Fracasso Escolar: Um problema a procura de explicação
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Fracasso Escolar: Um problema à procura de explicações Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Universidade Federal Fluminense
Este estudo1 analisa as percepções dos diversos participantes no processo educativo que, de um modo ou de outro, se envolvem na problemática do fracasso escolar, como atores principais ou coadjuvantes, estabelecendo um diálogo a partir do entrecruzamento de suas falas. A primeira explicação para as razões do fracasso escolar expressada por jovens e seus pais aponta para a afirmação de que professores e diretores hostilizam e expulsam alunos da escola, especialmente com base nos problemas de indisciplina. Esta afirmação tem sua origem em alguns problemas e práticas institucionais do sistema escolar: a) A prática de expulsar alunos da escola; b) O problema do fracasso escolar e sua relação com a baixa auto-‐estima do aluno; c) A questão da disciplina e da punição do aluno; d) As variações nas percepções sobre disciplina e indisciplina na escola. Estas práticas e problemas foram objeto de discussão entre os três grupos de participantes: o 1º, o grupo de jovens e seus pais, o 2º o de pessoas da escola e o 3º o de legisladores, administradores governamentais e políticos da educação.
1Este texto é uma tradução de parte da dissertação de tese apresentada pela autora, para a
obtenção do título de "Ph.D. in Education" pela Universidade da Pensilvânia, USA, em maio de 1992. O contexto estudado, assim como métodos e teorias que nortearam a análise dos dados fazem parte do corpo do trabalho original.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐2-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Embora estes participantes tenham sido entrevistados em lugares e tempos diferentes, eles foram colocados em diálogo uns com os outros através das questões propostas pela pesquisa. Procuramos fazer sentido do diálogo promovido pelas questões à partir da análise das percepções dos participantes, funcionando como um trabalho de tricô, onde os pensamentos e sentimentos são trabalhados pelos pesquisadores, formando um todo inteligível. Limitaremos esta explanação à análise do ítem sobre variações nas percepções sobre disciplina e indisciplina, apontado anteriormente como problema que se formulou a partir da afirmação de alunos e pais de que indisciplina é um forte indicador do fracasso destes alunos na escola. Conceito de disciplina e indisciplina: Variações em percepção. As várias explicações dadas pelos entrevistados evidenciaram que percepções sobre alunos com problemas de disciplina, assim como as estratégias para manter a disciplina na sala de aula, variam de acordo com o envolvimento do aluno ou participação dele no problema (estudantes eram "atores", professores as "vítimas", diretores os "carrascos" e o governo o "ausente") e também de acordo com as relações de poder entre estes participantes (alunos/professores, professores/direção, diretores/administradores governamentais). As explicações também variaram de acordo com os diferentes "status" entre os grupos (pais e jovens diferiram em suas respostas dos diretores, professores e administradores governamentais). Portanto, neste trabalho, para efeito de análise, os participantes foram agrupados em 2 grupos: o 1º incluiu os jovens e seus pais ou responsáveis, e o 2º incluiu professores, diretores e administradores governamentais).
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐3-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Para melhor explicar estas variações sem considerar todas as variáveis pertinentes ao problema, dois quadros foram criados para resumir a disparidade das percepções, usando as respostas dos participantes para as seguintes questões: 1) Qual é o comportamento indicador de disciplina e indisciplina em sala de aula? 2) O que significa disciplina e indisciplina? 3) Qual seria a solução para manter a disciplina em sala de aula? É importante ressaltar que estas questões não foram diretamente perguntadas durante as entrevistas. Elas foram formuladas apenas para auxiliar no processo de montagem do quadro analítico sobre a questão da indisciplina. As respostas foram encontradas nas explicações dadas pelos participantes para problemas relacionados às razões do fracasso escolar. As respostas foram divididas em 2 blocos. O primeiro conjunto de respostas representa a percepção dos outros participantes da pesquisa (professores, diretores, supervisores, políticos, administradores governamentais). Estes têm participação indireta no ato de disciplina e indisciplina, pois são, num certo sentido, avaliadores dos atos praticados pelos "atores". As perguntas foram agrupadas de acordo com as seguintes categorias: 1) Comportamento indicador de disciplina; 2) Significado de disciplina; 3) Comportamentos indicadores de indisciplina; 4) Significado de indisciplina; 5) Soluções para o problema de indisciplina. No quadro 1, categorias 1 e 2, assim como 3 e 4, foram colocadas na mesma coluna, porque, algumas vezes, o significado e a percepção aparecem sob a forma
