Fotografia & Música: Do Vinil ao Mp3, do filme ao celular.

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dani gurgel | fotografia e música do vinil ao mp3, do filme ao celular

Trabalho de Conclusão de Curso | Escola de Comunicações e Artes

Trabalho de Conclusão de Curso de Daniela Picarelli do Amaral Gurgel, orientado por Luli Radfahrer. ECA-USP, Junho de 2007.

Sendo isto. Ao dôido, doideiras digo. Mas o senhor é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, o senhor me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito lhe agradeço é a sua fineza de atenção. João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.

Agradecimentos Ao Luli, por aturar minha megalomania; ao Fernando Scavone, pelas dicas e indicações; ao Chico Pinheiro e à Lu Alves, por tantas horas de papo sobre música; à Luba, Dé e o Kri, sem palavras pra agradecer; à Marcelinha, que não só entendeu como nomeou o trabalho; ao Tó, muso de plantão que vai longe levando minhas fotos debaixo do braço; à Camila e ao Vini, homem-lâmpada; ao Marcel, Di Rinaldi, Dexter, Nano, Ritinha Costa, Rafael Costa, Eli Sabino e Clicio Barroso; à Milla, pelo bendito pdf; ao Galan, pelas imagens; Dorinho, Lyvia, Gui e Passarinho, pela paciência; Danilo, Cleber e Lucas pela sabedoria intergalíptica. Do fundo do coração, ao pessoal da Gafieira São Paulo: Big, Conrado, Cahê, Márcio, Bruno, Anderson, Paulinho(s), Jaziel, Amorin, Veronica e Pedrinho — modelos da vez, quebrando tudo; a todos os participantes do experimento, Sassá, Ly, Gui, Passarinho, Henrique, Tó, Camila, Vini, Dé, Luis Fernando, Marcos, Raphael, Renata, Kri, Luli, Paula, Carlos e Eliana, Diogro, Carol, Flavião, Nevo e Lu Barreto. Esse trabalho não sairia sem vocês. E ao Jamie Cullum, por fazer cair a minha ficha.

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Índice Introdução Música Fotografia Fotografia de música Novo mundo Nova foto de música Como Gafieira Considerações finais Bibliografia Licença de uso

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Introdução A música é acompanhada de perto pela produção de imagens que a representam. Para a imprensa ou para o artista, na forma de retratos, capas de discos, shows, ou por trás das cenas; a fotografia de música assume a função de materializar o som para seu público, num contexto em que cada vez mais uma imagem é necessária para o seu consumidor. Na atualidade, a grande popularidade dos arquivos mp3, de fácil compartilhamento, muda a forma com que o público ouve, compra e compartilha música; assim como a fotografia digital, com câmeras mais acessíveis, celulares fotográficos e a web 2.0, revitaliza o interesse do público na produção e divulgação de imagens. Sem pretensões de caracterizar ou avaliar a fotografia de música por si só, este trabalho tem por objetivo identificar as mudanças inerentes a sua produção, neste contexto de cada vez menos papel e mais imagens virtuais, com um público diferenciado pelas novas tecnologias e produtor de conteúdo. No final, foi realizado um experimento, com vinte e cinco amadores voluntários fotografando um show.

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música

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Rip, Mix, Burn Uma sinfonia é composta de vários movimentos. Um tema explica outro, uma frase leva a outra. Da mesma maneira, um álbum tem um começo, um meio e um fim. Compõe, a partir das faixas, uma peça completa, que perde, em parte, seu sentido se ouvida em pedaços. “The Dark Side Of The Moon”, do Pink Floyd, por exemplo, é um álbum de rock que foi claramente arquitetado como uma única peça, e não uma coletânea de canções. Em tempos remotos, quando só se podia ouvir música ao vivo, o artista facilmente controlava não só a ordem da apresentação como a dinâmica de volume, interpretação, solos, etc. A partir do momento em que é possível registrar essa música e ouvir depois, o público ganha o poder de comprá-la e ouvi-la na sua casa, fora do contexto original, trocando uma orquestra num anfiteatro por uma vitrola na sala de estar. Além disso, surge a escolha sobre qual faixa ou trecho ouvirá naquele momento, mesmo que essa seja pouco precisa. Com a fita cassette, vem o poder de se gravar suas músicas de discos, do rádio ou de outras fitas; na ordem, intensidade e cortes desejados.

P. 12, Joe Locke, Dani Gurgel, 55 Bar, New York, 2007. À esq., Estúdio Mosh. Dani Gurgel, SP, 2004.

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Bohemian Rhapsody, do Queen, pouco se relaciona com Rhapsody in Blue de George Gershwin, apesar de

As “Mix Tapes”, como forma de presente, são um exemplo de peça pensada no conjunto, porém feita pelo próprio ouvinte para presentear outro, já que ela não tem um botão de “skip forward”. O CD trouxe consigo facilidades que possibilitam que o ouvinte desvirtue ainda mais o que o músico compôs: Random e Repeat. O primeiro reorganiza as faixas do álbum de forma aleatória, desconsiderando qualquer pensamento do compositor. Já o segundo, repete ad infinitum uma única faixa ou o disco inteiro. A partir do CD, a faixa é oficializada como unidade musical de gravação, em detrimento do álbum como um todo. Já o MP3, com tags ID3 e players que reconhecem o quanto você ouve cada música, introduz o conceito de Shuffle inteligente, que tenta tecer relações entre as músicas disponíveis e toca com mais freqüência as suas preferidas, tenha você as selecionado ou o programa as reconhecido. Essa inteligência do programa é bastante relativa, pois ele pode tocar “Bohemian Rhapsody” logo depois de “Rhapsody in Blue”, ou Electric Light Orchestra após a 9a Sinfonia de Beethoven tocada pela Orquestra Filarmônica de Berlim.

[The Dark Side of The Moon]

serem nomeadas rapsódias. Assim como a banda de rock progressivo Electric Light Orchestra só se relaciona com a filarmônica de Berlin pelo nome.

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“The Dark Side Of The Moon”, álbum do Pink Floyd gravado em 1973 nos Abbey Road Studios e mixado por Alan Parsons (de “The Alan Parsons Project”), é considerado um álbum conceitual, ou seja, pré-concebido para que todas as músicas contribuam para um único tema, ou uma história unificada. Álbuns conceituais podem ser divididos em dois tipos: os temáticos, com músicas relacionadas, como “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles; ou os que apresentam uma história narrativa completa, como “Tommy”, do The Who. “The Dark Side Of The Moon” é um único projeto, dividido em faixas apenas para facilitar a vida do ouvinte (o que não faz Philip Glass). A quebra entre o lado A e lado B, inclusive, não existe em versões ao vivo e nem no CD remasterizado. Semelhante à construção de uma sinfonia, esse disco faz sentido em seu todo como uma única história, mesmo que não seja uma narrativa linear como o acima citado “Tommy”. Rumores de uma suposta sincronia do disco com “O Mágico de Oz” criaram a lenda do “The Dark Side of the Rainbow”. Independente de ser premeditada ou não, a possibilidade do disco ser sincronizado com uma narrativa evidencia ainda mais seu caráter conceitual.

Com a venda de música em mp3 isolados, surge uma resistência dos músicos mais conceituados, na esperança de fazer com que seu disco inteiro seja sempre ouvido, e na ordem que foi pensado. No caso do mp3, ele tem de dizer tudo o que deseja numa única canção, pois não sabe se as outras serão ouvidas. Porém, se lembrarmos sem romantismo de tempos antes do CD, uma “mix tape” já trazia apenas uma canção daquele artista, assim como hoje faz um podcast; e, no disco de vinil, a agulha podia ser retornada para o início daquela faixa no momento que se desejasse, tendo a mesma função do repeat. Mesmo em um contexto absolutamente sem gravações, o público apenas cantarolava a ária da “Flauta Mágica” ou do “Barbeiro de Sevilha”, e não saberia citar ou mesmo reconhecer outro trecho. A autonomia dada ao usuário comum por essa tecnologia atual, para ouvir as músicas que desejar, na ordem que desejar, e no lugar em que desejar: a era do Rip, Mix, Burn; culminada com a campanha homônima da Apple, potencializa a prédisposição do público em assimilar apenas parte das obras. Isso nos traz à geração Rip, Mix, Burn atual, que pode ser facilmente iconizada em um adolescente com um iPod na mão, ligado ao som do carro: nenhuma música será ouvida até o final, todas as introduções serão passadas e poucos deixarão tocar até depois do refrão (que, inclusive, é o ringtone de seu celular).

[O Mp3 técnico] Nós ouvimos de 20 a 20.000 Hz. Além disso, para mais grave e mais agudo, são as frequências chamadas “do sentimento”. Que fazem o corpo mexer, mas não são audíveis. Essas frequências fazem parte da “experiência” da música. O MP3, para diminuir o tamanho do arquivo, corta fora boa parte dessas frequências, e também diminui a amostragem em kbps – kilobits por segundo. Enquanto o Mp3 é codificado em, em média, de 128 a 192 kbps, o CD, gravado a 44.100 kHz, 16bits, stereo, totaliza 1.411,2 kpbs. Assim ele fica pequeno, fácil de compartilhar e, geralmente, a perda de qualidade não é perceptível ou significativa para o usuário comum. O arquivo mp3 também vem acompanhado de uma base de dados (ID3), que traz informações como nome da música, artista, álbum, compositor, a capa do disco, comentários, etc. 17

[Apple Rip, Mix, Burn] A campanha Rip, Mix, Burn da Apple traz consigo esse conceito de que você agora pode gravar a música que quiser, na ordem que quiser. O filme mostra um garoto entrando em um teatro aparentemente vazio, em um dia de chuva, pela porta dos fundos. Quando ele senta na platéia vazia, percebemos que, no palco, estão diversas pessoas em pé. Vemos que são artistas famosos, disponíveis para construir um CD como o garoto bem desejar.

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Mix-tapes e P2P Não é de hoje a troca de músicas, os discos piratas e as compilações. Desde o final dos anos 60 já eram vendidos cartuchos (8-track) em mercados de pulgas com coletâneas por assunto. Nos anos 80, já eram vendidas no mercado negro musical mixtapes com fades entre as músicas, encaixando a batida de uma e outra, e outros efeitos que se popularizavam na época. Nos anos 70, fortaleceu-se nos EUA uma rede de trocas de fitas pirata, não apenas com cópias de discos, mas shows gravados clandestinamente e gravações não oficiais conseguidas por meios alternativos. Os bootlegs, como eram chamadas essas gravações, popularizaram-se como uma vertente das mix-tapes, levando ao público música que não havia sido editada pelo artista, gravações cruas ao vivo. Com o gravador de CD de fácil acesso, essas fitas acabaram por mudar de suporte, porém os discos desse mercado paralelo, muitas vezes, continuaram sendo chamados de mix-tapes. O Mp3 faz com que essa informação seja facilmente compartilhada pela internet, não havendo mais a necessidade de se ir-se até uma loja

À esq., K7. Dani Gurgel, SP, 2007.

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1. Peer. Subs. par, igual. [Webster’s 1996] Peer to peer, portanto, de uma pessoa a outra semelhante. Abreviado comumente como p2p.

mofada na galeria do rock para buscar uma coletânea de rock progressivo underground. As comunidades na Internet dão as sugestões e você pode baixar em seu programa de peer to peer1 preferido. O compartilhamento de mp3 pela internet surge com o Napster, primeiro programa de p2p, criado por Shawn Fanning em 1999, numa tentativa de facilitar a maneira de se achar música na rede. Diferente dos programas de peer to peer de hoje em dia, o Napster tinha um servidor central, o que facilitou a ação dos processos que o derrubaram, da parte de grandes artistas e gravadoras, sob a acusação de infringir leis de copyright. Outras redes de compartilhamento como FastTrack (Kazaa), Gnutella (LimeWire, BearShare) e BitTorrent (com cliente/programa homônimo), são mais eficientes em descentralizar a informação e, portanto, não implicar seus usuários.

[High Fidelity] Mesmo dentro da fita gravada para o outro, há um esforço em se fazer valer o conjunto, já que o presenteado ouvirá provavelmente a fita na íntegra. No filme “High Fidelity”, de Stephen Frears, inspirado em um romance de Nick Hornby, o personagem de John Cusack tenta explicar algo sobre as mix-tapes. “Olha, fazer uma fita de coletânea legal é uma arte muito sutil. Muitos certos e errados. Em primeiro lugar, você está usando a poesia de outra pessoa para expressar como se sente. É uma coisa delicada... (…) Fazer uma fita legal de coletânea é que nem terminar um namoro: difícil, e leva muito mais tempo do que a gente imagina. Você precisa começar com uma matadora pra ganhar atenção. Aí você sobe ainda mais um pouquinho. Mas não dá pra exagerar, então você dá uma suavizadinha na próxima. Tem muitas regras.” Abaixo, Greenwich Village. Dani Gurgel, New York, 2007.

