France Prešeren: a língua e a literatura como artífices da identidade nacional eslovena

May 27, 2017 | Autor: Silvia Frota | Categoria: Cultural Studies, Nationalism, National Identity, Slovenia
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VII Encontro de Letras Orientais e Eslavas Faculdade de Letras da UFRJ, Brasil Outubro, 2012

France Prešeren: a língua e a literatura como artífices da identidade nacional eslovena Resumo A República da Eslovênia situa-se entre Itália (à Oeste), Áustria (ao Norte), Hungria (à Leste) e Croácia (ao Sul). Foi a primeira das ex-Repúblicas Iugoslavas a ter sua independência reconhecida e a conquistou de forma relativamente pacífica, no episódio conhecido como a Guerra dos 10 Dias, que teve início com a declaração da independência, em 25 de junho de 1991. A Eslovênia está entre o grupo das chamadas “nações tardias” (Hobsbawm, 1998), surgidas entre o final do séc. XX e o início do séc. XXI, muitas delas como decorrência da dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.) e da Iugoslávia, período marcado pelo fim da ‘guerra fria’ e pela queda do muro de Berlim (1989) seguida da reunificação da Alemanha (1990). Embora conte apenas com 20 anos de existência como Estado-Nação, (re)constrói a história de ocupação do seu território a partir do séc. II a.C., com o estabelecimento do povo celta, seguido por um período de dominação romana, e considera o séc. VI d.C. como a primeira formação de uma nação eslava, que teria dado origem à atual nação eslovena (Prunk, 2008). Ao lado de um discurso de forte afirmação e valorização da sua identidade cultural e, especialmente, da língua e da literatura, a Eslovênia destaca seu papel de mediação entre ocidente e oriente, entre duas tradições: a do mundo capitalista e a do mundo socialista. Sua posição geográfica e sua história de intersecção e contato com culturas distintas são as principais justificativas desse discurso. Também não se pode ignorar que alguns dos grandes conflitos que marcaram o século passado ocorreram ali: as duas guerras mundiais e a guerra dos Bálcãs. Com a independência, a Eslovênia acelerou seu processo de abertura. Foi, no entanto, só após o seu reconhecimento como um Estado-Nação independente que o país passou a ser reconhecido como protagonista no cenário mundial e se deu a conhecer. Neste ensaio, investiga-se o papel desempenhado pela língua e pela literatura no processo de construção e consolidação de uma suposta identidade nacional eslovena, focando-se a atenção na primeira metade do século XIX, em especial na figura do poeta romântico France Prešeren (1800-1849), ícone da cultura eslovena e personagem fortemente associado à afirmação da identidade nacional. Com status de ‘herói’, teve o dia da sua morte convertido em “Dia da Cultura” e rememorado com um feriado nacional. Em Ljubljana, capital do país e principal destino turístico da Eslovênia, a praça central da cidade (“Prešernov Trg” ou “Praça de Prešeren) é ocupada por uma estátua do poeta, acompanhado por sua musa. Na base da estátua, uma gravura em relevo retrata a cena final de um dos mais famosos poemas de Prešeren: “Krst pri savici” (que, numa tradução literal, significa “batismo no savica”). O poema narra a história de Črtomir e Bogomila, representando o processo de conversão do país ao cristianismo. Um outro poema de Prešeren (“Zdravljica” ou “Um brinde”) teve uma de suas estrofes convertida em letra do hino nacional da Eslovênia. Adotando-se como ponto de partida que as identidades nacionais são construídas pela via discursiva e que a língua e a literatura constituem elementos recorrentes nesse processo, analisase a configuração da praça (a partir do conceito de “cultura em exibição”), a história de Črtomir e Bogomila e a letra do hino esloveno para identificar de que maneira esses discursos são construídos e quais seriam os seus possíveis desdobramentos no contexto atual, marcado pela independência da Eslovênia (1991) e por sua adesão à União Europeia (2004). Num cenário marcado pelo processo de globalização, a língua, que antes uniu e, em certa medida, justificou a existência de uma nação eslovena, pode se transformar num obstáculo ao processo de integração do país no contexto europeu e numa barreira de acesso ao universo expandido e global que valoriza uma língua comum de comunicação, distinta do esloveno falado por aproximamente 2,5 milhões de pessoas. Palavras-Chave: Cultura, Eslovênia, Identidade nacional, Língua, Literatura.

