etc. Os “problemas sociais”, portanto, configuraram sempre o tema principal dos seus registros, ainda que os fotógrafos tenham mantido certo otimismo em suas documentações, algo que foi desaparecendo ao longo das últimas décadas do século 20. Durante a segunda metade deste século, foram os sucessivos conflitos coloniais e póscoloniais, os massacres, os genocídios e as violências étnicas que dominaram os temas fotografados. Neste momento, surge a noção de países do “terceiro-mundo” e as novas formas de documentação da pobreza. Os grandes movimentos migratórios, o racismo, a fome, as epidemias, as catástrofes industriais e nucleares, os problemas ambientais, a fragilização do setor têxtil, as crises intermináveis, o desemprego e a precariedade estão entre os temas mais documentados. Neste mesmo período, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e as organizações de ajuda humanitária se multiplicam. As organizações voltadas para os direitos humanos não apenas aceleram o desenvolvimento da fotografia social como também intensificam a demanda por imagens desse tipo. Passa a existir com elas uma relação direta entre a consciência dos problemas sociais e a necessidade de imagens sobre eles, de representações. Essa grande produção imagética sobre a pobreza, as injustiças e o sofrimentos dos Outros, todavia, apresenta um problema de ordem ética à fotografia social: a banalização dos problemas sociais. 90

Diversos antropólogos e sociólogos já escreveram sobre esta relação, e já se aventuraram em ambas as áreas. Ver, por exemplo, Becker (1974; 1978; 1981; 1995). 66

Mais si l’expansion de la photographie sociale a, dans une large mesure, contribué à faire de ces problèmes ce qu’ils sont: les enjeux majeurs de notre société, elle n’est pas sans entraîner des risques de banalisation des images, d’accoutumance à ce qu’elles sont censées dénoncer, de lassitude du public, de saturation des médias, de surenchère dans l’horreur... Il faut donc que les photographes s’imposent plus que jamais une déontologie et que l’utilisation de leurs images respecte une éthique rigoureuse. Il faut aussi que chacun, devant les représentations de la souffrance et de l’injustice, garde intactes ses facultés de s’émouvoir, de refuser et de se révolter. (Christolhomme, 2010)

A fotografia social, como outros gêneros da fotografia, está inserida no mundo das artes e tem, dessa forma, pretensão à beleza. Ao mesmo tempo, ela é o registro de problemas sociais que busca afetar a consciência das pessoas para mudanças. Ao mesmo tempo em que é informativa, é contemplativa. Não cessa, assim, de produzir contradições como o problema ético-moral que a engendra: a partir do momento em que se toma conhecimento sobre as injustiças e os sofrimentos de Outros, exige-se uma tomada de posição diante das imagens apresentadas. A frase que lemos no fim da apresentação de La photographie sociale nos aponta nesta direção: “Ce livre est aussi un hommage aux victimes, et nous souhaitons qu’il soit une incitation à lutter contre les problèmes sociaux d’aujourd’hui.” (Christolhomme, 2010). Mas se aquele que deve se engajar é uma terceira pessoa, o espectador, para sensibilizá-lo, uma fotografia precisa conter em si certo grau de exotismo, de distanciamento, ou correria o risco de gerar indiferença. Supondo informar sobre problemas que desconhecemos, a fotografia também pode dar luz à questões próximas “invisíveis” aos nossos olhos. (Christolhomme, 2010). O gênero fotográfico engendrou problemas que também são encontrados nos trabalhos dos fotógrafos da Drik e da Imagens do Povo: ético (relacionado à produção de imagens “belas” sobre problemas sociais), econômico (da profissionalização ou do sustento financeiro com imagens ligadas à pobreza) e moral (a tomada de consciência do sofrimento e da injustiça demanda ação e intervenção).

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1.3.3 Política da pena e da justiça: a ação humanitária e o engajamento pela imagem Em seu livro La souffrance à distance. Morale humanitaire, médias et politique, publicado pela primeira vez em 1993 (2007), Luc Boltanski apresenta uma interessante reflexão sobre a “questão humanitária” e a prática social de ver o sofrimento de outros à distância, sem se engajar na ação, mas através das palavras. Para elaboração da sua reflexão, o autor foca na figura do espectador, aquele que vê o sofrimento de outro. Segundo Boltanski, o aparecimento do argumento da pena/piedade na política no século 18 introduziu uma distância de um novo tipo entre aqueles que sofrem e aqueles que os contemplam. O espaço entre a visão e o gesto seria rapidamente ocupado pela palavra eloquente da emoção que o espectador passa a ter ao ver os sofrimentos de outros. A “política da pena”, como nos mostra Boltanski, separaria as pessoas entre aquelas felizes e aquelas infelizes, inserindo uma distância entre o sofredor e aquele que observa seu sofrimento, que a distinguiria da “política da justiça” porque não é da ordem da deliberação ou da argumentação, mas da emoção e da simpatia. Ela passa principalmente pela mobilização em torno de causas para as quais os cidadãos até então indiferentes são bruscamente convocados. Para compreendermos essas diferentes formas de falar do sofrimento que surgiram com o aparecimento dessa ideia de piedade, Boltanski propõe três formas estabilizadas de representação do sofrimento. As “tópicas”, que constituem em nossa sociedade os principais modos de engajamento moral do espectador. São elas: a denúncia (na qual o espectador não permanece nem no lugar da vítima nem das suas próprias emoções, com o objetivo de organizar, a partir das provas e do principio universal de justiça, seu julgamento), o sentimento (no qual o espectador simpatiza com o benfeitor e o infeliz) e a estetização (no qual o espectador emancipado dos imperativos morais e políticos simpatizaria com aquele que apresentaria a situação do infeliz em todo seu horror). A primeira seria fruto de uma indignação que consideraria o sofrimento do infeliz injusto, a segunda de uma sensibilização que tocaria o espectador e a terceira, uma experiência do tipo estético, não estaria relacionada nem à indignação nem à sensibilização, mas ao sublime. Em todas essas tópicas, para falar sobre o sofrimento de outros, o espectador mistura e evoca o sofrimento do infeliz ao mesmo tempo em que fala sobre o estado no qual se encontra 68

aquele que observa. Esta relação de se colocar no lugar do outro ao mesmo tempo em que reflete sobre seu próprio lugar, nos remete à reflexão da socióloga brasileira Bianca FreireMedeiros sobre o turismo social, quando a autora afirma que “os turistas, ao consumirem os objetos e práticas associados aos pobres, não querem ser como eles, mas pretendem consumir a própria diferença socioeconômica através dos símbolos associados à pobreza.” (FreireMedeiros, 2009: 33) Mas poderiam os consumidores das fotografias sociais ser interpretados como os turistas sociais estudados por Freire-Medeiros? Se para nós é difícil avaliar em que medida o sofrimento à distância traria para o espectador exigências morais ou mesmo uma dimensão política da ação, meu objetivo aqui é compreender de que maneira os produtores de imagens – fotógrafos sociais que buscam agir politicamente através não apenas da produção de imagens, mas nomeadamente através da transformação daquelas que já circulam em suas sociedades – imaginam sua dimensão política, que dialoga incessantemente com aquela que imaginam ter seus espectadores. Pois se face ao sofrimento de alguém seríamos impelidos a agir, como estão agindo tais fotógrafos? Sob que condições uma palavra, ou, poderíamos dizer, uma imagem do sofrimento poderia ser uma “palavra que age”? Esta é a questão que, segundo o autor, instaurou a crise atual sobre a ideia de piedade e ação humanitária, assim como as representações que constroem. Essa pergunta, como demonstrou Boltanski, toca diretamente nas dimensões políticas da vida cotidiana e pode ser comprovada nos argumentos de ambos os grupos de fotógrafos quando dizem, no caso brasileiro, que querem mostrar a beleza e não a “carência” das favelas, e, no bangladechiano, que não querem ser “refúgio” para a culpa ocidental, investindo na representação da luta e das reconstruções pelas quais passam frequentemente o povo do seu país.

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Jogos identitários e lutas simbólicas

Foto: Munem Wasif

Capítulo 2

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I don’t want to be your icon of poverty or a sponge for your guilt. My identity is for me to build, in my own image. You’re welcome to walk beside me, but don’t stand in front to give me a helping hand. You’re blocking the sun. (Shahidul Alam, em 91 vídeo realizado como trailer para seu livro My journey as a witness. )

Essas frases de Shahidul Alam, pronunciadas em uma performance gravada para o vídeotrailer do seu livro recém-publicado My journey as a witnees (2011), resumem de maneira poética a postura do fotógrafo e da agência e da escola que ele criou em Bangladesh. Bastante crítico das agências internacionais de ajuda humanitária e de desenvolvimento, Shahidul não quer ser visto como alguém que precisa de assistência, mas ser respeitado como igual. Posiciona-se como alguém do mesmo nível (social, político, intelectual) de seus interlocutores (estrangeiros), e luta para ser reconhecido como tal. Em suas falas, costuma chamar a atenção para o fato de que desenvolvimento não é uma questão meramente econômica: Development isn’t simply about money. What about developing mutual respect; enabling equitable partnerships; providing enabling environments for intellectual exchange? What about creating awareness of the underlying causes for poverty? These are all integral parts of the development process. When all things are added up, cheap images providing clichéd messages do more harm than good. They do not address the crucial issue: poverty is almost always a product of exploitation, at local, regional and international levels. If poverty is simply addressed in terms of what people lack in monetary terms, then the more important issues of addressing exploitation are sidelined. (Alam, 2007)

Respeito mútuo, igualdade de oportunidades, não hierarquização de posições, e compreensão das causas das situações de pobreza e discriminação existentes nas sociedades contemporâneas também são importantes para o grupo brasileiro, como veremos mais adiante. E as frases de Alam reproduzidas na epígrafe deste subcapítulo também poderiam ter sido ditas por um dos fotógrafos da Imagens do Povo. Se tivessem sido ditas, provavelmente seriam recebidas por estrangeiros às favelas e a Bangladesh da mesma forma, visto que ambos são vistos como lugares de concentração da pobreza. Mas de perto não significam a mesma coisa, dada a grande heterogeneidade existente tanto em um lugar, quanto em outro, e entre eles. Por serem vistos da mesma maneira, contudo, ambos os grupos passaram a elaborar respostas a estas representações exógenas de forma muito próxima, investindo em discussões políticas na área dos direitos humanos e das representações sociais. Ao tomar para si uma fala de um pobre genérico e exigir o direito de construir sua própria identidade, Alam toca em um ponto fundamental para os dois grupos: o direito de construção 91

O vídeo pode ser visto no link http://vimeo.com/23988961 e/ou no DVD em anexo. 71

de suas identidades e (auto)representações tal como as reconhecem. Ao se apresentar neste vídeo em idioma Inglês, no entanto, aponta para um diferencial relacionado ao público ao qual se dirigem os grupos: no Brasil, membros das classes média e alta da sociedade, além de outros populares, em Bangladesh, espectadores “ocidentais” imaginados - americanos e europeus envolvidos em produção de imagens sobre Bangladesh (ou mesmo sobre o “majority world”) e/ou em grupos de ajuda humanitária92. Outra diferença está relacionada ao formato no qual tais grupos se apresentam. Em Bangladesh, a escola Pathshala surgiu de uma parceria entre a agência Drik e a World Press Photo (WPP), uma organização fotográfica baseada em Amsterdã. No Brasil, a Escola de Fotógrafos Populares surgiu no mesmo momento que a agência Imagens do Povo como um projeto de parceria entre Ripper e uma OSCIP. Assim, se a agência bangladechiana luta para ser reconhecida como uma agência de fotógrafos independentes, a agência brasileira, mais nova que a asiática, às vezes se apresenta como uma agência-escola, às vezes como um "projeto social". Um dos retratados apresentados por Alam no vídeo acima referido, no entanto, tem sua fala reproduzida por Alam, seu mediador, em Bengali. Isto nos remete a uma contradição que funda a organização tanto da sua agência e escola, quanto da agência e da escola brasileira, e sobre a qual estão baseadas todas as suas lutas. Ao mesmo tempo em que afirmam que querem ser vistos como iguais a qualquer outro grupo social, é ressaltando suas especificidades e diferenças que se constituem enquanto grupo. Para a antropóloga brasileira Sylvia Caiuby Novaes, A identidade é evocada sempre que um grupo reivindica, para si, o espaço político da diferença. Nessas manifestações não há um interlocutor específico. São grupos que se dirigem à sociedade, de modo geral, ou a uma entidade tão abstrata como “o governo”. É nesse contexto amplo, de reconhecimento de semelhanças e diferenças, que se pode perceber a articulação entre poder e cultura, entre a vontade de resgate de autonomia e os caminhos para se chegar até ela, que passam, necessariamente, pelas trilhas da cultura, pois é exatamente no domínio da cultura que estes grupos (sejam mulheres ou índios) resgatam sua autonomia e reafirmam a sua diferença. (Caiuby Novaes, 1993: 27)

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Em sua dissertação sobre a Drik Picture Library, Hoek (2003) chama a atenção para o fato de que diversas imagens sobre Bangladesh foram massivamente divulgadas internacionalmente desde o momento de constituição do país, em 1971, e especialmente depois da grande fome que atingiu o pais em 1974. Estas imagens, divulgadas especialmente por organizações de ajuda internacional, marcaram a imagem do país até hoje e fazem parte das representações contra as quais Shahidul e Drik lutam com mais força. 72

Se no Brasil o incômodo dos fotógrafos está ligado às desigualdades da sociedade brasileira e à criminalização da pobreza, em Bangladesh o incômodo dos fotógrafos, que acontece em nível internacional, está ligado à desigualdade norte-sul e à criminalização de uma religião, a muçulmana, especialmente após o ataque às torres gêmeas americanas em 11 de setembro de 2001 e à instauração da “guerra contra o terrorismo”. Neste sentido, é interessante notarmos que o que reúne esses fotógrafos em torno desses grupos está fortemente relacionado ao desconforto de vivenciarem situações de violências simbólicas (e às vezes físicas) ligadas a preconceitos de estrangeiros. Isto vai ao encontro ao que Caiuby Novaes ressaltou, já em 1993: “que este nós coletivo, esta identidade “ampla” é invocada sempre que um grupo reivindica uma maior visibilidade social face ao apagamento a que foi, historicamente, submetido” (Caiuby Novaes, 1993: 25). Se o “apagamento” se dá por causa da baixa produção de “autorrepresentações” elaboradas pelos próprios grupos até a década de 90, não poderíamos afirmar que estes grupos eram pouco visíveis, mas massivamente representados a partir de um ponto de vista específico, e exógeno, seja da ótica da ajuda humanitária, seja da segurança. Assim, é preciso se debruçar sobre o devir sujeito-político desses indivíduos que, no caso desses grupos, acontece através de um devir-imagético tal como nos apontaram Gonçalves e Head (2009). A discussão política está no centro de ambas as escolas, que são especialistas em questões sociais e buscam uma formação dos alunos que vai além do aprendizado de questões técnicas e teóricas ligadas à fotografia, investindo em uma formação política. O processo de formação pelo qual passam os alunos formados pela escola Pathshala e os formados pela Escola de Fotógrafos Populares leva a reflexões sobre como esse devir acontece através da fotografia. Através dos valores que defendem e da maneira como se posicionam é possível compreender o que consideram boas e más representações. Para falar dos casos bangladechiano e brasileiro, o trabalho e a trajetória de dois fotógrafos: Munem Wasif, e seu ensaio sobre o islã em Bangladesh, e Bira Carvalho e sua documentação da “alma” da favela carioca. Antes, porém, é importante compreender o perfil dos alunos dessas escolas e o processo de formação pelo qual passam ao entrar nelas, pois ao buscarem uma formação em fotografia, muitos desses jovens não se consideravam ativistas nem viam a fotografia como uma prática militante. Ao passarem por elas, no entanto, quase todos passam a elaborar discursos politicamente engajados em favor dos “marginalizados”, ainda que nem todos tenham se tornado ativistas em prol destes através da fotografia. 73

2.1. Perfil dos fotógrafos Formando cerca de vinte alunos por ano, tanto a escola brasileira quanto a bangladechiana contam com uma maioria composta por homens, que retratam homens e mulheres, adultos e crianças. A turma de 2009 da Pathshala, por exemplo, contou com dezessete alunos, sendo quinze homens e duas mulheres93. A Escola de Fotógrafos Populares, por sua vez, formou dezenove alunos neste mesmo ano, sendo dez mulheres e nove homens. Mas se olharmos a quantidade de fotógrafos vinculados à agência Imagens do Povo, em 2011 havia quatorze homens e nove mulheres. Os homens são os que produzem mais imagens e os que tornam seus trabalhos mais visíveis dos dois lados. Entretanto, ainda que haja uma grande desproporcionalidade entre a quantidade de homens e mulheres formados por estas escolas, sobretudo em Bangladesh, há um aumento progressivo do número de mulheres tornando-se fotógrafas tanto em um país quanto em outro. Ao mesmo tempo em que isto nos aponta para a tradicional dominação masculina na produção de imagens, especialmente na fotografia documental e na jornalística, também nos aponta para outro importante ponto, apresentado anteriormente por Berntsen (2011) ao analisar as imagens produzidas pela Drik: a maioria das representações estereotipadas negativamente produzidas sobre essa população apresenta os homens como criminosos, terroristas, violentos e as mulheres como vítimas que precisam ser salvas. Ainda que isso apareça de maneira mais importante em Bangladesh, onde as mulheres usam véus e são muçulmanas (símbolos da “opressão feminina” no ocidente), essa observação também faz sentido quando pensamos sobre a sociedade brasileira. E são justamente os homens que reagem a essas interpretações. A maior parte das mulheres entrevistadas não apresentaram as mesmas questões sobre tais representações que seus colegas. Algumas fotógrafas bangladechianas, no entanto, estavam bastante interessadas nas questões femininas. Duas das fotógrafas que entrevistei para esta tese, Taslima Akhter e Jannatul Mawa, tinham trajetórias de participação em movimentos e/ou projetos sociais ligados aos direitos das mulheres e atuavam contra atos de violência praticados contra elas. Seus interesses aparecem em suas fotos, como é o caso do ensaio de Lima, como é conhecida 93

http://pathshala10.wordpress.com/ 74

Taslima Akhter, sobre as costureiras, objeto do terceiro capítulo desta tese, e o de Mawa sobre as guerrilheiras maoístas do Nepal, que infelizmente não será abordado aqui. A maioria dos jovens inscritos nas duas escolas possui entre vinte e trinta anos, e o segundo grau completo. No Brasil, ser morador de favelas é uma das características favoráveis no processo de seleção, o que aponta para uma discriminação positiva em prol dos populares. O candidato não precisa ter nenhuma formação básica em fotografia. O curso pretende cobrir desde a formação mais básica até a profissionalização. Já para ingressar no “Foundation Course in Photography”, o curso profissionalizante de três anos oferecido pela Pathshala, é exigido do candidato, entre outras coisas, o pagamento de uma taxa e uma formação básica em fotografia. A mensalidade tem preços diferentes para bangladechianos e membros da South Asian Association for Regional Cooperation (SAARC)94 e “estrangeiros”95, apontando também para uma discriminação positiva. Essas discriminações positivas estão diretamente ligadas aos processos de inversão das relações de poder nos quais tais grupos estão envolvidos. Em comum, também estimulam discussões políticas na área dos direitos humanos e das representações sociais.

2.1.2. Etapas da formação e da profissionalização 2.1.2.1 Da Escola de Fotógrafos Populares à Imagens do Povo Como objetivo-fim, a Escola de Fotógrafos Populares propõe-se a reunir um contingente de alunos oriundos de comunidades populares e capacitá-los a desenvolver, através da fotografia documental, um olhar crítico sobre seus territórios de origem. Ao longo do curso, cada aluno produzirá um ensaio fotográfico sobre aspectos pouco veiculados da vida nas favelas, em oposição à visão estigmatizante com que a grande imprensa frequentemente trata o tema, associando as comunidades populares apenas ao tráfico e à violência. (Conteúdo Programático da Escola Popular de Fotógrafos em 2009).

Os critérios de seleção para a Escola de Fotógrafos Populares mudam frequentemente. Dependem do formato em que o curso é oferecido a cada ano, o que depende dos financiamentos recebidos, visto que a proposta da escola é a de oferecer uma formação sem custos para alunos de baixa renda. Dentre seus principais financiadores, estão FURNAS,

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www.saarc-sec.org/ Em 2011 os valores eram: 6.000 BDT (algo em torno de U$74,00) para estudantes bangladechianos e da SAARC e U$640,00 para estrangeiros.

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UNICEF, Criança Esperança/UNESCO, Fundo Itaú de Excelência Social (FIES) e Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário da Prefeitura do Rio de Janeiro (SEDES)96, que proporcionaram a realização do curso respectivamente em 2004, 2006, 2007, 2009 e 2012. Em outros anos, sem financiamento, o curso de formação não foi oferecido, ou aconteceu no quadro da Escola Popular de Comunicação Crítica. Nos anos em que a formação não aconteceu, o projeto se manteve ativo através da sua agência-escola. A agência é o braço do programa voltado para a orientação profissional dos alunos, difusão e comercialização de suas fotografias e mediação entre clientes e fotógrafos que, mesmo antes de terminarem sua formação, podem ser pautados para trabalhos. Ela também oferece apoio à inserção profissional desses jovens, assistindo-os na prestação de serviços e elaboração dos seus projetos. Através dela, os clientes podem comprar fotografias disponibilizadas no banco de imagens e encomendar serviços fotográficos, e os fotógrafos podem ser indicados para documentações, exposições, workshops etc. Dentre as diferentes entidades, públicas e privadas, para as quais os fotógrafos trabalham, estão o SESC, a Casa Daros e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Eles também produzem fotografias para diferentes organizações não-governamentais. As pautas realizadas são acompanhadas pelos editores da agência, que além de mediarem a relação com os clientes analisam as imagens a serem apresentadas. Essas atividades garantem o sustento financeiro de alguns fotógrafos e colaboram com a sustentabilidade da agência, que fica com 20% do valor das pautas realizadas. Os fotógrafos que participam da agência cedem seus direitos e “concordam com a doação ilimitada de fotografias a organizações sociais que não disponham de recursos para o pagamento de direito autoral”97. A avaliação dos beneficiados é de responsabilidade da OSCIP na qual estão sediados, a Observatório de Favelas. Nos últimos anos, a principal formação oferecida pela escola aconteceu com duração de um ano98, com três módulos de 180h/aula totalizando 540h de curso. Os alunos formados receberam diplomas de Extensão Universitária da Universidade Federal Fluminense (UFF) 96

A SEDES financiou o escola através do projeto Rio Geração Consciente, um projeto financiado pelo programa PRONASCI do Ministério da Justiça que, em 2012, foi coordenado por Kita Pedroza, Dante Gastaldoni e João Roberto Ripper, que dividiam a coordenação da Imagens do Povo até o ano de 2010. Com este novo projeto, os três ampliaram a implementação do curso de fotografia para outras três favelas cariocas. 97 Do Projeto da agência-escola. 98 Além deste curso de longa duração, a escola também oferece cursos de fotografia artesanal (pinhole) para crianças. Este curso foi ministrado em 2009 pelo fotógrafo Bira Carvalho cujo trabalho será analisado ainda neste capítulo. 76

em três áreas de estudo: Linguagem Fotográfica; Informática Aplicada à Fotografia; Fotografia Documental e Olhar Autoral. A parceria com a universidade foi mediada pelo professor adjunto do Departamento de Comunicação Social desta universidade, Dante Gastaldoni, que também atua como coordenador acadêmico da Escola de Fotógrafos Populares da Imagens do Povo. Ao entrar para a escola, um aluno passa a ter cursos teóricos e práticos sobre: linguagem fotográfica, informática, edição de imagens e fotografia documental. O programa propõe discussões temáticas que abrangem desde a construção do olhar (e da fotografia) como forma de expressão ideológica até a análise de importantes trabalhos fotodocumentais e fotojornalísticos, passando pela questão ética na produção fotográfica contemporânea. Vejamos o conteúdo programático do ano de 2009: Módulo 1: Linguagem fotográfica. I. História da Fotografia, II. “Anatomia” da câmera fotográfica, III. Sistemas de controle em uma câmera fotográfica, IV. Características técnicas e estéticas das objetivas, V. Sobre grãos e pixels, VI. Luz natural, luz artificial e flash eletrônico, VII. Direitos Humanos, Cidadania e Direito à Cidade99. VIII. A narrativa fotográfica na ótica dos Direitos Humanos. Módulo 2: Informática aplicada à fotografia (cursos técnicos de Photoshop com a prof. Évlen Bispo e de RAW com o prof. Dhani Borges – não me deterei nos detalhes, que não são o foco desta pesquisa). Módulo 3. Fotografia documental e olhar autoral: I. Breve história do fotojornalismo, II. A implantação do fotojornalismo no Brasil, Fotografia editorial e criação artística, IV. A edição na fotografia.

Em 2009, os cursos aconteceram de segunda a sexta-feira, das 9h às 13h, e os professores tinham perfis razoavelmente diferentes (de fotógrafos a designers e comunicadores, passando por psicólogos e antropólogos, entre outros). Neste ano, o conteúdo programático também foi incrementado com um curso de introdução aos direitos humanos - “Direitos Humanos, Cidadania e Direito à Cidade”, oferecido pelo Núcleo de Direitos Humanos do Observatório de Favelas –, um de análise midiática -“Análise crítica e novas mídias”, oferecido pelo fotógrafo Ricardo Funari - e um de teoria das representações sociais - “A produção do olhar – 99

1. Breve histórico dos conceitos de Direitos Humanos e Cidadania: 1.1 Estado de Direito – marcos conceituais, história, atualidade. 1.2 Direitos Humanos como produto histórico dos movimentos sociais. 1.3 Conceito de Cidadania: o indivíduo como sujeito de direitos e deveres; espaços e formas de controle e participação social. 1.4 O papel da sociedade civil organizada. 2. Favela e Cidadania: 2.1 Representações sociais sobre os espaços populares. 2.2 O processo de estigmatização e marginalização dos moradores das favelas e demais espaços populares. 2.3 Direitos Humanos, Território e Políticas Públicas. 2.4 Direito à Cidade. 3. A violência letal entre adolescentes e jovens brasileiros: 3.1 Principais aspectos da letalidade de adolescentes e jovens no país. 3.2 Apresentação do Programa de Redução da Violência Letal. 3.3 Exibição e debate do filme Até quando, produzido pelo Observatório de Favelas, focalizando a política de segurança pública e as características da violência urbana, com ênfase na alta letalidade de adolescentes e jovens, aqui relacionada ao processo de estigmatização e marginalização dos moradores das favelas e demais espaços populares. 77

teoria das representações”, oferecido pelo Núcleo de Psicologia da UFRJ. É interessante notar que o curso sobre direitos humanos foi oferecido como item do módulo “Linguagem fotográfica”, independente do curso “A narrativa fotográfica na ótica dos Direitos Humanos”, ministrado por Ripper, e que os demais cursos foram oferecidos como atividades complementares, como o curso “A fotografia como ferramenta de inclusão Visual”, oferecido pelo fotógrafo e antropólogo Milton Guran. Muitos destes cursos acontecem de forma paralela, podendo o aluno ter um curso de Direitos Humanos na segunda-feira, de edição no Photoshop na terça, de História da fotografia na quarta e assim por diante. Um único curso durava toda a manhã. A organização do curso desta maneira demonstra que, mais do que uma simples formação em “cidadania”, os idealizadores do conteúdo programático compreendem a prática fotográfica e a produção de imagens como parte dos direitos dos populares. A consciência política do processo de elaboração de fotografias, por sua vez, aparece como uma ferramenta para atuação na área dos direitos humanos e para o exercício da cidadania. Através do conteúdo programático também fica claro que a escola está voltada para o fotojornalismo e a fotografia social. As aulas aconteciam na única sala de aula do Observatório de Favelas, que conta com um arcondicionado, um computador, um retroprojetor, alto-falantes e conexão gratuita e sem fio à internet. A agência tem uma sala própria, onde funciona também o Banco de Imagens, coordenado por Francisco Valdean, um dos fotógrafos sobre o qual refletirei no próximo capítulo. Nela, há oito computadores em rede com programas de edição e de tratamento de imagens, além de equipamentos fotográficos que podem ser utilizados pelos alunos inscritos. A cada ano, novos alunos formados pela escola tornam-se professores dela e das oficinas que oferecem dentro e fora da Maré. Este é o caso de Bira Carvalho e Francisco Valdean. Desde sua criação, a escola ganhou dois prêmios, de forma coletiva: o Prêmio Cultura Nota 10, em 2004, e o Prêmio Faz Diferença, em 2007. O primeiro foi um prêmio concedido pela Prefeitura do Rio de Janeiro ao projeto que mais se destacou na área educacional; o segundo um prêmio que o jornal O Globo concedeu a personalidades e instituições que se destacaram em suas áreas de atuação durante o ano. A escola foi vencedora na categoria Revista O Globo com um ensaio sobre diversão em favelas do Rio de Janeiro, publicado por sete de seus 78

fotógrafos. O ensaio foi publicado na capa da Revista ‘A favela se diverte’ (março de 2007) e a matéria contou com comentários dos fotógrafos sobre suas imagens. 2.1.2.2 Da Pathshala à Drik Picture Library Pathshala - South Asian Institute of Photography opened its doors for the first time in 1998 as an educational wing of Drik Picture Library Ltd. The teaching ethos at Pathshala is to encourage students to question their surroundings, their social practices and themselves. Students benefit from a rigorous regimen of workshops held in conjunction with partner organizations. (Ficha de admissão da Pathshala100)

A Pathshala oferece diferentes cursos de fotografia, do básico ao profissionalizante.101 Para realizar o curso profissionalizante de três anos, o “Foundation Course in Photography”, foco desta reflexão, o aluno deve preencher uma série de requisitos, tais como: ter concluído o ensino médio, ter proficiência (escrita e oral) em inglês, ter uma formação básica em fotografia e apresentar um portifólio impresso de dez fotos em tamanho 10”x8”. Além da preparação deste dossiê, o candidato também passa por uma entrevista. Ao ingressar na escola, um aluno passa por uma série de cursos distribuídos ao longo do ano em dois semestres. Os cursos tratam da história da fotografia, de técnicas relacionadas ao uso da câmera, dos diferentes tipos de filmes, do flash, da edição de imagens, da história do fotojornalismo, da elaboração de assignements (pautas/encomendas fotográficas) e da construção de portifólios. Os assignements (tanto a produção quanto a avaliação deles) têm um espaço importante no curso, assim como a elaboração de histórias e a discussão ética relacionada a elas e à propriedade intelectual. Os alunos também passam por cursos obrigatórios de inglês, especialmente no primeiro ano, como podemos ver no conteúdo programático de 2010: Y-1 FIRST SEMESTER: 1. Darkroom techniques, 2. Techniques of Photography–I, 3. Introduction to types of photography (portrait, landscape, street photography, still life, fashion), 4. History of Photography-I: 19th century (1824-1890’s), 5. English Language (mandatory) Basic level. 6 - Workshop: Basic Story telling (Part of the techniques of photography course) 7. - Workshop: Ethics and intellectual property (questions related to ethics) Y-1 SECOND SEMESTER: 1. Techniques of Photography–II, 2. Digital Photography-I (mainly Photoshop and digital imaging), 3. Studio Photography, 4. History of Photography-II: 20st century (1890’-1950’s & history of photography in Bangladesh), 5. English Language (mandatory) Advanded. Y-2 FIRST SEMESTER: 1. Documentary, 2. Art and Photography, 3. Photography, 100

Ver anexo 4. O departamento de fotografia da Pathshala oferece um curso básico de fotografia de quatro semanas, um curso de aprofundamento de oito semanas, um programa de um ano, um programa avançado de dois anos e um curso profissionalizante de três anos de duração. 101

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Film and Literature Y-2 SECOND SEMESTER: 1. Studio Photography, 2. Photojournalism, 3. Multimedia Journalism, 4. Visual Anthropology Y-3 FIRST SEMESTER: 1. Research Methodology, 2. Dissertation on their project about 5000 words, 3. Commercial photography, 4. Portrait photography, 5. Visual communication theories, 6. Workshop- On Editing Y-3: SECOND SEMESTER: 1. Personal Projects, 2. Professional Practice: Web design and publishing, 3. Professional Practice 2: Curatorial practice and Publication, 4. LectureContemporary photography and others.

Além dos cursos já citados, outros três chamam a atenção: os de antropologia visual, de métodos de pesquisa e de prática curatória e publicação. Preocupada com a elaboração de suas histórias, a Pathshala investe na formação de fotógrafos capazes de associar sua prática fotográfica a um trabalho de pesquisa e à elaboração de um produto final. Os fotógrafos formados por ela costumam criar suas próprias narrativas, seja através de ensaios fotográficos, seja através da combinação entre textos e imagens102. Quase todos os cursos são ministrados por ex-alunos da escola, como é o caso de Munem Wasif e Talisma Akhter. Em cursos como o de jornalismo multimídia, aprendem a utilizar diferentes ferramentas para divulgação de seus trabalhos, em especial a Internet. Através da rede mundial de computadores, investem na ampliação de suas redes de contatos e na circulação internacional de suas imagens. A rede social Facebook era uma das principais ferramentas utilizadas pelos novos fotógrafos durante a minha pesquisa. Ao voltar da minha primeira viagem a Bangladesh, por exemplo, recebi várias solicitações de amizade nesta rede de fotógrafos da Drik e da Pathshala que nunca tinha encontrado. Todos buscavam divulgar seus trabalhos e conhecer fotógrafos de outras partes do mundo103. Uma técnica bastante empregada para divulgação das imagens era a de marcar um enorme número de pessoas em uma fotografia publicada, fazendo com que ela fosse instantaneamente publicada no mural de cada um dos marcados. A escola possui várias salas de aula, uma biblioteca, uma secretaria, um laboratório de informática, um laboratório fotográfico, um estúdio e conexão gratuita à internet. A escola também tem um anexo com dormitórios, que costuma ser alugado para alunos estrangeiros de passagem pela cidade. Ela fica a alguns quilômetros de distância da sede da Drik, que conta com uma casa de três andares, sete departamentos (administração, fotografia, impressão, 102

Para ler mais sobre a importância da combinação entre texto e imagens na construção de suas histórias, ver Hoek (2003). Sobre a importância da escrita e da palavra em sociedades muçulmanas, ver Ferreira (2004). 103 A foto que eu tinha como perfil da rede social neste momento era um retrato meu com uma câmera fotográfica. 80

agência, internet, galeria e audiovisual) e mais de quarenta funcionários. Muitos alunos formados pela escola trabalham ou realizam estágios na agência, seja em um dos departamentos da Drik Picture Library, seja na agência de notícias ligada a ela – a DrikNews. A diferença da cobrança de valores a bangladechianos e estrangeiros para formação na escola, além de apontar para a discriminação positiva, aponta também para um caráter contraditório na proposta política da organização: a concepção de “faire traide” proposta por Shahidul Alam. Enquanto a Drik exige igualdade no pagamento de fotógrafos de diferentes origens no mercado internacional, a Pathshala propõe um pagamento diferenciado entre os seus alunos. Ainda que possam negociar individualmente o valor cobrado pelas inscrições, alunos não asiáticos pagam muito mais caro que os locais para realizar cursos na escola. Esta diferença de preços, incompreendida por estrangeiros não familiarizados com as propostas políticas da Drik/Pathshala que buscam uma formação fotográfica no país, gera incômodo. Durante meu trabalho de campo, pude presenciar uma tentativa de inscrição por parte de três estrangeiras que viviam em Daca e procuravam um curso básico de fotografia. Ao chegaram à escola, foram encaminhadas ao escritório administrativo onde foram recebidas pelo responsável que, após apresentar os diferentes cursos que oferecem, passou a fazer perguntas sobre a vida de cada uma delas (se moravam ou estavam de passagem pela cidade, o que faziam em Bangladesh etc.). Sem compreender o porquê de o homem as questionar sobre suas vidas particulares104 quando tentavam se informar sobre os custos de um curso, todas se sentiram invadidas e deixaram a escola descontentes ao descobrir que deveriam pagar um preço diferente daquele pago por alunos bangladechianos. Enquanto o responsável pelas inscrições buscava compreender o perfil de cada uma delas para ver se poderia enquadrá-las em alguma das exceções relacionadas aos diferentes preços propostos pela escola, elas interpretaram a diferenciação dentro de um quadro de violações que viviam na cidade onde, afirmavam, estrangeiros sempre pagavam mais caro. Este incômodo não parecia estar presente entre os alunos estrangeiros que realizavam estágios 104

Uma era dona de casa, uma era missionária em uma ONG e outra havia decido aproveitar o fim de uma formação para passar um tempo na cidade junto ao namorado, enquanto refletia sobre seus próximos passos profissionais. 81

na escola. Os valores provavelmente eram acertados anteriormente, através de pacotes que incluíam também a hospedagem. A maior parte desses alunos também estava especialmente interessada nas políticas da escola e na possibilidade de encontrarem fotógrafos locais. Neste sentido, ainda que haja uma grande circulação de estrangeiros na Pathshala105, uma das características que atrai os alunos locais para a instituição, não conheci nenhuma história de um estrangeiro que tenha se inscrito em seu curso de longa duração. Eles costumam ir a Bangladesh por curtos períodos para realizar estágios fotográficos de seus cursos regulares europeus. De acordo com o site da escola, o valor pago pelos alunos bangladechianos e da SAARC também pode ser negociado106. Segundo Alam, a escola se sustenta dessas cobranças. Os alunos inscritos podem concorrer a três bolsas de estudos: a “Alumni Scholarship”, uma bolsa para um(a) aluno(a) inscrito no primeiro ano, a “Khaled Mansoor Trust”, uma bolsa para uma aluna inscrita no primeiro ano e a “Chobi Mela”, uma bolsa para um jornalista rural inscrito no segundo ou no terceiro ano. Ganham estas bolsas os candidatos que “melhor as merecerem”. O objetivo é incentivar mulheres, campesinos e pessoas com baixa renda a participar, visto o pequeno número de candidatos inscritos com estes perfis. Além destas bolsas, outras, frutos de parcerias com instituições locais e estrangeiras, também podem estar disponíveis, dependendo das parcerias estabelecidas a cada ano. Intercâmbios internacionais e participação em programas colaborativos com universidades estrangeiras parceiras são possíveis e os alunos também participam de diversos workshops, palestras e conferências de importantes fotógrafos internacionais de passagem pelo país. Alguns exibem fotografias no Chobi Mela, o festival de fotografia organizado por Shahidul Alam. Ainda que reforcem a importância da fotografia em um país com grande índice de analfabetismo e que ofereçam bolsas baseadas em critérios econômicos, o fato de exigirem o ensino médio como formação mínima, terem o inglês como língua de ensino107 e cobrarem 32.000 BDT108 por semestre (em um país onde o salário mínimo mensal é de 1.800 BDT) delimita o público alvo da escola como proveniente das classes média e alta. 105

O Observatório de Favelas também costuma receber um grande número de visitantes estrangeiros interessados nos diferentes projetos que desenvolvem, e em especial na Escola de Fotógrafos Populares, sendo a maioria pesquisadores, e não fotógrafos, como é o caso da Drik. 106 http://www.pathshala.net/controller.php?view=photograph 107 http://www.pathshala.net/controller.php?view=photograph 108 Algo em torno de R$700,00 em 2012. 82

Apesar do foco na formação política dos jovens que entram para estas escolas, nem todos os alunos formados por elas se tornam ativistas. O que faz, então, com que alguns deles tomem para si a questão da luta identitária e da documentação da violência e da denúncia?

2.2 Como nasce um fotógrafo ativista bengali muçulmano109 Beard, Tupi (cap), Turban and Veil (Borka) have been made the most visible symbol of Islam by media and development interventions. But beyond these symbols lies a very different reality in the practice of Islam I grew up. It transforms, and is always in a process of transformation. (Wasif, In God we Trust110)

Bangladesh nasceu como um país secular. Ainda que tenha sido separado da Índia, em 1947, por ser de maioria muçulmana, quando conquistou sua independência do Paquistão, em 1971, através do Sheikh Mujibur Rahman (fundador do partido de centro-esquerda Awami League)111, tinha o secularismo, assim como o nacionalismo, a democracia e o socialismo como princípios que fundaram a sua constituição em 1972. Embora tenha existido neste país, desde a sua separação da Índia, uma tensão entre os favoráveis à criação de um Estado islâmico e aqueles que eram contra112, a religião não era uma das identidades dos militantes da esquerda do país, que até hoje defendem um Estado laico. O que faz, então, jovens fotógrafos ativistas que lutam pela preservação dos direitos humanos em seu país se apresentarem como "muçulmanos" (ou "politicamente muçulmano", como veremos) e se

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Não tratarei aqui das proibições quanto ao culto de imagens no Islã nem às restrições fotográficas que podem existir no seio desta religião. Não observei em Bangladesh (nem nas imagens que produzi nem naquelas elaboradas pelos fotógrafos da Drik e da Pashthala) as mesmas restrições experimentadas por Ferreira (2002) em seus estudos sobre os muçulmanos no Brasil. 110 http://www.munemwasif.com/stories/in-god-we-trust/ 111 Sheikh Mujibur Rahman, o “pai do Bangladesh”, é popularmente conhecido como Sheikh Mujib ou Bangabandhu (Bôngobondhu), amigo do Bengala. Foi o primeiro presidente a governar o país independente, através da Awami League, mas foi logo assassinado, em 1975, por oficiais do exercito. O novo presidente, Khondaker Mostaq Ahmad, tornou o jovem país uma república islâmica, mas também foi rapidamente removido do poder através de um novo golpe que levou o chefe do Exército que lutou ao lado do Sheik Mujib na guerra de independência como “freedom fighter”, General Ziaur Rahman, ao poder. Em janeiro de 2001, no entanto, antes mesmo do famoso ataque às torres gêmeas do Word Trade Center em Nova York, a primeira ministra da "República Popular de Bangladesh", Sheikh Hasina Wajed, filha do Sheikh Mujib, lançou uma reforma contra a ordem religiosa no país, mudando a emenda constitucional que fez de Bangladesh uma república islâmica em 1979 para seu original status de Estado laico. 112 Desde a sua independência, a presidência do país se alterna principalmente entre os membros dos dois maiores partidos, a Awami League (AL) e o Bangladesh Nationalist Party (BNP), que se apresenta como moderadamente islamista e oposto ao socialismo. A alteração dos partidos implica também em uma alteração na relação com o fundamentalismo religioso. Alguns meses depois de Seikh Hasina ter lançado a reforma religiosa acima mencionada, por exemplo, o BNP ganhou as eleições no país através de uma aliança política islamonacionalista (Cf. Codron, 2010). 83

ocuparem da documentação de Madraças e Mesquitas, considerando isso, como o fez Munem Wasif, como sua (única) prática militante?

2.2.1 Munem Wasif Munem Wasif é um dos jovens fotógrafos bangladechianos mais importantes da atualidade. Nascido em Comilla, Bangladesh, em 11 de abril de 1983, Wasif começou a receber importantes prêmios em seus primeiros anos como fotógrafo profissional113, depois de se formar na Pathshala. No começo da sua carreira, trabalhou para o Daily Star, um jornal local publicado em inglês, e para a DrikNews (durante dois anos), até que, em 2008, passou a ser agenciado pela agência francesa VU114, conhecida por sua postura crítica em relação ao mercado fotográfico e pela produção de trabalhos autorais sobre temas contemporâneos. Desde 2010 é responsável pelas aulas de fotografia documental na Pathshala. Sua trajetória é representativa da de muitos outros fotógrafos formados pela escola, que passaram pela agência e/ou terminaram como professores da Pathshala 115. Quando procurou a uma formação na escola, uma das coisas que mais lhe chamava a atenção era a quantidade de estrangeiros e fotógrafos renomados que circulavam pela escola. Por causa desta presença de estrangeiros, e da grande disponibilização de informações sobre prêmios, bolsas e concursos no exterior, os fotógrafos bangladechianos estão muito voltados para o público, prêmios, publicações e exposições fora do país. Ser reconhecido fora do país, e a partir dos padrões internacionais de uma “boa” fotografia jornalística e/ou documental aparece como um dos pontos altos da profissionalização deles. Assim, além dos prêmios internacionais, Wasif também já publicou e expôs suas fotos em diversos países. Em muitos dos prêmios, bolsas, exposições e/ou publicações internacionais das quais os fotógrafos participam, as conexões internacionais de Shahidul Alam, ou mesmo sua presença no júri ou no comitê de seleção de projetos, garante não apenas a divulgação dessas 113

Dentre suas principais conquistas estão: a participação na Joop Swart Masterclass, do World Press Photo, na Holanda, e a menção honrosa no All Roads Photography Program da National Geographic Society, nos EUA, em 2007; o prêmio F25 International Award for concerned photography, da Fabrica, na Itália e os prêmios Young Reporter Award do Festival du Scoop of Angers e Jovem Repórter da cidade de Perpignan/Festival Visa Pour l’Image, ambos na França em 2008; o prêmio Commission on water, do Prix Pictet, o prêmio do banco suísso Pictet & Cie, em 2008 e dois prêmios no Japão em 2010: o Sagamihara Photo Asian Prize do Sagamihara Photo Festival e o Public Prize no Days Japan international Photojournalism Award. 114 http://www.agencevu.com 115 Taslima Akhter, por exemplo, recebeu seu primeiro assignement, sobre as Garment Workers, através da Drik. 84

oportunidades entre os jovens, mas também sua participação em muitas de suas conquistas. A importância de Shahidul na formação, mas também nas mediações das conquistas profissionais desses jovens fica clara no trecho abaixo, retirado de um texto que o fotógrafo Saiful Huq Omi escreveu em homenagem ao aniversário da Pathshala em 2011: We hardly get the opportunity to see him anywhere other than in the class, he was always busy- the busy bearded guy never had much time for ‘adda’116 and always had time for something ‘serious’. I hated that, never to realize if he weren’t busy we would not have been someone who we are today and would become tomorrow. He walked for us, he ran for us, he crawled for us, he traveled a million miles for us, and he has scarified so much just that we have a better future. Me, an arrogant young soul was never wise enough to understand all these. (Saiful Huq Omi, Give Us Another Decade! - A Tribute to My Teacher, "nota" publicada em sua página pessoal do Facebook117)

Alam já participou do júri e/ou do comitê que indica trabalhos a serem avaliados em muitos dos prêmios que Wasif e Omi já ganharam, como o do Prix Pictet, da National Geographic e o prêmio oferecido pela World Press Photo. Abir Abddulah118, um dos primeiros alunos formados pela Pathshala, em 1993, e atual professor da escola, chegou a fazer parte do júri internacional da WPP em 2011. Além do reconhecimento dentro e fora do país, os prêmios também podem proporcionar uma grande recompensa financeira. Com o prêmio do Visa Pour l’Image, por exemplo, Wasif recebeu 8.000€ (algo em torno de 800.000 BDT), numa época em que recebia 10.000BDT pelo trabalho que desenvolvia na DrikNews119. Logo em seguida, Wasif ganhou outro prêmio de 20.000€120. Com a sequência de premiações financeiras, Wasif afirmou, em um depoimento no Delhi Photo Festival em 2011121, que acreditava ter ficado rico. Transbordando de excitação, escreveu um e-mail contando as novidades para Shahidul, que o estimulou a voltar para Bangladesh e dividir o que tinha aprendido, assim como os contatos que tinha adquirido, com os novos fotógrafos do país. Shahidul acreditava que Wasif deveria construir algo para a geração futura, pois “todos os dias há fotógrafos ganhando prêmios e sendo esquecidos”. 116

Em português: bate-papo ou "papo-furado". Ver no anexo 9 ou no link: https://www.facebook.com/note.php?note_id=187188624660054 118 www.abirphoto.com 119 A Drik é conhecida por cobrar caro por seus serviços e pagar menos que jornais locais aos fotógrafos. Mas mesmo ganhando menos que no jornal em que trabalhava antes de entrar para a DrikNews, Wasif considerava o trabalho que realizava compensador. 120 2008 foi um ano excepcionalmente importante para Wasif, que ganhou seis importantes prêmios internacionais, com diferentes projetos. 121 O vídeo está disponível no link http://www.youtube.com/watch?v=Rlh1Q1Nemgw e no DVD em anexo. 117

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Wasif voltou; em Bangladesh, como no Brasil, há um forte senso de colaboração entre os fotógrafos dessas escolas em prol de algo maior – o empoderamento do seu grupo social. Mas com os prêmios que ganhou, e com o contrato que assinou com a agência francesa VU, Wasif passou a viajar frequentemente para a Europa. Nestas viagens, conheceu fotógrafos e editores com quem trocou ideias, mostrou imagens e propôs trabalhos. Nesses encontros ouviu muitas sugestões, das quais algumas levou à diante, outras não. Alguns editores sugeriram-lhe fotografar em cor (Wasif fotografa essencialmente em preto e branco) e viajar para lugares onde “as coisas estão acontecendo”, como Cabul (por causa da guerra) ou Katmandu (por causa do movimento maoísta). Mas Wasif não se interessa por este tipo de registro: “I’m not like a photojournalist guy, where I have to cover news. I was doing this history because it was close to me it was my country, it was my people. And these histories are importante to me.” (Munem Wasif, em depoimento no Delhi Photo Festival122, grifos meus) A urgência da produção fotojornalística foi uma das coisas que lhe aportaram frustrações enquanto trabalhava para a DrikNews. Uma vez decidiu continuar a desenvolver um assignement que recebeu da agência por outros dois anos, por conta própria, por não ter considerado os dois dias propostos pela agência suficientes para cobrir a complexidade do tema retratado. O tempo da documentação é algo importante para ele, assim como para outros fotógrafos da Pathshala e da Escola Popular de Fotógrafos, no Brasil. Para eles, elaborar uma pesquisa e se aproximar das pessoas é um dos principais requisitos para a elaboração de uma boa documentação. Ainda assim, trabalhar na Drik (seja no estúdio, na DrikNews ou em outro departamento da agência) se mostrou como uma etapa importante na formação de Wasif, assim como de outros importantes fotodocumentaristas contemporâneos de Bangladesh. Com o prêmio da F25 International Award for concerned photography, em 2008, Wasif ganhou uma bolsa para fazer um estágio de um ano na Fabrica123, uma espécie de laboratório para jovens talentos do centro de pesquisas em comunicação da Benetton, na Itália. Durante este estágio, conheceu o fotógrafo Piero Martinello, que se tornou um dos seus melhores amigos na Itália. Piero estava trabalhando em uma história sobre o terrorismo, e pediu para fotografá-lo dizendo que ele parecia com algo próximo a eles. Wasif se divertiu com a 122 123

http://www.youtube.com/watch?v=Rlh1Q1Nemgw www.fabrica.it 86

história, e posou para o amigo. “Ele é um excelente retratista”, ele disse. Gostou tanto da foto que a usou como a imagem do seu perfil no Facebook por quase dois anos. Algum tempo depois, já de volta a Bangladesh, ele recebeu uma ligação da Colors, uma revista editada pela Fabrica, dizendo que eles estavam interessados em publicar sua foto na capa. Wasif demorou um momento para entender que estavam interessados no seu retrato elaborado por Martinello, e não nas fotografias que ele mesmo tinha produzido durante seu estágio na Itália. Escolheram seu retrato por verem em seu olhar algo que expressava ao mesmo tempo inocência e arrogância. Wasif ficou surpreso, e contou que os editores da revista queriam sua autorização, mas não contavam pagar pela publicação da sua imagem. Imaginaram que ele, sendo um jovem fotógrafo que tinha passado pela Fabrica, ficaria muito contente em ter sua foto publicada na capa da revista. Também não pretendiam pagar seu amigo, que igualmente tinha passado pelo estágio. Wasif não aceitou, exigindo um pagamento. Recebeu, então, enquanto retratado, pelo uso da sua imagem, ainda que seu amigo, o fotógrafo, não tenha sido pago. E a foto foi publicada na capa da revista.

A revista foi publicada com a manchete “Cease-fear” (“cessar-medo”), um jogo de palavras com a expressão “cessar-fogo”, conhecida como o primeiro passo para um tratado de paz em 87

conflitos armados. Ao acessar o link da revista124, além da manchete, nos deparamos com o seguinte texto: “Colors 75 examines the fear of terrorism and its consequences: From traveling, daily life and the little frailties we can smile at, to the often-concealed violations of human rights committed in the name of security”125. O texto aponta para alguns pontos importantes da experiência de Wasif, enquanto muçulmano na Europa: o medo que as pessoas sentiam dele, por ser muçulmano, e as violações aos direitos humanos que sofria em nome da questão da segurança. Quando recebeu o pedido do seu amigo para fotografá-lo, Wasif já estava trabalhando na sua própria história sobre o islã em Bangladesh. A ideia surgiu ainda na Itália, e a partir das experiências que teve em viagens à Europa, onde sentia frequentemente olhares desconfortáveis em sua direção. Costuma repetir a história de que via pessoas olhando pra ele com desconfiança, ou mesmo hostilidade, tanto no metrô de Paris, na França, quanto nos momentos de passar pela imigração, nos aeroportos. Afirma ter sofrido muitos preconceitos em suas viagens, especialmente após os ataques às torres gêmeas americanas, em 11 de setembro de 2001. Acredita que esses preconceitos estão relacionados ao fato de vir de um país onde a maior parte da população é muçulmana. Ao dizer que sente que muitas vezes o tratam como suposto terrorista, associando o fato ao ataque às torres gêmeas americanas, Wasif nos mostra que o 11 de setembro também se tornou um marco na sua história de vida. Segundo a antropóloga Sayema Khatun, professora da Jahangirnagar University, em Bangladesh, no processo histórico, o Islã tem sido pensado e fortalecido como uma ideologia de contrapoder e de resistência à hegemonia ocidental/americana. (Khatun, 2010). Esta relação entre o islã e um ativismo de esquerda parece ter se intensificado com os ataques às torres gêmeas americanas em setembro de 2001. Para a autora, esta onda de religiosidade, com facetas multidimensionais, tem se cristalizado nos discursos dominantes e subordinados, na vida social e política, e pode ser capturada nos diálogos, nas conversas, na mídia, nas atitudes e comportamentos, nos rituais e nas celebrações públicas em Bangladesh. Wasif está ciente dessas lutas políticas e quer participar delas através de imagens. Através da sua própria imagem (mantendo uma barba e autoproclamando-se um muçulmano, mesmo sem 124 125

http://www.colorsmagazine.com/magazine/75 Idem. 88

praticar a religião) e de suas fotos, ele pretende mostrar outras imagens de muçulmanos e dos bangladechianos. O fato de usar barba traz implicações das quais o jovem também está consciente, ainda que jogue com isto. I have this bear for almost 10 years. So in the beginning people think I’m a poet. Then, after two year, people think I’m a ganjako, then after 4 year they think I’m a Romeo, something like my girlfriend had left me. Then 6 years after, when this 9/11 happened, then they think I’m a radical islamist. So the meaning of this bear had changed so much in my life… now this is just a bear that have no meaning to me. Is simply just bear, I’m too lazy to shave. That’s it; there is no other reason. (Wasif, Dheli Photo Festival)

Ainda que chame a atenção para o fato de que sua barba é “apenas” uma barba, Wasif tem consciência de todas as implicações simbólicas da escolha de portá-la, tanto para muçulmanos quanto para europeus não-muçulmanos, preocupados com o terrorismo islâmico. E isso o incomoda, como podemos ler também na apresentação do seu ensaio “In God we Trust”, escrita por Christian Caujoulle e publicada no site da Agência VU: This is striking as external signs such as the headscarf, cap or beard can often be interpreted as signs of fundamentalism and therefore danger, rather than as a sign of cultural identity. These attitudes are obviously unpleasant for Wasif, but they are not found in his experience of his own country. This simplistic misrepresentation is an image found in the media and one that does not reflect the complexity and diversity of the situation. So Wasif decided to observe and show Islam as practiced in his immediate environment. (Christian Cajoulle126)

No seu depoimento no Dheli Photo Festival 2011, Wasif contou ainda que até seu pai lhe disse uma vez: “faça essa barba, seja um gentlement, e vá para a Europa”, antes de ele embarcar para uma de suas viagens. E ele respondeu: “se eu tenho que ser um gentlemen para ir para a Europa... Ou eu vou assim, ou eu não vou. Ou eles aceitam quem eu sou, ou eles não aceitam. Por mim, tudo bem.”. E manteve a barba. Para Wasif, esta barba, que guarda tantas referências simbólicas, era a sua barba, símbolo também da sua identidade, que gostaria de preservar. Em sua página pessoal do Facebook, no entanto, Wasif indica que sua religião é a “politicamente muçulmano" ("politically muslim”), esclarecendo seu interesse (político) nessas discussões simbólicas. E constrói também seu argumento fotograficamente.

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http://www.agencevu.com/stories/index.php?id=1045&p=232 89

2.2.2 "In God we trust": uma documentação politicamente muçulmana. “In God we trust” foi o título dado por Munem Wasif a seu ensaio sobre o islã em Bangladesh. Escolheu este título, que em português significa “Em Deus nós confiamos”, por causa da frase impressa no dólar americano127. A impressão da frase no bilhete americano é, por si, motivo de muita polêmica nos EUA. Alguns acreditam que ela contradiz a proposta de separação entre o Estado e a Igreja, outros acreditariam que ela infringe o direito daqueles que creem em mais de um Deus (por fazer referência a apenas um, no singular) e o dos que não creem em nenhum. Provocativamente, Wasif escolheu este lema e sua referência a Deus (um único, como acreditam os muçulmanos) para intitular seu ensaio sobre o islã, um dos maiores inimigos do Estado americano (e da Europa) atualmente. Não cabe aqui uma reflexão profunda acerca da imagem dos muçulmanos nos EUA e/ou em países europeus como a França, a Inglaterra e a Dinamarca hoje, mas vale ressaltar que a “Guerra contra o terrorismo” levada a cabo pelos EUA após o 11 de setembro de 2001, com apoio dos principais países europeus, foi a principal responsável pela disseminação massiva das imagens negativas dos muçulmanos em boa parte do mundo ocidental. Bangladesh nunca figurou na lista dos países mais temidos. Ainda que tenham sido divulgadas notícias de que membros do Talibã e da Al-Quaeda entraram no país logo após o ataque ao World Trade Center em 2001, e ainda que muitos muçulmanos bengalis tenham protestado contra a guerra instaurada, o governo bangladechiano se posicionou, desde o princípio, ao lado dos EUA. Por esta razão, um dos editores que Wasif encontrou na Itália lhe sugeriu uma vez que ele realizasse sua história sobre o islã no Paquistão – “Você sabe, Bangladesh não é um país interessante. Vá ao Paquistão. Faça uma história sobre o islã no Paquistão”. Ainda que a história de Bangladesh tenha sido por muito tempo atrelada àquela do Paquistão, Wasif não queria documentar a religião neste país, mas no seu. Queria fazer uma história sobre aqueles próximos a si, e mostrar o islã que ele mesmo conheceu. Sugeriu que o editor enviasse outro fotógrafo ao Paquistão, “alguém de Nova York”, disse ele, e o convenceu a desenvolver seu tema como desejava. 127

Esta frase é também o lema nacional dos Estados Unidos desde 1956. 90

Para este ensaio, Wasif produziu muitas imagens, fotografando sua família e seus amigos em importantes rituais, momentos de descontração, estudo, intimidade e de lazer. Há cenas do cotidiano, alguns protestos e nenhum conflito. As fotos que aqui apresento foram publicadas no seu website pessoal128. Devem ser “lidas” da esquerda para direita, de cima para baixo. Foram apresentadas na ordem em que aparecem no site, junto com os sete painéis de texto que publicou, e sem nenhuma legenda. Durante a minha pesquisa, no entanto, solicitei a Wasif que me enviasse algumas frases explicativas sobre cada foto, para que eu pudesse compreendê-las melhor. Inseri a lista das “legendas” logo após suas fotos, para que o leitor possa acessar facilmente todas essas informações. Ao decidir não publicar as legendas das fotos em seu site, Wasif limita a compreensão das imagens individualmente, mas aponta para o público ao qual se dirige: fotógrafos e editores intencionais da fotografia. Mas ainda que tenha o desejo de se comunicar essencialmente através das imagens, e que através delas nós possamos acessar importantes momentos de intimidade das pessoas que conhece, assim como a riqueza da complexidade da representação que elabora, há informações sobre a vida dessas pessoas que só nos são acessíveis através do diálogo com as legendas que ele enviou posteriormente. Neste sentido, decidi considerá-las para esta reflexão.

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www.munemwasif.com 91

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Lista de indicações sobre o que vemos nas imagens, enviadas por Munem Wasif por e-mail em 18 de março de 2012: 1. On celebration of Qurbani Eid (Festival of Sacrifice), Ferdous and his family are going to his father’s graveyard to ‘Ziarat’, the prayer for late Muslims. 2. A cow has been slaughtered in the name of Allah on the eve of Qurbani Eid. ‘Imam’ of a mosque is waiting for the second while other people were trying to put it on ground to process. 3. A slaughtered cow: ‘Festival of Sacrifice’ or Qurbani Eid is an important religious event celebrated by Muslims worldwide to commemorate the willingness of Ibrahim to sacrifice his son as an act of obedience to Allah, but instead was able to sacrifice a ram (by Allah 's command). 4. Topu, a young photographer at home. He is taking a nap on ‘Jainamaz’ (the prayer rug) after ‘Johor Namaz’ (midday prayer). 5. A gathering of Muslims during ‘Jumma-tul-bida’ (last Friday prayer of Ramadan) in front of ‘Baitul Mukrram’ – the national mosque. 6. Munmun - a young doctor is getting ready to go to hospital. She has started wearing ‘hijab’ after returning from Hajj. She considers ‘hijab’ as one of the most important things in her life. 7. According to Muslim marriage system both bride and groom has to say ‘Kabul’ or ‘Yes’ for three times in front of witnesses. Fatima Begum is crying holding her mother before saying ‘Kabul’. The groom sits separately until the marriage registration is done. 8. Reetu - a newly wed visits her grandmother-in-law for the first time. 9. Shibly - with his wife Mili and two daughters are spending some family time at Ramna Park on weekend. 10. Munmun is praying in her ‘Maghreb Namaz’ (the twilight prayer) after fasting in Ramadan. 11. Mother is mourning over her child’s sudden death, while others are trying to consol her. 12. Bahar is burying his little son, Raihan. There is a saying in Bangal that the heaviest burden on a father’s shoulder is his dead son. 13. Roksana Salam, a fashion designer is preparing her model before the photo shoot. She is the only designer in Dhaka who designs ‘hizab’ or ‘abya’ for women. 14. Reetu and her friend, Topu, are in a holiday in Cox’s Bazar sea beach. 15. Sadab taking photograph in a studio after coming from Hajj. 16. A young executive, Himika and her friends have a private party in Eid holiday. Alcohols are not legal in the country but sometimes it is available in private parties. 17. Gathering of thousands of followers of Charmoni’s ‘Pir’ in Paltan against the reformed policy on the women by government authority. Dhaka. 18. Followers of Charmoni’s ‘Pir’ wait in Paltan. They gathered for a protest against the reformed policy on the women by government authority. 19. A little boy in a hair-cutting salon at Bihari camp on Friday before ‘Jumu’h Prayer’. It is custom to have a hair cut before the prayer on Friday. 20. A ‘Muezzin’ – the chosen person to lead the prayers is giving ‘azan’ (call for prayer) from a mosque minaret. 21. Everyone is performing ‘ozu’ – ablution before saying the afternoon prayer ‘Asar’ at a Madrasah. 22. Students start their study from the dawn at Madrasahs. Students get their Breakfast after studying for three hours. One of the students is going home for the breakfast who lives nearby. 23. A student is reciting from the Quran – a task which has been assigned by his teacher in a Madrasah. 24. Goni Pagla, a vagrant devotee in a mazar with his loving company. A mazar (shrine) is a visiting place for Muslims for blessings. People like ‘Goni Pagla’ live in Mazar as a servant of the ‘Sufi’ (saint). 25. A female devotee in a queue at Old Dhaka's Hossaini Dalan Imambara prior to the celebration of Ashura. The first day of Muharram is celebrated as the Islamic New Year that bears significance to both Shia and Sunni communities all over the world. 26. Photograph of spiritual leader in Manikgonj garapara. 27. Devotees are mourning in the remembrance of the Battle of Karbala when Imam Hussain Ibne Ali the grandson of Muhammad(sm), the last prophet of Islam, a Shia Imam, were killed by the forces of the second Umayad and Yazid. They chant 'ya Hussain…ya Hussain' with chest beating (Matam), some are in trance, and some starts crying or hold each other in pain in remembrance of Imam Husayn. 28. Traditional band parties are playing music on Muharram, Manikgonj. 29. A symbolic protest on December 14th against martyred intellectuals who were killed in 1971 by Pakistani army and the collaborators — Razakar, Al-Badr and Al-Shams. 30. Sculptors, painters, artistes and writers joined the teachers and students of Dhaka University in a street protest against the removal of the statue of ‘Bangla Baul’ – a cultural symbol from the airport road roundabout under pressure from religious zealots.

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Neste ensaio publicado em seu site, Wasif apresenta as imagens em ordem e quantidade diferente daquela apresentada no site da agência VU129, onde ele foi disponibilizado inicialmente. Lá, há mais fotos de protestos e madrassas130, e uma foto de uma circuncisão. Outra diferença está relacionada à forma de apresentação das imagens. Em seu site, as fotos são apresentadas em grande formato, uma ao lado da outra, obrigando o leitor a ver uma a uma na ordem em que ele escolheu. Já no site da VU, ainda que as fotos apareçam em médio formato, apresentadas em uma sequência automática, o leitor tem acesso a todas as miniaturas das imagens, podendo acessá-las na ordem que lhe interessar. Questionado sobre as mudanças realizadas na seleção das imagens e na forma de apresentar o ensaio, Wasif disse que: The selection you see in Vu website is more wide selection and I have submitted the work in the early stage of the work. Now I have thought about whole selection process and thought I should make it tighter. And the way you see the work in web, you have scroll from left to right, more like exhibition. Where each picture is related with each one. And in Vu site you see the photos one by one. To be more specific I have gone through my edit and thoughts there are too many Madrasah photo and protest photos looks very news, doesn’t go with rest of work. (Wasif, em email enviado em 18 de março de 2012).

Ao dizer que as fotos de protestos parecem fotos de “notícias”, Wasif faz referência às imagens produzidas por fotojornalistas, aquelas com as quais não se identifica. Imagens de protestos, quando feitas por militantes, não costumam ser exibidas ou publicadas, restringindo-as à documentação histórica ou registro do acontecimento. Já as madrassas são frequentemente documentadas e apresentadas como “escolas de terroristas”. Wasif acredita que o modo de apresentar as imagens deve mudar de acordo com o formato em que são exibidas (internet, exposição, palestra ou publicação) e com o público ao qual as são dirigidas. “I think the edit should be change in every form, it’s depend where you show it and how you show it. If I make exhibition I will have different edit and also if make edit I go put more photos may be because people look at the book differently.”, ele disse, apontando para o fato de que as pessoas olham para as imagens de maneira diferente quando as veem em um website, em uma exposição ou em um livro. Quando exibe suas imagens em exposições, por exemplo, Wasif costuma inserir legendas. Mas ao publicá-las em seu site optou por apresentá-las sem legenda: “I think its very boring to read caption for every image in the web. So I thought its better to put text in middle of story. 129

http://www.agencevu.com/stories/index.php?id=1045&p=232 Madrassa é a palavra árabe para escola (secular ou religiosa). No Ocidente tem sido frequentemente utilizada para se referir à escolas religiosas islâmicas. 130

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And I work on stories so for me these panels give much appropriate look.”. Outro motivo que o fez tomar tal decisão é o fato de trabalhar sobre histórias, e não fotografias individuais. É a sequência das fotos, combinadas, que é capaz de mostrar a força do seu argumento. Refletir sobre o ensaio como um todo, então, é importante porque nele podemos ver, além de cada instante documentado, a intenção do autor de criar uma narrativa. Ao refletirmos sobre seu modo de narrar, é também possível compreender as relações que estabelece entre textos e imagens para a construção da sua representação. Para sua história sobre o islã, Wasif fotografou pessoas tão próximas de si quanto sua irmã Munmun, que passou a usar um véu (hijab) depois de ter feito a peregrinação a Meca (hajj) com seu pai em 2009; seu amigo Topu, professor e fotógrafo formado pela Pathshala que se sentiu atraído pelos princípios ortodoxos do islã; sua mulher Reetu, uma ativista teatral e Shadab, um ex-aluno da Pathshala que trabalhava como assistente de Shahidul na Drik em 2010. Dentre os diversos temas que aparecem sob o grande tema do islã, há ritos relacionados ao Ramadã, como o Eid Al-Adha (ou Festival do Sacrifício), o festival que antecede a peregrinação à Meca; um casamento, um enterro, rezas (salat) e madrassas. Wasif fotografa de perto, utilizando uma lente de 28mm 1.8 em sua Canon 5D. Mas em suas fotos não há contato visual entre ele e aqueles que fotografa, como acontece frequentemente nas fotos produzidas pelos fotógrafos da Imagens do Povo. Neste ensaio, apenas na última foto, aquela da manifestação de artistas e intelectuais contra a retirada da estátua do “Bangla Baul”, há pessoas que olham para a câmera. A cumplicidade é explicitada de outra maneira, através dos nomes que aparecem em suas legendas e dos momentos de intimidade aos quais tem acesso. Das fotos apresentadas neste ensaio, duas chamam a atenção: a foto de sua mulher, Reetu, com seu amigo Topu, dentro do mar, em Cox Bazar e a foto da festa na casa de Himika.

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A foto de Reetu e Topu é apresentada depois daquela onde vemos Topu com seu tupi e sua kurta dormindo em seu Jainamaz, o tapete muçulmano usado para rezas. Também já vimos no ensaio duas fotos da sua irmã Munmun com seu hijab, onde ela aparece rezando em uma delas. Há ainda uma quarta foto, onde uma moça aparece ajustando o véu de outra. Sem a legenda - “Roksana Salam, a fashion designer is preparing her model before the photo shoot. She is the only designer in Dhaka who designs ‘hizab’131 or ‘abya’ for women” -, dificilmente compreenderíamos que se trata de uma modelo e uma “fashion designer”, interpretando-a como o retrato de duas amigas que se preparam para sair. Logo após a apresentação desta última imagem, Wasif nos fala sobre a imagem de muçulmanos e muçulmanas no ocidente: véus, burcas, tupis e turbantes são vistos como símbolos de uma religião que ele afirma ter conhecido de maneira bem diferente, nos apresentando o retrato situado acima. Imagens de um jovem que em um momento aparece rezando, usando roupas e acessórios tradicionais, e em outro se banha no mar com uma mulher que não é da sua família podem parecer contraditórias para um leitor desavisado. Mas não são para Wasif, que através da sequência de suas fotos busca humanizar esses diferentes personagens e suas práticas religiosas, personagens esses que vivem próximos e respeitam suas diferentes práticas religiosas. Essa é uma das imagens que Wasif nos apresenta da flexibilidade e da tolerância 131

“Hizab” é a maneira como escrevem “hijab” (véu) em Bangladesh. 100

religiosa. A segunda imagem que trago para reflexão, neste mesmo sentido, é a imagem da festa privada na casa de Himika, uma jovem executiva que recebe amigos durante o feriado do Eid, que celebra o fim do Ramadã.