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O download de mp3 pode gerar duas reações diferentes no consumidor. Em um primeiro momento, ele pode realmente deixar de comprar alguns discos que teria comprado, pois já supriu sua vontade de ter aquelas músicas com o mp3. Por outro lado, há o ouvinte que não compraria o disco de qualquer maneira, ou porque queria apenas uma música, ou porque não conhecia o artista e não queria pagar para ouvi-lo. Nessa segunda instância, o download do mp3 é benéfico para o músico, que ganha um novo ouvinte que não existiria se tivesse de pagar por essa música. Esse ouvinte, posteriormente, pode pagar para ir a um show, baixar o resto do disco ou mesmo comprar o CD porque gostou da música. Nesse cenário de downloads generalizados, a Apple introduziu os podcasts, similares a programas de rádio, disponíveis gratuitamente e abertos para qualquer um fazer seu próprio. Hoje em dia, os podcasts musicais podem ser considerados as novas mix-tapes. São compilações de músicas feitas por alguns ouvintes, sugeridas por outros, e que cumprem a mesma função que as mix-tapes tinham, só que agora sem sair de casa. Nesse mesmo cenário, pode-se apontar a Rádio Uol como divulgadora de música. Porém, como ela permite ouvir as músicas, mas não copiar, acaba tendo a exata função de uma rádio FM – divulga, mas não distribui. A diferença é que pode-se escolher o que vai ouvir e não tem de ligar e pedir: ela não incomoda os músicos, pois só encoraja o ouvinte a arranjar uma cópia para si.

[Discofonia] Um bom exemplo desses podcasts é a Discofonia, trabalho experimental de Guilherme Werneck, editor assistente do caderno Link, do Estado de São Paulo. Com temas indo da música folk americana à música instrumental brasileira, ele reúne músicas em um programa semanal de aproximadamente uma hora, que pode ser conferido em http://gwerneck.libsyn.com

[Legalização do p2p] Na França, foi criada a Association des Audionautes, propondo pagar alguns euros a mais a seu provedor de internet, destinados às cias. de direitos autorais, para que sejam repassados aos músicos e gravadoras, detentores do copyright sobre as músicas, para legalizar o download de mp3. Esse funcionamento é similar ao da Ascap, American Society of Composers, Authors and Publishers (Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores); organização norte-americana que coleta royalties por transmissão e performance ao vivo. No Brasil, esses direitos são representados pela Sicam (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais) e o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição). A questão da legalização do compartilhamento de músicas foi adotada por um dos candidatos à presidência da França, tornando-se então questão política e eleitoral no país. 24

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MP3 Players O mp3, antes dos mp3 players, era marginalizado como uma diversão dos “nerds”, que não tinham mais o que fazer além de roubar música na internet. O mp3 player vem para materializar a música digital num produto, um objeto de consumo. Se um adulto, mesmo que retrógrado, pode pegá-lo e guardá-lo numa gaveta, ele se sente mais à vontade com essa tecnologia, que fica acessível a quem não passa tanto tempo na frente do computador. O iPod, em especial, é objeto da moda. Sair com um fone de ouvido branco pendurado, hoje, é chique. Alguns colocam fones pretos para evitar assaltos, outros colocam fones brancos em qualquer coisa. Com o mp3 player, você pode ouvir aquilo em qualquer lugar, a qualquer hora, e não só quando você está na frente do micro. Num walkman, você pensou no que queria ouvir em casa quando gravou a fita: tem uma ordem premeditada, mesmo que seja sua e não do artista. No mp3 player é instantâneo ou, pior, shuffle. Ele faz a ordem por você.

À esq., Mídias estragadas. Dani Gurgel, SP, 2007.

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O walkman era barato e informal, popular no meio jovem. Os mp3 players conquistam os mais velhos por serem mais classudos e da moda, além de reforçar o desejo de serem mais jovens. Os mp3 players vêm acompanhados de um fetichismo tecnológico que cresce cada vez mais. É uma “cultura do mais” contraditória na qual, ao mesmo tempo em que o usuário quer cada vez mais músicas em seu mp3 player, não importando sua qualidade, ele também quer mais qualidade em seu home theater, para no fim do dia tocar algumas músicas em mp3 ou assistir a um filme baixado em DivX, um padrão de codificação de video que usa áudio e imagens de baixíssima qualidade para ser de fácil compartilhamento. Ora, para quê Dolby 5.1 para reproduzir mp3 stereo?

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[iPod] Os anúncios do iPod, o mp3 player da Apple, vêm com o conceito de liberdade: levar a música (e a sua experiência completa) para qualquer lugar. É como se você estivesse o dia inteiro dentro daquele videoclipe. Transforma-se uma música em uma sensação de um momento, como “a nossa música que tocou no bailinho do nosso primeiro beijo”. E cada vez mais podemos ouvir músicas com cara de praia, de carro, de garoa, ou de avenida Paulista às seis da tarde. É Rip, Mix, Burn… and Pod! No anúncio abaixo, lê-se “Bem-vindo à revolução da música digital. 10,000 canções em seu bolso. Funciona em Mac ou Pc. Mais de um milhão vendido. O novo iPod.”.

À esquerda, imagem oficial de divulgação do iPod G4 (Geração Video). Abaixo, anúncio do iPod.

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Gravadoras Virtuais Não foram só as mix-tapes e derivados que dominaram os mercados de pulgas nos anos 80 e estabeleceram uma cultura de troca de música entre amigos e estranhos. As fitas demo, com três ou quatro músicas para fins de divulgação, tiveram grande participação nesse mercado negro musical, divulgando novas bandas que não tinham dinheiro para gravar seus discos. Usando um sistema similar a correntes de cartas, tape trading era uma rede de bandas que trocavam fitas demo entre si, divulgando seu trabalho e procurando um contato com alguma gravadora. Em 1993, o Internet Underground Music Archive, conhecido como IUMA, foi criado na University of California, em Santa Cruz. Seu propósito era abrir o canal para artistas independentes compartilharem sua música e se comunicarem com seu público. Modelo usado até hoje pelas gravadoras virtuais, o IUMA oferecia uma home page de fácil utilização para a banda, assim como espaço para upload de suas músicas. Eram disponibilizados demonstrativos de quais eram as músicas mais baixadas, home pages mais visitadas, etc.

À esq., HD. Dani Gurgel, SP, 2007.

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À direita, página principal do portal Trama Virtual. www.tramavirtual.com.br Abaixo, perfil de usuário do MySpace específico para músicos e bandas. www.myspace.com O termo música independente e seu apelido indie são usados aqui para identificar aquela música que não tem gravadora por trás, colocando dinheiro. Não fazendo respeito a algum estilo de música, o termo significa apenas aqueles que sustentam seu próprio som.

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Hoje, o MySpace é um canal forte de divulgação de música independente, porém misto a um canal de relacionamento semelhante ao orkut. Diversas bandas do cenário independente se fortaleceram graças ao MySpace, aos downloads de suas músicas e os novos ouvintes que ficaram atentos a notícias de shows, etc. Além dos ouvintes, olheiros de gravadoras também procuram novos talentos nas páginas do site. No Brasil, o Trama Virtual é um dos canais mais significativos de compartilhamento de música independente. Com estrutura similar ao IUMA e mantido pela gravadora Trama, que tem um grande apelo ao público jovem, o Trama Virtual se utiliza de suas paradas de sucesso para encontrar novos talentos a serem lançados pela própria Trama ou mesmo pelo novo selo Trama Virtual. O que pode-se identificar de mais importante em comum entre essas várias facetas da distribuição virtual de música independente é a ausência de qualquer critério superior. O que faz as bandas entrarem nas “paradas” de qualquer um desses sites é o número de acessos ou nota, dados pelos ouvintes. Essas bandas de gravadoras virtuais não ganham apenas notoriedade na rede, com blogs, fotologs, site, fórum com muitos acessos; mas ganham também público no mundo real, indo a shows e já conhecendo as músicas que baixaram no site, assim como as informações de cada músico, os interesses, e muitas vezes já são até amigos do vocalista no orkut. Agora, qualquer um é músico, tem site e pode pôr o mp3 que gravou no computador durante um ensaio. Muita música independente que não tinha muito por onde começar ganha incentivo com esse espaço virtual que surge.

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Indústria Fonográfica A indústria fonográfica pode ser isolada em quatro gravadoras conhecidas como “majors” ou “Big 4”: Warner Bros., Sony BMG, EMI e Universal Records. Essas gravadoras comandam o mercado de música de massa, vendendo milhões de cópias de cada álbum, ou seja, por dependerem de vendas, são as mais afetadas pela pirataria virtual. Nesse contexto, surge a iTunes Music Store, vendendo música a US$ 0,99 por faixa, via cartão de crédito ou cartão pré-pago. Ela não só oferece música das Big 4, como também de um grande número de artistas independentes. Os arquivos vêm no formato AAC, que é uma evolução do mp3 que apenas o iPod lê. Além dessa limitação de formato de arquivo, porém de fácil conversão pelo próprio iTunes, as músicas da iTMS vêm com Digital Rights Management, o polêmico DRM. No caso das faixas compradas na iTMS, há um limite de 7 Cds gravados e 5 computadores diferentes. Alternativas à iTunes Music Store são a eMusic, distribuidora de música independente com preço bem mais baixo (US$ 0,25 por faixa) e livre de DRM, e o novo Napster que, após perder os processos que sofreu quando promovia o

À esq. Chico Buarque, hoje na Biscoito Fino, gravadora brasileira de médio porte. Dani Gurgel, Rio, 2005. Digital Rights Management, ou DRM, é uma medida das majors para controlar mídia digital, limitando o número de cópias ou gravação do conteúdo comprado.

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[Tratore] Tratore é uma distribuidora brasileira, especializada em música independente. Seu manifesto esclarece bastante a força atual da música independente no mercado, sem necessidades de grandes gravadoras por trás.

Manifesto Tratore Você notou como tem ficado mais fácil encontrar discos independentes nas lojas? A Tratore é uma das razões disto estar acontecendo. Somos uma distribuidora especializada na viabilização e comercialização da produção dos selos independentes. A Tratore não é uma gravadora e não tem produtos próprios. O que a gente faz é levar os discos das gravadoras até as lojas perto de você. Há centenas de selos independentes no país, com um catálogo artisticamente expressivo, mas sem um número suficiente de títulos para manter uma equipe de vendas com dedicação exclusiva. Aí entra a Tratore com sua equipe de 16 representantes de vendas atuando em 18 estados brasileiros. Esta equipe é formada por gente que entende e gosta de música, e que conhece e se relaciona com suas praças com credibilidade e agilidade. A produção independente superou a fase “alternativa” para se colocar hoje como uma força real no mercado, ambicionando fatias cada vez maiores e artisticamente mais importantes na comercialização de CDs e DVDs. A Tratore é o meio-de-campo nessa ofensiva. A Tratore vende apenas para lojas de CDs; não vendemos para o consumidor final. Mas se você está procurando um disco, é facil descobrir onde ele está à venda, basta clicar no botão “Onde encontrar este CD”. Você também pode se cadastrar clicando no botão “Cadastre-se” para receber notícias de lançamentos e promoções da Tratore. Se você é lojista, entre em contato com a Tratore, clicando no botão “Contato”.

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compartilhamento p2p, se tornou uma espécie de loja de mp3 por assinatura, na qual pode-se pagar uma taxa mensal para ouvir a música que quiser, mas paga-se adicional para gravar um CD. Frente a tanto controle (ou falta de) pelas gravadoras majors, parece ser uma tendência global a migração dos artistas para selos independentes, e a criação de selos próprios pelos artistas e músicos. Para o músico emergente, cada CD é um cartão de visita que custa aproximadamente R$ 5,00 para ser prensado com encarte, fotos, arte, etc. pelo canal totalmente independente. Um selo de música instrumental paulistano que paga pela produção do disco (menos a gravação), vende esse CD ao músico por R$ 7,00. Já uma gravadora de música brasileira de médio porte, vende para seu próprio artista a R$ 20,00. O músico dá muito disco para se divulgar, ou seja, quanto mais barato ele fôr para o músico, melhor; e é aqui que o mp3, grátis, ganha seu público. Fora artistas milionários, quem perde dinheiro se o CD não vende é a gravadora, e não o músico. Surgem, consequentemente, hoje em dia, diversos selos de música independente, preocupados em distribuir essa música sem tomar nenhum vínculo com a produção do disco, como The Orchard, distribuidora de música independente com base em Nova York, focada na distribuição de música para lojas online de música, como a eMusic. No Brasil, duas grandes representantes desse público são a Tratore e a Distribuidora Independente, a segunda mantida pela Trama, sem qualquer vínculo com o catálogo da gravadora.

