Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

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Freguesia de Santa Cruz História, Memória e Monumentalidade

FICHA TÉCNICA Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade



título



Autor João Carlos Santos Pinho



Edição Junta de Freguesia de Santa Cruz Capa Fotografia parcial da Baixa e Jardim da Manga



Contra Capa Fotografia parcial da Baixa e a Torre de Santa Cruz no princípio do séc. XX

Badana da Contra Capa Fotografia de uma cheia no Choupal

Arranjo Gráfico Nuno Beirão

Impressão Tipografia Lousanense, Lda. Tiragem 1000 exemplares ISBN 978-989-20-1925-3 Dep. Legal N.º ??????

1.ª Edição ??????

© Copyright 2010 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

João Pinho

Freguesia de Santa Cruz História, Memória e Monumentalidade

Coimbra 2010

SUMÁRIO

ABREVIATURAS UTILIZADAS NA OBRA..................................................

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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS E DOCUMENTAIS....................................

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NOTA PRÉVIA................................................................................................

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PREFÁCIO.......................................................................................................

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INTRODUÇÃO...............................................................................................

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Tabela Cronológica............................................................................

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Apresentação da FREGUESIA DE SANTA CRUZ..............................

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I – O MEIO FÍSICO E A PAISAGEM............................................................ 1. Geologia......................................................................................................... 2. Clima e Hidrografia.......................................................................................   2.1. A importância do Mondego....................................................................... 3. Os Campos do Bolão..................................................................................... 4. O Choupal.....................................................................................................

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II – EVOLUÇÃO PAROQUIAL, ADMINISTRATIVA E SOCIAL.............. 1. O território: da repartição à unificação religiosa e civil....................................   1.1. As antigas sedes paroquiais de Santa Cruz, Santa Justa e da Pedrulha.......... 2. Progressos materiais: a relação freguesia‑município entre o século XVII e os meados do séc. XIX – a “Runa”, as estradas, as pontes............................. 3. A consequência das reformas liberais: o fim do Concelho da Pedrulha e a criação das juntas de paróquia...................................................................   3.1. Funcionamento, competências e decisões da Junta de Paróquia.....................   3.2. A criação de escolas na Baixa: a masculina, a feminina e a central............... 4. Da paróquia à freguesia civil...........................................................................   4.1. A continuidade entre a paróquia e a freguesia civil; a imensa obra de Assistência e Beneficência .....................................................................   4.2. Diversas preocupações no centro das atenções............................................... 5. A Freguesia de Santa Cruz depois de Abril à actualidade.................................

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III – A BAIXA, UM IMENSO PATRIMÓNIO, UMA HISTÓRIA SECULAR.... A. O arrabalde e a Almedina: origens e primeiras edificações......................... B. A Baixa: séculos de labor, comércio, indústria…progresso!....................... C. A mais monumental das freguesias de Coimbra......................................... 1. O Mosteiro de Santa Cruz..............................................................................   1.1. O contexto, as razões e o enquadramento fundacional..................................   1.2. O programa dos regrantes..........................................................................   1.3. Os fundadores...........................................................................................   1.4. Os momentos fundacionais: viagem à Terra Santa, aquisição de terrenos, Isento de Santa Cruz.................................................................................   1.5. As primeiras obras: igreja, convento, claustro e hospital................................   1.6. As reformas renascentistas do Mosteiro de Santa Cruz..................................   1.7. Visita guiada ao Mosteiro de Santa Cruz....................................................   1.8. O mosteiro, centro difusor de cultura: scriptorium, tipografia e música.........   1.9. Vida económico-social: o senhorio, território, património, jurisdição............. 2. O Claustro (ou Jardim) da Manga.................................................................. 3. Da Igreja de S. João ao Café de Santa Cruz.................................................... 4. A Igreja de Santa Justa.................................................................................... 5. Do velho ao novo Convento de S. Domingos................................................. 6. A Rua da Sofia e os Colégios Universitários ...................................................   6.1. Dos colégios crúzios, passando pelo Colégio das Artes (ou Escolas Menores), ao Tribunal da Inquisição.........................................................................   6.2.Colégio e Igreja de Nossa Senhora do Carmo................................................   6.3. Colégio de S. Tomás: do Convento de S. Domingos ao Palácio da Justiça......    6.3.1. A adaptação ao palacete Ameal...........................................................    6.3.2. Transformação e adaptação a Palácio da Justiça...................................   6.4. Colégio e Igreja da Graça..........................................................................   6.5. Colégio do Espírito Santo (também denominado Colégio de S. Bernardo).....   6.6. O Colégio de S. Boaventura.......................................................................   6.7. Colégio de S. Pedro dos Franciscanos Calçados (ou Religiosos Terceiros)......... 7. O património de alguns colégios universitários por alturas da extinção das ordens religiosas....................................................................................... 8. A Fonte da Madalena..................................................................................... 9. A Fonte Nova................................................................................................. 10. Quiosque Bar D. Pedro V............................................................................ 11. As ruas da baixa como património e parte integrante da história da freguesia......   11.1. Contexto do povoamento e urbanização do arrabalde................................   11.2. As ruas da cidade baixa, ao correr da pena…...........................................

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D. Instituições de referência localizadas na baixa, Freguesia de Santa Cruz...... 296 1. Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra................... 296 2. Sport Clube Conimbricense........................................................................... 302

3. Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz .............................................. 4. Clube de Campismo e Caravanismo de Coimbra .......................................... 5. Movimento Artístico de Coimbra................................................................... 6. Associação Nacional de Apoio ao Idoso.......................................................... 7. Rancho de Coimbra “As Tricanas de Coimbra»............................................... 8. A Previdência Portuguesa- Associação Mutualista Coimbra............................

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E. Algumas notas de etnografia relativas à baixa da cidade............................. 1. A propósito de uma cantiga popular de Coimbra: “Ó Adro de Santa Cruz”.... 2. Nossa Senhora da Porta de Santa Cruz de Coimbra........................................ 3. Figuras populares de Coimbra relacionadas com Santa Cruz: a Tricana e o Estudante da Universidade............................................................................. 4. Figuras populares curiosas e desaparecidas.......................................................... 5. Festejos populares: as fogueiras....................................................................... 6. A história do teatro de Coimbra passa pela Freguesia de Santa Cruz...............

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F. Do Liberalismo à actualidade....................................................................... 1. A extinção das ordens religiosas em Coimbra.................................................. 2. A cedência ao município de parte do Mosteiro de Santa Cruz........................ 3. Novas utilizações em espaços do antigo Mosteiro de Santa Cruz.....................   3.1. A criação de um Museu Paroquial e Museu Industrial.................................   3.2. Da Casa Vermelha à Prisão da Cidade.......................................................   3.3. De refeitório a espaço cultural....................................................................   3.4. A instalação da Biblioteca Municipal.........................................................   3.5. Do Dormitório do Pilar, passando pela Roda, à Escola Secundária Jaime Cortesão.......................................................................................... 4. A expansão da cidade e freguesia.....................................................................   4.1. Planos de Urbanização, estudos urbanísticos da Baixa e direito de propriedade.............................................................................   4.2. Grandes Obras Públicas ...........................................................................    4.2.1. A edificação da Câmara Municipal de Coimbra..................................    4.2.2. Da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra à Caixa Geral de Depósitos.......................................................................................    4.2.3. O Mercado D. Pedro V......................................................................    4.2.4. A Manutenção Militar.......................................................................    4.2.5. O edifício dos Correios....................................................................... 5. Melhoramentos materiais e sociais..................................................................   5.1. Águas, gás e iluminação............................................................................   5.2. Transportes: carros americanos, eléctricos, tróleis, táxis, central de camionagem.............................................................................. 6. A Baixa hoje...................................................................................................

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IV – A FREGUESIA AO REDOR DA BAIXA Montarroio, Montes Claros, Conchada e COSELHAS.............................. 1. As Origens.....................................................................................................   1.1. Montarroio e Montes Claros......................................................................   1.2. A Conchada ............................................................................................   1.3. Coselhas................................................................................................... 2. Os grandes Senhorios da área: razões da atracção e concentração da propriedade. 3. Uma vasta área em transformação: de meados do séc. XIX à actualidade........   3.1. Na Conchada...........................................................................................    3.1.1. O Cemitério......................................................................................    3.1.2. Novas urbanizações e bairros (incluindo Montarroio e Montes Claros).....    3.1.3. Evolução social, educativa e cultural....................................................    3.1.4. Importantes Instituições da Conchada.................................................   3.2. A área de Coselhas: evolução administrativa, material e social ....................    3.2.1. O aparecimento de quintas.................................................................    3.2.2. Caminhos, estradas, pontes e fontes......................................................    3.2.3. Água, luz e transportes colectivos.........................................................    3.2.4. Urbanização e Industrialização..........................................................    3.2.5. Educação e Cultura: escola, colectividades e rancho..............................    3.2.6. A criação da reitoria de Coselhas.........................................................    3.2.7. Um espaço de lazer: os Jardins da Casa do Sal..................................... 4. Breve História dos Arruamentos na área Conchada‑Coselhas.......................... V – ENTRE O CAMPO E A CIDADE: A ANTIGA POVOAÇÃO DA PEDRULHA........................................................................................ 1. Das incertas origens ao reconhecimento histórico‑geográfico.......................... 2. O Senhorio e os laços económico‑sociais........................................................ 3. Património, Arte e Religião............................................................................   3.1. A Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da Piedade...............................   3.2. A Capela de S. Simão...............................................................................   3.3. Património Diverso: cruzeiro, casas, registo de azulejos e as fontes.................   3.4. A Quinta do Loreto................................................................................... 4. Momentos da Pedrulha: da viragem do Séc. XIX aos finais do Século XX.......   4.1. Dos primeiros progressos materiais e sociais à criação da Zona Industrial Loreto‑Pedrulha........................................................................................   4.2. O Cemitério.............................................................................................   4.3. O Ensino..................................................................................................   4.4. A criação de instituições............................................................................    4.4.1. Associação Beneficente “A Pedrulhense”................................................    4.4.2. Do Grupo Recreativo Pedrulhense ao Clube Desportivo Pedrulhense......   4.5. Bairro Nossa Senhora de Fátima................................................................

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  4.6. Transportes públicos..................................................................................   4.7. A criação da Reitoria (ou vicariato) da Pedrulha........................................   4.8. O sonho antigo do Centro Social Paroquial da Pedrulha.............................   4.9. Consequência do crescimento urbano: os novos topónimos............................ 5. Uma janela entre o presente e o futuro........................................................... 6. Notas de Etnografia........................................................................................

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FOTO MEMÓRIA........................................................................................... 526 BIBLIOGRAFIA E FONTES............................................................................ 531 Anexos........................................................................................................... 543

ABREVIATURAS UTILIZADAS NA OBRA A.A.B.P. – Arquivo da Associação Beneficente “A Pedrulhense”. A.C.D.P. – Arquivo do Clube Desportivo Pedrulhense A.H.M.C. – Arquivo Histórico Municipal de Coimbra A.J.F.S.C. – Arquivo da Junta de Freguesia de Santa Cruz Art.º - Artigo A.U.C. – Arquivo da Universidade de Coimbra C.M.C. – Câmara Municipal de Coimbra Coord. – Coordenador ou Coordenação D.C. – Depois de Cristo DGEMN – Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais Dir. – Director ou Direcção Ed. – Edição ou Editora Fl. – Folhas Ha - Hectare Km. – Quilómetro Km2 – Quilómetro quadrado IPPAR – Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico JF – Junta de Freguesia Mç. -Maço Mm.- Milímetros MM – Metro Mondego Mt. - Metros M2 – Metro quadrado N.º - Número Org. – Organização P. - Página Pp. – Páginas Rev. – Revista Rs. – Reis (moeda) Sep. – Separata S/D – Sem data S/N – Sem número Vol. - Volume



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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS E DOCUMENTAIS© Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra - Imagoteca: 3, 4, 8, 10, 11, 15, 16, 17, 19, 33, 34, 35, 50, 68, 69, 70, 76, 81, 82, 83, 87, 89, 94, 96; foto da badana; e as fotografias números 2, 3, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 13 da “Foto Memória” - Gabinete de Arqueologia Arte e História: fotografia n.º 14 da “Foto Memória” Arquivo da Universidade de Coimbra: 12, 102, 104 Arquivo da Junta de Freguesia de Santa Cruz: 13, 85 Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais: foto da contra capa e fotografias números 1 e 9 da “Foto Memória” Clube Desportivo Pedrulhense – fotos 116 e 117 João Pinho – fotos 2, 6, 9, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 72, 73, 75, 77, 78, 79, 80, 84, 86, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 101, 103, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 120, 122; fotografias números 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 da “Foto Memória” Marques da Costa – fotos 5, 7 Manuel Gomes – foto 121 Constantino Pinho – foto 118 Jornal Correio de Coimbra, 10/03/1960 – foto 119 Livro Estampas Coimbrãs, Vols. I e II, 1964 – fotos 1, 14, 20, 74 Livro Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra – das origens aos nossos dias (1889-1998) – foto 70a Livros Os Anos de Salazar – A Ascensão de Salazar, Vol. I, 1926-1932 – foto 71



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Foto 1 – O Mosteiro de Santa Cruz por volta de 1840



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NOTA PRÉVIA “Esta nossa Freguesia de Santa Cruz foi chamada; pelos muitos pergaminhos goza grande nomeada. Ufana-se, justamente, de albergar o Rei Primeiro e invocar S. João como insigne Padroeiro”1 Os limites geográficos da antiga Paróquia de Santa Cruz de Coimbra recuam à fundação do Reino de Portugal, conforme documento de D. Afonso Henriques, datado de 1139. A Freguesia de Santa Cruz, cujo Padroeiro é S. João Baptista, concentra um conjunto patrimonial de grande riqueza e antiguidade, uma herança que remonta à época anterior à própria Nacionalidade sendo, por isso, um dos espaços mais representativos de Coimbra. Compreende, actualmente, uma área de 5,7km2, integrando várias zonas de povoamento: Baixa, Montes Claros, Conchada, Coselhas, Loreto e Pedrulha. No coração da Baixa, o Mosteiro de Santa Cruz, que lhe dá o nome, continua a ser uma das principais atracções turísticas da Cidade e do País, pela notável história religiosa, política, artística, cultural e social que encerra. Na igreja, Panteão Nacional desde 22 de Agosto de 2003, profundamente modificada no reinado de D. Manuel I, jazem, não o esqueçamos, o fundador D. Afonso Henriques e o seu filho, D. Sancho I, primeiro e segundo reis de Portugal, respectivamente. D. João III imprimiu a esta zona um aspecto de modernidade, aquando da transferência definitiva da Universidade para Coimbra, ao proceder a reformas no Mosteiro, das quais resultaram a construção do Claustro da Manga (actual Jardim da Manga) e a abertura da Rua de Santa Sofia, onde se instalaram diferentes Ordens Religiosas com os seus Colégios (S. Miguel, Todos-os-Santos, S. Bernardo, S. Domingos, S. Tomás, Carmo, Graça, S. Pedro e S. Boaventura). Para além da Igreja de Santa Cruz, o Café (Capela de S. João das Donas), a Igreja de Santa Justa, a Fonte da Madalena e a Fonte Nova (antiga Fonte dos Judeus), os edifícios da Inquisição, outros aspectos arquitectónicos e urbanísticos merecem destaque, como o casario da Baixa e topónimos das ruas que revelam origem medieval e a existência de manufacturas ancestrais (Rua da Louça, Largo das Olarias e Rua da Moeda) .

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J oão Rodrigues, 2006, no âmbito do concurso de quadras populares em honra de S. João Baptista, Padroeiro da Freguesia de Santa Cruz.



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Plena de valores culturais, a Freguesia orgulha-se das personalidades emblemáticas que contribuíram para a construção da sua memória colectiva cultural e grandeza monumental, designadamente, D. Afonso Henriques; S. Teotónio, primeiro Santo Português; D. Telo; D. João Peculiar; Frei Braz de Braga, reformador do Mosteiro e planificador da Rua da Sofia; Santo António, que ali fez os seus estudos superiores; Luís de Camões, que frequentou a Biblioteca Crúzia; os artistas João de Ruão, Nicolau Chanterenne, Filipe Hodart, Diogo de Castilho, João Machado, o entalhador Machim, o mestre do ferro forjado Albertino Marques; os arquitectos contemporâneos Augusto da Silva Pinto, Fernando Távora e João Mendes Ribeiro, entre tantos outros. A Tricana de Coimbra, figura popular intrinsecamente associada ao quotidiano citadino até ao séc. XX, foi imortalizada por Camões e pela Canção Coimbrã. Também o estudante universitário, com a sua capa e batina, personifica uma marca singular na Baixa da Cidade. Na Conchada (antigo Monte da Forca), o Cemitério possui significativos trabalhos em pedra e em ferro forjado e, na Pedrulha, realçam-se o Cruzeiro (séc. XVI), o Marco do Bolão (séc. XVII), a Igreja de Nossa Senhora da Visitação (séc. XVII), a Capela de S. Simão e a Fonte dos Passarinhos. O património natural inclui a afamada Mata do Choupal, de forte pendor romântico, o ainda recente, mas aprazível, Jardim da Casa do Sal e os recursos hidrográficos, com realce para o rio Mondego. Espaços notáveis testemunham as manifestações mais expressivas da tradição urbana e académica (Procissão da Rainha Santa Isabel, Latada, Queima das Fitas, desfiles etnográficos, exposições, espectáculos musicais, entre outras). A história serve para impedir que as acções cometidas pelos homens se apaguem da memória com o tempo. Neste pensamento, de Heródoto, se sintetiza o principal objectivo a alcançar com a edição da Monografia “Freguesia de Santa Cruz – História, Memória e Monumentalidade”, da autoria do Dr. João Carlos Pinho, cujo conteúdo constitui um bilhete de identidade da Freguesia. Porque uma sociedade sem história é uma sociedade sem memória, através desta obra pretende o Executivo da Junta de Freguesia contribuir para o conhecimento e divulgação da riqueza patrimonial e para perpetuar esse legado às gerações vindouras. A finalizar, será justo manifestar uma palavra de apreço à Câmara Municipal de Coimbra, na pessoa do Vereador da Cultura, Dr. Mário Nunes, pelo apoio institucional à edição desta Monografia, à Direcção Regional de Cultura do Centro, na pessoa do Prof. Doutor Pedro Pita e a todas as instituições ou pessoas que, de uma forma ou de outra, com o seu contributo, tornaram possível a obra final. Coimbra, 30 de Julho de 2009 O Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz António Pinto dos Santos



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PREFÁCIO

É indispensável descobrir e registar o passado, enquanto é possível ainda fazê - lo, para que os de hoje e as gerações vindouras possam conhecer-se melhor a si próprios, através de uma reflexão sobre o que foram e fizeram os seus avós.

A Baixa de Coimbra, com especial incidência em Santa Cruz, Rua da Sofia e Arnado, tem sido um dos espaços territoriais de Coimbra com um maior número de investigação e, consequentemente, de publicações sobre as diferentes áreas estudadas. Em livros, jornais, revistas brochuras, panfletos, páginas soltas, abunda uma pesquisa que informa dos mais diversificados valores que nela se projectaram no tempo e no seu espaço ao longo dos séculos. Nesta panóplia de informações, vemos com pesar, que algumas consubstanciaram meras repetições e abusivos plágios, porque os “autores”, por desconhecimento ou por protagonismo, olvidam as fontes e os autores das verdadeiras investigações. Pensando apresentar “novidade”, provocam, frequentemente, “boa disposição” aos que queimam as pestanas e consomem dias, meses e anos, em bibliotecas, arquivos, cartórios, museus e outros lugares de insofismável interesse histórico, a procurar o que outros deixaram e que são o fermento do estudo e da temática que lhes ocupa o seu tempo de vida. A Monografia da Freguesia de Santa Cruz, da autoria do historiador, Dr. João Carlos Pinho, sob o título “Freguesia de Santa Cruz – História, Memória e Monumentalidade”, vem ao encontro das palavras que serviram de base ao que vamos escrever. Corresponde aos atributos de quem dispensa “favores” de outros que escreveram ou repetiram estudos publicados. Do passado buscou o essencial e criou nova roupagem histórica e de outras temáticas para elaborar a sua excelente Monografia. Este estudioso da nossa História, este exigente homem de letras, com coragem, dedicação, empenho e mesmo muita abnegação, arrojou-se com denodo e determinação, a pesquisar uma das freguesias mais “espinhosas” no âmbito do conhecimento histórico de Coimbra. Somente, uma pessoa que possui um querer e uma experimentada estrutura académica na temática em referência, aceitaria a incumbência de colocar nos escaparates das livrarias uma obra desta envergadura. É que Santa Cruz, por si, constitui um manancial inesgotável de valores e assuntos que, no decorrer dos séculos, tem proporcionado, como referimos, um cativante



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estímulo aos mais diversos especialistas, face ao acervo patrimonial que avaliza um dos maiores baluartes da nossa independência como povo autónomo e independente. Mas, a Monografia abrange, não apenas, a área histórica. Prolonga-se por outras valências e estende-se para fora de Santa Cruz, Sofia e Arnado, entrando pela superfície da paróquia e da freguesia, que se dispersa por Montarroio, Montes Claros, Conchada, Coselhas, Pedrulha, privilegiando, ainda, o Mondego, os Campos do Bolão e o Choupal. Ao encontro do património histórico, cultural, religioso, político, educacional e social, com o património natural, associam-se outras riquezas incomensuráveis, que fazem do território da freguesia de Santa Cruz um dos espaços conimbricenses mais carismáticos. Assim, ler este trabalho é percorrer uma parte do trajecto da gloriosa história de Portugal, porque Santa Cruz, que guarda os corpos dos nossos primeiros monarcas, é a raiz da afirmação plena do futuro da nação portuguesa. O Mosteiro, a Igreja e, também, os colégios universitários da Rua da Sofia, contemplam o projecto cultural e político que alcandorou o nosso país a lugar primordial no contexto das culturas e civilizações europeias e mesmo mundiais, graças ao escol de valores humanos que se formaram, desenvolveram e souberam afirmar e divulgar as grandezas da nossa portucalidade, alcandorando-nos a referência primeira na qualidade do ensino, da intelectualidade, da cultura e da evangelização dos povos, alguns com forte pendor civilizacional. Porque “antes de Coimbra era o sonho, a sede e o desejo. Em Coimbra nasceu o Estado Português” (Carlos Encarnação, comunicação na Igreja de Santa Cruz, em 23/05/2009, no aniversário dos 830 anos da Bula Manifestis Probatum). João Carlos Pinho, para este tão gratificante trabalho, desdobrou-se em consultas. Vasculhou documentos carcomidos pelo tempo, violou silêncios de séculos, descodificou registos quase ilegíveis, traduziu mensagens de embaraçosa redacção, provocou as ideias de fregueses de Santa Cruz, alinhavou e desanexou palavras com e sem sentido, leu os estudos e o pensamento de historiadores, de escritores, de artistas, de poetas, de músicos, de religiosos e de políticos, seleccionou o trigo no meio do joio, procurou e descobriu “agulha” em papéis com séculos de existência, semeou o ânimo quando o desalento o perseguia e arrumou em prateleiras físicas e no intelecto, centenas e centenas de informações que precisaram, posteriormente, de encontrar o lugar certo na página devida e no contexto exigido para o seu enquadramento. Por isso, a Monografia da Freguesia de Santa Cruz é o produto de testemunhos, de teorias e de práticas, de estudos e de interpretações, de escritos e de redacções, de riquezas e de indómitas vontades. Em cada página se (re)encontra um pormenor identificador da nossa soberania, da comunidade em que nos inserimos, da sociedade de ontem e de hoje, da nossa cultura, do actual ambiente que vivemos e disfrutamos, porque os milhares de fios que constituem a teia, que foi elaborada, nasceram urdidos com paciência, com saber e com o sentido de veicular uma mensagem. Neste entendimento, viaja-se por um território prenhe de agradáveis sensações, que foi palco de acções sem recompensa e de crises de difícil superação. Mas, conseguiu sempre, entre o que morreu e o que voltou a recuperar-se ou o novo que se juntou ao



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antigo remanescente, encontrar o equilíbrio e manter inviolável a essência dessa herança recebida e os frutos que fecundam a presente realidade. Perante este desenrolar de momentos inolvidáveis, bons e também menos agradáveis e, por vezes, incompreensíveis, por condenáveis e que causam indignação e reprovação, o leitor desta obra de João Pinho mergulha o pensamento por uma oportuna tábua cronológica que lhe menciona a data de 967, como documento que sustenta a existência da freguesia, continuando por outras datas importantes, exemplo da construção do Mosteiro de Santa Cruz, 1132, da concessão papal aos priores de Santa Cruz para usar insígnias episcopais, passando pelas datas das fundações dos colégios universitários da rua da Sofia e proclamação dos Mártires de Marrocos de padroeiros de Coimbra, 1756. Regista, depois a inauguração do cemitério da Conchada, e sublinha as datas em que Coselhas passou a ter electricidade e água ao domicílio, a conclusão da Igreja nova da Pedrulha, e o encanamento do rio Mondego, chegando à inauguração do Miradouro António Nogueira, em 2009. São dezenas e dezenas de datas importantes, que se acomodam na formação, desenvolvimento e afirmação da freguesia de Santa Cruz. O património natural, materializado e apaixonante pela generosidade e encanto do Mondego, pela fertilidade e beleza dos Campos do Bolão e pelo romantismo, nostalgia e poesia que se soltam do eternizado Choupal. Na constituição geológica do território da Freguesia, apreendendo a sua textura e dimensão física, transporta-se para o plano geográfico e agrupa as âncoras que formam a diversidade natural humana, os pontos que traduzem a unidade. Sequentemente, há o tratamento adequado dos dados históricos, cumprindo-se um itinerário que principia na Baixa com o extraordinário património que sustenta uma história secular, sem olvidar o progresso e as benfeitorias ocorridas no passado e até ao presente. Neste acervo sem preço prevaleceu, com detalhes de variada ordem, os usos e costumes, as tradições, as figuras emblemáticas, as festas, o teatro, as associações, a tricana, o futrica, os locais carismáticos de convívio e confraternização populares, as lendas, os espaços de ensino, sociais e públicos, os transportes (do americano ao táxi) e a explanação do maior centro comercial europeu, a Baixa. Mas, o historiador, como mencionámos, não se queda no centro histórico de Coimbra respeitante a Santa Cruz e conduz o leitor ao seu redor mostrando-lhe e explicando-lhe o que foi e é Montarroio, Montes Claros, Conchada e Coselhas, desencantando riquezas e traduzindo mensagens de séculos e de hoje, que avalizam as mudanças, as exigências do povo, os benefícios obtidos, os bens de domínio público, as riquezas culturais e naturais que permanecem e ou aquelas que os homens e o tempo, bem como o progresso fizeram desaparecer ou transformar. Um açafate de valores, devidamente ornamentado, em que o Dr. João Pinho colocou as “melhores iguarias”, mas, também, os contratempos que causaram tristezas e obrigaram a atitudes menos próprias das suas comunidades. A freguesia de Santa Cruz tem o privilégio, ainda, de possuir uma povoação que foi concelho e que se expande entre o campo e a cidade: Pedrulha. E, o caminhar, caminhando, na companhia do autor, proporciona um interessante e importante conhecimento,



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em todas as vertentes, deste aglomerado humano que remonta pelos documentos recolhidos, ao início do séc. XII (1129, 1135). Uma visita encantadora que as páginas do livro, bem ilustradas com fotos, nos permitem fazer, calcorreando a “poeira” dos velhos atalhos e carreiros e viajando de automóvel pelas ruas asfaltadas e/ou empedradas deste território antigo, que soube acompanhar a evolução dos tempos e erguer uma janela entre o presente e o futuro. Sublinhamos, que o autor leu, seleccionou e interpretou centenas e centenas de documentos – manuscritos e impressos -, títulos que se agrupam numa vasta escala de trabalhos escritos e publicados por outros: a bibliografia. Concluímos este texto crítico e de apresentação da Monografia de Santa Cruz, felicitando o Presidente da Junta, António Pinto dos Santos e a sua equipa autárquica, porque souberam entender que o presente emerge do passado e que os vindouros são os herdeiros e utilizadores do património que recebemos e que temos o dever de transmitir valorizado. Damos os parabéns ao Dr. João Carlos Pinho pela valiosa obra monográfica que adiciona às outras que elaborou, demonstrando que a seriedade científica é apanágio dos talentosos historiadores e que o querer e saber são meios necessários para se alcançarem os objectivos que acompanham a nossa vida e fazem dela a razão da nossa passagem terrena. Por isso, é bom recordar um dito tibetano: “Se encontrares no teu caminho um homem que sabe, não digas não, não fiques em silêncio. Abre-lhe a porta”. Felicidades Dr. João Carlos Pinho. A Câmara Municipal de Coimbra-Departamento de Cultura, ao apoiar e incentivar as Juntas de Freguesia a “descobrir” e a editar a história e os valores dos seus territórios, tem permitido que a memória colectiva perdure no tempo e no espaço, e seja exemplo e pilar identificador das gerações futuras. Porque, o tempo desgasta-se com o fluir de outro tempo. Coimbra, dia de Santo António, 13 de Junho de 2009 Mário Nunes Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra



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INTRODUÇÃO No seguimento dos anteriores projectos de investigação da história local e regional – área das freguesias do Município de Coimbra – que me foram solicitados, nascia, pelos finais de 2005, o compromisso de executar a monografia da Freguesia de Santa Cruz. A intenção foi-me transmitida pelo presidente da Junta de Freguesia em exercício, Sr. António Pinto dos Santos, que em nome de todo o executivo me convidou e desafiou para um projecto que não poderia recusar. Contudo, tratava-se de uma experiência nova para mim; era o primeiro estudo de uma freguesia de matriz essencialmente urbana do concelho de Coimbra. A responsabilidade e a dimensão da proposta, devo confessar, assustaram-me inicialmente. Escrever a história da freguesia implicava viajar pela história e “estórias” da própria cidade, com a qual aliás se confunde e de que faz parte a tão característica “baixinha”. Além disso, o terreno já fora pisado por diversos investigadores e projectos, fossem de natureza universitária, municipal, comercial e mesmo particular. Ainda antes de iniciadas as pesquisas, um aspecto em especial me impressionava e afligia; a quantidade de monumentos – que riqueza!!! – da freguesia. A começar pela baixa, onde encontramos a Rua da Sofia e os antigos colégios universitários, a igreja de Santa Justa e, claro, o incontornável Mosteiro de Santa Cruz, ícone não só da cidade de Coimbra, mas também da cultura, do património e da arte portuguesa, cuja fama repercute além -fronteiras. Mas tínhamos ainda as tradicionais e as modernas ruas e arruamentos da freguesia, bem como o património civil e estatal. E, se abandonássemos a área plenamente urbana, ainda nos faltariam unidades essenciais da freguesia como a povoação da Pedrulha, parte do Loreto, o Choupal e os Campos do Bolão… Defini então, como prioridade, não a investigação profunda sobre as diversas temáticas da freguesia, na medida em que, por exemplo, cada monumento só por si justificaria um livro, mas sim a concepção de uma obra que apresentasse ao público em geral, a história breve mas consistente da freguesia de Santa Cruz. Por outro lado, aprofundaria a investigação nas áreas não antes exploradas pelos investigadores, caso da Pedrulha e do Loreto. Se fui bem ou mal sucedido a vós cabe julgar. Esta monografia pretende homenagear não só os habitantes da freguesia, destinatários e razão principal da própria obra, mas também os investigadores que ao longo dos tempos



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foram dedicando tempo, esforço e empenhamento pessoal, não tanto pela freguesia mas pelos monumentos que aí se localizavam, alguns deles de relevância histórico-nacional. Fazer tábua rasa de notáveis trabalhos de investigação não prestigiaria este projecto, nem, por arrastamento, a própria história. Por isso os tentei dignificar, deles extraindo o que, na minha óptica, me parecia o primordial. Portanto, mãos à Obra. Investigar, recolher, estudar, problematizar e escrever a história desta freguesia foi, até à data, pelo alcance da sua história e importância no contexto regional e nacional, o momento mais alto da minha carreira de investigador. Por outro lado foi, também, a maior das responsabilidades em termos pessoais uma vez que a freguesia é parte da minha cidade, espaço onde nasci, cresci e tenho vivido, onde reconheço tantas e tão variadas memórias. Coimbra, por quem tenho paixão imensa, interesse sem limites, carinho pelas suas gentes e tradições, e revolta pelo que dela deixaram perder, destruir e arruinar. Não sendo objectivo deste trabalho criticar instituições, opções políticas, decisões estatais ou outras, não pode o investigador deixar de anotar que a freguesia de Santa Cruz, ainda tão rica, apelativa ao turista ou ao simples interessado/curioso, mantém triste singularidade que sintetizo deste modo: como é possível que, depois de tantos milhares (ou milhões de contos?) gastos em obras públicas e ou particulares executadas ao abrigo dos mais diversos projectos, continue a não poder apresentar um único monumento que seja exemplo de total recuperação, beneficiação e ou conservação de património? Um caso a merecer séria reflexão, mas sobretudo acção, pois há casos em que a perda de importantes peças de arte parece estar iminente! E com isso perde a freguesia, a cidade, a região e o país. Este trabalho fez-se não só do trabalho e esforço do autor, mas também de rostos menos visíveis, a quem cumpre expressar gratidão. Assim, um agradecimento muito especial merecem da minha parte os executivos da Junta de Freguesia de Santa Cruz, de 2005-2013, pela confiança e entrega de um projecto de tanta responsabilidade. Na sede da freguesia de Santa Cruz encontrei uma porta sempre aberta para escutar as minhas tristezas, dúvidas e receios, mas também alegrias e satisfações pelos avanços que propiciariam a concretização da monografia. Uma relação profissional que depressa se tornou quase informal, assente nos nobres valores da amizade, da partilha do conhecimento, da cidadania. Das fraquezas desta obra me penitencio desde já, na certeza porém de que procurei obstar afincadamente ao aparecimento do erro. A todos quantos tornaram esta obra possível, o meu agradecimento. À minha família e aos meus amigos a minha homenagem… por tudo!



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Aos habitantes de Santa Cruz dedico esta obra com admiração e profundo respeito. Bem hajam! A caminho do Outono de 2009, numa tarde quente, brilhante, e (pelo menos) tão colorida como a alma desta freguesia. João Carlos Santos Pinho Investigador de História Local e Regional



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Tabela Cronológica Data

Assunto Segundo documento datado deste ano, refere-se a existência de 2 vinhas no Vale de Coselhas 979 Mestre Zacarias constrói, em Coselhas, uma das 4 pontes que lhe foram pedidas pelo Concelho de Coimbra 20 Agosto 1078 Donello doa ao mosteiro da Vacariça (conc. Mealhada) parte de uma vinha que possui em Algeara (Conchada) 16 Janeiro 1088 Doação de uma vinha com árvores localizada em Montarroio, que Gonçalo Recemondes e sua mulher, Maria Eanes, fizeram à Sé 4 Fevereiro 1102 O Bispo de Coimbra doa a Igreja de Santa Justa ao mosteiro de Santa Maria da Caridade (Charité-sur-Loire) para hospício dos cluniacenses A 26 Outubro de 1110 João Gosendes e sua mulher Ximena Forjaz doam à Sé de Coimbra propriedades localizadas em Montes Claros e Coselhas 1123-1129 Fundação do Mosteiro de Santa Cruz Setembro 1129 Documento que regista o litígio entre D. Bernardo, Bispo de Coimbra e Bermudo Peres sobre a posse de uma casa próxima da Sé e de uma herdade na Pedrulha (villa nomine Petrulia). 9 Dezembro 1130 D. Afonso Henriques doa ao arcediago D. Telo uns banhos régios existentes em Coimbra, no arrabalde dos judeus 1130/1131 D. Afonso Henriques abandona Guimarães, fazendo de Coimbra a Capital do Reino e do Mosteiro de Santa Cruz o centro da governação 28 Junho 1131 É colocada a primeira pedra da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz 29 Junho 1131 D. Telo doa aos cónegos de Santa Cruz os banhos régios e a almuinha da Sé 24 Fevereiro 1132 Data em que se presume terá começado a vida da comunidade crúzia 26 Maio 1135 Inocêncio II pela bula Desiderium quod toma sob protecção papal o novo Mosteiro de Santa Cruz 9 Setembro 1136 Falecimento de D. Telo Setembro 1137 D. Afonso Henriques doa aos cónegos de Santa Cruz a sua almuinha régia 1137 Primeira referência à Fonte Nova, então com a designação fonte dos judeus 1139 Delimitação da Paróquia de S. João Baptista pelo Mosteiro de Santa Cruz 1143 Primeiro alargamento da Paróquia de Santa Cruz quando o Cardeal Guido visitou Coimbra, contando com a colaboração de D. João Peculiar 1148-1150 Fundação do hospital crúzio, em Montarroio 1148-1154 Sagração do altar-mor de Santa Cruz sendo Bispo de Coimbra D. João Anaia 1153 O Papa Anastácio IV concede aos priores de Santa Cruz, o poder de usar das insígnias episcopais 1162 O Bispo D. Miguel Salomão reforçou o poder regrante concedendo a isenção episcopal, através da Karta libertatis 967



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Data 1166 1212 10 Dezembro 1220 7 Janeiro de 1228 ou 1230 1236 16 Janeiro 1423 15 Abril 1482 17 Março 1506 1512/1513 1514 e 1521 1521 1527 1527-1530 1530-1536 1533 1535 1 Março 1537

1540 1541 (Maio ou Dezembro) 1543 13 Janeiro 1543 1527 1534 1535-1538 1539 1540

Assunto D. Afonso Henriques confirma ao Mosteiro de Santa Cruz todas as mercês anteriormente feitas autorizando novas construções Santo António, com o nome Fernando, entra para o Mosteiro de Santa Cruz D. Afonso II, a Rainha D. Urraca e sua corte foram esperar as relíquias dos Mártires de Marrocos ao Campo do Bolão Dedicação ou reconsagração da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, pelo legado do papa Gregório IX, João Bispo de Sabina João Eanes deixava à Sé, vinhas na Figueira Velha, perto da freguesia de Santa Justa Realiza-se, pela primeira vez, a procissão dos nús A Mitra afora a Fernam Goncalves um meio casal na Pedrulha Devido às cheias e assoreamento do rio o Papa Júlio II, pela bula Cum inter nostrae, autorizou D. Manuel a mudar os conventos de S. Francisco e S. Domingos Machim executa parte do cadeiral de Santa Cruz Referências à Juradia da Pedrulha Nicolau Chanterene concluiu o famoso púlpito de Santa Cruz. Camões é admitido no Mosteiro de Santa Cruz onde cursará nos seus colégios universitários // Segundo o numeramento do mesmo ano a Pedrulha contabiliza 18 vizinhos (incluindo as 2 Adémias) Constrói-se a Igreja Paroquial de S. João de Santa Cruz (actual Café de Santa Cruz) Funciona a Tipografia do Mosteiro de Santa Cruz Os pedreiros Pero de Évora, Diogo Fernandes e Fernão Luís, concluem o Claustro da Manga Transferem-se os túmulos reais da nave para a capela-mor da Igreja de Santa Cruz Transfere-se, definitivamente e por decisão de D. João III, a Universidade para Coimbra, marcando o nascimento da Coimbra Moderna. A Rua da Sofia é destinada a receber os colégios das diversas ordens religiosas e habitações Fundação pelo Bispo do Porto, D. Fr. Baltasar Limpo, do Colégio de Nossa Senhora da Conceição (Colégio do Carmo) Colocação da primeira pedra do Colégio do Espírito Santo (ou S. Bernardo) Arrancam as obras para o novo Convento de S. Domingos na Rua da Sofia // Concluiu-se o primeiro dos colégios crúzios exteriores ao mosteiro -o de Todos os Santos Colocação da primeira pedra do Colégio da Graça, fundado por D. João III D. João III e o reformador Frei Brás de Braga dão início à reforma renascentista do Mosteiro de Santa Cruz e Rua da Sofia Extinção do mosteiro feminino de S. João das Donas que funcionava paredes-meias com o cenóbio crúzio Projecta-se e rasga-se a Rua de Santa Sofia Funda-se o primeiro colégio universitário: O Real Colégio das Artes Fundação e início da construção do Colégio de S. Pedro dos Franciscanos Calçados pelo canonista Dr. Rui Lopes de Carvalho e destinado a 12 clérigos pobres da diocese de Miranda do Douro



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Data 1540-1550

1550 1546 29 Junho 1548 1548-1555 1566 1597 28 Fevereiro 1566 1600 1659 e 1737 30 Maio 1661 24 Agosto 1710 28 Fevereiro 1724 1719-1724 24 Fevereiro 1756 1759 1779/1780 28 Março 1791 1800 31 Março 1821 30 Maio 1834

30 Novembro 1836 14 Setembro 1841 23 Abril 1845 26 Fevereiro 1847 27 Dezembro de 1849

Assunto Diogo de Castilho e João de Ruão, mestres do Renascimento, no âmbito da reforma dos estudos e fundação de novos colégios conduzem as obras dos Colégios do Carmo, de S. Miguel de Todos os Santos, de São Domingos, de S. Tomás Fundação do Colégio de S. Boaventura Inauguração da Rua de Santa Sofia Sagração da Igreja de S. Pedro na Rua da Sofia Construção da Igreja da Graça Começou a ser ocupado e habitado o Colégio de S. Tomás de Aquino, na Rua da Sofia. Devido à acção de D. Fr. Amador Arrais, antigo Bispo de Portalegre ingresso na Ordem dos Carmelitas, conclui-se o Colégio do Carmo O Cardeal Infante D. Henrique ordena a mudança do colégio das Artes para a Alta e a entrega à Inquisição do lanço novo deste edifício Conclui-se a obra de construção do Claustro da Igreja do Carmo A Mitra Episcopal de Coimbra promove Tombos de propriedades na Pedrulha A Vereação da Câmara Municipal constata o alagamento, pelas cheias, dos campos em torno da cidade. O ano agrícola seria desastroso Lança-se a primeira pedra da nova Igreja de Santa Justa pelo Bispo-Conde D. António de Vasconcelos e Sousa Sagração da Igreja de Santa Justa pelo Deão da Sé, Luiz Pereira de Sampaio Mestre Manuel Benito Gomes de Herrera fabrica o actual órgão de Santa Cruz sobre o que restava do primitivo Os Santos Mártires de Marrocos são proclamados pela Câmara Municipal padroeiros de Coimbra Extinção do primeiro colégio universitário – o Colégio de Jesus. Conclui-se a obra da Igreja nova da Pedrulha Alvará régio autorizando Estêvão Cabral a executar o seu projecto de encanamento do Rio Mondego Funda-se, na Rua da Sofia, a Sociedade do Teatro da Rua Nova Extinção do Tribunal do Santo Ofício (ou da Inquisição) Por decreto do Ministro Joaquim António de Aguiar são extintas todas as Ordens regulares masculinas existentes em Portugal, excepto as Ordens militares // A sede da paróquia de S. João de Santa Cruz foi transferida para a igreja do mosteiro abandonando a igreja do mesmo nome (actual Café Santa Cruz). O Governo cede ao Município de Coimbra parte do Mosteiro de Santa Cruz para instalação de Jurados, Câmara, Secretaria e Arquivo Carta de Lei pela qual se cedeu à Venerável Ordem Terceira, a Igreja do Carmo e suas pertenças Carta de Lei pela qual se cedeu à Venerável Ordem Terceira todo o edifício do extinto Colégio do Carmo, contíguo à Igreja, para nele estabelecer um hospital Por decisão do município transfere-se, para o antigo Dormitório do Pilar a Casa da Roda A Colegiada de Santa Justa é extinta e os seus bens incorporados no Seminário de Coimbra



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Data 15 Julho 1853

Assunto O município destina a Casa Vermelha (antigo celeiro do mosteiro) a cadeia da cidade 25 Novembro de 1854 Publica-se o «Plano de reducção, suppressão, arredondamento, e erecção de parochias na cidade de Coimbra e seus subúrbios» Este plano levou ao desaparecimento de cinco das nove freguesias que compunham a cidade. A nova divisão estabelecia as freguesias da Sé Catedral, da Sé Velha, de S. Bartolomeu e de Santa Cruz. O mesmo diploma criou, fora do perímetro da cidade, as freguesias de Santo António dos Olivais e de Santa Clara. Santa Cruz absorvia as antigas freguesias religiosas da Pedrulha e Santa Justa 29 Agosto 1855 Dá-se uma terrível e mortal explosão na casa de um pirotécnico na actual Rua Figueira da Foz Dezembro de 1858 O município delibera a construção de barracas para fogueteiros no Alto da Graça 22 Outubro 1860 Inauguração do Cemitério da Conchada 6 Julho 1865 Por Portaria do Ministro das Obras Públicas o antigo refeitório dos Cónegos Regrantes foi cedido para sede da Associação dos Artistas 11 Agosto 1866 A Câmara Municipal delibera entregar o Convento da Graça para fins militares Inauguração oficial do Mercado D. Pedro V pelas 11H30 mn 17 Novembro 1867 8 Maio 1874 Auto Solene da inauguração da mudança de nome: Largo de Sansão para Praça 8 de Maio O Governo decreta, a pedido do município uma classe de ensino elementar 8 Abril 1875 masculino em Santa Cruz 1876 Demolição do Chafariz de Sansão 13 Agosto 1879 Realiza-se a primeira sessão camarária nos novos Paços do Concelho 1881 Construção da Estrada Municipal Nº 539 (Coimbra-Dianteiro), incluindo a Ponte do Promotor Janeiro-Março 1884 Realiza-se, no Claustro da Igreja do Carmo, a Exposição Distrital de Coimbra Inauguração do Hospital e Asilo da Venerável Ordem Terceira 8 de Junho 1884 22 Outubro 1885 A C.M.C. delibera a criação da escola do sexo feminino de Santa Cruz, com ensino elementar e complementar 1885 A Câmara Municipal arremata por 22 contos a Quinta de Santa Cruz 7 Abril 1889 Realizou-se a Assembleia-geral da Constituição da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra 1890 É restaurada a Capela de S. Simão na Pedrulha 24 Junho 1890 Inauguração do museu paroquial de Santa Cruz e Santa Justa, no Claustro do Silêncio do Mosteiro de Santa Cruz 7 Maio 1892 O Colégio de S. Tomás é posto à venda, sendo adquirido pelo Conde do Ameal, Aires de Campos, e transformado em palacete 1 Junho 1892 Aprova-se, superiormente, a construção de um cemitério na Pedrulha O município procede ao sorteio das 15 casas térreas do primeiro bairro Natal de 1898 social da cidade; Bairro D. Manuel Correia de Bastos Pina 28 Fevereiro 1901 Abre ao público a Rua da Manutenção Militar 11 Maio 1906 Representação ao Rei e às Cortes justificando a criação de uma escola na Pedrulha 3 Fevereiro 1910 Funda-se o Sport Clube Conimbricense 12 Janeiro 1917 Um violento incêndio devora uma das alas do Claustro da Manga, onde estavam implantadas a Escola Industrial Brotero e a Divisão Hidraulica do Mondego



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Data 1920 14 Abril 1921 28 Abril 1923 7 Maio 1923 1923 30 Novembro 1925 1 Janeiro 1926 14 Fevereiro 1926 7 Março 1926 1928-1930 27 Janeiro 1928 1929/1930 23 Abril 1933 2 Julho 1933 28 Janeiro 1932 3 Janeiro 1935 Agosto 1935 29 Outubro de 1939 19 Novembro 1942 2 Maio 1954 25 Julho 1954 11 Julho 1958 3 Março 1960 30 Junho 1960 8 Dezembro 1965 10 de Março de 1967 Setembro 1972

31 Março 1975

Assunto Falecimento do Conde do Ameal. Suspendem-se as obras no seu palacete Atribui-se, por deliberação camarária, o nome de Av. Fernão de Magalhães à projectada Avenida da Madalena É atribuído, por decreto, ao Ministério do Comércio e Comunicação a posse do extinto hospício do distrito de Coimbra para nele se instalar a Escola Industrial de Avelar Brotero Inauguração oficial do Café de Santa Cruz Instalação e inauguração da Biblioteca Municipal nas alas do Claustro do Silêncio O município delibera atribuir o nome de João Augusto Machado à Rua do Gasómetro Junto ao Claustro da Manga é consumido por violento incêndio o edifício onde estavam instalados os correios e telégrafo Fundação da Associação Beneficente “A Pedrulhense” A junta de freguesia de Santa Cruz decide federar-se na Federação das Juntas de Freguesia de Portugal, afastando-se da Federação das Juntas de Coimbra Coselhas passa a ter electricidade e água ao domicílio O Ministério da Justiça adquire por 625 contos o Palacete Ameal, com a finalidade de nele se acomodarem todos os serviços judiciais da Comarca e da Relação de Coimbra Começa a funcionar no Rego de Benfins um posto escolar Inauguração da iluminação eléctrica na Pedrulha, contando com a presença do Governador Civil, do presidente e vereadores da C.M.C Fundação do Sport Clube de Coselhas O lugar de Coselhas é integrado, por decisão do município, na área da cidade de Coimbra // Inaugura-se solenemente a mudança de designação de Rua de Montes Claros para Rua António José de Almeida Derrocada da Torre de Santa Cruz pelas 17h 20 mn Inauguração da Praia Fluvial do Mondego Inauguração do edifício dos CTT no Largo do Mercado D. Pedro V A C.M.C. delibera expropriar os terrenos necessários para a construção da nova escola primária da Pedrulha Inauguração oficial do Bairro da Quinta da Misericórdia, na Conchada Inauguração do Centro Operário Católico, na Conchada Aprovam-se os estatutos do Grupo Recreativo Pedrulhense Inauguração do Bairro Nossa Senhora de Fátima (Pedrulha) Atribui-se à Rua Ocidental de Montarroio a designação de Rua de Saragoça, em homenagem à cidade natal da Rainha Santa Isabel, padroeira de Coimbra Inaugurava-se a carreira 2 Manutenção-Matadouro, com términus no cruzamento da antiga Nº 1 com a Rua Rainha Santa, na Pedrulha. O Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira publica um decreto criando a Reitoria de Coselhas Inauguração do novo edifício da Cantina Escolar da Pedrulha, pela mãe do então Ministro das Obras Públicas, Engº Arantes de Oliveira, contando com a presença do Presidente da C.M.C., Engº Aráujo Vieira, alguns Vereadores e António Lebre, Presidente da JF de Santa Cruz Nasce, oficialmente, o Clube Desportivo Pedrulhense (C.D.P)



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Data 13 Outubro 1975 1981 8 Março de 1995 2 Setembro 1995 9 de Julho de 1986 1999 17 Novembro 2001 2003-2004 9 Fevereiro 2004 16 Dezembro 2006 19 de Abril de 2007 Setembro 2008 14 Setembro 2008 19 Outubro 2008 16 Abril 2009 15 Setembro 2009

Assunto O Bispo D. João Saraiva decreta a criação da Reitoria da Pedrulha O Grupo de Arte e Arqueologia do Centro reconstrói o Marco do Bolão Inauguração do Jardim-de-infância da Pedrulha Demolido o velho “Casarão” da Conchada Primeira reunião do executivo na nova sede da junta de freguesia, no actual edifício da Av. Fernão de Magalhães, abandonando-se definitivamente a velha sede, na Rua Mário Pais O Ministério da Defesa cede à Liga dos Combatentes os 2 pisos do Claustro da Igreja da Graça para instalação de serviços. Inauguração do novo Mercado Municipal de Coimbra pelo Primeiroministro Eng.º António Guterres, sendo Presidente da Câmara Municipal o Dr. Manuel Machado Construção do Teatro da Cerca de S. Bernardo A Comisso de Heráldica emite parecer favorável ao símbolo heráldico da freguesia Inauguração do Centro Social e Paroquial da Pedrulha A baixa torna-se o primeiro centro comercial a céu aberto do país, designado por “Baixa ConVida No seguimento de trabalhos arqueológicos realizados na Av. Fernão de Magalhães surgem estruturas pertencentes ao claustro do antigo Convento de S. Domingos Depois de cuidado e prolongado restauro, o órgão de Santa Cruz voltou a ser utilizado para serviços litúrgicos e concertos Inauguração da renovação do Polidesportivo da Pedrulha, pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Dr. Carlos Encarnação, sendo Presidente da Junta o Sr. António Pinto dos Santos A Junta de Freguesia de Santa Cruz inaugura o Miradouro António Nogueira, em homenagem ao falecido presidente da junta de freguesia de Santa Cruz (16 de Abril de 2003) 30 famílias recebem as chaves das casas do Bairro Municipal da Misericórdia, na Conchada



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Apresentação da FREGUESIA DE SANTA CRUZ

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Freguesia de Santa Cruz, que tem como Orago S. João Baptista, é uma das 7 freguesias da Cidade de Coimbra e uma das 31 que compõem o concelho, dispondo-se no sentido Poente/Norte da mesma. Possui uma área total de 5,7 Km2 e uma densidade de 1234,92 hab/km², pela qual se distribuem várias zonas de povoamento: a Baixa, coração histórico da urbe e da freguesia, a Conchada, Montes Claros, Coselhas, Rego de Benfins, Loreto (parte) e Pedrulha. Exceptuando a zona da baixa, as restantes áreas da freguesia só aos poucos se foram integrando na área da cidade; Coselhas por decisão do município de 28 de Janeiro de 1932), a zona da estação Velha (26 de Novembro de 1923) (7). Os seus limites territoriais desenham-se com as freguesias vizinhas de: S. Bartolomeu e Santa Clara a Sul, S. Martinho do Bispo e Antuzede a Oeste, Trouxemil a Norte, Eiras e S. Paulo de Frades a Este, Santo António dos Olivais e Sé Nova a Sudeste. Segundo os dados do último Censo (2001), a freguesia compreende uma população de 6.866 habitantes, aproximadamente a população que tinha em 1920. A tendência para uma diminuição do seu efectivo populacional, observável durante o século que findou, parece justificar-se pela transformação do Centro Histórico da Baixinha de Coimbra, de zona residencial para área de comércio e serviços. Paralelamente deu-se o envelhecimento das estruturas habitacionais (casas), o que lamentavelmente conduziu ao abandono populacional. No entanto, verifica-se a existência de uma população flutuante de cerca de 50.000 pessoas, atraídas pelos seus postos de trabalho, pelo comércio e ou serviços. Outros dados demográficos apontam para um número de eleitores recenseados na ordem dos 7.211 (superior ao número dos seus habitantes) e o número de alojamentos fixa-se nos 3.997. Registe-se, ainda, que apesar da freguesia ser eminentemente de carácter urbano com predominância nas actividades Comércio e Serviços, possui uma área agrícola bem conhecida: os Campos do Bolão. A freguesia é servida por transportes rodoviários (Rodoviária Nacional, AVIC e Moisés Correia de Oliveira e pelos SMTUC). A rede viária compreende o acesso ao IC2, Estrada Nacional N.º 1, e estradas municipais que tornam a freguesia facilmente acessível a todo o país. De acordo com o Código Administrativo, a Freguesia de Santa Cruz classifica-se como de 1ª ordem, por possuir mais de 5.000 habitantes. O conceito actual de freguesia resulta da conjugação dos Art.ºs 235 e 236 da Constituição da República:



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Art.º 235: 2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas; Art.º 236: 1. No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Os Órgãos representativos da freguesia são a Assembleia e a Junta, cuja representatividade decorre de um acto eleitoral. Na obediência à lei devem prosseguir os interesses da vontade colectiva da população, através da gestão dos meios de que dispõem e do uso de poderes atribuídos. A Junta de Freguesia é o Órgão Executivo Colegial da freguesia, que, no caso de Santa Cruz e por ter mais de 5.000 habitantes, é composto por um Presidente e quatro Vogais, dos quais dois exercem as funções de Secretário e Tesoureiro. Os serviços prestados pela Junta de Freguesia à comunidade local que representam, podem classificar-se em: Secretaria: atestados de residência, insuficiência económica, provas de vida, agregado familiar, recenseamento eleitoral, registo e licenciamento de canídeos, registo de aves, certidões diversas, autenticação de fotocópias e um novo serviço, resultante do protocolo assinado entre a Junta e o Instituto de Emprego e Formação Profissional – registo presencial dos desempregados inscritos. Gestão Patrimonial: Cemitério Paroquial e Polidesportivo da Pedrulha; manutenção, limpeza e pequenos arranjos nas Escolas do Ensino Básico da Conchada e Pedrulha. Contabilidade: Elaboração do Plano de Actividades e Orçamento, Relatório de Actividades e Contas do Exercício, para apreciação e votação pela Assembleia de Freguesia. Social, Cultural e Desportivo: Apoio a diversas instituições da freguesia – financeiro, utilização gratuita de instalações, Passeio dos Idosos, Excursões Pedagógicas; acompanhamento com outras entidades no apoio a pessoas afectadas por situações de risco tais como, chuvas, inundações, derrocadas entre outros; acompanhamento de acções de despejo por ordem do Tribunal. Uma vez que existem serviços que, pela sua natureza, dependem directamente da Câmara e outras Entidades Públicas ou Privadas, a Junta de Freguesia estabelece a ponte entre a Comunidade e o Munícipo, fazendo-se representar em reuniões e eventos de interesse local. A Junta de Freguesia tem como Sede o Nº 79-1º, Sala 101, da Avenida Padre Estêvão Cabral, Edifício Fernão de Magalhães, 3000-317 Coimbra, com atendimento diário ao público entre as 10-12h30 e as 14h30-19h00. Possui ainda uma Delegação no lugar da Pedrulha, na Rua do Cemitério, que abre ao público às Terças e Quintas-feiras, das 17h00 às 19h00. O traço mais marcante da Freguesia de Santa Cruz é, sem dúvida, a sua riqueza patrimonial, de tal modo que bem se pode classificar como a mais monumental das freguesias da Cidade de Coimbra: Mosteiro de Santa Cruz, Capela de S. João das Donas (actual



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Foto 2 – Edifício Fernão de Magalhães, onde se localiza a sede da Junta de Freguesia de Santa Cruz

Café Santa Cruz), Jardim da Manga, Rua da Sofia e Colégios Universitários, casario típico da parte baixa de Coimbra, Fonte da Madalena, Fonte Nova, Igreja Matriz da Pedrulha…são exemplos maiores de um vastíssimo património, que ao longo dos séculos tem atraído a Coimbra milhares de turistas ou simples visitantes. Uma mais valia para a freguesia, um valor superior de âmbito local, nacional, universal! Consciente da importância e alcance histórico das raízes bem profundas do seu património, artes, instituições e cultura, o executivo da Junta de Santa Cruz entendeu proceder à elaboração do símbolo heráldico da freguesia, com base numa proposta que mereceu o parecer favorável da Comissão de Heráldica, emitido a 9 de Fevereiro de 2004, com registo na Direcção Geral das Autarquias Locais a 22 de Junho do mesmo ano: «Brasão: escudo de vermelho, cruz latina de prata, trilobada, entre duas coroas abertas, de ouro com pedraria de verde, em chefe e dois livros abertos, de prata, com fechos e suas correntes do mesmo. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: COIMBRA-SANTA CRUZ. Bandeira: amarela, Cordão e borlas de ouro e vermelho. Haste e lança de ouro. Selo: nos termos da Lei, com a legenda: “Junta de Freguesia de Coimbra – Santa Cruz». Quanto à simbologia dos seus elementos: Coroas de Rei – representam D. Afonso Henriques e D. Sancho I, que estão sepultados no Mosteiro de Santa Cruz (edificação mandada construir pelo primeiro Rei) Livros com Cadeados – significam os livros que existiam nos Cartórios e Bibliotecas de Santa Cruz, os Colégios e a Rua da Sofia.



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Cruz Crúzea – representa o topónimo “Santa Cruz”, o Mosteiro, com sua Igreja e Torre. A Junta de Freguesia dinamiza as mais diversas actividades e eventos, alguns dos quais em parceria com outras entidades e que na obra, a pouco e pouco, daremos conta. No entanto, da sua exclusiva iniciativa poderemos apontar: Prémio Frei Brás de Braga, que em homenagem ao reformulador do Mosteiro de Santa Cruz, promove a distinção ao melhor aluno de cada uma das duas escolas básicas da freguesia e também da do secundário (Escola Jaime Cortesão), consistindo na atribuição de valor pecuniário para aquisição de material didáctico; o prémio S. João para os meninos do pré-primário; e, ainda, o eleitor de nome João. A circulação de pessoas, fregueses das mais diversas freguesias em redor, processa-se a um ritmo elevado a cada dia que passa. A pé ou de carro, mas também através de um elevador. Embora só recentemente tenha sido construído e inaugurado, para ligar a parte alta da cidade com a baixa, a ideia nasceu em Março de 1962 quando o município apreciou em sessão do dia 15 um projecto elaborado pelos Serviços Municipalizados ( 1).

1 A.H.M.C. – Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 209, Fl. 40



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Brasão da Freguesia de Santa Cruz



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I – O Meio Físico e a Paisagem

I – O MEIO FÍSICO E A PAISAGEM 1. Geologia

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m termos geológicos toda a Freguesia de Santa Cruz enquadra-se na Orla Meso-Cenozóica Ocidental, por contraponto à mais antiga unidade, o Maçico Hespérico. Nesta unidade principal predominam rochas argilo-arenosas e calcários, com idades variáveis entre os 240 e os 5 milhões de anos. Uma análise mais atenta permitirá destacar duas unidades morfológicas principais; a planície aluvial e as colinas gresosas. A primeira correspondendo a uma vasta planície que se estende de Coimbra à Figueira, numa extensão de 15.000 hectares, ocupada por aluviões; a segunda englobando o conjunto de colinas normalmente não acima dos 200 metros, desenhados em campos gresosos pós jurássicos (1). Os depósitos aluvionares e coluvionares encontram-se com abundância na planície da freguesia, ou seja, na parte baixa da Cidade de Coimbra, nos Campos do Bolão (que resultaram de um abatimento de blocos para Ocidente e a que se chama tecnicamente depressão do Campo do Bolão) e no Vale de Coselhas. Resultam da acumulação de materiais associados à dinâmica fluvial, designadamente da actividade do Rio Mondego, da Ribeira de Coselhas e outras pequenas linhas de água. Os depósitos caracterizam-se por seixos, calhaus e outros materiais arenosos, uns grosseiros, outros finos. Os solos correspondentes a estes depósitos são, por norma, de excelente capacidade agrícola, devido às características minerais e orgânicas. A diversidade lítica marca a restante freguesia, toda ela inserida nas colinas gresosas: - Os Grés de Silves: aparecem junto à Rua António José de Almeida, nomeadamente as Camadas de Pereiros (2); na margem esquerda da Ribeira de Coselhas - Camadas de Coimbra: de tom acastanhado, detectam-se a Sul da Ribeira de Coselhas e sobranceiras ao Mondego, mas também nas zonas mais elevadas da cidade como nos Montes Claros, bem como na Rua de Aveiro e em antigas pedreiras junto à Ribeira de Coselhas. Dentro desta unidade principal destaca-se ainda a sub-unidade Camadas de S. Miguel, bem expostas na parte terminal da Rua de Aveiro, sob o cemitério da Conchada e junto ao Arco Pintado. Correspondem a calcários e calcários dolomíticos amarelados (3). - Areias Vermelhas do Ingote: trata-se de depósitos recentes (quaternários), de cor avermelhada e/ou acastanhada, que se encontram por exemplo na Conchada.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

A especial geologia da Pedrulha não escapou ao olhar atento de Manuel Dias Baptista, que em comunicação apresentada publicamente em 1783 fazia referência a dois tipos de formações geológicas: «Esta formação calcária, continua pelos lugares de Logo de Deus, Fornos, e Pedrulha; e pelos outeiros do Castelo, da Fonte do Gago, de S. Simão, e no Lameiro do Saramago. Alguma areia, e seixos começa a observar-se das ladeiras de Pedrulha por diante, nos lugares de Adémia de Cima, e Adémia de Baixo» (4). Na realidade, a área da Pedrulha integra-se numa unidade geológica designada por Margas e Calcários Margosos de Pedrulha, correspondente à unidade liásica com maior expressão não só na região de Coimbra-Mealhada, como ainda nas de Cantanhede e Condeixa, dentro da qual iremos encontrar uma sub-unidade, Calcários Margosos de Pedrulha «…com espessura observada não superior a 20 m, a unidade foi estudada na porção norte do outeiro de S. Simão e na Pedrulha, tanto em escavações efectuadas na R. 1º de Maio, como junto à Capela de S. Simão e a sul do cemitério» (5). Outra subunidade são os Margos e margo-calcários de Adémia, detectáveis junto ao cruzamento da Estrada para Eiras com a da Pedrulha, perto do Bairro de S. Miguel. Em redor desta grande unidade, destaca-se uma outra, designada por Margas e Calcários Margosos de Eiras e que compreende as seguintes sub-unidades: - Margas de Eiras; composta por margas grumosas e margas calcárias cinzentas, com uma espessura de que se detecta no Loreto. - Calcários Margosos de Loreto; corresponde a calcários margosos cinzentos (amarelados à superfície). Do ponto de vista geológico detectam-se ainda depósitos mais recentes, talvez quaternários, semelhantes ás conhecidas Areias Vermelhas do Ingote: «Na Pedrulha e a cota que vai dos 75 m na Capela de S. Simão a 45 m no alto da Quinta dos Canaviais, com retalhos a cerca de 60 m na povoação e no cemitério, há depósitos arenosos-cascalhentos vermelhos e imaturos» (6). Consequência das forças que animam a terra, a freguesia tem locais de relevo acidentado, onde a partir de miradouros se podem observar belas paisagens: a zona mais elevada encontra-se na Rua António José de Almeida, com altitudes a rondarem os 110 Mt., do qual podemos contemplar parte da alta da cidade, Rua Sá da Bandeira e Baixa da cidade. Da Conchada, que se ergue até 98 Mt., poderemos apreciar a baixa da cidade, o Rio Mondego, Santa Clara e os Campos do Bolão. Também na Pedrulha, e junto à Capela de S. Simão, é possível abraçar amplas vistas em seu redor; parte do povoado da Pedrulha, Campos do Bolão, Loreto, Santa Apolónia, e a antiga zona industrial. Nos dias límpidos até o Castelo de Montemor avistamos. Em contraste com as zonas mais elevadas da freguesia temos a baixa da cidade, com alturas médias a rondarem os 20 Mt. e os Campos do Mondego, onde raramente se ultrapassam os 15 Mt.



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I – O Meio Físico e a Paisagem

2. Clima e Hidrografia

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o ponto de vista climático, toda a freguesia, e à semelhança da região envolvente, goza de um clima temperado, com Verões não excessivamente quentes ou secos, e os Invernos, por norma, suaves e chuvosos. Na realidade insere-se na denominada região climática de tipo marítimo da fachada Atlântica. A Hidrografia da freguesia compreende um conjunto muito significativo de cursos de água: - O Rio Mondego: maior rio inteiramente português, nasce na Serra da Estrela e desagua na Figueira da Foz. O melhor local para observarmos o seu belo espelho de água, será na parte Sudoeste da freguesia, desde a zona da desaparecida Fábrica Triunfo, na Rua dos Oleiros, até ao grande valeiro no Choupal. - Vala do Norte: cruza a freguesia de Sul para Norte, quase sempre em área de características agrícolas (Campos do Bolão). Designada nos tempos da Monarquia por Vala Real, contorna o lado Norte dos Campos do Mondego. A sua abertura foi ordenada pelo Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. Tem a sua origem próxima da Estação de Caminho de Ferro (Coimbra-B), indo desaguar no Mondego a umas dezenas de metros a montante da ponte de Montemor. No seu curso passa pela Pedrulha e Adémia entre outras localidades. Nos últimos anos têm-se tornado cíclicos os problemas com a poluição. - Ribeira de Coselhas: nasce na parte mais elevada da Mata de Vale de Canas, na Quinta de S. Fernandes, perto da estrada que conduz a Casal do Lobo e Dianteiro, e desagua na parte inicial do Rio Velho, entre o Arco Pintado e a Ponte Açude, tornando‑se afluente da Vala do Norte. Corre de Este para Oeste e toca a freguesia na zona de Coselhas. - Vala dos Frades: Nasce junto da passagem de nível do Loreto seguindo, paralelamente, no sentido Norte, entre a linha de caminho de ferro e a Vala do Norte. Nas proximidades da Pedrulha une-se a esta vala. - Ribeira do Vale Meão: percorre a freguesia na zona do Rego de Benfins unindo-se com a Ribeira de Coselhas junto à conhecida empresa Fucoli.



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© João Pinho, 2009

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade



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I – O Meio Físico e a Paisagem

«Mondego! Oh! Como é bello, meu Mondego, orlado de salgueiros, de olivedos copados e frondosos laranjaes, de campinas férteis e de encostas verdejantes, discorrendo brandamente, docemente, sobre as suas areias douradas! Quem pode ver‑te sem prazer! Que o digam os cantos dos que te hão celebrado, as lembranças dos que têm sido detidos pelas tuas margens floridas, as saudades d’aquelles cujas primeiras vozes se confundiram com o murmurio de tuas aguas tão puras. Como é bello, meu Mondego! O teu curso não é longo, nem tuas aguas copiosas, como o Tejo imponente, ou como o Douro profundo; mas tu és portuguez, portuguez todo…». [Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Coimbra, 1886, P. 81]



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2.1. A importância do Mondego

© João Pinho, 2009

O Rio Mondego, os Campos do Bolão e o Choupal constituem a área verde por excelência da Freguesia de Santa Cruz. Estes espaços, além da sua vertente natural e lúdica, ocupam lugar particular do imaginário de Coimbra, da região, e do país. O Rio Mondego, maior rio português, nasce na Serra da Estrela no sítio do Mondeguinho a 1425 Mt. de altitude e desagua na Figueira da Foz, depois de percorrer 227 Km. Com a construção da barragem da Aguieira foi o seu curso regularizado, atenuando‑lhe as características marcadamente torrenciais: no Inverno oscilava entre as pequenas enchentes e as grandes cheias e, no Verão dava lugar a apenas um fio de água. Contrastes que lhe mereceram o epíteto de “basófias”. O Mondego é limite da freguesia na sua parte Sudoeste, desde a zona da desaparecida Fábrica Triunfo, na Rua dos Oleiros, até ao Choupal. No espaço em que atravessa a freguesia existiram, outrora e no sentido Nascente‑Poente três portos ou cais: Cais das Olarias (ou Porto dos Oleiros), Porto de Santa Justa e Porto dos Cordoeiros, os quais vêm registados na conhecida Planta de Coimbra de 1845, da autoria de Isidoro Baptista.



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I – O Meio Físico e a Paisagem

Cada cultura atribuía‑lhe sua designação. O grego Estrabão apelidava‑o por Muliades, na Época Romana chamavam‑no Munda, Monda e ainda flumen Aeminium e, na época árabe, Edrisi apelidava‑o de Mondik. O rio, pelo menos a partir do Séc. XII, foi‑se gravemente assoreando devidos aos desbravamentos feitos a montante, nas encostas que o ladeavam: «Nesta época, o aumento populacional conduziu ao abate indiscriminado de vegetação para agricultar os terrenos. A erosão tornou‑se sensível com as enxurradas a carrear as terras arroteadas, ficando as pedras e os penedos. O alvéo foi‑se entulhando, e o Mondego passou a divagar, atrasando a caminhada para a foz» (1). Assim, o depósito de areias com formação de ínsuas, para jusante, tornou inevitável a ocorrência cíclica do fenómeno das cheias, que estaria na origem da transferência, para cotas mais elevadas, de antigas instituições religiosas como a Igreja de Santa Justa (que ficava no Terreiro da Erva), ou o Mosteiro de S. Domingos, instalado no séc. XIII na zona do actual Arnado. Um dos exemplos mais conhecidos do assoreamento situa‑se na Praça 8 de Maio: «A área em que a igreja e o mosteiro de Santa Cruz foram construídos nas décadas de 1130 e 1140 poderia rondar os 16 ou 17m. Inicialmente, subiam‑se alguns degraus



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para entrar na igreja. A cota elevou‑se aí até aos 21m, que era o nível da praça 8 de Maio anteriormente às obras de rebaixamento do piso há poucos anos realizadas» (2). De facto, em pleno séc. XVI, para se entrar na Igreja subiam‑se 4 degraus, quando no passado se chegou a descer sete. A obstrução do alveo pelas areias criava «…tres gravissimos males: a ruina da navegação; a esterilidade dos terrenos; e o prejuiso da saude dos povos» (3). A este propósito se dizia que o bairro de Santa Justa era o mais “paulento” da cidade até princípios do séc. XVII. Os poderes locais e centrais, na sua batalha para controlar o Mondego e reduzir as cheias tiveram de contornar os problemas resultantes da ocupação e cultivo das ínsuas situadas no próprio curso de água. Um dos casos mais conhecidos envolve Lourenço de Matos, cidadão de Coimbra e proprietário do ofício de carcereiro até 1679, mais tarde Cavaleiro da Ordem de Cristo e um dos principais rendeiros do usual na década de 80 do século XVII: «…comprou uma ínsua pequena por 300 000 réis, a qual veio a crescer desmesuradamente, ocupando campos circunvizinhos, até ocupar uma dimensão de 80 jeiras e atingir a valia de 50 000 cruzados, já no reinado de D. João V. O alvará régio de 22 de Abril de 1708 determinava, de facto, que a corrente do Mondego fosse reposta no álveo que ocupava “antigamente”, antes de fabricadas as insuas, mas o prejuizo ao curso das águas causado por este motivo não regrediu» (4). Para evitar as cheias e defender‑se a cidade, propôs a Câmara de Coimbra através de posturas antigas, que se não cultivassem os montes da Beira para desarear os campos de Coimbra (5). No reinado de D. Afonso V surgem medidas para debelar o problema, proibindo‑se em 1464 as queimadas de Coimbra a Seia. E, já no tempo de D. Manuel, em 1491, foi criado o lugar de couteiro dos fogos e maçadas do Rio Mondego, que devia vigiar a pesca da lampreia e o ateamento dos fogos. Em 1538 o rei mandou proceder ao estudo para uma muralha que protegesse a cidade baixa das cheias, obra que terminava em frente de Santa Margarida. Em 1565 o Cardeal D. Henrique, regente do reino, encarregaria António Mendes, mestre de obras «…de estudar os trabalhos não só da ponte, e encanamento do Mondego, como da canalisação da rua da Sophia, resultando porventura d’esse estudo a ordem que o mesmo regente deu em 1567 para se construírem oito marachões; contra o que o povo se revoltou, a ponto de se ver obrigada a camara a pedir em 1568 a suspensão da obra, requerimento que foi indeferido» (6). A dada altura tornou‑se óbvio que a solução passaria pelo encanamento do rio. O Regimento dos Marachões, datado de 8 de Setembro de 1606, foi um dos primeiros passos nesse sentido «…estabelecendo‑se dois provedores para impedir os grandes estragos, que continuamente faz este rio, contribuindo por isso os lavradores dos campos contíguos com tributos e serventias» (7). Por este regimento vê‑se que o sistema utilizado na defesa dos campos contra as cheias assentava em marachões e valas. Além de fintas pagas em cereais, os lavradores eram chamados a contribuir directamente:



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I – O Meio Físico e a Paisagem

«Todos os lavradores do campo e visinhanças eram obrigados a trabalhar um dia de graça, quando e onde lhes fosse determinado pelo provedor; os que tivessem bois serviriam com elles, e os que os não tivessem concorreriam com enchadas, pás, baldes etc » (8). Ainda nos princípios do séc. XVII, a defesa da cidade e dos campos contra o leito fluvial de enchente, passou pela edificação, na margem direita de um grande cais desde a ponte régia até Santa Margarida. Para arrematação das obras alcançou a cidade autorização por Provisão do Desembargo do Paço, tendo as obras sido iniciadas por volta de 1655, embora condicionadas pelas despesas de guerra e esgotamento da terça parte do real de água. O período da Restauração ficaria marcado por elevada pluviosidade e novas cheias. Por esse motivo, em 1641 a Câmara mandou proceder ao altear do Terreiro de Santa Cruz através do seu entulhamento. Na época de D. João V, com o percurso entre Coimbra e Maiorca num autêntico caos, chegou a planear‑se a construção de um leito artificial, a Sul do antigo. Mas as obras não saíram do papel, apesar da aprovação do projecto por D. João V (Alvará de 22 de Abril de 1708), dando poderes ao encarregado do encanamento do Mondego para «… dar ao álveo uma largura suficiente para conter as águas das pequenas enchentes, e fortificar as suas bordas com estacarias, e arvoredo» (9). Pretendia reduzir‑se a corrente do rio ao seu antigo alveo, desfazendo as insuas e dando aos donos delas os acrescentamentos nas suas testadas até às balizas do novo álveo. Foram diversos os projectos para construção de um canal específico para receber a água das enchentes (10) que passavam pela retenção das águas com motas, marachões e diques, proibição do cultivo das faldas dos montes sobranceiros ao Mondego. Todos estes projectos fracassaram, pois a natureza do Mondego oferecia sérias dificuldades ao nível da regularização; o leito de cheia abarcava a extensa planície do Bolão, formada ao longo de séculos; por outro lado e até ao mar o seu declive não era suficiente para dar escoamento às águas espraiadas pelos campos. Apesar dos esforços o Mondego continuava a vencer tudo e todos. De tal modo que em 1748 o município leva o assunto ao Desembargo do Paço, relatando o “miserável estado” das 4 freguesias da baixa da cidade «….através das quais o Mondego tem “entrada franca”, que permanecem alagadas muitos dias, mesmo que por qualquer leve enchente e, quando estas recrudescem, as águas alcançam o Terreiro de Sansão e “por muitas ueses embaterão na porta da magnifica Igreja de Santa cruz”, formando‑se um lago desde esta praça até ao leito original do rio, submundo onde os seus moradores são socorridos “em barcos” para a sua quotidiana sobrevivência, sustento que se lhes administra “por caridade”. Prevenia a edilidade que, em menos de 50 anos, nada restará desta arte da urbe, perdida, também, a passagem pública para todo o reino, que atravessa o Terreiro de Sansão, e a ameaça da destruição pelas águas pairaria, ainda, sobre o Convento de S. Domingos e sobre o Colégio de S. Tomás, que ficariam inabitáveis, e menos de 40 anos» (11).



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Nos anos seguintes as vereações não se cansam de pedir ao governo a resolução do caso, cada vez mais sustentada em argumentos técnicos. O arquitecto Carlos Mardel quando em 1752 veio visitar a cidade e orientou a reconstrução do Colégio de S. Paulo, defendera que a solução passava pelo alargamento do leito do rio e reposição da corrente pelo antigo álveo, anterior à formação das ínsuas. Na mesma altura o arquitecto esboça uma nova ponte, articulando‑a com a reedificação do cais, vasta obra que arrancaria em 1754 e cujo primeiro sinal foi a ordem dada pela vereação para que os entulhos acumulados no Terreiro de Sansão fossem removidos para enchimento dos atoleiros do Sítio das Ameias. Porém, a submersão da cidade ribeirinha e a invasão das águas pelas 4 freguesias continuaria sem obstáculos, provocando não só danos materiais, com entulhamentos de caves e lojas, mas também humanos, com mortes e surtos pestíferos. Perigos para a saúde também chegavam das lagoas, alimentadas quer pelo rio quer pelas chuvadas. As mais conhecidas eram a de S. Domingos e a azinhaga transformada em lagoa ao fundo da Rua da Moeda. Ambas acabariam por ser secadas através de entulhamento. Por estes motivos o município criou, em 1753, o ofício de almotacé da limpeza, para fazer face ao caos urbanístico; edificações sem licença da Câmara, ocupação das ruas públicas com lixeiras, degraus, cunhais. Fruto da sua actividade, em 1754 denuncia‑se «… que toda a zona do Arnado e sítio das Olarias se encontra pejada de degraus e poiais erguidos desordenadamente pelos moradores para se alcandorarem às habitações que vão sendo alteadas devido ás enchentes. Com isso, impede‑se o livre‑trânsito das carruagens» (12). Deveu‑se a José de Seabra da Silva, sendo ministro de D. Maria I, o encanamento do rio Mondego, cujo antigo curso, a jusante de Coimbra, ia pelo leito hoje conhecido por Rio Velho e ainda visível. O problema, que vinha afligindo os governos portugueses desde o séc. XVI, conheceria nesse momento uma solução eficaz. O estudo da questão, foi entregue, por aviso régio, ao Padre Estêvão Dias Cabral, jesuíta que regressara da Itália, onde se formara neste ramo de conhecimentos: «Em 14 de Dezembro de 1790 apresentou o Padre Cabral à Academia [Real das Ciências de Lisboa] uma notável memória sôbre o encanamento do Mondego. O seu projecto foi aprovado; e, encarregado de o executar por alvará de 22 de Março de 1791, dedicou‑se durante nove anos consecutivos à execução dos trabalhos, que depois foram interrompidos, não sem se haverem alcançado apreciáveis resultados para a agricultura e para a navegação. Para a continuação das obras se recorreu em 1807 a José Bonifácio de Andrade e Silva (…) porém a guerra veio meses depois prejudicar a sequencia dos trabalhos (…) Segundo o projecto formado – de harmonia com as disposições do Alvará de 22 de Março de 1791 – o encanamento devia fazer‑se desde Coimbra até à Figueira da Foz, seguindo‑se o álveo novo que o rio começara a abrir na volta do Almegue, e cortando quaisquer ínsuas, mouchões ou camalhões que obstassem ao encanamento…» (13). Pela primeira vez tomavam‑se medidas eficazes, controlando‑se o maior rio português. Iniciadas as obras em 1791, arrastar‑se‑iam ao longo do séc. XIX com vicissitudes várias. A solução encontrada para evitar o assoreamento passou pela criação de um traçado recto e estreito capaz de aumentar a velocidade da corrente. Evitaram‑se muitos dos estragos



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que o rio fazia nos campos por ocasião das cheias, canalizando‑se as suas águas de modo a torná‑lo navegável durante todo o ano. No entanto, também em pouco tempo o alvéo artificial se assoreou, enfraquecendo o projecto, lamentando o seu autor ter optado por um encanamento em linhas rectas partidas e não por um traçado numa só recta. A solução para o drama das cheias provocadas pelo Mondego chegou já em tempos recentes. Em Março de 1875 principiaram as obras de defesa da cidade contra as inundações do Mondego, afectando‑se 1.000$000 réis destinados a um plano ambicioso: «Construcção d’um cano de derivação na extensão de 293,0 do fundo da rua direita ao Arnado, construcção de 153,0 m cúbicos d’alvenaria um muro de suporte, e bem assim construcção de 2,420,0 cubicos d’aterro com terras d’emprestimo construcção de 36,0 leniares d’um cano na rua da Magdalena» (14). Estas obras acabariam com um dos maiores dramas da baixa que era a vala dos lázaros (hoje entulhada por debaixo da Avenida Fernão de Magalhães). A qualidade da água do Mondego foi outro problema a requerer a atenção do município. De facto, a potabilidade da água e dos canais afluentes, achava‑se ameaçada pela profusão, documentada, de charcos, lagoas e pântanos e ainda pela laboração de certos ofícios poluentes como os tintureiros ou os cordoeiros, ao Arnado. A edilidade responderá com posturas tendentes a melhorarem a qualidade da água captada; em 1663, definindo que não se alaguem linhos da ponte para cima, em 1668 que actos de limpeza se não façam no rio a montante da ponte real e, ao longo dos tempos através de inúmeras directivas que interditavam as lavagens nas fontes e chafarizes.

Foto 3 – Efeito das cheias do Mondego na Praça 8 de Maio, anos 40 do século XX



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O BARQUEIRO E A BARCA SERRANA «O tripulante das embarcações portuguesas de aspecto menos náutico é o barqueiro do Mondego. Mesmo quando desce à foz e se mistura com os marítimos nos rumorosos cais da Figueira, não perde o ar de homem deslocado. Carregada ou descarregada a barca, isola-se, e as horas ou os dias que tem de passar no pequeno porto, vive-as dentro da barca, cuidado dela, cozinhando a sopa e o peixe dentro da barca, enquanto não a carregam e as velas enxugam, estendidas pelos paredões. Na barca ou em terra, longe do seu meio, é sempre um montanhês, reservado e taciturno.(…) «Quando se lhes pergunta como se chamam as suas embarcações, que aliás não têm nome próprio mas apenas pintado na proa o número de matrícula na Divisão Hidráulica do Mondego, em Coimbra, eles respondem com humildade:«barcas serranas». As barcas do Mondego medem quinze a vinte e cinco metros. São uniformes no recorte e na construção. Têm o fundo chato e uma capacidade que não excede as dez toneladas. A frente eleva-se, numa curva pouco acentuada, dois palmos a cima da ré, onde gira; mais ou menos ao nível da proa, a transversal do leme. A desproporção entre o comprimento e a altura é flagrante. Sem velas e sem mastro parecem cães “bassets” – com água pela barriga… A sua linha foi outrora infinitamente mais caprichosa. Atingiu quase a aristocracia romântica da gôndola. O rio, porém, assoreou, roubando profundidade às àguas. Houve, portanto, necessidade de sacrificar o aspecto artístico ao sentido utilitário. Com efeito, as barcas serranas assemelham-se, hoje, a longos e esguios batelões. Em regra são pertença dos próprios barqueiros: pai e filho, cunhados ou de dois homens sem parentesco, e só então um deles “ajusta” outro, pois a tripulação duma barca nunca vai além de três homens e, neste caso, apenas no Inverno, quando as cheias tornam difícil a subida do Mondego. Construídas nos areais, em improvizados estaleiros (…) são lançadas à água sem qualquer cerimonial. Vêm da serra e vão para o mar – carregadas de lenha. Quando voltarem, virão carregadas de sal. Para o mar – a corrente as leva. Do mar – o vento e os homens as trazem. A carga é feita na véspera nos portos em frente das povoações ou no limite das “carreiras” dos pinhais, na base das margens fechadas do rio. (…) Mas acontece serem os barqueiros os proprietários ou arrendatários dos pinhais ou de matos (as barcas, às vezes, trazem mato e carqueja) e são eles próprios lenhadores e roçadores. De Conhedo aos Palheiros das Torres, já nos arredores de Coimbra, seja em Gondelim, Vila Nova, Ponte, Penha, Penacova, ou em Soutelo (concelho de Poiares) – a vida do barqueiro começa mal rompe a luz do dia. (…) Nestas aldeias os primeiros a levantarem-se são os barqueiros (…) A barca partirá, silenciosamente: a remos se há água; à vara, se o rio vai à mingua. E umas após outras, passam, Mondego abaixo. (…)



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As barcas só não largarão se houver uma grande cheia. Terão de esperar que as águas desçam. Todavia, em muitas ocasiões, por essa altura, Coimbra vê chegar aos seus portos grandes jangadas timonadas pelos barqueiros serranos, trazendo à cidade os troncos das árvores em que se fazem transportar. Então a navegação é perigosa (….) Irremediavelmente, a jangada acabará por se desmantelar de encontro às ribas, a um choupo, às paredes de uma casa ou de um muro que a cheia ainda não submergiu por completo, nas ínsuas ou na lezíria… Entretanto a jangada avança. Os barqueiros, tão calmos quando conduzem as barcas, gritam e correm agora de um lado para o outro, regulando o curso. Todos à uma mergulham as varas. O contacto entre o fundo do rio e o corpo dos homens é brutal. Atirados para cima dos troncos, refazem-se do choque, movendo o ombro dorido. (…) Na Divisão Hidráulica do Mondego estão inscritas cerca de duzentas barcas serranas. Mas já foram mais; quando não havia as camionetas nem existia a linha férrea Coimbra-Figueira. Nessa época muita gente da cidade universitária, que passava o verão na praia da Figueira, fazia transportar-se nessas barcas. E as barcas traziam também para Coimbra a roupa às lavadeiras das Torres; a boroa das Carvalhosas; os palitos de Lorvão; os baús dos doces de Penacova. Em Coimbra, os barqueiros que atracam ao porto dos Bentos ou aos cais da Portagem volvem à sua condição de homens da terra. Tranformam-se em negociantes de lenha. Ajustam carros de bois e andam pela cidade a oferecer as carradas. Outros aguardam nos cais que lhes vão comprar a lenha, vendida aos centos e aos meios centos. Outros ainda transportam às costas os molhos das cavacas, oferecendo-os de porta em porta». In Adriano Peixoto - «A Vida de um Rio», Arquivo Coimbrão, Vol. X, Boletim da Biblioteca Municipal, Director Fernando Pinto Loureiro, Coimbra, 1947, Pp. 180-184

Foto 4 – Uma barca serrana nas serenas águas do Mondego, 47 dos anos 40 do séc. XX finais dos anos 30, princípios





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Foto 5 – Lavadeiras no Choupal (anos 50 do séc. XX)

O Rio foi ao longo dos séculos um importante recurso económico pelo qual a jurisdição concelhia coimbrã revelou especial atenção, disciplinando a pesca no seu percurso. Regulamentos que se estendiam ao destino do pescado, depois de pagos alguns tributos (definidos aliás no foral manuelino) e de satisfeitas as necessidades dos pescadores. O peixe do rio, destinado ao consumo em geral, tinha, no entanto, de ser vendido publicamente na praça da cidade. Durante séculos o Mondego foi animado em termos sociais e económicos pelo vaivém constante, quer das “aguadeiras” que vinham encher seus potes às margens, para abastecimento da população, quer pelas ”lavadeiras” que carregando trouxas de roupa e as vinham lavar ao rio, pelas barcas de passagem localizadas em sítios estratégicos e com direitos pagos à Coroa ou aos Concelhos, bem como pelo Barqueiro” e sua barca serrana, transportando pessoas, animais e diversos produtos. Duarte Nunes do Leão fala‑nos, em 1610, dos «barquinhos & jangas» que navegavam a montante da cidade. O Mondego era desde tempos imemoriais uma importante via de comunicação, eternizando o barqueiro e a barca serrana, captando a atenção de sucessivos investigadores e estudiosos, como Adriano Peixoto em 1947. As barcas serranas desapareceram no decurso do séc. XX, vítimas do assoreamento do rio e, sobretudo, do desenvolvimento de outros meios de transporte modernos e eficientes. E eram precisamente os barqueiros quem, em épocas de estiagem e com o negócio parado, construíam as tão características pontes, feitas de madeira e de que foi exemplo até bem tarde a conhecida Ponte do Modesto. Para os mais antigos, estará ainda viva a memória das praias fluviais, construídas durante o verão, como forma de usufruir e gozar a fresquidão das águas, com os seus passadiços, toldos, chapéus, e tendas.



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Nas bases do concurso para o Plano de Urbanização da Cidade de Coimbra, aprovado pelo município a 14 de Março de 1934, previa‑se a instalação de uma praia artificial (15). Na realidade a conhecida e desaparecida «Praia Fluvial do Mondego», promovida e construída a cada Verão pela Comissão de Iniciativa e Turismo de Coimbra seria inaugurada em Agosto de 1935, ali se realizando os primeiros festivais de natação (16). Ao longo dos tempos, a FNAT e a Associação de Natação de Coimbra, encarregar‑se‑iam da sua construção, subsidiada pelo município. Enquanto se não construíram as piscinas municipais a praia fluvial foi o grande espaço de banhos da cidade. Depois do 25 de Abril de 1974 elaborou‑se um projecto de larga escala para regularização do Mondego e irrigação dos campos, a partir de uma rede de rega e abastecimento de água, comportando uma complexa rede de canais e centrais elevatórias. Em 1986 principiou a construir‑se o canal de rega e o dique da margem direita A Barragem da Aguieira e o Açude‑Ponte disciplinaram o rio e as cheias tornaram‑se raras. A transformação promovida por estas obras, na dupla faceta Rio‑Cidade, sensibilizaram o Prof. Costa Lobo, em carta dirigida ao município lida e transcrita na sessão de 12 de Julho de 1982: «…referir‑se à emoção que acusou ao deparar‑se com o actual espectáculo de sonho apresentado pelo Rio Mondego, agora civilizado, cheio de vida, de cor, de movimento, com barcos à vela vogando nas suas águas tranquilas em que a cidade passou a espelhar‑se, a rever‑se, a deleitar‑se nos dias quentes de verão. (…) depois de admirar tal espectáculo, ficou a pensar na estrutura verde da cidade, nas suas expansões integradas de habitação e nas suas infra‑estruturas, pelo que não podia deixar de pensar que, com custos inferiores aos da Ponte Açude, seria possível ganhar essa batalha dum espaço habitacional organizado para todos» (17). O Rio Mondego tem sido cantado por diversos poetas, de Luis de Camões a António Nobre, de Afonso Lopes Vieira e Miguel Torga e Manuel Alegre. Um lirismo que contagia a paisagem envolvente traduzido em expressões como «doces e claras águas», «saudosos campos», «lânguido Mondego». O Mondego é, actualmente, animado pelo Basófias, barco de recreio que navega no Mondego há 15 anos, frequentado na sua maioria por turistas. Oferece perspectivas únicas da cidade através dos seus percursos. 3. Os Campos do Bolão O Mondego entra em Coimbra numa planície a que se chamou Campo do Mondego. Nas encostas que de Norte a Sul o circunscrevem deu‑se o nome de adémias, plantando‑se aqui cereais, e naquelas vinhas. Um pouco mais difícil é definir onde começa e acaba esse campo. Noutros tempos o campo iniciava‑se ainda dentro da própria cidade, onde quintais, hortas, parreiras



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e árvores cresciam por entre as casas dispostas ao longo de estreitas ruas.Este campo integra‑se numa zona mais vasta, designada por Baixo Mondego, marcadamente rural e definida pelo Rio Mondego. A sua demarcação territorial não é consensual se bem que, de um modo genérico, seja constituído pelo vale do rio principal e seus afluentes. Usualmente designam‑se os Campos do Mondego, junto à entrada Noroeste da Cidade como Campos do Bolão. Este território, que faz parte da Freguesia de Santa Cruz, corresponderá, grosso modo, ao antigo Reguengo do Bolão. De facto, nos finais da Idade Média, os reis e a coroa possuíam na Região de Coimbra alguns reguengos (18). Dentro do aro citadino contavam‑se o do Quarto da Corredoura e o de Eiras, para Norte era bem conhecido o das Terras Galegas, nas matas de Botão (19) e, pelos campos do Mondego destacavam‑se o de Tentúgal e o do Bolão.



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O Foral de Coimbra de 1179 refere‑se já ao Reguengo do Bolão, estipulando os foros e rações, a pagar pelos seus lavradores. A demarcação e estudo do Reguengo do Bolão, deve‑se a Cruz Coelho: «O núcleo principal do reguengo do Bolão está enquadrado pelo rio Mondego (a actual Vala do Norte), a ponte de Alcarraques e a ponte da Cidreira e tem uma extensão de 459,7 geiras (281,3 ha), que se repartem por cerca de 29 herdades. Mas andam‑lhe ainda ligadas outras terras, algumas em lugares bem afastados, não se percebendo bem o motivo da sua anexação ao reguengo, salvo para favorecer a administração régia na cobrança das rendas (…) O Bolão propriamente dito divide‑se em pequenas propriedades, embora não atinja as proporções do minifundismo atestado no Reguengo de Tentúgal. A média de superfície por herdade é de 2,5 geiras, mas cerca de 70 (32%) têm apenas uma geira, logo seguidas por 49 (22,4%) com 2 geiras e 31 (14,2%) com 0,5 geira. Numa distribuição por classes pode‑se verificar que 83,1 % das herdades estão abaixo de 4 geiras e não se encontra nenhuma gleba acima de 9 geiras» (20). De facto, detectam‑se como pertencendo ao Reguengo do Bolão, propriedades organizadas, na forma de casais ou herdades, nos seguintes lugares: Ameal, Zambujal, (Cernache), Casal Comba, Póvoa do Canedo, Povoa do Tojeiro (Trouxemil), S. Martinho de Árvore, Quimbres. O fabrico do pão, base de subsistência dos camponeses, fez movimentar o Campo do Bolão durante séculos. Nas culturas de cereais, a primazia ia para o trigo desde as variedades trigo galego e tremes, para além do trigo mourisco, de que resultava o pão alvo. Encontrava‑se, sobretudo, nas terras planas e mais aptas a este tipo de cultura. O trigo, pelos finais da Idade Média, encontrava no Reguengo do Bolão a rentabilidade mais elevada dos Campos do Mondego, atingindo‑se, inclusivamente, «…valores altos, semelhantemente ao que acontecia em algumas regiões francesas privilegiadas, como Cambrais (rendimento de 8,9 e 10 sementes), e a sua média está conforme à que ainda hoje se alcança para o trigo (5 a 10 sementes) no sul do país, chegando mesmo em algumas herdades a superá‑la» (21). De forma rotativa, o trigo dava lugar ao milho, cereal de segunda mais predominante, especialmente nas terras do monte, onde também se encontra o centeio e a cevada Do seu cultivo resultava o tradicional pão escuro, feito com cereais de segunda, que também servia para alimentar gado e pagar ao pessoal. Devido à riqueza e elevada produtividade, o Campo do Bolão foi objecto de especial atenção da Coroa, que através da fixação de direitos cobrava avultadas prestações. Assim e quando em Portugal as ideias liberais triunfavam a passos largos e um antigo regime definhava, a Coroa mandou elaborar o conhecido Mapa dos Direitos do Foral de Coimbra. O manuscrito, elaborado pelo Dr. Bernardo José de Carvalho, vereador do Senado data de 1824 e nele se definiram os diversos direitos. Entre eles solicitava‑se a descrição daqueles que mais vexam os povos, tendo‑se referido com especial atenção, a situação do Campo do Bolão. Aqui e além da ração de ¼ ainda havia o «Fôro de 24 alqueires que paga todo o lavrador do Bolão, quer lavre muito, quer pouco, de eiradega, guarda do Campo, medidagem, carreto e panal, e 15 o seareiro» (22).