Nesta imagem, vemos garrafas de vinho em primeiro plano e Himika relaxada no sofá com um cigarro na mão. Além dela, vemos dois homens, um de cada lado, em um plano intermediário entre o dela e a mesa com as bebidas. Na legenda elaborada por Wasif, lemos: “Alcohols are not legal in the country but sometimes it is available in private parties”. A proibição do consumo de álcool no país acontece de maneira ainda mais forte durante o Ramadã, o mês do jejum ritual (suam). Mas ainda que sejam proibidas, bebidas alcóolicas são comercializadas em bares, restaurantes e hotéis locais, especialmente para estrangeiros e membros da elite. Elas também podem ser adquiridas de maneira ilegal em todo o país. Curiosamente, Bangladesh fabrica sua própria cerveja, produção justificada pela comercialização para bares e clubes de expatriados e casos de exceção no país (titulares de passaportes de países não muçulmanos, funcionários das Nações Unidas, portadores de um atestado/autorização médica). A relação entre a proibição, o acesso e a aceitação (em geral em ambientes privados) do 101

consumo de álcool nos aponta para a flexibilidade em relação a estas interdições, mesmo entre muçulmanos, neste país. Em minha segunda viagem a Daca, durante o Ramadã de 2010, também vi muitos homens fumarem discretamente em seus carros ou em pequenas vendas de chá na rua, onde o proprietário pendurava um tecido na frente, escondendo dos olhos de quem passava na rua homens aglomerados tomando chá e fumando cigarros (ambos proibidos durante o jejum). Mulheres não fumam em público, ainda que muitas fumem em suas casas. Na sede da Drik ou em restaurantes frequentados por ocidentais, no entanto, mulheres fumando é amplamente aceito. A escolha de Wasif de publicar esta foto, com garrafas de vinho e uma mulher fumando em uma celebração ligada ao Ramadã nos aponta para uma visão não-radical da religião no país. Para ele, a prática religiosa está absorvida nas práticas cotidianas, e não é vivenciada da forma fundamentalista como muitas vezes apresentam seus “outros”. Fazendo um paralelo com o Brasil, poderíamos olhar para a prática dessa religião da mesma forma como o catolicismo é praticado neste país, o “maior país católico do mundo”. Ainda que no Brasil existam igrejas em todos os lados, enormes peregrinações e romarias (de Aparecida a Juazeiro do Norte), e todo mundo utilize expressões como “se Deus quiser”, “vá com Deus”, “Deus te ouça”, poucas são as pessoas que seguem os preceitos da religião em sua vida cotidiana. Após esta imagem, Wasif nos apresenta duas fotografias de manifestações organizadas por seguidores do Pir de Charmoni, um líder político e espiritual islamista bangladechiano. Nessas fotografias, vemos milhares de homens barbudos usando kurtas brancas protestando nas ruas contra uma reforma política nacional pelos direitos das mulheres, que passariam a ter direitos iguais aos dos homens em relação a herança, propriedade, trabalho e educação. Em seguida, há um painel onde lemos: “Islam in Bangladesh is always been practiced and performed as one of diverse religious forms. Islam has been one such Discovery after 9/11, which was brutally bruised all over in the name of ‘War against Terrorism’”. Vemos então fotografias de crianças em madrassas seguidas do painel: Our hearts and minds, even our visual constructs, have became preoccupied with western thoughts and ideas. Islam in Bangladesh is like multiple colours of mirror under sun as veil and lipstik, verses and azans, jeans and beard altogether. On one hand, people here go to the grave whithout the hope of ‘rebirth’, on the other, fakirs and saints in mazars keep chanting a prayer for eternal soul. (Wasif – “In God we trust”)

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Insistindo nas “várias cores” do islã em Bangladesh, Wasif ressalta os seus próprios símbolos da tolerância: o sincretismo cultural e religioso, com versos e rezas, barbas e jeans (sua própria imagem), véus e batons. As meninas são vaidosas e usam o jihab porque escolheram, porque se sentem bem, como disse Wasif sobre sua irmã, em sua apresentação no Dheli Foto Festival de 2011, ao mostrar a foto dela, única deste ensaio que apresentou em sua fala no festival:

So this is my sister, Mumun, with whom I grew up with. So suddenly she went to Hajj with my father. Of course my father was so happy because my sister was going to Hajj with him. But I didn’t get it. And asked her: Why did you have to go for hajj? And then she came back, and she told me she wanted to wear this hijab. I thought that was crazy! I couldn´t believe that my sister would wear a hijab. Because my family is not at all a typical conservative family. And I really did not understand her. And I was angry with her for long time. I didn’t know what to say. And I did realized, after six months, that she was much more confident of herself than she used to be before. And she never looked so beautiful. Not in this picture, because now she has hijab from like maybe 30 different countries in the world. And she looks really beautiful. And she is really confident. And she really believes in Islam. Then I realized that if it is her own decision to wear this hijab, why would I have so many problems with that? And then I started talking to different people and ask how they are interpreting the religion and I found it so complex within a small country like Bangladesh. (Wasif, Delhi Photo Festival 2011)

Ao falar da sua dificuldade em aceitar a relação da sua irmã com a religião e expor o conflito que viveu dentro da sua própria casa, em sua própria família, Wasif demonstrou suas próprias 103

tentativas de entender e interpretar essa religião, vivida em seu país de maneira tão complexa, através das pesquisas que conduziu para elaboração do seu ensaio. Sua fala, assim como sua inicial incompreensão da escolha de sua irmã de portar um véu, e sua posterior aceitação, está relacionada àquilo que outro ativista visual bangladechiano, Naeem Mohaiemen, declarou sobre o véu em um depoimento sobre o Visible Collective132, um coletivo de ativistas, artistas e advogados interessados na discussão sobre pânico e segurança: This sort of thing is an interesting dynamic because now you find, for example, speaking for myself, growing up in a country like Bangladesh, my forming experience is to consider the hijab something to fight against. And now I find myself in an uncomfortable situation of having to defend the hijab against the French State. Simply because it’s the French State. So you find yourself in strange alliances. We’re having to defend that which maybe is not really defendable. But it becomes a symbol of other things.133

Em seu ensaio, das diversas cores que o islã pode ter, Wasif nos apresenta ao menos cinco formas diferentes de vivenciá-lo: aquela da sua irmã, a da sua mulher, a do eu amigo Topu, a de grupos radicais e a dos simpatizantes da sua forma sincrética – aquela praticada pelos bauls. Ao construir sua história e sua forma de olhar para a religião através das imagens, ele nos mostra também sua forma de vivenciá-la, a forma política - ou “politicamente muçulmana”, tal como ele definiu. Esta forma é explicitada de maneira coerente verbal e imagética no seu ensaio, e se seu objetivo com esta história foi o de mostrar imagens diferentes daquelas ligadas à opressão, ao terrorismo, à violência e à intolerância religiosa, foi justamente em sua foto do ritual do Matam que ele construiu sua contraimagem de maneira mais forte.

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http://www.disappearedinamerica.org/ Depoimento disponível no site http://vimeo.com/20846275 104

Matam é o nome dado na Ásia do Sul ao ritual de autoflagelação que acontece durante o Muharram, o primeiro mês do calendário islâmico, em memória à batalha de Karbaka e do Imam Hussain ibn Ali. Durante este ritual, muitos dos participantes (homens e mulheres) se reúnem em público para uma cerimônia onde batem em seu peito (matam) como demonstração de sua devoção ao Imam Hussain e em memória ao sofrimento que ele viveu. Da forma como é praticado por alguns grupos xiitas, participantes do sexo masculino amarram facas ou navalhas a correntes, batendo-as contra seu corpo, encharcando-o de sangue, como vemos na imagem abaixo. Alguns entram em transe tão intenso que é preciso que outro homem os faça parar.

Fotos que apareceram na primeira página do Google Images ao realizar uma busca com a palavra “matam” (em 4 de agosto de 2012). 105

Se todas as imagens do ritual, que é vivido de diferentes maneiras por diferentes grupos religiosos, que apareceram na primeira página do Google Images rementem à violência, a foto que Wasif inseriu em seu ensaio mostra amor e compaixão entre os crentes, que se abraçam em memória da dor. Após esta foto, vemos o retrato de um músico tocando músicas tradicionais deste mesmo ritual e duas fotos de protestos pacíficos (jovens com barbas artificiais e artistas e intelectuais segurando velas). Entre uma e outra foto dos protestos, Wasif insere um último painel, onde explicita seu objetivo: I wanted to produce a parallel work to stand on the opposite ground of conventional photographs of ‘fanatics’, ‘fundamentalists’, terrorists’, I wanted to show the inherent presence of Islam in people’s life than a symbol of suppression. This is a story [of] my family and friends, this is a story about little fragments which we don´t see in the head-lines of newspapers, this is a story about how “we” see Islam. (Wasif, In God we trust”)

Começa seu texto falando do que ele pretendeu mostrar neste ensaio: um trabalho que se colocasse em um campo oposto daquelas fotografias “convencionais” sobre fanáticos, fundamentalistas e terroristas. Termina-o, no entanto, com uma frase no plural, onde, depois de dizer que esta foi uma história sobre sua família e seus amigos, uma história sobre fragmentos que não vemos nas manchetes dos jornais, lemos: “esta é uma história sobre como nós vemos o Islam” (grifos meus). Esse “nós” que fecha seu ensaio é o mesmo que o abre, no título “Em Deus nós confiamos”. Ao falar no plural, se colocando ao lado daqueles que retrata, Wasif traz o caráter pessoal e subjetivo para o ensaio, caráter este essencial para os fotógrafos dos dois grupos aqui analisados. São jovens que falam do seu território, das suas famílias, dos seus amigos, dos seus vizinhos e que, ao mesmo tempo em que produzem imagens, produzem identidades e produzem (auto)representações.

2.3 Como nasce um fotógrafo ativista popular As favelas do Rio de Janeiro têm sido historicamente representadas como lugares diferentes do resto da cidade. Chamadas de “cidade informal” (em oposição à “cidade formal”), elas podem ser vistas como berço do samba, lugar da malandragem ou associadas à violência do tráfico de drogas, à criminalidade e aos conflitos entre traficantes e policiais. Pensar a cidade 106

como partida, como sugeriu Ventura (2000) e evocar a favela como a outra metade da cidade, como se as partes fossem homogeneamente diferentes, e não heterogeneamente interdependentes, faz parte de uma visão reducionista que desconhece a complexidade dos diversos segmentos sociais que a compõem134. É sobre essas reduções e complexidades que nos fala Bira Carvalho, fotógrafo da Imagens do Povo, em sua documentação sobre a “alma” da favela.

2.3.1 Bira Carvalho Bira é o fotógrafo mais velho da Imagens do Povo. Nascido em 22 de agosto de 1970, ele tinha por volta de 40 anos quando realizei meu trabalho de campo junto ao grupo. Com o ensino médio completo, ele ia começar um pré-vestibular para se preparar para o ingresso em um curso de nível superior em Direito. Escolheu este curso depois de ter feito uma formação em Mediação de Conflitos, oferecida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi neste curso que descobriu que era um “mediador”. O curso veio depois dos primeiros cursos de fotografia de que participou, e quando já estava envolvido em um projeto de “resgate de jovens” na ONG Luta pela Paz135, coordenado pelo antropólogo inglês Luke Dowdney. Bira também já trabalhava na Vila Olímpica da Maré136, um complexo “sócio-esportivo” que oferece diversas oficinas para crianças, jovens e adultas, das diversas favelas da Maré. O esporte se tornou algo importante na sua vida, principalmente depois de ter ficado paraplégico, em 1993, fruto de um assalto do qual participou. Bira, que também já fez parte do exército, costuma dizer, orgulhoso, que foi o primeiro atleta de cadeira de rodas da Maré. Acredita que, por ter se envolvido em pequenos delitos e usado drogas, “sem querer, sem escolher, sem pedir”, acabou se tornando uma referência de alguém que conseguiu mudar de vida, algo almejado por muitos no lugar onde mora. A maneira respeitosa como se relaciona com jovens de diferentes perfis nas diferentes favelas da Maré também foi importante para a conquista do lugar que ocupa entre estes jovens. Foi dessa forma que conquistou a confiança dos moradores e tornou-se uma pessoa que hoje é

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A homogeneização das favelas é um problema clássico no que se refere às discussões acerca dessas áreas e já foi discutida por diversos autores. Ver especialmente Valladares (2001). 135 www.lutapelapaz.org 136 www.vilaolimpicadamare.org.br 107

consultada sobre os mais diversos assuntos, especialmente para a mediação de conflitos. A relação que tem com traficantes é diferente daquela da maioria dos fotógrafos da agência, e ele se orgulha disso: O menino que eu conheci, que vendia bala, que virou gerente e que agora é o dono, minha relação com ele é a mesma. A relação não se distanciou. É uma questão de identidade. São meus amigos. Me ajudaram a subir e a descer da cadeira [de rodas] no momento que eu mais precisei. Como é que eu vou esquecer eles agora? Eu não estou preocupado em trabalhar no Observatório, ou se eu vou fazer meu curso, ou com o Luta pela Paz. Minha relação é alma. Lembra, que eu falei? Então pra mim ele não é o dono da favela. Pra mim ele é o meu amigo. Pra mim não é o Ripper, é o Ripper [afirma, com diferentes entonações]. Tá entendendo a diferença? Se eu não tivesse simpatizado com você eu não estaria aqui hoje. Porque você é antropóloga. Foi a alma, a gente começou conversando, brincando, a gente nem começou a falar sobre isso. Criou-se uma relação antes. É a confiança. (Bira, em entrevista realizada em 25 de agosto de 2009. Grifos meus.)

Para ele, este é o seu diferencial enquanto fotógrafo na/da Maré, diferencial mesmo em relação aos outros fotógrafos da sua agência. Acredita que é por tratar todos como iguais que tem liberdade de fotografar por todos os lados, mesmo em favelas dominadas por diferentes facções dentro do Conjunto de Favelas da Maré. A relação foi criada antes. Eu não sou o fotógrafo que começou a fazer isso. Eu sou o cara que mora na favela do mesmo jeito há dez anos, que conhece as mesmas pessoas há dez anos, que se relaciona do pastor ao traficante. Que dá bom dia ao seu Zé, que conhece a sua família, que conhece a sua história de vida. Identidade, menina. (Bira, em entrevista realizada em 25 de agosto de 2009)

O primeiro curso de fotografia do qual participou foi um curso idealizado por Ripper, mas ministrado pela fotógrafa Adriana Medeiros, no Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM)137, antes mesmo do surgimento da Imagens do Povo no Observatório de Favelas. Soube do curso através de um amigo e foi à primeira aula por curiosidade. Queria ver como era o curso. Na primeira aula, discutiram a questão da construção do olhar, falaram sobre respeito, valores humanos, identidade. Bira se encantou. Decidiu se envolver. Respeito, identidade e questões ligadas à discriminação dos moradores de favelas em geral, mas também em relação àqueles envolvidos em atividades criminosas em especial, são assuntos de extrema importância para o fotógrafo, ressaltados por ele em todos os nossos encontros. A discussão racial também lhe interessa. Bira foi o único dos fotógrafos da Imagens do Povo a apresentar discussões relacionadas à sua cor138. 137

http://ceasm.tumblr.com Bira é um dos poucos fotógrafos negros da Imagens do Povo. A maioria, imigrantes ou filhos de imigrantes nordestinos, é “parda”, para usar uma terminologia do IBGE. Esta é uma característica da ocupação da Maré, 138

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Quando abriram a primeira turma de fotografia da Escola de Fotógrafos Populares, no Observatório de Favelas, Bira decidiu se inscrever. Fez parte desta turma, que se tornou uma referência na Imagens do Povo por ter formado a maior parte dos fotógrafos mais ativos e conhecidos do grupo, como Ratão Diniz e Adriano F. Rodrigues139. Ao concluir sua formação, Bira começou a dar aulas de fotografia artesanal para crianças e se tornou o responsável pelas oficinas de Pinhole da escola. Como acontece na escola bangladechiana, na brasileira muitos alunos também se tornam professores, seja na própria escola, seja nas diversas oficinas que oferecem, dentro e fora da Maré140. Através das exposições e publicações quase sempre coletivas da Imagens do Povo, Bira ganhou alguns prêmios de fotografia, como o Cultura nota 10, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, em 2004, e o prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo, em 2007. Este último, recebido das mãos do fotógrafo Sebastião Salgado, motivo de grande orgulho para os fotógrafos por ser uma referência profissional e um grande ídolo.141. Os prêmios, exposições e publicações coletivas142 da Escola de Fotógrafos Populares e da Imagens do Povo, ao contrário daquelas individuais dos fotógrafos da Pathshala, buscam valorizar o seu diferencial enquanto grupo: serem moradores de favelas143. Os fotógrafos estão conscientes das implicações positivas de serem apresentados como um coletivo de jovens moradores de favelas, mas por vezes se sentem desconfortáveis e criticam composta principalmente por migrantes nordestinos. Bira contou que entre as diferentes favelas há diferença e hierarquia em relação à cor da pele, envolvendo racismo e relações de poder. Há favelas, como a do Parque União, composta essencialmente por nordestinos (pardos), e outras onde há maior concentração de negros. Apesar da vivência do racismo nas diferentes favelas, Bira disse que não sente essa hierarquização dentro da escola e da agência, e acredita que isto ocorra por causa da influência humanista do Ripper. 139 Na primeira turma da Escola de Fotógrafos Populares um dos critérios de seleção dos alunos era a indicação dele por uma organização parceira. O Observatório de Favelas privilegiou aqueles que já tinham algum vínculo institucional com organizações não-governamentais para que os jovens que participassem do curso pudessem dar continuidade à prática fotográfica após a formação. Nas palavras de Diógenes Pinheiro: “não adianta você formar um cara fotógrafo, e ele depois não ter como desenvolver a sua atividade. Então, todos os alunos têm de certa forma algum vínculo com alguma instituição da comunidade onde eles atuam” (Anais do 1o Encontro sobre Inclusão Visual 2004:54) 140 Já ofereceram oficinas em escolas municipais, em favelas como Manguinhos, em presídios de Bangu e no DEGASE. 141 O mesmo acontece na escola bangladechiana. Sebastião Salgado escreveu uma apresentação para o último livro de Shahidul Alam, “My journey as a witness” (2011). No Brasil, os fotógrafos costumam repetir que Ripper fotografou a chacina de Eldorado dos Carajás no mesmo caminhão que ele. 142 Por vezes, e em especial quando apresentam suas fotos através de vídeos como aqueles que se encontram no DVD em anexo a esta tese, as fotografias produzidas pela Imagens do Povo são apresentadas sem identificação individual do autor a cada foto, apresentando seus nomes em uma lista coletiva no final. O mesmo fizeram na publicação do seu livro (coletivo) em 2012. 143 Notei o mesmo em trabalho anterior sobre outra agência de fotógrafos de favelas. Ver Gama (2006, 2007). 109

o fato de serem reconhecidos primeiramente por isto, e em segundo lugar pela qualidade dos seus trabalhos, como podemos ver na fala do Bira sobre o prêmio Faz a Diferença: Na verdade, nós fomos indicados porque somos da favela, ninguém parou para ver a qualidade de trabalho mesmo. A qualidade do trabalho fica em segundo plano, o que eles querem é um alívio na consciência, por isso, foi muito bom ter dado o prêmio para os pobrezinhos carentes da favela”. (Bira apud Carminati, 2008: 80)

Se Bira é ácido em sua crítica, questionamentos sobre o nível de "profissionalização” desses fotógrafos são constantes, e pude presenciar isso especialmente em Bangladesh, ao apresentar a agência e o trabalho desenvolvido por seus fotógrafos aos fotógrafos que conhecia por lá. O fato de serem populares e fazerem parte de uma OSCIP os coloca em uma posição diferencial em relação a muitas outras agências de fotógrafos existentes pela cidade e pelo mundo. O perfil dos envolvidos, então, assim como em Bangladesh, ainda que de maneira diferente (visto que em Bangladesh não são pobres), é um elemento importante não só na construção das imagens, mas no próprio interesse por elas. É por serem populares (ou bangladechianos) que merecem ser vistos, e ressaltam esta qualidade.

Fotografia de João Roberto Ripper

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Bira está consciente do quanto sua própria imagem é importante para os projetos das ONGs144 de que participa. Afirmou, em uma das nossas conversas: “a ONG precisa mais de mim do que eu deles”145. Negro, pobre, paraplégico e ex-assaltante é a reunião dos principais estereótipos que muitas ONGs tentam apresentar como público alvo de seus projetos ao solicitarem financiamentos146, perfil este raramente encontrado entre os jovens que participam dos diferentes projetos da maioria das ONGs cariocas. E Bira joga com isso. Contou-me uma vez, por exemplo, que escolheu uma roupa maltrapilha para usar na ocasião de uma palestra que daria na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para oferecer a seu público a imagem do “pobre favelado” que esperavam, utilizando os pré-conceitos que imagina encontrar em seus interlocutores para provocá-los147. Diferente de Wasif, Bira não trabalha sobre histórias148. Anda com sua Nikon D200, vagando pelo Conjunto de Favelas da Maré e fotografa uma cena quando algo lhe toca. “É emoção, menina”, ele me disse várias vezes, quando perguntava o porquê de ter fotografado algo, ou de ter escolhido uma foto para uma exposição. Costumava repetir que não gosta da ideia de escolher um tema, pois isto restringiria toda a complexidade da vida e da “alma” da favela, grande tema que fotografa. Também dizia que escolhia as imagens que registra aleatoriamente, como o faziam outros fotógrafos da agência com os quais conversei, como Francisco Valdean e Davi Marcos. Inquieta, por não saber como poderia organizar as fotos de uma maneira coerente na minha tese, eu lhe explicava, quase desesperadamente, que precisaria encontrar uma maneira de apresentá-las que “fizesse sentido”. Bira ria. Uma vez me perguntou por que eu tinha escolhido seu trabalho para reflexão, se era algo tão complicado. Eu respondi que o escolhi porque ele falava sobre o seu desejo de documentar a “alma” da favela, e eu achava 144

Ainda que ONG e OSCIP legalmente não sejam a mesma coisa, na prática possuem atuações similares. Assim, costuma-se referir às OSCIPs como ONGs, termo mais amplamente utilizado. 145 Ver página 112. 146 Os atores sociais que intervêm nas favelas, cada um com seu próprio interesse e especificidade, reforçam ainda mais esta percepção de que há uma homogeneidade. As ONGs, mesmo heterogêneas entre si, também oferecem ao imaginário coletivo a mesma representação da favela, “sempre privilegiando os excluídos, as vítimas de violência, como segmentos de uma pobreza que pode ser uniformizada por um discurso globalizante, que acaba opondo os ‘pobres’ a todo o resto” (Valladares, 2001: 12). 147 Ao mostrar este texto para Bira, ele fez questão de ressaltar que o seu desejo ao vestir roupas maltrapilhas era o de chocar o público, e não passar a imagem de uma vítima. 148 Os fotógrafos bengaleses da Pathshala, costumam se dedicar a temas pessoais específicos, mudando de um para outro no decorrer da sua carreira.

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importante refletir sobre isso. Foi quando me dei conta de que essa “alma”, como ele a via, não tinha recorte temático tal como cobravam os editores de tantas agências fotográficas. Percebi, em meio à escrita, que essa era a forma de resistência e de criação de uma “nova” representação por parte desses fotógrafos. Acusados frequentemente de “pouco profissionalismo” (e foram muitas as histórias que escutei das dificuldades que certas pessoas tinham de trabalhar com alguns deles, por não se “adaptarem” ao formato exigido), ouvia Bira dizer, brincando, que ele não buscava a relação mercadológica (às vezes usava a palavra “capitalista”, especialmente quando criticava outros fotógrafos que teriam “se vendido ao mercado”) com a fotografia. Sua relação era emocional. Ainda que figurasse entre as classes mais baixas da sociedade brasileira, ele afirmava que ganhava dinheiro suficiente, e que não iria produzir imagens sobre coisas em que não acredita para agradar uma terceira pessoa. Eu ganho mais do que a maioria dos outros moradores ganham, porque eu trabalho em três empregos e ainda sou aposentado. Eu não vou fazer coisa por causa do mercado de trabalho. Eu tenho mais liberdade do que muitos fotógrafos formados por aqui pra fotografar na rua. Então a ONG precisa mais de mim do que eu deles. (Bira Carvalho, em entrevista em 25 de agosto de 2009)

Recusava-se, assim, a adaptar-se ao padrão “ensaio sobre um tema” exigido pelas agências dentro e fora do país. O fato de o Bira não desejar se especializar é representativo do grupo no qual está inserido. E ainda que fotógrafos como Ratão Diniz sejam reconhecidos por trabalhos específicos, como aquele sobre grafiteiros, ele, assim como os outros fotógrafos, costuma documentar temas tão diversos como o bloco da lama do carnaval de Paraty, protestos e homenagens às vítimas de violência da cidade do Rio de Janeiro e o cotidiano das favelas de diversas cidades do Brasil. As favelas, sua “alma”, seu “cotidiano” e seus moradores são ainda o tema principal do grupo.

2.3.2 A “alma” da favela Alma: este era o tema autoral de Bira Carvalho. Um tema impalpável, não tátil, e muito difícil de ser debatido, por isso, quando o fotógrafo conversava com Ripper e com Dante sobre as possibilidades de exploração do tema, os professores recomendavam-no achar a “alma” em lugares específicos, e não na favela como um todo. Bira não queria achar a alma no boxe, no futebol, no show de reagge, na religião. Para encontrar a favela, o fotógrafo buscava todas as almas. Um “problema” das Ciências Sociais colocado para documentação fotográfica: o que faz da favela a “favela”? Buscar a “alma” da favela traduzia-se numa busca incessante 112

por si próprio (favelado, nordestino, negro, atleta paraplégico, fotógrafo, ativista político, coordenador de ONG, “oficineiro”, todos Bira ao mesmo tempo), um investimento para uma documentação eterna, inacabável. (Carminati, 2008: 104)

Bira costuma dizer que o tema “alma da favela” surgiu de uma conversa com sua mãe, depois de mostrar algumas de suas fotos para ela. Foi olhando suas imagens que ela atentou para o fato de que ele não fotografava apenas o corpo, mas também a alma das pessoas e da favela. Esse comentário tocou o fotógrafo, que desde o princípio buscou documentar a diversidade do local onde vive. Para ele, em todos os temas que escolhia - tribos, esporte, religião - havia uma diversidade imensa de grupos a serem fotografados, e escolher um seria se restringir, e restringir o tema. Preferiu, então, focar nas práticas que uniriam os diferentes grupos sociais, e não naquelas que os diferenciariam, ainda que esta escolha seja mais difícil, pois implicaria na criação de relações através das imagens, e não em “fotografar por fotografar”. E para criar estas relações, seria preciso ter “coração e mente abertos”, ou lutar contra pré-conceitos que mesmo ele poderia ter. Seria um exercício pessoal, uma busca por autoconhecimento. A proposta de Bira de apresentar a(s) identidade(s) dos favelados/populares ou da(s) favela(s) através da sua busca pela “alma da favela” nas diversas atividades, assim como a proposta dos outros fotógrafos da agência de documentar a vida cotidiana das favelas, parece ir ao encontro do que o historiador Mário Sergio Brum (s/d)149 afirmou em seu texto “A construção da identidade de “Favelado” a partir de suas relações com o Estado”, baseando-se na discussão da antropóloga Alba Zaluar desenvolvida no livro organizado por ela e Alvito (1998): Para Zaluar (1985), a identidade dos favelados se forma a partir da atuação nas diversas esferas de seu local de moradia: associações de moradores, praças, bares, agremiações recreativas-culturais-esportivas. Em que pese a heterogeneidade econômica que possa existir numa favela, a homogeneidade das múltiplas práticas e vivência cotidiana num mesmo local cria e renova os seus símbolos de identidade. As situações em que são colocados na categoria de subalternos, bem como as estratégias de resistência a estas situações forjam laços que não são fixos, nem definitivos, mas estão constantemente sendo renovados e reinterpretados. Estes laços dão o significado de sua identidade. Como, por exemplo, quando são vítimas da discriminação da polícia, ou quando no passado, reagiam a uma tentativa de remoção, ou quando hoje são impedidos de circular na comunidade de um ‘comando rival’.(Brum, s/d)

Vejamos como esta proposta aparece nas fotos de Bira. Escolhi trazer para reflexão a coleção 149

Disponível em: www.klepsidra.net/klepsidra19/favelado.htm 113

que Bira publicou em sua página pessoal no Facebook. Este é um dos raros ensaios construídos por ele, que, como sugeri anteriormente, não costuma organizar suas fotos sequer para publicações na internet. O ensaio não possui um título. O álbum se chama “31 de outubro de 2011”, data em que ele adicionou as fotos na rede. Reproduzo aqui as imagens na mesma ordem e com as legendas que aparecem em sua página. Também devem ser vistas da esquerda para a direita, de cima para baixo.

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Senhora evangélica evangelizando na Favela Nova Holanda. Complexo da Maré, Brasil, Rio de Janeiro.

Balé para jovens e crianças na Vila Olímpica da Maré, Brasil, Rio de Janeiro

Crianças jogam bola de noite na rua da favela Nova Holanda. Bairro Maré. Brasil.

Futebol na Vila Olímpica da Maré, Brasil, Rio de Janeiro

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Criança mascarada de homem aranha transita pelas ruas da Favela Nova Holanda, Complexo da Maré, Brasil, Rio de Janeiro.

Catadora de produtos recicláveis da Favela Nova Holanda. Complexo da Maré, Brasil, Rio de Janeiro.

Crianças brincando com pipa nas ruas da favela Nova Holanda no Complexo da Maré, Brasil, Rio de Janeiro.

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Moradores da Maré se divertem em colônia de férias na Vila Olímpica da Maré, Brasil, Rio de Janeiro

Atletas treinam para maratona na Vila Olimpica da Maré, Brasil, Rio de Janeiro.

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Nas quatorze fotografias apresentadas por Bira em seu ensaio, vemos fotos de práticas religiosas, eventos esportivos e momentos de lazer. Quatro foram feitas na rua da casa da sua mãe e outras cinco na Vila Olímpica, lugares onde ele costuma passar boa parte do seu tempo. As crianças são as mais fotografadas. A grande quantidade de fotos de práticas esportivas se dá por causa do seu trabalho, tanto na Vila Olímpica quanto na Luta pela Paz. Para Bira, o álbum é sobre ele, e ele vive entre esportistas. Algumas de suas fotos contam com legendas explicativas, na maior parte das vezes indicando o local onde as fotos foram registradas. As frases são curtas e não há texto de apresentação nem painéis. Ao voltar de Bangladesh compreendendo a importância da combinação entre textos e imagens para os fotógrafos da Drik e da Pathshala, questionei Bira sobre o lugar do texto junto à suas imagens. O fotógrafo explicou que escreve cada vez mais, e que acha tão importante escrever quanto fotografar. Mas antes se sentia bloqueado pela falta de escolaridade. As exposições da Imagens do Povo, assim como suas publicações150, geralmente contam com textos escritos por seus coordenadores e/ou parceiros, dentro e fora do Observatório de Favelas. O fotógrafo Francisco Valdean, cujo trabalho analisarei no capítulo 3, é a única exceção. Desde 2007 ele atualiza seu blog pessoal151, com textos e imagens. As fotografias de Naldinho Lourenço que analisarei no capítulo 4 circularam na mídia com texto escrito por Gizele Martins, do Jornal O Cidadão152, o jornal do Conjunto de Favelas da Maré. O fato de os fotógrafos vinculados à Imagens do Povo escreverem pouco é fruto do contexto social no qual estão inseridos.

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Ver , por exemplo, os livros Até Quando? (2005) e Imagens do Povo (2012). www.ocotidiano.com.br 152 ocidadaonline.blogspot.fr/ 151

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Para demonstrar como fotografa, Bira me ofereceu como exemplo uma fotografia que fez em uma festa de crianças na Maré. Na foto, vemos três pequenas mãos, e uma pipa com a bandeira do Brasil. Bira contou que estava fotografando a festa quando sentiu algo e se virou. Viu a bandeira do Brasil impressa na pipa voando entre as mãos das crianças e fotografou. Disse que o registro foi instintivo. Apenas quando voltou para casa e descarregou as fotos de sua câmera fotográfica viu a imagem. Ao me demonstrar como seu processo fotográfico é “instintivo”, Bira colocava em evidência aquilo que valoriza na sua prática fotográfica e na relação que estabelece com os fotografados: a emoção. O lado irracional e espontâneo do seu registro condiz também com a sua busca pela “alma” e seu lado espiritual, como veremos mais adiante. Outra foto ressaltada por Bira foi o retrato de Lucas, um menino da sua vizinhança, que apresento a seguir. Nessa imagem, Lucas aparece com uma máscara do homem aranha em uma das muitas fotos que Bira fez na rua onde mora sua mãe, na Nova Holanda, uma das favelas da Maré. Bira disse que gosta da foto porque nela vemos Lucas ereto, descalço e com a cabeça erguida. “Ele estava se sentindo o rei”, me disse Bira, que colocou seu foco na criança, deixando-a em evidência, no primeiro plano, enquanto desfocava o fundo.

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Ao olharmos a foto pela primeira vez, não atentamos para o fato de que Lucas não tem a mão direita. Temos a impressão de que ele está com os braços atrás do corpo, ainda que o único à frente seja justamente aquele sem a mão. Bira não falou sobre a deficiência do garoto em seu comentário sobre a foto, mas sobre a expressão de orgulho que ele transmitiria. A fotografia foi feita no mesmo lugar em que fez muitas outras, como aquela onde vemos uma criança correndo usando a máscara do filme Pânico, ou aquela onde vemos crianças jogando bola e, ainda, aquela do retrato da senhora com a bíblia na mão. Tanto a foto do Lucas quanto a da senhora que veremos a seguir e aquela da bandeira que vimos anteriormente são retratos que focam pessoas e mostram pouco da favela. Poderiam ter sido registradas em outros lugares da cidade e são imagens que valorizam o que suas diversas áreas possuem em comum, e não de diferente, como sugeriu Bira. Analisando seu ensaio, apenas duas ou três fotos nos apontam para as favelas: aquela onde vemos as casas aglomeradas, umas por cima das outras; a foto dos atletas correndo onde vemos a paisagem da favela ao fundo e, talvez, a imagem das crianças brincando na rua à noite. Ainda que o retrato da senhora lendo a bíblia apresente o fundo também em foco, a associação com a imagem que se tem das favelas não é imediata. Poderia se dar apenas pelos 120

cruzamentos dos cabos de energia que vemos no plano de fundo.

Para o fotógrafo, esta é uma imagem da fé, que também está presente em diversos outros lugares e imagens, como na foto da criança sentada embaixo da pomba branca. Para Bira, a imagem de uma criança sentada sozinha, comendo biscoito e olhando à distância, embaixo de uma pomba branca, um grupo de pessoas rezando no fundo é a própria imagem da paz. Como Wasif, Bira parece buscar sua própria fé, sua própria “alma”, através das suas documentações fotográficas. Não segue uma religião específica, mas diz ter “fé”. Gosta de ler sobre as diferentes religiões (já leu a Bíblia e o Alcorão), e está interessado pelo que possuem em comum. Mas em sua documentação, são as práticas dos evangélicos as que se destacam. Ao questioná-lo sobre o espaço dado aos evangélicos em suas imagens, Bira justificou dizendo que esta era a religião que mais crescia dentro das favelas. Avançando na conversa, no entanto, Bira contou, timidamente, que já fez um curso de teologia na Igreja Nova Vida, a mesma que organizou a manifestação pela paz que registrou na foto da criança com a pomba. Repetindo que não era evangélico, disse que se interessava 121

também pela questão étnica ligada ao candomblé, mas que esta religião é bastante perseguida nas favelas, como foram o samba, a capoeira e outras atividades afro-brasileiras anteriormente, dificultando seu registro. Outra foto para a qual Bira chamou a atenção em nossas conversas foi aquela onde vemos uma senhora empurrando um carrinho improvisado, transbordado de sacos cheios de materiais reciclados.

Com esta foto, Bira desejava mostrar uma mulher guerreira, que traria em seu corpo a própria história das favelas e a força de seus trabalhadores. Ser um trabalhador aparece não apenas como uma qualidade, mas como a qualidade principal a ser ressaltada em oposição à de criminoso no discurso dos moradores de favelas cariocas. Quando a polícia prende ou mata um jovem que não faria parte de organizações criminosas como o tráfico de drogas, por exemplo, é reforçando seu caráter trabalhador (ou de estudante, como veremos mais adiante) que os familiares, amigos e vizinhos demonstram sua idoneidade e lutam por justiça. Ao nos apresentar uma senhora com idade avançada, Bira nos aponta para o fato de que esta luta não acabaria nem diminuiria com o passar do tempo. É constante. O lenço branco na cabeça, o saco verde em volta do corpo, assim como o avental enrolado na cintura, nos 122

remetem diretamente à imagem das empregadas domésticas que trabalham nas casas das famílias mais ricas, onde as mulheres pobres são solicitadas a usar um uniforme que demarque sua profissão/posição social. Seu tamanho é desproporcional ao do carro que empurra. Sua postura inclinada demonstra o esforço que deve fazer. Sua expressão, séria, concentrada, não demonstra cansaço, desânimo, mas resignação. Hoje Bira pensa em fazer uma documentação sobre a água. Sob esse grande tema, gostaria de fotografar a água de diversas maneiras: a água da chuva, a água utilizada para abastecer as casas etc. Bira acredita que a partir do momento em que a Maré será ocupada pela polícia (a Maré será a próxima favela a ser “pacificada” pelo programa em curso da Secretaria do Estado de Segurança do Rio de Janeiro), a relação da população com a água vai mudar, e pretende documentar essas transformações. Segundo ele, muitos moradores têm acesso à água potável de forma ilegal. Mas com o processo de regularização que chega junto com a polícia, muitas das formas de acesso à água seriam destruídas, obrigando os moradores a retomar práticas antigas como a de ir buscar água em outros lugares, com baldes na cabeça.

2.4 Como são construídas “más” (wrong e wickedness) e “boas” (good e proper) representações: a luta pela apresentação da sua identidade como crítica à criminalização de uma população I would like to suggest that the notion of security is now not simply a political issue but a cultural issue. Security is the lengths through which you look at somebody and decide whether they are good Muslims or bad Muslims whether they are terrorists or not. Security has become a rich cultural dense now. And I think we should see it as such. One of the ways in which we think about difference now, one of the ways in which we think about identity now is through the lengths and through the technologies of security. Not simply security as surveillance but this is an idea that somebody who is next to us, somebody who is proximity to us, somebody who is away from us or distant from us is a security threat. Security has become a fully culture apparatus. (Bhabha, Writing Rights and Responsibilities153)

A relação entre segurança, política, cultura e identidade da qual nos fala Bhabha na epígrafe deste subitem vai ao encontro do que nos falam os fotógrafos das escolas e agências sobre as quais reflito nesta tese. Se olhamos para as pessoas próximas ou distantes de nós a partir da ideia de ameaça (ou não) à nossa segurança que ela representa, e se é através dessa ideia que

153

www.youtube.com/watch?v=yER4QwiSl14&feature=relmfu 123

decidimos se alguém é um “bom” ou “mau” muçulmano (ou “favelado”154), tal como nos aponta o autor, é na intenção de interferir nessas relações (e representações) que esses fotógrafos agem. Vimos, até aqui, dois exemplos de como a discussão da sua identidade está atrelada às imagens que produzem e como suas produções estão conectadas à(s) imagem(s) que Outros (imaginados, reais) possuem sobre eles e os grupos a que pertencem. Vejamos agora, de maneira mais clara, o que esses fotógrafos consideram serem boas e más representações de determinada população e como as relacionam às consequências que um e outro tipo de representação apresentam. Ainda que exista uma variedade enorme de imagens produzidas por fotógrafos de diversos backgrounds que passam pelas favelas cariocas e por Bangladesh, uma das maiores críticas de ambos os grupos de fotógrafos está relacionada ao tratamento sensacionalista que fotógrafos estrangeiros tendem a dar às realidades desses locais por 1) não conhecerem sua complexidade e 2) por só irem a tais locais quando algo extraordinário acontece. A “grande mídia”, no Brasil, e as agências internacionais de desenvolvimento e de notícias, em Bangladesh, aparecem como os principais produtores dessas imagens “estereotipadas” e “preconceituosas” e são apresentados como os principais interlocutores (imaginados) com os quais dialogam. Ambos os grupos mantêm uma relação tensa e próxima com eles, criticandoos e construindo importantes parcerias, tendo seus trabalhos por vezes premiados por tais “opositores”, para utilizar um termo apresentado por Berntsen (2011). Essa relação, contraditória ao olhar de muitos, lhes gera muitas críticas (Hoek, 2003; Saussier, 2007) e nos aponta para os jogos presentes nestas lutas simbólicas por identidades e poder. O fato de, em Bangladesh, os fotógrafos se apresentarem como “nas margens”, mas manterem conexões com os grandes centros fotográficos internacionais (ou mesmo “ocidentais” – europeus e americanos) provocou a seguinte afirmação de Hoek, sobre o trabalho do fotógrafo Abir Abdulah, que tomou como exemplo para discutir os circuitos onde as fotografias da Drik circulam: 154

A relação que os habitantes da cidade estabelecem com moradores das favelas cariocas baseadas no medo que sentem deles já foi discutida por diversos autores. Ver especialmente Gama (2006), Jaguaribe (2005), Novaes (1997) e Soares (1996). 124

What Abir’s story also illustrates is how what may be considered more marginalised publics are in fact linked, both dialectically and cooperatively, to more dominant and exclusive public domains and discourses. (…) I would argue that these space are in fact linked, overlap, play off each other and are connected at many levels. Opposition and dominance are complex flows. Drik may be oppositional to some discourses, such as mainstream photojournalism, but not to all, such as mainstream photojournalism’s foremost forum, the Word Press Photo organisation. (Hoek, 2003: 90).

Sua relação com a Word Press Photo, que está na base mesma de constituição da Pathshala, gerou uma crítica ainda mais dura por parte do fotógrafo francês Gilles Saussier, que viveu por dois anos em Bangladesh, dos quais boa parte trabalhando como voluntário para a Drik: Certaines décisions ont été des jalons comme cesser d’enseigner le photojournalisme aux photographes bangladais pour ne pas leur inculquer des habitudes d’images dont j’essayais de me déprendre. Il y eut aussi la rupture de ma collaboration avec la Drik Picture Library dont le rôle d’agent du World Press au Bangladesh, me semblait propager les pires catégories de l’esthétique photographique occidentale, plutôt que de favoriser l’émergence d’un point de vue indigène indépendant. Le chauvinisme démagogique de Drik – « Le tiers-monde photographié par des photographes de tiers-monde » – rejoint celui de Nargis Dutt, actrice bollywoodienne et députée, qui avait attaqué Satyajit Ray à la tribune du parlement indien en ces termes : « Pourquoi croyez-vous que le film Pather Panchali soit devenu si populaire à l’étranger ? Parce que les occidentaux veulent voir l’Inde dans une situation abjecte. C’est l’image qu’ils ont de notre pays, et un film qui confirme cette image leur semble authentique. » (Saussier, 2007)155

Não negando a conexão que existe entre recepção/aceitação (ou ainda premiação) da produção da Drik no mercado que critica, e que é importante para compreendermos as rupturas e continuidades das produções de representações nas quais se inserem, acredito que Berntsen (2011) apresente uma reflexão mais interessante para refletirmos sobre esta complexa relação. A autora propõe que olhemos para as relações estabelecidas pela Drik a partir do conceito de mimesis de Michael Taussig (1993), sugerindo que, ao copiarem as “estratégias” dos seus “oponentes”, os fotógrafos da Drik e da Pathshala estariam mimetisando suas práticas e conquistando poder. To manoeuvre between political and ideological interests on the one hand and economic constraints on the other, Drik has adapted to a set of strategies that attempt to lock the interpretative space of the photograph as well as to take control of the relation between the agency and its clients. Could the counter-Orientalist measures taken by Drik be seen as a form of mimesis in Taussig’s (1993) sense, whereby Drik and affiliated photographers imitate the strategies of their opponent, in order to attain the power possessed by Western media agents? It is beyond the scope of this 155

O texto também está disponível na página pessoal do fotógrafo. Ver: www.gilles-saussier.fr/textes/studioshakhari-bazar-25.html?lang=fr#nh3 125

thesis to explore this parallel in full, but my ethnographic observations nevertheless suggest the potential for a Taussingian analysis to the study of the agency of the “represented” where Gullestad and Said left off. At the same time, my material indicates that Drik has to tolerate a certain amount of Orientalism, in order to enable, and indeed finance, the production of counter-Orientalist representations. The lines, however, are not always clearly distinguishable. Drik affiliated photographers’ resistance is inevitably articulated through, and as we shall see to some degree trapped by the language of their opponent. This is what Larsen (1999:106) has referred to as “the problem of the opposition”, which provides a fruitful analytical angle for my main contention in this thesis. (Berntsen, 2011: 23-24)

Em Mimesis e Alteridade (1993), o antropólogo australiano Michael Taussig mostra como (in)divíduos de uma cultura podem adotar características de outra (através do processo de mimesis), adquirindo poder sobre ela e, ao mesmo tempo, distinguindo-se como Outros, reforçando sua alteridade. São processos complexos e interligados. É invertendo as relações de poder que ganham capacidades e continuam os mesmos. Mas se o grupo bangladechiano busca dominar técnicas e estratégias dos seus “oponentes”, os fotógrafos brasileiros se sentem mais livres para fotografarem como “sentem”. Provavelmente por ocuparem posições menos poderosas do que os da Drik, são preservados de críticas nos tons das que vimos acima. Nem um grupo, nem outro, entretanto, busca uma ruptura ou oferece uma crítica radical àqueles grupos que criticam. Buscam negociações capazes de, pouco a pouco, oferecerem outras (ou mais complexas) imagens sobre determinados grupos sociais.

2.4.1 Algumas disparidades Se o grupo bangladechiano pretende mostrar “a verdade nua e crua” como vemos no vídeo156 realizado pelo fotógrafo americano Brian Palmer sobre a Pathshala, o grupo brasileiro defende um jornalismo parcial, um olhar comprometido e engajado com o ponto de vista dos desprivilegiados, criticando a ideia da “imparcialidade jornalística”. Ainda que ambos fotografem alegrias e tristezas dessas populações, a partir das suas lutas cotidianas, suas reconstruções e sua força, no Brasil investem em imagens da “beleza” das favelas e de seus habitantes, e em Bangladesh evitam imagens de felicidade em contextos de pobreza. Essa diferença na representação que valorizam está relacionada à forma como cada

156

Disponível no link www.youtube.com/watch?v=e-UFjWv0Zlg e no DVD em anexo. 126

sociedade olha para a pobreza. No Brasil, os fotógrafos combatem imagens que relacionam criminalidade e pobreza, investindo em imagem que humanizem os populares através das suas atividades cotidianas com o objetivo de valorizarem suas práticas e interferirem positivamente na sua autoestima. Já em Bangladesh, por terem sido/serem massivamente retratados como uma população que precisa de ajuda e dinheiro estrangeiro, criticam imagens que possam mostrar rostos agradecidos ou mesmo sofrimento, como aquelas produzidas pelas agências humanitárias internacionais. Acreditam que essas imagens compactuariam com o chamado “NGO style” (Berntsen, 2011), imagens produzidas por ONGs para financiarem seus projetos, como critica ironicamente Shahidul Alam em seu texto The Majority World Looks Back: Charities and development agencies need to raise money from the western public. The best way to pull the heart strings – and thereby the purse strings – is to show those doleful eyes that a few pennies could save. Perhaps photographers from the South cannot be trusted to understand this. Perhaps they are so hardened to such images of daily suffering that they are unable to appreciate the impact these sights might have on western audiences – and the coffers of western aid agencies. (Alam, 2007)

Valorizar a população retratada é o objetivo de ambos os grupos, que também se preocupam em mostrar a luta e a dignidade dessas pessoas. Nesse sentido, ser ativista pode significar mostrar a beleza onde ela normalmente não é vista, como o faz o grupo brasileiro, na maioria das vezes ocultando tragédias; ou mostrar imagens da reconstrução e da “luta pela sobrevivência” de um povo que é frequentemente retratado como “necessitado” da ajuda estrangeira, como é o caso de Bangladesh. Também pode significar ter seu trabalho competindo de igual para igual com qualquer fotógrafo do mundo, como reclama Alam. Uma relação essencialmente mercadológica com a fotografia, contudo, é criticada pelos fotógrafos de ambos os grupos, que a responsabilizam por fotografias que acabam por reproduzir as mesmas representações que criticam, como já vimos através das falas de Wasif e de Bira, e que é também ressaltado por Shahidul Alam e Francisco Valdean abaixo. When they know certain stories sell, they themselves begin to supply the ‘appropriate’ images. A man known to carry a toy gun in the streets of Dhaka is repeatedly photographed at religious rallies, and despite common knowledge that it is a fake gun, news agencies run the picture without explaining the nature of the situation. Numerous wire photographers have been known to stage flood pictures and in one famous instance, a child was shown to be swimming to safety in what was known to be knee deep water. The photograph went on to win a major press 127

award. Money also affects publishers. Smaller budgets require careful shopping. The Corbis, Getty and Reuters image supermarkets are rapidly squeezing out the ‘corner store’ suppliers and a small majority world picture library simply can’t compete. (Alam, 2007) Uma coisa que a Escola não pode perder... Assim, uma coisa que eu percebo é que na primeira turma a gente não tinha muito marcada essa questão do mercado. O mercado era uma consequência, né? Eu acho que a escola não pode perder isso. Começar a se voltar para o mercado. Ter que formar fotógrafos para o mercado. (...) Se você observar a fotografia do pessoal da primeira turma, você percebe isso nas imagens, a fotografia ali é diferente pelo seguinte motivo: essa fotografia não tem compromisso nenhum com o mercado. Nenhum. (Valdean, em entrevista em 16 de julho de 2009).

A liberdade para fotografar, sem se preocupar com as exigências do mercado, é algo ressaltado como importante por todos os fotógrafos com os quais conversei. Wasif, por exemplo, ressaltou que pouco a pouco foi percebendo que há um certo tipo de fotografia e de assunto (forma e conteúdo) que uma pessoa deve fazer para conseguir assignments e para entrar no mercado fotográfico. Fotógrafos brasileiros e bangladechianos, no entanto, mantêm relações diferentes com o mercado, como demonstrei anteriormente. Se os brasileiros parecem não estar preocupados com o reconhecimento financeiro das fotografias que produzem, em Bangladesh acreditam que é através deste reconhecimento que podem viabilizar seus trabalhos mais importantes.

2.4.2 As propostas partilhadas para uma boa representação Se alguém me perguntasse o que é a fotografia, eu prontamente responderia: é um suporte para a nossa memória; esse é o papel principal. Digo principal por ser aquele conhecido por todos. Mas acredito que ela vai além de ser uma ferramenta de auxilio à nossa memória. Ela é uma recordação do que julgamos ser o bom ou certo mas é também uma recordação do que não é bom e do que julgamos ser incorreto. Serve para expressar a indignação do que julgamos incorreto ou simplesmente uma forma de ratificarmos o que julgamos certo. É também a mais legitima forma de afirmação do belo e do que não queremos esquecer. Serve ainda para lembrarmos de não esquecermos fatos ou acontecimentos que não queremos (ou que queremos) que aconteçam novamente, ou seja, é um suporte magistral da memória individual e coletiva. (Valdean, Fotografia, texto publicado no blog O Cotidiano em 15 de outubro de 2007157).

Refletindo sobre as práticas e as propostas desses dois grupos de fotógrafos, compreendemos que para eles, “boas” representações estariam relacionadas a alguns pontos fundamentais: 1. O tempo dedicado ao registro das fotos. 157

Disponível em www.ocotidiano.com.br/2007/10/fotografia.html 128

O tempo aparece como algo essencial para a construção das suas representações. Assim como defendem os antropólogos na construção de suas histórias e representações, esses fotógrafos acreditam que documentações realizadas a longo prazo são mais “verdadeiras” e mais “completas”. Neste sentido, parecem brigar contra a própria lógica do fotojornalismo (curto período, registro de notícias, documentação de estereótipos que provoquem o rápido reconhecimento da imagem que pretendem passar). Carminati reflete na mesma direção, em sua dissertação sobre a Imagens do Povo: A lógica jornalística deve ser abandonada em favor de um “estilo de raciocínio” alternativo, sobretudo, porque, conforme sugere Rabinow (1999), a lógica é a manutenção da verdade, mesmo que por oposição. Outro “estilo de raciocínio”, talvez melhor identificado com o fotodocumentarismo, ou com a etnofotografia, pode inventar outros tempos para o fotógrafo, que não o tempo da pauta, isto é, o tempo do mercado editorial, tempo que obstrui a possibilidade da relação e identificação profunda do fotógrafo com seu “assunto fotográfico”. Nesse sentido, um “estilo de raciocínio” alternativo pode estar sendo criado no âmbito da Imagens do Povo. (Carminati, 2008: 61)

Fotógrafos de ambos os grupos pensam que uma documentação fotográfica mais profunda se dá quando os fotógrafos permanecem nos locais fotografados, ao invés de simplesmente passarem por eles. O que entendem por esta permanência, entretanto, tem escalas diferentes. No Brasil vivem onde fotografam, em Bangladesh visitam os lugares fotografados com frequência. 2. Uma relação próxima aos que fotografam. A relação que se cria com a pessoa retratada aparece como algo importante, especialmente para os fotógrafos brasileiros, como vemos na fala de Valdean reproduzida abaixo: No ato de fotografar é preciso que o fotógrafo esteja em perfeita harmonia com o fotografado. É como se eu ouvisse tocar uma musica e vou tentando entrar no ritmo dela. Quando sinto que entrei no ritmo as fotos passam a ter harmonia, composição, cor e emoção. Mas quando isso não acontece, elas saem fora de foco, ficam sem contraste, algumas até servem para o que estou fazendo mas não servem para mim...! (Valdean, Fotografia, texto publicado no blog O Cotidiano em 15 de outubro de 2007158).

É importante que as pessoas se reconheçam nas fotos, e para isto investem na elaboração das 158

Disponível em www.ocotidiano.com.br/2007/10/fotografia.html 129

representações junto aos sujeitos que fotografam. Por fotografarem “de perto”, vemos uma abundância de retratos. Para Carminati (2009), esta seria uma das principais diferenças entre as imagens produzidas por estes grupos e aquelas divulgadas pela mídia. Escolher o que mostrar e como mostrar, não ‘roubando’ imagens, mas apostando em um olhar próximo, que permita às personagens se posicionarem de outras formas, abrindo, assim, espaço para que sejam elas mesmas partes ativas na construção da imagem: aí reside uma parcialidade distinta daquela produzida à distância e que chaga aos nossos lares na hora do café da manhã. (Carminati, 2009: 71)

3. Documentar a vida cotidiana. A documentação da vida cotidiana também aparece como proposta próxima àquela da antropologia, tal como nos mostraram Guran (2007) e Becker (1995). O importante é o registro do fato continuado, e não do “instante decisivo”, como propôs o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson. Se diferenciam, assim, da reportagem clássica, e daquele fotojornalismo baseado em fotos “roubadas”. Veremos como trabalham esta documentação no capítulo a seguir. 4. Apresentar os fotografados de forma positiva, digna e forte. Mostrar positivamente estas populações, seja através das suas lutas, da sua força ou mesmo da sua beleza, foi um dos pontos mais ressaltados. Representá-las positivamente significa criar contra-imagens capazes de interferir nas representações negativas existentes, visando transformar as relações estabelecidas com tal população, como vemos na fala de Valdean: Quando você pensa a favela como um espaço negativo é diferente de quando se pensa e se mostra a favela a partir de um ponto de vista positivo, lugar onde existem muitas qualidades. Porque, pense só, se forem se formular políticas para um espaço negativo é diferente de você fazer política para um espaço positivo. Porque dentro do positivo a política começa pela preservação e melhoria do que está dando certo, para daí trabalhar os pontos que são negativos. Quando você parte do negativo, as coisas que existem e são boas tendem a serem deixadas de lado, nem se pensa nelas como caminho para alguma coisa. Essa é a diferença. (Francisco Valdean apud Carminati, 2008: 61)

5. Investir na ampla circulação das imagens produzidas. Para uma ampla circulação destas imagens, utilizam diversas estratégias através das redes formadas, especialmente através da internet, como discutido no capítulo anterior. As novas 130

tecnologias são utilizadas como ferramentas alternativas aos meios de comunicação hegemônicos e a velocidade com que as informações são divulgadas, especialmente através de redes sociais como o Facebook fazem com que tais grupos ganhem cada vez mais visibilidade e espaço, tanto nacional quanto internacionalmente. 6. Retornar as imagens aos fotografados. O retorno das imagens aos fotografados é um ponto extremamente importante para o grupo brasileiro, não citado pelo bangladechiano. A satisfação pessoal com a realização do trabalho muitas vezes está ligada ao uso ou à recepção que a fotografia pode ter para os fotografados, após o registro. Quando questionei Bira sobre a possibilidade de sobreviver financeiramente da fotografia, ele me respondeu que não era este seu interesse, complementando: A relação com a fotografia é outra. É alma. Não é o tema do Observatório. Não é se vou agradar o mercado de trabalho. Não é a venda de foto que me interessa. Não é a exposição que seja fora da favela, pode ser em Londres, pode ser em Nova York ou num centro cultural qualquer do mundo. Minha relação com a fotografia é se ver, sentir e pensar, menina. (...) Não é falta de ambição não. É muito mais ambicioso que isso. Minha ambição com fotografia, menina, é poder devolver o que tiro. É uma vida. Isso não é ganhar dinheiro. Minha ambição é: se eu tiro uma foto sua, eu estou tirando um pedaço de você. Você está se entregando pra mim. Então se eu puder ajudar com a minha foto, eu sou um homem realizado. Se eu tirar uma foto de uma pessoa, e essa pessoa disser “ah, Bira, eu tô linda, eu tô gostosa, sou eu mesma”, eu tô pago. Porque eu fiz um bem a ela. (Bira, em entrevista realizada em 25 de agosto de 2009)

É através da restituição das imagens que trabalham a questão da autoestima e da identidade do grupo. Nesta troca, além de uma realização pessoal, esses fotógrafos também aprendem o que é importante ser mostrado e discutido para o grupo documentado, frequentemente o mesmo grupo social ao qual pertencem. 7. Criar narrativas e combinar textos e imagens. Criar narrativas, especialmente combinando textos e imagens, como propõe o grupo bangladechiano, é uma das diversas estratégias utilizadas para garantir uma recepção das suas fotos da forma como desejam. A construção de ensaios com fotos encadeadas gerando um sentido, assim como a inserção de textos (introdutório, através de painéis e/ou legendas) são apenas alguns exemplos. Controlando a maneira como as imagens circulam, tentam evitar que suas fotografias sejam usadas para fins não desejados, como disse Valdean: 131

um mecanismo de controle que tem que ser feito por cada um dos fotógrafos. É uma idéia que o Ripper está sempre tratando com a gente, uma idéia que sempre estamos discutindo. Já que por trás da imagem a gente quer ter uma idéia diferenciada, a gente nunca deve tratar o que a gente está fazendo de forma superficial. Sempre levantar discussões sobre aquilo que estamos fazendo. Por que se esse controle fugir, imagens nossas poderão ser usadas num espaço para reforçar aquilo que a gente não quer reforçar. [...] esse controle, para existir, tem que ser uma luta de cada um. Por exemplo, o fotógrafo dizer: nesse espaço eu não quero isso, e se for ter, tem que ser assim, porque é nisso que eu acredito e são com essas idéias que eu quero prestar contas. (Valdean, em entrevista a Carminati, 2008: 123)

2.4.3 Más representações Más representações, por sua vez, seriam documentações que não levassem em conta todos os pontos anteriormente ressaltados e ainda: 1. não respeitassem as pessoas fotografadas, registrando cenas que denegrissem essas pessoas ou invadissem sua privacidade de maneira indesejada. Um bom exemplo foi oferecido por Jorge Alexandre Firmino, um fotógrafo de outra agência de fotógrafos moradores de favelas, durante uma pesquisa que realizei anteriormente (Gama, 2006: 101): Eu tenho um pouco desse respeito, se eu tiver tirando uma foto, eu não chego e fotografo a pessoa toda desarrumada, sabe? Eu odiava quando ia alguém lá no morro e chegava e, vamos supor, eu tô indo comprar pão (...), mais respeito! Porque eu tenho a minha intimidade. A pessoa que passa numa exposição vê a minha cara toda amassada... Coisa que você não vê normalmente, você fica ali dentro da sua casa. Isso aí é sua intimidade. Eu entro na intimidade das pessoas, mas de outra forma. Não de forma arbitrária. (Jorge Alexandre Firmino, em entrevista)

Como Firmino aponta, esta preocupação vai ao encontro daquela dos próprios fotografados, que costumam se preocupar com a sua imagem que ficará registrada para posteridade, tal como nos mostraram Maresca (2000) em L’alchimie multiforme du portrait social, e Peixoto (2000), em Envelhecimento e Imagem: as fronteiras entre Paris e Rio de Janeiro. 2. mostrassem essa população como violenta ou oprimida. Para não colaborarem com a imagem do homem violento que buscam combater, esses fotógrafos evitam divulgar imagens que mostrem essa população como violenta. Fotografias 132

que os apresentem como vítimas também são evitadas, especialmente em Bangladesh. Se essas ausências nos apontam para a construção de estereótipos positivos, elas também estão relacionadas a dois outros fatores importantes: 1) o registro de grupos violentos poderia associar os fotógrafos a tais indivíduos (sejam terroristas ou traficantes) e 2) tais indivíduos (violentos) não fariam parte ou estariam distantes dos seus universos simbólicos. Trabalhando a partir da proposta de se autorrepresentarem, esses fotógrafos buscam documentar imagens com as quais se identificam. A única exceção entre os fotógrafos entrevistados foi Bira, que, por outro lado, pensa a violência a partir das ausências de serviços nas favelas, e não a partir da criminalidade. Mas o mais importante é que estes fotógrafos não estão interessados pela documentação destes universos. 3. fossem baseadas em pré-conceitos ou estereótipos negativos 4. focassem em eventos extraordinários (ou críticos, como apontou Das (1995)), em detrimento de questões importantes ligadas à luta cotidiana. Shahidul nos dá um bom exemplo sobre o que considera boas e más representações, ao contar sobre sua primeira foto publicada no New York Times. Era uma fotografia das consequências do ciclone que atingiu Bangladesh em 1991, logo depois do processo de democratização pelo qual passou seu país no final da década de 80. So that was my first publication in the New York Times. But what happened was, the New York Times later wrote to us to ask if we had certain specific pictures of the cyclone. We said we had those pictures but that we didn´t think that those were appropriated pictures, to use. Basically they wanted bodies. There were all these pictures if bodies everywhere, woman… wailing over… people who’d die and… these sort of images. So we wrote back to say ‘we have those pictures but we think they’re not an appropriate representation of what is happening now and we think a different story can be done’. They went along with it and we put together a story on reconstruction. You know, people re-planting paddy, building their boats again (…) workers working, people helping each other, uhm, a much more positive story… But not just that positive, it was talking about how people coped with life, how they got on with it, and life after a cyclone, which was really what we were talking about. (Shahidul apud Hoek, 2003: 45-46)

Enquanto Bangladesh vivia um importante momento político, agências de notícias internacionais só se interessavam por enchentes e ciclones. Quando Shahidul propunha fotos de reconstruções, solicitavam imagens de cadáveres. Responder a essas buscas com outras 133

ofertas é parte das lutas nas quais se envolvem esses fotógrafos. Um fotógrafo militante nestes contextos, então, poderia ser definido não apenas como alguém que luta em prol de determinada questão, mas alguém que se engaja em um tipo de representação próxima, respeitosa e com o objetivo de transformar uma representação que acarretaria problemas políticos, econômicos, sociais e mesmo de segurança para determinado grupo social. Pois como assinala Debord, o “espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens” (2003: 4, grifos meus). Para construir uma “boa” ou mesmo uma “verdadeira” representação sobre determinado grupo social, muitos fotógrafos constroem suas fotos ficcionalizando as cenas a serem fotografadas. Ao refletir sobre como estão imaginando suas representações, no entanto, não me interessa separar o que seria “real” do “ficcional” das representações que construíram, mas compreender como tais categorias por vezes postas em campos opostos se misturam aqui em prol da construção de discursos (verbais, visuais e textuais) políticos, estéticos, sociais, comerciais etc. Se podemos falar em um estilo da Drik (ensaios sobre determinado tema, realizados individualmente, em longo período e publicados com textos – sejam legendas, introdução ou painéis explicativos), como sugeriu a antropóloga holandesa Lotte Hoek, o estilo da Imagens do Povo seria a publicação de imagens individuais sobre as favelas, realizadas individualmente, publicadas sem textos e exibidas sempre de forma coletiva. Estes estilos, como sugeri anteriormente, são influenciados pelos trabalhos dos próprios criadores de cada escola, Shahidul Alam e João Roberto Ripper. Nos casos até aqui focalizados, é através de um discurso mais pessoal, mais subjetivo, que os fotógrafos buscam combater a relação entre cultura e segurança da qual nos fala Bhabha na epígrafe deste su+bitem. Vejamos como isto aparece através do registro do cotidiano nos trabalhos de Taslima Akhter e Francisco Valdean.

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O cotidiano como alternativa ao espetáculo

Foto: Francisco Valdean

Capítulo 3

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A “vida privada” não é nada mais que essa zona de espaço, de tempo, em que não sou uma imagem, um objeto. O que preciso defender é meu direito político de ser um sujeito. (Barthes, 1984: 29)

Este capítulo é dedicado ao tema principal de documentação desses jovens: a vida cotidiana daqueles que focam em suas imagens. Primeiro, veremos o trabalho de Taslima Akhter, fotógrafa e ativista bangladechiana que atua há anos próxima às costureiras [garment workers] de Bangladesh, em seguida veremos o trabalho de Francisco Valdean, fotógrafo e blogueiro da Imagens do Povo, que desde seus primeiros dias como fotógrafo e escritor, se voltou para a vida cotidiana das favelas cariocas. Para compreender o modo como esses fotógrafos imaginam os cotidianos retratados, contudo, é preciso ter em mente duas características importantes da vida social, tal como apresentada por Ervin Goffman em A representação do eu na vida cotidiana (1975): a teatralidade e a idealização de suas representações. Outro fator importante a ser levado em consideração é a relação entre espetáculo e experiência que, como sugeriu Débord (2003), não podem ser separados. Assim, se Goffman (1975: 40) aponta para o fato de que a realização dramática de determinadas representações pode ser transformada em espetáculo, Debord nos oferece pistas para refletirmos sobre a interessante relação existente entre vida cotidiana e espetáculo que, assim como os outros duplos apresentados nesta tese, formam uma relação próxima e tensa, por vezes confusa e com limites fluidos159. A proposta de tais grupos, como sugeri anteriormente, é muito próxima da proposta da própria antropologia e da sociologia, diferenciando-se, muitas vezes, como sugeriu o sociólogo americano Howard Becker (1995), pelo contexto em que essas fotografias são produzidas e/ou divulgadas160. A documentação da vida cotidiana, tema básico da pesquisa antropológica161, também é central na tradição da fotografia humanista e social, tradição na qual se inserem, como demonstrei no capítulo 1. Este enfoque fica claro no trecho abaixo, 159

Ver especialmente o capítulo 4. 160 Ver o texto “Visual sociology, Documentary photography, and Photojournalism: It’s (almost) all a matter of context”, de Howard Becker, publicado na Visual Sociology em 1995. 161 A documentação da vida cotidiana, fotograficamente, faz parte da antropologia desde o seu próprio nascimento, com Malinowski, Levi-Strauss, Margaret Mead, Gregory Beatson, entre muitos outros. Para a produção de um conhecimento visual através da fotografia, o fotógrafo e antropólogo Luiz Eduardo Robinson Achutti sugeriu o termo fotoetnografia. Ver sua dissertação de mestrado “Fotoetnografia: Um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho em uma vila popular na cidade de Porto Alegre” (1996) e sua tese de doutorado “Photo-ethnographie à la Bibliothèque nationale de France : la photographie comme narration ethnographique : une autre façon de raconter.” (2002). 136

retirado do texto "A imagem fotográfica do cotidiano: significado e informação no jornalismo", de Átila Avancini: Cansados dos retratos da classe dominante ou das imagens de dor nos periódicos ilustrados, durante a Guerra Civil Espanhola ou a II Guerra Mundial, os fotógrafos humanistas, que tinham Paris como epicentro criativo, exaltaram a vida – e a paz –, produzindo imagens de anônimos do cotidiano urbano. As fotos estavam mais próximas de capturar a essência humana do que as imagens objetivas da imprensa. André Kertész, Brassaï (Gyula Halasz), Edouard Boubat, Henri Cartier-Bresson, Josef Koudelka, Marc Riboud, René Burri, Robert Doisneau, Willy Ronis e Pierre Verger foram exemplos desse movimento. Os fotógrafos inauguraram uma era na qual as ações do dia a dia foram registradas por um olhar pessoal: eventos e manifestações políticas, figuras e casais pitorescos, retratos de artistas e intelectuais, tradições culturais e paisagens urbanas, reportagens sobre países e casos de polícia (fait divers). Procurando serem os olhos do leitor nos conteúdos e formatos noticiosos, atuavam com os princípios da fotografia humanista: não comportar a verdade, não intervir e alterar a cena, voltar a cidade para o cidadão, respeitar a si e aos outros. Como repórteres visuais da atualidade, reconstruíram uma realidade pautada no “ato de reportar”: (Avancini, 2011:58-59)

Assim, os fotógrafos formados pela Pathshala e pela Escola de Fotógrafos Populares buscam fugir das representações do que a socióloga Esther Hamburguer (2007) chamou de “o drama da violência contemporânea”, intensificando e estimulando a disputa pelo "controle da visualidade, pela definição de que assuntos e personagens ganharão expressão audiovisual, como e onde, elemento estratégico na definição da ordem, e/ou da desordem, contemporânea". (Hamburguer, 2007: 114) Buscam competir com a ideia de que seria o espetáculo que definiria o que é ou não notícia, e o quê e de que jeito merece ser visto, na mesma direção do que sugeriu a autora: “Em busca da superação da posição de “objeto” e na tentativa de exercer algum controle sobre a constituição de subjetividades, aspirantes a protagonista participam da disputa pelo controle do que será visível, como e onde.” (Hamburguer, 2007:128). Vejamos como esse cotidiano é apresentado por dois fotógrafos desses grupos.