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Ao Vivo no estúdio A fácil manipulação do áudio digital através de softwares como o ProTools, que quantiza qualquer som no lugar certo, dá a possibilidade de se mexer onde se se desejar, e mesmo afinar automaticamente qualquer cantor ruim. Vem surgindo, entre os músicos, um movimento de gravações “ao vivo no estúdio”. Ou seja, sem overdubbing (gravar um pedaço em cima do outro para corrigir, ou gravar os instrumentos separados), sem emendas e sem retoques. A gravação ao vivo no estúdio surge então como uma grande estratégia da música instrumental e jazz especialmente, para diferenciá-los da música pop, apesar de ter adeptos na divisa entre os dois, como a Maria Rita. Um grande músico adepto dessa filosofia é o Chick Corea. Aqui é levada ao extremo a filosofia do “quem sabe faz ao vivo”. Para diferenciarse dos artistas que pouco se esforçam em fazer direito pois podem consertar depois, esses músicos fazem questão de mostrar sua música original, mesmo que traga alguns erros que fizeram parte da emoção da gravação naquele momento.

À esq. Tó Brandileone. Dani Gurgel, Estúdio Arsis, São Paulo, 2006.

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[Chick Corea - Origin] “Sobre a gravação: Todas estas faixas foram gravadas no meu estúdio/sala de estar. A gravação durou quatro dias, e a mixagem, três. Não usamos fones de ouvido, monitores ou isoladores acústicos. Não houve edição ou consertos. O único overdubbing foi minha marimba em ‘L.A. Scenes’ e as palmas minhas e do Jeff em ‘Little Flamenco’. Todos os takes são completos do início ao fim. O som foi gravado em um Tascam DA-98 e um DA-38 usando conversores Apogee AD8000. Os microfones foram amplificados por pre-amplificadores Neve 1073 e 1081. Os seguintes microfones foram utilizados na gravação: AKG VR12s no piano e bateria; AKG 414s na marimba; um Neumann M49 para Steve Davis; e um Telefonken 251 para Bob Sheppard.”

[Maria Rita] “Essas canções foram todas ensaiadas e gravadas ao vivo no estúdio Toca do Bandido, no Rio de Janeiro, nos meses de junho e julho de 2005, com a intenção de captar a emoção dos músicos envolvidos. Foram mixadas posteriormente, sem emendas ou consertos, por Alvaro Alencar também na Toca.”

Abaixo. Gravação do disco de Tó Brandileone com o Triálogo. Dani Gurgel, Estúdio Arsis, São Paulo, 2006.

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fotografia

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Fotografia Digital Não é de hoje o esforço de vendas de câmeras fotográficas para o público amador. Mesmo no ápice da fotografia analógica, com pequenas câmeras compactas, câmeras descartáveis, revelações 1h e até o APS (Advanced Photo System), sistema com menor qualidade mas melhor organização dos negativos e cópias; o mercado da fotografia já sabia que esse consumidor era importante. É não só impossível como hipócrita, então, dizer que o digital popularizou a fotografia. Não só as câmeras digitais compactas são muito parecidas com as analógicas, mas igualmente é seu propósito, o que fica muito claro nos anúncios das mesmas. Em ambos os casos, é mostrada uma câmera que faz tudo para você, que faz sua foto parecer profissional. As câmeras digitais amadoras têm diversas vantagens técnicas sobre as compactas analógicas, que tinham obturador fixo e lentes de pior qualidade, as digitais produzindo então imagens muito mais nítidas e agradáveis. Elas deixaram de ser apenas máquinas de registrar momentos importantes independente da qualidade, como eram as

P. 42, Dovima with Elephants. Richard Avedon. Paris, 1955. À esq., Splash. Dani Gurgel, SP, 2007.

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[Megapixel] O sensor (CCD/CMOS) da câmera é formado por pixels aglomerados, assim como o filme é formado por grãos de sais de prata (AgI, AgCl, AgF). Esses pixels, assim como os grãos, unitariamente, ocupam uma determinada área. Para que sejam colocados mais pixels/grãos na mesma área total, a área da unidade terá de ser menor. Quanto menor ela fôr, menos fótons a alcançarão e, portanto, teremos uma imagem menos nítida, mesmo que com mais pontos. O tamanho médio dessa unidade em backs digitais profissionais é de 9µm (lado do quadrado), tamanho pixel do PhaseOne P25. Uma Canon EOS 20D, uma DSLR 35mm profissional, tem 6.4 µm. Uma Cybershot comum tem 2.7µm, pois ela tem de acomodar seus pixels numa área bem menor de sensor. Ou seja, em câmeras amadoras, mesmo que o tamanho da imagem seja alto em megapixels, a qualidade da imagem é muito abaixo das profissionais em ruído, nitidez, cor, etc. Não sabendo disso, o público é levado a idolatrar o megapixel como medida absoluta de potência de uma câmera digital. É como argumentar que um carro 1.8 é mais forte que um 1.6 sem saber válvulas, combustível, torque, etc.; similar a pagar mais por uma lente Carl Zeiss, que é de altíssima qualidade, porém de nada serve se o sensor da Cybershot capta uma imagem pior do que a outra lente, algo como instalar NOS no seu BR800.

[Digitais e analógicas] Em um público já familiarizado com a fotografia analógica, as câmeras digitais compactas trazem uma nova liberdade, por não terem custo de filme e revelação, mostrarem a foto na hora no lcd, terem maior facilidade de edição no computador, etc. Esse público ganha agilidade e a possibilidade de fazer a foto de novo até ficar boa: podese tirar duzentas fotos para escolher apenas uma, já que não custa nada. Assim, o amador que antes não se arriscava a mais do que registrar seus amigos numa mesa de bar, toma liberdade para fotografar também a bolacha do chopp, os pés debaixo da mesa, e outras cenas interessantes com as quais não gastaria filme antigamente. É claro esse clima no anúncio abaixo [esq.] da Sony Cybershot, “Don’t think. Shoot.” (Não pense, clique.). Não é novidade, porém, comparado com o anúncio da Polaroid de 1961 [dir.]. A grande diferença é o preço da foto – zero no digital–, que incentiva o usuário a clicar muito mais, ganhando assim, pela quantidade, fotos melhores. À esq. anúncio da Sony Cybershot, de 2005. São acusados de ter copiado o slogan “Don’t think. Just shoot.”

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analógicas. Para isso, temos agora os telefones celulares, que chegam como câmeras assumidamente ruins, com a intenção de produzir imagens pequenas o suficiente para trocar via SMS e dividir uma sensação instantaneamente. A fotografia feita em telefones celulares, hoje, assume o espaço da foto que serve apenas para registrar algo interessante, dividir uma piada com alguém, mostrar algo de importante naquele minuto. É uma câmera no bolso em qualquer momento. Já a câmera amadora, acompanhada de um desejo por mais megapixels, estabelece-se como um canal de expressão de novos fotógrafos. Hoje todos são especialistas no assunto fotografia, julgando tudo e todos baseando-se em megapixels. Assim como no caso dos mp3 players, a fotografia digital traz um fetichismo por megapixels, na mesma “cultura do mais” contraditória, sem perceber que, quanto mais megapixels uma câmera compacta tiver, provavelmente menos nítida será sua imagem, assim como, quanto mais músicas se conseguir colocar dentro de um iPod, menor terá de ser sua qualidade.

[abaixo] da Lomo, marca de câmeras analógicas, populares entre defensores do filme. www.lomography.com

À dir., anúncio da Polaroid de 1961.

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Fotologs Os fotologs e serviços similares se instalaram como o canal de expressão dos fotógrafos amadores caracterizados anteriormente. Não só para colocar as fotos da viagem para os amigos, os fotologs possibilitam o compartilhamento com os outros das fotos do pé com um enquadramento interessante, um retrato bonito do seu irmão, ou mesmo o cachorro tirando uma soneca. Num fotolog, o indivíduo se assume como fotógrafo, mesmo que amador, e se torna parte de comunidades, fazendo amigos e contatos, deixando disponível seu perfil e suas fotos numa homepage de fácil utilização assim como as gravadoras virtuais. Além dos já previsíveis comentários que podem ser feitos em suas fotos, outros serviços como o Flickr permitem “notes”, comentários em seleções feitas sobre a imagem [esq.]. O Flickr, especialmente, estimula a nomeação de tags para cada foto, como palavras-chave que serão usadas para identificar essas fotos em buscas, ao relacionar fotos entre si, ou mesmo para identificar o que interessa dentro das fotos de outro usuário.

À esquerda, screenshot de uma página do Flickr, serviço de compartilhamento de imagens via internet. www.flickr.com ©2006 Simone Merli

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Os fotologs criam uma comunidade virtual de troca de fotos, dividindo suas experiências, dicas e técnicas com quem se interessa por seu trabalho e por sua vida. No Flickr, por exemplo, com search e tags, é muito fácil achar as fotos de um show da véspera, de alguém que estava sentado na primeira fileira. Seja para quem perdeu o show e quer ver como foi ou para quem estava lá e quer mostrar para algum outro amigo, logo nos dias seguintes, a foto estará disponível para download; direto de um celular, de uma câmera amadora ou no site do fotógrafo que lá estava cobrindo o show para alguma revista.

[Creative Commons] A organização Creative Commons traz uma nova abordagem do compartilhamento de informação pela internet usando o conceito de “alguns direitos reservados”. “Licenças Creative Commons proporcionam um leque flexível de proteções e liberdades para autores, artistas e educadores. Construímos sobre o conceito tradicional de ‘todos os direitos reservados’ a possibilidade de se oferecer voluntariamente uma obra com ‘alguns direitos reservados’. Somos uma organização sem fins comerciais. Todas as nossas ferramentas são grátis.” Atribuindo uma das licenças de uso fornecidas pelo Creative Commons, é possível liberar seu trabalho para obter divulgação do seu nome e proibir que ele seja modificado ou usado para fins comerciais, por exemplo. É aberta uma rede de trocas na qual é respeitado o trabalho do outro, dentro dos limites por ele estipulados. Este trabalho é licenciado pelo Creative Commons, com uma licença de uso não comercial, sem alterações e citando nome autor. Ela está transcrita nas últimas páginas e nos metadados da versão pdf. Isso possibilita, por exemplo, que o arquivo pdf seja copiado e distribuído, e que a versão impressa seja fotocopiada na íntegra, porém contando com constante citação do nome da autora e sem modificações, em fins não comerciais. Isso não inclui as imagens, que não podem ser separadas do mesmo, pois são © (todos os direitos reservados).

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Indústria fotográfica Não só o público amador migrou para o digital. Com o avanço dos backs digitais e das DSLRs e a adoção de ambos nos estúdios grandes, cada vez mais clientes e agências se convencem de que é possível ter uma boa imagem digital, e cada vez menos exigem que os trabalhos sejam feitos em filme. O cromo é material cada vez mais raro no mercado desde que, além de parar a fabricação dos papéis para ampliações em preto e branco, a Kodak diminuiu violentamente a fabricação e a variedade de filmes profissionais e cortou sua exportação para o Brasil. Nos grandes estúdios, a mudança para o digital é apenas funcional. Não muda a luz, não muda a produção, não muda nem a câmera, o assistente apenas troca o chassi (back) de filme da Hasselblad (ou da 4x5) por um back digital de 39 Mp. A produção inteira da foto é igual. O que muda é que, depois de clicar, pula-se a etapa do laboratório e do scan, mas a imagem chega digitalizada na agência da mesma maneira que chegava antes, direto do bureau. O filme e a revelação, apesar de caros, ficam abaixo de aluguel de luz, cachê de modelos e diversos outros custos. A foto digital não

À esquerda, Jean Baptiste Mondino. In: Mondino Two. Schirmer/Mosel, 2003.