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O maior problema dos campos do Bolão derivava, sem dúvida, das frequentes cheias que lhe alagavam a planície. A água era nestes casos sinónimo de calamidade; terras ribeirinhas férteis completamente alagadas e inutilizadas durante largos meses (às vezes um ano) para cultivo, quebras na produção, fome generalizada, doenças e, por vezes mortes. Por exemplo, a 30 de Maio de 1661 a vereação registava que «…as cheias do Mondego alagaram todos os campos em torno da cidade que, na sua maior parte, estavam por semear, e não havia quem quisesse arrendar terras, concluindo, consternada, a vereação, em 20 de Agosto, que este ano “naõ houue frutos”» (23). Também não podemos esquecer, ao nível da vida do lavrador os efeitos nefastos das secas prolongadas e de pragas como a do“bicho”. Nesta área e depois da cultura dos cereais, destaca‑se a vinha, o que se compreende face à tradicional dieta medieval do pão e vinho. Ali se produzia vinho tinto, mas sobretudo o afamado vinho branco, referenciado no séc. XVIII e que se difundia pela Comarca de Coimbra. No entanto, a oliveira, cultura dominante no anel urbano de Coimbra, disputa com a vinha a importância nos do Bolão. Andando quase sempre associadas, a verdade é que em meados de trezentos, a oliveira ultrapassa os vinhedos, sendo frequentes os contratos exclusivos sobre olivais, a que devemos ainda acrescentar as oliveiras que bordejam terrenos de cultura. Poderemos mesmo afirmar que no século XV já a oliveira ultrapassara os terrenos complantados. Na economia rural do Baixo Mondego (Campos do Bolão incluídos) também a criação de gado fez parte do aproveitamento dos seus recursos. Porém, nem sempre a coabitação agricultura versus pastoreio foi a melhor, especialmente quando se verificava escassez de pastos. No «campo» de Coimbra e depois das colheitas o direito de pastagem era comum (direito de compáscuo). Logo, os que primeiramente metessem os gados nas terras mais aproveitavam, o que não raras vezes conduziu a abusos, conflitos e danos de vária ordem. Uma das situações de tensão mais frequente verificava‑se logo que o pão ou o linho eram apanhados, com os lavradores ou criadores, ávidos de pastos a lançarem‑se o gado quando a recolha ainda não estava terminada. A esta regra escapavam apenas os lugares tapados, «cerrados ou almuinhas» sujeitos a coimas e com pasto reservado aos animais dos donos das herdades. Nem só de vida agrícola se faz a história do Campo do Bolão. Refira‑se que ali teve lugar a recepção condigna das ossadas dos Santos Mártires de Marrocos «…feita na presença de Dom Afonso II, do cabido da catedral e de grande multidão de fiéis que, procissionalmente, quiseram acompanhar o percurso das referidas caixas, transportadas por duas azémulas, sempre ligeiras à cabeça do cortejo, mas, em vez de seguirem na direcção da Sé, meteram‑se, milagrosamente, para Santa Cruz, cujos cónegos tudo terão preparado para serem os detentores daquelas preciosidades» (24). O mais importante monumento localizado nesta área agrícola é o conhecido Marco do Bolão. Compõe‑se de duas peças distintas em calcário: o monumento propriamente dito onde na face voltada a Poente se pode ler: «ESTA OBRA SE FES NO MÊS DE SETENBRO 1710»; e junto à base do marco está uma lápide epigrafada com uma inscrição incompleta:



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«NA ERA Ð1674 FES ESTAS OBRAS POR CONTA DA CAZA DAVEIRO ANTONIO Ð MAGALHAES ALMOXARIFE DA MESMA CAZA EIVIS DOS DIREITOS RE(?)». Referências ao padrão do Ducado de Aveiro colhem‑se no Tombo da Cidade de 1768 onde se refere que a Câmara tinha uma almuinha no sítio de Almaça (deve ser Assamassa), que trazia Bernardo Coutinho Pereira «…na ínsua à borda do rio, defronte das casas dele inquilino que ficam para cima da estrada do Porto e defronte do padrão do Ducado de Aveiro» (25). Este monumento relaciona‑se directamente com a designação Rua do Padrão, cuja denominação se enraíza a partir de meados do séc. XVIII, e será consequência de aí ter estado o padrão do Ducado de Aveiro, possivelmente removido após o atentado contra o Rei D. José I em 1758, onde participou o último Duque de Aveiro. A colocação do monumento naquele local explica‑se pelo facto de nas suas imediações, para Norte, começar o território pertença do Ducado de Aveiro nos Campos do Bolão(26). Embora não disponhamos de dados que o comprovem, não será de excluir a hipótese das peças se referirem a dois monumentos evocativos de situações distintas; o mais recente comemorando uma obra pública importante que se executou por conta da Câmara ou do Estado, talvez a construção ou reconstrução de uma ponte (existem referências à ponte do Padrão) ou estrada, enquanto que o mais antigo deve andar relacionado com obras que correram por conta do Ducado de Aveiro no âmbito territorial das propriedades que detinha nos Campos do Bolão. A história recente do monumento é algo turbulenta: reconstruído pelo Grupo de Arte e Arqueologia do Centro em 1981, seria destruído algum tempo depois devido à passagem de maquinaria agrícola. Em 2003 o Departamento de Cultura da C.M.C. recuperou‑o, mantendo o esquema de recuperação de 1981 bem como a lápide epigrafada de 1674, colocando‑o nas imediações do que restava de uma antiga ponte a vau. A 15 de Janeiro de 2004 foi inaugurado. O marco assinala o ponto em que se cruzam os limites territoriais de 3 freguesias do município de Coimbra: Santa Cruz, Trouxemil e Antuzede. O acesso faz‑se pela E. N. 111, passando o horto municipal, vira‑se à direita no caminho ladeado por cedros, atravessa‑se esse caminho, voltando‑se alguns metros à esquerda, logo se vislumbrando o monumento. Actualmente, os Campos do Bolão vivem uma importante fase de emparcelamento, tendo em vista uma melhor redistribuição das terras, maior mecanização e melhor rendimento agrícola. Uma palavra ainda para a importância da fauna e da flora dos Campos do Mondego. Na fauna encontramos indícios documentais da caça grossa, nomeadamente, a existência de lobos e ursos, hoje desaparecidos. Ao nível da caça miúda destacava‑se o coelho. No seguimento da deliberação camarária de 14 de Foto 6 – Marco do Bolão Setembro de 1987 procederam‑se a 19 expropriações



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nos Campos do Bolão e por utilidade pública, destinadas à construção de importantes melhoramentos da cidade e da freguesia. No seguimento desta decisão encontramos ao longo da E.N. 111 e na zona de Porto Santiago diversas infra‑estruturas: ‑ do lado esquerdo (no sentido Sul‑Norte) uma estação de serviço, a Academia Dolce Vita da AAC/OAF e o Centro de Estágio Habitacional de Coimbra. Este último, mais conhecido por Parque Nómada é uma importante estrutura social da região, totalmente financiada pela Câmara Municipal de Coimbra. Inaugurado a 17 de Fevereiro de 2004 promove a integração social de famílias nómadas e tem capacidade para 11 famílias (acompanhadas em permanência por um técnico de Segurança Social, um Psicólogo e um animador sócio‑cultural), tendo beneficiado desde a sua criação 22 famílias. ‑ do lado oposto temos o Centro de Exames de Condução do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (I.P.), bem como o novo Horto Municipal. 4. O Choupal No espaço outrora designado como «além do Arnado», hoje «além Ponte Açude», na margem direita do Mondego, desenha‑se uma mata com arvoredo visível de vários pontos da cidade e a vários quilómetros de distância. É o conhecidíssimo Choupal, uma mata nacional com 79 hectares de extensão, que ocupa parte do antigo leito e areais do Mondego. Compreende uma altitude média de 16 Mt, está classificada como Reserva Ecológica Nacional (REN) e encontra‑se sob administração do Instituto da Conservação da Natureza (ICN). O acesso principal ao espaço é feito pela entrada Norte, a partir da Estrada Nacional Nº 111 que liga Coimbra a Figueira da Foz. Uma parte da mata situa‑se na Freguesia de Santa Cruz, a restante na de S. Martinho do Bispo. A mata relaciona‑se, intimamente, com o Rio Mondego, estando localizada, precisamente, entre o Rio Velho e o novo leito. Relembre‑se que até aos finais do séc. XVIII o Mondego corria a Norte do actual espaço, no leito hoje abandonado e que ficou conhecido como “Rio Velho”. Ao ser ordenado, por alvará de 28 de Março de 1791, um novo encanamento do rio, fizeram‑se extensas plantações nos areais, assim se formando uma mata fertilíssima devido à deposição de sedimentos que as cheias arrastavam. Na campanha de plantação, que visava a fixação dos terrenos marginais utilizaram‑se diversas espécies «…entre as quais, o Choupo (Populus nigra). Esta espécie, de rápido crescimento, e exigente em água e luz, encontrou aqui as condições ideais para se desenvolver, tendo dominado a paisagem e, pela sua abundância e preponderância, veio a dar o nome, então, Mata de Coimbra que passava, assim, a designar‑se por Mata do Choupal» (27). Ao longo dos tempos a Mata do Choupal passou a desempenhar outras funções para além da fixação dos terrenos marginais mondeguinos: repartir as águas do Mondego, quando em leito de cheia, trabalho feito através dos das valas da mata, que conduzem a água em excesso para o Rio Velho, diminuindo‑lhe o caudal; outra função resultou do



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Foto 7 – A Nora em pleno funcionamento num Verão dos anos 50 junto ao Choupal

crescimento do arboreto, que tornou a mata um local muito procurado para actividades de recreio, lazer e desporto; uma quarta função resulta da gestão do ICN, com o Choupal a tornar‑se espaço de sensibilização e educação ambiental. A mata, acessível a pé, é cruzada por diversas estradas ou ruas, a maioria das quais em terra batida. Convida a um extraordinário passeio, na medida em tanto a flora como a fauna são de grande riqueza. De facto, por ela se percorre uma floresta densa, formada de eucaliptos, álamos, choupos, salgueiros, plátanos, loureiros, e outras espécies em menor número. Em particular destacam‑se as árvores de grande porte e as árvores exóticas. No primeiro caso temos os plátanos junto à actual entrada principal, e pelo interior dois grandes freixos, três adernos, muitos lódãos e, sobretudo, os vários eucaliptos de diferentes espécies. No segundo caso será de realçar a canforeira, a sequóia junto ao Parque de Merendas, um teixo da china, um jacarandá‑amarelo e, perto da cerca da sede da Delegação do ICN, está uma espécie de podocarpo que não se conhece em qualquer outro parque de Portugal. Também se regista a presença de muitas árvores de espécies autóctones como medronheiros, loureiros, plátano‑bastardo, freixos e adernos. A esta riqueza dendrológica devemos acrescentar as 65 espécies de aves identificadas. Entre estas é de realçar a importante colónia nidificante urbana de milhafre negro, a presença da garça‑real, da garça vermelha, da galinha de água, do mergulhão, do pato‑real e do guarda‑rios. Do ecossistema faz parte uma diversidade considerável de mamíferos como a raposa, o ouriço‑cacheiro, o javali, o coelho. Detectam‑se ainda morcegos, alguns répteis e batráquios. Dali acede‑se facilmente ao Mondego entrevendo‑se ao longe a cidade. O Choupal, «verdadeiro ponto de encontro dos conimbricenses», sofreria importantes obras no pós 25 de Abril. De facto, por colaboração entre a Delegação de Coimbra da



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Direcção Geral de Desportos e a Câmara Municipal definiu‑se nos inícios de Janeiro de 1979 três intervenções tendentes a dar ao Choupal um condigno equipamento sócio‑desportivo: «Pimeira – Acabamento dos balneários (…) Segunda – Preparação da faixa de terreno que se situa entre a Casa Abrigo e o Parque Infantil, para onde se deslocarão os campos de voleibol e badminton (…) Terceira – construção de dois campos de ténis na zona que fica a nascente do polivalente desportivo» (28). Com as obras de aproveitamento do Mondego o Choupal sofreria um rude golpe então denunciado pelo parecer apresentado ao município, em 17 de Maio de 1982, pelo Dr. Jorge de Alarcão, emitido pelo Conselho Municipal de Salvaguarda do Património Arquitectónico e Paisagístico: 1. O Choupal constitui uma zona verde a proteger e salvaguardar, quer pelo seu valor paisagístico, quer por constituir zona de recreio, quer ainda por razões de equilíbrio ecológico. 2. Os danos ultimamente verificados no Choupal parecem ser menores do que os apontados em alguns artigos de imprensa. São todavia indiscutíveis e parecem resultar de extracções de areia, da estiagem dos últimos anos e, ao mesmo tempo, de uma ocupação humana demasiada, em grande parte provocada pelo aproveitamento da zona verde como área desportiva.

Foto 8 – Aguadeiras no Choupal, 1900



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Foto 9 – A zona de lazer do Choupal

3. Torna‑se, por conseguinte, necessário examinar cuidadosamente os planos de implantação de novas áreas desportivas (…) 4. O abaixamento do lençol freático provocará certamente consideráveis danos na cobertura vegetal, em qualquer dos seu andares. Tais danos poderão ser minimizados se se mantiverem algumas das valas existentes e se criarem novos valeiros. Deverão ser estudadas pelos Serviços competentes as soluções necessárias e viáveis (…) 5. O traçado do canal de rega presentemente proposto parece ser o mais conveniente, quer porque permite a irrigação considerada no ponto anterior, quer porque constitui de algum modo uma protecção envolvente da mata, quer ainda porque não corta a relação da mata com o rio, o que sucedia no traçado anteriormente proposto. 6. O perfil e dimensões do dique marginal parecem também melhores do que os inicialmente propostos. É óbvio que o dique terá um efeito negativo na paisagem» (29). O interior da mata alberga, actualmente, importantes infra‑estruturas: uma área desportiva com campos destinados à prática de várias modalidades, tais como; ténis, badmington e basquetebol; um parque de merendas equipado com 23 mesas apoiado por bar, pontos de água e grelhador; uma mostra de plantas aromáticas e medicinais a campo aberto, instrumentos tradicionais de elevar água, outrora vulgares no baixo‑Mondego; um borboletário e um circuito vida aquática, onde é possível observar e aprender um pouco mais sobre os ecossistemas associados à vida aquática. O Choupal dispõe ainda de um



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I – O Meio Físico e a Paisagem

serviço de visitas guiadas e sessões temáticas promovidas pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (que tem ali a sua sede regional). Imortalizado na pena de inúmeros poetas e cantado pelo fado de Coimbra, a frondosa mata foi, desde a sua formação, um dos passeios favoritos da Academia, servindo ainda para eventos escolares, festas religiosas e cívicas. Refúgio dos namorados, não raras vezes ali acorrem para simples passeio e visita a população mais idosa. Aos fins‑de‑semana é animado, sobretudo, pelos desportistas e pelas famílias que encontram ali um raro espaço muito aprazível para relaxar, merendar, passear, conviver. O visitante, muitas vezes atraído pela necessidade de repouso e meditação encontra ali um ambiente saudável: o aroma cruzado dos eucaliptos, laranjais e acácias, o gorjeio e chilrear de rouxinóis, pintassilgos, cotovias, pardais e sempre constante, o murmúrio das águas do Mondego. É uma referência obrigatória da Cidade de Coimbra. Actualmente toda a zona envolvente ao Choupal tem suscitado amplo debate devido a obras públicas de previsível grande impacto social; o atravessamento do rio Mondego pelo TGV através de túnel ou viaduto; a construção de uma estação intermodal 500 metros para Norte da actual Estação Velha, a construção de uma nova ponte sobre o Mondego a jusante da actual ponte açude no âmbito do troço do IC2 (Coimbra‑Oliveira de Azeméis). Perto do Choupal, e seguindo a estrada do campo, do lado direito da vala de rega localiza‑se o Centro Municipal de Protecção Animal e a Estação de Tratamento de Águas Residuais do Choupal. Mais adiante e perto da entrada Poente do Choupal temos o Centro Hípico de Coimbra (localizado já na Freguesia de S. Martinho do Bispo). Ó choupo magro e velhinho, Corcundinha, todo aos nós, És tal qual meu avozinho: Falta-te apenas a voz. Fui plantar o teu cabelo Entre os choupos, no Choupal, E nasceu, anda lá vê-lo, Um choupinho tal e qual. Ó boca dos meus desejos Onde o padre não pôs sal, São morangos os teus beijos, Melhores que os do Choupal! António Nobre, Só



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Foto 10 – Um comboio de outros tempos na ponte de ferro do choupal, meados do século XX

Foto 11 – A ponte do Modesto nos finais dos anos 30, princípio dos anos 40, séc. XX.



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Notas

1. A. Campar de Almeida, A. Ferreira Soares; Lúcio Cunha; J. Fonseca Marques - «Proémio ao estudo do Baixo Mondego» In Rev. Biblos, Vol. LXVI, 1990, P. 23. 2. P. 44, 3. P. 48- 49. 4. Manuel Dias Baptista – «Ensaio de uma descrição física e económica de Coimbra e seus arredores» In Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, T. I, Lisboa, 1990, P. 209. 5. A. Ferreira Soares; J. Fonseca Marques, R. B. Rocha - «Contribuição para o conhecimento Geológico de Coimbra» In Memórias e Notícias, Museu Laboratório Mineral de Geologia, Universidade de Coimbra, Nº 100, 1985, P. 57. 6. Id. P. 65. 7. Anais do Município, 1920-1939, Pp. 86, 332-333 8. Mário Nunes – «O Mondego na senda do mar» In Diário de Coimbra, Domingo, 15 de Abril de 2007, P. 22 9. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 17 10. M. da Cruz Pereira Coutinho ‑ «Breves Reflexões Historicas sobre a navegação do Mondego, e Cultura dos Campos de Coimbra» In O Instituto, Segundo Volume, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1854, P. 68 11. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 174 12. Estêvão Cabral – «Memória sobre os danos do Mondego no Campo de Coimbra, e seu remédio» In Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal e suas conquistas (1789‑1815), T. III, 1991, Pp. 153‑157. 13. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac‑similada, Almedina, 1996, P. 91 14. Domingos Vandelli ‑ «Memória sobre o encanamento do Rio Mondego», 1790 In Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal e suas conquistas (1789‑1815), T. III, 1991, P. 13 15. M. da Cruz Pereira Coutinho ‑ «Breves Reflexões Historicas sobre a navegação do Mondego, e Cultura dos Campos de Coimbra» In O Instituto, Segundo Volume, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1854, P. 100 16. Domingos Vandelli ‑ «Memória sobre o encanamento do Rio Mondego», 1790 In Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal e suas conquistas (1789‑1815), T. III, 1991, P. 18



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17. A lista completa sobre os diplomas foi publicada por Manuel da Silva Gaio em 1923 (P. 27), no artigo que adiante se citará. 18. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, Pp. 145‑146 19. Id. P. 150 20. Manuel da Silva Gaio ‑ «José de Seabra da Silva e o encanamento do Mondego: nota histórica das medidas adoptadas sobre o assunto» In Arquivo Coimbrão, Vol. I, Boletim da Biblioteca Municipal, Dr. José Pinto Loureiro, Coimbra, 1923, P. 41 21. A.H.M.C. – Mapa das Obras Municipais, 1851‑1877 22. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 388 23. Id. Pp. 418 e 420 24. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 287, Fl. 14‑15 25. Terra própria do rei ou do património real. 26. Já estudado em: João Pinho – Botão Mil anos de história(s), Coimbra, 2002, Pp. 71‑79. 27. Maria Helena Cruz Coelho ‑ O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, Vol. 1 Estudos Gerais, Série Universitária, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª Edição, 1989, Pp. 121‑123. 28. Id. P. 144 29. Fernando Falcão Machado ‑ «O Mapa dos direitos do foral de Coimbra em 1824» In O Instituto, Vol. 90º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1936, P. 142 30. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 164 31. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 57 32. José Pinto Loureiro ‑ Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 160 33. Vide João Carlos Santos Pinho – Freguesia de Eiras – A Sua História (Do século décimo ao séc. XXI), Junta de Freguesia de Eiras, Eiras‑Coimbra, 2008, Pp. 114‑120 34. Mata Nacional do Choupal, Guia do Visitante, Instituto da Conservação da Natureza, P. 3. 35. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 271, Fl. 25 36. Id. Nº 286, Fls. 40‑46v.



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II – Evolução Paroquial, Administrativa e Social

II – EVOLUÇÃO PAROQUIAL, ADMINISTRATIVA E SOCIAL

1. O território: da repartição à unificação religiosa e civil 1.1. As antigas sedes paroquiais de Santa Cruz, Santa Justa e da Pedrulha As origens da Freguesia de Santa Cruz relacionam‑se intimamente com as formas de administração eclesiástica do seu território, mais propriamente com a criação de paróquias. O conceito de paróquia foi definido no Decretum de Gratiano, no séc. XII. A paróquia distinguia‑se das outras igrejas pela prerrogativa do baptismo, que só o Bispo podia conceder. A este direito associava‑se a recepção da décima, que desde os concílios da época carolíngia e com Pascal II (1099‑1118) se vinha recomendando obrigatório. Nas paróquias estabelecia‑se um vínculo entre a igreja e os seus fiéis. Ao clérigo (pároco) cabia a tarefa de administrat os sacramentos, pregar a palavra de Deus, dará sepultura aos defuntos enquanto que os fiéis se obrigavam à participação nos actos litúrgicos no espaço em volta da sua igreja. Até ao século XIX a actual área da Freguesia de Santa Cruz compreendia a existência de 3 freguesias ou paróquias religiosas distintas: a Freguesia de S. João de Santa Cruz, com sede na igreja paroquial que tinha por orago S. João Baptista, a Freguesia de Santa Justa com o título de Priorado e sedeada na igreja do mesmo nome, e a Freguesia de Nossa Senhora da Visitação com sede paroquial na Igreja Matriz da Pedrulha. A mais antiga seria a de Santa Justa, na medida em que já existia quando a de Santa Cruz foi criada. A primitiva igreja e mosteiro de Santa Justa (a antiga) localizavam‑se no antigo arrabalde e ocupavam o centro da zona a Norte da antiga runa ou ribeiro que drenava o vale de Santa Cruz ou seja; dispunha‑se no sentido Noroeste‑Sudeste no actual Terreiro da Erva, cuja área corresponderá, grosso modo ao corpo da antiga igreja. A 04 de Fevereiro de 1102 o bispo de Coimbra doa a Igreja de Santa Justa ao mosteiro de Santa Maria da Caridade (Charité‑sur‑Loire) para hospício dos cluniacenses. A igreja conservou‑se unida ao mosteiro de Rates que era também do dominio de la Charité sendo no entanto «…desconhecido o tempo em que ficou independente de S. Maria da Caridade e de Rates, havendo pelo menos referências à intervenção daquela no séc. XIII e à dependência desta no séc. XVI» (1).



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A igreja, que já existia no séc. XII sofreu na época afonsina uma inteira restauração – igreja, claustro e construções anexas – obra mandada fazer pelo presbítero Rodrigo, cujo epitáfio testemunha o facto (está hoje conservado no Museu Machado de Castro, tal como um pequeno capitel e uma base encontrados em 1936). Da igreja restam hoje a capela‑mor e a capela da epístola meias soterradas no local, que até há bem pouco tempo serviram de loja de acessórios para automóveis, e assentando no extradorso das abóbadas casas de habitação. Vestígios que pertencem a uma nova reforma, datada dos finais do séc. XIII, inícios do XIV. A Capela‑Mor pelo que é dado ver era de plano rectangular, de abóbada de canhão quebrado, dividida em dois tramos por arco toral de secção quadrangular. A abisíola tem um só tramo com abóbada semelhante. A Igreja de Santa Justa a Velha teria três naves e três absides, com a Capela Mor da invocação do Espírito Santo ou Trindade. Diversas capelas existiam sob as suas naves de madeira: do evangelho tinhamos a Capela da Conceição que dava o nome à nave, a Capela de Nossa Senhora da Graça e, ao fundo a pia baptismal. Do lado da epístola ficava a Capela do Santo Cristo ou de Jesus, que dava o nome à nave, onde se encontrava a célebre imagem milagrosa do crucificado que hoje se vê no altar mor da nova igreja na

Mapa do século XVII com os limites das freguesias da cidade: a cinzento escuro a freguesia de Santa Cruz e, a amarelo, a freguesia de Santa Justa (gentilmente cedido pelo Instituto Geográfico do Exército)

Rua da Sofia. Esta nave abrigava ainda as capelas de S. João, a de S. Leonardo e a Capela das Almas ou Fiéis de Deus. A porta principal ficava no enfiamento da nave do meio e no interior existiam ainda as capelas de Santo Aleixo e de S. Sebastião. O claustro ficava na direcção do Mondego, tinha uma porta para a rua e nele ou perto ficava o celeiro (2). Os documentos confirmam a antiguidade do templo desaparecido. Um documento de 3 de Dezembro de 1098 que refere a venda feita pela Sé de Coimbra a Abdalá Ibn Soleima e a sua mulher Maria Anes de uma vinha fazem‑na confrontar com a estrada que partia de S. Justa (3). Documentos de anos posteriores referem a existência de proprie-



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dades agrícolas na zona envolvente da igreja. Tal é o caso do documento que se presume ser do ano 1180 e que diz respeito aos bens usurpados e posteriormente restituídos à Sé de Coimbra, graças aos esforços do bispo D. Miguel Salomão, grande benfeitor da referida Sé e da igreja de S. João de Almedina. Ali se refere uma propriedade junto a Santa Justa (4). Cada uma destas unidades de administração religiosa possuía uma área definida sujeita à autoridade do pároco. Da sua actividade independente conservam‑se, no Arquivo da Universidade de Coimbra, os antigos livros de registos paroquiais (Baptismos, Casamentos, Óbitos). À Freguesia de Santa Justa pertenciam três capelas da baixa todas já desaparecidas: «A do Senhor do Arenado junto ao Rio, a qual he admnistrada pello [P. 2394] Provedor da Comarca = A do Senhor dos Oleiros junto ao Rio administrada pellos devotos = A de Santa Margarida a qual pertence ao Collegio de S. Bernardo» (5). Dentro do seu território localizavam‑se, ainda, o Tribunal do Santo Oficio (no Pátio da Inquisição) e o Hospital dos Lázaros. Dados que se extraem do Dicionário Geográfico de 1758, redigidos pelo Prior de S. Tiago, Antonio da Costa Pacheco, o qual estimava a população da freguesia em 1500 pessoas e 350 fogos. Uma das mais acesas polémicas de que encontramos registo envolvendo esta freguesia tem como pomo da discórdia o Cabeção das Sisas de Eiras, cujo domínio fiscal penetrava no tecido urbano, em prejuízo dos cofres municipais. Em 1653 os mesteres da mesa opõem‑se a que as transacções efectuadas portas a dentro, desde Santa Cruz a Santa Margarida paguem sisa à Vila de Eiras (6). De nada valerá o protesto, pois naquele tempo o poder do Concelho de Eiras era imenso. De facto, em 1775 o Cabeção de Eiras invade a cidade e passa a integrar toda a freguesia urbana de Santa Justa, desmembrada havia 30 anos do cabeção da cidade. Na altura a freguesia era apetecível em termos fiscais; estava muito povoada e nela estavam sedeadas importantes instituições nomeadamente 6 colégios universitários e o Tribunal da Inquisição, além de muitas casas e propriedades. O caso deu que falar até porque a contribuição fiscal da Vila de Eiras era reduzida atendendo à sua vastidão territorial que compreendia 8 a 10 léguas em seu redor. A Cidade protestará contra esta situação junto das Cortes de 1641, 1642 e 1775, pedindo repetidamente que o Cabeção das Sisas da Vila de Eiras seja unido ao da cidade. É conhecida a resposta, em tom de revolta e injustiça, que a Câmara da Cidade enviou ao rei a 2 de Setembro de 1775, sobre a questão das sisas: «Daqui se fás sertã a grande diferença e disparidade que se dá entre hum e outro Cabeção: o de Coimbra tão piqueno e tão limitado em parte ussurpado pello de Eyras, em parte ocupado pellos Colégios dos regulares e pello Cabbido da Sé Cathedral pagando tão grande e excessiva quantia que por se não poder haver toda antes ser impossivel haversse das Compras e Vendas, pellas razoens expostas, e suporta e paga o pobre povo todos os annos pellos seus próprios beñs. O de Eyras tão grande e tão dilatado ocupando a mayor e melhor parte de hú tão bello pois qual hé o desta Cidade com tanta immenssidade



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de quintas, ortas, olivays, e Campos, pagando tão pouco de que rezulta todos os annos haver hua tão grande e tão avultada quantidade deste acrecimos, Sobejos que delles tem feitto V. Magestade muitas merçes para muitas obras…» (7). Apesar desta injustiça o Cabeção de Eiras permanecerá intocável até à extinção concelhia. A Igreja Paroquial de Santa Justa (tanto a velha como a nova) constituía‑se numa colegiada de 12 beneficiados que recebiam anualmente côngruas de cerca de 40$000 reis. Esta colegiada existente desde 1380 foi extinta por Decreto de 27 de Dezembro de 1849 passando os seus bens para o Seminário (8). As referências à Paróquia de Santa Cruz são muito antigas. A mais antiga consta da escritura de doação da almuinha régia – almunia Regis ‑ feita por D. Afonso Henriques aos cónegos de Santa Cruz em Setembro de 1137 (9). Na realidade o documento refere a existência de 2 almuinhas, separadas por um «muro de poço», sendo uma delas designada por «almuinha fundeira ou de baixo», surgindo ambas perfeitamente identificadas na carta de demarcação da paróquia datada de 1139.

A escritura da demarcação da Paróquia de Santa Cruz (Junho 1139) «Do lado sul, termina na encosta dos Judeus, descendo pela casa de Gonçalo Transverso até à de Gonçalo Golias, e pelo almocávar dos Judeus até à almuinha do Rei. Compreende toda esta almuinha com seus termos antigos e suas antigas paredes, tal como o rei a deu ao mosteiro de Santa Cruz. Fica compreendida também a propriedade que foi de Salvador Soleimás e agora é de Santa Cruz, no fim da almuinha do Rei, a sul. Chega o termo até à outra almuinha do Rei e aí termina a ocidente. Pelo norte, porém, e partindo do oriente, o termo desce pelo caminho antigo que vem do pombal de Pedro Alpoim, pelo forno, até à porta mourisca e, à porta mourisca, abrange a propriedade de Martinho (ou Martim) Alfarde. Chega à torrente dos Banhos Régios e daí desce à segunda citada almuinha do Rei, mais abaixo. Aí acaba, a ocidente, o limite que vem do lado norte. Do lado nascente, sobe do dito pombal pela escarpa de Montarroio até à vinha de Pedro Alpoim que agora é do mosteiro de Santa Cruz. Daí sai até próximo da Fonte dos Judeus, de onde segue a direito, para oriente, na direcção da muralha da cidade. Aí termina, adiante da Porta Nova. A via dos Judeus separa tudo quanto fica até Gonçalo Transverso». [In Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. 168-169]

Naquele documento, tanto as rendas dos prédios da almuinha como as herdades de Eiras e da Azenha de Matelas, pretendiam garantir as despesas do culto e da manutenção da igreja paroquial e não a instalação do Mosteiro de Santa Cruz. Sabemo‑lo porque uma das testemunhas das inquirições de 1200 testemunhou que «…quando os frades de Santa Cruz edificaram a capela de S. João, à qual o rei, nosso Senhor, deu sua almuinha para que fizessem a paróquia» (10). Por mandado de D. Afonso Henriques, a paróquia de Santa Cruz de Coimbra foi, efectivamente, demarcada com grande rigor em 1139 (11).



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De facto, em Junho de 1139 o território da Paróquia de Santa Cruz foi delimitado, recebendo o nome de S. João Baptista, que ficava como orago e a capela, ao lado da igreja canonical, ficava a ser a sede ou matriz paroquial. O novo espaço paroquial ficava em redor do espaço monástico, entre as antigas paróquias de S. Tiago e Santa Justa que foram significativamente diminuídas, abrangendo as áreas da antiga almuinha régia doado ao mosteiro por Afonso Henriques em Setembro de 1137, especificando‑se já nesse diploma que os habitantes da almuinha sempre pertencessem à Igreja de Santa Cruz, a quem fielmente deviam pagar dizímas e primícias. A nova instituição paroquial derivava de uma acção concertada: desde logo por resultar de um mandado do infante Afonso Henriques que assim protegia o seu mosteiro na fundação da primeira paróquia urbana dos Regrantes, a que se associaram o conhecido D. João Peculiar (recém‑chegado da Cúria Romana e da participação no II Concílio de Latrão em Abril de 1139); do Bispo de Coimbra, D. Bernardo, de magnates da Cúria Condal, do juiz e alguns cidadãos de Coimbra. Esta demarcação sugere‑nos algumas reflexões. Em primeiro lugar é de assinalar a sua precocidade, se atendermos à independência do Reino de Portugal, oficialmente reconhecida apenas em 1143, ou seja, quatro anos decorridos sobre a demarcação. Por outro lado, importa referir que na cópia que da escritura se fez inserta no Livro Santo consta a data de 1137, o que talvez sugira a hipótese, com certa consistência, de a ideia de criar a paróquia tenha ocorrido a D. Teotónio e a D. Afonso Henriques nesse ano. Porém, demoradas negociações com a Sé e, quiçá, com as Igrejas de Santa Justa e S. Tiago (partes muito interessadas), terão conduzido o processo até 1139, data em que a paróquia foi demarcada e reconhecida oficialmente. Com a ajuda da microtoponimia, assinalada no documento, poderemos adiantar algumas hipóteses mais pormenorizadas da dita demarcação: ‑ A Sul, e dado que a casa de Gonçalo Transverso ficaria num ponto alto e dela se descia à almuinha do Rei, é possível que este individuo morasse na zona onde confluem, aproximadamente, as ruas da Fonte Nova, do Corpo de Deus e de Martins de Carvalho (ou das Figueirinhas); ‑ A Norte, e quando se refere a via antiqua, que traçava o limite da paróquia e descia do Pombal de Pedro Alpoim, por um forno, até à porta mourisca, talvez coincidisse com a actual Rua de Montarroio; já a porta mourisca, devia corresponder ao sitio onde mais tarde se edificou a torre dos sinos do mosteiro, antes de 1534, e que ruiu em 1935; o forno, junto da porta mourisca, poderia ser um forno de cal, que serviria as necessidades do arrabalde e as da Igreja de Santa Cruz que se vinha construindo desde 1131; ‑ A Oriente (Este) temos as indicações mais imprecisas: a paróquia incluiria o que então se designava por Ribela, ou parte dessa área, compreendendo parte da actual Avenida Sá da Bandeira; o seu limite corria até às imediações da Fonte dos Judeus, seguindo a direito na direcção da muralha, terminando acima da Porta Nova. Esta fonte ficaria do lado de Montarroio, provavelmente acima da fonte inserta hoje no muro da Escola Secundária Jaime Cortesão;



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

‑ Uma palavra ainda para a «torrente dos Banhos Régios», que mais não era do que uma linha de água, um ribeiro, que corria pelo vale de falha onde hoje se situam a Avenida Sá da Bandeira e a Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes. O nome vem‑lhe de uns banhos públicos que nesse tempo ali existiam e que D. Afonso Henriques doou para instalação do Mosteiro de Santa Cruz. Esta linha de água seguia pelas ruas da Moeda e Direita, desembocando no Rio Mondego no porto fluvial, que ainda hoje se designa por Porto dos Oleiros. Desde o século XII que o troço deste ribeiro, entre a Praça Oito de Maio e o rio era conhecido pelo nome de runa. Esta ribeira ou um caminho que corria paralelo seria o limite entre as freguesias de Santa Cruz e Santa Justa.

A DEMARCAÇÃO DA FREGUESIA DE SANTA CRUZ EM 1567 [E O TELHEIRO DE JOÃO DE RUÃO] «…a freguesia da dita Se parte com a de Santa Cruz q aliàs se chama de São João per hû muro antigo do qual parte delle estaua ainda em pee q se rompeo pera se fazer a Rua q ora vai das casas e pateo do Daião pera Santa Cruz e começa o dito muro q divide as ditas freguesias no meo da dita rua q vai pera Santa Cruz e da outra parte q dece pera sobre a riba defronte da esquina das casas de João de Medeiros carpenteiro prazo do dito Mosteiro que fica dentro do dito muro por baxo das casas do dito João de Medeiros pólo meo d’hû quintal q ora traz o conego fr.co diz antre as ditas casas de João de Medeiros e as da China pola banda da Rua q vai pera sobre a riba no qual chão no meo do dito muro se pora outro marco e dahi vai cortando por as costas das ditas casas da china a boca da cisterna das casas do dito fr.co diz e dahi por o muro ate a esquina da torre da Madanela que soia ser torre dos sinos de Santa Cruz. De modo q do dito muro pera dentro da banda da dita torre hee freguesia do dito Mostr.º posto q nas ditas casas de João de Medeiros ou pedaço do quintal do dito fr.co diz se abrão portas pera a dita rua de sobre a Riba a qual he de hûa banda e da outra tudo o mais he freguesia da See E tornando ao dito cunhal q está no meio das ditas ruas parte mais a dita freguesia de Santa Cruz pólo muro q vai ao longo da Rua do hospital de São Marco e entesta nas casas q foráo de fr.co lobo e dahi vai pera baxo a torre derribada abaxo do telheiro de João de Ruão e deste muro e demarcação pera dentro todas as casas feitas e q se fizerem serão freguesia de santa cruz. E porem mudandose as serventias das casas q estão feitas ou se fizerem defronte do asento de João de Ruão pera a dita rua de São Marcos sobre o dito muro em tal caso ficarão freguesia da See, como tambem ficarão freguesia de Santa Cruz todas as casas q estão na rua q vai por sobre a riba mudandose a serventia dellas daquella banda de João de Med.ros pera tras caindo do muro para dentro da banda da freguesia de Santa Cruz (…) E quanto aas demarcações das mais propriedades do aro resios e olivais da cidade assentarão q todas as propriedades olivais vinhas e de qualquer outra qualidade q forem prazo do dito Mostr.º de Santa Cruz sendo caso q nellas se fação casas moradas q ficassem da freguesia de Santa Cruz e todas as mais casas q não fosem feitas em prazo do dito mostr.º e se fizessem em propriedades proprias ou doutros quaisquer sñorios ou no aro e resios da cidade e sombra dos olivais ficassem freguesia da Sé por este ser o custume uzado e praticado». [«A demarcação da Freguesia de Santa Cruz em 1567 e o telheiro de João de Ruão» In Arte e Arqueologia, Vol. I, Imprensa da Universidade, 1932, Pp. 228-229]



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O espaço delimitado em 1139 não ficaria como o limite definitivo da jurisdicção paroquial do mosteiro. Documentação posterior parece apontar que a Paróquia de Santa Cruz foi sendo alargada ao longo do séc. XII, à custa, uma vez mais, de áreas das paróquias de Santa Justa e S.Tiago: ‑ Em 1143 procedeu‑se ao primeiro alargamento, quando o Cardeal Guido visitou Coimbra, contando novamente com a colaboração de D. João Peculiar. ‑ Uma das mais relevantes foi a redemarcação feita no tempo do Bispo D. João Anaia, entre 1148 e 1154. O facto vem referido pelas testemunhas da inquirição de 1200 que declaram que os frades de Santa Cruz haviam tomado 93 paroquianos a Santa Justa, com várias testemunhas a referirem a perda de paroquianos pela igreja de S. Tiago. Mais do que perder área territorial, as freguesias lamentariam a perda económica, o que se torna claro pela Bula de Inocêncio III de 26 de Novembro de 1198, a qual estima em 40 ou mais casas que os cónegos de Santa Cruz teriam adquirido intramuros, prejudicando a Sé, que delas recebia, anteriormente e de forma pacífica, os dízimos correspondentes. ‑ Antes de Setembro de 1157 o arcebispo de Braga e o Bispo de Coimbra procedem, por ordem do rei, a novo alargamento que o Papa Adriano IV viria a confirmar pela Bula de 8 de Setembro de 1157. ‑ Muito tempo depois, a antiga Freguesia de São João de Santa Cruz voltou a ser demarcada. Estávamos no ano de 1567 e o facto processou‑se na presença de procuradores e autoridades do Mosteiro de Santa Cruz, do Cabido e da Universidade. O documento, guardado na Torre do Tombo, mostra que a freguesia religiosa se dispunha em torno do velho mosteiro. O texto, lavrado com base nas informações prestadas por pessoas antigas, regista também o valor acrescentado de fazer referência à oficina ou «telheiro» de João de Ruão. O Mosteiro de Santa Cruz e a Freguesia de Santa Cruz são, perante os dados apresentado, dois factos indissociáveis. De facto, os Regrantes enraizariam pela via paroquial vindo a constituir «…ao longo da sua história, em ligação com o privilégio do Isento episcopal, também sucessivamente ampliado, a característica que havia de tornar mais conhecida a acção regrante colocando‑a, sistematicamente, em oposição ao poder episcopal a que, de certo modo, se propunha como desafio e ameaça de alternativa» (13). Na realidade a criação da paróquia de S. João (primeira a cargo dos Regrantes) e de outras até aos meados do Séc. XIII traria a Coimbra e sua região dois tipos de paróquias: as que dependiam do clero secular e as que ficavam sob orientação directa dos regrantes. Neste último caso incluía‑se a paróquia de S. João Baptista, enquanto que as paróquias de Santa Justa e da Pedrulha dependiam da Sé. Esta variedade, traduzida em diferentes expressões de espiritualidade e orientação espiritual levaria a inevitáveis litígios e conflitos entre o grande mosteiro e a Sé que a passagem do tempo acentuaria «…em especial devido à «fuga» de paroquianos para S. João de Santa Cruz, onde pediam sepultura e a quem começavam a fazer mais doações ou a beneficiar, prioritariamente, com testamentos. Tal situação, que se tornara grave em 1143, levou à convocação de um Sínodo em S. João de Almedina, no verão desse ano, presidido pelo Cardeal Guido Pisano, legado papal, em visita à Península Ibérica» (14).



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Sem surpresa, a Capela de S. João, sede da paróquia do mosteiro e posteriormente a sede do Isento, será a fonte de grandes polémicas entre os Regrantes e a Sé, pois estes reclamavam para si as Terças e outros direitos pontificiais. Vejamos como se resolveram alguns dos conflitos (15): ‑ No Compromisso ou Composição de 1252, mediado pelo Bispo D. Martinho de Évora, e pelo chantre da Sé de Coimbra estabeleceu‑se que: na capela a jurisdição é do Prior‑Mor do mosteiro, tendo o Bispo jurisdição episcopal sobre o clero não regrante e fiéis, mas não tendo nenhum direito sobre os bens temporais da mesma. ‑ Na Sentença Final de 1261, proferida pelo Bispo de Évora e Mestre João de Deus, arcediago da Sé de Lisboa decide‑se que os direitos da capela de S. João são do Prior, que poderá compelir os paroquianos com censuras. Volta a reconhecer‑se ao Bispo, algumas jurisdicções sobre o clero secular e fiéis. ‑ Compromisso de 23 de Maio de 1265, acorda‑se que os direitos paroquiais eram do Prior‑Mor, através dos clérigos que ele aí provia, embora o poder de ordem só o Bispo podia dar‑lho, tendo também direito de jurisdicção acerca do conhecimento das causas do clero e do povo. Em suma, percebe‑se que na Capela de S. João Baptista, sede da paróquia e do isento, o Prior Mor detinha o poder de jurisdicção, podendo compelir os seus paroquianos, através de censuras eclesiásticas ao cumprimento dos seus direitos ‑ recepção de dízimos, primícias, oblações, legados – não exercendo aí nenhum bispo qualquer direito temporal. Pelas inquirições de 1200 percebe‑se ainda que «…quando a paróquia de Santa Cruz aparece designada por “capela de S. João, nossa capela” e outras expressões em que entra o termo “capela”, nessa época já estava construído, anexo ao mosteiro, um pequeno edifício religioso para sede da freguesia e não se tratava de qualquer altar ou capela da igreja monástica, que se tivesse adscrito àquele fim – como se poderia presumir, e era e é de uso corrente, e normalmente acontece nas igrejas‑catedrais, e o direito canónico preceitua – pois que não só as denominações de todas as capelas da igreja românica nos são conhecidas como também certas presunções nos tinham levado a tal conclusão» ( 16). Aliás, o templo paroquial de Santa Cruz (sede da freguesia) teve as seguintes localizações: ‑ a já referida, que correspondia a um edifício românico, localizado ao Norte da igreja monástica conhecida como “capela lateral do Precursor”, no espaço hoje ocupado pela Capela Fúnebre. Serviu cumulativamente como capela das monjas, as Donas de Santa Cruz. Com a criação dos colégios crúzios e reforma universitária a capela foi adaptada a sala de aulas do colégio de Santo Agostinho ‑ o célebre geral de Santa Catarina. ‑ a da época joanina, com a supressão das Donas e passagem do culto para o novo edifício, antiga igreja, hoje café. ‑ Em 1834, com a extinção das ordens religiosas «…passou a sede da freguesia de S. João de Santa Cruz para o grande templo dos Cónegos Regrantes agostinianos, dando‑se ao pároco, para sua residência, uma pequena parte do mosteiro, contígua à fachada da igreja de Santa Cruz. Foi mais tarde essa residência demolida, quando se construiu o edifício do Paço municipal, na década de 70» (17).



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Importa também referir que na cronologia que medeia entras as duas localizações da sede da paróquia, pensou‑se em adaptar a Capela dos Mártires para ali se instalar «…a sede da matriz do isento crúzio, a de S. João Baptista de Santa Cruz, abandonando, assim, a outra, a do lado esquerdo, que ficaria exclusivamente afecta às Donas; as quais poucos anos a gozaram» (18). Assim se explicaria a reforma manuelina, com a passagem das relíquias dos Santos Mártires para os altares laterais ao arco‑cruzeiro tornando a capela devoluta e a criação de um acesso directo e independente a partir da rua. O território das paróquias de Santa Justa e de Santa Cruz não era contínuo. Além da área em torno da sua igreja pertenciam às respectivas paróquias territórios suburbanos sem continuidade territorial. O Lançamento da Contribuição Extraordinária de 1808, lançado pelo comandante das forças de ocupação napoleónicas com a nítida intenção de delapidar o património nacional, permite‑nos hoje saber a extensão das freguesias de Santa Cruz e Santa Justa pelos primórdios do séc. XIX. De facto, ao incidir sobre os «oficiais donos de loja aberta e lugares de venda nas praças públicas», definiu alguns pormenores sobre a organização administrativa de Coimbra e Termo. A cidade compreendia a existência de 9 freguesias, entre as quais se contavam: «São João de Santa Cruz: Para além das Ruas da Moeda, de Tinge‑Rodilhas, das Figueirinhas, do Corvo, da Gala, dos Sapateiros e das Padeiras, o Terreiro das Olarias e o lugar de Bordalo, para lá do Mondego. Santa Justa: Sediada na igreja do mesmo nome, englobava Santa Margarida, a Rua de Santa Sofia, Rua Direita, Rua de João Cabreira, Adro de Santa Justa, a Rua Nova e Mainça» (19). Ao longo dos tempos, a sede da paróquia de S. João de Santa Cruz, teve várias localizações. Primitivamente terá funcionado numa albergaria da almuinha régia, como se deduz do depoimento de Gonçalo Garcia, na inquirição de 1200: «…disse que numa albergaria que fica no sítio que se chama horto do rei erigiram altar e consagraram‑no ao padroeiro que escolheram para que fosse (sede da) sua paróquia» (20). Por albergaria não se deve compreender uma pousada para viajantes, mas antes um hospício, que terá precedido o hospital de Santa Cruz. A edificação de capela ou igreja própria terá ocorrido entre 1139 e 1167. Muito provavelmente seria a capela românica que mestre Boutaca remodelou nos inícios do séc. XVI e que então ia servindo, em simultâneo, como capela privativa do Mosteiro das Donas e de igreja paroquial. Do ponto de vista religioso, a jurisdição das paróquias citadinas englobava lugares do aro e dos arredores da cidade. Um facto que se colhe a partir do séc. XVI através da análise dos registos paroquiais (baptismos, casamentos e óbitos). No caso de Santa Cruz fazem parte: Marrocos, Ferro (Vale do Ferro?), Bordalo, Requeixada, Lavegada, Copeira, Arregaça, Outeiro, Orvieira, Silval, Coselhas, Ribeira de Coselhas, Adémia de Baixo, Antosede, Ateanha e as quintas de Simão Tavares, de Vale de Custas e a do Pombal «além do cano dos amores». Refiram‑se, ainda, que neste elenco está ausente a



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Pedrulha (então uma freguesia independente e uma comunidade concelhia autónoma) e que no decurso do séc. XVI a freguesia acabará por perder Antuzede. Ao contrário dos outros Cabidos ou Colegiadas da cidade, em que presidia o respectivo pároco com a denominação de Prior, a paróquia de S. João da Cruz não constituia um priorato, mas sim um curato, isento da jurisdição episcopal até 1834 e subordinado exclusivamente ao D. Prior Geral de Santa Cruz. Assim, no isento de Santa Cruz havia o pároco ou cura e 5 capelães, todos nomeados e sustentados pelo D. Prior Geral. Todas as colegiadas, com excepção do Cabido da Catedral foram extintas por Carta de Lei de 16 de Junho de 1848 e Decreto de 27 de Dezembro de 1849, com os bens e rendimentos das mesmas a serem aplicados na manutenção dos Seminários e sustentação do Clero. Por volta de 1567 e em face das novas construções celebrou‑se acordo entre as freguesia da Sé e de S. João de Santa Cruz estipulando‑se que as «casas moradas» que se fizessem nos prazos que não fossem dos crúzios pertenceriam, de acordo com o costume antigo à Freguesia da Sé (21). Santa Justa e Santa Cruz eram freguesias citadinas de Coimbra, de feição marcadamente terciária, sujeitando‑se a todas as deliberações ‑ fiscais, económicas e sociais ‑ que se relacionassem com a noção de Cidade, sede do Concelho e da Comarca, o mesmo acontecendo com Coselhas lugar integrado no aro citadino. Já a Pedrulha (freguesia e concelho) inseria‑se no Termo coimbrão, espaço dominantemente agrícola espraiado em torno da urbe coimbrã num raio de 20 a 30 Km, mas também dependente da cidade. Sobre esta dialéctica, entre a cidade e seu termo escutemos Sérgio Soares: «A característica fundamental da cidade, enquanto centro de dominação, define‑se pela existência de um espaço rural circundante sobre o qual a unidade urbana exerce o seu “império colónia”, que assume a forma de sonegação de riqueza, recrutamento de mão‑de‑obra, opressão burocrática, fiscal e militar, conjugando a supremacia da sua civilização material com a prevalência na esfera politica e administrativa. (…) Mas sobre o termo concelhio, mosaico e encruzilhada de jurisdições‑poderes muito diversos, que o é em superfície e profundidade, outros territórios se constroem e se moldam referenciados a diferentes autores e actores na intervenção exercida, que não apenas a autoridade do Município, também distintos pelo tipo de compromisso (dir‑se‑á obrigação) que estabelecem com os seus moradores, onde as linhas divisórias e de fractura são mais vincadas que no aro citadino» (22). No que toca às Sisas, o cabeção geral da cidade era repartido pelas freguesias incidindo as maiores fintas sobre as paróquias da Baixa. Na finta das sisas lançadas em 1567 e em 1599, por exemplo, Santa Cruz ocupava lugar de destaque pagando uma quota só superada pela mais populosa das freguesias urbanas; ‑ Santiago. Já Santa Justa ocupa o quarto lugar entre todas as freguesias urbanas e o último entre as que se localizavam na Baixa (23). Em termos militares S. João de Santa Cruz e Santa Justa eram, por volta de 1626, sedes de duas das quatro capitanias em que se dividia a cidade. Santa Justa conjuntamente com S. Bartolomeu e Santa Cruz em conjunto com S. Tiago. Na divisão da quantia de 29.333$33 reis que as cidade, freguesias do termo e vilas da comarca tiveram de pagar a



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18 de Maio de 1647 para as despesas da guerra conta‑se a Freguesia de S. João de Santa Cruz com 602$608 e a Freguesia de Santa Justa com 713$457 (24). Ao longo dos tempos a população da freguesia sofreu os efeitos das pestes e epidemias, algumas delas estacionais (Outono/Inverno) como a tuberculose e que ocupavam uma mancha topográfica localizada em plena baixa entre as ruas Direita, Louça, Moeda e Padeiras (25). Mortalidade que se acentua também no decurso do séc. XVI, com inicio por volta de 1553 e términus em 1570, efeito de calamidades diversas, naturais e económicas, que levaram à falta de pão. Por volta de 1557 a mortandade era já grande nas freguesias da cidade e, em Santa Justa «…começaram a manifestar‑se febres violentas que davam modorra. Desta freguesia passou às outras, dizimando as casas, tornando as ruas desertas» (26). 2. Progressos materiais: a relação freguesia‑município entre o século XVII e os meados do séc. XIX – a “Runa”, as estradas, as pontes Santa Cruz tal como Santa Justa eram freguesias citadinas, dependentes do município a vários níveis. Ao longo dos séculos nota‑se o esforço da Câmara em melhorar as condições de vida dos seus habitantes. A cidade, em termos higiénico‑sanitários, estava dotada de alguns sistemas técnicos que vinham da época medieval. Ao longo da encosta da cidade haviam‑se criado algumas bolsas de retenção de águas, misturadas com imundices e sujidades, que drenavam para alguns canais parcialmente subterrâneos e destes para as “runas” (fossas colectivas) que por sua vez conduziam os esgotos para o rio. Uma das mais conhecidas partia do antigo Terreiro de Sansão, atravessava as Olarias e corria paralela às ruas da Moeda e da Louça indo confluir com o Mondego no porto fluvial que ficaria conhecido como Porto dos Oleiros. A Runa foi ao longo dos tempos um elemento estruturante do urbanismo. Além deste sistema público, havia ainda as fossas privadas, simples cloacas ou latrinas. Frequentemente obstruídas com entulhamentos decorrentes de grandes chuvadas, seriam fonte inesgotável de problemas para o município, que os foi resolvendo como pôde. Em 1709 e, a título de exemplo, o corregedor ordenava a limpeza da runa de Sansão por estar entulhada de dejectos. Outras vezes havia culpados directos, os particulares: em 1720 «…Nicolau Carvalho metera no quintal de suas casas, ao fundo da Rua da Moeda, várias estacas de pinho e salgueiros e lançou terra na “runa” das Olarias, que por aí passava, retendo com entulhos o curso das águas, que, formando um “aquaduto” por baixo da sua habitação, assim favoreciam o seu arruinamento» (27); outra situação muito frequente resultava da utilização das suas águas para irrigação de hortas e quintais, tornando a runa lugar de despejo. Para obviar a estes factos, a edilidade promoveu exames e vistorias à vala da runa. Em 1770 a vereação chegou a criar uma postura intimando a não verter sujidades na runa das Olarias e a removerem todas as imundícies que a entupiam, lançadas no fundo da Rua da Moeda (28).



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

As vias de comunicação, elos fundamentais para unir as populações e garantia de maior rapidez na circulação de bens agrícolas, estiveram sob vigilância apertada da edilidade. Na maioria das vezes o problema derivava das condições climáticas, especialmente das cheias ou enxurradas; em correição de 1706, por estarem as estradas da Conchada e de Coselhas intransitáveis, ordena aos povos que abram nas margens das suas propriedades regos por onde a água possa seguir encanada. Alguns anos depois, em 1721, e no cumprimento de uma provisão régia, elementos do município deslocam‑se propositadamente à «…estrada pública que desde o Hospital de S. Lázaro seguia para o sítio do Loreto, onde acharam as testadas e os boeiros que desembocavam no rio mal limpos e entupidos, retendo a circulação das águas que galgavam para o caminho, pelo que condenam os moradores confinantes, compelindo‑os à sua limpeza» (29). As pontes, fundamentais na superação de linhas de água foram objecto de especial atenção. Entre elas, a ponte do Loreto, que dava acesso ao Campo do Bolão: em 1669 ordena‑se a reparação por ameaçar desabamento e, na correição de 1750, conclui‑se precisar de reparos urgentes declarando a Câmara, em Julho de 1751 e através de carta ao soberano «…como está de todo “inuadiauel” o caminho do Loreto, tanto no Inverno como no Verão, na sua maior parte desfeito, o arco da ponte aluído, e no fim dela está um “pego” profundo, pelo que é necessário aumentar a sua extensão. A ponte do Loreto também precisa que se lhe acrescentem 2 arcos a fim de se transpor o infausto “poço de Magalhães”, que é “passagem tam cruel” e de há 20 anos a esta parte nele se têm afogado mais de 20 pessoas» (30). A questão será resolvida de forma provisória, devido à escassez de recursos financeiros, com a instalação em 1756, de uma barca de passagem sobre o dito poço. A partir do Séc. XVII e pelos mais diversos motivos, são inúmeras as medidas tomadas pela edilidade para conservar os caminhos e ruas. Quase todas envolvem a aplicação ou reposição do empedrado, então uma marca de progresso: entre 1640 e 1672, o conserto e reposição do empedrado, pago com verbas do real de água, aplica‑se nos seguintes arruamentos: Rua da Figueira Velha, de João Cabreira, de Montarroio e Beco do Carmo (31); em 1659 a Câmara manda calcetar o beco que ligava a Rua da Moeda com Rua Direita, para evitar o despejo de dejectos; e, em 1747 e nos baixos da cidade, generaliza‑se um movimento de levantamento das calçadas desfeitas pelas águas invasivas do Mondego; em 1753 manda‑se altear e depois calcetar a Rua do Carmo. Todos estes esforços resolvem apenas situações pontuais. E, ao chegarmos aos meados do séc. XIX, a cidade e a freguesia apresentam escassez de vias de transporte terrestre. 3. A consequência das reformas liberais: o fim do Concelho da Pedrulha e a criação das juntas de paróquia Com base no decreto de 30 de Maio de 1834, que extinguia as ordens religiosas, a sede da paróquia de S. João de Santa Cruz foi transferida para a igreja do mosteiro abandonando a igreja do mesmo nome (actual Café Santa Cruz). O pároco também se



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mudaria, ficando a habitar num pequeno espaço do mosteiro. Na sessão do município de 17 de Dezembro de 1836 o presidente dava conta que para cumprimento da Portaria de 20 de Junho de 1834 cumpria «…marcar a igreja do extinto mosteiro para uso da freguesia de S. João, adindo‑lhe a Sacristia, casas denominadas da Cera (…) a Capela de S. Teotónio (…) igualmente servir‑se da Torre e utensílios para os sinais eclesiásticos. E que tudo seja entregue à Junta da Paróquia e pároco para uso e fruto da freguesia (…) Enquanto não se dá destino à Igreja de S. João fica à disposição da mesma Junta e pároco». Anote‑se neste particular, que não se destinou a Igreja de S. João de Santa Cruz, além de ficar colocada à disposição da Junta e respectivo pároco, o que estará na origem de graves desentendimentos. O aparecimento da junta de paróquia é uma consequência directa do liberalismo. Este órgão de administração local, “antepassado” da actual junta de freguesia, começou a ser esboçado com a lei de 25 de Abril de 1835, que além de definir para cada concelho um administrador, considerou poder existir em cada freguesia uma junta de paróquia eleita pelos seus habitantes (artº 6). No Foto 12 – Símbolo da Junta de Paróquia entanto, foi o decreto de 18 de Julho do mesmo ano que de Santa Cruz (final do século XIX) trouxe uma melhor clarificação do funcionamento desse e de outros órgãos administrativos. De facto aquele diploma promoveu a divisão administrativa do reino, figurando os distritos, subdivididos em concelhos e estes podendo ser compostos por uma ou mais freguesias (artº 1º, cap. 1º, Tit. 1º). Ao nível destas últimas funcionaria a Junta de Paróquia, composta por três membros nas freguesias com menos de 200 fogos, de cinco nas que tivessem entre 200 e 600 e de sete nas de 600 para cima. De acordo com a mesma lei e mapa anexo (nº 2) definiram‑se 17 distritos administrativos, compostos pelos antigos concelhos, figurando a Pedrulha como parte integrante do Distrito de Coimbra, o que marca a diluição da antiga autoridade concelhia na nova malha administrativa. Contudo, faltam‑nos os livros de actas tanto do concelho da Pedrulha como das actas das juntas de paróquia referidas e que tanto nos poderiam ajudar a esclarecer algumas situações. Pelo Código Administrativo de 1842 o país foi dividido em distritos, concelhos e paróquias, criando‑se na paróquia a figura do regedor, funcionando junto dele uma Junta de Paróquia, presidida pelo pároco. Assim, e por volta de 1850, funcionariam duas juntas de paróquia (32); Santa Cruz por um lado e Santa Justa unida com a Pedrulha, por outro. A comprovar a situação está o facto de aparecer em conjunto a designação da paróquia de «Santa Justa e Pedrulha» aquando da nomeação das justiças para 1854; os vogais Joaquim Jose Gonçalves Morim e Jose Coelho da Silva (33). O 1º Código Administrativo publicado pelo decreto de 31 de Dezembro de 1836, criou o cargo de regedor da paróquia (artº6º, cap. II, Tit. I). O regedor era um delegado do administrador do concelho, garante da ordem e respeito nas paróquias que superin-



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tendia, onde era auxiliado por cabos de ordem. Até à reforma das freguesias em 1854, as paróquias de Santa Justa e da Pedrulha teriam cada uma regedor próprio, conhecendo‑se o nome de alguns designados: para Santa Justa conhecem‑se Francisco Lizardo da Costa e Souza (em Fevereiro de 1841) e Jose Pereira da Costa Lima Grijó (em Janeiro de 1854), e para a Pedrulha Luiz Joaquim da Cunha (em Janeiro de 1854) (34). A já referida descontinuidade territorial da paróquia reflectia‑se também no número de fogos. Em 1854, nas vésperas do plano de arredondamento das freguesias abundavam os casos anómalos: dos 6 fogos do Almegue, 1 era paroquiado por Santa Justa; do pequeno povoado de Santo António dos Olivais 7 fogos eram de Santa Cruz; na povoação de Celas 2 fogos eram de Santa Cruz; em Santa Clara a Quinta das Lágrimas e 2 fogos no Rossio, eram da paróquia de Santa Cruz… Na realidade, aquilo que é hoje a Freguesia de Santa Cruz resulta em grande parte do «Plano de reducção, suppressão, arredondamento, e erecção de parochias na cidade de Coimbra e seus subúrbios», definido na Portaria de 25 de Novembro de 1854 (Decreto governamental de 20 do mesmo mês), expedida pela Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça. Tratou‑se de um trabalho conjunto da comissão nomeada pelo Arcebispo Bispo Conde de Coimbra, D. Manoel Correia Bastos Pina com o acordo do Governo Civil, autoridade superior administrativa do distrito. Este plano, que procurou obstar à descontinuidade paroquial, levou ao desaparecimento de cinco das nove freguesias que compunham a Cidade de Coimbra. A nova divisão e organização do território citadino ficaram expressas no artº 2 da dita portaria, que estabelecia as freguesias da Sé Catedral, da Sé Velha, de S. Bartolomeu e de Santa Cruz. O mesmo diploma criou, fora do perímetro da cidade, as freguesias de Santo António dos Olivais e de Santa Clara. No artº 3º deste diploma legal fez‑se a «circumscripção das quatro freguesias, dizendo‑se a propósito da Freguesia de Santa Cruz: «Principia no largo de Sansão, continua pela rua do Corvo, Terreiro da Fornalhinha, seguindo até ao Rio, pela azinhaga do Quintal do Marques, margem do Rio até à Memoria, cortando o choupal pelo rio velho até á Cruz do Bolão, Barraca de pau, estrada até á valla real de Eiras, margem esquerda d’esta estrada, Ponte dos Asnos, estrada real até ao arco pintado, onde atravessa a ponte, e segue pela Ribeira de Cozelhas até ao Promotor, estrada pelo rego de Bemfins, Conchada Mont’arroio, Fonte nova, seguindo pela rua das Figueirinhas, largo de Sansão, tudo à direita – Fica com 729 fogos» (35). Através deste diploma legal, Santa Cruz absorvia as antiquíssimas freguesias religiosas de Santa Justa e da Pedrulha, esta incluida dentro dos limites da primeira, depois da grande vaga de extinção dos concelhos existentes em Portugal, promovido pelo conhecido decreto de 6 de Novembro de 1836, de Passos Manuel, que suprimiu de uma assentada 455 concelhos. Extintas estas freguesias em Novembro de 1854 foram entregues à Junta de Freguesia de Santa Cruz os capitais pertencentes a N. S. da Conceição de Santa Justa e de N.º Sra. do Pé do Altar, bem como 200$00 da Capela do Senhor do Arnado (36). E ainda na sequência do plano de arredondamento, ficaria à frente das duas paróquias unidas (Santa Cruz e Santa Justa) o prior de Santa Justa.



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Novos desenvolvimentos ocorrem com o «Mappa da divisão parochial da Comarca de Coimbra», aprovada em sessão da Comissão Comarcã de 25 de Abril de 1865. Este documento é o resultado síntese dos trabalhos da Comissão de Arredondamento das Freguesias, que teve por fim uma nova divisão paroquial da Comarca de Coimbra derivada da criação das freguesias religiosas de Torres do Mondego e Arzila. No entanto, e para o caso de Santa Cruz não trouxe qualquer alteração entre o existente e o projectado. Como novidade está, contudo, a inclusão da Pedrulha como lugar da freguesia, onde também se assinalaram as povoações ou lugares de: Arco Pintado, Bairro Baixo de Coimbra, Choupal, Coselhas, Loreto, Monte Florido, Ponte d’Aguas de Maias e Rego de Bemfins (37). Além dos já referidos magistrados, Santa Cruz era ainda a sede (ou Distrito) de um Juiz de Paz, e tinha louvados informadores das congruas, informadores para a repartição da contribuição predial e vogais para o imposto de rendimento, todos eles nomeados pela Câmara Municipal. 3.1. Funcionamento, competências e decisões da Junta de Paróquia Como já tivemos oportunidade de referir não detectámos livros que registem a actividade da Junta de Paróquia de Santa Justa nem do antigo Concelho da Pedrulha. Sabemos pelos livros de actas das sessões da Câmara Municipal de Coimbra alguma da actividade da Junta de Paróquia de Santa Justa, de 1850 atè à sua união com Santa Cruz em 1854. As suas intervenções junto do município revelam já um órgão com preocupações não só religiosas mas também de administração de bens públicos e civis: a 17 de Agosto de 1850 pedindo «…para os passeios de asfalto a serem construídos, se prolonguem até à escadaria da Igreja de Santa Justa». E mesmo depois que em 1854 as freguesias de Santa Justa e Santa Cruz se uniram numa só e, presumivelmente, a da Pedrulha também, continuam a faltar os elementos documentais, tendo‑se conservado somente a cópia das actas das sessões da Junta de Paróquia de Santa Cruz, para o período entre 1886 e 1903, a que acrescem os assuntos levados por este órgão ao conhecimento da Câmara Municipal, órgão que anualmente lhe aprovava as contas. Como este registo diz respeito à freguesia de Santa Cruz no seu todo, Santa Justa e Pedrulha incluída, pareceu‑nos oportuno divulgar a actuação desse importante órgão local. O pároco é por inerência o Presidente da Junta de Paróquia. Em Janeiro operava‑se a eleição das magistraturas locais encarregues de dirigir a freguesia. Por volta de Agosto procedia a inventário das propriedades, títulos, valores e mais haveres. Assim, e por estes anos a Junta de Paróquia há‑de reunir na sede paroquial, ou seja; na Sacristia da Igreja Paroquial de São João de Santa Cruz (também designada por antiga Igreja de S. João das Donas) onde actualmente é o Café de Santa Cruz. No entanto e depois de se ter pensado em transformar a Casa da Barbaria em Casa das Sessões da Junta de Paróquia, o que foi ventilado na sessão de 6 de Dezembro de 1888, por não



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autorização do Director das Obras Públicas, a junta decide a 3 de Janeiro de 1889 «… mudar o local das suas sessões da Sachristia de Santa Cruz, para a casa chamada da arrecadação» (38), doravante a nova sede da paróquia. Em Fevereiro de 1915 o município autoriza a junta em estabelecer uma comunicação para a sua casa das sessões pela Rua Martins de Carvalho (39). Uma análise a esses registos mostra‑nos um órgão, como seria de esperar e de acordo com a lei, com competências ao nível da manutenção e conservação dos bens cultuais e aplicação dos costumes religiosos, mas sem intervenção ao nível dos equipamentos ou estruturais civis (estradas, caminhos, fontes) como uma moderna freguesia da actualidade. No centro das preocupações estará o templo de Santa Cruz. Na sessão do último dia do ano de 1858 o município aprecia uma reclamação da Junta de Paróquia de Santa Cruz «…contra o depósito de entulhos feito no adro da Igreja, entulhos que impedem a entrada na Igreja aos fieis, e conduz a água das chuvas para defronte da Igreja onde se forma um lago. Pede a construcção de um muro e escada que defenda o portal da Igreja» (40). Devido ao estado deplorável do mosteiro de Santa Cruz, quase abandono, o deputado José de Moraes Pinto de Almeida apresentou um projecto de lei na sessão de 24 de Janeiro de 1861 para que todos os anos fosse destinada a quantia de 1.500$000 rs para a conservação e reparos do templo. Assim, que em Coimbra constou a apresentação desse projecto a junta de paróquia de Santa Cruz dirigiu à Câmara dos Deputados uma representação pedindo a sua aprovação. Posto à discussão a medida seria aprovada por unanimidade, limitando a verba anual a 600.000 rs, como consta da Carta de Lei de 30 de Março de 1861. No entanto e como o tempo foi passando e ao fim de 13 anos apenas o órgão e telhados da igreja haviam sido objecto de intervenção, gastando‑se ¼ do previsto. Por esse motivo a junta de paróquia volta a representar ao governo apelando para os reparos indispensáveis (41). Joaquim Martins de Carvalho, director do jornal “O Conimbricense”, interessou‑se vivamente pelo restauro do templo, acompanhando com revolta os retrocessos do processo. Quando no seguimento de mais uma iniciativa em Lisboa do deputado pelo círculo de Coimbra, Conselheiro Joaquim Gonçalves Mamede, se conseguiu a aprovação de um orçamento, datado de Janeiro de 1873, para melhoramentos e reformas para o interior da igreja, que todavia cairia no esquecimento, dirá nas páginas do seu jornal: «Procedamos de maneira, que os viajantes estrangeiros que com frequência vem a Coimbra, e visitam desde logo o templo de Santa Cruz, não possam dizer indignados, ao ver as ruínas vergonhosas da friontaria daquelle bello edificio, e o estado deploravel em que se acha o seu interior, que no seculo XX encontraram na Europa um paiz de bárbaros!»42. O templo é também a grande preocupação na primeira reunião que detectámos do órgão paroquial, a 01 de Julho de 1886, se dá conta do empenhamento da junta em promover importantes obras de restauro, para o que contaria com o Governador Civil, que por volta do dia 18 do dito mês se desloca ao local para ver o estado de ruína «… louvando a Junta por alguns melhoramentos que tem realisado, e promettendo fazer, em



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prol da conservação da egreja de Santa Cruz e annexos, o que estivesse ao alcance da sua intelligencia» (43). Junta que será o intermediário entre o local, o regional e o nacional no que toca às obras de restauro do majestoso templo, cuja preocupação é vertida nas actas da paróquia e onde muitos ofícios, mensagens e representações são trocados com um único fim em vista – salvá‑lo da ruína. Nos anos seguintes as obras continuam a fazer‑se e, no decurso de 1890/1891 obrigam a junta de paróquia a realizar os seus actos na Igreja do Carmo, enquanto as obras não estivessem concluídas. Nesse ano a festividade de S. João é mesmo suspensa. Em Novembro de 1895 e perante a perspectiva de esgotamento da verba anual destinada aos reparos do grande templo, a junta de paróquia pede a Sua Majestade o subsídio de 500$000 réis para acabamento das obras no interior da igreja de forma a no ano seguinte se poderem ali realizar as festas da Rainha Santa. Na viragem do século, a Junta de Paróquia mantém‑se vigilante e sempre atenta a Santa Cruz. Na sessão de 18 de Fevereiro de 1900 o Presidente da Paróquia aproveita as recentes obras públicas de restauro já efectuadas para fazer um dos muitos levantamentos/ diagnósticos da situação do monumento: «…disse que, apesar dos cuidados que ultimamente tem merecido aos poderes publicos este templo, como monumento nacional, há n’elle muitas obras e reparações de urgente necessidade a fazer, como a substituição dos altares que estavam junto do arco cruseiro e que, infelizmente, ha annos foram retirados pelo Director das Obras Publicas, Franco Frazão, por dois de pedra conforme o projecto do artista João Augusto Machado, d’esta cidade (…) repôr a capella mor na sua grandesa primitiva, substituindo o throno por uma maquineta, como fora projectado e estudado pelo Engenheiro José Ribeiro d’Almeida; reparar os telhados da capella do Santuário e o zimbório da torre e bem assim a canalisação das aguas do pocinho e lavatório, para evitar a humidade da sacristia e casas annexas. Que não quer fallar da substituição da janella e portal central que na sua primitiva deviam ter sido formosíssimos e magnificentes, a avaliar pelos ornatos rendilhados do frontespicio da Egreja, ha muito em ruinas, porque, obra de grande folego, necessitava de muitos meios pecuniarios e de artistas de genio (…) Que tambem não quer fallar do claustro superior do silencio que, concedido á Camara Municipal com o antigo mosteiro de Santa Cruz, está abandonado e a descoberto, pelo que as aguas pluviais se têm infiltrado as abobadas já carcomidas e em ruínas (…) de sorte que em breve se inutelisa mais este claustro, um dos mais perfeitos pela sua architectura manuelina, o qual devia ser restituído á Egreja de Santa Cruz, para se cuidar d’elle, como merece» (44). No entanto eram diversos os templos a cargo da manutenção da junta de paróquia. Por isso detectam‑se os mais diversos pagamentos relativos a intervenções realizadas ao nível da conservação: pintura das portas e janelas da Igreja de Santa Justa (Dezembro 1888); o estuque e pintura do retábulo e coro da Igreja da Pedrulha (Janeiro de 1889); os reparos em paramentos ricos na Igreja de Santa Justa e Capela do Sr, Arnado (Janeiro 1890); o conserto do tanque do Claustro do Silêncio (Junho de 1900); a pintura dos bancos da igreja e cúpula da pia baptismal por Antonio das Neves Elizeu (Agosto 1900).



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A preservação da integridade do templo de Santa Cruz será objectivo acerrimamente defendido pela junta paroquial. A 26 de Abril de 1903 rejeitará o pedido feito por muitas pessoas «…para fazer no claustro do silencio varios serviços de carpinteiro e ainda outros serviços a que sempre se tem opposto (…) não só porque estando o claustro aberto, não pode conservar‑se no estado de limpeza e aceio (…) mas porque sendo este visitado por nacionaes e estrangeiros que muito o admiram como um dos mais perfeitos pela sua architetura Manuelina, a Junta não ficaria bem collocada se consentisse» (45). Aqui germinavam já os princípios da defesa dos espaços locais tão queridos das futuras juntas de freguesia. No âmbito das suas funções religiosas, a junta gere os dinheiros da Capela da Senhora do Pé da Cruz, da Igreja da Pedrulha, as despesas feitas com as festividades da Senhora das Dores, da Semana Santa e, naturalmente, do Orago S. João; mas compra também o azeite e o gás necessário, vende inscrições para aquisição de um relógio para a Torre de Santa Cruz (1894), paga a lavagem e “gomagem” de roupa e papel para expediente, lavagem e limpeza da igreja. Mas neste órgão as preocupações não se circunscreviam à questão religiosa. Apesar desse condicionamento, a verdade é que as juntas de paróquia detinham prerrogativas sociais relevantes, como a informação favorável a requerimentos pedindo subsídios de lactação (mais de 60) e atestados de pobreza, apresentando o recenseamento das crianças, ou deliberando proporcionalmente ao número de cabras sobre as propriedades indicadas pelos seus pastores. Por exemplo, em Maio de 1887 informa que os pastos das propriedades indicadas por António Carvalho, da Pedrulha (área agrícola por excelência), não eram suficientes. Com avultadas despesas a junta de paróquia necessita de receitas que minorem o esforço. Assim, costumava arrendar anualmente em praça ou hasta pública parte das casas da torre de Santa Cruz, que em Junho de 1887 foram arrendadas por Alípio Augusto dos Santos por 6$000 réis; cobrava ainda alguns impostos, vendia lenha e ferro velho e recebia alguns foros. Mas devido aos fracos recursos a junta na sessão de 8 de Outubro de 1891 resolve dirigir ao rei uma representação pedindo para que a verba de 600:000 rs que pela Carta de Lei de 30 de Março de 1861 se destinou à restauração do templo de Santa Cruz «lhe seja dada annualmente a quantia de 1460:000 rs para pagamento dos ordenados dos dois quartos, do muzeu e egreja» (46). A sua soberania ao nível dos bens cultuais pode aferir‑se pela deliberação datada de 19 de Junho de 1898, pela qual ordena a venda dos altares de S. João e Nossa Senhora da Conceição «…por não terem valor algum artístico ou histórico (…) ha muito foram mandados retirar pela Direcção dos Monumentos Nacionaes» (47). A avaliação destes altares será feita por António Augusto Gonçalves, convidado para o efeito, que depois de exame atento concluiu valerem 80.000 réis cada um, deliberando a junta anunciar em jornais da cidade a venda dos altares, que será concretizada pelo lanço de 161.000 réis. A verba de 600.000 réis fixada anualmente no orçamento de Estado durante 40 anos e destinada às obras de restauração da Igreja de Santa Cruz seria eliminada em 1900.



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Quando o facto foi do conhecimento público levantaram‑se criticas tanto à junta de paróquia por não utilizar em alguns casos o dinheiro como devia, critica que se estendeu ao próprio Ministério das Obras Públicas que em alguns anos não terá aplicado a verba orçamentada. No dito ano a restauração interior era um facto, contudo, ao nível exterior ficou por reformar o frontispício (48). Com tantas competências ao nível das funções religiosas não se estranhará que de quando em vez entre em choque com outras estruturas religiosas. Tal foi o caso da Confraria de Nossa Senhora da Conceição com quem a junta delibera na sua sessão de 27 de Julho de 1902 não prestar «..auxilio algum no culto religioso e nada despender com alfaias ou utensílios na Capella da mesma Senhora, emquanto aquella Confraria se não constituir legalmente e não proceder à eleição da nova mesa» (49). Às funções eminentemente sociais, a junta de paróquia começa a revelar preocupações culturais raras na época e só compreensíveis pela qualidade formativa dos seus membros e da proximidade aos meios intelectuais da cidade. Está neste conteúdo a decisão saída da reunião de 5 de Janeiro de 1890 em mandar «…organisar um Muzeu da Parochia de Santa Cruz, onde estejam em exposição permanente, todos os paramentos, vasos sagrados e alfaias e outros objectos que pertençam á Egreja de Santa Cruz, e suas pertenças» (50). Para tal fim é nomeada uma comissão composta pelo Reverendo Pároco, na qualidade de Presidente da Junta de Paróquia, e Adriano da Silva Ferreira. O museu será inaugurado em 24 de Junho de 1890. Cultura e apoio social que se unem para um curioso prémio que a junta parece difundir a partir de 24 de Junho de 1890. No acto de inauguração do museu paroquial promove‑se a distribuição de prémios aos melhores alunos das escolas oficiais da paróquia e entregam‑se fatos às crianças mais pobres. No ano seguinte, e no dia 8 de Dezembro de 1891 fixa‑se em: «… dois prémios de 4500 rs cada um a dois alumnos de ambos os sexos que mais se distinguiram nas escholas no corrente ano» (51). Este dia torna‑se um momento muito especial na freguesia, contando com a presença do Inspector de Instrução Primária, professores e crianças. Contudo, o reverendo pároco e presidente que devia presidir ao acto vem a escusar‑se ensombrando um momento bonito. A Junta de Paróquia de Santa Cruz assinala ou presta homenagem a figuras que julga credoras da sua atenção. Assim sucederá com o Arcebispo Bracarense D. António José de Freitas Honorato, figura que é assinalada na sessão extraordinária do dia 31 de Dezembro de 1898 com um voto de profundo sentimento pela morte do ilustre e virtuoso «…que tendo sido em vida a personificação da virtude e da bondade morre chorado e abençoado por todos; que ainda no seu testamento se lembrou dos seus antigos parochianos de Santa Cruz, que sempre tratou com paternal carinho, contemplando os pobres d’esta freguesia com cincoenta mil reis e a confraria do Santissimo com inscripções do valor nominal de um conto e duzentos mil reis» (52). António Augusto Gonçalves merecerá uma subscrição de 9.000 réis que produto da campanha aberta pela Câmara Municipal em favor do grande artista em Agosto de 1910 e que tinha como objectivo adquirir um busto em sua homenagem».



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Com o passar dos anos sente‑se o esforço de modernização e aperfeiçoamento da junta de paróquia: nomeará uma pessoa para guarda da igreja de Santa Cruz, saindo nomeado em Setembro de 1891 Thomaz Antonio dos Santos; e a partir de Janeiro de 1892 requer para o arquivo um livro de talões de guias de pagamento, procede‑se a inventário, o tesoureiro passa a entregar no dia das sessões ordinárias um balanço do cofre, e o resumo ou cópia de cada sessão da junta de paróquia passa a ser afixada na porta da igreja. Em termos de gestão de bens dispunha a junta de paróquia de uma «Terra e vinha com arvores de fructo no sitio do Cabeço do Cardal, limite do logar da Pedrulha, freguesia de Santa Cruz», por título particular de venda datado de 29 de Abril de 1892 e a antiga igreja de S. João das Donas. Com os tempos da junta de paróquia a caminharem para o seu fim, encontramos matérias de interesse comum com outras freguesias. Em Outubro de 1914 reuniram‑se as juntas de paróquia da cidade para tratarem do registo civil tendo‑se aprovado várias resoluções entre as quais «Pedir a descentralização dos serviços do registo civil, já pela criação de novos postos (um em cada freguesia), já por uma autonomia relativa concedida aos ajudantes, permitindo‑se‑lhe que passem certidões, evitando‑se que o povo tenha de percorrer léguas para obter esses documentos» (53). Nesta reunião constituiu‑se uma comissão para tratar do assunto onde foi convidado para presidir Nicolau Fonseca «como representante da Junta mais importante do concelho». A partir do Fundo do Governo Civil do Arquivo da Universidade de Coimbra (cópias das actas das sessões), dados e documentos extraídos dos livros de actas da Câmara Municipal de Coimbra, de jornais, reconstituímos com algumas limitações o quadro de magistraturas da Junta de Paróquia de Santa Cruz entre 1872 e 1914 (v. anexos, tabela 1). Para o período 1872‑1929 foi ainda possível recuperar os nomes da maior parte dos regedores em exercício na freguesia (v. anexos, tabela 2), conjugando os livros de registo dos regedores com a cópia das actas das sessões do fundo do Governo Civil (54). 3.2. A criação de escolas na Baixa: a masculina, a feminina e a central Não pretendemos fazer aqui a história do ensino primário na freguesia, mas tão‑somente contribuir para o seu estudo, até porque faltam muitos elementos para reconstituir os percursos dos vários estabelecimentos de ensino. Não sabemos, por exemplo, a partir de quando a junta de paróquia começou a preocupar-se com a construção de uma escola primária, nem tão pouco qual foi a primeira e onde funcionou. Contudo é possível perceber que na área da freguesia funcionaram escolas masculinas e femininas, algumas criadas por decretos governamentais ou deliberações camarárias, como veremos. Os dados que reunimos remontam aos inícios do séc. XIX e prolongam‑se até à década de 30 do século passado. Nestas décadas, o ensino primário oficial sofreu a maior transformação até então operada e ficaria especialmente assinalado pela reforma educativa de 1878. De facto esta reforma marcaria os anos seguintes: a escola foi declarada como aplicando‑se tanto a rapazes como raparigas (escola de massas), definiu a frequência



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e escolaridade obrigatória entre os 6 e os 12 anos, descentralizou as escolas primárias entregando às autarquias o poder de gerir as escolas e os professores, alargou as escolas normais, reafirmou a gratuitidade de ensino e pôs fim à discriminação salarial (55). Na sequência desta legislação criaram‑se comissões paroquiais de beneficência e ensino e caixas económicas escolares, que pretendiam obstar ao elevado absentismo escolar. Repercussões destas medidas detectam‑se na história do ensino na freguesia; a 10 de Junho de 1882 quando o município nomeou as comissões de beneficência para as 3 freguesias da cidade onde existiam escolas de instrução primária: Sé Nova, S. Bartolomeu e Santa Cruz. No que diz respeito à nossa freguesia a comissão ficou, assim, constituída: Bacharel João Maria Correia Ayres de Campos (Conde do Ameal), António Maria de Souza Bastos, Dr. António dos Santos Pereira Jardim, António d’Almeida e Silva, Rita Antunes de Macedo, Bebiana Manique e Maria da Encarnação Roxanes (56). Por outro lado e até 1885, as escolas de ensino primário das freguesias da baixa apenas garantiam o ensino elementar, ou seja até aos 12 anos. Um dado que se extrai da acta da vereação de 18 de Junho de 1885, em que a Câmara Municipal decide consultar o Inspector da Circunscrição Escolar sobre a criação de escolas de ensino complementar e elementar em S. Bartolomeu e Santa Cruz «…por terem deixado de funcionar os cursos complementares da Sé Nova por falta de habilitação dos professores» (57). A escola masculina. No edifício do extinto Colégio da Graça e por decisão da Câmara Municipal e do Governo Civil, funcionava em 1857 a Escola de Ensino Mútuo, com entrada separada do Quartel. Este tipo de escolas, instaladas nos quartéis, remontava aos inícios do séc. XIX e foi adoptado oficialmente na reforma do ensino de 1836. Caracterizava‑se pelo tipo de ensino empregue, «…o método de ensino mútuo (self‑tuition) baseado no recurso dos próprios alunos, os mais adiantados, que iriam ensinando os menos adiantados, sob a coordenação do professor» (58). Em 1864 foi nomeada uma comissão encarregue de estudar o assunto do Colégio da Graça, chegando a acordo com o Governo Civil para fazer reverter à Fazenda Nacional o edifício do extinto colégio, excepto a cerca que continuaria no domínio do município, pedindo‑se «…a entrega da casa da Mala‑Posta para nela instalar a escola primária que seria desalojada do Colégio» (59). A partir de 1870, e extinta a cadeira de ensino mútuo em 1869, a escola masculina funciona na sede da Associação dos Artistas. De facto, em Julho deste ano a associação punha à disposição do município a sua sala para nela se estabelecer «a aula do ensino primário do Bairro Baixo» (60). Desde então o município subsidiaria a dita sala, incluindo a manutenção de uma aula nocturna de instrução primária, que em 1884 estava em pleno funcionamento. Esta aula não se relacionaria directamente com escolas do Estado, mas sim com a difusão do ensino popular, intensificado depois do triunfo do liberalismo e suportado pela pequena burguesia, operariado artesanal e fabril, cabendo às associações mutualistas e de classe a abertura dos cursos nocturnos de primeiras letras (61). Porém, o município procurava um espaço próprio para a escola masculina. A 24 de Fevereiro de 1875 requeria ao Governo «…por terem sido extintas as escolas do ensino



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misto, a criação duma escola de ensino primário para o sexo masculino no bairro baixo da cidade» (62). Na representação ao Rei refere que não foi posta a concurso a cadeira de instrução primária para o sexo masculino do Bairro Baixo da Cidade de Coimbra «…que se acha vaga desde a jubilação, concedida em 5 de Junho do anno pretérito, ao respectivo Professor, Bento Jose d’Oliveira, é de suppor que se julgue supprimida aquella Cadeira, visto que ella era apenas, de substituição, authorisada pelo Governo, da antiga cadeira d’ensino mutuo, extincta pelo Decreto de 14 de Dezembro de 1869. É de urgentissima necessidade, para o bairro maiz populoso de Coimbra, a continuação da cadeira d’instrucção primaria, que se achava ahi instituida, e por isso a Camara Municipal resolveu, em sua sessão de hoje, representar a Vossa Magestade, pedindo ou a nova criação da cadeira d’instrucção primaria do Primeiro grau, para o bairro baixo da cidade, se isso fôr necessario, ou a abertura de concurso para o seu provimento (…). A Camara Municipal continua a subsidiar a eschola, como ate aqui, com a casa, mobilia, e utensilioz» (63). O Governo seria sensível aos pedidos do município e, por decreto de 8 de Abril de 1875 criava uma classe de ensino elementar, tendo como local da escola a Rua do Mercado (do lado da Câmara). O professor era Maximiniano Augusto Cunha, o qual viria a ser provido vitaliciamente no cargo a 16 de Agosto de 1883 (64). Acerca desta escola colhe-se informação complementar; «Casa e maior parte da mobilia da Associação dos Artistas. Não tem residencia para o professor»(65). Paralelamente a junta de paróquia passou a intervir activamente no processo de instalação de escolas primárias, contando muitas vezes com o apoio de comissões paroquiais de beneficência. Assim, em Março de 1888 a junta declara ceder casa para a escola do ensino primário, até porque a associação dos artistas pedira a cedência da sala em Outubro de 1888. Na visita do Presidente da Paróquia às escolas da freguesia, em Fevereiro de 1890, dizia‑se que a escola masculina se apresentava «…regularmente frequentada». Da actuação do vogal‑fiscal das escolas colhe‑se a última informação sobre o ensino masculino relativo aos finais do séc. XIX passada a escrito na reunião de 16 de Julho de 1891: «…fazendo uma visita á eschola do sexo masculino, d’esta freguezia, a achara muito frequentada, sendo digno de todos os elogios o professor da mesma eschola» (66). Esta escola, então com 3 classes, continuava funcionando numa sala da Associação dos Artistas de Coimbra, cuja direcção, em Agosto de 1901 se queixa contra o professor por insultar e castigar os alunos com «palmatória ou chibata» (67). Quanto aos professores da escola masculina, sabemos que o dito Maximiniano Cunha se aposentou nos primeiros meses de 1901, tendo sido substituído por José Augusto da Silva na 3.ª classe. Durante estes anos fora coadjuvado por quatro professores ajudantes: Anttero Pereira de Moura (1891), António Nunes de Chaves (1893), Manuel Justino Sousa Aurado (1894) e Olympio Ayres de Mello (1898). A escola feminina. Tal como no caso da escola masculina, também no que toca à feminina os dados mais remotos apontam para a existência de uma escola dando apoio, não só à freguesia mas também aquilo que então se designava por «bairro baixo». De



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facto, na baixa da cidade uma escola feminina estava em pleno funcionamento no ano de 1873. Neste ano e a 26 de Junho a Câmara Municipal deliberava pedir autorização ao Conselho do Distrito para arrendar pelo tempo de 6 anos (1873‑1879), o 2º andar das casas «…sitas na rua da Calçada com os números de policia 169 pertencentes a Joaquim António Teixeira de Barbosa, residente na cidade de Lisboa, pelo preço de 50.000 reis annuaes (…) para n’elle se estabelecer a eschola do ensino primário do sexo feminino do bairro baixo d’esta cidade, em attenção à difficuldade de encontrar todoz os annoz casas que se prestem a servir d’escholas, ás despezas causadas por continuas mudanças e ao preço razoavel do aluguer» (68). Por deliberação da Câmara Municipal de Coimbra de 22 de Outubro de 1885, foi constituída a escola do sexo feminino de Santa Cruz, ministrando o ensino elementar e complementar (69) na Rua da Sofia e depois na Rua João Cabreira. A professora era Maria Libania dos Santos Costa Pessoa, provida vitaliciamente a 30 de Março de 1892. Foi substituída por Carmina Rainha Laranjeiro, de Março de 1894 a Abril de 1895. Em 1897 tomaria posse do lugar Genoveva Olívia da Piedade Alves Fontes. Também em Outubro de 1885, a Junta de Paróquia comunica ao município que aceita o encargo em dotar a aula elementar e complementar para o sexo feminino na sua freguesia. Dela se dirá que tem «Casa pela Camara e mobilia pela Junta de Parochia. Tem residencia para a professora» (70). Mais tarde, em Abril de 1886 «…participa ter verba para a casa da escola de ensino elementar e complementar para mobiliário escolar e para renda da casa do professor» (71). Como dissemos, durante este período vive‑se a experiência da descentralização do ensino primário, cabendo às autarquias locais adquirir edifícios para a escola, habitação dos professores, compra de material escolar e livros para a biblioteca. Neste sentido vem a pergunta feita pelo município às juntas de Santa Cruz e S. Bartolomeu, em Junho de 1887, se dispõem de casas para o ensino elementar (para maiores de 12 anos de idade). A nível nacional cresceria durante estas décadas o número de escolas masculinas, femininas ou mistas, ao mesmo tempo que se acentua o papel da junta de paróquia no processo. Sabemos, no entanto, que na freguesia se requereu a escola do sexo feminino durante o ano de 1888 e que, em Outubro, a junta rejeita por maioria a deliberação tomada em sessões anteriores para a construção de uma escola para os dois sexos (72). A partir de 1887 conseguimos ir na peugada da escola feminina de ensino elementar e complementar. A 10 de Junho daquele ano o assunto é abordado na reunião da junta de paróquia, deliberando‑se participar à Câmara Municipal (provavelmente em resposta a alguma solicitação) que «…apezar de não ter casa nas condições de ser aproveitada para a escola e habitação da professora da cadeira d’ensino complementar da Freguesia de Santa Cruz, podia ella, querendo, pôr immediatamente a concurso a referida cadeira, por isso que a Junta se comprometia a apresentar na occasião do provimento casa nas condições de servir» (73). Vivia‑se ainda a primeira experiência de descentralização do ensino, com a junta associar‑se aos esforços da autarquia. Porém, o assunto morrerá nos tempos mais pró-



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ximos, até que em Fevereiro de 1888 se delibera «…que a projectada Casa de escola fosse no posto onde se acha instalada a esquadra da Policia Civil ou então naquelle que offereça melhores condições hygienicas» (74). A solução começa a esboçar‑se já em pleno Verão. A 12 de Julho de 1888 a Junta de Paróquia envia informação à Câmara Municipal «…participando que tem casa arrendada na rua de João Cabreira para a installação da escola elementar e complementar do sexo feminino na referida freguesia»(75). No mês de Agosto o assunto conhecerá algumas evoluções, oficiando‑se à professora que mudasse quando quisesse. No entanto, o edifício não estaria nas condições exigidas pelas autoridades, de modo que a junta de paróquia tem de oficiar à Junta Escolar comunicando não poder fazer as modificações exigidas por o senhorio não consentir e ao Administrador do Concelho dizendo‑lhe que não se encontra casa nas condições exigida. Apesar destas dificuldades, a escola complementar para o sexo feminino foi aprovada pela Junta Escolar em Outubro, tendo entrado em funcionamento pelos finais de 1888. Contudo, as deficientes condições higiénicas voltam a motivar a intervenção das autoridades. A 23 de Maio de 1889 é o oficio do Administrador do Concelho que chama a atenção para o facto, pedindo que seja arrendada outra casa, e juntando-lhe um outro ofício enviado pelo Presidente da Junta de Paróquia, que é, na realidade, um memorial da situação da escola: «…sou informado pela professora d’ensino ellementar e complementar do sexo feminino dessa freguezia, e verifiquei eu mesmo por occasião da vistoria feita à casa onde foi provisoriamente installada a escola e a morada da mesma, que não acha tal casa em condicções de n’ella continuar a viver a professora e a funcionar a escola (…) muito pequena e o andar destinado á morada muito acanhado (…) expostos ao fumo das fabricas de louça que lhe ficam a poente (…) as latrinas da mesma casa, sendo frequentemente abertas para uso das alumnas, exallam maus cheiros para o interior e infectam os aposentos; e finalmente porque nas lojas se faz um deposito de carnes de pôrco, d’onde por vezes saem exallaçoes que corrompem o ár da escola» (76). Pede‑se, então, que se unam todos os esforços para arrendar uma casa antes do final do ano, utilizando quer os 90.000 rs orçamentados pela junta para a renda da escola, quer os 20.000 rs com que a professora concorre. A 2 de Fevereiro de 1890 o Presidente da Paróquia informa os seus pares que na companhia do Secretário havia feito uma visita às escolas dos dois sexos da freguesia, encontrando «…a eschola do sexo feminino só frequentada por 9 alumnos, chamando a attenção desta Junta para a realisação de um edificio para as escholas dos dois sexos desta freguezia» (77). Escola feminina que estará na base da convocação de uma reunião extraordinária de 20 de Maio de 1890, que é por si só, um dos mais extraordinários documentos sobre o funcionamento de uma escola do sexo feminino. A presença do Administrador do Concelho na reunião da junta de paróquia destaca logo a importância da mesma, cujo único fim é «deliberar acerca da escola do ensino



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elementar e complementar do sexo feminino da freguesia». Mas este será um pretexto para algo muito mais profundo, na medida em que nos conduz ao mundo real das condições de ensino, então existentes. Percebe‑se que a reunião decorre de uma queixa feita pela professora contra a junta de paróquia, por não lhe ser providenciada uma escola e residência em condições. A diminuta frequência de alunas, «trez ou quatro creanças», levara o presidente a inquirir a professora e a reunir elementos concluindo que «…a escola não era sequer regularmente frequentada porque a maior parte das familias mandam seus filhos a escolas particulares e as outras se não mandaram por serem extremamente pobres e não terem que lhes vestir» (78). O presidente daria conta dos esforços que vinha fazendo para assegurar o ensino não só na escola mas também na freguesia: ordenando de imediato a compra de todos os objectos necessários e em falta (tinta, papel, penas, mapas), relembrando a distribuição de fatos a 150 crianças de ambos os sexos para que as escolas sejam regularmente frequentadas, estimulando‑os ainda nesse dia com a distribuição de prémios «…ás creanças de ambos os sexos que mais se destinguiram nas escolas, resolvendo ainda crear dois prémios para um individuo de cada sexo que obtiver do respectivo professor uma classificação dinstincta de todos os outros». Ainda no uso da palavra, o presidente centra‑se na professora, dando conta das vezes que ela lhe pedira para sair da casa onde funciona há 2 anos (onde nunca houvera incidentes morais ou higiénicos), pedindo outra casa e sugerindo uma na Rua da Sofia, que a junta não podia aceitar quer pelo elevado preço quer por não estar em condições legais. Mas, o presidente vai mais longe, acusando a professora de não ter a escola regularmente frequentada «…porque a professora ou se entretinha mais com as meninas de quem recebia mensalidades, despresando as que iam descalças ou mal vestidas ou trato (para estas tão falto de carícias e tão differente d’aquellas), que as creanças desertavam da escola onde não pode nem deve haver distinções (…) que a professora lecciona meninas pelas casas particulares e que tendo pensionistas em casa decerto que deseja ella casa em condições precisas para este fim» O presidente terminará a sua intervenção com os olhos no futuro. Que julga desnecessária outra casa por estar em projecto a realização de um edifício na área da freguesia para escola e residência dos professores e com todas as condições exigidas na lei (provavelmente escola para os dois sexos), terminando por pedir que a casa continue a servir para o fim a que foi destinada e que com urgência se dêem inicio aos trabalhos de construção da nova escola. Como dissemos, o Administrador do Concelho, Apolino Pinto, estava presente e na acta transcreveu‑se a sua informação sobre o assunto, favorável às pretensões da junta de paróquia: «Em consequencia de informações que obtive, devo dizer a V. Exª que a professora teve e tem ainda algumas creanças comensaes na propria casa onde actualmente reside e dá aula, e que tambem vae dar aula a casas particulares; e mais que a muitas creanças deixou de dar aula ou despedir do ensino por irem descalças e rotas ou mal vestidas.