3.1 Taslima Akther: fotógrafa e ativista162 Taslima Akther, mais conhecida como Lima, nasceu em 6 de março de 1974 e tinha 36 anos quando realizei meu trabalho de campo em Daca. Terminando o 3o ano do curso de longa duração da Pathshala, ela já estava há anos envolvida com o movimento social das 162

“Fotógrafa e ativista” são os termos escolhidos pela fotógrafa para se apresentar em seu website pessoal (www.taslimaakhter.com). 137

costureiras de Bangladesh, provavelmente o grupo de trabalhadoras mais conhecido deste país por causa das explorações a que é submetido. São vastas as notícias relacionadas aos acidentes ocorridos nas fábricas e aos baixos salários pagos por grandes marcas internacionais na exploração do trabalho das mulheres e crianças deste país. De acordo com Berntsen, The garment industry in Bangladesh comprises nearly 80 % of the country’s export values and employs 2.2 million workers, the majority of them women. For importing countries Bangladesh can offer one of the lowest labour costs in the world. The deal that the garment workers themselves get is less luxurious; the minimum wages at the time of my research was 1662 taka (Muhammad 2009), which equals just above 22 USD per month. For this pay the women work approximately 12 hours a day, six to seven days a week. The working conditions in the garment factories are often dangerous, and deadly fires are common. (Berntsen, 2010: 52-53)

Em 2010, Lima já tinha concluído seu mestrado em Administração Pública na Universidade de Daca, onde esteve envolvida com o movimento estudantil desde a graduação, tendo sido presidente da Bangladesh Student Federation. Estava envolvida em organizações de mulheres e trabalhadoras, e via a fotografia como uma ferramenta para sua atuação política. Esta foi uma das razões que a levou a se inscrever no curso de fotografia da Pathshala, durante os anos de ditadura que Bangladesh viveu entre 2007 e 2009 e que a impediram de exercer suas atividades politicas formalmente163. Durante seu percurso, Lima se especializou em fotografia documental com ênfase em uma discussão de gênero. Oriunda de uma família de classe média alta, ela nunca foi costureira, mas participa, junto com seu companheiro, de uma organização política que atua junto às costureiras bangladechianas há anos164. Desde 2007 passou a documentar sistematicamente a vida dessas mulheres, em suas casas, com suas famílias (especialmente filhos e filhas), construindo uma imagem do cotidiano e das próprias trabalhadoras. Depois de concluir sua formação na Pathshala, em 2010, Lima foi selecionada para a bolsa de fotografia da Magnum Foundation, como representante da Ásia do Sul, o que possibilitou a ela participar, em 2011, do curso de verão de Direitos Humanos da New York University. No 163

Bangladesh instaurou um sistema de "Caretaker Government" [governo interino], em 1990, com o objetivo de realizar a transição entre a ditadura e a democracia no país. Ainda que este tipo de governo temporário seja geralmente implementado em um período de transição de um regime para outro, ele foi constitucionalizado neste país em 1996 no intuito garantir a idoneidade das eleições na transição de um governo (e não um sistema) para outro. E assim aconteceu em 1996 e 2001. Previsto para durar 120 dias, entretanto, em 11 de janeiro de 2007, através de um golpe de estado, declarou-se estado de exceção em Bangladesh e o governo interino, tutelado pelo exército, prolongou-se por dois anos. 164 Lima e seu companheiro também se envolveram na criação de um partido de esquerda no país e ambos participam ativamente de manifestações ligadas ao “Oil and Gas Protection Committee”. 138

mesmo ano de 2010, exibiu seu projeto “The Life and struggle of garment workers” no Angkor Photo Festival, no Cambodia165 e em 2011 ganhou o terceiro prêmio de fotografia documental da The Julia Margaret Cameron Award.

3.1.2 The life and struggle of garment workers166 Los inmensamente talentosos integrantes del proyecto fotográfico de la Farm Security Administration [Dirección del Seguro Agrario], a fines de los años treinta (Walker Evans, Dorothea Lange, Ben Shahn, Russell Lee, entre otros) hacían docenas de fotografías frontales de uno de sus aparceros hasta que se sentían satisfechos de haber conseguido el aspecto adecuado en la película: la expresión precisa en el rostro del sujeto que respaldara sus propias nociones de la pobreza, la luz, la dignidad, la textura, la explotación y la geometría. (Sontag, 2006: 20)

Na epígrafe acima, Sontag chama a atenção para o trabalho de construção de uma representação que esteja de acordo com o “aspecto adequado” da imagem e da concepção de determinada população que os fotógrafos da Farm Security Administration possuíam e realizavam. Compreender que o trabalho de documentação é também o de uma construção, ainda que o objetivo do fotógrafo seja o de apresentar "a realidade tal como ela é", é essencial para a reflexão sobre fotografia. Já que a realidade “tal como ela é” é sempre o resultado da apreensão de algum recorte tempo-espacial por parte de um ou mais sujeitos. Partindo do princípio de que as representações que aqui apresento são frutos do encontro entre o(a) fotógrafo(a) e os(as) fotografados(as), o exercício aqui é de compreender que cotidiano estas pessoas buscam apresentar de determinadas populações. As poses e construções aparecem mais claras nas fotos de Lima, ainda que ela fale pouco a respeito. Construir cenas ainda é um tabu entre os fotodocumentaristas/fotojornalistas, como nos mostrou Berntsen (2010). Fala-se pouco, e quando se fala, é sempre em tom acusatório, dirigido a uma terceira pessoa, que não está presente. Compreender como um ensaio é construído e como estas fotos são apresentadas, tendo sido elas construídas no momento mesmo do click ou após a seleção da fotografia representativa de determinada cena cotidiana, entre centenas, no momento da edição, é compreender o que é importante ser mostrado, na opinião desses fotógrafos, sobre tais grupos sociais.

165 166

Em 2012 Lima era uma das professoras da Pathshala. Em português: “A vida e a luta das costureiras”. 139

O ensaio “The life and struggle os garment workers” que trago para discussão neste capítulo foi produzido por Lima em 2010, a partir de uma encomenda da Clean Clother Campaign (CCC), uma aliança de organizações (como sindicatos e ONGs) de quinze países europeus que lutam para garantir direitos tão amplos quanto os das mulheres, dos(as) trabalhadores(as), e dos(as) consumidores(as) e promover a redução da pobreza no mundo. Atuam especificamente na indústria têxtil, e realizando campanhas internacionais, especialmente na Europa. Também desenvolvem parcerias com mais de duzentas organizações e sindicatos da indústria têxtil de países produtores, como Bangladesh, a fim de identificar os problemas locais que ajudem a estabelecer suas estratégias de atuação. Foi assim que entraram em contato com a Drik, propondo um trabalho fotográfico sobre as costureiras. Ao receberem o pedido, os responsáveis na agência pensaram diretamente em Lima, ainda estudante da Pathshala, que já estava há anos envolvida com o movimento das costureiras no país. Além de militar politicamente, Lima também já as fotografava, sendo, na opinião deles, a fotógrafa ideal para realizar o registro, especialmente no curto período (dois dias) que solicitavam. O fato de Lima, neste momento, ainda ser uma estudante e não fazer parte do quadro da Drik Picture Library, gerou certa controvérsia em relação ao seu mérito. Alguns sugeriram que ela só teria recebido a proposta por ser uma mulher: There was some controversy on this. Several photographers argued that Aneela [Lima167] was offered the assignment because she was a woman, and one of the few ‘female photographers’ in the community, although no other photographers in the community could match the experience she had from working for the garment cause. Aneela and several others (above all women, but also some men) in the Drik network found the assessment unfair; they were unhappy about the term ‘female photographer’ to start with, because they did not think their gender had anything to do with whether they were good photographers or not. A senior ‘female photographer’ told me that she as a woman had had to work harder than most of the men, but at the same time she recognized that being a woman had been a comparative advantage in her career. (Berntsen, 2010: 54 – nota 30).

A autora aponta, assim, para uma questão também importante no trabalho de Lima: a discussão de gênero. Ainda que já trabalhasse sobre o tema, que estivesse politicamente envolvida com a causa e que estivesse terminando o último ano de sua formação em fotografia, Lima, por ser uma mulher, teve sua escolha contestada por fotógrafos da agência. Apesar da contestação inicial, no entanto, o trabalho foi realizado pela fotógrafa e se tornou uma referência na instituição, por conciliar quesitos importantes que viabilizam uma

167

Berntsen não usou os nomes verdadeiros dos fotógrafos em seu trabalho. 140

documentação politicamente engajada. Se "advocacy photography" significa fotografar por uma causa, no contexto em que trabalhou Lima, e nos quais trabalham muitos fotógrafos da Drik e da Imagens do Povo, fotografar por uma causa significa construir um trabalho em parcerias com ONGs. É esta parceria que viabiliza boa parte dos trabalhos militantes e a documentação realizada por Lima ganhou potência ao alinhar interesses da ONG, da agência e da fotógrafa. Lima decidiu realizar o trabalho para a CCC porque acreditava na idoneidade do trabalho que desenvolviam em prol das costureiras. Ela esperava que eles pudessem atuar junto aos consumidores ocidentais, pressionando as empresas que compram roupas produzidas em precárias condições em Bangladesh a mudarem tal sistema de produção. Ainda que já participasse junto às costureiras em suas manifestações, organizações e protestos, foi através dessa encomenda que recebeu da CCC, que solicitava, entre outras coisas, um foco nas condições de vida dessas mulheres, que o trabalho de Lima sobre o cotidiano e a vida privada dessas trabalhadoras começou a tomar forma. The assignment from FF [CCC168] required her to focus more on the workers’ living conditions than she had done during earlier photo-shoots, but in other respects she continued to work in the way she usually did, only with a much more limited time span. She carried out the assignment photographing primarily the women she had already established a trusting relationship with through her earlier work with garment workers. Initially FF had asked her to photograph a demonstration or political speech, but since no such event took place during the days that she was shooting, she would have been forced to arrange it, which she was not willing to do. FF did not have a problem understanding this, she explains, and on completion they sent an email to Drik where they said they were very happy with her work. (Berntsen, 2010: 55)

A foto da manifestação referida acima, assim como outras fotos de fábricas queimadas e corpos mortos em acidentes em fábricas acabaram sendo inseridas em uma versão recente deste trabalho, publicada em seu website pessoal169 enquanto eu escrevia esta tese. Apesar de ter sido contratada para trabalhar durante dois dias, Lima passou quatro dias e algumas noites fotografando as costureiras em suas casas. Para ela, independente do dinheiro que receberia, era importante que o trabalho fosse bem feito. Para o ensaio publicado no site da CCC, Lima elaborou diversas legendas com a ajuda dos profissionais da Drik, que anexou às imagens entregues. Ao enviar as fotos para a ONG, a fotógrafa exigiu que seus textos 168 169

Berntsen não usou o nome verdadeiro da Clean Clothes Campaign em seu trabalho. http://www.taslimaakhter.com/gallery/the-life-and-struggle-of-garment-workers 141

fossem publicados tal como os enviou, sem interferências, proibindo-os de inserir qualquer informação sem sua aprovação prévia. Em seu contrato, a fotógrafa também exigiu que suas imagens só fossem utilizadas "de acordo com sua causa". Part of the agreement with FF was that they could only use the images “in accordance with her cause”. It was particularly important for her that FF respected that she did not believe the solution was to close down the factories, which in her opinion would only serve to further marginalize the workers. The titles accompanying her images should further be kept in their original form, and the real names of those photographed should not be mentioned for the protection of the “subjects”. (Berntsen, 2010: 54)

Produzir uma representação que dignifique os retratados é uma das principais questões para Lima, assim como o é para os outros fotógrafos da Drik e da Imagens do Povo. Uma fotografia que dignifique significa, para todos eles, investir nos aspectos positivos e não negativos das vidas daqueles que representam. O tempo dedicado ao convívio com os fotografados e a reflexão crítica sobre o trabalho que está sendo produzido são alguns dos aspectos que permitem esta produção. Para Lima, uma representação digna significa "to focus on a person’s inner strength, rather than weaknesses". Por exemplo, "if a person is disabled, instead of focusing on that he has no arm, which would evoke pity for the ‘subject’, rather show that persons inner strength" (Berntsen, 2010). Seu ponto vai ao encontro de Bira, e sua reflexão me fez pensar no retrato que ele elaborou de Lucas que vimos no capítulo anterior e que vamos ver no próximo capítulo através do trabalho de Saiful Huq Omi sobre as vítimas da violência política em Bangaldesh. O trabalho de Lima é um dos mais completos já elaborados por um(a) fotógrafo(a) da Drik e/ou por um(a) aluno(a) da Pathshala no que diz respeito aos pontos de que trato nesta tese: a documentação da vida cotidiana, as denúncias e as negociações que precisam ser feitas para a publicação dos ensaios. Também o é no que diz respeito a outros pontos valorizados pela Drik, como o engajamento e a dedicação de longo período ao assunto retratado, como apontou Berntsen: I believe Aneela’s garment work embodies qualities that Drik values also on other levels. A long-term engagement and dedication to political cause is aspired, as well as a relative closeness to one’s photographic “subjects”, in spite of the large distance between the photographer and workers in terms of socio-economic realities. Further, respectful portrayals that emphasize strength, courage and individual agency are preferred. The photographer is also an activist, radical in her ideals, sympathizing with the working class in her work and aspiring to change the status quo. (Berntsen, 2010: 66)

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Vejamos como Lima organizou suas fotos e legendas, construindo sua narrativa neste ensaio apresentado para a CCC. Da maneira como foi apresentado no site da ONG, o leitor primeiro tem acesso às miniaturas das imagens, divididas em seis páginas, podendo clicar em cada imagem individualmente, o que o leva a uma nova página onde vê a imagem em tamanho maior, acompanhada de sua legenda. Por motivos de impressão, decidi apresentar as legendas reunidas no final do ensaio que apresento em seguida. As fotos devem ser vistas da esquerda para a direita, de cima para baixo.

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Legendas Taslima Akhter Clean Clothes Campaign 1. Garment Worker Najma Akhter, 23, is depressed after she had to leave her work in a sweater factory for taking care of her newborn baby. Even though it is legally obliged, the factory didn't provide a day care center for children. Najma started working in the garment factory 5 month after her delivery. But when she didn’t get the chance to breast feed her child for more than 5-6 hours, she couldn't stand the pain for long. After a short time she decided to leave the factory. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 2. Idem 3. Most garment workers have no choice but to live in unhygienic circumstances in the slums. Dhaka, Bangladesh, August 2009. 4. Garment worker Rebu Akhter is getting water for cooking from a tube well. Ten to 12 families have to share the same tube well, in a cramp and small space, which is used for washing clothes, cooking and bathing. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 5. Idem 6. These children are passing time alone as their mother is out working in the garment factory. They have to help with household chores such as cooking or taking care of younger siblings. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 7. Children of garment workers are playing with dolls, which they made themselves out of cheap cloth. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 8. Most children of garment workers don't have a clean environment in which to play. They can't effort to go to the park or play outside though. Many of these children are also suffering from malnutrition. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 9. Shanaj, who stays at home as a housewife is teaching the children of garment workers on the roof of a house. She only charges 200-300 taka a month. Most garment workers do not make enough money to send their children to school. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 10. Idem. 11. Garment worker Nurun Nahar having lunch with her family in this small room, which costs 1050 taka rent per month. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 12. Idem. 13. Garment worker Nurun Nahar, 21, is married but her husband is not with her anymore. It is common for husbands of female garment workers to leave a few days after getting married if they haven't received dowry payment by then. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 14. Idem. 15. Idem. 16. Garment worker Nurun Nahar, 21, is resting after coming back from the factory. She works in the woven garment industry and is not given any days off. She rests whenever she gets a chance. August 2009, Dhaka, Bangladesh 17. Idem. 18. Najma Akhter is working for a sweater factory. She is sharing food with her family at night during Ramadan, the fasting month for Muslims. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 19. Garment worker Nurun Nahar, 21, is getting ready for work. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 20. Idem. 21. Garment worker Nurun Nahar, 21, on her way to work in the factory. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 22. Garment worker Najma Akhter, 23, and her entire family - her children, her parents and her siblings – asleep in their home. Altogether, 11 family members share this one room. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 23. Garment worker Ruma cooking in a shared kitchen. Ten to 15 families have to share this kitchen. They are in a constant hurry in the morning and at night to get their cooking done. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 24. A kitchen shared by ten to 15 garment worker families. They are in a constant hurry in the morning and at night to get their cooking done. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 25. Ten to 12 families have to share the same tube well, in a cramp and small space which is used for washing clothes, cooking and bathing. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 26. Ten to 12 families have to share the same tube well, in a cramped and small space that is used for washing clothes, cooking, and bathing. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 27. Ruma, §her brother Faruk, and her two sisters are working in garment factories. They live together in this single room with four other family members. They pay 1,500 takas a month for this room, which is a large part of their salary. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 28. Idem. 29. 22 children are taken care of in this single room. Bangladeshi law actually stipulates that daycare centers 152

should be provided by garment factory owners but as this is usually not the case, the two garment workers Shobnom Hafj and Nurrun Nahar founded volunteer run Matrichaya Daycare Center. Garment workers with children need only pay 150-200takas a month to the center, which will care for their children from morning till night. Shobnom and Nurrun have to pay for the runing costs from their own pocket, if they don't raise enough money. So they also try raising donations from wellwishers. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 30. Idem. 31. Ibidem. 32. Ibidem. 33. Garment workers are hurrying to enter the factory by 8am. If they are late, their salary will be cut and they won't be able to receive any bonus.The garment industry in Bangladesh has nearly 2.4 million workers, 80 percent of which are women. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 34. Idem. 35. Idem. 36. Most children of garment workers don't have a clean environment in which to play. They can't effort to go to the park or play outside though. Many of these children are also suffering from malnutrition. August 2009, Dhaka, Bangladesh 37. Garment worker Kulsi Begum, 20, shares this room with two other workers. They pay 1,500 taka rent a month, which is a large part of their 1,662 taka monthly salary. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 38. Idem. 39. Portrait of garment worker Joli Akhter, 20, who has worked as an operator in a garment factory for the last three years. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 40. Idem. 41. Portrait of Nurun Nahar, 21, who has been working as an operator in a garment factory since three years. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 42. Hasina Akhter, 22, and her sister-in-law Joli Akhter, 19, are standing in front of their room with their friend Nurun Nahar, 21. They share one room which costs 1,500 taka in rent. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 43. Garment worker Kulsi Begum is getting ready to leave home. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 44. Hasina Akhter, 22, her sister-in-law Joli Akhter, 19, and friend Kulsi Begum, 20, in front of their room. They share one room which costs 1,500 taka in rent. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 45. Portrait of Kulsi Begum, 20, who has been working as an operator in a garment factory for the last two years. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 46. Garment workers Hasina Akhter, 22, and her sister-in-law Joli Akhter, 19, are getting ready to leave the house. Dhaka, Bangladesh, August 2009. cc Taslima Akhter/CleanClothesCampaign 47. Most mornings, Joli Akhter and her family eat rice and potato curry with chilli for breakfast. Sometimes they can only eat plain rice with some curry gravy and salt. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 48. Idem. 49. Garment workers Joli, 20, and Ruma, 18, on their way to the factory. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 50. Garment workers are hurrying to enter the factory by 8am. If they are late, their salary will be cut and they won't be able to receive any bonus. The garment industry in Bangladesh has nearly 2.4 million workers, 80 percent of which are women. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 51. Idem. 52. Most children of garment workers don't have a clean environment in which to play. They can't effort to go to the park or play outside though. Many of these children are also suffering from malnutrition. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 53. Portrait of two young garment workers, Jhumur, 16, and Rupa, 14. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 54. During holidays, garment workers and their families watch television together for entertainment, because they can't afford to leave home. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 55. Preparing a meal in a garment worker’s household. The families usually eat rice with cheap vegetables and small fish, because most of the time they cannot afford to buy more nutritious food. August 2009, Dhaka, Bangladesh. Taslima Akhter / Clean Clothes Campaign 56. Nurun Nahar is preparing lunch during a holiday. The garment worker families usually eat rice with cheap vegetables and small fishes, because most of the time they can't afford to buy more nutritious food. August 2009, Dhaka, Banlgadesh. 57. Portrait of garment worker Nurun Nahar, 21. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 58. Like Jannat and her friend, most garment workers have to live in cramped, narrow and dark buildings, sharing only one room with sometimes more than 10 family members. A single room can cost 1,000 to 2,500 takas a month. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 59. Nurun Nahar is chatting with friends in front of her room. There is little privacy for anyone as most garment workers have to live in cramped, narrow and dark buildings, sharing only one room with sometimes more than 153

10 family members. A single room can cost 1,000 to 2,500 takas a month. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 60. Garment worker Najma Akhter, 23, is sleeping in this room with her entire family - her children, her parents and her siblings. Altogether, 11 family members share this one room. August 2009, Dhaka, Bangladesh. 61. Idem.

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Nas páginas dedicadas ao ensaio de Lima no site da Clean Clothes Campaign170, as fotos foram publicadas em excelente qualidade, disponibilizadas para transferência pelo visitante, e acompanhadas das legendas publicadas acima de cada foto. Ao entrarmos na primeira página dedicada ao ensaio, nos deparamos com a seguinte apresentação: These photos reflect the daily live of garment workers, their struggles, living circumstances of (unemployed) garment workers and their children. All photos in this album are licensed under the Creative Commons license and can be used for non-commercial purposes when attributing the license holder. Taslima 171 Akhter/CleanClothesCampaign

Antes de apresentar suas fotos, Lima chama a atenção para o cotidiano de lutas e a vida dura que levam as costureiras de Bangladesh, vivendo muitas vezes em situação de desemprego, com muitos filhos para criar. A fotógrafa também chama a atenção para a licença das imagens, que podem ser utilizadas para fins não-comerciais, explicitando seu desejo de que sejam (re)utilizadas para divulgação da causa em que está pessoalmente envolvida. Os nomes são fictícios, mas Lima escolheu dar o seu sobrenome (Akhter) a algumas das costureiras que apresenta, aproximando-as de si mesma. As fotos, muito coloridas por causa dos tecidos das roupas utilizadas pelas costureiras, são feitas em sua maioria nos interiores das casas, em ambientes de pouca luz, colaborando com uma representação sombria que aponta para a dura realidade em que vivem estas trabalhadoras. O ambiente sombrio é contrastado com as cores dos tecidos que vemos tanto no corpo quanto na casa dessas mulheres, e que também é sua matéria de trabalho. Em Bangladesh, quando se fala em lugar de moradia das costureiras (uma profissão essencialmente feminina, ainda que muitos homens trabalhem em pequenas confecções do país) e dos rickshawallahs (homens condutores de triciclos que funcionam como bicitáxis), pensa-se em bosties, as "favelas" bangladechianas. São grupos de trabalhadores que em sua maioria migram das diversas cidades e vilarejos do interior do país para a capital à procura de trabalho, ainda muito jovens, buscando melhores condições de vida. Ao chegar à grande cidade, no entanto, se deparam com longas jornadas de trabalho, recebendo baixos salários, e se veem obrigados a viverem em pouco espaço, dividindo o ambiente com muitas pessoas, às

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www.cleanclothes.org www.cleanclothes.org/media-inquiries/photos/?g2_itemId=2621 155

vezes membros da sua própria família, às vezes não172. As imagens do interior das casas muitas vezes são sobrecarregadas de informações, pelo pouco espaço que ocupam com suas famílias. Muitas vezes dormem, comem, guardam seus pertences e utensílios em um mesmo espaço. Mas ainda que para um público ocidental a imagem de famílias comendo no chão possa remeter a algo insalubre, em Bangladesh é comum vermos pessoas cozinhando e comendo sentadas no chão. As crianças, por sua vez, não são retratadas com olhares que pedem ajuda ou com corpos desnutridos. É a luta diária para ter uma vida digna que é ressaltada, especialmente imageticamente. Lima as documenta como uma família como outra qualquer, cujos membros saem cedo para trabalhar, fazem comida, ensinam as crianças a ler e escrever. É através do seu texto que descobrimos que a comida é feita apressadamente em uma cozinha comunitária, que não possuem assistência em seus empregos para seus filhos (e por isso se organizam com algumas voluntárias para poderem trabalhar) e que vivem em ambientes de uma única peça. São as mulheres que aparecem em foco. Pouco é dito sobre as crianças, praticamente nada sobre seus maridos. São mulheres fortes, trabalhadoras, amigas, mães e esposas. Aparecem sérias, melancólicas ou tristes. Em apenas quatro imagens algumas esboçam um sorriso. A alegria nos é apresentada através das crianças, no retrato das três meninas que aparecem na primeira prancha aqui apresentada. A combinação entre textos e imagens que Lima constrói em seu ensaio, assim como a conciliação em um mesmo projeto de seus desejos com os da organização contratante fizeram dele um caso ideal173 para a Drik. Projetos pessoais e encomendas são frequentemente separados pelos fotógrafos de ambos os países, o que aponta para desejos difíceis de serem conciliados. Ainda que alguns fotógrafos consigam, por diferentes maneiras, fazer financiarem seus trabalhos, durante toda a minha pesquisa, o caso de Lima foi o único onde 172

Um dos principais documentaristas bangladechianos, Tanvir Mokammel realizou um documentário em 2007 sobre a vida delas, intitulado Bostrobalikara : Garments Girls of Bangladesh. A fotografia do filme foi feita por um dos mais importantes fotógrafos bangladechianos que vive em Paris, Anwar Hossain. O filme ganhou o prêmio de melhor documentário da Bangladesh Federation of Film Societies no mesmo ano. Assim como Lima, o cineasta também chama a atenção para a importância dos consumidores ocidentais nessa cadeia de explorações, apresentando aqui o "ocidental" não apenas aquele com o qual dialogam por meio de suas imagens, mas como alguém que deve tomar consciência e se engajar para transformar um sistema no qual participam de maneira importante, seja consciente ou não. 173 No sentido do "tipo ideal" tal como apresentado pelo sociólogo Marx Weber (1974). 156

o(a) fotógrafo(a) recebeu uma encomenda para realizar um trabalho que já desenvolvia. Esta mesma combinação entre discursos textuais e visuais, no entanto, aponta para a utilização da mesma inversão de sentido semiótico (ou giro semântico) da qual falou Flores (2004) sobre a foto que Shefu Shektali Aktar, membro do projeto Out of Focus levado a cabo pela Drik anos antes, fez do seu pai doente: En el caso de Shefu Shektali Aktar la narración de palabras e imágenes de la enfermedad terminal de su padre acompaña a unas fotos más bien amables - en casi todas, el padre sonríe a la pequeña hija fotógrafa - para invertir el sentido semiótico de la imagen y construir, en cambio, un retrato doloroso, subjetivo y potente de la dura existencia de las clases marginadas en el tercer mundo: “La cama de mi padre estaba en el suelo, porque orinaba frecuentemente. Su cuerpo entero se sacudía con el dolor y no podía dormir. Cuando tomé esta foto antes de su tercer ataque de hemiplejia, mi hermano pequeño preguntó a mi padre cómo se sentía. Creo que no voy a salir de ésta”. (Flores, 2004: 25)

Vejamos como Lima trabalha esse giro semântico, ou essa complementariedade de informações em algumas de suas fotografias.

Garment Worker Najma Akhter, 23, is depressed after she had to leave her work in a sweater factory for taking care of her newborn baby. Even though it is legally obliged, the factory didn't provide a day care center for children. Najma started working in the garment factory 5 month after her delivery. But when she didn't get the chance to breast feed her child for more than 5-6 hours, she couldn't stand the pain for long. After a short time she decided to leave the factory. August 2009, Dhaka, Bangladesh.

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Em sua representação sobre as costureiras, os problemas ligados às mulheres aparecem como questão central. Lima os apresenta de forma subjetiva. Conta que Najma, uma jovem bangladechiana de 23 anos, mãe de ao menos duas crianças, está deprimida. Gostaria de trabalhar, mas por não contar com a assistência necessária para amamentar e estar próxima do seu filho recém-nascido, precisou deixar o emprego em uma fábrica de suéteres. A fotógrafa chama a atenção para a ilegalidade do descumprimento da assistência por parte dos dirigentes das fábricas, o que nos remete ao universo de abusos que sofrem as trabalhadoras desse setor. Em sua imagem, vemos uma jovem sentada em uma cama, no escuro, em um ambiente comprimido por panelas e um armário repleto de utensílios culinários. Compreendemos rapidamente que ela dorme no mesmo ambiente em que guarda esses objetos. Há um feixe de luz que entra e clareia suavemente seu rosto. As grades da janela parecem condizer com a condição que a aprisiona. Lima se posiciona ao mesmo nível que Najma para fotografá-la. A imagem, apesar de ter sido elaborada próxima à fotografada, nos coloca dentro da cena de forma distante. Ainda que a decisão de abandonar o emprego para estar perto de seus filhos tenha sido de Najma, sua vontade não era essa, e por isso deprimiu-se. A situação dessa mulher, à medida em que avançamos no ensaio, torna-se ainda mais dura, quando aprendemos que algumas dessas costureiras são abandonadas por seus maridos logo após o casamento. Descobrimos também que as crianças são obrigadas a ficar sozinhas enquanto suas mães trabalham, e que apenas quando essas mães conseguem se organizar voluntariamente para cuidarem de forma coletiva das crianças umas das outras, é que conseguem estabelecer uma situação que lhes permita trabalhar. Algumas pagam a uma de suas colegas, dona de casa, para cuidar e educar seus filhos, visto que não possuem dinheiro suficiente para enviá-los para uma escola. Às vezes os filhos mais velhos são obrigados a cuidar dos seus irmãos mais novos enquanto sua mãe está fora.

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Most garment workers have no choice but to live in unhygienic circumstances in the slums. Dhaka, Bangladesh, August 2009.

Ao apresentar o local onde vivem as costureiras, Lima chama a atenção para o fato de que essas jovens não têm outra opção que a de viver em “slums”, e em "circunstâncias não higiênicas". Nesta imagem, vemos o chão da rua que habitam, em primeiro plano, desproporcionalmente maior que as próprias trabalhadoras, que aparecem no fundo. Vemos casca de ovos e garrafas plásticas misturadas com terra, água e esgoto. A mulher que aparece no centro da foto, no fim do caminho que nos leva à trilha de tijolos, está em pé, descalça, mexendo nas roupas limpas estendidas no varal. Seu pé quase toca o chorume. Uma outra trabalhadora carrega um bebê nu em seu braço. Vemos o material do qual são feitas as casas, telhas de amianto, que têm como característica a instabilidade. Pouco a pouco descobrimos que todas as doze famílias que ocupam este lugar se servem de um mesmo poço para retirar água para cozinhar, lavar suas roupas e tomar banho. Pela imagem que temos do lugar deduzimos que a água deve estar poluída. Através de uma outra imagem, e de mais textos, descobrimos que as crianças também brincam neste lugar. Apesar de nos falar da insalubridade dos ambientes em que vivem, no entanto, este não é o foco das suas fotos. Com exceção de alguns ambientes externos documentados, como é o caso 159

da foto acima apresentada, onde vemos lixo acumulado na rua, não é a imagem de um ambiente sujo que vemos em suas fotos, como vemos nas imagens que apresento abaixo, retiradas da internet através de uma busca com as palavras “slums Bangladesh”.

Duas primeiras imagens apresentadas pelo Google Images através de pesquisa realizada com as palavras “slums Bangladesh” em 11 de agosto de 2012.

Quando nos fala das condições "não higiênicas" em que vive essa população, no entanto, Lima nos remete a toda a discussão higienista que dominou as representações das favelas durante muito tempo, influenciada pelo conceito médico-higienista europeu do século XIX. Este pensamento higienista associa o meio em que determinado grupo social vive a diversos outros setores de suas vidas, como mostrou Valladares: Para ela [a favela] se transfere o postulado ecológico do meio como condicionador do comportamento humano, persistindo a percepção das camadas pobres como responsáveis pelo próprio destino e pelos males da cidade, dando a perceber o debate sobre a pobreza e o hábitat popular – já desde o século XIX agitando as elites cariocas e nacionais – fará emergir um pensamento específico sobre a favela do Rio (Valladares 2005: 28).

Enquanto escrevia esta tese, moradores de uma das maiores bosties de Daca, Korail, estavam sendo despejados por causa de um processo de "limpeza" (termo utilizado pelo jornalista bangladechiano Syed Zain Al-Mahmood em matéria publicada no The Guardian174 em 11 de abril de 2012). Este mesmo discurso higienista é frequentemente utilizado em referência às favelas cariocas, e ganhou novo impulso com as novas remoções que estão acontecendo por causa dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 que acontecerão no Rio de Janeiro, entre outras cidades brasileiras.

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http://www.guardian.co.uk/global-development/2012/apr/11/dhaka-bangladesh-slum-dwellers-eviction 160

Mas nem todas as costureiras vivem em bosties. Como vimos em suas fotos, algumas vivem em prédios estreitos, escuros e superlotados, às vezes com mais de dez familiares. A imagem da profunda miséria, no entanto, é quebrada pela presença de alguns objetos como a televisão, sua principal fonte de lazer, segundo a fotógrafa. À medida em que apresenta suas fotos, Lima nos faz imergir em informações de diferentes níveis a respeito da vida dessas trabalhadoras. Ao mostrar a cena de um jantar, ela nos apresenta dados econômicos, religiosos e alimentícios, entre outros, numa combinação de discursos visuais e textuais que se complementam.

Najma Akhter is working for a sweater factory. She is sharing food with her family at night during Ramadan, the fasting month for Muslims. August 2009, Dhaka, Bangladesh.

Na imagem acima, a família aparece reunida na refeição diária mais importante do Ramadã, o Iftar. A refeição noturna que acontece depois de todo o dia em jejum é o momento onde os familiares se reúnem, às vezes junto com amigos, em jantares que costumam ser bem festivos. Após a refeição, costumam sair para visitar outros amigos e familiares, reunindo-se para a última oração do dia. O espectador ocidental, assim, compreende que se trata de um país muçulmano, apesar dos sáris que em geral remetem a imagens de indianas hindus. Visualmente, apenas o tupi na cabeça do seu filho mais novo remeteria à religião.

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Nesta foto, como na outra onde onze pessoas dormem no mesmo cômodo, temos uma noção da quantidade de indivíduos que partilham o mesmo ambiente. Em outra, também de um jantar, descobrimos o valor que uma família paga pelo quarto: 1.500 BDT por mês, boa parte do salário de 1.662 BDT (algo em torno de R$38/15€) que recebiam no momento do ensaio. É através da preparação da comida, em uma terceira foto, que descobrimos que quinze famílias dividem a mesma cozinha. "They are in constant hurry in the morning and in the night to get their cooking done", nos explica Lima. Se os interiores das casas dos habitantes das favelas são pouco documentados pela Imagens do Povo no Brasil, como criticaram os professores da Escola de Comunicação da UFRJ Mauricio Lissovksy e Beatriz Jaguaribe (2007), a vida privada é mostrada em detalhes nas imagens produzidas por Lima nas casas dessas trabalhadoras. Através da foto das mulheres entrando em uma fábrica, o mais próximo que conseguiu chegar dos seus ambientes de trabalho, a fotógrafa nos fala sobre a rigidez com a qual são controladas: se não forem pontuais, têm seu salário descontado.

Garment workers are hurrying to enter the factory by 8am. If they are late, their salary will be cut and they won't be able to receive any bonus. The garment industry in Bangladesh has nearly 2.4 million workers, 80 percent of which are women. August 2009, Dhaka, Bangladesh.

Junto com a foto, Lima também apresenta algumas informações sobre a indústria têxtil no 162

país, ressaltando o fato de que 80% daqueles que trabalham neste setor são mulheres. A (des)proporcionalidade entre homens e mulheres fica clara na imagem: nas grandes fábricas, as mulheres são maioria absoluta. A sequência das fotos que apresenta, ou seja, sua narrativa, permite ao leitor compreender o contexto em que tais imagens foram produzidas (Becker, 1974). A proposta de fornecer ensaios, combinando fotos com textos, é uma estratégia para garantir que sua imagem seja compreendida como espera. Uma única fotografia poderia ser facilmente utilizada fora do contexto. Um ensaio que conte com diferentes textos torna a compreensão mais fechada. Essa é uma estratégia da própria Drik, "a strategy adapted to protect the rights of the photographers and the social goals of the agency". (Berntsen, 2010: 57).

O ensaio de Lima nos oferece uma complexa representação da vida cotidiana dessas trabalhadoras, desde sua organização familiar até a infraestrutura e recursos com que contam para viver. Conhecemos o modo como se organizam para sua jornada de trabalho, como cuidam de si e de sua família quando voltam para casa, que dificuldades enfrentam economicamente, socialmente e emocionalmente. As informações fornecidas pelas imagens não são da mesma ordem que os textos, mas os complementam. A partir da categoria trabalhadoras, uma importante categoria para ambos os grupos, Lima apresenta outros importantes temas como a religião, a educação, a alimentação, as disparidades entre pobres e ricos, homens e mulheres etc. É através das costureiras também que acessamos o cotidiano da população que vive nas bosties.

3.2 Francisco Valdean: fotógrafo da agência Imagens do Povo, graduando em Ciências Sociais, arte-educador e blogueiro175 Francisco Valdean tem 31 anos, dos quais dezesseis foram vividos na Baixa do Sapateiro, uma das 16 favelas do Conjunto de Favelas da Maré. Veio para o Rio de Janeiro seguindo sua mãe, que depois de se separar do seu pai, quando ele tinha 8 ou 9 anos, decidiu migrar para a cidade em busca de trabalho. Depois que deixou o povoado de Cachoeira Grande, em Poranga, fronteira do Ceará com o Piauí, Valdean demorou dez anos para voltar à cidade 175

www.imagensdopovo.org.br/fotografos/francisco-valdean 163

onde nasceu e reencontrar seu pai. Tinha muita vontade de vir para o Rio, destino “natural” dos meninos da sua cidade que, ao completarem 18 anos, migravam para o Rio, para São Paulo ou para Brasília em busca de trabalho. Mas quando chegou ao Rio de Janeiro, sem conhecer quase ninguém, Valdean estranhou a cidade, que achou imensa em comparação ao universo a que estava habituado. Na cidade onde nasceu, só se podia estudar até a 3a série. Era o último ano oferecido pela escola. “Fazer até a terceira série lá era o máximo”, contou. Mas no Rio “era coisa de criancinha”. Ele chegou com 15 anos, e tinha como objetivo estudar. Mas tendo que ganhar dinheiro para se sustentar, três dias depois que chegou, começou a trabalhar. Seu primeiro trabalho foi como balconista numa padaria na própria Maré. E foi através do trabalho que começou a criar seus primeiros laços de amizade. Trabalhou nesse mesmo lugar durante quase dois anos, quando, com 17 anos voltou a estudar. Sonhava com um trabalho digno, mas quando chegou se decepcionou. Pensou que, ainda que seja uma profissão, balconista não “dignifica”, não “traz benefícios”. Não queria isso pra si, e com 18 anos já realizava um curso do Telecurso 2000 no Morro do Timbau, outra favela da Maré. Para terminar sua formação, teve que sair do trabalho. Seu padrasto, o novo marido da sua mãe, não aceitou sua escolha, mas sua mãe “não resistiu”. Valdean comprou a briga dentro de casa e recomeçou a estudar. Após concluir o 1o grau (hoje chamado de ensino fundamental), se inscreveu em um curso de informática. Trabalhou em um restaurante, e teve outros pequenos trabalhos paralelamente aos estudos, conseguindo se sustentar e pagar o curso com o que ganhava. Neste período, fez vários cursos técnicos e profissionalizantes, e trabalhou em diferentes empregos. Mas tinha muitas dificuldades com a língua portuguesa. Quando terminou o curso de informática, decidiu, então, continuar sua formação regular, e se inscreveu o 2º grau (ensino médio). Nesta época, já estava com pouco mais de 20 anos. Durante o 2º grau, Valdean se tornou representante de turma e se envolveu em um movimento para criação de um grêmio em sua escola. Lá, conheceu pessoas que trabalhavam no CEASM, a ONG da qual saíram pessoas para formar o Observatório de Favelas. Um ano antes de terminar o 2º grau, em 2004, foi indicado, pelo Observatório de Favelas, onde já participava 164

voluntariamente de algumas atividades aplicando questionários para suas pesquisas, para o curso de fotografia oferecido por João Roberto Ripper. Foi o curso que viria a fundar a primeira turma da Escola de Fotógrafos Populares da Imagens do Povo, do qual também participaram Bira e Naldinho. Valdean tinha como objetivo cursar uma faculdade, fazer um curso superior. Mas na verdade, começou o curso de fotografia e se inscreveu em um pré-vestibular, também na Maré. Sua trajetória de vida nos indica algo presente na trajetória de muitos outros fotógrafos da agência: uma forte vontade de estudar e de “mudar de vida”. A família de todos eles também costuma valorizar seus investimentos e estimular a continuação dos estudos. Este estímulo apareceu mesmo em famílias onde os pais estudaram pouco ou nada, como no caso de Valdean, que tinha uma mãe semianalfabeta e um pai que ele descreveu como "analfabeto" por nunca ter estudado em uma escola, mas que tinha aprendido a ler e escrever de maneira autodidata, assim como aprendeu a tocar violão. Sua mãe aprendeu a ler e escrever já com idade avançada, através do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), um projeto do governo brasileiro instaurado durante a ditadura militar que propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos. Sua mãe falava muito e com muito orgulho da sua participação nesse projeto. Seu pai nunca ingressou em uma escola, mas, segundo Valdean, contava que aprendeu a ler da seguinte forma: onde ele morava tinha uma escola, e ele não podia estudar, então ele assistia as aulas da janela. Essa imagem era muito forte. Ele falava que ele assistia as aulas da janela e que de alguma forma ele conseguiu aprender o alfabeto e conseguiu juntar as sílabas, fazer a junção. Então ele sabia ler e escrever. Nunca estudou, mas sabia ler e escrever. (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011).

Valdean disse que seu pai precisou trabalhar desde muito novo, e por isso levava uma vida que não lhe permitia estudar. O próprio Valdean começou a trabalhar muito cedo, ainda que tenha conseguido investir paralelamente em sua própria educação. Tanto sua mãe, como seu pai valorizaram muito o estudo. Assim como Bira e Ripper, Valdean também nasceu em uma família bastante religiosa. O pai era protestante, da Assembléia de Deus, e trabalhava como obreiro176 na Igreja. A mãe se 176

O obreiro é um trabalhador assalariado que é responsável por ajudar o pastor na Igreja. Dentre as suas 165

tornou protestante por causa do marido, mas deixou a Igreja quando se separaram. Ela vinha de uma família católica que não gostava muito do marido que encontrou por causa da sua religião, o que causou certos conflitos na família. Conflitos semelhantes àqueles que viveram os pais de Bira. Valdean contou que foi batizado após três dias de vida na Igreja Católica por sua mãe e seus avós maternos, escondido de seu pai, já que na religião protestante uma pessoa só é batizada em idade adulta, quando já tem consciência da sua escolha. Durante toda a sua infância, Valdean frequentou a Assembléia de Deus quase diariamente, até que por volta dos 10 anos seu pai lhe permitiu escolher se gostaria de continuar a frequentá-la e ele parou de ir. Seu pai também acabou por sair da Igreja, passando a frequentar outra menos rígida no final de sua vida. Ainda em Cachoeira Grande, Valdean chegou a participar de alguns eventos organizados pela Igreja Católica, que era ligada à Teologia da Libertação. Ainda que afirme não seguir uma religião, as religiões católica e protestante tiveram papel importante na sua formação. Seu interesse pela política surgiu ainda nessa cidade, quando via a relação que os políticos desenvolviam com a população em tempos de eleições. Seu pai também se interessava por política, e atuou como presidente de uma associação voltada para o recebimento do INSS da população, onde sua mãe trabalhou como tesoureira. Valdean lembra das opiniões políticas do pai, especialmente em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT). Eu lembro que no tempo em que o Collor disputou a eleição presidencial com o Lula, lá na Cachoeira Grande era um tanto dividido. O Collor era um cara bonito, aí as pessoas votavam. Aí eu lembro, não sei se era uma coisa do meu pai, ou já era uma coisa minha... eu pensava que era meio contraditório não votar no Lula. Pelas nossas condições, pelo discurso do Lula, era evidente que a gente tinha que votar no Lula... E meu pai votava no Lula. Abertamente dizia isso. O que era uma coisa ruim, porque a prefeitura lá sempre foi do PSDB. E quem votava no PSBD tinha certas regalias, emprego... até os empregos mais temporários eram dessa galera. Quem se declarava PT corria o risco de nunca... (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011)

Ainda estudando na Escola de Fotógrafos Populares, por causa da sua formação em informática, Valdean foi selecionado para trabalhar no banco de imagens da Imagens do Povo, cargo que ocupa até hoje177. No começo, só havia fotos do Ripper, e Valdean foi o responsável por sua organização. Lembra que havia muitas fotos da chacina dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra, em Eldorado dos Carajás. Algumas de corpos mutilados, diversas funções está o acolhimento de novos fiéis, a limpeza da Igreja e o recolhimento das doações. 177 Hoje Valdean é coordenador do banco de imagens do Imagens do Povo. 166

utilizadas pela autopsia, e outras que Ripper doou para os processos jurídicos. Por trabalhar no banco e ter livre acesso ao Observatório de Favelas, Valdean foi também o monitor dessa primeira turma, que contou com algo em torno de vinte alunos. Depois de terminar sua formação, antes mesmo de entrar para a faculdade, Valdean atuou como professor em alguns cursos e oficinas oferecidos pela Imagens do Povo, dentro e fora da Maré178. Em 2008, ingressou no curso de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) através do sistema de Cotas179, em sua segunda tentativa. Neste mesmo ano, também passou no vestibular para a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), mas escolheu a UERJ por causa da vivência que poderia experimentar nesta universidade, especialmente por contar com o sistema de cotas. Foi o primeiro da sua família a entrar em uma universidade180, e estava concluindo o curso em 2012. Quando ainda estava na escola, pensou em estudar Direito. Também já tinha pensado em estudar Artes ou Comunicação, mas através da fotografia teve contato mais próximo com pessoas da área de sociologia, o que acabou atraindo-o para as Ciências Sociais. Também já tinha cursado uma disciplina de sociologia na escola, de que tinha gostado "por ser uma matéria onde se discutia muito". Atualmente Valdean ministra aulas de produção de conteúdo para a internet na Agência Jovem de Comunicação do Banco da Providência e de fotografia na Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC). Já exibiu suas fotografias em diversas exposições coletivas da Imagens do Povo, como a “Olhar Cúmplice”, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro e a “Esporte na favela”, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), ambas em 2007, e expostas também no Palácio do Planalto, em 2008. Em 2009, participou da exposição "Sonhos Velados", na Casa de Cultura Laura Alvim; em 2010 participou da exposição coletiva "Periferia.com" do "Verão da Cultura Urgente", no Parque Lage, no Rio de Janeiro. Em 2007, criou o blog O Cotidiano181, onde publica constantemente fotografias, reflexões e notícias sobre a vida no Conjunto de Favelas da Maré, sobre outras favelas e sobre a cidade 178

Valdean dá aulas em oficinas desde 2005, e a partir de 2007 começou a atuar como professor em cursos de maior duração, que podiam durar de semanas a meses. 179 Cotas para estudantes da escola pública. 180 Contou: "fui o primeiro de minha família a entrar na universidade, fui o primeiro a concluir o ensino médio e o primeiro de muitos a ser alfabetizado." 181 www.ocotidiano.com.br 167

do Rio de Janeiro, a partir do ponto de vista de um morador da Maré. Suas fotos, muitas vezes apresentadas sem um recorte temático específico, também retratam a vida cotidiana dos moradores destas áreas. Considera que tudo o que tem feito está ligado ao cotidiano das favelas, especialmente daquelas da Maré, e por isso apenas quando recebeu uma encomenda, como aconteceu com Lima, criou um ensaio intitulado "Cotidiano do Conjunto de Favelas do Alemão", um outro conjunto de favelas que existe perto de onde mora. Vejamos como o cotidiano aparece neste ensaio que organizou, e em outro publicado sem título no site da Imagens do Povo.

3.2.1 O cotidiano das favelas cariocas As imagens que são exibidas trabalham, em minha opinião, no grande imaginário da sociedade, porque as imagens que você não mostra não existem. (Ripper em entrevista a Dante Gastaldoni em 20 de agosto de 2009).

A maneira como Valdean se apresenta em seu blog e no site da Imagens do Povo - fotógrafo da agência Imagens do Povo, graduando em Ciências Sociais, arte-educador e blogueiro - nos fala não apenas dos universos em que está inserido, mas como busca ser reconhecido. Ressalta seu percurso educacional, e como educador, e não fala em favela nem em ativismo. O ensaio intitulado "Cotidiano do Conjunto de Favelas do Alemão", que apresento em primeiro lugar, surgiu a partir de uma encomenda recebida do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)182, um grupo de comunicadores, jornalistas, professores, artistas gráficos, ilustradores e fotógrafos que trabalham na área da comunicação de movimentos sociais, sindicatos e outros coletivos. O pedido aconteceu em um momento de tensão que se instaurou na Vila Cruzeiro, uma favela vizinha ao Conjunto de Favelas do Alemão, na Penha, no Rio de Janeiro, no final de 2010, por causa de uma ocupação da polícia militar. A ocupação era parte de um Programa da Secretaria do Estado de Segurança do Rio de Janeiro que pretendia "pacificar" algumas favelas cariocas e recuperar territórios ocupados por traficantes através da implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), uma espécie de polícia comunitária. A ocupação desta favela, a mais espetacular de todas até então realizadas na cidade, foi

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www.piratininga.org.br 168

fortemente documentada pelas grandes emissoras de televisão, especialmente a Rede Globo, que suspendeu grande parte da sua programação para transmitir ao vivo não apenas a entrada dos militares, mas também uma enorme fuga de traficantes pelo alto do morro em direção a uma das favelas do "Alemão". A fuga dos traficantes, pela maneira como aconteceu, pela quantidade de pessoas envolvidas e pelas imagens filmadas de helicópteros transmitidas e repetidas incansavelmente, acrescidas de comentários dos mais diferentes tipos de especialistas, chocou a sociedade que assistia a tudo ao vivo pela televisão e pela internet.183

Primeiras imagens apresentadas pelo Google Images em pesquisa realizada com as palavras “ocupação alemão” em 14 de agosto de 2012.

No momento da ocupação, muitos fotógrafos da Imagens do Povo foram até a Penha para fotografar a situação que viviam os habitantes das favelas ocupadas, mas Valdean decidiu não ir: eu não achei uma boa não, fiquei achando que ir lá seria repetir imagens que de alguma forma são imagens que a proposta do Imagens do Povo questiona, mas cada um tem suas trajetórias e tá valendo, por conta disso não fui. (Valdean, em email em 16 de março de 2012)

Logo depois, no entanto, acabou sendo contatado por pessoas envolvidas no NPC que gostariam que ele fizesse algumas fotos sobre o que estava acontecendo na Penha para uma matéria que produziriam sobre as diferentes ocupações realizadas para instalação de UPPs, e que seria publicada na Revista do Brasil184. Valdean aceitou a encomenda, mas propôs fotografar a vida cotidiana das pessoas, e não a ocupação policial. 183

O vídeo pode ser facilmente acessado através da internet no link www.videolog.tv/video.php?id=601653 e/ou no DVD em anexo. 184 http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/55/dilemas-do-rio 169

Eu propus então que faria, mas fotografaria um pouco da vida cotidiana do lugar, o que depois fiquei achando que seria meio difícil já que o clima era meio tenso. Como era uma pauta eu fui lá uma ou duas vezes só e fiz estas imagens que vc se refere. (Valdean, em email em 16 de março de 2012).

Valdean contou que foi pago pela encomenda, mas negociaram o preço, tendo ele recebido menos do que cobram normalmente pelas pautas na agência. Essa negociação faz parte da proposta política da agência, como vimos em capítulo anterior. Vejamos o ensaio. As fotos devem ser lidas da esquerda para a direita, de cima para baixo.

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Valdean já conhecia o Conjunto de Favelas do Alemão antes de receber esta pauta, e a realizou em apenas dois dias, mesmo período proposto para Lima em sua documentação sobre as costureiras de Bangladesh. O contexto em que os ensaios sobre os dois grupos sociais foram feitos, no entanto, foram bem diferentes. Com o desejo de documentar o cotidiano dos moradores durante uma ocupação militar e das forças armadas, Valdean sentiu uma grande dificuldade relacionada à tensão instaurada nessa localidade, mas não quis mostrá-la. A escolha foi uma tentativa, de mostrar que a vida do Alemão ocorre independente do teatro que se monta em torno das ocupações militares, UPPs e afins. (Valdean, em email em 16 de março de 2012).

Suas fotos, então, mostram muitas pessoas andando nas ruas, carros, motos e uma viatura da polícia. Imagens que documentam o "direito de ir e vir" frequentemente desrespeitado durante as incursões policiais. Ao contrário das fotos de Lima, em sua maioria feitas em interiores e com pouca luz, as fotos de Valdean são feitas na rua, superexpostas. Muitas são feitas em contra-plongée, de baixo para cima, em um ângulo que o fotógrafo afirmou gostar de utilizar e que valoriza o fotografado. As imagens são menos encenadas e há mais contato visual entre os fotografados e o fotógrafo. A grande maioria, no entanto, é feita à distância, sem interferência. Ao tentar fotografar o habitual, o banal, em um momento de exceção, de violência, para tentar fugir da notícia e se manter fiel ao que acredita ser importante ser ressaltado da vida dessas pessoas, Valdean se nega a se colocar diferente, em um momento excepcional, e se posicionar como alguém que olha o conflito de um ponto de vista diferenciado. Na primeira foto vemos um cinegrafista descendo o morro com uma câmera no ombro, no plano de fundo de uma imagem em que um homem em uma moto aparece em primeiro plano. Não entendemos bem o que se passa. O mesmo acontece em outra fotografia onde vemos uma viatura da polícia militar em primeiro plano. As fotos não possuem legendas, e foram publicadas sem texto na página do Facebook do fotógrafo. Algumas também foram publicadas no site da Imagens do Povo e no seu blog pessoal. Para a matéria na revista, menos fotografias foram utilizadas, e o texto ficou por conta dos jornalistas do NPC. O cotidiano que Valdean apresenta, assim como acontece com quase todos os outros 174

construídos pelos demais fotógrafos de sua agência, não tem tráfico de drogas ou conflito com a polícia. Mesmo quando vemos indícios da ocupação, eles não nos remetem a ela. É um cotidiano muito diferente daquele retratado pelos jovens que fazem parte do Morrinho, por exemplo, do qual nos falaram as sociólogas Bianca Freire-Medeiros e Lia Rocha, onde “parte significativa da brincadeira tematiza a vida e o cotidiano dos traficantes de drogas e daqueles que os cercam – namoradas, cúmplices, inimigos e polícia.” (Freire-Medeiros e Rocha, 2011:6). O silêncio sobre os traficantes, muitas vezes quebrado pela violência praticada pela polícia, está longe da relação que os jovens do Morrinho experimentam: O fato de a brincadeira girar quase inteiramente em torno da rotina dos traficantes não parece ser, na perspectiva dos jovens do Morrinho, uma questão a ser desculpada. Ao contrário: a temática da "brincadeira" é descrita como uma "representação da verdade". Os participantes do Morrinho costumam reiterar que, em tempos violentos, a brincadeira na maquete oferecia-lhes um refúgio que, em larga medida, inscrevia-se em princípios paradoxais: era na encenação lúdica de episódios da "vida real das favelas", com suas disputas violentas e alto nível de arbitrariedade, que os meninos encontravam sentido em "resistir à sedução do tráfico". (Freire-Medeiros e Rocha, 2011:7).

A "representação da verdade" elaborada por cada grupo, assim, é bem diferente, e parece nos indicar “uma relação de alteridade no interior mesmo do universo dos meninos negros moradores das periferias pobres”, como sugeriu a socióloga Esther Hamburguer (2007:116) sobre a relação estabelecida entre o rapper MV Bill, o produtor Celso Athayde e os personagens que entrevistaram para elaboração do filme "Falcão, meninos do tráfico", em 2006. O tema do tráfico é muito pouco levantado pelos fotógrafos com os quais conversei, com exceção de Bira. Todos desejam falar sobre outras coisas, ir além desse assunto e não se sentem obrigados a compactuar com a relação entre pobreza e criminalidade, e em especial crime violento, que estamos acostumados a ver em nossa sociedade. Essa construção das favelas como uma espécie de subcultura, inclusive pela ciência social, nada tem de recente (Valladares, 2005). O que parece novo é que agora não se trata de basear este entendimento, como antes, na desorganização social dessas localidades, mas de associá-las diretamente ao crime violento. (Machado da Silva e Leite, 2008: 51)

Esta recusa por parte deles é tão surpreendente para tantos não-moradores de favelas, que por diversas vezes eu mesma fui questionada sobre o porquê de não tratar tal assunto (ou o silêncio em relação a ele) em minhas pesquisas. Ainda que nesta tese eu tenha cedido às pressões e esteja refletindo sobre o porquê de não tratarmos deste assunto, tendo a concordar com Vincent Rosenblatt, um fotógrafo free-lancer francês que criou uma outra agência de 175

fotógrafos na favela Santa Marta em 2004, sobre a qual realizei pesquisa para obtenção do título de mestre (Cf. Gama, 2006). Todo mundo pergunta isso: por que não fotografar a violência? Porque todo mundo quer fotografar a violência! Eu sempre falo: se os comandos tivessem um assessor de imprensa seria o melhor, porque eles conseguem matérias o tempo todo. E o resto, cara? E esses jovens que não tão nem perto do trafico, que é a maioria, que não tem nada a ver, que procura outra forma de se afirmar? (...) E, primeiro, o foco é outro. Segundo dane-se as fotos de traficantes, porque até traficante vaidoso tem, traficante que quer aparecer... (...) Então eu acho que a própria pergunta traz uma expectativa de quem mora no asfalto, entendeu? E quando você vê que 99% do que sai sobre a favela tem a ver com a violência, ou o fantasma da violência, ou as meninas, as patricinhas, que vão namorar traficantes... Isso é um discurso que tem um valor simbólico que tem uma função, na verdade. Então eu sempre vejo jornalistas decepcionados ao verem que os jovens Olhares do Morro não participam da alimentação dessa fantasia. (Rosenblatt apud Gama, 2006: 86).

Essa recusa também está relacionada com a própria proposta do surgimento da agência: a de oferecer outras imagens sobre as favelas. "Outras" aqui não significa documentar a violência de um outro ponto de vista, mas mostrar o que existe “além" da violência armada ligada aos crimes violentos. Também parece estar relacionada ao púbico ao qual estão endereçadas estas imagens. Para Valdean, é o fotografado quem lhe interessa:

Para mim não interessa escrever pra quem sabe ler. Porque quem sabe ler, vai saber ler. Para mim é muito mais interessante aprender a escrever pra quem não sabe. Quando um menino do Olhares do Morro fala que fez uma exposição no Espaço Furnas e o cara que é representado acha aquela imagem feia, e um outro vai lá e acha bonita, eu acho que seria muito mais interessante se a gente soubesse fotografar para essas pessoas que vão lá e não acham aquilo bonito. Mas não tem nada a ver com a imagem isso. Na minha opinião, não tem a ver com a imagem em si. O cara vai lá e se acha feio por um histórico todo de levantamento de imagens e tudo mais. Nesse ponto, eu acho que o trabalho tem todo o seu mérito porque, de alguma forma, com todas as dificuldades, a gente pode trazer para esta pessoa que vai lá na Furnas e se sente representada de uma forma bonita, esteticamente, e realmente é aquilo, e não quando parece ser uma forçação de barra. (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011).

Se em Bangladesh é o olhar do público ocidental e distante que interessa aos fotógrafos, no Brasil é o do próprio fotografado, aquele próximo a quem vivem. As imagens que produzem, então, estão voltadas para pessoas diferentes na cadeia fotográfica (fotógrafo-fotografadoespectador). Em Bangladesh se dirigem ao espectador, no Brasil, ao fotografado, que deve ser também o espectador, ainda que estas imagens possam (e devam) também ser apreciadas por outras pessoas. A questão de a gente mostrar determinados espaços que não são vistos desse jeito é a 176

coisa mais positiva que eu consigo ver. O fato das pessoas conhecerem uma imagem, e a gente mostrar outra, isso consequentemente gera uma reflexão. É impossível não gerar. Mas o que que ocorre? Isso não adianta se a gente... ai tem que entrar a questão da representação. A representação no sentido de que determinadas figuras representam. Se eu faço uma imagem de um morador da Maré e o cara não se identifica com o discurso que eu to fazendo sobre a imagem, cara, pra mim é um problema. Porque se quem eu estou, nessa lógica. representando, não se sente sequer representado, tem algum problema aí. O cara no mínimo tem que... a representação legitima é essa: se o governo não é legitimo, se o governo não foi colocado por meios legítimos, ele não é legitimo. Agora, se eu estou fazendo essa representação, coloco lá no site e chove de críticas, tem um problema, entendeu? Eu não estou criticando a forma de fazer, ou... eu tô falando que tem um problema. quem tá fazendo, tem que pensar. Porque em algum momento ele vai ter que responder sobre isso. Nossos materiais eles circulam, ainda mais com a internet. Hoje eles circulam de várias formas. Então de alguma forma a gente tem que entender o ponto disso. Onde é que está o ponto dessa questão. Porque não adianta eu dizer que a Maré é bonita, se os moradores não acham bonita. Aí pode-se dizer que os moradores são alienados... tudo bem, beleza, eu sei de tudo isso. É aquilo que eu te falei: me interessa escrever pra quem não sabe ler, nesse contexto. Porque quem sabe ler, sabe ler. Você tá entendendo? (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011).

Ao falar das representações que constrói através das suas fotografias, Valdean faz uma associação direta à questão da representação política, ressaltando o caráter político do seu engajamento. Essa questão da representação (imagética e política), ao mesmo tempo em que é de grande importância, é conflituosa para ele, e isto ficou claro em nossas conversas sobre o filme "5 x favela - Agora por nós mesmos" (2009), um projeto do cineasta Cacá Diegues que contou com a direção de um grupo de jovens cineastas moradores de favelas cariocas. O projeto visava produzir uma nova versão do filme "5 x favelas", produzido na década de 60 por importantes cineastas do Cinema Novo, agora a partir do ponto de vista dos próprios moradores de favelas. Valdean participou de algumas das oficinas de roteiro, das quais foram selecionados os roteiros que resultariam em episódios do filme, mas não se reconheceu no resultado final e decidiu elaborar uma crítica sobre o filme em seu blog, em uma matéria intitulada A favela na telona pintada por “nós mesmos”?185. Seu principal incômodo estava relacionado ao fato de o filme repetir "a maioria dos equívocos já vistos em outras obras que tem como tema a favela". Por isso, não via "muita diferença entre este filme e os demais filmes". Esses "equívocos" diziam respeito à associação entre criminalidade e favela (ou favelados), tal como vemos em todos os cinco episódios apresentados186. Valdean interpretou esses "equívocos" como versões do "erro proposital" 185 186

http://www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html Seguem as sinopses dos episódios, tal como apresentadas no site do Cacá Diegues: "DEIXA VOAR 177

apresentado pelo cineasta Fernando Meirelles em uma oficina de roteiro pela qual passaram os participantes, e reproduzido no catálogo do filme. Fernando disse que não devemos ter pudores para construir uma ficção. Podemos mudar os personagens ou as cenas, se isso tornar o filme melhor. Outra coisa importante é o erro. O erro é a vida do filme, o certo é chato demais. Ainda em cidade de Deus, o Buscapé era o personagem principal, mas o Zé Pequeno rouba a cena. Esse é um exemplo de um erro proposital que funciona muito bem (Do catálogo do filme, reproduzido por Valdean no texto “A favela na telona pintada por “nós mesmos”?” publicado no Blog O Cotidiano187).

Em sua crítica sobre o filme, Valdean ressaltou sua formação na Escola de Fotógrafos Populares como um processo importante no desenvolvimento de sua capacidade crítica e na tomada de consciência em relação ao tipo de produção que deveria realizar para não ser incoerente com suas crenças políticas. Em 2004 ingressei no projeto Imagens do Povo da Instituição Observatório de Favelas, onde passei por um processo de formação em fotografia no curso da Escola de Fotógrafos Populares. Além da formação técnica o curso focava na formação crítica das produções sobre os espaços “favelados”. Apesar de ainda ser uma atividade em processo tenho uma certeza, as nossas produções, na medida do possível, não podem, ou pelos menos, não devem repetir os equívocos das produções que criticamos pelas suas incoerências. (Valdean, no texto “A favela na telona pintada por “nós mesmos”?” publicado no Blog O Cotidiano188).

Ainda que reconheça a qualidade técnica da obra, ele chama a atenção para a tensão existente para os limites entre realidades e ficções na mesma. Dirigido por Cadu Barcellos – Argumento: Observatório de Favelas / Cadu Barcellos *** Flavio, 17 anos, é morador de uma favela carioca. Ele deixa a pipa de um amigo “voar” e agora tem que ir buscá-la na favela de uma facçao rival a que ele mora, onde a pipa caiu. Mesmo com medo da aventura, ele vai buscar a pipa, descobrindo que as pessoas da favela rival em nada diferem das de onde ele mora. *** CONCERTO PARA VIOLINO – Dirigido por Luciano Vidigal - Argumento: Rodrigo Cardozo / AfroReggae *** Ainda crianças, Márcia, Jota e Ademir fazem um juramento de amizade eterna. Agora adultos, com cerca de 20 anos de idade, Jota foi para o tráfico de drogas e Ademir entrou para a polícia. O enfrentamento entre os dois pode impedir que Márcia, agora violinista, realize seu sonho de uma bolsa de estudos musicais na Europa. *** FONTE DE RENDA – Dirgido por Manaíra Carneiro e Wagner Novais - Argumento: Vilson Almeida – Cidadela/Cinemaneiro *** Jovem realiza seu sonho de ser bem sucedido no vestibular e entrar para uma Faculdade de Direito, mas passa a encontrar dificuldades para dar conta dos gastos com livros, alimentação e transporte. Ele então se sente atraído a vender drogas para amigos da faculdade, lucrando com isso o suficiente para custear seus estudos. *** ARROZ COM FEIJAO – Dirigido por Rodrigo Felha & Cacau Amaral Argumento: José Antônio Silva – CUFA *** Para conseguir construir um quarto para o filho único, os pais de Wesley, de 12 anos, são obrigados a reduzir o cardápio de casa a arroz com feijão. No dia do aniversário do pai, o menino se junta ao amigo Orelha e sai, sem muito sucesso, em busca de recursos para comprar um frango de presente para ele. *** ACENDE A LUZ – Dirigido por Luciana Bezerra – Argumento: Nós do Morro – Luciana Bezerra É véspera de Natal e o morro está sem luz há três dias. Os técnicos enviados pela companhia de luz não conseguem resolver o problema, os moradores sequestram um funcionário dela e o fazem de refém, até que a luz volte. O funcionário se integra à comunidade e acaba se tornando o herói dela na noite de Natal." (www.carlosdiegues.com.br) 187 http://www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html 188 http://www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html 178

Os produtores argumentam que não é um filme representativo, por tanto não se compromete com uma realidade da favela, é uma ficção que fala de favela. Mas não há como negar que o filme reforça um determinado retrato do “favelado” e de suas questões. É este aspecto do filme que me interessa. (Valdean, no texto “A favela na telona pintada por “nós mesmos”?” publicado no Blog O Cotidiano189).

O filme foi apresentado e comercializado como sendo uma versão dos próprios favelados, o que gerou uma expectativa relacionada a inovações de forma e conteúdo. Mas não foi isso que Valdean viu no filme. Sendo um (outro) morador de favela, jovem, universitário e produtor de imagens, ele se viu surpreendido pelo que via na tela. A ideia de “erro proposital” em nome do sucesso da obra dá conta de um questionamento que tinha quando participei da oficina de roteiro do episódio “Deixar Voar”, na etapa inicial do projeto “5 vezes favela agora por eles mesmos”. Na época questionava que as produções cinematográficas sobre favela pecam ao transformar assuntos aparentemente secundários em assuntos principais, valorizando questões estranhas, que pelo menos em discurso não devia ser uma preocupação da arte ou do artista que cria tais obras. Além do mais tinha em meus questionamentos o argumento de que as histórias das favelas, verdadeiramente, não tinham vez nesse tipo de cinema, elas estão lá, mas estão sufocadas em nome de outras questões. Na “telona” as histórias das favelas, quase sempre, são correlacionadas com a história do tráfico e a confusão é tanta que a história do trafico parece ser a própria história das favelas cariocas. E isso, a meu ver, não deveria ser um ponto em que um filme feito por nós devia seguir, a não ser que este fosse claramente o recorte. (Valdean, no texto “A favela na telona pintada por “nós mesmos”?” publicado no Blog O Cotidiano190).

Para Valdean, os cineastas envolvidos em tal obra acabaram por valorizar questões "estranhas" (o tráfico de drogas) e "transformar assuntos aparentemente secundários em assuntos principais". Para ele, "as histórias das favelas, verdadeiramente, não tinham vez nesse tipo de cinema" (grandes produções ficcionais), estando quase sempre relacionadas à história do tráfico de drogas, trazendo para o foco questões que não seriam centrais no filme. Neste sentido, um dos exemplos mais tristes é o do episódio "Fonte de renda", onde um jovem morador de uma favela ingressa em uma universidade, mas, passando por sérias dificuldades financeiras, começa a vender drogas para seus amigos a fim de conseguir o dinheiro de que precisava para seguir com seus estudos. Valdean escreve: Dificuldades reais que nós jovens de origem pobre enfrentamos para permanecer em um curso universitário. Até esse ponto não há qualquer problema, o problema começa quando Maycon começa vender drogas para se manter no curso. Entendo a crítica sobre a condição do estudante universitário pobre, mas o tal do “erro proposital” transforma a crítica em um mero elemento da trama e o que passa a 189 190

http://www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html http://www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html 179

prevalecer é o estigma do “favelado” culpado pelo comercio de drogas, reforçando a imagem de “culpa” das favelas pelo tráfico de drogas na cidade. Conheço universitários pobres/“favelados” que enfrentam muitas dificuldades para continuarem num curso universitário e a solução quase nunca é vender drogas e tenho dúvidas se fariam isso mesmo em nome da boa causa: formação universitária. Muitas das vezes é preferível desistir, que é o mais comum. Por tanto há no episódio um “erro proposital”, consciente ou inconsciente ele está lá. A crítica a dificuldade do pobre universitário poderia, na minha concepção, ser feita sem reforçar velhas imagens construídas sobre os “favelados”, garanto que no universo dos universitários pobres se consegue encontrar histórias de “fonte de renda” muito mais inspiradoras. (Valdean, no texto “A favela na telona pintada por “nós mesmos”?” publicado no Blog O Cotidiano191).

Valdean disse ainda, em uma de nossas conversas, que questiona o "nós mesmos" do filme, por não ver ali um "nós", mas um "outro". Explicita, assim, a complexa tensão existente no “falar de si” (nas autorrepresentações), quando “si mesmo” é um grupo social tão heterogêneo quanto os moradores de favelas. Em ensaio publicado no site da Imagens do Povo192, Valdean nos apresenta o cotidiano dos populares em diversas favelas, e em especial no Conjunto de Favelas da Maré, onde vive. Este ensaio, publicado sem título como todos os outros publicados nas páginas dedicadas à apresentação dos fotógrafos da agência, conta com uma coleção de fotos produzidas por Valdean publicadas com legendas curtas e objetivas, quase sempre indicando o local onde a foto foi feita. Ao acessar o site, pode-se clicar em cada foto individualmente, na ordem que escolhermos, para ampliá-las. As legendas aparecem abaixo de cada foto, mas aqui as apresentarei reunidas ao final do ensaio. Como nos demais, as fotos devem ser lidas da esquerda para a direita, de cima para baixo.