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Os tamanhos de filmes não são medidos em unidades regulares. O filme 135mm é o que conhecemos das câmeras amadoras. As DSLRs são as versões digitais das câmeras reflex 135mm. Já o 120mm, conhecido como médio formato, é mais largo (6cm), acomodando imagens maiores em diversas proporções: 6x4,5; 6x6; 6x7. Grande formato é fotografado em chapas únicas, de 4x5” 5x7” e 8x10”. Backs digitais encaixam nas câmeras de médio e grande formato, no mesmo lugar do filme.

barateia muito a foto profissional de grande escala, pelo menos não o suficiente para baixar o preço para o cliente, já que o que antes era gasto em filmes e revelação hoje é gasto para pagar as parcelas do back. Em estúdios menores, com menos superproduções, o filme era, proporcionalmente, mais caro. O digital barateia bastante esse mercado e pode levar a duas soluções: a foto fica mais barata para facilitar a inclusão do fotógrafo no mercado e oferecimento de vantagens ao cliente, ou o preço é mantido para que o fotógrafo invista em equipamento. Aqui depende do tamanho do mercado e, respectivamente, do posicionamento desse fotógrafo. Assim, surge uma nova classe de fotógrafos, que vêm para competir em orçamentos com os estúdios menores. São fotógrafos que, sem o digital, não se sustentam, e o preço do clique não inclui nem seu investimento na câmera. Os poucos que sobrevivem apenas com fotografia fazem enorme quantidade, com qualidade muito baixa. A grande maioria está fazendo um bico com a câmera que ganhou de presente, ou um favor para algum amigo. A fixação do cliente, invariavelmente um fotógrafo amador, por megapixels, cria um status quantitativo de fotografia, julgando o fotógrafo em megapixels e não pelo seu trabalho. Frases como “Pra quê eu preciso de um fotógrafo profissional se o meu tio

comprou uma Cybershot de 8Mp? A câmera dele é uma de 8Mp também.” se tornam corriqueiras e complicam a vida dos estúdios menores. Ou seja, com o digital, o fotógrafo profissional de clientes e produções grandes mantém seu trabalho, assim como os estúdios menores barateiam seu custo e podem investir o restante do orçamento na produção e luz. O fotógrafo amador sobe muito a qualidade, comparativamente. E surge um amador-chic, deslumbrado pelo aumento da qualidade de suas fotos no digital e tentando ganhar dinheiro com isso. Temos melhores fotos de aniversários e viagens, mas piores fotos de clientes pequenos.

[Megapixels] Neste contexto também existe um fetiche por megapixels similar ao do amador. Dentro dos estúdios que atendem grandes agências e clientes, houve sempre uma preocupação pela qualidade do cromo final, para possibilitar grandes ampliações sem perda de qualidade. Isso também dependia do scan desse cromo que, acima de uma certa definição, já começava a trazer muito ruído. Uma imagem de 22Mp já era maior do que um scan com pouco ruído de um cromo 120mm (6x4,5). A de 33Mp tem o tamanho de um 4x5 e vem com mais nitidez (que é perdida no scan). Com o back de 39Mp, pode-se fazer 3 cliques paralelos numa câmera de grande formato (4x5) e obter-se uma imagem de 87Mp, com 1,40m@300ppi no maior lado. E já foi anunciado o back de 54Mp pela Phase One. Fica a pergunta: para o quê? 54

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Manipulação A manipulação de imagens acompanha a fotografia desde os seus primórdios. George Hurrell, fotógrafo que retratava os artistas da MGM na década de 1930, retocava seus negativos com grafite para que suas fotografias, especialmente as de mulheres, tivessem aquela pele limpa e aveludada. A técnica do retoque do negativo data de 1855, segundo Boris Kossoy2. Nos anos 70 e 80, um marco de interferências na fotografia é a dupla francesa Pierre et Gilles, que marcou seu trabalho com fotografias feitas por Pierre Commoy, depois pintadas, retocadas e alteradas por Gilles Blanchard. Mesmo em meios menos artísticos, mais comerciais, a fotomontagem antecedeu a manipulação digital na forma de fusão de cromos, composições de imagens recortadas, retocadas com lápis, e posteriormente reproduzidas em um único fotograma. Os softwares de manipulação digital de imagens, hoje em dia, não trazem grandes revoluções na maneira de se manipular a fotografia, já que retoques de pele já eram feitos nos anos 30 por George Hurrell com as celebridades da MGM. O Photoshop,

À esquerda, Marlene Dietrich. George Hurrell, 1937. 2. KOSSOY, Boris. Fotografia e História. Ateliê Editorial, 2001.

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3. KOSSOY, Boris. Op. Cit.

portanto, potencializa o que já era feito a ponto de criar um mundo novo, com uma nova linguagem de imagem. Assim como o mp3 apenas potencializa a probabilidade inata de um ouvinte saber cantarolar apenas a ária do Barbeiro de Sevilha. A mulher manipulada não se compara à mulher real, e sim às outras manipuladas; assim como as fotos de carros feitas em vinte cromos/cliques também não se comparam aos carros feitos com o maior número de truques possíveis em uma foto só. É um novo mundo que não faz parte do mundo real. ”Uma nova realidade era criada nesta ‘cirurgia’ fotográfica e, de fato, seria esta a prevalecer após a morte do modelo referente: a realidade do documento fotográfico.”3 A música pop usa muito da manipulação, porque cabe em seu orçamento e faz parte de sua linguagem. Outros tipos de música, como o Jazz, a MPB, são menos condizentes com isso por terem menos manipulação na música propriamente dita. É perfeitamente aceitável ter a capa do álbum composta por várias fotos montadas, se as músicas foram gravadas em vários takes.

[HDR e Digital Painting] High Dynamic Range, técnica explorada mais por amadores do que no mundo profissional, que consiste em fazer ao menos três exposições da mesma foto: uma “correta”, uma dois pontos mais escura e outra dois pontos mais clara. Essas imagens são submetidas a um programa que seleciona áreas de cada clique e junta em uma imagem só, para produzir uma fotografia que se assemelha mais a uma pintura. O Photoshop CS2 já conta com essa ferramenta. Digital painting é outra linguagem que usa programas vetoriais e de imagem para construir uma imagem a partir do zero, sem fotos como base. A imagem de Chicago a seguir, de Bert Monroy, foi construída em 2006 para a convenção Photoshop World, usando apenas Adobe Illustrator e Adobe Photoshop.

À esq. HDR, de Deogee.

.

À dir. The Pier, de Laurence Whitmore. Abaixo, digital painting Damen, ©2006 Bert Monroy. http://www.bertmonroy.com

À dir., Funky Junky. Piere et Gilles, 1979. Fotografia pintada à mão, peça única.

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À esquerda, as várias imagens diferentes da garrafa, para serem fundidas na imagem final, à direita. Imagens gentilmente cedidas por Leandro Galan [Galan Megapixel].

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fotografia de música

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A capa do disco Em tempos não tão remotos, antes da explosão da Internet, os meios de acesso à imagem de um artista eram muito mais limitados. Além do material oficial, esse artista poderia ser visto em revistas e programas de televisão nos quais, mesmo que não fosse usado o material do disco, a imagem era (e ainda é) relativamente controlada, tanto pelo artista como pelo veículo. Nesse contexto, a capa se torna o meio mais importante de fixação da imagem do artista e, assim, a sua referência mais forte era a capa do seu último álbum ou de algum que fosse considerado o seu mais importante, e da mesma maneira o material de divulgação do mesmo, usado em shows e ponto de venda. O baixista Jaco Pastorius, por exemplo, tem em seu disco homônimo [esq.] sua referência mais forte, mesmo sendo seu primeiro disco solo, tendo depois tido cabelos e estilo diferentes. Apesar da vida curta, o músico teve muitos anos de trabalho, com grupos e projetos diferentes, mas essa capa é, até hoje, a maior referência de sua imagem.

P. 62, Miles Davis, Anton Corbjin. Montreal, 1981.

À esq., disco homônimo do baixista Jaco Pastorius, de 1976.

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Levando a capa como referência mais importante do artista, todo o seu material segue o novo disco. Tudo é baseado na capa do disco, e os retratos oficiais que saem na imprensa são da sessão que compõe a capa e encarte do disco. A capa dá o tom para todo o material do artista até sair um disco novo. Um exemplo interessante disso é o Pat Metheny Group, que tem seu novo site baseado no tema do disco.

Acima, capa do disco “The Way Up”, do Pat Metheny Group, 2005. À direita, o site do grupo, que segue a mesma identidade visual.

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Por quê Quem contrata Alguns retratos são pedidos pelas revistas, que mandam seus fotógrafos, para obterem uma imagem dentro do contexto daquela matéria. Esses retratos não têm a cara do artista, e sim da reportagem, quando bem realizados. Quando um artista dá uma entrevista, ele pode ser fotografado durante a mesma ou mandar uma foto de divulgação. A foto que ele manda é fria [a seguir, esq.]. É altamente relacionada a ele, ao seu trabalho, mas não transmite o clima daquela entrevista. A foto tirada durante a conversa é quente [a seguir, dir.], mostra o que estava acontecendo ali enquanto ele era entrevistado (talvez até apareça falando, gesticulando) e fica mais informal e próxima do leitor. Tira a aura da foto de divulgação e desce o artista do patamar daquela foto produzida e pensada para mostrá-lo da maneira que ele quer.

À esq., Chico Buarque. Dani Gurgel, RJ, 2005.

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Revista Jazz+, Editora Dexter, Ano 1, nº 5, 2004.

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Revista Jazz+, Editora Dexter, Ano 2, nº 10, 2005.

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Outra situação em que é pedido um retrato de um artista é para a capa de um álbum. Teoricamente, esse retrato traz a imagem do artista como ele próprio vê. Se fôr um artista com gravadora, há uma grande chance de ela usar de seu poder sobre o artista e fazê-lo ficar com aparência vendável e não a sua própria. Já um artista independente ou com maior liberdade da parte da gravadora, tem muito menos limites de linguagem e talvez de verba para as fotos. Esse artista discute as fotos, e comanda o clima do resultado. O músico raramente contrata um fotógrafo pra fazer uma sessão de divulgação genérica. Geralmente porque não tem dinheiro além da verba do disco, ou porque o que será mais veiculado sobre ele na mídia vai ser o próprio, ou mesmo porque ele recentemente fez uma sessão para o disco anterior e acredita que seria desperdício de dinheiro. A história do músico, portanto, é contada pelas capas dos seus discos. Na cobertura de shows a imprensa é limitada, geralmente a apenas as três primeiras músicas, mas os fotógrafos autorizados pela produção costumam ser liberados dessa regra. O fotógrafo sobre o qual o músico tem controle tem mais liberdade de fotografar, pois ele sabe que, depois da terceira música, se ele cometer alguma gafe, as fotos daquilo são suas e não serão veiculadas no Caderno 2 no dia seguinte. Da esq. para a dir., Vinicius Calderoni nas primeiras três músicas permitidas à imprensa. Dani Gurgel, SP, 2006. Vinicius Calderoni no final do show. Dani Gurgel, SP, 2006. À dir., Tony Bennet e Ralph Sharon. Annie Leibovitz, San Francisco, 2001.

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Quem fotografa

4. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Cia. das Letras, 2004. P. 132.

Os fotógrafos das revistas, muitas vezes free-lancers, costumam ser contratados de acordo com a sua afinidade perante o tema. Se a revista vai falar de música celta, mesmo sendo um sambista o entrevistado e retratado, a foto deve ter elementos de música celta além do samba, e o fotógrafo tem que entender de ambos. Se o fotógrafo entende de música, os shows fotografados por ele têm uma linguagem diferente, pois, de fato, ele entende o que está acontecendo e, portanto, o quê daquilo é importante para ser registrado. Os retratos dizem mais sobre o músico e sua música porque o fotógrafo traduz melhor os elementos da música do retratado em imagens. Na foto de Annie Leibovitz [página anterior], não é feita apenas uma foto bonita, é uma foto com conteúdo. Já um terceiro fotógrafo, que entende de música, e especialmente daquele músico, faz um trabalho muito mais quente. A relação do fotógrafo com o músico dá mais idéias, ele fica mais à vontade para dirigir o músico e sabe o que quer dizer naquele momento, como dizia Nadar: “os retratos que faço melhor são das pessoas que conheço melhor”4. O fotógrafo que acompanha a banda conhece os trejeitos e as músicas. Ele sabe quando e como é melhor fotografar os músicos, conhece as partes interessantes de cada um na música, sabe quando cada um vai solar. Conhece cada integrante, sabe o que ele espera das fotos e sabe o quê dele quer mostrar para o público. Esta foto, além de conteúdo, traz dentro dela indivíduos [dir.].

O mesmo acontece com o cliente. Quando compra o álbum, essa pessoa quer uma representação visual do que está ouvindo. Para o cliente/ouvinte, a foto ilustra o artista/músico, pois precisa ver o rosto do músico para ter uma imagem do som que vai ouvir. Por esse motivo, a foto deve ser condizente com o som. “Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginaria de um passado irreal, também as ajudam a tomar posse de um espaço em que se acham inseguras.”6 Já o fã tem uma abordagem um pouco diferente da foto de seu ídolo. O fã quer ter um pedaço do músico com ele, pois aumenta a experiência da música. As fotos para ele são talismânicas, praticamente indulgências. Mostram um mundo possível. “Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como elas nunca se vêem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter; transforma as pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos. Assim como a câmera é uma sublimação da arma, fotografar alguém é um assassinato sublimado – um assassinato branco, adequado a uma época triste e assustada.”7 “Todos esses usos talismãnicos das fotos exprimem uma emoção sentimental e um sentimento implicitamente mágico: são tentativas de contatar ou pleitear outra realidade.”8 Esse fã chega do show e faz download das fotos em fotologs de amigos, busca em sites de notícias o que aconteceu, tem pôsteres no quarto, disco original, wallpaper no computador e no celular; ele insere as imagens do seu ídolo em sua vida. É um pedaço do artista que ele conseguiu para si.