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Este facto, que se tornou conhecido, fez com que a junta de parochia, levada por bons sentimentos de caridade, na falta de sufficientes meios, recorresse a uma subscrição publica, pela qual obteve 50,200 réis, que empregou ou vae empregar na compra de vestidos para as creanças pobres de ambos os sexos (…) a junta de parochia, zelosa no cumprimento dos seus deveres, tem empregado o maximo esforço para muito breve fazer a acquisição de um terreno para edificar uma casa para a escola e residencia de professores nas condições devidas». Todo este processo será rematado pela comunicação da própria professora em causa, a já referida Maria Libania dos Santos Costa Pessoa, com data de 10 de Maio de 1888. Na declaração começa por historiar a nomeação feita pela Câmara Municipal para professora de ensino elementar e complementar da freguesia de Santa Cruz, de que tomou posse a 13 de Novembro de 1888. Em seguida, reproduz em jeito de memória o esforço da junta pela criação de uma escola para o sexo feminino: «…sendo a Junta de Parochia que requereu a creação da escola, se obrigou a dar caza e mobília para a mesma e casa para habitação da professora e sua familia, e ter segundo a lei (…) Não encontrando, então, a junta de parochia naquella occasião (…) para estabelecer a dita escola, alugou esta em que actualmente está emquanto não aparecesse outra que satisfizesse ás condições exigidas por lei». E aqui está o grande pomo da discórdia. Para a junta, a casa alugada era bastante para os fins a que se prestava, enquanto se não construísse novo edificio e, na óptica da técnica, a solução passava pela instalação rápida da escola noutro local, uma vez que segundo o seu parecer a actual não reunia as condições desejadas: «1º o local onde a escola está situada que é improprio, jamais para escola do sexo feminino 2º estar em pessimas condições hygienicas 3º a incapacidade da casa para conter o numero de creanças (…) com tendencia a augmentar; 4º não ter casa sufficiente para a habitação da professora, o que me tem obrigado a ter uma casa alugada para guardar os meus trastes (…) 5º o cheiro nauseabundo proveniente de deposito de presuntos e carne ensacada, que costuma existir na loja da mesma casa da escola 6º a má visinhança que faz uma ou mais fabricas que ha proximo da escola enchendo a casa constantemente de fumo; por estes motivos já expostos, muito humildemente peço a V.Ex.ª que a bem do S. N, da hyjiene e da instrucção publica, se digne V. Exª mandar que sejam dadas as providencias necessarias». A professora concluiu o seu discurso argumentando já ter comunicado ao presidente da paróquia mais do que uma casa em alternativa e de ter feito a limpeza da mesma à sua custa, uma vez que a verba prometida para tal fim nunca lhe fora dada. A situação terá sido resolvida a contento de todos, com cedências de parte a parte. Tanto assim é que, na reunião da junta de 6 de Julho de 1890, é presente um ofício da professora da freguesia pedindo a importância de 30.000 rs relativa à renda do 1º



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Semestre da casa que para sua habitação arrendou na Rua da Moeda (79). Mais tarde, e como se registou na reunião de 21 de Maio de 1891 a Junta de Paróquia recebe ofício da Câmara Municipal «…dizendo que fora provisoriamente acceite a casa na rua da Sophia, destinada á eschola d’ensino elementar e complementar d’esta freguezia» (80). A partir desta data a junta passa a encarregar um vogal para fiscalizar a escola, enquanto que o município nomeia um ajudante da escola de ensino elementar para a freguesia. Mas, a legislação produzida em 1892 sobre o ensino primário, porá fim à experiência de descentralização. Nesse sentido e em Março de 1893, o Governo Civil pedia ao município uma casa para escola complementar do sexo feminino em Santa Cruz, sendo satisfeito o pedido com o arrendamento da já referida casa, na Rua da Sofia, em Maio do mesmo ano. A escola manter‑se‑à na Rua da Sofia nos anos próximos embora mude de poiso. De facto, o município arrendará em 15 de Maio de 1902 por 150$000 réis uma casa na rua da Sofia para escola complementar do sexo feminino da freguesia de Santa Cruz. Localizava‑se no 1º andar do Nº 15 e a opção é justificada pelo facto de ficar «… melhor installada» (81). A Escola Primária Central de Santa Cruz Não poderíamos referir o tema escolar sem abordar a criação da Escola Primária Central de Santa Cruz, hoje fora dos limites da freguesia, mas intimamente ligada à sua história, mais não seja pelo nome que herdou. As escolas primárias centrais surgiram na sequência das Reformas da Instrução Primária de 1870 e 1878. De facto, pelo decreto de 16 de Agosto de 1870, previa‑se que nas cidades de Lisboa e Porto, assim como nas outras capitais do distrito, se pudessem reunir duas ou mais escolas paroquiais, constituindo escolas centrais regidas pelos respectivos professores, pelo modo que fosse mais estatuído nos regulamentos. Na realidade, o novo modelo escolar consistia na reunião de três ou quatro mestres ou escolas, que antes ensinavam cada um em diferentes locais, num só edifício, onde cada professor se encarregava de ensinar uma matéria específica. Possuíam uma classe infantil, a cargo de uma professora, e propunha a organização de classes de acordo com a idade do aluno. Cada professor ensinava uma classe, sendo que um deles ocupava a função de director. Em todas se praticavam canto coral e exercícios ginásticos. Todas apresentam um currículo diferenciado por sexos: ensino militar, desenho profissional e caligrafia para meninos; costura, lavores e talhe de roupa para meninas. De facto e no seguimento de uma informação da Junta Escolar à Câmara Municipal de Coimbra, datada de 11 de Maio de 1888, ficamos a saber que a ideia da sua criação resulta do «pedido da Junta de Paróquia de Santa Cruz». Aquela informação esclarece‑nos do contexto da criação da dita escola e de alguns passos que se deram: «…conveniente a criação duma escola central em que seja ministrado o ensino elementar e complementar a todas as crianças das quatro freguesias da cidade à qual fique anexo um asilo de educação para as crianças de 3 a 6 anos; aprova a venda da escola do Largo da Feira, atendendo‑se na construção da nova escola às habitações dos professores; aprova que as quatro juntas



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de paróquia concorram para a construção da casa com o auxilio da Câmara e subsídios do Governo, devendo a Câmara ceder da Quinta de Santa Cruz um terreno de 70X80 metros para o edifício» (82). Maio será de facto um mês decisivo, na medida em que no dia 17 se reúnem em conferência com a Câmara o Administrador do Concelho, o Presidente da Junta Escolar, o Inspector de Instrução Primária e os presidentes das juntas de paróquia da Sé Nova, S. Bartolomeu e Santa Cruz para discutir a criação duma escola central que sirva as 4 freguesias «…cedendo a Câmara o terreno, ficando a cargo delas a construção»(83). No mesmo dia é nomeada uma comissão composta por 3 vogais da junta escolar, e presidentes das juntas de paróquia para organizar as bases do projecto da nova escola. A construção da projectada escola central conhecerá avanços significativos no decurso de 1889. Assegurado desde Janeiro o subsídio do Ministério do Reino para a construção da Escola Central Primária, na Quinta de Santa Cruz, a planta da casa a edificar é aprovada pelo município a 25 de Abril de 1889. Mas o processo conhecerá alguns momentos polémicos. A 04 de Junho de 1889 a junta de paróquia rejeita por maioria a proposta do seu presidente (e censura‑o por não acatar as deliberações) para que concorra com a verba de 4.085:000 rs, percentagem de 3% para a construção da projectada escola central «..sendo votada só a quantia de 3:250:000 rs quarta parte em que está orçada a importancia que cabe às quatro Juntas de Parochias desta cidade» (84). No início do século XX e numa altura de fomento à educação os professores da freguesia pedem ao município que os edifícios escolares que se prevêem venham a ser construídos na freguesia «…tenham capacidade para uma população escolar de 234 rapazes e 225 raparigas, números do último recenseamento escolar» (85). A 3 de Março de 1905 o director das construções escolares solicita ao município a cedência do terreno para construção da escola central primária de Santa Cruz, no ângulo da Avenida Sá da Bandeira e Rua da Manutenção, e, em Dezembro são convertidas em centrais as escolas paroquiais de S. Bartolomeu (sexo masculino) e Santa Cruz (sexo feminino). Porém, o processo de construção da escola central será tudo menos pacifico, alarmando e indignado a freguesia de Santa Cruz, vindo a lume na imprensa da cidade em editorial do Conimbricense do dia 18 de Março de 1905. A contestação passava pelo suposto desconforto para os alunos, derivado de um deficiente local escolhido (onde estivera a estação das bombas e aparelhos da extinção de incêndios e casa de exercício para bombeiros) que na convergência de quatro ruas (do Mercado, da Sá da Bandeira, de Entre‑Muros e da Manutenção Militar), onde se formavam fortes ventanias prejudiciais aos alunos. Outras razões indignavam os conimbricenses: «Nunca alli bate o sol em todo o Inverno (…) Imagine‑se pois o frio que hão de soffrer nesses dias as pobres creanças»; por outro lado a escola seria edificada por cima de uma ramificação da runa, próximo a ela estava a carpintaria do Sr. Benjamim Ventura e a Manutenção Militar (locais de grande ruído), estava demasiado próxima ao Mercado onde se desencadeavam bulhas e espectáculos frequentes e, acima de tudo, «…o local não pertence á freguezia para onde é destinada a escola: pertence à freguezia da Sé Nova» (86).



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Por estas razões o processo atrasar‑se‑á, até porque em 1905 entrou em funções um novo executivo municipal, presidido pelo Dr. Marnoco e Sousa, em substituição do liderado pelo Dr. Dias da Silva. Polémica de lado, em Março de 1907, o município pede a conclusão do edifício, projectado pelo arquitecto Adães Bermudes entre 1905 e 1907. Em 1908 a Câmara visita a escola central e vistoria o novo material escolar adquirido. Mais tarde, a 14 de Outubro de 1909 a Junta de Paróquia pede a conversão da escola primária do sexo masculino em escola central, responsabilizando‑se pelo fornecimento do material de ensino e mobiliário escolar (87). Entretanto, em Julho e Setembro de 1913 o município assume a responsabilidade do pagamento do arrendamento de várias dependências para alargamento da escola central de Santa Cruz. Escola Central que pela voz da sua regente pede ao município, a 10 de Dezembro de 1914, que lhe seja fornecida uma máquina de costura «…onde se vão iniciar trabalhos a favor dos soldados que irão combater junto da nossa aliada Inglaterra» (88). Ainda em Junho de 1889 é solicitada a criação para maiores de 12 anos de um curso nocturno, que será aprovado pelo Ministro do Reino em Novembro de 1903 e que em 1905 funcionava a todo o ritmo. A escola primária central foi electrificada em Dezembro de 1953. Pelos finais de 1976 e segundo as palavras da directora da escola encontrava‑se o edifício em «..estado lastimoso (…) sem as mínimas condições para ser frequentada por cerca de trezentas crianças» (89). Actualmente funciona nesse edifício a EB 1 de Santa Cruz. Apesar da criação da escola central, o ensino primário continuou a funcionar em outros espaços próprios na freguesia de Santa Cruz, como o comprovam os dados que apresentamos em seguida. A 10 de Janeiro de 1929 o município envia uma representação ao Ministro da Educação «…acerca da expropriação da casa onde funciona a escola do ensino primário elementar da freguesia de Santa Cruz, na Rua da Sofia, a fim de se poder levar a efeito a abertura da nova rua que ligará a Rua da Sofia com a do Arnado» (90). A nova artéria era a Rua João de Ruão e, a escola masculina deve ter mudado de local passando a funcionar sobre a Imprensa Académica, também na Rua da Sofia, até Novembro de 1938. Na realidade, neste mês o edifício seria vistoriado dado o seu estado de ruína, tendo as aulas transitado para a Escola do Magistério Primário, no Largo da Sé Velha. Ainda nesse mês e na sessão do dia 24 o município arrenda uma casa no Pátio dos Castilhos por 1.000$00 mensais para nela se instalar a Escola Primária Masculina de Santa Cruz, equacionando‑se posteriormente a sua mudança para o Terreiro da Erva (91). 4. Da paróquia à freguesia civil Pela Lei Nº 62 de 23 de Junho de 1916 alterou‑se substancialmente a divisão administrativa do território, com a paróquia civil a ser substituída pela designação de freguesia,



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órgão que se manteve até aos nossos dias, independentemente das várias alterações dos órgãos supra‑locais: Divisão Administrativa, Magistraturas, Corpos Administrativos, Órgãos Consultivos. No entanto, e apesar dos diversos esforços por nós efectuados, não conseguimos identificar (ter‑se‑ão perdido?) os livros de actas da freguesia de Santa Cruz de 1916 a 1976, nem no arquivo da junta de freguesia, nem nos arquivos locais, regionais e nacionais, nem mesmo em arquivos particulares. O mesmo já sucedera com os livros de actas das juntas de paróquia de Santa Justa e Santa Cruz, das quais apenas conhecemos e vimos utilizando cópias. Um período demasiado longo, com informação relevantíssima e fundamental para a compreensão dos mecanismos históricos da freguesia, que assim se desconhece e se não recompõe historicamente. Nem mesmo através de jornais, boletins ou revistas conseguimos suprir tal falta, que constitui grave lacuna no nosso trabalho a que somos, porém, alheios e que fica para memória futura. Apenas alguns dos nomes dos membros dos órgãos autárquicos nos foi possível recuperar (v. anexos, tabela 3). Compulsando os livros de actas das sessões da Câmara Municipal conseguimos reunir um conjunto de informações (escassas) acerca da actividade da junta de freguesia de Santa Cruz pós‑1916. A sua sede funcionará no 1º andar da Igreja de S. João das Donas (por cima do actual Café Santa Cruz) até 1946, ano em que inicia os contactos para se mudar para a Rua Direita, transitando dali para a Rua Mário Pais Nº 20, 2º andar. Em 1928 envolveram‑se a junta de freguesia e o pároco de Santa Cruz em acesa polémica, que ficou conhecida como «A interdição da Igreja de Santa Cruz». A questão relacionou‑se com a utilização dos objectos de culto pelo pároco e no centro da questão estão as competências e direitos da antiga junta de paróquia que se confundem com o órgão que desde 1916 a veio substituir – a junta de freguesia. De facto, desde 1903 que as irmandades de Nossa Senhora da Conceição, Santíssimo Sacramento e Santo António vinham pagando taxas anuais acordadas com a junta de paróquia. Porém, em 1927 o pagamento seria suspenso por elas, entendendo a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia e de acordo com a Lei suspender em Abril de 1928 o uso dos objectos de culto, que considerava como propriedade sua. Tais objectos eram restos do antigo museu organizado por António Augusto Gonçalves ainda depositados na sobre‑claustra do Silencio. Em resposta a uma carta a comunicar o facto, o pároco da igreja de Santa Cruz lançará a 4 de Abril interdição da igreja (92). A interdição motivará a intervenção do Governo Civil, através de processo de inquérito à Junta de Freguesia de Santa Cruz. Esta defende‑se das questões levantadas acerca da propriedade sobre os ditos bens, alegando o inventário do ano de 1843 onde se descrevem em pormenor, ou o facto de o guarda da igreja ter preparado a ornamentação da Igreja da Pedrulha para a festa de 15 de Abril levando os objectos precisos. Mas a questão mais sensível dizia respeito à acusação feita pelo pároco de por diversas vezes a



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junta ter emprestado os objectos de culto para «usos extranhos». Confirmará a junta o dito empréstimo, feito com intuito caritativo: «A Junta promoveu em Junho de 1927 festivais no Pátio da Inquisição cujo produto se destinou à “Colónia Balnear Infantil” da Freguesia e da sua iniciativa; metade dos bancos foram deslocados da Egreja de Santa Cruz para o local das festas só para obter receita das pessôas que neles se sentassem. (….) Nunca foram emprestados para festivais, a não ser uma vês para servirem no coreto do concurso Hípico, da iniciativa do Club “Tiro e Sport”, mas patrocinado pelo Estado. (…) Julgo por bem informar V. Exª que na ocasião da saída dos bancos para o Pátio da Inquisição já a Egreja tinha sido ameaçada de interdição (…) A Junta emprestou – (como o fazia antes da proclamação da República) tapetes para servirem em sessões solenes na Câmara Municipal, quando da vinda a esta cidade dos Excelentíssimos Presidentes, Sidónio Pais e António José de Almeida, e outras entidades oficiais, e ainda para a Associação Comercial, e Associação dos Artistas, não me recordando se porventura o foram para outras associações locais mas tam somente para sessões solenes. Nunca para servirem de tapetes e bailes» (93). Na continuidade do processo que lhe fora movido, a Junta de Freguesia passará ao ataque, lançando graves suspeitas sobre o pároco ao nível das «regras morais e sociais indispensaveis». De facto, entre as acusações levantadas sobre o pároco constavam «… um grupo de senhoras com o consentimento do Sr. Prior da freguesia ponha e disponha dentro da Egreja como em casa sua, arrumando e desarrumando os objectos sem atenção alguma pelo guarda da Egreja como seu único responsavel para com a Junta da Frèguesia (…) É voz corrente que na Egreja de Santa Cruz, as tais senhoras e o Pároco, não tratam só de religião, muito principalmente nas horas extraordinárias em que elas aí se encontram; disse horas extraordinárias, porque nas outras egrejas – sendo a religião a mesma –não se vê além das treze horas as suas portas abertas senão para assuntos paroquiais inadiáveis e indispensáveis. Em Santa Cruz é o que se observa…pois se até lá está montado pelas Senhoras e Pároco um cinema!!» (94). Belisário Pimenta era ao tempo Presidente do Conselho de Arte e Arqueologia e nas suas Memórias narrou o epílogo da história. Segundo relata o conflito centrou‑se no campo político uma vez que a junta de freguesia era republicana e o prior pretendia substituí‑la por outra de cariz mais católico. Depois de várias diligências, a 17 de Novembro de 1928 o Governo fazia publicar a portaria nº 5742, que mandava entregar á comissão do culto da freguesia de Santa Cruz certo número de objectos que estavam no Museu da Junta de Freguesia e recolher o resto que tivesse valor artístico ao Museu Machado de Castro. A selecção dos objectos fez‑se na véspera de Natal de 1928, na presença de elementos da Junta de Freguesia, da Comissão do Culto Católico e do Conselho de Arte e Arqueologia: «Logo de entrada viu‑se que o padre queria tudo, objectos bons e maus, e dava à portaria uma interpretação diferente; de brando que até aí parecia, passou a argucioso e certa altivez nos modos. Quis demonstrar‑me que a portaria foi feita para lhe ser entregue o museu todo!



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Eu esgotei a diplomacia (…) mas o padre não queria ficar dependente da Junta e percebeu de certo que eu não propunha solução em que ele podesse ficar com qualquer predominio sobre a Junta. (…) Eu acudi logo pondo a questão nua e crua: ‑ Estes objectos teem ou não valor artístico? Os vogais do Conselho tiveram que dizer que sim. Logo, os objectos não seriam entregues á Comissão do culto e dariam entrada no Museu Machado de Castro. Ainda quis conciliar: o padre levaria um terço ou metade dos paramentos que lá havia e o resto ficava, e ser‑lhe‑ia cedido para as festas em que ele necessitasse de melhores adornos. Mas o padre recusou (…) a Junta continuava depositaria do Museu e ele teria que se lhe dirigir e solicitar. Enfim, a bomba estoirou quando eu, depois de esgotar todos os recursos para a conciliação, lhe disse: – Pois sr. prior: não sei como conciliar a portaria com os desejos de VExª. Como não aceita nenhuma destas nossas transigências e não reconhece a nossa boa vontade, o Conselho tomará posse de tudo e depois estudará o assunto com as estações superiores. O prior, um pouco afogueado, respondeu apenas: ‑ Pois V.Exªs não me dão nada? Passem VExªs muito bem! E nervoso, largou porta fora, com os vogais da Comissão de culto. Nós ficámos a olhar uns para os outros. Resolvemos tomar posse de tudo e encerrou‑se a sessão» (95). Posteriormente a esta época, os documentos de que dispomos dizem respeito a actas da assembleia de freguesia e junta de freguesia de 1977 à actualidade, ou seja, correspondem ao pós 25 de Abril, desconhecendo‑se uma vez mais por falta de dados como os órgãos autárquicos viveram a revolução da liberdade. 4.1. A continuidade entre a paróquia e a freguesia civil; a imensa obra de Assistência e Beneficência A freguesia de Santa Cruz fez desde sempre parte da cidade. E era justamente nas cidades que situações de pobreza e miséria, de desfavorecimento e desamparo eram mais visíveis. Em Coimbra e, especificamente, na baixa a situação ganhou uma dimensão mais mediática, devido à progressiva industrialização do seu espaço, onde surgiram bairros de operários, criticados pelos especialistas devido a falta de condições de higiene e de salubridade. Por outro lado, tínhamos as características ruas, becos e vielas, onde muitas situações de desumanidade se escondiam. Ainda no tempo da junta de paróquia iniciou‑se uma curiosa cruzada pelos desfavorecidos que a dada altura se passou a designar por Obra de Assistência e Beneficência, resposta possível de um pequeno órgão de administração local a uma realidade confrangedora. Os documentos deram‑nos a justa medida da sua evolução.



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Embora a junta de paróquia comportasse o desenvolvimento de funções sociais, a realidade é que aos poucos elas se tornam a maior das preocupações. Logo na sessão de 16 de Agosto de 1889 é instalada a Comissão para distribuição de livros e vestuário a crianças pobres, o que pode ser visto como uma das primeiras medidas higienistas e de protecção à infância deste pequeno universo que vimos estudando. E, a avaliar pela acta da sessão de 31 de Agosto de 1889, quinze dias depois da instalação da dita comissão a pobreza abatia‑se sem piedade: «Sendo esta Junta auctorisada a constituir‑se em Commissão de benificencia a fim de destribuir livros e vestuário pelas creanças mais neccessitadas d’esta freguesia e tendo, para esse fim, no seu orçamento a quantia de 50.000 rs (…) foi resolvido gastar‑se até à mencionada quantia attendendo á immensa pobresa que há n’esta freguesia» (96). A protecção à infância volta a destacar‑se na sessão de 12 de Fevereiro de 1891 em que os vogais encarregam o Presidente da Paróquia de enviar a Sua Magestade uma representação «…pedindo‑lhe para auxiliar esta Junta, nas obras que se pretende fazer na casa situada ao sul da egreja de Santa Cruz, para o estabelecimento de uma créche d’esta freguezia» (97). Pelos inícios do século e contando com um conjunto de personalidades atentas ao meio infantil, a junta de freguesia lança‑se no costume de fomentar colónias balneares na Figueira da Foz, ficando os turnos de crianças instaladas na Praia de Buarcos. Tais colónias eram abertas à participação das crianças nos meses de verão mediante envio de requerimento ao presidente da junta de paróquia. A procura cedo superou a oferta; em Setembro de 1912 estando já inscritas 40 crianças a junta decide abrir mais 20 vagas declarando que «todas as despesas são exclusivamente pagas pelo cofre da junta» (98). O objectivo destas colónias passava por permitir que as crianças recebessem banhos ou ares de mar, numa altura em a mortalidade infantil era elevada e doenças como a tuberculose começavam a emergir com grande força. Figuras da cidade ou simples particulares associavam‑se à obra assistencial; por exemplo em Junho de 1923 o Sr. Pinto & Sotto Mayor enviava à junta um cheque de 100$00 para ajudar nas despesas (99). Mais tarde o financiamento para tal fim consegue‑se através do aluguer do Café Santa Cruz. Assim, em 1919 o município concedia um subsídio de 20$00 à colónia balnear infantil da freguesia de Santa Cruz, o que se repetirá nos anos seguintes (100). Mas, em Junho de 1923 não dispondo a Câmara Municipal de fundos para o efeito delibera «… que os seus vereadores se cotizem e enviem a importância àquela Junta de Freguesia» (101). As preocupações de assistência social revelam‑se fundamentais em momentos inesperados, como as cheias. Estas afectavam em particular as paróquias de S. Bartolomeu, Santa Cruz e Santa Clara. Na grande cheia de Janeiro de 1915 a Junta de Paróquia de Santa Cruz foi dos primeiros poderes a agir fazendo «…a distribuição de géneros, colchões, cobertores e lençóis pelas famílias inundadas (…) que principiou a ser feita pela Rua do Carmo, Terreiro da Erva, Rua do Moreno, Arco do Ivo e Rua Nova» (102). Algumas datas simbólicas eram aproveitadas para distribuição de dinheiro pelos pobres como o 5 de Outubro (data implantação da República), algumas vezes com donativos enviados por instituições supra‑municipais como o Governo Civil (Dezembro 1924).



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Em meados dos anos vinte havia uma proximidade muito grande entre a Junta de Freguesia de Santa Cruz e a Associação de Beneficência “Os amigos da Escola” na medida em que ambas desenvolviam fins assistenciais e beneméritos. Na sessão extraordinária da junta de 11 de Maio de 1924 resolveu‑se em harmonia com a direcção desta associação «…fazer pelas festas da Rainha Santa uma kermesse no claustro de Santa Cruz, para que com o produto dessa festa, se possa dar cumprimento aquela obra de benemerência, mandando em Agosto um grupo de creanças à praia da Figueira da Foz a fim de fazer uso dos banhos e dos ares e auxiliar os cofres da referida Associação, creada para proteger as crianças pobres da Escola» (103). O saldo da quermesse seria dividido em partes iguais pelas duas instituições, revertendo o da junta em exclusivo para a colónia balnear infantil. Crianças que a partir de meados dos anos vinte são previamente inspeccionadas por iniciativa da junta de freguesia na sua sede. Em sessão ordinária de 24 de Agosto de 1924 a junta emite voto de agradecimento ao Dr. Francisco Pedro de Jesus «…a maneira carinhosa e desinteressada como cedeu ao pedido desta Junta para as inspecções das referidas creanças que devem seguir no dia 4 de Setembro no comboio das 17 horas» (104). A primeira reunião da junta saída das eleições de Dezembro de 1925 trará o incremento da obra de assistência. De facto, na sessão do dia 2 de Janeiro de 1926 o vogal António Leite Pinheiro apresenta uma proposta onde os intentos de felicitações ás autoridades são na realidade o pretexto para associar os poderes mais próximos à obra social em curso: «3º Saudar o Sr. Governador Civil, na qualidade de chefe superior do distrito, esperando de S. Ex.ª o seu valioso concurso para em benefício dos pobres, das criancinhas e das casas de beneficência e instrução, esta Junta poder desenvolver mais ainda a sua benéfice e salutar acção, distribuindo uma maior soma de benefícios. 4º Saudar a Câmara Municipal de Coimbra, esperando que a ilustre vereação procurará, dentro do possível, atender às necessidades urgentes da população em todos os serviços dela dependentes e muito especialmente no que se refere à higiene, iluminação, abastecimento de águas, serviços de incêndios, etc. e sendo natural que esta Junta tenha durante a sua gerência de chamar a sua atenção e de fazer algumas reclamações em benefício da população da sua área, espera que a ilustre edilidade a atenderá, tanto mais que quando o tiver de fazer, será sempre dentro da Justiça, da razão e dos deveres que lhe impõe o bom nome da cidade e da freguesia que representa. 6º Saudar na Imprensa Periódica de Coimbra a imprensa do país, reconhecendo nela uma das alavancas supremas do progresso e da civilização, esperando dela todo o auxílio moral para a defesa dos interesses morais da população desta freguesia e do progresso desta linda cidade. 7º Saudar na Federação das Juntas de Freguesia em Lisboa, as Juntas de todo o país, esperando delas também toda a solidariedade. 8º Saudar o povo da sua freguesia, garantindo‑lhes que esta Junta há‑de saber administrar os seus bens com honestidade e honradez, e continuar mantendo os créditos da Junta, esperando do mesmo povo, toda a cooperação leal e sincera». Este era até então o mais esclarecedor documento sobre um programa assistencial que vinha de tempos antigos mas que urgia incrementar. Porém, a polémica rebenta por onde



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menos se esperava. Em Fevereiro de 1926 a junta tem de intervir publicamente e através da imprensa, veiculando um comunicado aos habitantes da freguesia. Ao que parece corria o boato de que a junta se preparava para vender 2 tapetes persas, pertencentes ao museu à sua guarda, sem ouvir as autoridades competentes e para proveito próprio. Porém, e a crer nos pontos 4 e 5º da comunicação tal venda não estava ainda aprovada mas tinha uma finalidade benemérita: «4º no dia 31 de Janeiro ao ser distribuída pelos pobres desta freguesia e casas de beneficência a importância de 875$00, subsídios que pela primeira vez foram levados às residências dos contemplados, esta Junta lamentou que em algumas casas a miséria fosse tanta, não havendo em muitas ar nem luz e só sofrimento e dor, com impressão de tais aspectos de miséria, trocaram‑se impressões momentâneas; 5º e alvitrou‑se que, com o juro da importância dos dois tapetes que poderiam ser adquiridos pelo Governo, poderia fazer‑se muito em benefício destes infelizes, construindo‑se especialmente um bairro, resolvendo assim um problema que não só os beneficiaria, mas auxiliava a Câmara, facilitando varias expropriações para o alteamento da baixa» (105). A 4 de Março de 1926 a Gazeta de Coimbra entrevista o presidente da junta para mais esclarecimentos. E percebe‑se a dimensão da questão em causa. Desde 1904 as diversas juntas vinham pensando em vender tais tapetes sempre com uma finalidade filantrópica. No que lhe diz respeito o presidente nega a venda a um particular, embora exprima ao mesmo tempo que a venda a concretizar‑se resolveria duras batalhas sociais que por Santa Cruz se travavam: «É verdade que com a importância de mil contos, se construiria um bairro operário, caso o Estado quisesse resolver sobre o assunto, mas só assim! Seria uma obra humanitária (…) Como lhe disse, a ideia que em nós prevalece, e que julgo inteiramente aceite por todos os que têm acompanhado a nossa obra humanitária é a de construir com a soma que o Estado nos desse, um bairro operário (…) Tanto os meus colegas da junta como eu temos procurado sempre desempenhar o melhor possível a nossa missão. Sobretudo o fim beneficente, temos procurado servi‑lo na medida das nossas forças. Muito desejaríamos construir casas para pobres, balneário, uma casa na Figueira e outra no campo para a colónia infantil, etc. etc. Procuraremos efectivar com boa vontade o que nos for possível.»(106). Mas como o assunto tardava em sossegar, em Março de 1926 a junta solicita ao Governo Civil que promova um inquérito aos factos e os torne públicos. Responde com ponderação o governador José de Pina Cabral não permitindo esse procedimento, e destacando a“dedicação republicana” do órgão. Em sessão de 7 de Março de 1926 a junta de freguesia de Santa Cruz decide federar‑se na Federação das Juntas de Freguesia de Portugal, afastando‑se da federação das juntas de Coimbra (Santa Clara, S. Bartolomeu, Sé Nova, Almedina e Santo António dos Olivais), motivando uma reacção de desconforto da parte desta. Este afastamento teria



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A FREGUESIA NOS ANOS VINTE Partindo do extremo norte da Rua João Machado (então Rua do Gasómetro) e depois de a percorrer, notando que poucas construções a ladeavam, além da fábrica do gaz e de um edifício fabril hoje alterado, chegaríamos a uma estrada que da Rua Direita levava à Casa do Sal. Nesse cruzamento depararíamos com uma capela a arruinar-se (Capela do Senhor do Arnado). Inflectindo à esquerda, e por entre muros de ínsuas ou um ou outro armazém ou oficina abarracada, atingia-se o cruzamento com a Rua do Carmo e, dobrando logo à direita, ir-se-ia até à Rua da Madalena (futura Avenida Fernão de Magalhães) que se percorreria no sentido das Ameias deixando à esquerda as entradas das ruas de João Cabreira, da Moeda, de Simão de Évora, das Padeiras e de Adelino Veiga e, à direita, uma ou outra casa no limite de ínsuas que se estendiam até à linha do caminho de ferro e dele à margem do rio. A meio dela abria-se uma rua, relativamente larga, na direcção ribeirinha, onde à direita havia um grupo de casas de lojas e de dois andares (hoje a serem substituídas por altos prédios), e ao fundo, à esquerda, a Sociedade de Mercearias, que se transformaria mais tarde nas Fábricas Triunfo. Todas as ruas da zona do Arnado estavam então a um nível de cerca de dois metros abaixo das actuais, que as substituíram, e, por isso mesmo, frequentemente inundáveis (…) Rodeada a Praça ou Largo da República subia-se a curta rua, que posteriormente seria de Campos Rego, até à de Antero de Quental, que se percorreria até ao topo norte da Rua Oriental de Montarroio, que se desceria até encontrar o cruzamento com a Rua Ocidental de Montarroio (que terminava na denominada Casa do Mirante, continuando-se para a Conchada através de uma quelha entre muros com piso de terra batida). Se esse sector de rua, muito antigo, se subisse, ter-se-ia que voltar nos passos dados, já que a travessa da Rua Dias Ferreira ainda não existia, como não existia a rua que lhe deu o nome. Encontrado de novo o cruzamento das ruas Oriental e Ocidental, descia-se a Rua de Montarroio, - deixando à esquerda o alto muro do Hospício e, à direita, o velho bairro entalado entre ela e o Pátio da Inquisição e, chegados à Praça 8 de Maio, seguir-se-ia pela Sofia até encontrar o ponto de partida. Dentro deste perímetro o casario agrupado, num amontoado de ruas, travessas, becos e alguns largos, que ainda hoje conhecemos sem qualquer metamorfose de vulto. Anais do Município 1920-1939, P. VIII

a sua explicação; de facto, uma das principais funções da federação de Coimbra era a realização conjunta das colónias balneares, e tudo indica que a gestão da contabilidade foi a gota de água que fez transbordar o copo. Nos anos seguintes, a junta de Santa Cruz organiza apenas com os seus recursos a colónia balnear, que passa a estar na dependência de uma comissão, presidida pelo presidente da junta, que conseguiu, por exemplo, a importante receita, oferecida pela Companhia Alves da Cunha, de grande espectáculo realizado no Teatro Avenida, a 10 de Maio de 1926 Em Julho de 1926 com a dissolução de todas as corporações administrativas foi também dissolvida a Comissão Organizadora da Colónia. Facto que não impediu a continuação da política das colónias

4.2. Diversas preocupações no centro das atenções Depois da criação da junta de freguesia civil, as preocupações mantêm‑se centradas no templo de Santa Cruz, que cada vez mais atraía turistas. A 26 de Abril de 1919 a Comissão Administrativa da junta aprova um voto de louvor ao vogal Eduardo Gomes



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«…pela solicitude que empregou junto de s.ex.ªas, o Presidente do Ministério e Ministro do Fomento para que á Direcção das Obras Públicas fosse concedida a verba precisa para a limpeza da frontaria do Monumento de Santa Cruz e reparações dos telhados»(107). A Junta republicana de 1926 era mais de acção do que contemplação. Em Junho de 1926 e como o Conselho de Arte e Arqueologia não respondia a ofícios enviados pela junta decide, com firmeza, mandar fazer a limpeza da frontaria da Igreja de Santa Cruz e reparações no edifício, apesar de não ser da sua competência nem ter verba disponível. Pressão acertada na medida em que pelo final do mês a Comissão dos Monumentos Nacionais avançava com a obra (108). A junta começa a ser vista pelos fregueses ou paroquianos como o órgão fundamental na intermediação entre a esfera local e a municipal. Assim se compreende o modo como a junta decide acompanhar por unanimidade dois abaixo assinados dos seus “paroquianos” (cerca de 140 assinaturas) contra a Câmara Municipal, elaborados em Junho de 1924 e a propósito da venda da Travessa da Rua Nova e de um terreno que servia de logradoiro público na Rua Oriental de Montarroio (109). Nos finais de 1924 a junta de freguesia resolveu estabelecer nas dependências que possuía na Rua das Figueirinhas um talho regulador (noutra dependência estava estabelecido o marceneiro Manuel de Brito). Depois de obras de adaptação pagas pela junta, o Senado Municipal deu de arrematação o fornecimento de carnes verdes. 5. A Freguesia de Santa Cruz depois de Abril à actualidade Uma viagem pelos livros de actas dos órgãos locais da freguesia permite‑nos concluir que as palavras‑chave do período pós Abril são organização, progresso e modernização. No entanto, há linhas de continuidade. O executivo e a assembleia reúnem, inicialmente, num espaço alugado – a antiga sede da Rua Mário Pais. Porém, no tempo da presidência de António Canhão e na sessão de 5 de Novembro de 1985 o executivo aprova a mudança para o local onde actualmente se encontra: «Foi exposto pelo Senhor Presidente todo o desenrolar do processo para a aquisição da Sede própria para esta Junta. Depois dos esclarecimentos prestados foi deliberado aprovar os termos do contrato de promessas de Compra e Venda, e o valor atribuído a fracção “AR” correspondente à sala número cento e um no primeiro andar localizada no Edifício “Fernão de Magalhães” sito no apartamento da Avenida Fernão de Magalhães com a Rua Padre Estêvão Cabral, nesta Freguesia…» (110). A inauguração do novo espaço ocorreu a 10 de Junho de 1986 e a primeira reunião do executivo realizou‑se a 9 de Julho de 1986. Contudo, a velha sede na Rua Mário Pais trará dores de cabeça para os executivos. Depois de consumada a transferência para a nova sede será a velha cedida à Associação dos Renais, e em simultâneo à Secção dos Reformados da Câmara Municipal em Março de 1990. Mais tarde, a sede será cedida à Associação Nacional dos Deficientes



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e Sinistrados do Trabalho, sem quaisquer custos, com água e luz paga pela junta como subsídio aquela associação, situação que se manteve durante a presidência de José Coimbra. Contudo, no inicio do mandato de Hildeberto Teixeira a junta decide «…reaver as instalações para lhe dar o uso que vier a ser decidido e que se marcasse o tempo limite 31. Julho 1994» (111). Mas as coisas complicar‑se‑iam sobremaneira nos anos seguintes, culminando com a comunicação feita ao executivo pelo seu presidente na reunião de 4 de Janeiro de 1999, onde se dá conta que o Tribunal de Coimbra notificara a junta de freguesia a 31 de Dezembro de 1998 «…com uma acção sumária, acção de despejo das instalações da Rua Mário Pais (…) Analisada a situação e fundamentada pela não utilização dos nossos serviços e ocupação pela Associação Nacional dos Deficientes e Sinistrados do Trabalho, ficou decidido nomear para representante da Junta o Dr. João André, pelo que foi solicitada uma reunião com os elementos do executivo e o Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia» (112). Como se vê nas actas posteriores a junta centra‑se em sair do processo sem ofensa para a sua dignidade pública. O que conseguirá mediante acordo amigável registado na reunião do executivo de 26 de Julho de 2000, entre o Presidente da Junta de Freguesia, Hildeberto Teixeira e o proprietário da antiga sede, Sr. Mário Fernandes Esteves, segundo o qual a junta liquidou 150 contos (113). Uma falta de espaço próprio, largo e capaz de permitir desenvolver múltiplas actividades que chegará aos nossos dias, estando a Junta de Freguesia de Santa Cruz em vésperas de se mudar para remodeladas e espaçosas instalações. Ao longo destes anos grande parte do esforço e do dinheiro da junta será canalizado para dois sectores: obras em caminhos, estradas, muros, pontes, iluminação e subsídios a colectividades. Mas outras áreas como o apoio a comissões de festas ou a Festas de Natal para crianças será objecto de especial atenção por parte da junta de freguesia. Devido ao acumular de competências a partir de meados dos anos 80 inicia‑se o processo de divisão de pelouros ao nível do executivo autárquico, primeiro por áreas (Baixa, Conchada, Coselhas e Pedrulha) e depois por funções (Obras e Saneamento, Serviços Administrativos, Finanças, Serviços Sociais e Cultura, Relações Públicas). Mais recentemente, na sua reunião de 14 de Janeiro de 1998, a junta de freguesia aprovou por proposta do presidente o cargo de assessor, que contudo não vingaria. Transversalmente a esta divisão promovem‑se regularmente visitas a zonas especificas da freguesia. Algo que se justificava também por um incremento no movimento de pessoas e de bens, observável no expediente da Secretaria da junta de Janeiro a Dezembro de 1986: 1146 deslocações, 164 atestados, 25 certidões, 13 termos de identidade e 654 oficios expedidos. ‑Cemitério: 7 vendas de sepulturas, 8 sinais funerários, 1 venda de Ossário, 1 ocupação de coval perpétuo, 1 transferência de ossadas. ‑Recenseamento Eleitoral: 8.670 eleitores inscritos, 332 eliminações e 305 novas inscrições.(114) Por outro lado e nos elementos que a junta requisitara ao Instituto de Emprego e Formação Profissional para prestar trabalhos contabilizava‑se: 1 pedreiro, 3



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serventes, 1 assistente social, escriturária, 2 serventes limpeza, 1 motorista. Mas a junta é agora um órgão activo e independente, opinando sobre temas vitais para a cidade. Na sua reunião de 29 de Setembro de 1980 a assembleia e a junta são unânimes na vontade, que parece ser geral em toda a cidade de acabar com a linha férrea dentro da mesma, passando a estação do términus do ramal da Lousã para o Calhabé. A área social foi uma das de maior cuidado e atenção por parte da freguesia, sempre atenta às crianças e aos desfavorecidos. Nos anos oitenta promoveram‑se colónias Foto 13 – Grupo de crianças da Colónia de Férias da Freguesia de Santa Cruz (1943) balneares para as crianças, sendo paradigmático o exemplo do Verão de 83, em que tal acção foi levada a cabo nas instalações da Fundação Bissaya‑Barreto na Gala, entre 21 de Agosto e 4 de Setembro, mediante 5.750$00 por criança. Foi principal entusiasta desta e de outras iniciativas semelhantes a tesoureira da junta Maria Candida, que não só reverteu os seus vencimentos até final daquele ano em favor da colónia balnear, como conseguiu junto do Vereador Dr. Fausto Correia um subsídio de 50.000$00. A título muito excepcional o transporte fez‑se em viatura cedida pelo Comandante da P.S.P. (115) Mas a junta está atenta também às situações de grande miséria social, mesmo quando o desfecho é trágico. Em Maio de 1985 o executivo delibera por unanimidade pagar o funeral de Bernardino Simões, falecido a 21 de Abril «…num barracão na Conchada, sem assistência médica e na maior das misérias» (116). Nos anos 90 a vertente social orienta‑se preferencialmente para os mais velhos, realizando‑se em Junho de 1992 o primeiro Passeio dos Idosos. Os anos oitenta e noventa conheceram grandes avanços no poder autárquico, criando‑se a ANAFRE, órgão a que em Julho de 1991 a Junta de Freguesia decide



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«representar‑se na sua maior força». Neste tempo promovem‑se reuniões entre juntas, partilhando‑se ideias e experiências. Assim, e no seguimento das comemorações do 5 de Outubro de 1983, realizou‑se uma reunião inter‑juntas de freguesia, onde o Secretário de Estado da Administração Autárquica, Helena Marques anunciara «…que as Escolas passariam a ser da responsabilidade das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia e que às autarquias iriam ser atribuídas mais responsabilidades e uma maior autonomia» (117). Esta responsabilidade acrescida na área da educação manifesta‑se ainda no levantamento feito pelo O.T.L. dos analfabetos da freguesia, que ficou concluído em Outubro de 1983 e que levou Maria Cândida a manifestar a sua apreensão pelos números apresentados: 888, sendo 137 homens e 751 mulheres. A evolução da junta fez‑se também a nível material: em 1986 adquiriu um dumper, em Setembro de 1993 principia a construção de uma arrecadação/armazém na Pedrulha. Equipamento que aos poucos foi beneficiando a sua Secretaria: em Abril de 1991 adquire‑se fotocopiadora e máquina de escrever, em Novembro adquire‑se o livro Como gerir a freguesia e em Junho de 1993 adquire‑se a Revista Administração Local. Em Janeiro de 1999 a junta adere aos serviços da Internet. Em termos orgânicos o executivo admite um coveiro/cantoneiro em Abril de 1984, o Sr. João Ezequiel. Junta de Freguesia que se foi fazendo de pessoas, homens e mulheres. Alguns acabaram por se destacar como foi o caso de Fernando Duarte, funcionário da junta que na sessão de 13 de Janeiro de 1990 é consagrado com um voto de louvor, proposto pelo Tesoureiro Sr. Fernando de Azeredo e aprovado por unanimidade «…pela dedicação que tem demonstrado no desempenho das sua funções»(118). Para este período o quadro dos diversos executivos da Junta de freguesia de Santa Cruz foi reconstruído com base nos livros de actas (v. anexos, tabela 4). Verifica‑se que a junta tem colaborado com outras juntas para além das que fazem parte do concelho nos mais diversos eventos: sorteios (Junta Pombeiro da Beira, Junta Freguesia de Outil), subsídios (para a sede da Junta de Freguesia de S. Silvestre). E a partir de 1994 fez parte da Comissão de Festas da Cidade. Esteve a junta atenta ao crescimento urbano da cidade, especialmente o verificado para Norte. Do mesmo modo, foi vigilante atenta ao que de negativo ocorria. Em Abril de 1992 aprova‑se por unanimidade a proposta do Secretário Ernesto Lucas: «Constacta‑se que junto á nova variante (desvio da Estação Velha, ao Açude, se está a construir um aldeamento/barracas, facto que por si só transmite uma má imagem da Cidade. Nesta óptica proponho que se alerte a C.M.C. para o facto, solicitando todas as diligencias necessárias á boa resolução do problema» (119). Os últimos vinte anos trouxeram também uma maior atenção à questão ambiental, temática a que o executivo não foge e reage. Um exemplo do que afirmamos aconteceu em Março de 1993, quando o executivo toma conhecimento da saída de nafta das Fábricas Triunfo o que prejudicava toda a zona e decide oficiar à C.M.C. (120).



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Notas

1. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 34 2. Id. 3. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 427, 586‑587 4. Id. Doc. Nº 3, Pp. 7‑11 5. Dicionário Geográfico de 1758: «Rellação das couzas notaveis da Cidade de Coimbra» V. 11, Nº 349, Pp. 2393‑2394 6. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 54 7. A.H.M.C. – Registo da Correspondência T. Nº 2, Fl. 83 8. Anais do Município, 1840‑1869, P. VII 9. Rui Pinto de Azevedo (introdução e notas) ‑ Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, Vol. I, T. I, 1095‑1185, Doc. Nº 161, Lisboa, 1958, Pp. 209‑210. 10. Jorge de Alarcão – Coimbra: A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 168. 11. Rui Pinto de Azevedo (introdução e notas) ‑ Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, Vol. I, T. I, 1095‑1185, Doc. Nº 172, Lisboa, 1958, Pp. 209‑210. 12. A inquirição de 1200 foi feita por determinação do Papa Inocêncio III, com o fim de averiguar o fundamento das queixas dos bispos de Coimbra sobre a usurpação dos seus direitos e rendimentos pelo mosteiro de Santa Cruz. 13. Armando Alberto Martins – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003, Pp. 249‑250 14. Id. P. 251 15. Id. Pp. 443‑445 16. A. Nogueira Gonçalves ‑ «A Capela Matriz do isento de Santa Cruz de Coimbra», In Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, Vol. X, Coimbra, 1988, P. 115 17. Manuel Augusto Rodrigues (Coord), José de Vasconcelos; Júlio Ramos – António de Vasconcelos perpetuado nas páginas do “Correio de Coimbra”, 1922‑1941, Arquivo da Universidade de Coimbra, 2000, P. 315 18. Id. P. 130.



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19. Carlos Santarém de Andrade ‑ «O Termo de Coimbra visto através da “Contribuição Extraordinária de 1808» In Rev. Munda Nº 11, Maio, 1986, P. 15 20. Jorge de Alarcão C – Coimbra: A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 175. 21. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 36 22. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 43 23. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 361 24. Anais do Município de Coimbra, 1640‑1668, P. 157 25. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 238, Nota Nº 1. 26. Id. P. 253 27. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 158 28. Id. P. 159 29. Id. Pp. 160‑161 30. Id. P. 183 31 Id. P. 206 32. Por volta de 1854 existiam na cidade e arredores as seguintes juntas de paróquia: Sé; S. Pedro; S. Christovão: S. João de Almedina; Salvador; S. Bartholomeu; S. Thiago; Santa Justa e Pedrulha; S. Martinho do Bispo; Nazareth da Ribeira; Taveiro; Amial; Arzila; Sernache; Antanhol; Almalaguez; Assafarge; Castello Viegas; Ceira; Eiras; S. Paulo; Brasfemes e Torre de Vilella; Botão; Pampilhoza; Souzellas; Trouxemil; Antuzede e S. Facundo; Cioga do Campo. 33. A.H.M.C. ‑ Livro das Justiças do Concelho de Coimbra e Juntas de Paróquia, 1854‑1868 34. Id. 35. Edital do Governo Civil de Coimbra, 19 Dezembro, 1854. 36. Vide Gazeta de Coimbra, 21 de Maio 1927 37. Mappa Geral das Povoações, casaes, quintas, etc., das freguezias que compõem a Comarca de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865, Pp. 2 e 3. 38. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 01/07/1886, Cx. Nº 320, 1860‑1887 39. Anais do Município, 1904‑1919, P. 226 40. Anais do Município, 1840‑1869, P. 317 41. Jornal O Conimbricense, N. 2837, XXVII Ano, Sábado, P. 1‑2 42. Id. P. 2 43. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 03/01/1889, Cx. Nº 321, 1888‑1889 44. Id. Sessão 18/02/1900, Cx. 328, 1900 45. Id. Sessão 26/04/1903, Cx. 331, 1903



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46. Id. Sessão 8/10/1891, Cx. 323, 1891 47. Id. Sessão 19/06/1898, Cx. 326, 1897‑1898 48. Vide jornal O Conimbricense, Nº 5460, Terça Feira, 13 de Março de 1900, Ano 53º, P. 1 49. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão de 27/07/1902, Cx. 330, 1902 50. Id. Sessão 5/01/1890, Cx. 322, 1890 51. Id. Sessão 18/10/1891, Cx. 323, 1891 52. Id. Sessão 31/12/1898, Cx. 326, Pasta 1909‑1910 53. «Registo Civil» In Gazeta de Coimbra, 14 Outubro 1914 54. A.U.C. ‑ Fundo do Governo Civil: Livro de Registo dos Regedores de Freguesias, 1871‑1915; Livro de Registo dos Regedores de Freguesias, 1896‑1933 55. Helena Costa Araújo – Pioneiros na Educação: As professoras primárias na viragem do século – contextos percursos e experiências, 1870‑1933, 1ª edição, Instituto de Inovação Educacional, 2000, P. 75 56. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 98, Fl. 26 57. Id. P. 213 58. Luís Reis Torgal ‑ «A Instrução Primária e a Educação Infantil» In História de Portugal, Dir. de José Mattoso, 5º Vol. O Liberalismo (1807‑1890), Círculo de Leitores, 1993, P. 617 59. Anais do Município, 1840‑1869, P 415 60. Anais do Município, 1870‑1889, P. 8 61. Rui Grácio ‑ «Ensino Primário e Analfabetismo» In Dicionário de História de Portugal, Vol. II, Dir. Joel Serrão, Livraria Figueirinhas, Porto, P. 394. 62. Anais do Município 1870‑1889, P. 62 63. A.H.M.C. – Representações ao Rei e ás Cortes, 1874‑1880, Fl. 18 64. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Livro da Matrícula dos professores d’instrucção primaria do concelho de Coimbra, fls. 3v.-4v. e 34v. 65. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Livro do Movimento dos professores e professoras, fl. 65v. 66. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 16/07/1891, Cx. 323, 1891 67. Anais do Município, 1890‑1903, P. 223 68. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 91, Fl. 224v. 69. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Livro da Matrícula dos professores d’instrucção primaria do concelho de Coimbra, fls. 4v.-5. 70. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Livro do Movimento dos professores e professoras, fl. 65. 71. Anais do Município, 1890‑1903, P. 221 72. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 11/10/1888, Cx. Nº 321, 1888‑1889 73. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 10/06/1887, Cx. Nº 320, 1860‑1887 74. Id. Sessão 2/02/1888, Cx. 321, 1888‑1889 75. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 101, Fl. 199



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

76. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz Sessão 23/05/1889, Cx. 321, 1888‑1889 77. Id. Sessão 2/02/1890, Cx. 322, 1890 78. Id. Sessão 20/05/1890, Cx. 322, 1890 79. Id. Sessão 6/07/1890, Cx. 322, 1890 80. Id. Sessão 21/05/1891, Cx. 323, 1891 81. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 112, Pp. 166‑167 82. Anais do Município, 1870‑1889, P. 266 83. Id. P. 267 84. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz, Sessão 4/06/1889, Cx. 321, 1888‑1889 85. Anais do Município, 1890‑1903, P. 280 86. «Vê‑se! Ouve‑se! e não se acredita» in Jornal O Conimbricense, Nº 5979, Sábado, 18 de Março de 1905, 58º Ano, P. 1 87. Anais do Município, 1904‑1919, Pp. 30, 48, 95 e 160 88. Id. P. 210 89. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 266, Fl. 35v. 90. Anais do Município, 1920‑1939, P. 213 91. Id. Pp. 491‑492 92. A.J.F.S.C. – Processo sobre o Café Santa Cruz, Docs. Nº 3, 4 93. Id. Doc. 4 94. Id. 95. B.G.U.C. – Sala dos Reservados: Ms. 3363 – Belisário Pimenta, Memorias, 1928‑1932, Nº 12, Pp. 26‑28 96. Id. Sessão 31/08/1889, Cx. Nº 321, 1888‑1889 97. A. U. C. – Fundo Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Santa Cruz Sessão 12/02/1891, Cx. 323, 1891 98. «Colónias Balneares» In Gazeta de Coimbra, 4 Setembro 1912 99. Vide Gazeta de Coimbra, 12 Junho 1923 100. Anais do Município, 1904‑1919, P. 291 101. Anais do Município, 1920‑1939, P. 73 102. «A Cheia do Mondego» In Gazeta de Coimbra, 9 Janeiro 1915 103. «Junta de Freguesia de Santa Cruz Sessão Extraordinária de 11 de Maio de 1924», In Gazeta de Coimbra 24 Maio 1924 104. «Junta de Freguesia de Santa Cruz Sessão Ordinária de 24 de Agosto de 1924», In Gazeta de Coimbra 30 de Agosto 1924 105. Vide Gazeta de Coimbra, 27 Fevereiro 1926 106. Vide Gazeta de Coimbra, 4 Março 1926 107. «Comissão Administrativa da Freguesia de Santa Cruz» In Gazeta de Coimbra, 26 Abril 1919 108. «Igreja de Santa Cruz» In Gazeta de Coimbra, 10 Junho 1926 109. «Junta de Freguesia de Santa Cruz Sessão Extraordinária de 5 de Junho de 1924», In Gazeta de Coimbra 10 de Junho de 1924



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II – Evolução Paroquial, Administrativa e Social

110. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1983‑1987, Sessão Nº 44 de 05/11/1985 111. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 5, 09/03/1994 112. Id. Acta Nº 17, 4/01/1999 113. Id. Acta Nº 38, 26/07/2000 114. Id. Sessão Nº 63, 22/01/1987 115. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1983‑1987, Sessão Nº 11 de 26/7/1983 116. Id. Sessão Nº 38, 23/05/1985 117. Id. Sessão Nº 14, 18/10/1983 118. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1987‑1991, Sessão Nº 101, 13/01/1990 119. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 72, 20/04/1992 120. Id. Acta Nº 103, 22/03/1993



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

© João Pinho, 2009

«E em nenhum ponto da cidade como à borda do rio se adensam tanto os mistérios do passado e se obliterou tão acentuadamente o relevo dos lugares e das suas denominações. Por um lado, o trágico duelo tantas vezes secular, entre o Homem e o Mondego, tem dado lugar a inúmeras mutações (…) Por outro lado, o Progresso reduziu à inanidade ou expulsou muito do que em tempos distantes se considerara de primacial importância» José Pinto Loureiro –«Enigmas da História de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XIII, Coimbra, 1955, P. 14



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III – A Baixa

III – A BAIXA UM IMENSO PATRIMÓNIO, UMA HISTÓRIA SECULAR



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A. O arrabalde e a Almedina: origens e primeiras edificações Tentar compreender a história da freguesia passa por centrar a atenção nos vestígios de outras civilizações, apesar da implantação material da povoação moderna dificultar o estudo do solo. Assim, e no decorrer das sondagens arqueológicas «..realizadas no Pátio da Inquisição, foi encontrada cerâmica pré-romana, dando consistência à tese de existência de um povoado pré-romano, mais precisamente da Idade do Ferro, numa das elevações que se erguem sobre o Pátio da Inquisição – Montarroio ou Conchada» (1). Os dados posteriores obrigam a esforço de compreensão: a história da freguesia confunde-se com a história da própria cidade. De facto, logo a partir do séc. XI torna-se visível a dicotomia entre dois pólos: a Almedina e o Arrabalde. As antigas freguesias de Santa Cruz e Santa Justa, que séculos depois vêem a unir-se (vide Capítulo I) integravam-se na parte Baixa da Cidade de Coimbra, ou como correntemente se designa, a Baixinha. No contexto alargado da História da Cidade, este espaço (a Baixa) resulta do desenvolvimento anterior da população para fora do seu perímetro muralhado, ou seja; é uma consequência do crescimento e urbanização dos seus arrabaldes. Sobre esta dicotomia, visível a partir do séc. XI, escutemos Jorge de Alarcão: «A cidade compreendia a almedina e o arrabalde. Aquela era, como dissemos, o espaço intramuros, em época romana presidido pelo fórum e, na medieval, pela alcáçova e pela Sé. O arrabalde (actual Baixa) surgiu de manchas de povoamento em torno das igrejas de S. Bartolomeu, S. Tiago e Santa Justa – manchas que de diversa maneira foram alastrando, numa urbanização mais planeada entre o Arnado e Santa Cruz e noutra, a Sul, mais espontânea. Um outro pólo urbano que, nos fins do séc. XI ou nos inícios do XII, se começou a desenvolver onde D. Telo, em 1131 deu início ao mosteiro de Santa Cruz, foi nado-morto, pois o mosteiro foi afastando os moradores, adquirindo-lhes os prédios. O arrabalde ficou assim circunscrito entre a ponte e Santa Justa, e entre o rio e as actuais ruas Ferreira Borges e do Visconde da Luz» (2). A área construída e edificada extramuros, o arravalde, termo equivalente a suburbium, que encontramos na documentação a partir dos finais do séc. XI, era constituído, na verdade, po vários bairros, que se desenvolveram em volta das principais igrejas. Nesse sentido temos a carta de venda de metade de uma casa, a quarta parte de um quintal e duma tristega no arrabalde de Santa Justa feito por Menendus Veidade e sua mulher Jelvira, a Menendus Cindinis e mulher Flâmula de Pelais (3). Uma atenção especial nos merece o povoamento junto à antiga muralha romana, que delimitava desde a Porta de Almedina, passando pela Rua Corpo de Deus, pela Couraça dos Apóstolos seguindo até ao Colégio das Artes. Embora não seja consensual admite-se que a cerca, nesta parte do seu trajecto, não tivesse saída ou entrada até que os crúzios abriram a Porta Nova, cujos vestígios recentemente se descobriram no nº 126 da Rua



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III – A Baixa

Corpo de Deus. Esta porta, segundo documentos de compra de casas, feitos por D. João Teotónio, já estaria aberta em 1167. Nessa altura o acesso ao vale da Ribela (onde actualmente se desenham a Av. Sá da Bandeira e a rua Olímpio Fernandes), far-se-ia pelos caminhos que partiam das portas de Almedina e do Sol. Depois da abertura da Porta Nova aquele caminho tornou-se a principal via de acesso ao vale, fértil em águas, onde os seus habitantes se ocupavam no cultivo das hortas. Ecos de uma realidade predominantemente agrícola encontram-se em documentos da época, onde abundam as referências a vinhas, hortas, olivais, nogueiras, laranjeiras...engenhos de fazer azeite ou moer pão. Ao chegarmos ao séc. XV, a cidade, do ponto de vista da administração civil, compreendia a povoação urbana propriamente dita localizada na sua maioria no espaço intramuros e organizada em freguesias, e A PROPÓSITO DE ALMEDINA E ARRABALDE um subúrbio circundante. Também com «Durante largos anos da vida da cidade se manteve a separação eno passar dos anos, a tre os dois núcleos de habitantes da parte interior (almedina) e exterior muralha perdera a (arrabalde) da muralha. Várias vezes surgiram conflitos graves entre função separadora de a população do subúrbio ou arrabalde e a de Almedina, desavenças dois mundos, onde provocadas pelos privilégios e imunidades que esta gozava e lhe eram a população se or- dados para que não abandonassem o burgo cercado pela muralha. Pois, ganizava, de forma se nos primeiros anos da monarquia a incerteza das lutas e o receio desigual, nas normas de súbitos assaltos dos mouros obrigavam a população da cidade a sociais e nas activi- permanecer dentro das muralhas, com a vinda de dias mais sossegados dades. Aos poucos e principalmente com a saída da corte para Lisboa, verifica-se um desas instituições aban- povoamento da almedina em benefício do arrabalde, despovoamento donam o primitivo a que foi necessário obstar pela concessão de consideráveis privilégios burgo envolvido pela sem que, contudo, se conseguisse alcançar o fim desejado. muralha; o mercado Tendo-se mantido na cidade, durante o governo dos quatro fixa-se em S. Barto- primeiros reis (…) grande foi o golpe para Coimbra com a ida de lomeu e a sede ca- D. Afonso III para Lisboa, originando o abandono dos prédios hamarária desce da Sé bitados pelos que a constituíam e que, naturalmente, rodeavam os Velha para a Torre de paços reais. Almedina. Por outro lado as famílias ricas que ficaram foram atraídas para O arrabalde cons- o arrabalde, onde se iam formando quintas particulares à beira do tituía há muito uma Mondego, enquanto as casas de almedina eram encerradas ou mesmo atracção e só a insta- abandonadas definitivamente». bilidade decorrente António Correia – «Toponímia Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Vol. VIII, da guerra havia atraBoletim da Biblioteca Municipal, Coimbra, 1945, P. 32 sado a sua ocupação. De facto a zona oferecia condições excepcionais para a vida agrária, pela qualidade dos solos, pela proximidade ao Rio.



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A zona do Arnado fazia parte do arrabalde, surgindo na documentação com as formas Arenato e Arnato. À semelhança de outros topónimos, como Arnal, Arnais, Arneiro, Arnes ou Arnosa, remontam a «…nomes de lugar continuadores e derivados do latima ARENA, que, ao contrário das formas galego-portuguesas areia, areado, areal, areeiro, areosa, etc. (também representadas na toponímia), conservam –n-» (4). Adivinha-se assim o que foi o Arnado de outros tempos. Uma faixa de terreno arreento, composto por ínsuas, areia e matagal, onde também se achavam hortas e vinhas, situado entre o Terreiro da Erva e a Azinhaga dos Lázaros, paralelo ao Rio Mondego e sujeito às cheias que ali foram depositando várias camadas de areia. O documento mais antigo data de 1083. É uma carta de venda, de Maria Aires à Sé, de uma horta com seu poço, a Ocidente vinha até ao rio e confrontava a Oriente com a vinha de Soleima Aflah (5).

Foto 14 – Coimbra no século XVI (desenho de Georg Hoefnagel, publicado por Georg. Braun e Franz Hoenberg) Amesterdão, 1572

Os pantanosos campos do Arnado serviram de sala ao conselho que planeou a tomada de Santarém por D. Afonso Henriques no ano de 1147 (6). No Arnado se instalou um posto de vigilância aquando da peste que afectou Portugal em 1575 e nas suas imediações existiu uma praça de touros, um campo de ascensões aerostáticas (balões) e local onde durante muito tempo se praticou o futebol oficial na cidade. Nas suas proximidades existiu, também, um porto fluvial com esse nome. Gil Vicente menciona este lugar na Farsa dos Almocreves e Duarte Galvão faz o mesmo na Crónica de D. Afonso Henriques. Nas suas imediações existiu a confraria e hospital de S. Lourenço.



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III – A Baixa

A estrutura medieval de Coimbra, fosse na baixa ou na alta compreendia ruas irregulares, tortuosas, articuladas em cotovelo, largos e becos sem saída, influência islâmica ainda hoje detectável. Ao longo dos tempos as casas, tanto da Alta como na Baixa, sofreram e acusaram o impacto de diferentes estilos de construção. Houve, certamente, uma Coimbra românica, uma Coimbra gótica, uma Coimbra condal e uma Coimbra Mourisca. Mas o que nos chegou foi uma mistura de elementos, de formas, de artes: «Pela cidade baixa não era raro deparar, ainda no século XIX, com trechos de moradias manuelinas, ilustradas por portais, janelas e frestas guarnecidas de cantarias talhadas e decoradas ao gosto manuelino» (7). No entanto, o crescimento urbano de meados do século XX destruiria, alteraria e substituiria de forma radical conjuntos urbanos e centros históricos, como aconteceu em Coimbra. Apesar da falta de elementos e de estudos sobre a arquitectura doméstica em Coimbra, sabe-se que a casa era por norma o reflexo do nível social de quem a habitava. Por isso existiria uma casa do mesteiral, do pequeno comerciante, do carpinteiro e de outros, de acordo com as suas posses, a sua cultura, o seu saber. São conhecidos, no entanto, os traços da habitação corrente em Coimbra, entre finais da Idade Média e os inícios da Época Moderna. Utilizando como fontes o Tombo do Almoxarifado de Coimbra datado de 1395 e o Tombo Antigo da Camara de 1532, Luísa Trindade definiu, em 2002, os modelos existentes. As casas medievais alinhavam-se em filas compactas com a parte mais estreita – a fachada – a confinar com a rua. O lote ou área de implantação surge com a forma alongada nele se inscrevendo não só a casa, mas também os quintais, hortas e pomares, e currais. A própria casa assume também uma morfologia alongada, sendo detectável em Coimbra uma tendência para a casa rectangular. A casa comum apresenta soluções pobres mas funcionais: os materiais mais utilizados são a pedra, a madeira, o tijolo o adobe e a telha; o portal é, frequentemente, a única abertura do andar inferior; as janelas situam-se sobretudo no piso sobradado, com o sistema vulgarizado das portadas de madeira e reduzem-se ao indispensável; ao nível da cobertura surge-nos o beirado saliente face ao plano da fachada; o interior compreende uma ou duas divisões capazes de albergar um núcleo familiar. No Tombo do Almoxarifado arrolaram-se as propriedades régias existentes em Coimbra, as quais se localizavam no arrabalde «…concretamente pela zona ribeirinha da Madalena e artérias perpendiculares ao rio, caso das Ruas da Moeda, dos Tanoeiros, Caldeireiros e Piliteiros. Segue-se a zona de Montarroio, inflectindo depois para a Rua de Coruche em direcção à Porta de Almedina…» (8). Nas zonas do arrabalde hoje pertencentes à freguesia, encontramos diversas propriedades régias. São em especial casas, se bem que se detectem alguns chãos e pardieiros. Segundo esses titolllos de casas, tais bens localizam-se na zona da “Amadanela” (Rua da Madalena), Rua da Moeda, Rua dos Tanoeiros, Rua dos Caldeireiros, e monte arroio (9):



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O CRUCIFIXO DO SANTO CRISTO E A DESAPARECIDA CAPELA DO SENHOR DO ARNADO Na zona do Arnado existiu património significativo. Aquele crucifixo localizava-se na parte terminal da Rua da Figueira Velha, hoje Rua Direita, junto à antiga entrada Norte da cidade. A ele se refere um contrato do ano de 1482 em que o Cabido deu de emprazamento «…hum prazo que tem ao Christo da Figueyra Velha» [Acordos do Cabido, Fl. 88v.] Documentação relativa ao séc. XVI menciona este crucifixo, o qual mais tarde se designará por Santo Cristo do Arnado. Este cruzeiro era do tipo “cruzeiros de caminho”, localizados à entrada das povoações importantes. No séc. XVI os frades de S. Domingos reformaram-no, cobrindo-o com cúpula sobre quatro colunas e apondo-lhe o brasão da ordem. Mais tarde, em 1652, será novamente alterado, por intervenção do devoto Gaspar Mendes ou Gaspar dos Reis que fechou a charola da parede pelos três lados colocando no da frente uma grade, comemorando o feito com a aplicação de um letreiro. Mais tarde os padres de Santa Justa promoveram-lhe uma festa com procissão onde incorporaram o Santo Cristo. Tal ocorreu a 12 de Julho de 1655, e a cerimónia foi consequência da reposição da imagem no sítio depois das obras, a qual estaria recolhida na igreja paroquial. A partir dos inícios do séc. XVIII o entusiasmo popular em torno do culto e da imagem cresceu como nunca, depois que a 1 de Agosto de 1722 constou que o Santo suara água e sangue. Em 1723 deu-se princípio a uma capela em sua honra que foi benzida em 7 de Dezembro de 1727, ficando completa em 1729 e que poderá ter sido construída em substituição de outro templo. Era de uma nave com capela-mor, sacristia e arrumos. Em Fevereiro de 1874 a Junta de Paróquia de Santa Cruz, que cuidava do templo, cedeu o adro da capela para alargamento e aformoseamento do local, decisão secundada, em Dezembro de 1876, pela expropriação de parte da ínsua de S. Domingos para melhorar a rua que conduzia à capela. Mais tarde e por decisão do município de 14 e 19 de Fevereiro de 1885 mandou-se calçar a serventia da capela desde a Rua Direita até ao gasómetro, no final da Rua da Sofia [Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, Pp. 5, 201, 244]. Conhecida como Capela do Arnado, teria triste fim. Por decisão do município tomada a 24 de Outubro de 1935 optou-se pela demolição ao constatar-se o estado de ruína. Vistoriada e confirmada a sua ruína pelos técnicos municipais em Abril de 1936, oficiouse à Comissão Concelhia dos Bens da Igreja para a mandar demolir, o que se concretizou, entre Abril e Novembro de 1936. Independentemente do seu estado de conservação, os documentos indicam que a maior razão para a demolição da capela foi a urbanização da cidade baixa, nomeadamente, o alargamento da Avenida Fernão de Magalhães. Os letreiros que contam a história da capela e o cruzeiro recolheram ao Museu Machado de Castro. A cruz com pouco mais de metro é de secção rectangular, levantandose numa coluna coríntia. A imagem de Cristo é regular e a coluna, com base e plinto restaurado, mostra no fuste e de lado o brasão da ordem de S. Domingos e, na frente por baixo do capitel, o escudo nacional.



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III – A Baixa

Foto 15 – A Capela do Arnado no início do século XX antes da demolição

Foto 16 – Arnado nos finais do século XIX – princípio do século XX



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Na zona da “Amadanela” localizam-se 8 casas com sobrado, apresentando dois possuidores a profissão de carniceiro. Na Rua da Moeda o predomínio é de pardieiros, embora ali também estivessem aforados um chão que foi casa «que queimarom os castelãaos» ou as casas térreas que foram «estrebaria del Rei de depois foram banhos», aforada a um carniceiro. Na Rua dos Tanoeiros existia um chão que foi casa (aforada a um mercador), uma casa grande térrea e casas com sobrado (tipo de casa mais frequente). Na Rua dos Caldeireiros (que começava na porta mourisca), apenas pertencia ao monarca uns pardieiros, que andavam aforados a «um guarda del Rei». Por fim, em monte arroio estavam aforadas a um carvoeiro umas casas com dois portais e, a um almuinheiro, uma casa com sobrado.

Foto 17 – Arnado nos finais do século XIX – princípio do século XX

A maioria das propriedades régias em Coimbra eram, por esse tempo, casas, embora se detectem outro tipo de bens como tendas, pardieiros, chãos e cortinhais. E nem todas as casas desempenhavam a função de habitação, na medida em que esses edifícios eram utilizados para outros fins como açougues, fangas, celeiros. O estudo efectuado sobre a casa corrente definiu-lhe uma morfologia: as casas de dois pisos (casa de sótão e sobrado) são hegemónicas com cerca de 60% do total, fixando-se as casas térreas em 24%. O Tombo Antigo da Câmara Municipal de 1532 inventariou a propriedade concelhia que andava aforada. Cerca de 2/3 dos bens arrolados situavam-se fora da muralha e do arrabalde.



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III – A Baixa

As casas encontram-se um pouco por todo o lado, desde a Igreja de S. Bartolomeu ao Convento de S. Domingos, definindo dois núcleos principais: a Rua da Calçada, principal artéria quinhentista da cidade, especialmente apetecida pela confrontação com a Praça da cidade, onde a Câmara é proprietária de 43 propriedades na sua maioria casas de moradas de vários sobrados; e «…um segundo núcleo de concentração, numericamente muito inferior, pode ser detectado junto à saída Norte da cidade, na Rua da Figueira Velha, também ele local de passagem obrigatório de gentes e mercadorias» (10). A localização da propriedade régia abrangia áreas actuais da freguesia de Santa Cruz: junto ao Mosteiro de S. Domingos temos 2 propriedades, junto a Santa Justa 1, na Rua da Figueira Velha 8, junto ao Hospital de S. Lourenço 1, na Rua da Moeda 1, no Terreiro das Olarias 1, na Madalena 2 (a Rua da Madalena foi incorporada na actual Avenida Fernão de Magalhães), em Montarroio 2. Segundo aquele tombo existia também um conjunto de espaços verdes por edificar, constituído por quintais cortinhais e chãos, os quais muitas vezes andavam associados às casas de moradas.

B. A Baixa: séculos de labor, comércio, indústria…progresso! Depois que a cidade transpôs as muralhas, a população foi-se fixando, progressivamente, pelo arrabalde que se fortalecia economicamente, enquanto em razão inversa, a Almedina, com os paços real e episcopal e a Sé, perdia importância militar e social. Assim, Santa Cruz e a Praça Velha emergiam, no séc. XVI, como os pólos dinamizadores da vida económica, comercial e oficinal. Em pleno século XVI, as primeiras habitações depressa coabitariam com lojas, tendas, comércio, ficando a área intramuros habitada sobretudo por escolares, enquanto que pelas ruas das freguesias da baixa se distribuía a maior parte das profissões que tinham por base a manufactura. Ao contrário de Lisboa, onde a obrigação dos arruamentos foi uma realidade e se criou em 1383 a Casa dos Vinte e Quatro, em Coimbra tal não aconteceu. As designações toponímicas que se conservaram até aos dias de hoje derivadas do exercício de certos ofícios (por exemplo Rua da Louça ou Largo das Olarias) são uma consequência «…da conveniência de quem exercitava um oficio, para que ninguém fruísse vantagens excepcionais decorrentes da situação de estabelecimentos e oficinas, e não porque alguém coarctivamente o impusesse» (11). O caso da louça de Coimbra é especial, por ter sido dos mais antigos centros oleiros portugueses: «Em 1145 já a olaria era florescente em Coimbra, pois uma postura desse ano estabeleceu algumas normas para este sector, sob a epígrafe de tendariis. Outra notícia antiga é a da compra pelo Mosteiro de Santa Cruz, em 1203, de uma tenda de louça com dois fornos, a Pedro Soares» (12).



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A partir do séc. XV abundam as referências documentais à cerâmica coimbrã. Mais tarde, nos finais do séc. XVI introduz-se o fabrico da faiança em Coimbra surgindo o ofício de pintor de louça, que aplica, nas peças que fabrica e em versão popular, motivos eruditos e orientais. Esta arte desenvolver-se- à nos séculos XVII e XVIII, produzindo uma faiança decorada de castanhos, azuis esbatidos e roxos desbotados, que era exportada para outras terras. Actualmente, são poucas as empresas artesanais que se dedicam ao fabrico da faiança vidrada, no estilo seiscentista e setecentista. As principais características são: «…a textura da pasta, muito macia e regular, e as pinturas manuais, nas cores azul-cobalto, roxo, castanho, verde e amarelo. As peças mais tipícas são os Tobias, as canecas de peixe, as jarras de leque e de dedos, os pratos de morrão¸ travessas, talhas, potes e boiões» (13). Muito apreciada no estrangeiro, grande parte da produção é absorvida pela exportação. A propósito das corporações em Coimbra diga-se que um dos mais antigos registos resulta das Cortes de Lisboa de 1459, quando o rei satisfez a pretensão da cidade ao conceder o privilégio de besteiro de cavalo a dois armeiros, dois cutileiros dois serralheiros, um bainheiro, um ferreiro e um coronheiro porque o concelho carecia de bestas e não tinha quem fizesse as coronhas. Mais tarde, por alvará régio de 29 de Dezembro de 1517 e para que em Coimbra pudesse haver oficiais mecânicos escusou de todos os encargos do concelho um livreiro, um borlador, um latoeiro, um serralheiro, um cutileiro, um bate-folha de oiro um dourador, um esteireiro e um bainheiro (14). Os princípios da organização corporativa detectam-se em Coimbra naquele ano de 1459 quando também em Cortes se pediu a criação da Casa dos Vinte e Quatro de Coimbra e se pediu um regimento igual aos misteres de Lisboa e Santarém. Embora o rei tenha aceite e outorgado o dito regimento a verdade é que se desconhece a sua existência sendo muito provavel que nunca tenha tido. Tal como acontecia em Lisboa, a Casa dos Vinte e Quatro de Coimbra seria eleita pelos juízes dos ofícios embandeirados, elegendo cada uma das bandeiras dois dos seus membros, e agrupandose os ofícios, quando excedessem o número de doze. Formada a Casa, os seus membros elegeriam o juiz do povo e seu escrivão, os dois procuradores que a representavam na Câmara assistindo a todas as reuniões e detentores do direito de voto (15). A Casa dos Vinte e Quatro, também designada por Junta dos Vinte e Quatro e Conselho dos Vinte e Quatro, era convocada e ouvida em questões não só relativas ao desempenho dos diversos mesteres, mas também do governo económico da cidade. A partir de 1605, os almotacés dos misteres de Coimbra, que assistiam à distribuição da carne no açougue privativo dos misteres, passaram a usar vara, símbolo material de mando e jurisdição. Nunca teve sede própria reunindo numa dependência da Casa da Praça ou na Torre de Almedina e na Ermida do Corpo de Deus. Pormenores da sua organização extraiem-se do regimento da procissão do Corpo de Deus, datado de 10 de Junho de 1517, onde se enumeraram as doze bandeiras dos ofícios: ferreiros e serralheiros; carpinteiros; cordoeiros, albardeiros, tintureiros e odreiros; oleiros; pedreiros e alvanéis; alfaiates; sapateiros; tecelões; correeiros; cirieiros; ataqueiros;



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III – A Baixa

barbeiros. Além destes ofícios outros são referidos no regimento como forneiros, carvoeiros, surradores, telheiros, pintores, ourives…que não eram obrigados a levar bandeira. O período áureo das corporações dos ofícios de Coimbra atingiu-se no séc. XVI com a criação desta famosa Casa dos Vinte e Quatro. No séc. XVII avolumaram-se os indícios de desagregação e, no séc. XVIII com a infiltração do capitalismo arrastaram-se penosamente chegando ao séc. XIX com 9 dos 12 oficios embandeirados anteriormente. A 7 de Maio de 1834 foi extinta a Casa dos Vinte e Quatro. Para a freguesia de Santa Cruz, período de 1550 a 1650, está bem documentada a existência de muitos pedreiros, carpinteiros imaginários, ourives e pintores, cuja actividade ficou registada nos livros de registo paroquial (16). Sabemos ainda que entre 1549 e 1555 laborava no colégio das Artes, onde depois foi a Inquisição, as oficinas tipográficas de Francisco Correia. Embora com excepções, raramente os mesteirais se encontravam arruados. Uma das excepções eram os cordoeiros, que por necessidades técnicas e de espaço forçaram o município a fixar o rossio do Arnado, perto da capela com o mesmo nome, como local para torcer as cordas, aforando-lhes os “carreiros”. Nos Tombos elaborados pela cidade de Coimbra pudemos descortinar os seus quantitativos; em 1532 eram 6 cordoeiros, em 1678 perfaziam o total de 9 e, em 1768, o número de carreiros era de 10 (17). Segundo as cláusulas dos diversos contratos os “carreiros” possuíam na maior parte dos casos um comprimento de 69 varas por 2,5 varas de largo, o que sugere uma repartição do espaço em corredores alongados de forma rectangular. Os carreiros, que apenas poderiam ser utilizados para tal fim, localizavam-se no conhecido «baldio do Arnado» e alguns acabarão por ser vendidos pelo município aos seus enfiteutas no segundo quartel do século XIX. Nesse local existia ainda uma curiosa Azinhaga dos Cordoeiros, que comunicava com a Rua do Arnado e com o Rio Mondego e que foi vendida pelo município depois de autorização da Junta Geral a 4 de Junho de 1886 (18). Na planta geral de 1845 figura o Porto dos Cordoeiros no extremo ocidental da Azinhaga dos Oleiros, sensivelmente a meia distância entre o Porto de Santa Justa, (no extremo da actual Avenida do Arnado) e o Cais dos Oleiros (na extremidade oeste da actual Avenida dos Oleiros). Os ofícios exerciam-se em tendas que podiam ser «térreas» ou situarem-se no rés-dochão dos «sobrados» ou «lógias». Tendas térreas detectam-se em 1597 na Rua da Moeda; a de Pero Anes que ficava para lá do segundo terreiro das olarias e a que comprou o malgueiro Pêro Nogueira, ao fundo da mesma rua (19). Para exercer oficio e montar tenda tornou-se obrigatório, pelos finais do séc. XV inícios do XVI, sujeitar-se a exame e possuir a respectiva carta de examinação, sujeita a juramento e fiança – uma obrigação imposta pelas posturas municipais. Além de obrigações fiscais como taxas sobre matérias-primas, produtos e salários, as corporações dos ofícios deviam contribuir para as festas e jogos da cidade. Ruas que eram estreitas, algumas escuras, motivos que levavam os artificies a trabalharem junto às portas, por detrás de tabuleiros ou mesmo em plena rua, defronte das tendas. O labor era ininterrupto, com as lojas a abrirem cedo e a fecharem tarde, pelo cair da noite. A excepção ocorria aos domingos e dias santos.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

As lojas ou oficinas trabalhavam sob a direcção de mestres, responsáveis por aprendizes, obreiros e trabalhadores auxiliares, alguns deles recrutados entre os seus familiares. Além destas unidades, pelas ruas dispersavam-se tendas de venda dos mais diversos géneros, especialmente alimentares. Diariamente assistia-se também ao vai e vém de vendedores ambulantes – mercadores, tendeiros, bufões almocreves – e vendedeiras de fruta. Analisando a Sisa de 1567 (20), no que se refere às freguesias de Santa Justa e Santa Cruz, pode-se constatar a diversidade de profissões ou ofícios então existentes nesta parte da baixa da cidade (v. tabela A). Contabilizámos um total de 83 profissões, repartidas por 161 indivíduos em Santa Justa e por número bem superior em Santa Cruz (255). Os dados levantados destacam na freguesia de Santa Justa: os alfaiates (12), cordoeiros (23), hortelãos (10), pedreiros (10), sapateiros (15). Realidade ligeiramente diferente era a vivida em Santa Cruz: embora também se destaquem os sapateiros (45) ou os hortelãos (10), assumem particular destaque outras ocupações como os almocreves (16), malgueiros (12) ou os oleiros (22). Do conjunto importante realçar algumas particularidades. Desde logo a existência de cercas actividades que aos nossos ouvidos soam a desconhecido, tais como: adargueiros (produz escudos de couro), os albardeiros (faz ou vende selas – as albardas – usadas nos animais de carga), o azorragueiro (fabricante de chicotes), o marchante (talhante) ou o surrador (curte a pele de animais). O conhecido arquitecto João de Ruão é também referenciado. Por outro lado, registe-se ainda as actividades intimamente ligadas com o mosteiro de Santa Cruz, então também um importante centro empregador da freguesia. A finalizar, importa voltar à questão do arruamento das profissões. A quantidade de algumas profissões e a sua directa relação com a localização geográfica de algumas ruas parece indiciar que de facto em Coimbra o arruamento existiu se bem que não imposto. Por Santa Cruz e à semelhança de outras áreas da baixa, as tabernas também marcavam presença. Em 1614 e das 5 existentes na baixa, uma ficava às Olarias, e duas junto ao Terreiro de Sansão. Os dados extraídos da finta de 1617 parecem confirmar a ideia de uma baixa dedicada ao artesanato: «A freguesia de Santa Cruz detinha o maior número de unidades artesanais (4). Seguiam-se-lhe Santiago, S. Bartolomeu, (mesmo excluindo Santa Clara) e Santa Justa. Os sapateiros e oleiros predominavam em Santa Cruz (5), os alfaiates (6) e ourives em Santiago» (21). Os ferradores também pagavam foro à Câmara para poderem trabalhar e erguer tenda para o seu ofício. Em 1620, três ferradores exerciam a sua actividade na entrada do terreiro de Santa Cruz, paredes-meias com os crúzios e, em plena Rua da Sofia, junto da estalagem nova laboravam mais três. Outros indicadores apontam a baixa como centro activo da construção civil e pequena unidades de fabrico. Em 1768 e na Rua da Moeda laborava um forno público «…no quintal do polivalente António Roiz Moreira, aferidor da Câmara, fintador, tesoureiro, e rendeiro, em diversos anos, de múltiplas rendas municipais» (22). Em 1808, aquando do lançamento da contribuição extraordinária de guerra, o comandante do invasor exército francês fez incidir tal imposto sobre os oficiais donos de loja aberta e lugares de venda nas



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praças públicas. Duzentos anos volvidos, tal registo permite-nos situar algumas das profissões ligadas ao comércio e pequena indústria existentes na Cidade de Coimbra. A nós, interessa-nos sobretudo identificar o que existia nos limites da actual freguesia de Santa Cruz, recuperando, obviamente, a desaparecida freguesia de Santa Justa (v. tabela B). Tabela A – Arrolamento das profissões nas freguesias de Santa Justa e Santa Cruz de acordo com a Sisa de 1567 Profissões Santa Justa Santa Cruz Adargueiro 1 Aferidor 1 Albardeiro 1 1 Alfaiata 1 3 Alfaiate 11 7 Almocreves 4 16 Almoxarife 1 Ama 1 Anadel (?) 1 Arquitecto (João de Ruão) 1 Azeiteira 1 Azemel 2 Azemel do mosteiro 1 Azorragueiro 1 Barbeiro 1 6 Barqueiro 1 Bedel 1 Boeiro 1 Boieiro 2 1 Botoeira 1 Cabouqueiro 1 2 Caeiro 1 «que faz cal» 1 Calceteiro 2 Caldeireiro 1 Caminheiro 1 Caminheiro da Correição 1 Carniceiro 1 Carpinteiro 6 5 Chapinheiro 6 Chapinheiro e curtidor 1 Cirurgião 1 Contador 1 Cordoeiro 23 Corretor 1 Criado 1 Criado do mosteiro 3 «Dizimeiro dos azeites do mosteiro» 1 Escrivão da Almoçataria 1 Escrivão da Correição 1 Escrivão da Fazenda 1 Escrivão das execuções 1 Escrivão das valas 1 Escrivão dos direitos reais 1 Escrivão dos orfãos 2 Escrivão dos vinhos 1 Estalajadeiro 2 Esteireiro 1 Estudante 1 1



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Profissões Ferreiro Forneiros Forneira Hortelãos Horteloa Imaginário Inquiridor Jurado Lavadeira Lavradeira Levador dos presos Luveiro Malgueiro Mamposteiro da Misericordia Marchante Marchante curtidor Marceiro Mercador Mercieira Mercieiro Oleiros Ourives Padeira Padeiro Parteira Partidor Pedreiro Pescador/Pescadeiro Picheleiro Pintor Portageiro Porteiro Porteiro de Santa Cruz Prioste de S. Lázaro « dos misteres» Recebedor Rendeiro Rendeiro do verde Requeredor das sisas Sapateiros Sapateiro do mosteiro Sapateiro e curtidor Seleiro Serralheiro Serieiro/Cerieiro/Cirieiro Siseiro solicitador Solicitador da Misericórdia Surrador Tabeliães Tanoeiro Tecedeira Tecelão Tendeiro Tintureiro Toalheiro Tosador Trabalhador Vendedeira/Vendeira Vendeiro

Santa Justa 1 5 9 1 1

1 1

5

1 1 10 2 2

1 1 3 1 15 3 1 1 2 3 4 1 3 1 3 1 1 4 3



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Santa Cruz 2 5 1 8 2 1 1 3 1 1 2 12 2 1 1 2 1 1 22 1 6 2 5 1 1 1 3 1 1 1 2 1 45 1 1 2 3 1 1 10 2 1 6 5 1 1 6

III – A Baixa

Os dados apurados para a nossa área de estudo encontram-se na tabela que se segue: Tabela B – Oficiais donos de loja aberta e lugares de venda na praça pública segundo a contribuição extraordinária de guerra de 1808

Profissões Albardeiros Alfaiates Armadores Barbeiros Borracheiros Botoeiros Cabouqueiros Canteiros Carpinteiros Cordoeiros Correeiros Espingardeiros Ferradores Ferreiros Fogueteiros Lavrantes Marceneiros Oleiros Ourives Pedreiros Pintores Pintores a óleo Sapateiros Serralheiros Surradores Tamanqueiros Tanoeiros Tintureiros Vendedores de louça Violeiros

Santa Justa 2 5 7 1 1 1 6 1 1 1 5 1 8 1 4 1 2

Santa Cruz 6 1 6 5 1 1 6 1 3 1 14 2 4 1 1

5 2

1 2 1

Podemos constatar que, na realidade, pelas nossas freguesias se encontrava um pouco de tudo. Os finais do século XIX e primeiras décadas do XX trouxeram o desenvolvimento industrial, Pré-Industrialização e Industrialização, com a implantação de diversas indústrias na cidade. A freguesia de Santa Cruz não ficaria fora da sua geografia de implantação, definindo-se duas zonas dentro dos seus limites:



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

«A primeira e mais antiga era aproximadamente delimitada, a norte e sul, pelo Arnado e pelo actual Largo da Portagem e, a este e oeste, pelas actuais Ruas Ferreira Borges-Visconde da Luz e Fernão de Magalhães. Nela se localizavam o artesanato e a pequena indústria. Era esta a zona da grande maioria das 31 fábricas existentes em Coimbra em 1897, nas quais laboravam 547 operários (17,64 por unidade). A segunda localizava-se na margem direita do rio Mondego, junto ao troço ferroviário Coimbra-Coimbra B, e a norte do Arnado, até à Casa do Sal. Aqui se instalaram algumas fábricas modernas, designadamente de moagem, massas alimentícias, malhas e curtumes. (…) Foi no prolongamento desta para norte – nas imediações da Linha do Norte e da Estrada N1 – que, no último meio século, se desenvolveu a zona industrial Loreto-Pedrulha» (23). Assim, na baixa da cidade e território da freguesia de Santa Cruz, instalaram-se algumas empresas e sociedades, abarcando diversos sectores: - Trabalhos de madeira: A primeira carpintaria mecânica na cidade terá sido a de Manuel Gomes Leite, situada ao Arnado, cuja actividade se documenta a partir de 1880. Mais tarde, e já em plena industrialização constituíram-se as sociedades Franco & Hermenegildo (1919) na Rua da Nogueira, Nº 31, Dinis Costa & Reis (1924) na Avenida do Gasómetro. - Pastelaria, Confeitaria e Conservaria (frutas e doces): nas primeiras décadas do século XX fundaram-se diversas sociedades como a Soares, Matos, Pinheiro e C.ª (fundada a 20 de Novembro de 1919 e localizada na Azinhaga do Carmo); a Leitaria Conimbricense (fundada a 13 de Janeiro de 1921 e localizada na Avenida dos Oleiros), a Casa Colonial (fundada a 10 de Janeiro de 1922 e sedeada na Rua da Sofia Nºs 80-82 no antigo Colégio de S. Boaventura), e a Tricana Lda. (fundada a 11 de Dezembro de 1924, localizada na Calçada do Carmo). - Oficinas de refinação de açúcar: entre 1860 e 1910 detectam-se algumas, localizadas na Rua da Nogueira, Rua Direita e Rua da Madalena - Ramo dos licores e gasosas: entre 1900 e 1916 detecta-se o estabelecimento ao cimo da Rua Direita, Nºs 2-10, que seria trespassado em 1913, pelos herdeiros de Luis Cardoso e José Maria Ginja Brandão. - Indústria pirotécnica e pólvora, merece-nos especial destaque. Da tabela acima (datada de 1808), verificamos que os 8 fogueteiros localizavam-se na sua totalidade no Bairro de Fora de Portas de Santa Margarida. Aqueles fogueteiros, designados a partir da segunda metade do séc. XIX por pirotécnicos localizavam-se, quase no centro da cidade e exerciam a sua actividade, puramente artesanal, em pequenas oficinas na maioria dos casos na própria casa, o que por vezes se traduzia em desastres; a 29 de Agosto de 1855 dava-se uma terrível explosão na casa de um pirotécnico na actual Rua Figueira da Foz «…de fogo preso que ia ser expedido para a festa da Senhora da Guia (faleceram 4 pessoas) (…) e no ano seguinte, nova explosão de pólvora fez incendiar a casa de habitação de outro fogueteiro, junto da igreja de Santa Justa, morrendo uma criança de tenra idade e a filha de um morador» (24).



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Estes estabelecimentos, devido ao perigo de explosão, levaram as autoridades a levantarem restrições que os afastaram para a periferia de Coimbra, passando a abranger uma área que grosso modo abarcava; a cerca do antigo Colégio da Graça, a Ladeira de Santa Justa, a Rua de Fora de Portas (Rua Figueira da Foz), Ladeira da Forca e zona da Conchada. A toponímia conservaria durante algum tempo a presença desta actividade em alguns locais, como a Azinhaga dos Fogueteiros (que dava acesso à Ínsua de S. Domingos), ou o Bairro dos Fogueteiros (a nordeste da Rua do Cemitério da Conchada). Os bombeiros também estiveram atentos à explosividade do dito bairro, resolvendo o município estabelecer no Bairro Fora de Portas, em Março de 1897 e a pedido dos bombeiros municipais uma estação (25). - Indústria extractiva (sector das pedreiras): no período entre 1874-1886 registam-se 34 pedreiras em actividade no concelho de Coimbra, sendo de destacar a pedreira de Montarroio, hoje uma importante área habitacional e comercial da freguesia, outrora centro de extracção de pedra alternativa aos bancos calcáreos de Ançã. - Indústria da cerâmica: foram poucos os casos em que as pequenas fábricas de faiança se mecanizaram na moagem do vidro e das tintas. Um dos casos mais conhecidos, foi a Moagem Particular, resultado da associação de 7 fabricantes de faiança, que se instalaram em 1920 na Rua da Moeda. Na mesma rua localizava-se uma fábrica de cerâmica de construção, a fábrica de ladrilhos. - Indústria de moagem, massas alimentícias e bolachas: estas unidades começaram a modernizar-se na década de 60 do séc. XIX. Até 1880 destacam-se as fábricas de José Clemente Pinto, na Rua da Sofia. No período 1887-1924 fundar-se-ia a Espirito Santo, Areosa e C.ª, localizada na Rua da Moeda, N.ºs 72/78. Devido a mudança de proprietários a sua maquinaria e utensílios foram vendidos à Sociedade de Mercearias e Fabril Lda, por 450 contos. Especial destaque dentro deste tipo de indústria foi o caso das Fábricas Triunfo Ldª. uma das poucas empresas de implantação nacional localizada na área da freguesia. A 7 de Dezembro de 1922 o executivo apreciava o projecto de urbanização apresentado pela Sociedade de Mercearias e Fabril Lda (antecessora das Fábricas Triunfo) na zona compreendida entre as ruas do Gasómetro, Sofia e Arnado, terrenos que haviam pertencido ao Conde do Ameal. A empresa dispunha, em 1923, de duas filiais, em Lisboa e no Porto Em Fevereiro de 1937 o seu edifício, virado para a Azinhaga da Pitorra entrava em obras e, em Abril de 1938 pedia autorização para a montagem de 3 fábricas de moagem no terreno que ali possuía. Lamentavelmente, em Dezembro de 1938 um violento fogo destruiria as fábricas Triunfo, tendo sido necessária a intervenção não só dos bombeiros da cidade, mas também das corporações de Soure, Cantanhede, Figueira da Foz, Águeda, Porto, Aveiro e Pampilhosa (26). A empresa encontrava-se então numa fase de pujança, pelo que em Março de 1939 já a sua direcção se movimentava no sentido de promover a reconstrução. - Fundição e Serralharia: o século XIX foi de fundamental importância para a dignificação, entusiasmo e apogeu das actividades artesanais. A organização de duas exposições,



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

separadas por poucos anos, deu o impulso decisivo, catapultando a arte para o novo milénio. Falamos da Exposição Distrital da Industria Agrícola e Fabril e de Arqueologia promovida pela Associação dos Artistas de Coimbra em 1869 sob impulso de Olímpio Rui Fernandes e da Exposição Distrital de Coimbra em 1884 impulsionada por António Augusto Gonçalves e Joaquim Martins de Carvalho. Do fabuloso desenvolvimento da fundição e serralharia nasceria a conhecida e, infelizmente, desaparecida “Escola do Ferro Forjado de Coimbra”. A maior parte desses artistas tinham as suas oficinas na baixa, onde fabricaram algumas das melhores peças. A criação da Escola Livre das Artes do Desenho, em 1878, foi momento marcante. A escola, que funcionou na Torre de Almedina, deveu-se a António Augusto Gonçalves, o grande impulsionador das artes industriais na região, procurando seguir em Portugal as tendências europeias da indústria do ferro da segunda metade do século XX, nomeadamente, a transição do fundido para o forjado. Pioneira na arte de ensinar veio quebrar a tradição artística coimbrã que assentava as suas bases na pedra e não no ferro. Por aquela escola e até ao seu fechar de portas em 1953 passou grande parte da geração de ouro do ferro forjado de Coimbra: António Augusto da Costa Mota, Júlio Augusto da Costa Mota, João Machado, José Barata, Alberto Caetano, Manuel Pedro de Jesus, Lourenço Chaves de Almeida, Albertino Marques, António Maria da Conceição, António das Neves Eliseu, Benjamim Ventura, Adriano da Silva e Sousa, António José Gonçalves Neves… Pela baixa e na Freguesia de Santa Cruz, funcionavam as oficinas de diversos artistas, estando identificadas: a de Pompeu Aroso (funcionou na Rua da Nogueira), a de Daniel Rodrigues (que funcionou nos anos 20 no Nº 36 do Terreiro da Erva) Aquela escola fecharia portas em 1953, concluindo, uma parte dos lavrantes mais novos, a aprendizagem na Escola de Desenho Industrial Brotero. Tipicamente industrial (e não já oficinal) era a serralharia de carruagens de Manuel José da Costa Soares, que funcionou na Rua da Sofia, no antigo Convento de S. Domingos.