191 192

www.ocotidiano.com.br/2010/12/favela-na-telona-pintada-por-nos-mesmos.html www.imagensdopovo.org.br/fotografos/francisco-valdean/ 180

181

182

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

sem legenda Projeto Vamos à luta, Rio de Janeiro, Brasil. Menino em beco da favela Alvorada. Conjunto de Favelas do Alemão, Rio de Janeiro, Brasil. Bailarina em apresentação da Instituição Ação Social em Santa Teresa, Rio de Janeiro, Brasil. Crianças no Morro do Timbau, Maré, Rio de Janeiro, Brasil. Festa Julina do Projeto Compartilharte em 2005, Canoas, Teresópolis. Rio de Janeiro, Brasil. Jovens de grupo funk dançam em laje de uma casa na Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil. Barragem Santa Lucia em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Encerramento da 3a edição dos Jogos Panamericanos Rio 2007, 18 de agosto na Vila Pan-americana. Rio de Janeiro. Brasil. 10. Morro do Timbau, uma das 16 comunidades do Bairro Maré, Rio de Janeiro, Brasil. 11. Iracema, moradora da Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil. 12. Chá de bebê de Adriana (Fona). Moradora da Rua Oliveira, Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil.

183

O cotidiano apresentado por Valdean no conjunto de fotos publicadas no site da sua agência é mais amplo e mais complexo que aquele apresentado sobre o Conjunto de Favelas do Alemão. Nele, há fotografias de diferentes atividades, retratos e paisagens. Há imagens produzidas dentro e fora das favelas cariocas. Uma foi feita em outro estado. Algumas fotos foram feitas em contraluz, outras em ambientes com pouca luz, sugerindo cenas e retratos, experimentando representações mais "estéticas", como afirmou o fotógrafo ser seu interesse em uma de nossas conversas, apontando também para o conflito que viveu ao perceber a atenção que dava à questão plástica da imagem: As imagens que me interessam são as imagens meio estéticas, o que foi até um certo tempo muito conflituoso pra mim, porque eu acho que a Escola... existiu inicialmente uma dualidade que era a seguinte: a gente está fazendo imagens que são imagens de embate com uma imagem que é construída. Basicamente essa imagem, no meu entendimento, ela é de alguma forma fotojornalística. Não tem muito a ver com uma questão artística, né? Não que eu também não faça uma foto jornalística. Eu faria, eu faço. Só que a minha questão é a seguinte... Isso foi pra mim até problemático porque ela engessa a gente. Claro, se você olhar para toda a produção do Ratão, do Adriano, do Bira, tem as duas coisas. Só que no meu entendimento isso meio que engessava. Então eu ficava pensando tempos e tempos sobre isso. Sobre uma situação em que a gente foi colocado. Politicamente, né? Então, por conta disso, determinadas [fotos] eu me recusaria a fazer. Eu fui fotografar uma dança em cima de uma laje lá na baixa, aí eu tava fotografando a dança, de funk, aí teve uma imagem que é o reflexo do entorno da laje numa mesa que me interessou. Ai eu fui lá, perdi tipo 1h pra fazer a foto. Os caras diziam que eu tava maluco, perguntavam "tu tá fazendo o quê aí?", mas aquela imagem me interessava. Então é nesse sentido que eu tô dizendo, entendeu? (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011)

Em sua reflexão, Valdean aponta uma tensão clássica da fotografia documental e jornalística que diz respeito à liberdade para criação artística no registro de cenas "reais", e que está presente no trabalho desenvolvido por muitos fotógrafos de agências fotográficas, não apenas das favelas cariocas, mais especialmente, como refleti em trabalho anterior (Gama, 2006). Se a maior parte das agências populares surgiu do projeto político de "passar a câmera" para as mãos daqueles que ocupavam quase sempre a posição de fotografados, após a formação inicial, os próprios fotógrafos sentem interesse crescente na experimentação imagética, já que o meio através do qual escolheram se expressar é essencialmente do campo das artes. Percebemos, então, que a proposta política da Escola de Fotógrafos Populares e da agência Imagens do Povo, ao mesmo tempo que incentiva em seus fotógrafos uma reflexão crítica em relação a suas representações, e às representações sociais de maneira mais geral, acaba também por limitar seu campo de atuação, ao esperar que os fotógrafos que tenham passado por ela desenvolvam determinada atuação profissional (e política) no mundo. Nesse sentido, 184

acaba reduzindo, ao invés de ampliar, sua capacidade de experimentação do/no mundo. Tanto a agência brasileira quanto a bangladechiana que tomo aqui para reflexão têm se dado conta dessa contradição e investido na ampliação de suas áreas de formação recentemente, e os fotógrafos formados por elas que foram entrevistados para esta pesquisa passavam por intenso questionamento em relação aos seus trabalhos e aos limites de suas atuações políticas através da fotografia no momento em que os entrevistei. Valdean, por exemplo, na conversa que reproduzi acima, contou sobre uma imagem que o interessou enquanto documentava o grupo de dançarinos de funk que vemos na sétima fotografia apresentada neste ensaio. Apesar de ter fotografado o reflexo da laje na mesa como indicou acima, foi a fotografia dos jovens, ainda que elaborada de forma menos objetiva, a que apresentou no site. Outra fotografia apresentada por ele e elaborada também de forma mais "estetizada" foi a imagem da performance de uma bailarina de um projeto social da Instituição Ação Social, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Bailarina em apresentação da Instituição Ação Social em Santa Teresa, Rio de Janeiro, Brasil.

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Esta foto, assim como a segunda apresentada no ensaio, do Projeto Vamos à Luta, são exemplos da grande documentação que esses fotógrafos produzem sobre práticas esportivas, especialmente através de programas desenvolvidos por organizações e associações não governamentais nas favelas. Uma das importantes exposições da Imagens do Povo, realizada no Centro Cultural dos Correios do Rio de Janeiro e reapresentada no Palácio do Planalto193, intitulada Esporte na Favela, tratava justamente do tema. Muitas das encomendas que recebem, assim como em Bangladesh, estão ligadas a documentações de projetos sociais. As documentações dessas atividades aparecem como alternativas às notícias. O "lazer", que muitas vezes está associado à prática de esportes, e a "beleza", na maior parte das vezes ligada às próprias pessoas, são o foco principal da agência brasileira. Mas não mostram "rostos agradecidos", como poderiam criticar os fotógrafos bangladechianos, documentando principalmente jovens e crianças. Se eu tenho a necessidade de fazer uma imagem bonita sobre a favela, é porque socialmente, de alguma forma, se faz uma imagem contrária disso. Certo? Quando a senhora vai no Espaço Furnas ver a foto que o rapaz fez, e ela não achou aquilo bonito, talvez isso tenha a ver, inclusive, com o estranhamento da imagem que talvez ela reconhecesse facilmente. Tem um estranhamento. É claro, a representação dessa senhora, estetizada, ela vai ter um impacto em algum momento. Eu acredito que ela tenha um impacto. (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011).

Na documentação da vida cotidiana tal como apresentada pelos fotógrafos da Imagens do Povo, além da ausência de imagens ligadas às imposições dos traficantes de drogas à rotina dos moradores de favelas, outro elemento costuma ser criticado: a ausência de fotos de interiores, como podemos ler no comentário abaixo elaborado por Lissovsky e Jaguaribe em relação às imagens produzidas por projetos sociais fotográficos, e em especial sobre aquelas da Imagens do Povo. Apesar da insistência na representação das ações cotidianas, no que parece ser uma opção deliberada por um jornalismo da “não-notícia” (jogos infantis em que as meninas brincam de corda e os meninos de traficante, atividades esportivas, música, festa, religião), a favela revelada por esses projetos é dominantemente a das vielas, quadras de esporte e raras cenas que possam, verdadeiramente, ser chamadas de íntimas. (Lissovsky e Jaguaribe, 2007: 81)

A reflexão dos autores, construída a partir das imagens produzidas pelos fotógrafos da Imagens do Povo e do Viva Favela, sem a realização de um trabalho de campo próximo aos 193

Sede do Poder Executivo Federal Brasileiro onde também está localizado o Gabinete Presidencial. 186

fotógrafos, lhes gerou desconforto e foi questionado por Francisco Valdean, em uma das nossas conversas. Se é verdade que, dentre os vários temas e cenários retratados pelos fotógrafos, imagens de interiores são raras, este quadro tem mudado, especialmente com o trabalho recente da fotógrafa Elisângela Leite. O retrato de Iracema elaborado por Valdean é outro exemplo.

Iracema, moradora da Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil.

Iracema é moradora da Baixa do Sapateiro, a mesma favela onde mora Valdean. Esta imagem, uma das raras de interiores apresentadas por ele, é sombria, como aquelas apresentadas por Lima em seu ensaio sobre a vida das costureiras de Bangladesh. Realizada em um ambiente com pouca luz, esse retrato não passa a mesma "alegria" que os outros. Iracema está cabisbaixa, aparentemente triste, cansada. Vemos pouco da casa onde se encontra. Apenas o piso, o sofá e o banco onde ela depositou um copo de plástico com uma bebida. Talvez um café. Sequer o muro está claro na imagem. O interior aparece de forma tímida, diferente do que notei no trabalho da agência Olhares do Morro (Gama, 2006). 187

A ausência não parece estar relacionada a uma negação ou uma vontade de omissão de determinadas imagens, mas a um não-estranhamento de algo que talvez ainda seja visto de maneira tão "natural" que não seja passível de ser fotografado. Há também uma preocupação voltada para outros temas, outras representações, pensadas na maior parte das vezes de forma coletivizada, e, portanto, documentada em ambientes públicos. Existem inúmeras representações. Mas me parece que a própria dualidade nos coloca nesse ponto. Os jornais fazem imagens da Maré sobre a violência, aí a gente vai e faz sobre o cotidiano. Aí o cara vem e fotografa a Maré de forma feia, aí a gente vai e coloca a imagem bonitas. Pra mim, a maré é cheia de imagens feias e bonitas. A cidade é assim, o Brasil é assim, o país é assim. Então a minha questão é: quando eu tô representando, quando eu tô fazendo uma imagem, eu estou representando. De alguma forma eu sou identificado. Não é à toa que dizem: o Valdean da Maré. De alguma forma no meu percurso, no meu fazer, no meu discurso, isso aparece. Então não é à toa que as pessoas identificam dessa forma. Só que para as questões mais práticas do que a gente está fazendo, eu simplesmente acho que a gente, como fotógrafo principalmente, que está colocado nessa situação, a gente tem que refletir. (Valdean, em entrevista realizada em 05 de setembro de 2011).

A identificação entre o fotógrafo e aquilo que fotografa é tão direta, como indica Valdean na fala reproduzida acima, que às vezes incomoda. Seja pela responsabilidade que a representação acarreta, seja pela exposição que o falar de si promove. Mas em sua documentação é difícil estabelecer os limites de onde começam e onde terminam as cenas "íntimas". Ainda que existam poucas cenas de interiores, podemos acessar a vida privada dessas pessoas (e dele mesmo) através de fotografias como a que faz do chá de bebê de outra vizinha, a Adriana (Fona). Adriana, que mora na mesma rua que Valdean, é apresentada como "moradora da Rua Oliveira, Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil". A foto a seguir foi feita em uma laje, ambiente frequentemente utilizado como espaço de lazer e congregação nas residências das favelas cariocas. É nela onde instalam piscinas plásticas para se refrescar em dias de calor, onde realizam churrascos, festas, comemorações etc. O lugar é tão representativo da vida social "dentro" das casas que há alguns anos foi criado no Rio de Janeiro um concurso intitulado "garota da laje", uma espécie de "Miss Favela". Foi também numa laje que Valdean registrou o grupo de funk na imagem mencionada anteriormente.

188

Chá de bebê de Adriana (Fona). Moradora da Rua Oliveira, Baixa do Sapateiro, Maré, Rio de Janeiro, Brasil.

Na foto do chá de bebê, são as mulheres o foco da representação: no primeiro plano, um grupo de amigas conversando e bebendo, e no segundo um grupo de mulheres brincando, onde uma delas, provavelmente Fona, está com os olhos vendados; no fundo, as casas da favela, numa imagem que condensa ao mesmo tempo espaço público e privado. As paisagens das favelas, com os aglomerados de casas, estão sempre presentes nas documentações sobre tais localidades, sendo a imagem que gera associação imediata entre o local e o imaginário social. Elas estão entre as mais fotografadas. As favelas da Maré, no entanto, não produzem os contrastes que encontramos em documentações sobre outras favelas, como a Santa Marta e a Rocinha, que conseguem condensar em um mesmo quadro "morro" e "asfalto" (Gama, 2006). Mesmo na fotografia distante que Valdean faz do Morro do Timbau, além da favela a única coisa que vemos é uma avenida. Sobre a estrutura das favelas, também pouco focalizada em suas imagens, Valdean elaborou longas reflexões em seu blog O Cotidiano. Estas reflexões ganharam intensidade entre maio e junho de 2011, depois que o jornal O Globo publicou uma matéria sobre um estudo realizado pela Secretaria Municipal de Habitação (SMH) e pelo Instituto Pereira Passos (IPP). Este estudo afirmava que quarenta e quatro favelas da cidade do Rio de Janeiro, dentre as quais 189

aquelas que fazem parte do Conjunto de Favelas da Maré, não seriam mais definidas como favelas por "terem serviços básicos idênticos aos desfrutados por moradores do 'asfalto'”194. No mesmo dia em que leu no jornal a matéria intitulada "Cidade do Rio ganha 44 exfavelas"195, Valdean publicou a matéria "A Maré não é mais uma favela"196 em seu blog, um pontapé para uma série de outras cinco, publicada em formas de diários, onde contava como era sua vida de "ex-favelado". Em um tom que misturava humor e crítica, Valdean contava o quanto nada tinha mudado no lugar onde ele morava e o quanto ainda sofriam com falta de serviços básicos como saneamento, água encanada, pavimentação e iluminação pública. No seu "2º dia como ex-favelado", Valdean escreveu: Hoje ao conversar com alguns amigos sobre o assunto ex-favela, de forma inevitável o assunto ganhava um tom de anedota, mas veja se não tenho alguma razão: é muito difícil entender a situação, agente pode ser ex n coisas, mas ex-favelado não. É uma situação difícil de entender e por vários motivos, e o prinicipal motivo é: o que é um "favelado"? Acho que vai levar um tempo para me acostumar com a nova condição, já que a anterior enquanto categoria não era bem resolvida. (Valdean, em seu “Diário de um ex-favelado” publicado no Blog O Cotidiano197)

Neste texto, ele ressalta não apenas o desconforto com a categoria "ex-favelado" como a dificuldade que sentia ao tentar definir o que é um "favelado". Em outro texto, publicado anteriormente no Porta do IBASE198, e retomado no seu "4º dia como ex-favelado", Valdean tenta definir o que é "favela": Os espaços favelados são riquíssimos em diversidade, neste campo não existem definições ou explicações fáceis. A única generalização possível é em termos de estética e origem. A atividade dos espaços favelados é intensa, obedece a uma lógica interna, com variações entre si. Assim como são as atividades humanas em qualquer lugar do planeta. (Valdean, em seu “Diário de um ex-favelado” publicado no Blog O Cotidiano199).

Ressalta, assim, seu lugar como parte da cidade, defendendo que a favela e seus moradores são tão diversos quanto quaisquer outros lugares e pessoas no mundo. Ressalta o caráter trabalhador dos moradores, e a pequena quantidade de traficantes existente - "moradores de favelas afirmam que menos de 1% dos habitantes dos espaços favelados está envolvido com o 194

www.ocotidiano.com.br/2011/05/mare-nao-e-mais-uma-favela.html oglobo.globo.com/rio/cidade-do-rio-ganha-44-ex-favelas-2764079 196 www.ocotidiano.com.br/2011/05/mare-nao-e-mais-uma-favela.html 197 www.ocotidiano.com.br/2011/05/meu-2-dia-como-ex-favelado.html 198 www.ibase.br 199 www.ocotidiano.com.br/2011/06/meu-4-dia-como-ex-favelada.html 195

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trafico" - , responsável pela discriminação que sofrem todos os outros. Chama a atenção também para o processo de exclusão histórica pelo qual passaram e ainda passam os campesinos, obrigados a migrarem para a cidade em busca de trabalho, sendo frequentemente explorados como mão-de-obra barata. Ao lembrarmos da própria história da vida de Valdean (migrante nordestino que chegou ao Rio de Janeiro com perspectiva de ter um "trabalho digno"), fica claro o nível de subjetividade e de pessoalização dos argumentos que escolhe utilizar. Outro ponto em que toca ao falar sobre o que é uma favela e o que é ser um favelado é a diferente relação que a polícia estabelece nessas áreas. A violência é experimentada de maneira diferenciada nas favelas não apenas por causa dos crimes cometidos por traficantes de drogas, mas também pela própria polícia. Em seu relato sobre o "primeiro dia como exfavelado"200, ao notar que "ela continua do mesmo jeito", Valdean se sente aliviado por não estar vivendo um momento de "truculência". Mas ao andar pelas ruas e becos da ex-favela que moro nada mudou, tudo ainda é do mesmo jeito, e que bom que ainda é assim, poderia ter sido pior, poderia ter sido remoção ou uma truculenta ocupação do Bope para implementar uma UPP. (Valdean, em seu “Diário de um ex-favelado” publicado no Blog O Cotidiano201)

As violentas incursões da polícia, especialmente do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (BOPE) nas favelas cariocas em busca de traficantes de drogas costuma acontecer de forma muito violenta e provocar vítimas inocentes, frequentemente classificadas como "auto de resistência". O "auto de resistência" foi uma medida administrativa criada durante o regime militar no país, que tem sido utilizada desde então para evitar a prisão em flagrante do agente envolvido em homicídio durante uma ação policial. O estado do Rio de Janeiro possui o maior índice de assassinato por "auto de resistência" do país, que tem como uma das causas a criação da "gratificação por encargos especiais", mais conhecida como "gratificação faroeste", pelo governador do estado Marcello Alencar, em 1995. Através deste decreto, policiais passaram a receber uma gratificação pelo número de "criminosos" assassinados, aumentando o número de execuções sumárias no estado. Ainda que tenha sido suspenso em 1998, os dados continuam muito elevados. De acordo com a 200 201

http://www.ocotidiano.com.br/2011/05/meu-primeiro-dia-como-ex-favelado.html http://www.ocotidiano.com.br/2011/05/meu-primeiro-dia-como-ex-favelado.html 191

matéria "Estado ainda lidera em autos de resistência e letalidade policial" publicada no jornal O Estado de São Paulo, em de 13 setembro de 2011: Entre 2007 e 2010, 4.370 pessoas morreram em confronto com agentes da lei. A média no período foi de três autos de resistência registrados por dia. Em 2007, primeiro ano de administração do governador Sérgio Cabral (PMDB), foi anotado o maior número de mortes em confrontos com a polícia desde o início da série história registrada pelo Instituto de Segurança Pública do Rio: 1.330.202

A matéria sugere que os dados têm baixado desde 2010, mas sabe-se, por exemplo, que o número de desaparecidos aumentou neste mesmo período. A próxima imagem que veremos, a primeira do ensaio publicado na página de Valdean no site da Imagens do Povo, trata de uma manifestação de moradores da Maré por conta de um assassinato do jovem Felipe dos Santos Correa de Lima, de 17 anos, atingido com um tiro de fuzil disparado por um policial quando saía de casa. Sua morte foi classificada pelos policiais como "auto de resistência", e eles contaram que encontraram junto ao jovem uma mochila contendo uma pistola, uma granada, munições, cocaína, maconha e crack. A acusação de envolvimento com o tráfico, e o assassinato do jovem por representantes do Estado deixou seus familiares, amigos e vizinhos revoltados. Além do ato de violência que foi o assassinato, a acusação imputou caráter de indignidade à sua morte. Implantações criminosas de drogas e armas junto a corpos assassinados por policiais em "auto de resistências" são muito conhecidas entre organizações que lutam contra a violência policial, como a A Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência203, uma organização próxima da qual os fotógrafos da agência costumam trabalhar.204

202

www.estadao.com.br/noticias/impresso,estado-ainda-lidera-em-autos-de-resistencia-e-letalidadepolicial,771867,0.htm?reload=y 203 www.redecontraviolencia.org/ 204 Para saber mais sobre as atividades desenvolvidas pela organização, em especial sobre o que diz respeito às suas estratégias de visibilidade, ver Farias (2007). 192

Manifestação dos moradores de favelas, assim como de movimentos populares e sociais são muito documentadas pelos fotógrafos desta agência. Nesta foto, vemos um grupo de jovens reunidos, amigos e familiares do rapaz assassinado, muitos usando camisetas com sua foto estampada, em um protesto pacífico em uma das favelas da Maré. Todos de mãos dadas, fogueira e cartazes no meio do círculo, em um gesto que parece acolher-nos rumo favela adentro. Há tantos jovens reunidos que vazam do quadro fotográfico. No fundo, até onde a vista alcança, há gente de mãos dadas. No alto da foto, do lado direito, lemos "Salão de beleza" estampado no muro de uma das casas, e um grande livro pintado atrás dos jovens, atirando-nos para a beleza desse ato solidário de jovens ainda em idade escolar, que não deveriam sofrer tal violência. Machado da Silva (2008), chama nossa atenção para o fato de que são justamente os jovens os que mais sofrem com a violência nas favelas, e os que mais têm medo dela. Saber localizar fronteiras (materiais e/ou simbólicas) entre favelas e dentro delas, distinguir sinais de facções rivais, bem como a troca de “comandos” são, entre outros, elementos cruciais para a orientação das rotinas e para a circulação dos moradores. Características como tipo de atividade e sexo interferem na maneira de cada morador lidar com as ameaças (reais ou imaginárias) do tráfico, mas a faixa etária é o elemento mais importante para a orientação do comportamento. A interferência daquelas simbologias é mais significativa nas rotinas que caracterizam o estilo de vida dos jovens, que precisam estar mais atentos e 193

submissos a elas do que o restante dos moradores. Compreensivelmente, os jovens sentem um medo difuso e se auto-impõem restrições pela expectativa de punição potencial. Há, também, muito medo da polícia, porém a arbitrariedade desta é percebida como incontornável: não haveria possibilidade de defesa contra ela exceto a corrupção, que não é acessível aos moradores comuns. (Machado da Silva, 2008: 23)

Fruto de violências praticadas tanto pela polícia quanto pelos traficantes, são os jovens do sexo masculino e negros os que mais morrem no Rio de Janeiro. Se são raras as fotos de corpos assassinados registradas pelos jovens desta agência, como veremos no próximo capítulo, imagens de enterros, manifestações solidárias e protestos são frequentes. É através da força e da união dos moradores, vistos como vítimas de uma sociedade desigual e excludente, que mostram a violência. É através da valorização da dignidade dessas pessoas, como dito anteriormente, que tratam deste assunto, e não através de imagens que possam denegrir ou ofender o fotografado e/ou seus amigos e familiares. Após o registro das manifestações de protesto contra o assassinato de Felipe, Valdean publicou algumas fotos junto com um texto e alguns relatos (de jornais e moradores) em seu blog, em uma matéria intitulada "Violência no cotidiano da Maré"205 (26/04/2010), que foi também publicada no dia seguinte no site do Jornal O Cidadão sob o título "Lembranças de juventude perdida na Maré"206 (24/04/2010). Em seu texto, Valdean relata como recebeu a notícia do assassinato de Felipe, ainda na faculdade, e como foi sua chegada até o local das manifestações. Manhã do dia 14 de abril de 2009, meu telefone tocou, na linha o Naldinho, com a voz embargada me contava os primeiros detalhes, segundo ele moradores da Baixa do Sapateiro estavam indignados com a morte de Felipe, um jovem de 17 anos morador da comunidade. Segundo os moradores o jovem foi atingido por um tiro de fuzil disparado por um policial. Quando recebi o primeiro telefonema ainda estava na UERJ, estava em aula. A segunda vez em que o telefone tocou já se aproximava do meio dia, eu estava chegando na Maré e pelo que o Naldinho me relatou a situação ainda estava tensa, os moradores havia fechado a Linha Vermelha em protesto.

Naldinho é outro fotógrafo da agência. Ao contar o ocorrido para Valdean, expôs também a preocupação que sentia em fotografar a manifestação sozinho. Já tinha fotografado o assassinato de uma criança, Matheus207, alguns meses antes e recebido várias ameaças, especialmente por parte da polícia. Valdean conta um pouco mais adiante em seu relato: 205

www.ocotidiano.com.br/2010/04/nossa-historia-14-de-abril-de-2009-na.html ocidadaonline.blogspot.fr/2010/04/lembrancas-de-juventude-perdida-na-mare.html 207 Ver capítulo 4. 206

194

"Naldinho insistia para que eu fosse porque ele estava fotografando sozinho e talvez se tivesse mais alguém, talvez fosse mais seguro". Valdean foi até o local, mas quando chegou a manifestação já tinha sido dispersada. Acabou fotografando uma outra manifestação, que aconteceu alguns dias depois, onde Naldinho não esteve presente, por medo da polícia que, ao vê-lo fotografando nos dias anteriores (manifestações e enterro), ameaçou-o de prisão208. A foto acima é deste último dia, onde os manifestantes andaram pelas ruas das favelas da Maré em protesto ao assassinato do jovem. Na matéria publicada em seu blog, temos acesso a suas imagens e àquelas feitas por Naldinho, aos textos já referidos e ainda a um vídeo de dez minutos onde Valdean registrou o depoimento de Gilmara, a mãe de Felipe. Neste vídeo, Gilmara conta como foi o dia do assassinato do seu filho, e expõe o incômodo com o fato de o terem classificado como criminoso: Eles ainda botaram que o meu filho era bandido.... Isso foi um horror, foi uma coisa que não tem explicação. Você matar um adolescente cheio de vida, cheio de planos pra vida dele, pra mãe, pros irmãos dele, matar e ainda dizer que o menino era bandido e que achou um monte de coisas? Um amigo do meu filho viu quando ele pegou e botou uma arma, uma pistola do lado do meu filho pra dizer que aquela arma era do meu filho. Sem ser dele. E ele morreu como bandido. É isso o que eu quero: eu quero justiça pra poder limpar o nome do meu filho, porque o meu filho não era nada disso (Gilmara, em depoimento a Valdean).209

Em seu depoimento, Guilmara ressalta ainda o caráter trabalhador e estudioso do seu filho, que muitas vezes não tinha tempo sequer de jantar entre uma atividade e outra. Assim como Valdean fez anos antes, Felipe passava parte do seu dia trabalhando em uma lanchonete na própria Maré e outra estudando. Na página dedicada à matéria sobre o assassinato de Felipe, há ainda fotos de família e diversos comentários emocionados de leitores, amigos, uma prima e a irmã de Felipe, que dão novos depoimentos ressaltando o fato de que ele não usava drogas210, era trabalhador e estudava.

208

As documentações do Naldinho e as ameaças que sofreu serão desenvolvidas no próximo capitulo, dedicado às denúncias. 209 O vídeo está disponível no canal no Youtube do Blog O Cotidiano (www.youtube.com/watch?v=3fbqqCxxLaE&list=UUMON1ue7nLcftzXlo5Qrzfg&index=10&feature=plcp), e no DVD em anexo. 210 A preocupação com o “caráter” do jovem por parte da família é tão intensa que além de dizerem que o jovem não era traficante, costumavam ressaltar que ele sequer era usuário de drogas. 195

3.3 Algumas reflexões sobre os imponderáveis da vida cotidiana Acho que esses princípios, de respeito ao outro, de solidariedade, estão ainda hoje muito presentes em mim. Penso que funcionam como uma espécie de premissa para a fotografia, principalmente na documental e na humanitária, que acho que é o caminho, de modo geral, de toda fotografia, para ela ser bonita, que é a busca do que há de bom no outro, dos valores. Fotografar é fundamentalmente descobrir, reconhecer valores. (Ripper, em entrevista a Dante Gastaldoni em 18 de abril de 2009).

Há cada vez mais grupos preocupados em construir autorepresentações e interessados em participar politicamente da luta simbólica pela autoridade representacional e pelo direito de falar de si (ou "dos seus") na contemporaneidade. Hoje, populares, por exemplo, ganham cada vez mais espaço para falar sobre seus lugares de moradia, construir sua memória, divulgar suas histórias e elaborar suas imagens. O mesmo acontece com fotógrafos oriundos de países até então essencialmente documentados por estrangeiros, como Bangladesh. Esses novos produtores de imagens e de informações trazem uma novidade para o debate sobre as representações sociais e a manipulação dos meios de comunicação (fotografia, vídeo, Internet etc.) ao estimularem a circulação de representações calcadas na especificidade de terem sido elaboradas por aqueles que vivem nos locais onde as imagens são produzidas. A forma como mostram determinadas localidades, além de influenciar a relação que estabelecem com estrangeiros também são capazes de mudar a relação que os próprios (in)divíduos mantêm com seus locais de moradia, suas religiões e seus vizinhos. Além de participarem da luta representacional dentro e fora das suas sociedades, esses fotógrafos também estão, simultaneamente, construindo suas autorrepresentações e identidades em um processo altamente subjetivo. Mas ainda que o grupo brasileiro esteja especialmente interessado em retornar as imagens produzidas àqueles que fotografam, ambos os grupos de fotógrafos as dirigem a espectadores que não têm proximidade com tais áreas e/ou populações. Neste sentido, e em um mundo caracterizado pelo excesso de imagens e de notícias onde, especialmente com o advento da internet, temos acesso a múltiplas informações em um curto espaço de tempo, uma questão se coloca presente: quem se interessa pelo cotidiano, pelo casual, pelo não-extraordinário e pela vida privada dessas pessoas? Em primeiro lugar, poderíamos pensar nos próprios fotógrafos. A experiência vivida através da prática 196

fotográfica foi algo ressaltado pelos diversos fotógrafos com os quais conversei. Munem Wasif, por exemplo, postou a seguinte frase em sua página do Facebook em 21 de abril de 2012: "Its not the photograph, not the art object. It’s the experience!". Saiful Huq Omi, outro fotógrafo formado pela Pathshala, falou do seu ganho na introdução livro que publicou sobre vítimas da violência política em Bangladesh: I was ashamed I uttered to myself what a sad mind I carried with me when I left my winter sleep to come to these people; and what courage did these people give me when I was going back. When I found myself crying, they used to hug me. "Brother, why are you crying, this is just a leg I have lost, nothing more?" (Omi, 2006: 6-7)

Na fala escolhida como epígrafe para este subitem, João Roberto Ripper nos aponta para a mesma direção que os fotógrafos bangladechianos ao nos falar de uma "busca do que há de bom no outro, dos valores". Para ele, "fotografar é fundamentalmente descobrir, reconhecer valores". Ripper, assim como Omi e Wasif, costuma ressaltar a relação de troca e aprendizado que se estabelece no momento fotográfico. Bem, eu gosto de uma porção de fotos. Porque eu gosto da hora que estou fotografando. Porque é um momento de troca, em que você está aprendendo. Gosto, na verdade, das pessoas que estão por trás das fotos, das histórias que elas trazem. Para mim, fotografar é como se fosse uma brincadeira. (…) Acho que, na verdade, eu gosto das pessoas. (Ripper, em entrevista realizada em 20 de agosto de 2009)

Em segundo lugar, poderíamos pensar em seus financiadores e/ou aqueles que encomendam seus trabalhos, na maior parte dos casos, organizações não-governamentais e organizações de direitos humanos. Em terceiro lugar, há o público que segue suas publicações e exposições, assim como os próprios fotografados. Nesta pesquisa, ainda que tenha focado apenas nos fotógrafos, seus discursos, imagens, desejos e intenções; ao avaliar os lugares ondem costumam expor e/ou publicar suas imagens compreendemos que ambas as agências atuam próximas a movimentos sociais, pessoas e/ou instituições interessadas nos debates sobre inclusão e direitos visuais, e ainda no âmbito do fotojornalismo e da fotografia documental, especialmente a social. Mas se um dos maiores objetivos dos fotógrafos é transformar a imagem que estrangeiros têm sobre eles e os "seus", eles sabem que é difícil reverter estigmas. Autores como Hamburguer (2007) já apontaram para o caráter espetacular das ações midiáticas relacionadas tanto ao terrorismo islamista quanto àquele de traficantes pobres de favelas cariocas:

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Ora, a ação social contemporânea é intrinsecamente performática. Os exemplos são inúmeros e vão de grandiosas ações de guerrilha midiática, das quais o atentado de 11 de setembro talvez seja o exemplo mais pungente, a manifestações de menor escala e repercussão circunscrita às ações do crime organizado brasileiro e às inúmeras expressões fílmicas de irrupções violentas entre movimentos armados de desobediência civil sem causa programática, além da defesa de fluxos transnacionais ilegais de armas e drogas, e forças policiais e parapoliciais corruptas, desacreditadas e fora de controle. (Hamburguer, 2007: 127)

O caso da transmissão da ocupação do "Alemão" e do ataque às torres gêmeas americanas foram apenas algumas dessas performances visuais. As contra-representações que elaboram estes grupos são suas respostas às representações politicamente problemáticas sobre eles com as quais não se identificam, como nos explicou Valdean. Esses fotógrafos acreditam que a exibição de imagens produzidas de maneira mais próxima às populações que representam para estrangeiros pode ser o começo de uma transformação política e social. Transformação que pode acontecer em um nível mais subjetivo, impactando em suas autorrepresentações e identidades, mas também em um nível mais concreto, como na elaboração de projetos e políticas voltadas para tais populações. Pois se há um grande desconhecimento sobre esses grupos sociais, suas imagens poderiam interferir positivamente, humanisticamente, nas relações sociais entre os diferentes grupos. Hamburguer (2007) apontou para a relação existente na contemporaneidade entre existência social e expressão visual ao nos mostrar que “fisionomias, pessoas, paisagens específicas ganham notoriedade de acordo com critérios diferentes que definem o que merece e o que não merece ganhar forma no domínio da expressão visual.” (Hamburger 2007: 127). Assim, esses fotógrafos buscam interferir não apenas nos critérios que definem o que merece ser visto, mas também na forma como o que é mostrado deve ser visto. Pouco a pouco estão ganhando espaço nos meios de comunicação e a internet tem se mostrado um importante campo de batalha. Em busca realizada no Google Images em 11 de agosto de 2012 com as palavras “garment workers Bangladesh”, por exemplo, uma das fotografias elaboradas por Lima para o ensaio que apresentei neste capítulo apareceu entre as nove primeiras imagens apresentadas na primeira página.

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Resultado de uma busca com as palavras “garment workers Bangladesh” no Google Images em 11 de agosto de 2012.

Se nos dois ensaios apresentados aqui a violência cotidiana aparece apenas de forma sugestiva, através dos pequenos ambientes em que são obrigados a viver, da falta de infraestrutura e de serviços básicos, no ensaio que Lima apresentou em seu website pessoal a fotógrafa incluiu imagens de cadáveres, fábricas destruídas após acidentes e policiais ostentando armas em protestos organizados pelas costureiras. Esta nova versão do ensaio “A vida e a luta das costureiras” apresenta situações no limite do “aceitável” (pelo Estado e também pelos grupos envolvidos), tal como discutiremos no capítulo a seguir, através dos trabalhos de Saiful Huq Omi e Naldinho Lourenço. A maneira como Lima elaborou seu ensaio para a CCC, no entanto, surpreende por ir além dos clichês das violências e abusos praticados nas fábricas, mostrando "a vida e a luta" cotidiana dessas trabalhadoras. A não documentação do tráfico de drogas ou das violências praticadas por habitantes de favelas por Valdean, por sua vez, parece condizer com aquilo que Machado da Silva (2008) chamou de “os esforços de 'limpeza simbólica' que se tornaram necessários como condição de acesso ao debate público sobre a vida no Rio de Janeiro”. Mas Machado da Silva é pessimista em relação ao esforço, e acredita que hoje eles raramente têm resultado em algum sucesso, pois tem sido extremamente doloroso e difícil para os moradores de favela livrar-se da pinça que os comprime, representada de um lado pela segregação territorial e de outro pelo estigma ligado a uma violência que não é protagonizada pela imensa maioria. (Machado da Silva, 2008: 16-17)

O investimento em uma "limpeza simbólica", no entanto, se faz necessário por causa da representação massiva ligada ao tráfico de drogas que sofrem, de maneira generalizada, os 199

moradores de favelas no Brasil. Frente a esta forma de vida, os moradores comuns desenvolvem um esforço de “limpeza simbólica” que é de dupla natureza. De um lado, procuram afastar-se do mundo do crime, reivindicando não serem identificados com os criminosos, enfatizando a natureza ordeira e pacífica e seus padrões de moralidade burguesa. Deve-se ressaltar, nesta operação, a ressignificação do sentido de “vagabundo” pelos próprios moradores de favelas. Antes uma categoria externa de criminalização dos favelados, enquanto “classes perigosas”, articulada a partir das referências do mundo do trabalho (Valladares, 2005; Zaluar, 1985). Hoje, tornou-se uma “categoria nativa” que se refere ao crime e à violência, demarcando fronteiras em relação às pessoas/”cidadãos de bem” residentes em favelas. De outro, como muitas vezes os traficantes são parentes, vizinhos ou conhecidos próximos, desenvolvem um esforço (sempre individualizado e pontual) para “re-humanizar” ou “re-moralizar” a pessoa em questão. Não que as práticas criminais sejam justificadas. Os moradores apenas sugerem que, mesmo agindo de maneira reprovável, a pessoa tem outras características que a tornam “gente como a gente” e não um monstro moral (Machado da Silva e Leite, 2008: 74-75)

A reflexão de Machado da Silva e Leite (2008) nos remete diretamente aos exemplos já apresentados através do trabalho de Bira, que tenta humanizar os traficantes, e de Valdean, que se coloca distante. Ela parece também justificar a ausência do assunto no discurso (especialmente visual) apresentado pelos fotógrafos da agência carioca, e apontar para a não adequação ao cotidiano, ou a inserção na quebra da rotina. Os autores oferecem uma interessante reflexão a respeito da violência policial: A conclusão geral sobre as críticas à violência policial pode ser resumida da seguinte maneira. Elas denunciam a violência, mas estão referidas a outro problema: a quebra das rotinas. É esta questão não tematizada que organiza todo o discurso crítico e “ajusta” (justesse) o ponto de vista das camadas sociais mais abastadas (segregador, estereotipado e preconceituoso) e o dos moradores de favela (bem como dos demais territórios da pobreza). Estas duas categorias, favelados e moradores do “asfalto”, do imaginário sobre o Rio de Janeiro, centrais na configuração da estratificação social da cidade e seus conflitos, acabam se encontrando naquilo que não dizem: a intensa preocupação com o prosseguimento das rotinas cotidianas, vividas como sistematicamente ameaçadas pela violência. No caso dos moradores de favelas, o que está em questão não é a regulação estatal/legal, a democracia (embora este tópico apareça “camuflado” por reclamações sobre as diferenças de tratamento no “asfalto” e na “favela”), nem a restrição da violência. O problema criticado é, antes, o desrespeito às diferenças e hierarquias internas que constituem a versão local da ordem social. (Machado da Silva e Leite, 2008: 73)

Se Machado da Silva e Leite (2008) demarcam uma diferença entre a violência praticada pela polícia e aquela praticada pelos traficantes, associando a primeira ao silêncio e a segunda a um tema onipresente das falas dos moradores, nos discursos desses fotógrafos a violência praticada pela polícia é a única questionada. É a violência praticada pelo Estado, através dos braços da polícia, a que mais os incomoda. Nem uma nem outra, no entanto, fazem parte dos 200

seus cotidianos, de suas rotinas, e quando acontecem são enquadradas como quebra de rotina, extraordinário, espetacular. Ainda que possam cruzar com traficantes ou ver pessoas armadas (muitos escolhem caminhos alternativos que evitem tais situações) possa fazer parte de seu dia a dia, essa realidade não faz parte do que compreendem como o seu cotidiano. Ripper acredita ainda que, ao documentarem suas próprias realidades, ou seus pontos de vista sobre seus cotidianos, esses jovens fotógrafos colaboram com um novo e importante momento da história da fotografia. Um momento que é tão importante quanto aquele em que os fotógrafos formaram agências independentes (dos jornais) e lutaram pela publicação dos seus créditos e preservação de suas histórias - algo que aconteceu no Brasil na virada da década de 70 para a década de 80, e em Bangladesh nos 90. É uma terceira etapa da conquista dos direitos visuais (ou representacionais), em que a fotografia e as histórias se democratizariam. Este momento "pós-colonial" acontece de formas diferentes no Brasil e em Bangladesh. Enquanto o primeiro está voltado para dentro de si, atuando em suas desigualdades e hierarquias, o segundo pretende conquistar o mundo. Hoje Bangladesh ainda se interessa timidamente pela empoderação imagética dos grupos sociais desprivilegiados. Seja disponibilizando bolsas de estudos na Pathshala, seja através de oficinas que oferecem a grupos minoritários como os biharis que vivem nos campos de refugiados de Mohhamadpur, em Daca (projeto levado a cabo pela Drik em parceria com a UNICEF). No Brasil, não pensam na ocupação do mercado internacional. Ainda que já tenham realizado exposições fora do país, não parecem se interessar por um investimento maior no circuito internacional. Talvez por não dominarem a língua inglesa, por não possuírem uma rede de contatos internacionais ou mesmo por se encontrarem a grande distância não apenas territorial, mas também econômica e simbólica dos grandes centros mundiais da fotografia.

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A violência vista de perto : onde se colocam os limites da documentação da dor, da denúncia e da demanda por justiça

Foto: Saiful Huq Omi

Capítulo 4

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Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. (Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos)

O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos reproduzido acima trata da liberdade de opinião e de expressão dos diferentes (in)divíduos e se tornou um lema para a escola e a agência brasileira. Foi repetido incansavelmente nos anos que dediquei a esta pesquisa, especialmente por Ripper, e apresentado em forma de painel entre as fotos que eram exibidas em suas apresentações211. Utilizavam-nas como forma de chamar a atenção para seu direito de produzir outras histórias sobre seus lugares de moradia, direito este muitas vezes ameaçado212 por agentes do Estado que, dependendo do que registravam, consideravam os temas subversivos. O mesmo acontece entre fotógrafos da escola e agência bangladechiana213. Para entendermos o interdito no que concerne a documentação fotográfica direcionada ao ativismo político desses grupos é preciso atentarmos para como a violência é praticada e concebida em cada país. Duas situações de intimidações nos ajudarão a compreender onde são impostos os limites para o trabalho desses fotógrafos, e a inexistência ou escassez de documentação imagética de assuntos considerados importantes nesses países – a violência do tráfico de drogas no Brasil e a violência contra as mulheres em Bangladesh214. Os limites são sutis. Não são censuras explícitas, mas obstáculos, agravados por ameaças, que não apenas dificultam a realização e a divulgação dos trabalhos, mas também colocam em risco a vida dos fotógrafos que se envolvem em tais documentações. É preciso, contudo, esclarecer uma coisa: os exemplos aqui analisados não constituem de maneira alguma parte da documentação usual dos grupos. Pelo contrário, são casos de exceção que servem para refletirmos sobre os limites (imagéticos, performáticos ou mesmo discursivos) nos trabalhos realizados por ambos os grupos de fotógrafos.

211

Ver, por exemplo, o vídeo Imagens do Povo no DVD em anexo, que também pode ser visto no link http://www.youtube.com/watch?v=Rc7LLI0QDBM . 212 A censura não se dá de maneira direta, mas através de ameaças, pedidos e sugestões, como veremos mais adiante. 213 Além do caso do livro de Saiful Huq Omi que discutirei neste capítulo, outro exemplo seria a exposição Crossfire de Shahidul Alam sobre o Rapid Action Battallion (RAB) que, em 2011, teve sua abertura suspensa pela polícia. 214 Uma das raras exceções é o fotógrafo da agência MAP Shafiqul Alam Kiron, que documenta, desde 1997, mulheres vítimas da violência com ácido em seu projeto "Documenting the acid victims and survivors: Violence Against Women in Bangladesh" que desenvolve em parceria com uma ONG local. 203

Primeiramente, veremos o caso das “vítimas da violência política” documentadas por Saiful Huq Omi no livro Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 1989-2005 [Heróis nunca morrem - Contos da violência política em Bangladesh, 1989-2005]. Em seguida, o caso do assassinato do menino Matheus Rodrigues pela polícia documentado por Naldinho Lourenço na Maré. Esses dois casos, emblemáticos entre os fotógrafos que passaram pela Pathshala e pela Escola de Fotógrafos Populares, geraram grandes reflexões sobre os limites das documentações fotográficas. E foram os únicos que geraram tamanhas polêmicas, junto com a documentação do assassinato de Felipe dos Santos Correa de Lima pelo mesmo fotógrafo brasileiro. No Brasil, tive a oportunidade de acompanhar parte do drama de perto, visto que os assassinatos de Matheus e do jovem Felipe aconteceram em meio ao meu trabalho de campo com o grupo, entre 2008 e 2009. Considero estes casos importantes para refletirmos sobre os limites das documentações das violações dos direitos humanos nos dois países pela repercussão que tiveram e pelas consequências que geraram para os fotógrafos. Ambos tratam da violência política, ainda que o que possa/deva ser considerado violência política seja motivo de controvérsias, como nos mostraram Caldeira (1993) e Soares (1993). A maioria das definições apresentam-na como aquela violência ilegal praticada pelos aparelhos do Estado ou por indivíduos ou grupos sociais em nome de demandas políticas. Assassinatos, prisões ilegais, execuções sumárias, genocídios, guerras, terrorismo, tortura e violência policial são algumas formas da violência compreendida como política. Ela também poderia ser definida como "arbitrariedades praticadas contra opositores políticos ou violência praticada em conflitos politizados" (Caldeira, 1993), e estaria associada a guerras civis ou a ditaduras. Mas Caldeira (1993) chama a atenção para a construção social e política do que se considera violência: se o que se considera violência é uma construção política e social e se o que se considera passível ou não de divulgação sobre ela é uma decisão política, isso ocorre tanto nas redes de informações dos países ditos "globais" quanto dos latinoamericanos, e os indicadores locais não podem ser independentes dessas construções. (Caldeira, 1993)

Assim, se em Bangladesh não há dúvidas quanto à natureza dos crimes aqui revelados por 204

Omi, que não hesitou em usar o termo “violência política” no título do seu livro, no Brasil, como ressaltou Caldeira, "a questão do crime comum parece vir sendo tratada crescentemente em termos privados (segurança privada, legal e ilegal) e não políticos". (1993). A autora lembra ainda (...) o quão construídas social e politicamente são as noções do que seja ou não violento, aceitável, crime, político e, consequentemente, do que seja passível de ser divulgado por diferentes meios de comunicação. No entanto, essas observações também sugerem que no caso brasileiro a consolidação democrática não pode ser pensada apenas em termos do que vem sendo definido como violência política. A prática da cidadania no Brasil tem como desafios centrais a violência policial e a prática da justiça. Os dados "nacionais" subestimam em uns contextos ou superestimam em outros os números da violência, ou seja, constroem politicamente os indicadores e as noções de violência política, tanto quanto os dados "globais". A crítica às construções nacionais é assim tão importante quanto aquela das fontes internacionais, e é ela que pode nos indicar que o ocultamento da violência policial como não-política e no limite como não-violência é um dado fundamental do padrão nacional de dominação política. Afinal, o Brasil contemporâneo, sem violência política em sentido estrito, parece estar longe de ser um país menos violento e com aparelhos repressivos menos violentos do que o foi durante o regime militar, como parece estar longe de ser um país em que o exercício da cidadania, embora estendido politicamente, tenha sido ampliado de maneira considerável no que se refere aos direitos individuais. (Caldeiras, 1993).

As “violências políticas” praticadas no Brasil e em Bangladesh não são as mesmas, e dificilmente poderiam ser comparadas nestes termos. A proposta aqui, então, como nos outros capítulos, é a de utilizar um caso para refletir sobre o outro e, sobretudo, refletir sobre as decisões políticas do “que se considera passível ou não de divulgação sobre ela”, como apontado pela autora acima. Se a classificação da violência como política foi apontada por Omi em Bangladesh, a escolha de classifica-la como tal no trabalho de Naldinho se deu através da sugestão de Caldeira (1993), que ressaltou a difícil separação entre violência política e policial, visto que ambas são praticadas ou aceitas pela mesma instituição, o Estado. Sem considerar essa violência cotidiana praticada sobretudo contra as camadas mais pobres e os negros e que ajuda a compor o padrão de dominação a que estão submetidos, não estamos negligenciando um aspecto fundamental para o entendimento do papel da violência na cultura, na sociedade e na política brasileira? (Caldeira, 1993).

Para compreendermos a complexidade dessas documentações, apresentarei os perfis dos fotógrafos, suas fotos e seus discursos, como nos capítulos anteriores, realizando uma análise dos diferentes níveis de representações que constroem e que apresentam.

205

4.1 Saiful Huq Omi: fotógrafo, escritor, editor e ativista social215 I grew up with the stories of war, the war that happened and ended much before I was even born. And the war ended forty years ago, in 1971 between Bangladesh and Pakistan. But as half of my family was killed, and large part became refugee, I grew up with a family that was torn apart by the war. I remember my childhood; I remember how my mother used to cry for her sister, who was my father’s first wife and mother of my two older sisters. Every day I see how the family members carry the pain of losing father, brother, uncles and for so many others killed in the war by the Pakistanis. My father wasn’t allowed to show his weakness, as he had to be the ‘man’. But I could so feel the emptiness in his eyes; he lost his beloved wife in the brutal war. (Saiful Huq Omi, My Own War, publicado em sua página pessoal do Facebook216)

Quando cheguei em Bangladesh pela primeira vez, em 2010, procurando fotógrafos ativistas para a minha pesquisa, todas as sugestões me levavam a Saiful Huq Omi (Omi), um fotógrafo de 30 anos que tinha documentado as “vítimas da violência política”. A associação era simples: falar de ativismo político neste país era quase sempre falar da política institucional e dos militantes dos diferentes partidos políticos (especialmente os dois maiores, a Awami League e o Bangladesh Nationalist Party (BNP), que se alternavam no poder) e de toda a violência praticada por eles nos diversos conflitos que vivenciavam, utilizando os braços do Estado, como a polícia, quando se encontravam no poder. Lembro da minha primeira noite em Bangladesh, quando voltava de um jantar na casa de Shahidul Alam em seu carro. No caminho entre sua casa e o meu hotel, cruzamos com alguns policiais do Rapid Action Battalion (RAB)217, uma espécie de BOPE bangladechiano, em suas motos. Shahidul sacou rapidamente a câmera que guarda em sua pochete e começou, discretamente, a fotografá-los. Estava desenvolvendo um trabalho sobre a violência praticada por esta polícia, que exibiria alguns meses depois na galeria da Drik218. Curiosa para saber como esta violência acontecia no país, perguntei a Shahidul se ela era dirigida a algum grupo social específico, como acontece no Brasil. Ele me contou que ela não era dirigida a uma classe social, mas a membros de partidos políticos de oposição ao governo no poder. 215

www.saifulhuq.com Ver anexo 10 ou www.facebook.com/note.php?note_id=162409257137991 217 O RAB [Batalhão de Ação Rápida] é um batalhão que reúne membros da elite anticrime e antiterrorismo da Polícia de Bangladesh. É constituído por oficiais de diferentes forças armadas do Estado, como a polícia, o exército, a marinha, a aeronáutica e a guarda de fronteira. Criado em 2004, tem sido acusado por diversas organizações internacionais voltadas para a defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, de várias mortes que têm sido atribuídas a crossfires [tiroteiros ou fogo-cruzados], além de torturas. 218 Shahidul intitulou sua exposição de Crossfire. Apesar de não ter feito nenhuma acusação direta ao RAB, a exposição foi impedida de ser inaugurada no dia previsto pela polícia, tendo que passar por um processo jurídico para poder acontecer, dias depois. A censura aconteceu pela associação que se faz no país entre “tiroteios” e a violência praticada pela polícia. 216

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E foi exatamente sobre a violência praticada pelos diferentes partidos políticos, e por grupos radicais islamistas em especial, que Omi escolheu trabalhar em seu primeiro projeto como fotógrafo profissional que resultou na publicação do livro “Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 1989-2005”. Ele tinha acabado de se formar na Pathshala219, depois de terminar seus estudos em Engenharia de Telecomunicações, na Universidade de Daca. Estudou e viveu/vive na mesma universidade onde seu pai é professor, e onde esteve durante muito tempo envolvido em movimentos estudantis. Being part of a progressive activists group I was very politically active all my student life. But while I was coming to the end of my studies I felt that instead of looking for a happy 9 to 5 job, I would like to do something more important in life. Something that has a bigger meaning and something that helps to understand the world around us. Something that challenges the existing system and something that helps to raise questions.220

A Universidade de Daca tem sido um lugar de forte agitação política desde a constituição do país, em 1971. Os intelectuais estiveram envolvidos na linha de frente da guerra de independência, e tanto professores quanto estudantes participaram com armas da "liberação" de Bangladesh.221 A influência de seu pai, como aconteceu com outros fotógrafos, foi fundamental em seu envolvimento com partidos políticos de esquerda222 e com sua autoidentificação como ativista, em um primeiro momento, e como um "foto-ativista", em um segundo. Witnessing the spirit of protest, procession, and people's power - this is how I started growing up when I was young. My father is a university professor and we were surrounded by political activities, as the university in Bangladesh is the heart of political vibration. From the very first days as a photographer - I've wanted to tell stories. My political activism eventually tool a new shape so I now consider myself a 'photo activist', using my lens to help create a better world. (Saiful Huq Omi, em seu website pessoal) 223

Com o desejo de "criar um mundo melhor" e "mudar vidas" através da sua prática fotográfica, Omi decidiu criar sua própria agência após concluir o curso de fotografia. Mas não uma 219

Diferente de Wasif e Lima, Omi só cursou um ano na escola. www.lesphotographes.com/2010/11/03/the-photographic-activism-of-saiful-huq-omi/ 221 A Guerra de Independência de Bangladesh [Liberation War] durou quase nove meses: começou em 26 de março de 1971 e terminou com a conquista da independência em 16 de dezembro 1971. Em 14 de dezembro, sentindo uma derrota iminente, as forças de ocupação paquistanesas junto com seus colaboradores locais (razakars) sequestraram e mataram intelectuais (assim como outros importantes profissionais que atuavam como lideranças políticas) bengaleses da linha de frente da luta pela independência. 222 O pai de Omi é filiado à Awami League e Omi foi filiado ao Socialist Party of Bangladesh (BASAD) entre 1997 e 2009. 223 www.saifulhuq.com/#mi=1&pt=0&pi=3&s=0&p=-1&a=0&at=0 220

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agência como outra qualquer, quis criar uma “plataforma” que servisse tanto para gerenciar a circulação das fotos que produzia quanto oferecer um local de encontro para ativistas interessados em refletir sobre as representações visuais com o objetivo de intervir politicamente no mundo. Com o sugestivo nome de Counter Foto, sua agência/plataforma foi criada em uma casa da sua família em Mirpur, bairro de classe média baixa de Daca, onde fiquei hospedada durante minha segunda viagem de campo. No momento da minha pesquisa, Omi tentava mobilizar jovens, estudantes, militantes, cineastas e ativistas para criação de uma escola voltada para produção de documentários, e oferecia serviços tanto na área da fotografia (still) quanto do cinema. Trabalhava construindo histórias, como Wasif e Lima, através da combinação de textos e imagens, por vezes utilizando o vídeo224. Mas era de Ripper que se aproximava ao falar sobre a importância de se mostrar a beleza das pessoas e das situações que retrata: The question is why a photographer would create beauty in something, which is difficult to look at! It is not something that is very easy to comment on. But as a photographer, I do believe in beauty. And also believe that if you want to make sure that the audience would have to look at the image then creating beauty is justifiable. And let us also not forget that the decision of viewing an image is completely at the audience’s end. So there has to be something in the image that inspire the audience to look at the image- all that matters is whether the message is reached the audience 225 or not.

Se Ripper defende a documentação da beleza de grupos desfavorecidos socialmente com o objetivo de ressaltar sua dignidade, ou mesmo sua sensualidade, Omi aponta para a importância da conquista do público para esses assuntos tão difíceis. É preciso que as pessoas olhem suas imagens e que se afetem com elas, para que possam agir em prol dos seus retratados. Para ele, as imagens precisam fazer com que o público se interesse pelas histórias que quer contar. If the audience leaves right after they enter the exhibition hall, then I must say there is a problem in the entire presentation-the curating, the visual language of the images and all. And if the audience leaves after spending some time in the hall, feeling heavy in their heart, feeling they cannot take it any more then I say – good 224

Ver, por exemplo, o vídeo que elaborou para o site de Crowdfunding [financiamento coletivo ou financiamento colaborativo] Kickstarter (www.kickstarter.com/projects/2077429965/the-disowned-and-thedenied) no DVD em anexo. 225 www.lesphotographes.com/2010/11/03/the-photographic-activism-of-saiful-huq-omi/ 208

job done. Hats off to the photographer.

226

Como outros fotógrafos bangladechianos, Omi dirige suas imagens a terceiros (estrangeiros) e acredita que são eles que podem e devem se engajar para ajudar aqueles que fotografa, e que sofrem: These people deserve a better life. For Bangladesh it is difficult. Bangladesh is a very poor country. If we have to support another few million people it is almost impossible. We cannot afford it. What I have seen on the ground and photographed, cannot go on like this. Global leaders have to find a solution for the Rohingya. 227

Além das "vítimas da violência política", seu trabalho pessoal já esteve voltado para os direitos trabalhistas, as mudanças climáticas e, mais recentemente, refugiados. Nos últimos anos tem se dedicado a um projeto sobre os rohingyas, um grupo étnico, linguístico e religioso minoritário de um estado do Myanmar chamado Rakhine que faz fronteira com o Chittagong bangladechiano. Com língua própria e de religião muçulmana, os rohingyas já foram considerados “um dos grupos mais perseguidos do mundo” pelas Nações Unidas. São 800.000 vivendo em Myanmar, mas o governo deste país não os reconhece como cidadãos, fazendo com que sejam um grupo legalmente apatriado. Sem nacionalidade, os rohingyas não têm direito de circular livremente no país, sofrendo diversas violações de direitos, especialmente dos direitos humanos. Muitos migram, tentando fugir das diversas violências que sofrem. Ao migrar, muitas vezes são tidos como imigrantes ilegais, e não refugiados. Bangladesh é o país que concentra o maior número de refugiados rohingyas (300.000, estando a maioria em Chittagong), que também migraram para países como Inglaterra e Malásia. Omi já os fotografou nestes três países. Seu envolvimento com os rohingya se deu porque se identificou com eles e com sua luta. Tendo ele mesmo experimentado histórias de guerra no seio da sua família, como vimos na epígrafe escolhida para este subitem, sua experiência nos campos de refugiados em Bangladesh o fizeram pensar em sua própria história e na luta de seus familiares pela libertação do país: I was born 10 years after Bangladesh's war of liberation ended, but I grew up with stories about our own refugees. Part of my family was killed and part became refugees and went to India. When I was very young, my mother used to talk about 226 227

www.lesphotographes.com/2010/11/03/the-photographic-activism-of-saiful-huq-omi/ www.unhcr.org/4c18bfed6.html 209

how bad those days were, what horrible things happen to a refugee. The minute I went to Kutupalong camp I remembered the face of my mother. I remembered how my father used to talk about those days in 1971. When I heard the stories of the children, the men, the women, and I walked around the camp, I really, really strongly felt I should do something. It was my story also because I grew up with these refugee stories, the stories of 1971.228

A deturpada representação que sofrem os rohingyas em Bangladesh também foi um dos motivos que o impulsionaram à documentação. Seu trabalho sobre o grupo nasceu de uma parceria com importantes organizações internacionais, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR/ONU) e o Emergency Fund da Magnum Foundation229. Foi através da ACNUR, que tem ajudado os rohingyas a se estabelecerem em diversos países, que Omi chegou a um acampamento pela primeira vez, no sul de Bangladesh. Em parceria com a ACNUR, também ensinou a fotografia a jovens dos campos de refugiados. Com a ajuda do Magnum Foundation, os documentou. O projeto também contou com o financiamento coletivo de pessoas que doaram valores diferentes ao fotógrafo através do site Kickstarter230. Em poucos anos de carreira como fotógrafo profissional, Omi ganhou prestigiosos prêmios fotográficos. Primeiro, com seu projeto sobre as vítimas da violência política, veio o All Roads National Geographic Award. Ganhou o prêmio um ano depois de ter se formado na Pathshala e no mesmo ano em que publicou seu livro, em 2006. Os prêmios não pararam por aí. Em 2008, ganhou um prêmio de excelência no China International Press Photography Contest, onde, em 2009, conquistou a medalha de prata. Seu projeto sobre os rohingyas, ainda em andamento, foi selecionado neste mesmo ano para a exposição Europe and Asia, na Russia, e LOOK3 nos Estados Unidos; foi um dos finalistas do Aftermath Project Grant e do Alexia Grant em 2009 e 2010; ganhou o Emerging photographers grant do Open Society Institute (OSI) e foi selecionado para o prêmio do júri especial do Days Japan Internacional Photojournalism Awards em 2010; ganhou o Emergency Fund da Magnum Foundation em 2010 e 2011; e foi selecionado para a exposição 228

www.unhcr.org/4c18bfed6.html De acordo com seu website: "The Emergency Fund supports experienced photographers with a commitment to documenting social issues, working long-term, and engaging with an issue over time. Projects address critical global issues that have not received the attention they deserve, or budding crises that are still over the horizon. Photographers retain the copyright to their work and distribute it widely: through traditional and new media, in collaboration with nonprofits or NGOs, and on the Emergency Fund website." (http://magnumfoundation.org/emergencyfund/about.php) 230 www.kickstarter.com/projects/2077429965/the-disowned-and-the-denied 229

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Moving Walls 17, em 2011. Seu projeto sobre a indústria de desmonte de barcos [shipbreaking] em Bangladesh foi selecionado para o Lumix Festival for Young Photojournalism e para a 17ª Joop Swart Masterclass em 2010. Omi também já exibiu suas fotos em galerias de diversos países, como Zimbabue, Líbano, Afeganistão, Quênia, Inglaterra, Russia, India, Nepal, Alemanha, Paquistão, Japão, Estados Unidos e Holanda, além de Bangladesh. Hoje é representado pela Polaris Images, uma agência fotográfica baseada em Nova York, e é o contato fotográfico do New York Times em Bangladesh. Suas fotos já apareceram em publicações como Newsweek, Foto File USA, New York Times, New Internationalist, Time Magazine, The Guardian, Asian Photography, Arab News e BBC.

4.1.1 Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 1989-2005231 We started our work when the whole of Bangladesh was standing with a chest full of splinters. We had to restrain ourselves from going to the bomb spots immediately after the attack. We had to wait till the dust settled down. We wanted to find out the unspoken stories of the known story. We wanted to see the face of our homeland after a storm. For this reason we went to those ordinary people when they left the hospital and returned their own familiar territory. We wanted to link 1989's ethnic minority oppression and today's suicidal bomb attacks by a single thread. We wanted to understand the state, the state that is slowly marginalizing the most vulnerable groups - the majority of the population. We wanted to understand how a 17 year old young man becomes self-destructive, how his state, his society, his economic structure gradually make him suicidal. And again, the same state becomes desperate to save the life of a marked collaborator like Musa-Bin-Shomsher and how does that state's hand become wet with the blood of minorities?232 (Omi, 2006: 7-8)

O livro Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 1989-2005 (2006) foi o primeiro e o único livro que Omi publicou. Surgiu de uma parceria dele (e de sua agência) com a ActionAind Bangladesh, uma ONG fundada na Inglaterra com o objetivo de erradicar a pobreza no mundo e que hoje trabalha em mais de quarenta países, incluindo o Brasil. Em Bangladesh, a ActionAid já desenvolvia projetos com pessoas desabilitadas pela violência política. Deficiência e pobreza, no livro de Omi, estão relacionadas. 231

Parte do livro de Omi está disponível em seu website: www.saifulhuq.com/#a=0&at=0&mi=2&pt=1&pi=10000&s=0&p=2 232 "Colaboradores" ou "razakars", em bengali, é o nome dado àqueles que apoiaram o Paquiistão durante a guerra de 1971, participando voluntariamente de milícias armadas organizadas pelo Paquistão, no território que hoje é conhecido como Bangladesh, contra aqueles que faziam parte dos "mukti bahini", organizações armadas que agregavam os "freedom fighters", ou seja, aqueles que lutavam pela "liberação" do "Paquistão Oriental". São amplamente acusados de terem cometido atrocidades durante a guerra que durou 9 meses, e são discriminados por muitos ainda hoje no país. 211

Escolheram como período a ser privilegiado em sua documentação os anos de 1989 a 2005. 1989 foi um ano de grande agitação política, com a luta pela democratização de Bangladesh, que já vivia uma ditadura militar desde 1982, depois de sucessivos golpes de Estado. O movimento pela renúncia do general Ershad, entre 1987 e 1990, levou muitas pessoas às ruas através de protestos organizados por partidos políticos e movimentos estudantis. Foi a partir desse movimento, e no mesmo ano de 1989 que Shahidul criou a Drik Picture Library. Também foi um ano de forte violência contra grupos minoritários do Chittagong Hill Tracts, como veremos mais adiante. A partir de 1991, com a crise provocada pelo ciclone que devastou o país, a tentativa de privatização de empresas estatais em 1992 e a alta dos preços, novos protestos acontecem. Em 1994, partidos de oposição bloquearam o trabalho do Legislativo, acusando o governo de fraude nas eleições. Neste mesmo período, o crescente fundamentalismo islâmico se manifesta na perseguição à escritora feminista Taslima Nasreen, que em 1994 foi acusada de blasfêmia por líderes religiosos que exigiam sua execução. Ela deixa o país e se exila na Europa.233 As eleições de 1996 foram marcadas pela violência e entre os anos de 1998 e 2000 diversas enchentes assolaram o país, causando muitas mortes. Em outubro de 2001, após o ataque às torres gêmeas americanas, uma coalisão islamonacionalista dirigida pelo Bangladesh Nationalist Party (BNP) e composta pelos partidos islamistas Jamaat-e-Islami (JI)234 e Islami Oikya Jote (IOJ)235 chega ao poder. De 2000 a 2005, Bangladesh sofre uma série de atentados, quase todos reivindicados por movimentos islâmicos salafistas236. Segundo Codron (2010:6), “La aparición de una corriente yihadista en Bangladesh no es más que una de las consecuencias más visibles de una nueva configuración profunda de la “escena política musulmana” de este país.”. Esse era o contexto histórico do período de documentação da violência de que Omi se ocupou. E foi em meio a grande turbulência política que ele decidiu começar seu projeto. Seu 233

Antes de ser exilada na Europa, Nasreen passou um período escondida no flat de Shahidul Alam, que também a ajudou, através de sua rede internacional de contatos, a fugir do país. Cf. http://www.shahidulnews.com/tag/taslima-nasreen/ 234 Em português: Partido Islâmico. 235 Em português: Frente Islâmica. 236 Para uma breve lista de alguns dos ataques reivindicados pela Jamaat-ul-Mujahideen (JMB), ver www.thedailystar.net/2007/03/31/d7033101033.htm . 212

livro conta a história de onze vítimas diretas da violência (dez homens e onze famílias, em suas palavras, já que a última história é a de Abdul Kashem Sarkar, um homem que tinha acabado de ser assassinado quando ele começou seu projeto, levando-o a documentar a dor de sua família), seus amigos e familiares. São eles: 1. Anondo Mohon Chakma. 1989. Persecution of Indigenous People in Chittagong Hill Tracts. Khagrachhari. 2. Sukanta Das. 1999. Udichi Bomb Attack. Jessore. 3. Sheikh Abdul Wadud. 1999. Dissenter Repression: Ahmadiyya Community237. Khulna. 4. Amar Nath Mandal. 2001. Bomb attack in the Meeting of the Communist Party of Bangladeshi. Dhaka. 5. Probir Sikdar. 2001. Journalist Oppression. Faridpur. 6. Rajib Uddin. 2002. Bomb attack in Cinema Hall. Mymensingh. 7. Mohammad Robin Hossain. 2003. Bombing in Faillya Pagla Shrine. Shakhipur, Tangail. 8. Radharani Shaha. 2003. Minority Oppression: Hindu Community. Thakurgaon. 9. Utpal Nokrek. 2004. Injured on Procession Against Building Ecopark. Madhupur, Tangail. 10. Rashida Akter Ruma. 2009. 21st August, Bomb Attack in Awamileague Meeting. Dhaka. 11. Abdul Kashem Sarkar. 2005. Died in Suicidal Bomb Attack in Gazipur. Gazipur.