6. SONTAG, Susan. Op. Cit. P. 19.

7. SONTAG, Susan. Op. Cit. P. 25. 8. SONTAG, Susan. Op. Cit. P. 27. Abaixo, Chico Pinheiro e banda. Dani Gurgel, SP, 2006.

Quem consome 5. SONTAG, Susan. Op. Cit. P. 133.

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Em todos os seus usos, a fotografia de música põe uma imagem em uma experiência especialmente sonora. A imprensa ilustra o músico pra quem não o conhece, traduz aquela música em uma imagem de mais fácil absorção pelo público. “A fotografia é apresentada como uma forma de conhecer sem conhecer: um modo de ludibriar o mundo, em lugar de lançar contra ele um ataque frontal.”5

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novo mundo

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Que diferença faz a foto ser digital? Na indústria fotográfica de grande porte, é fácil concluir que a mudança não é estrutural nem reflete no usuário final. É apenas uma pequena troca conjuntural no processo fotográfico. Porém, para o fotógrafo amador, há uma revolução na maneira de enxergar a fotografia, e em sua importância na vida de cada um. Com as câmeras digitais no bolso em qualquer momento, tudo é motivo para uma boa foto. Os fotologs são o canal de expressão desses novos produtores de imagens, trazendo tanto registros de festas como trabalhos autorais. Ter uma câmera na mão é a possibilidade de registrar tudo o que se está vivendo para mostrar para os amigos depois, e provar que estava lá. Dividir esse momento com os outros acaba sendo mais importante do que viver o momento em si. Surgem, nesse contexto, os auto-retratistas de fotolog, pessoas que tiram fotos de si mesmos e divulgam parte da sua vida em seu espaço. Essas pessoas não podem ser confundidas com malucos pornográficos ou fotógrafos frustrados: são pessoas que

P. 76, Banca. Dani Gurgel, SP, 2004. À esq., Diego de 4x5. Dani Gurgel, SP, 2006.

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abrem a sua vida na internet através de imagens, assim como os escritores de blogs pessoais o fazem com seus textos. Esses fotologgers podem ter fãs, serem populares no mundo virtual e até gerarem renda como no caso da original Jennifer Ringley, que, em 1996, instalou uma webcam no seu dormitório da faculdade e cobrou pelas visitas. Mari Moon é Mariana de Souza Alves Lima, paulistana de 23 anos com 70 mil visitas por semana em seu fotolog. Ao contrário do que se pode imaginar, ele não é povoado com tentativas de vender alguma coisa ou fotos sensuais. São auto-retratos autobiográficos, com comentários sobre a vida, sobre livros, filmes e momentos que passou. Sua vida aberta na Internet dá tantos acessos que Mari Moon abriu a Mari Moon Store (www.marimoon.com.br), na qual vende roupas de sua criação e outros itens.

Marimoon, em seu Flickr: www.flickr.com/marimoon/ e Marimoon em seu Fotolog: www.fotolog.net/marimoon/

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Produtores de conteúdo Ao buscar o nome de um artista em um programa de p2p, além dos álbuns oficiais do referido, podem ser encontradas diversas gravações piratas de shows, out-takes9 e mesmo discos que nunca foram lançados. Os antigos bootlegs tomam força nesse novo contexto, pois não são mais gravações de difícil acesso em lojas especializadas, e sim arquivos que podem ser baixados em minutos a partir de qualquer computador. O vendedor que recomenda novidades pode fazer falta no mercado negro digital, mas essa função é facilmente cumprida pelos fóruns de discussão, tanto em sites oficiais de artistas quanto em paralelos. E, da mesma maneira que qualquer um pode liberar um mp3 bootleg de um show, pode também colocar uma foto do show em seu fotolog. Hoje os shows são proibidos de fotografar sem autorização expressa da produção (não que isso seja muito respeitado). Faz sentido em relação ao flash, mas é também uma estratégia para que não existam tantas imagens não-oficiais daquele artista: o público está lá para assistir o show, e não tem autorização para levar aquela imagem para casa.

9. Out-take: versão da faixa que não foi escolhida para o disco.

À esq., A:. Dani Gurgel, SP, 2007.

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Abaixo, do Flickr, Brian Boulos. À direita, do Flickr, Roger Cullman.

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Os fotologs e o download de mp3 contribuem para a descentralização da produção de conteúdo, que não é mais exclusividade da divulgação oficial do artista e da imprensa. Agora todos são produtores de conteúdo e podem mostrar sua própria visão daquele assunto. Abaixo e à direita, imagens de fotógrafos amadores encontradas no Flickr, licenciadas via Creative Commons.

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O novo álbum Mesmo que o CD acabe como suporte, isso não indica o final do álbum conceitualmente, como trabalho consistente de um músico com uma unidade. Obviamente o lançamento de singles é bem mais fácil, o que resulta em muito mais canções órfãs, o que é inclusive condizente à maneira shuffle com que se ouve música hoje. É tarde demais pra reensinar as pessoas a ouvirem discos inteiros – o artista terá de se adaptar e fazer vários singles, ou usar de truques como juntar uma música na outra e fazer uma faixa só. A organização do conteúdo, sem o suporte do compact disc, pode ser muito mais livre em sua forma. Não há mais a obrigação de ter aproximadamente uma hora de música, um álbum pode ter dez minutos ou dez dias, e o número de músicas é livre. As faixas não precisam ser lançadas de uma só vez, o artista pode fazer trabalhos paralelos, identificando faixas novas como parte de um determinado álbum, inclusive usando do artwork para essa identificação. Sem o álbum físico, a função do encarte deve ser cumprida por outros meios, seja ela a informação sobre o que se está ouvindo ou o fetichismo de possuir material

À esq. Jazz Record Center. Dani Gurgel, NYC, 2007.

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original do ídolo. A função explicativa do encarte poderá ser cumprida por uma base de dados ID3 mais completa e complexa, encartes interativos e artworks maiores, sem grandes esforços. Como, por exemplo, no screenshot abaixo do iTunes, mostrando o artwork da capa do disco. Esse espaço pode ser ocupado por uma capa maior, interativa, e ao lado podem estar disponíveis muito mais informações ID3.

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Novo artista, novo músico e novas bandas É muito difícil falar sobre um artista genérico, envolvendo diversos tipos de figuras diferentes, com propósitos diversos. Uma diferenciação simples e sem pretensões é dividi-los entre artistas e músicos, sendo o primeiro responsável por um espetáculo, e o segundo por um concerto. Se o artista, aqui dito, é aquele que se preocupa com a iluminação, figurino e coreografia, o músico é aquele que se preocupa especialmente com a música e faz questão de que o resto não interfira no que ele tem para ali mostrar. Se um gasta com publicidade, jabá e aluguel de casas, o outro é aquele que faz divulgação de seu trabalho, toca na Rádio USP, e muito provavelmente é atração do Prata da Casa, no Sesc. Em nenhum momento cabe aqui julgar qualidades desses dois universos, mas sim dividi-los para uma melhor caracterização de seu desenvolvimento futuro. Obviamente muitos casos ficarão na divisa entre essas duas possibilidades, mas também, muito provavelmente, flutuarão entre as duas alternativas aqui apresentadas. Nesse contexto, o artista pop produz música seriada, não álbuns: vários singles, às vezes juntos em coletâneas. De uma maneira ou de outra, vai fazer

À esq., Bruno Brasil. Artista brasileiro independente, lançando suas músicas via TramaVirtual. Dani Gurgel, SP, 2006.

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o que o marketing mandar. Os trabalhos terão menos identidade, serão muitas músicas órfãs. O músico, por sua vez, acaba se encontrando em uma situação mais delicada. Por um lado, ele pode tentar proteger o álbum como unidade de seu trabalho e permitir apenas a venda dele completo em lojas virtuais. Porém, isso pode gerar uma antipatia com seu público, que desejava comprar apenas uma faixa do disco, e vai acabar fazendo download pirata da mesma. Esse público já enxerga a faixa como unidade de venda de música, e não mais o álbum. Quanto mais limitada fôr a compra de música, mais ela será obtida por download pirata. Sabendo disso, o músico pode liberar suas músicas para download em lojas, sem vínculo com o álbum, numa tentativa de diminuir seu tráfego nos programas de p2p. Mesmo com relutâncias, o músico também terá maior facilidade para lançar singles, sejam eles teasers do próximo disco ou músicas órfãs. É muito comum ouvirse em um show uma música do próximo projeto daquele músico; e seu paralelo na música gravada, que seria o single na função de teaser, é de muito mais fácil produção com o digital. Nesse contexto surgem novas bandas, novos artistas, já adaptados a essa nova maneira de distribuição da música. Com a liberdade inerente ao lançamento de singles em mp3, vem um grande incentivo às gravações de bandas que não existem, ou não se sustentariam por um álbum inteiro. Por exemplo, um duo de artistas em uma única faixa pode ser lançado muito mais facilmente, sem a produção de um álbum completo. O álbum de Herbie Hancock, “Possibilities”, por exemplo, que conta com diversas participações de artistas pop, um ou dois em cada faixa. Se ele quisesse lançar mais um dueto no ano que vem, nada impediria que fosse “Possibilities” também, se tudo fosse digital. Se ele quisesse lançar uma faixa por mês, ou apenas duas em vez do disco inteiro, isso é muito fácil agora: não precisa prensar um novo CD. Os artistas e músicos que não tem dinheiro para lançar um disco podem começar disponibilizando alguns mp3 para download, como fazem as bandas de gravadoras virtuais. Cansei de ser sexy e Rock Rockets são bandas que lotaram

seus shows de fãs que sabiam todas as suas músicas de cor, sem nunca ter prensado um CD. Os remixes e samples tomam bastante força nesse novo contexto. Se antes tínhamos “Cantaloupe Island”, de Herbie Hancock, transformada pelo US3 em “Cantaloop (Flip Fantasia)”, que manteve a composição da música, a melodia, até o solo de trompete original do Freddie Hubbard, e apenas mudou a batida e inseriu algumas vozes; hoje temos “Stan” (Eminem) que cita “Thank You” (Dido), usando a música original como um refrão, sem conexão alguma com o resto da nova. Essa volatilidade na criação musical, que pode ser feita por um homem só e muitas referências, toma forma na banda Gorillaz como uma música que pode ser criada por um homem, um computador e alguns instrumentos. Apresentada como “uma banda que não existe”, Gorillaz é um marco da gravação faixa-a-faixa (overdubbing), que pode ser feita por uma pessoa só. Não precisamos ir muito longe: André Abujamra também o faz sob o pseudônimo de “Fat Marley”, que surgiu como personagem do filme “Durval Discos” e tomou vida própria.

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nova foto de música

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Fotografia de música no digital Com o surgimento de novos veículos online de divulgação de cultura, como Showlivre, Boca-a-boca e Musiconline, vem a demanda por fotógrafos rápidos, digitais e baratos; para postar as fotos no site pouco depois do show e ter mais acessos, ou incentivar a compra de ingressos para o show do dia seguinte. Como essa veiculação se dá na Internet, não há necessidade de imagens muito grandes (3Mp bastam). A fotografia de música, especialmente de shows, é então povoada por fotógrafos baratos e de quantidade, que poucas vezes têm a fotografia como ganhapão. Esse amador-chic atende a esses veículos, também muitas vezes amadores, que não têm dinheiro nem senso critico para procurar algo melhor: é mais agilidade e menos qualidade. Ora, se esse fotógrafo dos veículos online é amador-chic e carrega uma câmera igual à do fã que está sentado na primeira fileira, nada lhe parece mais justo do que levantar e fotografar também. Alem dos amadores-chic, os shows são povoados por fãs fotógrafos que têm como objetivo levar imagens dali para seu fotolog.

P. 94, Gafieira. Dani Gurgel, SP, 2007. À esq., Lumix, câmera digital da Panasonic em parceria com a Leica. Dani Gurgel, 2007.