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C. A mais monumental das freguesias de Coimbra

© João Pinho, 2009

1. O Mosteiro de Santa Cruz



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

«Santa Cruz devia ser venerada, como o santuário onde se guardam as relíquias sagradas, penhor de nacionalidade. Fulgurante farol de esperanças, a flamejar ao longe, nas procelas da história pátria e a levantar os corações, para as lutas e os sacríficios da regeneração nacional! Verdadeiro monumento da nossa autonomia, devia ser para os bons portugueses, como para os mussulmanos é a Kaaba da grande mesquita de Mecca – lugar de peregrinação, onde anualmente convergissem, em romaria patriótica, peregrinos de todo o país, como afirmação solene de crença e de fé nos nossos destinos futuros». [António Gonçalves – «Santa Cruz: excerto de um livro em publicação» In Arquivo Coimbrão, Vol. I, Boletim da Biblioteca Municipal, Coimbra, 1923, P. 18]

1.1. O contexto, as razões e o enquadramento fundacional O Mosteiro de Santa Cruz será, porventura, o mais conhecido dos monumentos da cidade, um dos de maior fama a nível nacional e internacional. Situa-se num dos locais de maior circulação citadina, a Norte do morro antigo da cidade, ocupando a parte terminal do talvegue de um vale outrora fértil e abundante de águas. Hoje o mosteiro é uma sombra do outrora vasto complexo arquitectónico, que se implantou junto à parte exterior da muralha da velha Almedina. De Montarroio à Ribela ocupava os melhores terrenos da cidade. A sua fundação ocorreu entre o 1º (1123) e o 2º (1139) concílio de Latrão, numa altura muito particular: «…quando por todo o Ocidente irradiavam, com pujança os efeitos da reforma gregoriana de que os próprios Regrantes eram fruto e fermento, destinado a continuar as grandes transformações, não apenas entre o clero, mas dando ao conjunto da sociedade novos modelos de acção e novos padrões de espiritualidade» (27). No âmbito daquela reforma os fundadores rumaram aos centros de inspiração que mais os atraíam – S. Rufo de Avinhão e Roma), recusando modelos centralizados como Cluny ou Cister. Ao adoptarem a Regra de Santo Agostinho os Regrantes assumiam um modelo novo, de grande vitalidade e que rejuvenescerá todo o Ocidente, esgotadas que pareciam as propostas monásticas de raiz beneditina. Na óptica da reforma, Coimbra reunia as condições ideais para um profundo enraizamento: geograficamente era lugar chave entre o Norte e o Sul, de férteis planícies, não longe do mar e atravessada por um rio, com facilidade de comunicações fluviais; sócio-politicamente, com a possibilidade de alargamento para Sul e atracção de fluxos migratórios, gerara-se espaço de controvérsia e diálogo, o maior centro de moçárabismo da fachada ocidental; militarmente apresentava-se como zona de guerras com os mouros, desde a conquista de Santarém e Lisboa, base de ataques estratégicos, onde muitos desalojados, inadaptados e mutilados se acolhiam em hospitais, albergarias e recolhimentos, tendo os Regrantes, institutos vocacionados para esse fim.



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Do ponto de vista religioso localizavam-se na região de Coimbra os maiores e mais influentes mosteiros de tradição visigótica e moçárabe (Vacariça e Lorvão), os quais passavam por grandes transformações, secularizados pelas doações dos Condes de Portucale à Sé. Por outro lado e ao nível do Bispado vivia-se o agitado processo de substituição do rito moçárabe pelo romano, ao mesmo tempo que a vida comum praticada no Cabido da Sé parecia seguir o perigoso rumo da mundanização. Época de crise mas favorável ao aparecimento de reformadores, de novos caminhos e modelos, mais de acordo com as mudanças transversais em curso. De facto, esta foi também a época do movimento de peregrinação aos lugares santos, desencadeado pela 1ª Cruzada. Não por acaso, D. Telo e D. Teotónio rumariam por esses tempos à Terra Santa, experiência aproveitada «…para a intensificação de convicções espirituais e de profunda reflexão sobre os mistérios da Cruz que iria prolongar-se na devoção ao mais importante símbolo do Cristianismo, que os Regrantes haviam de tomar como invocação do seu primeiro mosteiro» (28). D. Telo, acompanhando D. Maurício, Bispo de Coimbra, na peregrinação à Terra Santa, terá observado o modo de vida das várias comunidades religiosas aí existentes. No regresso estiveram 6 meses em Constantinopla fixando a atenção nos modelos monásticos, nas regras religiosas e arquitectura dos edifícios. Segundo o seu hagiógrafo foi nesta viagem que terá decidido fundar um mosteiro. Adivinham-se, assim, as razões da fundação nos subúrbios da cidade: desejo em criar um centro de vida apostólica renovada cuja acção se baseava nos textos sagrados e na oração. A entrega e delimitação da paróquia de S. João Baptista, em 1139, foi de capital importância, por ter estabelecido uma base de pregação e intervenção junto do povo. Dedicando-se, em especial, aos cuidados pastorais não esquecerão os cuidados sociais; assistência a doentes, velhos e mendigos. As primeiras décadas do séc. XII, que se seguiram ao desaparecimento do alvazil D. Sesnando, seriam uma época de ouro para Coimbra, que se torna cidade real e primeira capital do reino de Portugal, apresentando uma tendência de crescimento demográfico, perfazendo 4 a 5.000 habitantes – talvez na época a maior cidade de Portugal. Esta importância deriva, decisivamente, do papel de D. Afonso Henriques. Com a derrota de D. Teresa em S. Mamede, o poder de governar o condado passou para seu filho, o qual, a partir de 1130/1131 deixa Guimarães, até então residência dos condes de Portucale, fazendo de Coimbra a Capital do Reino. Fixando residência em Coimbra apoia-se nas forças militares vilãs – cavaleiros vilãos de Coimbra de origem nobilitada – e nas comunidades concelhias, donde se formará uma nova nobreza, dedicada e fiel ao seu rei. Coimbra, através de Santa Cruz, torna-se o centro da governação e de todas as atenções, posto avançado na luta contra os muçulmanos, centro de irradiação dos ideais culturais que deviam nortear a Nação. O monarca, dentro da sua política de coesão interna, associa-se ao projecto regrante, tornando-se o seu principal protector. O mosteiro acolheria diversas reuniões de Estado: nas vésperas do Tratado de Zamora, foi ali que D. Afonso Henriques se reuniu com o Cardeal Guido de Vico prestando, nas suas mãos, homenagem à Santa Sé, assumindo ser cavaleiro de S. Pedro, declarando



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pagar um censo de quatro onças em ouro sob a condição de contar sempre com a plena protecção pontifícia (29); e seria também a partir de Coimbra que, em 1143, D. Afonso Henriques declarou ser vassalo do Papa. Os monarcas subsequentes mantiveram a devoção pelo mosteiro mas, em nenhum caso, comparável à do conquistador, de quem se diz que a determinada altura «…quis gosar da honra de intitular-se conego de Santo Agostinho fez-se admittir na communidade; assistia no côro ás solemnidades, vestido do habito e sobrepeliz monástica; e muitas vezes o viram passear pelo valle e encosta de Mont’arroio, de braço dado com D. Theotonio» (30). E se o monarca tinha grande consideração e estima pelo mosteiro, o inverso também era verdade. Testemunha-o a reacção dos crúzios em 1190 perante a invasão serracena de Coimbra. Temendo a destruição e profanação do templo, e em especial dos corpos de Afonso Henriques e sua mulher a rainha Mafalda, «…os frades crúzios, autorizados pelo rei, trataram de remover para lugar seguro, dentro da cidade, os ataúdes dos soberanos portugueses e de outros egrégios defuntos, para o que préviamente adquiriram algumas moradas de casas junto à tôrre de Santa Cruz» (31). 1.2. O programa dos regrantes Os Regrantes seguiam o modelo augustiniano de vida comum, surgido na África Romana, no final do Mundo Antigo. A reforma canonical iniciada no séc. XI seguirá um caminho indissociável da reforma gregoriana, propondo ambas o regresso ao primitivo estado da sociedade cristã, ao exemplo dos primeiros apóstolos de Cristo segundo a narração dos Actos dos Apóstolos. Momento marcante seria as decisões do Sínodo Romano de 1059, verdadeira acta de nascimento dos Cónegos Regrantes, tornando a reforma canonical preocupação oficial e condenando a Regra de Aix. A Ordem de S. Rufo de Avinhão foi o guia orientador dos primeiros tempos, espaço onde se introduziu em 1096 a Regra de S. Agostinho. A influência do modelo regrante desta ordem, que rapidamente se difundiu por igrejas e mosteiros em França, chegou ao conhecimento dos fundadores de Santa Cruz que, regressados da Terra Santa, decidem adoptá-lo. O prestígio, irradiação e atracção pelos seus Costumes e pela Regra de S. Agostinho levará os fundadores a «…os mandarem copiar por um dos seus membros, o diácono Domingos Salomão, depois de uma breve estadia de D. Telo e D. João Foto 18 – O Brasão dos Cónegos Peculiar, em 1135, no regresso do encontro com Inocêncio Regrantes III (então em Pisa) que acabava de aprovar a fundação do 32 mosteiro português» ( ). O trabalho será prosseguido entre 1136 e 1140 pelo presbítero Pedro Salomão, adquirindo-se os textos que formarão o núcleo originário do seu armarium e livraria. Por esse motivo os textos litúrgicos de Santa Cruz – calendários,



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missais, ritual, responsoriais – derivam da filiação rufiana, adaptados, porém, à região e circunstâncias locais. Vivendo na imitação, quer da vida dos Apóstolos quer dos primeiros cristãos de Jerusalém, o programa dos regrantes era diversificado: equilíbrio entre a contemplação e a acção, dando especial ênfase à pregação: tanto a claustral (na celebração pública do ofício divino e no capítulo) como ao povo; administração dos sacramentos na sua paróquia; hospitalidade no acolhimento aos pobres e enfermos; na escola, através de especiais cuidados com a educação das crianças e adolescentes destinados à vida canonical, com um programa de estudo que devia abranger as artes liberais, em especial o Trivium, onde a Gramática tinha o primeiro lugar, seguido do Canto e da Liturgia. Porém, o “revolucionário” programa regrante chocaria com a Sé. A decisão pública de fundar o mosteiro foi compreendida pelo Cabido como atentatória dos direitos estabelecidos. Por isso tentou impedir a sua construção exigindo, posteriormente, que os bens adquiridos e espaço ocupado pela canónica lhe fosse feito em testamento. O próprio infante foi forçado a intervir para acalmar os ânimos. Pela Bula Ad Decorem Ecclesiae, de 15 de Maio de 1339, o papa Bento XII, antigo cisterciense, ordenou a reforma dos Cónegos Regrantes de S. Agostinho. O plano reformador, que mais não foi do que a primeira de muitas intervenções verificadas ao longo dos séculos na orientação da comunidade, foi momento importante para a ordem: passaram a existir capítulos regionais, agrupou todos os mosteiros agostinhos em províncias canonicais, preocupou-se com a formação cultural dos seus membros, combateu o absentismo, definiu disciplina rigorosa, realçou a importância da vida comum, proibiu os bens próprios e mandou organizar em cada mosteiro Cartório e Arquivos. No séc. XVI estabeleceu-se a Congregação de Santa Cruz de Coimbra, que englobava os mosteiros de cónegos regrantes: «Foi iniciada em 1539 pela união voluntária dos conventos de Santa Cruz, S. Vicente de Lisboa e Grijó; teve a sua instituição por Paulo 4º em 1556; e foi-se sucessivamente ampliando com novos mosteiros, de modo a abranger já, no meado do século imediato, vinte casas» (33). 1.3. Os fundadores D. Telo: Foi o principal fundador. Não era, provavelmente, natural de Coimbra, mas sim originário da zona de Viseu, onde foi desde criança educado no “studium” da Sé. Acompanhou o Bispo de Coimbra, D. Maurício (1099-1109) em peregrinação à Terra Santa, entre 1104 e 1109, tendo sido o primeiro português (conhecido), a pisar solo da Palestina. No âmbito desta viagem terá nascido o desejo em fundar um mosteiro. Depois de 1113 foi feito Arcediago da Sé de Coimbra. Com a morte do Bispo de Coimbra, D. Gonçalo, em 1128, D. Telo afigurava-se, para muitos, como o sucessor natural, o que não se veio a concretizar. D. Telo, juntamente com D. João Peculiar esboçaram o plano fundacional do mosteiro. Em 1130 recebe a doação dos Banhos Régios, por volta de 1131, adquire o horto episcopal e a ermida de Santa Cruz, reunindo um



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grupo de companheiros que o seguem no ideal. Contava 55 anos. Homem de acção, prático e racional, acompanhou de perto a execução da grande obra. Num momento muito sensível consegue do Papa o privilégio decisivo que colocava o mosteiro sob a protecção da Sé Apostólica e estatuto de liberdade – O Isento de Santa Cruz. De regresso a Coimbra, vive pouco tempo. Doente, passa os últimos meses de vida em oração, sem nunca deixar de acompanhar o progresso das obras. Faleceu a 9 de Setembro de 1136, deixando a comunidade fortalecida e estruturada. A sua biografia tem o título de Vida de D. Telo. D. João Peculiar: Um dos principais fundadores, de que não existe qualquer biografia. Seria filho de pai franco, oriundo da zona de Coimbra ou Lafões, aparentado com as familías Cid Aires e Rabaldes. Estudou em França donde terá vindo com o título de “magister”, por volta de 1128. Ingressa ainda jovem no Cabido da Sé, onde se torna mestre-escola. Por essa altura funda um eremitério em S. Cristóvão de Lafões, que depois vem a abandonar. Companheiro de D. Telo no Cabido é a ele que o arcediago revela a intenção (ou confidência) de fundar um mosteiro regrante na cidade. Exercia as funções de mestre-escola na Sé de Coimbra, quando se junta ao propósito fundacional, aderindo com entusiasmo e procurando apoios. Terá sido o melhor auxiliar de D. Telo. Imbuído do espírito da Reforma Gregoriana, foi o principal fundador da canónica coimbrã a que se dedicou durante a longa e intensa vida. Acompanhou D. Telo à Cúria Pontifícia e foi elevado à cadeira episcopal da Sé do Porto (1136-1138) de onde transitou para Braga (1138-1170). Será de referir uma curiosidade: inicialmente D. Telo não seria bem visto por D. Afonso Henriques, que chegou a rejeitar a sua candidatura ao Bispado de Coimbra, elegendo de preferência D. Bernardo (34). Mas quis o destino, depois de travarem conhecimento, que o monarca se tornasse um dos mais dedicados amigos de D. Telo e vice-versa. S. Teotónio: Além de fundador foi o primeiro Prior do mosteiro. Nascido em Ganfei, freguesia de Valença do Minho por volta de 1082, era filho de Oveco e de Eugenia. Cedo veio para Coimbra, passando os anos da sua mocidade na companhia de seu tio; o Bispo D. Crescónio que governou a diocese entre 1092-1098. Educado na Sé de Coimbra, onde teve por mestre o arcediago D. Telo, que lhe ensinou Leitura e Canto. Depois da morte de seu tio passou para o Cabido de Viseu onde recebeu ordens e foi eleito Prior antes de 1110 e até 1120. Foi por esta altura que realizou a primeira de duas peregrinações à Terra Santa. Aderiu ao projecto regrante quando o grupo já se encontrava formado. Segundo a Vida de S. Teotónio, resistiu inclusivamente em aderir, pois tinha em mente terminar os seus dias entre os Cónegos Regrantes do Santo Sepulcro de Jerusalém. Eleito Prior aceitou o cargo por humildade, preferindo este título ao de Abade, por considerá-lo excessivo. Os textos que a ele se referem mostram-no como envolto numa profunda vida mística, austera e recolhida, desempenhando um papel paterno e de conselheiro régio. Foi, de



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certo modo, o contraponto de D. Telo; este mais voltado para o exterior, aquele para a vida interior da comunidade. Faleceu a 18 de Fevereiro de 1162, dez anos depois de renunciar ao cargo. Aquele a quem chamava o primeiro pai do mosteiro seria canonizado pouco depois do 1º aniversário da sua morte e da redacção da Vita S. Theotonii. A solene canonização foi feita em Sínodo Provincial convocado para a cidade de Coimbra pelo Arcebispo Metropolitano de Braga, o conhecido D. João Peculiar, na Igreja do mosteiro e na presença dos Bispos do Porto (D. Pedro), de Lamego (D. Mendo), Viseu (D. Odório) e Coimbra (D. Miguel) – todos eles antigos regrantes de Santa Cruz. Os ossos de S. Teotónio são uma das reliquías existentes no Santuário do mosteiro. Diversos milagres lhe andam atribuídos como a cura de D. Afonso Henriques: o monarca, estando com febres altas e prestes a morrer, foi salvo pela palavra, oração e imposição das mãos de S. Teotónio, levantando-se e recuperando ânimo. D. Afonso Henriques: Deve ser considerado como fundador, embora com um papel diferente dos demais: foi o vector político fundamental para a afirmação do mosteiro. Quando desceu de Guimarães para Coimbra, por volta de 1131, o projecto político estava traçado, havendo a necessidade de mesclar os negócios do temporal e do espiritual. Percebeu então que apoiando-se nos fundadores do mosteiro, poderia conduzir com êxito os seus planos políticos. Nesse prisma se insere todo o apoio concedido ao mosteiro a quem doou, gratuitamente, os terrenos necessários, outorgando nos anos seguintes privilégios, vinculando propriedades e homens. Efectivamente, o primeiro Rei de Portugal teve especial atenção com o Mosteiro de Santa Cruz: em 1166, confirmou-lhe todas as mercês que anteriormente lhe havia feito ao mesmo tempo que autorizava novas construções: «…uma porta na muralha da cidade acima do mosteiro, bem como uma torre, e dei-a para vosso uso próprio e para que mais facilmente vos defendêsseis dos pagãos e para que construísseis nesse lugar os vossos celeiros e o que fosse útil ao mosteiro» (35). De facto, D. Afonso Henriques potenciou o crescimento dos crúzios, ao ceder-lhes o território confinante com a malha urbana primitiva, o fértil vale que ía da actual Rua Direita até à Cumeada (Avenida Dias da Silva) e onde, atè à extinção das Ordens Religiosas em 1835, se multiplicaram as construções e benfeitorias. D. Afonso Henriques foi na realidade o grande patrono de Santa Cruz, por essa razão muito venerado no mosteiro, onde se desenvolveu grande devoção em volta do seu túmulo, e donde partiram repetidas diligências para a sua canonização. Por sua expressa vontade foi sepultado na igreja canonical do mosteiro, onde instituiu túmulo familiar e dinástico. No contexto fundacional ainda hoje não é consensual a atribuição da designação Igreja de Santa Cruz. Para alguns estudiosos, foi Afonso Henriques quem pediu que assim se chamasse após a vitória na importante batalha de Campo de Ourique, por lhe ter aparecido nesse decisivo dia Cristo Crucificado. Para outros foi D. Telo quem instituiu a designação, que vinha dos tempos em que andara por Jerusalém onde se tornou



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devoto e apaixonado pela Cruz, pelo que, quando começou a planear o novo convento terá feito valer a sua vontade.

A ESPADA DE D. AFONSO HENRIQUES Conta-se uma história muito curiosa a propósito da espada de D. Afonso Henriques. No dia 13 de Outubro de 1570 visitou a Cidade de Coimbra o rei D. Sebastião que desejou ver a espada do primeiro rei, então à guarda do mosteiro. Segundo refere o cronista D. Nicolau de Santa Maria terá sido o Prior Geral D. Lourenço Leite quem lha mostrou. Em seguida D. Sebastião pegou-lhe e beijou-a dizendo: Bom tempo, em que se peleijaua com espadas tão curtas! Esta he a espada que libertou todo Portugal do cruel jugo dos Mouros sempre vencedora, e por isso digna de se guardar com toda a veneração; e dando-a outra vez ao Prior geral, lhe disse: Guardai, Padre, esta espada, porque ainda me hei de valer della contra os Mouros de Africa». Oito anos volvidos, quis D. Sebastião levar para a fatídica jornada Africana a espada de seu antepassado, que julgava ser um talisman para a vitória. Acedeu o mosteiro reunido em capítulo no dia 24 de Março de 1578. Pelo já referido cronista da Chronica dos Cónegos Regrantes conta-se que embora D. Sebastião tenha perdido a batalha a espada manteve-se invencível: «Mas como Deos N. Senhor por seus altos, e secretos juízos permitio que ElRey D. Sebastião fosse vencido dos Mouros de Africa, dispoz as cousas de maneira, que as armas do glorioso Rey ficarão na Armada por esquecimento; e não permitio que armas sempre vencedoras fossem vencidas dos Mouros, e na mesma Armada tornàrão a Lisboa, e à mão del-Rey D. Henrique, que as mandou ao nosso Mosteiro de S. Vicente, e as trouxe ao Mosteiro de S. Cruz de Coimbra o P. D. Francisco das Neues Conego do mesmo Mosteiro, que estaua no de S. Vicente por aquele tempo». Talvez a história seja verídica. Com a extinção das ordens religiosas em 1834, a espada que então se guardava no Mosteiro de Santa Cruz como sendo a de D. Afonso Henriques foi transferida por essa altura para o Porto, onde ficou como pertença do Ateneu, hoje Museu Nacional Soares dos Reis. Apesar das representações da Câmara Municipal de Coimbra, presidida pelo Conselheiro Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco, em 1863, e da Junta de Paróquia de Santa Cruz, em 1886, nunca a espada voltou a Coimbra. As histórias envolvendo Santa Cruz, D. Afonso Henriques e sua espada não se extinguem neste episódio. D. José de Cristo, cónego regrante de Santo Agostinho e cronista do mosteiro nos princípios do séc. XVII conta que no Mosteiro de Santa Cruz existia uma «…porta que chamavão da espada cinta, onde o Santo Rei costumava deixar a espada quando ia a rezar ao côro e entrava para o Mosteiro, tomando na mesma porta hûa sobrepeliz e ficava como cada hum dos Cónegos regulares. Aquele sobrepeliz depois da sua morte fez muitos milagres, e sempre a tevemos em muita veneração até que se queimou em um fogo que por desastre se ateou na nossa sacristia».



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1.4. Os momentos fundacionais: viagem à Terra Santa, aquisição de terrenos, Isento de Santa Cruz As consequências da viagem do então arcediago da Sé de Coimbra, D. Telo, à Terra Santa, acompanhando o Bispo D. Maurício poderá ter sido o momento determinante para o nascimento do mosteiro de Santa Cruz, uma vez que por essa longínqua terra e durante três anos pôde observar os mosteiros aí existentes, bem como o seu teor de vida. D. Telo, abandonadas as funções arquidiaconais na Sé conimbricense, juntamente com doze companheiros saídos do cabido catedralício, decidem avançar para a grande realização. Tratava-se de um grupo de personalidades resultante da cisão havida naquele cabido e que optou por sair de modo a «…iniciar uma distinta maneira de vida, plenamente fiel ás exigências evangélicas, que pretendiam assumir na maior das radicalidades cristãs e segundo critérios expressos na chamada Regra de San´t Agostinho, mas tipificada na Regula Consensoria» (36). D. Afonso Henriques, a 9 de Dezembro de 1130, doou ao arcediago D. Telo, uns banhos régios existentes em Coimbra, no arrabalde dos judeus (ao fundo da Judiaria), para que ele fizesse do edifício o que quisesse (37). Tal doação consistiu, como nos narra o documento em «…banhos, com seus terrenos e termos antigos, com sua nascente e aqueduto, tais como foram (ou existiram) no tempo do alvazil D. Sesnando». Segundo opinião de alguns investigadores ali se situava, provavelmente, uma velha ermida sob a invocação de Santa Cruz. Conta a lenda, inserida na Vida de D. Telo, que tal doação resultou de uma troca feita entre D. Telo e o ainda infante D. Afonso, tendo este recebido uma formosa sela comprada em Mompilher (actual Montpellier): «Com efeito, montado na sua mula, que ia aparelhada com o vistoso arreio, dirigiu-se um dia o santo varão, em Coimbra, para o caminho do paço, sendo logo vista e admirada dos cortesãos a mesma sela e louvada de formosa. Bem depressa um deles procurou o Infante, para lhe dizer do que era já motivo de geral admiração e persuadi-lo a solicitar de D. Telo que cedesse o arreio, bem digno de princípe. Não demorou o Arcediago a corresponder ao que lhe era pedido. Porém, ao fazê-lo, também um pedido formulou: para a fundação do mosteiro a que de há muito aspirava, queria que o Infante lhe fizesse mercê dos Banhos Reais, então no subúrbio da cidade. Ainda hesitou o Príncipe, vindo porém a decidi-lo, e bem depressa, o são conselho do seu mordomo Ermígio» (417). Aqueles banhos podem remontar a umas termas, estalagem ou termas de estalagem de origem romana. Reforça esta hipótese o facto de passar pelo local onde se ergueu o complexo monástico a estrada romana de Aeminium, que tem sido traçada pela Rua Ferreira Borges. Até aos finais do séc. XIX esta rua era designada localmente por calçada, nome que se utiliza para designar antigas vias. Mais recentemente, porém, foi proposto um outro percurso para a dita via que viria pela Travessa dos Gatos-Praça-Velha-Beco do Amorim-Rua Direita (parte ocidental) (418).



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No entanto, se o balneum regis (419) tivesse de facto uma origem romana, seria por alturas da fundação uma construção remodelada. Talvez banhos propriedade da Coroa, a que os cidadãos tinham acesso mediante pagamento da entrada. Localizavam-se num subúrbio já consideravelmente povoado, pois doutro modo não faria sentido a sua existência naquele local – até porque por volta de 1130 já havia moradores na encosta de Montarroio, Arnado, Santa Justa e até nas almuinhas do Rei e da Sé. Se não restam dúvidas que esta doação foi o primeiro passo para a fundação do mosteiro, o mesmo não se poderá dizer da posição exacta do balneum no seio do conjunto monástico, sendo forte possibilidade que tenha sido demolido para no seu lugar se edificar a igreja de Santa Cruz – um dado que viria ao encontro de longa tradição, desde o Séc. V, D.C., que consistia na edificação de templos cristãos sobre termas antigas. D. Telo pouco depois de tomar posse do sítio dos Banhos Reais, compra ao Bispo D. Bernardo e por 30 morabitinos «…uma fonte de frescas águas abundantes, localizada nas vizinhanças, a fim de servir o claustro, correr nos lavatórios e responder ás demais conveniências de plúrimos abastecimentos exigidos nos espaços monásticos» (420). Desenvolvimentos muito significativos ocorrem nos princípios do verão de 1131. A primeira pedra da igreja do mosteiro colocava-se, com toda a solenidade, pelos doze fundadores, a 28 de Junho de 1131, um domingo, véspera dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo. No dia seguinte D. Telo fazia doação aos cónegos, do já referido balneum e da almuinha da Sé, que ficava a oriente daquele e que havia comprado ao bispo durante aquele ano. A doação inicial seria ampliada nos tempos próximos, uma vez que D. Telo adquiriu na zona várias propriedades. Por troca com a Igreja de S. Salvador adquiriu-lhe um terreno, que confrontava a oriente com o balneum Regis e a sul com o aqueduto que descendo da Rua dos Judeus o abastecia. A aquisição foi feita por D. Telo arcediago e aos cónegos de Santa Cruz (canonici Sancte Crucis) por volta de 1130, os quais deram em troca duas vinhas com seu lagar e com sua almuinha que haviam sido do presbítero Pedro Mendes, Cónego de Santa Cruz (42). Sabemos ainda que por ali possuía mais dois terrenos, um dos quais adquirido a um judeu de nome Isaac. Formada a Congregação, adoptado o hábito dos Regrantes e seguindo a Regra de Santo Agostinho, D. Telo recusou-se a ocupar o lugar de Abade propondo D. Teotónio, que por humildade não aceitará o título solene de abade, preferindo o de prior que já usara no Cabido da Sé de Viseu. A 24 de Fevereiro de 1132, uma quarta-feira de cinzas, terá começado a vida da comunidade, com 72 monges da Ordem de Santo Agostinho, sob regência do primeiro prior D. Teotónio. Outros escolhidos para a hierarquia religiosa regrante foram: D. Odório (para Prior-Claustral), D. Sesnando (Prepósito) e D. Honório (para Mestre-Escola). Em termos de organização interna a comunidade compunha-se, a nível superior, por 3 Priores: havia o Prior-Mor, no topo da hierarquia, a quem competia toda a direcção da comunidade, sendo na sua ausência substituído por um Vice-Prior; ao Prior Claustral, prelado auxiliar, competia acompanhar, de perto, a comunidade, tanto na igreja como



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no claustro; ao Prior de obediência eram confiadas funções pouco definidas, sabendo-se que, por vezes, dirigiam importantes granjas. Na base da hierarquia surge um conjunto de oficiais: Sacristão-Mor, Procurador, Prepósito, Camareiro ou Vestiário e Hospitalário.

Foto 19 – Pormenor do Arco Triunfal

O ritmo com que o mosteiro se fundara e ampliara suscitou, desde o início, a desconfiança e inveja do Cabido da Sé. Este, cedo demonstrou querer uma doação completa dos bens patrimoniais crúzios, de modo a subordiná-lo. A tensão resultaria em contenda, que foi resolvida em favor dos crúzios pela oportuna e decidida intervenção, uma vez mais, de D. Telo: «Todavia, Dom Telo, conhecendo bem o potencial dessas invectivas letais, abalou para Pisa, com Dom João Peculiar, dirigindo-se confiante na saída que vislumbrava capaz de contornar o tremendo problema (…) Inocêncio II, movido por simpatia pastoral e ciente das prerrogativas apostólicas, anuiu tomar sob protecção papal o novo Mosteiro, concedendo-lhe liberdade, geral isenção, vastos privilégios e subsequentes garantias consignadas no texto dispositivo da bula Desiderium quod, de 26 de Maio de 1135, complementados em cartas com especial recomendação, todas obtidas graças ao bom acolhimento dispensado pelo cardeal Guido de Vico» (43). Guido de Vico, protector do diligente D. Telo e do mosteiro, D. João Peculiar e D. Afonso Henriques, na retaguarda da empresa – eis como o mosteiro logrou alcançar os seus objectivos. Como contrapartida desta dependência directa em relação à Santa Sé, o mosteiro tinha de pagar anualmente e de censo dois bizâncios de ouro (44). Com o estabelecimento de um vínculo directo entre Coimbra e Roma, o mosteiro ficava na subordinação directa à Cúria Romana e isento da jurisdicção episcopal. E assim se formou o Isento de Santa Cruz. Os anos seguintes confirmariam os direitos dos crúzios: – O Sumo pontifície Anastácio 4º, concedeu aos priores de Santa Cruz, em 1153, que pudessem usar das insígnias episcopais (mitra, báculo, e anel) podendo celebrar de pontifical.



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– O Bispo D. Miguel Salomão reforçou o poder regrante em 1162, concedendo a isenção episcopal. O privilégio é conhecido por Karta libertatis e por ele se reconhece a liberdade concedida pela Sé Apostólica, confirmando paróquias e paroquianos, igrejas, isenções das dizimas episcopais de herdades ou villas, a liberdade de acolher na própria igreja todos os que aí receberem o hábito canonical, a liberdade de sepultura para qualquer leigo ou clérigo, excepto na excomunhão. – Confirmação pelo Papa Alexandre III através da Bula Ad hoc universalis, da concessão do bispo. – Bula de Celestino V em 1294, confirmando e alargando o privilégio do uso das insígnias episcopais dentro e fora do mosteiro. Apesar da concessão da isenção, a verdade é que até ao séc. XIII diversas questões se levantaram entre a Sé conimbricense e Santa Cruz tendo, como pano de fundo, os direitos vitais para o mosteiro e de grande importância para a Sé, a quem aliás haviam pertencido. Uma das contestações mais conhecidas resultava do facto de Santa Cruz não pagar direitos episcopais das suas igrejas, cobrando dos seus caseiros os dizimos usualmente pagos à Sé, dispensando-os da habitual prestação. 1.5. As primeiras obras: igreja, convento, claustro e hospital Com a aquisição de um conjunto assinalável de propriedades, D. Telo passou a dispor de área territorial suficiente para edificar o mosteiro tão desejado. Iniciadas as obras, da igreja e convento em Junho de 1131, depressa cresceria a comunidade; aos doze fundadores juntaram-se outros eclesiásticos, os quais perfaziam, a 24 de Fevereiro de 1132, o total de 72 – data que marca também o começo da vida regular dos crúzios. Além dos já referidos fundadores poucos nomes são conhecidos, exceptuando D. João Ovelheiro (será mais tarde Bispo do Porto e Arcebispo de Braga), D. Teotónio (o padre Santo), D. Odório (Presbítero de Santiago), e D. Sesnando (Presbítero de Montemor). D. Telo, de Junho de 1131 a Fevereiro de 1132, empenhou-se na construção do claustro, compreendendo dormitório, refeitório e diversas dependências. Edifícios pouco sólidos, feitos de paredes de alvenaria e coberturas emadeiradas. A pedra e cal provenientes de Montarroio, a água necessária à empreitada chegava do antigo aqueduto do balneum. A primeira fase de construção do mosteiro cumpriu-se ainda em vida de D. Telo; levantou-se a cerca em volta do mosteiro com suas torres, edificaram-se moradias dentro e fora do claustro, compraram-se quintas e herdades. O muro justificava-se acima de tudo por razões defensivas; na década de 1130 os ataques muçulmanos inspiravam os maiores cuidados. Contudo, a cerca desempenhava uma segunda função, garantindo a separação do espaço religioso do profano, salvaguardando a privacidade da vida conventual. Não podendo apurar-se, com rigor, a data da conclusão das obras projectadas por D. Telo, sabe-se que por volta de 1136 a cabeceira estaria concluída e avançadas estariam as obras do corpo da igreja. Pelo ano de 1150 a igreja estaria acabada bem como as



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dependências conventuais. A sagração do altar-mor de Santa Cruz terá ocorrido entre 1148 e 1154, sendo Bispo de Coimbra D. João Anaia (45). O mosteiro tinha também o seu espaço cemiterial, referido em alguns documentos do século da fundação, ficando dentro da cerca primitiva o cemitério para religiosos e fora da mesma, o cemitério para leigos. Pelos finais do séc. XVI a área defronte da fachada principal era dominada por um cemitério, ou adro, lageado e cercado de grades de ferro que segundo o cronista espanhol Frei Jeronimo Roman servia de lonja da cidade (46). O projecto da primitiva Igreja Românica de Santa Cruz, incluindo o nártex construído em silharia, coube a notáveis mestres construtores franceses, designadamente, Roberto e Bernardo. Construída no estilo românico da plena maturidade e segundo direcção do arquitecto Roberto apresentava um nível superior de execução. Roberto era oriundo da Basse-Auvergne, onde foi educado e aprendeu as noções de arte de construir, as fórmulas que aplicaria nas suas obras, como no narthex de Santa Cruz e na Sé Velha. Terá chegado a Coimbra incorporado nas comitivas que acompanharam os grandes homens da reconquista, possuindo larga experiência na construção de Igrejas de Peregrinação. A primitiva Igreja Românica de Santa Cruz suscita ainda algumas dúvidas, por exemplo ao nível do arranjo da cabeceira e da existência (ou não) de um transepto. Consensual é que a igreja projectada por Mestre Roberto era excepcionalmente forte, tinha apenas uma nave, de grandes proporções e com abóbada de berço, e que ia da capela-mor até próximo do coro superior, e possuía cabeceira triplice. Nos flancos possuía 3 capelas abobadadas de cada lado, ligadas por grandes arcos e cobertas por abóbadas semicirculares de eixo perpendicular ao da nave. Num pavimento superior e sobre o espaço da entrada, erguer-se-ia a robusta torre-nartex defensiva – uma característica comum entre as igrejas agostinhas contemporâneas. Esta torre apresentava-se como um corpo maciço e avançado da construção, um torreão imponente que expressava bem a noção de uma igreja concebida como um reduto em caso de ataque, cuja função era continuada pelo muro e paredes do conjunto monástico edificados em modo acastelado. Este nartex abrangeria a largura da nave e, a frontaria, semelhante à da Sé Velha, ficaria no lugar da actual, tendo, nos flancos dois contrafortes. O do lado Norte foi integrado no manuelino, visível na face voltada para o Nascente. A dedicação (ou reconsagração) da igreja ocorre tardiamente, a 7 de Janeiro de 1228, acto celebrado como era uso por um alto dignitário, o legado do papa Gregório IX, João bispo de Sabina (47). Uma lápide junto ao túmulo de D. Miguel Salomão parece ser a Acta de Sagração da Igreja. Tal documento foi analisado, transcrito e traduzido para português – até onde foi possível dada a corrosão que apresenta – pelo Cónego Bento Vieira: «João, pela Graça de Deus Bispo de Sabina, legado da Sé Apostólica, a todos os fiéis cristãos que estas letras virem, saúde no Senhor. Consagrámos no dia seguinte à Epifania a Igreja de Santa Cruz de Coimbra, que depende da imediata jurisdição da Igreja



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de Roma. Ficam excomungados todos os que, maiores ou menores, ousarem violar a imunidade da mesma Igreja. A todos os que, porém, de coração contrito vierem à dita Igreja de Santa Cruz no aniversário da Dedicação…» (48).

O MOSTEIRO FEMININO REGRANTE DE S. JOÃO DAS DONAS Este mosteiro localizou-se, grosso modo, no local onde hoje está o edifício da Câmara Municipal de Coimbra. Porém, o assento primitivo estaria estabelecido um pouco mais para Norte, junto a uma ponte que atravessava o ribeiro dos banhos, fronteira ao actual edifício da Caixa Geral dos Depósitos. Na realidade. o pequeno convento de S. João das Donas fazia parte do Mosteiro de Santa Cruz desde os primeiros tempos do Priorado de S. Teotónio. Terá sido fundado antes de 1137, estando a sua comunidade regular já formada em 1136 na Capela de S. João Baptista (ou numa sua dependência), sede da paróquia que se fundaria 3 anos mais tarde. A confirmar-se que o primitivo convento não era um edifício construído de raiz, mas sim uma série de casas, podem as mesmas ter sido compradas para alojamento das novas freiras, ainda no tempo de D. Telo. A sua capela viria a ser reformada nas primeiras obras manuelinas, ficando conhecida por S. João das Donas. Mais tarde e já em Quinhentos seria integrada no geral de Santa Catarina no âmbito da criação dos colégios universitários. As Donas de Santa Cruz ou Sorores dividiam-se em dois grupos: as cónegas de coro, conversas e outras damas nobres aí recolhidas mas que apenas tinham recebido hábito e as que serviam no hospital dos pobres, dedicando-se ao tratamento dos enfermos e idosos. Cada um destes grupos de Cónegas Regrantes de Santo Agostinho tinha à sua frente uma Prioresa, ambas dependentes espiritual e temporalmente do Prior-Mor do mosteiro. Comunidade silenciosa, estava sujeita a severo regime de disciplina, recolhimento dentro do mosteiro, recitação do ofício divino e actividades domésticas Discretas na forma de vida, dada a proximidade ao mosteiro, foram diversas as tentativas de as suprimir. Entre elas professou Dª Mor Dias (falecida em 1302), que viria a ser a 1ª fundadora do Mosteiro de Santa Clara da Ponte. Para essa comunidade e, com a afirmação das linhagens a partir dos anos 40/50 do séc. XII, foram encaminhadas as filhas de famílias nobres, da alta aristocracia e mesmo da família régia. A toponímia da zona relativa ao séc. XII conserva a influência do Convento das Donas de Santa Cruz, nomeadamente, ao nível dos arruamentos existindo referências à via Sororum e domus Sororum. Extinto o mosteiro ainda no séc. XVI (em 1534) foram as religiosas transferidas para o Mosteiro de Santana, na margem esquerda do Mondego. Em seu lugar edificou-se a nova portaria do mosteiro de Santa Cruz bem como o claustro da portaria, os quais, no âmbito da construção do edifício camarário, seriam destruídos em 1877.



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III – A Baixa

Ainda no tempo de D. Telo e, certamente por sua iniciativa, fundou-se o hospital dos crúzios numa das zonas de primeira influência do mosteiro, em Montarroio. Conhecido, também, pelo nome de hospital de Montarroio foi edificado no tempo do prior-mor D. João Teotónio para cujo património concorriam casas, herdades e villas. Desconhece-se o ano da sua fundação, sendo de supor que tal tenha acontecido entre 1148 e 1150. Pelos finais do séc. XIII o seu serviço estava a cargo das “Donas de S. João”. Acolhia doentes e peregrinos, vitimas das guerras contra os Sarracenos, mas também distribuía rações aos desfavorecidos; pobres, viúvas e órfãos. Em 1157 a sua importância era tal que o papa Adriano IV autorizou os crúzios a aplicarem ao hospital os dízimos da sua paróquia (49). A fundação do hospital dos pobres junto ao mosteiro foi uma das vias de afirmação dos Regrantes de Santa Cruz. Tratou-se do corolário da expressão de caridade regrante, intimamente ligado com as suas características e tarefas – o tratamento da pobreza. D. Telo faleceria a 9 de Setembro de 1136 e, ao seu governo, sucedeu o de D. Teotónio, trazendo consigo o abrandamento das obras. Contrariamente ao que durante muito tempo se pensou, o Mosteiro de Santa Cruz não se ergueu numa zona desabitada, nem ocupou a almuinha do Rei, que vem assinalada no documento de Setembro de 1137 e que se localizava na zona que no historial do mosteiro ficou conhecida como a horta, situada a Nascente do actual Jardim da Manga, onde se implantaria tantos séculos depois o Mercado D. Pedro V. De facto a almuinha da Sé não era uma simples horta, na medida em que nela havia moradores, o mesmo sucedendo com o terreno da Igreja de S. Salvador. Pelo contrário, seria outra a realidade: «Talvez, desde antes de 1130, se estivesse a desenvolver aí um pólo urbano extramuros – no qual se inseririam os banhos que D. Sesnando terá construído ou remodelado. O mosteiro de Santa Cruz, terá, assim, pela sua progressiva expansão na Ribela, impedido um desenvolvimento urbano que só viria a ocorrer na segunda metade do séc. XIX, após a extinção das ordens religiosas e venda dos bens fundiários do mosteiro»(50). Do primitivo templo, construído seguindo um Românico de excelente categoria, conservam-se restos da construção, nomeadamente as capelas laterais, numa das quais se conserva «…o arco de entrada pesando sobre os capitéis das colunas que o sustentavam» (51), e os túmulos de S. Teotónio e do Bispo D. Miguel Salomão. Aliás, diga-se a propósito que Santa Cruz terá sido o campo experimental de grande fase do românico de Coimbra, onde se criaram fórmulas diversas, como a do portal, e que foram reproduzidas em outras construções da cidade. Antes das grandes reformas trazidas pelo séc. XVI, ocorreram importantes modificações no séc. XV, transformando-se duas capelas da nave, do lado da epístola ou a Sul, de que se conserva «…no espaço escuro entre as capelas da epístola, uma abóbada de cruzeiros e com uma caderna que a ligava ao tramo contíguo, oculto, até ao ano de 1972, em que foi posto à luz. Pertencia à capela de Santo André e dos Mártires de Marrocos, mandada fazer, no espaço de duas laterais da igreja românica, pelo prior-mor D. Gomes



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Ferreira (1437-59), destinando-a a seu jazigo, tendo sido acabada no princípio do ano de 1458. A reforma manuelina conservou-a» (52). 1.6. As reformas renascentistas do Mosteiro de Santa Cruz O Mosteiro de Santa Cruz sofreria grandes transformações no decurso do século XVI, devido ao empenhamento dos monarcas D. Manuel I e, no seguimento, de seu filho, D. João III. Da acção joanina importantes reformas vêm a ocorrer nos dois principais núcleos de ensino; o Mosteiro de Santa Cruz e a Universidade. Com o acordo do monarca, foi designado reformador de Santa Cruz, Frei Brás de Braga. Antigo estudante nas florescentes universidades de Paris e Lovaina faria neste mosteiro Foto 20 – Fachada da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, 1874 o primeiro ensaio de uma instituição de ensino renascentista, uma escola moderna e actualizada ao nível europeu, uma nova Universidade independente da velha, então situada em Lisboa. Tratou-se na realidade da mais profunda reforma que o conjunto alguma vez sofreu, que durante décadas transformou o mosteiro (e a Rua da Sofia) num imenso estaleiro, e lhe conferiu parte da feição actual. Posta em prática, a partir de 1527, tornou a arquitectura do Renascimento em Coimbra como centro difusor a nível nacional, fazendo de Santa Cruz, em especial, o mais vasto e diversificado laboratório apenas ultrapassado pela iniciativa centrada nos Jerónimos de Lisboa. A reforma, que culminaria com a transferência da Universidade para Coimbra dez anos depois, foi precedida de uma reforma edificada de grande brilho e prestígio, iniciada no tempo de D. Manuel I e que incidiu sobre os quatro colégios crúzios já existentes. Tudo se precipitou com a visita de D. Manuel à cidade, em 1502, quando viajava a caminho de Santiago. Aqui terá constatado o modo como, humildemente, estavam sepultados, em simples arcas antropomórficas no nartex (ao começo da nave), os dois primeiros reis de Portugal, D. Afonso Henriques e D. Sancho I. Entre a promessa em dar condigna morada aos reis e o arranque da obra passaria década e meia.



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III – A Baixa

O Afortunado ordenou a reformulação de todo o mosteiro bem como o levantamento e redimensionamento destes túmulos, no tramo central da Capela-Mor e construção dos túmulos régios com deposição das ossadas dos soberanos e das rainhas. Findo o trabalho, o convento tornava-se digno da honra em abrigar as cinzas dos primeiros reis de Portugal. As obras da época manuelina podem subdividir-se em dois períodos cronológicos: A. Uma primeira etapa decorreria entre 1507 e 1527. Principia com o Priorado mor de D. Pedro Gavião e vai até à reforma de Frei Brás de Braga, e da qual resultaria «…a transformação do conjunto românico Foto 21 – Fachada da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, 1940 do convento, lançando-se outra abóbada à igreja, erigindo-se torres na fachada, levantando-se sacristia, casa do capítulo, refeitório, novo claustro e várias dependências» (53). Esta época pode ainda subdividir-se em três períodos (54): - A primeira coincidiu, sensivelmente, com o priorado de D. Pedro Gavião (15071516) e esteve a cargo de Diogo de Boutaca. Cumprindo ordens de D. Manuel I desmantelou-se a abóbada principal e a torre-nartex da igreja românica; fez-se a fachada e a abóbada principal e actual da nave (do tipo estrelado), gótica e de nervuras direitas, edificou-se quase de novo a capela-mor e os arcos laterais para albergarem os túmulos dos reis, fez-se a Sacristia Manuelina, a Casa do Capítulo e a Capela das Donas. D. Pedro Gavião chega a Prior Mor do Mosteiro de Santa Cruz de forma curiosa. A 24 de Agosto de 1506 falecia D. João de Noronha Meneses, 25º prior da comunidade crúzia. Por imposição do Papa Júlio II, sucede-lhe um sobrinho deste, o Cardeal Galiotto Franciotto della Rovére, uma nomeação que caiu mal entre os crúzios, mas que tiveram de acatar dando posse como prior trienal a D. Brás Lopes, procurador do cardeal. D. Manuel I sentiu fundo a afronta e contra atacou, ordenando ao recém-nomeado prior que desse início às demolições na igreja do mosteiro, claustro e capítulo e que



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João de Ruão, um dos mais famosos artistas da Obra Manuelina em Santa Cruz Notável escultor normando, que trabalhou em Portugal mais de 5 décadas e a quem Coimbra deve parte da sua fisionomia. Um dos seus primeiros trabalhos, como colaborador, foi a obra imponente dos túmulos dos Cardeais de Amboise, na Catedral de Ruão (sua cidade Natal), entre 1517-1520. Terá vindo para Portugal por volta de 1528/1529 atraído pelas obras realizadas em Lisboa pelo rei Venturoso. Em 1530 estava já em Coimbra onde casou com Isabel Pires, filha do mestre de carpintaria Pêro Anes, pessoa influente em Santa Cruz e nos Paços Reais, sogro de Cristóvão de Figueiredo e cunhado de Marcos Pires. Segundo escritura de 4 de Abril de 1530 já estava em Coimbra, recebendo de aforamento dos cónegos regrantes um terreno na Rua de S. Nicolau (área hoje ocupado pelo Colégio da Sapiência) para construção junto às casas térreas e telheiro onde morava e trabalhava. Nesse contrato é apelidado de «amiguo e servydor» do mosteiro onde fez «muitas e boas hobras». Em Coimbra fervilhavam as obras e no mosteiro em diversas obras: executou as estátuas de David, Nossa Senhora e Isaías quando se procedeu a alterações na fachada na sequencia da transferência dos cadeirais para a capela-mor; foi autor da Deposição no Túmulo para a capela escura da igreja e no Jardim da Manga ocupou-se dos trabalhos de escultura e imaginária nas obras de execução dos tanques. Foi sobretudo um baixo-relevista, amado pelo povo devido ao carácter popular do seu naturalismo. Apelidado sucessivamente como imaginário e arquitecto deixou marca em outros pontos da cidade e região lhe renderam avultados bens, em ouro e terras. Da sua oficina sairam muitos colaboradores e ajudantes, alastrando a sua influência muito para além de Coimbra e sua região. com as rendas do Priorado Mor (que eram colossais) se fizessem as obras da nova igreja, claustro e capítulo, pedindo ao Papa que tendo em conta o objectivo ordenasse ao Cardeal para não cobrar as rendas. A manobra ardilosa acabou por servir os interesses do monarca e dos crúzios, uma vez que com a aceitação do Papa o Cardeal acabou por desistir das benesses concedendo ainda ao rei D. Manuel o poder de apresentar Prior Mor em Santa Cruz, assim tomando posse da dignidade D. Pedro Vaz Gavião, Capelão Mor do Rei Venturoso e Bispo da Guarda (55). D. Pedro Gavião havia já deixado na Catedral da Guarda as marcas da sua capacidade, não sendo de estranhar as transformações radicais que iria operar em Santa Cruz. Acede-se à capela por arco simples formando o espaço um rectângulo repartido em quatro tramos, apoiando-se as suas nervuras em mísulas decoradas. As chaves são do tipo florão e as três centrais são as mais ornadas; a do meio tem um escudo com a Cruz da Ordem de Cristo e as letras «IN SIGNO HOC VINCES» e as outras duas mostram a esfera armilar e duas legendas relativas ao Rei D. Manuel: «EMANUEL REX PORTVGA…». Nos espaços intermédios colocaram-se ainda dois brasões da nação com coroa aberta.



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III – A Baixa

- A segunda fase, iniciada em 1517, ocorreu no tempo do Rei D. Manuel e teve na direcção dos trabalhos Marcos Pires, colaborador da empreitada anterior, na qual terá sido integrado como decorador. Sob sua direcção reconstruiu-se o Claustro do Silêncio, terminaram-se os acabamentos gerais das platibandas e coroamentos da igreja e completaram-se os túmulos reais. O arquitecto seria também o autor dos túmulos dos priores de Santa Cruz, D. João de Noronha e D. Pedro Gavião. - Com D. João III fecha-se a primeira etapa dos trabalhos quinhentistas. Com o falecimento prematuro de Marcos Pires, assumiu a direcção das obras Diogo de Castilho, que em 1524 foi nomeado mestre delas. Neste período levantou-se o novo portal de pedra branca por volta de 1522-1526, obra na parte arquitectural de Diogo de Castilho e, na escultural, a Nicolau Chanterene e que seria completado mais tarde (em 1540) com as três figuras centrais de outro escultor arquitecto francês, João de Ruão. Durante esta época promoveram-se diversos acabamentos e concluiu-se o famoso púlpito, obra-mestra do Renascimento, de Nicolau Chanterene e datada de 1521. Os crúzios tinham grande orgulho no seu púlpito que o consideravam «…o melhor que havia na Cristandade» (56). B. A segunda etapa dos trabalhos começa na reforma de Frei Brás de Braga (1527) e prolongou-se atè à extinção do priorado-mor em 1545. Precipitou-a, certamente, a estadia por Coimbra de D. João III, fugido da peste que atingia a capital e o Sul do país. Aqui teve oportunidade de visitar o já renovado Mosteiro de Santa Cuz, mas também de observar o quanto estavam desfasadas as regras de clausura e de silêncio a que os cónegos deviam obedecer. De imediato, tomou medidas para restituir a ordem e a moral religiosa, e nomeando reformador Frei Brás de Braga (ou Frei Brás Barros) e extinguindo o mosteiro feminino de S. João das Donas em 1534, que funcionava paredes-meias com o cenóbio crúzio. As obras levadas a cabo e, ao contrário das antecedentes, alterarão substancialmente a topografia e disposição conventual, qual “vendaval construtivo”. O artista João de Ruão, que terá chegado a Coimbra por volta de 1528/29 e aqui estabeleceu oficina, assumirá especial destaque. A reforma empreendida foi, na realidade de grande alcance: - Ao nível da Igreja, concluiu-se em 1530 a empreitada do retábulo da Capela-Mor da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, incluindo as pinturas encomendadas a Cristóvão de Figueiredo em 1522. Um dos artistas de maior destaque nesta obra foi João Alemão, artista nórdico que vindo de Sevilha onde estava radicado, ficou encarregue da parte de marcenaria e de escultura complementar e que «…esculpiu um impressionante grupo do Descendimento da Cruz, com figuras que rondavam o 1,70 m» (57). Esta obra conservase hoje na capela de Nossa Senhora da Piedade de Antuzede.O retábulo da capela-mor é obra do séc. XVIII, do tempo da nova sagração da igreja. Trata-se de uma composição de grande dimensão, com amplo trono, e trabalhada em madeira dourada e policromada, rematada por anjos que mostram os símbolos da Paixão. O vão do trono é fechado por uma tela alegórica da exaltação da Cruz, do séc. XIX.



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1.7. Visita guiada ao Mosteiro de Santa Cruz Este subcapítulo destina-se a auxiliar todos os que queiram visitar a igreja. Como dissemos o arquitecto que dirigiu os trabalhos nos primeiros tempos da reforma manuelina foi Boytac (ou Boutaca): Ao nível da igreja conduziu os trabalhos da pedra escura (amarelada) visível na frontaria, colocando-se o escudo de cinco gaviões no alto da fachada. Esta obra foi decalcada a partir da românica, e executou-se entre 1507 e 1513. Antecede o portal um belo arco triunfal, obra atribuída ao frade arquitecto João Couto que a concluiu nos inicíos do séc. XIX. A composição arquitectónica compreende duas faces iguais, feita de pilastras jónicas que acompanham o arco e no qual assenta o escudo da congregação crúzia sustido por anjos-famas. O escudo de Santa Cruz surge cortado em faixa tendo superiormente uma cruz arvorada com dois anjos ao pé, conforme o selo da Congregação determinado pelo Capítulo em 1572, e que foi usado durante os séculos XVI e XVII e, em baixo as armas do reino, pois a designação era Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. O portal de pedra branca, concebido entre 1523 e 1525 por Diogo de Castilho embora a parte escultórica tenha sido executada por Nicolau Chanterene, repete a fórmula do portal lateral dos Jerónimos e dos túmulos reais, compreende dois contrafortes compostos, com nichos ladeando a porta que é dominada por uma janela. Das esculturas que animavam cada contraforte restam apenas duas no da direita. De facto algumas partes das esculturas perderam-se, ficando em mau estado e desfiguradas devido ao facto de terem sido executadas em calcário brando. Ao nível superior e no espaço entre a janela e os contrafortes conservam-se as quatro esculturas dos Doutores da Igreja. Um pouco abaixo e ao centro da composição entre a porta e ajanela inseriram-se três nichos que abrigam esculturas: ao centro a Virgem, ladeada por David e um profeta – possivelmente esculturas de João de Ruão ali inseridas por volta de 1540. Em meados do séc. XVIII aplicou-se o vão actual da porta, com óculo oval. Ao entramos na igreja, o olhar facilmente se prende na abóbada da nave, construída entre 1507 e 1513, de desenho rectangular e repartida em quatro tramos «…de composição concatenada do fim do gótico» (58). Os fechos foram decorados com folhagens e, o fecho do primeiro tramo, junto à capela-mor ostenta a esfera armilar e, o seguinte, o escudo com os cinco gaviões de D. Pedro Gavião. As capelas laterais são da época quatrocentista e quinhentista, embora os arcos sejam do séc. XVIII. As capelas do lado do evangelho (à esquerda de quem entra), indicam em parte o traçado que teriam as antecedentes, do séc. XII, e só depois de 1530 sofreram uma acomodação uniforme. Fruto das reformas de matriz barroca promovidas pelos crúzios apenas ficaram restos românicos das duas primeiras a seguir ao coro, designadamente os arcos das capelas laterais do corpo da igreja, traça de João de Ruão. A Capela de Santo António, do lado do evangelho e sensivelmente a meio da nave, manteve a dedicação e conserva, acima da abóbada, pela parte atrás do órgão, o arco



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III – A Baixa



Planta do Mosteiro de Santa Cruz



(adaptado do livro Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2001) 147

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de entrada românico e o começo do abobadamento. Os arcos cruzados e a chave são já de carácter manuelino. O altar pertence ao séc. XVIII e tem uma imagem moderna do santo. Os azulejos que revestem as paredes são do século XVIII e apresentam cenas referentes à vida de Sto. António. Aquela capela comunica com uma capela interior, também designada por Capela do Sepulcro, onde esteve o conjunto da deposição de Cristo no túmulo, esculpido por João de Ruão e, actualmente, recolhida no Museu Machado de Castro. Na capela é possível contemplar o que ficou dessa grande obra; a armação e coroamento do retábulo com duas colunas coríntias suportando o entablamento de pequenos medilhões na cornija, ornadas de grinaldas e pendurados. No remate três nichos com a bela escultura do Salvador acolitada de anjos músicos. No chão uma campa com o brasão dos Sousas. No séc. XII a capela terá sido dedicada a S. Vicente (59). Esta quadra poderá ter sido a capela manuelina de S. João das Donas (depois Geral de Santa Catarina dos colégios crúzios), que ocupava o espaço da capela românica. São visíveis a Fotos 22 e 23 – Perspectivas do interior da Igreja do Mosteiro abóbada manuelina e, para o lado da de Santa Cruz Câmara o arco do coro monástico das Donas. Para a rua fica uma alta e simples janela manuelina. A Capela do Senhor dos Passos, fica a seguir e é contígua ao claustro. Tem um altar como as antecedentes, uma imagem moderna da mesma invocação e azulejos que representam cenas da vida de S. Joaquim e Santa Ana. Ao longo dos tempos teve diferentes dedicações: no séc. XII a S. Pedro, no século XVI e XVII era dedicada à Senhora da Graça. Entre a Capela de Santo António e a Capela do Senhor dos Passos e voltado para a a nave, fica o conhecido púlpito de Santa Cruz, uma obra de grande minúcia e lavor finissímo «…o mais notável de quantos se fizeram nesta época em Portugal» (60).



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III – A Baixa

Poligonal e com base disposta na forma de cone invertido, apresenta-se como peça singular de formação misular apoia-se numa hidra de sete cabeças (talvez símbolo dos sete pecados mortais). Ergue-se no desdobramento de uma seriação de corpos geométricos, ornados de criaturas fabulosas, sereias, jarrões estilizados, grifos, cabeças de leão, crânios e querubins. O parapeito reparte-se por quatro faces ficando, da esquerda para a direita as figuras de maiores dimensões, os Doutores da Igreja: Santo Ambrósio de Milão (protector dos escultores e canteiros), São Jerónimo, São Gregório Magno e Santo Agostinho. Nos espaços que separam estas imagens e que delimitam Foto 24 – Púlpito da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz os nichos há dois conjuntos de (obra de Nicolau Chanterenne) pequenas esculturas sobrepostas: na série inferior as figuras públicas biblícas – Abraão, Josué, David, e os profetas Isaías e Jeremias – e, na alta cinco sibilas – Agripa, Ciméria, Helespôntica, Délfica, e Europeia. Sendo consensual que a execução do púlpito pertence a Chanterenne o mesmo não acontece com a concepção do programa iconográfico. No remate do nicho de S. Gregório (numa cartela da bacia) surge um rótulo com as letras I.M. que tem sofrido ao longo dos tempos as mais diversas interpretações: assinatura ou monograma de João de Ruão (Ioannes Magister), Imago Mundi ou alusão a Jesus e Maria. Este púlpito encerra particular discurso: «A mensagem que se queria transmitir, e que está patente na iconografia, era a dicotomia entre Bem e Mal. De facto, na parte superior do púlpito crúzio estão representadas as forças e os seres de Bem calcando o Mal, que é representado por uma serpente ou hidra de sete cabeças. Num espaço intermédio, o autor representou igualmente um mundo intermédio, aquele onde vivem as sereias que aí esculpiu» (61). O espaço das capelas do lado da epístola, à direita de quem entra, está hoje vazio uma vez que se removeram os seus altares na sequência de pesquisas dos Monumentos Nacionais, em 1972.



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Foto 25 – Pormenor do Túmulo de D. Afonso Henriques



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III – A Baixa

UMA DESCRIÇÃO DOS TÚMULOS REAIS «Dois fortes pilares delimitam-nos lateralmente, arrancam de bases góticas e na sua primeira e mais ampla secção, apresentam duas séries de esculturas colocadas sobre mísulas com decoração tardo-gótica naturalista e, sob baldaquinos renascentistas, nas baixas e ainda flamejantes, nas altas. A um nível ainda inferior à primeira mísula, ficam três medalhões ranscentistas envoltos em ramagens. Em cada pilar, há seis esculturas de vulto. Na parte baixa, e que se pode estimar em três quartos da altura total, ficam as arcas ferais, em cujas faces dois anjos-tenentes seguram um letreiro. Sobre cada uma, há um pano de fundo e uma zona oblíqua com esculturas e tarjas decorativas. O centro é dominado por uma grande escultura de Nossa Senhora – da Assunção, com os Anjos, no túmulo de D. Afonso Henriques, e com o Menino em Magestade, no de D. Sancho I – assente sobre uma mísula gótica de tipo naturalista e sob um dossel de elementos arquitecturais miniaturados e vegetalistas. Lateralmente, têm figuras, uma à direita e outra, à esquerda, próximas, e outras duas mais pequenas, sobrepostas, logo a seguir. A meia-lua superior está coberta com motivos decorativos de talhe delicado e ostenta elementos heráldicos dos monarcas. Três zonas demarcam-se por meio de arquivoltas pouco grossas que prolongam os colunelos verticais; se as duas exteriores são ainda flamejantes, a interior apresenta já uma composição de grutescos, embora talhados com mais volume do que aquele que iria ser comum nos escultores conimbricenses das décadas seguintes. A zona superior tem também três secções; na central, dois Anjos-tenentes seguram o escudo-real; lateralmente, há um nicho com sua estátua. A esfera armilar e a cruz da ordem militar de Cristo completam o conjunto No túmulo de D. Afonso Henriques, além do jacente e da belíssima imagem de Nossa Senhora da Assunção acolitada por dois anjos-músicos, há doze esculturas dos Apóstolos, dois Evangelistas e dois Profetas e, nos remates, São Cristóvão e Santa Helena. No de D. Sancho I, Nossa Senhora com o Menino ao colo, ladeada por Santa Catarina e Santa Maria Madalena, também dois Evangelistas e dois Profetas, e ainda as três Virtudes Teologais e as quatro Virtudes Cardeais; nos remates tem São João Baptista e o imperador Heráclio». Pedro Dias – A Escultura de Coimbra do Gótico ao Maneirismo, Câmara Municipal de Coimbra, 2003, P. 93



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A Capela do Coração de Jesus era, no início do século XX, designada pela do Sacramento, motivo pelo qual se vêem azulejos do século XVIII e, no altar, do mesmo tipo e época dos outros, uma imagem moderna que alude a essa antiga invocação. Acima da abóbada manuelina está a antiga abóbada românica, vendo-se entre aquela e um sobrado que estabelece um segundo piso o arco românico que dava para a fachada e os restos do fronteiro que estabelecia a ligação com a capela de S. Tiago-maior, que foi dotada por Fernando Cogominho. Na época manuelina abriu-se, no topo, uma janela resguardando-se a parte cimeira com uma grilanda, cuja função se desconhece. Entre esta capela e a seguinte temos um espaço que foi a Capela dos Mártires de Marrocos, na realidade a mais antiga das capelas, mandada fazer pelo prior-mor D. Gomes Ferreira, que mostra a abóbada do séc. XV. No séc. XVII foi dedicada a Santa Mónica e, na Idade Média era de Santo André.

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Segue-se o que resta da capela de S. João Baptista que no decurso do séc. XVIII terá sido consagrada a Santo Agostinho, uma vez que os azulejos das paredes lhe são alusivos. No séc. XII tinha o título de S. Miguel e nos séculos XVI-XVII chamava-se de S. André (62). Hoje é designada por Capela das Confissões. Mas o nosso olhar, mal entramos no templo, volta-se para a Capela-Mor. De cada um dos lados do arco cruzeiro que lhe dá acesso estão os altares laterais: o da direita é dedicado a Nossa Senhora da Conceição, enquanto que o da esquerda é dedicado a Nossa Senhora das Dores. Trata-se de uma obra do artista coimbrão João Machado, que os executou entre 1906-1910, a expensas da junta de paróquia da Freguesia de Santa Cruz, como se pode ler da acta que existe sobre o assentamento do altar de Nossa Senhora da Conceição. A Igreja de Santa Cruz é há séculos o panteão nacional onde na Capela-Mor se guardam as ossadas do monarca fundador, D. Afonso Henriques e de seu filho D. Sancho I. A obra dos túmulos reais consistiu na substituição das arcas primitivas entre 1518 e 1521. Um iniciativa tomada por D. Manuel I quando anos antes por ali passou e constatou as deficientes condições em que as ossadas se encontravam acomodadas em modestas arcas pétrias junto ao nartex. Os túmulos, de estrutura semelhante a um portal do final do gótico, introduzem, porém, naturalidade e vários ornatos renascentistas, quebrando assim a rigidez, perpendicularidade e pouco cuidado no tratamento da anatomia humana. De desenho atribuído ao arquitecto régio João de Castilho, no entanto, seria seu irmão Diogo de Castilho encarregue de o pôr em prática. De facto, no princípio de 1518 partira do Mosteiro dos Jerónimos uma campanha dirigida por Diogo de Castilho para fazer os túmulos reais, onde se incorporaram outros artistas como João Fernandes, Diogo Fernandes, Diogo Francisco e Pêro Anes, todos da Vila da Batalha, a quem se deve a execução das esculturas e elementos decorativos dos túmulos. As duas estátuas jacentes, datadas de cerca de 1518/1520 e atribuídas a Nicolau Chanterenne ocupam lugar de destaque na escultura nacional: «…as primeiras claramente renascentistas que se fizeram em Portugal, e que tiveram grande influência nos mestres locais» (63). Ao que parece este artista terá acompanhado de perto toda a obra dos túmulos reais. Os túmulos simulam dois portais dispondo-se cada um como se fosse o portal Sul da Igreja do Mosteiro dos Jerónimos, parecendo fechar-se como um retábulo, sendo a estatuária de índole agiográfica. Esta obra constituiria, paralelamente, uma das primeiras manifestações do nacionalismo manuelino. Os túmulos foram classificados como uma das 100 Obras de Arte de Combra. Um motivo de muito interesse da igreja é o conjunto de azulejos historiados, barrocos e monocromos, em azul, de fabrico lisboeta do 2º quartel do séc. XVIII, que cobrem a nave, corpo da igreja e capelas laterais. Na nave formam duas séries de assuntos: do evangelho a série da Cruz e do lado da epístola a série de Santo Agostinho.



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III – A Baixa

À esquerda de quem está voltado para o Altar, começando junto à pia baptismal: Eva e a serpe tentadora; Moisés e a serpente de bronze; Imperador Heraclio e a Cruz; Vitória do Imperador Constantino, graças à visão da Cruz: IN HOC SIGNO VINCES; A descoberta da verdadeira Cruz por Santa Helena, a verdadeira Cruz de Cristo opera uma cura milagrosa e a entrada da Cruz de Cristo em Jerusalém, triunfalmente transportada por Heraclio. Os da direita, começando junto ao Altar, representam episódios da vida de Santo Agostinho: recebendo a inspiração de Deus, junto de Santa Mónica (sua mãe), sendo baptizado por Santo Ambrósio, Sagração Episcopal, entregando aos seus discípulos Foto 26 – Órgão da Igreja de Santa Cruz (1719-1724) o livro da Regra e a morte de Santo Agostinho. O actual Órgão de Santa Cruz, localizado por cima da Capela de Santo António, é uma peça esplêndida. Foi considerado no século XVIII o melhor órgão de Portugal. A peça foi fabricada entre 1719 e 1724 pelo mestre Manuel Benito Gomes de Herrera sobre o que restava do primitivo órgão, datado do séc. XVI, incorporando-lhe as pilastras da armação do artista Lorete. O conjunto é composto por quatro órgãos distintos, incorporados harmoniosamente e tem 3420 tubos (64). Depois da saída dos crúzios, em 1834, passou a ser pouco o uso que lhe era dado. No entanto durante este século o órgão suscitou muita curiosidade tendo-se feito tentativas para o restaurar. Em 1867 um organeiro do Porto não conseguiu restituir ao órgão de tubos o brilho de outrora, caindo em abandono até aos nossos dias. Entre 2004 e 2008, foi objecto de restauro efectuado pela Oficina e Escola de Organaria de Pedro Guimarães e Beate Von Rodhen, através de financiamento do Ministério da Cultura (65). No dia 14 de Setembro, dia de festa da Exaltação de Santa Cruz, assinalouse o seu regresso para serviços litúrgicos e concertos. A sua soronidade é maravilhosa e pode ser escutada todos os Domingos na missa das 10 h. A igreja conserva poucas campas. Destaca-se, no entanto, do lado da Epístola e abaixo do altar da Senhora da Anunciação a do Bispo-Conde D. Miguel da Anunciação. (1739-1779). Sob o coro e da parede da mão direita, logo à entrada fica o conjunto sepulcral dos Cogominhos, datado do séc. XVII, que foram transladados para aquele local, por ordem de D. Manuel, quando estavam numa das capelas laterais.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Foto 27 – Cadeiral da Igreja de Santa Cruz (primeira metade do séc. XVI)

Acedemos ao coro alto pelo claustro. Trata-se de uma obra erguida por volta de 1530 por Diogo de Castilho, com abóbada estrelada. O arco de remate, de João de Ruão, é enquadrado por duas pilastras e um entablamento e ladeado de dois óculos florentinos, onde sobressaiem figuras humanas. Para aí se mudou e assentou o belo cadeiral «…a melhor obra do género e desta época, de quantas se conservam em Portugal» (66). Trata-se de uma obra executada na maior parte pelo flamengo Machim, iniciada em 1512 e paga em 1513. Esteve, inicialmente, na Capela-Mor até que, em 1531, foi colocado onde se encontra – no coro alto. Tal mudança ficou a dever-se à vontade de D. Manuel que desejava construir na Capela-Mor os túmulos reais. A parte executada por Machim corresponde à estrutura e decoração gótica, e vai da frontaria da igreja atè ao tambor que marca o arranque dos feixes de nervuras da abóbada. João Alemão juntou as cadeiras dos prestes (ministros do altar) em 1518 e, em 1530 foi transferido para o coro alto, acrescentando-se 14 cadeiras nos extremos, inserindo ornatos e figuras já renascentistas, feitas pelo francês Francisco Lorete, em 1531 (67). O cadeiral é composto por duas ordens de cadeiras, sendo a alta com espaldar corrido sob docel coroado com relevos. Uma observação atenta ao cadeiral indica-nos quão próxima teria sido a cooperação do Mosteiro de Santa Cruz no processo das navegações e descobertas: «Bandas encadeadas e sucessivas, dispostas em baixos relevos historiados, atestam a singular epopeia marítima portuguesa, cuja temática triunfalista permanece



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patenteada nos símbolos e nas visualizações artisticamente representadas (…) nas estantes corridas, nas cadeiras e nos assentos móveis, escravos e guerreiros miniaturados em estatuetas graciosas, acompanham alguns ornatos e fabulários antigos (…) nos elegantes espaldares, do chamado cadeiral de cima, repetidas sequências de motivos vegetalistas, geométricos e mistos enquadram esferas armilares, escudos heráldicos nacionais e cruzes de Cristo que, pela seriação crescente, traduzem um universalismo desenvolvido pela monarquia de Portugal (…) no dossel, exuberantemente povoado de numerosas explicitações factuais, a narrativa das viagens atlânticas, da geral expansão nos continentes e dos novos mundos dados a conhecer ao mundo demonstram a fama dos êxitos somados para glória da soberania portuguesas…» (68). Em termos de funções corais os crúzios dispunham-se no cadeiral de forma organizada: nas cadeiras de cima ficavam os capitulares, enquanto os escolares e os noviços, se sentavam nas cadeiras de baixo. Havia cadeiras especiais, como a reservada ao Prelado. O coro alto abriga temporariamente e enquanto se não concluírem as obras de beneficiação do Santuário, algumas das peças que fazem parte do seu espólio. Pela Capela das Confissões acede-se à Sacristia. Foi levantanda no séc. XVII sob a manuelina, tendo ficado mais ampla que a anterior. As obras começaram em 1622 (data marcada na porta para o capítulo) e acabaram em 1624. Os trabalhos foram delineados por Pedro Nunes Tinoco, de Lisboa, que contou com a colaboração do empreiteiro Manuel João e o cabouqueiro João Gaspar (de Ançã) e que forneceu a pedraria (69). Na crónica de D. José de Cristo, escrita nos princípios do séc. XVII relatam-se diversos acidentes no decurso desta obra ao tempo interpretados como autênticos milagres. Trata-se de uma obra superior no âmbito da arte citadina, executada com canteiros formados na escola de Coimbra. Em termos ornamentais divide-se em três tramos definidos por agrupamentos de pilastras dóricas, almofadadas, divisão que se repete na abóbada através dos arcos torais. As testeiras cortam-se em quatro portais coríntios, lavrados e de frontões interrompidos, dominados por janelas rectangulares. As paredes são revestidas de azulejos policromos do séc. XVII, de fabrico lisbonense. Em frente e de Setecentos mantém-se uma grande credência de talha. A arquitectura é completada por cinco esculturas de madeira, de regular categoria, do séc. XVII: Cristo crucificado, de tamanho natural, ladeado da Virgem e S. João, colocados em nichos cavados nas pilastras. Nas pilastras fronteiras e seus nichos, duas santas da ordem agostinha – Gudília e Gertrudes. A Sacristia é como um pequeno museu, onde encontramos pinturas de valor. Do séc. XVIII temos a destacar a Descida da Cruz atribuída a André Gonçalves e que reproduz, com algumas modificações, um trabalho de Daniel Volterra e três quadros mais pequenos vindos de oficinas lisboetas; um Santo António, vestido de cónego regrante, Santo Agostinho com Cristo e a Virgem e uma Sagrada Família. A um lado inteiro corre um grande arcaz, de embutidos geométricos e filetes de marfim, do século XVII.



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Da Sacristia acede-se a um átrio que conduz à Capela das Relíquias, que é antecedido por um um portal renascentista em verga recortada. Nesta capela e vindos do Santuário estão diversas preciosidades como as urnas de prata, datadas de 1510, que contêm os restos dos Santos Mártires de Marrocos: Oto, Berardo, Pedro, Acúrcio e Adjuto e a caveira de S.  Teotónio, ou o relicário de prata que contém, visível, o crânio de S. Teotónio (1621). Num plano superior e ao nível dos antigos dormitórios (actualmente transformados em repartições públicas), construiu-se na segunda metade do séc. XVIII um espaço conhecido por Santuário. Na sua génese esteve o intuito de proteger de modo condigno e num só lugar Foto 28 – Aspecto da Sacristia (construída entre 1622-1624) as valiosas relíquias de mártires e de santos que andavam dispersas pelos espaços de culto da comunidade. De forma rectangular pelo exterior, apresenta-se elíptico e harmonioso por dentro. Interiormente o circuito reparte-se em panos definidos por oito pares de pilastras compósitas, em estuque e com dourados. No topo ergue-se o retábulo-altar principal, os dois centrais dos lados abrigam caixas para reliquías sob uma armação retabular e, os outros quatro intermédios têm, ao alto uma janela, sob a qual fica um largo enquadramento, de madeira entalhada, de um busto relicário, ladeado de «…doze pirâmides marmoreadas, alveoladas e mantidas em mísulas simétricas, a formarem um harmonioso conjunto, parecem acentuar o ciclo dos meses» (70). Ao centro pende um grande e ostentoso lustre de cristal branco e corado em verde, amarelo e vermelho, do mesmo século. Actualmente este espaço está a ser alvo de beneficiação/conservação. Voltando à Sacristia, dela podemos aceder, por uma pequena passagem a nascente, à Sala ou Casa do Capítulo. De desenho manuelino de Boytac, ergueu-se antes de 1513. Sóbria e bem proporcionada divide-se em dois tramos e a abóbada segue o mesmo estilo da igreja. A porta merece especial destaque por ser composição única no seu género no mosteiro. Com arcos policêntricos, é da primeira fase construtiva e tem os brasões de D. Pedro Gavião. Da mesma época é o alto espaldar sobre banco corrido de madeira, de pilastras corintías. As paredes são cobertas de azulejos em xadrezado de losetas azuis e brancas, de finais do século XVI.



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Foto 29 – Capela de S. Teotónio na Casa do Capítulo

A capela terminal, que lhe fica na testeira e ocupa uma posição idêntica a uma abside de igreja, é dedicada a S. Teotónio. Foi aberta mais tardiamente e em duas épocas, ou fases distintas: a primeira executou-se durante o segundo triénio do prior D. Pedro da Assunção, pelo mestre coimbrão Tomé Velho, que até 1582 construiu a capela abobadada dentro do estilo da renascença coimbrã tardia, e as paredes laterais, para receber o túmulo definitivo do Primeiro Prior do Mosteiro, falecido em 1162; a segunda fase executou-se durante o priorado de D. Miguel de Santo Agostinho, entre 1627-1630, e compreendeu o arco triunfal (pórtico ou arco de entrada), os arcos laterais, as urnas que albergam os túmulos de feição maneirista de D. João Teotónio e do arcediago D. Telo, a imagem de S. Teotónio, mandada vir de Lisboa. A

grade de pedra pertence ao séc. XVIII. Nas paredes laterais da capela temos as esculturas dos quatro Evangelistas (do lado direito S. Marcos e S. Lucas e do lado esquerdo S. Mateus e S. João) e na frente no retábulo destaca-se a imagem de São Teotónio, com trajes monacais, segurando na mão direita o báculo e na esquerda o livro dos Evangelhos, tendo aos pés a mitra «…simbolizando a renúncia, por humildade, à dignidade espiscopal» (71). Nas pilastras que ladeiam o nicho há quatro figuras, com vestes pontificais, sendo a primeira, do lado direito, Santo Agostinho, o padroeiro dos Regrantes. Serve de mesa de altar o túmulo românico de S. Teotónio; arca lisa com letreiro do séc. XII mas mutilado. Do lado da epístola temos a urna de D. Telo, com inscrição do séc. XVII. A urna de D. João Teotónio está ao lado da epístola e tem um letreiro do séc. XII. As cinco telas referem-se à vida e milagres do Santo Prior: como a cura de D. Afonso Henriques, S. Teotónio orando para ajudar a Rainha Dª Mafalda no parto difícil, os discípulos de S. Teotónio depõem o seu corpo agonizante, um crúzio tendo a visão de S. Teotónio na Corte Celeste e, ao centro, o Calvário. A porta do lado esquerdo, de quem está voltado para a Capela de São Teotónio, dá acesso à Capela dos Arcanjos (ou Capela de S. Miguel). Obra manuelina atribuída a Marcos Pires, compreende dois tramos, tendo o segundo sido restaurado nos anos 40 do séc. XX, encostando-se à parede do fundo o altar. O retábulo, em pedra de Ançã, e ornamentado, pertence ao meado do séc. XVII e mostra ao centro a escultura de



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OS SANTOS MÁRTIRES DE MARROCOS S. Francisco de Assis decidiu enviar para o Norte de África alguns companheiros para converterem os Mouros. Com esse intuito E em 1219 viajaram para a Península Ibérica, vindos da Itália, 6 frades: Berardo, Oto, Pedro, Adiuto, Acúrsio e Vidal. Este último devido a doença não chegou a Portugal, tendo os outros cinco sido recebidos em Coimbra por D. Urraca, viajando posteriormente de Alenquer para Sevilha e daí para Marrocos. Mas acabará de forma trágica a pregação do evangelho. Perseguidos, presos, espancados e intimados a abandonar o território decidem reincidir na pregação, acabando por ser mortos por Mirabolim, Abu-Iacub, em 20 de Janeiro de 1220 devido a ódio á fé. Os seus corpos foram lançados e despedaçados para fora das muralhas, tendo as suas relíquias sido resgatadas pelos criados cristãos do Infante D. Pedro que nessas paragens se encontrava exilado a viver na Corte de Fez, e foram enviadas para Coimbra sendo portador um criado, Afonso Pires. Na altura residiam em Coimbra D. Afonso II e a Rainha D. Urraca, que juntamente com a corte foram esperar as relíquias ao Campo do Bolão, a 10 de Dezembro de 1220, onde foram recebidos festivamente. Ficariam expostos à veneração dos fiéis nos crúzios conimbricenses, por não existirem condições para as guardar no pobre cenóbio dos olivais. Os crúzios guardaram-nas cuidadosamente, dedicando-lhes um altar – e depois uma capela que tinha confraria própria – e alimentando o seu culto que rapidamente se espalharia pelo país. Os restos dos corpos estiveram num precioso relicário de pedra colocado na capela-mor até ao séc. XV, altura em que foram trasladados para uma caixa de prata que o Prior-Mor D. Gomes de Florença mandara executar para ser colocado numa das capelas do lado da Epístola, que ele fundara sob a invocação de S. André. O culto aos Santos Mártires alcançaria enorme populariedade nos primeiros séculos de existência do mosteiro, atraindo multidões que transformaram Santa Cruz num centro de peregrinação que apenas encontraria rival em meados do séc. XIV, quando no Mosteiro de Santa Clara os despojos da Rainha Santa Isabel começaram a atrair o povo pela Santidade. Intimamente relacionada com os Santos Mártires de Marrocos, realizou-se durante anos a procissão dos nus. Esta teve seu princípio por volta de 1423, por causa da peste que assolou a cidade e povoações vizinhas e que provocou grande mortandade. Conta Fr. Manoel da Esperança, na sua Historia Seráfica, que foi um habitante de Fala, freguesia de S. Martinho do Bispo, chamado Vicente Martins, que vendo as povoações dizimadas pela peste fizera a promessa de visitar anualmente e com seus filhos, todos nus da cinta para cima, os relicários onde se guardavam os ossos dos Santos Mártires de Marrocos, se por intercessão divina fossem isentos do mortal contágio. Ao que parece assim aconteceu e, quando se efectuou a procissão anual dos Santos Mártires, a sua família cumpriu a promessa a que muitos indivíduos quer da freguesia quer de outras povoações, se associaram. A procissão realizava-se no dia 16 de Janeiro e iniciava-se no Convento de S. Francisco da Ponte onde os penitentes, sempre em número superior a 200, confessavam, comungavam e assistiam a missa cantada. Em pleno Inverno percorriam, despidos, a ponte do Mondego e duas ruas da cidade, em memória dos mártires que haviam sido barbaramente conduzidos nus e açoutados pelas ruas de Marrocos. Mais tarde, o Bispo D. Francisco de Lemos proibiu a procissão por a considerar ridícula e indecente. Contudo logo que a proibição foi decretada a peste voltou a assolar a região não poupando o próprio bispo que mudaria de opinião e consentiria a sua realização. Com ligeiras alterações a procissão foi realizada durante 4 séculos tendo deixado de se efectuar em meados do séc. XIX, continuando apenas a festa anual na Igreja de Santa Cruz. Juntamente com S. Teotónio e Rainha Santa Isabel, os Santos Mártires foram proclamados padroeiros de Coimbra pela Câmara Municipal a 24 de Fevereiro de 1756. Na paroquial de S. João de Santa Cruz erigiu-se a Confraria dos Santos Mártires, que existiu durante séculos. A 3 de Junho de 1897 foi extinta, tendo sido adjudicados os seus bens e valores ao Asilo dos Cegos, com excepção das alfaias, paramentos e mais objectos do culto que ficaram pertença da Junta da Paróquia de Santa Cruz.



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S. Miguel, ao evangelho S. Gabriel e à epístola S. Rafael. Nas chaves centrais da abóbada vêem-se a esfera armilar e o brasão de Portugal. A Sala do Capítulo dá acesso directo ao claustro do mosteiro, designado como Claustro do Silêncio, obra que deve assentar, provavelmente, sobre o casco do românico. O seu traçado terá sido idealizado por Boytac mas, a direcção e conclusão pertencem ao mestre régio Marcos Pires, que o começou por volta de 1517 tendo ficado concluído por volta de 1522. O claustro apresenta plano quadrangular, com cinco tramos por lado, com arcos abertos para a quadra central, cada um subdividido por coluna que suportam dois menores, abatidos, ficando ao meio um óculo alongado. Arcos que são separados por contrafortes, com gárgulas, terminando por cruzes naturalistas. O andar térreo é coberto por uma abóbada estrelada, rica em nervuras decoradas, peça de categoria de Marco Pires. No ângulo Sudeste do jardim, entre o espaço dos dois arcos angulares, fica a Fonte de Paio Guterres, que foi noutros tempos o lavabo do refeitório anterior às reformas de Frei Brás de Braga. O actual tanque data do séc. XVIII. Paio Guterres é uma figura lendária. Conta-se que era um valente guerreiro de D. Afonso Henriques, a quem o monarca confiou a guarnição do Castelo de Leiria e

Foto 30 – Claustro do Mosteiro de Santa Cruz



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consolidação do território. Feito prisioneiro dos sarracenos seria resgatado pelos cristãos que tinha salvo, continuando até tarde a combater o inimigo. Já muito cansado resolveu professar, recolhendo a Santa Cruz. E aí se abrirá a derradeira página da sua vida: «Como seu encanto predilecto escolheu um recanto na cerca do mosteiro um local perto de uma fonte donde brotava abundante água cristalina. Conta a tradição que pela santidade de D. Paio as gentes de Coimbra e até de fora procuravam esta água porque fazia bem à vista» (72). De volta ao claustro e ao seu piso térreo. Nas paredes de cada um dos ângulos interiores do claustro havia um baixoFoto 31 – Fonte de Paio Guterres relevo de que se conservam três, muito salitrados e restaurados pelos Monumentos Nacionais em 1944-45 (73), e que representam: Cristo a caminho do Calvário, o Ecce Homo e a Lamentação, faltando a Crucifixação, que foi entaipada em recentes obras de restauro. Executados por Nicolau Chanterenne com intervenção directa de diversos auxiliares durante a construção do claustro, são conhecidos como os quatro retábulos da paixão de Cristo e reproduzem gravuras de Durer. A apresentação de Cristo à multidão (Ecce Homo) é bem um exemplo como Chanterenne conseguia proporcionar e relacionar as figuras humanas, sendo também de destacar o modo como as construções góticas foram transformadas em edifícios da renascença com a típica decoração “de romano”, e ainda o belo efeito ao nível da perspectiva e profundidade. Na galeria Poente está lacrada na parede a lápide, já gasta, da sagração da igreja românica, do princípio do séc. XIII (ver pg…). Logo abaixo fica o túmulo de D. Miguel Salomão, o construtor da Sé Velha e Bispo de Coimbra de 1162 a 1176, que se apresenta com ornato popular na tampa, colocado pelo séc. XIII. No terceiro tramo encontra-se o túmulo do infante D. Henrique, filho de D. Sancho I, que apresenta na face o busto dum anjo de asas estendidas sob largo arco de folhas espalmadas. Ainda neste tramo temos a Capela de N.ª Sr.ª da Piedade. Trata-se de uma pequena capela com arco do séc. XVI, onde principiava a escada manuelina que ligava os dois



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pavimentos. O pequeno altar, de madeira, é da segunda metade do séc. XVIII sendo da mesma época os azulejos e o resto da pintura da abóbada. No altar destaca-se uma imagem, de pedra, da Piedade, no estilo gótico mas já do séc. XVI. A Capela de Jesus abre-se no último tramo, de frente para a nave do Nascente. A abóbada forma um só tramo, com nervuras em esquema estrelado, tendo no fecho central o brasão nacional e em outros dois a esfera armilar. Será uma obra traçada e decorada por Boytac. Nas paredes laterais ficam dois túmulos que foram pagos, em 1521, a Marcos Pires (74); o do evangelho (à esquerda) é o de D. Pedro Gavião e o do lado oposto é de D. João Noronha. O retábulo é simples, do séc. XVIII, com um crucifixo de madeira em tamanho natural, do séc. XVII a que se sobrepõe uma tela de S. João e a Virgem. Sob a mesa do altar está uma escultura em terracota representando Santa Maria Madalena. À entrada e no lado esquerdo da capela, está hoje o mausoléu de D. Rodrigo de Carvalho, que foi Bispo de Miranda e fundador do Colégio de S. Pedro ou dos Borras. Trabalho de mérito e de curioso aspecto emblemático e heráldico, pertence à segunda metade do séc. XVIII e foi reformado pela Câmara Municipal de Coimbra em 1866. O mausoléu foi feito para o dito colégio e esteve no centro de acesa polémica: em 1867 chegou a ir para Lisboa levado, com autorização, por Possidónio da Silva. Em resultado das fortes reclamações da imprensa e do público voltaria para Coimbra. Ainda na mesma capela está uma pequena e elegante pia baptismal, de pedra e tampa em madeira, feita ao gosto manuelino mas em época moderna. Na galeria Sul e no antepenúltimo tramo abre-se uma capela do séc. XVIII, com portal carcomido e lavrado com elegantes motivos concheados.Lateralmente está forrada com azulejos que representam cenas da vida de S. Joaquim e S. Ana, da segunda metade do séc. XVIII. O autor da imagem de pedra aí colocada, o Profeta David, é João de Ruão. Esta imagem veio da frontaria da igreja e este artista é também o autor das outras imagens colocadas nas capelas da ala Sul e Oeste, respectivamente, Nª Senhora e um Profeta (75). No tramo do ângulo há outro portal, dórico e rectangular, do princípio de Seiscentos que comunicava para o outro claustro. A galeria do Norte tem no tramo do ângulo Noroeste a porta de comunicação com o refeitório novo de Diogo de Castilho, obra da primeira renascença, rectangular e simples. Desta época e no terceiro tramo a contar da dita porta, temos uma capela com abóbada de pedra, de volta abaixada e repartida em pequenos caixotões decorados de florões, que foi reformada no séc. XVIII. Na galeria do Poente e no ângulo Sudoeste encontra-se a porta de comunicação com a igreja, manuelina, de arco policêntrico, com o escudo das Chagas no fecho. No tramo contíguo rasga-se o arco da actual escada de acesso ao andar alto, que tem ao lado a pequena porta manuelina (agora murada) que ligava o Claustro da Portaria com o Claustro do Silêncio. No antepenúltimo tramo conserva-se uma capela da primeira renascença com uma sugestiva abóbada com interpretação gótica de temas renascentistas e azulejos policromos de Setecentos. No tramo imediato há um pequeno portal dórico, clássico, em degraus, que liga com a Câmara Municipal.



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Ao nível do piso térreo e ao centro do jardim temos o chafariz erguido entre 1636-1639, no tempo de D. Paulo de S. Agostinho. Bem decorado, tem duas taças sobrepostas, terminando por uma estatuazinha que segura o escudo nacional. O claustro está todo cercado de azulejos de fabricação lisbonense, dos sécs. XVIII-XIX, de vistosa policromia. Dispõem-se numa sucessão de quadros rectangulares, que reproduzem uma composição de simples enquadramento arquitectónico, com uma oval ao meio que duas crianças seguram e na qual fica o motivo figurativo. As cenas compreendem duas séries: a das Parábolas e a das Bem-aventuranças. Refira-se ainda que numa das capelas do claustro do silêncio esteve a famosa escultura do Cristo Negro de Santa Cruz, do séc. XIV e de grandes dimensões, que anteriormente estivera no oratório da capela do extinto Convento de S. João das Donas, e actualmente se encontra no Museu Nacional de Machado de Castro. O fumo das velas e candeias tornou o Cristo negro consagrando entre o povo a designação porque ficou conhecido. Trata-se de uma obra impressionante, de autor desconhecido mas «…de grande qualidade plástica, esculpida em madeira e posteriormente policromada, executada com grande dramatismo» (76). É uma das 100 obras de arte de Coimbra. Ao nível do piso superior do claustro as galerias Nascente e Norte albergaram durante anos a Biblioteca Municipal estando o espaço devoluto. A arcada superior do lado nascente não existia, tendo sido feita pelos Monumentos Nacionais nos finais da década de 40 do século. Actualmente nela estão instalados os serviços das Estradas de Portugal. No antigo refeitório, espaço pertença do município e cedido à Igreja através de protocolo, está patente ao público uma exposição de arte sacra com cerca de 100 peças do mosteiro. Entre elas realce-se, ao nível da pintura, obras produzidas no decurso do séc. XVI: o Pentecostes, assinado por Vasco Fernandes; o Calvário e Ecce Homo da autoria de Cristóvão Figueiredo que pertenceram ao retábulo manuelino da capela-mor (retábulo executado entre 1522-1530 e que está no Museu Nacional de Machado de Castro onde se incluem três grandes tábuas deste artista e ligadas á história da Vera Cruz. Pedro Dias classificou recentemente a pintura do Pentecostes como uma das 100 obras de arte de Coimbra, definindo-a como «…uma das mais notáveis pinturas da transição da Renascença para o Maneirismo» (77). Trata-se de uma obra de Vasco Fernandes “O Grão Vasco” executada entre 1534 e 1535, que esteve na capela do claustro com a mesma invocação, obra encomendada por D. João III. Depurada, ritmada e equilibrada apresenta o seguinte discurso figurativo: «Tudo se passa dentro de uma sala abobadada ou cupulada ao centro, está a Virgem a orar lendo um livro sagrado, ladeada por duas santas mulheres, recebendo uma forte luz vinda de uma escondida lanterna situada na cúpula do edifício. As arquitecturas são muito depuradas, dentro do estilo Renascença, mas diferente da variante que então era praticada em Coimbra. Como que a abrir o pano de boca de um palco estão dois Apóstolos, vestidos de vermelho forte, em posição contorcida, formando um S, que seria um tópico do Maneirismo futuro. Os restantes discípulos de Cristo espalham-se



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pelas várias dependências ou recantos da sala, alguns distraídos, a ler ou a conversar, enquanto outros olham para o Céu, de onde caiem as línguas de fogo da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade» (78). Diga-se a propósito que estas 3 pinturas de grande valor estiveram na iminência de serem desviadas para Lisboa, tendo-se inclusivamente publicado uma portaria, a 12 de Fevereiro de 1863, mandando remover do templo estes magnifícos quadros, para a galeria nacional da Academia das Belas Artes de Lisboa. Contra tal medida se levantaram vozes de protestos por toda a cidade. A 28 de Março de 1863 a junta de paróquia de Santa Cruz, e os juizes e mesários das confrarias do Santissimo, Senhora da Conceição, S. António e Santos Mártires de Marrocos representaram a Sua Magestade que declarasse a dita portaria sem efeito e não permitisse a saída dos ditos quadros (79). Nesta exposição, podem ainda observar-se outras peças de grande qualidade: o BraçoRelicário do Mosteiro de Santa Cruz, também classificado como uma das 100 obras de arte de Coimbra. É em prata dourada, com vidros coloridos e pedras semi-preciosas, datando de finais do séc. XVI. Apresenta a forma de braço, com a mão a segurar um coração trespassado, e segundo a tradição contém um osso do braço de Santo Agostinho, padroeiros dos cónegos regrantes de Santo Agostinho. Composição de grande minúcia será de destacar o tratamento naturalista da mão, os enrolamentos e os elementos ovalados em cadeia. Desconhece-se quem foi autor desta peça, supondo-se no entanto, dado o nível e patamar de evolução estética, que Simão Ferreira então activo em Coimbra possa ter sido o executante. Destaque ainda para uma Dalmática do Mosteiro de Santa Cruz, que fez parte de um conjunto de paramentos setecentistas que pertenceu ao mosteiro, que deve ter sido encomendado expressamente para o mosteiro durante o priorado de D. Gaspar da Encarnação. Mede 1x1,30 m é de ilhama bordada a ouro. Apresenta motivos ornamentais constituído por enrolamentos vegetalistas estilizados. Foi também classificado como uma das 100 obras de arte de Coimbra (80). Uma palavra especial para as devoções. Ao longo da Idade Média Santa Cruz desenvolveu as principais devoções incrementadas pela reforma gregoriana: «a Cristo, Salvador do Mundo, representado na Cruz, que era o primeiro título de invocação do mosteiro; à Eucaristia, de forma especial com a introdução e solenização da festa do Corpus Christi; ao Espiríto Santo e à Virgem Maria. Sintonizando com o gosto popular da época valorizou a devoção aos anjos (S. Miguel) e aos santos: S. João Baptista, padroeiro da paróquia, S. Pedro, S. André, S. Tiago, S. Vicente (possuindo relíquias enviadas de Lisboa). Mais tarde, Santo António, que aí fora professo, e os Cinco Mártires de Marrocos, aí sepultados fizeram da própria canónica um peculiar centro de peregrinação» (81). Curiosamente, diremos nós, não são detectáveis manifestações de especial devoção a S. Teotónio. O Mosteiro de Santa Cruz, Panteão Nacional, foi classificado como Monumento Nacional pelo Decreto de 16 de Junho de 1910 e, pelo Decreto do Governo Nº 44 de 21 de Fevereiro de 1958 definiu-se a sua zona de protecção especial. A igreja foi afecta ao IPPAR em 1992. Ao longo dos tempos foi objecto de diversas intervenções, oportu-



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nas, sob a égide da DGEMN: em 1926 demoliu-se a parede a Norte da torre Oeste do Mosteiro de Santa Cruz; entre 1936 e 1938 decorreu a recuperação de vários elementos do mosteiro; por altura das comemorações do Duplo Centenário, em 1940, o governo iniciaria campanhas de restauro; em 1948 repararam-se os portões e grades do adro da igreja; em 1951 a beneficiação da fachada Norte do refeitório; em 1960 concluiu-se a armação e cobertura sobre o refeitório e lageamento do claustro superior do mosteiro; em 1976 obras de conservação e limpeza; 1985/1986 obras de remodelação e restauro do mosteiro; em 1990/1997 e com a colaboração da DGEMN e IPPAR promoveu-se a conservação, recuperação e restauro da fachada principal do Mosteiro de Santa Cruz, assente numa equipa multidisciplinar de projectos e estudos do LNEC, IST, Instituto História Arte e Instituto Botânico da Universidade de Coimbra; entre 2002 e 2004 as duas instituições promoveriam a conservação e restauro do claustro do mosteiro, da fonte central e fonte Paio Guterres, das coberturas e fachadas da igreja (82). Nos últimos anos o Ministério da Cultura levou a efeito uma profunda campanha de restauro e a Câmara Municipal devolveu espaços que havia ocupado com instalação de serviços (designadamente as duas alas superiores do Claustro do Silêncio que foram ocupadas pela Biblioteca Municipal) e subsidiou a criação da Galeria de Arte Sacra no espaço do antigo refeitório. Está registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170004 Devido ao cenário único proporcionado pela Igreja de Santa Cruz, Café de Santa Cruz e Praça 8 de Maio, a zona vem sendo escolhida para diversos eventos dinamizados pela Junta de Freguesia em colaboração com outras entidades: a celebração do Dia da Espiga, na quinta-feira de Ascensão, ou as Serenatas Fruticas (no Patim da Igreja). No entanto, a Igreja de Santa Cruz tem uma dimensão nacional. Assim, no dia 5/6 de Outubro de cada ano a Real Associação de Coimbra, presta homenagem ao fundador de Portugal, D. Afonso Henriques com uma missa, romagem ao túmulo e deposição de uma coroa de flores; Cânticos Natalícios, iniciativa do Grupo Folclórico da Universidade de Coimbra. 1.8. O mosteiro, centro difusor de cultura: scriptorium, tipografia e música O Mosteiro de Santa Cruz tornou-se um centro de cultura que não se circunscreveu à liturgia. De acordo com a missão que os fundadores impuseram, o cenóbio carecia de textos diversos e houve que recolher as obras necessárias. Os primeiros tempos de labor do Scriptorium centraram-se nos textos relativos à Regra de Santo Agostinho, e que de perto se relacionavam com a «ordo novus» estabelecida para os cónegos regrantes e que visava o regresso à maior austeridade. O conhecimento adquiria-se pela leitura dos textos sagrados, das lições dos santos padres e autores profanos. De facto, os primeiros códices foram copiados, no decurso do século XII, de outros cenóbios como Compostela e Avinhão. Deste último, chegaria um importante núcleo de textos, consequência da deslocação a Itália de D. João Peculiar no Outono de 1138.