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐4-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ de um comportamento ou atitude individual específica. As outras duas colunas representam a identificação de cada grupo de entrevistados. O quadro 2 mostra a categoria 5, das percepções sobre possíveis soluções para indisciplina entre alunos. Nesta tabela também estão representados ambos os grupos.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐5-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________
Quadro1-‐Variações nas percepções sobre disciplina e indisciplina
Fatores que conduzem para disciplina e indisciplina Disciplina Indisciplina
(1) Indicadores Comportamentais (1)Indicadores Comportamentais (2) Significados (2) Significados (1) Alunos brincando em vez de (1) Bom comportamento do trabalhar; Percepções dos aluno; (1) Alunos mal comportados (1) Aluno presta atenção às alunos e pais ou instruções do professor; (desobedientes às ordens do professor); responsáveis. (2) Alunos aprendendo; (1) Alunos bagunçado (mexendo (2) Bons professores; com outros alunos); (2) Professores organizados; (1) Alunos que não prestam (2) Escolas organizadas; (1) Professores que controlam os atenção às instruções do professor; alunos. (1) Falta de controle dos professores; (2) Professores sem competência; (2) Professores fora de sala; (2) Professores sem conhecimentos; (1) Diretores ausentes da escola; (2) Falta de estrutura da escola (material escolar, limpeza, regularidade e pontualidade das aulas)
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐6-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ (1) Alunos bem comportados; (1) Mau comportamento dos (1) Alunos obedientes aos alunos; professores; (1) Alunos barulhentos; Percepções dos (2) Alunos que aceitam as regras (2) Alunos que não frequentam as disciplinares; aulas; Professores, (2) Alunos que frequentam (1) Alunos desobedientes às Diretores, regularmente a escola; regras disciplinares; Supervisores e (2) Alunos organizados; (2) Falta de material adequado Administradore (2) Pais organizados; para o trabalho dos professores; (1) Pais interessados em suas (1) Perda de controle do s crianças e na escola; comportamento dos alunos pelo Governamentais (1) Pais que ajudam os alunos com professor; . os trabalhos da escola; (2) Falta de política educacional; (1) Pais que valorizam a escola; (2) Falta de estrutura da escola (1) Alunos quietos; (material escolar, trabalho regular, (1) Total controle do professor pontualidade); sobre o comportamento do aluno; (2) Turmas heterogêneas (com (2) Turmas pequenas; alunos de todos os níveis do (2) Grupos homogêneos de alunos conhecimento no mesmo grupo); em termos de capacidade de (2) Turmas grandes (mais que 25 aprendizagem. alunos por classe)
Quadro 2 -‐ Variações nas percepções sobre soluções para problemas de indisciplina.
Percepção dos Alunos e Pais ou Responsáveis
Percepção de Professores, Diretores, Supervisores e Administradores Governamentais
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐7-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ (a) Alunos prestarem (a) Regras disciplinares mais atenção às mais rígidas, mais punição instruções do professor para alunos mal (b) Mais trabalhos comportados escolares p ara o s a lunos (b) Alunos mais (c) Falar com os alunos silenciosos sobre problemas (c) Alunos mais Soluções disciplinares ao invés de trabalhadores e puni-‐los interessados (d) Professores mais bem (d) Evitar colocar alunos treinados com problemas de (e) Professores mais disciplina junto com os assíduos e presentes em bons alunos classe (e) Fazer com que os (f) Diretores visitando as estudantes obedeçam às classes com mais ordens do professor frequência (f) Fazer com que os pais (g) Escolas bem se interessem mais pelos estruturadas (limpa, problemas escolares de trabalhos regulares, seus filhos pintada, com muitos (g) Fazer com que os pais materiais de ensino e valorizem mais as aprendizagem) atividades escolares (h) Maior vontade política para resolver os problemas das escolas
Como demonstram os quadros, as percepções apresentam inúmeras variações. Optamos por destacar dois fatores que tornaram-‐se mais evidentes: a participação direta no "mau comportamento" e a diferença de poder nas relações entre os participantes. Estes fatores são importantes indicadores para distinguir estas diferentes percepções.