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I – Introdução Prešernov Trg é o nome da praça localizada no centro da zona histórica de Ljubljana, capital da Eslovênia. Numa tradução literal, significa ‘praça de Prešeren’, em homenagem ao poeta romântico France Prešeren (1800-1849), ícone da cultura eslovena e personagem fortemente associado à afirmação da identidade nacional. Com status de ‘herói’, teve o dia da sua morte convertido em “Dia da Cultura” e rememorado com um feriado nacional. A República da Eslovênia situa-se entre a Itália (à Oeste), a Áustria (ao Norte), a Hungria (à Leste) e a Croácia (ao Sul). Foi a primeira das ex-Repúblicas Iugoslavas a ter sua independência reconhecida e a conquistou de forma relativamente pacífica, episódio conhecido como a “Guerra dos 10 dias”, que teve início com a declaração da independência, em 25 de junho de 1991. A Eslovênia está entre o grupo das chamadas “nações tardias” (Hobsbawm, 1998), surgidas entre o final do séc. XX e o início do séc. XXI, muitas delas como decorrência da dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.) e da Iugoslávia, período marcado pelo fim da ‘guerra fria’ e pela queda do muro de Berlim (1989) seguida da reunificação da Alemanha (1990). Embora conte apenas com 20 anos de existência como Estado-Nação, (re)constrói a história de ocupação do seu território a partir do séc. II a.C., com o estabelecimento do povo celta, seguido por um período de dominação romana, e considera o séc. VI d.C. como sendo o da primeira formação de uma nação eslava, que teria dado origem à atual nação eslovena (Prunk, 2008). Ao lado de um discurso de forte afirmação e valorização da sua identidade cultural e, especialmente, da língua e da literatura, a Eslovênia destaca seu papel de mediação entre Ocidente e Oriente e entre duas tradições: a do mundo capitalista e a do mundo socialista. Sua posição geográfica e sua história de intersecção e contato com culturas distintas são as principais justificativas desse discurso. Com a independência, a Eslovênia acelerou seu processo de abertura. Foi, no entanto, só após o seu reconhecimento como um Estado-Nação independente que o país passou a ser reconhecido como protagonista no cenário mundial e se deu a conhecer.

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II - O nacionalismo tardio e o discurso de afirmação nacional da Eslovênia O final do séc. XIX e o início do séc. XX são frequentemente apontados como o período do surgimento e afirmação dos nacionalismos, uma espécie de ‘Era das Nações’. As transformações experimentadas desde o final do séc. XX, no entanto, em especial o processo de globalização, em toda sua amplitude social, econômica, política e cultural, levaram à proposição de que essa era teria chegado ao fim (Hobsbawm, 1998). A virtualização das fronteiras, a internacionalização das instituições, a intensificação dos movimentos migratórios parecem confrontar o cidadão nacional com uma nova proposta: a da cidadania ‘global’. Mesmo a ideia de soberania, tão cara ao desenho ainda atual do Estado-Nação, surge relativizada com o reconhecimento da interdependência entre países e a consequente impossibilidade de isolamento absoluto. A corroborar esse fato temos a multiplicação dos tratados internacionais e a criação de organismos transnacionais, desenhados para operar horizontalmente, através de fronteiras geopolíticas, tornando-as permeáveis sem, contudo, destruí-las. Apesar das previsões, no entanto, o nacionalismo ressurge com força entre o final do séc. XX e o início do séc. XXI, com o nascimento das nações tardias, como já referido. É nesse contexto que a Eslovênia declara sua independência, em 1991, aderindo à União Europeia em 2004. A ideia de nação, defendida por Renan (1994: 17), como um princípio espiritual, constituído entre o passado e o presente, entre o partilhar de lembranças comuns, de uma história comum, e a reafirmação diária do desejo de vivermos juntos, de preservarmos essa herança partilhada, ainda encontra respaldo no mundo de hoje, assim como a noção de nação como sacrifício. A predisposição de cada um e de todos em abrir mão de algo em nome dessa coletividade seria um dos seus elementos constitutivos. O dever de honra aos sacrifícios feitos no passado e aos que ainda serão exigidos e o desejo de aprovação e de perpetuação da vida em comum seriam os substratos desse modelo de nação. A partir de Renan, os conceitos de nação, nacionalismo e identidade nacional foram repetidamente questionados e redesenhados à luz de novas teorias e da própria evolução da sociedade. A noção de história como um recorte do passado, fixo e imutável, foi questionada, explicitando-se sua relação com a cultura e a busca de identidades.