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Elevado a Bispo do Porto, o dedicado companheiro de D. Telo tem como missão a renovação junto do Papa da antiga misericórdia dispensada ao convento, encomendando-o ao Rei, ao Bispo e aos cidadãos. Nesta comitiva seguiam D. Pedro Salomão, legado de Santa Cruz, que ficaria durante um ano no cenóbio de S. Rufo executando importante tarefa: «Recolhendo a Santa Cruz, trouxe todo o Ordinario Ecclesiastico perfeito, e trouxe o Costume do Capitulario inteiro, e o Antiphonario, trouxe Nosso Padre sobre São João e sobre o Génesis, e o Examerõ de Santo Ambrozio, e de Penitência, e o Pastoral de Saõ Gregorio, e Beda sobre São Lucas» (83). Outro regrante, D. Domingos de seu nome, também estagiou no cenóbio de Avinhão, atribuindo-se-lhe inclusivamente o mais antigo códice preparado em São Rufo com destino a Santa Cruz e que tem por titulo Liber Ecclesiastici et Canonici Ordinis in Claustro Sancti Rufe tempore Lethberti Abbatis institutus. Assim obtiveram os cónegos regrantes de Santa Cruz os textos indispensáveis para a vida canónica, os primeiros textos do núcleo primitivo da sua livraria de mão. Originalmente codificados em São Rufo pelo seu abade Lethbert de Cambraia nos princípios do séc. XII, foram depois adaptados pela canónica conimbricense. A regra e os costumes de S. Rufo iriam orientar a vida da comunidade crúzia durante a Idade Média. Já com um conjunto de documentos muito considerável Mestre Pedro Alfarde iniciou em 1155 a preparação do conhecido Livro Santo, que apenas ficou concluído por volta de 1224 já com intervenção de outros escribas. Tratava-se de um Cartulário no qual se transcreveram os mais importantes documentos do convento, estando perdidos alguns dos originais, designadamente, documentos régios lavrados no Scriptorium. Durante séculos foi conhecido pela designação de Livro do Mestre Pedro Alfarde e, por força do seu conteúdo, foi também conhecido como Livro dos herdamentos. Este cartulário compreendia duas secções; a primeira destinada ao traslado de testamentos ou doações e, a segunda, reservada a cartas de venda e troca de bens. Ainda durante o séc. XII ali será produzido e organizado um segundo cartulário intitulado Livro de D. João Teotónio, executado a partir de 1167 e por ordem do prior que lhe deu o nome, D. João Teotónio. Importa reter com especial atenção que durante a época em que nos detemos o Cartório de Santa Cruz ter funcionado e até identificado com o Arquivo Real. Relembremos por exemplo, as confirmações de D. Afonso II foram lavradas no próprio Scriptorium durante Novembro de 1217 e por escribas seus. Na verdade, a relação entre Santa Cruz e a Chancelaria Régia parece remontar mesmo aos primórdios da nação, na medida em que já no tempo de D. Afonso I os documentos de interesse para Santa Cruz foram lavrados por ordem do Rei no próprio mosteiro. Realce-se o nome dos primeiros escribas do Scriptorium, grandes executantes da letra carolina: Petrus presbiter (executou diversos diplomas régios), Pelagius diaconus (deu na segunda metade do séc. XII importante colaboração a Pedro Alfarde na preparação do Livro Santo), Salvatus magister presbiter (deu grande colaboração à chancelaria régia).



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Nem só de documentos régios viveria o mosteiro, assinalando-se pelo contrário imensos documentos particulares, denotando-se grande actividade durante os três primeiros decénios de vida da comunidade, cuja marca ficou assinalada quer pelos diplomas trasladados para o Livro Santo quer pelos originais que se conservaram. Cotejando os diversos escribas envolvidos no processo facilmente se definem duas escolas; aqueles que se mantinham fieis à letra visigótica de transicção revelando influência da letra nova e outros quase adaptados à carolina. Além dos escribas propriamente ditos, no scriptorium de Santa Cruz laboraram homens especializados na preparação dos códices, ao nível da ilustração dos manuscritos, com execução de capitais ou iniciais decoradas e desenhos. Alguns destes exemplares conservam-se na Biblioteca Pública Municipal do Porto, como o Vetus Testamentum, que mostra desenhos de arcos e ornatos muçulmunizantes. A preocupação dos fundadores em dotar Santa Cruz com os melhores textos relativos à Regra a que voluntariamente se sujeitaram prevaleceria nos tempos futuros, na busca do caminho da perfeição e conhecimento da vida monástica. Deste propósito dão mostras as cópias e versão em linguagem da Regula, dos séculos XIII e XIV ou a Expositio, escrita por Hugo de São Vítor e traduzida pelo prior clasteiro, D. Fernando Afonso no findar do séc. XIV. Por esta altura Santa Cruz era não só o mais activo scriptorium português, mas um dos principais a nível peninsular. Para se ser um bom scriptor não bastava querer sê-lo. A aprendizagem, que começava pelo domínio elementar da leitura demorava anos de estudo e empenho. Na época a sistematização do ensino nas escolas claustrais passava por dois autores: João de Salisbúria e Hugo de São Vítor. Neste quadro a ciência sagrada dominava o estudo e a Bíblia era o texto único para a respectiva lectio. No séc. XVI e por iniciativa de D. Bernardo, sacerdote professo, organizou-se o primeiro Índex do Cartório. Mais tarde, no primeiro quartel de Seiscentos, o memorialista D. José de Cristo recenseou e identificou mais alguns textos que foram inventariados no catálogo Fragmentos das Chronicas de Santa Cruz de Coimbra. Crónicas (entre as quais se destaca a de D. Afonso Henriques), Memórias, Constituições, livros de orações, códices diversos, livros de forais, doações e privilégios, obituários. Aqui terá sido produzida a obra Chronica Gothorum, também conhecida como Anais do reinado de Afonso Henriques, redigidos depois de 1185. A mais antiga versão pertenceu ao humanista André de Resende. Ao nível da nossa historiografia medieval, o mais conhecido e citado códice de Santa Cruz tinha o nº 86 na livraria de mão. Uma parte muito significativa dos seus textos foram publicados por Herculano na obra Portugaliae Monumenta Historica atribuindolhe o título de Chronicas breves e memorias avulsas de S. Cruz de Coimbra, manuscrito que na realidade tinha o título original de Livro das Lembranças. O Mosteiro de Santa Cruz chegava ao séc. XVI como um pólo literário de grande valor e uma livraria recheada de códices, afamada além fronteiras. No reinado de D. João III Santa Cruz sofreu uma profunda reforma na educação literária e moral, a que já nos referimos e «…um dos resultados mais notaveis d’essa reforma foi a creação de



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uma officina typographica dentro do proprio convento, não se dedignando os reverendos conegos, tão orgulhosos da sua prosapia, de se dedicarem elles proprios ao apprendizado de uma arte mechanica» (84). A arte de Guttemberg que se implantava pela Europa foi ensinada e iniciada em Santa Cruz no tempo do prior D. Dionysio de Moraes, que foi um dos crúzios que aceitou a reforma de Frei Brás de Braga. Tendo estudado em Paris onde pode constatar o desenvolvimento da arte tipográfica, logo que tomou posse como castreiro, empregou todos os meios para trazer a arte para Coimbra. Recorreu então a um hábil impressor francês Germão Galharde (German Gaillard) que vindo de Lisboa (onde tinha tipografia) fixou residência em Coimbra por volta de 1530 e, a 8 de Abril imprimiu o primeiro livro, um breviário para uso da congregação – Breviarivm secvndvm usvm ecclesiae. Mais tarde, a 9 de Julho, imprimiu o Repertorio pera se acharem as materias no liuro Spelho de conciencia. O técnico francês manteve-se em Coimbra até 1532 ano em que os cónegos iniciaram produção própria, perpetuando-se no Livro das Constituições e costumes, o nome de dois tipógrafos crúzios, Estevão e Manuel. Com material fornecido pelo monarca e pessoal tipográfico exclusivo do convento a tipografia de Santa Cruz manteve o seu esplendor até 1536, estando por volta de 1560 em avançada decadência. A última obra ali impressa seria o Sermão das exéquias do sereníssimo rei D. Afonso Henriques, pregado no mosteiro a 16 de Dezembro de 1560. Em 1577 D. Sebastião pediu a imprensa do Mosteiro de Santa Cruz ao Prior Geral, levando-a para S. Vicente onde se imprimiu a Bulla da Sancta Cruzada e não mais voltou para Coimbra. No entanto entre 1757 e 1767 funcionou no mosteiro a Imprensa da Academia Litúrgica, que foi instituída pela bulla Gloria Domini em 1747 e que alcançou grande fama: «Os seus estatutos foram feitos pelo bispo D. Miguel da Annunciação e têm a data de 25 de fevereiro de 1758. A Academia Liturgica foi inaugurada aos 16 de março d’esse anno; Benedicto XIV teve-a em muita consideração e presenteou-a com o seu busto em mármore, com a escrivaninha d’oiro, que servira no concilio tridentino. Esta academia foi extincta por accordam de 25 de agosto de 1767, por ordem do marquez de Pombal» (85). Relativamente desconhecida está a produção musical crúzia, de que se conservam, alguns códices musicais originários do mosteiro, dispersos por vários arquivos. A este nível e, durante os séculos XVI e XVII, o Mosteiro tornou-se «…um importante centro de actividade musical, situado ao nível dos melhores meios musicais da Europa cristã» (86). Música que já a Regra de Santo Agostinho previa fosse usada no serviço litúrgico e que no mosteiro era assegurada por dois grupos vocais distintos; o Coro acompanhado pelo órgão, executava as partes da Missa e o Ofício em Cantochão, enquanto que a Capela, actuaria sempre que a música fosse polifónica, podendo ser acompanhada não só pelo órgão mas por outros instrumentos. Nas grandes festividades como o Natal, Epifania, Páscoa ou Pentecostes, seria grande a azáfama musical; a actividade dos compositores crúzios atingia o máximo esplendor, criando-se novos originais, enquanto que as vozes se afinavam o melhor possível.



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SANTO ANTÓNIO

As cerimónias da Semana Santa atingiam a maior expressão: «A «Igualmente ligado ao Mosteiro de Santa Cruz música desta quadra litúrgica – de e a Coimbra está aquele que é, talvez, o santo mais que há larga representação nos querido dos portugueses: Santo António. Na pia Manuscritos Musicais – exigia dos baptismal deram-lhe o nome de Fernando e de- cantores e solistas dos diálogos das pois de ter entrado para o Mosteiro de S. Vicente Paixões qualidades especiais que de Fora, em Lisboa, veio, por volta de 1212, para nem todos possuíam (…) A fama o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde re- destes cantores era tal que ninguém cebeu sólidos conhecimentos de ciências sacras e os ultrapassava em toda a Península. profanas. É ordenado sacerdote em 1220. Entre- O próprio Rei de Espanha pedia tanto, no eremitério dos Olivais, haviam-se estacónegos de Santa Cruz para irem belecido os primeiros franciscanos. Vinham pedir ao Escurial, só para cantar estes à porta de Santa Cruz o caldo e algum naco de bradados da Paixão» (87). pão. Fernando via-os com muita simpatia, admiMúsica quase sempre polifónica, rava a sua heróica humildade e extrema pobreza. O caso dos Mártires de Marrocos foi determinante quer vocal quer instrumental, pratina vida do jovem crúzio. Decide-se a dizer adeus cando-se todas as formas de música à sua comunidade e a passar-se para a familía dos sacra; Salmos, Responsórios, Antífofrades menores, franciscanos, ao mesmo tempo nas, Hinos, Lamentações, Paixões e que muda o nome para António. Porém, Frei as várias partes da Missa e Ofício. A escola de Santa Cruz, para António pouco tempo se deteve no ermitério dos Olivais. O seu sonho era seguir o exemplo dos manter a qualidade dos músicos Cinco Mártires. Partiu para Marrocos, mas uma que formava vai adoptar um ensino tempestade levaria o barco às costas da Itália e faria prático, abandonando o ensino teóde António um grande santo universal. Coimbra rico tradicional ligado ao esquema ficaria, no entanto, inseparável da sua vida futura. do Quadrivium. Lisboa foi o seu berço, mas em Coimbra se fez Além de excelentes músicos, Doutor da Igreja» Santa Cruz teve uma não menos pujante escola de compositores, [Nelson Correia Borges – Coimbra e Região, Novos sendo os mais afamados D. Pedro Guias de Portugal Nº 6, Editorial Presença, Lisboa, 1987, de Cristo, que terá produzido mais Pp. 63-64] de 250 obras (faleceu em 1618) e D. Pedro da Esperança. Entre os instrumentos musicais usados na Igreja do Mosteiro, o Órgão assumia especial destaque por ser o instrumento litúrgico por excelência. Enquadrava-se dentro dos instrumentos de tecla, onde também se incluíam os realejos, os cravos, manicórdios e clavicórdios. Em complemento tínhamos os instrumentos de corda e de sopro, vasto conjunto onde se incluíam as flautas, fagotes, charamelas, cornetas, baixões, gaitas, trombetas… violas de arco, violinos, harpas, cítaras, violas de mão de 5, 6 e 7 cordas, alaúdes e bandurras. Alguns instrumentos eram fabricados ou reparados nas oficinas conventuais por crúzios-artifícies especializados.



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Não se estranha pois que a livraria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra fosse à data da sua extinção riquíssima «…em obras do século XVI, o que se explica pelo desenvolvimento que no mosteiro tiveram então os estudos, e a que se atribue a ideia que viera a D. João III de mudar a Universidade para Coimbra, a primeira vez que, em 1527, aqui esteve fugido da peste que andava em Lisboa. Riqueza que abarcava também diversos livros do século XV. O Mo s t e i ro d e Santa Cruz sofreu os efeitos nefastos das convulsões políticosociais que agitaram o país no decurso das guerras liberais. Além das perseguições aos católicos, foi palco de destruições atrozes de que damos como exemplo o saque e venda de arte sacra ou o reaproveitamento dos seus imóveis aos mais diversos fins, situação agravada com a implantação da República.

O MOSTEIRO DE SANTA CRUZ NA RESTAURAÇÃO – a aclamação de D. João IV; de 6 de Dezembro de 1640 em diante «Montando um dos vereadores a cavalo, com a bandeira da Câmara desfraldada, dirigiu-se, seguido de estudantes e povo a vários pontos da cidade, proferindo as palavras da pragmática, que a multidão acolheria com ruidosas demonstrações de aplauso (…) Tendo entrado em primeiro lugar na igreja do Mosteiro de Santa Cruz, onde a essa hora se celebravam as costumadas exéquias aniversarias do rei D. Afonso Henriques, a súbita e inesperada invasão do templo deixou por momentos estupefactos os cónegos regrantes que, apenas informados do que sucedera, logo se deixaram tomar do geral entusiasmo e arrebatamento. E as cores negras dos paramentos da cerimónia fúnebre, assim bruscamente interrompida, breve se substituíram por outras mais alegres, apropriadas à celebração festiva de um Te Deum em acção de graças pelo glorioso sucesso (…) O contentamento era geral e sucediam-se as expansões de alegria em manifestações populares, luminárias, fogos de artificio, repiques de sinos, cerimónias religiosas e em sermões que interpretavam talvez com excessivo realismo os sentimentos do povo. No sermão do dia 16, numa festa que a Câmara mandara celebrar em Santa Cruz, um dos mais eruditos oradores sagrados dessa época, desdenhava do púlpito e ridicularizava os castelhanos e a sua língua, de tal maneira falando ao geito popular, que a multidão o não deixava concluir, pedindo à complacência do prégador mais e mais, como nas representações cénicas (…) E no dia 1 de Janeiro de 1641 fêz-se um préstito de capêlos, em que figuraram os doutores com suas insígnias, saindo de Santa Cruz em direcção à Capela da Universidade, ricamente engalanada, havendo no dia seguinte missa solene cantada pelo reitor (…) A esta reaclamação, com cuja explicação se não atina facilmente, não fazem a menor referência as obras coevas, nem tão pouco os cronistas de Santa Cruz, que se não esqueceram de tornar sabida a acção acolhedora do seu convento ante o grande acontecimento nacional. A explicação estará talvez no desejo ou necessidade, não só de dar-lhe maior solenidade e luzimento…». [José Pinto Loureiro – «Coimbra na Restauração» In Arquivo Coimbrão, Vol. VI, 1942, Pp. 18-21]



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O Mosteiro de Santa Cruz constituiu uma das principais escolas monásticas do Reino até ao séc. XVIII (juntamente com Alcobaça e Mosteiro de S. Vicente de Fora em Lisboa), tendo formado gerações de religiosos e intelectuais: D. João, teólogo muito considerado, D. Pedro Pires, afamado pregador e mestre de gramática, lógica, medicina e teologia, Frei Gil. Contudo, o expoente máximo foi Santo António que ali estudou durante a Idade Média. Estudos que atingiam um patamar de grande nível, designadamente nas disciplinas Latim, Grego, Hebraico, Filosofia e Sagrada Teologia. Ainda ao nível do ensino, muito cedo se lançou o mosteiro no hábito de fomentar aos seus alunos o estudo fora de Portugal. Já em 1190, D. Sancho I concedera um subsídio de 400 morabitinos para auxiliar nas despesas que o convento fazia com os religiosos que tinha em Paris a estudar (88). De facto a Universidade de Paris tornou-se o destino preferencial de muitos religiosos de Santa Cruz que por lá ficavam ensinando ou regressavam altamente especialiados. 1.9. Vida económico-social: o senhorio, território, património, jurisdição Desde o séc. XII que o Mosteiro de Santa Cruz foi irradiando a sua influência, dele dependendo diversas comunidades e vasto património, à medida que o Centro e o Sul iam sendo libertados das mãos muçulmanas por D. Afonso Henriques e seus sucessores. O Senhorio de Santa Cruz abrangia uma região muito vasta: seguia o curso do rio pelos férteis campos do Mondego, de Vouga a Viseu por Lafões, Aveiro e Leiria (a jóia da coroa) contornando o senhorio de Alcobaça, Tomar, Abrantes, Sintra e Lisboa, até ao Alto Alentejo à volta de Arronches, Portalegre e Monforte, com ramificações a Évora, Borba e Beja. A evolução do território e património sob sua jurisdicção foi galopante. As primeiras benfeitorias do mosteiro (constituição do seu património), tiveram início com o testamento feito pelo principal fundador D. Telo, em 29 de Junho de 1131, dia imediatamente a seguir ao lançamento da primeira pedra do complexo crúzio. Em 1134 ficou sob dependência de Santa Cruz o antigo mosteiro de S. Salvador de Grijó, que a tradição refere ter sido reformado por D. João Peculiar e, em 1136, é-lhe doada pelo diácono Salvador Guimarães, na margem esquerda do Mondego, a igrejaeremitério, dedicada a S. Jorge. Por outro lado, o nosso primeiro monarca dotaria a canónica com o Isento Régio, isto é, os primeiros coutos concedidos ao mosteiro: em 1138 o Couto de S. Romão de Seia (incluindo a ermida) e, em Março de 1139 o couto de um navio no rio e no mar (89). Ainda por doação régia o mosteiro seria beneficiado com os direitos eclesiásticos no espaço controlado pelo Castelo de Leiria (Abril 1142) e receberia as vilas de Quiaios, Eimede e Lavos (em 1143). Nos 6 anos anteriores à morte de D. Telo e segundo os registos do seu Cartulário, realizaram-se 29 actos de aquisição de bens patrimoniais: 16 doações, 12 compras e 1 escambo (90). Entre os bens comprados destacam-se os rústicos, designadamente os moinhos em Caraboi e Mondego, os casais em Aguim, propriedades em Cadima, bens



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em Mira e Montemor. À data do falecimento do principal fundador, todo o património de Santa Cruz se localizava ainda a Norte do Mondego (excepto S. Romão), perto do rio ou junto ao mosteiro. Os tempos que se seguiram foram de crescimento e organização do patrimonial. Entre 1148-1153 opera-se a primeira fundação de uma sua filial, com o início do Mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Nos primeiros tempos de vida ficariam sobre protecção da canónica de Santa Cruz outros mosteiros como S. Pedro de Folques (Arganil) em 1160, Santa Cruz de Cortes (próximo de Cidade Rodrigo) em 1182, transformando-se em pequeno mosteiro regrante o antigo eremitério de Seia. Nos finais do séc. XII, princípios do séc. XIII o mosteiro, empenhado na expansão para Sul, estava já profundamente enraizado em vários campos de actividade da vida portuguesa: - Economicamente, crescia a aquisição de património material, adquirindo bens em Montarroio, casas na almuinha régia e na alcomouvara, afastando em simultâneo da sua área de influência os Freires Hospitalários e a Ordem do Templo. Em 1207 é enriquecido com abundantes doações de D. Dácis, em Aveiro, e muitos bens deixados em testamento pelo alcaide Cerveira, na região de Coimbra, Tondela e Viseu. Contudo, será por esta altura que se fazem as primeiras alienações. - Socialmente, implementava a concessão de forais, aumentando o recrutamento de conversos e de familiares de ambos os sexos - Em termos religiosos crescia o número de igrejas e ermidas sob jurisdicção eclesiástica: o Papa Adriano IV, em 8 de Agosto de 1157, confirmará a doação do espaço controlado pelo Castelo de Leiria, bem como nove igrejas (S. João, S. Romão, Mira, Taveiro, Quiaios, Travanca, Alcarouvim, Eiró e Figueiredo); em 1163 D. Afonso Henriques e Gonçalo Mendes de Sousa cedem-lhe os direitos eclesiásticos de Alcanena; em 1183, a Rainha D. Teresa doa-lhe o eclesiástico de Ourém; em 1189, D. Nicolau, Bispo de Silves, fazia-lhe doação dos direitos de Alvor. Por outro lado e no mesmo sentido, entre os séculos XII-XIV definiu-se uma extensa rede de paróquias rurais sob jurisdicção dos Regrantes que se estendia por diversos bispados: Santa Maria de Vale Coelha (Lamego); S. João do Monte de Alcoba, S. Pedro de Varzielas, Santa Maria do Mosteiro e S. Paio de Oliveira (Viseu); S. Miguel de Martinchel (Guarda); Santa Maria de Arronches, Santa Maria de Assumar (Évora); Santa Maria, Santa Maria de Óbidos e S. Domingos (Lisboa). Contudo era no Bispado de Coimbra que se encontrava a maior e mais complexa rede. Além das 9 igrejas confirmadas pelo Papa Adriano IV em 1157, pertenciam ao Mosteiro de Santa Cruz por direito de fundação: S. Maria de Verride, Santa Olaia da Ponte do Barco, Santa Cristina de Condeixa-a-Nova, Santa Maria de Ansião, S. Gens de Pala, S. Mamede de Vale de Ermígio, Santo André do Ervedal e Santa Maria de Cadima. A estas se juntariam ainda as igrejas de Santa Maria de Almassa, Macinhata do Vouga, S. Salvador de Maiorca, S. Pedro de Alhadas, Azambujal e S. Jorge da Eira Pedrinha.



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Em 1262 e por contrato com D. Afonso III recebiam a Albergaria de Santo André de Poiares, com as suas igrejas. Na posse de uma rede de igrejas paroquiais, capelas e ermidas cuja cifra roçava a centena, enraizava-se o poder da canónica crúzia. Na maioria delas possuía os direitos de padroado, escolhendo o servidor das mesmas. Além deste património está bem documentada a actividade regrante na qualidade de comprador de diversas terras repartindo as melhores pelos colonos, de que recebia foros e partilhas dos produtos em oitavas, quartas e terças partes. Além disso adquiriu diversas casas na área envolvente ao mosteiro, aforando umas e administrando outras em regime de propriedade plena. Pelo S. Miguel de Setembro imensos proventos e rendimentos enchiam os seus celeiros, adegas e cofres, com quantitativos tanto em géneros como em dinheiro. Em 1431 o mosteiro procedeu à feitura de um Tombo de propriedades, iniciativa do Prior-Mor D. Gonçalo Gil (1415-1441), e consequência directa da necessidade em se reorganizar administrativa e fiscalmente. A sua análise mostra-nos que os bens se repartiam em 9 áreas diferentes (91), embora apenas pormenorizemos as três principais: 1. Na Cidade de Coimbra e seu arrabalde, onde o mosteiro se edificou, possuía terrenos em redor: almuinha do Rei, Ribela, Montarroio, Fonte dos Judeus. Também foram adquirindo casas para alargamento do espaço claustral ou para o hospital dos pobres. Outras casas espalhavam-se pelas seguintes ruas: Figueira Velha, Moeda, Caneiro que ia até à albergaria da Madalena (que também lhe pertencia), dos Tintureiros, do Hospital, dos Oleiros, da Porta Nova, Porta do Castelo e da Judiaria. A fazer fé nas inquirições de 1220 eram 42 casas. 2. Os Bens rústicos eram o maior e mais rico conjunto de bens. Situavam-se no Baixo Mondego, onde o mosteiro era senhor de 222,5 casais, entre os quais Taveiro (31 casais), Lavarrabos (12), S. Facundo (12) e Alhadas (com 42,5), além de várias geiras no Bolão, granjas de Preguiçosa e Almeara (termo da Vila de Montemor). Nesta área o mosteiro tinha como grande rival a Sé, com quem aliás repartia bens em Ançã, Cadima, Cabanas, Reveles e Ameal (92). 3. Além do Baixo Mondego, a Norte ou Sul do rio. Granja de Antanhol dos Frades, aldeias e casais de Taveiro, Vila Pouca, Ameal, S. Justo, Sioga e Formigães. E ainda diversos outros casais: Granja da Preguiçosa, Adémia, Sioga de Seguim, Marmeleira, Almassa, Vale de Ermigio, Trasoi, Pala, Vale de Mouro, Cerdeira, Óvoa – somando ao todo 131 casais!. Ainda nesta área detectam-se mais bens em Penela (casas, moinhos, herdades, vinhas e matos) e casais em Aguim (Anadia), Alvorge, Cadima, Antuzede, Marinhas de Tavarede, Murtede, Soure, Montemor (com a granja de Ereira), Cernache, Azambujal, Carvalhal, Rio de Galinhas, Soveral, Tiscal, 1/3 da aldeia de Verride, Arinhos (perto da Mealhada), Ribeira de Carnide (Pombal) e Louriçal (com seu couto).



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Outras zonas, ou núcleos de localização de bens: Terras da Beira (Bispado de Viseu); Priorado de Leiria; Bens de Santarém, Tomar e Abrantes; a zona de Lisboa, Sintra, Torres Vedras e Alenquer; Bens no Além-Tejo; e o reduzido núcleo de Entre Douro e Minho. A história do mosteiro envolve diversas polémicas com outros poderosos senhorios. Entre 1219 e 1241 estabeleceram-se em Coimbra duas ordens mendicantes: os Franciscanos e os Dominicanos. Se com estes a convivência parece ter sido pacifica e colaborante, o mesmo não sucedeu com os Frades Menores. Tal situação deveu-se não tanto à fundação do seu eremitério nos arredores da cidade – eremitério de Santo Antão dos Olivais – mas pelo facto de se quererem instalar no território do isento crúzio em 1232, sediando-se na Vila de Leiria, onde a organização administrativa eclesiástica e pastoral dependia do Prior de Santa Cruz. Os conflitos arrastar-se-iam por anos só resolvidos pela intervenção do Bispo de Lamego, D. Paio Furtado. Problemática seria também a fundação do Mosteiro de Santa Clara da Ponte, litigando com D.ª Mor Dias devido à sua acção entre 1278 e 1283. O conflito, que se arrastou por tribunais locais, régios e da Cúria Romana, apenas terminaria a 19 de Maio de 1319, pela composição final feita pela Rainha Santa Isabel com os Regrantes, pela qual Santa Clara e Santa Cruz ficaram detentores dos bens de Dª. Mor Dias. No tempo de D. Dinis a situação económica e financeira da comunidade parece perigar, pois em 1313 o Prior-Mor pede escusa do pagamento dos dizimos à Santa Sé. Ao longo dos tempos o dominio territorial do Mosteiro de Santa Cruz mantém-se alargado. Nos sécs. XVI-XVII operou-se a reorganização do senhorio. Num primeiro momento e do trabalho da Comissão encarregada da reforma manuelina dos forais consagrou-se o dominío do mosteiro nos coutos situados no termo de Montemor-ovelho: Louriçal, Redondos, Quiaios, Cadima, Zambujal, Arazede e Verride. Mas, a grande viragem na vida do velho cenóbio chegaria na 1ª metade do séc. XVI com a tranferência dos Estudos para Coimbra, que retirou aos Regrantes o papel hegemónico no campo cultural, mas também parte das suas terras e direitos jurisdiccionais. De facto, foi neste tempo que se deu a extinção do priorado, pela bula Cum attente e parte dos bens do priorado foram incorporados na Universidade: «Com a transferência da Universidade para Coimbra em 1537 e a consequente remodelação de todos os seus serviços docentes, sobretudo pelos avultadíssimos salários dos professores estrangeiros que era necessário pagar, o problema da Fazenda universitária ganhou nova acuidade, pois as rendas que o Estudo possuira, em Lisboa eram agora manifestamente insuficientes. D. João III resvolveu a dificuldade promovendo a anexação das rendas de mais igrejas do padroado real, e como isso não bastasse, juntou-lhes as rendas do Priorado-Mor de Santa Cruz de Coimbra, após o falecimento do último Prior-Mor em 1543; representava isso uma avultadíssima fortuna de que os Crúzios se viram excluídos não sem desgôsto, como bem se compreende.» (93) Assim, bem dentro do coração da cidade e mais propriamente das freguesias de São João de Santa Cruz e Santa Justa um conjunto considerável de bens transita do mosteiro para a Universidade: no primeiro caso e nas ruas da Moeda, Tinge-Rodilhas (actual rua da Louça) e ainda na rua do Terreiro de Santa Cruz para a Porta Nova cerca de 20 títulos



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de aforamento, na maioria casas, haviam transitado para a Universidade; na freguesia de Santa Justa ocorre semelhante processo registando-se sete títulos de aforamento na rua Nova havendo registos para a rua da Figueira Velha e zona da Água de Mayas. Aquela anexação estaria na origem de uma longa demanda entre a Universidade e Santa Cruz. Consequência das profundas alterações na gestão do seu senhorio, o mosteiro decide demarcar e reorganizar o seu território, promovendo nos inícios do séc. XVII diversos Tombos de propriedades: em 1614 demarca o que possui em Condeixa e Alcabideque; entre 1620/1639 é a vez dos lugares da renda a Sul do Mondego – com Verride, Urmar, Reveles, Ribeira, Cernache, Sebal, Rio de Galinhas – mas também dos situados a Norte – Antuzede, Murtede, Cordinhã, Sepins, Bolho, Torres, Pereiro e Alhadas, avançandose entre 1614/1639 na direcção do mar com os lugares de Quiaios, Maiorca, Cadima, Arazede e Zambujal (94). Nos inícios do séc. XVIII nova reorganização do domínio territorial se efectua, com a realização de tombos para recuperar terras e rendas, os quais se tornam sistemáticos a partir de 1715. Os Tombos de terras, na região de Coimbra, seguiriam uma certa ordem: «Começou pelas terras situadas no termo do Concelho de Coimbra e integradas na renda de Murtede (Cordinhã, Casal Comba, Bolho, Torres), renda da Ribeira de Frades (Ribeira, Orvieira) e Cernache. Seguiram-se os campos de Maiorca, o couto das Alhadas (…) os lugares da renda de Cadima (…) e Reveles» (95). Nesta altura o senhorio distribuía-se pela parte ocidental do actual distrito «…com particular concentração nos concelhos de Coimbra, Condeixa-a-Nova, Cantanhede, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz. Este senhorio situava-se, assim, no espaço geográfico da Beira Litoral, nas sub-regiões do Baixo-Mondego, Gândara e Bairrada (…) Com a criação da Vila da Figueira da Foz, em 1771, passou a ser o principal senhor directo das terras integradas no termo deste concelho» (96). Na cidade o mosteiro tinha a jurisdicção eclesiástica da freguesia de Santa Cruz, possuindo terras, olivais, prédios urbanos e as quintas da Ribela e da Arregaça. Na periferia de Coimbra estavam também as duas freguesias do isento: Santo Agostinho de Antuzede (margem direita do rio), onde tinham 8 meios casais e S. Miguel da Ribeira (na margem esquerda), onde possuíam 25 casais. Em termos fundiários o seu património assentava na organização das terras em casais (97): - Para Sul: Vila Pouca de Cernache (12 casais), Loureiro (3), Telhadela (4), Sebal Grande (5,5), Sebal Pequeno (1), Valada, Atadoa, Condeixa a Velha e Alcabideque (60) e Beiçudo (1). - Nos Campos do Mondego o domínio de Santa Cruz confrontava com terras de outros senhorios como a Casa e Aveiro, o Duque do Cadaval, o Mosteiro de S. Marcos, a Universidade e o Cabido. Cingindo-nos ao domínio de Santa Cruz ele começava logo a seguir a Montemor-o-velho, passando o monte de Santa Eulália, incluindo os Campos de Maiorca, Verride, Couto das Alhadas, Couto de Quiaios, S. João da Quinta (freguesia do isento) e Couto de Cadima.



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CAMÕES EM SANTA CRUZ Em 1527 D. João III e sua corte refugiam-se em Coimbra, fugindo da peste que grassava pela Estremadura e Alentejo. Esse facto levará a que na cidade se instale gente honrada, como Simão Vaz de Camões, sua mulher Ana de Sá e Macedo e o filhinho que então contava três anitos de vida. Este pequeno chamava-se Luis Vaz de Camões, figura máxima da nossa literatura e historiografia, autor do mais belo poema sobre a nação, patriótico e eterno – Os Lusíadas. Pouco tempo esteve o pai do poeta por Coimbra na medida em que teve de regressar a Lisboa onde assumiu o seu cargo nos armazéns da Guiné e Indía e expedição das armadas. Porém, sua mulher continuou a residir em Coimbra criando o filho à sombra da familía que por cá se havia instalado. A infância, adolescência e, parte da vida adulta de Luis Vaz de Camões passou-se em Coimbra e mais mais propriamente, no Mosteiro de Santa Cruz, onde teve a protecção de seu tio D. Bento Camões, Prior do Mosteiro de Santa Cruz e Cancelário da Universidade. Por volta de 1537 a Universidade foi transferida para Coimbra e, por essa altura Camões estaria apto a encetar estudos no Mosteiro de Santa Cruz. Uma vez admitido estudará nos famosos colégios crúzios e, mais propriamete na opulenta livraria, variadas influências onde lhe moldaram o espírito: «…o culto da antiguidade clássica, cujos maiores autores em breve se lhe tornaram familiares; a leitura das crónicas nacionais que existiam na livraria de Santa Cruz e que tam cêdo lhe revelaram a alma da sua raça; a sugestão de tradições históricas e de poéticas lendas tam vivas em Coimbra e porfim e acima de tudo, talvez, a absorvente fascinação da paisagem do Mondego, tocada de saudade, de que êle se lembrará sempre através da vida». [Amadeu Ferraz de Carvalho – «Camões em Coimbra» In O Instituto, Vol. 71º , 1927, P. 253] Por Coimbra ficará até 1542 embarcando para a India em 1552, quando contava 25 anos de idade. E é por aqui que se revela a alma atormentada do poeta e de que há inúmeros registos: envolve-se num duelo na Praça de Sansão, apaixona-se sucessivamente, por Leonor, Belisa e depois Natércia. Como refúgios o poeta peregrino escolhe quer a Quinta de Vila-Franca, pertencente a João de Camões, a meio caminho entre a Arregaça e a Portela, quer o Claustro do Silêncio, obra de Marcos Pires. Coimbra que nunca esquece e para onde confessa diversas vezes querer regressar. Num conhecido soneto encontramos o sentir do poeta face a Coimbra: Doces e claras águas do Mondego, Doce repouso de minha lembrança, Onde a comprida e pérfida esperança Longo tempo após si me trouxe cego De vós me aparto, si; porém não nego Que inda a longa memória, que me alcança, Me não deixa de vós fazer mudança, Mas quanto mais me alongo, mais me achego Bem poderá a Fortuna este instrumento Da alma levar por terra nova e estranha Oferecido ao mar remoto, ao vento, Mas a alma, que de cá vos acompanha, Nas asas do ligeiro pensamento Para vós, águas, voa, e em vós se banha



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- Na Bairrada: Zambujal (11 casais), Vila Nova de Outil (1,5), Murtede (31), Escapães (4,5), Sepins (4,5), Cordinhã (10,5) e Casal Comba (20). Em termos económico-sociais importa reter que os cónegos de Santa Cruz dedicavamse ao negócio de carnes, tendo adquirido em Julho de 1166 a aljazaria (carniçaria) a Pedro Viegas e sua mulher Maior Afonso por 200 morabitinos (98). Esta casa e respectivo negócio, administrado de forma directa, localizava-se algures entre as actuais ruas da Louça e da Moeda. Posteriormente o negócio foi ampliado com pesca e sal, provenientes da Figueira da Foz. Em pleno séc. XII o negócio das carnes era florescente para os lados de Santa Cruz: «…por mandado do Rei D. Sancho, entre 1192 e 1199, foram-lhe concedidos seis talhantes. Com tanta gente a trabalhar na carniçaria, esta não havia de destinar-se só ao abastecimento dos cónegos, mas devia servir a população da freguesia e, provavelmente, a das freguesias confinantes de Santa Justa e S. Tiago» (99). Ao longo dos tempos deu o mosteiro grande exemplo de caridade, mais evidente quando a cidade era atacada pela peste. Nessas alturas os crúzios prestavam assistência não só aos fregueses de Santa Cruz mas também aos de Santa Justa. Por exemplo, em 1596 e durante o mês de Março acolheu 120 pobres que ostentavam no peito uma cruz vermelha e a quem davam comida e amparo (100). O Mosteiro de Santa Cruz possuía animais, designadamente, gado «vacaril» que por norma pastavam nos olivais que possuíam em redor de Coimbra. No entanto a transgressão das regras foi frequente; em 1359 são encoimados 6 bois de Santa Cruz por andarem nos olivais de Trogalhia; em meados do século XV, furta-se a pagar coimas e danos por eles provocados e, em 14 de Maio de 1488 perante a «…notoria destruição dos olivais velhos e novos pelos “muitos bois” de Santa Cruz e moradores da cidade, já o monarca havia concedido à Câmara que pudesse pôr aos daninhos aquelas penas que lhe parecesse» (101). O gado lanígero também era explorado pelo mosteiro que detinha o privilégio de só pagar o dano que fizesse. 2. O Claustro (ou Jardim) da Manga A reconstrução do lanço Norte dos edifícios do Claustro do Silêncio, no âmbito da reforma manuelina, permitiu que um segundo claustro nascesse, o da Manga, que começou a tomar forma a partir do momento em que o dormitório, de acordo com o contrato de 1528, se expandiu para poente e, em 1530, a enfermaria passou para o lanço nascente daquele que viria a ser o novo claustro. Da construção inicial de 1530, restam somente os tanques, cubelos e construções centrais de adorno, que aliás não faziam parte do contrato de 1528 assinado com Diogo de Castilho. Estes elementos em cuja execução participou o mestre construtor Jerónimo Afonso, seriam acabados, segundo contrato de 1533, pelos pedreiros Pero de Évora, Diogo Fernandes e Fernão Luís (102). Foi uma obra que contou com a participação directa de João de Ruão, nomeadamente no desenho de conjunto da fonte e nos quatro relevos para os cubelos da fonte central



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Foto 32 – O Claustro da Manga na actualidade

Foto 33 – O Claustro da Manga e a desaparecida Torre de Santa Cruz por volta de 1880



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– obras que lhe renderam 140.000 réis – cabendo a Frei Brás de Braga a orientação programática. Na Descripçam e debuxo do Mosteyro de Sancta Cruz de Coimbra, de Francisco de Mendanha, escrita em 1540 e publicada no ano seguinte existe uma conhecida alusão à denominação atribuída ao claustro explicando que D. João III o traçara um claustro e jardim “em a manga da roupa real de que estava vestido”. O facto poderá ter alguma base histórica na medida em que, por volta de 1527 o rei passou grande parte do tempo por Coimbra. Não seria estranho que o rei ou alguém por ele desenhasse na sua manga não o desenho da obra, mas a ideia para um novo espaço. Esta peça arquitectónica do Claustro da Manga (também designado claustra terceira ou da Enfermaria), é obra muitíssimo conhecida, sendo considerada uma jóia ou um dos pontos altos da nossa primeira renascença e que de certa forma remata o sentido da intervenção joanina e da reforma no edifício crúzio. O conjunto é, arquitectonicamente, uma composição clássica de planta centralizada. Compreende um corpo central, de cúpula com um lanternim, suportada por colunas coríntias, como se fosse um “tempietto”, acompanhado de quatro cubelos de alvenaria que se alinham no sentido das diagonais do pátio e ligados àquele por arcobotantes e passarelas. No centro, ficava uma taça sobre um pé alto que jorrava a água que alimentava todo o sistema hidráulico, designadamente, os quatro planos de água inferiores, tanques rectangulares intercomunicantes, e que representam os grandes rios – Tigre, Eufrates, Ganges e Nilo. Irradiam do pavilhão central quatro ruas que são ladeadas por dois lagos longitudinais que se ligam mutuamente pelo lago circundante do pavilhão médio. Para este se acede, a partir das ruas, através de quatro escadas de seis degraus e patamar, formando pontes. O pavilhão central levanta-se em octógono, com a fonte protegida por um zimbório circular, construído sobre oito colunas correspondendo a cada uma gárgula, as quais representam faunos e, a meio, há um tanque baixo. Os quatro cubelos estão fechados de modo a formarem capelas, restando três pequenos retábulos que recolheram ao Museu Machado de Castro, obras de João de Ruão. Cada um tem uma porta e duas frestas rectangulares e, na cornija, duas gárgulas sendo as coberturas de forma cupular. No entanto, é o seu alto valor simbólico que o torna especial: «Pretende representar a conformidade do Espírito Santo (a cúpula central sobre as oito colunas), com a acção terrena dos santos, metaforizada pelos quatro eremitérios (os cubelos) separáveis da fonte central por quatro pontes levadiças. Para cada um dos pontos cardeais partiam dois tanques, num total de oito, que unidos dois a dois sob as pontes, representavam os quatro rios do Paraíso. O exemplo dos eremitas servia, assim, de “sermão permanente” à comunidade reformada segundo os valores da clausura e do silêncio» (103). A edificação do Claustro da Manga seguiu um novo conceito de edifício conventual. A partir do antigo convento, ergueu-se um novo corpo, mais geométrico, articulado e unitário, com as partes elementares constituídas num todo, contornos regulares, volume compacto e uma mesma cércea em toda a extensão. Terá tido como referência



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ou orientação os modelos dos hospitais italianos dos sécs. XIV e XV, como o Ospedale Maggiore de Milão (104). O século XIX trouxe a destruição de parte do claustro. Por portaria do Ministério das Obras Públicas recepcionada na Câmara Municipal a 19 de Abril de 1888, foi autorizada a demolição do arco e da Casa do Correio (105), concretizada ainda naquele ano e que conduziu também à destruição da ala Norte do claustro. A beleza do local tornou o claustro apetecido para convívio e lazer. Pelos finais do século XIX realizaram-se ali diversos eventos sociais como bazares promovidos por diversas instituições como a Associação de Artistas ou o Asilo da Infância Desvalida. Mas, estes anos trariam sérias ameaças ao claustro: «Em 23 de Fevereiro de 1889 a Escola de Desenho Industrial Brotero (criada em 1884 e a funcionar por cima do antigo refeitório de Santa Cruz) foi elevada a Escola Industrial. Como necessitava de mais espaço foi-lhe cedido o andar superior da fachada Oeste do Jardim da Manga e a antiga Capela do Noviciado e, mais tarde, a fachada Sul do mesmo Jardim e o Jardim da Manga» (106). Na primeira década do séc. XX, o ilustre Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho denunciava a vergonhosa situação a que havia chegado o monumento, em perigo de ruína e a ser utilizado para fins impróprios: a Escola Brotero havia construído por cedência da Câmara Municipal em 1891 novas dependências para instalação das oficinas – as casas baixas do Claustro da Manga inclusivamente pavilhões sobre os tanques do jardim, situação que se manteve durante anos e à qual se acrescentaram novas ameaças, como o alargamento do edifício dos correios ou a ruína da Torre de Santa Cruz (107). Em 1917 um violento incêndio devorou uma das alas, onde estava instalada a Escola Industrial Brotero e a Divisão Hidraulica do Mondego. Reconstruído o espaço foi-lhe dada nova aplicação, ali se instalando a Direcção das Estradas do Centro, a Divisão de Estradas do Distrito de Coimbra, a Divisão Hidraulica do Mondego e a Secção de Edifícios da Direcção das Obras de Edifícios Nacionais – Norte. Quanto à Escola Brotero transitou, em consequência, e no mês de Dezembro de 1918 para a Casa da Quinta do Mosteiro de Santa Cruz, antiga residência de Verão do Prior, que se situava no espaço hoje ocupado pelo Edifício Sede da Associação Académica de Coimbra. No entanto, as suas oficinas mantiveram-se no Jardim da Manga. Anos mais tarde, mais propriamente a 1 de Janeiro de 1926, ardia o edifício onde se encontravam instalados os correios e telégrafos. Na sequência deste desastre desabaria uma parede inutilizando as oficinas de marcenaria, talha e formação da Escola Industrial Brotero. O facto motivaria a sua transferência, primeiro de forma provisória para um terreno anexo à actual escola e, com a entrega do Hospício (hoje Escola Secundária Jaime Cortesão) para instalação da escola, foram construídas no tabuleiro superior da cerca. No entanto e como as obras demoravam o seu tempo, por volta de 1930 o Jardim da Manga ainda se encontrava ocupado pelos barracões, entulhos e lixos da Escola Industrial Brotero. A Comissão de Iniciativa e Turismo diligenciou junto da C.M.C. e do Governo Civil para que o espaço fosse desocupado. No entanto, a polémica estalará entre a Escola



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A DESAPARECIDA TORRE DE SANTA CRUZ

e o Município a propósito do direito de propriedade sobre o Jardim da Manga uma vez que o despacho do Ministro do A 3 de Janeiro de 1935, pelas 17h 20 mn, Comércio, Decreto Nº 9721, de 23 de a cidade testemunhava a derrocada da Torre Maio de 1924, ao reorganizar a escola de Santa Cruz, também conhecida por Torre lhe atribuía a posse do jardim. Felizmendos Sinos. te que as duas entidades enveredaram Contudo, há muito que se sabia do estado pela negociação acabando a Câmara de ruína avançada da torre. Desde o início Municipal por lhe ceder uma parte do do século que se promoveram diversas visantigo Hospício, na Rua de Montarroio, torias, que foram confirmando o acentuar paredes-meias com a cerca da escola obdo desnível. Com a situação no limite, a tendo, em contrapartida, a entrega do ameaçar a integridade física dos transeuntes Jardim da Manga (108). Iniciava-se, assim, e edificíos contíguos, as autoridades optaram o desafrontamento do Jardim da Manga por provocar o seu fim através da introdução até então tapado por oficinas e estação de água. geradora de energia da Escola Brotero. A torre fora edificada no séc. XVI, no âmEntretanto e ao projectar-se o novo bito das reformas promovidas pelos cónegos regrantes de Santa Cruz, sobre um conjunto edifício dos C.T.T., grave erro se comede construções acasteladas que remontavam teu ao ocupar-se uma faixa de terreno ao séc. XIII, a que se chamava Torre Velha. A em todo o comprimento do jardim para freguesia e Coimbra deixavam perder a única alargamento do novo edifício, o que fez torre que então se erguia na cidade, exemplo diminuir a extensão dos tanques voltados a nascente. Tratou-se de uma faixa de 25 mal estudado de arquitectura remota. Depois da derrocada levantou-se discus- m2 que a Administração dos Correios são sobre o destino a dar aos terrenos onde solicitou ao município em Novembro estivera implantada. O espaço, pertença da de 1929 para ampliação do dito edifício. O estado deplorável do claustro, diocese, seria trocado em 1968 com terrenos municipais localizados na Rua António José denunciado por Vergilio Correia, mode Almeida. Mas só no mandato do presi- tivaria a intervenção da DGEMN, que dente Mendes Silva (1983-1985) se aprovou, se prolongaria entre finais de 1936 e construiu e concluiu, a bela escadaria nela se Maio de 1940: os barracões do jarintegrando a setecentista Fonte dos Judeus, dim foram demolidos, na encosta de proveniente do muro ao cimo do pavilhão Montarroio instalou-se a carpintaria da Escola Brotero, uma escadaria deu do peixe do Mercado Municipal. comunicação entre a Rua das Figueirinhas e o claustro, colocando-se no primeiro patamar um lavabo de mármores que as obras de restauração do Claustro do Silêncio retiraram do ângulo Noroeste (lavabo mandado vir de Lisboa por D. Acúrsio de S. Agostinho no triénio de 1599-1602), limparam-se os tanques, reconstituiu-se o templete central e os cubelos…o claustro recupera o brilho que o desgaste dos séculos havia ofuscado.



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Foto 34 – A derrocada da Torre de Santa Cruz

Foto 35 – O Claustro da Manga no início do séc. XX pressionado pelos pavilhões da Escola Brotero



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Foto 36 – Café Santa Cruz (vista exterior)

Foto 37 – Café Santa Cruz (vista interior)



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Ainda durante 1940, a Junta de Província da Beira Litoral conseguiu a cedência do Jardim tendo sido reabilitado por este órgão, depois que a Comissão de Turismo autorizou que o recinto fosse aproveitado para mercado de flores e posteriormente para instalação de uma casa de chá e restaurante. A titularidade do direito de propriedade do Jardim da Manga foi objecto de acesa disputa ao longo dos tempos, reclamada em simultâneo pelo Estado e Câmara Municipal de Coimbra. Situação que se resolveria em favor do município em tempos recentes; a 10 de Fevereiro de 1977 o parecer votado pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República e homologação por despacho do Subsecretário de Estado das Finanças em 24 de Maio, publicado no D.R. Nº 147 de 28 de Junho, do mesmo ano, confirmaria todos os direitos municipais sobre a propriedade. Ao abrigo de um protocolo de cooperação técnica e financeira celebrado entre a Câmara Municipal de Coimbra e a DGEMN datado de 30 de Julho de 1999, executaram-se na Manga obras de conservação e beneficiação. Até há pouco, e na ala Poente, funcionou a delegação regional de Coimbra da DGEMN que, recentemente, foi substituída, pelos serviços da Delegação Regional de Cultura do Centro do IPPAR. Com entrada pela Rua das Figueirinhas permanecem os serviços das Estradas de Portugal. O Jardim da Manga é Monumento Nacional pelo Decreto Nº 23967 publicado no Diário do Governo Nº 130 de 05 de Junho de 1934 e pelo Decreto do Governo Nº 44 de 21 de Fevereiro de 1958 definiu-se a sua zona de protecção especial. Está registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170025. É propriedade pública muicipal. 3. Da Igreja de S. João ao Café de Santa Cruz O Café-Restaurante de Santa Cruz é uma referência não só da Baixa de Coimbra, mas também de toda a cidade. Espaço emblemático, situado na Praça 8 de Maio integra todos os roteiros internacionais, ponto de passagem e paragem para quem visita a cidade. Sem dúvida alguma que é a arquitectura do espaço que o tornam especial. Algo que se explica com o facto de o edifício entre os séculos XVI e XIX ter sido a igreja paroquial de Santa Cruz; a Igreja de S. João de Santa Cruz também designada como Igreja de São João das Donas. Inclusivamente ali funcionou a sede da paróquia da freguesia de Santa Cruz, libertando a igreja e o mosteiro adjacentes para uso exclusivo dos regrantes. A sua construção iniciada em 1527 ficou concluída em 1530, tendo sido arquitecto responsável, o famoso Diogo de Castilho. A decisão para a sua edificação derivou, directamente, da reforma manuelina no mosteiro.De facto, com a extinção do convento feminino das Donas, a sua capela (de S. João das Donas), ficou apenas com a função de servir como igreja paroquial do isento. Em simultâneo, as novas construções como que entalaram a pequena capela, parecendo ao reformador que o melhor seria erguer templo noutro local, com outra amplitude e dignidade, libertando as instalações monásticas de um templo constantemente aberto aos fiéis.



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E assim se fez o novo templo, erguido a Sul da igreja monástica entre o seu alaçado e a Sacristia, no ângulo desenhado pelo Largo de Sansão e da Rua das Figueirinhas onde, a partir da segunda metade do séc. XVI, se passou exercer a paroquialidade de Santa Cruz (109). Apesar das transformações posteriores percebe-se o esquema do espaço. O templo apresenta-se como igreja salão com uma só nave, ostentando uma magnífica abóbada de nervuras curvas ou de “combados”, solução técnica inovadora que o irmão do arquitecto, João de Castilho, experimentara já na cabeceira da Sé de Braga. A abóbada reparte-se em dois tramos, com arcos cruzados e terceletes curvos desenhando um quadrifólio. Ao fundo detecta-se a capela-mor, pequena e quadrada, com abóbada em forma estrelada com nervura anelar, e uma porta com arco ornado que dava ligação à capela. O corpo da igreja tem, a cada lado, duas capelas de arcos e abóbadas de volta inteira, renascentistas, tal como o arco da capela-mor. A frontaria é moderna e segue o tipo revivalista, forma arquitectónica-decorativa muito comum nas cidades portuguesas entre os finais do séc. XIX e os princípios do XX. O pavimento encontra-se, actualmente, muito levantado face ao original. A comunicação com a Igreja de Santa Cruz fazia-se pela pequena porta trilobada, rasgada sob o coro, junto aos túmulos dos Cogominhos. Uma palavra ainda para os lustres que pendem do tecto, executados pelo artista conimbricense António Maria da Conceição. Nossa Senhora das Dores e S. João Baptista foram os Santos de maior devoção dos paroquianos de Santa Cruz, que teriam seus altares das duas capelas renascentistas. S. João Baptista era o orago da freguesia e a sua imagem, em madeira, pode contemplar-se na Igreja de Santa Cruz. Quanto a Nossa Senhora das Dores foi também especialmente venerada, realizando-se a primeira festa em sua homenagem nesta igreja a 25 de Março de 1763, data em que também se criou uma irmandade com essa invocação (110). A 24 de Abril de 1910 inaugurou-se na igreja monástica o altar de Nossa Senhora das Dores, prolongando o culto. A igreja correu sérios perigos ao longo do tempo chegando a estar abandonada e adaptada a esquadra de polícia. Entre 1863 e 1864, a Junta de Paróquia de Santa Cruz, realizou ali algumas obras, tendo-se colocado a hipótese da demolição de uma parte para embelezamento da Rua das Figueirinhas (111). Foi também por pedido urgente da junta de paróquia que a Câmara Municipal mandou escorar a frontaria até obras ulteriores em Fevereiro de 1864. Desde finais do séc. XIX até à actualidade o espaço transitou definitivamente da utilização cultural para a comercial (112): - Por contrato datado de 17 de Janeiro de 1892 a junta de paróquia arrendou o prédio a Jorge da Silveira Morais, que ali instalou uma agência funerária - Rescindido o contrato anterior e por escritura de 5 de Maio de 1920 a Junta de Freguesia de Santa Cruz arrendou o espaço a Adriano Ferreira da Cunha e sua esposa, por 19 anos, que ali abriram um café, sendo o projecto concretizado em 1921. Como nos conta o jornal O Despertar, sob o título de “Café Luxuoso”:



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«Na repartição de obras da Câmara já deu entrada o projecto para o novo café a construir na praça 8 de Maio, na casa da Junta de Santa Cruz. É um estudo manuelino e é mais um encantador trabalho do grande arquitecto Sr. Jaime Inácio dos Santos» (113). No entanto, o projecto para a frontaria levantaria forte oposição na cidade, chegando as obras a serem embargadas devido à opinião do Conselho de Arte e Arqueologia. Apesar da opinião favorável de António Augusto Gonçalves a verdade é que durante alguns meses a situação não evoluiu e a Junta de Santa Cruz chegou a passar procuração ao Dr. Octaviano de Sá para tratar judicialmente da situação. A polémica encerrará com a declaração do edificio como monumento nacional e estudo do templo. A 15 de Dezembro de 1921 o Conselho de Arte e Arqueologia declarava: «…reconhecendo que as obras para o café junto do templo de Santa Cruz podem continuar interiormente segundo o plano submetido à sua aprovação entende todavia que pela vizinhança do referido templo é de necessidade que a fachada projectada não tenha a feição de estilo manuelino, confiando inteiramente na competência do ilustre arquitecto sr. Jaime Santos para a elaboração de novo projecto» (114). De facto e como nos conta Belisário Pimenta, «O arquitecto autor do projecto teve de o modificar quase por completo e teve o bom senso de se aproximar e entender-se muito louvavelmente com o arquitecto Silva Pinto que com sua grande experiência e saber, aconselhou no bom sentido – e a frontaria lá ficou, como ainda está, se não coisa boa, pelo menos remediável» (115). As obras recomeçariam em Janeiro de 1922, sendo inaugurado oficialmente a 7 de Maio de 1923, com a presença de diversas entidades; Câmara Municipal, Sociedade de Defesa e Propaganda, Imprensa, Cônsul do Brasil. O café, abriria ao público no dia seguinte. - Por escritura outorgada a 4 de Abril de 1939 arrendou os baixos do prédio (nºs de polícia 4, 6 e 7), para estabelecimento comercial de restaurante, cervejaria e café à Empresa de Café-Restaurante Santa Cruz. Lda, enquanto no primeiro andar funcionava a sede da junta de freguesia. - Com o abandono da antiga sede pela junta de freguesia e devido aos sinais de deterioração do imóvel, o Ministério das Obras Públicas, através da D.G.E.M.N. tentou, a partir de 1958, adquirir a Igreja de S. João das Donas para nela proceder a obras de reintegração do conjunto. Neste âmbito chegou a avaliar-se o prédio e a propor-se a sua aquisição pelo Estado em Março de 1961, pelo valor de 523.360$00. Em sessão de 10 de Abril de 1961 responde a Junta de Freguesia de Santa Cruz «…que ninguem nos perdoaria que dessemos o nosso franco apoio à venda daquele edificio pelo preço que escandalizaria a população citadina (…) Igualmente foi deliverado, e com o melhor desejo de colaborar com o Governo da Nação, aceitar as negociações de tal imóvel, numa base de seis milhões de escudos» (116). Para estre negócio, que não chegou a concretizar-se, a junta chegou a nomear seu representante o ilustre professor Bissaya-Barreto. - A 7 de Maio de 1975 e por comum acordo entre a Junta de Freguesia e a Empresa de Café Restaurante Santa Cruz Lda., os primeiros autorizaram os segundos a ceder de



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arrendamento o prédio e em regime de exploração ao Sr. Alexandre da Silva Marques. No entanto, apenas em reunião da Assembleia-geral da dita empresa se cedeu o direito de arrendamentos sobre as ditas instalações. - Até 1985 Alexandre Marques explorou sozinho o café, até formar uma sociedade que hoje é gestora do estabelecimento. - Em 30 de Novembro de 1989, a empresa de Arnaldo Ferreira Gonçalves, José Marcelino Pestana e Alexandre da Silva Marques estabelece novo contrato com a junta e, a 7 de Dezembro de 2001 a Junta de Freguesia, na qualidade de senhorio fixa novo valor de renda (117). A este propósito, diga-se que ao longo dos anos foi muito discutida a questão do valor das rendas. O assunto, em meados da década de sessenta, atingiu certa polémica sendo elevada a questão jurídica que terminou com a sentença do tribunal com base no parecer de uma Comissão de Avaliação, datado de 12 de Novembro de 1966. Segundo os peritos a renda, que até então andava nos 1.500$00, foi fixada em 4.250$00, quando da parte da junta se pretendia a fixação em 8.000$00 e da parte da gerência do café em 3.000$00. Polémicas e dificuldade vencidas, hoje e com 85 anos de vida, é um espaço cheio de História e de “estórias”. De todos os históricos cafés da Baixa da Cidade, é o único a manter as portas abertas. É também procurado para diversas iniciativas culturais: tertúlias, debates, conferências, exposições, lançamento de livros, recitais de poesia, espectáculos variados como passagem de modelos, concertos musicais, ballet e teatro. Ainda do ponto de vista cultural, importa realçar que o café serviu de centro de tertúlia desportiva, afecta ao União de Coimbra (os futricas), em contraposição com o Café Arcádia, na Rua Ferreira Borges junto à Portagem, onde se reuniam os apoiantes da Académica (os doutores). Por ali passaram muitas figuras da sociedade portuguesa como Mário Soares ou Pinheiro de Azevedo. Felizmente que os sucessivos arrendatários do espaço – que pertence à Junta de Freguesia de Santa Cruz – mantiveram a traça tanto ao nível arquitectónico como decorativo designadamente o mobiliário. Em Janeiro de 2000 arrancou a reabilitação do Café de Santa Cruz, elaborando-se Projecto de Arquitectura assinado pela firma Marques, Gonçalves e Pestana Lda, cujo termo de responsabilidade foi redigido por Luísa Alexandra de Sá Marques. A memória descritiva foi aprovada pela Câmara Municipal de Coimbra e Instituto Português do Património Arquitectónico. O estado de degradação do espaço público, zonas de trabalho e instalações sanitárias, e necessidade de modernizar o espaço, foram razões impulsionadoras da dita reabilitação: «A intervenção foi efectuada e com ela se valorizou o espaço arquitectónico e a sua funcionalidade, fundamentalmente ao nível da libertação da antiga capela-mor que servia de copa e dava acesso à cozinha do restaurante. Esta área, desobrigada, poderia ser utilizada para a realização de diversificadas actividades culturais e de promoção artística (…) renovou-se o pavimento cerâmico que se encontrava em elevado estado de



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degradação e substituiu-se por um novo em pedra calcária; construiu-se um novo balcão; reformaram-se as casas de banho; regenerou-se o sistema de iluminação e deu-se uma alma nova à esplanada» (118). Desde Junho de 2008 têm decorrido obras de conservação e restauro, pela dita firma, no antigo quiosque (hoje desactivado) anexo ao Café e virado para a Rua das Figueirinhas. Importantíssimo marco histórico-cultural da cidade está classificado como Monumento Nacional pelo Dec. 7.733 de 11 de Outubro de 1921 (Diário do Governo) e Zona Especial de Protecção por DG de 44 de 21 Fevereiro 1958. Registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170021.



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Foto 38 – Fachada da Igreja de Santa Justa



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4. A Igreja de Santa Justa «Entrando-se em Coimbra pelo lado do norte, o primeiro edificio notavel que se encontra é a egreja de Sancta Justa, vistosamente situada com suas escadarias e patamares na encosta de uma alegre collina que olha para o rio. O seu adro, por ficar em posição sobranceira, é um ponto de vista lindissimo. Goza-se dalli em formoso panorama a perspectiva encantadora Foto 39 – Perspectiva do interior da Igreja de Santa Justa da cidade, do monte fronteiro, onde se recostam os conventos de Sancta Clara e S. Francisco, e do Mondego com suas insuas mimosas cobertas de perennes verdores. A egreja de Sancta Justa foi edificada no primeiro quartel do seculo passado para substituir outra da mesma invocação, cuja origem é anterior ainda á monarchia portugueza». [A. M. Simões de Castro -«A Egreja de Sancta Justa e as Inundações do Mondego» In O Instituto Vol. XXIV, Janeiro-Junho 1877, Coimbra, P. 36]

A Igreja de Santa Justa situa-se no extremo Norte da Rua da Sofia. Durante séculos foi a sede de uma das mais antigas paróquias da Cidade de Coimbra sendo, inclusivamente, anterior à Paróquia de Santa Cruz. De facto, desde os tempos da antiga igreja de Santa Justa (a velha) e, mais especificamente, pelo menos a partir do ano 1206, que foi sede ou matriz de paróquia até à reforma das freguesias de 1854-1855, data em que civil e religiosamente ficou a pertencer à freguesia de Santa Cruz. Alguns anos antes e, por efeito do Decreto de 27 de Dezembro de 1849, a sua colegiada fora incorporada no Seminário. Os seus clérigos perfaziam o número de 12 e viviam, regularmente, sob orientação de um Prior, segundo a regra de Santo Agostinho, e sujeitos ao Mosteiro de Santa Cruz e sua visitação. A primitiva igreja e mosteiro de Santa Justa-a-antiga localizavam-se, porém, noutro local. Erguida no antigo arrabalde ocupava o centro da zona a Norte da antiga runa ou ribeiro que drenava o vale de Santa Cruz ou seja; dispunha-se no sentido NoroesteSudeste no actual Terreiro da Erva. As inundações do Mondego foram destruindo o conjunto edificado atingindo-se o ponto de ruptura no terrível Inverno de 1708 com a cheia a obrigar «…à transladação do



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Santíssimo Sacramento e da imagem do Santo Cristo para a igreja de S.Tiago, no dia 17 de Fevereiro. Foi lançada a primeira pedra da igreja nova a 24 de Agosto de 1710» (119), cabendo o acto simbólico ao Bispo-Conde D. António de Vasconcelos e Sousa que deu de esmola para as obras um conto de reis. No Domingo 28 de Fevereiro de 1724 foi sagrada a nova igreja pelo Deão da Sé Luiz Pereira de Sampaio e, «…na segunda-feira immediata celebrou nella a pellos anos do primeira missa o prior aos 24 de agosto sor. de 1100 se fvn Manuel dos Reis Leitão, de 1710 veio a este sitio o illmo. sor. bispo dou a igrA antiga e a 4 de Junho, dominconde antonio de e havendo ia mtos. go do Espirito Sancvasconcellos e q as invndacoens do rio entravaõ to, se trasladou com souza e nelle con nella sendo estas grande pompa para o toda a solemnida de f (sic) asistensia do continvas com te novo templo a imagem s rdos capitvlares rrjveis tempestades do Sancto Christo, até necessarios e con no inverno de 1708 aos 17 de fevro. do então recolhida no de cvrso do povo benzeo a pra pedra mesmo anno por Sanct’Iago» (120). a qval se lancov ordem do ILL.mo Sor. O belo e imponente ao canto desta antonio de vasco monumento ergueu-se parte e fes as mais nsellos e sovza bis seremonias da igra. po conde se fes de raiz, em local novo, procisaõ de afastado e num plano de preces com a IMa forte inclinação relativamente às próprias rua que lhe dão gem do Sto. Christo acesso – a Rua da Sofia e Rua Figueira da Foz. O acesso a qval se recolheo a igra de santiago é feito por dupla rampa designada por Ladeira de Santa e nella se colocov Justa e ao cimo da qual se encontra uma grande cruz – o a sobredtA imagem cruzeiro de Santa Justa. Trata-se de um cruzeiro de braços na tribvna do al rectangulares, do princípio do séc. XVIII. Desabou em tar maior e os PeS. desta igra ficar virtude do terramoto de 1755 e em 1873 foi restaurado aõ celebrando pela junta de paróquia. Na base deste cruzeiro e já na os officios di Rua Figueira da Foz estão umas alminhas em nicho vinos com os de arco abatido, contendo no interior um registo de bndos da mesma azulejos monocromos (azul sobre fundo branco), com a representação de Cristo Crucificado e as almas do purgatório. Do cruzeiro se acede à entrada no templo através de escadaria em dois lanços. No lajeado de pedra do adro são visíveis siglas de canteiros. A igreja, de quem se desconhece ser o arquitecto ou construtor, apenas tem livre a monumental fachada estando afrontada dos lados por edifícios habitacionais: do lado Norte construiu-se nos anos vinte uma casa particular (hoje devoluta) e, no lado oposto, voltado para Sul, construiu-se em 1946 a residência os Franciscanos Capuchinhos. De facto, a 10 de Junho de 1943 o Bispo de Coimbra entregou a administração da igreja e do culto a esta ordem, a qual abandonou há muito pouco tempo as suas funções, voltando a diocese a administrar directamente o templo. A fachada posterior, contem



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num plano mais recuado e alto, junto à cobertura, uma pequena janela quadrangular encimada por pequena torre sineira. A fachada é dividida, perpendicularmente, em três corpos mediante pilastras lisas de origem dórica; o central corresponde à porta e os dois laterais às torres. A porta vem ornamentada também com pilastras dóricas ressaltadas e entablamento denticular, e ladeada por duas altas frestas rectangulares. Acima da porta, domina o espaço um encasamento retabular da segunda metade do séc. XVI, provavelmente oriundo da igreja velha. O enquadramento é feito com pilastras ornadas, com entablamento e frontão rectilíneo. O interior abriga um retábulo de dois corpos e de três espaços cada um, ocupando no médio inferior a imagem da Virgem com o Menino. Ao nível do coro rasgam-se quatro janelas, simples e com frontão, duas no núcleo central e as outras nos das torres. Sobrepujam-nas quatro pequenos nichos, embutidos no friso do cornijamento, a que correspondem quatro pequenas esculturas; S. Francisco, ao evangelho, Santas Justa e Rufina, ao centro, e um Santo Bispo, à epístola, sendo todas do séc. XVI, à excepção de Santa Justa que é obra do séc. XV. Na parte inferior das torres e, do lado exterior, estão incrustadas duas lápides, altas e estreitas. A do evangelho diz respeito ao ano de 1708 e do lado da epístola relata a bênção da primeira pedra do templo em 1710: Foto 40 – Altar-mor da Igreja de Santa Justa

O interior apresenta planta longitudinal, seguindo o modelo das igrejas coimbrãs do século XVII, com uma só nave, dividida em cinco tramos por pilastras dóricas, entablamento saliente na altura das pilastras às quais correspondem arcos torais, simples de cantaria. Os espaços intermédios da abóbada são de alvenaria recoberta de argamassa. O primeiro tramo é ocupado pelo coro alto e nas paredes laterais abrem-se duas portas; a da epístola para pequena sala fechada adaptada a confessionário e a fronteira que serviu durante anos de baptistério, estão actualmente e assentes sobre misulas de madeira, duas estatuetas recentes: a do Menino Jesus de Praga e a do Sagrado Coração de Jesus. De facto há poucos anos esta pia, uma obra simples do séc. XVI e proveniente da antiga igreja, foi mudada para uma arrecadação. Daí passou posteriormente para junto do jardim onde esteve exposta à acção dos homens e do tempo. Actualmente mantém-se a céu aberto, partida em várias partes, por trás da cabeceira da igreja junto ao morro.



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No subcoro e encostado à parede fundeira está um confessionário de madeira com baixos-relevos relativos á vida de Cristo. Nos arcos do segundo tramo rasgaram-se portas que primitivamente ligavam ao exterior. Do lado do evangelho fechou-se o acesso ao exterior e nela está o crucifixo que se diz ter estado na Batalha de Ourique e que terá vindo da Capela do Arnado, enquanto que a porta do lado da epístola dá acesso à residência dos Capuchinhos. Estas portas são dominadas por molduras de talha dourada do primeiro terço do séc. XVIII e telas da mesma época: do lado da epístola a tela do Baptismo de Cristo e do lado oposto a tela Nossa Senhora com o menino. Os arcos dos três outros tramos, têm altares com retábulos. Os quatro primeiros a contar da porta principal, são de meados do séc. XVIII. Têm a talha pintada e marmoreados, douragens nos ornatos, colunas lisas com grinaldas de flores entrecruzadas e, na parte inferior caneladas em espiral. Nos remates destacam-se irradiações solares com pequeninos querubins no centro. Os dois primeiros altares (um do lado do evangelho e outro do lado da epístola) sofreram intervenção nos finais da década de 40, uma iniciativa dos Franciscanos Capuchinhos. De facto, no altar do lado do evangelho retirou-se a imagem de Santa Catarina, que era da mesma época do retábulo e colocou-se a imagem moderna e de grandes proporções de S. Francisco de Assis. A imagem do lado oposto, um Santo Ildefonso, de madeira do séc. XVII, que veio da Igreja de S. Bento (121) foi retirada na mesma altura, colocando-se uma imagem da mesma fábrica do retábulo do evangelho, representando Santo António. Estas novas imagens estão assinadas por M. Oliveira e M. Tedim, de Gemunde-Castelo de Maia. A primeira com data de 1949 e a segunda de 1947. O segundo altar do lado do evangelho é dedicado a Nossa Senhora do Rosário enquanto que o do lado oposto é dedicado a S. José, sendo ambas as imagens do séc. XVIII. Os dois últimos altares, junto à capela-mor, são de época anterior e merecem especial atenção. O do evangelho, de finais do séc. XVII, apresenta colunas torcidas, enroscadas de pâmpanos e, o da epístola, também dourado, é do primeiro terço do séc. XVIII. O do evangelho, tem uma imagem moderna de Nossa Senhora de Fátima, nele se destacando ao nível do basamento um pequeno baixo-relevo, com a representação dos Santos Mártires de Marrocos. O altar do lado da epístola apresenta um bem conseguido baixo-relevo da mesma época, com as almas do Purgatório «…obra muito secundária mas rara na região» (122). É digna de toda a atenção esta peça pois nela o artista conseguiu plasmar uma vasta noção de critica social aos poderosos da época. A capela-mor é de um só tramo e é um pouco mais estreita que a nave. Está enquadrada por arco de pilastras, cujo espaço continua o entablamento da nave. O altar está num plano mais elevado acedendo-se por uma escada. O retábulo, de grande aparato, é feito de madeira dourada, do 1º terço do séc. XVIII (marcando a transição para o estilo D. João V), de colunas torcidas, com acantos, flores, crianças e aves. Destaca-se um grande sacrário de quatro colunas salomónicas. Fica-lhe superior a escultura do Padre Eterno, ladeada de anjos e coroada da pomba simbólica, encontrando-se lateralmente



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as esculturas de madeira das titulares da igreja; as Santas Justa e Rufina. Acima da composição temos o trono, firmando-se no ultimo degrau o crucifixo, a que se adaptou o baldaquino que fazia parte de um troneto que estava no coro-alto, ao centro da balaustrada, cuja base foi dividida e adaptada a pés de duas credências colocadas no altar-mor. Em baixo e ladeando o sacrário estão 6 castiçais de estanho (1751), assinados por AntónioCotrim e António Silva. A Sacristia localiza-se num plano superior à capela-mor do lado da epístola. Tem na grossa parede da esquerda uma pequena pia de água benta, talvez uma antiga mísula manuelina, Foto 41 – Retábulo das almas do purgatório, 1º terço séc. XVIII enquanto nas paredes se destaca uma profusão de telas e quadros. Sobre o arcaz duas grandes telas do séc. XVIII, regulares e sem assinatura; Nossa Senhora da Conceição e o martírio dum Apóstolo. Nas paredes laterais da composição surgem mais duas de tamanho inferior; S. Pedro e S. Paulo. Colocada aos pés do crucifixo temos uma pequena Senhora das Dores, de barro e da mesma época. Dispersos pelas paredes estão mais algumas telas sendo de destacar uma tábua grande, do final do séc. XVI, com moldura do séc. XVIII, representando S. Bernardo a quem aparece Cristo Crucificado, e que terá vindo do Colégio de S. Bernardo. Colocada sobre uma peanha está junto da entrada para a sacristia, à esquerda, um valioso conjunto escultórico: uma Piedade, a Deposição de Cristo da Cruz, obra de Tomé Velho, elaborada entre 1590-1600. O acesso ao coro alto faz-se por uma escada rasgada na espessura da parede. Nele estão alguns cadeirais, simples mas em mau estado, ao centro um troneto de quatro colunas salomónicas, de madeira dourada, do primeiro terço do séc. XVIII. Na parede do topo uma grande tela, com o Lava-pedes, da série dos quadros da nave. O coro alto está adaptado a salas da catequese. As peças de ourivesaria foram removidas recentemente e estão à guarda da Igreja de Santa Cruz. Entre elas é de destacar o relicário das Santas Justa e Rufina, prata branca do



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séc. XVI. O mostruário é oval, aberto ao centro, tendo nas faces internas as esculturinhas das santas abrigadas em nichos, terminando o relicário com a Trindade. Uma das suas incrições tem a data 1596. Registe-se ainda um busto-relicário de santo, do séc. XVIII que terá pertencido à desaparecida Capela do Arnado e um ostensório do Coração de Jesus também do mesmo século. Em algumas dependências da igreja guardam-se antigas imagens de santos. Outrora existiu na igreja o altar de Santa Bárbara, tendo-se concedido breve datado de 31 de Agosto de 1801, que concedia indulgência plenária a quem o visitasse. As titulares da igreja são as santas Justa e Rufina, também protectoras dos oleiros, com cuja actividade a sua história se relaciona. De facto eram duas irmãs piedosas que vendiam nas feiras as louças que seu pai, oleiro de profissão, fabricava. Certo dia recusaram participar no culto de Adónis e Vénus, tendo sido martirizadas e suas louças partidas; Justa morria sobre a roda e Rufina era estrangulada. São padroeiras de Burgos e de Sevilha e o seu dia celebra-se a 19 de Julho. Tendo em conta a proximidade da antiga igreja de Santa Justa com o centro produtor da olaria de Coimbra não será de estranhar esta relação, sendo até plausível que na edificação do templo tenha sido decisivo o papel dos oleiros. A Igreja de Santa Justa foi desde tempos imemoriais sede de paróquia, situação que se alterou com o decreto de 20 de Novembro de 1854, quando deixou de ser paróquia e foi anexada à de Santa Cruz, mantendo as irmandades do Senhor Jesus e de S. José. Espaço de excelência tem servido para a realização de diversos eventos: no interior para os encontros de coros; no exterior para a Festa dos Vizinhos. A igreja integra-se tipologicamente na arquitectura religiosa barroca. O templo mantém a função inicial, a cultual. Monumento registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170049. Por despacho da subdirectora do IGESPAR de 18 de Fevereiro de 2008 foi determinada a abertura do procedimento administrativo para eventual classificação da Igreja de Santa Justa. 5. Do velho ao novo Convento de S. Domingos O primitivo mosteiro foi edificado na zona do Arnado, provavelmente antes de 1223, algures entre as actuais ruas do Carmo, Nogueira e Av. Fernão de Magalhães, presumindo-se que fosse arquitectura do estilo gótico segundo o sistema ogival. Nessa época a cidade estava já fortemente dominada por diversos senhorios eclesiásticos, com a Sé e Santa Cruz a ombrearem lado a lado pela supremacia. Desde 1218 que os frades pregadores de S. Domingos dispunham de licença para pregar na diocese, passo primeiro para que os Dominicanos se instalassem na cidade. E, em 1227, estaria já formada a comunidade sendo seu prior Frei João, havendo a notícia que em 1226 «…um chantre da Sé, ao contemplar as instituições coimbrãs, lega aos pregadores 10 morabitinos» (123).



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A iniciativa da sua fundação ter-se-á ficado a dever a D. Branca, filha do Rei D. Sancho I, que financiou parte da construção. Segundo o cronista da Ordem, Frei Luís de Sousa, na Primeira parte da história de S. Domingos refere-se à zona que pareceu à Infanta D. Branca achou como apropriado para fundar convento, uma área «…na ribeira direita do rio Mondego, que lava a cidade, no plano onde hoje vemos assentada grande parte da povoação da ponte para baixo, havia em tempos antigos muita frescura de pomares que chamavam o Figueiral» (124). O cronista acrescenta que aquele lugar, também conhecido por Figueira Velha, fora concedido por D. Teresa a sua irmã D. Branca, para que esta construísse à sua custa o desejado convento, referindo um documento de Fevereiro de 1242 em que D. Teresa enumera os bens que comprou para o sítio do mosteiro e fundo conventual, cujos terrenos pertenciam ao Mosteiro de Lorvão, à Colegiada de S. Pedro de Coimbra, à Colegiada de S. Salvador e à Abadia de Celas de Guimarães (125). O convento foi fundado por Fr. Soeiro Gomes que depois seria provincial da ordem dominicana. No tempo de Fr. Luis de Sousa só estaria de pé o campanário «…que oscilava quando se tocava o sino e era motivo de curiosidade; sítio que ficou conhecido por Chão da Torre» (126) e noutros documentos como “Chão de S. Domingos”. Com a construção quase finalizada os priores do convento procuraram alargar as dádivas de fundação, adquirindo por compras no valor de 235 morabitinos casas e figueirais em redor do novo edifício. E, nos anos seguintes reúnem um significativo conjunto de legados móveis e imóveis, ficando os doadores com o privilégio de serem sepultados no convento (127). Levantado nos terrenos ribeirinhos do Mondego, a sua influência estendeu-se, sobretudo, para o bairro de S. Bartolomeu. O Mosteiro de S. Domingos de Coimbra contou, ao longo dos tempos, com frades de grande renome. A começar pelo pregador D. Paio de Coimbra, também um dos primeiros priores, que terá proferido mais de 4 centenas de sermões. Os seus pregadores, na época dos mais afamados homens de saber, foram chamados a resolver intricadas questões, vestindo a pele de juízes, fiadores, testemunhas. Por outro lado e, desde o séc. XIII, que avultam os indícios de uma cooperação e interacção entre os Mendicantes Dominicanos e os Regrantes de Santa Cruz, talvez incentivado por uma proximidade geográfica. De facto e a título de exemplo, diga-se que na antiga biblioteca de Santa Cruz se conservavam cópias das Constituições dos Frades Pregadores. Devido à centralidade geográfica do Convento de Coimbra, nele se celebrou o Capítulo Provincial de 1365. Por volta de quatrocentos o convento atingira certa dimensão, possuindo 2 claustros e «…um elevado número de frades ungidos de ordens sacras na Sé de Coimbra, ultrapassando mesmo, em número, os Franciscanos, o que nos parece dever-se conciliar-se com o facto do Claustro conimbricense domínico se estabelecer como studium maior de formação superior propedêutica ou mesmo para-universitária, para ele sendo enviados os professos em fase de conclusão de estudos» (128). Não apenas na cidade de Coimbra pregavam os Dominicanos, avultando os registos históricos que por vilas e povoados os referem em activa pregação. Das suas pregações



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constata-se uma grande devoção mariana: «A Virgem era honrada no convento de S. Domingos de Coimbra em variadíssimas festividades como a Assunção, Santa Maria de Março, Santa Maria de Agosto, Santa Maria de Setembro e Santa Maria das Neves. E, pelo menos desde 1494, existia no convento a confraria de Nossa Senhora do Rosário, com altar e imagem santa, fundada pelo ourives Afonso Pais e o escrivão da fazenda Henrique de Parada, se bem que o seu culto entre os fiéis, motivado pela pregação dos dominicanos, fosse muito mais antigo» (129). Do primitivo edifício e seu arquivo, nada resta uma vez que as cheias do Mondego cedo os engoliram. Contudo, o seu terreno converteu-se, naturalmente, em lagoa a qual se tornaria uma fonte permanente de problemas ao longo dos tempos tendo a Câmara mandado entulhá-la durante o séc. XVII com materiais vindos de várias obras na cidade. Em Novembro de 1663 e por carta régia o monarca informa o município que «…seria de grande utilidade à saúde dessa cidade secar-se a lagoa dos religiosos de S. Domingos. E porque Eu desejo se procurem todos os meios para isso, vos ordeno que sem dúvida ou embargo algum se execute assim e que a dita lagoa se seque e cultive, porque com isso cessem as doenças que dela procedem e procurareis se não levante mão de obra, avisando-me do que dela resulta» (130). Segundo um documento de 1521, pelo qual D. Manuel deu financiamento para o arranjo dos madeiramentos e telhados das naves laterais da igreja, sabemos como era o templo. Orientava-se no sentido Nascente-Poente, e a sua planta era ainda primitiva no contexto europeu, típica das primeiras igrejas monásticas dominicanas: «…se apresentava em forma de cruz latina com cabeceira pouco pronunciada (…) as naves tinham 14 braças de comprimento, ou seja, 25,48 m (…) as naves laterais atingiam 16 palmos de largo, ou seja, uns 3,2 m (…) no todo, a largura da igreja aproximar-se-ia dos 12,8 m. No transepto, abriam-se, nos muros setentrional e meridional, respectivamente, duas outras capelas, uma, a do Norte, com 6m de comprido por 4m de largo; outra, a do Sul, com 6,6m de fundo por 6m de largo. A capela-mor seria dedicada muito provavelmente a S. Domingos, orago da igreja, enquanto pelas demais se poderiam distribuir, entre outros, os altares dedicados a S. Frei Gil, a Santa Iria e a Santa Catarina. Na nave lateral fronteira à “crasta” são identificadas as Capelas de Nossa Senhora [do Rosário] e de Jesus, cada qual com 4m de comprido por 3,2m de largo» (131). O financiamento régio destas obras manuelinas foi gerido por Pedro Eanes, que escolheu João Airas para a empreitada do madeiramento interior, sendo a obra de alvenaria entregue a João Eanes por 12.000 reais de custo. O assoreamento do Mondego tornaria inabitável o mosteiro de S. Domingos; em 17 de Março de 1506 Júlio II pela bula Cum inter nostrae, autorizou D. Manuel a mudar os conventos de S. Francisco e S. Domingos. Ao que parece, por volta de 1540 a situação atingiu o limite. Em Setembro de 2008, e no seguimento dos trabalhos arqueológicos realizados na Av. Fernão de Magalhães, Nº 221. (construção de Edifício de Habitação, Escritórios, Comércio e Parqueamento subterrâneo de 5 níveis), apareceram estruturas a 9 Mt. de



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profundidade que poderão corresponder ao claustro do velho convento. Entretanto, e pese embora o descontentamento de vários especialistas, o IGESPAR decidiu desmantelar os vestígios e permitir a continuidade da construção do parque de estacionamento. O mosteiro de Santa Cruz cederia os terrenos necessários para a nova edificação, que se dispôs ao longo da frente poente da Rua da Sofia, quebrando assim o projecto inicial programado para o arruamento (1538) e que previa para esse lado apenas construções civis. Em 20 de Setembro de 1540, D. Bento, prior cancelário de Santa Cruz, informa D. João III de que se encontra concluído o processo para a doação aos Dominicanos dos chãos para edificação do novo edificio conventual (132). Frei Brás de Braga, que então superintendia nas obras, cederia as 80 braças para a nova construção as quais, segundo a escritura de doação dos chãos se dividiam em 35 braças para uso do colégio, 45 para o mosteiro e, ainda, cedência do espaço necessário Foto 42 – Antiga cabeceira da Capela Mor da Igreja S.  Domingos (actual Centro Comercial Sofia) para abertura de uma via entre a Rua da Sofia e a Rua Direita com 6 braças de largura, compreensível visto que o complexo tinha frentes para as ditas ruas (133). Esta rua não chegou a realizar-se, mas a frente de rua ocupada pelo conjunto passou de 80 para 100 braças. Os Dominicanos eram pobres e a obra pretendida não iria além da capela-mor e das duas colaterais, graças ao patrocínio de altas figuras; Duque de Aveiro, Desembargador António Lourenço e Tesoureiro da Sé, Francisco Monteiro. As obras do novo convento devem ter arrancado em 1543, depois de alcançada licença de D. João III e, em 1546 do capítulo geral da ordem, confirmadas pelo pontificie Paulo III. Ainda naquele ano os frades mudaram para a Rua da Sofia para casas provisórias e insuficientes. Devido às dificuldades económicas que progressivamente foram afectando a Ordem, apenas um dos lanços programados para o espaço conventual se edificou ao longo da Rua da Sofia, o qual chegou a ocupar toda a frente poente da Rua da Sofia até ao Colégio de S. Tomás (hoje Palácio da Justiça). Neste contexto ficaram também por definir os dois claustros, previstos seguindo o conceito da planta do Colégio do Espírito Santo. Em 1548 a comunidade estava já instalada, segura e próspera, esperando «…apropriar ao seu exercício pastoral a igreja de Santa Justa e toda a sua rede paroquial pertinente. A este intento opôs-se, por carta de 31 de Janeiro de 1548, o Cabido da Sé de Coimbra e, por outra de 25 de Abril desse ano, o próprio Bispo-Conde, argumentando este que o rei não deveria permitir essa união, pois Santa Justa era freguesia populosa e antiga.



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No dia seguinte, Onofre Francisco dirige a D. João III nova informação, expondo-lhe que os beneficiados da Colegiada de Santa Justa fecharam as portas da igreja, impedindo assim a tomada de posse aos frades de S. Domingos» (134). Como dissemos o empreendimento contou com a protecção de D. João, Duque de Aveiro, principal donatário da igreja. Entre os favores que prestou contam-se as esmolas para ajuda do casamento de 13 orfãs e 12.000 rs para cada uma. Por esse facto, nos livros de registos paróquias da Freguesia de Santa Justa, e especialmente a partir de 1616, detecta-se a inclusão dos consórcios realizados em S. Domingos para receber o dote instituído pelo duque de Aveiro (135). À semelhança de outros protectores que tomavam para sua sepultura e dos seus as capelas principais, o Duque de Aveiro ficou com a Capela-Mor ajudando-a edificar com 5.000 cruzados. Por esse motivo vê-se na frontaria o brasão dos Duques de Aveiro, talvez o único existente em Portugal que escapou à fúria pombalina, uma vez que depois do atentado de D. José de Mascarenhas contra a vida de D. José em 1759, a “Junta de Inconfidência” determinou que todos os brasões fossem picados. Outro dos patrocinadores da obra foi Francisco Monteiro, tesoureiro da Sé, que ali mandou fazer uma capela dedicada a Nossa Senhora da Assunção (que ficou conhecida como Capela do Tesoureiro), do lado do evangelho da capela-mor da nova igreja, para seu jazigo e de familiares, oferecendo a Frei Martinho de Ledesma, prior do convento 1000 cruzados para dotação da capela e edificação do retábulo. O contrato lavrou-se em 1558 e a obra ficou terminada em 1565. Tanto a capela como o desaparecido púlpito foram executados por João de Ruão. A obra da nova igreja, realizada entre 1558 e 1580 e projectada pelo arquitecto e engenheiro militar Isidoro de Almeida, poderia ser, actualmente, um belo exemplar de arquitectura do renascimento. Porém se a história do desaparecido convento é tristemente célebre, não teve melhor destino o convento novo de S. Domingos, do qual apenas resta sensivelmente a meio da Rua da Sofia (lado Poente) parte da antiga igreja, designadamente a fachada voltada para a rua, que era a cabeceira da capela-mor, armoriada com o brasão dos duques de Aveiro, e a Capela de Jesus, exemplar magnífico de arquitectura renascentista. A igreja seria de grandes dimensões, de um novo tipo da cidade, de planta com cruz latina inscrita, diferenciando-se assim das igrejas colegiais de nave simples. No entanto apenas se construiria a cabeceira, composta pela capela-mor e pelas duas capelas laterais, um cruzeiro e transepto alterados sem a cúpula. O topo da cabeceira, e de acordo com a orientação canónica, alinhava pela frente poente da Rua da Sofia, enquanto que a fachada daria para um largo terreiro a abrir no sentido da Rua Direita. Como nunca se chegou a construir o corpo do templo, tornou-se necessário abrir no fundo da Capela-Mor, pelos finais do séc. XVI os três arcos de acesso ao interior que hoje subsistem. No séc. XVII fez-se um novo e grande retábulo para a capela-mor uma vez que o existente fora consumido pelo incêndio de 2 de Dezembro de 1647, obra de Samuel Tibau dourado por Luís Alvares. Devido ao terramoto de 1755 parte da abóbada caiu e grande parte do templo ficou arruinado.



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Com a extinção das ordens religiosas a igreja passou para mãos particulares, que a adaptaram a funções várias; ontem a oficina, carpintaria mecânica e garagem de camionetas de carreira, hoje a aberrante Centro Comercial Sofia, inaugurado em 1981, mantendo-se apenas o que restava da Capela de Jesus. Por outro lado, devido à abertura da actual Rua João de Ruão e da renovação de alguns edifícios desapareceu a sala abobadada onde funcionaram as instalações da Tipografia Académica. Entretanto, a Capela do Tesoureiro (Monumento Nacional) e as lápides armoriadas recolheram ao Museu Machado de Castro em 1964, incluindo o retábulo da Assunção da Virgem uma obra magnífica do arquitecto-escultor João de Ruão. Com o desmantelamento da igreja para construção do dito centro comercial, pouco resta do complexo conventual: do exterior o que nos parece uma fachada mais não é do que a parede de topo da capela-mor; e no interior vislumbra-se parte da cabeceira da igreja; transepto e a Capela de Jesus, hoje adaptada ao snack-bar “S. Domingos Café”. No exterior conservam-se as empenas dos topos da Capela-Mor e do transepto, elementos que nos fazem suspeitar de uma igreja majestosa, que ao tempo terá provocado, no meio artístico da cidade forte impressão, uma vez que ao tempo apenas a igreja da Companhia de Jesus (actual Sé Nova) seria comparável. Nogueira Gonçalves e Vergilio Correia anotaram a especificidade e originalidade da construção: «Encontra-se aqui, e pela primeira vez na cidade, a fórmula dos arcos do cruzeiro (isto é, da nave, transepto e capela-mor) se encontrarem à mesma altura, fazendo presumir que inicialmente se pensasse em erguer uma cúpula. Se tivesse sido completada seria esta igreja a primeira grande igreja purista da cidade» (136). A capela da mão direita, de Jesus e a capela de Nossa Senhora da Assunção (recolhida ao Museu Machado de Castro) mostram um mesmo esquema. O altar desta última, como se disse, é de João de Ruão. A composição é purista erguendo-se sobre pedestal corrido quadro colunas coríntias do primeiro corpo onde se apoia o entablamento, que mostra no friso rótulos e querubins. O segundo corpo compõe-se de quatro colunasbalaústres unidas as duas centrais pelo avanço do entablamento sobre o qual pousa o frontão rectilíneo. O altar encontra-se no entanto bastante mutilado. Nos pedestais das colunas temos os bustos dos 4 Evangelistas (faltam as cabeças); no espaço central a Assunção da Virgem, acolitada por grupos de anjos músicos e tem em baixo onze Apóstolos em redor da arca tumular vazia. Ao alto sob um arco rebaixado surge a Coroação e nos intercolúnios que a ladeiam ficavam as esculturas de S. Pedro e S. Paulo e nos do primeiro corpo S. João Baptista e S. Tiago. Contudo, apenas se conhece o paradeiro da de S. Paulo (Museu Machado de Castro). Pelo espaço dispersam-se vários elementos; das abóbadas resta a do tramo do evangelho, de tijolo, em aresta, e de outras apenas os começos dos ângulos; no topo do transepto, ao evangelho, subsiste o enquadramento arquitectónico duma capela rasgada na espessura do muro, no séc. XVI; ainda existe o arranque da nave central com grupos de pilastras jónicas.



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A Igreja de S. Domingos, exemplar de arquitectura religiosa renascentista, foi classificada como Monumento Nacional pelo Decreto de 16 de Junho de 1910, publicado no Diário do Governo Nº 136 de 23 de Junho de 1910. Está registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170009. 6. A Rua da Sofia e os Colégios Universitários A 1 de Março de 1537 transferiu-se a Universidade, definitivamente e por decisão de D. João III, marcando o nascimento da Coimbra Moderna. O projecto universitário de D. João III definiu duas componentes fundamentais e interligadas que foram decididas em Outubro de 1537: para a Alta da cidade pensou-se a construção de escolas para as quatro principais faculdades da Universidade (os estudos ou os gerais) enquanto que na Baixa se abria a Rua da Sofia, destinada a instalar os colégios das diversas ordens religiosas e habitações. Em aberto permanece a hipótese de para Coimbra ter sido preparado um grande projecto que nunca se realizou e que passaria pelo acomodar de toda a Universidade ao longo da Rua da Sofia organizada em unidades colegiais coerentes e regulares. Coimbra transformava-se com «…a invasão do então recatado e decadente burgo de cinco mil habitantes por uma corte universitária que, num quarto de século, fixou essa cifra em algo como doze mil. Dessa forma, Coimbra adquiria um estatuto único em Portugal e raro em todo o mundo: sede dos únicos estudos gerais do Império Português até ao final do Antigo Regime e da Idade Clássica» (137). No entanto, o projecto universitário começou a ganhar forma algum tempo antes quando em 1527 D. João III e após visita à cidade dá início ao processo com uma reforma ao Mosteiro de Santa Cruz através da acção de Frei Brás de Braga, cuja estratégia passava pela criação de um pólo escolar privado do mosteiro. Além de Frei Brás a acção dirigida pelo monarca contou com a participação activa e fiel de Sebastião da Fonseca (desembargador), Vasco Ribeiro (vedor) e Diogo de Castilho (mestre de obras, empreiteiro e arquitecto). Segundo Walter Rossa, a Reforma Joanina na Rua da Sofia e colégios universitários pode dividir-se em três cronologias ou momentos: «o primeiro, entre 1537 e 1544, cheio de hesitações e incongruências, precedido, aliás, por uma década de iniciativa ainda mais confusas; o segundo, entre 1544 e 1555, caracterizado pela instituição do Colégio das Artes, que corporizou a tradução portuguesa do que num registo humanista laico se fazia nas universidades europeias de vanguarda; o terceiro, correspondendo à entrega desse colégio à Companhia de Jesus (1555) e a concomitante afirmação da hegemonia jesuíta, o que acertaria o passo com o contexto político-ideológico da Contra-Reforma. Nas suas características essenciais assim se manteria o sistema universitário português até à Reforma Pombalina empreendida em 1772» (138). Nesse sentido e no interior do Convento de Santa Cruz, criaram-se para instalação das novas aulas, os colégios de Santo Agostinho e de S. João Baptista, a um lado e outro da igreja crúzia; o primeiro ao lado direito, onde actualmente está a Câmara, o segundo



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Foto 43 – Rua da Sofia na actualidade

do lado esquerdo, por cima da Igreja Paroquial de S. João. Destinados, exclusivamente, ao ensino repartiam-se por dez gerais onde se leccionavam aulas para os noviços da Ordem e para alunos exteriores, mas de forma separada. O Colégio de Santo Agostinho seria transferido, posteriormente, para o velho morro da cidade mas, no enfiamento da extremidade Sul da Rua da Sofia. As novas construções e, designadamente, a primeira pedra, foi lançada a 30 de Março de 1593, sendo o traçado do arquitecto italiano Filipe Terzi. Apesar de manter a designação original foi também conhecido como Colegio da Sapiência ou Colégio Novo (nome da rua onde se encontra). Parte do espaço está hoje ocupado pela Faculdade de Psicologia e, outra parte, pela Misericórdia de Coimbra. Talvez para residência destes alunos externos o rei promoveria a construção de mais dois colégios: o de Todos os Santos e o de S. Miguel que acolheriam em internatos os colegiais para frequência das escolas. Em 1535 iniciaram-se os escambos de terrenos entre o convento e os possuidores dos desejados terrenos, a maioria dos quais hortas situadas nas traseiras da Rua Direita.