1 -‐ Da participação direta no "mau comportamento": Os atores do "mau comportamento" ou indisciplina (estudantes e pais/responsáveis) tendem a atribuir este problema a fatores externos a eles, dividindo suas responsabilidades com outros participantes, especialmente professores e diretores.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐8-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Já os professores, diretores e administradores governamentais tendem a atribuir o mesmo problema aos estudantes e pais: falta de atenção do aluno, mau comportamento, alunos originários da classe pobre, pais negligentes ou desinteressados. Os alunos definem indisciplina como estar "brincando ao invés de trabalhando", enquanto professores definirem "brincadeira de aluno" como mau comportamento. Para os alunos, brincadeira é uma atividade permitida pelo professor. Este entendimento pelo aluno implica que, para mudar esta situação de indisciplina, ambos, aluno e professor, têm que iniciar uma nova atividade de retorno ao trabalho de classe. Para o professor, no entanto, esta brincadeira, ou "mau comportamento" do aluno, é uma atitude individual, que, para ser mudada, depende exclusivamente deste aluno, não implicando, portanto, em nenhuma mudança de atividade por parte do professor. O exemplo que se segue mostra como a percepção do aluno sobre indisciplina está relacionada com a permissão dada pelo professor: "Os professores tinham de ser mais rigorosos com os ensinos [...] Os alunos não têm nada para fazerem então eles brinca, brinca muito. Falta de disciplina não é somente culpa dos alunos. Os professores deixa também." (Paulo Sérgio, 16 anos, expulso da escola). Na percepção de Armando (16 anos, 5 vezes repetente, 4 vezes expulso), falta de disciplina tem o mesmo entendimento que o expresso por Paulo Sérgio. Ele disse: "Tem hora que é divertido, mas tem hora que é...hum, hum [...] Bagunçar é brincar na sala, jogar giz nos outros, bolinha de papel, passear na sala, mudar as carteiras de lugar, quebrar carteiras. Ah! Eu não sei... Eu fico chateado com alguma coisa e começo a brincadeira."
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐9-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Ao ser perguntado sobre o que poderia ser feito para melhorar a disciplina, respondeu: "Os professores deveriam ensinar coisas mais interessantes. Eles não deveriam deixar a gente sozinhos. A diretora deveria aparecer algumas vezes para falar com os alunos que brinca muito. Algumas vezes isto não adianta muito, mas se ela ficar sempre falando, nós começamos a mudar. É errado ficar só colocando de castigo. Eles (professores e diretor) deixa a gente fazer bagunça, e então, pra que colocar de castigo?" Professores argumentam que o comportamento de alunos e pais são os maiores problemas que contribuem para a indisciplina entre os alunos. Ao mesmo tempo, os professores justificam seu envolvimento no problema por falta de condições de trabalho. A entrevista que se segue, com um elemento da administração educacional estadual, mostra que os estudantes que fracassam nas escolas por causa de problemas disciplinares são vistos como "preguiçosos", "delinqüentes" e oriundos de "famílias pobres". "Os estudantes estão cansados [...] tudo soma-‐se a isto [...] A falta de motivação, a falta de motivação até para ir à escola. Eles (alunos) vão lá, e matam aulas, ou chegam na escola e não tem aula, o professor não está lá, então eles (pessoal da escola) colocam os alunos em outras classes [...] É, a escola está em condições extremamente difíceis [...] As condições dos prédios são péssimas, precárias. Tudo contribui para fazer a sala de aula um lugar tão desagradável que o estudante se revolta, torna-‐se indisciplinado, para colocar a agressividade e revolta para fora. Eles têm problemas em casa, eles moram em favelas. Isto, por si só já é suficiente para que tragam problemas para a escola. Eles têm que lutar com os problemas fora da escola, pode ser um ponto de venda de drogas, problemas com os pais, que são bêbados ou prostitutas [...] Você não sabe o que os levou a se tornarem problemas na escola. É sempre uma surpresa. Professores têm que ser artistas para lidar com crianças da favela." (Paulo, 35 anos, Coordenador de Ensino na SEEC/RJ).