Organizado cronologicamente e elaborado depois de mais de um ano de pesquisa e viagens a campo, não há duas histórias que se passem na mesma cidade. O livro conta com textos e reprodução de falas do fotógrafo, das vítimas fotografadas, de seus amigos, de familiares. A maioria dos discursos foi reproduzida em primeira pessoa, dissolvendo os limites entre ele e seus personagens. Esta estratégia gera uma sensação de intimidade com as pessoas fotografadas que produz um efeito de menor intervenção por parte dos mediadores, ganhando em subjetividade. Às vezes as falas dos fotografados são reproduzidas entre aspas, às vezes não, intensificando a fluidez e confundindo os limites entre o "eu" e o "outro". Se no projeto de Lima sobre as costureiras vimos uma impressionante combinação entre fotografias e textos que apresentam o universo das trabalhadoras, é na documentação de Omi que esta combinação ganha mais força. Omi mistura as histórias de vida de seus fotografados com as suas visões políticas (dele e dos fotografados) e informações do grupo social ao qual pertencem. A forma de apresentação do livro é bastante original. Publicado em formato 237

Movimento religioso muçulmano fundado na Índia por Mirza Ghulam Ahmad. 213

"paisagem" no tamanho 20x30 cm, as fotos foram impressas em grandes tamanhos (15x21 cm, 20x30 cm e 30x45 cm) ao lado das falas dos diferentes personagens. A combinação entre os diferentes discursos visuais e textuais permite ao leitor viajar pelo ambiente retratado em diferentes níveis. O livro é bilíngue, sendo apresentado ao mesmo tempo em Bengali e em Inglês, com exceção dos posfácios publicados apenas no idioma estrangeiro. Há dois: um escrito pela ActionAid, que trata da ajuda aos desabilitados e da sua luta política para reconhecimento dos seus valores e de suas dignidades, além da redução da violência política em Bangladesh; outro pelo escritor bengalês Salimullah Khan, que faz uma reflexão filosófica sobre a fotografia da violência a partir de Barthes, Benjamin, Lacan e Foucault, entre outros. A publicação do seu livro em formato bilíngue aponta para a intenção de falar simultaneamente para "os seus" e para "os outros". Ricos e pobres, hindus, budistas e muçulmanos, homens e mulheres, adultos e crianças. No livro de Omi, todos são igualmente suscetíveis à violência política neste país, que, como veremos, toma forma bem diferente daquela que acontece no Brasil. Neste trabalho, então, Omi chama a atenção para a violência que acontece na vida das pessoas comuns em nome da política. As pessoas retratadas por ele são vítimas de atentados à bomba de fundamentalistas, pessoas agredidas, mutiladas e uma mulher estuprada. Em sua representação, contudo, Omi evita imagens espetaculares, ou do terror. Não vemos sangue ou cadáveres, mas a representação de pessoas que querem seguir com suas vidas e lutar por algo. Através da maneira que olha para elas, o espectador de suas imagens também tem a chance de passar pelos diversos estados emocionais pelos quais passou o fotógrafo: da pena/piedade à compreensão da luta e da força dessas pessoas. I could never produce images that were in my mind to photographs during the initial stages of my journey. These individuals have taught me that losing a leg is not accepting defeat; our eyes and views are so much accustomed to see such people as 'defeated'. Our observation of these victims of violence are wrong; the struggle of these people proves it.238

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www.thedailystar.net/2007/04/06/d704061403118.htm 214

E é através do seu olhar que busca a mudança social proposta em seu fotoativismo. Através da apresentação da maneira como vê tais pessoas, situações e histórias de vida, ele busca mudar a forma como outros olham para elas e (trans)formar suas opiniões. Para ele, a jornada fotográfica é também um processo de (auto)descoberta. Assim, expõe em seu livro como mudou a maneira como olhava para estas pessoas. Primeiro, as via como miseráveis e derrotadas: After finishing my work on Utpol, as I moved from one corner to the other corner of the country - from Thakurgaon to Khagrachhori, from Khulna to Sylhet, the hidden, soggy middle class inside me wanted to wake up again and again. I thought how miserable the lives of those disabled survivors are. (Omi, 2006: 6)

Depois, como heróis. Foi quando descobriu que elas mantinham seus sonhos, suas lutas e suas ambições, apesar de todas as atrocidades que viveram, que ele compreendeu: "If they are not the heroes of this nation, then who are?" (Omi, 2006: 7) To be honest, when I started my project it was not in anywhere in my mind that I would call these survivors of violence as “Heroes”. Eventually when I started spending time with these people, I saw the enormous courage that these men and women have, the tireless struggle they were going through and the endless nights they were passing with so much audacity. These were my heroes, and these are my heroes. To me, to be hero not always one has to be a national or international figure, not that they are not heroes but also the ‘people’, the mass, the general people are my real heroes-the silent ones who changes the course of history wordlessly.239

Em suas fotos, então, essas pessoas não aparecem apenas como vítimas. É sua força e sua vontade de continuar lutando que recebe destaque. E ao mesmo tempo em que fala da luta destas pessoas, Omi reflete sobre seu lugar na sociedade, assim como sobre o futuro do seu país: It is just a leg I lost, I have my huge community, I have my whole nation. Will they all survive at the end? Are you all going to chase us away?" While leaning against the backdrop of the hills, Anondo Mohon asks me this question; could I give him any answer? The nation that I represent, the majority that I represent - does anyone of us have the answer to this question? (Omi, 2006: 7)

Ao se dirigir diretamente aos leitores do seu livro, repassando o questionamento que recebeu de Anondo a eles (ao lado dos quais se coloca através do uso do “nós” [us]), Omi se apresenta, como o fez Shahidul no vídeo My journey as a witness, como um mediador. Busca, 239

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dessa forma, engajar terceiros que ao tomarem consciência da situação dessas pessoas que sofrem deveriam agir em prol delas (Boltanski, 2007). Vejamos algumas das fotos que Omi publicou em seu livro. Como este é o único caso de livro analisado nesta tese, seria impossível reproduzir todas as imagens. Assim, decidi apresentar as fotos como ele as publicou em seu website pessoal240, inserindo algumas informações encontradas no livro. No site, Omi apresenta primeiramente as fotografias em tamanho pequeno acompanhadas de algumas legendas que resumem cada história e em seguida apresenta apenas as fotos, em tamanhos maiores. Aqui, inseri as legendas ao final.

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1. 'Sukanta Das', a survivor of the first bomb attack in Bangladesh targeting cultural activities. He was a gold medal winner in guitar and was an active member of a cultural group called 'Udichi'. After the attack in one of Udichi's summit in Jessore, he lost his right leg and lost senses in his right hand. He cannot play his guitar anymore. 2. November 29, 2005. It was a long wait at the morgue waiting for postmortem to be over. The suicidal attack target mostly the public places and the target was invariably the ordinary people. Abul Kashem Sarkar happened to be at the bank withdrawing his monthly salary at the time. 3. He still has problems in his spinal cord. During and after urination it burns. Amar Nath says, "Sometimes I groan. Sometimes it pains so much that I get a fever. The time after full moon is approaching, the pain will start again." His right leg is almost inactive... there are still many splinters left in legs, hands, belly, back, and head. The body always pains for splinters. He still has to take medicine. Amarnath Mondol - member of Communist Party of Bangladesh. He got injured in the bomb attack in their party meeting. 4. Sheik Abdul Wadud was praying in a mosque when a grenade attack took his right leg and a portion of his right hand back in 1999. Nine men died and numerous no of people were injured in the attack. A large no of fundamentalist have been protesting agains the Ahmediyyas for half a decade in Bangladesh. They have to be called non Muslims - that is their only argument to the government. 5. "We are a family of ten members - my parents and eight of our brothers and sister. Before the attack, I used to work at the graveyard with my father. My father is a caretaker of a government graveyard. Though even before the attack, me and my father didn´t earn decent enough, we knew at least we won´t starve to death. Now, without me as an earning member, sometimes we do not have enough money to eat three times a day" says Rajib. 6. Robin as a student of class three. He was in a shrine when the bomb blast. As the Islam based on shrine culture is the continuation of Sufi Islam, so it is hated by the fundamentalist groups in Bangladesh. After four years of the incident Robin still feels sad when he remembers those days. As he said - "I was just playing there, why did they bomb me? I was just a kid.". 7. "There is at least one positive side of being in a hospital, you can eat three times a day" said Amarnath Mondal. He was going back to his home after being treated for four months. Amarnath hardly remembers the last time he ate to his heart's content. He knows there is hardly anything good waiting for him at home. 8. Ruma was just beside Sheik Hasina (the former prime minister of Bangladesh) when they all fall victim of the grenade attack. Ruma still carries more than hundred splinters in her body. Doctors have lost all hopes of her full recovery. Sometimes it still pains a lot, and then she has nothing to do but cry or shout in pain. 9. Anondo Mohon Chakma lost his right leg when he was shot by the army. He was a regular school teacher, but the army thought he might have a connection with the guerrillas who here fighting for their freedom for more than fifteen years. Army came to Anondo Mohon's house and shot him in the point blank range. 10. Wadud is no more capable of doing any hard working job. Most of the time, he stays in the home and spends time with his youngest daughter "Tuba". 11. "Our community does a lot of voluntary work. Hundreds of people come to us for homeopathy treatment. I also had training: I sometimes sit in the dispensary. Helping people in their bad times is the ultimate religion. Is there any better religion than that?" - says Wadud. 12. Some day I will walk again" - Utpal always reminds himself. But the fact is he does not have any sense from the mid of his body to the toe of his leg. He will never be able to walk on the soil of this earth again. 13. 'When I had both of my legs I used to cross this river...' said Rajib. Rajib became very sad when having a walk beside the river Brahmaputra. He takes a walk alone. In his own world he is alone and he loves to remain so. He goes further away from all of us. 14. Sem legenda 15. Sem legenda 16. Sem legenda.

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Dos onze casos que Omi nos apresenta, dez histórias têm homens como protagonistas e duas, mulheres. Destas, uma fala muito pouco, sendo seu caso apresentado por seu marido. O único outro caso de um personagem que não narrou sua própria história foi o do indígena Anondo Mohon Chakma, que solicitou que os detalhes do seu caso fossem omitidos, por medo de represálias. As fotos mostram o cotidiano, a família, o trabalho e o lazer dos retratados, mas os textos delatam o extraordinário, as violências, investindo no caráter dramático das tragédias que viveram. As fotos apresentadas são elaboradas poeticamente e o tom pessoal é construído através da fala dos fotografados e da associação dessas histórias com a memória das guerras que a família do fotógrafo experimentou, ainda presentes no seu dia a dia. A primeira história que Omi nos apresenta é justamente a de Anondo Mohon Chakma. Na primeira página, impresso em cima de um fundo preto, vemos o ano do ataque que sofreu, 1989, impresso em cor vermelha. A forma de apresentação das histórias se repetirá ao longo de todo o livro, mudando apenas os anos e o conteúdo. Em seguida, vemos uma foto em tamanho pequeno (6x9 cm) de um indígena. No primeiro plano, a roda de uma cadeira, no fundo, desfocado, o rosto de uma criança a observá-la. Após algumas informações básicas "Anondo Mohon Chakma, Persecution of Indigenous People in Chittagong Hill Tracts. Khagrachhari, 1989" – há um texto introdutório: Anondo Mohon Chakma gave us permission to work with him on the condition that we keep certain sensitive issues of hill tracts and his life confidential. He requested us not to disclose anything for which his and his family's security is put into jeopardy. As a part of professional responsibility on an ethical ground, we admit our inability to disclose Anondo Mohon's personal statement about his injury.

Nesta primeira página, descobrimos que Anondo precisa de uma cadeira de rodas para se locomover. Pelo seu nome, descobrimos que ele faz parte dos Chakma, o maior grupo indígena de Bangladesh, situado em Khagrachhari, Chittagong Hill Tracts (CHT), distrito do sudeste de Bangladesh que faz fronteira com a Índia e Myanmar. Através do texto introdutório, descobrimos que Anondo não foi apenas vítima de uma violência, mas que sua vida continua em risco.

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Nas duas páginas seguintes, vemos o retrato acima impresso em grande formato (30x45 cm). Cisnes em primeiro plano, Anondo, desfocado, sentado em sua cadeira de rodas em segundo plano. Em seguida vemos duas fotos em tamanho 20x30 cm: uma dele de costas, de pé sob sua única perna, escrevendo em um quadro negro (suas muletas estão encostadas no quadro); outra onde vemos duas meninas cozinhando. Na página a seguir, há uma foto 15x21 cm de trabalhadores fabricando asfalto e uma legenda: Construction of some roads and hospitals - this is what we understand as post independent development in the hill track area. Among these angry people of growing human settlements of Bangladesh exists crisis of nationality, crisis of not achieving constitutional recognition as well as the resentments of deprived people arising from long history of inequality.

Na página ao lado, mais um retrato de um jovem encarando um pássaro (desfocado, em primeiro plano) preso em uma gaiola. Nas duas páginas seguintes, em mais uma imagem 30x45 cm, vemos quatro jovens monges budistas e a legenda: "Their religion talks about peace. The Buhist monks, standing in the middle of the ancient settlements, shattered by brother-killing war, speak of non-violence to all living things. This call of religion could not 222

bring peace in Chittagong hill tracts." A seguir há mais duas fotos em 20x30 cm: uma foto do quintal da sua casa onde vemos duas crianças e duas mulheres, e outra onde Anondo aparece de pé, entre suas muletas, em um campo. À sua frente, apenas neblina. Por causa do pedido do jovem de ter partes sensíveis da sua história ocultadas, compreendemos pouco do que viveu. Sabemos que ele não tem uma das pernas, que perdeu num ataque que sofreu por ser parte de um grupo indígena que vive nas montanhas do sul de Bangladesh, uma das poucas áreas budistas remanescentes da Ásia do Sul. É através da legenda publicada no site que descobrimos o motivo do ataque: membros do exército acreditavam que ele fazia parte de um grupo guerrilheiro que lutava por sua liberdade na região. Anondo Mohon Chakma lost his right leg when he was shot by the army. He was a regular school teacher, but the army thought he might have a connection with the guerrillas who here fighting for their freedom for more than fifteen years. Army came to Anondo Mohon's house and shot him in the point blank range.241

Os conflitos políticos nesta região existem desde antes da formação do país, mas se intensificaram a partir da criação de Bangladesh como um país de bengalis muçulmanos. Os indígenas da região sofreram com as diversas políticas do governo bangladechiano, que não os reconhecia, reduzindo-os a uma minoria que passou a ser perseguida e atacada, especialmente nas décadas de 70 e 80, quando o governo instaurou uma política de ocupação da região por trabalhadores pobres (bengalis muçulmanos) de outras cidades do país, como sugeriu Omi em sua segunda legenda. Resistindo à ocupação da região por colonos, os indígenas se organizaram e em 1973 formaram uma organização política, o Parbatya Chhatagram Jana Shanghatti Samiti (PCJSS) que contava com um braço armado, o Shanti Bahini. Em resposta à organização indígena, o governo bangladechiano militarizou a região. Desde então os conflitos não cessaram, ainda que alguns governos tenham tentado diferentes negociações. 1989, ano do ataque a Anondo, foi também o ano em que o governo do então presidente Ershad aprovou o District Council Act [Ato do Conselho Distrital] criando conselhos governamentais locais com o objetivo de delegar poderes a representantes 241

www.saifulhuq.com/#a=0&at=0&mi=2&pt=1&pi=10000&s=5&p=2 223

indígenas. As propostas do governo, entretanto, não satisfizeram o PCJSS que, apenas em 1997, assinou um tratado de paz com o governo. O tratado promoveu uma pausa nos conflitos, mas estes nunca cessaram. Em fevereiro de 2010, quando realizava meu primeiro campo em Bangladesh, confrontos entre bengalis e indígenas resultaram no incêndio de diversas aldeias no distrito de Rangamati, matando e ferindo vários indígenas. Acredita-se que o exército e a polícia estiveram ao lado dos bengalis nestes incêndios criminosos. Colonos e soldados bengalis têm sido acusados de diversas violações dos direitos humanos (massacres, execuções, torturas, estupros e prisões ilegais) dos grupos indígenas da região. A história seguinte é a de Sukanta Das, um jovem242 que foi vítima de um ataque à bomba em Jessore, distrito de Khulna, sudoeste de Bangladesh, no ano de 1999. Na primeira página, além da data e da foto de Sukanta (de costas, saindo pela porta de casa em contraluz), lemos as seguintes informações: “Sukanta Das. Udichi Bomb Attack. Jessore, 1999”. March 6, 1999. The Jessore Town Hall premise. It was the last day of Udichi's 12th summit. After seeing off the guests coming from Dhaka I went to green room. In the last three days I haven't gone to the green room. I was volunteer. People came from all over the country; I was busy hosting them. It was the last day... seeing off the guests I sat in the green room... I was talking to a lot of people... for some reason I was calling Tapan daa (who later died in the bomb blast) by his name. Something happened all of a sudden. At first, I heard an ear splitting sound. Right after that, it happened that I wasn't able to hear anything... after two or three minutes, another sound came into my ear. I was feeling as if I was drowning deep.

Depois desse breve resumo da história, contada pelo próprio Sukanta, vemos uma foto dele, abraçado ao seu violão. A autoria das falas não é explicitada, como em muitas outras publicadas no livro, mas descobrimos que é o próprio Sukanta quem fala, através das histórias que são contadas.

242

Em suas histórias, Omi indica o ano dos ataques, mas não a idade das vítimas, que deduzimos através de suas imagens e das datas em que viveram suas tragédias. 224

A terceira e quarta páginas são dedicadas a esta imagem, impressa em tamanho 30x45 cm e com uma legenda onde ele conta que, apesar de ter sido o melhor guitarrista no seu curso, não podia mais tocar o violão por ter um problema na mão em decorrência do ataque que sofreu: "I stood first in guitar in the first year from Bangladesh Music Education Board (Dhrubo Parishad). In the second year, I stood second. Now I can't play the guitar any more for the problem in my hand." A quinta página é dedicada a uma foto da família de Sukanta no quintal de casa. Além dele, vemos sua mãe, seu pai, uma menina e um garoto. Na página seguinte, uma foto dele deitado na cama, lendo um livro. No primeiro plano, vemos a prótese da sua perna, encostada no colchão. Ele está num canto escuro. A luz que entra pela janela ao fundo ilumina o quarto, mas o jovem permanece na sombra. Lemos: ...Working with deprived people... making a shelter for the old, so many wishes I have. Since I have lost one leg, I have been feeling life's pain more intensely than ever before. Understanding the reality is very important. So I wish to form an organization for those who have lost legs or hands in some ways. Be it today or tomorrow, be it with one person or two.

225

...I still have the plans that I had before the accident. I haven't gave up. Reading more...taking higher degree. I don't need money...if I could get support on how to start working...

Nos textos que aparecem ao lado das fotos acima referidas, Sukanta nos conta sobre seus planos para o futuro e sua vontade de continuar a estudar. A questão dos estudos aparece no livro de Omi como algo valorizado pelos diversos fotografados. Amar Nath Mandal, vítima de um ataque a bomba em uma reunião do partido comunista de Daca, por exemplo, diz que gostaria que seus filhos tivessem terminado os estudos, algo que ele não conseguiu fazer, mas que o ataque mudou suas vidas: I have only one son and one daughter. I had a wish - I would see my son around me after he passes Secondary School exam. I never had the chance to go to school... My daughter passed the examination; my son couldn´t. Before the accident, both of them used to study... After the accident, everything was shattered.

As limitações que passam a existir em suas vidas após tais acidentes, entretanto, não são valorizadas, mas sim sua vontade de continuar lutando. Sukanta pensa em criar uma organização voltada para pessoas desabilitadas como ele. Como Bira, afirma não precisar de dinheiro, mas gostaria de ajuda para começar a trabalhar. Nas duas páginas seguintes vemos a imagem dele saindo pela porta em contra luz, a mesma que abre o ensaio, em tamanho 30x45 cm, acompanhada da legenda: After my treatment, in Kolkata, I came back to Jessore. In Jessore, I used to have my physiotherapy. Even there I had problems. One day the owner of the therapy centre proposed, "let us launch a lottery for your treatment. We will raise funds; with whatever we get you can buy a machine for me and the rest will go to your welfare funds." I said to the therapist, "you have come to do business with my situation. Never ever say anything like this to me”.

Nesta legenda, Sukanta nos fala sobre o problema que teve com o proprietário do centro de terapia onde costumava se tratar. Querendo aproveitar do seu problema físico para angariar fundos para a compra de equipamentos para a clínica, o proprietário lhe propôs que fizessem, juntos, uma rifa: parte do dinheiro serviria para a compra da máquina, parte para os cuidados do jovem. Mas Sukanta não gostou da proposta de fazer negócio em cima da sua situação. Além de não se sentir confortável na posição de vítima, se sentiu usado. Na página seguinte, vemos um retrato da sua mãe, Sabitry Das, séria e cabisbaixa, sob um 226

fundo desfocado. Na página seguinte, há uma legenda: "Sabitry Das - Sukanta's mother. ‘If I didn't have a mother I would head out. I so want to travel and see the whole country. I can't leave the house because of my mother's love’." Ao lado há uma foto de Sukanta com seus amigos em uma canoa no rio. Um deles canta, os outros riem: With friends - on Chitra, the river of artist S. M. Sultan. After Sukanta's accident, his friends used to surround him - in hospital and at home when he was injured. ‘My friends arranged a function for me. They raised forty thousand taka for me. Is was out of my imagination that my friends would have done so much for me’.

Na história de Sukanta, ao contrário do que vimos na de Anondo, ele é o único que tem suas falas reproduzidas. Ele é jovem e tem sonhos como qualquer outro jovem. Adoraria viajar, mas o que o faz permanecer é sua mãe e não a falta da perna. Seus amigos lhe oferecem o apoio e a amizade de que precisa. Enquanto estava acidentado, levantaram dinheiro para seu tratamento. Sukanta se apresenta e é apresentado como um jovem comum, apesar de ter vivido uma experiência trágica. A denúncia de Omi, assim, chama a atenção para a beleza, a força e a dignidade do rapaz. Depois das histórias de Anondo e Sukanta, conhecemos as histórias de Sheikh Abdul Wadud (vítima de um ataque a bomba de grupos radicais islamistas a uma mesquita de uma vertente minoritária muçulmana conhecida como Ahmadiyya em 1999), Amar Nath Mandal (vítima de um ataque a bomba em um encontro do Partido Comunista de Bangladesh em 2001), Probir Sikdar (jornalista atacado em Faridpur, distrito de Daca, em 2001), Rajib Uddin (vítima de um ataque a bomba a um cinema em Mymensingh, distrito norte de Daca, em 2002) e Mohammad Robin Hossain (vítima de um ataque a bomba ao santuário de Faillya Pagla, em 2003) até nos depararmos com a história de Radharani Shaha. Identificada como “opressão contra comunidades hindus” - "Minority Oppresion: Hindu Community. Thakurgaon, 2003" - , a violência sofrida por Radharani em Thakurgaon, distrito de Rangpur, noroeste de Bangladesh, em 2003, é apresentada por seu marido, ao lado de uma foto de família onde vemos Radharani, o marido, suas duas filhas e seus dois filhos, da seguinte maneira: I was looking for her, she wasn't there, she wasn't anywhere. Before she left home she said she was going to pick dry sugarcane leaves. I looked for her then, she wasn't around. It was around four in the afternoon. She was nowhere. Then I asked Poresh to go with me to find out Radha. We were going here and there. She wasn't here. She 227

wasn't there. Then I thought problably she might have gone to Yakub Miah's sugarcane field. We started to walk and then heard someone groaning. Oh my god! What did I see! I saw her lying on the field, full naked. Both of her eyes were lying next to her, ants were trying to pull the eyes from all sides. I cried out. Some people came to take her home. She has lying senseless. Then I sent her to the hospital by a van. Next day at around 10 she came into sense and said, "I was coming home with the sack of leaves. Rafiqul and two others attacked me from behind. Then I asked Raquiful "what happened, why grasp me?" When she said this, they clutched her throat and fastened her mouth with her sari. They fastened her and took her away, then raped her. Then, when they thought that Radha would recognize them, they spooned out Radha's eyes. Someone held her hands, someone held her legs, and someone put the knife in her eyes to spoon them out.

Apesar

do

depoimento

também

aparecer

sem

autoria

identificada,

rapidamente

compreendemos que foi dado por Malin Chandra Shaha, marido de Radharani. Malin conta que no dia do ataque sua esposa tinha saído para colher folhas de cana-de-açúcar, mas demorou para voltar. Eram aproximadamente 16h quando ele decidiu procurá-la. Em meio aos campos de plantações de um vizinho, escutou gemidos e viu sua mulher, inconsciente, nua, no chão, com ambos os olhos arrancados e jogados ao lado do corpo, sendo arrastados por formigas. Malin se desesperou, mas levou-a a um hospital. Radharani só voltou à consciência no dia seguinte, às 10h. Ao acordar, contou o que tinha acontecido: foi estuprada e teve seus olhos arrancados à faca por um vizinho que não queria ser reconhecido. Os detalhes da busca, assim como da própria violência sofrida por Radharani são mais violentos do que todas as fotos apresentadas por Omi no ensaio. Contrastam com a imagem da família reunida, sorrindo, que vemos ao lado desta apresentação, na primeira página. Na página seguinte, vemos em uma foto 15x21 cm, o rosto de duas crianças desfocados em primeiro plano e, entre seus rostos, o de Radharani, em foco, sério, cabisbaixo e de os olhos fechados. Ela está sentada no chão e não há legendas. Na página seguinte, a vemos sentada de costas, virada para um jovem, entre quatro crianças, todas do sexo masculino. Estão a brincar enquanto o jovem tem um livro na mão. Em outra fala do seu marido: What else to do? Then I had no way back. Will I go to India? How will I go there? Even if somebody kills me I will have to accept. I won't be able to go anywhere. You complain to the chairman; he will never listen to you. I didn't eat anything for next three days after this had happened to me. There was nothing to eat. At that time, the village board office got allotted rice as grant from the government. I went to the chairman and said, "Chairman Sir, I haven't eaten anything for the last three days, give me five kilo rice at least." He said, "The rice is not for Hindus." A lot of people were listening when he said that. - Malin Chadra Shaha (Husband of Radharani Saha).

Malin pergunta: “Será que eu vou para a Índia?”,

fazendo referência à partição do 228

subcontinente indiano pelos ingleses que o dividiram entre terras de muçulmanos (Paquistão e Bangladesh) e de hindus (Índia). Mas ele não pode deixar seu país. Diz que teria que aceitar mesmo que quisessem matá-lo, pois não poderia ir a lugar algum. Citou como exemplo do sofrimento que vive, por ser hindu, uma conversa com um oficial do governo com quem foi ter depois do ataque à sua mulher, quando ele e sua família passaram dias sem comer. Neste momento, o conselho do seu vilarejo tinha recebido do governo quilos de arroz que deveria ser distribuído para a população local. Mas ao pedir um pouco para sua família, recebeu como resposta uma negação acompanhada de “o arroz não é para hindus”. A violência sofrida por Radharani, então, uma grave violência contra uma mulher, é agravada quando descobrimos que ela tem como fundo disputas religiosas.

Na página seguinte, vemos em uma nova foto parte do rosto de Radharani. Seu olho está escuro e ela aparece no canto direito da imagem. No lado oposto, há o vulto de um homem sentado no chão. A imagem está completamente desfocada e, ainda que Omi tenha colocado o rosto dela em primeiro plano, não vemos detalhes. Ao lado da foto, duas outras falas de seu marido: Yes, you can never tell when or to whom the chairman could do what. I was going to write a general diary to the police station about the chairman. The dodgy cops said, "just stand here, huh, you want to write a general diary in chairman's name, 229

don't you? He will kick your ass, do you know that?" Who knows when he will beat me to death? Who knows when he burns me to death? When I am late, like 8'oclock in the evening, I usually don't return home, in the fear - what if anybody does anything to me. When I go to the marketplace, I usually return home before sunset. Malin Chandra Shaha (Husband of Radharani Shaha) I haven't done any harm to anybody, I am not involved with the party politics. We husband and wife - work hard to fill our stomach. I never go to the party office. Today Mujib, next day Ziaur Rahman - I don't even bother to think. What do I have to do with it? It doesn't fill my stomach. - Malin Chandra Shaha (Husband of Radharani Shaha)

Através das legendas, descobrimos que, assim como Anondo, a família de Radharani também vive com medo, sentindo-se ameaçada mesmo depois do ataque que sofreu. A fotografia desfocada do seu rosto, por sua vez, condiz com a proposta de Omi neste livro de evitar valorizar as deficiências de seus fotografados, indo "além" delas: For me this was one of the biggest challenge, how you can go ‘beyond’ the body when you are working with people who are disabled! I felt that in no way, I should emphasize the absence of the limbs! I tried to make sure in every frame that the absence does not become prior than the life of the human beings and so that their pains, happiness and agony become the real story.243

Para Foucault (1996), o ato de matar uma pessoa é incompreensível porque rompe com o pacto social. Lacerda (2012), por sua vez, chamou a atenção para o fato de que matar com "requintes de perversidade" é ainda mais surpreendente. Em seu estudo sobre o caso dos meninos emasculados do Pará, a autora chamou a atenção para o fato de que As queimaduras, o retirar a pele do rosto, um pedaço do corpo, ou partes tão delicadas como o bico do peito, os globos oculares e o pênis, indicam que a intenção do algoz era de produzir o sofrimento da vítima que não voltaria a viver. O sofrimento extremo, como sugere Pollak (1989), produz a desumanização de suas vitimas. (Lacerda, 2012: 303).

Se no caso das vítimas sobre as quais Lacerda reflete, a maioria não "voltaria a viver", das onze vítimas tratadas por Omi, apenas uma está morta. Todas as outras dez sobreviveram, todas com marcas definitivas. Este processo, e este sofrimento, descrito como parte da intenção de "desumanizar" as vítimas aparecem de forma mais explícita no caso de Radharani onde, mesmo já tendo reconhecido seu algoz, ela teve seus dois olhos arrancados. Se o sofrimento extremo produz a desumanização das vítimas (junto com a animalização dos seus algozes), como sugeriram Lacerda (2012) e Pollak (1989), o esforço de Omi de ir "além dos corpos” das vítimas aponta para seu desejo de trazer de volta para suas histórias de vida algo 243

www.lesphotographes.com/2010/11/03/the-photographic-activism-of-saiful-huq-omi/ 230

que teria sido roubado junto com a violência física e emocional que sofreram: sua "humanidade". Em seguida, vemos uma foto de Radharani e seu marido na cama, como se dormissem, com um de seus filhos sentado ao lado. As duas páginas seguintes trazem uma única foto, em tamanho A1, de três crianças. Uma chora ao fundo, outra olha com desconfiança o fotógrafo por trás de um tronco de árvore e a terceira sorri para a câmera, em primeiro plano. Não há legendas. É apenas na décima página dedicada à sua história que lemos um depoimento de Radharani pela primeira vez, ao lado de uma imagem onde a vemos abaixada com alguém jogando água sobre sua cabeça: My eyes... when the eyes are exposed to air it pains. I will wake up in the morning... will take bath... will pour some water on my head... it will be relaxing... cold water... very shooting.

Na página seguinte, outro retrato de uma criança brincando e finalmente a última foto: uma versão maior do retrato de família apresentado na abertura do ensaio. Lemos: I can't sleep for tension. I am very worried, how will I have my two daughters marry. What will I do? Our family is in deep trouble. It was going better before. Both of us used to work. We used to earn 100 taka per day, and spend 50-60 taka per day. We had a nice family life.

A história de Radharani reúne algumas das principais características das vítimas da violência em Bangladesh: ser mulher, pobre e hindu. Sua história, no entanto, é ainda mais terrível pelo requinte de crueldade após a violência sexual que sofreu. Largada sem roupa e sem os olhos em meio a um campo de cana-de-açúcar não muito longe de sua casa, o terror que sofreu marcou não apenas sua vida, mas também a de seu marido e de seus filhos e filhas, especialmente as mulheres. É sobre o futuro delas que Radharani mais se inquieta: como vai casá-las, se hoje não pode trabalhar? Sua violência aparece como o ápice do complexo quadro de violências apresentadas por Omi, antes de conhecermos as três últimas histórias: a de Utpal Nokrek (ferido numa marcha contra a construção do Ecopark em Madhpur, distrito de Tangail, norte de Daca, em 2004), a de Rashida Akter Ruma (vítima de um ataque à bomba num encontro da Awami League em Daca, em 2004) e a de Abdul Kashem Sarkar (morto em um ataque à bomba suicida em Gazipur, norte de Daca, em 2005). 231

Todos os casos apresentados pelo fotógrafo foram fruto de violências praticadas por grupos radicais islamistas com pretensões políticas. A representação dessas vítimas, por sua vez, apresenta perfis muito diferentes de pessoas comuns que tiveram sua vida transformada repentinamente por causa dos ataques que sofreram. Algo, porém, está presente em todas elas, e na história do próprio fotógrafo: as ameaças que sofrem. No caso do fotógrafo, também foram muitas. Durante a execução do projeto, Omi e a ONG que o contratou receberam intimidações e solicitações de interrupção do projeto. Por causa do forte clima de instabilidade em que o país se encontrava, a ActionAid decidiu suspendê-lo, por não poder garantir a segurança necessária para Omi e os demais envolvidos.

244

O

fotógrafo, no entanto, não aceitou o ultimato e decidiu seguir com o projeto. Eis seu relato: My first work was on political violence and it was on the rise of political islam and everything. And unfortunately the government that was in power back there was very part of it. They were the people who were bombing people. It's a complicated story. In the middle of the project I received a phone call, in the weekend, from the NGO [ActionAid]. Because many of my very good friends worked there, they called me up and said: "how much have you got?", you know, there was a fund. I said, I don't remember, maybe 40‰ ou 60‰, and how much rest." Then come tomorrow and take the check and don't work anymore". I was in the middle of it, it was a long two years long project, and I was very very shocked. And I asked him:"why?" He said: "We got a call yesterday, and from now on we cannot protect your life. We have been asked to stop this project." He was a great friend. He is a good guy and we were very good friends. I told him: would you have said the same thing to a war photographer if you had send him to a war, and say "let the war stop them you take pictures"? Because that project was very personal. It was not a project that I did because I was paid to do it, it was a project that touched me. I didn't want to see Bangladesh as the next bloody Afghanistan, or Pakistan, anyway. I was not happy. Like none of those millions of people. And I knew how to take pictures, and I felt this is my duty to do it. I got out of the NGO and I said: "I will do it, no matter what happens. Even if you say you wont give me the rest of the money." I continued, but things went really really wrong. And to be honest, this is the first time, on camera, I'm saying this. Because I was afraid the people who used to do it to me were in power, they were in government. Then I started receiving phone calls from those suicidal bombers. And they used to call me and say: "We will bomb the shit out of you, we will bomb your house", and things like that. I went to shelter, I changed my number, I kept on doing it. And I was very badly beaten. They tried to step me, to kill me in one of those places. When I was documenting the life of a boy who was bombed because of being in a cinema hall. Because they were bombing cinema halls because they said that's unslamic to see cinema halls. All those things happened. I've never spoked about it. Because I was asked to don't do it: " I would risk my life still more". I ended my book, I finished the project after two years, then eventually the government got to know about my book. Because it was funded by a NGO. And the minister, who was part of a fundamentalist islamic party, called the Country Director 244

Era um período de forte inquietação política, e a diretora da ActionAid, Nasreen Pervin Huq, tinha morrido em abril de 2006 em um acidente de carro. Apesar da sua morte ter sido declarada um acidente, algumas pessoas acreditam que ela esteve ligada à campanha que ela estava dirigindo contra um plano controverso de instalação de uma mina de carvão a céu aberto em Bangladesh. 232

and asked for a copy. And then they banned my book. I couldn't show my work. It was shown around the world, but I couldn't show it in Bangladesh. Thanks God the government has changed. They have their own problems, definitely, but I have been able to show it. The life has not been easy, but it's OK, I don't complain. I knew it would not been easy.245

Em sua fala, Omi chama a atenção para a coalisão islamonacionalista dirigida pelo BNP que governava o país durante o desenvolvimento do projeto, acusando-a de participação nos ataques a bomba e nas ameaças que recebeu. Apesar de sentir medo, e de ter sofrido agressão física, Omi sentia que era seu dever como fotógrafo dar continuidade ao projeto e decidiu prosseguir por conta própria. Ao final, o livro acabou sendo publicado pela ONG. Após sua publicação, entretanto, voltaram a receber telefonemas, desta vez de agentes do governo, que solicitaram a suspensão da circulação do livro. Sua comercialização, então, foi proibida no país, por conter denúncias contra o governo. Apesar das intimidações, Omi conseguiu concluir o projeto. Mas se seu objetivo era o de construir uma comunicação entre os diferentes setores da sociedade a respeito da violência instaurada dentro do seu país, como vemos nas primeiras páginas do livro, a censura que sofreu limitou a circulação das imagens a um público estrangeiro. Foi preciso esperar a mudança do governo para conseguir divulgar suas fotos em Bangladesh. Historically, a distance has been created between the majority people and the middleclass. If our work can rebuild that communication to a certain extent and help reduce the gad a little bit, we will consider it a success. We don´t often see the middleclass become agitated when we experience drastic transformations and upheavals around. We consider the silence as offensive. We hope that our work will break the silence for a while and will question their indifference at least for once. We have only tried to fulfill our responsibility as photographer and political activists. We are optimistic because so far there is no sign of public support, or foundation for violence that has been observed. In the whole nation, even among the direct victims of violence there exists optimism. We see this optimism as strength. If Bangladesh lives, it will live only because the positive struggling minds of this nation. (Omi, 2006: 8)

Ameaças e censuras acontecem de forma diferente no Brasil e em Bangladesh. Também são diferentes de acordo com as pessoas às quais são dirigidas. Os coordenadores dos grupos, Shahidul Alam e João Roberto Ripper, por exemplo, acreditam que suas trajetórias e/ou origens os protegem de riscos que os fotógrafos mais jovens correm. O fato de serem (re)conhecidos garante certa segurança. As ameaças que Omi recebeu, contudo, não o impediram de continuar a desenvolver e divulgar seu trabalho em Bangladesh e fora dele. Já 245

www.worldpressphoto.org/saiful-huq-omi 233

as ameaças sofridas por Naldinho não apenas o fizeram questionar tais documentações como trouxeram questionamentos ainda mais profundos na sua vida. Vejamos seu caso, antes de aprofundarmos em algumas reflexões comparativas.

4.2 Naldinho Lourenço246 Rosinaldo Lourenço, mais conhecido como Naldinho, nasceu em 23 de abril de 1983 e viveu quase toda sua vida na Baixa do Sapateiro247, uma das favelas do Conjunto de Favelas da Maré. Filho de imigrantes nordestinos (sua mãe veio da Paraíba e seu pai do Rio Grande do Norte), é o filho caçula de onze irmãos, dos quais apenas cinco vivem no Rio de Janeiro. Não conheceu todos eles, já que a maioria ficou no nordeste quando seus pais migraram, nunca vindo até o Rio de Janeiro. Fez sua primeira viagem para o nordeste em 1999, quando seus pais decidiram voltar à cidade de sua avó (Montanhas, no Rio Grande do Norte) para viverem lá por alguns meses. Seu pai tinha uma casa na cidade, que decidiu vender para abrir um bar. Mas acabaram vivendo alguns problemas e sua mãe decidiu voltar para o Rio de Janeiro. Naldinho ficou com seu irmão e um sobrinho por mais alguns meses. Contou que, no começo, a vida foi difícil. Desempregados e sem dinheiro para se sustentar, os dois não gostavam de pedir ajuda à avó. Mas seu irmão acabou conseguindo um trabalho numa fábrica de sofás em uma cidade próxima chamada Pacifica e mudaram-se para lá. Ficaram no total onze meses no Rio Grande do Norte, durante os quais Naldinho aproveitou para cursar o primeiro ano do magistério (curso equivalente ao Ensino Médio que oferecia uma licenciatura para professores do Ensino Infantil e Fundamental). Nunca interrompeu seus estudos até se formar no Ensino Médio, e era ele mesmo o responsável por suas inscrições. Não gostava que seus pais se envolvessem. Quando voltou para o Rio de Janeiro, quis continuar seus estudos e tentou se inscrever na escola Bahia, a mais perto da sua casa, mas não conseguiu uma vaga. Inconformado com a suspensão dos estudos, e com o fato de ter que procurar vaga em uma escola distante, decidiu ir ao juizado de menores exigir uma vaga. Ao explicar sua situação, conseguiu uma carta do 246 247

www.flickr.com/photos/naldinholourenco/sets/ Mesma favela onde mora Francisco Valdean e Ratão Diniz, outro fotógrafo da agência. 234

juiz garantindo sua inscrição e voltou à escola, dizendo: “agora tem vaga”. Obrigou, assim, a diretoria da escola a inscrevê-lo, e recomeçou a estudar à noite, em 2000, no primeiro ano do Ensino Médio, formando-se em 2002. Naldinho foi o primeiro dos irmãos com os quais vivia no Rio de Janeiro a terminar os estudos. Sua mãe, que era analfabeta, nunca estudou e seu pai concluiu a 5ª série do antigo primário (atual 6º ano do Ensino Fundamental). Sua mãe era cozinheira, na própria Maré e seu pai trabalhava como fiscal em uma fábrica no Morro do Timbau, no mesmo conjunto de favelas. De 1994 a 1998, entretanto, sua mãe abriu uma pequena lanchonete na “Baixa” e toda a família, inclusive Naldinho, passou a trabalhar com ela. Foi quando começou uma guerra intensa entre traficantes na Maré obrigando-a a fechar o comércio e, em seguida, voltar ao nordeste. Com o dinheiro que ganhavam na lanchonete, Naldinho começou um curso de informática (em 1995) e outro de línguas, que acabou abandonando. Apesar de não ter um computador até 2003, decidiu se inscrever no curso por ter amigos que o frequentavam. A partir de 2000, no entanto, passou a utilizar seus conhecimentos no CEASM. Entrou no CEASM no mesmo ano em que entrou na Escola Bahia. Soube da ONG através de uma apresentação que fizeram na escola, onde ofereciam cursos de fotografia, vídeo, produção gráfica, produção literária e produção artística. Até então Naldinho não sabia sequer o que era uma ONG. Nesta época não as chamavam por esse nome, mas de “associações” (como as associações de moradores: associação do CEASM). Inscreveu-se para os processos de seleção dos cursos de vídeo, produção gráfica e fotografia e acabou sendo selecionado para a oficina de vídeo, mas não gostou. Pediu para mudar para o curso de produção gráfica e foi atendido248. Só em um segundo curso participou da formação em fotografia (o mesmo de que Bira participou), que também não concluiu. Desistiu por ter ganho uma bolsa de monitoria de informática e passou a monitorar o curso oferecido pela Rede de Trabalho e Educação na Maré (RETEM), que funcionava em oito escolas. Ao se formar no Ensino Médio, em 2002, Naldinho decidiu fazer um pré-vestibular e tentou uma vaga para o curso de Biologia, mas não passou. Em seguida, pensou em fazer algo na 248

Em 2004 Naldinho também participou de um curso de produção gráfica oferecido pela Kabum! Onde conheceu um outro fotografo popular da Rocinha vinculado ao projeto Olhares do Morro (Cf. Gama, 2006) 235

área da comunicação, ou publicidade, mas também não teve sucesso. Foi sua experiência no CEASM e com a fotografia que o fez mudar de área. Depois de tentar o vestibular por três anos consecutivos (de 2003 a 2005) sem conseguir entrar na universidade, desistiu. Eu já fiz vestibular, mas não rolou. Eu fazia pré-vestibular, mas ficava três ou quatro meses, e por estar fazendo várias outras coisas no CEASM eu não dava continuidade. Mas eu fazia o vestibular, mesmo sabendo que eu não ia passar. Aí em 2003, 2004 e 2005 eu fiz. De 2005/2006 pra cá eu não fiz mais. Dei uma parada. Porque aí começou o curso de novo, o outro curso de fotografia, na sede do Observatório. Aí foi quando eu pensei: vou me envolver mais. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Naldinho foi um dos cinco alunos indicados pelo CEASM para a turma de 2004 da Escola de Fotógrafos Populares. Sua vinculação ao CEASM proporcionou-lhe uma vantagem: acesso a equipamentos. Enquanto a Imagens do Povo só contava com uma câmera digital e outras cinco analógicas para emprestar para os alunos, Naldinho tinha uma Canon D50 para seu uso quase exclusivo. Também tinha uma rede de contatos através do CEASM que o ajudava na indicação para serviços. Ainda que tenha feito cursos em diversas escolas e ONGs, foi no CEASM que “cresceu”. Ficou dez anos na ONG, de 2000 a 2010, passando por diferentes formações e ocupando diferentes cargos: coordenou cursos, o setor de Artes e foi membro representante do Ponto de Cultura da Maré, entre outras. Abandonou-a porque acreditou que estava trabalhando muito, ganhando pouco e deixando a fotografia de lado. Mas contou que lá ganhou mais do que perdeu. O CEASM também foi responsável por seu engajamento na “militância”. De corpo, né? Físico. Então a fotografia complementou muito. Isso foi o CEASM que me formou nessa história. Eu começava a ir em passeatas, tudo que tinha envolvimento do CEASM eu ia. Porque os estudantes do pré-vestibular, hoje, vamos ter uma festa junina esse ano comemorando dez anos de amizade que começou dentro do CEASM. E de lá pra cá teve uma penca de gente que passou que foi formado ali. O CEASM conseguiu que o cara entrasse pra universidade, e que hoje tá... Dentro da Maré o CEASM teve uma participação muito grande na vida de famílias ali. Na melhoria do salário e da vida financeira familiar. Não necessariamente empregando pessoas, mas você dando oportunidade pro cara estar na universidade. Porque depois que o cara se forma ele tem como arrumar um trabalho que ele vai ganhar três ou quatro vezes mais do que se ele tivesse apenas o segundo grau. Então tem várias pessoas que estão nessa situação. Tem pessoas que se formaram a partir de pessoas que entraram pra universidade muitos anos atrás, né? Como o Jailson, a Eliana, etc. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

A militância através da fotografia, por sua vez, nasceu no curso da Escola de Fotógrafos Populares, no qual se formou em 2006. 236

Quando eu fiz o curso, a fotografia juntou... Porque eu pude mostrar um pouco da minha vivência. Então a minha vivência tava ali nas minhas imagens, então eu pegava e mostrava. Eu comecei a botar o nome na foto esse ano. Porque pra mim, não sendo fins publicitários, pra empresa nenhuma, pode publicar. Porque eu acho que é importante você mostrar lá, vai fazer a festa das crianças, poxa, trinta anos que o Teteu faz festa pras crianças no dia 12! Por que não mostrar essa coisa pras pessoas? Se existe uma festa há trinta anos, maluco! Eu tenho 29, isso começou antes de eu nascer! Por que isso não pode ser mostrado? Isso tem que ser mostrado! [Pra quem?] Para as pessoas saberem que aqui dentro da Maré existe isso. [As pessoas que não moram na Maré?] Sim. Que é o discurso do próprio Imagens do Povo. É mostrar o outro lado. Não é só o que a mídia convencional mostra, que é só a questão da violência. Hoje até mostra um pouquinho. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Naldinho sempre distribuiu suas fotos gratuitamente, prática que compartilha com outros fotógrafos da Imagens do Povo. Ratão Diniz, por exemplo, costumava fazer e-mails coletivos com suas coleções de imagens nos primeiros anos desta pesquisa. Hoje, todos publicam suas fotografias quase instantaneamente no Facebook. Apenas recentemente começaram a inserir seu nome dentro da própria imagem, garantindo a preservação da autoria. Para Naldinho, essa distribuição gratuita se dá porque tem um envolvimento muito grande com “a militância” (sua causa, as pessoas que fotografa e as organizações políticas com as quais se identifica). Igualmente costuma enviar as imagens que produz para meios alternativos de comunicação como o Fazendo Média249 e o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC)250, o mesmo que contratou Valdean para documentar a ocupação do Alemão e onde Naldinho fez um curso de comunicação comunitária, entre 2005 e 2006, e deu aulas de fotografia. Naldinho acredita que o esforço dos fotógrafos populares de oferecer outras imagens sobre as favelas já começou a render frutos. A “mídia convencional” oferece cada vez mais imagens que não estão ligadas à violência e a maneira como muitos fotojornalistas empregados pelos grandes meios de comunicação olham para essas áreas mudou.

Mas as fotografias de 2004 pra cá, eu acho que a fotografia popular, essa fotografia de favela, de pessoas faveladas, sabe, está mudando um pouco o olhar até de fotógrafos que já estão no mercado há muito tempo. A visão é outra. O olhar já é outro. Então o olhar já não é mais aquele olhar deturpado, aquele olhar preconceituoso. Um cara que mudou muito, assim, ele sempre fotografou violência, é o Severino, porque ele sempre morou em favela. O olhar dele, nas fotografias antigas que eu vi, o olhar dele era um pouco diferenciado daquelas pessoas que moravam fora da favela. O Rodrigues Moura.... Ele foi fazer o Imagens do Povo, mas ele já estava no Viva Rio ó, há muito tempo. Ele já era fotografo do Viva 249 250

www.fazendomedia.com www.piratininga.org.br 237

Favela há muito tempo. Então são pessoas que tem uma maior sensibilidade em relação à favela. Hoje eu já acho que não rola tanto. Mas antigamente... É porque você está ali convivendo com as pessoas, você sabe do dia a dia daquelas pessoas, diferente de quem não mora na favela. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

O intercâmbio entre fotógrafos populares e fotojornalistas dos grandes jornais, assim, gerou impacto nas imagens produzidas sobre a favela. Pois se antes a maioria não conhecia o cotidiano dessas áreas, hoje muitos costumam circular nelas acompanhados de fotógrafos locais, como Naldinho. Fotojornalistas dos grandes meios de comunicação também são frequentemente convidados para falar sobre sua experiência na profissão na Escola de Fotógrafos Populares e, nessas ocasiões, aprendem tanto quanto ensinam sobre as representações das favelas251. Atualmente Naldinho presta serviços fotográficos para agências, produtoras e fundações, especialmente na área da fotografia coorporativa. Coletivamente com outros fotógrafos da Imagens do Povo, participou em 2007 das exposições Olhar Cúmplice, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro e Esporte na favela, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), também no Rio de Janeiro. Ambas as exposições também foram exibidas no Palácio do Planalto no ano seguinte, em 2008. Em 2005 participou da exposição Além da Imagem, no Oi Futuro, e em 2011 da exposição Rio de Cenas e Passagens, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recentemente começou a inserir legendas em suas imagens. Considera importante essa combinação, que agrega informações ao que está sendo mostrado. Especialmente quando o caso é delicado e implica situações de violência. Eu não tinha essa prática [de escrever]. Na fotografia documental, o ideal é que você faça isso. Mas quando você bota a descrição básica, sobre o que é que é, assim, carrinho de rolimã, Baixa do Sapateiro, crianças... Eu acho que isso já dá um incremento na imagem. Aí quando você bota: Juliano, 17 anos, morador da Baixa do Sapateiro, brinca próximo à sua casa, é outra coisa... Aí quando mostra uma coisa, morreu uma criança perto ali da Baixa do Sapateiro, aí como vai ser esse discurso? Quando o Matheus morreu, as informações que apareceram eram de que ele era traficante. As primeiras. Depois se retrataram na mídia... (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

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Em 2009, por exemplo, tive a oportunidade de participar de um encontro entre os alunos da escola e os fotógrafos Wilton Junior e Domingos Peixoto. Nesta ocasião, onde debateram também o filme “Abaixando a Máquina” com a presença do diretor, Guilhermo Planel, os fotógrafos falaram das suas diferentes experiências e puderam trocar pontos de vista referentes às favelas. 238

A importância de esclarecer o contexto em que ocorreu um assassinato, dessa forma, ganha importância na documentação da violência vivida por moradores de favelas pela acusação que sobrem frequentemente essas pessoas de envolvimento com a criminalidade. Em sua fala, Naldinho faz referência ao caso mais emblemático já documentado por um fotógrafo da Imagens do Povo: o assassinato de Matheus Rodrigues.

4.2.1 O caso do assassinato de Matheus

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Naldinho tinha 25 anos no dia 05 de dezembro de 2008 quando, saindo de casa rumo ao CEASM, ouviu sua mãe dizer: "mataram uma criança". Matheus tinha 8 anos e saía de casa para comprar pão quando foi atingido por um tiro de fuzil disparado por um policial na Baixa do Sapateiro, mesma favela onde moram Naldinho e Valdean. Ao tomar conhecimento da morte da criança, Naldinho enviou um e-mail avisando o ocorrido para alguns militantes de direitos humanos e seguiu para o CEASM. Chegando lá, soube mais detalhes do crime e decidiu ir até o local fotografar. Eu mandei pra pessoas que trabalham na militância. E pedi: divulga isso aí. [Por que?] Se eu não me engano, eu escrevi um texto e mandei pra todo mundo da minha caixa na época. Porque quando eu soube da morte do Matheus, eu nem sabia quem era o Matheus. Minha mãe chegou e falou: mataram mais uma criança. E eu comecei a escrever: caralho, mais uma criança... (...) Aí eu fui pro CEASM. Chegando lá, o pessoal estava triste. “Pô, mataram o filho da Graciele.” Aí eu saí, fui pra lá, fui eu e o Marley Nascimento, que era o professor de fotografia na época. Eu estava com a D80, ele estava com a D200, eu falei: “cara, a bateria tá acabando!” Aí a gente revezou, foi quando ele falou: não, fotografa aí. Aí tá. Aí quando teve a parada da manifestação eles foram, aí eu fiquei sozinho. O corpo tava lá, aí eles decidiram fechar a Av. Brasil. Tinham alguns fotógrafos lá. (...) Aí eu fiquei. Aí tava o Alessandro Molon lá. Aí tinha a Marielle [Comissão de Direitos Humanos da Alerj] que estava dando uma ajuda. Aí precisava fazer as fotos e a perícia não tinha fotografo no local. Aí a Marielle falou: ele pode fazer as fotos [apontando para o Naldinho]. Aí eu fui fazer as fotos pra perícia. Tira o tecido, faz as fotos, tal. “Fotografa isso aqui mais próximo”. Aí tem uma bala, tal. Aí quando a tia e o tio da criança e a presidente de uma ONG chamada Uerê tiraram e botaram a criança no chão, aí eu fiz uma foto dela sem o pano, aí a perícia veio e cobriu o corpo. Quando cobriu, ficou só a mão da criança com a moeda. Eu falei: caralho, isso aqui deve ser a foto. Aí fui e fiz umas três ou quatro imagens, e foi. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Por ironia e despreparo, a perícia da polícia não contava com um fotógrafo no local, e coube a

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novo.vivafavela.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?search_by_headline=false&to_year=&sid=13&s earch_by_authorname=all&from_month=&to_day=&from_day=&search_by_priority=all&search_by_field=tax &search_by_keywords=any&infoid=46027&to_month=&text=mar%E9+em+luto&search_text_options=all&sea rch_by_section=all&from_year=&query=advsearch&search_by_state=all 239

Naldinho registrar algumas imagens do cadáver de Matheus. Durante esse registro, o fotógrafo precisou documentar detalhes do corpo baleado da criança de diferentes ângulos. Sendo a primeira vez que via um corpo baleado de tão perto, este evento marcou sua vida. Prevalecendo-se da proximidade com a cena do crime, contudo, Naldinho aproveitou a oportunidade para fazer algumas fotos “para ele”, notadamente a foto onde o corpo de Matheus está coberto com um tecido e vemos apenas sua mão do lado de fora, segurando uma moeda de um real. Após o registro, e ainda no calor da emoção, voltou para o CEASM e, a fim de prevenir que a polícia acusasse Matheus de ser um traficante de drogas, enviou suas fotos para vários ativistas de direitos humanos e jornalistas de mídias alternativas. Eu fui pro CEASM de novo. Aí separei as fotos lá, fiz uma edição rápida de algumas imagens e mandei. Mas eu não escrevi absolutamente nada, só falei...Aliás, eu peguei o texto... A Gizele escreveu uma parada, se eu não me engano, e ela me passou isso e eu enviei com o texto dela. Foi isso. Foi isso mesmo. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Igualmente as enviou para o correio eletrônico da perita, mas nunca obteve um retorno. Acredita que nunca as usaram para nada. Ao questioná-lo sobre o porquê de fazer circular imagens do cadáver de Matheus, Naldinho respondeu que gostaria de denunciar o assassinato e garantir a idoneidade das informações que seriam veiculadas pela grande mídia: A imagem de uma criança, né? Eu queria que fosse divulgada. Porque eu sabia que isso ia passar na mídia como a morte de um traficante. E foi realmente o que falaram. “Tem que analisar”, o Vagner Montes falou isso... “Tem que analisar...” E depois se retratou: “Não, realmente foi uma criança....”. Entendeu? (...) As imagens tiveram uma repercussão muito grande. Veio até jornalista do Washington Post pedir para eu relatar o que tinha acontecido. Veio gente do new York Times... E tava em outros jornais também. Saiu em um jornal chamado A Democracia que circula no centro. Tava no Expresso no outro dia. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Este “evento crítico” (Das, 1995) - o violento assassinato de uma criança - chocou a sociedade e gerou repercussões dentro e fora do conjunto de favelas, ultrapassando o grupo de interesse dos organismos que lidam com os direitos humanos no Rio de Janeiro. A pouca idade de Matheus somada às fotos produzidas por Naldinho foram fatores que ampliaram a comoção em torno do caso. Suas fotos serviram como prova da violência praticada pela polícia nas favelas, e como indício de que as incursões da Polícia Militar nessas áreas causam perdas que não poderiam ser enquadradas nos já banais “autos de resistência”. Junto com suas fotos, Naldinho enviou um texto elaborado por Gizele Martins e Silvana Sá, 240

que além de jornalistas da Rede Nacional de Jornalistas Populares253 e do jornal O Cidadão, são moradoras da Maré. Após a divulgação das fotos, Naldinho passou a ser procurado para dar depoimentos e falar sobre o que aconteceu, tanto para representantes da mídia quanto da sociedade civil. Revoltado com o ocorrido e excitado com a possibilidade de fazer algo em prol das vítimas de violência policial através de suas documentações fotográficas, Naldinho decidiu fotografar outros casos e, com eles, receber ameaças e intimidações. Neste momento, uma grande tensão se instaurou no grupo, que passou a refletir sobre as funções de suas documentações e os limites (que gostariam de ter ou não) do seu trabalho. Participei de uma reunião que aconteceu cerca de seis meses após o registro a fim de discutilo, assim como suas consequências. Queriam pensar ações que pudessem garantir a segurança da vida dos jovens fotógrafos e os usos que gostariam que fossem feitos de suas imagens. Aqui, refletirei sobre este caso, as imagens produzidas, suas implicações, suas consequências assim como sobre as fronteiras que ele criou para o grupo. Vejamos as imagens divulgadas por Naldinho após o acontecimento, na ordem em que ele as apresentou. O texto elaborado pelas jornalistas que conta com algumas das fotos de Naldinho encontra-se a seguir das imagens.

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MATHEUS, DE 8 ANOS, É ASSASSINADO POR POLICIAIS NA PORTA DE CASA Por Silvana Sá e Gizele Martins – Jornal O Cidadão, Renajorp. Fotos: Naldinho Lourenço/Imagens do Povo

Hoje (5/12) por volta das 10h, Matheus Rodrigues, de 8 anos, foi sepultado. Moradores e familiares inconformados levaram cartazes protestando o descaso, a falta de políticas públicas de segurança pública do Rio de Janeiro, outros vestiram a camisa do “Movimento Pela Vida Contra o Extermínio”. Clique aqui para assinar nosso jornal impresso

Logo depois, já na comunidade da Maré, um grupo de pessoas em manifestação caminhou por algumas ruas, parando por alguns minutos em frente ao Posto Policial, 22° BPM. Moradores não ouviram troca de tiros Por volta das 8h do dia 4 de novembro, Matheus Rodrigues, de 8 anos, foi executado pela Polícia Militar, na Baixa do Sapateiro, Complexo da Maré. O menino morreu com um tiro no rosto. Familiares e testemunhas afirmam que não houve troca de tiros. Matheus saía de casa para comprar pão. Ele estava caído junto ao muro, sentado, com uma moeda na mão. Moradores revoltados não deixaram o corpo ser retirado do local pelo Corpo de Bombeiros. “Exigimos a presença de um perito”, gritavam.

O deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Alessandro Molon, esteve no local. Ele afirmou que a Comissão prestará assessoria jurídica para a família. “Vamos acompanhar a investigação desse caso até o final. É http://www.fazendomedia.com/2008/movimentos20081205.htm

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:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

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UMA CPI NA MÍDIA A CAIXA-PRETA DAS CAIXASPRETAS

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desse caso até o final. É inaceitável que isso aconteça”, lamentou. Molon informou que a Comissão de Direitos Humanos já está à disposição da família e que fará tudo o que estiver ao alcance para que os responsáveis sejam punidos. Por volta das 10h, peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli chegaram ao local. A família estava sem condições de dar entrevistas. A mãe e a avó do menino precisaram de atendimento médico. A comoção tomou conta dos moradores, que choravam a morte trágica da criança. Revolta dos moradores Um grupo de moradores gritava por justiça em frente ao Posto Policial Comunitário (PPC) da Baixa do Sapateiro. Um caveirão estava estacionado em frente ao posto. Inicialmente os policiais reagiram com tiros para cima. Depois, o major responsável pelo PPC ordenou que os policiais parassem de atirar. “Ninguém dispara, ninguém, joga bomba”, avisou. Moradores traziam faixas e cartazes exigindo justiça, chamando os policiais de assassinos e pedindo respeito com os moradores. Um menino de 8 anos, estudante da Escola Municipal IV Centenário, localizada na Baixa do Sapateiro – ao lado do PPC –, estava assustado no meio da confusão. “A polícia só vem para matar crianças”, afirmou. O presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, Charles Guimarães, informou que haverá reunião com o comandante do Batalhão da Maré e com o delegado da 21ª DP – Bonsucesso. “Vamos esperar que a justiça seja feita. A violência com a qual ele foi morto, com o rosto totalmente deformado, mexeu muito com todos nós. A ONG Uerê e a associação de moradores estarão juntos nessa luta”, afirmou Charles.

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Naldinho registrou muitas imagens para este ensaio sobre o assassinato do Matheus. Além das imagens do cadáver feitas no dia do assassinato, acompanhou também seu enterro e o protesto que se seguiu. São fotos de estilos bem diferentes, e que mostram situações ainda mais distintas. Enquanto nas fotos do dia do assassinato Naldinho resolveu focar no corpo da criança e nos policiais, muitas vezes enquadrando-os na mesma imagem; nas do enterro focou na família, e em suas demonstrações de dor e amor. Graciele, a mãe de Matheus, aparece em foco na maior parte delas, assim como o pastor e as coroas de flores. Nas imagens de protesto, por sua vez, são os jovens que aparecem como protagonistas, segurando cartazes com frases de efeito. Dentre as imagens de protesto, vemos uma fotografia onde um rapaz segura o cartaz onde lemos “Peace” de frente para o Caveirão, o veículo blindado da polícia militar utilizado para incursões dentro das favelas, numa postura que exige paz. Das vinte fotografias divulgadas por Naldinho, algumas representações se repetem: quatro mostram a dor da mãe da criança, três enquadram policiais com fuzis na mão e o corpo da criança, numa combinação que busca apontar algoz e vítima em um mesmo quadro.

Na imagem acima, milimetricamente pensada por Naldinho, vemos a perna de Matheus, que aparece sentado na entrada da sua casa. O corpo aparece iluminado pelo sol que realçava o 248

vermelho do sangue que escorre pela porta. Não vemos detalhes do seu rosto baleado, mas pelo tamanho da perna fica claro que se trata de uma criança. Do lado esquerdo, todo de preto e com um fuzil na mão, a mesma arma usada para matar a criança, vemos um policial. Ele está de pé, de frente para o corpo, em uma postura que parece observar a cena. Matheus estava saindo de casa para comprar pão para o seu tio quando recebeu um tiro na cabeça disparado por um dos quatro policiais que estavam à procura de traficantes de drogas. Metade de seu corpo estava dentro da casa, metade fora. Ele morreu na hora. Não corria pelas ruelas, não estava no meio do caminho, não podia ser confundido com um traficante. Sua pouca idade impediria os policiais de enquadrá-lo como criminoso, vítima de um auto de resistência. O lugar onde ele se encontrava também. Mostrar que ele era uma criança inocente que saía de casa, como fez Naldinho, serviu para recuperar a idoneidade e a dignidade de Matheus, assim como a de sua família. Naldinho contou que produziu essa imagem com o objetivo de mostrar, em um mesmo enquadramento, o assassinado e o assassino, a tragédia e a causa dela. Acreditava que esta era uma imagem forte que demonstraria a violência que Matheus acabara de sofrer: “Eu queria fotografar o contexto [e não os cadáveres]. Por exemplo, é aquela coisa de imagem subjetiva. Você pegar, por exemplo, essa coisa.... Privilegiando quem tá sofrendo, quem tá sendo oprimido, e botando em primeiro plano quem tá oprimindo”. Mas foi através da foto a seguir que seu protesto ganhou força. Após ter fotografado o corpo do Matheus à distância, por causa da grande aglomeração de pessoas que se encontravam em torno da cena, e a partir do convite da perícia, Naldinho começou a fotografar o corpo de Matheus de perto. Foi quando retiraram seu corpo da porta de sua casa e o esticaram no chão. Naldinho fez novas fotos para a perícia que, em seguida, cobriu-o com um lençol, deixando sua mão de fora. Ao ver sua mão da criança aberta, com uma moeda de um real no meio, suja de sangue, Naldinho pensou: “é esta a foto”.

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A "imagem da moeda", como veio a ser conhecida a imagem que Naldinho fez da mão de Matheus semiaberta tornou-se um símbolo da luta contra a violência policial e garantiu a "veracidade" da história. Matheus não estava segurando uma arma ou um pacote de drogas, mas a unidade do dinheiro brasileiro, que seria usado para comprar pão, parte da cena comum da vida familiar brasileira. O pouco valor da moeda, assim como a simbologia católica ligada ao pão potenciaram a imagem da mão da criança manchada de sangue que, por si só, já era bastante forte. A imagem reunia tantas informações importantes que o fotojornalista Domingos Peixoto sugeriu a Naldinho que a enviasse para um concurso de fotografia, estando certo de que ele levaria o prêmio. Mas Naldinho não se sentiu confortável com a ideia: Eu ia inscrever a imagem, mas aí pensei: poxa, ganhar dinheiro com essa porra, sabe? Imagina, a morte do meu sobrinho, aí vem um cara ganhar dinheiro com uma foto? Eu não acho justo não. Se eu não quero pra mim, eu não vou querer pros outros, sabe? Quando ele falou isso eu até fiquei... Eu pensei, pensei... Se eu ganho, talvez eu poderia ajudar a família também. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

A proximidade com a realidade fotografada, que o fazia imaginar que a situação poderia ter acontecido com alguém da sua família, fez Naldinho se colocar no lugar dos familiares do 250

Matheus e se sentir desconfortável com a possibilidade de premiação do registro do assassinato de uma criança. Ainda que tenha comercializado a imagens em diferentes meios, e que tenha ganho dinheiro a partir da venda dela (sempre doando-o de forma anônima à família da vítima), receber um prêmio trazia implicações morais com as quais o fotógrafo não se sentia confortável. Outro fator de desconforto para ele era a associação da imagem à sua pessoa. Ainda que sinta orgulho de ter conseguido concretizar em uma fotografia sensível parte de suas inquietações e propostas políticas, Naldinho ainda se sentia mal pelo tema fotografado. Contraditoriamente com a proposta do grupo, porém, esta imagem foi (e ainda é) a mais vendida da história da Imagens do Povo. Foi publicada em diversos jornais e revistas, tanto dentro quanto fora do país e tem uma enorme circulação em mídias alternativas, relatórios de organizações não governamentais e na internet até os dias de hoje, quase quatro anos depois da morte da criança. As fotografias produzidas por Naldinho, contudo, ganharam tamanha circulação que hoje, assim como as imagens das costureiras produzidas por Lima, aparecem entre as primeiras apresentadas pelo Google Images através de uma pesquisa com as palavras–chaves “assassinato Matheus Maré”:

Primeiras imagens apresentadas pelo Google Images através de pesquisa realizada com as palavras “assassinato Matheus Maré” em 18 de agosto de 2012.

Para completar a história do assassinato, então, Naldinho decidiu acompanhar o enterro do Matheus e os protestos que se seguiram. Sua vontade era de, através da dor, mostrar a força dos amigos e familiares da criança que, ainda que sofressem com a violência, não eram por ele vitimizadas, mas apresentadas como lutadoras. Vemos então diversas imagens da dor dos 251

familiares, especialmente da sua mãe, de um pastor rezando pela sua alma e dos cartazes e manifestações contra seu assassinato. A fotografia abaixo, registrada no velório, mostra Matheus e sua mãe em um plano fechado. A imagem registrada de perto, exibe a dor da mãe que, inconformada com a partida prematura do filho, grita sua perda.

A fotografia a seguir, uma das imagens do protesto organizado durante o enterro, apresenta algumas das muitas faixas levantadas por seus familiares, amigos e militantes de diferentes organizações que lutam pela preservação dos direitos humanos da população mais pobre do Rio de Janeiro. Nelas, lemos: "Não matem as nossas crianças", "Paz sem voz não é paz é medo", "Maré contra o extermínio", “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci” e "Toda criança tem direito à vida, à saúde e à educação", uma referência ao estatuto da criança, completada com uma referência ainda mais específica ao caso do Matheus: "E a comprar pão". As faixas aparecem em volta da multidão que acompanhou o enterro. O caixão está no meio, sendo abençoado pelo pastor. No fundo, vemos os túmulos. Há um fotógrafo em cima de um deles.