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History defines us just as we define history. As our identities and cultures evolve over time, we tacitly reconstruct our histories. By the same token, these new collectively defined historical memories help to provide identities for succeeding generations. (Pennebaker and Banasik, quoted in Wodak and Cillia, 2007:338)

A relativização da história, assim como a associação estabelecida entre a partilha e preservação de uma herança comum ao nacionalismo, que, em alguma medida, implica uma espécie de identidade cultural, cada vez mais se explicita como construção. Para Gellner (1994), o nacionalismo se vale de invenções históricas arbitrárias e um tanto aleatórias. Diferentes recortes do passado poderiam ser utilizados para se alcançar um mesmo propósito. Nesse sentido, em vez do passado conduzir ao presente, seria o presente a se servir do passado para se justificar. A cultura também é elemento de forte associação com o nacionalismo, como se depreende das reflexões de Anderson (1991: 23). Para ele, o “factor nacional e o nacionalismo são artefactos culturais de um tipo especial”. Partindo desse ponto, ele desenvolve sua definição de nação como “uma comunidade política imaginada  e que é imaginada ao mesmo tempo como intrinsecamente limitada e soberana” (1991: 25). Cada vez mais, o nacionalismo surge como resultado de um processo contínuo de construção, independente do seu grau de arbitrariedade. Retomando o conceito de comunidade imaginada e a questão da identidade e da sua multiplicidade, Bhabha (1990) também afasta uma visão essencialista da identidade nacional. A sucessão  ou mesmo a sobreposição  de narrativas distintas sobre o surgimento e desenvolvimento de uma nação, que ora evocam um determinado episódio da história, ora simplesmente o apagam, seriam um forte argumento contra a visão essencialista das identidades nacionais. Também Hobsbawn (1994) se apóia na ideia de construção associada ao conceito do nacionalismo. Para ele, o caminho adequado para a compreensão desse fenômeno, que ainda representa um grande desafio, passa pela “invenção da tradição”. And just because so much of what subjectively makes up the modern ‘nation’ consists of such constructs and is associated with appropriate and, in general, fairly recent symbols or suitably tailored discourse (such as ‘national history’), the national phenomenon cannot be adequately investigated without careful attention to the ‘invention of tradition’. (Hobsbawn, 1994: 76)

Nesse universo inventivo, vários elementos são utilizados na construção da identidade nacional. Especialmente a partir do séc. XIX, a língua tem sido um deles.

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Para Hobsbawn (1994), essa seria uma das decorrências da configuração moderna do nacionalismo, caracterizada pelo surgimento de novas nações que, ao não contarem com o respaldo da história, encontram na língua um fator central de identidade. Esta se torna, cada vez mais, um critério decisivo na caracterização e no reconhecimento de uma potencial nacionalidade. Afasta-se, portanto, o caráter essencialista da caracterização de uma certa identidade nacional e adota-se como pressuposto que esta, assim como tantas outras, é resultado de um processo de construção no qual a identidade de língua desempenha papel relevante. Esse papel é ainda mais destacado no contexto das nações tardias, que, apesar das suas especificidades, adotam discursos muito próximos para justificar suas respectivas demandas de reconhecimento de um ‘Estado Nacional’. A existência de raízes históricas profundas e de um língua nacional são frequentemente apresentadas como ‘prova irrefutável’ da pré-existência de uma nação  uma nação que sempre existiu, mas que só agora é reconhecida como tal. Não se trata do nascimento de uma nova nação, mas sim do reconhecimento de uma nação milenar. O sentimento nacional, que desponta no início do séc. XIX, impulsionado, em parte, pelo movimento romântico, representa o ‘acordar’ da nação, e não sua construção. Parece ser esse o caso da Eslovênia, que reconstrói sua história a partir da antiguidade de ocupação do seu território. The first written reference to Ljubljana as the town of Laibach appears in 1144, but the area had been inhabited for at least three millennia before then. An infertile bog to the south of the present city was settled during the Bronze Age by marsh dwellers who lived in round huts built on stilts. These early people  mostly hunters and fisherfolk  were followed by the Illyrians and, sometime in the 4th century BC, by the Celts, who established themseves along the Ljubljanica River. (Fallon, 2007: 60)