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FREI BRÁS DE BRAGA Foi o homem de mão de D. João III na reforma da regra e dos espaços de Santa Cruz, tendo iniciado a sua missão na ordem e no convento, entre Outubro de 1527 e 1545, ano em que se tornou Bispo da Diocese de Leiria. Nasceu em 1484 e foi soldado em África. Embora assinasse como Frei Brás de Braga, o que poderá evocar a sua terra de origem, talvez tivesse o nome de Frei Brás de Barros, apelido de seu pai, Valentim de Barros, do morgado da Amoreira. Professando em 1516 como frade Jerónimo colheria na ordem a formação mais moderna e humanista da Península Ibérica. Prior no Mosteiro de Penha Longa em 1527, dali saiu para estudar Humanidades na Universidade de Paris, doutorando-se na Lovaina em Teologia A inspiração para as reformas que orientou, em Coimbra, pode ter sido colhida na acção do Arcebispo D. Diogo de Sousa em Braga, que modernizou a cidade entre 15051532, a qual seguiu a renovação urbana da Roma papal. D. João III estando em Coimbra, a 8 de Outubro de 1527, passa alvará de comissão em nome do Infante D. Henrique, Comendatário do Mosteiro e então menor de idade, concedendo o governo temporal do Convento dos Crúzios a Frei António de Lisboa, Provincial da Ordem de S. Jerónimo, a Frei Jorge de Évora e a Frei Brás de Braga, monges da ordem a quem encarregou da reformação. Apesar de três nomeações, que aliás não caíram bem entre os crúzios, a verdade é que, coube a Frei Brás de Braga a missão de Governador Reformador, contando com o apoio do irmão pelo hábito, Frei Diogo de Murça. O frade reformador do mosteiro crúzio, contando com o beneplácito do monarca, deixaria uma marca urbana impressionante em Coimbra: abriu a Rua da Sofia onde se edificaram diversos colégios universitários, urbanizou as áreas de Montarroio, incluindo o largo que depois se chamaria Pátio da Inquisição, o Largo de Sansão e as encostas de Corpus Christi e das Figueirinhas. Frei Brás de Braga, de feitio impetuoso e autoritário, foi Bispo de Leiria e orientou o arranque das obras do Convento da Serra do Pilar mo Porto. Faleceu em Março de 1561, no Convento da Pena de Sintra.



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A edificação destes colégios marcaria, ainda, o início da rua destinada a suportar os diversos colégios – Rua da Sofia. Colégios que seriam dotados de igrejas públicas, com fachada para a rua e que se deviam fixar na frente nascente da nova via, dada a orientação canónica da cabeceira para leste. Na frente poente previa-se a construção de edifícios civis. Dado o sucesso do empreendimento o monarca entusiasma-se ao ponto de fixar em Coimbra os estudos superiores: «Resolve porém, definitivamente, mudar para Coimbra, a velha Escola-geral, reformada sôbre bases novas, ampliada e desenvolvida, com orientação moderna inspirada pela renascença, Universidade que rivalizasse em tudo com as mais afamadas do estrangeiro» (139). Promove-se a reforma dos estudos e fundação de novos colégios, a maior parte durante o decénio de 1540-1550, sob direcção de dois mestres do renascimento. Diogo de Castilho e João de Ruão serão os responsáveis pelos Colégios do Carmo, de S. Miguel de Todos os Santos, de São Domingos, de S. Tomás.

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Na edificação destes colégios universitários nota-se um dos aspectos fundamentais do novo programa proposto: a dialéctica entre os espaços de lazer e de recreio e a definição de um claustro «…o elemento mais canónico das tipologias religiosas comunitárias» (140). Em 1539, vem o primeiro colégio colocar-se na órbita universitária – o Real Colégio das Artes que começou a funcionar em 1548, a que outros seguiram o exemplo, com a protecção, subsídios e amparo do monarca-mecenas. Nos finais do séc. XVI eram 16, nos finais do XVII 20 e, no séc. XVIII, atinge-se o auge com 23. Como veremos, uma parte muito significativa destes colégios ergueu-se nas freguesias de Santa Justa e Santa Cruz, ao longo da Rua da Sofia, e quase todos (excepto o do Carmo) seriam fundados pelas Ordens Monásticas. Os Colégios Universitários de Coimbra foram fundados entre 1539 e 1779. A sua implantação decorre da tradição europeia em que os colégios funcionavam anexos às Universidades Medievais. Ali se agrupavam os estudantes segundo as proveniências e os estudos pretendidos, numa lógica a que aludiu António de Vasconcelos: «Isto já vinha da tradição das anteriores escolas mais afamadas, aonde concorriam alunos de longes terras, de diversas nações ou províncias, a aprender as artes liberais e as ciências, subsidiados pelos mosteiros, pelas catedrais, pelos monarcas e por particulares, para depois voltarem a exercer o ensino nos respectivos países» (141). Dispunham estes colégios de organizações regulares, personalidade jurídica sendo dotados de estatutos e selos privativos. À frente de cada instituição estava um prelado, em geral o Reitor, que marcava presença na inauguração solene do novo ano lectivo na Universidade e assistia, juntamente com o corpo docente e mais pessoal, às exéquias solenes na Igreja de Santa Cruz pelo 11 de Julho, por alma de D. João III. Registe-se, ainda, a importante cerimónia ocorrida em 8 dias de cada ano e designadas por préstitos. Tratava-se de um cortejo constituído por todos os colégios universitários em que se visitava uma igreja onde se celebrava festa; a 25 de Novembro ia-se à igreja do Colégio do Carmo (festa de Santa Catarina), e 7 de Março à Igreja do Colégio de S. Tomás (festa de S. Tomás de Aquino); a 25 de Março à igreja do Colégio da Graça (festa da Anunciação da Virgem) e a 11 de Julho à Igreja de Santa Cruz (devido às já mencionadas exéquias por D. João III) (142). Os colégios tinham também a obrigação de comparecer em duas procissões solenes: nas 1as Vésperas do Natal, na tarde de 24 de Dezembro, dando cumprimento ao testamento do Infante D. Henrique, com uma procissão que do templo de Santa Cruz se dirigia à Real Capela da Universidade; e na manhã do dia 6 de Junho, aniversário natalício de D. João III, numa procissão que partia da Real Capela para o templo de Santa Cruz. Os colégios serviam, sobretudo, como lugar de acolhimento para estudantes – se bem que nos colégios universitários de algumas ordens residissem também alguns lentes da Universidade – onde comiam, dormiam e cumpriam dia a dia os seus deveres religiosos, donde saíam para ouvir as lições dos mestres na Universidade. Atingiram um elevado grau de cultura, sendo imensa a importância que tiveram no impulso dado ao movimento literário e científico, a acção social dos lentes e alunos que vieram a ocupar altos cargos da Igreja e Estado.



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Aquando das reformas empreendidas por Frei Brás de Braga em Santa Cruz, projectouse e demarcou-se uma rua ampla com 200 braças (ou 440 metros) de comprimento, espaçosa e rectilínea que partia dos dois primeiros colégios criados (Todos os Santos e S. Miguel), com orientação N-O e altitudes a variarem entre os 20 e os 23 Mt, que seria fechada na extremidade Norte pela “porta de Santa Margarida”, denominação de uma pequena capela que havia no local. Essa rua, projectada por volta de 1535 e concluída em 1538, rasgou terrenos crúzios, obrigou a comprar e demolir parte das casas que fechavam o Largo de Sansão, defronte do mosteiro e a rasgar o arranque da encosta de Montarroio. A abertura à circulação seria feita à medida que se fossem completando os alicerces dos diversos colégios. Tomou a denominação de Rua de Santa Sofia, nome apropriado para o fim a que se destinava; alinhar a um e outro lado do seu traçado os futuros centros de conhecimento – os colégios universitários que se fundassem. A primeira referência à intenção de abertura da Rua da Sofia «…surge numa carta régia, de 17 de Abril de 1535, dirigida a Brás de Barros, da qual foi portador Diogo de Castilho. Nela ficou clara a intenção e o partido topográfico-urbanístico da iniciativa. De 20 de Março de 1538 é o primeiro documento onde surge a sua designação extensa: Rua de Santa Sofia» (143). Em termos urbanísticos é hoje comummente aceite que a Rua da Sofia foi criada como eixo viário fundamental no sentido de ordenar o desenvolvimento moderno de Coimbra «…primeiro elemento de uma planeada expansão urbana da baixa (e da cidade) para Norte» (144). De facto com D. Manuel havia-se iniciado uma operação de modernização da cidade que foi antecedida por acções pontuais dinamizadas por importantes instituições citadinas, envolvendo a Sé e Santa Cruz. Para nós parece-nos de fulcral importância o acordo de 1493, no tempo de D. João II, quando Santa Cruz trocou com a Câmara Municipal terrenos situados perto do seu convento; D. João Noronha deu ao município o “chão da Adega pintada”, situado entre a Rua de Tingerodilhas (actual Rua da Louça) e a Rua dos Pintadores (actual Rua do Corvo), recebendo em troca uma propriedade situada nesta última artéria. O espaço cedido ao município tornou-se um logradouro público, no centro dos quarteirões entre o Rio e Santa Cruz, que corresponderá ao Largo do Poço. Autêntica operação de requalificação urbana fez do largo antecâmara urbana do Largo de Sansão, tornando-o o terceiro espaço central da baixinha, depois da Praça Velha e de Sansão (145). Segundo Rui Lobo, que estudou o processo de idealização, abertura e construção da Rua da Sofia, ela será um caso especial de complementaridade de vocações, na medida em que é ao mesmo tempo uma rua universitária e uma rua de atravessamento urbano, cujo modelo do alinhamento dos edifícios universitários ao longo de uma rua com dimensão pré-definida deriva do antigo Quartier Latin de Paris, ou seja tem origem na Rue de Sorbonne, uma rua semi-particular do famoso colégio parisiense. Por estes motivos a rua, que partia do Mosteiro de Santa Cruz, foi tapada na extremidade norte pela Porta de Santa Margarida (nome que ainda perdura na toponímia



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da zona), fechando assim o campus universitário. A construção desta porta pretendia impedir que o tráfego se processasse pela rua universitária, sabendo-se que a mesma se constituiria rapidamente como alternativa à antiga Rua Direita. Assim, a Rua da Sofia constituiria uma espécie de “alameda semi-privada” dependente do convento crúzio. Uma rua escolar, que além de servir de suporte à construção dos colégios universitários, comportaria ao longo do percurso edifícios de habitação para professores, alunos e mestres, funcionários e leigos, albergando nos pavimentos térreos actividades comerciais. Para outros autores, como Walter Rossa, a Rua da Sofia foi concebida como nova saída para Norte, sendo em simultâneo o elemento estruturante do crescimento urbano de Coimbra, com a Porta de Santa Margarida a ter uma função essencialmente fiscal e de alternativa à Rua Direita. Caso único no urbanismo português, a Rua da Sofia aquando da sua inauguração, em 1546, era uma das melhores ruas portuguesas e supõe-se, a artéria mais larga da Europa. Estava repleta de igrejas que serviam os colégios onde se preparavam os estudantes para ingressarem na Universidade. O plano inicial para a Rua da Sofia, simples e regular, alterou-se com as condicionantes impostas pela topografia. No entanto, as preocupações urbanísticas da Rua da Sofia estenderam-se ao aspecto cenográfico, tendo-se tirado partido das potencialidades perspécticas da rua colegial. Veja-se, por exemplo, o efeito transmitido a Sul, pela fachada do Colégio Novo de Santo Agostinho, situado na encosta da Alta e no enfiamento da Rua da Sofia, conjugada noutro tempo com a frente colegial do Mosteiro de Santa Cruz ou, o efeito a Norte da nova Igreja de Santa Justa. Em 1759 foi extinto o primeiro colégio universitário; o Colégio de Jesus, consequência da extinção em Portugal da Companhia de Jesus, em Setembro daquele ano. Mais tarde, em 1833, o Ministro da Fazenda Silva Carvalho declarava, pelo decreto de 9 de Agosto, extintas todas as congregações femininas ou masculinas existentes no país com menos de 12 professos. Mas a grande derrocada viria com o decreto de 30 de Maio de 1834, assinado já depois da Convenção de Évora Monte, pelo qual foram extintas todas as Ordens regulares masculinas existentes em Portugal, excepto as ordens militares. A notificação chegará a Coimbra a 8 de Junho, com a apresentação da portaria de 3 de Junho, assinada pelo Ministro Joaquim António de Aguiar, que foi recebida pelo Provisor e Governador da Diocese, o Dr. Miguel Ribeiro de Almeida e Vasconcelos. A portaria ordenava o seguinte: «Iº – Que fizesse, com a brevidade possível, subir por aquele Ministério [dos Negócios Eclesiásticos] uma lista exacta de todos os religiosos das Casas extintas; – 2.º Que expedisse as mais terminantes ordens, a fim de que os religiosos deixem o hábito de suas corporações, e passem a usar traje secular, no prazo de um mês». A lei produziria um duplo impacto vindo «…por um lado, desestruturar todo o sistema de formação pré-universitária, encerrando os vinte e dois colégios que existiam à época em Coimbra, e permitir, por outro lado, incorporar no património do Estado



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e, futuramente no espaço urbano, os bens imóveis das antigas casas monásticas, que incluam grandes cercas conventuais» (146). Apenas 15 prelados universitários assinaram a ordem, entre os quais se contam; Colégio de S. Bernardo, do Carmo, da Graça, de S. Tomás e de S. Pedro (Bôrras). Esta medida, de largo alcance nacional constituiu um dos mais importantes golpes desferidos no Portugal do Antigo Regime, símbolo da conquista liberal, jacobina e maçonica. Grande parte da documentação produzida por estes colégios está à guarda do Arquivo da Universidade de Coimbra. No que toca a tipologias colegiais, poderemos definir dois modelos. Por um lado aqueles que adoptaram um esquema convencional onde desempenha papel fundamental a igreja e o colégio. Modelo seguido nos colégios da Graça, S. Pedro e Carmo. Por outro lado e, em alternativa, implementou-se uma morfologia de edifício mais geométrica e regular, que anula o papel do claustro, da igreja e do alçado. Assim sucedeu com o Colégio do Espírito Santo. Nesta rua existiu uma fonte muito curiosa, da qual se colhe registo no Dicionário Geográfico de 1758: «Tem mais hua fonte chamada a bica da Inquizição na Rua de Santa Sophia, cuja agoa he medicinal por curar, e perzeverar de dor de pedra, como testifica a experiência; e tambem he utilissimo remedio para qualquer obstrução e indegestoes.» (147). Actualmente, a Rua da Sofia não alberga nenhum colégio universitário. No entanto, o património construído e a memória antiga mas viva dos séculos de existência levaramna a ser inserida na Candidatura da Universidade de Coimbra a Património Mundial. Pelo Decreto Nº 516/71 de 22 de Novembro de 1971 foi definida a zona protegida com interesse público. Está registada na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170033

6.1. Dos colégios crúzios, passando pelo Colégio das Artes (ou Escolas Menores), ao Tribunal da Inquisição Na zona do actual Pátio da Inquisição nasceram as primeiras construções no âmbito da reforma empreendida por Frei Brás de Braga, e que podemos definir como a primeira fase da sua história. Estabelecidos dentro do mosteiro e encostados à igreja os Colégios de S. João e de Santo Agostinho, destinavam-se às aulas ou gerais. Por volta de 1534/1535 iniciaram os seus cursos conferindo graus. Por volta de 1535 projectaram-se os colégios de Todos os Santos e de S. Miguel para a zona em que prendemos a atenção. Destinavam-se, em especial, a residências, no primeiro caso para estudantes honrados pobres, futuros teólogos e alunos das Artes e, no segundo, para fidalgos abastados, futuros canonistas e teólogos. O primeiro dos colégios crúzios exteriores ao mosteiro foi o de Todos os Santos, que ficou concluído em 1543. De forma irregular, situava-se um pouco mais a Norte, acompanhando a rua que subia para Montarroio e que foi aberta nessa época. O de S. Miguel foi o primeiro dos colégios a dar corpo à frente nascente da Rua da Sofia. Entrou em



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funcionamento em 1542 tendo ficado terminado apenas em CONFERINDO O GRAU DE DOUTOR 1547 (148) marcando o início do NA IGREJA DE SANTA CRUZ estudo real que se prolongaria até «Na egreja de Santa Cruz está um theatro de tres 1555. Entre ambos ficava um espaço amplo que ficou conhe- degraus; neste tabernaculo se assenta o chancellario; no meio á sua mão direita o reitor; junto d’elle está cido por Terreiro de S. Miguel uma mesa bem ornada, com duas cadeiras altas, em e que dava entrada para os dois que se assentam os que hão de orar. Logo se diz missa colégios. Diogo de Castilho terá ao Espirito Santo; depois o qiue ha de tomar o grau sido o provável arquitecto, onde pede com uma breve oração ao chancellario que o também trabalharam como cons- faça doutor; então elle lhe manda tomar o juramento, trutores Pero Luís e Duarte Pires o que faz em joelhos, em um missal aberto: fazendo e João de Ruão como escultores, a profissão da fé, lhe dá o chancellario o grau por sendo da sua oficina o baixo- auctoridade apostolica com certas palavras. Logo relevo que dominava a porta de eloquentemente se faz uma elegante oração em favor Todos os Santos. do novo doutor; e acabadas estas ceremonias, o bedel E foi, precisamente, naquele distribue as propinas, e o recente doutor dá graças a ano que D. João III «…por carta Deus, e aos presentes, que o honraram, e d’aqui se de 9 de Setembro, o rei pediu, torna para sua casa com o mesmo acompanhamento: ao prior geral de Santa Cruz, comtudo se é doutor em Leis, ou canonista, toma o os edifícios para aí se instalar o grau na sala dos actos com as mesmas ceremonias» colégio das Artes, para o qual já [A. C. Borges de Figueiredo cit. Gasco In Coimbra Antiga e tinha destinado André de GouModerna, 1886, P. 168] veia, como principal. Começaram aqui as aulas em Fevereiro de 1548» (149). De facto, André de Gouveia, humanista iminente fora contratado em Bordéus para principal do colégio conimbricense. Com ele ou por sua influência directa o contingente do colégio seria engrossado pelo corpo docente formado em território francês e que trouxe ao colégio conhecimento e credilibilidade: João da Costa, Diogo de Teive, António Mendes, o filósofo Nicolas de Grouchy, Guillaume de Guérente, Jacques Tapie, Arnoldo Fabrício, Elie Vinet, Patrício Buchanan ou o poeta escocês George Buchanan (150). O Colégio das Artes, cujo funcionamento se iniciou, como se viu, em 1548, instalou‑se, provisoriamente e por empréstimo dos cónegos regrantes de Santa Cruz, nos Colégios de S. Miguel e de Todos os Santos, situados no princípio da Rua da Sofia (Oeste), à direita de quem indo do Largo de Sansão demandava os colégios do Carmo ou da Graça. Pelo final deste ano teria perto de 1.200 estudantes. Por alvará de 16 de Fevereiro de 1553 foram-lhe concedidos os privilégios da Universidade (151). Assim se inicia a segunda fase do espaço, com os primitivos colégios crúzios a serem, consideravelmente, ampliados para instalação do Colégio das Artes, com as obras a prolongarem-se durante vários anos e a expensas régias. Neste âmbito sacrificaram-se ante-



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Foto 44 – Arcada do Colégio das Artes



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riores construções como as «…tres moradas de casas e quintal que trazia Anrrique diaz mercador E simao a.º tecelão. E derribaran se pera ho collegio das artes» (152). O projecto, seguindo as directrizes de André de Gouveia e João de Ruão, seria executado por Diogo de Castilho estando começado um lanço, em Dezembro de 1548, destinado a sete gerais ou aulas e, em 1551, concluía-se o lanço onde ficava a sala das disputas e autos públicos de que existem restos e que ficou chamado lanço novo. Ia da Rua da Sofia até à cerca, conquistando terrenos para nascente, definindo a regularização dos espaços e a organização dos dois pátios interiores. Nele se construiram a igreja e as classes novas, ficando a livraria e a enfermaria acima da igreja (153). De facto, o notável arquitecto quis introduzir equilíbrio pelo traçado que definiu, ao longo do Colégio de S. Bernardo, da Rua da Sofia aos quintais, deixando a Norte, um primeiro e largo terreiro, rectangular, no pátio inferior onde se encontram as arcadas e, um segundo mais para nascente – o conhecido Pátio da Inquisição. O novo edifício seria entregue aos padres da Companhia de Jesus em 1555, que ficaram gerindo, em simultâneo, dois estabelecimentos na cidade; um na alta e que servia de residência (colégio universitário de Jesus principiado a construir em 1568), e outro na baixa; o Colégio das Artes, que concluíram assumindo os custos. O novo colégio seria «…uma grande estrutura rectangular composta por dois pátios (em vez de claustros) de dimensões idênticas, um a nascente e outro a poente. A Igreja, de carácter interno, estaria em disposição adjacente pelo lado sul, estabelecendo um novo arranque para a Rua da Sofia junto do



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Convento de Santa Cruz» (154). Acrescente-se, ainda, que os pátios embora tivessem um intento comum – o de estruturarem conjuntos de salas de aula – tinham, no entanto, um carácter diferente: o pátio poente constituir-se-ia, principalmente, como pátio interno, de recreio, enquanto que ao pátio nascente estaria reservado um carácter de maior formalidade e representação, sendo acessível a partir da Rua de Montarroio. O pátio interno teria colunata regular nos lados Norte, nascente e poente e, segundo a empreitada iniciada em 1548 restam, com amputações, os lados norte e nascente. A ala poente era também servida por colunata, enquanto a galeria do lado Norte, o que melhor se preservou compunha-se de seis tramos, com arcos geminados e contrafortes salientes e interrompidos à altura dos capitéis (155). Talvez as galerias fossem cobertas por abóbada. Em 1551 começou a construir-se o bloco que dividia os dois pátios e que albergaria a sala das disputas e actos públicos. A terceira fase da história dos colégios levará à instalação e adaptação, no local, do Tribunal da Inquisição, órgão que se havia estabelecido em Coimbra pelo Cardeal-Infante D. Henrique e que começou a funcionar a 15 de Outubro de 1541. De facto, sem que as obras no Colégio das Artes estivessem terminadas e já depois do falecimento de D. João III (1557) o Cardeal-Infante D. Henrique decide instalar o Tribunal do Santo Ofício (ou da Inquisição) no edifício onde funcionava o Colégio das Artes. A decisão obrigou a complexas negociações entre o Santo Ofício, a Companhia, e o Mosteiro de Santa Cruz, ficando marcada por alguns incidentes. A tudo se sobrepôs a vontade do Cardeal e, em 1566, os jesuítas transferiam o Colégio das Artes para a alta, instalando-o nas proximidades do seu Colégio de Jesus. Com a venda à Inquisição do edifício da Rua da Sofia, os crúzios receberiam como indemnização 2:222$300 rs em 1572. Para a nova função do espaço fora decisivo o papel do Cardeal Infante: «A 28 de Fevereiro de 1566 dava providências para que a mudança do colégio das Artes se fizesse sem demoras e se entregasse aos inquisidores o lanço do edificio novo; a 11 de Outubro pedia à Companhia, o pátio de S. Miguel e os lanços para a parte da Sofia e de Santa Cruz; a 6 de Julho de 1571 já havia ali presos e residiam oficiais da Inquisição nas casas ao longo da Sofia, e estavam instaladas repartições do tribunal» (156). O tribunal permanecerá naquele espaço atè á sua extinção, ocorrida a 31 de Março de 1821. Ocupou o sítio do conjunto de construções que é delimitado a Poente pela Rua da Sofia prolongando-se até ao Colégio de S. Bernardo e, por outro, pela antiga Rua de Montarroio, início da Rua Olimpio Nicolau Rui Fernandes e toda a Rua de Pedro Rocha. A estas frentes correspondiam três entradas para o edificio da Inquisição: pelo Pátio da Inquisição, pelo Pátio de S. Miguel que abria sobre a Praça de Sansão e pela porta da bica, na Rua da Sofia, por onde entravam os presos (157). O núcleo principal do Colégio das Artes, incluindo os lanços do referido pátio serviu para instalação das várias dependências do Tribunal da Inquisição. No pátio interior, que a inquisição tornou mais estreito e comprido para construção das celas, vê-se ainda a



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arcada do lanço novo, constituída por nove arcos divididos em grupos de dois, apoiados em colunas jónicas, opção que desde Serlio era aconselhada para os espaços de saber. Notam-se ainda os arcos extremos que davam para as galerias perpendiculares mas os cárceres e galerias do lado sul despareceram. Assim, no primeiro e segundo andar desse claustro (ala Norte ou lanço novo) instalou-se uma sequência de cárceres (aproximadamente 100) dispostos no sentido Poente-Nascente. Aqui se dispunham os horrendos cárceres designados por casa dos tratos e o do Inferno bem como sala das torturas (piso inferior) e o da Judia (piso superior). Ainda hoje são visíveis as espreitadeiras por onde os presos eram vigidos nos seus cárceres. Depois da extinção do tribunal este espaço foi ocupado por celeiros e um grande armazém de azeite. Pelo aviso régio de 22 de Setembro de 1821, os paços e as prisões da extinta inquisição foram entregues à Câmara Municipal e as casas de Montarroio, também da inquisição foram entregues à Roda por aviso de 15 de Novembro de 1821 (158). A extinção do tribunal, a venda dos edifícios e novas construções edificadas alterariam os antigos edifícios.

Foto 45 – Pátio da Inquisição

O lanço novo albergou no seu andar alto e depois da extinção do tribunal, a Casa dos Pobres, a Inspecção de Saúde e o Dispensário Anti-Tuberculoso. De facto, a 4 de Julho de 1935 o município cedia ao dispensário mais algumas salas que lhe ficavam contíguas «…onde se acha instalada a Inspecção de Saúde, instalando esta inspecção sobre a Abegoaria Municipal onde estava a Liga dos Combatentes da Grande Guerra, e esta por sua vez ser instalada no rés-do-chão do edifício da Câmara onde funcionou a Repartição de Impostos» (159). O andar baixo correspondentes às galerias e ao tormento são hoje armazéns de serviços camarários. No topo do pátio da Inquisição, no extremo a nascente do lanço novo, ficavam, no andar superior, os aposentos dos inquisidores, correspondendo a parte inferior à casa do tormento onde ainda se vê suspensa do tecto uma forte argola de ferro.



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Ao nível do antigo pavimento funcionava o refeitório do colégio, disposto ao longo de duas grandes salas. O espaço foi depois entulhado até ao pavimento actual e ali funcionou a “Escola da Noite”. Pilares de secção cruciforme e de capitéis jónicos estriados, cobertura de abobadas de aresta de tijolo e pilares adossados nas paredes laterais são elementos antigos mas visíveis, actualmente, do que foi um edificio enorme com estrutura de carácter utilitário. Ainda nessa ala e, a 28 de Maio de 1953, inaugurou-se uma série de estruturas municipais: uma dependência da fiscalização do peixe, um posto de pesos e medidas e um balneário público com 18 cabinas, destinado preferencialmente a estudantes e operários. Alguns anos depois de iniciadas as suas funções o êxito era assinalável de acordo com as palavras do vereador Dr. Francisco Cortês: «…dá notícia dos excelentes serviços que o balneário dos Serviços de Higiene prestava ao público e funcionários, propondo a aquisição de outro aparelho de aquecimento de águas» (160). À direita do Patio da Inquisição junto à travessa para Montarroio ficavam as casas dos aposentos dos secretários, edifício que foi renovado nos sécs. XVII-XVIII, com dois andares de janelas-sacadas, de grades de varões de ferro com anéis. Na ala perpendicular, entre o pátio interno e o quintal das traseiras das casas da antiga Rua de Montarroio esteve instalado o Montepio Conimbricense Martins de Carvalho. Ao longo do tempo, tanto no pátio externo como na Rua de Pedro Roxa localizaram-se diversas tipografias, redacções e delegações de jornais. Seguindo o declive da rua converge-se para o ângulo formado pelas casas que assentam no sítio do antigo Terreiro de S. Miguel, lugar usado para os autos de fé (não para as execuções). Os limites deste espaço são hoje ainda visíveis, uma vez que as casas não encostaram e forma uma espécie de ilha, vendo-se a ligação na Rua Olímpio Rui Fernandes pela porta nº 47 e na Rua da Sofia pelo nº 22. Hoje o espaço nada transmite do palco do horror e morte em que durante séculos esteve transformado. Ali se organizaram diversos autos de fé que condenaram centenas à morte certa: «…em um auto que durou tres dias (13, 14 e 15 de fevereiro de 1667), sairam duzentas e setenta e tres pessoas, das quaes cento e trinta e nove mulheres, e que foram nelle queimados vivos cinco homens e quatro mulheres. E direi ainda que o auto de 28 de novembro de 1621 (…) foi um dos mais afamados; sairam nelle cento e setenta e quatro pessoas, sendo mulheres cem; foram queimadas quatro mulheres e oito homens, e doze estatuas» (161). Em parte dos edifícios construídos para albergar o Real Colégio das Artes, instalou-se, recentemente, o Centro de Artes Visuais (CAV). Este espaço cultural foi uma consequência do êxito continuado dos encontros de fotografia, levando as autoridades académicas e municipais a fazerem daquele espaço uma área priveligiada para uma actividade continuada ao longo do ano. O projecto de recuperação foi entregue ao arquitecto João Mendes Ribeiro. O resultado foi uma obra modelo, uma autêntica lição de recuperação e integração de edifícios históricos. Utilizou-se uma linguagem contemporânea numa obra antiga, criando-se um espaço digno para exposições.



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6.2. Colégio e Igreja de Nossa Senhora do Carmo Foi o primeiro dos colégios universitários a avançar após a conclusão do de Todos os Santos e o lançamento da obra de S. Miguel. Juntamente com o de S. Bernardo, foram os primeiros de fundação independente da iniciativa régia. O colégio encontra-se na Rua da Sofia, geograficamente colocado entre o da Graça e o de S. Bernardo, e teve a designação primitiva de Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Foi fundado em 1540 pelo Bispo do Porto, D. Fr. Baltasar Limpo que, primitivamente, o destinou a clérigos pobres da sua diocese e nele gastou 8.000 cruzados. Do conjunto, a parte que mais cedo ficou concluída foi a zona recuada, em Outubro de 1542. Composta pelo noviciado (de dois andares) e pela Foto 46 – Fachada da Igreja do Carmo galeria-varanda que se desenvolvia a poente deste bloco e que definia uma zona de recreio intermédia, trabalhos concluídos por Diogo de Castilho em 1548 (162). Mais tarde, o colégio foi destinado a religiosos Carmelitas calçados, servindo a sustento de rapazes seculares pobres, em geral clérigos e que, segundo parece, entraram para o colégio a 8 de Dezembro de 1543 ainda antes da respectiva confirmação. O colégio, dotado por D. João III, ficaria concluído em 1597, fruto da notável acção de D. Fr. Amador Arrais, Bispo de Portalegre que resignou ao cargo em 1596 para ingressar na Ordem dos Carmelitas, onde professara e estudara, e onde devia morrer e ser sepultado. Vivendo no colégio de Coimbra até ao seu falecimento (ocorrido a 01 de Agosto de 1600), ele foi o grande benemérito da edificação: doou, em vida, mais de 20.000 cruzados para as obras do colégio e igreja e, por testamento datado de 21 de Setembro de 1596 mais 2.750 cruzados, além de diversos bens em seu favor como a herdade da Chaminé, na Silveira, termo de Portalegre, a herdade de Mateus, termo de Monforte, que havia custado mais de 900 mil réis (163). De acordo com vontade testamentária foi sepultado em campa rasa na Capela-Mor da igreja. O Colégio do Carmo foi incorporado na Universidade por Carta-Régia de 7 de Setembro de 1571. O seu Reitor dispunha de uma prerrogativa especial; a faculdade apostólica de conferir graus académicos aos religiosos portugueses da sua Ordem que os merecessem.



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Os edifícios colegiais, embora muito modificados, repartem-se em três secções: o noviciado, datado de 1548, ou seja do tempo de D. Baltasar Limpo; a igreja, claustro e Sala dos Actos Solenes, reforma de D. Amador Arrais; e a parte colegial inteiramente transformada pela Venerável Ordem Terceira. Com base nas cartas de Frei Brás de Braga é licito admitir que tenha sido Diogo de Castilho o autor da primeira fase do projecto e direcção das obras. A extinção das ordens religiosas e abandono do colégio pelos religiosos, em 1834, marcou o início de uma etapa na vida e na história do complexo. Por portaria de 30 de Julho de 1834 atendeu-se ao pedido dos paroquianos de Santa Justa que haviam requerido ao governo a concessão da igreja do colégio para nela exercerem o culto por sua conta, projecto que nunca chegou a efectivar-se. Pelos finais de 1836, o bacharel Joaquim Ignacio Roxanes mostrou desejo em que se mudasse para a dita igreja a Venerável Ordem Terceira o que viria a concretizar-se de forma muito curiosa: «Verificado pelo exame a que procedeu uma commissão de seis membros do definitorio, que a egreja satisfazia ás necessidades da corporação, foi convocada a junta geral, que, por 57 favas brancas contra uma preta, opinou pela mudança para o Carmo» (164). Posteriormente, o Vigário Capitular «…em vista da informação favoravel dos parochianos e junta de parochia de Santa Justa, mandou por despacho de 5 de Janeiro de 1837 lavrar termo de trespasse das obrigações e entrega do templo, e logo no dia 12 do mesmo mez tomava posse a Veneravel Ordem Terceira» (165). A trasladação ocorreria em Fevereiro de 1937, embora a cedência apenas fosse legalizada pela Carta de Lei de 15 de Setembro de 1841 pela qual se cedeu «…à Ordem, a igreja e suas pertenças, nas mesmas condições em que o fora aos moradores da freguesia de S.ta Justa, pela citada portaria de 30 de Julho de 1834. Deu-lhe posse o Administrador do concelho em Outubro de 1841» (166). A Venerável Ordem Terceira (V. O. T.) encontraria o espaço onde se fixaria até aos nossos dias. Esta ordem esteve, entre 1606 e 1785, instalada no Convento de S. Francisco da Ponte, Foto 47 – Perspectiva interior da Igreja do Carmo transitando entre



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1785 e 1816 para a Sé Velha, donde regressou para o convento e daqui para o colégio carmelita. Com a entrega do colégio a Ordem Terceira importantes modificações ocorreriam. Pela Carta de Lei de 23 de Abril de 1845, a Ordem Terceira obteve a cedência de todo o edifício do extinto Colégio do Carmo, contíguo à Igreja, para nele estabelecer um hospital tomando posse, dada pelo Administrador do Concelho, a 12 de Agosto de 1845. Mais tarde, e pela Carta de Lei de 11 de Agosto de 1860 a irmandade obteve a cedência da cerca do colégio, exceptuando a parte que se considerasse indispensável à estrada que então se projectava da Azinhaga do Carmo ao Cemitério da Conchada. Quando o edificio colegial foi entregue Foto 48 – Capela de N.ª Senhora do Carmo à Ordem Terceira achava-se num estado lastimoso, pois havia sofrido muitos danos no período pós extinção das ordens religiosas. Por outro lado, e embora a ideia de edificar um hospital fosse discutida dentro da Ordem há alguns anos, não havia recursos para tal empreendimento. No entanto e lançando mão de diversos expedientes como esmolas, baile e afectação de recursos internos da Ordem foi possível reparar telhados e madeiramento procedendo-se à divisão das enfermarias solhando-se os quartos de novo e substituindo-se as portas – uma intervenção que orçou em 300$00 (167). Assim se iniciou a grande intervenção no espaço colegial da responsabilidade da Ordem Terceira, chegando a projectar-se a abertura do hospital para o dia da Santíssima Trindade de 1846, o que seria frustado pelos acontecimentos políticos: nas vésperas de receber os primeiros doentes, rebentava a revolução popular anti-cabralista conhecida no Minho como a Maria da Fonte. Eleita a Junta Governativa, os milicianos, que constituíam a guarnição armada da cidade, foram arregimentados a 17 de Maio, no edifício do Carmo. Quando retiraram, o cenário era de grande ruína: «…quebraram portas, arrancaram e levaram chaves e fechaduras (…) queimaram as madeiras destinadas à continuação das obras» (168). Tudo parecia perdido, até porque a 18 de Fevereiro de 1848 a Junta Geral revoga a decisão de adaptar o edificio a hospital e em 1849 esteve iminente a sua incorporação nos Próprios Nacionais para venda, valendo na ocasião a exposição do Definitório da Ordem Terceira. Porém, um acontecimento mudaria o rumo da história. Em Julho de 1851 tomava posse da administração do Definitório da V.O.T. o Dr. António José de Freitas Honorato



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(que tomara posse da Igreja Paroquial de S. João de Santa Cruz em 1846 e que alcançou o título de Arcebispo de Braga). Herdava uma Ordem com fracos recursos, mas a sua actuação lançaria a instituição num período de esplendor, tendo-lhe sido conferido o título de protector do hospital. De facto, apesar da penúria abriram-se pela primeira vez as portas do hospital em 14 de Maio de 1852 e, pela Portaria do Ministério do Reino de 23 de Agosto de 1852 «…alcançou o definitório auctorisação para arrendar todas as casas dispensaveis ao uso do hospital, com a condição de que a receita d’esta proveniência seria aplicada exclusivamente ás despezas de reparos e conservação do edificio» (169). As obras de reconstrução e adaptação avançaram com rapidez, tendo-se dado ao hospital o titulo de Hospital da Conceição, dando satisfação ao pedido do benfeitor Sebastião José de Carvalho. Mais tarde, em sessão da junta geral da irmandade, de 13 de Maio de 1875, «… tomou-se a louvavel resolução de se crear um asylo para os confrades inválidos por impossibilidade physica ou decrepitude» (170), o qual seria inaugurado, juntamente com o hospital a 8 de Junho de 1884, dia da Santíssima Trindade. Entre 1877 e 1883 a Ordem Terceira procedeu a grandes obras de reedificação do colégio do Carmo, que lhe conferiram a feição actual. Tal só foi possível com a benemerência do casal benfeitor Dr. José Maria Abreu e sua esposa, D. Maria do Loreto Osório

Foto 49 – Claustro Carmelita



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Cabral Pereira Meneses, da nobra Quinta e Casa das Lágrimas. De facto, em Julho de 1876, a V. O. T. recebia a quantia de 6:492$006 legado dos benfeitores e, na sessão do Definitório de 8 de Fevereiro de 1877 o Ministro, Comendador Dr. Luís Adelino da Rocha Dantas, oferecia um plano das obras de reconstrução do colégio, do lado da Rua da Sofia. O Definitório nomeou uma comissão para superintender nas obras, que começaram em Julho de 1877 e para as quais foi necessário contrair um empréstimo de 3 contos de reis, autorizado por Carta de Lei de 27 de Setembro de 1877, e uma subscrição públicaque rendeu 343$680 reis em dinheiro, roupas, louças e mobiliário. No ano económico de 1882-1883 concluiram-se as profundas obras que conferiram nova feição ao espaço colegial: «No pavimento superior installaram-se duas enfermarias, sala dos retratos dos bemfeitores, cartório, quartos para doentes pensionistas, casas d’arrecadação, uma pequena cosinha, quartos d’empregados, sentinas etc. e no inferior duas repartições de seis camas (…) despensa, casa de refeitório, cosinha etc. No pavimento ou rez do chão ficaram três boas lojas, que, por dispensaveis ao serviço do hospital e asylo, têm sido arrendadas. Uma das enfermarias é destinada para irmãos do sexo masculino e outra para os do sexo feminino. Ambas são similhantes, em construcção e mobiliário, ás enfermarias reconstruidas nos hospitaes da universidade…» (171). Apesar da entrega o colégio à Venerável Ordem Terceira há registo de alguns espaços colegiais terem servido diversas aplicações: na Casa do Noviciado funcionou uma loja maçónica que cessou actividade em 1845; no colégio instalou-se em 1838 a República do Carmo, um grupo estudantil, perverso e perigoso; a este grupo sucedeu e instalou-se no local um Corpo de Segurança Publica em 1841; durante Março de 1844 ali funcionaram algumas repartições do Governo Civil e, em Janeiro de 1847 ali se instalou o Batalhão de Caçadores de Coimbra. O Asilo da Mendicidade também funcionou temporariamente no colégio carmelita. A ideia da criação de um asilo para inválidos, de ambos os sexos, foi do então Governador Civil de Coimbra, José Maria da Silva Leal, e destinava-se a comemorar o dia da aclamação de D. Pedro V. Obtida a cedência da Ordem Terceira de uma parte do edifício do Carmo, enquanto não construísse casa própria, o Asilo da Mendicidade foi inaugurado a 16 de Setembro de 1855 ali permanecendo até 1861. Dali transitaria para o antigo edificio da roda dos expostos, em montarroio, por empréstimo da Junta Geral do Distrito, vindo a instalar-se, posteriormente e definitivamente, no extinto Colégio de S. Pedro da Ordem Terceira, na Rua da Sofia, comprado por 10:200$000 reis a Paulo e João Victorino Duarte Silva (172).. Uma das mais famosas aplicações dada ao colégio foi a de ter servido de acolhimento à Exposição Distrital de Coimbra, realizada no claustro por cedência da dita V.O.T, entre 1 de Janeiro e 2 de Março do ano de 1884. Este evento, promovido pela Escola Livre



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das Artes do Desenho, teve como principais impulsionadores António Augusto Gonçalves e Joaquim Martins de Carvalho, este presidente e aquele secretário da Comissão Organizadora. Ali se mostraram ao público produtos industriais, objectos dos sectores das Belas Artes, da educação e agricultura. A igreja, datada de 1597, e o belo claustro, concluído em 1600, foram obras erguidas por acção do já referido D. Frei Amador Arrais. Sabe-se que foi mestre das obras da igreja Francisco Ferreira, auxiliado pelos pedreiros Manuel João, António Fernandes e Onofre Simões. A obra do retábulo da capela-mor foi entregue a mestres de Portalegre – Gaspar e Domingos Coelho. No que diz respeito ao claustro, embora se desconheça o autor, segue o modelo do da Graça. A igreja foi toda ela construída, por iniciativa e à custa de D. Frei Amador, que no seu testamento afirma: “a Igreja do Collegio do Carmo, que edifiquei e regi da primeira pedra”. A fachada da igreja sintetiza as pesquisas arquitectónicas citadinas do séc. XVI antes da orientação trazida pela Sé Nova. Altas pilastras dóricas dividem-na em três secções, as quais juntamente com a grande cornija arquitravada, constituem os elementos coordenadores que estabelecem as divisórias dos espaços da composição. O pórtico ocupa a largura da fachada embora tivesse um outro equilíbrio até 1854 quando a Venerável Ordem Terceira de que era Ministro o Dr. António José de Freitas Honorato mandou construir a escada central e o átrio que se vedou com grade de ferro. O corpo central dá luz para o coro através de três janelas, sendo a maior a central, e abrigando as duas laterais as armas do bispo construtor, que são as da ordem carmelita acompanhadas de letreiros: o da esquerda diz «A D AMATORE EPO PORTALEG CONSTRVCTVM 1597» e o da direita «IN HONORÊ BEATISSIMAE VIRGINIS DE MOTE CARM». Sob a parte angular do remate da frontaria encontra-se um nicho rectangular com a escultura do titular da igreja, a Senhora da Conceição. O interior, como a fachada, é o complemento do tipo coimbrão de igreja, a que só falta a cúpula no cruzeiro, que se veio a concretizar em S. Bento. Por isso temos nave central com capelas nos flancos, sendo duas em função de transepto. O pavimento define-se em três planos – o da nave, o do transepto e capelas da nave – enquanto a abóbada segue sem interrupção de arcos torais, da frontaria ao arco cruzeiro, formado de dezasseis séries de nove quartelas. As abóbadas das quatro primeiras capelas são também semicirculares e em quartelas, enquanto que as abóbadas das capelas do transepto são em meia cúpula, tendo o lanternim junto ao arco de entrada. A igreja tem 7 capelas e todas foram vinculadas para que os seus instituidores nelas tivessem sepultura e sufrágios. A Capela-Mor foi instituída em 21 de Setembro de 1596, por Frei Amador Arrais. Tem a mesma largura e altura da nave, erguendo-se em pavimento levantado, e com a abóbada que a cobre enriquecida por agrupamento de arcos aos pares, formando caixotões quadrados e rectangulares. A cada lado rasga-se uma porta e uma janela semi-circular e as paredes são revestidas com azulejos e o letreiro da sagração da igreja em 1940 (passou



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da invocação de Nossa Senhora do Carmo para Nossa Senhora da Conceição). No plano inferior temos a campa do Bispo Arrais com letreiro. O retábulo de madeira entalhada e dourada é obra maneirista do final do séc. XVI, da autoria dos irmãos Gaspar e Domingos Coelho, artistas que o bispo empregara nos trabalhos da Sé de Portalegre. Na composição, coordenada com esculturas e tábuas pintadas por Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, que são das melhores do país. Sobrepõem-se duas ordens de colunas coríntias e compreende dois registos: aos lados, intercolúnios com esculturas, ao meio três espaços com cinco quadros tendo no espaço inferior um nicho onde está a escultura da padroeira Nossa Senhora da Conceição. O espaço, correspondente aos intercolúnios laterais, curva-se, junto à abóbada, e compreende uma larga faixa na qual e em baixo relevo surgem seis anjos músicos, de inspiração italiana quatrocentista. As grandes e regulares esculturas representam: ao alto Elias e Eliseu e, na parte baixa, S. João Baptista e um Santo Bispo carmelita. As grandes tábuas seguem a orientação do final do séc. XVI: no luneto a Transfiguração, seguindo-se a Senhora do Carmo ladeada pela Apresentação no Templo e Repouso no Egipto; na inferior o Presépio e a Adoração dos Magos. Na predela dispoêm-se pequenas tábuas; Santa Eugénia, Santa Catarina com os doutores, a Senhora dá o escapulário e Santa Eufrásia. Nos pedestais das colunas temos, em baixo-relevo, s Evangelistas e dois Doutores. Pelos frisos e terços das colunas, querubins e grinaldas de frutos decoram o espaço. A primeira capela do lado da epístola, no cruzeiro, é dedicada a Nossa Senhora do Carmo. O vínculo de capela foi instituído por D. Juliana de Faria, viúva, com a invocação de Nossa Senhora da Piedade, datando o contrato de 6 de Maio de 1618 (173). A instituidora deixou ao colégio 230.000 réis para o retábulo e ornamentos da dita capela além de diversos bens como peças em prata e 12 geiras de terra localizadas pelo Campo de Tentúgal e Montemor-o-velho. Uma lápide e um escudo esquartelado na parede aludem à instituição da capela. O retábulo, de madeira, com ornatos dourados e fundos marmoreados, é da primeira metade do século XVIII, e tem colunas torcidas com grinaldas de rosas no cavado delas. No amplo espaço central encontra-se uma alta e movida Senhora do Carmo e, nas mísulas laterais, uma santa e um santo carmelitas. A mesa do altar é da segunda metade do século. A segunda capela do lado da epístola era dedicada a Santa Marta. Foi instituída pelo Dr. João de Paiva, cónego de Lamego, formado em Teologia pela Universidade de Coimbra. A capela, que tinha no vínculo vários bens de raiz e umas casas na Rua do Coruche, veio a ser objecto de uma provisão régia de D. José I, datada de 23 de Abril de 1771. Por não alcançar o rendimento anual estipulado de 35.000 réis para o encargo de missas a capela veio a ser extinta, e os bens a ela vinculados tornaram-se livres e alodiais (174). Actualmente esta capela tem a invocação de S. Bento, pois tanto o retábulo como a grande escultura de S. Bento vieram da desaparecida igreja com o mesmo nome. O retábulo, de madeira entalhada e dourada, surge também com colunas torcidas e com pâmpanos evolucionados, do princípio do séc. XVIII, enquanto a escultura data da segunda metade do séc. XVII.



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A última capela, junto ao subcoro, foi instituição pia feita pelo Dr. Francisco Lopes Pacheco, cónego de Coimbra, em contrato datado de 24 de Julho de 1623. Para o casco da dita capela, que tem o título de Nossa Senhora da Piedade, deixou o cónego 50.000 réis, pagando durante a sua vida e anualmente mais 24.000 réis e ainda 2.000 réis para a fábrica da capela (175). Para a dita capela vinculou diversos bens de raiz, como a Quinta de Vale de Figueira (termo de Tentúgal), Quinta do Rego de Benfins e diversas propriedades rurais. O cónego Lopes Pacheco faleceu a 31 de Julho de 1629. Durante o séc. XVIII sofreu um arranjo, fazendo-lhe um acrescento para a rua, dando-lhe um novo retábulo, em madeira dourada e policromada, imitando mármore, obra de qualidade. No nicho aberto dos lados vê-se uma Senhora da Piedade com um Cristo. Há ainda dois panos de azulejos da mesma época. A primeira capela do lado do evangelho, no cruzeiro, outrora dedicada a Santo Alberto (estando esta imagem actualmente recolhida na sala do Definitório), foi instituída por Manuel Rodrigues de Abreu, cónego da Sé de Faro e Prior do Couto de Arazede. O contrato data de 10 de Fevereiro de 1665 e a instituição destinava-se a seu jazigo e sepultura, tendo entregue ao colégio, para o casco e capela, 80.000 réis. Para a obrigação de missas e fábrica da capela consignou ainda 900.000 réis e para o retábulo 110.000 réis (176). Actualmente trata-se da Capela de S. Francisco de Assis. O retábulo, de madeira dourada e policromada, é uma obra da segunda metade do séc. XVIII, em concheado. No nicho médio colocaram uma grande escultura de S. Francisco de Assis e, nos laterais, as antigas Santa Catarina e Santa Teresa d´Ávila. Em 1933, e por iniciativa do professor António de Vasconcelos, colocou-se na parede da direita a ossada de Fr. Luis de Souto Maior, que fora retirada do Colégio de S. Tomás e coberta com a lápide antiga. A segunda capela do evangelho, do Cristo Crucificado, foi instituída canonicamente por Mateus Pereira de Sá, Arcediago de Riba Coa na Sé de Lamego, em testamento e codicilo de 1597. De acordo com a sua vontade, a 17 de Abril de 1597 dispõs que «… pela fazenda deixada ao Colégio ficava a obrigação da fabricação do altar e ornamentos, grades, e retábulo do Crucifixo (…) O Colégio teria por paga do casco e lugar da referida capela 200 cruzados» (177). Ao direito cravou-se a lápide com escudo dos Sás e dos Pereiras, estando as campas com os letreiros ocultas pelo soalho. Em 1936 as paredes revestiram-se a azulejos e abriram-se confessionários. O retábulo é de composição simples, de duas colunas, talha de madeira dourada. A grande escultura do Cristo Crucificado desapareceu (era obra do princípio do séc. XVII), tendo-se colocado em sua substituição uma imagem moderna de grandes dimensões do Sagrado Coração de Jesus. A mesa é obra do século XVIII. Realce ainda para uma imagem de consideráveis dimensões que ali está guardada. Trata-se de Santo Ivo de Tréguier, surgindo vestido com borla e capelo. Defensor dos pobres, a quem não cobrava honorários, foi imagem muito venerada pelos estudante de Direito, pois é padroeiro dos professores de Direito, juízes, advogados, e funcionários judiciais.



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III – A Baixa

A última capela, junto ao subcoro, é dedicada a Santa Maria Madalena e foi instituída canonicamente por D. Joana de Sá e seu marido Luis Sardinha César, da mesma familía dos Sás, por contrato datado de 11 de Novembro de 1622. O casco da capela foi comprado por 100.000 réis, deixando ao colégio 25.000 réis de juro cada ano a partir da sua fazenda (178). No contrato obrigou-se a fazer um retábulo segundo o tipo do de Mateus Pereira, que alberga uma grande tábua com a Morte de Madalena e uma escultura da mesma santa, de madeira, deitada, num nicho. Para esta capela seriam trasladados os ossos de sua filha que estavam depositados na Igreja da Graça. A mesa é do séc. XVIII e as paredes têm azulejos do tipo de jóias. À mão direita está uma lápide na parede com escudo das armas dos Sardinhas, Sás e Soutomaiores que ao longo dos tempos dotaram a capela. Nesta capela está a famosa imagem do Senhor dos Passos, que saía na procissão das Cinzas. Tem a assinatura do fabricante, o local e a data de fabrico: “Maias Irmãos, Cidadelha, Castelo da Maia, 1943”. Pela igreja há vários registos de relevo: os púlpitos, rectangulares e sobre mísulas encontram-se entre as capelas do transepto e as imediatas, havendo sobre eles sanefas de madeira da segunda metade do séc. XVIII, em concheado e muito graciosas; os azulejos apresentam poucas variedades sendo o grande revestimento da igreja – capelamor, janelas da nave e topo do coro e subcoro – feito por padrão de tipo laçaria, policromo, de fabrico de Lisboa, do séc. XVII; as grades do transepto e das quatro capelas da nave são de madeira exótica, de torcidos, do séc. XVII, e as da capela-mor, de balaústres, datam do séc. XVIII; os cadeirais, no coro-alto, são de duas ordens de cadeira e no espaldar há oito telas de santos da ordem, estando uma assinada por Pascoal Parente em 1780. A Sacristia encosta-se ao lado do evangelho da capela-mor, ligando-se ao claustro e formando uma quadra regular, abobadada em oito séries de cartelas com os claros em tijolo. Um lavabo simples mostra as armas do Bispo Arrais. Registe-se o arcaz dos paramentos com alto espaldar, peça valiosa e rara na cidade, da segunda metade do século XVIII, de madeiras variadas, com embutidos e partes lavradas em concheado. Tem duas pequenas telas da época representando S. Francisco e S. Boaventura, que foram trazidos pela Ordem Terceira, da Capela da Ponte. Do lado da igreja destaca-se um grupo escultórico da Deposição no Túmulo, com figuras aproximadas ao natural, do meado do séc. XVI, peça de qualidade que veio do Mosteiro novo de Santa Ana, obra de João de Ruão. O Claustro, construído em 1600, foi considerado uma das 100 obras de arte de Coimbra. De plano quadrangular tem dois pisos. Cada pano divide-se em toda a altura por pilar médio de modo que no andar térreo temos dois grupos de dois arcos sobre colunas jónicas e, no superior, dois grupos de quatro vãos separados por colunas dóricas sobre pedestais que ligados formam parapeito. No contraforte médio vê-se o brasão do Bispo D. Fr. Amador Arrais. Ao centro da quadra está um tanque baixo, recortado, levantando-se da água uma esculturinha moderna, de Santo António.



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As galerias inferiores são abobadadas em meio canhão, com arcos torais sobre mísulas. Na segunda metade do séc. XVIII as paredes foram revestidas de azulejos de fabrico coimbrão (vinte painéis recortados na parte superior). De composição figurativa, com cenas a azul, enquadramentos a roxo e basamentos e divisórias dos quadros a azul, contam a história da vida e a apoteose de Elias (fundador da Ordem do Carmo), cujos episódios se interligam uns aos outros por pilastras imitando cantaria. A parte inferior é constituída por fiadas de azulejo de pintura esponjada, simulando um silhar de pedra marmoreada. O ciclo narrativo da vida do profeta Isaías, revelado nestes azulejos, foi concebido de forma minuciosa a partir das ilustrações de Abraham Van Diepenbeeck insertas na obra Speculum Carmelitanum (Espelho dos Carmelitas) de Daniel de la Vierge Marie publicado em Antuérpia em 1680 (179). À parte Norte do claustro encosta-se a Sala dos Actos Solenes (actualmente é a sala do Definitório da Ordem Terceira. É rectangular, com duas altas janelas a cada lado, com abóbada de oito ordens de oito quartelas, com os claros em tijolo e ainda uma nona ordem mais estreita e com lájeas decoradas. No topo, antigo púlpito do séc. XVIII, com sobreporta ornada e mostrando dentro duma cartela vários símbolos. As paredes são circundadas por um lambril de azulejos, recortados, de grandes composições de ornato arquitectónico, que imitam os de Lisboa mas são de fabrico coimbrão, do segundo terço do séc. XVIII. Mostram temas emblemáticos explicados em legendas superiores. A porta de entrada é do séc. XVIII e, junto a ela estão duas grandes telas, bastante danificadas e várias vezes reproduzidas com D. Baltasar Limpo e D. Amador Arrais. Do mesmo lado da Sacristia e com entrada pela galeria nascente do claustro há uma pequena quadra, espécie de corredor que servia de átrio ao refeitório fradesco, que corre pela parte traseira da sala dos actos solenes, que no passado serviu de arrecadação e hoje é ocupado pela Capela de Nossa Senhora da Maternidade, com retábulo de talha do séc. XVIII. Deste átrio ou quadra passava-se para o refeitório carmelita, vasto espaço hoje adaptado a salão polivalente da Ordem Terceira, e para onde foram mudados vindos da Sacristia, as quatro grandes tábuas, obra de Simão Rodrigues e Domingos Vieira: as duas maiores representam: Heraclio, a cavalo, levando a cruz e O Imperador Heraclio entrando a pé em Jerusalém com a Cruz ás costas; e, as duas mais pequenas, Santa Helena e o milagres do reconhecimento da Cruz e Santa Helena e a invenção da Santa Cruz. Estes quadros, de “alta qualidade plástica” e “finura de desenho e frescura de cor” integram-se na boa pintura do ciclo maneirista em Portugal: «As pinturas são de execução magnífica: apesar de continuar votado a tão injusto esquecimento, o conjunto de tábuas da sacristia do Carmo é um dos mais notáveis da pintura portuguesa do seu tempo e apresenta um desenho muito cuidadoso, com especial requinte no tratamento das figuras femininas, uma fina modelação de valores, um sentido de gigantismo de escala e de teatralização das cenas, servidas por um cromatismo cálido e brilhante» (180).



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III – A Baixa

Estas tábuas fizeram parte do grande retábulo da Capela-Mor da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz, pintado entre 1610-1612, e que veio substituir nesse século um anterior retábulo executado em 1522-1530 e que está hoje no Museu Machado de Castro. Talvez devido a imperativos de gosto (o barroco romano cativava cada vez mais adeptos no mercado citadino), o retábulo seria apeado no século XVIII e os antigos paineis retabulares transitaram para dependências conventuais e, mais tarde, por eventual cedência, para decoração da sacristia da Igreja do Carmo. O piso superior do claustro está coberto de madeira em apainelados e nele ainda são visíveis do lado nascente o que restam de duas antigas celas dos frades, bem como o acesso ao que teria sido a bibloteca da ordem situada no extradorso do refeitório. E é a partir desta ala que se acede também à Casa do Noviciado. Trata-se de obra distinta do colégio, embora dele faça parte, e representa «…o que resta da época de D. Baltasar Limpo e do arquitecto Diogo de Castilho, marcando o espírito e estadia construtiva nas edificações utilitárias do fim da primeira metade do séc. XVI» (181). Devido ao declive do terreno ocupa um lugar mais elevado do que o colégio. Compreende uma galeria, num plano mais elevado a casa do noviciado e um quintal. A galeria é formada de colunelos dóricos, não clássicos, levantados em parapeito, divididos em grupos por pilares com meias colunas adossadas. O colunelo medial, junto às passagens para o quintal, tem a data de 1548. A Casa do Noviciado, nos finais dos anos 40 do século passado, tinha as celas alugadas a gente pobre e a entrada fazia-se (e faz-se) pela Azinhaga do Carmo. Compreendia um corredor largo, com piso de tijolo e tecto de madeira. Actualmente funciona no antigo noviciado a “Casa Abrigo Padre Américo” uma obra social dependente da Ordem Terceira. No piso térreo estão as casas de renda económica enquanto que no andar superior as antigas celas, que mantêm a verga recta e arestas chanfradas, e servem de acolhimento a indivíduos desalojados e sem abrigo enquanto se não realiza a inserção social. O que resta do colégio (apenas algumas dependências), resulta das intervenções efectuadas entre 1877 e 1883 pela Venerável Ordem Terceira, a qual tem vindo a promover obras de beneficiação que devem concluir-se em meados de 2009. O espaço é propriedade privada da Igreja Católica, mais propriamente da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, constituída em 1659, que tem ali a sua sede, mantendo o culto e promovendo fins assistenciais através do Lar da Terceira Idade (ou Lar de Idosos fundado há 125 anos) no espaço ocupado pelo antigo hospital, e Casa Abrigo Padre Américo (fundada há 15 anos). A seu cargo tem ainda vasto património de arte sacra. O Colégio do Carmo foi objecto de intervenção realizada pela DGEMN em 1973, com a beneficiação da cobertura da igreja e substituição de algumas colunas em mau estado na galeria. A igreja e seus anexos estão resgistados na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170026 e inluído na zona especial de protecção da Rua da Sofia, foi classificado como Monumento Nacional por homologação de 31 de Janeiro de 2003 por sua excelência o Ministro da Cultura.



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6.3. Colégio de S. Tomás: do Convento de S. Domingos ao Palácio da Justiça «Espaço do poder, porquanto destinado à glorificação e teatralização do Poder Judicial, o Palácio da Justiça de Coimbra é obra da Ditadura Militar instaurada em 26 de Maio de 1926. Remodelado e decorado artisticamente numa conjuntura musculada de transição, em que o emergente Estado Novo ainda não estabelecera as bases ideológicas para a instauração de uma estética de feição nacionalista, o Palácio da Justiça reflecte valores e sensibilidades herdadas de oitocentos e do primeiro quartel do século XX, nele desaguando diversos revivalismos artísticos» António Nunes- A Espada e a Balança – O Palácio da Justiça de Coimbra, Ministério da Justiça, Imprensa de Coimbra, 2000, P. 14

O conhecido Palácio da Justiça situa-se a Norte da Rua da Sofia e confronta com as ruas João Machado, Dr. Manuel Rodrigues e Rosa Falcão. A história das edificações anteriores ao palácio é de alguma complexidade, uma vez que ali existiu o colégio de S. Tomás e, mais tarde a residência do conde do Ameal, Aires de Campos. De facto, podemos considerar três fases na história do edifício: 1. O Colégio de S. Tomás.

Foto 50 – Palacete do Conde do Ameal (antigo Colégio de S. Tomás) no início do século XX



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III – A Baixa

Em 1517 D. Manuel I fundou em Lisboa um colégio para religiosos dominicanos e hieronimitianos que, no entanto, deveria ter sempre como Reitor um Padre de S. Domingos. Em 1518 foi este colégio transferido para o Convento da Batalha e, no mês de Outubro do ano lectivo de 1539-1540 (ano 3º da universidade em Coimbra), vieram os colegiais dominicanos instalar-se no Convento de S. Domingos, sito à Figueira Velha (ver pagina…). Tornava-se, assim, no primeiro dos colégios estabelecidos em Coimbra depois da fixação da Universidade. Teve como fundador e grande protector o Rei D. João III, podendo considerar-se como reflexo da sua política reformista. No entanto, em 1543, os religiosos dominicanos foram obrigados a abandonar o seu convento, consequência das constantes inundações do Mondego. Ainda nesse ano (ou por volta de 1549) arrancaram as obras não para um mas para dois edifícios distintos: um para Convento dos religiosos de S. Domingos e outro para o Colégio de S. Tomás «… onde residiriam os dominicanos universitários, assim os lentes como os estudantes» (182). As obras, para o convento e para o colégio da ordem, iniciaram-se sendo Reitor do velho colégio (que seria também o primeiro Reitor do novo colégio) o grande teólogo Fr. Martinho de Ledesma, Lente de Escritura na Faculdade de Teologia e que chegou a desempenhar, por duas vezes Vice-Reitor da Universidade. Por volta de 1566 o novo edifício reunia todas as condições para ser habitado. O novo colégio, que tinha como titular S. Tomás de Aquino ergueu-se, com grande imponência e beleza, no local onde hoje está o também belo Palácio da Justiça. Na época introduziu uma nova tipologia colegial: «É um modelo precursor dos colégios quadrados e rectangulares da Alta, tipologia mais urbana que permite a implantação em quarteirão, comum em colégios de outras universidades europeias» (183). Do colégio saíram ainda e durante décadas os principais lentes para a Cadeira de Prima da Faculdade de Teologia. Aí se formariam personalidades ilustres ao seu tempo como o teólogo Dr. Fr. Luís de Sotto-maior, que ensinou com grande prestígio e probidade em várias universidades europeias ou o Dr. Fr. António da Rocha, vulgarmente denominado O Rochinha, um homem de sociedade, um vulto da cultura de quem se diz que «…arrastava tôda a Coimbra a ouvi-lo quando subia ao púlpito» (184).



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6.3.1. A adaptação ao palacete Ameal Com a supressão das ordens religiosas o colégio caiu em abandono, vindo a ser adquirido pela família dos Condes do Ameal que o adquiriu quando nele funcionava um armazém de madeiras. O anúncio público de venda data de 7 de Maio de 1892, tendo-se incubido o arquitecto Augusto da Silva Pinto de projectar e orientar a transformação do colégio em palácio. Na realidade, o antigo colégio foi quase completamente demolido, numa obra que daria ao edifício uma feição revivalista. Contudo, muito do projectado não se chegou a concretizar como o alçado principal de linhas neo-renascença que «…nunca chegou a entrar em obras, tendo mantido até 1928 a estrutura herdada do Colégio de S. Tomás» (185). Por outro lado grande parte da transformação operou-se nos espaços interiores sendo disso excelente exemplo o claustro, promovendo-se obras de elevação uma vez que se apresentava em parte soterrado devido às periódicas cheias do Mondego pelo que «…foi levantado e reconstruído sobre um engenhoso dispositivo de pedraria abobadada, disposto sob os alicerces, a cerca de 15 metros de profundidade». (186). A quadra seria ainda enriquecida com lavores neo-renascenças esculpidos por João Machado (Pai) ficando gravado num mainel de uma das portas geminadas do claustro superior as iniciais JM e a data de 1907. Em 1920 faleceria o primeiro Conde do Ameal, suspendendo-se as obras em curso. O riquíssimo espólio foi leiloado pelos herdeiros em Julho de 1921 e o palacete seria posto à venda. A aquisição do imóvel pelo Estado foi consequência dos esforços do Ministro da Justiça, Manuel Rodrigues Júnior, que de acordo com o Decreto nº 11.991 de 29 de Julho de 1926 criara uma verba proveniente do imposto da justiça tendo em vista reunir fundos para a construção dos tribunais superiores de Lisboa, Porto e Coimbra. E foi assim que o Ministério da Justiça conseguiu adquirir, a 27 de Janeiro de 1928 por 625 contos, um imóvel sito na Rua da Sofia número 184, com a finalidade de nele se acomodarem todos os serviços judiciais da Comarca e da Relação de Coimbra (187). Esta compra será feita a 10 de Janeiro de 1928 e à firma A. Amado Lda., (188), dando início à terceira fase da sua história que se prolongou até aos nossos dias.

Foto 51 – Portões em ferro forjado do Palácio da Justiça



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III – A Baixa

6.3.2. Transformação e adaptação a Palácio da Justiça A remodelação do palacete foi entregue a uma Comissão Administrativa encabeçada pelo Presidente da Relação Dr. Forjaz de Sampaio, tendo sido entregue o estudo não a Silva Pinto mas a um vogal da dita comissão, o engenheiro Manuel de Azevedo Castelo Branco, por desistência do Engº Rangel de Lima. O projecto de remodelação, por ter sido entregue a um engenheiro e não a um arquitecto, estará na origem de acesa polémica com o Conselho de Arte e Arqueologia de Coimbra, presidido ao tempo por Belisário Pimenta e do qual fazia parte o próprio Silva Pinto.

Foto 52 – Fachada do Palácio da Justiça na actualidade



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Polémicas à parte, o projecto avançou e teve como grande objectivo a instalação dos Serviços de Justiça de Coimbra, compreendendo dois grandes ciclos de obras: a) A primeira empreitada, de 1928 a 1940: o palácio adquiriu a feição actual, apesar do abandono da decoração do Salão Nobre ou da demolição de um prédio fronteiro. O Engº Castelo Branco elaborou os Cadernos de Encargos, as plantas e alçados e as condições de arrematação das várias empreitadas. A 3 de Julho de 1928 abre-se concurso para a empreitada de construção do palácio e, em Dezembro o Ministro da Justiça concede 1.500 contos para prolongamento das obras. Momento importante foi a instalação do Tribunal da Relação no novo edificio, que veio transferido da Penitenciária, cabendo o discurso inaugural ao Dr. José Pereira Forjaz de Sampaio a 27 de Outubro de 1928. Nos anos seguintes as obras seguiram a bom ritmo: demoliu-se a velha fachada principal em meados de 1930, recolhendo-se o velho portal de São Tomás ao Museu de Machado Castro onde se encontra. A 4 de Fevereiro de 1931 principiaram os trabalhos de construção da fachada principal sob direcção do engenheiro-auxiliar Manuel Ralha. Em 1932 concluíamse as Salas de Audiência do Cível e do Criminal e o Salão Nobre, de traça neo-renascença. A organização das fachadas é um elemento que facilmente se destaca no conjunto. Seguem o padrão neoclássico e apresentam um esquema compositivo assente na organização e articulação de duas ordens arquitectónicas: na metade inferior da fachada baseada na jónica e a compósita na metade superior. A fachada principal é balizada por dois torreões, destacando-se, ao centro desse pano, um volume saliente rematado por frontão triangular. Esta estrutura acentua não só a zona do vestíbulo de entrada que é antecedida por três grandes portões em ferro forjado, mas também ao nível do piso superior ou Salão Nobre, onde se rasgaram três grandes janelões, modulados entre pilastras. Abandonado o edifício da Penitenciária, e seguindo a lógica da nova ordem jurídica e de estado, o Palácio da Justiça centralizou física e administrativamente os diversos serviços judiciais de Coimbra: no pavimento do Palácio da Justiça acomodaram-se os serviços dos tribunais cíveis, os gabinetes do juiz, do delegado, os cartórios, o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores; na sobreloja a Procuradoria da República, as conservatórias e a Polícia de Investigação Criminal, enquanto que o piso nobre ficou reservado a Tribunal da Relação e a Presidência da Relação e Procuradoriageral Distrital. A Sala das Sessões e o Salão Nobre posicionaram-se, estrategicamente, no centro das alas Poente e Nascente. Especial destaque merece o projecto decorativo do Palácio da Justiça, cuidadosamente pensado e delineado pelos membros da Comissão Administrativa das Obras. Ao nível escultórico o projecto ficaria marcado pela actividade de artistas ímpares formados na Escola Livre das Artes e do Desenho: - João Machado (Pai) que trabalhara no Palacete do Ameal foi autor nesta fase do nicho existente na fachada Sul e de dois medalhões assentes na fachada posterior. Contudo, o grosso dos seus trabalhos concentrou-se no claustro superior onde executou trabalhos neo-renascentistas; lavores cinzelados nas sobreportadas, na porta geminada de acesso aos serviços administrativos da Relação.



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III – A Baixa

Foto 53 – Aspecto do Salão Nobre

- João Machado Júnior foi chamado a continuar a obra de seu pai: produção abundante na fachada principal em medalhões, frisos, mísulas e capiteis; no átrio de honra lavrou o pórtico de acesso ao piso superior; lavores no claustro a Relação (alas nascente, poente e norte); moldagem em gesso de todos os medalhões e figurinhas que CasteloBranco esboçou e Daniel Rodrigues forjou na bigorna destinadas aos lustres e portões; e da sua autoria devem ser os 3 bustos da República. - Henrique Moreira executaria em 1932 a «obra escultórica mais marcante deste período», o frontão da fachada principal, que apresenta como figura central a Justiça entronizada, ornada de Espada e Balança. O projecto decorativo compreendeu a execução de extraordinária obra de serralharia, de forte pendor revivalista: - Daniel Rodrigues e os mestres serralheiros Albertino Marques e António da Conceição executaram os 3 grandes portões destinados à fachada principal sob desenho proposto por Castelo Branco, utilizando como matéria prima ferro alemão e sueco de primeira qualidade. A obra foi assente no local nos últimos dias de 1933 e, dado o volume dos portões, que atingem as 3 toneladas, aquando da sua colocação foi necessário encerrar-se ao trânsito a Rua da Sofia, com a população a assistir ao transporte sobre rolos desde a oficina do Terreiro da Erva. Acerca destes portões refiram-se duas curiosidades: segundo tradição familiar o rosto da Justiça retrata uma das filhas de Daniel Rodrigues, Augusta



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da Conceição; por outro lado o mesmo artista inseriu no interior dos medalhões do portão uma moeda de prata de 10$00, referente ao ano de 1933. A oficina de Daniel Rodrigues arremataria igualmente toda a produção de lustres destinados ao átrio de honra (cuja encomenda apenas ficou concluída em 1940). No que toca à carpintaria e mobiliário e no seguimento das obras passou a funcionar no palácio uma carpintaria provisória que dava os últimos retoques nas peças fabricadas na Serração de Adelino Rodrigues & Campos, como vigas, barrotes e lambris. No Palácio terá trabalhado o conceituado marceneiro Álvaro Ferreira, que executou a maioria das portas de carvalho das principais dependências e os lavores entalhados nas portas das Salas de Audiências da Relação e Cível. No âmbito das encomendas de carpintaria que seguiram os esboços de Castelo Branco, destaca-se em especial o tratamento dado a esta sala, nomeadamente a tribuna e o tecto da Biblioteca da Relação, executado pelo empreiteiro João Ferreira de Araújo. A casa de móveis de Mário da Silva e a Casa J. Abreu Couceiro, ambas situadas na Rua da Sofia, e a oficina de Belmiro de Oliveira Carvalho, da Praia da Granja foram firmas fornecedoras de mobiliário para o Palácio da Justiça. Estes trabalhos culminariam a 6 de Maio de 1934, com a inauguração, em Coimbra, do primeiro Palácio da Justiça, numa cerimónia que contou com a presença do Ministro da Justiça Manuel Rodrigues e de muitos notáveis locais, regionais e nacionais.

Foto 54 – Aspecto do Claustro do Palácio da Justiça



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III – A Baixa

Um dos mais interessantes motivos artísticos do Palácio da Justiça é os seus painéis cerâmicos, processo de encomenda que foi consignado à Cerâmica Lusitânia, ao Loreto. A primeira encomenda foi efectuada sem concurso público e compreendeu a realização de 10 quadros historiados de temática regional ao estilo renascença, aplicando-se 5 no primeiro piso e 5 no segundo piso, neles trabalhando o artista Jorge Colaço. A segunda encomenda, formalizada através de concurso, visou o átrio, a galeria da sobreloja e a caixa das escadarias da Relação. A Comissão premiaria Jorge Colaço, confiando o projecto à Lusitânia. b) O segundo ciclo de obras, foi dirigido pelo arquitecto Luís Amoroso Lopes entre 1959 e 1962. Momento importante para o arranque destas obras foi a visita do Ministro Antunes Varela ao Palácio da Justiça nos finais de 1954 e do qual resultaria a decisão e apoio à beneficiação do imóvel, desafrontando-se a fachada principal pela demolição de um prédio contíguoem 1956 (o Prédio Aliança). Este espaço seria ajardinado e vedado com grades de ferro forjado de Daniel Rodrigues e Albertino Marques. Os estudos de ampliação e remodelação foram confiados por Antunes Varela a Amoroso Lopes, que ficou concluído em inícios de 1959. As obras no Salão Nobre podem considerar-se o primeiro momento da transformação, com reconstrução do tecto, substituído por caixotões de madeira com frisos dourados, o revestimento dos muros com panos de damasco vermelho e paramento de madeira, um grande lustre de cristal e uma tapeçaria, encomendada ao pintor Guilherme Camarinha e que representa as Cortes de Coimbra de 1211. As obras levadas a cabo neste salão revestem-se de especial importância: «As obras de embelezamento do Salão Nobre encontram-se estreitamente ligadas à história do Código Civil de 1966, podendo afirmar-se que este espaço foi pensado como cenário de lançamento decisivo do projecto (…) Antunes Varela entendeu promover no Palácio da Justiça de Coimbra uma grande exposição iconográfica e documental que servisse de plataforma de lançamento dos estudos preparatórios» (189), evento que juntamente com as obras levadas a efeito no Salão Nobre seriam inaugurados a 27 de Abril de 1959. Mas a empreitada de remodelação, arrematada pela firma Fonseca & Irmão Lda., iniciou-se um pouco mais tarde, em Maio de 1960, sob orientação do Engº Costa Alemão da DGEMN e levou a significativas alterações entre as quais se destaca: criação de um amplo terraço superior sobre a galeria do piso nobre, na fachada Sul inseriu-se num nicho vazio desde os anos 30 uma estátua da Lei, em pedra de Ançã, assinada por Cabral Antunes; encomendaram-se dois vitrais ao pintor António Lino da Veiga Ferreira, colocadas nas escadarias de serviço na fachada sul, executou-se o busto do Ministro da Justiça Antunes Varela, homenageando o patrono da remodelação, obra de Cabral Antunes. Em termo tipológicos importa referir que o Palácio da Justiça de Coimbra terá sido inspirado no modelo francês de Templo Judicial, que teve origem em Rennes, na Bretanha, pelo final do séc. XVII (190). A medida integrava-se na reforma do sistema judicial, iniciada no período ditatorial que antecedeu o Estado Novo e que teve como primeira manifestação a publicação do



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Estatuto Judiciário em 1927. Em Coimbra se experimentaria o modelo tipológico para o desenvolvimento das futuras estruturas: «A edificação do Palácio da Justiça de Coimbra, entre 1928 e 1934, funcionou como um ponto nodal onde entroncaram quer as preocupações que se vinham tecendo, desde o século XIX, no que concerne à instalação dos equipamentos públicos e à sua imagem na sociedade, quer os pressupostos ideológicos instituídos pelo novo sistema judicial» (191). Será também de realçar que do primitivo colégio ainda se pode observar a bela arcada renascença do claustro colegial, obra iniciada em 1549 e terminada depois de 1555 da autoria de João Luís, enquanto que o magnifico portal de 1547, dos artistas Pero Luís, João Luís e António Fernandes, que decorava a fachada foi deslocado em Outubro de 1930 e é hoje parte integrante da parede externa do Museu de Machado de Castro (Coimbra). De facto, as diversas reformas não afectaram o antigo claustro quinhentista uma obra iniciada em 1549 e terminada depois de 1555, antes o foram absorvendo como núcleo estruturante em torno do qual se organizou espacialmente o programa concebido. É em forma quadrada, tendo em cada face três pares de arcos separados por contrafortes salientes para o pátio. Cada par de arcos assenta numa colina medial, lisa e de capitel jónico e em duas meias colunas laterais. No passeio do jardim, nas traseiras do edifício (a Poente), encontramos uma lápide sepulcral do séc. XVII, que outrora esteve na capela-mor da igreja privativa, com um longo letreiro que comemora os mestres cujas ossadas cobria: Fr. Martinho Ledesma, Fr. António de S. Domingos, Fr. Vicente Pereira, Fr. António da Ressurreição e Fr. André de Santo Tomás. Os tempos recentes trouxeram problemas de outra índole. Em meados da década de 60 o Palácio da Justiça atingiu preocupante situação de ruptura ao nível da ocupação dos espaços e, em 1978, a Policia Judiciária foi a primeira instituição a iniciar a debandada. Na busca de um novo espaço, ultimamente vem sendo discutida publicamente a transferência ou construção de um novo palácio da justiça, que permitirá incluir no mesmo empreendimento os vários tribunais comuns da comarca espalhados pela cidade. Entretanto, em 1998, o edifício foi alvo de novas intervenções, trabalho empreendido pela dita instituição sob a direcção do engenheiro Jorge Rebocho. Actualmente distribuem-se os serviços pelo imóvel do seguinte modo: no rés-do-chão e sobreloja as Varas Mistas e Juízos Criminais; no 1º e 2º pisos o Tribunal da Relação de Coimbra. Em Outubro de 1950 o Ministério das Obras Públicas definiu uma área de protecção para o Palácio da Justiça (Diário do Governo, II ª Série, nº 240, 11 Outubro). Propriedade pública estatal é monumento classificado pelo IPA com o Nº PT020603170139. Por despacho da Subdirectora do IGESPAR abriu-se processo de eventual classificação do Palácio da Justiça. O conjunto insere-se no conjunto proposto a Património Mundial pela Unesco. É possível visitar o Palácio da Justiça através de visitas guiadas que funcionam às 6ºs feiras (vide informação em www.trc.pt).



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Foto 55 – Fachada da Igreja da Graça

6.4. Colégio e Igreja da Graça Colégio fundado por El-Rei D. João III, em 1543, para os Eremitas Calçados de Santo Agostinho, vulgarmente conhecidos como Os Gracianos, os quais até então realizavam os seus estudos em Évora. Com muita probabilidade, a fundação do colégio de Coimbra terá ficado apalavrada como promessa do rei quando o Prior Geral da Ordem, Jerónimo Seripando visitou oficialmente Portugal em 1542, ano em que foi recebido com grandes cortesias por D. João III (192). Em Coimbra e graças às dotações e privilégios concedidos por aquele monarca edificaram casa própria, não mais do que uma pequena unidade académica. De facto e enquanto decorriam as obras o rei ordenou que se reunissem 16 jovens e instalou-os numa casa alugada a suas expensas. A 13 de Janeiro de 1543 colocou-se a primeira pedra do colégio e, em 1544, foi designado Superior do colégio o Pe Luis Montoya (193), que ficou incumbido de dirigir a obra. A nova construção, compreendendo o corpo principal do colégio e claustro, localizada a Ocidente do Colégio do Carmo, ficaria concluída em 1548 e, por Carta Régia de 12 de Outubro de 1549 foi incorporado na Universidade (194). Aos colegiais apontam-se tanto grandes virtudes como o de ser argumentadores de renome, como defeitos, abundando relatos acerca dos seus conflitos. Seguiam a corrente filosófica e teológica de Santo Agostinho (platónica). A Igreja do Colégio da Graça, construída entre 1548 e 1555, deve o seu desenho e condução das obras a Diogo de Castilho. Aliás, ele foi o ideólogo do novo modelo de



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igreja que se veio a implantar: o tipo coimbrão de igreja abobadada, que terá trazido da coroa espanhola: «…o protótipo da primeira tipologia de igrejas de nave única do Renascimento português – as igrejas dos colégios universitários de Coimbra. É anterior, em cerca de vinte anos, à definição das primeiras igrejas jesuíticas, igualmente segundo um modelo de concepção nacional de nave única, do Espírito Santo de Évora e de S. Roque, em Lisboa» (195). Pedro Dias classificou-a como uma das 100 obras de arte de Coimbra. A fachada fica um pouco retraída face à rua, levantando-se sobre um patamar a que dá acesso uma escada encaixada de oito degraus. A composição arquitectónica é simples, com porta rectangular enquadrada por duas colunas dóricas com entablamento lendose no friso SALVE SANCTA PARENS / ENIXA PVERPERA REGEM. O portal, de linhas clássicas, é encimado por um nicho que abriga uma escultura de Nossa Senhora com o Menino Jesus ao colo, obra do pouco estudado escultor Diogo Jacques e que datará de 1543. Ainda na fachada rasgam-se, lateralmente à porta, duas janelas também rectangulares. A parte média da fachada é cortada por outra janela similar às anteriores que é completada por um frontão alçado não clássico, onde se incrusta uma lápide com as armas da nação, com a Cruz de Cristo sobreposta e um vaso florido tendo, inferiormente, um rótulo dedicado a D. João III e que alude à conclusão das obras: CONDITVM A JOANNE III / REGE PIÍSSIMO ET VIRGINI DE / IPARAE DICATVM: ANNO ISSS O campanário compreende duas sineiras, terminando em linhas curvas, e pertence ao género do Foto 56 – Retábulo da capela mor da Igreja da Graça, 1ª metade séc. XVII séc. XVIII.



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A 50 metros para Norte na direcção da Igreja de S. Pedro, fica a antiga portaria, construída pelos finais do séc. XVII. Sobre o arco da esquerda vê-se o brasão da Ordem e sobre o da direita o Escudo Nacional. A frontaria do colégio divide-se em três porções: a primeira corresponde ao claustro; a segunda, no espaço de três janelas, alberga inferiormente a portaria, do séc. XVII, que é de dois arcos com uma janela rectangular intermédia. Sobre o arco da esquerda vêemse as armas da ordem e sobre o da direita as da nação e, acima da janela, um rótulo com a inscrição: «COLLEGIVM ORDINIS DIVIAV / GVSTINI DOMINAE NOSTRAE DE GRATIA DICATVM A PIISSIMO JOAN / NE TERTIO REGE CONDITVM AC / DOTATVM ANNO DNI 1548». A última parte da frontaria é a maior das três, e reparte-se por três pisos com janelas rectangulares e de avental em número de dez em cada fiada. No piso inferior abre-se agora o portão de serviço do quartel, no espaço da segunda janela a contar da portaria. O interior da igreja é de nave única coberta de abóbada de berço em cantaria, desenhada em quatorze séries de oito caixotões cada uma. De cada lado da nave estão três capelas laterais intercomunicantes, marcadas por três arcos de entrada, romanos, com a mesma altura. As capelas laterais mais próximas da Capela-Mor sugerem um falso transepto pela cobertura em abóbada de berço, transversal à nave. As restantes capelas

Foto 57 – Claustro da Graça



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laterais são cobertas por abóbadas de nervuras cruzadas, únicos elementos do conjunto ao modo gótico. A capela-mor é da mesma largura da nave, prolongando a abóbada principal para além do arco triunfal que as separam. Sobre a entrada está o coro alto, que ocupa 2/5 da nave, suportado por uma abóbada abatida, semi-circular, em pedra, de seis ordens de caixotões simples, de oito cada uma. Tem uma grade na parte superior da testa, de balaústres de pedra, divididos por pedestais. Nos dois triângulos da frente e, sobre mísulas, temos duas pequenas esculturas da Virgem e do Anjo da Anunciação, este último obra também atribuída a Diogo Jacques. No coro alto está o antigo cadeiral corrido, de madeira, com pilastras dóricas caneladas, muito simples e com capacidade para 30 lugares, bem como o que resta do órgão de tubos da igreja. Nas paredes da nave rasgam-se, a cada lado, três arcos iguais, que são a abertura das capelas, as quais estão três degraus acima do pavimento da nave. Acima deles e da parte da epístola abriram-se ou ampliaram-se três janelas no séc. XVIII, havendo apenas uma primitiva do lado do evangelho, que serve de tribuna a uma sala que corre sobre as capelas. Do lado do evangelho e no espaço entre a capela do transepto e a capela da nave está o púlpito, com base de pedra, com uma grade do séc. XVII, de madeira exótica. Antecedem a capela-mor duas lâmpadas de madeira prateada, da segunda metade do século XVIII. A Capela-Mor tem a mesma largura da nave e é de plano quadrado, erguendo-se o seu pavimento a um degrau do cruzeiro. O espaço era enquadrado por grades de madeira exótica que recolheram recentemente à arrecadação. A abóbada é igual à da nave, dando-lhe continuação, podendo considerar-se uma abóbada geral apenas cortada pelo arco cruzeiro. O retábulo da capela-mor, maneirista e da 1ª metade do séc. XVII capta a atenção do visitante; de madeira dourada, assenta num soco de cantaria lavrada de rótulos com emblemas marianos, completados de legendas. A composição retabular compreende três corpos arquitectónicos divididos por pares de colunas coríntias e caneladas. Com o terço inferior entalhado, produz três divisões em altura com grandes telas nas duas superioFoto 58 – Colégio da Graça res e nichos na inferior,



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rematando num frontão curvo, correspondendo à divisão central a águia, símbolo da ordem. O arco central do corpo inferior seria o espaço do trono de exposição eucarística, está ocupado por uma tela, do séc. XIX representando o encontro de Cristo com a Virgem no caminho do calvário. No nicho do evangelho há uma grande escultura de Nossa Senhora da Graça com o Menino e no, da epístola, Santo Agostinho vestido de eremita. No basamento deste corpo dois frisos; um com uma série de santas da ordem, outro com santos frades. Em cada um dos terços entalhados das colunas possui uma pequena imagem de frade – que no conjunto permitem o estudo da evolução do hábito da ordem. As telas no corpo imediato representam – no sentido evangelho/epistola – Nossa Senhora da Conceição, Anunciação e o Nascimento da Virgem e, as do superior, Visitação, Coroação e o Repouso no Caminho do Egipto. Estas telas datam da década de quarenta do século XVII e são obras do pintor Baltasar Gomes Figueira, pai da conhecida Josefa de Óbidos (196). Nas paredes laterais do lado do evangelho, fixaram-se duas pequenas tábuas da segunda metade do séc. XVI: Cristo preso à coluna e o Ecce Homo. A primeira capela da epístola, de transepto e abobadada, tem no topo uma porta e janela do séc. XVIII, tendo o espaço da porta sido adaptado a altar de Santo António. O altar principal encosta-se à parede do lado da capela-mor, sendo a mesa de pedra, do séc. XVI. O retábulo de madeira entalhada e dourada, compreende quatro colunas torcidas, e data do último quartel do séc. XVII. Ao centro, tem a escultura da Senhora da Correia e, aos lados, dois santos da ordem; à esquerda S. João Bom e à direita S. João de Facundo. A comunicação com as capelas seguintes faz-se por porta estreita. A capela do lado oposto (evangelho), serve também de braço de cruzeiro e tem no topo uma grande porta, ligando a igreja com o claustro, hoje adaptada a altar da Senhora da Soledade (imagem em roca e de pouco valor), tendo por baixo a imagem de Cristo Morto. O retábulo, semelhante ao da capela fronteira, é de fim do séc. XVII, de madeira dourada, de quatro colunas torcidas e nicho central fundo. Ao centro, destaca-se a imagem do Senhor dos Passos, do lado do evangelho, a de Santo Ildefonso e, à epístola a de Santo Tomás de Vila Nova. O frontal é de pedra, apilastrado, com símbolos e uma legenda da Paixão. Na parede que divide esta capela da imediata, uma lápide alude ao instituidor Afonso Prato, doutor em Teologia. Os altares das quatro capelas da nave são iguais, mudando apenas as imagens. Apresentam duas colunas de capitel compósito, fuste liso sobre pedestais e enquadram o conjunto que se dispõe num plano vertical único. Três apainelados lisos, rebordados de ornatos, fazem o fundo a igual número de imagens, assemtando as extremas em mísulas. O frontão é interrompido, cobrindo o conjunto, um docel, também de madeira, rectangular e imitando tecido. Os retábulos são por inteiro dourados e os frontais, simples e imitando marmoreados. Esculturas médias, no tamanho e na qualidade, de meados do séc. XVIII, dão vida a estas capelas.