2 -‐ Das diferenças nas relações de poder: Diferenças nas relações de poder entre o grupo de jovens e pais e o de professores, diretores e administradores governamentais foi um importante indicador para determinar diferenças nas percepções sobre disciplina e
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐10-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ indisciplina. Este indicador tem também um importante papel na formulação das soluções para estes problemas em sala de aula. O grupo com menos poder tende a apontar fatores externos a eles (escola, professor) como indicadores da falta de disciplina, enquanto que o grupo mais poderoso aponta para fatores também externos a eles mas ao mesmo tempo internos em relação ao grupo anterior (alunos). Enquanto o primeiro grupo sugere soluções pacíficas, o segundo enfatiza dureza e rigidez de controle. Por exemplo, alunos e pais sugerem como solução para a falta de disciplina o "diálogo" entre alunos e professores. Em contraste, elementos do outro grupo, especialmente diretores e supervisores, recomendam mais rigidez das regras disciplinares e mais punição para os alunos mau comportados. Marcos (15 anos, 2ª série, 4 vezes repetente), é um exemplo que demostra a percepção sobre indisciplina relacionada com fatores internos/externos aos "atores', demostrando também a influência das relações de poder entre professores e alunos como determinantes do fracasso escolar. Diz ele, quando perguntado sobre qual a atitude que a professora toma que faz com que ele saiba que ela não gosta de seu comportamento em sala de aula: "A gente faz bagunça na sala. Aí a tia [...] a tia [...] ela vai [...] Então ela vai no caderno que a gente faz o dever, no caderno, e se não está feito, ela coloca a coisa lá e a gente já está reprovado." Ao ser perguntado sobre de que coisa estava falando, continuou: "Ela... ela... ela [...] toma café e se nós não termina [...] ela dá uma bronca. Então ela fica furiosa e apaga o dever do quadro e do caderno, e quem não terminou não pode terminar mais [...]. Então ela coloca um zero lá, cortado ao meio. É, ela coloca um zero cortado no meio assim ó! (Faz desenhando no ar um zero cortado no meio). Zip!" Ao pedido de maiores explicações sobre o que a professora fez, retrucou: "Ela vem perto para ver os cadernos, o dever. Se não copiamos do quadro, se nós não terminamos, ela coloca um zero lá. Quando as
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐11-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ notas vêm no boletim, vem lá e não tem nota boa, ela diminui, divide por dois por causa da disciplina." Colocamos se ela abaixava a nota pela não finalização do dever ou pela "bagunça", e ele respondeu: "Bem , se nós não completamos também, e por causa da disciplina, você bagunça, você repete, mesmo que as notas não seja tão baixa." De acordo com a fala de Marcos, o estudante "tem que" concordar com as regras disciplinares do professor senão torna-‐se um repetente. Isto faz do poder do professor uma arma para injustiça em sala de aula. Marcos observa que o comportamento do professor não é o que ele esperava; ela não fica na sala de aula o tempo todo, não responde às perguntas dos alunos que pedem ajuda e além dissso tudo ela deliberadamente empurra alunos para o fracasso, diminuindo suas notas com base em indisciplina. Ele aponta que as relações de poder deixam um espaço para que o aluno argumente sobre a inadequação do comportamento da professora. No entanto, fazendo isto, alguém pode ser considerado "mau comportado". A falta de poder do aluno nesta situação é evidente e claramente expressa por Marcos. As palavras da diretora reforçam a percepção já anteriormente apontada com relação às soluções para o problema de indisciplina à luz das relações de poder. "As crianças não desenvolvem integralmente suas capacidade em sala de aula porque elas já estão cansadas. Por outro lado, nós não podemos trabalhar com classes menores. Então, não posso oferecer mais assistência. O que eu quero dizer é que este tipo de criança (referindo-‐se aos repetentes e expulsos) são os que precisam de mais assistência. Nós temos classes, aqui, com 40 alunos, então nós temos que trabalhar pela média (dando a entender que não podem dar atenção especial a alunos-‐problema). Mas temos classe de recuperação. Algumas vezes eles não frequentam as classes de recuperação porque os pais não querem [...] Eu acho que a família é, em parte, responsável pelos problemas deles.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐12-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Eu não posso negar a responsabilidade da escola, mas a culpa é da família se os alunos se comportam mau na escola, se eles não vão bem. Eles (pais) não se importam, não ajudam as crianças em casa, então eles não fazem os deveres. Se uma criança problema é mandada para a PUC, para uma psicóloga, os pais não levam... É, eles podem ser ajudados por psicólogos e assistentes sociais da PUC, nós temos um convênio. Nós pagamos uma fotuna para nossas crianças para ter essa ajuda profissional, mas esses aqui têm de graça e não vão. E você sabe que pais não aparecem no psicólogo, eles não estão acostumados a isso. Às vezes eles falam que são médicos para loucos, que eles não querem levar os filhos para médicos de loucos. A ajuda é de graça [...] Voltando à questão que nós estávamos falando [...] o problema é que as crianças têm muitos problemas e eles não querem ajuda da escola" (Marta, diretora de escola).