Também o discurso de afirmação e valorização da língua nacional é uma constante. Um bom exemplo é o texto de divulgação turística da Eslovênia, publicado numa brochura sobre história e cultura, pelo escritório de comunicação governamental da Eslovênia: More than anything, today’s state was shaped by Slovenians’ headstrong persistence in their national language. Because Slovenia did not have its own royalty, and was generally subjugated to non-Slovenian feudal overlords, language served as the basis for developing national awareness. (Verderber, 2009: 9)

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A partir da valorização da língua, dá-se a glorificação da literatura, que tem em France Prešeren seu maior expoente. Prešeren surge como o responsável por ‘inventar’ a língua eslovena. Antes do poeta, a língua eslovena parecia se prestar unicamente para a escrita de recomendações práticas em manuais de ofício, sendo absolutamente inútil para expressões mais refinadas. Com Prešeren, no entanto, a língua eslovena transforma-se numa língua refinada e admirada por seu alto valor estético (Priestly, 2008: viii). European Romanticism provided the external framework for addressing the issues of national languages, and France Prešeren (1800–1849) laid the spiritual foundations of modern Slovenian identity with his liberal world view. This poetic genius was the most prominent Slovenian writer, who not only created the first example of a highly developed Slovenian standard language, but also established Slovenian within high European culture. Even fifty years after his death, Slovenian culture was almost exclusively literary. (Verderber, 2009: 9)

Ou ainda: From the beginning of the national awakening process, the nation decisively began to glorify culture, and literature in particular. The lack of national sovereignty was compensated for with the language, and because the language was venerated, a large part of its glory was owed to literature. (Priestly, 2008: viii).

III - Cultura em exibição: a Prešernov Trg Ljubljana é a capital da Eslovênia e o principal destino turístico do país. No centro histórico da cidade encontra-se a Prešernov Trg, considerada o ‘coração’ de Ljubljana, no discurso recorrente e repetitivo dos guias e websites de informação turística. É uma praça circular, fechada à circulação de veículos desde 2007, localizada às margens do rio Ljubljanica e distinguida pelo monumento em homenagem ao poeta romântico France Prešeren, da autoria de Maks Fabiani e Ivan Zajec, de 1905. Em torno da figura de Prešeren, giram duas imagens femininas. Por trás da estátua, uma musa de vestes diáfanas inclina-se sobre o poeta. À sua frente, na fachada do prédio onde viveu Julija Primic, o grande amor não correspondido do poeta, uma pequena imagem da jovem observa a praça e é observada por Prešeren. A Prešernov Trg é considerada um dos principais ‘cartões-postais’ da cidade e também do país – tanto é que, em Bruxelas, no projeto conhecido por ‘mini-Europa’ onde são representados, por meio de miniaturas, os principais cenários que caracterizam