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Já na fotografia profissional, não há grande mudança na linguagem, pois iluminação, produção, concepção, direção de arte, pesquisa, referência… continuam as mesmas! É como se apenas mudasse o filme que vai na câmera. A música pop abusa do retoque, mas não tão mais do que já eram retocados os negativos de George Hurrell, tiradas as devidas proporções. O artista pop tem de vender sua imagem junto com sua música, e sua foto é retocada assim como sua voz. A mudança que marca essa passagem da fotografia de música para o digital é a transferência de suporte, do físico para o virtual, mas mantendo seu uso e características. Quarenta anos atrás, uma jovem tinha um caderno de recortes do Roberto Carlos cheio de notícias, fotos autografadas, ingressos e imagens recortadas de revistas. Dez anos atrás, sua filha tinha um caderno bastante similar, com o mesmo conteúdo, de alguma banda como Cidade Negra. Nada tinha de muito diferente entre esses cadernos, mudando apenas o artista famoso da época. Hoje, sua irmã mais nova tem uma pasta no desktop com tudo o que já fez download do John Mayer, e essa pasta não é minimamente menos importante do que os cadernos da mãe e da irmã. Ela tem um ícone especial, backup em CD e é compartilhada com as amigas em seu disco virtual. Se, antes, a fotografia de música servia apenas para a capa do disco e suas aplicações, hoje ela é emancipada, tem um campo muito maior de atuação, muito mais maneiras de ser usada, seja produzida oficialmente ou não. As diversas mudanças no suporte possibilitam uma maior variedade, e independência do artista em relação a investimentos oficiais da gravadora para sua produção, já que os meios para sua divulgação são muito mais baratos.

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Meios oficiais Site Se antes o uso da foto do artista era quase exclusivamente na capa do disco, hoje o site pode ser considerado o seu meio oficial mais forte. Emancipado do disco, o site não é um braço do lançamento do mesmo, como outras mídias do artista antes da Internet. O site está presente o tempo todo, independente de novos trabalhos na sua carreira. Seja esse site com o tema do disco [Pat Metheny, já citado], um site absolutamente genérico e sem relação com nenhum trabalho específico [esq.], ou um meio termo, um site genérico com um hotsite do disco recém lançado [Simoninha, próx. pág.]; esse é um meio livre para o artista, que pode tratá-lo da maneira que melhor entender, ou que o marketing da gravadora preferir. O site, agora, mostra um artista exonerado de qualquer ligação obrigatória com o disco atual, antes causada pelo período único de investimento no seu material, em

À esquerda, capa do site do baterista Jeff Ballard, com fotos © Lourdes Delgado. www.jeffballard.com

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épocas de lançamento e divulgação. Hoje, o artista conta com novas mídias que são mantidas com muito menos investimento, portanto pode manter sua imagem sem um novo trabalho específico com verba de divulgação. À dir., hotsite do disco

À esq., cartaz de um show, que também é capa do site do Triálogo. Abaixo, o disco. www.trialogo.art.br

“Introducing Wilson Simoninha”, disponível em www.trama.com.br

[Triálogo] O Triálogo, trio de música instrumental brasileira, é um exemplo de grupo que está se libertando dessa obrigação de ter a capa do disco como referência máxima.Quando questionados sobre a imagem do grupo, os freqüentadores de shows costumam comentar “aquelas caretas”, imagem inicial do site, e não a bicicleta com três rodas, que é a capa do disco. Em nenhum momento são mencionadas as fotos do trio, que foram bastante veiculadas na divulgação dos shows. 102

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Conteúdo pra Download Oficial

Abaixo, página inicial do site de Jamie Cullum. www.jamiecullum.com

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Na tentativa de manter um público fiel a seu site, o artista pode disponibilizar conteúdo pra download (wallpaper, mp3 exclusivo, ringtones), aulas/dicas, acesso direto a ele (e-mail ou guestbook), loja de colecionáveis, e fórum. Destes, ao menos que suas novidades sejam mesmo interessantes, como o dia-a-dia de Jamie Cullum na primeira página do site, a única que traz o público de volta é o fórum, pois ele interage, fica curioso pra saber se vão responder sua pergunta, faz amigos virtuais com interesse no mesmo artista e descobre muito do que nunca leria num artigo de revista. No caso de um fórum, o fã passa a fazer parte da comunidade do artista, mesmo que ela seja virtual, e obtém respostas dele no seu mesmo patamar. Neste caso, o público ainda não é produtor de conteúdo, mas é seu requisitor e dá mais valor àquilo por ser exclusivo e relacionado a si diretamente. Os downloads exclusivos que podem ser oferecidos pelo artista independem do suporte - podem ser oferecidos no site, pelo celular, para seu iPod – e, a partir dessa sua virtualidade, têm o mesmo uso da fotografia que antes desses novos meios. Um papel de parede no desktop de uma fã tem o mesmo sentido que um pôster na porta de seu armário; e a necessidade da capa do disco em cima do som é compensada pelo artwork especial que ela tem em seu iPod. Mesmo o artista aqui ainda sendo o produtor oficial de conteúdo, ele fornece vídeos exclusivos, partituras para músicos e colecionadores, e fotos não divulgadas que assumem o papel de novos talismãs daquele fã.

[Fórum Chico Pinheiro] O fórum do site do Chico Pinheiro não só girou em torno de interessados, músicos e outros curiosos. As “chiquetetes” acabaram por se tornar um público fiel a todos os shows, inclusive fazendo caravanas, dando opiniões sobre o repertório e tornando-se amigas dos músicos. Esse público foi muito bem aproveitado quando o fórum proporcionou um “jogo”, com perguntas não só sobre o Chico mas também sobre outros músicos relacionados e de influência, que atraiu ainda mais as fãs para os shows.

Artwork e ID3 A base de dados ID3 que acompanha um arquivo MP3 ainda é muito limitada. Ela traz informações básicas como artista, álbum, ano, mas deixa de fora muitas informações da ficha técnica que fazem com que muitos ainda prefiram o CD só por esse motivo. Um ID3 de arquivo MP3 poderia trazer, em cada faixa, a ficha técnica completa com cada músico e seu instrumento (talvez até com link para seu site), local e técnico de gravação, mixagem, masterização, letra, e mesmo os agradecimentos. Já o artwork, hoje, é um espaço muito mal aproveitado. Ele pode ser maior, mesmo mantendo suas devidas proporções para não aumentar demais o tamanho do arquivo. No presente momento, o artwork tem a mera função de lembrar quem o vê na tela do iPod de como é a capa do disco que ele mesmo importou, ou que viu na iTMS antes de comprar. O artwork não substitui a capa, ele é como uma foto 3x4 dela para mera referência, como seu RG. Para cumprir a função de capa, num mundo sem o CD como suporte, o artwork deveia então ser maior, mostrando a arte/foto inteira, se fazer compreensível sem referência externa e trazer algo de novo que não haja no CD, como é o caso dos Tune Books. Ainda experimentais, eles são aplicações que tentam suprir a falta do disco físico, com animações, jogos e fotos, alem das informações básicas de um encarte de álbum.

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P.107, imagens do público

Imprensa

disponíveis no Flickr. Acima, ©2006 André Felipe. Abaixo, ©2006 Marco (MA). À extrema direita, ©2006 portfool’s.

Apesar de que agora a imprensa conte com mais fotógrafos amadores e veicule majoritariamente através da internet, seu conteúdo continua sendo de cunho oficial, exceto tablóides e papparazzis. A imprensa continua sendo um meio controlado de informação, através do qual poucas imagens não-convencionais acabam passando. Mesmo sendo as imagens produzidas por amadores-chic, a imprensa não terá fotos daquele público produtor de conteúdo, e sim material oficial ruim. As imagens serão do ponto de vista da imprensa, em seu lugar determinado, sem as características das fotos de fãs, como os pedaços de público em quadro. Por exemplo, no show do Daft Punk, no Tim Festival 2006, em São Paulo e no Rio de Janeiro, podem-se encontrar diversas fotos do público, assim como cobertura de sites. Por serem amadoras, essas fotos são quentes, trazem o sentimento de quem estava ali na platéia assistindo o show. Não importa sua qualidade, sua função é marcar e compartilhar emoções. Já as fotos de sites, acabam tendo a baixa qualidade das amadoras, porém frias como registros de imprensa: eles têm pauta. A imprensa, portanto, mesmo que presente na internet e nas câmeras dos amadores-chic, continua trazendo conteúdo unilateral, sem interação do público; e agora, de baixa qualidade.

À dir., imagens de Walter Abreu, para o Showlivre, do show do Daft Punk, no TIM Festival 2006.

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Público produtor de conteúdo Fan Sites Quando surgiram os sites de fã-clubes, no início da Internet, eles tinham função única de reproduzir o conteúdo que já existia em sua versão física. Associações eram feitas online, mas pouco conteúdo era trocado através desse canal, oficial assim como o site de uma empresa. Hoje, esses sites são comunidades virtuais de fãs, com fórum, troca de fotos, FAQ (Frequently Answered Questions - Perguntas Freqüentes) baseado nas perguntas feitas no próprio site, e novidades exclusivas sobre aquele artista. Se antes eram espelhos do mundo real, com meras informações para que os fãs se relacionassem com eles ao vivo, hoje são independentes de qualquer suporte físico, com muito mais conteúdo e interação.

À esq., Tim Festival. Dani Gurgel, SP, 2006.

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Blogs/Fotologs

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Em blogs e fotologs, tem-se outro fornecedor de conteúdo. Até aqui era oficial, vindo do artista, imprensa ou um grupo seleto de fãs detentores de conteúdo, e agora são fotos tiradas por qualquer um, de qualquer maneira. A imagem do músico não é mais regrada pelas fotos que ele disponibiliza. Se, quando ele era entrevistado, já havia uma “distorção” dessa imagem ideal, vista pelo fotógrafo da revista, quando um fã põe uma foto num Flickr, a imagem dele é qualquer uma. Esse é o mesmo público que mudou com a fotografia digital, que vê esse mundo de maneira diferente. Colocar uma foto do show no fotolog é dividir com seus amigos virtuais um pedaço da sua experiência do show – é compartilhar o show que viu, para mostrar o que gostou dele. Se a foto é boa, se o artista saiu bem, não importa tanto. Essa foto não é um talismã como uma capa de CD, mas sim como um autógrafo – é a prova de que ele esteve lá. O artista será, então, acompanhado por novas fotos sobre as quais ele não tem controle, que são as fotos dos fãs e fotologs. É uma popularização do poder que a imprensa tinha de desmitificar um cantor em cima do palco com uma foto que mostre algo inédito em suas fotos oficiais: agora o mundo inteiro pode fazer isso, e é muito mais difícil de barrar. Todo o público agora é papparazzi, e não adianta proibir de fotografar o show, pois vão fazê-lo do mesmo jeito. Informação agora é para todos e fotografia não deixa de ser informação. E também não adianta tratar mal o seu público com seguranças arrancando câmeras, já que ele só quer levar um pedaço do artista para sua casa. Quando se põe uma foto do show num fotolog, o artista não tem controle nenhum sobre isso. A imprensa é limitada a fotografar apenas as 3 primeiras músicas, e só fotógrafos autorizados pela produção têm mais liberdade. Por exemplo, o Ricky Martin sofreu de acne quando era adolescente e tem o rosto inteiro marcado. Mas a imprensa concorda em fotografá-lo de longe, ou aturar uma sessão enorme de maquiagem em qualquer instância. Se um papparazzi tira uma foto dele com espinhas, ele é facilmente comprável. Um fã não.

“Um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la – ao limitar a experiência a uma busca do fotogênico, ao converter a experiência em uma imagem, um suvenir. Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos.”10

[Jamie Cullum] No show do Jamie Cullum, o cantor chamou o público para subir ao palco no Bis. Em vez de aproveitarem o momento em que estavam em cima do palco com ele, as pessoas sacaram seus celulares e câmeras e se esforçaram ao máximo para tirar uma foto melhor do que a do colega ao lado. A mesma coisa quando ele desceu do palco e andou no meio da platéia. As pessoas não olharam para ele ao vivo. Olharam para ele através do lcd do seu celular. E nenhum fotógrafo da imprensa tem foto disso, pois eles foram expulsos na terceira música Coicidentemente, na quarta música ele tirou o terno e a gravata, ficando só de camiseta.

10. SONTAG, Susan. Op. Cit. P. 20

Abaixo, show do Jamie Cullum, Setembro de 2006. Foto: Luiza Gurgel, com uma Sony Cybershot escondida na bolsa.

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P.113, mesmo show do

Celular

Jamie Cullum (p.111). ©2006 /natnatnat/ disponícel no Flickr no dia seguinte.

No caso do conteúdo oficial, o celular representa uma mera mudança de suporte, no qual o público pode fazer download da foto de seu artista desejado. Já o celular com câmera, na mão de um produtor alucinado de conteúdo, tem um papel até mais importante e influenciador do que a câmera digital, pois ele está presente no bolso dessa pessoa o tempo todo, não como uma câmera que pode estar jogada na mochila ou esquecida em casa. Pior do que no fotolog, no celular ele tira uma foto do show e manda para os amigos durante o mesmo, e não para qualquer pessoa na web. Ele pode, portanto, mandar fotos muito mais pessoais, íntimas e delicadas, como “olha como o guitarrista é gatinho, Julia!”. Essa foto é muito mais informal, inclusive porque ela é assumidamente de baixa qualidade. O responsável posta já avisando que é uma “foto tosca que eu bati com o celular”, e quer apenas dividir um momento. Não importa se a foto está bonita, focada ou minimamente enquadrada. Ela mostra o que estava acontecendo, mesmo que precise de explicação.