3 -‐ Dos indicadores de comportamento e significado de disciplina e indisciplina: Na última seção mostramos as variações entre as percepções dos participantes de acordo com as duas linhas de análises selecionadas: 1) Percepção dos atores no ato de indisciplina; 2) Relações de poder entre estes participantes. Agora examinaremos as relações entre essas percepções. Os participantes apontam indicadores de disciplina ou indisciplina descrevendo situações (percepções) que caracterizam estas relações. Por exemplo: professores, diretores e supervisores educacionais nos mostram que uma turma numerosa de alunos (mais de 25 alunos) leva a produzir alunos barulhentos em sala de aula. Falam ainda que isto se dá em parte por causa da heterogeneidade existente nestas classes.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐13-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Por outro lado, para alunos e pais, a falta de organização da escola, a falta de controle dos professores sobre a disciplina dos alunos está relacionada à ausência do professor em sala de aula, ausência dos diretores na escola e ausência de trabalho escolar para os alunos. Ao ser perguntada sobre o que era bagunça para ela, Delcina (15 anos, repetente na 5ª série) fala: "Bagunça? É você... Pra mim é ficar em pé fora do lugar, ficar passeando na sala, jogar bolinha de papel nos outros alunos, ficar mexendo com os outros. Você quer... (tentando dar uma resposta que acha ser a expectativa da entrevistadora). Vamos ver... Hoje, por exemplo, nós tivemos um tempo livre. Pô! A professora está dando aula em outro lugar, em outra escola. Então ela não pode vir hoje, aí ela (a substituta), D. Sheila, a vice... vice-‐diretora.... eu não sei se é isso mesmo que ela faz na escola, ela mandou o Marquinhos falar comigo que, porque eu sou representante de classe, pra mandar os alunos esperar até 10 horas e que se a D. Cristina não chegasse, que eu mandasse os alunos descer. Mas não adiantou nada, eles fizeram bagunça do mesmo jeito, jogaram as carteiras no chão, saíram da sala gritando. Eu gritei para eles pararem de fazer bagunça. Eu pedi pelo amor de Deus, é melhor vocês ficarem quietos porque as outras professoras estão dando aula'. Eu acho que acima de tudo eles estavam fazendo bagunça, certo? Eles estavam perturbando as outras salas, ninguém nas outras salas gosta disso, pô! Então a professora não veio e eles começaram a fazer uma bagunça danada, perturbando todo mundo perto da sala. Eu acho que não está certo, isto é indisciplina." O exemplo de Delcina nos informa como a delegação (de cima para baixo) de poder, pode tornar-‐se um instrumento que cria conflito entre os alunos. Ela foi eleita representante de classe e como tal representa os alunos. Tendo-‐lhe delegado a função de comando de classe, a vice-‐diretora não só criou uma situação na qual Delcina pode colocar em risco sua liderança conquistada na classe, como também criou um sentimento de perda deste poder pela estudante, podendo contribuir para o fracasso da aluna em manter sua própria disciplina. Finalmente, turmas numerosas, especialmente na 1ª série do 1º grau foi percebido pelo 1º grupo como sendo resultado de falta de organização da escola.
Fracasso Escolar.../UFF/93-‐14-‐ Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos ______________________________________________ ______________________________________________ Do mesmo modo, a classe barulhenta indica falta de controle da disciplina pelo professor, e classes homogêneas criam dificuldades para os professores passarem a tarefa para os seus alunos. Para concluir, podemos dizer que a visão sobre disciplina e indisciplina varia de acordo com cada cultura particular na qual ela é manifestada, e como reação a uma pessoa particular ou situação específica. As descrições apresentadas foram dadas pelos entrevistados em uma situação, um tempo e espaço específicos, e estas percepções podem ter mudado de acordo com as novas situações com que eles se defrontam em suas vidas. Não podemos, no entanto, ignorar as semelhanças e diferenças das respostas dadas por diferentes grupos porque elas se complementam, revelando uma fotografia real, constituindo um diálogo entre os participantes. As vozes dos estudantes, suas angústias e frustrações foram faladas para aqueles que falharam com estes alunos. O que é significante em tudo o que colocamos é que estes alunos acham mais aceitável que sejam excluídos do sistema do que reduzidos a um zero cortado no meio no boletim escolar.
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