252

A comoção que o arrebatou a partir da documentação da morte de Matheus foi tamanha que Naldinho decidiu, a partir deste caso, fotografar outros casos de violência praticada pela polícia contra jovens moradores de favelas cariocas com o objetivo de fornecer as “verdadeiras” versões dessas histórias para a sociedade. A partir disso eu pensei que eu tinha que documentar isso. Fazer um trabalho documental sobre a questão da violência. De toda a violência policial contra as favelas. Eu tinha feito algumas imagens de passeatas de ONGs contra a polícia... Por indignação a partir daquela situação. Aí já me perguntaram isso: por que só a polícia? E o bandido, não tem violência? Tem, mas aí tá nítido, né cara? Os caras são fora-da-lei. A polícia é pra proteger! É outra parada, é outra relação. Não tem sentido ele fazer isso. Como é que eu vou fotografar um bandido que eu sei que o cara tá fazendo mal? O cara que é policial falou: ele tá ali pra proteger a gente. Se o cara não tá fazendo isso, então eu acho que alguma coisa tem que ser feita. Na minha cabeça estava assim. Aí eu comecei a documentar algumas coisas... Acontecia alguma merda com algum favelado, eu ia atrás. Só que a estrutura financeira era foda, né? Você ficar andando de um lado pro outro... Eu acho que eu vou focar na Maré. Eu cheguei a ir em outras favelas, mas eu chegava lá sempre depois, né? Eu ia quando eu tinha dinheiro. Eu via na TV ou ouvia no rádio. Quando eu comecei a fazer as ocupações, aí eu pegava um contato maior com a rapaziada que estava no dia a dia do fotojornalismo, aí essa rapaziada, tinha uma galera que estava começando também, aí eles diziam: escuta tal rádio, porque esses caras são bons. É muito rápido. Eles têm o rádio da polícia, já pega e vai. (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Naldinho estava inconformado com a violência vivenciada, mas satisfeito com a maneira como poderia contribuir, através das imagens, para sua denúncia. Seu desejo, contudo, não durou mais que alguns meses. Foi durante a documentação de outra história, o caso do 253

assassinato de Felipe dos Santos Correa de Lima, um jovem de 17 anos morto por um policial, como vimos no capítulo anterior, que Naldinho compreendeu seus limites. Felipe foi morto por um tiro disparado por um dos cinco policiais que costumavam se deslocar no Conjunto de favelas da Maré dentro de uma blazer branca matando pessoas. O carro era conhecido e os moradores viviam apavorados254. Para justificar o assassinato, os policiais também o acusaram de envolvimento com o crime e disseram que ele foi morto em um confronto com traficantes de drogas, em um “auto de resistência”. Revoltados com o assassinato, que veem como parte de uma política de extermínio de moradores pobres das favelas do Rio de Janeiro, agravado pela acusação de envolvimento com o crime, amigos e familiares da vítima decidiram protestar. Depois do enterro, então, partiram em direção à Avenida Brasil, fechando uma das importantes avenidas da cidade no horário de maior concentração de trânsito, às 17h. Naldinho, que também esteve presente no enterro, acompanhou-os junto com outros fotojornalistas durante toda a manifestação, que foi fortemente reprimida pela polícia. Ao vê-lo fotografando o evento, porém, um policial o acusou de liderar o protesto e ameaçou-o de prisão. Naldinho explica assim o ocorrido: [Quando você decidiu parar de fotografar esses casos?] Ah, foi depois que eu quase fui preso, na manifestação que teve seguida da morte do Felipe. 17h, horário de pico, o pessoal estava fechando uma via da Av. Brasil.... Ia dar merda, eu pensei. E vim os acompanhando, da Vila do João até o Bob’s perto da passarela 9. E aí foi quando a polícia veio, e começou o gás de pimenta, isso e aquilo. E aí veio o comandante, veio na opressão mesmo, falou várias paradas.. na intimidação, melhor falando. E eu... um monte de policiais vindo juntos. Tinha um pessoal da Record, tinha um outro fotógrafo, mas eu estava sem o crachá... Isso foi uma coisa que eu sempre briguei no Imagens do Povo também, de fazer um crachá. Eles dizem: “ah, mas um crachá não protege ninguém”. Foda-se, mas um crachá intimida. O cara tá ali.. [mas os outros não sofreram intimidação?] Não, não teve nada. Aí o policial chegou e ficou me segurando, e disse: “eu prendi ele”. Eu disse: preso? Mas vai me prender? Como assim? Ele disse: preso, você estava ajudando... Eu falei: você tem prova disso? Aí ele começou a falar alto, aí eu não tinha como... Vários policiais se juntando, junto com o comandante. Dizendo: tá preso, tá preso. O maluco me segurou e ficou. Aí a coisa foi se agravando, bomba de pimenta pra um lado... Até tem uma imagem que tá lá naquele link que tu me mandou. Aquela última imagem ali que eu fiz. Aquela foi a última imagem. [mas o que fez com que eles não te prendessem?] Aí a coisa tava rolando, o cara me soltou, eu corri. Saí, fui embora. Não vieram atrás de mim porque a coisa estava acontecendo lá. Fui eu e a Gizele. Gizele chorando horrores, com um medo danado do que estava acontecendo, pra não morrer mais ninguém. Chorando, chorando, chorando.... Aí eu cheguei em casa e liguei pro Ripper. Aí ele: “Naldinho, calma. Eu tô na cama de um hospital. Cheio de agulha, cheio de tubo...”. Eu explicando a situação, ele: “Cara, relaxa. Calma...”, aquele jeito do Ripper. Eu pensei: caralho, fudeu. [Mas você não recebeu mais 254

Ver a matéria publicada por Gizele Martins, Renata Souza e Douglas Baptista com as fotografias de Naldinho sobre o caso no Fazendo Media (http://www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm) ou no anexo 11. 254

nenhuma ameaça?]. Não. Mas tinha um amigo meu, que trabalha na polícia; na época tinha essa coisa do grampo... meu amigo me disse: “se liga que eles vão grampear seu telefone, se ele já não está grampeado. Você está pensando que tá passando batido, mas não tá não.” Ele já sabia das tretas dentro da polícia. Aí eu conversei com o Guilhermo, conversei com o Ripper depois, conversei com a Kita, conversei com uma penca de gente pra ver o que é que eu ia fazer. Aí eu dei uma relaxada e... (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Enquanto documentava as manifestações, Naldinho foi segurado por um policial que, acusando-o de organizar a população para a manifestação, ameaçou-o de prisão. Ele e Gizele, a jovem jornalista que o acompanhava desde a documentação do assassinato do Matheus, ficaram apavorados. Tentaram persuadi-lo, mas não obtiveram sucesso. Foi preciso um momento de descuido do policial para fugirem. Após o ocorrido, todavia, Naldinho sentiu medo. Sabendo que a vida de um fotógrafo popular é bem mais vulnerável que a de fotojornalistas que trabalham para os grandes meios de comunicação, decidiu conversar com diversas pessoas para avaliar qual seria a melhor atitude a tomar a seguir. Conversou com fotógrafos, jornalistas e um amigo que trabalha na polícia. Este último chamou sua atenção para os grampos que a polícia estava realizando de forma ilegal, especialmente no telefone de ativistas que denunciavam a violência cometida pela instituição.255 Outra grande polêmica, também ligada ao caso do Felipe e a todo o estresse instaurado com as ameaças que começava a sofrer estava relacionada a um texto publicado no blog policial do jornal O Globo, Repórter de Crime256, quatro dias depois do assassinato do jovem, em 17 de abril de 2009. O texto, uma adaptação do original publicado por Gizele Martins, Renata Souza e Douglas Baptista no site Fazendo Media257, contava com as fotos do Naldinho e foi enviado para o jornalista pela ONG Justiça Global258, que buscava visibilidade para o ocorrido. Ao tomar conhecimento do texto, que fornecia informações não apenas sobre o ocorrido, mas também sobre o próprio fotógrafo, contando que ele se sentia ameaçado e com medo, Naldinho ficou enfurecido, ligou para a ONG e exigiu a retirada das informações da internet, ameaçando-os de processo. Ao questioná-lo sobre o que o teria deixado tão irritado em relação a esta publicação, Naldinho respondeu:

255

Na época integrantes de diversos movimentos sociais, especialmente os que lutavam contra a violência policial, estavam recebendo ligações com ameaças e foram informados que seus telefones estavam “grampeados” (com escutas telefônicas) pela polícia. 256 http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/posts/2009/04/17/fotos-comprovam-que-pm-reprimiumanifestantes-da-mare-178121.asp 257 www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm 258 global.org.br 255

O texto! Falou que eu estava com medo, onde eu morava, o que é que eu era... O texto era da Gizele e do Douglas. Aí alteraram... A Justiça Global alterou a porra do texto e enviou pra esse cara aí. Ou ele que fez a partir do texto desses caras aí... Eu falei pra tirar. Eu falei: se deixar essa porra aí eu vou processar vocês. Como é que vocês fazem uma parada dessas? O texto estava muito... Eu fiquei puto da vida. Eu xinguei pra caramba os caras. Chamei eles de filhos da puta. Com a Justiça Global, porque foram eles que passaram isso pro cara. Disse: “Eu não mandei passar porra nenhuma!” [Você estava com medo do quê?] De que? Eu moro em favela, pô! [Me explica...] Eu estava com medo da polícia vir, pô! O cara falou: morador da Maré, da Baixa do Sapateiro. Já deu o endereço já! [Mas por que você acha que a polícia viria?] Se tivesse alguma coisa, que não teve, referente a alguma coisa de incriminar... [O policial que matou o Felipe?] Não o policial, mas alguma coisa contra a polícia, os caras iam vir, pô! Ou não viriam, não sei. Vão dar um fim nisso. [Aí você parou de fotografar casos de violência?] Aí eu dei um tempo. Quando eu comecei a documentar a favela com as ocupações, aí passei a documentar as ocupações das UPPs, indo com a polícia. [Indo com a polícia?, pergunto eu, surpresa] É, pra poder... Quando eles estavam ocupando com as UPPs o Bope subia primeiro. Aí eu ia atrás. Junto com os jornalistas, com os fotógrafos. Eu, o Guilhermo [Planel]... No meio daquele tiroteio ali a gente estava ali atrás. Aquela hora do tiroteio que aparece ali no filme, eu estava ali atrás também. Mas é a única forma, não adianta. Por diversas vezes eu tentei entrar, mas não conseguia informações (Naldinho, em entrevista em 29 de junho de 2012).

Com medo das consequências que poderia sofrer (e que já tinha sofrido) ao tentar trilhar seu caminho sozinho de maneira diferente dos seus colegas de profissão, após as ameaças que recebeu, Naldinho decidiu juntar-se a eles. Agora registra as imagens “subindo as favelas” da maneira anteriormente mais criticada por eles mesmos: ao lado da polícia. Mas se hoje Naldinho encontrou seu lugar no fotojornalismo, em 2009, ano em que realizei meu trabalho de campo de maneira mais intensa com o grupo, a documentação e a denúncia da violência policial por parte desses jovens fotógrafos era um assunto que preocupava especialmente os coordenadores da Imagens do Povo. Sem poder garantir a segurança deles frente às ameaças que estavam recebendo, conversaram individualmente com alguns, notadamente Naldinho, e realizaram algumas reuniões coletivas a fim de refletir sobre qual seria a melhor maneira de procederem. No dia 19 de julho de 2009, meses depois do assassinato do Matheus (em dezembro de 2008) e do Felipe (em abril de 2009), tive a oportunidade de presenciar uma dessas reuniões, no próprio Observatório de Favelas. Seguem algumas anotações do meu caderno de campo: A reunião foi intensa e vários fotógrafos deram depoimentos sobre as dificuldades que passaram com a polícia ao tentarem fotografar irregularidades cometidas por ela. As intervenções do Bira, do Naldinho e do Davi Marcos foram, como esperado, as mais enérgicas. Naldinho continua revoltado com o que aconteceu com aquelas fotos, mesmo depois de meses. (...) Mas Naldinho não quer deixar de fazer esse tipo de cobertura. Ripper e Kita tiveram que explicar por diversas vezes que não querem impedir esse tipo de cobertura (ainda que a agência jamais vá pautá-los com algum tema assim, pois é um tema que coloca suas vidas em risco, e são vidas já muito 256

frágeis), mas que é importante fazê-lo de forma profissional. Deveriam pensar bem em que fotos fariam circular. Ao invés de enviar vinte fotos, com fotos boas e ruins, deveriam escolher cinco boas. Aliás, Kita começou o debate elogiando as fotos do Naldinho, que foram muito boas, muito sensíveis. A da mão foi levantada pelo Davi e foi sem dúvidas a que mais me marcou. (...) Os meninos tinham uma demanda por carteirinha do Imagens do Povo, e parece que acreditam que estariam protegidos. Ripper e Kita informaram que vão confeccionar, mas que a carteirinha em si não vai garantir a vida de ninguém. (Do caderno de campo em 19 de julho de 2009)

A reunião foi bastante calorosa e a sala estava cheia. Muitos fotógrafos da agência estavam presentes, especialmente os que fizeram parte da turma de 2004. Como acontece frequentemente nos cursos e encontros da Escola, todos participaram bastante. Cada um quis trazer sua contribuição para os diferentes pontos propostos na pauta: conquistas e dificuldades da agência, procedimentos para cadastramento dos fotógrafos no Banco de Imagens, direito autoral e patrimonial, carteira de identificação, cobertura de conflitos, crédito do fotógrafo/da agência, pautas que faltam no banco.

O item “cobertura de conflitos”, que aqui nos interessa, aparecia da seguinte forma: A agência não pauta fotógrafos para cobrirem situações de conflito. Orientações: - decisão pessoal do fotógrafo precisa ser consciente: A opção de fotografar / Por que / A continuidade / Os desdobramentos - apuração de informações e contra-informações - atenção ao veicular o material - distanciamento do fato - apoio da agência para divulgação

Kita Pedroza, a coordenadora da agência no momento, mediava a discussão que, além dos fotógrafos, também contou com a presença de Ripper. Kita e Ripper deram início à conversa esclarecendo que não pretendiam impedi-los de documentar situações de conflitos, mas que a agência não os pautaria para temas relacionados a eles. Não era a proposta da agência e não teriam como garantir sua segurança. Em seguida, ressaltaram que a decisão de realizar tais documentações, uma decisão pessoal de cada fotógrafo, deveria ser feita de maneira consciente. Precisavam refletir sobre como e o porquê de realizar tais documentações, como poderiam dar continuidade a elas e que desdobramentos poderiam ter tais histórias. Era preciso apurar todos os lados das informações e oferecer histórias que fossem além do registro da morte. Era preciso trazer a história de vida dos jovens mortos, conversar com seus familiares, amigos, professores. A discussão estava claramente ligada à maneira impulsiva e emotiva como Naldinho tinha 257

realizado suas documentações sobre o caso do Matheus e do Felipe. Os debates que seguiram na discussão foram interessantes por diversas razões. Por um lado, havia uma vontade de fazer a agência funcionar por parte dos coordenadores, que traziam questões de ordem prática. Por outro, havia várias demandas (e recusas) por parte dos fotógrafos, como a questão da documentação dos conflitos e a não participação em questões de ordens mais práticas da agência, que a levavam para outras direções. Depois das discussões relativas às fotos do Naldinho, Davi Marcos, outro fotógrafo da Imagens do Povo, também deu um depoimento: Davi também contou uma história interessante. Uma vez ele estava tentando fotografar uns policiais que recebiam dinheiro de pessoas perto de uma passarela (ele estava em cima dela), mas foi descoberto. Teve medo. Se corresse tomaria um tiro pelas costas, se ficasse levaria uma surra. Resolveu descer da passarela em direção ao ponto das vans andando rapidamente para, ao chegar lá, chamar a atenção das pessoas e se proteger. Funcionou. Os policiais se aproximaram e o questionaram sobre o que ele estava fazendo, mas Davi disse que conseguiu despistá-los ensinando-os sobre fotografia e as funções do equipamento, fazendo-os partir sem ver as fotos. Contou também que dias depois foi parado em uma blitz no mesmo lugar, e que os policiais o reconheceram, chamando-o de “o fotógrafo” e o deixando passar (...) Ele contou que também ficou com medo nessa situação, porque o mototaxista com quem estava poderia pensar que ele era fotógrafo da polícia, ou amigo da polícia, e dedurá-lo na favela. Decidiu então explicar toda a história ao motorista, e partiu tranquilo. (Do caderno de campo em 19 de julho de 2009)

Bira, então, entrou na discussão, explicitando seu ponto de vista. Para ele, não seria uma carteira de fotógrafo o que garantiria sua segurança, mas o fato de que as pessoas da sua "comunidade" o reconhecessem e conhecessem seu trabalho: Não é carteirinha, não é ser conhecido (apesar de ser um pouco também) ou qualquer outra coisa que não a relação que se mantém com a comunidade que garante a sua vida. É o fato de todos saberem que ele é o Bira, e que o Bira é de tal maneira, que faz com que ele possa circular em diversos territórios, diferentes facções, que seja respeitado por todos. É importante que todo mundo o conheça. (Do caderno de campo em 19 de julho de 2009)

Mas se muitos fotógrafos tinham experiência com ameaças e intimidações por parte da polícia, especialmente quando tentavam registrar alguma atividade ilícita que praticavam, poucos tiveram a coragem de divulgá-las em grande escala. As imagens produzidas por Naldinho sobre o assassinato do Matheus, sobretudo, mas também as do Felipe tornaram-se um marco para o fotógrafo e para o grupo.

258

4.3 Silêncios, denúncias, ameaças e negociações: as implicações da documentação da violência na vida cotidiana Se o tráfico de drogas ocupa a maior parte das notícias ligadas às favelas no Rio de Janeiro, a maneira como elas são apresentadas não é reconhecida pelos seus habitantes, que são obrigados a conviverem com ela em seu cotidiano. Os fotógrafos populares, no entanto, não a documentam. São vários os motivos: não se interessam pelo tema, acreditam que a mídia já a documenta em demasiado e, sobretudo, acreditam que há temas mais importantes a serem documentados, mesmo no que diz respeito à violência. Este é o caso daquela praticada pela polícia, vista como braço do Estado responsável pela proteção (e não execução) da população. A violência policial é mais incômoda para eles, pois, ao mesmo tempo em que é “oficial”, é “criminosa”. Preferem, então, questionar essa atuação a questionar a outra. Em Bangladesh, por sua vez, um dos mais altos índices de violência é dirigido às mulheres259. Ainda que exista certa documentação sobre as vítimas de queimaduras por ácido, quando homens frustrados com as recusas de mulheres a seus investimentos amorosos ou sexuais lançam ácido no corpo e, sobretudo, no rosto delas deformando-as pelo resto de suas vidas, um número ainda maior de mulheres sofre violências e abusos sexuais que restam invisíveis. Os casos dos estupros em gangue que acontecem em ruas desertas e escuras ou mesmo nos campus das universidades são alguns exemplos. Eles causam forte comoção nacional e o envolvimento de diversas organizações e movimentos sociais na luta para a punição dos culpados, mas esses assuntos não são documentados fotograficamente. Não aparecem sequer no discurso dos fotógrafos. Porém, se há pouca documentação fotográfica feita pelos ativistas, ironicamente, os próprios agressores costumem registrar seus delitos com câmeras de celular para, muitas vezes, divulgá-los na internet. O “medo da contaminação” por proximidade de uma representação contra a qual investem a sua energia para lutar contra, assim, aparece como algo importante na recusa da documentação de determinados temas. Para evitar os estereótipos que buscam combater, do 259

No Brasil ainda que a violência praticada contra mulheres seja elevadíssima (entre 2000 e 2010, 43.654 mulheres foram assassinadas no Brasil, 4.465 só no ano de 2010, o maior índice desses 10 anos de acordo com o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/SVS/MS)) ela é muitas vezes vista como esporádica e pontual pela maior parte da população. A violência praticada contra os pobres (e em especial homens, jovens e negros) é apresentada como mais grave e de maior impacto. Uma pesquisa no Google em 21 de agosto de 2012 com as palavras “violência contra mulheres”, por exemplo, ofereceu 15.900.000 resultados enquanto com as palavras “violência contra pobres” ofereceu 58.400.000. 259

favelado e do muçulmano violento, estes grupos acabam omitindo práticas violentas que existem em suas vizinhanças e que poderiam ser documentadas a partir de “outras” perspectivas. Mas a simples documentação poderia sugerir conivência ou proximidade, e esses fotógrafos não querem ser vistos como traficantes, criminosos, terroristas ou violentos. Estes são assuntos tão delicados que os fotógrafos envolvidos em tais grupos sequer os abordam. Soares (1993) sugeriu que a censura durante períodos de ditadura ou de guerra civil comprometem a circulação de informações sobre a violência política. Intimidações e ameaças, especialmente por braços do Estado que atuam de maneira ilícita, mas “aceita”, em períodos de "democracia", por sua vez, apresentam importantes funções, tanto no Brasil quanto em Bangladesh, como vimos através do trabalho dos dois fotógrafos analisados neste capítulo. Os silêncios e omissões de outros assuntos igualmente. O risco de sofrerem atos violentos e a impossibilidade de fazerem circular livremente suas imagens fez os jovens aqui referidos refletirem sobre a continuidade dos seus trabalhos e a maneira como desejavam documentar a violência política em seus países. Nestas documentações, vimos, ainda, uma interessante inversão das propostas apresentadas pelos grupos dos dois países. Em seu ensaio, Naldinho, ao contrário das demais documentações da Imagens do Povo, não mostra a beleza dessa população, mas imagens explícitas da violência. E por isso seu desejo de documentá-la trouxe para seu grupo debates que não existiam anteriormente. Já Omi decidiu investir de forma ainda mais importante na beleza dos desabilitados que fotografou, utilizando o foco da câmera e os contrates nas imagens para valorizar determinados pontos em detrimento de outros. Desta forma, os ensaios apresentados aqui trouxeram novos elementos para a reflexão sobre as fotografias produzidas pelos grupos analisados. Pois se a alternativa que propõem às imagens violentas que buscam combater é a documentação da vida cotidiana dos seus vizinhos e compatriotas, esse cotidiano é apresentado quase sempre sem as tragédias que os arrebatam. A documentação da violência, por sua vez, apresenta contradições diferentes das dos ensaios relacionados à questão identitária e ao cotidiano dessas populações. Se na maior parte deles é a beleza, e não as tragédias, o enfoque das representações, nesses, ainda que ambos apresentem seus fotografados como guerreiros (ou heróis, como prefere chamá-los Omi), as imagens são mais duras e as pessoas são inevitavelmente apresentadas como 260

“vítimas da violência”. Os casos apresentados por Omi e Naldinho apareceram como exceções que não apenas confirmaram a regra (pelos debates que causaram), mas também como "eventos críticos" (Das, 1995) que definiram os limites da documentação da violência e a forma como poderiam/deveriam elaborar denúncias (pelas censuras que sofreram). O esforço para (re)humanizar as vítimas foi o que mais partilharam, mas o modo como o fizeram estava relacionado à maneira como cada tipo de violência é vivenciada em cada país. Omi buscou ir “além do corpo” debilitado dos retratados, mostrando como dão continuidade a suas atividades e sonhos apesar dos ataques que sofreram. A maneira que encontrou para "reumanizá-las" foi a de contar suas histórias e mostrá-las, em suas casas com suas famílias e amigos, através de imagens que valorizassem suas qualidades e não suas deficiências. Naldinho, de outra forma, buscava "humanizar" seus vizinhos assassinados através da documentação da dor de seus familiares e amigos em seus funerais e nas manifestações que se seguiram. Provar que eles não eram criminosos, mas estudantes e, no caso de Felipe, também um trabalhador, eram suas principais preocupações. Omi escreveu alguns comentários e os publicou com suas fotos junto com falas das vítimas, de suas familiares e da ONG que o contratou. Naldinho publicou suas fotos com um texto escrito por alguns jornalistas populares moradores da mesma favela que ele e as vítimas que retratou. As histórias de vida de cada um deles, narradas em um formato que combina textos e imagens, tinham como objetivo provar que eles não eram criminosos, mas vítimas, e chamar a atenção de outros para o sofrimento que vivem. Durante a elaboração de seus trabalhos, e também após a publicação de suas fotos, Omi e Naldinho sofreram intimidações e ameaças, tanto de criminosos quanto do Estado. Nenhum dos lados queria que eles realizassem essas documentações. Ao se colocarem como "estando lá", "sendo afetado" e, conscientemente, utilizarem os meios de comunicação visual como suporte para suas ações políticas, suas documentações desafiaram as representações mainstream de suas realidades. Seus projetos não apenas trouxeram para o centro da cena disputas em torno da identificação, elaboração e negociação de conflitos, abordando as múltiplas e complexas construções sociais e intelectuais feitas a partir de uma mesma "realidade", como também enfatizam a resposta elaborada pelos envolvidos nestes conflitos. Esses projetos nos mostram outras versões das realidades vinculadas (ou silenciadas) por 261

outros. Denunciar este tipo de violência, em suas diferentes formas, no calor dos acontecimentos, especialmente baseando-se em imagens, tem implicações de diferentes níveis. O caráter de prova da fotografia que nos faz acreditar que o que aconteceu em um determinado tempo e espaço foi registrado como vemos na imagem, causa curiosidade e medo ao mesmo tempo. Os fotógrafos, com suas armas, as câmeras, são ameaçadores. Ao mesmo tempo, documentar a violência sofrida por grupos sensíveis em tempos de instabilidade, e "de dentro", por atores "no campo", é delicado por colocar suas próprias vidas em risco. Em suma, se a proximidade carrega uma aura de autenticidade, ela também aponta, especialmente para os grupos documentados, que eles próprios poderiam sofrer retaliação, algo que é evidenciado pelas várias ameaças recebidas pelos fotógrafos. Mostrar da melhor forma a população fotografada é o objetivo de ambos os grupos, ao mesmo tempo que trabalham duro para mostrar a luta e a dignidade dessas pessoas. Neste sentido, ser um foto-ativista, nestes casos, implica mostrar imagens de resistência e da luta dessa população, contextualizando-as. Pois é o contexto que explica as causas da violência, mesmo quando a violência parece não poder ser explicável. E é através dele que desafiam as representações problemáticas com as quais sofrem e que é vista como causa principal das dificuldades políticas, econômicas e sociais que experimentam.

262

Comentários finais

Imagens do Povo inaugura exposição no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert

263

Mimesis e alteridade: questões da/para a militância Par ailleurs, le fait que la photographie puisse avoir aujourd’hui une valeur spéculative suscite parfois une suspicion à l’égard des photographes qui se consacrent à la photographie sociale. Il n’est évidemment pas interdit de poser la question de la légitimité du gain (au-delà de la rémunération “normale” du travail réalisé) lorsqu’il s’agit de l’image de personnes dans des situations de souffrance ou de pauvreté. Mais il faut dire que cette question elle-même reste théorique cas les reportages sociaux sont le plus souvent très difficiles à financer et les images sociales ne sont généralement pas recherchées par le public des amateurs de photographie. (Christolhomme, 2010)

Na epígrafe escolhida para esses comentários finais, Michel Christolhomme (2010) toca em alguns obstáculos para a fotografia social e, portanto, para os grupos aqui analisados: o problema da especulação financeira em torno de imagens consagradas a temas sociais (especialmente à pobreza e ao sofrimento), a dificuldade de encontrar meios para financiar as histórias (reportagens) e o não interesse dos amadores da fotografia pelas imagens do gênero. Christolhomme aponta, desse modo, para o fato de que são imagens difíceis de serem produzidas, divulgadas e comercializadas. Partindo da discussão sobre a relação entre identidades e alteridades para falar da autorrepresentação como ferramenta de atuação política, interessou-me a maneira como grupos de fotógrafos ativistas pensam sobre si, e como se apresentam e se representam. A linha de reflexão que escolhi para trabalhar tocou principalmente em três questões fundamentais, dentre várias outras, da fotografia politicamente engajada contemporânea: o falar de si, a documentação da vida cotidiana e a elaboração de denúncias. As motivações que levaram esses foto-ativistas a construir suas histórias, as parcerias que estabeleceram para a realização dos projetos, as formas de financiamento que encontraram e os diferentes meios de divulgação e de publicação que usaram foram alguns dos pontos que me permitiram compreender a forma coletiva como esses fotógrafos agem e oferecem seus pontos de vista. “Mas eles são profissionais?”, indagavam recorrentemente os fotógrafos bangladechianos quando se deparavam com o trabalho da Imagens do Povo. A pergunta expressava uma mistura de surpresa e desconfiança. Eles temiam que eu também os estivesse olhando a partir da tão incômoda relação com a pobreza. Eu respondia que sim, mas que a “profissionalização” deles se dava de maneira diferente daquela que eu descobria em Bangladesh. Os fotógrafos da Drik custavam a acreditar que poderia existir um (ou mesmo 264

vários) grupo de fotógrafos oriundos de favelas no Brasil que atuassem militantemente através da profissão de fotógrafo. E a profissionalização (ou o grau de profissionalização) dos fotógrafos brasileiros não era questionada exclusivamente pelos fotógrafos sul-asiáticos. Também o eram no seio do próprio país, por vezes do próprio grupo, especialmente quando os fotógrafos não respeitavam regras postas aos trabalhos ou não “investiam o suficiente” na produção de imagens para a agência. “Profissionalização” e “militância” são campos (Bourdieu, 1992) comumente apresentados como distintos, especialmente entre fotógrafos que precisam “lutar pela sua sobrevivência”, como me foi explicado tantas vezes em Bangladesh. Distintos e moralmente separados por causa de implicações relacionadas ao mercado, seja no que diz respeito ao lucro, seja às crenças políticas dos fotógrafos, que muitas vezes discordam do que lhes é pedido (por exemplo, o “NGO style”), realizando um trabalho sem se envolver emocional e politicamente com o tema retratado, unicamente para “pagar suas contas”. Tal problema também apareceu no trabalho de Berntsen (2011) sobre a Drik260. Em sua dissertação, a autora analisa três diferentes casos de produção de imagens sobre a pobreza: a documentação de sucesso realizada por Lima sobre as costureiras, o caso de um assignment comercial para uma ONG (onde refletiu sobre o “NGO style” do qual tanto falam os fotógrafos bangladechianos) e o caso de uma exposição feita para arrecadação de fundos, onde o fotógrafo contratado sentiu que precisou tomar decisões com as quais não concordava. Sobre este caso, a autora disse:

My three interlocutors described the situation as if there was little they could do to influence the outcome of the work, but they arguably also played along with the ‘bandit’ NGO. I firmly believe that they were not in a financial situation where they could afford to give up well-paid work because it turned out to be conflicting to their personal ideals. In the above case, according to their own accounts it can sound as if the photographers and remaining team are caught in their counterparts’ logic, with few abilities to fight back. In other words, they were not in a privileged position from which it was possible to perform mimetic practices in order to be more powerful. On the other hand, such commercial assignments allowed those involved to redistribute the financial gains into work they were passionate about. Certainly this duality exists at Drik and amongst affiliated photographers, to whom I will now return. While the above cases represent ideal types of idealism an advocacy photography on the one hand and commercialism on the other, most assignments at Drik linger ambiguously in-between these two poles. (Berntsen, 2011: 75)

260

Notei o mesmo em trabalho anterior, sobre a agência Olhares do Morro (Gama, 2006). 265

Ainda que tenha apresentado “tipos ideais” de documentações militantes (“advocacy photography”) e comerciais, Berntsen ressalta que a maior parte dos assignments realizados por fotógrafos da Drik “permanece ambiguamente entre estes dois polos”. Ao enfatizar a situação financeira dos fotógrafos, no entanto, a autora parece aceitar o argumento da “luta pela sobrevivência” como justificativa para escolhas contraditórias (ou “ambíguas”) de alguns fotógrafos ou mesmo da Drik (quando decide fazer de seus assignments comerciais sua “advocacy photography”). Durante o meu campo em Daca, entretanto, eu resistia a aceitá-lo, lembrando-me frequentemente dos fotógrafos populares brasileiros que, apesar de estarem situados nas camadas economicamente mais baixas da sociedade, jamais usaram tal argumento para justificar a realização de um trabalho. Inversamente, como vimos através da história de Bira, que além de popular é desabilitado e dizia que não precisava de dinheiro/não era o lucro que buscava com suas fotos; era fazer as boas imagens o mais importante. Escutar o argumento da “luta pela sobrevivência” em Bangladesh, onde a maior parte dos fotógrafos era oriunda das camadas médias da sociedade, me deixava inquieta, assim como acontecia quando me diziam que não existiriam grupos de fotógrafos populares no país porque os populares não teriam os meios políticos nem intelectuais para se engajar politicamente através das imagens. Neste caso, eu pensava espontaneamente na frase de Karl Marx reproduzida provocativamente na introdução do livro “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente” de Edward Said (1990): “Eles não podem representar a si mesmos, devem ser representados”, que apontava para uma contradição do discurso pós-colonialista do grupo. Eu desconfiava que, além de questões puramente econômicas, poderia haver outras motivações que influenciassem as escolhas e tomadas de decisão relacionadas aos trabalhos produzidos por cada fotógrafo individualmente. No Brasil, alegações de “sobrevivência”, assim como a ideia de “salvar jovens da criminalidade”, muito veiculadas por ONGs, são criticadas pelos setores “mais engajados” da sociedade e, portanto, ficam fora dos discursos dos foto-ativistas perto dos quais trabalhei. Em Bangladesh, a grande produção voltada para o mercado internacional aponta também para um desejo de participar deste campo e ser reconhecido no “Ocidente”. Neste sentido, a temática social aparece simultaneamente como um viés financeiro e como locus da produção de uma (auto)representação diferenciada. Para competir no mercado em que buscam se inserir, oferecem o que desejam seus espectadores, 266

mas de um ponto de vista diferencial, “interno”. E descobrimos o que buscam seus interlocutores/espectadores através dos lugares onde apresentam suas imagens. As fotografias produzidas pelos fotógrafos populares brasileiros raramente chegam a um país estrangeiro e as produzidas pelos bangladechianos passam quase sempre por agências, fundações e revistas internacionais. Criticando o olhar “eurocêntrico”, é para a Europa e EUA que Drik dirige suas imagens. Oferecem, dessa maneira, críticas diferentes da Imagens do Povo no que diz respeito à estereotipia imposta pela bipolarização “nós x eles”. Enquanto no Brasil os populares tentam mostrar como “nós” e “eles” somos parecidos, em Bangladesh o grupo faz uso das desigualdades internas para ocupar posições no mercado antes dominadas exclusivamente por ocidentais. Avançam na ocupação do mercado, mas permanecem estagnados na elaboração de uma crítica à desigualdade interna. Por outro lado, a comercialização promove uma maior circulação das imagens e, portanto, das suas ideias. Fotógrafos mais independentes economicamente e mais estabilizados no mercado (qualidades muitas vezes interdependentes) tendem a ser mais exigentes em relação aos trabalhos que aceitam realizar. Entretanto a ideologia (conjunto de ideias políticas e sociais) dos fotógrafos tem forte impacto nas imagens que serão produzidas por cada um deles. Deste modo, se a questão econômica se coloca presente, ela não diz respeito exclusivamente à “luta pela sobrevivência”, mas também ao desejo de aquisição de posições políticas, econômicas e sociais. Dentre os fotógrafos que tomei para reflexão nesta tese, dois em Bangladesh estiveram vinculados a partidos políticos de esquerda: Saiful Huq Omi e Taslima Akhter. Já Munem Wasif e Francisco Valdean vinham de famílias onde seu pais tinham ocupado cargos políticos, ainda que em diferentes escalas. Isto quer dizer que quatro dentre os seis fotógrafos aqui apresentados tinham chegado à fotografia já tendo vivido experiências ligadas à participação política, seja sua, seja de seus familiares. O mesmo aconteceu com os idealizadores das agências e escolas, Shahidul Alam e João Roberto Ripper. Ao procurar os trabalhos que serviriam como “estudos de caso” para minha pesquisa, esses seis eram frequentemente apontados como os “verdadeiros ativistas”. Um ativismo que acontece principalmente através da elaboração de fotografias e representações politicamente conscientes e engajadas. É ao mostrar o cotidiano das costureiras, dos muçulmanos, dos 267

desabilitados e dos populares que esses fotógrafos participam politicamente do mundo, trazendo como diferencial a maneira como olham e se relacionam com determinados grupos sociais. Como forma de distribuição, ambos os grupos defendem uma comercialização das imagens ligada à proposta de sustentabilidade do comércio justo (fair trade), tal como fica evidente no mito contado por Shahidul em texto apresentado na Conferência Visible Rights: Father Paul Casperg, who has been working for many years with the tea plantation workers in Kandy, has an interesting story to tell. Nearly 30 years ago, in his Masters thesis at the London School of Economics, Father Casperg was able to show that an increase of two pence (four US cents) in the price of a cup of tea being sold on the British railways would, providing it went to the Kandy tea plantation workers, result in more income than the total foreign aid received by the Sri Lankan Government. Father Casperg rightly concluded that it was fair trade that Sri Lanka needed, not more aid. That is what fair trade imagery organizations like majorityworld.com and kijijiVision are trying to do. By invoking ethical standards in the trading of images, these organizations address not only the distorted and disrespectful depiction of people of the global South, but also the economic divide. (ALAM, 2007: 7)

Neste texto, Shahidul ressalta que falar em padrões éticos no comércio de imagens seria não apenas investir em representações verdadeiras e respeitosas, mas também na divisão econômica dos lucros. Mas está ciente da dificuldade que a combinação entre ser “socialmente eficaz” e “independente” representa: “Combining our compulsion to be socially effective with the requirement to be financially independent has remained our biggest challenge. It is a difficult balancing act.” (Alam, 2007). Assim, se em Bangladesh a maior parte dos trabalhos comerciais (assignments) são produzidos para ONGs, no Brasil é justamente para elas que os trabalhos são dados gratuitamente.

Sobre coletividades e individualidades De que modo chegam a ser formuladas estratégias de representação ou aquisição de poder [empowerment] no interior das pretensões concorrentes de comunidades em que, apesar de histórias comuns de privação e discriminação, o intercâmbio de valores, significados e prioridades pode nem sempre ser colaborativo e dialógico, podendo ser profundamente antagônico, conflituoso e ate incomensurável? (Bhabha, 1998: 20).

Como demonstrei ao longo deste trabalho, a proposta de construção de representações “mais respeitosas” das populações retratadas por estes grupos lida com uma série de estereótipos, 268

positivos e negativos. Estes estereótipos nascem das muitas dualidades que (se) apresentam: centro/periferia, ocidente/oriente, rico/pobre, favela/cidade "formal", governantes/governados, poderosos/desprovidos, hegemônicos/subalternos, fotógrafo/fotografado. Por vezes aparecem como complementares, por vezes como “opositores”, mas na maior parte das vezes são intercessores (Deleuze, 1988), com limites incomensuráveis por serem constantemente negociados. E é a tensão existente em cada uma dessas duplas que permite a criação de discursos, representações e identidades complexas. Nas imagens produzidas por eles, a população é muitas vezes apresentada de forma homogênea, o que, sabemos, não existe nem nas favelas do Brasil, nem em um país como Bangladesh. Mas apesar do esforço em se apresentar uma identidade coletivamente partilhada, há espaços para as diferenças e elas aparecem de forma mais conflituosa na documentação das violências e na elaboração de denúncias relacionadas a elas. Foi o que vimos através das documentações de Naldinho e Omi, que se posicionam relativamente (ou convenientemente) afastados dos grupos. Em uma de nossas conversas, por exemplo, Omi criticou o trabalho de Wasif (um dos seus melhores amigos) sobre o islã em Bangladesh. Para Omi, a maneira como a religião é praticada no país (de forma política) é um de seus maiores problemas, sendo ela responsável pelas mais graves violências sofridas pela população. Segundo ele, uma pessoa que vê o ensaio de Wasif terá uma interpretação equivocada do islã em Bangladesh, pensando que este seria um país moderado. Ainda que esta forma possa ser experimentada pelos grupos das classes mais abastadas que Wasif documenta, ela não é a realidade partilhada pela maioria da população que vem sofrendo ataques de homens bombas e grupos islamistas desde antes mesmo da fundação do país, mas que se intensificaram depois do 11 de setembro de 2001. E é isso que ele tenta mostrar em seu ensaio sobre as vítimas da violência política. Mas o estupro como arma de guerra, e o estupro de mulheres hindus em especial, que acontece há décadas no país e foi documentado por Omi através da história de Radharani, também foi ressaltado por Shahidul Alam nos depoimentos que colheu para seu vídeo sobre a guerra de independência de Bangladesh, Birth pangs of a nation261. Demonstra, nesse sentido, 261

Após a partição da Índia e especialmente durante a guerra de independência de Bangladesh, milhares de refugiados, sobretudo hindus, fugiram para a Índia em busca de proteção contra as diversas violências que sofriam no então Paquistão Oriental. O vídeo está disponível em http://vimeo.com/38029013e também pode ser 269

que, mesmo trabalhando em prol de estereótipos positivos para a inversão das representações problemáticas que são apresentadas sobre eles, também há espaço para apresentação de violências praticadas pelos “seus”. Já no Brasil, esta complexa representação de “si”, onde aspectos positivos e negativos são apresentados concomitantemente (com pesos diferenciados), fica inteiramente excluída das imagens apresentadas pela Imagens do Povo que, quando fala da violência, aponta como algozes exclusivamente grupos “de fora”, como vimos na documentação de Naldinho sobre o assassinato de Matheus. Wasif e Shahidul estão preocupados com o campo de batalha representacional, Omi quer transformar a realidade do seu país. É o impacto na vida das pessoas retratadas que importa para ele. Todos, contudo, acreditam que a transformação social passaria pela identificação com o Outro. E a capacidade de fazer com que uns se afetem e se identifiquem com as histórias contadas sobre Outros (ou vice-versa) apareceu como a estratégia principal para a transformação do quadro e das relações sociais nas quais desejam intervir. Seja nas narrativas positivas que encontramos nas documentações de Bira, Wasif e Valdean; seja na luta que vimos através das histórias de Lima, Naldinho e Omi. Mas a identificação possível, nestes casos, não passa por sentimentos como os de medo ou pena, mas por representações do lazer, do trabalho, das lutas cotidianas, da vontade de reconstruir suas vidas depois de eventos traumáticos.

Sobre autonomias e militâncias Dante Gastaldoni costuma repetir que a Imagens do Povo faz parte de uma trilogia da carreira profissional de Ripper, que começou com uma proposta de intervenção mais ampla no mundo (através da criação da Imagens da Terra), passando em seguida para a humanidade (Imagens Humanas) até chegar aos populares (Imagens do Povo). Mas as razões que levaram Ripper a criar sua primeira agência no Brasil tinham como motivação questões muito próximas às que levaram Shahidul a criar a sua em Bangladesh: Bem, como já disse, queria colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos e tentar trabalhar só com isso. Esse é o meu ideal. E o trabalho na agência, pelo excesso de pautas, consumia muito o meu tempo. Então, para fazer isso eu precisava criar uma agência. Na verdade não era bem uma agência, era uma ONG. Mas, como

visto no DVD em anexo. 270

eu nunca havia tido esse tipo de experiência, criei uma ONG atípica, sem financiador. Era uma organização não governamental diferenciada, que trabalhava por contrato para sindicatos, alguns freelas para revistas, e, com o trabalho permanente nos sindicatos, podíamos investir em documentação social. Investíamos muito. Quem investia no seu projeto de documentação, quando começasse a escoar essas fotos, não precisava repartir seus direitos autorais com o Imagens até cobrir esse investimento. Era uma forma de estimular o processo de produção. Salvo um trabalho ou outro, não tínhamos financiamento. Os recursos eram gerados pelo próprio grupo de fotógrafos. (Ripper, em entrevista a Dante Gastaldoni em 18 de abril de 2009).

Ainda que tenham sido estruturadas com formatos diferenciados (como uma “ONG” no Brasil e uma agência comercial “independente” em Bangladesh), o que fez Ripper escolher o estatuto de ONG foi o mesmo que fez Alam optar pelo de agência: ser independente. As diferenças relacionadas às formas de apresentação, assim, pareceram estar mais ligadas à relação que cada ativista possui com as ONG e agências em cada país do que a uma diferença estrutural-ideológica. Alam é extremamente crítico em relação às ONGs no país, a maioria de origem estrangeira, ainda que por vezes estabeleça importantes parcerias com elas. Acusa-as de serem responsáveis pela manutenção dos problemas sociais e não pela erradicação deles em Bangladesh. Ao criar uma agência comercial, seu objetivo era ser independente delas e das agências internacionais de desenvolvimento, que dominam não apenas a esfera da “responsabilidade social”, mas pautam temas para discussões e atividades políticas no país. Neste sentido, conquistou sua independência através da parcerias com outros tipos de agências internacionais: as de imagens. Ripper, por sua vez, viu na possibilidade de criar uma agência no formato de uma ONG uma alternativa para viabilizar seu projeto de colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos. E anos depois de ter criado a primeira, foi através da parceria com uma organização criada pelos próprios populares (o Observatório de Favelas), que deu continuidade a seu sonho de desenvolver um projeto independente e democrático através da Imagens do Povo. Desse modo, se as propostas relacionadas ao fato de serem uma “ONG”262 (projeto/programa/ agência-escola) ou uma agência, aparecem de forma ambígua em seus discursos, apontando para as semelhanças e diferenças entre eles, o fato de serem “marginais”, não. Quando demandam participação no poder, o que esses grupos propõem como diferencial é seu ponto de vista periférico. 262

São, na verdade, um projeto de uma OSCIP. 271

Independentemente do formato no qual se apresentam, partilham igualmente os problemas atrelados à sustentabilidade da prática documental (social), como ressaltou Christolhomme (2010) na epígrafe acima, e Alam e Ripper em nossas conversas. Esses problemas, por sua vez, impulsionam frequentemente esses fotógrafos a buscarem alianças com organismos e instituições que criticam. Foi o que aconteceu com Naldinho ao passar a se colocar ao lado da polícia para entrar em favelas em conflito e com os fotógrafos bangladechianos que comumente alimentam bancos de imagens de agências e ONGs internacionais. O fato de estabelecerem parcerias com seus “opositores”, entretanto, não invalida seus discursos ou suas propostas. Esses grupos não sugerem em nenhum momento uma ruptura radical com eles ou com as representações que apresentam, mas mudanças que negociam cotidianamente. E as negociações/articulações com governo aparecem como as mais importantes para a viabilização dos projetos e das militâncias. É o que permite sua sobrevivência. Buscam se colocar no “calor das fronteiras”, como disse certa vez Shahidul, mas dentro dos limites do aceitável. É importante estar onde é possível atuar, pois é produzindo e circulando suas imagens que podem apresentar um ponto de vista diferenciado e oferecer outras representações. Um bom exemplo disso é a fotografia de Andrew Biraj vencedora do 3º lugar no prêmio “cotidiano” do concurso da World Press Photo em 2011.

272

An overcrowded train approaches a railway station in Dhaka, Bangladesh, as more passengers wait to board (Andrew Biraj) .

Enquanto a maior parte das fotografias apresentadas nas exposições dos prêmios anuais da WPP mostram cenas de tragédias ou violências, a foto de Biraj oferecia a imagem de uma estação de trem superlotada na véspera de um dos feriados nacionais mais importantes. Ou seja, ainda que documentasse um problema estrutural do seu país (a falta de transporte público que atenda a população), sua fotografia fugia da representação “clássica” premiada no concurso263.

263

Barradas (2009) apontou dois problemas relativos à premiação neste concurso em seu estudo sobre as vencedoras do prêmio "Foto do Ano" entre 1956 e 1996: o fato da maior parte dos vencedores ser composta por homens brancos norte-americanos e que quase 90% das fotos vencedoras são fotos-choque, tendendo 92,5% para a negatividade. Há também uma convergência nos temas retratados: todas as fotos exceto uma se relacionavam direta ou indiretamente à violência, e o registro do “instante decisivo” estava presente em 92%. O autor constatou ainda que: “A análise das 51 imagens vencedoras da categoria “Foto do Ano” do concurso World Press Photo [entre 1955 e 2008] levou-nos a verificar que a maior parte dos prêmios (88,2%) é concedida a fotografias que mostram dor e sofrimento, sendo que 36 (70,6%) delas retratam tais condições explicitamente, nove (17,6%) apresentam-nas implicitamente e apenas seis (11,8%) não as exibem, mesmo quando ligadas a contexto de violência. (…) A maior parte das imagens refere-se a acontecimentos violentos, sendo 43,1% ligados a guerras. Se somarmos todos os conflitos representados, a percentagem sobe para 56,8%. Apenas uma foto (1958) não se relaciona a algum tipo de acontecimento violento ou trágico, que envolva dor e sofrimento, ao contrário das demais, mesmo que algumas em si, olhadas separadamente de seu contexto, não mostrem isso. Do total, cinco fotos (9,8%) mostram catástrofes ambientais (terremoto, tsunami, vulcão) e cinco (9,8%) retratam a fome. As outras dividem-se em acontecimentos políticos (4), acidentes (3), crime (1) e outros (4).” (Barcelos, 2009: 123). 273

Posicionando a periferia no centro Discursos marginais (ou subalternos) e hegemônicos foram utilizados de forma flexível pelos grupos ao longo da minha pesquisa, especialmente em Bangladesh, onde os fotógrafos que produzem uma documentação a partir do ponto de vista “marginal” fazem parte dos grupos hegemônicos do país. Desse modo, se a Drik trabalha numa perspectiva de “conscientização social”, esta é voltada para a classe média, que parece ainda ver com dificuldades a participação popular no poder. Ainda que em seus discursos afirmem fomentar uma troca no hemisfério sul contra a hegemonia ocidental, suas trocas ainda acontecem essencialmente com profissionais “do norte” num intuito de mimetizar suas práticas e participar do mercado de forma mais igualitária. É o mercado que importa, ainda que com base em temáticas sociais. Essa vinculação comercial e a prática mimética, por sua vez, aparecem de forma muito enfraquecida no Brasil, onde os fotógrafos da Imagens do Povo tendem a concentrar seus esforços em uma atuação político-social muito baseada no voluntariado. A proposta bangladechiana de ocupação do mercado, todavia, é bastante próxima da proposta de outra agência de fotógrafos populares que estudei anteriormente, a Olhares do Morro (Cf. Gama, 2006). O idealizador desta agência, o fotógrafo francês Vincent Rosenblatt, propunha retirar jovens fotógrafos populares da “exclusão” que viviam nas favelas cariocas através da sua inserção no mercado global da fotografia. Fazendo uso do discurso social e (por que não) político para comercializar suas imagens, Vincent apresentava uma atuação muito próxima à de Shahidul, mas era constantemente criticado por populares, intelectuais e fotógrafos brasileiros, especialmente aqueles que participavam do movimento para inclusão visual, por seu viés “demasiado” mercadológico. Pensar a proximidade dessa agência, que é vista com desconfiança e bastante criticada no Brasil, com a Drik, sinaliza algo interessante: no Brasil, há grande resistência à aceitação da veiculação “comercial” de propostas “políticas”264. Eu arriscaria dizer, então, que esses grupos circulam suas imagens de diferentes maneiras, mas prioritariamente como dádivas (Mauss, 1974) no Brasil e como mercadorias em Bangladesh. O valor da fotografia para a Imagens do Povo encontra-se na maior circulação 264

Outra resistência diz respeito à transformação da Escola de Fotógrafos Populares em uma escola de comunicação, passo tomado pela Pathshala. Apesar das pressões dentro do Observatório de Favelas para inclusão da Escola formalmente como braço da Escola Popular de Comunicação Crítica, os participantes da primeira acreditam que tornar-se parte da segunda não significaria “ampliar seu campo de atuação”, mas perder autonomia e, portanto, poder. 274

possível das imagens, e não nos mais altos valores alcançados. Assim, eles divulgam suas fotos massivamente pela Internet (especialmente através de e-mails e das redes sociais) e doam fotografias para jornais, revistas da mídia alternativa e movimentos sociais. As fotografias aparecem, neste caso, não apenas como mercadorias (ainda que também sejam comercializadas), mas principalmente dádivas, expressões de determinadas formas de vida, de determinadas subjetividades e, portanto, sem preço. A Internet possibilita que seus trabalhos ganhem visibilidade na mesma rapidez que suas fotografias são produzidas, e hoje sua imagens começam a impactar as representações sobre os temas que retratam, como vimos através das pesquisas realizadas no “Google Images”. E o papel da Internet e de redes sociais como Facebook para grupos que se encontram fora dos meios de comunicação hegemônicos ganha importância justamente ao permitir um fácil acesso e uma rápida circulação das imagens e informações. Neste sentido, a amplitude da circulação das imagens, especialmente na esfera internacional, é incomparável à dos textos, pelas limitações impostas pelo uso dos diferentes idiomas. Mas num mundo regido por imagens, onde o fluxo de informações é cada vez maior e mais acelerado, uma mesma fotografia pode ser interpretada de diferentes maneiras, sobretudo por espectadores tão diversos quanto aqueles das fotografias da Drik e da Pathshala, que circulam em tantos países e culturas (Hoek, 2003). Ambos os grupos de fotógrafos tentam controlar a recepção das representações que criam através do controle das diversas etapas da produção fotográfica. Para isso, criaram uma escola, uma agência, uma galeria e, no caso da Drik, uma editora. Também elaboram histórias fechadas (narrativas visuais que combinam fotos e textos), diminuindo as chances de intervenção estrangeira na representação que desejam apresentar. Faz parte das “estratégias adaptadas”, como apontou Berntsen (2011), e que vimos de maneira mais clara na documentação de Taslima Akhter sobre as costureiras. Neste sentido, concordo com Flores quando afirma que Vinculados a asociaciones internacionales, los jóvenes de Drik están aprovechando la inteligente estrategia diseñada por Shahidul Alam, que utiliza todos los elementos del dispositivo fotográfico que discutimos en un principio para controlar al máximo posible el campo de sentido y, así, la propia autorrepresentación y cosmovisión, sea cual sea ésta. Las imágenes de Drik, tal y cómo nos llegan, están contaminadas de la visión de quien retrata, el fotógrafo popular. El más completo de todos los proyectos, Drik puede ser un modelo para futuras estrategias de uso de la fotografía por grupos marginados. (Flores, 2004: 26) 275

A resistência à adaptação aos modelos propostos pelas agências internacionais e pela fotografia social enquanto gênero por parte do grupo brasileiro, por sua vez, estimula a quebra de padrões e apresenta importantes questões para grupos que desejam intervir nas representações hegemônicas vinculadas pelos meios de comunicação de massa, como apontou Flores (2004): Si bien la sintaxis de la imagen no necesariamente cambia por un acceso de los grupos minoritarios al rol del fotógrafo, este hecho sí tiene un mayor efecto en sus aspectos semánticos. La ruptura con los códigos semánticos dominantes o convencionales se da a través de la elección del tema y de la aproximación a éste. La comprensión de estos dos factores por parte del espectador dependerá de su cercanía idiosincrática con el mundo de la imagen (en este caso, constituida por la trama ideológica homogénea del fotógrafo y lo retratado) y del modo de recepción de ésta a través de los medios (pre-interpretada, manipulada o no, con o sin texto/anclaje, etc.). (Flores, 2004: 28)

Em Bangladesh não mudam os temas, mas a maneira de retratá-los. Isto ficou claro no depoimento de Shahidul sobre uma de suas negociações com jornais e revistas estrangeiras para publicação de imagens sobre o ciclone que atingiu o país em 1991. Ainda que acreditasse que o processo de democratização pelo qual o país tinha acabado de passar em 1989 fosse a notícia mais importante a ser dada, Shahidul concordou em oferecer imagens da destruição causada pelo ciclone. Mas apresentou um diferencial: no lugar de cadáveres; forneceu imagens de pescadores reconstruindo seus barcos, agricultores replantando sementes e homens refazendo suas casas. No Brasil a Imagens do Povo propõe uma mudança no assunto: não é a violência que deve estar em foco, mas a beleza, a alegria e o lazer dos populares. As escolas e os demais espaços voltados para a educação aparecem como importantes lugares de reflexão sobre os padrões impostos e os (novos?) modelos que gostariam de experimentar. No Brasil oferecem cursos e oficinas em diversas favelas, mas também em presídios, escolas e outras periferias da cidade. Em Bangladesh, além dos cursos regulares, intervêm em grupos de refugiados e comunidades rurais. Através das diferentes formações que oferecem, também captam novos “foto-ativistas” e que estimulam jovens a aparecerem como sujeitos políticos. Investindo na educação, controlando a difusão das imagens e criando parcerias com instituições, organizações, agências e mídias para fortalecer suas atuações políticas, esses grupos explanam como a “agência fotográfica” atinge sua máxima: agenciando produções, circulações e relações.

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Websites

Abir Abdullah: www.abirphoto.com Andrew Biraj: http://www.andrewbiraj.com Agência VU: http://www.agencevu.com Ateliê da Imagem: www.ateliedaimagem.com.br/ BanglaRights: http://banglarights.net Blog O Cotidiano: www.ocotidiano.com.br Blog Imagens do Povo: www.imagensdopovo.org.br/blogip/ Cacá Diegues: www.carlosdiegues.com.br Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré: http://ceasm.tumblr.com Chobi Mela: www.chobimela.org Clean Clothes Campaign: www.cleanclothes.org Davi Marcos: http://www.flickr.com/photos/27811651@N03/ Disappeared in America: http://www.disappearedinamerica.org Drik Picture Library: www.drik.net DrikNews: www.driknews.com Encontros sobre Inclusão Visual do Rio de Janeiro: http://www.fotorio.fot.br/esiv Escola de Fotógrafos Populares: http://www.imagensdopovo.org.br/ip/escolaip.html Escola Popular de Comunicação Crítica: www.espocc.org.br Fabrica: www.fabrica.it Facebook: www.facebook.com Favela em Foco: favelaemfoco.wordpress.com Fazendo Media: www.fazendomedia.com FOTORIO: www.fotorio.fot.br Google Images: images.google.com IBASE: www.ibase.br Imagens do Povo: www.imagensdopovo.org.br Imagens do Povo no Youtube: http://www.youtube.com/imagensdopovo Imagens do Povo no Facebook: https://www.facebook.com/programaimagensdopovo Imagens do Povo no Twitter: twitter.com/imagensdopovo Imagens Humanas: imagenshumanas.photoshelter.com/

http://www.imagenshumanas.com.br

e

Jornal O Cidadão: ocidadaonline.blogspot.fr 289

Luta pela Paz: www.lutapelapaz.org Majority World: www.majorityworld.com Map Photo Agency: http://www.mapfoto.com.bd Metara Comunicação: www.metaracomunicacao.com.br/ Munem Wasif: www.munemwasif.com Naldinho Lourenço: http://www.flickr.com/photos/naldinholourenco/sets/ Núcleo Piratininga de Comunicação: www.piratininga.org.br Observatório de Favelas: http://www.observatoriodefavelas.org.br Online Dictionary of the Social Sciences: http://bitbucket.icaap.org/dict.pl Out of Focus Project: http://www.drik.net/focus/outoffocus.htm Pathshala – South Asian Media Academy: www.pathshala.net Pathshala Wordpress: http://pathshala10.wordpress.com/ Ratão Diniz: http://www.flickr.com/photos/rataodiniz/ Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência: www.redecontraviolencia.org Rede Nacional de Jornalistas Populares: www.renajorp.net Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil: rpcfb.com.br/ Saiful Huq Omi: www.saifulhuq.com Shahidul Alam: www.shahidulalam.com Shahidul Alam on Video: http://vimeo.com/shahidul ShahidulNews: http://www.shahidulnews.com South Asian Association for Regional Cooperation: www.saarc-sec.org/ Taslima Akhter: www.taslimaakhter.com Vila Olímpica da Maré: www.vilaolimpicadamare.org.br Visible Rights Conference: http://www.fas.harvard.edu/~cultagen/programs.htm?visible World Press Photo: www.worldpressphoto.org

290

Vídeos online ALAM, Shahidul. My journey as a witness. [5’42] http://vimeo.com/23988961 Acessado em 3 de setembro de 2012.

Disponível

em

__________. Birth Pangs of a Nation. [23’46] Disponível em http://vimeo.com/38029013 Acessado em 3 de setembro de 2012. BHABHA, Homi. Homi Bhabha: Writing Rights and Responsabilities. [1’25’34] Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=yER4QwiSl14&feature=relmfu Acessado em 3 de setembro de 2012. WPP. Saiful Huq Omi. [6’32] Disponível em: www.worldpressphoto.org/saiful-huq-omi Acessado em 3 de setembro de 2012. PALMER, Brian. Pathshala. [5’14] Disponível em: www.youtube.com/watch?v=eUFjWv0Zlg Acessado em 3 de setembro de 2012. Imagens do Povo. Imagens do Povo. [9’51] Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Rc7LLI0QDBM Acessado em 3 de setembro de 2012. VIDEOLOG. Vila Cruzeiro – Fuga dos traficantes para o morro do Alemão. [4’53] Disponível em: www.videolog.tv/video.php?id=601653 Acessado em 3 de setembro de 2012. VALDEAN, Francisco. Violência no cotidiano da Maré. [9’56] Disponível em: www.youtube.com/watch?v=3fbqqCxxLaE&list=UUMON1ue7nLcftzXlo5Qrzfg&index=10 &feature=plcp Acessado em 3 de setembro de 2012. WASIF, Munem. Delhi Photo Festival. [1’13’26] Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Rlh1Q1Nemgw Acessado em 3 de setembro de 2012. LOCATION ONE. Naeem Mohaiemen & the Visible Collective. [58’51] Disponível em: http://vimeo.com/20846275 Acessado em 3 de setembro de 2012.

291

Anexos

292

1. Alfabeto Bengali Vogais

Consoantes

Algumas conjunções de consoantes

293

2. Números Bengalis

294

3. Folder Imagens do Povo

PROJETOS Agência Escola oferece os equipamentos necessários para a realização do trabalho, como câmeras e acessórios, computadores e acesso à internet, para os fotógrafos colaboradores.

Banco de Imagens

© Fabio Caffé

Acervo digital com imagens de aspectos variados do território brasileiro com enfoque na cobertura de temas sociais e do cotidiano em espaços populares em geral.

Galeria 535

© Francisco Cesar

Localizada na sede do Observatório de Favelas, no conjunto de favelas da Maré, a Galeria é um espaço exclusivo

© Jucemar Alves

programação artística de qualidade e gratuita, em uma região historicamente desfavorecida de equipamentos culturais.

Curso de Formação de Educadores

© AF Rodrigues

Complementar à Escola de Fotógrafos Populares, o curso apresenta aos alunos técnicas de ensino e conteúdo de nível avançado, formando potenciais agentes multiplicadores do ensino da

Escola de Fotógrafos Populares Criada em 2004 pelo fotógrafo João Roberto Ripper, a Escola oferece cursos regulares e de aperfeiçoamento curso regular tem duração de 10 meses e conta com a parceria da Universidade Federal Fluminense.

© Leo Lima

as

materiais alternativos, como latas recicladas ou caixas de fósforo.

Programa apoiado pela Campanha Criança Esperança em 2011, no ano anterior, o Imagens do Povo recebeu o patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro por meio do Edital Mídia Digital e também tornou-se Ponto de Cultura.

Prêmios conquistados Faz Diferença, 2007

Cultura Nota 10, 2004

Jornal O Globo

Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro

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295

4. Ficha de admissão da Pathshala

South Asian Institute

of Photography

------------------

The educational wing of Drik ADMISSION

GOING ON

IN Foundation Course Pathshala-South Asian Institute of Photography opened its doors for the first time in 1998 as an educational wing of Drik Picture Library Ltd. The teaching ethos at Pathshala is to encourage students to question their surroundings, their social practices and themselves. Students benefit from a rigorous regimen of workshops held in conjunction with partner organizations. It has established itself as a regional center for excellence in photography within a short period. It is important for you to know that Pathshala is not affiliated to any local university. But it is registered with the government as a Trust.

A. The Course will cover:

.

• • • •

History of photography & making a pinhole Camera. Camera & Lens function .• Film & Exposure Assignment Evaluation - Composition. Light, • Natural & Flash (Assignment) • A.ssignment Evaluation. Techniques: DOF, Use of Sutter, Night Photography. (A.ssignment) .• Assignment Evaluation Digital photography (theory & practical classes) • Review of above classes .• Styles. Portraiture, Studio & Outdoor. Practical • Wedding photography. Photojournalism. Agency. Film Developing • Photogram e Black& White Printinge Portfolio e Photoshop e Portfolio submits e and Final Evaluating Portfolio.

B. General Information about course: A new course begins in every Two months. Class days : 3 days a week (Every Tuesday,Wednesday and Thursday) Class Time : From 6.00pm - 8.00pm Course Fee : Tk. 6000/= per participant (Six thousand only).

+ Entry

qualification:

minimum

S. s.c. or '0' level or equivalent. about photography. Preference course.

+ Some prior experience/knowledge completed

Basic photography

will be given to them who have

Admission Procedures: The application for admission must be accompanied day you want to complete the registration.

by a passport

size photograph

and course fee on the

Pathshala South Asian Media Academy

16, Sukrabad, Panthapath, Dhaka-1207. Tel: 880-2-9129847 & 9136895. E-mail: [email protected]@gmail.com URL: www.pathshala.net

296

5. Drik Press Release (23 de março de 2010)

DRIK PICTURE LIBRARY LTD Images, Communication & Information Technology 23 March 2010 PRESS RELEASE

Launch of Pathshala, South Asian Media Academy and ‘Crossfire’ exhibition goes on despite police Drik Picture Library launched Pathshala, South Asian Media Academy and inaugurated photography exhibition ‘Crossfire’ by Dr. Shahidul Alam despite the police forcibly closing the gallery down yesterday March 22, 2010. In the light of the lockout, the opening took place in a small impromptu programme held on the road outside Drik. The event was inaugurated by the celebrated Indian writer and human rights activist, Mahasweta Devi. Nurul Kabir, editor of New Age, M Hamid, CEO of RTV and Jorge Villacorta, curator from Peru were present, alongwith many artists and media professionals from abroad, and also, members of the public. From midday onwards, Drik was pressurised by RAB, police and Special Branch officials to close down the show on grounds that it does not have official permission, and later, on the grounds that it will create anarchy. The forcible closure of Drik's premises is a blatant violation of our constitutional rights. Drik has organised hundreds of exhibition, and as is apparent by this closure, the government has invoked a prohibitive clause only because state repression was being exposed. It was police intervention that created disorder, not the other way round. The Media Academy, an extension of Pathshala, South Asian Institute of Photography, regarded to be one of the best photojournalism schools in the world, intends to train other sectors of the media, namely broadcasting, print and multimedia journalism, and to build up a body of honest, courageous, energetic and skilled media professionals. The exhibition, `Crossfire,' curated by renowned Peruvian curator Jorge Villacorta, includes photographs and installations relating to the theme of crossfire and the Rapid Action Battalio n (RAB). In its 20 years of existence, Drik has forged a unique position in the international cultural arena, which has earned Bangladesh a special place in the world of photography. The unfortunate event, which was broadcast worldwide, has tarnished the image of this democratically-elected government. We call upon the government to immediately remove the police encirclement, so that the exhibition can be opened for public viewing, and Bangladesh's image as an independent democratic nation can be reinstated.

Dr Shahidul Alam Managing Director Drik Picture Library

House 58, Road 15A(New), Dhanmondi R.A, Dhaka-1209, Tel: 880-2-8112954, Fax: 9115044, Email: [email protected]

297

6. Folder Majority World

Majority World

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303

7. Breve historia da fotografia em Bangladesh : 1. Emerginf from shadows – Shahidul Alam

Emerging from shadows Shahidul Alam The first Friday of every month, we would clear out the furniture of Bijon Da’s “Boithok Khana” (drawing room), move some of the chairs out to the verandah, and set up a table for the speakers. People would invariably arrive in dribs and drabs, but pretty soon, the rickety chairs would get filled up and the crowd would spill over into the verandah. This was where Manzoor Alam Beg held court. Young photographers with their first black and white prints, would mingle with the likes of Rashid Talukder and Anwar Hossain. The ever young Dr. Ansaruddin Ahmed would hand out his pristine prints. The crowd would wait in expectant silence for the results of the monthly photo contest. The monthly photographic newsletter, then without pictures, would be distributed. Invariably, there would be a speech or two. It was a camera club, trade union and a hangout joint, all rolled into one. Despite the mix, the salon smell hung in the air. Much was made of acceptances in salons. A gold medal, a bronze, or even an honourable mention, was celebrated. Winners were generously applauded. Outside of the salon circuit we knew little of what was going on elsewhere, but if it was a well we were living in, it was a nice well. That monthly meeting meant a lot to all of us. There were few who remained from the old school. The recent split from Pakistan meant that the established studios like Zaidi’s had gone. But the war of liberation changed the Bangladeshi psyche. 1947, while of immense significance to South Asia, meant little to Bangladeshis. History books barely touched upon it. There were few references to it in literature. 1971 on the other hand was a lived experience. Unsurprisingly therefore, apart from the early photographs of Golam Kasem Daddy, dating back to 1918, there are few early photographs from Bangladesh. There followed a romantic period where photographers like Amanul Haque and Naibuddin Ahmed produced stylized landscapes and carefully set up idyllic images of people. Nawazesh Ahmed and later Anwar Hossain, began to adopt a more contemporary feel to their images. Bijon Sarker and Manzoor Alam Beg, combined elements of classical pictorialism with the curiosity of an experimentalist. Sayeda Khanam was the lone woman of that era. Doggedly pursuing an almost entirely male profession. 1971 was a turning point. Rashid Talukder’s nose for a picture and his journalistic instinct, ensured that he was at the right place at the right time throughout Bangladesh’s turbulent history. Having had no formal education in photography, Talukder was freed of the compositional binds that many contemporary image makers were trapped within. The 2 ¼ square had its own aesthetic, but Talukder and other photojournalists used the balanced frame to capture some of the most disturbing images of the 20th century. Talukder’s dismembered head of a slain intellectual, framed by bricks and their sharp shadows, being perhaps one of the most powerful images of the 20th century. Talukder, Mohammad Shafi, Jalaluddin Haider, Aftab Ahmed were amongst the press photographers who documented some of the everyday events of 1971. But Talukder’s picture of the bayoneting of Biharis, had been hidden from public sight until Drik published it in 1993. Kader Siddiqui, the man responsible for the killings, was too powerful a man to antagonize, and until then, no publication had been prepared to take the risk. A similar frame by Michel Laurent, had

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meanwhile won a Pulitzer. Talukder’s dismembered head too, had been passed by the the authors of the Century Book. Others, had recorded 1971 in their own way. Taking great risks as amateurs, preserving a history of our birth pangs, knowing it could signal death. Photographers then started specializing. S S Barua, and Nawab became the bird specialists, to be later followed by Enamul Huque and Shehab Uddin. Consumerism had approached, and photographers in the new nation were turning to fashion. Shamsul Islam Al Maji brought a modern touch to glamour, but Amanul Haque in his classical style also painted a rural Bangladesh, complete with the beautiful farmer’s wife, her red sari provided by the photographer, her gourd plant, planted by him a year ago, so it would be the right height at the right time of the year. Then came the salon era. Mohammad Ali Selim, Kazi Mizanur Rahman, Kashi Nath Nandy, Abdul Malek Babul, Debabrata Chowdhury were all fine photographers, but their arena was the camera club contest. The rule of thirds, the well placed diagonal, the balanced image, was what everyone was making. They entered contests, won prizes, vied for medals and certificates. This was a world in itself. The Bangladesh Photographic Society became the launchpad for the contest winning photographers. The stickers at the back of the prints were often more important than the images themselves. The society newsletter proudly boasted of salon acceptances. Strategies for winning contests were hotly debated at the monthly meetings. Stardom was based on number of medals and not on quality of content. Pretty pictures ruled. While photojournalists had recorded street life and political strife, and a few photographers had addressed poverty, there was no culture of documentary practice. No personal projects. Photography was still seen as an illustration, meant to fit in with a predetermined caption. The movement against General Ershad changed all that. Resistance had been building, and the iconic image of Noor Hossain, with “Let Democracy be Freed” painted on his back, was a turning point. In 1971, the photographs were taken surreptitiously, under fear of death. In the new movement, the photographers were in the fore. They were the witnesses of the people and empowered by people’s will. Ershad clamped down on the media, enforcing censorship. The media responded en-masse, stopping publication in protest, but the photographers continued to work, and when the general fell, and an impromptu exhibition was organized of pictures of the movement, the queue outside Zainul Gallery was nearly a mile long. There were near riots as people stormed the gallery to get a glimpse of their hard earned victory. The struggle for democracy had an obvious impact on the photographic movement. 1989 was a significant year. 150 years after the birth of photography, the region’s first photo library, Drik, was set up. The Bangladesh Photographic Instititute was set up. After sustained lobbying by photographers a bill was passed in parliament for a department of photography to be set up in Shilpakala Academy, the academy of fine and performing arts. That too was in 1989 though it was never implemented. The workshops at the Bangladesh Photographic Institute and at Drik showed there was another way of working and that photography had more to offer than simply producing pretty images or winning awards. Photography was also trying to move away from the shadows of painters who still ruled supreme. The success of a photograph had always depended on how well it resembled a painting. The medium began to find its own identity, and while photography was still not considered art, photographers

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were now not so concerned about the label. So photographers found their own solutions. They did what other artists and media professionals had failed to do. They aggregated, and made up for lack of external support by supporting each other. A revolution was in the making. But there were other pressures too. Most photographers still found it difficult to make a living and the lure of ‘bidesh’ (foreign lands) was too much for many to withstand. Several of the young photographers who were making the transition away from Salon photography, decided to try their luck overseas. Years later, not one of them has been successful in establishing a career in photography. Nasir Ali Mamoon was an exception in some ways. Portraiture had always been his forte. While others drove taxis, worked in petrol stations, or temped in low paid jobs, Nasir took this opportunity to produce portraits of people he admired. Ginsberg, Gunter Grass and many others filled his album. While unsuccessful commercially, he was able to expand his photographic repertoire and eventually, when he decided to leave the others behind and return to his native land, he was able to establish himself as THE portrait photographer of the era. Fine portraits adorned the newspaper he worked for, and while the post was largely ornamental, he was made the first picture editor of a newspaper. There followed a resurgence in the media. With the return of democracy, new newspapers filled the newsstands. There was also another movement taking place. The nation’s first picture library had been set up. While international media had no interest in the democratic struggle in Bangladesh, the cyclone in 1991 that followed was familiar fodder to world media and their appetite was insatiable. There was a difference though. This time the work of local photographers also filled the pages of the New York Times and the Newsweeks of the world. Mostly they were similar images different only in having been taken by locals, but soon the content and the focus also changed. The New York Times published a full page on their Sunday Week in Review on the 1991 cyclone which did not show a single corpse. There were pictures of fishermen rebuilding their boats, farmers replanting seeds, villagers rebuilding their homes. The world began to engage with a new story teller. One with local roots. The first fund raising photo exhibition took place in 1991 and raised over 4000 dollars for cyclone victims. The newly formed agency Drik, began to bring in photographers from all over the globe to conduct workshops. Its regular calendar became a showpiece for Bangladeshi photography. Well printed postcards and posters, complete with credit lines for photography. Photographers learnt to protest when their pictures got stolen. A movement was taking shape. It crystallised with the formation of Pathshala. The South Asian Institute of Photography. The setting up of the school represented a clear move away from Salon photography. Documentary photographic practice complete with the engagement it involved became an emerging trend. Soon a few women joined the ranks, and the photo stories ranged from the usual ‘subjects’ of international photographers like prostitution and floods to the more personal representation of family life, and the search for identity. The students were hungry, and the explosive mix of inspiring teachers and driven students soon created the photographic explosion that was inevitable. Bangladesh emerged in the world of documentary photography as no other nation had. Before 1998, no Bangladeshi photographer had ever won an award at World Press Photo. Shafiqul Alam Kiron’s winning entry on women victims of acid attacks was soon followed by Chobi Mela, the first festival

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of photography in the region. The heady mix of great photographers walking down the streets of Dhaka. Showcasing work on the same gallery walls with the best of the best, would have to be inspirational. Meanwhile the school continued shaping their craft, pushing them to their limits. Some made it to Masterclass, others were star students of the seminar programmes. Time Magazine, Newsweek, The Guardian, Le Monde, and other leading publications across the globe suddenly woke up to this great wealth of photography in Bangaldesh. Then things got stuck. Success is a hard act to live with, and the rapid recognition of the star photographers created a flock of clones who followed. Some found their own identity, but many were just following. Again it was Chobi Mela to the rescue. The identity of the festival itself was changing. Drik’s success had given it the overall stamp of documentary practice, but slowly other photographic genre was creeping in. Fine art, conceptual work, the odd installation, began to work its way into the gallery spaces. The level of intellectual engagement drew many others besides photographers. Practitioners from Africa, Latin America and Australia joined the Europeans and North Americans, and of course Asians who regularly joined the festival. Speakers like Noam Chomsky had conversations with regional legends like Mahashweta Devi. This was all the spark that was needed. A resurgent Pathshala, started producing more provocative work, and broached new territory. It was a movement in the making and the rules were being made as one went along. The exhibition tries to map this journey, through the images that formed the milestones of this movement. There are significant departures from the mapping we had attempted to follow. The irrelevance of 1947, and the huge presence of 1971, has played a role that is to be expected. Other less expected characteristics have been the absence of the physical representation of habitats, artefacts, and mementos that are often a part of vernacular photography. Until recently, even family photographs, weddings and the many other everyday things that always been the visual basis for understanding cultures has largely not been preserved. Waqar Khan, has made an important contribution by collecting old photographs, mostly from aristocratic homes, which documents some aspects of this history. But the warm humid climes of this delta, has led to the erosion of much of our physical heritage. The shifting of the rivers has led to an uprootment of many who no can no longer relate to a homestead they can call their own. This transience and the nomadic existence that follows has perhaps led to the loss of a need to preserve. Very few archives exist. Not only in visual terms, but in music and film and many other art forms. This absence, in a way, documents a mode of thought and a way of life, that perhaps tells more about Bangladesh than the missing photographs might have done. Not every artist is featured, but every influence is present through what they, or others who were inspired by them, produced. The early work of Golam Kasem and the establishment of the Camera Recreation Club had a distinct influence. Manzoor Alam Beg’s steadfast role as a mentor and an organizer, held the community together for many years. The Ahmed brothers brought out the first book on photography, and Nawazesh Ahmed, an agronomist with a PhD, brought respectability to the medium and at least for him, an acceptance within academia. Anwar Hossain was the enfante terrible who brought immediate attention through his arresting images, his controversial statements, and his maverick lifestyle. Sadly he too lost the edge that was his hallmark and has largely retired into oblivion. Hasan Saifuddin Chandan and the string of fine photographers who produced evocative images in the early

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nineties, also lost their way, though the Map Agency, set up by Chandan and a few other talented photographers continues and has made a valuable contribution. Sayeda Farhana, Sanjida Shaheed and a few other photographers, mostly women, began to explore the edges of contemporary photography, using their training as social scientists, fine artists, and in other areas of learning to inject into photography, a tertiary value which the more straight laced, mainstream photographers had failed to achieve. But the moment still belongs to the young crop of photojournalists who have recently emerged from Pathshala. Abir Abdullah, GMB Akash, Saiful Huq Omi, Munem Wasif, Khaled Hasan and other emerging photographers, all photojournalists of exceptional talent, made the world sit up. The wealth of exceptional photography emerging from this small nation has taken the photojournalism world by storm. There are those who feel there is a sameness in their approach that they would like to question and Shumon Ahmed and Momena Jalil are amongst the photographers who have ventured outside the tried and tested path to find other modes of expression. But this incomparable strength in photojournalism cannot be denied. Many of these former students are now the new mentors. The traditional forms of apprenticeship might have been lost over the years, but a more classic form of pedagogy has led to a learning environment that will surely take the world by storm.