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Vindo da Capela-Mor no sentido da saída e do lado da epístola temos no retábulo da primeira capela lateral uma Piedade, movimentada acolitada por duas santas da ordem: Santa Mónica (à direita), ostentando uma palma com três diademas e Santa Rita (à esquerda). O óleo por baixo da Piedade, representa um santo cardeal, em busto. Na parede do evangelho rasga-se uma lápide com uma inscrição e brasão dos instituidores – D. Brites Pereira. No pavimento estão as campas da instituidora e de seu marido, Artur de Sá Pereira, bem como um brasão de armas muito gasto e um letreiro, que se referem à sepultura de João Gonçalves de Castelbranco e sua mulher D. Antonia Pereira. Na capela seguinte, para o lado da frontaria temos, lateralmente ao retábulo, duas esculturas de santos da ordem, entre os quais a de S. Gonçalo de Lagos. Ao centro encontrase a imagem seiscentista de S. José. A pintura da frente do pedestal central mostra busto de Nossa Senhora da Conceição. No pavimento duas campas, a par, com seus respectivos letreiros; a do evangelho a do administrador da capela, Dr. Roque Pereira Tavares, e de seus herdeiros; na da epístola a de sua mulher, D. Francisca Rebela Brava. Quanto às capelas do lado do evangelho. A capela média apresenta um altar do mesmo tipo dos já descritos, tendo ao centro S. Miguel e aos lados santos mitrados com o hábito da ordem: ao evangelho S. Fulgêncio, do outro lado S. Alípio e um pequeno quadro com o busto de Santa Teresa de Jesus. No alto da parede da epístola, um letreiro em pedra do séc. XVI com um brasão de armas tendo, num rótulo inferior, um letreiro que indica o brasonado; Antonio Homem, fidalgo da Casa Real. A última capela para o lado da fachada apresenta retábulo do séc. XVIII, com imagens do séc. XX e um pequeno quadro do Menino Jesus, adormecido sobre uma cruz e uma caveira, adorado por um anjo. Por cima da porta que dá para arrumações está uma lápide com brasão e letreiro que alude ao administrador da capela no ano de 1600; Francisco Brandão, fidalgo de Sua Magestade, estando no pavimento duas campas muito gastas e restos duma orla, com acantos e rótulo central ilegível. O pavimento do templo, da nave ao cruzeiro, divide-se em campas estando gastos os letreiros que algumas possuíam. Na Igreja estão sepultados figuras de grande relevo; o grande teólogo Dr. Afonso do Prado (na capela que instituiu sob a invocação de Santo Ildefonso), primeiro Lente de Prima de Teologia e 5º Reitor da Universidade, falecido em 1564; ou o canonista Dr. Pedro Sanches Farinha de Baena, também Reitor da Universidade, falecido em 1722. À entrada da capela-mor, na parede do evangelho, fica uma porta que serve uma pequena casa quadrada, abobadada de tijolo e arcos cruzados de cantaria. Espaço intermédio entre a Sacristia e o Claustro foi ossário do colégio, estando as suas paredes revestidas de lápides fúnebres. Em volta da sala temos um lambril de azulejos, de motivo solto, de fabrico coimbrão dos sécs. XVII-XVIII. Do ossário passamos para a Sacristia, obra do final do séc. XVII, feita pelo empreiteiro de Ançã, Manuel Gonçalves Gavião. Espaço rectangular, abobadado de tijolo, em meio canhão, com cinco arcos torais e paredes revestidas de azulejos de padrão dos séculos XVII-XVIII, de motivos de rosa central com acantos irradiantes em tom azul. À esquerda,



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dentro duma armação arquitectural simples fica um retábulo de pedra, formado de dois pares de pilastras coríntias, albergando no intercolúnio central, o conhecido retábulo da Virgem impondo a casula a Santo Ildefonso. Esta peça, adossada à parede foi executada por Diogo Jacques ou por Juão de Ruão e poderá ter vindo de uma antiga capela dedicada a Santo Ildefonso e instituída pelo lente de Prima de Teologia e 5º Reitor da Universidade, o castelhano Afonso do Prado, em 1548 (197). A peça, datada dos anos cinquenta do século XVI, é de grandes dimensões com uma só edícula central onde se executou a narrativa iconográfica que ficou ladeada por dois pares de pilastras e duas pariestáticas. O conjunto, de grande qualidade no desenho e nos motivos ornamentais, lembra o arranjo estrutural da Porta Especiosa da Sé Velha, e apresenta-se decorado com diversos motivos de grotesco, fazendo-se o remate sobre o entablamento e friso através de um Monte do Calvário sobrepujado por motivo em concha. Os revolucionários de 1910 vandalizaram o conjunto decapitando as figuras, sendo as actuais o resultado de restauro feito depois do nefando acto. Na parede fronteira fica um arco que abriga o lavabo de pedra simples. Ali estiveram muitos anos duas grandes telas do séc. XVIII; o pseudo retrato de D. João Soares, Bispo de Coimbra e benfeitor do Colégio da Graça, falecido em 1572 e a vera efígie do Arcebispo de Évora, D. Miguel de Sousa, ou de Távora. Estes quadros foram colocados no átrio que liga a porta secundária ao templo e que dá acesso à galeria superior do lado do evangelho. Contígua a este espaço fica a Sala Capitular, com abóbada idêntica à da Sacristia, transformada porém em casa de arrecadação e desprovida de azulejos. Sobre todo o lado do evangelho correu uma galeria que esteve adaptada a casa do sacristão e que dá acesso à torre sineira. O claustro, levantado entre 1543 e 1548, é de piso duplo, planta quadrada e cantos cortados, sendo o piso térreo da época de Diogo de Castilho. Um milésimo de 1548, inscrito num letreiro indica a data de lançamento dos fundamentos da quadra. Compõe-se de três tramos de arcos geminados em cada face, que assentam em colunas jónicas com capitéis de volutas, alternando com pilares intermédios salientes e de plano quadrado. No andar superior abrem-se portas sacadas rectangulares com verga de cornija e bacia sobre quatro mísulas. O primeiro andar foi alterado na medida em que possuía, por exemplo, varanda de peitoril de pedra e colunelos encimados por arquitrave suportando a cobertura de madeira. Os dois pisos do claustro acolhem instalações da Liga dos Combatentes, por cedência do Ministério da Defesa em 1999. Nas galerias inferiores, outrora abobadadas com arcos torais apoiados em mísulas (ainda visíveis), estão instalados os seguintes serviços: refeitório da liga, bar, café, salas de convívio, secretaria e posto de socorros. Neste piso são ainda visiveis os letreiros de antigas campas. As galerias superiores acolhem o ginásio e o salão de jogos. Tanto a Igreja como o claustro «…constituíram-se como protótipos fundamentais das séries subsequentes de igrejas e de claustros colegiais, protagonistas da nova arqui-



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O CULTO DA RAINHA SANTA ISABEL Coimbra venera Santa Isabel há séculos, transmitindo-se o culto de forma fervorosa, de geração em geração. D. Isabel de Aragão nasceu em Saragoça no ano de 1271. Filha do rei de Aragão, D. Pedro III e de D. Constança da Sicília, casou em Barcelona por procuração, com o rei português, D. Dinis em 1288, tendo-se celebrado os esponsais em Trancoso a 26 de Junho desse ano. Recém-casada, chegou a Coimbra na tarde de 15 de Outubro de 1282. De sólida formação intelectual e espiritual, combateu os males sociais da época: deficiente assistência, prostituição e educação. Protegeu mosteiros, hospitais e igrejas. Mas a sua grande atenção centrou-se na fundação do Mosteiro de Santa Clara (a Velha), protegendo Dª Mor Dias, acompanhando a construção e mandando executar nele o seu próprio túmulo edificando, ao lado, os paços reais e o hospício. A guerra aberta entre o marido e o filho lançou-a num profundo sofrimento, tendo procurado o entendimento e harmonia. Enviuvando viveu os últimos dias de Rainha e de Santa em Coimbra, a quem legou o seu corpo, deixando às jovens da cidade as suas jóias para assim se adornarem no dia do seu casamento. A sua morte seria apressada com a notícia da guerra entre o filho, Afonso IV e Afonso XI de Castela. Aflita põe-se a caminho mas o seu corpo debilitado pela idade será atraiçoado pela doença, contraindo o carbúnculo. Na quinta-feira 4 de Julho de 1336 falecia em Estremoz. O cortejo fúnebre chegou a Coimbra no dia 11 de Julho, com a cidade a associar-se em peso. Foi sepultada no dia seguinte, levando o bordão e bolsa de peregrina, que lhe fora dado pelo arcebispo de Santiago de Compostela. Durante 276 anos o seu túmulo permaneceria inviolado. Embora o culto, espontâneo, tenha começado logo após a sua morte, apenas em 1516 foi reconhecido oficialmente pelo Papa Leão X, com o título de beata, mas restrito à Diocese de Coimbra. Seria ampliado a todo o país, em 1556, por Paulo IV, uma graça concedida ao reino e que teve o empenhamento pessoal de D. João III. O Bispo D. Afonso de Castelo Branco implementaria o processo de canonização, para o que muito contribuiu a abertura do túmulo real em 1612. Nessa altura, constatou-se que o corpo da rainha estava incorrupto. Falecido o bispo em 1615, só em 1696 o seu corpo foi trasladado para o novo convento onde ficou exposta à veneração dos fiéis. A canonização solene teve lugar no ano do jubileu de 1625, sendo pontificie Urbano VIII. Uma vez mais a notícia fez exaltar a cidade de contentamento, celebrando com grandes festejos. Porém, já desde 1516 que Coimbra comemorava a Rainha Santa em festas a que a Universidade se associava, desde a determinação de D. João III. Aquele pontificie fixou e indicou a toda a igreja o dia 4 de Julho para a realização da sua festa. De entre os milagres que lhe são atribuídos o mais conhecido é, sem dúvida, o



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Milagre das Rosas. Segundo a tradição numa manhã de Inverno estando a Rainha a dar esmola aos pobres (pães ou moedas de prata), o rei D. Dinis, que reprovava esses actos, supreendeu-a inquirindo-a sobre o que levava no regaço. Aflita e perturbada respondeu: - São rosas Senhor!. Desconfiado, D. Dinis insistiu: - Rosas em Janeiro?! Mostrai-mas… Ela receosa que se desgostasse abriu o regaço, do qual se desprenderam, não o pão, mas viçosas rosas. Na vereação de 24 de Fevereiro de 1755, Santa Isabel, juntamente com S. Teotónio e os Santos Mártires foram eleitos protectores da cidade de Coimbra. A festividade em sua honra ganhou dimensão de principal romaria da região centro. Os festejos continuam, actualmente, a efectuar-se, no princípio de Julho e nos anos pares, sendo os momentos altos as duas procissões. Na quinta-feira à noite realiza-se a procissão de penitência, com a chegada da imagem ao Largo da Portagem onde é efusivamente saudada e acompanhada por fogo de artifício, terminando a peregrinação na Igreja da Graça onde fica exposta à veneração (é assim desde meados dos anos cinquenta do séc. XX pois, anteriormente, a procissão realizava-se para a Igreja do Carmo e, em tempos anda mais remotos, para a Igreja de Santa Cruz). No Domingo à tarde dá-se a procissão de regresso ao Convento de Santa Clara (a nova), de maior pompa e cerimonial, uma das maiores de Portugal a que acorrem milhares de fiéis. tectura do Renascimento, ambos referenciáveis no contexto da arquitectura portuguesa do século XVI» (198). De facto, o claustro de dois pisos centraliza o desenho da implantação, organizando em redor uma série de funções incluindo a igreja: «Neles podemos encontrar a evolução portuguesa para o apuramento de um tipo que já não é o do horto conclusus medieval, mas sim o elemento central de composição e de distribuição da arquitectura e da vida comunitária» (199). A vida económica e social do colégio era bastante activa. Criavam-se animais, designadamente bois e carneiros, para o que muito teria contribuído a Provisão do Desembargo do Paço de 3 de Julho de 1526 e de 20 de Julho de 1546, concedendo aos religiosos do colégio que podessem ter um açougue apartado do da cidade e um carniceiro, que de forma livre poderia em qualquer parte comprar e trazer o gado necessário para o dito açougue (200). Desde 9 de Maio de 1548 que o colégio estava autorizado a trazer nos olivais da cidade até 12 bois e 100 carneiros (201). Entre todos os colégios será o que tem a sua fachada melhor conservada, designadamente, as primitivas janelas. O séc. XIX traria grandes alterações. No tempo da guerra miguelista ali se instalou, provisoriamente e com o acordo dos religiosos, um hospital. A 30 de Maio de 1834, o colégio é encerrado por decreto de Joaquim António de Aguiar, tendo a Câmara de Coimbra pedido, através de representação ao Parlamento datada de 10 de Janeiro de



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

1835, a cedência da parte colegial do edifício, já incorporado na Fazenda Nacional, para quartel. Pretensão atendida, tomando posse das instalações colegiais a 15 de Dezembro de 1836, onde ficou albergado um quartel militar e diversos serviços do Ministério da Guerra. Na mesma data a igreja e o claustro foram entregues à Irmandade do Senhor dos Passos, ficando algumas dependências sob domínio da Câmara. Por portaria de 9 de Agosto de 1866 a Câmara foi intimada a declarar se entregava ou não o Convento da Graça para fins militares. E a 11 de Agosto de 1866 delibera fazer a sua entrega nas seguintes condições: ficar dispensada de todas as despesas com aboletamento de tropas; aplicar essa economia às obras mais urgentes das freguesias do concelho; e ficar reservada para o município a cerca do extinto convento (202). Contra a ocupação do Convento da Graça pelas forças militares protestou desde cedo o município fazendo chegar o seu ponto de vista à principal autoridade do reino. A 17 de Dezembro de 1868, em representação dirigida ao Rei e às Cortes, pede que se venda em lotes o antigo edificio por estar a prejudicar a vida comercial e social da baixa: «O extincto convento da Graça, que serve actualmente de quartel á força militar estacionada n’esta cidade, está situado na rua de maiz transito e onde, n’estes ultimoz tempoz, o commercio tende a localisar-se devido á proximidade da linha férrea do Norte. (…) não só por se querer evitar a visinhança do quartel, como tambem porque este edificio occupa uma grande area que poderia ser aproveitada na edificação de alguns edifícios particularez. (…) Abundam em Coimbra differentez edificioz e locaes onde maiz commodamente pode ser alujada a força militar, edificando-se um quartel, com as condiçõez indipensaveis á Hygiene e á boa disciplina doz soldadoz, sem que se prejudique por muitoz modoz esta tão importante pooação. (…) implora a Vossa Magestade que, informando-se da verdade do allegado, se digne mandar vender em lotez o edificio do convento da Graça, cujo producto será decerto um grande auxilio para a construcção de um quartel no logar apropriado, como instantemente reclamam não só o bem estar d’esta importantíssima povoação, mas ainda a saude e a boa dizciplina da forca publica que aqui permanece» (203). O pedido seria renovado a 27 de Dezembro de 1869, por considerar o edificio como insalubre, sem condições de higiene e colocado no centro da cidade, contra todas as regras para a formação de quarteis militares. Entretanto, em Outubro de 1850 o município cedeu, temporariamente, o refeitório do antigo colégio para a instalação do teatro da Sociedade Filarmónica Boa União. Em 1884 criou-se o Regimento de Infantaria Nº 23, que ficou instalado nas dependências e cerca. Na década de trinta do século passado levantar-se-ia questão entre a Administração Geral do Exército e a Câmara Municipal de Coimbra quanto aos direitos sobre a cerca do antigo colégio. De facto, na reunião de 28 de Fevereiro de 1935, constando que a dita administração pretendia vender os terrenos da cerca do quartel da graça a câmara decide oficiar ao Ministro das Finanças e ao Administrador Geral do Exército dando-lhe conhecimento do disposto na cedência do quartel em Agosto de 1866 onde se salvaguardaram os direitos municipais sobre a cerca (204).



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O Quartel da Administração Militar seria extinto em 1998 ficando as instalações confinantes com a Igreja da Graça ocupadas pela Liga dos Combatentes e as restantes pelos Serviços Sociais do Exército. Uma palavra ainda para o retábulo da Paixão de Cristo que foi incorporado no Museu Nacional de Machado de Castro em 1916. Com a área colegial entregue ao exército, a área sagrada restringe-se apenas à Igreja da Graça, onde o culto é mantido pela Irmandade do Senhor dos Passos da Graça, que tomara conta do espaço em 1835. O Colégio foi objecto de intervenção da DGEMN entre 1955-1957 com a realização de obras de conservação geral. O Colégio da Graça, belo exemplar de arquitectura religiosa, renascentista e maneirista, é Monumento Nacional pelo Decreto Nº 67/97 publicado no Diário da República Nº 301, de 31 Dezembro de 1997. A igreja é propriedade privada (da Igreja Católica) e o claustro é propriedade estatal. Está registado na DGEMN com o Nº de IPA – PTO20603170048. Em 1999, o 3º andar do Colégio da Graça foi afectado à Universidade de Coimbra para instalação do Centro de Documentação 25 de Abril (onde esteve o antigo Distrito de Recrutamento e Mobilização de Coimbra. Em Julho de 2002 os serviços militares das forças armadas entregaram todas as instalações do quartel, transferindo esses serviços para o Quartel de Santa Ana e, em Agosto do mesmo ano, assinou-se um protocolo entre o MDN e o IPM do Ministério da Cultura que visa a utilização temporária a título precário e gratuito pelo Museu Machado e Castro, das áreas oficinais do quartel para depósito e oficinas de restauro. Em Novembro de 2008 e por decisão do Ministério da Defesa o antigo Quartel da Sofia (parte do colégio da Graça) foi disponibilizado para rentabilização. Em Abril de 2009 e depois de aprovada a candidatura no âmbito do QREN, o Centro de Estudos Sociais (CES) e o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, receberam autorização para se instalarem de forma definitiva no Colégio da Graça. 6.5. Colégio do Espírito Santo (também denominado Colégio de S. Bernardo) Era um dos grandes colégios da Rua da Sofia, ficando junto à Inquisição. Juntamente com o Colégio do Carmo foram os dois primeiros colégios universitários de fundação independente da iniciativa régia. Pertencia aos Monges Cistercienses. O começo da sua construção não é consensual: segundo carta de Frei Brás de Braga para D. João III, a primeira pedra foi colocada a 8 de Dezembro de 1541 (205), mas, para outros a primeira pedra foi benzida e colocada «…sábado 23 de Maio, em que nesse ano ocorrera a Vigília do Pentecostes, razão porque se escolheu para titular da igreja colegial o Espírito Santo» (206). Em 1550 ocorreu a entrada solene dos colegiais. Seria dotado, posteriormente, com fazenda do Infante D. Henrique e com as amplas rendas de alguns institutos religiosos; Mosteiro de S. Paulo de Frades (arredores de Coimbra, é hoje o lugar sede de uma freguesia do concelho), de Santa Maria de Tamares (Bispado de Leiria) e de Nossa Senhora



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da Estrela (Bispado da Guarda). Por Carta-Régia de 1 de Março de 1560 foi incorporado na Universidade, passando a usufruir dos seus privilégios. Situado na Rua da Sofia, e separado dos carmelitas pela Azinhaga do Carmo, ali se instalaram os monges universitários da Ordem de S. Bernardo. O prelado do colégio usufruía a dignidade e privilégios de Dom Abade «…concedidos por breve de Clemente VIII, passado em 1596, ministrava na sua igreja a confirmação, prima-tonsura e ordens menores, e exercia nela outras funções pontificais» (207). De desenho atribuído a Diogo de Castilho, a morfologia do edifício assume-se como inovadora «…no sentido em que conforma um rectângulo de perímetro regular, definindo simultaneamente dois claustros de dimensões aproximadas no seu interior, novamente a uma cota mais elevado que o nível da rua. Está assim na continuidade directa das experiências tipológicas, de forma e de volume, do edifício reformado do Convento de Santa Cruz» (208). Com a venda do edifício em 1838, a um particular, foi adaptado a residências, instalando-se no piso térreo estabelecimentos comerciais, enquanto que nos superiores se abrigaram diversas agências. Por estes motivos o edifício está, actualmente, muito alterado conservando-se da primitiva grande construção o arcabouço lançado em forma de dois claustros ao longo da rua. A fachada externa apresenta-se dividida em três secções por meio de pilastras de cantaria levantadas em pedestais: a secção do lado do Carmo foi inteiramente transformada, interna e externamente, num palacete com fachada neoclássica (que depois foi ocupado pela Divisão Hidráulica do Mondego), conservando apenas nos andares superiores o carácter primitivo, designadamente nas janelas rectangulares com aventais quadrados. Segundo descrições antigas, nos claustros existiam um dormitório, a aula, o refeitório e várias oficinas. A igreja, além de pequena, seria a única do conjunto edificado a nascente que não seria pública, mas com entrada pelo claustro. Tinha abobada quartelada de pedra, três altares tendo o altar-mor um retábulo dourado no qual existia boa pintura do Espiríto Santo (209). Do primeiro claustro, situado para a parte da Inquisição, ainda se pode observar os arcos para nascentes e os do corpo médio, estando os outros ocultos. Compreendem em cada lado uma série de sete arcos de meio ponto, levantados em pilares quadrados, dóricos. As galerias têm abóbada de aresta e, o andar superior, mostra as antigas janelas rectangulares e de avental, se bem que transformadas. O segundo claustro está mais modificado, subsistindo apenas a galeria do lado da colina com os seus seis arcos antigos. A da parte da rua é da reforma do palacete, e mostra colunas dóricas. No corpo intermédio não há galeria e, ao meio corta-se uma porta de arco semi-circular datado dos sécs XVI-XVII, tendo no fecho o escudo de Cister. Lê-se na face externa do arco o letreiro que deve indicar ter sido ali o refeitório: «FRANGE ESVRIENTE / PANEM TVVM ESA. 56» As paredes laterais são guarnecidas de azulejos de motivo solto, a azul, de princípios do séc. XVIII, de fabrico coimbrão, sendo de realçar pela sua raridade, alguns exemplares decorados a azul e roxo.



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III – A Baixa

No átrio, escada e parede da arcada da nova obra foram adaptados azulejos desta cidade, da segunda metade de Setecentos, decorados por motivos relativos a caça. À semelhança de outros colégios por ali passaram nomes que ficariam célebres. Entre os seus colegiais destaca-se o afamado teólogo Fr. Francisco Carreiro, Lente da Universidade, que esteve envolvido na obtenção junto do Papa para o Reitor do colégio, do título e privilégios dos Dom – Abades. Mas poderemos citar outros ilustres; Fr. Luis de Sá, Lente da Universidade e Vice-Reitor por 3 vezes, o Fr. Bernardo de Castelo Branco, Cronista Mor do Reino, Geral da Congregação Cisterciense e membro da Academia Real de História Portuguesa, ou os historiadores Bernardo de Brito, António e Francisco Brandão e Manuel da Rocha. A sua biblioteca era considerada uma das melhores de todos os colégios universitários, onde se colhiam profundos conhecimentos das línguas clássicas e orientais. Entre os diversos colégios foi dos que mais sofreu com os saques pós extinções das ordens religiosas e instalação das tropas liberais na cidade a 8 de Maio de 1834: «O terror da aproximação das Tropas liberais levara os frades a abandonar a casa, embora sem o propósito geral de seguirem as Fôrças miguelistas; acautelaram o cartório enviando-o para a quinta da Foja, pertencente ao Mosteiro de Santa Cruz, e esconderam, no seu Colégio, os valores que puderam, saindo em seguida de Coimbra. De nada lhes valeu o estratagema. Os liberais instalaram-se no edifício no dia 8, e juntamente com o povo forçaram portas, vasculharam tudo, esvasiando esconderijos, baús e gavetas, cujo conteúdo extraviaram e venderam» (210).

Foto 59 – Colégio de São Bernardo (fachada muito alterada)



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Na parte da colina e no começo da antiga cerca, está um pequeno terreiro. No topo do mesmo e do lado da Azinhaga do Carmo está um edifício mais alto, do século XVIII, com frestas ovais no andar alto (ao nível da torre) e da parte do terreiro janelas de verga recta e arquitravada, ficando no fundeiro largo portão. O terreiro e área envolvente foram objecto de um programa de reabilitação urbana levado a efeito pela C.M.C. (cofinanciado pela União Europeia) concluído em 2002. Ali tem a sua sede, desde 1999, a Associação Nacional de Apoio ao Idoso. Na sua cerca foi construído o conhecido Teatro da Cerca de S. Bernardo, também uma das 100 obras de arte de Coimbra, num espaço adquirido pela C.M.C, fazendo-se o acesso pelo Pátio da Inquisição. Por decisão camarária aprovada por unanimidade, a 17 de Outubro de 1983, houve lugar a uma troca de terrenos entre o município e a Firma Madeira & Soares, recebendo o primeiro a Cerca de S. Bernardo «…composta de casa de habitação e terreno com a área aproximada de 2.300 M2», ficando a empresa com um terreno na Urbanização de Montes Claros com área aproximada de 4.000 M2, destinado a construção de 3 edifícios (211). O projecto foi adjudicado ao gabinete J.A. Arquitectos Associados, sendo uma das palavras chave do novo equipamento a funcionalidade.O teatro rompe esteticamente com os edifícios vizinhos, marcado pelo geometrismo das suas linhas exteriores e cromatismo do corpo central.Tem dimensões médias, boa visibilidade e acústica, bem equipado. O teatro foi construído entre 2003 e 2004. O antigo colégio está incluído na zona de protecção da Rua da Sofia e registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170084. 6.6. O Colégio de S. Boaventura Implantado na parte Poente da Rua da Sofia, tem a fachada principal virada para Nascente, sendo limitado pelo Beco de S. Boaventura e Terreiro da Erva. Fundado por D. João III para os Franciscanos Conventuais da Província de Portugal – vulgo Os Venturas – quando corria o ano de 1550. Passou a incorporar a Universidade por Carta-Régia de 20 de Maio de 1566. O edifício primitivo construiu-se a meio da Rua da Sofia, à esquerda de quem caminha de Santa Cruz para o Carmo, defronte do Colégio do Espírito Santo. Separou-se, em 1568, a nova Província dos Capuchos de Santo António, da Província Franciscana de Portugal, decidindo-se que os religiosos da recém-criada província tivessem 3 lugares no Colégio de S. Boaventura. Mais tarde, no Capítulo da Ordem realizado em 1584, acordou-se que os religiosos da Província Franciscana dos Algarves ( Os Pimentas), separada da de Portugal desde 1533, que quisessem estudar na Universidade, poderiam recolher-se neste colégio, que ficaria doravante como comum às Províncias de Portugal e dos Algarves (212). Esta decisão traria, no entanto, grande discórdia; os religiosos de Santo António não aceitaram a nova situação abandonando o colégio. E, mais tarde, os Venturas e os Pimentas entraram também em desavenças, acabando os primeiros por abandonar o colégio que haviam fundado, passando a residir, a partir de 1616, numas casas emprestadas,



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situadas diante dos colégios de S. Miguel e de Todos os Santos e, em 1678, mudando para colégio definitivo, sito na Rua Larga, perto da Universidade. Os Pimentas desde o referido ano de 1616 passaram a ter o colégio como privativamente seu. Também por esta instituição passaram figuras de destaque, como Fr. Lucas Wadding, grande cronista irlandês das Ordens Franciscanas. O edifício colegial era modesto e para a sua construção demoliram-se as antigas casas de Diogo de Castilho, António Tenreiro e Pedro Luís, aforadas em 1538. Foi resconstruído em 1715 por se apresentar arruinado, sendo Reitor do Colégio o Lente jubilado P.e Mestre Fr. Manoel de S.to Tomás. Na fachada ainda se definem as partes correspondentes à igreja

Foto 60 – Colégio e Igreja de S. Boaventura



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e ao colégio. A parte que foi a pequena igreja conserva a fachada, de seis panos, enquadrada por cunhais em forma de pilastras dóricas com pedestais. A porta, que formaria átrio, é larga e em asa de cesto, com pilastras salientes. Por cima duas janelas rectangulares dominadas por um óculo hexagonal. Pilastras que se ligam por desenvolvida cornija, sobre a qual se levanta um remate angular simples, ladeado de dois volumosos acrotérios em forma de pião invertido. A Igreja, que teria três altares e na capela-mor uma imagem grande de Cristo crucificado, é hoje uma retrosaria. O que foi colégio guarda ainda os cunhais de cantaria em forma de pilastras com pedestal. À semelhança do Colégio do Espírito Santo o piso térreo foi transformado em estabelecimento comercial e os três superiores em casas de habitação. Em 1834 o edifício foi abandonado. Já na posse do Estado, a 14 de Maio de 1859, seria vendido, em hasta pública, a Manoel José Ferreira Leitão, pela quantia de 1.201$000 réis (213). No inicío do séc. XX (1939) esteve instalado na sua parte térrea o armazém da Casa Colonial e, no andar superior, a sociedade Coimbra-Centro. Actualmente o edifício tem como utilizações preferenciais a residencial e a comercial. Pertence, tipologicamente, à arquitectura religiosa educativa, setecentista e novecentista. O monumento encontra-se incluído na Zona de Protecção da Rua da Sofia e está registado na DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170205. 6.7. – Colégio de S. Pedro dos Franciscanos Calçados (ou Religiosos Terceiros) Localiza-se no extremo Norte da Rua da Sofia, junto ao sítio onde foram as “portas de Santa Margarida”, que terminava em frente do antigo Colégio de S. Tomás (actual Palácio da Justiça). O Colégio de S. Pedro compreende duas fases. A primeira diz respeito à sua fundação para clérigos pobres até à saída e definitiva colocação do colégio na cidade alta, no Paço das Escolas.

Foto 61 – Fachada da Igreja de S. Pedro



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Fundou e começou a construir o D. RODRIGO DE CARVALHO edifício, em 1540, o canonista Dr. Rui Filho de Martim de Carvalho Rebelo, do Lopes de Carvalho para 12 clérigos pobres da diocese de Miranda do Douro morgado do Poço e de D. Inês Borges, filha do que desejassem estudar. O fundador Comendador de Refóios de Basto, Diogo Borges. Fundou a expensas suas o Colégio de S. veio a ser Bispo de Miranda em 1555 Pedro. O seu nome original é Rui Lopes de com o nome D. Rodrigo Carvalho, Carvalho. Canonista de mérito foi agente do tendo falecido em Agosto de 1559, cardeal infante D. Afonso em Roma. Já em e os seus ossos sido transladados em Portugal esteve ao serviço da Santa Inquisição. Outubro de 1566. Conforme carta de Foi Bispo de Miranda entre 1555 e 1559, ano 25 de Maio de 1544, do reformador em que faleceu. de Santa Cruz, Fr. Brás de Barros, o Sepultado no colégio o seu mausoléu, de resítio do colégio foi doado pelo moseiro conhecido valor artístico, seria transferido para crúzio (214). a Capela de Jesus, no Claustro do Silêncio do Em 1545 obteve-se, do núncio Luís Mosteiro de Santa Cruz. De facto, com a venda Lippomano, o breve de instituição do colégio a particulares a Câmara Municipal canónica «…e a anexação do bene- pretendeu transferi-lo em Maio de 1864, para o fício de S. Pedro Goães, que aquele Cemitério da Conchada. Entretanto, em Julho usufruía, razão porque o colégio teve de 1866 levanta-se polémica com o Presidente por titular o príncipe dos Apóstolos. da Sociedade dos Arquitectos, Joaquim PossiEm 1549 foi-lhe igualmente anexo o dónio Narciso da Silva que havia transferido de Santa Maria de Alijó que estava nas para Lisboa o sarcófago sem autorização da Câmara Municipal. O assunto morrerá quanmesmas condições» (215). A igreja foi sagrada a 29 de Junho do se constata que a transferência havia sido de 1548, acabando-se o edifício em autorizada pelo administrador do concelho, 1552. Devido a desinteligências entre devolvendo-se o túmulo a Coimbra depois de os colegiais e o sobrinho herdeiro do reparação moral por parte do Município. Bispo, este foi privado da administração dos bens patrimoniais do colégio, dando-se início à segunda fase da história do colégio. Em 1572 os colegiais de S. Pedro deixaram o edifício que possuíam na Rua da Sofia e fixaram-se na nova casa junto da Universidade e, em Agosto de 1574, assinaram uma composição abdicando dos direitos que tinham no edifício que vimos analisando. De facto, o Colégio de S. Pedro foi entregue aos Religiosos da 3º Ordem Regular de S. Francisco (franciscanos calçados, vulgo os Borras, devido à cor do seu hábito), que vieram para Coimbra em 1584 e, por provisão do Bispo Conde D. Afonso de Castelo Branco obtiveram licença para nele viverem. Os franciscanos reformariam o espaço: uma nova igreja seria começada por volta de 1621 ficando concluída durante a primeira metade do séc. XVII; e um novo colégio no decurso do séc. XVIII. Por Alvará de 15 de Outubro de 1697, obtiveram licença para ampliar o seu dormitório, em direcção à porta de Santa Margarida, isentos de pagamento de foro à cidade (216).



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A igreja, que fica entre o edifício próprio e o da Graça, seguiu o modelo das igrejas colegiais citadinas, tão ampla quanto a dos gracianos ou carmelitas. A fachada divide-se em dois corpos, correspondendo o alto às torres e remate da frontaria. Verticalmente reparte-se em três secções, com as laterais a corresponderem à linha das torres e divididas por altas pilastras sobre pedestais. Precede a igreja um amplo átrio, fundo e repartido por duas paredes laterais com dois arcos cada uma, sobre o qual fica o coro alto. A porta principal é encimada por frontão triangular ladeada por dois painéis de azulejos azulados; o da esquerda representando o baptismo de Cristo no Rio Jordão e o da direita Nossa Senhora da Conceição, obras saídas da Fábrica Outeiro –Águeda em 1946. O interior é de nave única com três capelas por lado, que comunicam entre si por arcos e por portas com o cruzeiro. São cobertas de abóbadas cilíndricas e singelas, excepto as situadas junto ao cruzeiro. A abóbada geral da nave é lisa, de tijolo, semicircular com lunetos. O andar superior compreende galerias que se abrem para a nave por janelas simples que serviam de tribunas. A Capela-Mor, mais estreita que a nave, tem abóbada de caixotões simples. Ao lado do evangelho abriu-se uma entrada para a escada que já comunicava com o transepto e que conduz ao claustro. Neste arco esteve colocado o “soberbo mausoléu” do primeiro

Foto 62 – Interior da Igreja de S. Pedro



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fundador do colégio, o Bispo de Miranda, D. Rodrigo de Carvalho, que está agora na Capela de Jesus do Claustro do Silêncio, no Mosteiro de Santa Cruz. No pilar divisório, ao lado do evangelho, fica o púlpito de que unicamente resta a abertura. Do mesmo lado encontra-se a Capela do Sacramento, com arco lavrado dos temas do renascimento citadino e com abóbada em caixotões. Segundo epígrafe ao lado direito a capela foi de Manuel Simões Pacheco e sua mulher. O retábulo compreende imagens modernas: ao centro o Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora. Segue-se no sentido da porta principal, uma capela com as imagens modernas da Rainha Santa Isabel e Santo António (lateralmente) e de S. Francisco de Assis recebendo nos braços Cristo meio despregado da Cruz (obra executada nas oficinas de arte sacra da fábrica José Pontes Real – Braga). Do lado do evangelho e junto à entrada, está o baptistério com a pia e um baixorelevo representando o Baptismo de Cristo, obra datada de 1967 e assinada por Octávio das Neves Machado. Do lado da epístola e no sentido da capela-mor temos também três capelas intercomunicantes: a do meio com a imagem de S. Pedro recebendo as chaves dos céus que Jesus lhe confia (ambas as imagens obra das oficinas de José Pontes Real – Braga); e na capela seguinte a imagem recente de Nossa Senhora de Fátima. O edifício colegial, que se estende em frente do Palácio da Justiça, é do princípio do século XVIII, tendo a fachada sido reformada pelos fins do séc. XVIII, inícios do XIX. Divide-se por pilastras com alto pedestal, em três espaços com três vãos em cada. A escada é de caixa quadrada de quatro lanços e a cada um mostra azulejos de motivos soltos, colocados em 1707. O claustro é pequeno e de grande simplicidade, rasgando-se em cada lado cinco arcos de pequenas pilastras, sendo construção do séc. XVIII. Ao centro do jardim fica um pequeno monumento datado de 8/12/1955 e encimado com a escultura moderna (em pedra) de Nossa Senhora da Conceição. Para o lado do monte fica o antigo refeitório, com três janelas a cada lado em forma de óculo oval, sendo a verga da porta ampla e ornamentada. Sobre o refeitório levanta-se uma sala, da mesma época, com quatro janelas de sóbrio recorte. Com a extinção das ordens religiosas o edificio demorou a ser abandonado. De facto, nele continuou a residir gente, como o antigo colegial Fr. António Alves Martins, que desempenhou cargos políticos e veio a ser Bispo de Viseu. Um dos seus mais famosos colegiais foi Fr. Caetano Brandão que seria elevado a Arcebispo de Braga. Em Fevereiro de 1869 o conjunto colégio, igreja e cerca eram propriedade particular de João Vitorino de Morais Duarte e Silva. Mais tarde foi adquirido por compra pelo Asilo da Mendicidade, que havia estado instalado, anteriormente, no Colégio do Carmo e numas casas em Montarroio. Esta instituição promoveu o restauro da igreja e reintegrou-a no culto religioso. Na Igreja e pelos princípios do séc. XX, esteve estabelecida durante alguns anos a Escola Dramática Afonso Taveira, um modesto teatro popular, tendo ainda servido de armazém de sucata.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Em 1931 a mesa administrativa do Asilo inaugurou numa parte da casa e em edifícios construídos de raiz uma conhecida Casa de Saúde, cuja autorização para construção foi concedida pela C.M.C. em Junho de 1956. Em 1947 a igreja foi restaurada para integração no culto religioso e, em 1948, os Monumentos Nacionais autorizaram o Asilo da Mendicidade a colocar na frontaria da sua igreja umas esculturas mutiladas que estavam na extinta Igreja de S. Domingos (confirmar). Exceptuando a Igreja, o conjunto antigo refeitório, claustro e edificio colegial está afecto a relevantes funções assistenciais e hospitalares, asseguradas pela Casa de Saúde “Coimbra” – secção hospitalar da fundação particular de solidariedade social, Casa de Repouso de Coimbra. O claustro e refeitório estão, actualmente, a sofrer obras de remodelação e beneficiação. O espaço do antigo colégio e igreja de S. Pedro está inserido na Zona de Protecção da Rua da Sofia, estando classificado na DGEMN com o Nº IPA – PT020603170083. 7. O património de alguns colégios universitários por alturas da extinção das ordens religiosas Em 1841, a Fazenda Nacional procedeu ao recenseamento dos foros do concelho de Coimbra, tratando-se de bens nacionais que pertenciam a corporações extintas na sequência das decisões dos governos liberais. Esse levantamento permite-nos saber onde se localizavam alguns dos bens dessas poderosas instituições religiosas, que andavam aforados a diversos particulares. Segundo esse recenseamento conhecemos os bens, a localização e a avaliação dos foros, dos seguintes colégios: S. Bernardo, S. Boaventura, Carmo, Graça, S. Pedro e S. Tomás. Tabela C – Descrição, localização e avaliação dos foros de algumas corporações extintas, 1841 (217) Colégio de São Bernardo «…situado na Rua de Santa Sophia desta Cidade de Coimbra, com todas as suas serventias e logradouros, avaliado em…» «A cerca que se segue ao pateo por de traz do dito Edificio, com a Casa de Capela…» «Huma Ínsua de terra de semear milho que terá dezoito aguilhadas…» «Quatro geiras de terra no sitio das Covas, ao Norte da Ponte da Sidreira…» «Quatro geiras de terra no mesmo campo, e no sitio do Reduvalho…» «Meia geira de terra no campo e sitio do Lavadouro ao Sul da Ponte da Sidreira…» «Sinco geiras de terra mais no Campo, à Sidreira, no Sitio dos Quartos Altos…» «Hum Hospicio denominado de S. Paulo de Frades, no sitio do mesmo nome, que se compõe de varias casas, quartos, lojas, curraes, Adega e Lagar de fazer vinho…» «A quinta pegada ao mesmo Hospicio, que he murada, que consta de vinha, terra para horta, arvores de fruto, e pomar de laranja…» «Huma vargea de terra pegada á dita quinta, com seu lagar de fazer azeite, velho e sem uso; huma asanha para moer milho, com uma pedra, olivaes, pinheiros e testadas de matto…»



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6:000$000 440$000 400$000 512$000 288$000 38$400 400$000 150$000 600$000 1:800$000

III – A Baixa

Colégio de São Bernardo «Hum lagar de fazer azeite, em bom uso, com sua casa de tulha e mais arranjos necessarios a um lagar…» 52 oliveiras no «sitio do fundo do Val de Cano, junto ao muro da Quinta…» Um pinhal junto à quinta Um pedaço de terra no «sitio do Soemil com seis oliveiras e sua testada de matto e pinheiros» Um pinhal com suas oliveiras Um pinhal em «Val do Cano» Id. Um pinhal na «Enchertia» 22 oliveiras na «Ribeira das Vargeas» «Huma herdade grande chamada = O Cazal de Bustelim = que conta de terra de milho, arvores de fructo, oliveiras e pinhal…» Colégio de S. Boaventura «O Collegio de S. Bôa Ventura pertencente que foi aos Religiosos denominados os Pimentas e sito na Rua de Santa Sofia desta Cidade de Coimbra, que se compõe de dormitorio quartos e varias casas, um piqueno pateo e varias lojes com sua portaria de ferro, parte do Nascente com a Rua da Sofia, e do Poente com o Terreiro do Marmeleiro…» Colégio de Nossa Senhora do Carmo «O edificio do Colegio denominado de Nossa Senhora do Carmo, sito na Rua de Santa Sofia, em Coimbra, que se compõe de Igreja Sacristia, Claustro, Dormitórios, Cosinha, Celleiro e muitas e varias casas, differentes officinas, um pateo e piqueno cerco junto ao mesmo Collegio…» «Huma quinta no sitio do Ingote e estrada que vai para Eiras, toda murada sobre si, que se compõe de vinha, e arvores de espinho e caroço, com sua sisterna, casas de habitação e lagar: parte com estrada publica, e fazenda do Bacharel Antonio Ferreira da Silva Mello, Jose da Silva Poiares desta Cidade e Jose Henriques Seco d’Antusede…» Mosteiro de Santa Cruz «O edificio do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra pertencente que era aos Conegos Regrantes de Santo Agostinho; que se compõe de claustros, dormitorios, Igreja, Sacristia, Torre, Refeitorio, cosinha, muitas e varias casas, quartos, lojes, e cavalharices; casas de Hospedaria, Jardim» «Huma Orta com agoa para rega; limoeiros; larangeiras, e mais arvores; e que tudo pega com o mesmo edificio…» Um pomar de laranjas pegado à mesma Horta «Terra de semeadura, com nogueiras e mais arvores, uma casa terrêa: dois piquenos quintaes, e o terreno aonde se acha uma piquena Capela do Senhor dos Passos; o que tudo parte com estrada que vai para a fonte nova, e com a orta e pomar assim dito» «A Quinta da Ribella que se compõe, de vinha, terra lavradia, pomares de caroço e espinho, fontes, tanques, um grande lago, casas de rezidencia, palheiros, lojes, e carias casas de despejo, eira, e um pombal o que tudo parte com estradas que vão para Cellas e Santo Anna…» Um olival em Monta’arroio, que parte com estrada que vai para a Fonte Nova e com o muro da Quinta da Ribela e «contem este olival um grande forno para fazer cal…» Um pequeno olival à Fonte Nova Um olival «ás arcas de Agôa entre as estradas de Cellas e de Santo Antonio dos Olivaes…»



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500$000 6$000 1$200 2$000 800$000 50$000 7$200 25$000 4$000 600$000

2:000$000

3:000$000

600$000

Não foi avaliado Id. Id. Id.

Id. 100$000 8$000 250$000

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Colégio de S. Boaventura Um outro olival «…grande, chamado de São Martinho, junto ao mesmo lugar de S. 240$000 Martinho» Outro olival ao Ingote 200$000 «Huma morada de casas com seu quintal sitas na Rua de Corpo de Deus, desta 130$000 Cidade, que ficão entre esta rua e a das Figueirinhas» «Humas casas em Mont’Arroio que erão rezidencia do cura da freguesia de S. João de 80$000 S. Cruz…» Outras por detras das supra 70$000 «Mais uma caza e lojes pela parte de baixo, sitas na Rua do Corpo de Deus, nesta 100$000 Cidade, ao pé da Capella da Senhora da Victoria…» «Humas casas denominadas do Aljube e sitas em Montarroio…» 80$000 Outras ao pé das antecedentes 110$000 Um olival «no citio da Presa do Carro» 50$000 «Humas casas de rezidencia, celleiro, e Casa de Tulha no sitio e lugar da Nasareth da 230$000 Ribeira…» «Otras casas no Sitio dos Cabeços em Antusede (…) do Sul com Manga da Valla Real 100$000 que atravessa da Sidreira» «Huma casa em Antusede (….) do Poente com casas de Jose Henriques Sêcco» 19$200 «Mais umas casas que se compoem de Selleiro Adega, e Cosinha, partem do Nascente 48$000 com rua publica de Antusede, e do Poente com terra de Jose Henriques Secco…» «Huma quinta denominada de São Jorge (…) que comprehende terra de semeadura de milho, vinha, olievaes, pomar de laranjeira, arvores de fruto e sem elle; huma mata e o edificio de casas nobres que comprehendem lagares de fazer vinho e aseite, Capella, 6:000$000 pateos, Eira, Tilheiros e corraes de gado; parte do Norte com o rio Mondego, do Sul com estrada Real que vai para a barca de Seira…» «Huma quinta denominada da Arregaça sitoada no lugar do mesmo nome, com suas 3:000$000 pertenças…» Colégio da Graça «Edificio do Collegio da Senhora da Graça, sitoado na rua de Santa Sofia, nesta Cidade de Coimbra, do lado direito, hindo estrada de Lisbôa para o Porto; que se compõe 10:000$000 de Igreja, Sacristia, Claustros, dormitorios, e muitas e varias casas bem como lojes, cavalharices, um patteo com seu quintal…» «A cerca do extincto Collegio de Nossa Senhora da Graça, na Cidade de Coimbra, morada sobre si, e tem entrada pela estrada da Conxada por um largo portão, e se 600$000 compõe de vinha e arvores de fruto…» «A Quinta de Val Mião (…) no sitio de Santa Comba, proximo ao lugar de Cellas, aros da Cidade de Coimbra, murada sobre si que se compõe de casas de habitação, lagar de 2:200$000 fazer vinho, palheiros, pomar de espinho, vinho, terra de orta e de semeadura…» Um olival «no sitio do Ingote» 30$000 Um olival «no sitio do Gorgolão» 25$000 Um olival pequeno «no sitio da Barroca do Pinheiro» 6$000 Um olival na «Quinta da Cheira» 35$000 Um olival e pinhal com testada de mato «no sitio de Villa Franca» 40$000 Um pinhal no «sitio do Tintoreiro» 6$000 Um pinhal «na Misarella» 8$0900 Colegio de S. Pedro da 3ª Ordem



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III – A Baixa

Colégio de S. Boaventura «O Collegio denominado de S. Pedro da 3º Ordem sito na rua de Santa Sophia da Cidade de Coimbra, que se compõe de Igreja, Sacristia, Claustro, Refeitorio, Cosinha, dormitorio, muitas e varias casas e quartos, bem como de muitas casas e lojes e differentes officinas e Lagar de fazer vinho…» «A cerca do Collegio de S. Pedro da 3ª Ordem, que é murada sobre si, e com serventia para a asinhaga da Conchada, e se compõe de vinha e arvores de fructo…» Colegio de S. Tomás «Edificio do Collegio de S. Thomaz, da Ordem de S. Domingos, sito na Rua de Santa Sophia de Coimbra, do lado esquerdo vindo da Praça de Sanssão, que se compõe de Igreja, Claustro, dormitorios, Refeitorio, cosinha, muitos quartos, casas e varias lojes, adega e mais oficinas: parte do Nascente com rua de Santa Sophia, e dos mais lados com cerca ou ínsua do mesmo Collegio…» «O edificio velho e arruinado do mesmo Collegio, e na mesma rua e do mesmo lado; parte do Nascente com a mesma Rua da Sophia; e do Sul com casas, quintal e parte do mesmo edificio arruinado que é praso feito a Domingos de Carvalho, e do Poente e Norte com a cerca ou ínsua do mesmo Collegio…» «A cerca ou ínsua do Collegio de S. Thomaz que é toda murada sobre si, e se compõe de terras lavradias, ortas, pomar e um piqueno jardim com poços e tanques: parte com os predios acima descritos, do Nascente; Sul com Quintal dos Freires, Poente com estrada do Senhor do Arnado e do Norte com asinhaga que vai para o rio: avaliado com a declaração de que nesta avaliação he comprehendido o quintal que consta de pereiras e parreiras proximo a Igreja Velha, a orta que se estende ao longo do Convento Velho até ao jardim, este mesmo e o quintal proximo á cosinha com parreiras em pereiras novas, e o pateo que tem a entrada pela rua da Sofia para este mesmo quintal, e que tem columnas de pedra e cal para segurança das parreiras…» «Huma morada de casas com loje e um andar pegadas a este Collegio hindo para fora de portas de Santa Margarida…» Outras casas pegadas às supra «com loje e um andar» Outra casa pegada a supra «com loje e um andar» Outra casa pegada a supra «com loje e um andar» Outras casas pegadas à supra »com loje e um andar» Outras casas pegadas à supra «com loje e um andar» «Huma morada de casas com loje e primeiro andar, sitas fora de portas de Santa Margarida defronte de S. Lazaro, e havidas por adjudicação em execução a Manoel da Silva Cardozo desta cidade…» «Hum olival atraz do muro do Convento de Santa Clara…» Um olival no «sitio do Ingote e Val de S. Miguel ou monte olivete» Outro olival «no sitio do Ingote, valado sobre si, posto parte de bacelo…» Outro olival no «sitio do Ingote» 8 aguilhadas de terra no «sitio dos Cagavaes lemite de Taveiro» 3 aguilhadas de terra no «sitio dos Rodeiros». Ribeira de Frades (?) 2 aguilhadas de terra «junto ao Sitio do Codelar e Campo da Orvieira lemite de Taveiro que se achão totalmente reduzidas a areal…»



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3:600$000 450$000

2:000$000

300$000

2:400$000

75$000 65$000 40$000 60$000 55$000 60$000 120$000 50$000 100$000 70$000 60$000 24$000 2$000 Por isso não foram avaliadas

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8. A Fonte da Madalena Situa-se na Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, junto ao muro de suporte do terraço da Escola Secundária Jaime Cortesão, à esquerda de quem sobe, no alinhamento de um dos seus torreões e voltada para Sul. Era uma das fontes da famosa Quinta de Santa Cruz, na parte que se designava por Horta, as quais se dispunham pelo vale de Santa Cruz. A água da fonte nascia na própria cerca da residência do prior geral dos crúzios, junto à runa e, com a abertura das novas ruas de comunicação com o bairro alto foi entregue ao uso público em 1839. Demolida a runa a fonte foi mudada para a parede da cêrca do hospício colocando-se onde assenta o torreão do lado Poente. A fonte é enquadrada por um pórtico, simples e sem ornatos, de arco redondo e pilastras lisas dóricas, do séc. XVII. A meio Foto 63 – Fonte da Madalena do entablamento assenta o que resta de uma cruz, ladeada de dois acrotérios. A parte inferior da fonte tem a forma de concha, ficando sob o piso do passeio e oculta, a parte da taça das águas. Resta a parte superior, do séc. XVIII, datada de 1729. Forma-se de duas aletas, completadas duma pequena cornija, na qual se apoia um rótulo ornado de motivos barrocos e grinaldas pendentes com folhas, flores e frutos. No dito rótulo gravouse um letreiro, que alude às lágrimas da padroeira da fonte, regando os pés do Senhor: «QUAE / DO(mi)NI TALOS LACRIMIS / CONTRITA RIGAVIT / SERVORU (m) PLANTAS / FLUMIN(E) (FR)ACTA / RIGAT» e que em tradução livre se aproxima de Aquela (Madalena) que de lágrimas contrita banhou os pés do Senhor, rega com um rio de lágrimas as plantas dos seus servos. A bica é sinalizada, a meio da concha, por um mascarão que hoje não tem função. Uma grade de ferro protege o monumento na sua parte inferior. A fonte é propriedade municipal, e integra-se tipologicamente na arquitectura civil, pública e de equipamento da época barroca. Está classificada pela DGEMN como monumento com o Nº de IPA – PT020603170071. 9. A Fonte Nova A primeira referência a esta fonte data de 1137. Denominava-se então fonte dos judeus (fons judeorum), designação herdada do seu posicionamento na extremidade do bairro judaico (judiaria) e começo do seu almocávar. É, provavelmente, a fonte mais antiga da cidade, sendo referenciada na demarcação da paróquia de Santa Cruz, em Junho de 1139. Talvez esta fonte fosse a mesma que nos princípios do séc. XV vem referenciada em documentação do mosteiro de Santa Cruz como “Chafariz da Ribella”.



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III – A Baixa

Em meados do séc. XV terá tomado a designação de fonte nova (1429) e, durante o século XVII, perdeu-se-lhe o rasto. Como era equipamento civil e utilitário foi renovada em 1725 tomando o aspecto e designação actual (218), obra promovida pelo desembargador del –rei o Dr. Pedro Rodrigues de Almeida. A composição é simples: frontão central de pano único, ladeado com duas pilastras dóricas suportando entablamento com frontão triangular interrompido pelo escudo nacional dentro de um rótulo. Nos espaços laterais inseriram-se duas aletas deitadas, delimitadas por pedestais sobrepujados de pirâmides. Entre as pilastras dispõem-se, sobrepostos, elementos decorativos: dois mascarões que lançam a água no tanque correm a todo o comprimento, o brasão da cidade dentro de outro rótulo. Destaca-se ainda um largo letreiro dentro de rótulo barroco que alude à reforma da fonte no tempo de D. João V: «NO ANNO AVREO DA LEI DA GRAÇA DE MDCCXXV POR PROVIDE(N) C(I)A DIV(IN)A SE(N)DO S(UMO) P(ONTIFICE) BENEDICTO XIII I (de) PONT(IFICADO) S(UMO) PONT(IFICE) CCXLVI REINA(N)DO O AVGVST(ISSIM)O IOÃO.V. POR GRAÇA DE DEOS REY DE PORT(VGAL) E DOS ALGARV(ES) DOS REYS XXIIII E DO SEV REYN(A)DO. XVIII. O DE S(VA) IDADE XXXVI. MA(N)DOV PELLO D(OUT)OR PEDRO ROIS DE ALMEYDA SEV DEZ(EMBARGAD)OR SVPERTE(N)DE(N)TE DAS OBRAS PERTE(N)C(ENTES) A ESTA ÍNCLITA CID(AD)E ATHENAS DA LVS(I)T(ANI) A DE QVE HE ALVMNO REFORMAR ESTA FO(N)TE NOVA NA ORIGE(M) MAS VELHA PELLO TE(M)-PO COMO FAENIX RENASCIDA APPARECE HE

Foto 64 – Fonte Nova



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

NESTE MÁRMORE E EPIGRAFE MEMORIAL A POSTERID(AD)E OBELISCO A MAG(ESTAD)E LAVREA A C(I)D(AD)E DECORO OS PATRIC(I)OS VTIL ABONO AO POVO EM TRA(N)SPAR(ENT)E LAMINA DE CRISTAL O ESTA(M) PA A FONTE E CO(M) LINGOAS DE PRATA EETRAPORLELAA-BOCCHEAOSLETRÃESVAEPERIFRAEECORREVLLE». A arca foi uma obra realizada pelo mestre Manuel Roiz em 1748 (219). Corre a toda a largura e é de cantos arredondados com 2 bicas. O conjunto esteve, originalmente e até 1924, no início da Avenida Sá da Bandeira, no sítio das nascentes (sopé da colina onde assenta a parte alta da cidade), e onde se veio a construir o prédio em que funcionaria o posto das Caixas de Previdência. Naquele ano foi mudada para o lugar que ocupou acima do mercado, junto da sua entrada nascente, encostada ao muro da rua que tem o seu nome. Actualmente, a fonte nova localiza-se no espaço da antiga torre de Santa Cruz, entre a Escola Secundária Jaime Cortesão e a esquadra da PSP, defronte do Jardim da Manga. Até à sua colocação definitiva, o espaço devoluto seria objecto dos mais diversos projectos. Mas antes de os mesmos poderem ser idealizados ou concretizados pela município houve que assegurar a posse dos terrenos, os quais ficaram registados por escritura pública de 15 de Fevereiro de 1968 e escritura do notário privativo da Câmara Municipal a 20 de Julho de 1968, recebendo o município o dito espaço e entregando como compensção à Diocese 3.895,25 M2 de terreno na Rua António José de Almeida, onde estivera o velho matadouro, para edificação da Igreja de Nossa Senhora de Lurdes (220). No entanto, o projecto definitivo seria aprovado na sessão camarária de 13 de Junho de 1983. A decisão para a transferência da fonte para o seu actual local foi tomada pelo então Presidente da Camara Municipal de Coimbra, Dr. Mendes Silva, construindose a escadaria de Montarroio, projectada pelo arquitecto António Madeira Portugal e concluída em 1986, que integrou a fonte. Uma lápide colocada à esquerda do conjunto homenageia Mendes Silva: MÃOS Á OBRA POR COIMBRA TUDO MENDES SILVA A UMA VIDA DEDICADA A COIMBRA HOMENAGEM DO MUNICÍPIO DE COIMBRA 4 DE JULHO DE 1992 A fonte é propriedade municipal e integra-se, tipologicamente, na arquitectura civil, pública e de equipamento da época barroca. Está classificada pela DGEMN como monumento com o Nº de IPA – PT020603170075. Integra-se na Zona de Protecção do Mosteiro de Santa Cruz e foi classificada em 2008 como uma das 100 obras de arte de Coimbra.



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III – A Baixa

A quase desaparecida Gafaria dos Lázaros Tratava-se de um antigo hospital, localizado no lado ocidental da cidade, na baixa do Arnado, entre a Rua Figueira da Foz e a Rua Padre Estêvão Cabral, nas imediações da antiga “Porta de Santa Margarida”. Desconhece-se o que seriam os primeiros edifícios e, actualmente, o que avistamos é um aglomerado de casebres, que pouco nos diz do ponto de vista arquitectónico acerca do antigo lazareto medieval. A gafaria remonta ao tempo de D. Sancho I, que por testamento de 1209 deixou 10.000 morabitinos ao prior de Alcobaça para sua fundação, o que poderá andar relacionado com o facto de se admitir que o filho do monarca, D. Afonso II, fosse leproso. Os monarcas D. Afonso IV, D. Afonso V e D. Manuel, conferiram-lhe regimentos para além de outros diplomas como alvarás, provisões e cartas. Nesse espaço terá residido D. Beatriz em 1320 e aí terá nascido D. Pedro I. Do tempo manuelino resta: o grande portal de entrada, armoriado com o brasão real coroado (obra do melhor estilo e lavra manuelina), colocado entre duas esferas armilares na verga inferiormente cortada por moldura em que surgem filatérios; e a capelinha de Santa Margarida, obras que datam dos inícios do séc. XVI. Os demais edifícios que compunham o complexo – enfermarias, casa do capelão, despacho e residências dos gafos são de época posterior. A gafaria foi palco de manifestações populares de grande fama e dimensão. Por exemplo, foi dali que partiu, a 11 de Outubro de 1625 a procissão ou grandioso cortejo que celebrou a canonização de Santa Isabel: «Sahio a Procissaõ da Igreja de São Lazaro, que esta fora da Cidade; lá se lhe foy dar o principio, pera ter espaço em que coubesse, dahi tè o Real Mosteiro de Santa Clara: & tambem nisto se parecesse triumpho, com que de nouo entraua a Sancta Rainha na sua Cidade de Coimbra;» [Rocha Madahil – «Relação das grandiozas festas que na Cidade de Coimbra (…) à canonização de Sancta Isabel Rainha de Portugal, 1625» in O Instituto vol. 90, 1936, p. 35].Um cortejo mais mitológico do que cristão, que necessitava de um grande espaço para se compor; pessoas e animais, carros triunfais e alegóricos, instrumentos musicais, pálio… A entrada fazia-se pela Azinhaga dos Lázaros, por largo portão de verga recta onde está o já referido escudo de Portugal. O espaço edificado dispunha-se em redor de pátio central. À direita ficava a casa da cozinha e, no ângulo, a antiga enfermaria das mulheres. Para o lado do rio prolongavam-se as casas do capelão, serventuários e a casa de despachos. À esquerda da entrada estava a enfermaria dos homens que, posteriormente, foi levantada em dois pisos. Seguia-se a capela para o lado do monte que segundo opinião respeitável era «…construção singela, manuelina, mas sugestiva e muito digna de ser restaurada e colocada no património nacional» [Vergílio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico, Cidade de Coimbra vol. 2, 1947, p. 159]. O espaço interior da capelinha dedicada a Santa Margarida, provável obra de Boytac, cobria-se por uma abóbada de nervuras cruzadas que arrancam de mísulas simples. Do lado evangelho ficava a pequena sacristia e, à espístola o corredor que servia de comungatório e tribuna, com porta de entrada rectangular e arestas chanfradas.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

À mão direita ficava uma pia de água benta manuelina, recortada aos gomos. No chão uma das campas mostrava o letreiro sepulcral de André Roiz, natural de Coimbra e falecido em 1617. Sobre a capela sobrepuseram uma casa de habitação de dois andares. A capela possuía uma capela-mor, portas e janelas rectangulares, incaracterísticas, sendo o arco da capela-mor semi-circular, de arestas chanfradas, manuelino. Serviu ao longo dos tempos os mais variados fins; palheiro de quinta, sede de clube e abrigo a ciganos. A enfermaria tinha alpendre, fechado lateralmente com a frente rasgada em três vãos separados por colunas assentes num parapeito. O corpo da igreja fica-lhe por trás, vendo-se a cornija antiga e duas gárgulas de ângula, uma delas mutilada a representar um leproso. A porta de entrada é simples, de arco quebrado dois colunelos por banda. Desaparecidas ou aterradas estão as capelas de S. Lourenço, dependente da gafaria e a Capela de S. Mateus. Uma consequência, quiçá, das obras de prolongamento da Avenida Fernão de Magalhães quando uma parte da área da antiga cerca foi expropriada, amigavelmente, por contrato de 15 de Junho de 1939. Eram proprietárias do espaço D. Amélia Rodrigues de Paula e D. Maria Emília Rodrigues de Paula e área expropriada compreendia um terreno com 1624 M2 Por decreto de 15 de Abril de 1774 e provisão pombalina do mesmo mês, S. Lázaro foi entregue à Universidade e, em Dezembro de 1836, os gafos passaram para o Colégio de S. José dos Marianos, abandonando a velha casa. Já no séc. XX o hospital seria, oficialmente, extinto. A gafaria e seu espólio eram geridos por um Provedor, nomeado pelo rei, geralmente de origem fidalga, ajudado por um escrivão, um recebedor, um medidor e um servidor e por vezes um maioral e um capelão, que rezava missa aos domingos e dias santos, mais duas no Domingo de Lázaros e de Ramos, e duas nos dias de S. Lourenço e S. Mateus. Os gafos viviam em comunidade, mas isolados do mundo.O espaço onde está implantada a antiga gafaria chegou a ser pensado para adaptação a futuro Museu da Farmácia e Indústria. A zona do antigo quintal, que servia de terreno agrícola está, actualmente, ocupado pelo parque de automóveis do Centro Distrital de Segurança Social. Como os proprietários particulares não responderam às notificações, a 14 de Fevereiro de 2009 a autarquia decidiu proceder à demolição da parte superior (a mais recente e adulterada), uma vez que ameaçava ruína iminente, Por outro lado os vestígios arqueológicos não mereceram a requalificação pelo IPPAR. Contudo ainda se podem observar na parte superior da capelinha (emparedada com tijolos) de um lado e de outro duas gárgulas, relíquias do passado. 10. Quiosque Bar D. Pedro V Este quiosque, de óbvia função comercial, localiza-se no Largo do Mercado D. Pedro V, implantando-se entre o edifício dos correios e o Mercado Municipal. Construção do séc. XX desconhece-se o arquitecto ou construtor. Apresenta planta centralizada simples, com volumes também simples e dispostos verticalmente. Facha-



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III – A Baixa

das simétricas que são animadas por frisos de azulejos de formato rectangular, verdes e mangentas. A Norte e a Este rasgam-no janelas rectangulares com balcões. O quiosque é propriedade privada e está classificado pela DGEMN como monumento com o Nº de IPA – PT02060310105 11. As ruas da baixa como património e parte integrante da história da freguesia 11.1. Contexto do povoamento e urbanização do arrabalde O povoamento do arrabalde começou de forma pouco organizada, construindo-se as primeiras habitações fora do perímetro citadino, junto ou mesmo por cima da própria muralha. Desorganização que, provavelmente, se detectaria um pouco por toda a área, menos sentida no entanto, nas áreas mais sujeitas às inundações, onde o povoamento seria fraco e pouco duradoiro. As ruas da baixa da cidade, que correm pelo espaço ocupado pelo arrabalde, testemunham a evolução urbana da baixa. De facto, o aparecimento de alguns trajectos serão uma consequência de planos urbanísticos medievais, programados a partir do Mosteiro de Santa Cruz na direcção do rio. Segundo Walter Rossa, a importância do mosteiro no desenvolvimento urbano da cidade manifestou-se até à amortização dos bens das ordens religiosas em 1834. Este autor destaca a zona em que na sua opinião se desenvolveu um urbanismo de matriz geométrica: «Mas foi a jusante que, sob orientação cruzia e/ou do concelho, se desenvolveu espaço urbano, o que aconteceu com uma evidente matriz geométrica baseada em três ruas paralelas de secção regular: a da Moeda, a do Tinge-Rodilhas, (ou Tintureiros é hoje da Loiça) e a do Corvo (outrora Rua dos Pintadores)» (221). O autor assinala o próprio mosteiro como elemento chave do programa: «Formalmente, um dos aspectos mais interessantes desse conjunto – que deveria ser toponimicamente reconhecido como a Baixa cruzia é o facto de o alongado quarteirão compreendido entre as ruas da Moeda e da Loiça ter o seu topo nascente rigorosamente organizado a eixo da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz ainda que se desenvolva segundo uma inflexão do eixo a Sul» (222). De um modo geral, ao percorrermos a zona histórica da baixa da cidade, pese embora todas as transformações ocorridas ao longo dos tempos, detecta-se que o fundo construtivo das habitações apresenta uma característica ou marca própria trazida pelas janelas de avental rectangular. De datação muito abrangente, desde a segunda metade do séc. XVI aos começos do Séc. XVIII, podem segundo Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves, dividir-se em duas tipologias: «Um número limitado pertence à casa mediana, em que as portas e as janelas tem verga de friso e cornija, as sacadas são frequentes e se procurou certa variedade pelo agrupamento diverso das mesmas sacadas e janelas; o outro, o do grande número, é o das



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

janelas simplesmente de avental rectangular, formado pelo pano de peito, ligeiramente saliente e composto de grandes lajes postas de cutelo» (223). Estas janelas fazem-se acompanhar de outros elementos decorativos e arquitectónicos como cahorros destinados às gelosias e vasos de flores. Como exemplos, anote-se o existente na Praça 8 de Maio. Casas dos sécs. XVII-XVIII com fachadas para a Rua Visconde da Luz, para o Largo e para a Rua do Corvo (nºs 11-13). Para o largo têm no primeiro e segundo andar quatro sacadas sobre cachorros, com vergas de cornija. E também os nºs 31-32 e 33-35, casa que faz esquina, dos sécs XVII-XVIII, de grande interesse, com duas séries de vãos na frontaria que fica em direcção à Rua Direita e de três na Sofia; no terceiro andar, janelas de avental almofadado. Na Rua das Figueirinhas, Rua do Corvo, Rua da Louça, Rua da Moeda, Rua Direita, Rua de João Cabreira, Rua da Sofia, Ladeira de Santa Justa, Rua de Montarroio e Beco de Montarroio também existem janelas de avental. As ruas da baixa guardam pormenores decorativos como registos de azulejos: um Registo da Trindade, no Largo de Sansão, na casa da esquina da Sofia com a Rua Direita, obra popular da cerâmica de Coimbra dos sécs. XVII-XVIII; ou o Registo da Senhora da Conceição, no Largo das Olarias, numa casa em que por volta de 1810-1811 João das Neves tinha uma fábrica de louça. Trata-se de um dos mais bem conseguidos painéis da cidade, de fabrico coimbrão. O desenho, enquadrado por motivos concheados e policromia, mostra a Senhora sobre a esfera, a lua e a serpe, em meio de nuvens e anjos. 11.2. As ruas da cidade baixa, ao correr da pena… Praça 8 de Maio Um dos principais largos da Cidade de Coimbra, localizado em frente da Igreja do Mosteiro de Santa Cruz. De forma trapezoidal, para ele confluem alguns dos mais antigos e característicos arruamentos da Baixinha, designadamente, de Norte para Oeste e no sentido dos ponteiros do relógio: Rua Martins de Carvalho, Rua Visconde da Luz, Rua do Corvo, Rua da Louça, Rua da Moeda, Rua Direita, Rua da Sofia e Rua Olimpío Nicolau Rui Fernandes. Este espaço terá sido reconformado urbanisticamente pelo Mosteiro de Santa Cruz, no íncio do século XV quando o prior D. Afonso Martins «…mandou alargar o terreiro e erguer dois chafarizes, um em cada extremidade: a Sul o de S. João, desaparecido quando o Rei D. Sebastião retirou ao mosteiro algumas nascentes para intregarem o aqueduto; a Norte o de Sansão, que foi demolido em 1839 e acabou por fornecer o topónimo com que aquele espaço foi conhecido então – o Largo ou Praça de Sansão» (224). Mais referências sobre este espaço datam já do século XVI e definem um sitio ou zona apelidada de “Sansão”, onde se expropriaram umas casas a 28-XI-1528, por ordem do rei (225), as quais se relacionam com a reforma universitária promovida na zona por D. João III. A Fonte de Sansão, era visível até 1819 quando «…se via, sôbre um pedes-



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III – A Baixa

tal quadrangular, a estátua dêste herói bíblico, feita em 1592 pelo imaginario Manuel Fernandes» (226). Uma das referências mais antiga a este chafariz, colhe-se no Livro da Fazenda da Universidade de Coimbra. Nesse registo, e quando se aborda a freguesia de Santa Justa inscreveram-se sete títulos de emprasamento na Rua Nova, datando o primeiro de 1 de Agosto de 1523 (feito ainda pelo Mosteiro de Santa Cruz) e relativo a «hūas casas defronte do chafaris de SãSã a Gonçalo fernandez mercador» (227). No poema Elogio de Coimbra, de 1554, surge e referência a «chafarizes gémeos jorram a água ao alto e para um e outro lado» (228). Tratava-se de obras mandadas construir por D. Afonso Martins, 19º prior-mor do mosteiro de Santa Cruz, por volta de 1400. Denominavam-se por Sansão e S. João e estavam um ao Norte e outro ao Sul do referido largo ou terreiro de Sansão. O último acabaria por ser demolido quando por ordem de D. Sebastião se encaminharam águas para o novo aqueduto que se estava construindo e que veio a ter o seu nome. No outro chafariz colocou-se em 1592, ao centro e sobre um pedestal quadrangular a estátua de Sansão feita pelo já referido imaginário Manuel Fernandez. Tal obra seria gravemente danificada em 1820 depois de atingida por umas traves que um carro conduzia. Posteriormente foi «…a água aproveitada com a do Claustro do Silêncio para o novo chafariz de duas bicas construído em 1839 na frontaria do antigo mosteiro de Santa-Cruz, onde então foram instaladas várias repartições públicas. No entanto e com grande “escândalo público” e estorvo ao trânsito ali se conservou o chafariz até ser demolido em 1876, quando foram edificados os novos paços municipais» (229). A água para o chafariz provinha da Fonte Régia da Nogueira (do Jardim da Sereia) e, dado o trajecto que efectuava, não raras vezes se apresentava imprópria. É curiosa a anotação do município na sua reunião de 7 de Setembro de 1843 na qual tomava «…conhecimento de que, na tarde do dia 4 passado, o chafariz de Sansão em vez de água deitava sangue, que provinha do Matadouro» (230). O próprio chafariz regista ao longo do tempo as mais impróprias utilizações do ponto de vista higiénico, desde bebedouro para animais, passando por espaço de lavagem de roupas. Outra designação para o local colhe-se em 1557. Frei Marcos de Lisboa nas suas crónicas do Seráfico Padre S. Francisco, alude ao Terreiro de Santa Cruz, denominação que vingaria no decurso do século XVII (231). A 21 de Maio de 1700 a municipalidade elege os vendedores de tabaco por miúdo pela cidade, constando um no Terreiro de Sansão e a 18 de Setembro de 1711 elegeu como tesoureiro do cofre real de água um mercador da Praça de Sansão (232). Local central e público foi escolhido para as mais diversas homenagens e manifestações públicas: refira-se a quebra dos escudos, por morte de D. Pedro II, ocorrida a 29 de Dezembro de 1706: «No acto público de homenagem ao Rei defunto as tonalidades escuras confundir-se-iam com o céu, porventura carregado, desse Inverno de 1706, depois do Natal. O alferes segura na mão uma “astea preta (e) hum estandarte da mesma baeta que arrastaua com bastante comprimento



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

pelo chaõ; no estandarte desenhavam-se, somente, as armas reais cobertas de um véu preto, “muito raro de fumo”; com o alferes seguiam 2 criados vestidos de luto. Os eleitos para a quebra de escudos traziam as suas capas pelos ombros, e, como todos os cidadãos e vereadores, trajavam baetas de luto e usavam chapéus cobertos. Os três escudos que iriam ser quebrados estavam tapados com véus de fumo e, por entre “innumerauel pouo”, a cerimónia inicia-se com o alferes da bandeira fazendo “continencia ao Senado”, tirando o seu chapéu. Os sinos da Sé e das freguesias da cidade dobravam, bem como o da Universidade, Santa Cruz e Colégio da Companhia» (233).

Outro registo de celebração pública naquele local deu-se aquando da visita do Marquês de Pombal em Setembro de 1772 para reformar a Universidade. Dali partiu, num Sábado dia 17, o acompanhamento do doutorando em Cânones, José Pessoa Monteiro, natural da cidade, até ao Pátio da Universidade:

© João Pinho, 2009

«…p.la manhã se ajuntou a maior p.te dos Dr.es a cavalo no largo de S.ta Crus com as suas respectivas insignias, aonde se formou o acompanham.to do Doutoram.to na manr.ª seg.te.

Foto 65 – Praça 8 de Maio



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Adiante hiam a pe os Verdeaes com as suas Alabardas, junto a elles os Muzicos a cavalo tocando huma excelente Marcha: Seguiam-se depois as faculdad.es pr.º a d’Artes, depois Filosofia, logo Mathematica, dahi Medicina depois Leis, logo Cânones, e em fim Theologia, e os Dr.es em duas alas nas suas respectivas antiguidad.es no fim destes hia o Pagem da borola em hum cavalo bem ajaizado, com huma salva na mam, e a borola verde em sima, depois os Bedéis com as suas maças, e o Secretario da Vniversid.e, Junto a elles hia o doutorando Joze Pessoa Montr.º n.al desta Cidad.e em hum cavalo riçam.te ajaizado, entre o R.or da Vniversidad.e á dr.ª, e M.el Jozé Alz’ Lente da pr.ª Cadr.ª Analytica de Cânones. Fechava o nosso Conservador este magnifico acompanham., o q.l encaminando-se p.la rua do Cruxe, Calçada, rua das Fangas de S. Christovam, Sé, rua das Covas, de S. João, e rua larga, q todas estavam armadas entrou no Pateo da Vniversid.e…» (234).

A partir de 1724 verificou-se um surto de construção nesta zona, que se prolongou pelo Séc. XVIII, e fez do terreiro ou praça uma das áreas por excelência onde, durante os séculos XVII e XVIII residiam os elementos com cargos camarários. O mesmo sucedia com a Rua da Sofia e Montarroio. Juntamente com a Calçada era também aqui que se lançavam os pregões municipais. A partir de Setecentos o Terreiro de Sansão, passagem pública e pequeno local de comércio, assume-se ainda como núcleo mercantil da cidade por excelência, em complemento com o já existente e situado na Praça: «Em 1710, a par da Praça e da Feira dos Estudantes, era declarado pela edilidade o Terreiro de Sansão como o local mais público para a venda de pão e, por isso, apropriado para esse elementar comércio, porque também, desse modo, que exibia publicamente a actividade de compra e venda, se evitavam os conluios; em 1723, é no Terreiro de Sansão que se arrematam os baldios; de acordo com os livros de Receita e despesa, entre 1748 e 1777, os vendeiros de Sansão pagam terrádego pelos lugares que ocupam para o seu comércio e, já em 1745, acta camarária regista a existência de vendedeiras de pão, sediadas naquele largo, fronteiro a Santa Cruz; finalmente, em 1753, assinala-se ser este o local onde, com a presença de grande multidão, se lançam pregões e se procede à venda de madeiras» (235).

Nas actas da Câmara Municipal respeitantes ao século XIX surgem as primeiras referências ao Largo de Sansão. De facto a 3-XII-1811, a Câmara designou o dito largo para lugar de venda de galinheiras de fora (236) e, em 1865, ali tinham as vendedeiras de fruta os seus postos de venda, devidamente autorizadas pelo município. A 4 de Maio de 1874 foi lido em sessão camarária um ofício da comissão executiva encarregada de promover o aniversário da entrada das forças liberais na cidade, a 8 de Maio de 1834, sob o comando do Duque da Terceira. Nesse documento pedia-se que o feito se perpetuasse e que a Câmara tomasse a iniciativa de atribuir ao Largo de Sansão a nova designação Praça 8 de Maio. Pedido aceite, o auto solene da inauguração da mudança de nome ocorreu a 08 de Maio de 1874, numa cerimónia iniciada nos Paços do Concelho e terminada em plena praça:

«Sendo dez horas da manhã, o Presidente, depois d’expor o fim da presente reunião, mandou ler o Alvará do Governo Civil do Districto, datado de cinco do corrente, que authorisa a referida



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mudança, solicitada pela Camara a pedido da Commissão executiva encarregada de promover e dirigir as demonstrações de regosijo com que deve solemnisar-se o fausto anniversario da entrada do exercito libertador no memoravel dia oito de Maio de mil oitocentos trinta e quatro, para que assim ficasse esquecido um nome que recorda a epocha da intolerancia e terror, em que alli foi collocada em um poste a cabeça de Victorio Telles de Vasconcellos, e ao mesmo tempo se perpetuasse a memoria do dia em que as forças liberaes do heróico Duque da Terceira ahi desfilaram ovantes. Em seguida, dirigindo-se todos ao letreiro do cunhal dos Paços do Concelho, offereceu-se cordão que segurava a cortina que escondia o mencionado letreiro ao Excellentissimo Visconde de Villa-Mendo, Governador Civil do Districto, o qual o patenteou ao publico, seguindo-se depois ao outro letreiro que estava no cunhal ao poente da rua do Visconde da Luz, cuja cortina tambem a convite do Presidente foi tirada pelo Excellentissimo Visconde de São Jeronymo. Patentes os letreiros, foram pelo Presidente entoados vivas a Sua Magestade ElRei, a sua Magestade a Rainha, a Toda a Familia Real, e á Carta Constitucional da Monarchia Portugueza» (237).

Para impedir a entrada das águas das cheias no Mosteiro de Santa Cruz, o Largo de Sansão foi sendo elevado ao longo dos tempos. Muito faladas foram as obras de 1859, que definiram em 7 os degraus a descer para o adro, evitando assim muitas cheias. Já como Praça esteve adornado com palmeiras, quiosques, praça de táxis e sinaleiros. Entre 1993 e 1997, a Praça 8 de Maio foi reformulada segundo projecto de Fernando Távora. Em 1997 concluiu-se a nova fisionomia da praça, que foi devolvida à cota original. Rua Martins de Carvalho (vulgo Rua das Figueirinhas) Estende-se pela encosta do antigo morro da cidade, da Praça 8 de Maio à Rua da Fonte Nova, articulando-se a Nordeste com a Travessa Martins de Carvalho e acesso ao mercado e, a Sudoeste com a Rua do Corpo de Deus. Pertence às freguesias de Santa Cruz (números impares) e S. Bartolomeu. Antes da actual denominação teve a antiquissíma de Rua das Figueirinhas, que vem mencionada num códice seiscentista do Mosteiro de Santa Cruz. Segundo Walter Rossa esta rua «…foi aberta pelos crúzios no reinado de D. João III, substituindo a primitiva, um pouco a norte, submergida sob a nova Igreja de S. João de Santa Cruz» (238). Da actuação do reformador Frei Brás de Braga a rua foi pavimentada e guarnecida de muro porque dela caíam crianças e animais. A mudança de topónimo data de 15-XI-1888, quando a Câmara Municipal deferiu o pedido feito pelo Montepio Conimbricense e pela Associação dos Artistas para atribuição à Rua das Figueirinhas, do nome Rua Martins de Carvalho em comemoração do 66º aniversário natalício daquele cidadão, que como jornalista prestara relevantes serviços em prole dos interesses da cidade (239). Joaquim Martins de Carvalho nasceu na cidade de Coimbra a 19-XI-1822 e aqui faleceu a 18-X-1898. Os pais queriam que se dedicasse à carreira eclesiástica, tendo feito estudos preparatórios no antigo Colégio das Artes. Caído em orfandade, teve de apren-



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der o ofício de latoeiro para sobreviver. Foi fundador e director do jornal “O Observador” (que mais tarde alterou a sua designação para “O Conimbricense”). A propósito da Travessa Martins de Carvalho importa referir que ali se localizava a Capela de Nossa Senhora do Carmo, a qual desde 1868 se encontrava arruinada. Este pequeno templo, juntamente com o terreno adjacente, patim e escadas, foram vendidos a 16 de Julho de 1903 pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra à Câmara Municipal numa expropriação amigável por utilidade pública com «…o fim de construir uma rua de ligação entre a dita rua de Martins de Carvalho e o Mercado Dom Pedro Quinto (…) pela quantia de duzentos e cincoenta mil réis» (240). A área media 49 m2 e confrontava pelo Poente com o cerco do Noviciado, pelo Nascente e Sul com a Rua Martins de Carvalho. O altar, imagens e objectos de clto reverteram á Santa Casa. Rua Direita Principia na Praça 8 de Maio e, no sentido Nascen-

A DESAPARECIDA CAPELA DE N.ª SRA. DO CARMO «As pessoas que hoje subam a antiga Rua das Figueirinhas e a meio dela se desviem para a nova Rua do Mercado, mal podem supor que nesse local existiu em tempos uma pequena mas elegante capela sob a invocação de Nossa Senhora do Carmo, imagem que ali se venerava com grande devoção dos moradores daquela rua e em cuja honra se realizavam anualmente grandes festejos revestidos da maior pompa e animação. Essa capela tinha a precedê-la um espaçoso adro de pedra a que davam acesso cinco degraus e a sua frontaria, elegante e bem lançada, tinha ao centro um belo pórtico fechado com duas portas, uma de balaústres de ferro e outra de madeira na qual se abriam dois postigos para melhor exposição da imagem. Aos lados existiam duas frestas, também gradeadas, tendo junto de si um banco de pedra a toda a largura do adro. Dentro da capela ardia permanentemente uma lâmpada provida de azeite oferecido pelos devotos, lâmpada colocada em frente dum vistoso altar de talha dourada e em cujo nicho se adorava a referida imagem da Virgem do Carmo. Todos os anos, no primeiro domingo que se seguia ao 16 de Julho, realizava-se nessa capela uma grande festividade em honra da sua padroeira, festividade que constava de missa solene, ladainha, ornamentação da rua, música, iluminação e arrematação de fogaças. Para isso havia uma comissão de festeiros que se cotizava semanalmente com 60 reis, além das esmolas que colhia entre os moradores da rua e que perfaziam o suficiente para facear todas as despesas dessa festividade. Demolida essa capela em 1891, para efeito da abertura da nova Rua do Mercado, foram os seus materiais aplicados na capela que hoje existe na Carapinheira da Serra e a imagem confiada à Misericórdia, onde hoje se admira, junto da portaria dos seus colégios, num rico altar de pedra de estilo renascentista» Capela de Nossa Senhora do Carmo In Jornal A Gazeta de Coimbra, 16 Março 1937 (assinado R.F.)



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te-Poente, termina na Rua Simões de Castro (ao Arnado). Articula-se a Norte com a Rua Nova, Rua do Arco do Ivo, Beco do Castilho e Adro de Santa Justa e, a Oeste, com Rua João de Cabreira, Beco do Bacalhau e Rua da Nogueira. Esta artéria ocupou, no passado, lugar relevante enquanto via de comunicação, especialmente antes da abertura da Rua da Sofia. Efectivamente por ela se estabelecia a saída da cidade para o Norte, plena de vida e movimento. Ficava, inicialmente, dentro dos limites da paróquia de Santa Justa embora documento do ano 980, refira uma Igreja de S. Pedro, talvez situada na Rua Direita ou suas imediações. Segundo Pinto Loureiro, a actual Rua Direita deriva de dois arruamentos diferentes ambos atestados documentalmente desde o séc. XIII: Rua da Figueira Velha – rua de Ficulnea Vetera – e Rua dos Caldeireiros – vico Caldeyrariorum. A Rua da Figueira Velha retira o seu nome do “Sítio da Figueira Velha”, a qual como o próprio nome sugere se inseria num imenso figueiral ou junto a uma figueira. O topónimo transmitiu-se, posteriormente, à via de comunicação. As referências documentais mais antigas datam de 1236 e 1255 e podem ser colhidas no conhecido Livro das Kalendas. Em 1236, João Eanes deixava à Sé vinhas na Figueira Velha, perto da freguesia de Santa Justa (241). Naquele figueiral, mencionado em documentação desde o século XII, fundou-se o primitivo Mosteiro de S. Domingos, mais tarde abandonado em consequência das cheias do mondeguinas. A Norte do cenóbio existiu em tempos as Portas da Figueira Velha. Esta porta, localizada junto da desaparecida Capela do Santo Cristo do Arnado, designava-se também como Portas da Cidade. Dela não se conhece qualquer desenho ou descrição, mas sabe-se que marcava o limite setentrional da cidade. A mais antiga menção designa-a como Arco de Alvazir ou Área do Alvazil e «…encontra-se numa carta de venda (26-VII-1191) de uma terra junto do rio, que se descreve como situada no Arnado, confrontando do poente com o rio, do norte com a Almuinha da Sé e do sul com o Arco do Alvazil (in occidente flumen Mondeco ab aquilone Almonia Sedi Sancta Maria ermeridie arco de Alvasir)» (242). Estas portas, que pela cidade existiam em grande número, foram uma consequência do crescimento urbano para o exterior das muralhas, designadamente de núcleos relativamente populosos em torno dos principais mosteiros do arrabalde e subúrbios. Tornadas desnecessárias como elementos de defesa da cidade, foram sendo demolidas aos poucos, transformando-se de unidade bélica em ornamental; ou seja de portas em arcos, como muito bem regista a toponímia. A Rua da Figueira Velha dava acesso à Estrada Real do Porto, e foi a principal via de entrada na cidade, para quem viesse do Norte, até à abertura da Rua da Sofia no Séc. XVI. Este arruamento foi palco de importantes celebrações citadinas: «Pela Rua da Figueira Velha entraram no ao de 1220 as relíquias dos Santos Mártires de Marrocos, conduzidas processionalmente desde o campo do Bolão, com a assistência pessoal do rei D. Afonso II e da rainha D. Urraca, relíquias essas guardadas desde então na igreja de Santa Cruz.



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Pela Porta da Figueira Velha entrou em Coimbra o rei D. Afonso V, em Maio de 1446, acompanhado do Infante D. Pedro, seu tio e tutor, primeiro Duque de Coimbra, acompanhados da Infanta D. Isabel, noiva do rei, aí tendo sido esperados e recebidos pela Câmara e pelo bispo D. Luis Coutinho. Pela Rua da Figueira Velha – e não pela porta que já não existiria a esse tempo – entrou também no reinado de D. João III a famosa embaixada do Preste João, da Abissínia» (243). A mais antiga referência a Rua dos Caldeireiros data de 1242, e insere a artéria na freguesia de Santa Justa (244). E nela estariam arregimentados os que batiam a chapa de cobre, fazedores de caldeireiros e outras peças. Ao longo dos tempos teve outras designações como Rua da Caldeiraria (séculos XIV e XV). Era, sensivelmente, mais pequena do que a actual Rua Direita, não excedendo «…o comprimento que ia do Terreiro de Santa Cruz à Porta Mourisca, ou seja, em linguagem hodierna, da Praça 8 de Maio à extremidade poente da Rua Nova» (245). De facto, só depois da fundação do Mosteiro de S. Domingos, em 1227, é que se começou a formar em sua volta, um novo núcleo de construções «…de que resultou a Rua da Figueira Velha, continuando embora vazio por algum tempo o espaço entre o topo sul desta rua e a extremidade norte da Rua dos Caldeireiros, espaço que só mais tarde e lentamente se povoou» (246). Sobre a evolução toponímica da rua, atente-se nas conclusões de Pinto Loureiro: «a) que as denominações de Rua dos Caldeireiros, rua direita (em sentido comum) e Rua da Figueira Velha não foram de aplicação sucessiva mas simultânea; b) que cada uma delas tocou a um sector próprio na via de comunicação que do Terreiro de Santa Cruz seguia para o Arnado: a Rua dos Caldeireiros a sul, a Rua da Figueira Velha a norte, e a Rua Direita ao centro; c) que, depois do meado do século XV, parece ter-se eclipsado a denominação de Rua dos Caldeireiros, substituída talvez ocasionalmente pelas de Rua de Sansão e Rua do Pinello, e de forma mais usual pela de Rua Direita, agora tomada já esta expressão em sentido locativo ou tendendo para isso; e d) que no último quartel do século XVI, começa a desaparecer a denominação de Rua da Figueira Velha, substituída desde o Terreiro de Santa Cruz pela de Rua Direita» (247).

Sobre a história desta rua diga-se ainda que no decurso do século XVI terá tido o nome de Rua do Pinello, numa alusão ao famoso jurisconsulto Aires Pinhel, natural desta cidade, lente da Faculdade de Leis e que possivelmente seria morador na Rua dos Caldeireiros. Na Rua Direita ficaria uma porta mourisca referida em documentação do séc. XV como rua Direita a par da porta mourisca para a Judiaria (248) e que se localizaria no ponto de confluência das ruas João Cabreira e Rua Direita. D. Fernando ordenou se instalasse na Rua Direita a nova Judiaria, transferindo os judeus do bairro onde habitavam – a judiaria velha – entre a Porta de Almedina e a Porta Nova, algures nas actuais ruas Corpo de Deus, Martins de Carvalho e Visconde da Luz. A porta, que já existia antes da instalação dos judeus, teria sido aproveitada para dar entrada no novo bairro, e talvez seja o que sobrou da arruinada e desaparecida igreja de S. Pedro, a qual, como vimos, se localizava pelo séc. X nos subúrbios da cidade. Outras



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hipóteses relacionam a porta mourisca com o bairro de moçárabes que ali se instalou em meados do séc. XII, aprisionados por D. Afonso Henriques numa expedição militar a Sevilha e libertados pela intervenção de D. Teotónio. Noutra hipótese poderia ser a entrada do bairro onde, pelos meados do séc. XII, se instalaram os Mouros que trabalhavam nas obras da Sé. Na cidade e no decurso dos tempos várias artérias se designadaram por Rua Direita. No entanto, esta foi a única que sobreviveu até aos nossos dias. Aqui residiram, ao longo dos séculos, muitos advogados, mecânicos, mercadores, funcionários, lentes e fidalgos. Beco do Castilho Articula-se com o lado Norte da Rua Direita, entre a Rua do Arco do Ivo e o Terreiro da Erva. Embora o nome ande muito associado ao conhecido Diogo de Castilho, figura muito destacada do século XVI, mestre-de-obras do paço real, não será essa a origem mais provável do topónimo. O nome derivará da família Castilho, talvez do Dr. António Barreto Castilho, que foi advogado, juiz de fora e ouvidor da Universidade e que ali tinha a sua residência por volta de 1768. Atendendo à importância da personalidade, seria muito natural que o local fosse baptizado com o seu nome: «…era uma pessoa que só pelo lugar que nesta cidade desempenhava, com jurisdição privativa para o julgamento de todas as causas da Universidade e dos seus privilegiados, devia ser bastantemente procurado e conhecido para que ao beco da sua residência começasse a chamar-se Beco do Castilho. Era natural da povoação de S. Lourenço do Bairro, concelho de Anadia e faz parte da dinastia de Castilhos que brilhou durante o sec. XIX: Dr. José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha» (249). Rua João Cabreira Principia na Rua Direita, quase em frente ao antigo Arco do Ivo e termina na Avenida Fernão de Magalhães. Articulava-se do lado Sul com o desaparecido Beco do Amorim (desaparecido em 2005 devido às demolições no âmbito do Metro de Superfície) e, actualmente, com o Terreiro de Santo António e ainda, do lado Norte, com a Rua da Nogueira. A documentação sobre este arruamento mostra que em termos toponímicos foi muito instável, correndo várias designações: «Em tempos remotos aparece denominada de Rua dos Franceses (…), posteriormente Rua Diogo de Beja e Rua Jorge Barbosa. Pouco depois é já Rua João Cabreira, mais tarde Rua da Fábrica e novamente Rua João Cabreira, denominação que ainda actualmente ostenta» (250). Como Rua dos Franceses aparece em documentos de 1223, 1225 e 1229, denominação, provavelmente, relacionada com a existência no século XII da congregação francesa de Santa Maria da Caridade, instalada na Igreja de Santa Justa, no século XII (251). Como Rua das Tendas Superiores aparece em documentação de 1229 e 1312, «… respeitantes à doação de casas ao cabido da Sé» (252). Durante o século XVI passou a



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designar-se como Rua Diogo de Beja, aludindo a uma pessoa muito conhecida na cidade, que talvez ali vivesse ou tivesse interesses. Foi vereador da Câmara em 1516, 1549 e 1550 e juiz dos órfãos (desde 1522) (253). No desempenho deste ultimo cargo tinha o oficio de alferes da cidade, o qual «…devia estar sempre pronto para levar a bandeira da cidade quando e aonde a Câmara deliberasse» (254). A designação Rua Jorge Barbosa surge na segunda metade do século XVI. Este homem era genro de Diogo de Beja, para quem passou como dote de casamento de sua filha, Maria de Beja, os lugares de juiz dos orfãos e de alferes da bandeira (255). O juiz dos órfãos tinha funções análogas às dos juizes de comarca, em matéria orfanológica, arrecadando e acautelando os bens dos menores, fazendo inventários e partilhas. Como Rua João Cabreira aparece pela primeira vez na acta da vereação de 16-III-1622, quando «…foi eleito um indíviduo morador na Rua João Cabreira para tirar o rol dos marachões» (256). João Cabreira foi um abastado morador desta rua e desempenhou o cargo de escrivão da Provedoria. Durante alguns anos a rua teve a denominação popular de Rua da Fábrica, devido à instalação de uma fábrica de tecidos que em 9-VI-1780 se designava por Real Fábrica das Sedas, edifício que ardeu em 28-II-1836, pouco depois de cessar a sua laboração (257). Na planta geral da cidade de Coimbra de 1845, a rua “recupera” a sua anterior designação, sendo daí em diante a designação oficial. Terreiro de Santo António Pequeno largo que comunica com a Rua João Cabreira pelo Sul, e com a Rua da Moeda, pelo Norte, ficando no coração do antigo Bairro das Olarias. Denominação que pela documentação se atesta, pelo menos a partir do século XIX, e que goza de certa particularidade: «È um dos poucos lugares públicos da sua espécie que, tanto na linguagem popular como nas referências oficiais, se mantém fielmente ligado à qualificação de terreiro, que outros deixaram para se enfaixarem à moderna, como praças e largos, e designadamente os seus vizinhos Largo das Olarias, Largo da Maracha, Largo da Fornalhinha, Largo da Freiria e Largo do Poço, todos eles importantes somente pelo nome e não pelas dimensões» (258). Rua do Arco do Ivo Principia na Rua Direita e termina no Terreiro do Marmeleiro. O nome desta artéria deriva da existência de um arco que «…foi construído numa das ruas que partem do lado nascente da Rua Direita, da que liga esta rua com o Terreiro do Marmeleiro, quase defronte do topo nascente da Rua João Cabreira» (259). A origem do nome Rua do Arco do Ivo permanece, no entanto, como um mistério, derivando, talvez, do licenciado Ivo Duarte, que viveu na cidade de Coimbra na primeira metade do século XVII, eleito almotacé em 30-X-1646 (260).



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Devido à proximidade com a Rua Direita, apelidou-se pelo menos durante o século XVII como Arco da Rua Direita. Rua da Nogueira Liga a Rua Direita, no sentido Poente, com a Rua Pedro Olaio. Tendo em conta a descrição desta via que foi feita em 1532 (261), é provável que anteriormente tivesse a designação de Rua do Albuquerque. Nas sessões de Câmara do século XIX esta rua vem frequentemente referida. Rua dos Oleiros e Largo das Olarias A conhecida Rua dos Oleiros, situa-se na zona designada por Bota-Abaixo. O topónimo Rua dos Oleiros surge pela primeira vez em 1225 (262) mantendo-se a designação estável até ao século XIX. Esta rua, que não tem saída, mais não seria do que a continuação da Rua de João Cabreira, uma vez que a comunicação com o rio se fazia pela Azinhaga dos Oleiros, até ao Porto dos Oleiros (ou Cais das Olarias).

Foto 66 – A Zona do Bota Abaixo (inclui a Av. dos Oleiros e Largo das Olarias)



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A construção do ramal do caminho de ferro, em 1884, e a abertura da Avenida Fernão de Magalhães na primeira metade do século XX, alteraram, profundamente, não só a rua mas a zona em que a mesma se insere, tornando-se artéria independente e separada da Rua de João Cabreira. Durante algum tempo teve a designação de Avenida dos Oleiros que lhe foi conferida pela deliberação camarária de 16 Maio de 1890, quando se autorizou o alargamento da via para 16 metros. Foi substituída pela actual designação na reunião da Subcomissão de Toponímia em 11 de Junho de 1959. Alteração fundamentada «…na dimensão e largura insuficientes para tal designação, quando comparada com a Avenida Fernão de Magalhães que lhe passava ao lado e onde desembocava» (263). Oleiros provém de Olaria, aludindo ao facto de estarem situadas naquela área «… a maioria das oficinas de louça, oficinas de louça de barro, que no século XII se denominavam “tendas” e que existiram desde essa época, em Coimbra» (264). Coimbra que durante os séculos XVI e XVII importa cerâmica quer de Lisboa quer de Sevilha, mas que a partir de Seiscentos se torna centro de olarias com abundante produção de azulejos. Para esta zona existe documentação diversa sobre casas e quintais que tanto a Universidade como o Cabido da Sé emprazavam aos artificies pelo menos desde o Séc. XVI. A zona era privilegiada, dado existir junto ao Mondego o Porto dos Oleiros que dava fácil entrada e saída não só para as mercadorias produzidas nas olarias, como também para outro tipo de géneros como abastecimento de pedra à cidade. Ali bem perto está o Largo das Olarias para onde confluem a Rua da Moeda e a Rua da Louça. Nele localizava-se a desaparecida Capela do Senhor Jesus dos Oleiros, conservandose na Sacristia da Igreja de Santa Justa a imagem feita de barro, setecentista. As ligações entre a Igreja de Santa Justa e aquela capela parecem muito estreitas, de tal modo que pelos finais do séc. XIX e desaparecido o pequeno templo, se celebrava a 29 de Junho naquela igreja a festividade ao Senhor dos Oleiros, com missa cantada de manhã e sermao de tarde, arrematação de fogaças e fogo de artificio à noite. Na primeira metade do Séc. XX, a decadência das olarias levou a uma substituição por outro tipo de negócios, que aproveitaram as beneficiações feitas no local, designadamente a presença do caminho-de-ferro: «Os terrenos de Manuel Alves, em 1941, foram urbanizados e permitiram a construção de prédios mais altos. Desta forma, nas casas baixas e quintais nasceu a Sociedade de Mercearias que veio, mais tarde, dar lugar ao prédio das Fábricas Triunfo, edifício devorado por um incêndio e reconstruído em 1933, apresentando a grandiosidade que admiramos. Outros prédios se edificaram como a serração de madeiras (desaparecida mas ainda com o nome da frontaria), a Vaccum Oil Company, em 1947, e outros de maior estatura em relação aos anteriores barracos» (265). Nesta rua esteve durante décadas a sede das Fábricas Triunfo. Refira-se, a propósito, que toda a zona hoje designada por Bota-Abaixo foi objecto de um arranjo urbanístico, cujo estudo prévio foi encomendado ao arquitecto Fernando Távora em Dezembro de 1996.



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Rua Nova Via que une, no sentido Nascente-Poente, a Rua da Sofia com a Rua Direita. Articulase, a Norte, com a Travessa do Marmeleiro, que põe em comunicação com o Terreiro do Marmeleiro e, a Sul, com a Travessa da Rua Nova, que a liga à Rua da Sofia. No passado teve a denominação de Azinhaga da Mourisca, por ter existido nas suas imediações uma Judiaria, com sua Porta Mourisca. Referências à Judiaria surgem no ano de 1437, numa carta que o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra dirigiu à Câmara Municipal, ao passo que no século anterior, a 8-VIII-1322, «…foram deixados ao cabido da Sé, entre outros bens, umas casas, no canto da Porta Mourisca» (266). Pelo menos a partir do século XVI, passou a designar-se Rua Nova, acepção que assume no Tombo de 1532. A alteração de topónimo, comum em outras terras, radica na seguinte explicação: «A Judiaria não era própriamente uma rua, mas um bairro fechado e afecto a um fim especial. Terminada essa função, e tornando-se livre o trânsito até aí vedado, e habitáveis por todos as casas antes destinadas só a judeus, tal facto foi equivalente à criação de uma nova rua, que por isso mesmo passou a denominar-se Rua Nova» (267). Terreiro e Travessa do Marmeleiro O terreiro, recinto irregular, situa-se no ponto de convergência da Rua do Arco do Ivo, da Rua do Moreno e da Travessa do Marmeleiro. Em 1638 a Universidade possuía casas na “Rua do Moreno ou Terreiro do Marmeleiro”, provando a confusão quanto à designação e localização dos mesmos (268). Para Pinto Loureiro a designação Marmeleiro «…não pode radicar em qualquer arbusto que ali tivesse crescido e prosperado», defendendo em alternativa que «…proveio do apelido de um homem» (269). Para reforçar a sua tese apresenta o nome do cidadão Diogo Marmeleiro, «…que na vereação de 14-VIII-1567 foi eleito para, juntamente com o vereador da Universidade, Dr. Manuel Veloso, fazer a taxa dos sapateiros» (270). Com este terreiro e com a Rua Nova interliga-se ainda a Travessa do Marmeleiro, via de ligação entre o Terreiro do Marmeleiro e a Rua Nova. Aparece nos documentos em 9-VIII-1802, quando a Universidade emprazou umas casas nesse local (271). Rua da Moeda Estende-se de Nascente-Poente, da Praça 8 de Maio até ao Largo das Olarias. O seu nome parece indicar ter ali existido uma oficina monetária, apesar de não ser conhecida a cunhagem de moeda em Coimbra, antes de 1220. Deste ano data um documento com a expressão vico Monete, que prova a derivação de moneta (moeda) (272). Para outros investigadores, como A. Ferraz de Carvalho, poderá derivar do étimo de moenda, em razão de moinhos que aí existiriam.