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os países da União Européia, a Eslovênia é representada por um réplica miniaturizada da praça e da ponte que a liga à outra margem do rio. Na base do monumento, um relevo em metal remete a cenas de um dos poemas de Prešeren: Krst pri Savici (ou “Batismo no Savica”), considerado o mais importante poema épico do autor, onde ele destaca o sentimento de pertença a uma nação e, em especial, a natureza do cartáter nacional esloveno. O poema, escrito em 1834, trata do início do processo de conversão do país ao cristianismo. Estamos no ano 772, o herói Črtomir, líder pagão, é vencido pelo exército cristão, mas sobrevive à sangrenta batalha final e consegue se reunir a Bogomila, seu grande amor, sacerdotisa da deusa pagã Živa. Bogomila, no entanto, durante a longa ausência de Črtomir e temendo por sua vida, converte-se ao cristianismo e promete se consagrar à Virgem Maria se o seu amor retornar com vida. Nesse derradeiro encontro, Bogomila convence Črtomir a se converter. O herói é então batizado no Savica e torna-se um sacerdote cristão. Embora o poema permita uma multiplicidade de interpretações, é sempre possível destacar a proposição de um dilema central, caracterizado por um choque entre culturas distintas – aqui representadas pelo viés religioso. Desse embate, resulta a capitulação do heroi e sua renúncia à felicidade pessoal. De certa forma, esse dilema parece uma constante na história eslovena, marcada pela dominação por outros povos e por sua capacidade de adaptação à diferença como estratégia de sobrevivência. Nesse emaranhado de contatos e conflitos, surge a ideia fugidia de ‘identidade nacional’ como um processo constante de construção e reconstrução, como fios de um tecido que se entretece. Uma identidade muitas vezes clara e definida à distância, mas que, volátil, desfaz-se e evapora, deforma-se ou se multiplica quando tentamos agarrála. Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age  e a determinação de se manter firme a tudo isso  são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. (Bauman, 2005: 17)

Para esse processo de construção de identidades, concorrem várias elementos, entre eles, a Prešernov Trg. A praça, na condição de importante ponto de referência e encontro para os habitantes locais e também de ponto turístico prioritário dentro de

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Ljubljana, ganha maior relevância como espaço urbano e acresce valor ao seu potencial de representação do país, de símbolo da nação eslovena. In contrast to religious communitites or dynastic realms, the modern nation-state creates its identity through imagining that its peoples are bound to the same territory, as, in the words of Tony Bennett, ‘occupants of a territory that has been historicized and subjects of a history that has been territorialized’ (...). The point about ‘imagining’ is that nations have to be imagined in a particular and selective syle, which, as our readings show, achieves tangible and symbolic form in the traditions, museums, monuments and ceremonies in which it is constructed. (Boswell, D, Evans, J., 1999: 1-2)

Partindo do conceito de cultura em exibição, na acepção proposta por Bella Dicks, podemos visualizar a Prešernov Trg sob uma nova ótica. Nessa visão alargada, a praça extrapola as funções relacionadas à fluência do tráfego de pessoas e/ou veículos e reafirma sua condição de espaço público, valorizando a exposição de artefatos culturais. In this sense, whilst culture on display comes more to reflect ways of life rather than ‘the best that has been thought or said’, it begins to resemble a sensory environment that can be viewed and walked throught, leaving principles of abstract knowledge rather out in the cold. (Dicks, 2003: 33.)

Em vez do museu, temos a praça. Sem restrição de acesso. Sem a função única e específica de exibir. O ponto de partida é a homenagem a Prešeren, o grande representante da língua e da literatura eslovenas, fortemente associadas à afirmação da identidade nacional desse país. Estão presentes tanto a ideia da ‘eleição’, do herói escolhido pela musa e por ela protegido e inspirado, assim como uma forte carga romântica, sempre lembrada pela eterno cruzar de olhares entre o poeta e sua musa terrena, Julija Primic. Mas o amor consubstanciado na figura do poeta não de limita a essa paixão não correspondida. Trata-se de uma emoção maior, do amor pela nação, cantado repetidamente pelo poeta em seus versos. Prešeren personifica o sentimento nacional, o ideal romântico pelo qual vale a pena viver e morrer: o amor pela pátria. Não é à toa que uma das estrofes do poema Zdravljica (ou “Um brinde”) tranformou-se na letra do hino nacional. To whom with acclamation And song shall we our first toast give? God save our land and nation And all Slovenes where’er they live, Who own the same Blood and name,

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And who one glorious Mother claim. (“A toast”, de Prešeren, trad. Henry Cooper et al.)