À dir., Oasis em São Paulo, ©2006 Ana Carmen. Disponível no Flickr com o subtítulo “Todo mundo fotografa e filma com o celular”. Nas informações pode-se ver que foi tirada com um celular Sony Ericsson K750i.

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como

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Próximos passos Emancipado do material de divulgação de um álbum específico, o artista tem muito mais imagens disponíveis, mesmo entre as oficiais. Não é só o aumento de veículos responsável por esse aumento de imagens de cunho oficial, já que há muito maior produção de imagens não vinculadas a discos pelo próprio artista, a partir do momento em que ele pode produzir sessões de fotos especialmente para o site, publicar imagens clicadas com sua própria câmera por trás do palco, fotos de shows tiradas por sua equipe, etc. O próprio artista é muito mais livre para produzir suas próprias imagens. Os novos produtores de conteúdo, fotógrafos amadores, inundam a imagem do artista com suas visões, a priori, não autorizadas. Com a abundância de imagens disponíveis na Internet, a fotografia de um artista vem de todas as fontes, oficiais e não-oficiais, democratizando a produção de fotografias do artista. O site oficial, comandado pelo próprio artista ou sua equipe, acaba por se tornar a referência mais forte do seu trabalho, fornecendo conteúdo centralizado. De nada

P. 114, Maria Schneider, artista que já vende sua música digitalmente há algum tempo. Dani Gurgel, SP, 2006. À esq., Aerosmith. Daigo Oliva, SP, 2007. [gentilmente cedida] www.daigooliva.com

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adianta, todavia, ignorar ou combater os esforços do público em produzir suas próprias imagens, gerando assim antipatia e repreensão de sua parte. O público preocupado em produzir seu próprio conteúdo é mais ativo, e pode ser recrutado para diversos tipos de promoções e concursos. “Durante toda a história da fotografia, o amador e o profissional representaram visões diferentes e contrárias da fotografia, lutando por supremacia. Será que a revolução digital virou o jogo em favor do amador? Ou terá jogado essa rivalidade no lixo? Alguém pode responder?”, diz o catálogo da exposição “We Are All Photographers Now! – The rapid mutation of amateur photography in the digital age” (Somos todos fotógrafos agora! – A rápida mutação da fotografia amadora na era digital.) , de 08 de Fevereiro a 20 de Maio de 2007 no Musée de l’Elysée, na Suíça. Mais do que uma ameaça à imagem “oficial” do artista, o público produtor de conteúdo quer participar dela, mostrar sua visão e colaborar com ele. Esse público é um aliado em potencial, já que é muito mais “cool” tirar fotos do artista no show e colocar no seu fotolog do que juntar-se ao fã-clube e escrever cartinhas. O público que interage é muito maior e mais variado hoje.

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Encaminhados A cena virtual atual já conta com diversas estratégias novas e condizentes da parte de alguns artistas. Quando Prince, em 1994, mudou seu nome para , cravando sua luta com a Warner Bros. pelos direitos de sua música, inaugurou um esforço em função da música independente, em detrimento das grandes gravadoras detentoras da produção musical pop. A música hoje é cada vez mais independente, controlada pelos próprios músicos, e usa muito das ferramentas de gravadoras virtuais, site e lojas de mp3 para se divulgar. Não como o burocrático “Cê”, disco de Caetano Veloso, divulgado como um lançamento virtual mas disponível apenas em streaming (sem possibilidade de fazer download) no próprio site do artista, mais facilmente adquirível em sua versão em long play por meros R$80; muitos discos vêm sendo lançados virtualmente, tanto por artistas independentes como por gravadoras. Muitas vezes vêm como meros brindes, discos que não justificam o investimento para serem lançados. Na cena independente, artistas emergentes disponibilizam seu trabalho “demo” para download em gravadoras virtuais como o Trama Virtual, sites de relacionamento

À esq., Mídias estragadas. Dani Gurgel, SP, 2007.

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como o MySpace ou em seu próprio site, usando o compartilhamento livre de sua música como estratégia de divulgação de seu trabalho. A banda Mombojó, de Recife, é um bom exemplo de artistas que usam das licenças do Creative Commons para permitir que sua música seja usada por outros em sua arte, sem fins comerciais. Em conjunto com a Trama, sua gravadora, o Mombojó adota a filosofia do CC e a usa em todo o seu trabalho. Liberada para compartilhamento, sua música atinge muito mais pessoas, e atrai seu novo público a seus shows, seu verdadeiro ganha-pão. O último álbum de Beck, “Guero”, pôde ser encontrado de diversas maneiras diferentes: antes de ser lançado, via downloads piratas; em sua versão oficial em CD; com sete faixas bônus na edição CD/DVD; em várias edições não autorizadas circulando pela rede; ou como “Guerolito”, sua versão com diversos remixes. Segundo o artista americano, um disco é algo a ser ouvido e reconstituído pelo público, assim como pelo artista, oferecendo a ele a possibilidade de montar sua playlist ideal. Terry McBride, CEO da Nettwerk Music Group, chega a propôr que sejam disponibilizados os arquivos originais de gravação das músicas, possibilitando que os DJs amadores utilizem apenas o baixo, ou apenas a bateria de uma música para seu novo mix. Responsável por bandas como Barenaked Ladies, a Nettwerk apenas os representa, e seus álbuns são lançados por seu próprio selo, dando-lhes domínio completo de seus direitos. McBride planeja reinventar a indústria musical, legalizando o compartilhamento de músicas e dando aos artistas controle total sobre seu trabalho, independentes de gravadoras. Não só procurando novas maneiras de liberar sua música, muitos artistas também chamam o público para ser parte integrante da construção de sua imagem. Muitos sites de artistas contam com galerias de fãs, oferecendo espaço para novas imagens, mesmo que sua publicação seja controlada. Diversos concursos para fazer videoclipes dos artistas vêm sendo abertos, especialmente pelo Trama Universitário, abrindo músicas da gravadora Trama para estudantes universitários fazerem seus próprios clipes. O filme “Awsome! I fucking shot that!”, de Nathanial Hornblower, usou desse público interessado ativamente, colocando

50 câmeras hi-8 nas mãos de 50 fãs, que gravaram o show simultaneamente com uma equipe tradicional de captação. A já citada exposição “We Are All Photographers Now!” traz uma abordagem similar da fotografia: “Imagens de telefones celulares e câmeras digitais, sites de compartilhamento como o Flickr e photolog, agências amadoras como Scoopt e Splash, blogs individuais, diários eletrônicos, hotlinks, ‘fotojornalismo cidadão’, fotos profissionais mostrando amadores clicando, novas oportunidades de imprensa, e precedentes históricos do século XIX... todos são fomento para nosso experimento. Este é o primeiro projeto de um museu grande a adotar uma visão compreensiva da revolução digital e seus impactos. Onde quer que você esteja no mundo, participe da nossa exposição! Faça upload da sua imagem em www.allphotographersnow.ch e ela será exibida em nossas galerias.” Eles procuram responder a questões-chave, muitas também aqui abordadas, em relação ao “fotojornalismo cidadão”, como chamam o envio de imagens por amadores para a imprensa, a ameaça a fotógrafos profissionais, a autenticidade e veracidade das novas imagens, se está ocorrendo uma democratização da fotografia e se a digitalização é uma revolução ou mera evolução. Cada vez mais é percebida a importância do público na produção de conteúdo, a presença forte dos amadores na mídia. Pode não ser tradicional, ou o melhor conteúdo possível, mas é definitivamente mais quente.

Abaixo, imagens de divulgação da exposição.Da esq. para a dir.: Conflict in Palestine © Keystone; Conflit in Palestine © Keystone; Visit of the Pope Benedict XVI World Youth Day in Germany © Keystone

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Ainda não Há grande relutância da parte dos músicos mais tradicionais em relação à baixa qualidade do mp3, sua perda de frequências. Não cabe aqui analisar se o CD pode ou não ser substituído pelo MP3, dado que o LP, dito substituível pelo CD, ainda é presente no mercado fonográfico em meios bastante específicos, dos DJs e colecionadores. Nada impede, portanto, que o CD sobreviva como forma de comercialização da música de certos artistas para um público exigente em frequências sonoras. Não disponibilizar sua música em mp3, porém, em breve será similar a lançar um disco apenas em vinil, num contexto em que muito poucos ainda possuem uma vitrola em casa. Outros defensores do álbum completo, que até limitam sua venda por faixa na iTMS, também prejudicam sua imagem e o trânsito de sua música nos mp3 players de seus potenciais ouvintes. No campo da fotografia, é curioso perceber que a adoção das licenças de Creative Commons não é tão abundante em novos profissionais, emergentes. Mais comuns em flickrs de amadores, as licenças CC permitem, muitas vezes, que suas

À esq., Apple. Dani Gurgel, NYC, 2007.

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fotografias sejam editadas, cortadas e usadas para fins diversos. Sem permitir mashups e usos irregulares, a divulgação de imagens com copyright e marca d’água é mais comum em sites e portfolios. Assim como músicos de gravadoras, a maior parte dos fotógrafos profissionais vê no Creative Commons uma ameaça ao seu modo de vida, que é a venda do seu trabalho editado, em detrimento da produção de novas imagens sob encomenda ou a performance ao vivo. Essa forma de divulgação e compartilhamento de informações, música e imagens ainda engatinha no meio profissional.

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[3.2]

Abaixo, pdf fornecido no arquivo .zip do disco de Jair

Uma outra abordagem da possível desmaterialização do álbum é o lançamento de um álbum digital, no mesmo formato de um CD. Jair Oliveira lançou, em 2004, um álbum que nunca foi prensado: 3.2. Porém, em vez de aproveitar as vantagens da música digital, seu disco foi apenas disponibilizado para download, completo, no site da Trama, sua gravadora. Não houve divulgação de faixas separadas, nenhuma mídia além do próprio site da gravadora. Até foi fornecido um encarte 12x12cm (fechado) em pdf junto com os arquivos mp3, para que o ouvinte imprimisse e montasse seu disco. É um exemplo concreto de como as vantagens da digitalização podem passar batidas. O resultado foi um álbum pesado, que só se podia fazer download completo (era um arquivo .zip com tudo): tão pesado quanto a seu pescoço tensionado na foto da capa. Assumir que o público iria gravar todas as músicas em um disco em vez de separá-las em playlists, e até imprimir a capa, é o cúmulo do tradicionalismo.

Oliveira, 3.2. Sendo a capa, vinha com instruções para ser impresso e montado pelo ouvinte, após gravar um CD com seus mp3.

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gafieira

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fotógrafo por um dia Seja fotógrafo por um dia e participe do meu TCC. Foi a partir disso que vinte e cinco voluntários bem-intencionados e mortalmente armados de câmeras digitais amadoras e celulares apareceram no Tom Jazz. A casa paulistana, apesar de conhecida por apresentações de Jazz e Música Brasileira, bastante elitizados pelo preço, apresenta, aos domingos, a “Gafieira São Paulo”, de som brasileiro e dançante. Ou seja: pista livre pro pessoal andar e tirar foto do que quisesse. Fiz questão de não dar briefing. A todas as perguntas sobre o que deveria ser fotografado, com ou sem flash, em que resolução, de cima ou de baixo, de longe ou de perto; a resposta foi que seguisse o que tivesse vontade de fazer. Sete destes vinte e cinco estavam armados com apenas um celular, apesar de que alguns dos outros tinham ambos, celular e câmera. E todos forneceram o material cru, sem edição, tratamento ou seleção. A grande maioria fez upload das fotos na hora no meu computador. Pode parecer impossível editar 14 Gb de imagens em relativamente baixa resolução. Mas não é. A partir do material cru é instintivo acompanhar o ritmo do [DAG]

P.128, Gafieira. Dani Gurgel, SP, 2007. A partir daqui, as imagens são parte do experimento, e têm seu crédito marcado na mesma, com legenda na página 168.

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fotógrafo em questão, sua lógica, sua sucessão de idéias e pensamentos. Esse fotógrafo, o amador, está em sincronia direta com a música, e não com uma pauta. Ele não pula entre as fotos porque ainda não tem uma imagem boa do baterista para a revista. Ele anda na direção em que a música o leva. Esse raciocínio leva às cinco categorias em que consegui organizar e analisar o material produzido nesse dia: arranjo, tema, harmonia, ritmo e solo. Cada uma destas teve sua faísca em algum comentário dos participantes e observadores.