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2. Hassan Bipul

Photography in Bangladesh The practice of taking pictures started almost at the same time as it started in the Europe. The first cameras were brought here in the Indian subcontinent by the British officials who were posted in the region. The photographs taken in the Indian sub continent in the 19th century were mainly portraits, landscapes, cultural records and about architecture. In the Bengal, especially the rich locals bought cameras for family portraits. Most of the cameras were from England. In the British Bengal (now known as Bangladesh) it was Golam Kasem*1 who introduced the team spirit in taking pictures. Kasem's photographs are dated as back as 1918. He used glass negatives which was the popular media at that time. Kasem founded the Camera Recreation Club at the Indira Road in Dhaka, which is the oldest photographic organization in Bangladesh. Painter Qumrul Hasan, poet Sufia Kamal and photographer Manjur Alam Beg were frequent visitors to the club. 1971 In the liberation war the photographers actively participated in the war. Rashid Talukdar, Muhammad Alam, Hamid Rayhan, Anwar Hossain, Rafiqul Islam are among them. Beg, Manjur Alam Bangladesh Photographic Society was founded in 1976 by Manjur Alam Beg. Later he founded the first photography school of the country named BegArt Institute of Photography. Beg was awarded ESFIAP (Excellence in Service for FIAP) the highest distinction rendered by the International Federation of Photographic Art, FIAP. Agencies The first photographic agency of the country Drik Picture Library was established in 1989 by photographer Shahidul Alam and anthropologist Rahnuma Ahmed. Drik is a Sanskrit word meaning vision. In 1993 another agency was founded named Makin Agency of Photography founded by photographer Hasan Saifuddin Chandan. Later in 1995 it became the first agency owned by its member photographers and took the name MAP Photo Agency as Shafikul Alam Kiran, Mahmud and Obaidul Fattah Tanvir joined the agency. In 2005 the first online news and photo agency "Bangladesh News 24 Hours Limited" was founded. The agency is popularly known by its web url bdnews24.com. Pathshala The first institute in photography for undergraduate studies "Pathshala: South Asian Institute of Photography" was founded by Drik in 1998. The Multimedia department was added to the school and in 2010 it took the new name "Pathshala: South Asian Media Academy"

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Chobi Mela In 2000 Chobi Mela (Bangla: Chobi means picture, Mela means festival) started as the first festival of photography in Asia. Achievements Photography is the sector which brought the highest number of awards to Bangladesh. Till 2010 Bangladeshi Photographers won more than hundred first prizes and several hundred other awards. Anwar Hossain, Shahidul Alam, Rashid-un-Nabi (Nick name Shuvro) and GMB Akash are the top photographers in winning international awards. Anwar Hossain (Born 1948 - ) is the winner of 9 UNESCO awards, 9 Commonwealth Awards, 6 UN/FIAP awards. Shahidul Alam was the first Asian recipient of the prestigious Mother Jones Award for Documentary Photography. His other awards include the Andrea Frank Foundation Award and the Howard Chapnick Award. He has also been awarded the Honorary Fellowship of the Royal Photographic Society. Rashid-un-Nabi has more than hundred prizes to his credit. GMB Akash has 34 international awards to his credit. Judging in Contests Anwar Hossain was the solo judge in the Commonwealth Photo Contest in Cyprus in 1980. He was in the jury board member in the French National Photo Contest in 1997 and 1999. Shahidul Alam was the jury member of World Press Photo on four occasions. He was the first colored person to chair the international jury in World Press Photo history. He is on the advisory board for the W. Eugene Smith Memorial Fund. GMB Akash has been judging in contests since 2007. He was the judge in the Friends of the Earth Photo Competition in three years in a row. In 2009 he was one of the judges in Worldwide Photography Gala Award and UN World Food Program Photo Contest in 2010. Publication Among the Bangladeshis the first book on learning photography was "Adhunik Photography" (Adhunik means Modern) by Manjur Alam Beg. It was published in 1974 from Kolkata, India. Anwar Hossain has 8 books to his credit. They are The Bangladesh Image (1980), A Journey Through Bangladesh (1988), Women (1991), Dhaka Portrait (1991), A Voyage Through Bangladesh (2000), A Ballad of Bangladesh (2004), Banglar Prem (2010) and Sonar Bangla (2010) Mahmud has 9 books to his credit Syed Zakir Hossain has published two books, Sonargaon: Our Glorious Past (2001) and Mosque Architecture of Bangladesh (2007) Hasan Saifuddin Chandans People at Kamlapur Railway Station, K M Amir Hossains' Rain 310

and River, and Obaidul Fattah Tanvir's Postcards from Bangladesh, GMB Akash's First Light are among the important photographic books published. As a regular daily newspaper publication The Daily Jaijaidin introduced a feature page based on photography in 2006. The section was titled Camera & Photography and it was a weekly feature publication. The topics this page covered included technical discussion, photo features, news, and aesthetics in photography.

*1

Golam Kasem, Nick Name "Daddy". Born 5 Nov 1894 Assam, India - Died 9 Jan 1998, Dhaka Bangladesh

Hassan Bipul Photographer www.hassanbipul.com

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8. Texto de João Roberto Ripper e Flávio Pachalski

PROGRAMA 5

A RELAÇÃO DA MÍDIA COM OS DIREITOS HUMANOS Direito humano à informação e à comunicação... Da liberdade de expressão à construção de novos poderes de comunicação João Roberto Ripper1 Flávio Pachalski2

Notas para debate sobre comunicação e direitos humanos nos tempos da sociedade de informação

1. “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los”. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. (Norberto Bobbio, na coletânea “A Era dos Direitos”, Ed. Campus).

Com simplicidade, apoiado em sua enorme produção intelectual, um dos mais influentes filósofos do Direito moderno demarca com precisão um ponto crucial para abordagem de nosso tema. Ele prossegue:

“(...) na maioria das situações em que está em causa um direito do homem, ocorre que dois direitos igualmente se enfrentem, e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante. Basta pensar, para ficar num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro (grifos nossos). Nestes casos, que são a maioria, deve-se falar em direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental, mas concorrente” (In: Bobbio, Norberto. Texto “Presente e Futuro dos Direitos do Homem”, coletânea citada).

Vivemos numa sociedade globalizada, interdependente, bombardeada 24 horas com uma carga nunca vista de informação, de imagens, de dados. “Plataformas” informacionais estão

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nas onipresentes TVs, nos celulares em todos os ouvidos, na internet em milhões de sites e chats. Vivemos cercados por imagens on line de tudo e mais um pouco.

Uma sociedade complexa, desigual e heterogênea, com uma grande indústria globalizada com potencialidades incomparáveis, mas que ameaça a sobrevivência do planeta. Assim como a sociedade, são os meios de comunicação, que nela se espelham.

Vivemos num mundo cujas tecnologias de informação passaram a ter enorme impacto na formação das opiniões e nas relações sociais entre seres humanos, na construção dos imaginários sociais e individuais.

As chamadas tecnologias de informação (TIC) criam potencialidades enormes para a interação entre indivíduos e conformam imensos espaços inter-relacionais de formação e difusão de idéias, de imagens, por todas as coletividades, com recursos extremamente ágeis, dinâmicos e popularizados. Mas, assim como os resultados econômicos da imensa capacidade produtiva do mundo não se distribuem igualitariamente entre todos os cidadãos, comunidades e países, a produção e a distribuição industrial globalizada de informação e bens culturais não são capazes, por elas mesmas, de assegurar equanimidade e similaridade dos seus benefícios para todos.

Na realidade, amplas maiorias ainda estão, ou são colocadas, na condição de espectadores, de meros receptores e consumidores da produção e divulgação das imagens, das falas e atitudes desenvolvidas por alguns poucos e multiplicadas pela força da economia sob controle de outros poucos, senhores quase feudais dos meios de comunicação, assim como dos meios econômicos.

Direito à informação, à liberdade de expressão, direitos que permitem e até garantem outros direitos, são bens sociais de alta relevância para os seres humanos, mas distribuem-se de modo muito desigual nas sociedades.

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2. A realidade: distintos direitos e poderes de informação e comunicação

Bobbio nos chama a atenção para as diferenças e incompatibilidades nos direitos humanos, exemplificando exatamente com o direito de livre expressão versus direito a não ser enganado, injuriado, vilipendiado ou enganado...

E, disse também, que não é na formulação, nem nos fundamentos teóricos e filosóficos, que se estampam as diferenças entre visões progressistas e reacionárias na sociedade sobre os direitos humanos.

É na realidade da sua aplicação, na concretização dos direitos sociais, entre eles o de comunicação e de acesso à informação, que são percebidos e se enfrentam as diferenças de opinião e seus efeitos sociais.

Portanto, não se trata de reafirmar fundamentos teóricos e filosóficos dos direitos à comunicação como direito humano. Trata-se de buscar, social e politicamente, os caminhos de concretização destes direitos, de proteção a sua exeqüibilidade (Bobbio) em sociedade, para todos e qualquer um.

No Brasil, nossa sociedade entende e aceita, com muita facilidade, as conseqüências do exercício da liberdade e do direito de expressão e comunicação das empresas de comunicação, em sua imensa capacidade de impressionar e influenciar a sociedade.

Mas, quando se trata do exercício da liberdade e do direito de comunicação por parte de setores populares, pobres, “debaixo” na escala social, a coisa complica. Pior ainda, quando verificamos a realidade do acesso público a informações. Grupos políticos e econômicos desencadeiam verdadeiras corridas do ouro pela apropriação privada de informações sociais em detrimento do interesse público e dos direitos das coletividades.

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Quando a classe média vê moradores de áreas pobres e favelas como “potencialmente criminosos”, grande parte de sua opinião está formada com olhos e vozes assentados nos jornais, rádios e TVs. No outro lado, também nas áreas pobres, por meio de tais veículos de comunicação, sobretudo a TV, são formados olhares e valores de autoconsideração. Daí a grande responsabilidade da produção industrial de comunicação, cuja atração para o noticiário “espetáculo” tende a repetir chavões, a banalizar situações, a expor um olhar único redutor das comunidades e seus problemas a uma pauta pré-programada de idéias de fácil digestão no horário nobre das atenções.

A morte de uma menina na Rocinha, o massacre no Complexo do Alemão em represália à morte de policial, as imagens de policiais rindo enquanto carregam corpos de traficantes de baixo escalão não são apenas banalização da morte no segmento pobre da sociedade, também empobrecem nossa cultura social. Desrespeitam não apenas os direitos humanos das vítimas expostas, desqualificam toda a sociedade.

As desigualdades de acesso a terrenos e créditos de construção e a ausência de políticas sociais democráticas e igualitárias de urbanização não são pautas “populares”, não atraem nem recebem atenção. A violência nas ruas, sim. Vende jornal, chama a atenção para o noticiário de TV, enquanto estigmatiza e divide as comunidades em cacos bons e ruins.

3. Juntando os cacos de comunidades partidas

Quando o Observatório de Favelas, por meio do projeto Imagens do Povo, forma fotógrafos populares, desenvolvendo uma grade escolar que é a maior e a mais aprofundada em fotografia humanitária em todo o Brasil, e seus jovens fotógrafos documentam realidades nas favelas, a partir de pontes de intercâmbio concreto com os moradores, estão humanizando não apenas a vida social daquelas comunidades como também as suas próprias. Não apenas constroem novos valores sociais com o seu novo olhar sobre aquela realidade, ou elevam a auto-estima das comunidades (...), também dão formato e concretude ao direito humano de procurar verdades, de documentar realidades a partir da experiência e do olhar dos seus protagonistas, vencendo as fronteiras entre produtores e consumidores de infocomunicação.

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Tal experiência social amplia a cultura social não só dos que passaram pela escola popular de fotógrafos e sua comunidade, mas alarga a cultura de toda a sociedade, expondo a riqueza do exercício dos direitos humanos.

Assim, também, as atividades do escritório-projeto públicointeresse, recebendo mandato de contingente de trabalhadores para desenvolver jornalismo investigativo em busca da informação estratégica que lhes permita enfrentar uma disputa de interesses sociais e econômicos com um grande grupo empresarial; ou mandato de familiares para ajudar a desvendar e a punir crimes contra a vida de jovens de famílias pobres, não se limitam a mostrar a importância estratégica do direito humano a procurar a informação que possa fazer diferença.

Buscando outros olhares, outros fazeres em termos de infocomunicação, indo atrás de outras verdades, compartilhando informação e experiência com outros seres humanos, tratam da essência do direito humano à comunicação.

E, enfrentam divergências de opiniões e avaliações por parte de outros seres humanos, pois, como escreveu Bobbio:

“(...) dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um (direito) termina e o outro (direito) começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas”.

Assim, também, tem estado em jogo uma disputa de opiniões quando comunidades pobres começam a produzir a própria comunicação, procurando informar-se do que querem, do que precisam, do que é fundamental para a melhoria de suas vidas. E passam a informar os demais com jornais próprios, rádios comunitárias, fotografia comunitária, sites específicos. Conformam alternativas que vão além do discurso da liberdade de expressão. Buscam construir poder próprio de comunicação, vencendo muitas vezes as divisões, juntando os

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cacos de cidades e dos meios de comunicação social. Fazem comunicação que concretiza a igualdade de direitos, fotografando e relatando como iguais entre iguais.

Com isto, juntam as partes, os cacos, de um vaso social que é mais bonito quando inteiro.

4. Buscar as saídas do discurso

“Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras.” - Artigo 19 - Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948.

Assim como o direito ao trabalho nasceu com a indústria moderna e a revolução nos modos de produção anteriores, não podemos debater o direito à comunicação, no século XXI, sem colocá-lo no contexto da revolução digital, da sociedade da informação, da evolução vertiginosa das tecnologias de informação.

Não podemos deixar de confrontar tais avanços tecnológicos com a realidade atrasada da distribuição das riquezas, do exercício feudal dos poderes políticos, da distribuição de meios de comunicação públicos como sesmarias a nobres e aventureiros. Não podemos deixar de considerar que os “negócios de informação” conformam mais do que um poder de influenciar a sociedade, apropriam-se de bens e conhecimentos coletivos para fins privados, nem sempre com qualquer sentido de interesse público.

Por isso tudo, não dá para contentar-se com enunciados politicamente corretos; é preciso abordar a realidade do direito à comunicação, em nosso tempo, não apenas como exercício de liberdade, mas, sobretudo como uma disputa de poderes.

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Poder se constrói a partir da consolidação da liberdade e do reconhecimento dos direitos, mas também a partir da movimentação social, da conquista organizada de novos espaços e métodos, da atração de novas alianças, da formação de novos protagonistas e novos contingentes de pessoas dispostas a mudar a realidade, começando com as suas próprias.

As formas de informação e comunicação popular são expressões de um processo de conformação de novos poderes. O uso da internet, a disseminação da fotografia digital, as possibilidades de produção e distribuição de imagens/dados, denúncias sociais, por meios digitais, a grandes grupos de outras comunidades mostram caminhos potenciais.

5. O direito à comunicação e à informação

O direito à comunicação e à informação como liberdade e direito fundamental do homem foi formatado em 1948, pelo texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 19, acima citado.

Tal formato foi um começo. Precisamos pensar na atualização dos modos de produção da informação e comunicação de interesse público e social, com respeito integral ao homem e suas comunidades, em direito à própria imagem, em protagonismo de cidadãos, em qualificação de todas as vozes e de respeito a todas as imagens. Pensar infocomunicação como ferramenta de solidariedade, de preservação cultural, de conquista de igualdade, de balanceamento simétrico das sociedades.

Devemos pensar como proteger, como disse Bobbio, a comunicação dos segmentos “pobres”, “fracos”, “feios” e “não-oficiais” da sociedade. Disputando meios e espaços com a excessiva exposição do lado “rico”, “forte”, “bonito” e “oficial”. Precisamos considerar que, muitas vezes, se trata de enfrentar forças sociais opostas.

Pois, direitos fundamentais à liberdade e à integridade física significaram o banimento da liberdade de escravização de seres humanos e enfrentaram a

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resistência não só dos donos de escravos mas dos que lucravam com a produção baseada na mão-de-obra escrava.

Cabe à sociedade, que vive a revolução das comunicações, estabelecer garantias dos direitos humanos e de salvaguardas que cerceiem os novos senhores feudais dos espaços midiáticos. Ou dos lucros com os “enganos, excitação, escândalos, injúrias, difamações, vilipêndios” de seres humanos ou de valores sociais. Cabe reconhecer que a situação atual da comunicação social não é de cândida igualdade, mas uma dura realidade, em que uns poucos contam com recursos milionários para propaganda televisiva de suas idéias, enquanto outros só podem dispor de carta à seção de leitores, divulgada – quando divulgada – de modo resumido, em letras pequenas, no pé de uma página, por “motivos editoriais”.

Estamos no século XXI, desafiados a construir parâmetros socialmente aceitáveis para que a infocomunicação social e a produção de cultura e conhecimentos coletivos se faça atendendo a interesses coletivos, que respeite bens imateriais coletivos e abandone formas arcaicas de produção baseadas na desapropriação infocomunicacional e cultural de outros. Precisamos buscar regras e formas socialmente aceitáveis para:



que informação e comunicação sejam, antes de mais nada, riquezas sociais para atender a necessidades de interesse coletivo;



que produtos de infocomunicação desenvolvidos a partir de riquezas sociais e coletivas não sejam apropriados exclusivamente;



que comunidades e indivíduos tenham controle e possibilidades de utilização de suas imagens-vozes-idéias, servindo a seus interesses coletivos e interagindo com outras comunidades, sem mediadores, sem perdas de direitos coletivos.

Para finalizar, novamente, um pouco do pensamento de Bobbio:

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“A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos direitos humanos depois da Segunda Guerra Mundial, aconselharia este salutar exercício: ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si. Será obrigado a reconhecer, que apesar das antecipações iluminadas dos filósofos, das corajosas formulações dos juristas, dos esforços dos políticos de boa vontade, o caminho a percorrer é ainda longo.”

Notas: Fotógrafo do Grupo Imagens Humanas. 2

Jornalista – coordenador do site público interesse.

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9. Saiful Huq Omi - Give Us Another Decade! -A Tribute to My Teacher Give Us Another Decade! -A Tribute to My Teacher -Saiful Huq Omi

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31/08/12 13:26

Fabiene Gama

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Give Us Another Decade! -A Tribute to My Teacher -Saiful Huq Omi por Saiful Huq Omi, Terça, 26 de Abril de 2011 às 07:21 · Notas de Saiful Notas sobre Saiful Procurar notas Notas de amigos Notas de páginas Minhas notas Meus rascunhos Notas sobre mim Ir para nota de amigo ou página Marcados

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“ How do you guys manage to do it?” It was not just a question to one of the panelist in the book-launching program of the Joop Swart Masterlcass; anyone in the audience knew the captivating anchor was really surprised. How from a country like Bangladesh, an institute, which is less than a decade old, manages to produce four Joop Swart Masterclass winners! I laughed! She was surprised, maybe a large part of the audience was also, but I wasn’t. “ Wait, for the next one to emerge, wait to see, how many more come and sit on the chair that I am sitting on in the coming years and wait to see the band of armies that is marching on to the West! We have just begun!” It was a nervous morning of 2005; I was given a call from Pathshala. I was called for an interview.

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I prepared my portfolio with the best images that I have taken till then. And I was praying that Pathshala would consider me as some good enough for the school. And while giving the interview my knees where shaking in fears that I would be told to come back next year with a stronger portfolio. I was lucky; they thought I could get in. And life changed and it changed forever.

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Though I never knew just spending a year in the Pathshala compound would change me, change my entire perspective about life and the meaning of it. The classes began. And a new world started to reveal in my eyes. Photographers, real great photographers were coming to our school, there were workshops taken by them and there was Chobi Mela. Images captivated me, I knew I have found a language which is far more powerful than any other language that world has ever known, I was one of them who started speaking the only international language of mankind- photography.

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We hardly get the opportunity to see him anywhere other than in the class, he was always busy- the busy bearded guy never had much time for ‘adda’ and always had time for something ‘serious’. I hated that, never to realize if he weren’t busy we would not have been someone who we are today and would become tomorrow. He walked for us, he ran for us, he crawled for us, he traveled a million miles for us, and he has scarified so much just that we have a better future. Me, an arrogant young soul was never wise enough to understand all these. My father tells us the stories of his father. My grandfather was a school teacher, a headmaster, a man who was never rich enough to manage his large family of nine children well, but he was a true ‘head sir’ of a village school, nothing made him happier than the good results of his students. When someone would come to house and do the ‘salam’ and mentioned the success of his life, my grand father was happy. The poor head master forgot every failure of his life and looked at my father, his most favorite child of nine, and said “ I taught him in the classes, he is my student”. At that moment the proud poor headmaster was the happiest man on earth.

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The Beauty Inside We managed to have a decent life though we were never rich, but my father managed to feed us well and managed to send us to good schools. But he was never rich enough to buy my mother anything lavish in the early years of his life. He could have, he was a brilliant student, one of the best of his time, much well paid jobs were waiting for him, but he refused those and decided to become someone like his father. He became a teacher of Dhaka University. And Like my grandfather, whenever any of his successful students would come to our home he would call all of us, his four children to the living room. He would be so proud introducing his student to us- his eyes would glitter, he would stand with his chest as big as the sky, and at that moment no failure of his life would touch him. He is then the proudest man on earth.

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Lets now talk about the bearded man. I went to him almost in the middle of the night, to tell him about my success of the National Geographic prize that I have just won. It was 2006, just right after I got my diploma degree from Pathshala. He already knew about it, he stood up from his chair and hugged me. And I then looked into his eyes, and I saw it. The same look, that I saw in my father’s eyes, the same look that my father saw in his father’s eyes, the proudest eyes of a true teacher, a great teacher and a wonderful human being. I came out of his office, with tears in my eyes, tears of happiness, I was happy, not because of the award anymore, but because of being successful of making a true teacher proud. I thought of my father, I thought of the bearded man-Shahidul. Not always do I agree with him, not always do I think he is on the right side of history, not always do I think he is the man who is politically correct, neither can I give him the credit that he managed to understand me in the proper way always. And it will be difficult to forgive him for hurting me badly in times, but always I know, he is a true teacher, a great organizer and one of the finest human being I will ever come across. Not everyone is Shahidul, I know. There is only one. Shahidul, give us one more decade, I promise, we would take Pathshala walk a million more miles, we, your students, would continue our struggle to become a better human being, we would make sure Pathshala become the best photographic school in the world, your

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Give Us Another Decade! -A Tribute to My Teacher -Saiful Huq Omi

31/08/12 13:26

students, your band of army will march on to the west, to the east and to the south and to the north and we would occupy and will raise the flag of Bangladesh. Give us one more decade, on this very day of our school’s 12th birth day, I ask for nothing else, just give us another decade. And be with us, like our shadows. We will make you proud Shahidul Alam.

Curtir · Comentar · Compartilhar 6 pessoas curtiram isto. Artika Farmita It reminds me one of my "life teacher". I think I'm disappointing him now... :( but I promise I'll make a hit and make him proud... :) 26 de Abril de 2011 às 07:32 · Curtir Pavel Shahriar Can't be proud enough ! We are all waiting for that one decade and see our country's flag raising all over the world ! Awesome write up bhaiya. Bravo ! 26 de Abril de 2011 às 08:09 · Curtir Ronny Sen Omi bhai, I wish we had experienced something like this, in this part of Bangladesh. I feel so happy for all the aspiring photographers in Bangladesh, and at the same time I feel sad that we don't have such a great institution and such grea...Ver mais 26 de Abril de 2011 às 08:17 · Curtir · 1 Escreva um comentário...

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10. Saiful Huq Omi – My own war My Own War

03/09/12 13:50

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Fabiene Gama

My Own War

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por Saiful Huq Omi, segunda, 10 de Janeiro de 2011 às 12:23 · Notas de Saiful Notas sobre Saiful Procurar notas Notas de amigos Notas de páginas Minhas notas Meus rascunhos Notas sobre mim Ir para nota de amigo ou página Obter notas via RSS

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Right after I started writing my piece "My Own War", found this in Shahidul News. Thanks to Shahidul for sharing this. http://www.shahidulnews.com/2011/01/the-killer-of-myfather/​ A small paragraph from my piece-

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"I grew up with the stories of war, the war that happened and ended much before I was even born. And the war ended forty years ago, in 1971 between Bangladesh and Pakistan. But as half of my family was killed, and large part became refugee, I grew up with a family that was torn apart by the war. I remember my childhood; I remember how my mother used to cry for her sister, who was my father’s first wife and mother of my two older sisters. Every day I see how the family members carry the pain of losing father, brother, uncles and for so many others killed in the war by the Pakistanis. My father wasn’t allowed to show his weakness, as he had to be the ‘man’. But I could so feel the emptiness in his eyes; he lost his beloved wife in the brutal war."

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11. Reportagem sobre assassinato de Felipe dos Santos Correa de Lima :: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

21/08/12 22:15

27.04.2009

UMA REPORTAGEM DO OUTRO LADO DO FRONT Por Gizele Martins, Renata Souza e Douglas Baptista (*). Fotos: Naldinho

Ok

Web

F. Media

Lourenço/Agência Imagens do Povo.

Para que não prevaleça apenas a versão da polícia, em tiroteios como o de ontem (14/04), que resultaram na morte de Felipe do Santos Correia de Lima, de 17 anos, no Complexo da Maré, e em protestos de moradores contra a violência policial, o blog publica um relato de Gizele Martins, moradora da favela e estudante de jornalismo da PUC-Rio. A reportagem de Gizele foi enviada para o email do blog pela ONG Justiça Global. Fala Gizele: "Por volta das 11h de hoje (14 de abril), Felipe dos Santos Correia de Lima, de 17 anos, morador da Baixa do Sapateiro, Complexo da Maré, foi executado com um tiro na cabeça dado pela Polícia Civil*, na Rua 17 de Fevereiro, rua em que morava. Segundo testemunhas, eram cinco policiais que chegaram na mais famosa Blazer branca, carro já temido por todos da área. Este carro percorre já há algum tempo, as ruas da favela.

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Gilmara Francisco dos Santos, mãe de Felipe, ainda muito abalada pelo ocorrido, e em lágrimas, conta como levaram seu filho para o hospital: “Isso é uma injustiça. Ele tinha acabado de acordar e saiu para a rua. Os policiais chegaram e atiraram nele. Na hora não deixaram os moradores socorrer o menino, todo mundo queria socorrer, e eles não deixaram. Colocaram dentro do carro e foram embora, a tia dele conseguiu ir no carro. Quando ele chegou no Hospital Geral de Bonsucesso, ainda estava vivo, mas a polícia não deixou os médicos o atenderem, ele ficou lá gemendo e não deixaram ele ser atendido”. Felipe era estudante e trabalhava em uma lanchonete próxima a sua casa. Natália de Brito, também moradora do local, fala de sua revolta. “Eu estava na rua, indo para o trabalho, não teve tiroteio como estão afirmando, isso não é verdade. Isso é uma injustiça, eu sou contra essa política de segurança, o que existe é extermínio, a polícia vem e mata, é isso o que acontece. Isso é a banda podre da polícia, são todos corruptos. E nós, moradores, queremos deixar bem claro que Felipe era trabalhador, vendia cachorro-quente, era estudante, todos gostavam dele, a prova disso é que todos os moradores foram em cima, todo mundo foi para a rua”. Ainda não foi confirmado o horário e o local do enterro de Felipe. Moradores querem se organizar e protestar também no enterro." Segundo a reportagem publicada no Globo de hoje, a PM afirmou que o rapaz era traficante e morreu em confronto numa operação policial ......................................................... POR

UMA CPI NA MÍDIA A CAIXA-PRETA DAS CAIXASPRETAS

feita por agentes do Serviço Reservado da PM (P-2). Segundo o comandante do do 22º BPM (o batalhão da Maré), tenente-coronel Rogério Seixas, os policiais militares foram cumprir mandados de prisão na favela. Achei estranho esse fato porque só policiais civis podem cumprir esse papel de polícia judiciária. Infelizmente não é sempre que se pode acreditar na versão da polícia,

http://www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm

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:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

21/08/12 22:15

Infelizmente não é sempre que se pode acreditar na versão da polícia, de que alguém morto em tiroteio era traficante ou criminoso. Está mais do que comprovado que há casos em que maus policiais simulam confrontos e colocam a arma na mão de inocentes. Por outro lado, há também muitos jovens que participam do tráfico de drogas como simpatizantes e nunca tiveram sequer passagem pela polícia. O mais importante é não se engolir imediatamente nenhuma versão e sempre se evitar os julgamentos precipitados. * Post Scriptum: A moradora se equivocou ao atribuir o crime à Polícia Civil, já que a PM admitiu ter feito a operação. A confusão foi motivada pelo fato de os policiais militares terem se apresentado à paisana por serem agentes da P-2. Fotos comprovam que PM reprimiu manifestantes na Maré

Um PM do 22º Batalhão intimida manifestantes: ação beneficiada pela ausência da imprensa. Foto: Naldinho Lourenço/Agência Imagens do Povo

Cerca de 300 pessoas acompanharam, nesta tarde, o sepultamento de Felipe Correia de Lima, de 17 anos, no Cemitério do Caju. O jovem, segundo moradores, foi executado ontem (14/4) por policiais com um tiro de fuzil na cabeça em frente sua casa na favela Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré. Durante o enterro, familiares e amigos da vítima gritaram por justiça e, após o sepultamento, fizeram passeata na Avenida Brasil.

http://www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm

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:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

21/08/12 22:15

Jovens choram a morte de Felipe, assassinado em operação da PM na Favela da Maré. Foto: Naldinho Lourenço/Agência Imagens do Povo.

Para Mayck Félix, amigo de Felipe, o que a polícia fez foi uma injustiça. “Eu conhecia ele, estudava em Bonsucesso, lá no Pedro Lessa, ele tinha acabado de pedir transferência para Escola Estadual Bahia. Lembro que domingo ele estava muito feliz, falando que tinha voltado para a namorada, que tinha arrumado um novo emprego. E aconteceu isso, foi a maior tristeza para nós, era um moleque tranqüilo, e isso que fizeram com ele, foi a maior covardia”, fala. O presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro Charles Gonçalves, quis deixar claro que Felipe era apenas um estudante. “Imagina a dor dessa mãe com a perda de seu filho. O menino teve sua carreira parada, era um adolescente cheio de sonhos, estudava, trabalhava, mas que teve a vida interrompida. Ele foi brutalmente executado por uma polícia despreparada. Agora é tentar fazer possível para solucionar esses problemas, temos que ver meios para que isso chegue até o governador, vê se dá um basta para não haver mais inocentes mortos como Felipe”, diz Charles.

Caminhada pacífica pela Avenida Brasil acabou em tumulto e truculência de policiais no Complexo da Maré. Foto: Naldinho Lourenço/Agência Imagens do Povo.

Depois do enterro, um grupo de moradores, na sua maioria jovem, decidiu protestar de forma pacífica na Avenida Brasil, sentido lha do Governador, o que não terminou nada bem, já na entrada da Rua 17 de Fevereiro, local em que Felipe foi executado, e onde se findaria a manifestação, policiais apareceram e começaram a gritar para que todos corressem. Todos correram, mas ao mesmo tempo foram atingidos por spray de pimenta e bombas. Alguns moradores caíram, outros passaram mal, e outros foram reprimidos pela polícia, e soltos logo depois.

Cerca de 300 pessoas foram às ruas em protesto por mais uma morte no http://www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm

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:: Fazendo Media: a média que a mídia faz ::

21/08/12 22:15

Complexo da Maré. Foto: Naldinho Lourenço/Agência Imagens do Povo.

São inúmeras pessoas que morrem todos os dias nas favelas do Rio de Janeiro por causa da injusta segurança pública que existe. Algo que não dá mais para suportar. Moradores durante o sepultamento e a caminhada gritavam, clamavam por justiça, direitos humanos, direitos que deveriam ser oferecidos a todos, sem separação de cor, raça e classe social. Até quando este povo terá que enterrar seus parentes, pessoas inocentes, que querem e queriam apenas ter o seu direito de viver.

Manifestantes após o enterro de jovem morto por policiais militares. Foto: Naldinho Lourenço/ Agência Imagens do Povo.

(*) Gizele Martins, Renata Souza e Douglas Baptista são integrantes da Renajorp (Rede Nacional de Jornalistas Populares). Reportagens enviadas para o blog Repórter de Crime no site de O Globo, publicadas nos dias 14 e 17 de abril.

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joão esses merda matarão um inocente. garoto ele era estudadente e trabalhador 30 de março de 2012, 23:03:13 GMT+02:00 – Gostei – Reply joão Aprovado por waleska Meeu Primo Eraa Inocentee Seeus Merdaa 9 de janeiro de 2012, 19:59:17 GMT+01:00 – Gostei – Reply http://www.fazendomedia.com/2009/diaadia0427.htm

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12. Visible Rights Conferences

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WHEN

AT

PREVIEW E XHIBITIONS

December 14th and 15th, 2007 CGIS Building South, Room S010 1730 Cambridge St Cambridge, MA 02138 Boylston Hall, Wang Auditorium. December 2007 Barker Center. December 2007 Rubenstein Building. December 1 - 20, 2007 Gutman Library, Har vard Graduate School of Education. December 15, 2007 - Januar y 4, 2008 (Curator, José Falconi) Presented by: The Cultural Agents Initiative Provost of Har vard University Art Forum, David Rockefeller Center for Latin American Studies Har vard University Committee on Human Rights Studies

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Résumé étendu de la thèse

Photodocumentation et participation politique: une étude comparative entre le Brésil et le Bangladesh

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Introduction Cette thèse porte sur la performance de deux groupes de photographes situés dans deux pays différents dans ce qu'on appelle le "Sud Global" - Imagens do Povo265 [Images du Peuple], de Rio de Janeiro, au Brésil, et Drik Picture Library266, de Dhaka, Bangladesh - qui utilisent la photographie pour agir dans le domaine des droits de l'homme. Le premier, un groupe de photographes des favelas de Rio, résiste à un processus de criminalisation de la pauvreté qui provoque diverses interventions de l'État, par la police, dans leur quartier. Ces conflits engendrent divers types de violences dans leurs quartiers: symboliques, physiques et mortelles. Le second, un groupe bangladais basé dans un quartier de classe moyenne à Dhaka, est préoccupé par l'image que l’« occident » a sur eux. L'image de victimes pauvres et affamées par les tragédies naturelles s’est dégradée à partir du 9/11/2001, quand ils ont été assimilés aux potentiels terroristes musulmans. Ce sont deux groupes très différents avec des propositions qui se rapprochent: changer les images stéréotypées que d'autres font d’eux, liées à la pauvreté et à la violence. J'ai interprété ce problème de la représentation à travers la relation entre l’identité et l’altérité, et j'ai construit toute ma réflexion à partir d'une approche comparative, en utilisant un groupe pour réfléchir sur l'autre. La comparaison m’a apportée des éléments complémentaires pour réfléchir sur la place et l'espace des pratiques identitaires et culturelles dans la société bangladaise comme dans la société brésilienne, et met l’accent sur les différents espaces de résistance locale et mondiale. Comment ces jeunes se servent de photographies pour réagir aux représentations gênantes (qu'il s'agisse d'un territoire, d'une ethnie, d’une religion ou d’une classe sociale) est l'objet de ma discussion. La façon dont ils imaginent leurs territoires et avec qui ils cherchent à dialoguer pour construire leur propre représentation du Bangladesh et des favelas sont quelques questions abordées. En désirant participer au marché de la photo et changer l'image que d’autres ont d’eux, ils doivent faire des négociations qui nous poussent loin de l'approche dualiste qui positionne « nous » et « eux » en champs opposés et nous montrent un éventail de réflexions intéressantes sur l'imaginaire contemporain au Bangladesh et dans les favelas de 265 266

www.imagensdopovo.org.br www.drik.net 331

Rio. Grâce à une comparaison interculturelle, je réfléchis à la façon dont ces photographes utilisent la documentation de la vie quotidienne et des sentiments subjectifs de la privation, de l'injustice et de l'exclusion pour construire de nouvelles formes de protestations et s'organisent pour changer la perception que d’autres ont d’eux et s’insèrent dans le monde (d’un point de vue local ou mondial). Préservant leurs particularités, j’étudie comment des (re)présentations négatives faites sur un groupe social peuvent produire une unité autour de questions comme les identités, les représentations, l’ipséité et l’altérité. J’analyse aussi la façon dont cela a été utilisé comme un outil de protestation ou même un moyen de lutter pour la justice et l’inclusion (sociale). La plupart des théories portant sur le fonctionnement culturel et idéologique de la photographie comprend le regard photographique comme un processus de construction sociale de la réalité par un individu. Le photographe en général appartient à une classe sociale supérieure à celle du photographié, cet « autre » qui finit par être un objet de la représentation. En cherchant à inverser ce rapport de force, deux groupes de photographes de deux pays différentes du « Sud » (le Brésil et le Bangladesh) remettent en question les représentations que les « autres » font d’eux, en apportant de nouvelles perspectives sur les relations entre identités et altérités. En se représentant « eux-mêmes », ils participent visuellement et politiquement à la société contemporaine ; ces groupes de photographes militants nous montrent de nouvelles façons d'exposer et de remettre en question la manière dont le pouvoir fonctionne, avec des stéréotypes, dans les relations sociales. Ils mettent en lumière également un espace important de la résistance contemporaine : la culture, présentée par ses membres, visuellement et virtuellement. La vie quotidienne apparaît comme une alternative au spectacle d'événements extraordinaires, et la culture à la violence. En même temps qu’ils présentent leur point de vue, ils nous initient sur les relations de pouvoir, les stéréotypes et la façon dont ils les remettent en question, mais aussi sur des nouveaux modes de production et de partage des connaissances sociologiques et anthropologiques visuelles.

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Notes méthodologiques J’ai choisi le Bangladesh en raison de la Drik Picture Library, une agence de photographes créée et dirigée depuis 20 ans au Bangladesh par le photographe et activiste Shahidul Alam. J’ai découvert Drik et son action éducative, l’école Pathshala – South Asian Media Academy, pendant mon Master, lorsque je menais des recherches sur des projets sociaux photographiques réalisés dans les favelas de Rio. Tout comme dans les projets brésiliens que j’analysais alors, Drik animait au même moment des ateliers photo sur les autoreprésentations des enfants de la classe ouvrière. Curieuse de comprendre comment une initiative située à l’autre bout du monde pourrait avoir des propositions politiques très proches de celles proposées par des brésiliens, spécialement ceux du Imagens do Povo, j’ai choisi Drik en contrepoint afin d’établir une comparaison internationale sur la performance des groupes de photographes dans les pays du « Sud ». Les deux groupes sont bien différents, mais ils ont un ennui commun : ils ne se reconnaissent pas dans les images produites à leur sujet par des étrangers, qui ont tendance à les représenter d’une façon péjorative : soit sur le ton de la tragédie et du fondamentalisme religieux – au Bangladesh – soit de la violence – au Brésil – et en mettant en évidence toujours la pauvreté comme trame de fond. En questionnant les représentations que les étrangers font à leur sujet, ils visent à parler d’eux-mêmes à travers des présentations photographiques d’identités construites à partir d’expériences vécues en profondeur. Mais chaque pays a une situation politique, sociale et géographique différente, donc mon but n’est pas de comparer les sociétés bangladaise et brésilienne, mais de réfléchir sur la manière dont cette production photographique est présentée comme une demande politique de participation au pouvoir dans l’un et l’autre point de la planète. À travers l’analyse des essais photographiques des jeunes de deux groupes, je vais démontrer comment, malgré les similitudes discursives apparentes, chaque région apporte une contribution à des échelles différentes et bien que leur désir soit différent ; cela a finalement trait à l’histoire de chaque pays et région. Comme mon terrain au Brésil a été une continuité des recherches que j’ai menées pendant mon master sur les autoreprésentations photographiques dans les favelas de Rio, il n’y a pas eu un début précis, mais il a gagné en force après 2008 quand j’ai commencé le doctorat à l’UFRJ. En 2009, je suis partie à Paris pour faire un stage au LAS/EHESS et j’ai commencé à 333

préparer le terrain au Bangladesh. À ce moment, j’ai fait mes premières études de Bengali à l’INALCO (pendant une année), j’ai pris connaissance des bibliographies sur le Bangladesh et j’ai approfondi la discussion subalterne et sa critique. Pendant mon séjour à Paris, j’ai réalisé deux voyages au Bangladesh, où je suis restée trois mois. Là-bas, j’ai suivi un autre cours de Bengali, cette fois de façon plus intensive. Toutefois, les mois d’études du Bengali n’ont pas été suffisants pour avoir des discussions approfondies. Les entretiens, donc, ont été réalisés en anglais, une langue qui n’était ni la mienne ni celle des photographes, bien qu’on parlait tous bien cette langue (l’une des conditions requises pour entrer à l’école). Cette recherche a ainsi deux aspects très différents. Au Brésil, je sortais de chez moi pour réaliser mon enquête de l’autre côté de la ville, alors que quand je suis arrivée à Dhaka pour la première fois, je ne connaissais personne, je ne parlais pas la langue et n’avais que peu de savoir sur ce pays, son histoire et son peuple. Au Brésil, même si j’étais perçue comme une étrangère dans les favelas, j’ai circulé comme une « compatriote » qui habitait dans une autre zone de la ville. Au Bangladesh, la couleur de ma peau, ma taille, mon accent ou encore mon comportement m’ont mis au centre des attentions et des curiosités et j’étais perçue comme quelqu’un d’exotique presque partout. Chaque expérience a ses particularités qui m'ont fait vivre chaque terrain d'une façon distincte : tant celle dans des zones de ma ville, qui jusqu’alors m’étaient inconnues, que celle de cet autre pays, bien différent du mien. Chacune d’elles m'a apportée plus d'information sur l’un et l’autre pays, ouvrant des pistes de recherche sur des questions que je ne m'étais pas posées pour ma recherche. Le temps dédié à la réalisation de la recherche dans chaque pays a aussi été bien différent. Au Brésil, j’ai mené une étude de terrain pendant des années, ce qui a intensifié les expériences partagées avec les photographes. Au Bangladesh, en raison de la courte période vécue sur place et de la difficulté linguistique, ces partages ont eu lieu d’une façon beaucoup plus limitée. Enfin, cette recherche est fortement marquée par les différents champs théoriques (l’anthropologie, la sociologie, la photographie, la communication, les arts) ; géographiques (le Brésil, la France et le Bangladesh) et linguistiques (le portugais, le français, l’anglais et le bengali) par lesquels je suis passée pendant les quatre dernières années.

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Brève présentation de la thèse En comparant les deux groupes, leurs discours et leurs images, j’ai choisi de subdiviser la thèse à partir de quelques questions importantes pour analyser l’activisme photographique. Dans le premier chapitre, Identités, altérités, l'imagination et les représentations, je présente les principaux thèmes qui seront discutés – l’identité, les représentations et les autoreprésentations – et je démontre comment ils apparaissent chez des groupes choisis – Drik et Imagens do Povo. Je justifie les raisons m’ayant poussée à choisir plus particulièrement ces groupes et je montre comment ils sont insérés dans l’histoire de la photographie sociale ainsi que l’influence de leurs créateurs dans le profil de chaque école et des travaux développés par ces photographes. Au cours du deuxième chapitre, Des jeux identitaires et des luttes symboliques, je traite de la présentation des identités mises en avant par chaque groupe – populaires et musulmans – en réfléchissant sur la manière dont des représentations exogènes sont capables de réunir des personnes autour de thèmes qui, plus que partagés collectivement, sont questionnés ensemble. Pour clarifier mes arguments, j’analyse deux essais photographiques, un de chaque groupe, sur ces sujets : l’essai de Munem Wasif sur l’Islam au Bangladesh, In God we trust, et l’essai de Bira Carvalho sur l’âme de la favela. Finalement, j’oriente cette réflexion sur les visions de chaque groupe, sur ce qu’ils considèrent comme de bonnes ou de mauvaises représentations, démontrant comment ils construisent leurs travaux dans ce domaine, en dialoguant (ou pas) avec ces images qu’ils critiquent ou qu’ils approuvent. Dans le troisième chapitre, La vie quotidienne comme alternative au spectacle, j’examine la documentation de la vie quotidienne, qui est présentée par ces groupes comme un contrepoint aux documentations spectaculaires réalisées par des étrangers dans ces territoires. Nous verrons comment la vie quotidienne est perçue par les travaux de Taslima Akhter sur un groupe de couturières [garment workers] au Bangladesh : The life and struggle of the garment workers. Ce sont des travailleuses, connues internationalement en raison de leur exploitation par les industries textiles de ce pays, qui approvisionnent le marché international des grandes marques. Au Brésil nous étudierons les documentations de Francisco Valdean sur la vie quotidienne des favelas à travers son essai O cotidiano no Alemão et l’essai publié sur le site de l’Imagens do Povo. Parallèlement à la production des images, Valdean a aussi créé le Blog 335

O Cotidiano où il publie des textes et des images des favelas de Rio, plus particulièrement sur celle où il habite, en nous offrant son point de vue sur la vie quotidienne de ces régions encore peu connues des gens qui n’y habitent pas. Dans le quatrième chapitre, La violence vue de près : où sont placées les limites de la documentation de la douleur, des plaintes et de la demande de justice, je réfléchis sur deux expériences de documentation de la violence. La dénonciation apparaît comme quelque chose de contradictoire : d’un côté elle donne à voir des stéréotypes et d’un autre, elle apparaît comme quelque chose de nécessaire pour attirer l’attention sur les zones défavorisées. Comment ces photographes présentent-ils les cas de violences et comment d’après eux montrer de façon digne de montrer la souffrance des populaires267, au Brésil, et des Bangladeshis ? Pour apporter des éléments de réponse, j’analyse le livre Heroes never die: Tales of political violence in Bangladesh (1989-205), de Saiful Huq Omi, et l’essai de Naldinho Lourenço sur l’assassinat d’une enfant par la police dans les favelas de la Maré. Le livre d’Omi a été publié avec le soutien de l’ActionAid Bangladesh, mais il a été interdit à la distribution dans ce pays juste après sa sortie. Quant à Naldinho, suite à la publication de ses photos, il a fait l’objet de menace et cela a conduit à l’organisation de nombreuses réunions avec les autres photographes et coordinateurs du groupe pour réfléchir sur l’urgence de la situation (et l’importance de la protection de sa vie) ainsi que sur l’importance de documenter un tel sujet. Ce sont deux expériences de documentations qui ont également servi à définir les limites des documentations menées par les photographes des deux pays. En les analysant, j’examine ce que l’on peut dire et/ou montrer dans ce type de documentation dans chaque cas. Quels sont les sujets interdits aux activistes et sur quels sujets n’osent-ils pas même parler, bien qu’ils soient importants pour les autres médias (comme le trafic de drogues au Brésil et les viols de femme au Bangladesh) ?

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Le mot « populaire », proposé par les photographes brésiliens, apparaît comme une alternative au mot « favelados » [habitant de la favela] qu’ils considèrent péjoratif. 336

Identités et altérités: parler de soi et des autres Nous élaborons nos identités à partir de la relation avec nos altérités, en imaginant en même temps le « Je » et l’« Autre ». Nous les élaborons aussi simultanément, en les adaptant aux différents contextes que nous expérimentons tous les jours. Cela signifie donc que ces concepts ne sont pas des antagonismes, comme cela est souvent dit, mais des intercesseurs, comme l’a suggéré Deleuze (1994). Ce sont des rencontres qui permettent des créations. Ces rencontres, pour leur part, sont multiples et elles produisent de multiples relations, et non pas une, entre le « Je » et l’« Autre » (Strathern, 2004). Il souligne, par conséquent, le fait que les identités sont le résultat de plusieurs rencontres et relations, fragmenté non seulement dans la rencontre avec les différentes altérités, mais aussi dans les différentes relations que nous avons avec chacune d'elles, dans les différents contextes. Strathern propose donc que les relations (et identités) ne soient pas considérées comme simples et indivisibles, mais complexes et multiples. Les gens sont des dividus [dividual] et non des individus [individual]. Ces identités, multiples, multiformes et, par conséquent, complexes, nous orientent vers un autre concept important présenté par Deleuze (1994): individuation. L'individuation est le processus de manifestation créatif en constante rénovation par lequel une personne passe à s'identifier davantage aux orientations qui vient du self. Cette connaissance qui vient du self aurait deux aspects : un lié aux (multiples) images de soi et l’autre concernant l’amourpropre. L'individuation, concept qui est né de la notion d'individualisation, ajouterait donc le processus agentif de l’(in)dividu dans le monde et porterait encore une ambiguïté : en même temps qu’il est normatif, il est créatif. Conscient de la façon dont ils veulent intervenir politiquement dans la société contemporaine, les photographes autour de Drik Picture Library/Pathshala et d’Imagens do Povo/Escola de Fotógrafos Populares se présentent en même temps comme parts et comme des autres dans leurs sociétés. En s’organisant en agences photographiques pour produire des images sur « eux-mêmes » afin de transformer les stéréotypes à leur sujet, ces jeunes cherchent à défendre leurs droits à la communication, à la liberté d'expression et à l'égalité des différents (in)dividus, dans leur pays (dans le cas du groupe brésilien) et/ou à l'étranger (dans le cas du Bangladesh). Mais quand ils se présentent dans une perspective d’altérité, c'est à dire, quand ils se présentent comme un autre délimité et fixé en regard à autre groupe imaginé comme 337

plus fort, pour mettre en question la puissance de cet autre, ces photographes nous parlent aussi de leurs identités et représentations, en s’« auto-représentant » comment ils veulent être vus. Il existe différentes identités qui sont mises en évidence, en fonction de ce qu'ils veulent montrer à chaque fois. En parlant d’« eux-mêmes », ils veulent aussi maintenir un dialogue constant et direct avec ce qu'ils imaginent être leurs autres et l'image que leurs « autres » font à leur sujet. Ces (re)présentations semblent être produites par un « jeu de miroirs » dont l’anthropologue brésilienne Sylvia Caiuby Novaes a parlé dans son ouvrage The Play Of Mirrors - The Representation Of Self Mirroded In The Other, publié en 1997 : « The representation of self is associated with one’s representation of the other and the representation of various others in given contexts. An interdependent relationship is established between the image of the self and the image of these various others » (Caiuby Novaes, 1997: ix). Les images-de-soi affectent et sont affectées par les images que les autres font au sujet de soi, et elles sont en constante transformation dans ces relations. Il n'y a pas d’identité ou d’autoprésentation fixe ou strictement définie. En se concentrant sur le processus créatif d’expérimentation du monde, Gonçalves et Head ont introduit le concept de devir-imagético [devenir-imagerie]. O devir-imagético – enquanto uma noção mais abrangente – aponta para a imaginação/criatividade pessoal e para a ‘pessoalização’ dos processos culturais que é capaz de efetuar. Neste sentido, a criação do devir-imagético via a fabulação é justamente ‘monstruosa’ no sentido que ganha vida própria através da conjunção de fatores pessoais e impessoais tais quais as tecnologias, as instituições, os acontecimentos e produtos do ‘acaso’. (Gonçalves e Head, 2009 : 29)

Le devenir-imagerie, de cette façon, nous parle de la responsabilité des personnes dans les histoires racontées sur le monde qui s'est fixée dans l'instant même de cette présentation. En d'autres termes, ceux qui font partie du monde le produiraient. Et en présentant le monde, on se présente comme part de celui-ci, en formulant en même temps son devenir-personnage. Ces images, mais aussi l'imaginaire et l'imagination nous guident vers quelque chose d'important et de nouveau dans les processus culturels mondiaux pointés par l’anthropologue indien Arjun Appadurai (1996) : l'imagination comme une pratique sociale. N’étant pas une simple fantaisie, l'imagination définit les relations et les pratiques contemporaines.

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Ici, ce sont les rencontres qui nous intéressent : les intercesseurs, les interventions, les fictions, les désirs, le « Je » impliqué par l’« autre » et vice-versa, la faculté mimétique liée au fait que l'observateur est totalement immergé dans ce qu’il observe (Taussing, 1993). Regarder n'est pas quelque chose de passif. S'exprimer n'est pas quelque chose de neutre. Quand Taussing (1993) nous parle des interventions et des agences de processus mimétiques associés à la relation avec l'altérité, il s'approprie la réflexion de Benjamin qui dit que la capacité d'imiter serait la capacité de se transformer en l'autre pour nous montrer que la copie ne serait pas une image de l'original, mais quelque chose qui possède agence et pouvoir sur lui. Représenter serait un moyen d'assimiler et d’acquérir pouvoir sur l'autre. Une personne ne cesse pas d'être elle-même pour devenir une autre personne par mimesis ; celle-ci serait une sorte de devenir où la personne est en même temps elle-même (je) et une autre. C’est pour continuer à être « je » qu'une personne devient autre.

Quelques réflexions sur les stéréotypes et les luttes pour le pouvoir Attaching the label of “lower human value” to another group is one of the weapons used in a power struggle by superior groups as a mean of maintaining their social superiority. In that situation the social slur cast by a more powerful upon a less powerful group usually enters the self-image of the latter and, thus, weakens and disarms them. Accordingly, the power to stigmatise diminishes or even goes into reverse gear when a group is no longer able to maintain its monopolisation of the principal resources of power available in a society and to exclude other interdependent groups – the former outsides – from participation in these resources. (Elias & Scotson, 1994: xxi)

Les stéréotypes sont présents dans toutes les actions de la vie de tous les jours dans lesquelles nous sommes confrontés quotidiennement aux différents profils des personnes et des situations. Ervin Goffman, par exemple, a souligné le fait que des stéréotypes « non prouvés » sont souvent appliqués à des inconnus afin d'obtenir des informations qui nous permettent d'utiliser les expériences antérieures pour se relier socialement. Elias et Scotson, cependant, ont démontré que l'utilisation de stéréotypes est l'une des façons les plus importantes d’exclure des personnes et/ou des groupes sociaux et de maintenir son pouvoir. En se considérant partie d'une « communauté » (imaginé, comme dirait Anderson, 1993, ou éthique, comme dirait Bauman, 2001), les photographes d’Imagens do Povo et de Drik investissent dans l'idée d'appartenance et de cohésion autour d’un stigmate pour renverser un cadre de stigmatisation. C'est parce qu'ils sont populaires et Bangladeshis, qu’ils 339

produisent des photos sur leurs territoires encore peu connus par les étrangers, que ces jeunes parviennent à être perçus positivement. Pour lutter contre ces stéréotypes négatifs qui sont souvent attribués à leur sujet, les photoactivistes auprès desquels j'ai travaillé soutiennent qu'une documentation "plus profonde" d’« eux-mêmes » (leur groupe social) serait capable de changer les images négatives à leur sujet et en conséquence de construire d’autres interactions sociales. Grâce à ces « nouvelles » représentations, il serait possible de connaître « vraiment » ces populations et d’obtenir des informations exemptes de stéréotypes développés précédemment, basées sur des expériences imaginées ou vécues auparavant. Grâce à la documentation de la vie quotidienne de leurs voisins, amis et compatriotes, ils cherchent à briser la [pré-]«définition de la situation", comme l’a souligné Goffman (1959), en créant de nouvelles images et, par là-même, de nouvelles relations. Mais Stam et Shohat ont attiré l'attention sur un autre problème : bien que les représentations endogènes peuvent créer des personnages plus complexes, car les groupes politiquement engagés dans ces déclarations seraient plus attentifs à la façon dont eux-mêmes sont montrés, les représentations « natives » peuvent également finir par reproduire les modèles dominants. Quand ils créent ces « nouvelles représentations » (les contre-images) fondées sur des contrediscours liés aux discours produits par d’autres, ces photographes recourent souvent à des stéréotypes - positifs - aussi forts que - les négatifs – contre lesquels ils luttent. En critiquant le « spectacle » documenté et diffusé par les médias de masse, ces photographes proposent la documentation de la vie quotidienne des groupes souvent marginalisés comme une alternative aux représentations stéréotypées. Ils cherchent à rivaliser avec l'idée que c'est le spectacle qui définit ce qui est ou n'est pas digne d’être diffusé et de quelle manière il mérite d'être vu. En cherchant des réponses à des représentations stéréotypées liées à la pauvreté et à la violence, cependant, ils construisent souvent de (nouveaux) stéréotypes dans le but de créer des images aussi puissantes que celles qu’ils visent à détruire, toujours en présentant cette population comme « forte », « digne » et « belle », laissant les aspects négatifs de ces groupes en dehors de leurs représentations. Cette approche de stéréotype (positif ou négatif) résulte d’écueils théoriques et politiques, car elle représente ces groupes de façon non complexe. En opérant avec des stéréotypes positifs, 340

toutefois, ces groupes donnent à penser que l'investissement dans la transformation de leur propre image est plus qu'un « nettoyage symbolique », comme l'a souligné Machado da Silva (2008), il s'agit d'une lutte symbolique pour le pouvoir. Car « il y a différentes façons de définir la même situation, et elles sont imprégnées par un rapport de force" (Gastaldo, 2008 : 150). Qui a plus de légitimité pour définir ce qui se passe est défini par des relations de pouvoir. Ces groupes jouent avec l’idée d'« authenticité » liée à la construction d’« autoreprésentations » pour se consolider. Ce moment « postcolonial » et « subalterne » contemporain se produit différemment au Brésil et au Bangladesh. Tandis qu’au Brésil les photographes se tournent vers la population à l'intérieur du pays, en agissant contre les inégalités et les hiérarchies locales, les photographes Bangladeshis cherchent à conquérir le monde. Aujourd'hui, le Bangladesh est encore timidement intéressé par l’utilisation d’images dans l’autonomisation des groupes défavorisés au sein de leur propre société. Au Brésil, en revanche, ils n'ont pas l'intention de participer au marché international de la photo. Bien qu'ils aient déjà organisé des expositions à l'étranger, ils ne semblent pas être intéressés par un investissement plus important. Peut-être parce qu'ils ne parlent pas couramment la langue anglaise, ou parce qu'ils n'ont pas un réseau de contacts international aussi établi que celui créé par Shahidul Alam au Bangladesh. Ou peut-être parce qu'ils ont une grande distance physique, mais aussi économique et symbolique par rapport aux grands centres de la photographie mondiale. La comparaison entre ces deux groupes avec des propositions si proches, mais avec des interventions si différentes, apporte des éléments complémentaires dans la réflexion sur la place et l'espace de pratiques identitaires et culturelles aussi bien dans une société que dans l'autre, et indiquent différents espaces de résistance local et global.

Bangladesh, Drik Picture Library et Pathshala – South Asian Media Academy Le Bangladesh est un pays d'Asie du Sud de 147 570 km2 avec une population de 160 millions d'habitants indépendant depuis 1971. Son histoire est très liée à l'Inde et au Pakistan. Séparé de l’Inde et unifié au Pakistan après la fin de la colonisation britannique (en 1947), parce qu’il faisait partie d’un territoire avec une majorité musulmane, comme le Pakistan, le 341

Bangladesh a été connu pendant 24 ans sous le nom de Pakistan Oriental (1947 à 1971). Cette partition du sous-continent indien entre hindous et musulmans, ainsi que la création du Bangladesh comme un pays fondé sur une religion (musulmane) et une langue (le Bengali) a apporté diverses conséquences aux différentes communautés locales. L'une était l'émergence d'une série d'imaginaires liés aux « héros de la guerre » et aux groupes composés par des nonmusulmans et / ou des non-Bengalis, comme c'est le cas des Biharis, aussi connus comme « les Pakistanais du Bangladesh », parce que ils parlent l’Urdo et non le Bengali. Ce n'est pas ici l’histoire complète du pays, qu’on retrouve chez des auteurs comme Markovits (1994), Meyer (2007), Jaffrelot (1996), Thapar (1990) et Van Schendell (2009). Il est important de noter que certains événements et certains groupes sociaux ont plus marqué l'imaginaire social du Bangladesh que d'autres, en particulier parmi les photographes documentaires du pays. Il y a donc des sujets qui sont plus fréquemment documentés par des photographes de Drik et de Pathshala. Parmi ces sujets on retrouve : les freedom fighters (les vétérans de la guerre contre le Pakistan qui se sont battus pour l'indépendance), l'Islam, les groupes minoritaires du pays (comme les Biharis, les Ronhingyas, les groupes autochtones des Chittagong Hill Tracts et même les hindous), les changements climatiques (en particulier les moussons), certains actes de violence contre les femmes, le travail des enfants et les démantèlements de navires. Les favelas, contrairement à ce que nous voyons au Brésil, sont très peu documentées. Après son indépendance, le Bangladesh a subi une série d’alternances politiques jusqu'en 1982 ; lors d’un coup d'Etat militaire, le général Hossain Mohammad Ershad, chef d'étatmajor de l'Armée Bangladaise, a pris le contrôle du gouvernement et s’est nommé président. Le Général Ershad a instauré une dictature au pays jusqu’à la fin de cette décennie, où beaucoup de protestations ont eu lieu et l’ont forcé à démissionner du pouvoir. Shahidul Alam, photographe et activiste qui a créé Drik Picture Library et Pathshala, est né en 1955, pendant toutes ces agitations politiques qui ont frappé le Bangladesh, de son annexion au Pakistan jusqu'à la mise en place de la démocratie. Pendant plusieurs de ces années, cependant, Alam a vécu en Angleterre, où il avait déménagé très jeune pour suivre des études de chimie, financée par sa famille, ne rentrant dans son pays qu’après l'obtention du doctorat. C'est en Angleterre qu'il a découvert sa passion pour la photographie et que, à travers des études autodidactes, il est devenu photographe. 342

Quand il a commencé, il faisait des portraits, à la fois en Angleterre et au Bangladesh. Mais c'est grâce à son implication en tant que militant dans la démocratisation de son pays dans les années 80, qu’il s'est tourné vers le photojournalisme. Il fait partie de la génération qui a transformé l'histoire de la photographie au Bangladesh, qui est passée de « pittoresque » à « documentaire ». Pour Alam, l’année 1989, année où il a créé l'agence Drik, a été une année importante. While photojournalists had recorded street life and political strife, and a few photographers had addressed poverty, there was no culture of documentary practice. No personal projects. Photography was still seen as an illustration, meant to fit in with a predetermined caption. The movement against General Ershad changed all that. Resistance had been building, and the iconic image of Noor Hossain, with “Let Democracy be Freed” painted on his back, was a turning point. In 1971, the photographs were taken surreptitiously, under fear of death. In the new movement, the photographers were in the fore. They were the witnesses of the people and empowered by people’s will. (Alam, Emerging from Shadows, s/d)

En raison du manque de liberté d'expression dans son pays et parce qu’il n’y avait pas, à son avis, d’agences de photographie capables d'offrir le soutien dont les photojournalistes du pays avaient besoin pour couvrir ce qui se passait, Alam décida de créer sa propre agence, Drik Picture Library, dans une vieille maison qui appartenait à sa famille en Dhanmondi. Our problems weren’t simply ones of surviving on slender means and competing against agencies based in London, Paris and New York. Our activism created problems on our home soil too. We had, by then, set up our own website and had helped to establish the first webzine and internet portal in the country. Our email network had been put to use when Taslima Nasrin was being persecuted. The website became the seat of resistance when pro-government thugs committed rape in a university campus. So the site, and later the agency, came under attack. The day after our human rights portal www.banglarights.net was launched all the telephone lines of the agency were disconnected. It took us two-and-a-half years to get the lines back, but that never stopped our internet service and we stayed connected. Later, Drik became the seat of resistance when the Government used the military to round up opposition activists. I was attacked on the street, during curfew and in a street protected by the military. I received eight knife wounds. So we learnt to walk a fine line. (Alam, 2007)

Après la mise en place de l'agence, il prit conscience que d’autres choses manquaient dans son pays et ainsi débuta d’autres projets en parallèle. Il a créé un réseau Internet, un site de nouvelles appelé Driknews268, un site dédié à l'information dans le domaine des droits de

268

www.driknews.com 343

l'homme appelé Banglarights269, un blog personnel appelé Shahidulnews270, le Festival International de Photographie, Chobi Mela271 et l’école Pathshala272. Les noms de ses initiatives (Driknews, Banglarights, Chobi Mela et Pathshala) sont un mélange de mots en sanscrits/bengali et en anglais, mais presque tous les sites et toutes les publications de l'agence, l’école et les autres initiatives d’Alam sont en anglais. Outre ses initiatives au Bangladesh, Alam a également été impliqué dans la création d'une autre agence, la Majority World273, qui fonctionne comme une banque d'images et un réseau virtuel de photographes des pays du Sud ou, comme il préfère dire, du « monde majoritaire » : « majority world is our more accurate and respectful term for what has been known as the developing world, the ‘third’ world and the global South » (Rowan Watts, dans un courriel envoyé après inscription sur le site). Pathshala – The South Asian Media Academy a été fondée en 1998 dans une maison à quelques kilomètres du siège de Drik, à Panthapath, un quartier de classe moyenne de Dhaka. Elle a été créé à travers un partenariat entre la Drik et la World Press Photo274, une des plus grandes agences de photographie internationale, suite à un programme de formation qui a duré trois ans avec le soutien du British Council, de la Fondation Thomson et du groupe Panos South Asia. Elle a été conçue comme un projet éducatif de Drik – « Pathshala has slowly grown to become a fully-fledged educational wing of Drik, a socially-conscious photo resource centre also based in Dhaka, Bangladesh »275 - et, à l'origine, était un institut de photographie. Mais en 2010, Patshala est devenue un institut des médias et elle a étendu ses activités aux domaines de la diffusion, de l'impression et du journalisme multimédia. Pathshala est une école privée qui tente de survivre de manière autonome, en offrant différents types de cours, des formations de base de courte durée à la formation de niveau supérieur sur trois ans. Pour être admis au cours de longue période, par exemple, celui que suivent la majeure partie des étudiants, les candidats passent par une sélection très rigoureuse qui exige : une scolarité de niveau secondaire désigné Higher Secondary Certificate (HSC)/A 269

www.banglarights.net www.shahidulnews.com 271 www.chobimela.org 272 www.pathshala.net 273 www.majorityworld.com 274 http://www.worldpressphoto.org 275 http://www.pathshala.net/controller.php?view=aboutus 270

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level - Second class/ GPA 2.5, un anglais courant (oral et écrit), un portfolio de dix photographies, un curriculum vitae avec deux références, une lettre de motivation expliquant son intérêt pour le cours et une formation de base en photographie. Une fois inscrit à l'école, l’étudiant reçoit des enseignements sur les techniques et l'histoire de la photographie, l’anthropologie visuelle, les méthodes de recherche, de la conception de projets, les théories de la communication visuelle, le web design, la conservation, la publication et l’anglais avancé. L'effort de Shahidul Alam pour créer une école de photographie s’est mêlé à son désir d'élargir la diffusion et la reconnaissance des photographes bangladais dans l’occident et de produire un travail de « qualité internationale » au Bangladesh. Aujourd'hui, Pathshala est l’école la plus importante dans le domaine de la photographie du pays et, à travers les divers partenariats établis, a formé des étudiants de divers pays, comme le Japon et la Norvège. Des photographes étrangers ayant des projets au Bangladesh ont aussi l’habitude de fréquenter l’école, soit pour faire un stage, soit pour donner une conférence et avoir des échanges avec les étudiants ou les jeunes photographes bangladais. L'institut est ainsi devenu un lieu de rencontre important pour les photographes et les journalistes. Au moment de sa création, l'école avait comme spécialité principale le photojournalisme, mais elle a progressivement étendu son champ d'action pour préparer les étudiants à différentes activités. Aujourd’hui la plupart des étudiants formés par l'école gagnent leur vie en faisant des assignements [travaux] pour des ONG ou des photoreportages pour des agences étrangères. Cela permet aux étudiantes et jeunes photographes de gérer leur viabilité financière et d'investir dans des projets personnels. Les jeunes formés par l'école sont de plus en plus reconnus professionnellement, tant à l'intérieur qu'à l'extérieur du pays. Selon le photographe et journaliste Hassan Bipul (s/d), la photographie est le secteur qui a apporté le plus grand nombre de récompenses au Bangladesh. Shahidul Alam, GMB Akash, ancien élève de Pathshala et Answar Hossain, un photographe contemporain d’Alam qui vit en France sont parmi les photographes les plus célèbres. Ils ont eu plus d'une centaine de prix d’institutions si prestigieuses telles que l'UNESCO et le Mother Jones Award pour la photographie documentaire.