A história que a Prešernov Trg nos conta é romântica e, em certa medida, pacífica. Uma história de amor pelo país, uma história de reconhecimento de uma identidade homogênea e envolvente, afastada de conflitos. Se a identidade nacional se fundamenta na existência de uma língua nacional e se esta é partilhada por todos os cidadãos nacionais, não há conflito. O fato dessa versão não condizer com o histórico de lutas e disputas internas e externas que marcaram a vida do país não é um problema, pois o que está em causa não é uma suposta versão da realidade, mas sim o discurso adotado pela Eslovênia no processo de construção da sua identidade. E esse discurso é resultado de escolhas, e não, necessariamente, de acontecimentos.

IV - Conclusão Numa Europa em constante transformação, empenhada no grande projeto de integração que é a União Européia, a questão das identidades nacionais representa uma ameaça e uma oportunidade simultaneamente. Mais do que isso, configura um enorme desafio. Compreender o processo de construção dessas identidades e analisar as forças que determinam as diferentes formas de representação nacional parecem vitais para a consecução desse projeto. No caso da Eslovênia, a língua e a literatura nacionais desempenham papel fulcral, daí a importância do poeta romântico France Prešeren como ícone e artífice dessa identidade. No contexto atual, no entanto, a mesma língua que por séculos serviu como fator de unidade nacional, hoje pode servir de barreira de acesso da (e para a) Eslovênia nesse universo alargado que coloca em contato falantes de línguas distintas e parece demandar o uso de uma língua que possa ser caracterizada como global. Como encontrar o equilíbrio entre a proteção e valorização da língua eslovena e a promoção de uma efetiva e bem-sucedida integração nacional no âmbito da União Europeia e de um mundo globalizado parece ser o grande desafio deste início de século.

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Referências Bibliográficas Anderson, B. (1991). Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. London: Verso. Bauman, Z. (2005). Indentidade - Entrevista a Benedetto Vecchi (C.A. Medeiros, Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Bhabha, H. K. (1990). DissemiNation: time, narrative, and the margins of the modern nation. In H. K. Bhabha, (Ed.), Nation and narration (pp. 291-322). London: Routledge. Boswell, D., Evans, J. (Eds.), Representing the Nation: a Reader. London: Routledge. Boyer, M. C. (1998). The City of Collective Memory - Its Historical Imagery and Architectural Entertainments. Cambridge: The MIT Press. Cillia, R., Wodak, R. (2007). Commemorating the past: the discursive construction of official narratives about the ‘Rebirth of the Second Austrian Republic’. Discourse & Communication, 1(3), 337-363. doi: 10.1177/1750481307079206 Dicks, B. (2003). Culture on Display - The Production of Contemporary Visitability. London: Open University Press. Fallon, S. (2007). Slovenia. Victoria: Lonely Planet Publications. Gellner, E. (1994). Nationalism and High Cultures. In J. Hutchinson, A. D. Smith (Eds.), Nationalism (pp. 63-70). Oxford: Oxford University Press. (Original work published 1983) Hobsbawm, E. (1994). The Nation as Invented Tradition. In J. Hutchinson, A. D. Smith (Eds.), Nationalism (pp. 63-70). Oxford: Oxford University Press. (Original work published 1983) Hobsbawm, E. (1998). A Questão do Nacionalismo (C. Lains, Trad.). Lisboa: Terramar. Longley, N. (2007). The Rough Guide to Slovenia. New York: Rough Guides. Priestly, T. (Ed.). (2008). Angels Beneath the Surface: A Selection of Contemporary Slovene Fiction. Seattle: Scala House Press. Prunk, J. (2008). A Brief History of Slovenia. Translated by Wayne Tuttle, Špela Kok and Nina Gorenc. Ljubljana: Založba Grad. Renan, E. (1994). Qu’est-ce qu’une nation? (I.M Snyder, Trans.). In J. Hutchinson, A. D. Smith (Eds.), Nationalism (pp. 17-18). Oxford: Oxford University Press. (Original work published 1882).

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Verderber, K. (Ed.). (2009). History & Culture  Ancient Goes Digital. Eslovênia: Government Communication Office

Outras Referências Slovenia Entering the EU, brochura publicada e distribuída por The Government Public Relations and Media Office, Eslovênia: 2004.

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