[DAG]

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[DAG]

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[DAG]

arranjo De como foi organizado este evento, o arranjo do experimento, é bastante lógico. A necessidade por dar-se em um evento com pista de dança e de som alto para não inibir a movimentação dos voluntários já limitava os eventos passíveis de execução. Dentro dos shows paulistanos com pista, eis que surge a Gafieira São Paulo, à qual as pessoas não vão apenas para dançar: elas vão para dançar umas com as outras. Mais interessante também do que qualquer som brasileiro nessas condições, a Gafieira São Paulo, especificamente, é composta por músicos excelentíssimos, entre os quais há interações, conversas dentro do som... É quente, e não ‘som ambiente’. Ora, se o conceito básico do samba de gafieira é a dança a dois, a interação entre o casal e a música e entre si, nada parecia mais perfeito para dar-se a interação entre a música e um possível tipo de dança. A fotografia dos voluntários nada mais foi do que isso: uma dança com a música, uma interação com os músicos, os dançarinos na pista e o público. E, ao tomar consciência dos outros a seu lado fazendo o mesmo, obtivemos muitas imagens metalinguísticas (ou making of, como preferir) do evento e da participação de todos. [LUL]

Arranjo. A reelaboração ou adaptação de uma composição, normalmente para uma combinação diferente do original. [Dicionário Grove de Música]

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[PAP]

[GUI]

[LYT]

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[LUL]

tema Tema, especialmente no Jazz, pode tanto ser lido como sinônimo de música ou canção, quanto como aquela parte da música que está escrita na partitura, e é tocada com variações em meio a improvisos. Assim como na música temos o tema e, após os solos, muito provavelmente voltaremos a ele antes de terminar, alguns temas foram recorrentes nas fotografias, sem muita aspiração a fazer imagens maravilhosas, mas a retratar partes importantes daquele momento, mesmo que menos virtuosas. Nos repetimos muito fazendo (tocando ou fotografando) o tema. Não porque estejamos copiando algo, mas porque o tema já está escrito. É a melodia segura que sabemos que faz parte da música, e temos que fazer uma hora ou outra. Estas, é importante não confundir, não são imagens piores nem melhores. São imagens recorrentes. Tanto recorrentes no imaginário visual quanto foram recorrentes aqui, em que diversas pessoas tiraram fotografias muito similares em momentos totalmente diferentes do show. [GUI]

Tema. O material musical em que toda uma obra, ou parte dela, se baseia; o termo em geral refere-se a uma melodia identificável. (...) pode ser a melodia sobre a qual se baseia um grupo de variações. (...) [Grove]

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11. The Cambridge Music Guide.Ed. Stanley Sadie.

“É óbvio que a coisa mais fácil de se reconhecer é uma melodia recentemente ouvida, e os compositores sempre usaram a recorrência melódica como um meio para dar forma e unidade artística a uma composição. (...) O termo tema é muito usado para uma idéia musical na qual um trabalho é baseado.”11 Abaixo, vê-se duas fotos muito parecidas, porém de fotógrafos diferentes, e em momentos/músicas diferentes. Apesar de Daniel Amorin, no centro, e Conrado Goys, à

direita, estarem em posições similares, Conrado está tocando violão à esq. e guitarra à direita. Também são cantoras diferentes: Giana Viscardi e Verônica Ferriani, respectivamente. O mesmo nas fotos do Paulinho, percussionista, abaixo à esquerda; e as gerais da Gafieira, abaixo à direita. Pode-se perceber um padrão, especialmente no Paulinho, de imagens que atraíram os fotógrafos.

[LYT]

[SAK]

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[MAM]

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harmonia “É muito mais do que o som. É toda a experiência. As pessoas dançando, a casa, as fotos, a gente conversando neste momento... É tudo parte da música. O som é só uma ínfima parte causadora de tudo isso.”, dizia Danilo Penteado, admirando a massa de fotógrafos, dançarinos, espectadores, músicos e muito mais naquele momento. Não podemos isolar o som de todas as outras manifestações que ocorriam naquele momento. Os fotógrafos convidados certamente não o fizeram. Não só imagens do público, podemos ver trechos da aula de gafieira que aconteceu antes do show [esq.], cenas das pessoas dançando, o palco visto de trás... A vibe11 do local é transmitida nas imagens, mostrando como o ambiente influencia todas as nossas ações (e fotos) neste momento. Poucas vezes o fotógrafo profissional, contratado, tem essa relação com o resto do público, levando-o a fotografar outras manifestações que não o som. Ele está preocupado em retratar aquilo que lhe foi pedido: os músicos. E acaba passando batido por aquilo que faz parte, também, daquele momento: o ambiente, a harmonia. [SAK]

Harmonia. A combinação de notas soando simultaneamente, para produzir acordes, e sua utilização sucessiva para produzir progressões de acordes. (...) [Grove] 11

Do inglês ‘Vibe’. Não é passível de tradução. Vibração? Ambiente?

Inter-relação? Sentimento de grupo? Clima? Vibe.

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ritmo No material bruto é claro o ritmo sincronizado do fotógrafo e da música que acontecia. Não se trata de mero clique no tempo, mas de interação entre o clima da música e o clima da foto. Relação entre a imagem e a música, de modo que ela não traga um belo retrato de uma cantora, e sim uma imagem profunda da música por trás daquilo. Uma imagem com ritmo transcende o que ela mostra na superfície: ela tem o suingue nas entrelinhas. A foto à esquerda, por exemplo, não traz uma imagem maravilhosa de nenhuma das duas cantoras. Elas nem estão, de fato, cantando no momento do clique. Mas ela tem um ritmo interno, uma interação entre os músicos. Entende-se, através dela, a música por trás dessa imagem, mesmo que não seja um lindo retrato para ser usado no próximo disco de uma delas. A fotografia amadora tem a liberdade de se prender ao ritmo e não à pauta. Não que essa escolha seja absolutamente consciente, mas ela vem estampada às imagens. Um fotógrafo profissional, mesmo sem pauta, nunca deixaria de fotografar [SAK]

Ritmo. A subdivisão de um lapso de tempo em seções perceptíveis; o grupamento de sons musicais, principalmente por meio de duração e ênfase. (...) O ritmo, como elemento fundamental - a música é algo que só pode existir no tempo -, tem um papel a desempenhar em muitos outros aspectos da música: é importante elemento na melodia, afeta a progressão

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da harmonia e desempenha papéis em questões como textura, timbre e ornamentação. É fundamental à dança; os padrões da dança, derivados dos ritmos naturais do movimento corporal, ditaram muitos dos modelos rítmicos que permeiam toda a música ocidental. (...) [Grove]

algum músico em específico, e pode acabar fazendo-o em um momento que não faça tanto sentido, levado a isso pela sua obrigação interna de fazê-lo. Já o amador, é levado a ele pelo ritmo, e chega naquela imagem num momento em que ele se destaca ou traz interesse. Talvez ele não esteja no ápice de um improviso, no clímax daquele solo, a gotinha de suor pulando da testa, a ponta da baqueta quebrando, a palheta voando em direção à câmera... Mas ele está fazendo parte do conjunto da música e chamando a atenção do fotógrafo por algum motivo. A grande diferença é que esse motivo não é relacionado à pauta, a uma obrigação racional de ter aquela foto, e sim à vontade espontânea de guardar aquela imagem naquele determinado momento.

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[SAK]

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[MAM]

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[GUI]

[LUL]

solo Variações do tema sem sai do tom seria uma maneira muito rasa de falar do solo. Oriundos do Jazz, os improvisos em cima de um tema fazem parte da música popular de todo o mundo nos dias de hoje. Obviamente não inventados pelo Jazz, mas cunhados por ele, os solos vêm como o momento de cada músico discorrer sobre aquela harmonia da sua própria maneira. Também não é um trabalho de uma pessoa só, pois o que faz dos solos quentes é a interação entre os músicos durante os mesmos. Algumas imagens se destacaram ao longo do trabalho. Não se concentraram em poucas pessoas, nem em tipos de câmeras, como seria uma conclusão rasa imediata. A imagem ao lado foi tirada em um celular, e traz uma expressão do baterista Thiago Rabello que a grande maioria dos fotógrafos profissionais, preocupados com sua pauta, passariam reto por aquilo. Assim como muitos dos melhores solos na música, os solos destas imagens são resultado da interação mais afiada entre os fotógrafos e o som.

[TOB]

Solo. (...) passagem que deve ser executada por um só intérprete. (...) [Grove] Improvisação. A criação (...) à medida que está sendo executada.(...) A improvisação ocupa um lugar importante no jazz (principalmente quando intérpretes isolados improvisam dentro de padrões harmônicos fixos). (...) [Grove]

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[PAR]

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[GUI]

[LYT]

mixagem Após a coleta das imagens dos participantes, foi criado um blog, com a intenção de mostrar o que havia sido realizado e coletar alguns comentários e opiniões. Esse blog teve a função de explicar o ocorrido e coletar opiniões. Bilíngue, disponível via RSS e com a possibilidade do visitante fazer comentários. A partir da finalização do trabalho, o espaço se tornou um site de apresentação do mesmo [esq.], com oferecimento de download deste, na íntegra, em português e inglês, no formato pdf. Ao longo do tempo, também serão disponibilizados vídeos anexos, informações sobre a apresentação, etc. Tudo isso acontece sob sua licença de Creative Commons para uso não-comercial, sem mudanças e com crédito.

Mixar. Produzir a versão finalizada de uma gravação. [Wiki] À esq., site, disponível em www.danigurgel.com.br/tcc

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Considerações finais Do gravador de rolo às gravadoras virtuais, o meio musical cada vez mais se adapta ao contexto atual. Não só em novas técnicas e tecnologias, mas na linguagem da música direcionada para o seu ouvinte. Num contexto digital, o músico e o artista, ambos, terão de se adaptar a novas formas de divulgar, distribuir, e mesmo de compreender a sua música. Ao lado dessa revolução na maneira de se ouvir música, uma outra se desenvolve no ambiente da fotografia, com a sua popularização. O fotógrafo amador precisa de muito menos informação, técnica e formação para produzir boas fotos, e pode disponibilizar esse conteúdo na internet. A tecnologia traz assuntos antes marginalizados, como mix tapes, mp3, mesmo a própria fotografia; a todos, tanto cultural como intelectualmente, porque ficam mais acessíveis. Dado esse contexto, seria de fácil conclusão que logo não haverá mais CDs, pôsteres, ampliações de fotos, cartões ou qualquer material físico com fotografias de música, inutilizando, portanto, qualquer iniciativa de retratar um músico ou artista.

À esq., Duo Paticumpá. Duo dos percussionistas Cesar Traldi e Cleber Campos, usando baquetas fluorescentes no escuro. Dani Gurgel, SP, 2007.

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Porém, os motivos pelos quais a fotografia de música sempre foi necessária, que, inclusive, foram responsáveis pela sua inclusão nos meios físicos já mencionados, não deixarão de existir nesse novo contexto. O ouvinte continuará precisando de uma imagem para ilustrar o músico, o leitor do jornal virtual continuará querendo ver a banda que está pensando em assistir hoje à noite e, mais importante, o fã continuará cultuando o pedaço talismânico do músico que tem para si. A fotografia de divulgação irá para a imprensa (não obrigatoriamente impressa), cartaz, banner no show, e-mail, artwork, etc. O uso da fotografia de música será o mesmo devido às razões que a sustentam, independente da forma na qual é veiculada. A fotografia de música poderá, então, sofrer mudanças violentas de suporte, contudo, não desaparecerá, pois será necessária igualmente. Paralelamente a esse lado profissional, o amador vai em busca sozinho de suas imagens talismânicas da música. Sua falta de pauta proporciona sua liberdade nas imagens, conseguindo então fotos muito mais quentes em relação ao som. Ora, se Brad Mehldau busca as melodias mais bonitas na música pop, menos racionalizada e, por consegüinte, constantemente mais livre e emocional; por que não buscarmos imagens de amadores, por sua vez, com muito mais desprendimento e suingue? Não podemos, porém, juntar esses dois lados: a capa do próximo disco da Gafieira São Paulo provavelmente não será uma das fotos dos amadores deste experimento, mas elas seriam provavelmente parte da seção novidades de um site da banda. O amador não vem para competir com o fotógrafo profissional: ele surge numa categoria separada que não é uma ameaça nem tem essa intenção. A fotografia amadora é uma linguagem paralela, mais conectada ao assunto do que à técnica. Quando ele tenta cruzar essa linha, o fotógrafo amador acaba posicionando-se como um picareta de marca maior e só prejudica o setor.

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Camila Gutierrez Caroline Gabriel Carlos e Eliana Nigro Carlos Gurgel Dani Gurgel Debora Gurgel Diogo Melo Flávio Silva Guilherme Palma Henrique Robles Luis Fernando Sanguini Luli Radfahrer Lucia Rodrigues Lyvia Tascone Marcos Moura Nevo Yoav Paulo Passaro Paula Romano Raphael Ferreira Renata Scaff Sabrina Korman Tó Brandileone Vinicius Calderoni

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