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Brésil, Imagens do Povo et Escola de Fotógrafos populares Le Brésil a une population aussi nombreuse que celle du Bangladesh (191 796 000 d’habitants) qui est repartie sur un territoire 58 fois plus grand (8.514.877 km2). Il a acquis son indépendance du Portugal en 1822 et son histoire est très liée aux mouvements sociaux, qui datent de l’empire, avec l'apparition des premières ONG dans les années 1970, comme au Bangladesh (Landim, 2002). Il a cependant développé une tradition de participation populaire différente de celle expérimentée par le pays asiatique. Un exemple est la formation du Mouvement des Travailleurs Sans Terre (MST), le plus grand mouvement social en Amérique Latine, organisé dans les années 80 sous l’influence des idéaux de la Théologie de la Libération, le courant chrétien qui travaille parmi les pauvres et qui a fortement participé à l'organisation des « mouvements ecclésiastiques de base » dans ce pays. João Roberto Ripper276, photographe et militant de la même génération que Shahidul Alam, est également devenu photographe autodidacte. Il a vécu pendant la dictature militaire au Brésil, plus précisément dans la ville de Rio de Janeiro où il a commencé sa carrière dans le journal Luta Democrática [La lutte démocratique], en passant par l’Última Hora [La dernière minute] e L’O Globo, avant de devenir l'un des fondateurs (avec Ricardo Azoury et Rogério Reis) de l’agence photographique F4, l'une des agences les plus importantes dans l'histoire du photojournalisme brésilien, en 1985. Ripper a produit une énorme documentation auprès des différents mouvements sociaux du pays, en particulier le MST. Il a également joué un rôle actif dans la lutte pour les droits du travail des photographes au Brésil comme vice-président de l' Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Rio de Janeiro [Association des Reporters Photographiques et Cinématographiques de Rio de Janeiro] en 1981 et comme président du Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro [Union des Journalistes Professionnels de Rio de Janeiro] en 1983. Dans les années 90, Ripper cherchait à investir dans une agence spécialisée dans la production de photographies au « service » des droits de l'homme. Ainsi, il a créée l'agence Imagens da Terra [Images de la Terre], qui s’est spécialisée dans la photographie documentaire de « dénonciation sociale ».

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www.imagenshumanas.com.br 346

C'est au travers de l’Imagens da Terra, une agence collective, et de la documentation des mouvements des travailleurs et des paysans que Ripper a investi dans la construction des représentations partielles, brisant le jargon journalistique d'impartialité. Huit ans plus tard, cependant, l’Imagens da Terra n’étant plus rentable, Ripper crée sa propre agence, l’Imagens Humanas [Images Humaines]277, laquelle existe encore aujourd'hui. A côté de cette agence personnelle et lors d’un travail de documentation dans l’ensemble de favelas de la Maré, Ripper a eu l'idée de créer une autre agence collective, désormais composée par le « peuple » (ou les populaires) - les habitants des favelas. Cette nouvelle agence conçue en 2004, a été nommée Imagens do Povo et a été structurée comme un triple projet (l’Escola de Fotógrafos Populares, la banque d'images et l'agence) au sein du programme de formation de l'ONG Observatório de Favelas. La conception du Programme Imagens do Povo avait comme caractéristique principale la mobilisation des habitants des favelas autour de la photo et de la démocratisation de l'information. Bien que l’Escola de Fotógrafos Populares compte aujourd'hui des étudiants provenant d'autres régions et couches sociales, elle a encore une caractéristique importante: une « compassion » et une « identification » avec les problèmes vécus par les habitants des « communautés populaires », le désir de démocratiser la production d’informations sur les favelas et l'engagement avec les problèmes sociaux vécus par les groupes les plus pauvres de la société brésilienne. Ils investissent, donc, en photos dans ce qu'ils considèrent comme « beau » et qu'ils appellent la « solidarité » des populaires, en dénonçant leurs/ses difficultés. En cela, le photojournalisme et la photo-documentation produits de façon partielle et engagé avec les populaires, sont les principaux outils utilisés. Actuellement, l’Imagens do Povo offre un cours de dix mois aux étudiants, ainsi que des ateliers de photographie artisanale (sténopé) et une formation pour les instructeurs de photographie. Certains de ses anciens élèves sont devenus enseignants, comme au Bangladesh, mais leurs cours ont lieu d’une façon moins régulière que ceux offerts par Pathshala, parce qu’ils comptent toujours sur un financement externe. Les étudiants, d'autre part, ne paient pas les cours. Les étudiants formés dans le cours de longue durée de l’Escola de Fotógrafos Populares

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http://imagenshumanas.photoshelter.com 347

reçoivent un certificat de l’Universidade Federal Fluminense (UFF), une université publique fédérale brésilienne. Pendant cette formation, les étudiants ont des cours techniques et théoriques sur la photographie, ainsi que des cours en arts visuels, d'introduction aux droits de l'homme, d’analyse des médias et de la théorie des représentations sociales. La photographie est aperçue comme un langage et elle est perçue à partir des idées de construction du regard et d’expression idéologique.

Des agences et des écoles photo du « Sud »: similitudes et différences I don´t want to be your icon of poverty Or a sponge for you guilt My identity is for me to build In my own image You are welcome to walk beside me But don´t stand in front of me To give me a helping hand You're blocking the sun (Shahidul Alam dans la video My journey as a witness278)

Ces phrases ont été prononcées par le coordinateur du groupe bangladais Shahidul Alam dans une performance enregistrée pour le video-trailer de son livre récemment publié My journey as a Witness [Mon voyage en tant que témoin]. Elle résume de façon poétique la posture du photographe, ainsi que celle de l’agence et de l’école qu'il a créée au Bangladesh. Tout en étant très critique sur l'aide humanitaire internationale, Alam ne veut pas être vu comme quelqu'un qui a besoin d'aide, mais être respecté comme un égal. Il se voit comme quelqu'un de même niveau (social, politique et intellectuel), et il se bat pour être reconnu comme tel. En tant que critique des grandes agences de développement, Alam attire fréquemment l'attention sur le fait que le développement n'est pas seulement une question d'argent: Development isn’t simply about money. What about developing mutual respect; enabling equitable partnerships; providing enabling environments for intellectual exchange? What about creating awareness of the underlying causes for poverty? These are all integral parts of the development process. When all things are added up, cheap images providing clichéd messages do more harm than good. They do not address the crucial issue: poverty is almost always a product of exploitation, at local, regional and international levels. If poverty is simply addressed in terms of what people lack in monetary terms, then the more important issues of addressing exploitation are sidelined. (Alam, 2007)

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vimeo.com/23988961 348

Le respect mutuel, l'égalité des chances, la non-hiérarchisation des postes, et la compréhension des causes de la pauvreté et de la discrimination dans les sociétés contemporaines sont également importantes pour le groupe brésilien. Et les mots d’Alam cidessus pourraient avoir été énoncés par l'un des photographes de l’Imagens do Povo. Ces mots auraient probablement été compris (par des personnes qui ne connaissent ni les favelas de Rio ni le Bangladesh) de la même manière, car les deux sont considérés comme des zones de concentration de la pauvreté. Mais en regardant de plus près, cela ne signifie pas la même chose, vu qu’il y a une grande diversification tant dans les favelas de Rio de Janeiro qu’au Bangladesh. Par conséquent, pour être vu « de la même manière », les deux groupes ont commencé à élaborer des réponses à ces représentations étrangères d'une manière similaire, en proposant des discussions politiques dans le domaine des droits de l'homme et des représentations sociales. En réclamant le droit de construire sa propre identité, Alam touche un point fondamental pour les deux groupes : le droit de construire leur propre identité et les (auto)représentations. En se présentant dans cette vidéo en anglais, toutefois, il souligne une différence liée au public auquel ils s'adressent : les spectateurs occidentaux imaginés – des Américains et des Européens impliqués dans la production d'images sur le Bangladesh (ou même sur le « Majority World ») et/ou des groupes d'aide humanitaire. Au Brésil, les défis sont adressés aux membres des classes moyennes et riches de la société brésilienne, ainsi qu’aux autres populaires. Une autre différence est liée à la forme sous laquelle ils apparaissent. Au Bangladesh, Pathshala est né d'un partenariat entre l'agence (Drik) et une agence européenne (World Press Photo), tandis qu’au Brésil l'Escola de Fotógrafos Populares a émergé en même temps que l’agence Imagens do Povo à partir d'une proposition de Ripper à l’Observatório de Favelas [Observatoire des favelas], dans le format d'un projet social. Donc, si l'agence bangladaise lutte pour être reconnue comme une agence indépendante de photographes, l'agence brésilienne, plus jeune que la bangladaise, se présente parfois comme une agence-école, parfois comme un « projet social ». L'un des hommes qu’Alam présent dans la vidéo My journey as a witness, cependant, a son discours reproduit par lui, son médiateur, en Bengali. Ceci nous conduit à une contradiction tant de l’agence et de l’école bangladaise, comme de l'agence et de l'école brésilienne, et sur 349

lequel tous ses combats sont basés. En même temps qu'ils prétendent être considérés comme égaux à n’importe quel groupe social, c’est en soulignant leurs particularités et leurs différences qu'ils deviennent un groupe. Pour l'anthropologue brésilienne Sylvia Novaes Caiuby, Identity is evoked every time a group claims the political space of difference. These demonstrations do not have a specific interlocutor. The groups address either society in general or an abstract entity such as “the government.” It is within this broad context of recognizing similarities and differences that the articulation between power and culture becomes discernible. This articulation involves a desire to recover autonomy and the roads leading to it, which necessarily include the paths of culture. After all, it is precisely in the cultural domain that these groups (whether they be women or Indians) recover their autonomy and reassert their difference. (Caiuby Novaes, 1997: xiii)

Si au Brésil le malaise des photographes est lié aux inégalités sociales de la société brésilienne et à la criminalisation de la pauvreté, au Bangladesh, le malaise des photographes se passe au niveau international et est lié à l'inégalité « nord-sud », surtout après le 11 septembre 2001 et l'installation de la « guerre contre le terrorisme », à la criminalisation d'une religion – la musulmane. De cette façon, il est intéressant de noter que ce qui relie ces photographes autour de ces groupes est fortement lié au malaise d'avoir expérimenté des situations de violence symbolique (et parfois physique) liées aux préjugés à l'égard des étrangers. Caiuby Novaes avait déjà souligné en 1997 : « that this collective us, that is, this “broad” identity, is invoked every time a group demands greater social visibility in light of its historical obliteration. » (Caiuby Novaes, 1997: xi) Si l’« oblitération » est dû à la sous-production d’« autoreprésentations » par des groupes subalternes jusqu'aux années 1990, nous ne pourrons pas affirmer que ces groupes étaient à peine visibles, mais surtout largement représentés à partir d'un point de vue spécifique et externe : soit celui de l'aide humanitaire, soit celui de la sécurité. Cet article parle donc également du processus de devenir un sujet politique qui, dans les cas de ces groupes, se passe à travers un devenir-imagerie, comme l'a souligné Gonçalves et Head (2009). Un défi politique est au centre des deux écoles, qui sont des spécialistes dans les questions sociales, et cherchent à enseigner à leurs étudiants plus que les techniques et les théories de la photographie, des attitudes politiques et critiques.

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Comment est né un photographe militant musulman Le Bangladesh est né en tant que pays laïc. Bien qu’il ait été séparé de l’Inde parce qu’il avait une population à majorité musulmane, quand il a acquis son indépendance du Pakistan, en 1971, la laïcité ainsi que le nationalisme, la démocratie et le socialisme étaient les principes de la constitution de son Etat, dont la fondation a été déclarée en 1972. Même si, dès l’indépendance, se sont succédés au pouvoir l’Awami League (le parti du Sheikh Mujibur Rahman, le « père du Bangladesh ») et le Bangladesh Nationalist Party (une partie islamiste modérée opposée au socialisme), la religion n’était pas vraiment une des identités présentées par les activistes de gauche dans ce pays qui revendiquent jusqu’à aujourd’hui la laïcité du pays. Dans ce sens, qu’est ce qui fait qu’un jeune photographe militant se présente comme un musulman et s’occupe de la documentation des Madrasas et Mosquées au Bangladesh, tout en considérant cette pratique comme la seule pratique militante dans laquelle il s’engage, comme l’a fait Munem Wasif? Wasif est l'un des jeunes photographes les plus importants du Bangladesh aujourd'hui. Né à Comilla, Bangladesh, le 11 avril 1983, Wasif a commencé à recevoir des prix photographiques très importants dès ses débuts en tant que photographe professionnel, après avoir été diplômé de la Pathshala. Tôt dans sa carrière, il a travaillé pour le Daily Star, un journal local publié en anglais, et pour DrikNews (pendant deux ans), jusqu'en 2008 quand il a été engagé par l'Agence française VU279, qui est connue pour son attitude critique par rapport au marché photographique et pour la production d'œuvres sur des thèmes contemporains. Depuis 2010, il est aussi devenu chargé de cours de photographie documentaire à Pathshala. Sa trajectoire est similaire à beaucoup d’autres photographes formés par l'école, qui passent par l'agence et/ou terminent en tant que professeurs à Pathshala. Wasif dit qu’il a beaucoup souffert des préjugés quand il voyageait en dehors du Bangladesh, de venir d’un pays où la majorité de la population est musulmane. Il affirme qu’il a été traité comme un terroriste présumé après les attaques des tours américaines. Le 11 septembre a aussi laissé une marque dans sa vie. En effet, comme en réponse à ce « dérangement », Wasif a commencé à laisser pousser sa barbe et à photographier les Madrasas. D’après l’anthropologue Sayema Khatun, dans le processus historique, l’Islam a été pensée (et 279

www.agencevu.com 351

renforcée) comme une idéologie de contre-pouvoir et de résistance à l’hégémonie occidentale/américaine. Cette relation entre l’Islam et un activisme de gauche semble avoir été intensifié après le 11 septembre 2001. Wasif est conscient de ces luttes politiques et il veut y participer à travers les images. Grâce à sa propre image (avec la barbe et en s’autoproclamant musulman, même sans pratiquer la religion) et à ses photos, il veut montrer une autre image des musulmans et des bangladais. Sur sa page personnelle Facebook, par exemple, Wasif indique que sa religion est la « politically muslim » [politiquement musulman], en expliquant son intérêt politique dans ses discussions symboliques. Il fonde son argumentation également par rapport à ses photos.

‘In God we trust’: une documentation « politiquement musulmane » « In God we trust » [En Dieu nous croyons] est le titre donné par Munem Wasif à son essai photographique sur l'Islam au Bangladesh. Le titre a été choisi en raison de la phrase imprimée sur le dollar américain et Wasif a produit de nombreuses images sur cette histoire. Il a photographié sa famille et ses amis au cours de rituels importants, des moments de divertissement, d'étude, d'intimité et de plaisir. Il y a des scènes de la vie quotidienne et des protestations, mais aucun conflit. Il présente son essai sous la forme d'une histoire, alliant des photographies et des textes, et non au travers de photographies affichées individuellement. Grâce à cette série de photographies, nous pouvons comprendre l'intention de l'auteur pour créer un récit. Pour cette histoire, Wasif a photographié des personnes aussi proches de lui que sa sœur, Munmun, qui a décidé de porter le hijab après avoir fait le pèlerinage à La Mecque (Hajj) avec son père en 2009 ; son ami Topu, également professeur et photographe diplômé de Pathshala, est attiré par les principes orthodoxes de l'Islam et sa femme Reetu, une actrice militante. Parmi les nombreux thèmes abordés sur l'Islam, il y a des rites liés au Ramadan, comme l'Eid Al-Adha (ou la Fête du Sacrifice), un mariage, un enterrement, des prières (salat) et des madrasas. L'Islam est représentée dans son essai d’une manière modérée, où les gens boivent et les femmes fument et partagent des moments d'intimité avec des hommes qui ne font pas partie 352

de leur famille. En investissant dans les « diverses couleurs » de l'Islam contrairement ce qui est souvent montré, Wasif souligne ses propres symboles de la tolérance : le syncrétisme culturel et religieux que l'on trouve au Bangladesh, qui mêle des versets et des prières, des barbes et des jeans, des voiles et des rouges à lèvres. Ce sont des filles qui pratiquent la religion par choix, comme Wasif a déclaré en montrant une photo qu’il a fait de sa sœur280, dans sa présentation au Festival Dheli Photo 2011 : So this is my sister, Mumun, with whom I grew up with. So suddenly she went to Hajj with my father. Of course my father was so happy because my sister was going to Hajj with him. But I didn’t get it. And asked her: Why did you have to go for hajj? And then she came back, and she told me she wanted to wear this hijab. I thought that was crazy! I couldn´t believe that my sister would wear a hijab. Because my family is not at all a typical conservative family. And I really did not understand her. And I was angry with her for long time. I didn’t know what to say. And I did realized, after six months, that she was much more confident of herself than she used to be before. And she never looked so beautiful. Not in this picture, because now she has hijab from like maybe 30 different countries in the world. And she looks really beautiful. And she is really confident. And she really believes in Islam. Then I realized that if it is her own decision to wear this hijab, why would I have so many problems with that? And then I started talking to different people and ask how they are interpreting the religion and I found it so complex within a small country like Bangladesh. (Wasif, Delhi Photo Festival 2011)

En parlant de sa propre difficulté à accepter la relation de sa sœur avec la religion, et en exposant le conflit qu'il a vécu dans sa propre maison, dans sa famille, Wasif, à travers la recherche qu’il fait pour son essai, nous montre ses tentatives de comprendre et d’interpréter cette religion qui est pratiquée d’une manière complexe dans son pays. Le discours de Wasif et son incompréhension initiale à la décision de sa sœur de porter le voile, ainsi que son acceptation ultérieure, est liée à ce qu'un autre activiste visuel bangladais, Naeem Mohaiemen, a déclaré à propos du voile dans un discours sur le Visible Collective281, un collectif d'activistes, d’artistes et d’avocats intéressés par la discussion sur la panique et de la sécurité: This sort of thing is an interesting dynamic because now you find, for example, speaking for myself, growing up in a country like Bangladesh, my forming experience is to consider the hijab something to fight against. And now I find myself in an uncomfortable situation of having to defend the hijab against the French State. Simply because it’s the French State. So you find yourself in strange alliances. We’re having to defend that which maybe is not really defendable. But it becomes a symbol of other things.282

280

Voir l’essaie. http://www.disappearedinamerica.org/ 282 http://vimeo.com/20846275 281

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À partir de différentes nuances que l'islam peut avoir, Wasif nous présente dans son essai au moins cinq façons différentes de l'expérimenter : celle de sa sœur, celle de sa femme, celle de son ami Topu, celle des groupes radicaux et celle des partisans de la forme syncrétique pratiquée par les Bauls. Alors qu’il construit sa propre histoire et qu’il nous parle de sa façon de voir la religion, à travers les images, il nous montre aussi la façon dont lui-même l'expérimente : la forme politique, ou « politiquement musulmane », comme il la définit.

Comment est né un photographe militant populaire Les favelas de Rio de Janeiro ont toujours été représentées comme étant des parties différentes du reste de la ville. Appelées « ville informelle » (par opposition à la « ville formelle »), elles peuvent être considérées comme le berceau de la samba, le lieu de la ruse ou de la violence liée au trafic de drogue, la criminalité et les affrontements entre trafiquants et policiers. Penser à la ville comme partagée, comme l’a suggéré Ventura (2000) et évoquer la favela comme l'autre moitié de la ville, comme si les parties étaient différentes de manière homogène et pas interdépendantes de façon hétérogène est une vision réductrice qui ne tient pas compte de la complexité des diverses réalités sociales de Rio. Il s'agit des réductions et des complexités dont parle Bira Carvalho, l’un des photographes de l’Imagens do Povo, dans sa documentation sur l’« âme » de la favela. Bira est le photographe le plus âgé du groupe. Né le 22 août 1970, il avait environ 40 ans quand j’étais sur le terrain avec le groupe. Il n’a que le bac, bien qu’il ait déjà pensé à commencer un cours de niveau supérieur en Droit, il ne l’a jamais fait. Il a choisi ce cours après avoir fait un cours en médiation des conflits à la Fondation Getúlio Vargas (FGV), où il a constaté qu’il était « médiateur ». Il a fait ce cours après ses premiers cours de photographie, au moment où il a été impliqué dans un projet visant à « sauver les jeunes » de la criminalité dans l’ONG Luta pela Paz. Bira est également engagé dans divers projets qui utilisent le sport pour agir à l’égard des jeunes habitants des favelas de la Maré. Le sport est devenu important dans sa vie, surtout après qu'il soit devenu paraplégique en 1993, résultat d'un assaut auquel il a participé. Bira, qui faisait également partie de l'armée, disait avec fierté qu’il était le premier athlète en fauteuil roulant de la Maré. Il estime que, parce qu’il a été impliqué dans la délinquance et dans la consommation de drogues dans son 354

passé, et puis qu’il a changé de vie aujourd’hui, « sans rien demander », il est une référence pour ses voisins. Changer de vie est quelque chose de désiré par beaucoup de gens là où il vit. À travers les expositions et les publications collectives de l’Imagens do Povo, Bira a reçu des prix photographiques qui valorisent toujours le côté social de l’agence. Ces prix, expositions et publications collectives, contrairement à ceux individuels des photographes de Drik et de Pathshala, cherchent à valoriser leur différence en tant que groupe: ce sont des habitants des favelas. Le profil des personnes impliquées, alors, comme au Bangladesh (quoiqu’ils ne soient pas pauvres au Bangladesh), est un élément important dans l’élaboration des images, mais aussi dans l'intérêt du public pour elles. C'est parce qu'ils sont populaires (ou Bangladeshis) que ces images méritent d'être vues. Contrairement à Wasif, Bira ne travaille pas en élaborant des histoires. Il circule avec son appareil photo errant dans les favelas de la Maré et il photographie quand quelque chose le touche. Il n'aimait pas l'idée de choisir un thème car cela restreindrait la complexité de la vie et de « l'âme » de la favela, le grand thème qu’il photographie. Souvent accusé d'avoir « peu de professionnalisme », de ne pas « s’adapter » au format requis, Bira disait, en plaisantant, qu'il ne cherchait pas une relation de marketing avec la photographie, mais une relation émotionnelle. Bien que figurant parmi les classes inférieures de la société brésilienne, il affirmait qu'il avait assez d'argent et qu’il ne produirait pas des images sur des choses auxquelles il ne croyait pas juste pour plaire à une tierce personne.

L’ « âme » de la favela Bira a l’habitude de dire que dans tous les sujets qu'il choisit – les différents groupes sociaux, le sport, la religion – il y a une immense diversité de groupes à photographier. Ainsi, choisir un seul groupe serait restreindre le sujet. Il préféré se concentrer sur les pratiques qui unissent les différents groupes sociaux et pas sur celles qui les différencient, même si ce choix est le plus difficile, car il implique la création de relations à travers des images. Ce serait un exercice personnel, une recherche de la connaissance de soi, car pour créer ces relations une personne doit avoir « le cœur et l'esprit ouvert » ; elle doit également combattre des idées préconçues que lui-même pourrait avoir.

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Dans les quatorze photographies présentées par Bira dans son essai sur l’ « âme » de la favela, on voit des photos des pratiques religieuses, des événements sportifs et de loisirs. Quatre de ces photos ont été faites dans la rue où vit sa mère et cinq autres à la Vila Olímpica283, deux endroits où il a l’habitude de passer beaucoup de temps. Les enfants sont amplement photographiés. Un grand nombre de photos est dédié aux sports en raison de son travail à la fois à la Vila Olímpica et à l’ONG Luta pela Paz. Pour Bira, l'album parle de lui et de sa vie parmi les sportifs. Certaines de ses photos ont des légendes explicatives. Dans la plupart des cas, elles indiquent l'endroit où les images ont été prises. Les phrases sont courtes et il n'y a pas de texte de présentation. Bira, comme les autres photographes de l’Imagens do Povo, écrit très peu. Le manque d’écriture est dû au contexte social dans lequel ils sont insérés, les favelas. Même si les favelas sont le focus des travaux photographiques du groupe, seulement deux ou trois photos de l’essai de Bira nous orientent vers ces endroits : celle où on voit des maisons en cluster, l'une sur l'autre, la photo des athlètes qui courent avec les favelas au fond, et l'image des enfants qui jouent dans la rue la nuit. Comme Wasif, Bira cherche sa propre foi, sa propre « âme », à travers ses documentations photographiques. En choisissant de photographier la vie quotidienne de leurs parents et amis, Bira et Wasif cherchent à construire une contre-image des événements extraordinaires (et violents). En omettant les conflits, cependant, ils tombent dans le même piège que leurs adversaires : ils construisent de (nouveaux) stéréotypes pour créer des images aussi puissantes que celles qu’ils cherchent à combattre, en présentant toujours cette population comme « forte », « digne », « belle » ou « combattante », laissant les aspects négatifs de ces groupes en dehors de leurs représentations. Cette approche du stéréotype (positif ou négatif) résulte des pièges théoriques et politiques, car elle réduit les groupes à des images non complexes. Mais en opérant avec des stéréotypes positifs, ils suggèrent que l'investissement dans la transformation de leur propre image (en tant que groupe social) est plus qu'un « nettoyage symbolique » (Machado da Silva, 2008) : il s'agit d'une lutte symbolique pour le pouvoir. Et la façon dont ils choisissent de participer à ce champ de bataille n'est pas en rupture, mais par mimétisme, en copiant et en acquérant du

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Complexe Sportif de la Maré. 356

pouvoir sur leurs « opposants » (qui sont en même temps leurs partenaires), en se distinguant en même temps comme autres, ce qui renforce leur altérité et leur « authenticité » à travers des autoreprésentations, qui sont de plus en plus valorisées dans les cultures « occidentales » contemporaines.

La lutte pour la présentation d'une identité en tant que critique de la criminalisation de la population I would like to suggest that the notion of security is now not simply a political issue but a cultural issue. Security is the lengths through which you look at somebody and decide whether they are good Muslims or bad Muslims whether they are terrorists or not. Security has become a rich cultural dense now. And I think we should see it as such. One of the ways in which we think about difference now, one of the ways in which we think about identity now is through the lengths and through the technologies of security. Not simply security as surveillance but this is an idea that somebody who is next to us, somebody who is proximity to us, somebody who is away from us or distant from us is a security threat. Security has become a fully culture apparatus. (Bhabha, Writing Rights and Responsibilities284)

La relation entre la sécurité, la politique, la culture et l'identité, dont Bhabha nous parle, complète les propositions présentées par les photographes des deux groupes. Si nous regardons les personnes (proches et loin de nous) comme une menace (ou non) pour notre sécurité et si c'est par cela que l'on décide si une personne est un « bon » ou un « mauvais » musulman (ou favelado285), comme l'auteur l’a souligné, ces photographes travaillent avec l'intention d'intervenir dans ces relations. La construction identitaire de ces photographes est liée aux images qu'ils produisent et leurs productions sont également reliées à la relation que d’autres (imaginaire, réel) ont sur eux et sur les groupes auxquels ils appartiennent. Il existe une grande variété d'images produites par des photographes d'horizons différents qui visitent les favelas de Rio et le Bangladesh. Pourtant, l'une des principales critiques des deux groupes de photographes est liée au traitement sensationnaliste que les photographes étrangers donnent à ces endroits sans connaitre leur complexité et pour n’aller à de tels endroits que quand quelque chose d'extraordinaire se produit.

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www.youtube.com/watch?v=yER4QwiSl14&feature=relmfu La relation entre la « ville » et les favelados basé dans la peur que les premières ont des deuxièmes a été discutée par plusieurs auteurs tels que Gama (2006), Jaguaribe (2005), Novaes (1997) et Soares (1996). 285

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Les « grands médias » au Brésil et les agences internationales de développement et de presse au Bangladesh apparaissent comme les principaux producteurs des images « stéréotypées » et « remplies de préjugés » et sont présentés comme les principaux interlocuteurs (imaginés) avec lesquels ils dialoguent, ainsi que les spectateurs de leurs images. Les deux groupes entretiennent une relation tendue et étroite avec eux, en les critiquant tout en construisant des partenariats importants avec eux, et en ayant parfois leurs œuvres prisées par ces adversaires. Cette relation, qui semblerait contradictoire à beaucoup des gens, génère de nombreuses critiques à leur égard et nous indiquent les jeux présents dans ces luttes symboliques pour leurs identités et le pouvoir. Le fait qu'au Bangladesh les photographes se présentent comme « marginaux », mais maintiennent des partenariats avec les principaux centres photographiques internationaux (ou même « occidentaux ») a provoqué la déclaration suivante de Hoek sur le travail du photographe Abir Abdullah, qu'elle a pris comme exemple pour discuter sur les endroits où les photographes de Drik circulent: What Abir’s story also illustrates is how what may be considered more marginalised publics are in fact linked, both dialectically and cooperatively, to more dominant and exclusive public domains and discourses. (…) I would argue that these spaces are in fact linked, overlap, play off each other and are connected at many levels. Opposition and dominance are complex flows. Drik may be oppositional to some discourses, such as mainstream photojournalism, but not to all, such as mainstream photojournalism’s foremost forum, the Word Press Photo organisation. (Hoek, 2003: 90).

La relation de Drik avec la World Press Photo, qui est à la base même de la création de Pathshala, a généré une critique encore plus forte du photographe français Gilles Saussier, qui a vécu pendant deux ans au Bangladesh, dont une bonne partie a été consacrée à du bénévolat au sein de Drik : Certaines décisions ont été des jalons comme cesser d’enseigner le photojournalisme aux photographes bangladais pour ne pas leur inculquer des habitudes d’images dont j’essayais de me déprendre. Il y eut aussi la rupture de ma collaboration avec la Drik Picture Library dont le rôle d’agent du World Press au Bangladesh, me semblait propager les pires catégories de l’esthétique photographique occidentale, plutôt que de favoriser l’émergence d’un point de vue indigène indépendant. Le chauvinisme démagogique de Drik – « Le tiers-monde photographié par des photographes de tiers-monde » – rejoint celui de Nargis Dutt, actrice bollywoodienne et députée, qui avait attaqué Satyajit Ray à la tribune du parlement indien en ces termes : « Pourquoi croyez-vous que le film Pather Panchali soit devenu si populaire à l’étranger ? Parce que les occidentaux veulent voir l’Inde dans une situation abjecte. C’est l’image qu’ils ont de notre pays, et un film qui confirme cette image leur semble authentique. » (Saussier, 2007)286 286

Aussi disponible en http://www.gilles-saussier.fr/textes/studio-shakhari-bazar-25.html?lang=fr 358

Sans nier la connexion existant entre la réception/acceptation (ou même la récompense) de la production de Drik dans le marché qu’elle critique, ce qui est important pour comprendre les ruptures et les continuités des productions de représentations dans lesquelles elle opère, je crois que Berntsen (2011) présente une réflexion plus intéressante pour réfléchir à propos de cette relation complexe. L'auteur propose qu’on regarde les relations établies par Drik à partir du concept de mimesis de Michael Taussig, en suggérant qu’en copiant les « stratégies » de leurs « opposants », les photographes de Drik et de Pathshala seraient en train de mimer leurs pratiques pour conquérir le pouvoir. To manoeuvre between political and ideological interests on the one hand and economic constraints on the other, Drik has adapted to a set of strategies that attempt to lock the interpretative space of the photograph as well as to take control of the relation between the agency and its clients. Could the counter-Orientalist measures taken by Drik be seen as a form of mimesis in Taussig’s (1993) sense, whereby Drik and affiliated photographers imitate the strategies of their opponent, in order to attain the power possessed by Western media agents? It is beyond the scope of this thesis to explore this parallel in full, but my ethnographic observations nevertheless suggest the potential for a Taussingian analysis to the study of the agency of the “represented” where Gullestad and Said left off. At the same time, my material indicates that Drik has to tolerate a certain amount of Orientalism, in order to enable, and indeed finance, the production of counter-Orientalist representations. The lines, however, are not always clearly distinguishable. Drik affiliated photographers’ resistance is inevitably articulated through, and as we shall see to some degree trapped by the language of their opponent. This is what Larsen (1999:106) has referred to as “the problem of the opposition”, which provides a fruitful analytical angle for my main contention in this thesis. (Berntsen, 2011: 23-24)

Dans Mimesis and Alterity (1993), Taussig montre comment l’(in)dividu d'une culture peut adopter des caractéristiques culturelles d'une autre (par le biais du processus de mimésis), en acquérant du pouvoir sur eux et, en même temps, en se distinguant des autres, en renforçant leur altérité. Ces processus sont complexes et reliés. C’est quand ils inversent les rapports de force qu'ils ont la capacité de rester eux-mêmes. Mais si le groupe bangladais cherche à dominer les techniques et les stratégies de leurs « opposants », les photographes brésiliens n'hésitent pas à photographier comme ils le « sentent ». Probablement parce qu'ils occupent des postes moins puissants que ceux de Drik, ils sont sauvés des critiques comme celles qu’on voit ci-dessus. Ni l'un ni l'autre groupe, par conséquent, cherche une rupture ou offre une critique radicale à ceux qu'ils critiquent. Ils investissent dans des négociations susceptibles pour offrir peu-à-peu d'autres (ou plus complexe) images de certains groupes sociaux. 359

Bien que les deux groupes photographient le bonheur et la tristesse de ces populations, basées selon leur point de vue sur leur combat quotidien, leur reconstruction et leur force, ils ont quelques différences. Au Brésil, ils investissent dans des images de la « beauté » des favelas et de leurs habitants, et au Bangladesh, ils évitent des images de joies dans des contextes de pauvreté. Cette différence dans l’élaboration de leurs représentations est liée à la façon dont chaque société se penche sur la pauvreté. Si au Brésil les photographes évitent les images qui relient les populaires par le biais de leurs activités quotidiennes, ils investissent dans les photographies qui augmentent leur estime de soi. Au Bangladesh, parce qu’ils sont largement décrits comme une population qui a besoin d'aide et de capitaux étrangers, ils critiquent les images qui pourraient montrer des visages reconnaissants, voire de la souffrance, comme celles produites par les organisations humanitaires internationales. Ils croient que ces images sont en accord avec le soi-disant « NGO style », les images produites par les ONG pour financer leurs projets, comme l'a souligné ironiquement Shahidul Alam, dans son essai The Majority World Looks Back: Charities and development agencies need to raise money from the western public. The best way to pull the heart strings – and thereby the purse strings – is to show those doleful eyes that a few pennies could save. Perhaps photographers from the South cannot be trusted to understand this. Perhaps they are so hardened to such images of daily suffering that they are unable to appreciate the impact these sights might have on western audiences – and the coffers of western aid agencies. (Alam, 2007)

Montrer la population photographiée de la meilleure façon qui soit, est l'objectif des deux groupes, tout en travaillant dur pour montrer la lutte et la dignité de ces personnes. Dans ce sens, être un militant peut signifier montrer la beauté là où elle n'est pas normalement considérée, comme le fait le groupe brésilien, presque toujours en cachant des tragédies vécues par la population, ou montrer des images de la reconstruction et de la lutte « pour la survie » d'une population qui est souvent photographiée « dans le besoin », comme le fait le groupe bangladais. Cela peut aussi signifier concourir d'égal à égal avec n'importe quel autre photographe dans le monde, comme a revendiqué Alam. La liberté de photographier sans se soucier des besoins du marché, ainsi que contextualiser les images produites est important pour tous ces photographes. Les photographes brésiliens et bangladais, cependant, entretiennent des rapports différents avec le marché. Si les brésiliens 360

ne semblent pas être préoccupés par la reconnaissance financière des photographies qu'ils produisent, au Bangladesh, ils croient que c'est par cette reconnaissance qu'ils pourront faire leur travail d’une manière viable. En réfléchissant sur leurs pratiques et leurs propositions, nous comprenons que pour ces photographes des "bonnes" représentations sont liées à certains points fondamentaux: 1) rester longtemps sur place pour enregistrer les images, 2) établir une relation étroite avec ceux photographiés, 3) documenter la vie quotidienne, 4) présenter le photographié d'une façon positive, digne et forte, 5) investir dans une large distribution des images produites, 6) retourner les images aux photographiés et 7) créer des récits qui guident l'interprétation des images, que ce soit par la construction d'un essai photographique ou en combinant des textes et des images. Les « mauvaises » représentations, en revanche, seraient celles qui ne prendraient pas en compte tous les points ci-dessus ainsi que: 1) ne pas respecter les personnes photographiées, en montrant des scènes qui dénigrent ces personnes ou qui envahissent leur vie privée, 2) montrer la population comme violente ou opprimée, 3) se baser sur des préconcepts ou des stéréotypes négatifs, 4) se concentrer sur le spectacle au détriment des questions importantes liées à la lutte quotidienne. Un photographe militant dans ces contextes, donc, pourrait être défini comme quelqu'un qui se bat pour un problème mais aussi qui s'engage dans un type de représentation proche, respectueuse et avec l'objectif de transformer une représentation partiale qui causerait des problèmes politiques, économiques, sociaux et même liés à la sécurité pour un groupe social particulier.

La vie quotidienne comme une alternative au spectacle The “private life” is nothing but that zone of space, of time, where I am not an image. It is my political right to be a subject, which I must protect. (Barthes, 1981: 14)

Pour comprendre comment ces photographes imaginent la vie quotidienne qu’ils représentent, il faut garder à l'esprit deux caractéristiques importantes de la vie sociale, tels que présentés par Ervin Goffman dans A Representação do Eu na Vida Cotidiana [The Presentation of Self in Everyday Life] (1975) : la théâtralité et l'idéalisation de leur représentations. Mais si 361

Goffman souligne que l’élaboration de représentations dramatiques peut transformer en spectacle des scènes de la vie de tous les jours ; Débord (2003), à son tour, donne à penser que le spectacle et l'expérience ne peuvent pas être séparés, formant ainsi un autre « double » présenté dans cette thèse, qui tend une relation étroite et tendue, parfois confuse. Taslima Akther est une photographe militante bangladaise. Née le 6 Mars 1974 connue sur le pseudonyme de Lima, avait 36 ans quand j'ai fait mon travail sur le terrain à Dhaka. En troisième année du cours de longue durée de Pathshala à ce moment là, elle était depuis quelques années impliquée dans le mouvement des couturières [garment workers] au Bangladesh. Ces travailleuses constituent probablement le groupe social le plus connu du pays, en raison des exploitations auxquelles il est soumis. Les accidents dans les fabriques ainsi que les bas salaires payés par des grandes marques internationales aux femmes et aux enfants bangladais sont très médiatisés. C’est sur ces travailleuses que Lima a décidé de faire un essai photographique en 2010 intitulé « The life and struggle of garment workers » pour offrir son point de vue sur cette réalité. L’idée de l’essai apparut à partir d’une commande de Clean Clother Campaign, une alliance d'organisations (telles que des syndicats et des ONG) de quinze pays européens qui luttent pour assurer les droits des femmes, des employé-e-s et des consommateurs ainsi que pour réduire la pauvreté dans le monde. CCC intervient spécifiquement dans l'industrie textile, en faisant des campagnes internationales, notamment en Europe. Alors qu’elle croyait à la pertinence du travail développé par CCC en faveur de l’appui des couturières, Lima a accepté la commande et espérait que l’organisation pourrait avoir une action auprès des consommateurs occidentaux en pressant les entreprises qui achètent des vêtements produits dans des conditions précaires au Bangladesh à changer leur système de production. Bien qu'elle ait été embauchée pour travailler pendant deux jours, Lima a passé quatre jours et quelques nuits à photographier des couturières chez elles. Pour la photographe, quel que soit le montant qu'elle recevrait, il était important que le travail soit bien fait. Pour l'essai publié sur le site web de la CCC, Lima a fait plusieurs légendes pour les photos avec l'aide des professionnels Drik. En soumettant des photos à l'ONG, elle a demandé que ses textes soient publiés comme elle les avait envoyés, sans interférence, en interdisant d'entrer des 362

informations sans son accord préalable. Elle voulait être sure de la représentation présentée. Les noms des couturiers photographiés dans les légendes sont fictifs, mais Lima a choisi d’offrir son nom de famille (Akhter) à certaines des couturières qu’elle a présentées, en les rapprochant symboliquement d’elle-même. Les images sont très colorées, grâce aux tissus des vêtements utilisés par des couturières, et elles ont été faites principalement dans les intérieurs des maisons. L’environnement de luminosité faible produit une représentation sombre qui s’accorde avec la dure réalité de la vie de ces travailleuses. L'atmosphère sombre, cependant, contraste avec les couleurs des tissus que nous voyons sur le corps des femmes, qui constituent également la matière de leur travail. Au Bangladesh, quand il s'agit de la demeure des couturières (profession essentiellement féminine, bien qu’il y ait beaucoup d'hommes qui travaillent dans les petites usines du pays) et des rickshawallahs (conducteurs de tricycles de sexe masculin), c’est l’image des bosties, les « favelas » bangladaises qui vient à l’esprit. Ce sont des groupes de travailleurs qui migrent à partir de plusieurs villes et villages de la campagne à la capitale pour chercher du travail, encore très jeunes, à la recherche de meilleures conditions de vie. C'est la lutte quotidienne pour avoir une vie décente qui est soulignée, en particulier à travers les images. Lima les représente comme n’importe quelle autre famille, dont les membres sortent tôt pour le travail, font de la cuisine et enseignent aux enfants à lire et à écrire. C'est grâce à ses textes que nous découvrons que la nourriture est faite rapidement dans une cuisine communautaire, qu’elles n'ont pas d’assistance au travail pour leurs enfants (et à cause de cette difficulté elles se sont organisées avec des bénévoles qui prennent soin des enfants pour que les mères puissent travailler) et qu’elles vivent dans des environnements d'une seule pièce. Dans l’essai de Lima, ce sont les femmes qui sont focalisées par l’appareil photo. La combinaison de textes et d'images que Lima produit dans son essai, ainsi que la réconciliation dans un seul projet de ses propres désirs à ceux de l'organisation contractante a faite de « The life and struggle of the garment workers » un cas idéal pour Drik. La séquence de photos, c'est à dire, son récit, permet au lecteur de comprendre le contexte dans lequel ces images ont été produites (Becker, 1974). La proposition de produire des essais en combinant des photos et des textes est une stratégie pour s'assurer que son image sera comprise comme prévu. Une 363

seule photo pourrait être facilement utilisée en dehors de son contexte. Mais un essai qui s'appuie sur des différents textes rend la compréhension plus fermée. Il s'agit d'une stratégie de Drik, « a strategy adapted to protect the rights of the photographers and the social goals of the agency. » (Berntsen, 2010: 57). L’essai de Lima nous offre une représentation complexe de la vie quotidienne de ces travailleuses, de leurs organisations familières et de l'infrastructure et des ressources qu’elles ont pour vivre. Nous apprenons comment elles organisent leurs journées de travail, comment elles prennent soin d'elles-mêmes et de leurs familles quand elles rentrent chez elles, qu’elles font face à des difficultés économiques, sociales et émotionnelles. Les informations fournies par les images ne sont pas du même ordre que celles fournies par les textes, mais les complètent. De la classe ouvrière, une catégorie importante pour les deux groupes, Lima présente d'autres sujets importants tels que la religion, l'éducation, la nourriture, les inégalités sociales et les inégalités entre hommes et femmes etc. C'est aussi par les couturières qui nous accédons à la vie quotidienne de la population vivant dans les bosties. Au Brésil, Francisco Valdean a fait une série de photos sur la vie quotidienne des favelas et un Blog intitulé O Cotidiano [Le Quotidien], créé pour diffuser des informations et des réflexions sur la vie dans les favelas de la Maré et sur la ville de Rio à partir de la perspective d’un habitant d’une favela. Valdean avait 31 ans quand je réalisais mon travail sur le terrain au Brésil, dont seize ont été vécus à la Baixa do Sapateiro, l'une des 16 favelas de la Maré. Étant né au nord du Brésil, Valdean a déménagé à Rio à la suite de sa mère, qui, après la séparation de son père quand il avait 8 ou 9 ans, a décidé de migrer vers la ville en quête de travail. Valdean voulait terminer ses études, car dans sa ville natale il ne pouvait étudier que jusqu’à la première année du cours élémentaire. En arrivant à Rio, cependant, Valdean a dû travailler pour contribuer au revenu familial et a eu divers travails avant d’avoir son baccalauréat en Sciences Sociales, cours qu’il a rejoint par le système des quotas, en 2008. Au cours du Lycée, il a rencontré une personne qui travaillait au CEASM, l'ONG qui a donné origine à l’Observatório de Favelas. C'est grâce à elle qu’il a rejoint les activités de l’ONG où il a participé à son premier cours de photographie et qu’il est allé travailler dans la banque d’images de l’Imagens do Povo, en raison de sa formation en informatique. Sa formation en photo, donc, a commencé en 2004, mais le Blog n’a commencé qu’en 2007. 364

Ses photos sont souvent présentées sans un recadrage thématique spécifique. Valdean considère que tout ce qu’il produit est lié à la vie quotidienne des habitants des favelas, en particulier celles de la Maré. C’est pour cela qu’il n’avait pas l’habitude de nommer ces essais, ce qu’il a fait cependant quand il a reçu une commande du Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), un groupe de communicateurs, journalistes, intellectuels, graphistes, illustrateurs et photographes qui visent à améliorer la communication, à la fois des mouvements populaires, des syndicats et d'autres collectives. La demande est arrivée quand une tension s’est installée à la Vila Cruzeiro, une des favelas de l’Alemão, à Penha, Rio de Janeiro, à la fin de 2010. C’était lors d'une occupation militaire qui faisait partie d'un programme de la Secretaria do Estado de Segurança do Rio de Janeiro [Bureau de la Sécurité de l'Etat de Rio de Janeiro] qui cherchait à « pacifier » quelques favelas de Rio et à retrouver certains territoires occupés par des trafiquants de drogue à travers l’installation d’unités de police de proximité. Valdean connaissait déjà les favelas de l’Alemão avant de recevoir cette commande à réaliser en deux jours, même période proposée à Lima pour la documentation sur les couturières au Bangladesh. Le contexte dans lequel les essais sur chaque groupe social a été fait, cependant, était tout à fait différent. Avec le désir de documenter la vie quotidienne des habitants d’une favela au cours d'une occupation militaire, Valdean a eu des difficultés liées à la tension établie, mais il ne le voulait pas les montrer. Dans l'essai intitulé « O cotidiano do ‘Alemão’ », nous voyons beaucoup de personnes marchant dans les rues, des voitures, des motos et une voiture de la police. Images qui documentent le « droit d'aller et venir », souvent ignorée lors de descentes de la police. Contrairement aux photos de Lima qui ont été faites surtout à l'intérieur des maisons et en basse lumière, les photos de Valdean ont été faites dans la rue, surexposée. Beaucoup d’images ont été faites en contre-plongée, vers le haut, un angle que le photographe aime utiliser parce qu’il met en valeur les photographiés. Les images que Vandean a faites sont moins mises en scène que celles faites par Lima. Dans ses photos il y a aussi plus de contact visuel entre le photographe et le photographié. Dans la plupart, cependant, il a été distant des personnes qu’il a photographiées, en faisant les images 365

sans interférer dans la scène. Tout en essayant de photographier l'habituel, le banal, dans un moment d'exception, de violence, en essayant d'échapper des « informations sur le temps réel » pour rester fidèle à ce qu’il croit qui est important d'être mis en évidence, Valdean refuse de se positionner de façon différente, dans un moment exceptionnel, en se positionnant comme quelqu'un qui se penche sur le conflit d'un point de vue différent. Dans un essai publié sur le site de l’Imagens do Povo, la vie quotidienne présentée est celle des plusieurs favelas, notamment la sienne, à Maré. Cet essai est publié sans titre, comme toutes les autres consacrées à la présentation des photographes de l'agence sur Internet. Il détient une collection de photos publiées avec quelques légendes courtes qui indiquent souvent le lieu où la photo a été prise. Le quotidien présenté par Valdean à travers cet essai est plus large et plus complexe que celui présenté sur l’Alemão. Dans cette documentation, il y a des photos de différentes activités, des portraits et des paysages. Il y a des images produites à l'intérieur et à l'extérieur des favelas et une réalisée dans un autre état. Certaines photos ont été prises à contre-jour, d'autres dans des environnements peu éclairés, en suggérant des scènes et des portraits à travers des expérimentations de représentations plus « esthétiques ». Le « loisir », qui est souvent associé aux sports, et la « beauté », fréquemment liée aux peuple, sont les cibles principales de l'agence brésilienne. Mais l’intérieur des maisons, contrairement à ce qu’a fait Lima, sont très mal documentées. Cette absence, toutefois, ne semble pas être un refus ou une volonté d'omission de certaines images, mais une non-étrangeté de ce qui peut être encore vu comme « naturel », n’étant pas un sujet à être photographié. Il y a également une préoccupation par rapport d'autres sujets, d'autres représentations, conçues dans la plupart des cas collectivement et, donc, documentés dans les lieux publics. Il y a de plus en plus de groupes concernés par la construction d’autoreprésentations, qui souhaitent participer à la lutte politique pour avoir l’autorité de parler de soi/se représenter dans la contemporanéité. Aujourd'hui, les populaire, par exemple, ont chaque fois plus d'espace pour parler de leurs lieux d'habitation, pour construire leur mémoire, pour diffuser leurs histoires et pour produire leurs images. Il en est d même pour les photographes des pays fortement documentés par des étrangers, comme le Bangladesh. Ces nouveaux producteurs d'images et d'informations apportent une nouveauté au débat sur les représentations sociales et 366

sur la manipulation des médias (photographie, vidéo, Internet, etc.) lorsqu’ils stimulent la diffusion de représentations basées sur la spécificité d’être fabriquées par des personnes vivant dans les endroits où les images sont produites. La façon dont certaines localités sont montrées, peut en outre influencer la relation établie avec des étrangers, et est également capable de modifier la relation que les (in)dividus ont avec leurs territoires, leurs religions et leurs voisins. En plus de participer à la lutte représentationnelle à l'intérieur et à l'extérieur de leurs sociétés, ces photographes construisent simultanément leurs identités et leurs autoreprésentations dans un processus hautement subjectif. Ces photographes pensent que l’exposition des images qu’ils produisent vers les étrangers peut être le début d'une transformation politique et sociale plus profonde. Transformation qui se passe à un niveau subjectif, sur leurs représentations et leurs identités, mais aussi sur un plan plus concret, comme dans la préparation des projets et des politiques tournés vers ces populations. Car s'il y a une méconnaissance généralisée de ces groupes sociaux, leurs images pourront influer positivement, d’une façon plus humaniste, dans les relations entre les différents groupes sociaux.

Photographier son propre groupe en période d'incertitude L'alternative que ces photographes proposent aux représentations stéréotypées est une documentation à long terme de la vie quotidienne de leurs voisins et compatriotes. Ils investissent dans des images qui confèrent la dignité aux gens et qui présentent ces populations comme « fortes », à travers la création de récits visuels ou des récits qui combinent des narrations visuelles à des narrations verbales/textuelles. Les violations des droits de l'homme et d'autres types de violence apparaissent à travers leurs histoires de vie et leurs trajectoires, ainsi qu’à travers l'enregistrement des manifestations et des protestations. Dans les deux groupes, cependant, il y a eu des « événements critiques » (Das, 1995) qui ont défini les limites de la documentation de la violence et de la façon dont ils pourraient/devraient porter plainte. Des exemples de ces événements critiques peuvent être trouvés à la fois dans le livre « Heroes Never Die - Tales of Political Violence in Bangladesh, 367

1989-2005 », du photographe bangladais Saiful Huq Omi publié en 2006 et dans les essais photographiques des assassinats d'un enfant et d’un adolescent par la police dans l’une des favelas de la Maré par le photographe brésilien Naldinho Lourenço. Au Bangladesh, Omi a publié son livre sur des victimes de la violence politique grâce à un partenariat avec l’ActionAid Bangladesh. Ce livre nous montre l'histoire de onze familles de différentes régions du pays qui ont subi des attaques de groupes islamistes radicaux. Elaboré après une année de recherches et de visites sur le terrain, le livre présente des images et des textes, ainsi que les paroles des chercheurs, du personnel de l'ActionAid, des victimes et de leurs familles. Le livre a été publié dans un format paysage, en A5, et les photos ont été imprimées en grands formats. La combinaison entre les discours visuels et textuels permet au lecteur de se sentir dans l'environnement représenté à différents niveaux. La plupart des discours ont été écrits à la première personne, dissolvant les frontières entre le photographe/narrateur et les personnages. Cette stratégie génère une intimité avec les personnes photographiées qui produit une sensation de peu d'intervention par les médiateurs, en apportant une ambiance très

subjective. Parfois, les mots de ceux représentés sont

reproduits entre guillemets, parfois non, ce qui augmente la fluidité et la confusion des frontières entre le « je » et l’« autre ». Les riches et les pauvres, les hindous, bouddhistes, musulmans, hommes et femmes, adultes et enfants. Dans le livre d'Omi, tout le monde est tout aussi vulnérable à la violence politique dans ce pays, qui prend une forme différente au Brésil, principalement dirigée vers les classes populaires, comme nous le verrons. Dans ce travail, donc, Omi attire l'attention sur les violences qui se passent dans la vie des gens ordinaires au nom de la politique. Les personnes représentées par lui sont des victimes d'attentats à la bombe par des fondamentalistes. Ce sont des mutilés, des personnes agressées par des policiers et une femme violée. Parmi les onze victimes, seule une est morte. Tous les autres ont survécu, parfois avec un membre en moins, parfois avec des marques et des séquelles permanentes. Les attaques, qu'ils ont subies, suggèrent non seulement l'intention de leurs agresseurs de les tuer, mais surtout leurs intentions de faire souffrir leurs victimes. Cette volonté de « souffrance » apparaît sous une forme plus explicite dans le cas de Radhna, une femme hindoue qui, après avoir reconnu un voisin qui l’avait violée, a eu les deux yeux crevés avec une cuillère par ce dernier.

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Si la souffrance extrême produit la déshumanisation des victimes, comme l'ont suggéré Lacerda (2012) et Pollak (1989), Omi offre d'aller « au-delà » des corps des victimes dans un désir de ré-humaniser ces victimes, ramenant à l'histoire de leur vie quelque chose qui avait été volé par la violence physique et émotionnelle dont ils ont souffert: leur « humanité ». Dans ses représentations, Omi évite les images spectaculaires et l’horreur. On ne voit pas le sang des cadavres. Au-delà de la tragédie vécue, dans les textes et les images, on voit la représentation de personnes qui tentent de survivre, de se battre pour quelque chose. Grâce à la façon dont Omi les voit, le spectateur de ses images a également la chance de passer à travers les différentes étapes émotionnelles par lesquelles Omi est passé : de la pitié à la compréhension, de la lutte à la résistance de ces personnes. On voit le même effort pour ré-humaniser les victimes dans les images-dénonciations faites par Naldinho, spécialement dans les cas de meurtre de Matheus et de Felipe, tous les deux tués par des policiers qui les accusaient d'être impliqués dans le trafic de drogue. Matheus avait 8 ans quand il a été tué alors qu’il sortait de chez lui à la Baixa do Sapateiro, l'une des favelas de la Maré, en décembre 2008. Felipe avait 17 ans quand il a été tué dans une autre rue de la même favela, en avril 2009. Tous deux sont morts d'une balle dans la tête. Naldinho, qui vit aussi dans la même favela, est arrivé peu après les meurtres à l'endroit des crimes et il a documenté à la fois le corps (dans le cas de Matheus) et les funérailles puis les manifestations qui l’ont suivi (dans les deux cas). Matheus partait acheter du pain pour son oncle quand il a reçu une balle de l'un des quatre policiers qui recherchaient des trafiquants de drogue. La moitié de son corps était à l'intérieur de la maison, l’autre moitié à l'extérieur. Il est mort instantanément. Cet « événement critique », l’assassinat violent d'un enfant, a choqué la société et a été intensifié par les photos publiées par Naldinho, qui ont eu un grand impact à l'intérieur comme à l'extérieur des favelas. Afin d'empêcher la police d’accuser Matheus pour trafic de drogue, Naldinho a envoyé ses photos à plusieurs militants des droits de l’homme et des journalistes de médias alternatifs. Ses photos ont également servi comme preuve de la violence de la police dans les favelas. La « photo de la monnaie », nom donné à l'image que Naldinho a fait de la main sanglante de

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Matheus entrouverte tenant une monnaie d’un real287, est devenue un symbole de la lutte contre la violence policière et elle a assuré la « véracité » de l' histoire sur le meurtre de l’enfant. Matheus n'avait pas d’arme à feu ou de paquet de drogues, mais une pièce dont il avait besoin pour acheter du pain. Montrer qu'il était un enfant innocent a permis à la famille de Matheus de retrouver sa dignité. Felipe, en revanche, est mort après avoir reçu une balle de l'un des cinq policiers qui se déplaçait dans les favelas de la Maré dans une voiture en harcelant des habitants. Pour justifier le meurtre, les policiers l’ont également inculpé comme criminel et ils ont affirmé qu'il avait été tué dans une confrontation entre eux et les trafiquants de drogue. Le lendemain de l'assassinat et pendant l'enterrement, ses amis, des jeunes, sa famille et certains militants des droits de l’homme ont dénoncé sa mort qui était vue comme faisant partie d'une politique d'extermination des habitants pauvres des favelas de Rio. Ils ont bloqué une des plus importantes avenues de la ville à l’heure où il y a le plus d’embouteillage. La manifestation a été fortement réprimée par la police qui, en voyant Naldinho photographier l'événement, l’a accusé de mener la protestation et l’a menacé de prison. Les menaces ont surpris le photographe et ont apporté une série de réflexions sur l’importance et les limites de la réalisation de telles documentations par lui-même et les autres photographes de l’Imagens do Povo.

Quelques réflexions sur la relation entre l'autoreprésentation et le photoactivisme La façon, qu’Omi a trouvée pour « ré-humaniser » les victimes de la violence photographiée au Bangladesh, est de raconter ses histoires et de les montrer, dans leurs maisons, avec leurs familles, à travers des images qui mettent en valeur leurs qualités et non leurs débilités. Omi voulait que ses lecteurs puissent aller « au-delà des corps » des handicapés photographiés. Au Brésil, par ailleurs, la façon que Naldinho a trouvée d’« humaniser » le meurtre de ses voisins a été de suivre et de documenter la douleur de leurs parents et amis dans leurs funérailles et dans les manifestations qui ont suivi. Prouver qu'ils ne sont pas des criminels, mais des étudiants et, dans le cas de Felipe, travailleur, a été l'une des préoccupations majeures de

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La monnaie brésilienne. 370

Naldinho. La mère de Felipe a dit: « Ils ont tué mon fils et persistent à dire qu'il était un criminel. » Omi a écrit quelques commentaires, des photos et les a publiés avec sa voix et celles des victimes, ainsi que les voix des familles et celles de l'organisation. Naldinho a publié ses photos avec un texte écrit par un journaliste qui est résident de la même favela où lui et les voisins assassinés vivent. Les histoires de vie de chacun d'entre eux sont racontées par des images et textes combinés, en démontrant qu'ils n'étaient pas des criminels, mais des victimes. Au cours de leur travail, et aussi après la publication de leurs photos, Omi et Naldinho ont été victimes de harcèlement et de menaces par des criminels et de « l'État ». Les deux parties ne veulent pas des documentations de ce type. L’ActionAid a reçu des appels provenant de certains secteurs de l'administration de l’État en les exigeant d’arrêter la distribution du livre. Naldinho, en revanche, a été personnellement menacé par des policiers. En utilisant consciemment les photos comme un outil que soutien ses actions politiques, Omi et Naldinho défient les représentations faites par les medias dominants de leurs réalités. Leurs projets portent à la scène d’autres points de vues, mais aussi des multiples et complexes constructions sociales et intellectuels faites d'une même « réalité ». Ils nous montrent d'autres versions de la réalité diffusée (ou réduite au silence) par d'autres. Dénoncer cette violence, sous ses différentes formes dans le feu des événements et en s’appuyant en particulier sur des images, apporte des conséquences à différents niveaux. Le « caractère d'évidence » de la photographie, qui nous fait croire que ce que nous voyons dans l’image s’est passé tel qu’il a été enregistré, apporte en même temps la curiosité et la peur. Les photographes, avec leurs appareils photo sont puissants. En même temps, documenter la violence subie par des groupes sensibles en période d'incertitude, et à partir d’un point de vue « intérieur », par les acteurs « sur le terrain », est dangereux. Si la proximité dégage une aura d'authenticité, elle signale également, en particulier pour les groupes documentés, qu'ils peuvent subir des représailles, comme les diverses menaces qu’ils ont vécues.

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Conclusions En choisissant la relation entre l'identité et l'altérité pour réfléchir sur l’autoreprésentation comme un outil qui permet une action politique, je me suis intéressée à la façon dont les groupes de photographes militants se perçoivent, se présentent et se représentent. La ligne de réflexion que j'ai choisie a porté principalement sur trois questions clés, parmi plusieurs autres, de la photographie politiquement engagée contemporaine: l’autoreprésentation, la documentation de la vie quotidienne et la dénonciation des violences. Les motivations qui ont poussé ces photo-militants à construire leurs histoires, les partenariats qu’ils ont établi pour la réalisation de projets, les nouvelles formes de financement qui ils ont trouvé et les différents moyens de diffusion et de publication qu’ils ont utilisés, ont été quelques-uns des points qui m'ont permis de comprendre la façon dont collectivement ces photographes agissent et démontrent leurs points de vue. La « professionnalisation » et l’« activisme » sont souvent apparu comme des champs (Bourdieu, 1992) distincts. Moralement distincts en raison des exigences du marché, que ce soit en ce qui concerne le bénéfice ou les convictions politiques des photographes, qui sont régulièrement en désaccord avec ce qui leur est demandé (par exemple, le « style ONG »), effectuant un travail sans s'impliquer émotionnellement et politiquement avec le thème représenté uniquement à « payer ses factures ». Au Brésil, les allégations de « survie », ainsi que l'idée de « sauvegarder les jeunes de la criminalité », une idée fréquemment véhiculée par des ONG, sont critiquées par les secteurs « plus engagés » de la société et donc elles ne relèvent pas les discours des militants près desquels j'ai travaillé. Au Bangladesh, l’importante production d’images pour le marché international souligne le désir de participer dans ce champ et d’être reconnu à « l'Occident ». En ce sens, le thème social apparaît à la fois comme un biais financier et comme un lieu de production d’une (auto)représentation différenciée. Pour soutenir la concurrence sur le marché dont les photographes cherchent à participer, ils offrent à leurs spectateurs ce qu'ils veulent, mais d'un point de vue différent, « interne ». Les photographies réalisées par les photographes populaires brésiliens n’arrivent que très rarement à l'étranger. En revanche, celles produites par les bangladais sont presque toujours 372

adressées à des agences, des fondations et des revues internationales. En critiquant le regard « euro-centrique », c’est à l'Europe et aux États Unis que Drik dirige ses images. Imagens do Povo et Drik offrent, par conséquent, des critiques différentes sur les stéréotypes imposés par la polarisation « nous x eux ». Bien qu’au Brésil les populaires envisagent de montrer comment « nous » et « eux » nous ressemblons, au Bangladesh, le groupe a recours aux inégalités au sein de son pays pour occuper des positions auparavant dominées exclusivement par les Occidentaux sur le marché. Ils progressent sur l’occupation du marché, mais ils stagnent dans le développement d'une critique de l'inégalité interne. En outre, le marketing favorise une meilleure circulation des images et donc de leurs idées. Les photographes plus indépendants économiquement qui occupent des positions plus stables dans le marché (qualités souvent interdépendantes), ont tendance à être plus exigeants sur les travaux qu’ils acceptent de réaliser. Cependant, l'idéologie (l’ensemble d'idées politiques et sociales) des photographes jouent un rôle important dans les images produites par chacun d'eux. Ainsi, si la question économique se pose, elle ne se rapporte pas exclusivement à la « lutte pour la survie », mais aussi au désir d'acquisition de droits politiques, économiques et sociaux. Comme je l'ai démontré tout au long de ce document, le projet de construction de représentations « plus respectueuses » des personnes photographiées par ces groupes porte sur un certain nombre de stéréotypes, à la fois positif et négatif. Ces stéréotypes sont nés des nombreuses

dualités qui (se) présentent: centre/périphérie, ouest/est, riche/pauvre,

bidonville/ville, gouvernants/gouvernés, hégémonique/subalterne, photographe/photographié. Ces binômes apparaissent parfois comme complémentaires, parfois comme « oppositeurs », mais dans la plupart des cas ils sont des intercesseurs (Deleuze, 1988), avec des limites incommensurables qui sont constamment négociées. C'est la tension existant dans chacune de ces paires qui permet la création de discours, de représentations et d’identités complexes. Ces photographes pensent que la transformation sociale implique l'identification à l'autre. Et que la capacité de faire les uns s’affecter et s’identifier avec les histoires des autres (et viceversa) est apparue comme la stratégie principale pour transformer les relations sociales sur lesquelles ils veulent intervenir. Nous avons vu cela autant dans les récits positifs trouvés dans les documentations de Bira, Wasif et Valdean, que dans ceux de la lutte que nous avons vu à travers les histoires de Lima, Naldinho et Omi. L'identification possible dans ces cas, 373

toutefois, ne passe pas par les sentiments de peur ou de pitié, mais par des représentations des loisirs, du travail, des luttes de tous les jours, du désir de reconstruire leur vies après des événements traumatisants. Des discours marginaux (ou subordonnés) et hégémoniques ont été utilisés de manière flexible par les groupes analysés tout au long de mes recherches, notamment au Bangladesh, où les photographes qui produisent les photos à partir du point de vue « marginal » appartiennent aux groupes hégémoniques du pays. Ainsi, si Drik travaille dans une perspective de « conscience sociale », cela est destiné à la classe moyenne, qui semble encore voir des difficultés avec la participation populaire au pouvoir. Bien que dans leurs discours ils affirment favoriser l'échange dans le Sud contre l'hégémonie du Nord, la plupart de ces partenariats sont réalisés avec des professionnels du « Nord ». Ils miment leurs pratiques pour participer au marché de façon plus équitable. C'est le marché qui importe, même s’il est basé sur des thèmes sociaux. Le marketing et la pratique mimétique, semblent quant à eux très faibles au Brésil, où les photographes de l’Imagens do Povo concentrent leurs efforts dans une action socio-politique très basée sur le bénévolat. Au Brésil, il y a une grande résistance à l'acceptation des placements « commerciaux » de propositions « politiques ». Je risquerais à dire, alors, que ces groupes circulent leurs images de différentes manières, mais principalement comme un don (Mauss, 1974) au Brésil et comme une marchandise au Bangladesh. La valeur de la photographie pour les photographes de l’Imagens do Povo est liée à la plus grande diffusion possible des images, pas les plus hautes valeurs obtenues dans le marketing. Ils affichent leurs photos massivement sur Internet (notamment via e-mail et les réseaux sociaux) et les fournissent à des journaux, magazines, médias alternatifs et mouvements sociaux. Internet leur permet d’obtenir une visibilité pour leurs photos aussi rapidement qu’elles sont produites. Son rôle ainsi que celui des réseaux sociaux comme Facebook pour des groupes qui ne participent pas des médias hégémoniques est très important, précisément pour permettre une circulation rapide des images et des informations et un accès facile à celles-ci par les spectateurs. Les deux groupes de photographes tentent de contrôler la réception des représentations qu’ils créent en contrôlant les différentes étapes de production. Pour ce faire, ils ont créé une école, une agence, une galerie et, dans le cas de Drik, une maison d’édition. Ils produisent également des histoires fermées (des narrations visuelles qui combinent images et textes), en diminuant 374

les chances d'intervention étrangère dans leurs représentation. Les écoles et les autres espaces dédiés à l'éducation sont des lieux importants pour la réflexion sur les normes imposées et les (nouveaux?) modèles qui ils voudraient proposer. Au Brésil, ils offrent des cours et des ateliers dans plusieurs favelas, mais aussi dans des prisons et des écoles. Au Bangladesh, en plus des cours réguliers, ils interviennent auprès des groupes de réfugiés et des communautés rurales. A travers les différentes formations qu’ils offrent, ils recrutent également de nouveaux « photo-militants » et ils encouragent les jeunes à comparaître en tant que sujets politiques. En investissant à l'éducation, au contrôle de la diffusion d'images et à la création de partenariats avec des institutions, des organisations, des agences et des médias pour renforcer leurs performances politiques, ces groupes exposent comment l’ « agence photographique » atteint son maximum : en agençant des productions, du marketing et des relations.

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DVD - Vídeos produzidos pelos fotógrafos

Bangladesh

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

Pathshala por Brian Palmer Shahidul Alam - In search of the shade of the banyan tree Shahidul Alam - My journey as a witness Shahidul Alam - Photographys power Shahidul Alam - The Birth Pangs of a Nation Saiful Huq Omi - The Disowned and the Denied Rohingya Munem Wasif - Delhi Photo Festival 2011 Naeem Mohaiemen & the Visible Collective

Brasil

1. 2. 3. 4.

Imagens do Povo – Todo dia é dia de viver 5m Imagens do Povo – Todo dia é dia de viver 7m Imagens do Povo – Imagens do Povo Francisco Valdean – Violência no cotidiano da Maré

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