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A documentação mais antiga sobre esta rua relaciona-a com o Cabido da Sé de Coimbra; em 1355, e num contrato de escambo recebeu umas casas, com suas mós e moenda, nesta rua (273). Também ali tinham os reis algumas casas, dados que se colhem do Livro do Almoxarifado de 1395. Esta artéria integra também o antigo Largo do Padrão, que ainda se vê ao fundo da Rua da Moeda. O padrão que deu o nome ao largo «…era o que por sentença do Santo Ofício, de Março de 1624, o qual foi mandado erigir no local de uma casa onde teria funcionado uma sinagoga e que foi mandada demolir, sendo colocado no solo das casas demolidas sobre alguns degraus, um padrão formado por uma coluna, tendo sobrepostas na parte superior duas pedras quadrilongas com uma inscrição para não mais se reconstruir esse local» (274). Tanto as casas arrasadas como o terreno salgado por ordem do Santo Ofício pertenciam ao Dr. António Homem, lente de prima na Universidade e Cónego da Sé em Coimbra, que foi queimado vivo no auto de fé celebrado na Ribeira Velha de Lisboa a 5 de Maio de 1624 (275). Quanto ao padrão, parece que se manteve no local até 1834, perdendo-se-lhe o rasto em 1841, data em que ainda se podia observar no edifício da Administração Geral. No século XVII e XVIII aqui residia muito do oficialito e letrados da governança local. Rua da Louça Prolonga-se de Nascente para Poente da Praça 8 de Maio até á Avenida Fernão de Magalhães, ramificando a Norte com o Largo das Olarias e, a Sul com o Largo do Poço, Largo da Maracha e Rua da Gala. Em tempos teve ligação directa com a Rua dos Sapateiros, por uma travessa desaparecida e que estará incorporada no Largo do Poço. A rua prolongava-se até ao Rio Mondego. No entanto como nos relata Mário Nunes «…a construção do ramal do caminho-deferro, entre a Estação Velha e a Nova, em 1884, encurtou-lhe a extensão e limitou-a à Avenida Fernão de Magalhães, quando foi construída esta avenida» (276). Pertence às freguesias de S. Bartolomeu e Santa Cruz. Teve várias designações ao longo dos tempos, sendo a mais antiga, segundo documento de 1238, a de vico Figulorum, e que se refere a oleiro (277). No mesmo sentido estão documentos de 1257 e 1301 que a designam o como rua Ollaria e vico de Ollarii (278). Para Pinto Loureiro, surge também com a forma Rua dos Tintureiros, Foto 67 – Rua da Louça mencionada num assento de óbito de 1262 (279).



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III – A Baixa

No século XIV assumiu a designação de Rua de Tinge-Rodilhas ou Tange Rodilhas, quando em 1332 Lourenço Pires instituiu naquela rua «…a capela de Santa Maria» (280). Rodilha seria a roda do oleiro e tange, de tanger, significaria pôr em movimento. Durante os séculos XV e XVI assumiu a designação de Rua do Caneiro, numa alusão directa ao caneiro real, localizado junto à ponte e «…demarcado com paliçadas ou estacadas no rio, considerado desde tempos antiquissímos um direito real, que os administradores dos bens da coroa ou os seus donatários podiam arrendar ou emprazar» (281). Como a Rua e Tinge-Rodilhas atingia o rio e terminava o seu percurso na zona do Caneiro, veio a absorver esse topónimo, passando a designar-se Rua do Caneiro, registo que os documentos confirmam até 1562. Na segunda metade do século XVI surge outra designação para a rua que se manteve durante o primeiro quartel do século XVII. Trata-se de Rua da Cruz e aparece registada na vereação de 30-IX-1577, na eleição de quadrilheiro (282). Para Pinto Loureiro, neste particular ter-se-á dado «…um fenómeno de atracção toponímica, exercida pelo Terreiro de Santa Cruz, sobre uma rua que dele partia e dele recebeu o nome» (283). Crê-se, no entanto, que em termos populares tenha prevalecido como Rua Tinge-Rodilhas, valendo a Rua da Cruz para efeitos oficiais, uma vez que «… após o ano de 1613, regressa o nome de Tinge-Rodilhas e diluiu-se o de Rua da Cruz. Tinge-Rodilhas continua até 1845 aquando da feitura da planta geral desse ano» (284). A mais antiga referência à designação Rua da Loiça colhe-se da vereação de 24-VIII1734, quando se obriga um pintor de loiça a desmanchar um alpendre que ali havia feito. A nova denominação estará, certamente, relacionada «…com a circunstância de na sua trajectória do Terreiro de Santa Cruz para o rio cortar o Terreiro das Olarias, coração de tão falada indústria cerâmica de Coimbra» (285). Noutros tempos e, segundo os direitos do foral de Coimbra, cada tenda ou loja pagava por fornada duas peças. Entre 1905 e 1942, a rua teve, temporariamente, a designação de Rua Bordalo Pinheiro. Efectivamente, por deliberação camarária de 27-I-1905 e a pedido da “Associação de Socorros Mútuos da Arte de Cerâmica” atribuiu-se a referida designação, homenageando-se Rafael Bordalo Pinheiro, famoso caricaturista, decorador e ceramista. De facto, nos finais do século XIX a Rua da Louça inseria-se na zona industrial mais antiga de Coimbra em cujo espaço «…se distribuíam nos finais do século XIX, além das 11 oficinas de louça, duas saboarias, três fábricas de bolacha, três colchoarias, três de ferro, duas de moagem e massas, a par das de cereais, de massas, de conservas, de lanifícios de algodão, de serralharia e fundição, de tinta e de lacre, uma de cada» (286). Não ganhando raízes no povo a nova denominação, também por deliberação camarária, de 30-IV-1942, restituíu-se a esta rua a anterior designação. A rua corre no imaginário daqueles a quem Coimbra marca para sempre. Um antigo estudante de Coimbra descreveu-a assim em meados do século passado: «Na Rua da Louça, por doce tarde de Inverno, uma anafada vendedeira pavoneava as suas banhas à porta da lôbrega loja de vários produtos cerâmicos e vidros de toda a espécie. Havia ali de tudo: terrinas, chávenas, copos, garrafas, pratos, galheteiros, paliteiros, canecas, jarros, bacias, e até…Enfim, havia lá de tudo» (287).



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Rua do Corvo Principia na Praça 8 de Maio e, no sentido Nascente-Poente, termina no Largo da Maracha. Articula-se a Sul com Rua Eduardo Coelho (antiga Rua dos Sapateiros) e Largo da Fornalhinha e, a Norte, com Largo do Poço. Pertence ás freguesias de Santa Cruz (lado direito) e S. Bartolomeu (esquerda). Segundo Jorge Alarcão, esta rua, cujo nome aparece pela primeira vez em 1243, poderá ter sido chamada “dos Tintureiros”, embora Pinto Loureiro tenha, anteriormente, identificado esta rua com a Rua da Louça (288). Aqui se concentravam os tintureiros, que se dedicavam a actividades relacionadas com os tecidos, dando-lhes cor e confeccionando roupas. Esta rua foi, posteriormente, ocupada por vendedores de panos ao metro – que por lá ainda se vêm – e vestuário. Largo da Maracha Espaço exíguo que recebe a Rua do Corvo e ladeia a Rua da Louça, pertencendo a Santa Cruz as habitações do lado direito. Assume a forma de um pequeno rectângulo com os dois lados maiores voltados para Nascente e Poente, e o lado Norte assente no meio da Rua da Louça, através da qual comunica com o Largo das Olarias. Comunica, a Poente, com a Rua do Corvo. Maracha deriva de Marachão, o que de imediato alude aos terrenos apaulados do arrabalde, húmidos, sujeitos a inundações frequentes pela invasão das águas do Rio Modego. Ali se formavam, em tempos de cheias, regos por onde escorriam as àguas. A referência mais antiga data de 1873/1874, que o situa e enquadra na planta geral da cidade. Largo do Poço Formado por um rectângulo que tem o seu lado Norte assente na Rua da Louça e o Sul sobre a Rua do Corvo, pertencendo à freguesia todas as habitações à direita. No passado teve outras designações: Terreiro do Pocinho e Chão da Adega Pintada. Este chão, pertença do Mosteiro de Santa Cruz, terá sido objecto de escambo com a Câmara Municipal, que cedeu por troca, em 8 de Novembro de 1493, um pedaço da Rua dos Pintadores (depois Rua dos Sapateiros e actualmente Rua Eduardo Coelho) (289). Rua do Moreno Estende-se de Norte para Sul do Terreiro da Erva ao Terreiro do Marmeleiro. Teve também a designação de Rua da Videira, antes, depois e em simultâneo com Rua do Moreno, havendo confusão nos documentos com o Terreiro do Marmeleiro «…como



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III – A Baixa

se ambas fossem adequadas para mencionar lugares públicos que nenhuma semelhança têm um com o outro» (290). Como Rua da Videira aparece pela primeira vez em 17-I-1539, quando o Cardeal D. Henrique ali emprazou umas casas. Há dúvidas quanto ao facto de ter tido a denominação de Rua do Forno do Marmeleiro. A mais antiga referência documental à Rua do Moreno diz respeito a um contrato de emprazamento feito pela Universidade em 1553, em que se referem umas casas junto ao Terreiro do Marmeleiro que anteriormente se designava por Rua do Moreno e depois por Rua da Videira (291). Moreno é frequente na toponímia do Sul do país, derivando de mouro, do latim Mauro (habitante da Mauritânia), e estará «…relacionado com o tom de pele escuro caracteristico dos naturais da Mauritânia (…) actualmente, no português padrão, usa-se para qualificar o referido tom de pele ou o tipo físico com ela relacionado» (292). Para os estudiosos esta é a pista a seguir: «A denominação desta rua resultou possivelmente do facto de ali ter vivido, possuir ou haver praticado qualquer acto de que lhe proviesse certa notoriedade, algum indivíduo de apelido ou alcunha “Moreno”. E, desfiando pela ordem cronológica os portadores conhecidos de tal apelido ou alcunha, encontram-se: João Moreno, lente substituto da faculdade de leis desde 31-X-1548, natural de Safim, e que tomou o grau de doutor na presença do infante D. João, filho do rei D. João III; Lourenço Moreno, que andou em demandas com a Câmara sobre a posse dos cargos de partidor e solicitador dos órfãos de Coimbra, sendo referida no alvará régio de 29X-1558 (…) e Domingos Pires, por alcunha o “Moreno”, bem conhecido pelas suas actividades usurárias e que no seu testamento (28-III-1635) instituiu a Misericórdia de Coimbra como herdeira universal dos seus bens» (293). Na Rua do Moreno e no Nº 15 funciona em instalações do Rancho Folclórico das Tricanas de Coimbra, os balneários públicos, que servem mensalmente 12 a 18 utentes, serviço disponibilizado diariamente, excepto aos Domingos. Terreiro da Erva Amplo espaço situado na baixinha da cidade, confina com diversos arruamentos, os quais, partindo do Nascente e no sentido dos ponteiros do relógio, se dispõem do seguinte modo: Rua do Carmo, Beco do Fanado, Beco de S. Boaventura, Rua do Moreno e Rua Direita. O terreiro engloba o antigo Adro de Santa Justa detectando-se, actualmente, outro lugar com esse nome nos limites geográficos da freguesia e que diz respeito à nova Igreja de Santa Justa, localizada no extremo setentrional da Rua da Sofia. O desaparecido Quintal do Prior foi também integrado no Terreiro da Erva, e diz a tradição oral que ficava a sudoeste, comunicando com a Rua Direita, aparecendo a primeira designação no século XVI (294).



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

A velha Igreja foi abandonada em consequência das nefandas inundações do Mondego em 1708 mas, durante séculos, o antigo adro de Santa Justa foi via priviligiada de acesso entre a Rua Direita e o Terreiro da Erva. Por sugestão da Subcomissão de Toponímia e edital datado de 17-VII-1959, a Câmara Municipal suprimiu «…as denominações Quintal do Prior e Adro de Santa Justa, ficando esses locais abrangidos na denonimação Terreiro da Erva» (295). Acrescente-se, a propósito, que a designação de Adro, frequente noutros tempos, caiu em desuso no decurso do séc. XIX com o aparecimento de diversos cemitérios em volta dos templos. Ao longo dos tempos o terreiro foi sendo alargado por iniciativa do municipio. Apetecível para construção, foi pensado para os mais diversos fins, chegando a projectar-se para o local um novo mercado municipal, servido por uma rua que, felizmente, nunca chegou a abrir-se entre a Rua da Sofia e a Avenida Fernão de Magalhães. A partir dos anos vinte e durante algum tempo, foi um importante posto de descarga de mercadorias trazidas pelos «carroções da Beira» (296). Pelos finais de 1990 a Câmara Municipal iniciou o processo de regularização do estacionamento automóvel neste largo. Ali mantem as suas instalações a Sociedade Cerâmica Antiga de Coimbra, estando idealizado um projecto de revitalização do espaço e dinamização da faiança coimbrã, que já recebeu a declaração de interesse para o turismo nacional por parte do Turismo de Portugal. Ladeira de Santa Justa Principia na Rua da Sofia e termina no Bairro de Santa Justa. Dá acesso a um agradável adro, com vistas sobre os campos do Mondego. A Ladeira de Santa Justa foi celebrada na cantiga popular: Adeus Rua da Sofia Ladeira de Santa Justa; Ando mal co´meu amor Sabe Deus quanto me custa! Beco do Fanado Pequena e estreita artéria que liga o Terreiro da Erva à Rua da Sofia. Só em 1956 se rasgou a comunicação para a Rua da Sofia, não havendo até então qualquer comunicação. Tem origem no nome pessoal ou apelido Fanado, que deriva do verbo fanar, de origem ainda não esclarecida, sendo de colocar a hipótese «…de se tratar do latim FANARE “consagrar” que, por influência hebraica, teria evoluído semanticamente para “circundar”, e daí para “castrar” e “amputar”, sentido em que o verbo já era usado por Fernão Lopes (Crónica de D. João I)» (297).



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Ladeira da Forca Íngreme caminho que parte, sensivelmente, do cruzamento da Rua Figueira da Foz com a Rua de Aveiro e sobe toda a encosta voltada a Ocidente, até ao lado Poente/Sul do Cemitério da Conchada. O mais antigo documento data de 24-II-1512, e refere uma vinha e olival «à forca», aparecendo como Ladeira da Forca num emprazamento que a Universidade ali fez em 9-IX-1579 (298). A Ladeira da Forca alude a um momento da nossa história em que a pena de morte vigorava como lei. Desse tempo restam a memória do local (a forca localizava-se na área do actual cemitério) e os vestígios do caminho de acesso (a ladeira da forca). De facto, nos montes atrás da Conchada escondia-se a forca. Na encosta existia uma pedreira conhecida pela mesma designação. Em Novembro de 1895 o município mandou reparar o caminho da Ladeira da Forca. Azinhaga do Carmo Estende-se ao longo da encosta de Montarroio, de Poente para Nascente, da Rua da Sofia ao Largo da Conchada e é bastante conhecida do povo por ser particularmente íngreme. Compreende dois lanços: o primeiro vai até à escadaria de acesso à Rua Dr. Dias Ferreira e, o segundo, inicia-se depois do cruzamento com a Rua Infante D. Henrique indo até ao Largo da Conchada. Esta via dá acesso à Cerca de S. Bernardo. A sua denominação resulta do facto de ladear pelo lado Sul, a igreja e a cerca do Colégio do Carmo. O primeiro documento que alude a esta azinhaga data de 1550 e está, intimamente, ligado ao Colégio do Espírito Santo ou de S. Bernardo, separado do Colégio do Carmo por esta via (299). No entanto, a ligação à Conchada parece ser uma realidade apenas do século XIX, como se deduz do seguinte depoimento: «Em 11-VIII-1860, a Ordem Terceira obteve do Governo a cerca do Colégio do Carmo, com excepçáo da parte necessária para a projectada estrada da Azinhaga do Carmo ao cemitério da Conchada» (300). Os terrenos da cerca seriam urbanizados, nele se construindo uma unidade residencial no princípio dos anos 70. Rua do Carmo Parte da Rua da Sofia, no sentido Nascente-Poente, e termina na Avenida Fernão de Magalhães. Dá acesso ao Terreiro da Erva e articula-se também com a Rua Direita e Rua Pedro Olaio. A designação deve estar, certamente, relacionada com o colégio carmelita.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Beco de S. Boaventura Localiza-se entre o Terreiro da Erva e a Rua da Sofia. No passado foi designado por Travessa de S. Boaventura e o seu nome deriva do colégio universitário ali erguido. Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes Principia na Praça 8 de Maio e termina na Avenida Sá da Bandeira. No sentido ascendente e para Sul articula-se com o Jardim da Manga e Largo Mercado D.  Pedro V, a Norte, com Rua Pedro da Rocha e Rua da Manutenção Militar. Teve, anteriormente, outras designações entre as quais Rua dos Cónegos Regrantes, que corria entre o edifício do Mosteiro de Santa Cruz e o edifício do celeiro, ficando-lhe do lado Norte a torre sineira e que servia de serventia particular para uso do mosteiro. No século XIX, com a construção do mercado entre o edifício do celeiro e o mosteiro de Santa Cruz passou a designar-se Rua do Mercado. Por decisão da Câmara Municipal de 26-I-1843, mandou-se abrir «…a projectada rua pela horta do extinto convento de Santa Cruz, para comunicação com a cidade baixa e repartições concentradas em Santa Cruz» (301). Mais tarde, pela deliberação de 4-V-1848 concordou-se em que «…a abertura da via de comunicação da Fonte Nova com a Praça de Santa Cruz (actual Praça 8 de Maio), se fizesse pelo leito da antiga Rua dos Cónegos Regrantes» (302). A 12 de Março de 1885 a Câmara Municipal pediu autorização ao governo «…para se alargar a Rua do Mercado, cortando-se o edifício dos correios em Santa Cruz, desde a porta do antigo Jardim da Manga até ao arco que faz frente para o mesmo Mercado» (303). A Rua do Mercado formava-se, afinal, à custa do Pátio de Santa Cruz e da Horta do mesmo mosteiro, estendendo-se de Poente para Nascente, desde a actual Praça 8 de Maio até ao local onde tem hoje início a Rua da Manutenção Militar. Foi a pedido da Associação dos Artistas, que a Câmara Municipal decidiu dar à Rua do Mercado a actual denominação de Rua Olimpío Nicolau Rui Fernandes, homenageando o fundador da associação (304), que foi também um dos seus grandes promotores. O homenageado nasceu em Lisboa a 26 de Julho de 1820 e faleceu em Coimbra a 2 de Abril de 1879 com a idade de 59 anos. Do seu percurso profissional consta o ter sido aprendiz de tipógrafo da Imprensa Nacional com apenas 14 anos (1834), revisor do Diário do Governo em 1853 e administrador da Imprensa da Universidade no ano seguinte. Destacou-se ainda no meio associativo operário: promoveu a fundação da Associação dos Artistas em 1862; a Associação Comercial em 1863; a Sociedade Conimbricense do Sexo Feminino em 1867, a Associação Liberal em 1875 e a Companhia Edificadora e Industrial em 1876 (305).



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III – A Baixa

Pátio da Inquisição Recinto fechado com apenas duas comunicações para o exterior: a Nascente, pela Rua Pedro Rocha e, a Poente para a Cerca de S. Bernardo. A designação Pátio da Inquisição deriva de ter existido no conjunto edificado do lado Poente, o antigo Tribunal do Santo Ofício. Extinta a inquisição em 1821, a zona começou a povoar-se e a cercar-se de construções. A 2 de Maio de 1895 o município tentou alterar a designação para Pátio de Montarroio, sendo substituída pela actual por deliberação da Câmara Municipal de 2 de Maio de 1965 (306). Entre 1997 e 2003 decorreu a reabilitação arquitectónica urbana e paisagística do complexo do Pátio da Inquisição e da Cerca de S. Bernardo, projectado por João Mendes Ribeiro e Teresa Alfaiate. Rua Pedro Rocha Via que liga o Pátio da Inquisição com a Praça 8 de Maio. Articula-se, no sentido ascendente e do lado Nascente, com a Rua de Montarroio e Beco de Montarroio. Ao longo dos tempos designou-se por Rua do Pátio da Inquisição e Rua de Montarroio. O primeiro gesto para com o homenageado ocorreu a 06 de Março de 1913, quando a Câmara «…resolve mandar colocar uma lápide na casa da rua do Patio da Inquisição, onde nasceu o Dr. Pedro Rocha» (307). Posteriormente e a pedido de diversos municípes a Câmara deferiu, a 19-X-1916, o pedido que lhe foi feito para que se desse o à Rua do Pátio da Inquisição o nome de Rua Dr. Pedro da Rocha (308). Nesta rua tem a sua sede um dos mais emblemáticos jornais da cidade; O Despertar, fundado a 2 de Março de 1917. Rua da Manutenção Militar Principia na Avenida de Sá da Bandeira e termina no Largo de Montarroio (confluência das Ruas de Montarroio, Saragoça e António de Vasconcelos). No sentido ascendente e até ao Largo de Montarroio pertencem à Freguesia de Santa Cruz as habitações do lado esquerdo. Esta rua, cujo projecto o município aprovou em 1899, principiou a construir-se por volta de 1900, abrindo ao público em 28 de Fevereiro de 1901. Por deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 2 de Julho de 1903 «… foi dada à rua de ligação da actual Rua de Montarroio e da Avenida Sá da Bandeira o nome de Rua da Manutenção Militar, denominação esta provinda do facto de se haver ali construído o edifício da sucursal da Manutenção Militar, com frente para essa rua e para aquela avenida» (309).Por volta de 1870 o local servia como casa do palheiro do Mosteiro de Santa Cruz, e foi também usada como matadouro.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Enquanto não se abriu esta rua, fazia-se o acesso entre a Rua de Montarroio e a zona da Fonte dos Judeus ou Fonte Nova, por uma ruela que passava entre a cerca do antigo Hospício dos Abandonados (depois Escola Industrial e Comercial de Brotero e hoje Escola Secundária Jaime Cortesão) e casas particulares. A este caminho se refere o protesto dos moradores das ruas de Montarroio e da Manutenção Militar, que subiu à sessão municipal de 20 de Outubro de 1932 «…contra a apropriação por aquele serviço militar de uma viela que passa entre a retaguarda das casas daquelas ruas e as traseiras da Escola Industrial Brotero» (310). No entanto e por decisão do município, a 19 de Janeiro de 1933 a viela seria alienada à sucursal da Manutenção Militar, a pedido do seu chefe. Desta viela partia um caminho que atravessava a quinta dos crúzios em direcção à Fonte Nova, seguindo para a Porta Nova e ramificando-se em dois braços; um para a Rua Corpo de Deus e outro para a Rua Martins de Carvalho (ou Rua das Figueirinhas). Rua João de Ruão Via de ligação, no sentido Nascente-Poente, entre a Rua da Sofia (defronte da Igreja da Graça), e a Rua Simões de Castro. Articula-se a Norte com as Ruas Mário Pais e Rosa Falcão. Tomou esta designação pela deliberação camarária de 7-IV-1949, que concretizou o deliberado na sessão de 23-IV-1925, quando «…projectara-se uma rua de ligação da Rua Direita com a Rua da Sofia, por forma a estabelecer comunicação com a Capela do Tesoureiro, da antiga igreja de S. Domingos, monumento nacional» (311). Para a abertura da rua foi necessário demolir um edificio adossado à Capela do Tesoureiro, cuja abóbada abatera. A artéria homenageia o famoso arquitecto e escultor francês, nascido em 1500 em Ruão, cidade localizada nas margens do Rio Sena, que veio para Portugal em 1528, fixando residência em Coimbra em 1530. João de Ruão foi um dos introdutores da influência da renascença francesa no nosso país, deixando ampla obra na reconstrução do Mosteiro de Santa Cruz. Faleceu em Coimbra em 1580. Rua Mário Pais Dispõe-se no, sentido Norte-Sul, desde a Rua Manuel Rodrigues até à Rua João de Ruão. Tomou esse nome pela deliberação camarária de 21-V-1942, mediante proposta do dr. Abel Mendonça. Homenageia um industrial de Coimbra, fundador das Fábricas Triunfo. Outrora neste espaço se instalavam os circos que demandavam a cidade. Na rua situa-se a infelizmente famosa «torre do Arnado», edificio de vários andares que destoa do casario envolvente. Rua João Machado Principia na confluência das ruas da Sofia, Ladeira de Santa Justa e Rua Figueira da Foz e termina na Avenida Fernão de Magalhães. Anteriormente teve a denominação



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III – A Baixa

de Azinhaga de Santa Justa «…por estabelecer a ligação mais curta entre o Arnado e a Igreja; depois, Rua do Gasómetro e Azinhaga e Rua do Gás (…) mais tarde, de Beco do Arnado, por ser uma rua estreita no sítio do Arnado» (312). João Augusto Machado fora nos anos anteriores à sua morte, Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz. Ao ser conhecida a sua morte, reuniu o executivo a 4 de Novembro de 1925 tomando importante decisão: «O presidente depois de enaltecer as qualidades do seus saudoso presidente João Augusto Machado, cuja Junta em sinal de sentimento teve a bandeira a meia haste, durante 3 dias, propõe que se encerrasse a sessão em homenagem à sua memória, e que na primeira sessão da Câmara a realizar depois desta data, fossem todos pessoalmente pedir à vereação municipal que à Rua do Gazometro onde existe a oficina do notável artista, fosse dado o se nome» (313). A 30 de Novembro de 1925, a Câmara Municipal de Coimbra deliberou, na sequência deste pedido atribuir à rua o nome de João Augusto Machado. De facto, a junta homenageava, deste modo, o seu antigo presidente, mandando fazer e custeando a lápide. A rua seria inaugurada a 27-XII-1925, numa cerimónia que compreendeu um cortejo que saíu da Praça 8 de Maio, no qual participaram quase todas autoridades civis e militares da cidade. A artéria homenageia um grande artista-escultor, nascido em Coimbra no ano de 1862 e aqui morreu em 1925. Foi aluno da Escola Livre das Artes do Desenho e trabalhou em diversos locais: Palace-Hotel do Luso, restauro da Sé Velha, obras do Colégio de S. Tomás na adaptação feita a residência dos Condes do Ameal (hoje Palácio da Justiça). Foi dos primeiros a acorrer às lições de Mestre Gonçalves na desaparecida Escola Livre das Artes do Desenho, tornando-se num dos seus melhores discípulos. Inquieto, dotado de grande pureza de espírito, sentia a Arte no fundo da alma. Trabalhou em várias cidades do país mas é em Coimbra, onde tinha oficina na Rua da Sofia em frente do Quartel de Infantaria 23, que está a maioria das suas obras. Destacam-se os altares da Igreja de Santa Cruz, as decorações de casas e moradias (Palácio dos Limas, actual Faculdade de Economia; e casa da família Marta aos Arcos do Jardim, onde está a sede da Académica), o busto da República (na Câmara Municipal), as placas toponímicas das ruas Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar) e dezenas de jazigos. Dois dos seus trabalhos, um ornato e um crucifixo, foram premiados na Exposição Distrital de 1884 Foi professor na Escola Avelar Brotero onde deu aulas de entalhação e formou vários artistas, em que se inclui o filho, João Machado Júnior. Era um Republicano convicto. A lápide colocada na rua foi oferta do escultor Alberto Caetano, antigo discípulo do homenageado (314). Rua Simões de Castro Via que liga a Rua João de Ruão ao Largo do Arnado (confluência da Avenida Fernão de Magalhães com a Rua Dr. Manuel Rodrigues). Anteriormente ligava a Rua João Machado até à extremidade Norte da Rua Direita, no ponto em que esta se encontrava com



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

a Rua do Adro de Santa Justa. Com as transformações decorrentes da abertura da Avenida Fernão de Magalhães, a extremidade Norte da rua foi incorporada na nova artéria. Por deliberação camarária de 30-IV-1942 foi baptizada a rua, então conhecida como Rua do Arnado. A alteração pretendeu homenagear o erudito conimbricense Augusto Mendes Simões de Castro, nascido a 3-VIII-1845 e aqui falecido no ano de 1932. Formado em Direito «…passou grande parte da sua vida a investigar e estudar as antiguidades da sua terra, autor de um guia histórico famoso e de diversos outros trabalhos culturais que tornaram o seu nome inesquecível» (315). Nesta artéria localizou-se, durante décadas, a Sociedade Comercial Guerin, S.A. Rua Rosa Falcão Tem como limites a Norte, a Rua João Machado e, a Sul, a Rua João de Ruão. Atravessa a Rua Dr. Manuel Rodrigues, articulando-se, para Poente, por uma pequena via de comunicação que liga à Rua Dr. Mário Pais. Trata-se de uma artéria nova na cidade que resulta «…da urbanização do Arnado e está directamente ligada à abertura dos arruamentos aquando da adaptação e arranjo do actual Palácio da Justiça» (316). Por proposta das autoridades judiciais da cidade de Coimbra, e deliberação da Câmara Municipal de 26-XI-1931, atribuiu-se esta denominação «…em homenagem ao antigo secretário da Relação, Francisco Fernandes Rosa Falcão, à rua que ladeia, a poente, o Palácio da Justiça; e, em 28-I-1932, aprovou a placa para esta rua, tudo em reconhecimento dos serviços prestados pelo homenageado, como chefe do gabinete do ministro Dr. Manuel Rodrigues, na construção do Palácio da Justiça» (317). De facto, Rosa Falcão foi o 1º Secretário da Relação e grande entusiasta da campanha em prol da Relação de Coimbra. Rua Dr. Manuel Rodrigues Esta artéria principia na Rua da Sofia, e, no sentido Nascente-Poente, termina na Rua de Simões de Castro (ao Arnado). É atravessada pela Rua Rosa Falcão dos dois lados e recebe a Rua Mário Pais no extremo Sul. Teve, anteriormente, a designação de Rua Fabril «…topónimo dado em 9-12-1922, quando a Câmara decidiu mandar executar a abertura de novas artérias que contribuissem para a urbanização do Arnado» (318). O traçado da nova artéria foi aprovado em Novembro de 1928 e, por deliberação camarária de 5 de Novembro de 1931, passou a ostentar a actual designação.



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O homenageado, de seu nome completo, Manuel Rodrigues Júnior nasceu em 1869 e faleceu em 1946. A rua perpetua a sua acção enquanto Ministro da Justiça, pois subsisidou as obras de adaptação da residência dos Condes do Ameal a Palácio da Justiça. Foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo ascendido a catedrático pela Faculdade de Direito de Lisboa. Foi o primeiro Ministro da Justiça da ditadura de 1926-28. Ministeriável por diversas vezes desempenhou outros cargos políticos; Ministro das Colónias, da Instrução, das Obras Públicas e das Finanças. Vogal Vitalicio no Conselho de Estado e Sócio da Academia das Ciências, foi agraciado com a Grã-Cruz das Ordens de Cristo, Santiago de Espada e do Império Português. As reformas a que procedeu no campo juridíco levaram à Criação da Ordem dos Advogados. Rua Figueira da Foz Principia na Rua da Sofia, ligando a extremidade Norte desta rua (em frente da Rua João Augusto Machado), com a extremidade Sul da Rua do Padrão, no ponto conhecido por Casa do Sal. Intercepta a meio e para Nascente a íngreme Rua de Aveiro. Antes desta designação foi também conhecida por Rua de Fora de Portas, expressão que se aplicava, igualmente, ao bairro em que se situa. Durante os séculos XVIII e XIX esta rua teve as designações de Rua de Fora de Portas de S. Lázaro (pela proximidade ao hospital dos leprosos, e Rua de Fora de Portas de Santa Margarida, «…por motivo de ficar fora da porta ou Arco de Santa Margarida, na extremidade norte da Rua da Sofia» (319). A rua, no século XIX, sofreu inúmeras obras como colocação de candeeiros, canalizações e pavimentação. Em 1826, foi demolido o Arco ou porta de Santa Margarida «…que tomava o nome d’uma pequena capella, situada ao norte do ponto inferior do adro de Santa Justa, e que um incendio destruiu complectamente pelos annos de 1832. Este arco, que também se chamou de Santa Sophia, apoiava-se do lado occidental na esquina do Convento de S. Domingos» (320). Por deliberação camarária datada de 2-VII-1903 deu-se a denominação de Rua da Figueira da Foz à Rua de Fora de Portas, até à Casa do Sal (321). Rua do Arnado e Largo do Arnado Rua que parte da Avenida Fernão de Magalhães, para Poente na direcção do rio, e termina no caminho-de-ferro. Anteriormente, teve a designação de Avenida do Arnado, que lhe foi atribuída por deliberação camarária de 15 de Março de 1928. Unia a Avenida da Madalena (parte da actual Avenida Fernão de Magalhães) com a Avenida Marginal do Rio. O facto de ter na época uma largura muito assinalável, permitiu-lhe desfrutar da dignidade de ser considerada avenida até à década de 60. Na realidade, pela reunião de 04 de Agosto de 1960, a Subcomissão de Toponímia decidiu que a Avenida do Arnado passasse a designar-se por Rua do Arnado, justifi-



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cando a mudança com o facto de a artéria não reunir as caracteristicas próprias de uma avenida. A alteração ficou-se a dever «…ao encurtamento do espaço da via e, também, às modificações operadas aquando da abertura da Avenida Fernão de Magalhães» (322). A este dado deve ainda adicionar-se o facto de por deliberação da Câmara Municipal de 30 de Abril de 1942, a Rua do Arnado ter ficado «…amputada, e recebera, em parte do primitivo trajecto, o nome de Rua Simões de Castro» (323). Nessa rua localizam-se os antigos armazéns, oficinas e escritórios da conhecida tipografia e editora Coimbra Editora L.da. Ocupa uma área de 6.000 metros e a sua construção e orientação técnica foi dirigida pelo Engº Carlos Michaelis de Vasconcelos, ao tempo profundo conhecedor das melhores instalações tipográficas da Alemanha. A Coimbra Editora L.da nasceu na década 1910-1920 quando em Coimbra a indústria se desenvolvia notavelmente. Na época não havia na cidade nenhuma grande casa tipográfica ou editorial, pelo que o prof. Guilherme Moreira e José Pinto Loureiro constituíram uma sociedade por quotas em Agosto de 1920, financiando a compra dos terrenos no Arnado, adquirindo a livraria da sociedade França & Arménio (324). O Largo do Arnado é a designação dada à zona envolvente ao local onde, durante anos, existiu a Capela do Santo Cristo do Arnado (actualmente defronte da Auto In-

Foto 68 – Ao fundo e paralela ao rio a zona do Arnado

dustrial), onde costumava exercer a sua profissão um policia-sinaleiro. O largo recebe diversas artérias: Avenida Fernão de Magalhães, Rua Simões de Castro, Rua João Augusto Machado, Rua Dr. Manuel Rodrigues e Rua do Arnado. O Arnado era a via de acesso à entrada da cidade vindo do Norte. Ali existia uma porta, A Porta do Arnado, que franqueava a entrada na cidade. Vem referida em 1557, quando se fez a eleição para guarda mor da mesma (325).



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Avenida Fernão de Magalhães Corre de Norte para Sul desde a Rua do Padrão ao Largo das Ameias, articulando-se do seguinte modo: a Poente com as Ruas do Arnado, Oleiros, Azinhaga da Pitorra e Rua António Granjo; do lado nascente com as Ruas Padre Estêvão Cabral, João Machado, Dr. Manuel Rodrigues, Dr. Simões de Castro, Rua do Carmo, João Cabreira, Simão de Évora Loiça, Padeiras e Adelino Veiga. Esta avenida resulta, na realidade, da justaposição de diversos espaços: Tanoarias ou Terreiro das Tanoarias e Largo das Tanoarias que confinavam com o extremo poente da Rua Adelino Veiga; Rua da Madalena ou Avenida da Madalena. Tanoarias aparece na documentação antiga com a forma Tinuarias, sendo o documento mais antigo uma escritura de hipoteca ao convento de Santa Cruz, de bens naquele aí situados (326). Tal designação derivará do facto de ter sido «…local de concentração dos tanoeiros, uma das muitas profissões medievais que se concentraram nas ruas do arrabalde coimbrão» (327). Referências a Madalena colhem-se no Livro do Almoxarifado de 1395 e, também, em 1418, quando a Sé deu de emprazamento umas casas com sua quinta e cortinhais nesse local, sendo a designação Rua da Madalena um facto comprovado a partir de 16X-1528, quando nessa rua o convento de Santa Cruz deu de aforamento a um oleiro umas casas e quintal (328). A origem deste topónimo permanece incerta, embora seja de considerar que tal designação derive «…do nome de mulher com aquele nome e que ali possuiu algum terreno ou foi alvo de evento de vulto ou popular» (329). Na planta geral da cidade de 1873/1874 a Rua da Madalena não ultrapassava a Norte, a ligação da Rua da Moeda com a Azinhaga da Pitorra, o que induz ter havido posteriormente um avanço na rua para Sul. No início do século e com a necessidade da abertura de uma avenida para a estação do caminhode-ferro, principiaram os trabalhos conducentes ao alargamento da Rua da Madalena. Na segunda década do século XX o crescimento da cidade tornou inadieável a abertura de uma via que desse «…escoamento ao crescente aumento de gentes e veículos que demandam, circulam e utilizam a rodovia que vem da Rua Figueira da Foz e se dirige à Rua da Sofia e Praça 8 de Maio» (330). A primeira voz a levantar-se a favor da nova artéria foi a do vereador Francisco Vilaça da Fonseca, que na sessão camarária de 3 de Junho de 1920, apresenta proposta para execução de uma grande avenida. No seguimento e, por deliberação camarária de 14-IV-1921, a projectada Avenida da Madalena passou a designar-se pela actual denominação, acolhendo-se favoravelmente, a sugestão do presidente da Direcção do Instituto de Coimbra (331). Este alargamento, tal como nos princípios do século, fez-se à custa de expropriações por utilidade pública (nalguns casos com troca de terrenos), não só de edifícios na dita rua mas também na Rua da Moeda, Azinhaga do Pitorra, Rua João Cabreira. Entre 1932 e 1959 esteve a artéria amputada de significativa parte. De facto a edilidade deliberou na sessão de 8/12/1932, que se desse o nome de Avenida Oliveira Salazar ao



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troço compreendido entre a Rua da Moeda e o Arnado. Situação que se manteve inalterável até que nas sessões camarária de 11/06 e 09/07 de 1959, se debate o contra-senso da divisão e se decide manter em toda a avenida a denominação inicial. A partir de então a Avenida Fernão de Magalhães passou a estender-se do Largo das Ameias à Rua do Padrão. Ao longo dos tempos a Avenida Fernão de Magalhães foi sofrendo diversas intervenções de beneficiamento e alargamento. As fases dos trabalhos para abertura da nova avenida podem identificar-se nos anos de 1927, 1936, 1938, 1939 e 1946, que se referem ao prolongamento até à Auto-Industrial, com várias expropriações entre as quais a conhecida Ínsua da Casa do Sal, que ocupava uma área de 8.580 M2 a D. Amélia Esteves da Cruz Brinca (332). Foi nesta altura que se demoliu a antiga Capela do Arnado. Algumas instituições e particulares cederam terrenos para o desejado alinhamento, como foi o caso da Auto-Industrial. Esta é uma das históricas empresas da baixa e da própria avenida. A 9 de Setembro de 1937 pede licença à câmara para construir um edifício destinado a oficina e garagem nos seus terrenos do Arnado. Como havia cedido 1.800 m2 para abertura de ruas, o município vem a compensar a atenção, muito justamente, com a dispensa de taxas nos terrenos em que edificava a sua garagem (333). A 16 de Maio de 1940 a Câmara Municipal vistoria e aprova a construção do seu edifício. Em 1939 é aprovado o projecto de ligação à Rua Figueira da Foz expropriando-se terrenos para o efeito durante 1940-1943. Como as obras decorriam com alguma lentidão, «..foi posto a concurso o troço que faltava, tendo sido aprovada a proposta para as terraplanagens e esgotos, a João Pedro Sanches Archer de Carvalho, em 28 de Março de 1944, quando era presidente da edilidade o dr. Alberto Sá de Oliveira» (334). 1954 foi um ano fulcral para a urbanização do espaço, atingindo-se o cruzamento da estrada para Coselhas e Choupal, à Rua do Padrão, dando-lhe a feição que hoje tem. Nesse ano foram expropriados por utilidade pública «…24 prédios que incluíam 17 pequenas casas térreas e mais 12.990 metros quadrados de logradouro» (335).

Foto 69 – Avenida Fernão de Magalhães pouco depois de aberta à circulação



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Em Dezembro de 1966 o município aprovou a ampliação dos prédios da margem sudoeste da avenida, de cuja medida se esperava a valorização da parte baixa da cidade, na sua entrada pelo Norte. Esta avenida, fundamental para o desenvolvimento da cidade, procura homenagear um dos mais famosos navegadores da época dos Descobrimentos, que a história consagrou pela realização da primeira circum-navegação do globo terrestre. A proeza para sempre ligada à História da Humanidade. Fernão de Magalhães nasceu em 1489, em Trás-os-Montes e provavelmente em Sabrosa, na sua casa solar da Pereira, no seio de uma nobreza de segunda linhagem. Com 25 anos alista-se na Armada de D. Francisco de Almeida (1º vice-rei da Índia) e ruma para o Indíco. Regressa a Lisboa em 1513, alistando-se na expedição que partia para Azamor, chefiada pelo Duque de Bragança, vindo a desempenhar a função de quadrilheiro mor, que compreendia a superintendencia na repartição dos despojos de guerra. Magalhães abandona o Reino e dirige-se a Sevilha, onde decorriam os preparativos dos Descobrimentos castelhanos. Trava conhecimento e aprofunda relações amistosas com Rui Faleiro, feitor da Casa da Contratação, que incentiva e apoia o projecto da volta ao mundo. Em Setembro de 1519 parte a sua expedição, composta por uma esquadra de 5 navios e 265 homens. A 8 de Dezembro do mesmo ano atinge a América do Sul, alcançando a 31 de Março de 1520 a entrada do estreito que hoje tem o seu nome. Debatendo-se com diversos problemas entra nas águas do Pacifíco em Novembro de 1520, demorando quatro meses a travessia penosa, em que a maioria da população se vê acometida de fome, escorbuto e sede. A 7 de Abril de 1521, já nas ilhas orientais, Fernão de Magalhães é atraído a uma emboscada perpetada pelos naturais e é morto. A expedição continuará no rumo certo sob o comando de Sebastião Del Cano. Contando apenas com 60 homens, iniciou-se o regresso pelo Indico. A viagem prosseguirá até 6 de Setembro de 1522, aportando em S. Lucar de Barrameda, com apenas 18 dos 256 homens que haviam iniciado a expedição. Azinhaga do (ou da) Pitorra Prolongamento sem saída que liga a Avenida Fernão de Magalhães ao caminho-deferro, paralela à Escola do 1º ciclo de S. Bartolomeu. Antes da construção do ramal de caminho de ferro que ligou a Estação Velha à Estação Nova a rua estendia-se até ao Mondego, constituindo o prolongamento da Rua da Moeda a partir do ponto em que esta era interseccionada pela Rua da Madalena. A população não apreciou que o caminho-de-ferro impedisse aquela comunicação e em dois momentos diferentes apresentou reclamações: a 3-XII-1884, a propósito da concessão de terrenos e a 18-XII-1930, aquando da reconstrução da Estação Nova. A referência mais antiga a seu respeito data de 1574, quando era ainda artéria inominada, e surge referida como «…a via pública que vem da Rua da Moeda e vai ter ao rio» (336).



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Rua Padre Estevão Cabral Esta artéria parte das escadas de acesso à Rua Figueira da Foz, no sentido NascentePoente, cruza a Avenida Fernão de Magalhães e segue até ao caminho-de-ferro. É de formação muito recente e resulta da urbanização subsequente à abertura da Avenida Fernão de Magalhães. A Câmara aprovou o novo topónimo em 15 de Outubro de 1969. Nesta artéria está hoje instalada a Sede da Junta de Freguesia de Santa Cruz. Na artéria incorporou-se parte da Azinhaga dos Lázaros, que principiava na Rua Figueira da Foz, cruzava a actual Avenida Fernão de Magalhães e terminava no Porto da Pedra, junto ao Mondego. Tal designação remontava ao século XIX e deriva do facto de ali ter existido o antigo Hospital dos Lázaros, do qual se observam vestígios. O homenageado de seu nome completo Estevão Dias Cabral, foi destacada fisíco e matemático português, nascido em Tinalhas em 1734 e falecido em S. Vicente da Beira a 1 de Fevereiro de 1811. Entrou para a Companhia de Jesus em 1750 embarcando para Itália com a expulsão dos jesuítas ordenada pelo Marquês de Pombal. Ali e a convite do Papa Clemente XIV regeu a cadeira de Matemáticas na Universidade Gregoriana de Roma, onde elaborou um estudo de geometria e matemática, que conheceria grande sucesso. Em 1788, D. Maria I chama-o de volta a Portugal e encarrega-o de elaborar diversas memórias sobre os cursos de água do país. A ligação a Coimbra resulta da execução do projecto de encanamento do rio Mondego (aviso régio de 14 de Junho de 1790 e alvará de 22 de Março de 1791). Rua Abel Dias Urbano Artéria que vai da Rua Padre Estêvão Cabral para Sul e não tem saída. O homenageado nasceu em Santa Comba Dão em 1872 e faleceu com 82 anos, em 1954. Licenciado em Matemática pela Universidade de Coimbra, ingressou no exército atingindo a patente de Coronel de Engenharia.Como militar desempenhou as funções de Comandante do Polígono Militar de Tancos e Inspector de Fortes e Castelos. Radicado em Coimbra onde foi professor liceal, colaborador do jornal O Despertar e Presidente da Câmara Municipal de 1928 a 1930. Enquanto presidente do município o seu nome ficaria ligado a um dos mais significativos planos de urbanização da cidade. Rua (ou estrada) do Padrão A estrada do Padrão segue, no Sentido Sul-Norte, desde o cruzamento da Rua Figueira da Foz com a Estrada de Coselhas terminando na Estação Velha. Até ao Verão de 1954, «…ligava o bairro da Estação Velha com a Rua da Figueira da Foz, até ao ponto de convergência com esta da estrada de Coselhas. E nela vinham



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entroncar: do lado nascente, o Caminho do Ingote, o Caminho do Arco-Pintado e a Estrada de Eiras; e, do lado poente, a Avenida Fernão de Magalhães, e a chamada Estrada do Choupal, de ligação com a Ponte-Cidreira. No Verão de 1954, antes da inauguração da novíssima ponte de Santa Clara, para se dar à cidade uma entrada condigna do lado do Porto, empreendeu-se uma notável tarefa de alargamento e regularização, demolindo uma série de velhas e miseráveis casas, fazendo importante aterro do poente e rebaixando a estrada desde o Arco-Pintado até ao extremo norte do Padrão» (337). Sobre o topónimo Padrão «…é de supor que se filie na circunstância de ali ter havido (…) um padrão, há muito desaparecido, marca de jurisdição do ducado de Aveiro, extinto desde o famoso atentado contra o rei D. José, em 1759» (338). O topónimo abrange não só a rua mas uma zona mais alargada que se estendia até ao rio. Nas suas imediações existia a conhecida Ínsua do Padrão, de Francisco de Paula e Oliveira, foreira à Coroa Real; por volta de 1824, além do foro pagava a ração de 1/3 (339). Rua Cidade Aeminium Dá-se este nome à artéria que vai desde a ponte açude à Estação Nova (sentido Norte-Sul). O troço compreendido dentro dos limites de Santa Cruz vai até às antigas Fábricas Triunfo. Grande parte da sua história está “camuflada” pela designação de Avenida Marginal, troço que actualmente liga a Avenida Cidade Aeminium com a nacional Nº 111-1 (que liga Coimbra à Figueira da Foz) na rotunda do Choupal. Na reunião do executivo municipal, de 26 de Julho de 1956, discutiu-se o problema da abertura desta desejada via, propondo-se «a sua activação junto do Governo». Contudo apenas em Fevereiro de 1958, o Ministro das Obras Públicas aprova a sua construção. A obra seria executada seguindo especiais cautelas no que toca às passagens de nível e comboios dentro da cidade. Um cuidado que se estendeu ao Choupal tendo-se, inclusivamente, criado nos anos cinquenta a Comissão de Defesa e Regularização do Choupal. No entanto, demoraria muito tempo a sua construção e abertura. Integrada dentro dos planos de urbanização da baixa a Avenida Marginal foi um dos temas mais importantes das diversas vereações do município, ganhando especial relevo durante a presidência de Moura Relvas. De facto a construção dessa avenida, paralela ao rio, torna-se nessa época uma autêntica cruzada, envolvendo-se de forma calorosa a imprensa e a população da cidade. Para Moura Relvas a avenida era um imperativo: «…impõe que se leve a efeito este importante melhoramento, que trará à capital do Centro do País perspectivas aliciantes da sua beleza paisagística, do seu equilíbrio urbanistíco, do seu valor turístico, e das suas condições económicas» (340). Sabia bem Moura Relvas e os seus vereadores como a avenida se interligava com diversas variantes: electrificação da linha do Norte, remodelação citadina do sistema de tracção eléctrica, valorização do Choupal, revitalização de uma zona incaracterística e amorfa e, sobretudo a questão do aumento do tráfego rodoviário.



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Por todos estes motivos a 5 de Março de 1963 uma comitiva composta pelo Presidente da Câmara, Governo Civil, Deputados Santos Bessa e Augusto Simões, Presidente da Junta Distrital (Bissaya-Barreto) e Delegado do Instituto Nacional do Trabalho, deslocam-se a Lisboa para reunirem com o Ministro das Comunicações com vista à abertura da mais do que desejada Avenida Marginal. Na altura, a problemática da nova avenida alargara-se. O conjunto Avenida Marginal-nova ponte-Avenida Central-urbanização da Ínsua de Santa Clara formava o núcleo duro da transformação urbanística pretendida para a cidade. A autorização para a sua construção seria concedida em 1969, sendo iniciada depois do município concluir as obras que andava realizando, como instalação de saneamento e pavimentação de importantes vias. A urgência era cada vez mais intensa, até porque os números do tráfego rodoviário na Av. Fernão de Magalhães não paravam de aumentar: em 1960 contaram-se 8360 viaturas, em 1965, 12003, em 1970, 18.070 (341). A importância deste melhoramento emerge das palavras proferidas pelo Presidente da Câmara no dia em que se aprovou o Plano de urbanização de Coimbra – 1971. Avenida marginal, Nó de Coselhas e segunda ponte sobre o Mondego. Na abertura da sessão, a 27 de Julho, Moura Relvas classifica o plano como «o empreendimento mais importante, entre os que, até hoje, foram apresentados nesta Câmara Municipal» (342). O plano submetido ao Ministro das Obras Públicas dará lugar ao despacho de 5 de Janeiro de 1972, que mandava elaborar o estudo do Sistema Rodoviário de Coimbra. Dado o avultado investimento e por a dita avenida passar para fora da área de jurisdicção do município, o troço entre a fábrica dos Mirandas atè à passagem inferior junto ao Rio Velho seria executada a expensas da Direcção Hidraúlica do Mondego (343). Quanto à segunda ponte sobre o Mondego foi integrada nos finais de 1973, e por deliberação do Ministro das Obras Públicas, nas obras de aproveitamento hidroroeléctrico e agrícola, que por sua vez se integraram no IV Plano de Fomento, empreendimento então assumido como legado para as gerações vindouras. O projecto da ponte seria interrompido pelos acontecimentos de Abril de 74. No entanto, logo em Janeiro de 1975 o projecto da ponte-açude sobre o Mondego foi entregue em Lisboa na Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, para abertura do respectivo concurso. O projecto da Avenida Marginal foi aprovado por deliberação camarária de 17 de Agosto de 1987, sendo a sua construção retomada nos finais de 1988, depois de conseguida a desafectação de parcela da Mata Nacional do Choupal. Os últimos trabalhos, bem como o arranjo da zona envolvente à ponte açude datam de meados dos anos 90. Aeminium era o nome romano da actual Coimbra. Rua Pedro Olaio Rua transversal à Rua do Carmo, paralela à Avenida Fernão de Magalhães, aprovada e ratificada pelo executivo municipal em 22 de Outubro de 2002.



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A artéria homenageia Pedro Olaio, pintor natural de Coimbra, falecido em Miramar, Porto, a 24 de Junho de 1997. Começou a pintar com 17 anos. O Porto, cidade onde viveu, serviu-lhe de inspiração para os seus trabalhos, ficando celebrizado com os “Nocturnos”. Em 1931 fundou na Cidade de Coimbra o jornal humorista O Piririca e no ano de 1968 publicou o seu único livro de poesia intitulado Tudo isto e Mais Alguma Coisa. Realizou exposições em diversos locais do país e é considerado um dos maiores pintores impressionistas do seu tempo.

Foto 70 – Praça de Sansão no princípio do século XX



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D. Instituições de referência localizadas na baixa, Freguesia de Santa Cruz (344) 1. Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra A 7 de Abril de 1889 realizou-se a Assembleia Geral da Constituição da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra, dando cumprimento ao despacho de 26 de Janeiro de 1889, do Governo Civil de Coimbra, que aprovou os estatutos elaborados por uma comissão de que faziam parte homens de rija tempera como José Simões Pães, António dos Santos Fidalgo, João Pedro de Jesus e José Cardoso (345), depois de duas outras tentativas terem sido goradas. Naquela assembleia leram-se os estatutos a todos os sócios, dando-se posse aos dirigentes eleitos: Presidente: Augusto José Gonçalves Fino Vice-Presidente: Joaquim de Sousa Lemos Tesoureiro: Manuel Miranda 1º Secretário: Francisco da Fonseca 2º Secretário: António Simões 1º Comandante: Afonso Alves de Figueiredo 2º Comandante: José Simões Paes No que diz respeito aos sócios activos os estatutos diziam que estes têm a seu cargo o desempenho de todo o serviço de extinção de incêndios e devem pagar uma jóia de 500 reis e a mensalidade de 100 reis incêndios. Acorrer a explosões e inundações eram a prioridade da associação. Legalmente constituídos fixaram-se em casa própria na Praça do Comércio Nº 271°, onde estivera o Hospital de Todos-os-Santos-Hospital Real, actualmente o prédio da papelaria Marthas A 1ª Bomba custou 1 200 reis, e foi adquirida com fundos das anteriores comissões. O restante partiu da intervenção dos deputados Emídio Navarro e Matoso Corte-Real, e do Governador Civil, Dr. Manuel Pereira Dias junto do Ministro das Obras Públicas. A população também contribuiu. Adquirida a Bomba, houve que arranjar espaço para a recolher. Daí nasceu o primeiro quartel-estação na Rua Adelino Veiga então Rua das Solas, nos baixos do prédio do Recolhimento do Paço do Conde, actual loja do Saul Morgado. O 1º Quarteleiro foi o funileiro José da Cunha, um dos fundadores e que morava ao lado. A população contribuiu com dinheiro para os primeiros uniformes e capacetes, preparados pelo então 1º Comandante José da Silva Pais, hábil artista de Coimbra. Em 09-12-1889 a Junta Geral aprovou a dissolução do Corpo de Bombeiros Municipais. Em 28 de Outubro de 1890 surge novo regulamento para reestruturação dos Municipais. Esta reorganização deveu-se à concorrência dos Voluntários que apetrechados e com novo material e bem organizados provocaram inveja aos Municipais e estimularam a câmara a actualizar-se. A população por outro lado sorria da anarquia reinante nos



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Municipais, e disso deu conta o então Governador, a propósito de um incêndio na Rua da Sofia na noite de 18 para 19 de Julho daquele ano, em que enalteceu os Voluntários e aludiu à desorganização dos municipais. Se não fosse os seus arrojados esforços, a Rua da Sofia, uma das principais da cidade, perderia uma parte importante dos seus famosos prédios. A situação era pouco agradável para a autarquia dado que pagava salários aos Municipais, enquanto os Voluntários pagavam para existir. Em 7 de Julho de 1891, declarou-se um incêndio na Alta, na Rua do Museu. Primeiro chegaram os Municipais já reorganizados. A actuação dos primeiros foi desastrosa, motivo de critica pela população. No entanto os Vereadores defenderam-nos e inverteram os papéis. Foto 70a – Edifício sede dos Bombeiros Voluntários de Coimbra inaugurado a 15/11/1953 Os Voluntários responderam em Assembleia-geral, considerando-se suspensos, até apuramento das responsabilidades a cargo do Governo Civil, mas ficaram prontos a sair a qualquer emergência sempre que reclamados pela população como pelo Governador Civil ou Comissário da Policia. A situação seria harmonizada entre o presidente da Direcção e o presidente da edilidade Dr. Marnoco e Sousa. Embora a rivalidade tenha permanecido não se dissolveu a Associação. A 20 de Abril de 1895 e por alvará, foram aprovados novos estatutos onde se referia que ao Inspector dos Bombeiros Municipais competia a direcção suprema e exclusiva dos trabalhos tendentes a extinguir incêndios, enquanto os Voluntários trabalhariam sobre ordens do seu comandante mas em consonância com a Companhia Municipal. Por outro lado, os bombeiros Municipais e Voluntários deviam confraternizar e ajudarem-se mutuamente, nas ocorrências. No entanto, nem tudo corria bem ao nível directivo. A 21 de Junho de 1895, aparece uma comissão administrativa a aprovar em assembleia-geral o regulamento do Corpo de Bombeiros da A H B V Cª. Entre outras obrigações, dizia-se que deviam os bombeiros aprender as escalas dos toques de apitos e os sinais de alarme nas torres das igrejas: Sé Velha 11 badaladas, S. Bartolomeu 12, Santa Cruz 13, Santa Clara 14, e Santo António dos Olivais 15. Aquela comissão, criou também a Caixa de Auxílio para socorrer os sócios activos, quando impossibilitados de trabalhar, até 15 dias, os socorros médicos e o subsídio de funeral.



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Para o Biénio 1896/1897 foi eleita uma direcção, inaugurando-se novas estações de serviço, como a de fora de portas, hoje rua da Figueira da Foz, posteriormente designada por estação da rua da Sofia. Estava instalada, estrategicamente, no teatro dos Borras, Igreja de S. Pedro para aceder às explosões em oficinas de pirotecnia ali situadas. Outra estação era em Santa Clara, justificada pelo funcionamento de diversas fábricas, de lanifícios e massas. Foi muito meritória a acção dos Bombeiros Voluntários neste biénio, pois entre 21 incêndios, foram os primeiros a actuar em 20. A maioria do material era de uso braçal, apenas se adquirindo em 1900 um carro puxado a cavalos, a que foi atrelada uma bomba; peça de museu orgulhosamente guardada. De realçar nesta década o papel dos Voluntários no auxilio a pessoas aquando do temporal de 17-12-1896, com inundação da Baixa, onde salvaram pessoas e bens. A acção foi tão meritória que o Governo concedeu a 6 bombeiros, entre eles o Comandante Simões Pais, a medalha de Prata de D. Maria II. Em 1901 tinham um Corpo Activo de 66 elementos que fardavam e equipavam por sua conta. A cidade manifestou sempre enorme simpatia pelos Voluntários e os contributos chegavam amiudadas vezes. A Direcção foi demitida em 16-03-1909, tendo daí resultado uma sindicância e a nomeação de uma Comissão Administrativa presidida por José Simões Pães. Nova Direcção tomou posse em Janeiro de 1910, a sede da Rua da Sofia, foi posta de parte e as reuniões passaram a ser no quartel da Rua Adelino Veiga. De facto, tinham um quartel com material na Rua dos Lóios, mas em 1912 receberam ordem de despejo, pois a Universidade necessitava de promover obras. O Reitor do Liceu, Dr. Sílvio Pélico cedeu provisoriamente, o edifício dos Bentos junto do Liceu, próximo do Aqueduto, onde funcionou durante 20 anos. Em 1912 apareceu o seu serviço de ambulância intitulado “Cruz Amarela”, com médico, enfermeiro e equipa de primeiros socorros. Os fundos da população continuaram a chegar em abundância e o o respeito prelos estatutos quase sagrado. Todo o bombeiro que não cumprisse recebia ordem de demissão. Por outro lado, o reconhecimento dos serviços prestados pelos funcionários concretizavase em prémios pecuniários, como o que foi atribuído ao quarteleiro “Cochicho”; cujo nome ainda hoje figura numa das viaturas da Associação. Muitos e violentos incêndios deflagraram, como o da escola Brotero e do Edifício dos Correios e Telégrafos, em 13-01-1917 tendo, inclusivamente, ameaçado a Câmara Municipal, onde a acção dos voluntários foi largamente enaltecida pelos Jornais da época. É de referir também o incêndio no Palace-Hotel, na Av. Navarro, em 30-04-1919. O edifício ficou reduzido a escombros. Este desastre provocou acesa polémica em Coimbra e a Câmara sido fortemente criticada, por falta de meios para combater os incêndios numa cidade com 18.000 habitantes. Em 1922 as coisas não deviam correr muito bem. A Direcção não se entendia, a indisciplina voltou a reinar e a anarquia instalou-se. A rivalidade com os Municipais reacendeu -se. O incêndio na Tabacaria Crespo, na Rua Ferreira Borges a 23-02-1923, lançou a cidade em profundo luto, pois morreram 14 pessoas.



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III – A Baixa

Em 1922 por subscrição publica, foi adquirido um veiculo motorizado marca Fiat fabricado em 1918, e que era a mais perfeita bomba de incêndios que existia em Portugal, expelindo 1752 litros de água por minuto. Este veículo ainda hoje existe e está à guarda da Associação. Graças a toda esta acção, o jornal “O Conimbricense e o O Despertar” em 1924 lançaram a ideia de um novo quartel escrevendo-se neste último: «A Câmara compete escolher o local onde deve ser construída a sede dos B.V. e oferecer-lhe o terreno». O prestígio dos Voluntários era notório e, por decreto de 22 de Agosto 1925, foi-lhe atribuída a condecoração de Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada. Nesta década refira-se o pavoroso incêndio de 02-01-1926, que destruiu completamente a estação do telégrafo-postal e os serviços telefónicos, onde a bomba automóvel dos Voluntários foi sucesso. Neste incêndio foi duramente criticado o Inspector Municipal que dirigiu o combate às chamas, pela falta de direcção e de homens. Os jornais da época referiam que as corporações dos Bombeiros Camarários devem ser dignas desse nome e não uns 6 ou 8 incompetentes que por escárnio, foram chamados para comporem esta corporação. O Inspector despediria 24 bombeiros Municipais. A 20 de Maio de 1927, a Câmara Municipal atribuiu aos Voluntários a Medalha de Reconhecimento. No ano seguinte e por decreto de 25 Abril, o Estado considerava a Associação como “Instituição de Utilidade Pública” pelos serviços prestados. Em 15-07-28, com muitos apoios e ofertas adquiriu-se um carro Packard, ainda hoje uma valiosa peça de Museu: Em 05-01-1929, houve práticas ilegais e a pedido do Presidente da Direcção Júlio Reis Alves, o Ministro do Interior determinou a dissolução da associação, ao mesmo tempo que nomeou uma Comissão Administrativa. As estações de material nas Ruas António Granjo e Adelino Veiga, foram ocupadas pela polícia para evitar o desaparecimento de bens. Pouco depois, deflagrou um pavoroso incêndio nas ruas das Padeiras e Rua Paço do Conde. A insuficiência de pessoal, pois apenas os Municipais estavam no ataque, levou os habitantes a apelarem aos Voluntários. O Ministro da Agricultura, que estava em Coimbra, deu autorização para os voluntários prestarem auxílio. Os 53 homens, concluídas as operações com sucesso, seriam ovacionados pela multidão. Em formatura junto à estação da Rua Adelino Veiga e, após lhe ter sido passada revista, pelo Inspector de Incêndios e pelo Comandante Silva Pais, dirigiram-se à sede na Praça do Comercio onde depositaram o material. Devido aos serviços prestados e a insistência das entidades oficiais a 21 Abril de 1929, resolveu considerar-se a pena de suspensão bastante anulando-se a decisão anterior. A 6 de Abril de 1933, o município nomeou uma comissão composta pelo Vice-Presidente, vereador Augusto Marta e Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários para que se escolhesse um terreno camarário para nele se construir a sede da corporação. Do trabalho desta comissão nasceria a decisão camarária de 1 de Junho de 1933 em



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ceder, gratuitamente, à associação o terreno necessário no Terreiro da Erva. Obtida a necessária autorização governamental ainda naquele mês delibera-se expropriar 4 casebres que ocupavam o terreno cedido, o que será efectuado de forma amigável em 1934. No entanto, a afectação daquela área para a implantação do novo mercado definida no plano de urbanização de De Gröer (que nunca se veio a concretizar) frustaria as esperanças da associação. A 28 de Janeiro de 1943 e, sem uma solução à vista, a direcção pede ao município a troca do terreno, sugerindo um lote de 3.000 M2 na Avenida Fernão de Magalhães, pertencente à Manutenção Militar (346). A 7 de Abril de 1946 nas comemorações do 57.º aniversário, o Vereador do Pelouro de Incêndios da Câmara Municipal Dr. Braz dos Santos, no seu discurso fez referência, ao andar velho da Praça do Comércio, da Casa Escola no campo da feira mensal de gados em Santa Clara, ao material de combate a monte na Estação Nova, ao pessoal a viver naquele suplício, sem as comodidades mais rudimentares de condições higiénicas etc. etc. No final do discurso confirmou a deliberação do executivo de que a Associação iria ter a sua sede definitiva nos terrenos expropriados que ladeavam a Av. Fernão de Magalhães. A 26 de Junho de 1946 realizou-se, finalmente, a escritura de cedência do terreno para o novo quartel, em área que «…inicialmente fora destinado a prolongar a Rua do Carmo pela Avenida Fernão de Magalhães até ao cais da CP. Não houve pagamento de sisa e as burocracias inerentes à legalização foram gratuitas (…) O Dr. Álvaro Catalão e esposa, proprietários do terreno, cerca de 1.200 metros quadrados, venderam-no por três mil escudos» (347). O projecto foi elaborado, de forma gratuita, pelo arquitecto Edmundo Tavares. A construção foi inicialmente orçada em 2.500 contos. Não existindo dinheiro disponível para tal desenvolveram-se, nos tempos seguintes, campanhas de angariação difundidas na imprensa. A Câmara concedeu um subsídio inicial de dez mil escudos e o Ministro das Obras Públicas 750 contos. Os trabalhadores 1$00 do seu vencimento. O Governo daria, posteriormente, 800 contos. A 15 de Maio de 1949 lançou-se a primeira pedra e, a 15 de Novembro de 1953, depois de uma construção faseada, foi inaugurado de forma retumbante. Do programa comemorativo fez parte a realização de um grandioso cortejo da Praça da República ao novo quartel, com incorporação das entidades e colectividades mais representativas da cidade, ranchos folclóricos do distrito, bandas de música e representantes das corporações de bombeiros de todo o país. O novo quartel seria benzido pelo Sr. Arcebispo-BispoConde, tendo aberto a porta do novo espaço o seu comandante, Sr. António Pinto de Magalhães. A sessão solene foi presidida pelo Dr. Eugénio de Lemos ladeado por diversas individualidades, como o Comandante Garcia da Cunha, Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses ou o Governador Civil. Em 19 de Dezembro de 1987 foram publicados os novos estatutos da corporação (que seriam reformulados em 1996 e publicados em D.R de 7 de Agosto de 1997) e, dois anos depois, iniciavam-se as comemorações do centenário, que no dia 9 de Abril atingiria a maior expressão numa sessão solene presidida pelo Dr. Fernando Nogueira,



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III – A Baixa

Ministro da Presidência e da Justiça. Nessa ocasião a associação foi agraciada com um louvor público e oficial exarado pelo Ministro da Administração Interna (ofício de 5 de Abril de 1989) «pela acção desenvolvida e pelo exemplar espírito de humanitarismo e dedicação que tem demonstrado em todas as actividades ao longo deste seu primeiro século de vida». E, por alvará datado de 22 de Março de 1989, sendo Presidente da República Mário Soares, a instituição foi agraciada com o galardão de Membro Honorário da Ordem de Mérito. Com o tempo o quartel tornou-se obsoleto e degradado, motivando importante intervenção iniciada em Julho de 1996, e que lhe conferiu maior comodidade, eficiência e conforto. Porém, desde há mais de 20 anos, que o problema do novo quartel tem ocupado sucessivas Direcções, mas foi na vigência do Cor. Albano Ribeiro de Almeida, que o problema teve andamento decisivo, para voltar à estaca zero na Direcção seguinte. Na reunião de direcção de 16 de Abril de 1996 o presidente informava os restantes membros que Câmara Municipal cedera o terreno necessário para o novo quartel, situado na estrada de Eiras na zona do Gorgolão, com uma área de 9.700 M2, projecto feito e aprovado pelos Técnicos da Câmara e pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, bem como pelo GEPI. Realizou-se o protocolo de Financiamento, com a Câmara o MAI e a Associação. Realizou-se o concurso, mas já não foi entregue á firma vencedora, porque a nova Câmara Municipal e a Direcção que então geria a Associação concluiram que o terreno já não servia. Inclusivamente, chegou a lançar-se a primeira pedra com a presença de um Secretário de Estado. Para trás ficaria ainda a intenção de construir o novo quartel em Taveiro. Nestas circunstâncias, perdeu-se tempo e dinheiro em prejuízo dos reais interesses da Associação dos Bombeiros e da cidade. Posteriormente chegou-se a acordo para nova localização; na Guarda Inglesa, junto à pista de Motocross. No entanto, o terreno não oferecia condições por estar em zona de cheias. Actualmente, continua-se a aguardar o desbloquear da situação, até porque, fruto de uma decisão recente do município, se fixou o novo quartel para o Planalto de Santa Clara, numa zona entre o Fórum e o Centro de Saúde em Santa Clara. O custo do novo quartel estima-se em 1,5 milhões de euros, sendo 70% suportado a fundo perdido pelo QREN. O teor do protocolo a celebrar entre a C.M.C. , os proprietários do terreno e a direcção dos bombeiros foi aprovado pelo município a 2 de Fevereiro de 2009. Escola de formação profissional e cívica, os Bombeiros Voluntários de Coimbra compreendem, actualmente, um quadro de 125 homens (reserva, honra e activo) e uma frota de 20 viaturas. Têm como objectivo melhorar as instalações e equipamentos, nomeadamente o tão desejado e prometido novo quartel. Sobrevivem com a quotização dos sócios (8.000), donativos dos sócios beneméritos, trabalho das ambulâncias e, durante a época dos fogos florestais, o apoio do Estado que se compromete a pagar os prejuízos com equipamentos e combustível. A estes acrescem os apoios autárquicos; Junta de Freguesia e Câmara Municipal.



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A cumprir 120 anos de existência, a associação tem recebido distinções de mérito; além da já referida medalha da Cidade de Coimbra, receberam também: “Cavaleiro da Ordem Militar da Torre Espada”, “Membro Honorário da Ordem de Mérito”, Crachá de Ouro da Liga dos Bombeiros Portugueses”. 2. Sport Clube Conimbricense O Sport Clube Conimbricense é um clube desportivo, fundado a 3 de Fevereiro de 1910, sendo o mais antigo da cidade de Coimbra. O clube ocupa posição de destaque não só na história do desporto regional, mas também no panorama nacional. O basquetebol deu-lhe a maior projecção na sua história, tendo sido o 10º clube a ganhar o Campeonato Nacional da la Divisão de Basquetebol. O Sport Grupo Conimbricense, assim se chamava inicialmente, saiu de um núcleo de desportistas que se dedicavam, especialmente, a exercícios de força, uma das actividades mais populares da época. Os impulsionadores da sua criação foram três rapazes: Esmael d’Almeida Chuvas, Daniel Rodrigues e Sílvio Nogueira Seco. No dia 3 de Fevereiro de 1910, alugaram um quarto no segundo andar do prédio nº 44 da Rua da Moeda, por 60 reis por mês, para sede do grupo. A primeira reunião dos sócios fundadores teve lugar no dia 6 daquele mês, pelas 12 horas, com o fim de constituir a colectividade e nomear os primeiros dirigentes de que saiu escolhido como primeiro presidente Esmael d’Almeida Chuvas. Nos primeiros anos de vida, o clube dedicava-se a diversas actividades; exercícios de pesos, halteres e luta greco-romana, praticadas no Colégio Mondego situado no Pátio da Inquisição numa sala cedida por Diamantino Ferreira, local onde se decidiu adoptar o verde e branco como cores oficiais da colectividade, a 6 Março de 1910. No mesmo ano houve mudança de instalações para a Praça do Comércio e, a 17 de Julho do mesmo ano, Francisco Ferreira é nomeado presidente mudando-se novamente de “casa” agora para a Rua velha. Devido ao espaço ter várias divisões foram criadas ainda mais 4 modalidades da época, Ginástica, Ciclismo, Patinagem e Esgrima. Em Agosto de 1912 realizaram-se os Jogos Olímpicos Internacionais de Lisboa onde o clube apresentou um equipamento preto, tendo na camisola um escudo metade verde e metade branco com as letras S.G.C. Naquele mês e após uma assembleia geral, Fernando Relvas apresentou a proposta para alteração do nome da colectividade sugerindo Sport Clube Conimbricense (S.C.C). A primeira taça apareceria com a vitória de Ângelo Madeira, campeão Nacional de luta Greco-Romana (1913). Em 1915, o clube organizou um campeonato da mesma modalidade com vários clubes da região designada Taça Cidade de Coimbra, e que se realizou durante os 3 anos seguintes.O Sport venceria o troféu a 5 de Novembro de 1917. Dois anos volvidos, fixou-se em nova sede, agora no Largo da Freiria. Com o aparecimento da prática do Tiro, nasce a Sociedade de Tiro fundada no Ano de 1924 no qual Amadeu Olímpico se sagrou Campeão Nacional em 1929.



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III – A Baixa

O aparecimento desta sociedade levou a que o emblema do Sport se alterasse com a colocação, no logotipo das camisolas dos atletas, de um alvo de cores vermelhas e preta com uma águia e duas espingardas entrelaçadas com as letras SCC, facto que tornou o clube conhecido como “negros-rubros”. Posteriormente, oficializou-se o emblema nas outras modalidades mas sem as espingardas, o qual perdura até aos dias de hoje. Apenas a secção de Ginástica apresentava o actual símbolo com um atleta coroado com uma bandeira e a divisa: “ In honorem et gloriam lusitanarum”. Neste período emerge o futebol que, então, se desenvolvia e criava novas paixões. De facto, a 5 de Maio de 1921 o município concedia autorização para a direcção levar a efeito o “mês desportivo” na Ínsua dos Bentos, cedendo-lhe em Dezembro parte do espaço para a realização do Campeonato de Futebol do Centro de Portugal, tornando a cedência mais efectiva em Março de 1922, destinando-a à realização de desafios de futebol (348). No entanto, o Sport construiria um parque de jogos no Arnado, inaugurado a 28 de Outubro de 1928, com uma partida frente à Académica, ganha pela “briosa” por 5-1. Curiosamente o pontapé de saída foi dado por uma mulher, Maria Graziela, filha de Santos Silva um velho amigo do clube. Nesse desaparecido campo realizaram-se várias finais de futebol do “antigo” Campeonato de Portugal que, posteriormente, passou a ser designado por Taça de Portugal. A primeira final disputou-se em 28 de Julho de 1931, entre o Benfica e F.C. Porto. Em Julho de 1932 ali se voltou a realizar a final (F.C. Porto-Belenenses) bem como a repetição da mesma, tendo-se num esforço conjunto (Câmara e Sport) beneficiado o campo com a construção de bancadas. Ainda em 1931, o SCC é campeão do campeonato regional de reservas. O ciclismo, outra das modalidades, também deu várias alegrias ao clube. Atletas como António Coelho, José Campeão, Frutuoso Veiga e Virgílio Pessoa que impulsionaram a modalidade tendo, em Aníbal de Almeida, conhecido como o “Carreto” o vencedor da Primeira Volta a Portugal em Bicicleta organizada pelo Jornal Sporting, do Porto. Em Janeiro de 1925, o clube muda-se novamente para a Avenida Navarro com novas instalações, sendo nesta fase um clube de referência da cidade e até a nível nacional com bastante afluência de sócios e praticantes das várias modalidades onde até o automobilismo e o motociclismo apareceram com grande interesse com a Volta à Conraria organizadas em 1927. A Secção de Basquetebol nasce em 6 de Janeiro de 1928, sendo a mais emblemática modalidade do clube até aos dias de hoje, com António Dias de Carvalho a ser o autor da proeza. Curiosamente o primeiro Campeonato de Coimbra foi o derby Sport – Académica com a vitória do Sport por 17-15. O primeiro campo de basquete (relembro que a modalidade era praticada ao ar livre) inaugurou-se em Abril de 1930 com a disputa da Taça António Dias da Silva. A construção do recinto deve-se aos irmãos Mariano, Gaudêncio e Manuel da Costa.



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Na noite de 16 de Novembro de 1931, inaugurou-se a luz artificial no recinto com o jogo entre a Académica e o Nacional. A Associação Basquetebol de Coimbra realiza o primeiro campeonato distrital onde o Sport sai vencedor de todas as edições entre 1932 e 1946. O momento alto da secção ocorre com a conquista do Campeonato Nacional da 1ª Divisão, em 1933, na final realizada em Aveiro frente ao Galitos. Devido a vários problemas financeiros a hegemonia do clube foi-se perdendo ao longo dos tempos. Em 1930 sofre outra mudança de sede, desta vez para a Rua da Louça e, em 1934, volta a mudar-se para a Rua da Moeda. Neste mesmo ano vence a Taça do Governo Civil e da Rainha Santa, e no futebol a vitória no troféu “Bnitoni”. Em 1935 nova mudança de sede para o Pátio dos Castilhos onde comemora as “Bodas de Prata”. Na cerimónia foram descerrados vários retratos de atletas internacionais como Amadeu Olímpico (tiro) Manuel da Costa (Basquetebol) Fernando Alves (futebol) tendo o Governador Civil atribuído ao clube o Grau de Cavaleiro da Ordem da Benemerência. Em 1942 foi eleito para presidente Fernando Rodrigues, assumindo um fardo de dificuldades económicas. No entanto, alcançaria os 10 títulos do campeonato regional de basquetebol, sendo o clube com mais campeonatos ganhos até à data. Devido à impossibilidade de cumprimento com as cláusulas de arrendamento do campo do Arnado, o clube alugou um terreno na Rua Simões de Castro para a instalação de um campo de

Foto 71 – Final do Campeonato de Portugal de 1932 (F.C. Porto – Belenenses)

basquetebol e um ringue de patinagem. Ali se construirá o seu campo desportivo, actual Pavilhão da Palmeira, que arrancou em Setembro de 1942 (349). A natação foi outra das modalidades do clube que averbou em 1943 a medalha de campeão regional. Em destaque esteve a atleta Maria de Jesus Correia que se sagrou Campeã Nacional dos 100 e 200 metros costas.



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III – A Baixa

O Sport recebeu ainda a taça Aurélio de Almeida por ter sido o 2° clube com mais títulos. As novas instalações desportivas da Rua Simões de Castro foram inauguradas a 26 de Fevereiro de 1943. Como nesse local havia uma grande Palmeira, o parque de jogos ficou conhecido como o Campo da Palmeira. Em 1947 devido ao fim da hegemonia do Sport, o clube é destronado pelos Olivais que conquista a taça distrital. Na década de 50 encerrou-se a secção de futebol pelo interesse suscitado em torno da nova modalidade, o hóquei em patins. Nesta sagrou- -se campeão regional do centro, tendo disputado a 1ª divisão nacional em 1971. Com o basquetebol a ser a modalidade de proa, vence o campeonato nacional da 2a divisão nacional em 1951. Nesta mesma década destaca-se nova modalidade, o ténis de mesa, com Jorge Fontes e Abílio Fernandes a elevarem o clube com a consagração do título de campeão distrital. Na década de 60 festejou-se as “Bodas de Ouro”, nascendo o Pavilhão da Palmeira onde hoje está, substituindo o Campo da Palmeira. Inaugurado a 15 de Julho de 1966, deveu-se à ajuda de várias pessoas em especial, Arlindo Mendes Mariano, José Generino de Oliveira Baptista, Joaquim Costa Santos, João Leal de Oliveira, Manuel Catarino, Manuel Santos, António Ferreira e Manuel da Costa. Este foi o primeiro conimbricense internacional de basquetebol, tendo falecido meses antes da inauguração do pavilhão. A aposta no basquetebol foi feita nesta colectividade e em 1977 volta a atingir a 1ª divisão, com Pedro Rebelo a tomar-se internacional cadete. É de recordar alguns títulos regionais no andebol e alguns feitos no karaté. Na década de 80, a aposta no basquetebol foi definitiva e a extinção do andebol, volei e hóquei em patins deixou o clube mais pobre de modalidades e talvez de títulos. Nesta década o clube atinge a final da Taça de Portugal, na temporada de 1983/1984 FC Barreirense 109 – 76 Conimbricense. É de salientar a participação na Taça Korac em 1984 tendo sido o momento mais alto a nível europeu. Em 1985 morre Arlindo Mendes Mariano, uma das mais emblemáticas personalidades do clube de Coimbra. Longos anos se passaram e o clube não recuperou economicamente. Com os tempos difíceis o clube foi ficando esquecido pelo País, pela Cidade e pior pelos adeptos e sócios que foram diminuindo. Hoje em dia o clube recuperou modalidade das artes marciais e ganhou uma nova; o futsal, que como outras modalidades o fizeram noutros tempos, já ganhou o seu espaço no clube tendo vários escalões de formação, tendo-se sagrado Campeões Distritais de Juvenis na época 06/07 – e Vice-Campeões Nacionais de Juvenis na época 06/07. O clube tem de momento 412 sócios, e aguarda por novas instalações prometidas, há vários anos, pela Câmara municipal devido ao envelhecimento do velhinho Pavilhão da Palmeira que guarda nas suas paredes vários momentos de Glória e de Angústias. Histórico é também o conhecido “Bar 1910”, integrado no Pavilhão das Palmeiras. Apesar de desactivado foi durante anos um espaço de lazer e convivío, uma marca cultural da colectividade. Actualmente, o clube oferece a prática de várias modalidades, entre as quais se destacam o futsal e o basquetebol. No entanto os “sportistas” praticam outras modalidades



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como ginástica, ju-jitsu, tiro de ar comprimido e karaté. Este ultimo desporto merece especial realce uma vez que a sua escola foi considerada pelo terceiro ano consecutivo a melhor do país. Distinções • Cavaleiro da Ordem de Benemerência • Colectividade de Utilidade Pública • Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra Títulos • Campeão Nacional da 1ª Divisão Basquetebol 1932/1933 • Campeão Nacional da 2a Divisão Basquetebol 1951 • Campeão Distrital de Coimbra Basquetebol 1932 a 1946 • Finalista Vencido da Taça de Portugal 1953/1954 Atlético-Conimbricense 53 3­ 5/51 – 49 • Finalista Vencido da Taça de Portugal 1983/1984 FC Barreirense 109 – 76 Conimbricense • Campeão Nacional da 2a Divisão de Basquetebol 1983/1984 • Aníbal “Carreto” foi o primeiro campeão da Volta a Portugal em Bicicleta • Esmanuel Chuvas foi campeão Nacional de Ginástica Artística 1912. • Ângelo Madeira foi campeão Nacional de luta Greco-Romana 1913. • Campeão Distrital Juniores B Futsal 06/07. • Taça de Encerramento Juniores A Futsal 07/08. • Finalista Vencido Taça Nacional Juniores B 06/07. • Vários títulos Nacionais e Mundiais na modalidade de Karaté Shukokay. Participações • 1984 – Taça Korac 3. Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz O Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz (C.A.P.S.C.) é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sem fins lucrativos, sedeado na R. Saragoça nº 101, 3000 Coimbra. Foi fundada por iniciativa da Fábrica da Igreja Paroquial de Santa Cruz de Coimbra, autorizado pelo respectivo Ordinário e de acordo e nos termos do artigo 454 do Código Administrativo aplicável por efeito do disposto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português. O C.A.P.S.C., obra dependente da Fábrica da Igreja de Santa Cruz, pode fundar e manter obras de apoio à infância, juventude, adultos; terceira idade e obras que visem a promoção social da população.



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III – A Baixa

O Objectivo Geral é a “defesa dos direitos do homem como célula base da sociedade e a promoção social da Paróquia, prestando assistência moral, educativa e material aos dela necessitados, qualquer que seja a sua crença religiosa”( Estatutos do C.A.P.S.C., Capítulo lº, art. 4º). Actualmente, o C.A.P.S.C. tem duas áreas de intervenção: a Creche e Jardim-deinfância S. Miguel, sita na Freguesia de Eiras, Bairro de S. Miguel (C.J.I.S.M.) e o Centro de Atendimento / Acompanhamento Social, a funcionar na Sede da Instituição. CRONOLOGIA: 1952- Por iniciativa do Sr. Padre José Bento Vieira, criou-se uma Obra com estatutos aprovados para obtenção de verbas públicas para a organização de colónias de férias para crianças carenciadas. 1952 a 1965- Organização de colónias de férias. 1965- Aprovação Canónica dos estatutos do C.A.P.S.C; início da Obra de Promoção Social, destacando-se o recrutamento de voluntários de acção social, a organização de Comissões para actividades educativas e culturais; formação da Cooperativa de Consumo, de Saúde e Higiene, construção da Creche e Jardim-de-infância S. Miguel. 1967 – Intervenção social nos Bairros da Conchada e” Baixa da Cidade”. 1968 – Publicação dos Estatutos no Diário do Governo III ª Serie de 5 de Agosto de 1968. 1969 – Celebração do Acordo entre a Obra de Promoção Social e o Instituto de Apoio á Família. 1971 – Início da Escola da Amizade. 1983 – Celebração do Acordo Atípico com o Centro Regional de Segurança Social (C.R.S.S.) para o desenvolvimento de actividades de apoio à “Família e População Activa”; Registo de I. P.S.S. – aprovado pela Portaria nº 778/83 de 23 de Julho. 1984 – Registo do C.A.P.S.C. na Direcção Geral de Acção Social (D.G.A.S.) em 14/05/84. 1985 – Celebração do Acordo de Cooperação com o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra (C.R.S. S.Cª) para a C.J.I.S.M. 1985/2001 – Acordo celebrado com a Caritas Diocesana de Coimbra, passando o C.A.P.S.C. a prestar apoio Técnico e Jurídico ao ATL Santa Cruz, que funcionou em instalações da Igreja Santa Cruz. 1986/1990 – Funcionamento da Rádio de Santa Cruz – Emissora Católica de Coimbra em instalações da Sede. 1990/1996 – Parceria com o C.R.S.S.Cª no Projecto de Luta Contra a Pobreza na Conchada, com intervenção comunitária e apoio Técnico ao Centro Operário Católico ( C.O.C.). 1991 – Pedido de colaboração ao Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra para recrutamento de estagiários de Serviço Social para elaboração de estudos sociais da Paróquia visando intervenção social.



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1993/1996 – Grupo de Audiovisuais do C.A.P.S.C. 1994 – Integra a Equipa Técnica do C.R.S.S.Cª no Serviço de Acolhimento/ Atendimento de 2ª linha à população da freguesia de Santa Cruz. 1996 – Parceria com a Câmara Municipal de Coimbra, no Projecto-piloto de Rendimento Mínimo Garantido (R.M.G.). 1997 – O C.R.S.S.Cª atribui à instituição, a responsabilidade de elaboração de informações sociais de todos os requerimentos de Rendimento Social de Inserção / R.S.I.) da freguesia de Santa Cruz, e acompanhamento no cumprimento dos programas de inserção. Colaboração com o Instituto Superior Miguel Torga na orientação anual e respectiva avaliação de estagiários do Curso Superior de Serviço Social. 1998 – Parceria no Projecto” Manos do Bolão “, com acompanhamento das famílias de etnia cigana; 2001- Candidatura ao III Quadro Comunitário, medida 5.1.2- Apoio ao Desenvolvimento social e comunitário,”Um desafio para a consolidação da cidadania”; Participação no grupo de organização do I Encontro de Parceiros da Comissão Local de Acompanhamento (C.L.A.) de Coimbra” e Comemoração do Ano Internacional de Voluntários”, realizado dia 17/11/01. 2003 – Organização do I e II Encontros “ Intervenção Social, Um Desafio Comunitário” realizados dia 20/06/03 e 26/11/03 em Coimbra; parceria com a C.M.C. na “Rede Social”; Implementação de um Projecto experimental por aluno do Ensino Superior de Educação a estagiar na Instituição,” Encontros de Vidas”, realizado no C.A.P.S.C., nos dias 14,16,18 de Julho, com acções de convívio e lazer para os utentes do Serviço de Acolhimento /Atendimento do C.A.P.S.C. 2003-2005 – Parceria com Casa de Repouso de Coimbra no Programa de Apoio Integrado para Idosos (P.A.I.I.) e parceria com a mesma entidade na candidatura de Centro de Noite 2004 – Dinamização do Projecto “Rumos Partilhados”, a funcionar nas instalações da Instituição, destinado a cidadãos residentes na paróquia em situação de solidão, promovendo o voluntariado no desenvolvimento das actividades de lavores e caixinha de segredos. 2006 – Parceria na Comissão Social da Freguesia de Eiras. 2005/2008 – Participação no Projecto EQUAL, da C.M.C. e Parceria com REAPN no Projecto “Activar a Participação”, com participação activa na implementação do Micro-Projecto “Activar Vozes e Saberes” em Centros de Dia da Freguesia, dinamizando a participação dos excluídos e do trabalho em rede; dinamização e parceria na implementação da Comissão Social da Freguesia de Santa Cruz.



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4. Clube de Campismo e Caravanismo de Coimbra Fundado em 15.03.1967, por um “punhado” de amantes da vida ao ar livre, teve desde sempre a sua sede na freguesia de Santa Cruz, ocupando, presentemente, instalações próprias sitas na Av. Fernão Magalhães, 446 – 1° /sala 5. Desenvolve, divulga e fomenta, actualmente actividades de campismo e montanhismo e conta com 1500 sócios activos. Possui como instalações de campo, uma casa-abrigo, no lugar do Talasnal- Serra da Lousã, que cede aos seus associados e aos filiados da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal. Mantêm em plena actividade um Grupo de Montanha e um Grupo de Autocaravanistas. Datas mais marcantes da vida do Clube: 1981 – Nasce o Grupo de Montanha. Entre as várias representações que teve nesse ano, é de destacar a sua presença no Acampamento Nacional de Montanha de Espanha, realizado nos Pirinéus. 1982 – Organiza a Marcha Beiras I e II, na Serra da Lousã, e duas exposições sobre Montanhismo com slides e amostragem de material. 1983 – Chega-se a acordo com o senhorio para arrendamento da sala contínua, tornando sede mais funcional. 1984 -Inauguração da Casa-Abrigo do Talasnal (Serra da Lousã). 1985 – Inauguração do Percurso de Pequena Rota (PR-1) para apoio à Casa-Abrigo do Talasnal, estando presente o Presidente da Comissão de Actividades da Federação Europeia de Turismo Pedestre. 1986 – Montagem da primeira Escola de Escalada em Penacova e realização do Acampamento Comemorativo do XX Aniversário do movimento para a formação do Clube. Realizou-se ainda um Ciclo de Cinema de Montanha, com várias sessões realizadas em diversas salas da cidade. Nasce a secção de Atletismo. 1987 – Consegue-se a cedência de nova Casa-Abrigo no Cadaval, por amável deferência da Câmara Municipal de Miranda do Corvo. 1988 – Realização do primeiro “Trepa Penedos”, na Escola de Escalada de Penacova, Expedição ao Monte Branco (o ponto mais elevado da Europa com 4807 metros), a qual terminou com a conquista do mesmo. Começo da equipagem da nova Escola de Escalada da Redinha. (Sra. da Estrela). Continuou-se a montar exposições de divulgação das Actividades de Montanha. Elementos do Clube participaram num Curso de Técnicas Invernais, orientado pela Companhia Internacional de Guias de Alta Montanha, na Serra de Gredos, em Espanha. Organizam-se os primeiros Cursos de Iniciação à Escalada e ao Montanhismo. 1989 – Mudança da realização do “Trepa Penedos” para a Escola de Escalada da Redinha. Introdução do Parapente no Clube e através dele na Região Centro e no País, tendo sido o primeiro Grupo de Montanha a praticá-lo a nível nacional e, inclusive, a ter a primeira praticante feminina a obter o brevet de parapente a nível nacional.



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Elementos do clube frequentam um Curso de Iniciação ao Parapente em Madrid – Espanha. Organizamos a Ronda aos Parques Nacionais da Península Ibérica, Gerês, Covadouro nos Picos da Europa na Espanha, Ordesa e Monta Perdido (Pirinéus em Espanha) e no Parque Nacional dos Pyréncés (Pirinéus Franceses). Participam no primeiro Encontro de Parapente Cidade das Descobertas, realizado em Lagos. 1990 – Contam-se 2021 Sócios. Organiza-se a “Expedição ao Atlas – Marrocos”, que tinha como objectivo principal a conquista da montanha mais elevada do norte de África, o “Jbel Toubkal”, com os seus 4168 metros de altitude, o que foi conseguido. Emissão das primeiras Cartas de Montanheiro em Portugal sendo o clube que mais as requisitou, pertencendo-lhe também por mera casualidade a carta nº 1. 1991 – Neste ano entram 600 novos associados. Regressou, novamente, aos Alpes, onde se salienta a conquista de uma das montanhas alpinas mais famosas em todo o Mundo; o Matterhorn, (ou Cervino) com 4468 metros de altitude. Atribuição a nosso pedido, e pelo Secretariado Nacional da Actividades de Montanha, da FPCC da Carta de Montanheiro Honorífica ao Montanheiro Jorge Mendes Monteiro. 1992 – Promovem-se Cursos de Iniciação à Escalada e ao Montanhismo, e voltam ao Atlas que é novamente conquistado, (de notar entre o grupo a presença de um elemento feminino, a Paula Gonçalves, que terá sido uma das primeiras portuguesas a ter conseguido tal feito, senão mesmo a primeira. Organizam o Acampamento do XXV Aniversário e o “Trepa Penedos” realizado na Escola da Redinha. Afirma-se como a maior organização periódica de Escalada realizada em Portugal. Compra da Casa-Abrigo dos Povorais – Góis 1993 – Subida à mais alta montanha dos Pirinéus, o Pico Aneto, com 3404 metros de altitude. 1994 – É de destacar as ascensões à montanha mais alta de África, o Kilimanjaro, com 5895 metros, e à montanha mais elevada da Europa Ocidental – o Monte Branco com 4808 metros. Por outro lado, também não se pode deixar de focar outras “escaladas”com certa importância; Monte Mero (4565 metros) na Tanzânia, onde foram os primeiros portugueses a conquistá-lo, do Monte Blanc do Tacul (4248 metros) nos Alpes, do Naranjo de Bulnes (2519 metros), nos Picos da Europa (Espanha). Foi criado novo Grupo no Clube – Mergulho. 1995 – Tinham 2860 sócios, tendo-se inscrito neste ano 815 novos associados. O Grupo de Actividades Subaquáticas consolidou a sua estrutura de actividades. Nove elementos participaram no primeiro Curso de Iniciação ao Mergulho e obtiveram a Caderneta de Mergulho Amador. Efectuaram-se mergulhos em Sesimbra, Algarve, Açores e Cuba. 1996 – Adquiriu-se uma nova carrinha. Nova conquista do Monte Branco – ascensão ao Monte Elbros no Cáucaso, que com 5642 metros é o pico mais elevado de toda a Europa, sendo de novo os primeiros portugueses a conseguir tal proeza. 1997 – Ida aos Andes Argentinos, com o objectivo da ascensão ao Aconcágua, o maior pico de todo o Continente Americano, com 6959 metros, tendo o montanheiro



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Rui Figueiredo, ficado a 300 metros do cume, só afastado devido às más condições atmosféricas. 1998 – Participam numa Expedição à Cordilheira Branca no Perú. Tiveram dois representantes na Comissão Instaladora da Escola Nacional de Montanhismo. 1999 – Mergulhos no Mar Vermelho. 2000 – Ida à Escola de Escalada Siurana – Espanha. Uma vez mais o cume do Monte Toubkal-Atlas em Marrocos é conquistado. Ida aos Estados Unidos da América (Califórnia) – Vale de Yosemite – para escalar a mítica grande parede “EI Capitan” – Mergulhos em O Grove ­Espanha. 2001 – Comemoração do XX Aniversário do Grupo de Montanha. 2002 – Continuou-se a organizar o “Trepa Penedos” – Encontro de Montanha, realizado na Escola de Escalada de Penacova e zona envolvente, com actividades de escalada e marcha. Contou com 93 elementos, sendo 4 provenientes do estrangeiro e os restantes em representação de 19 Clubes Nacionais. 2003 – Nova Expedição a Marrocos, mais precisamente à Montanha Atlas, na qual foi feita com sucesso a ascensão ao ponto mais alto do Norte de África, o Jbel Toubkai, com 4167 metros. Escalada em rocha nos Pirinéus Franceses. Realizados vários mergulhos no Mar Vermelho. 2004 – Compra de Sede. Morte de um membro do Grupo de Montanha, devido à ocorrência de uma avalanche de neve, numa acção de formação do clube realizada na Serra de Gredos em Espanha 2005 – Desvinculação da FPME -Federação Portuguesa de Montanhismo e Escalada – Voltam aos Picos da Europa em Espanha, na tentativa de escalar a face Norte do Eiger. Escalada em cascatas de gelo em Argtiére e nas Agulhas de Chamonix, na França. Nova série de mergulhos no Mar Vermelho. 2006 – Ida aos Alpes Franceses – Alpes Italianos, Pirinéus e Gredos – Espanha, Pais de Gales (no Reino Unido) e Spitzbergan no Artico, onde desenvolvem várias actividades. 2007 – Paralisação do Grupo de Actividades Subaquáticas. Primeiros passos para a criação do Grupo de Autocaravanistas. Inauguração da nova sede integrada nas comemorações do 40° Aniversário do clube. Neste âmbito entregara-se emblemas de prata e ouro a alguns associados. Primeiras actividades autocaravanistas. Escalada mista no Ben Nevis – Escócia.



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5. Movimento Artístico de Coimbra Segundo os Estatutos do MAC o seu objectivo é promover e desenvolver iniciativas no campo das artes plásticas e favorecer a expansão de outras formas de Arte e Cultura. Como discrimina o art.º 5º dos Estatutos, deve incrementar todas as formas de cultura, entre elas: exposições colóquios, conferências, reuniões, palestras convívios e outras actividades do domínio da arte e da cultura. Nos trinta anos da sua existência tem procurado os objectivos a que se propôs. Podemos considerar como data da criação do MAC o dia 25 de Novembro de 1978, numa reunião “em que um grupo de artistas plásticos e outras personalidades interessadas na problemática Coimbra – Artes Plásticas”, considerou a criação do “Movimento” e apreciou “um conjunto de iniciativas de carácter artístico-cultural”. O intento teve êxito porque logo “os próprios promotores confirmaram a suposição de que havia condições para a efectiva estruturação de uma corrente associativa de intervenção especialmente vocacionada para aquela problemática”. Inicialmente o Movimento funcionou como um grupo técnico dentro da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra. Elaborada uma proposta de estatutos promoveram-se várias actividades culturais, das quais sobressaíram as comemorações do centenário da Escola Livre das Artes do Desenho com várias realizações culturais, uma exposição e a edição de uma medalha. Aprovados os Estatutos fez-se a escritura pública que foi publicada no Diário da República, III – Série, fls. 8400, de 21 de Agosto de 1985. Desde a sua criação o MAC lutou por instalações condignas para cumprir os Estatutos. Durante estes 30 anos teve sede em locais provisórios (Hotel Avenida, Sala de Leitura da Biblioteca Municipal, Rua do Brasil) por vezes partilhadas com outras Associações (Hotel Central na Praça 8 de Maio, Rua Rosa Falcão n.º 9, Rua do Corvo n.º 39 Casa Municipal da Cultura e Casa das Cruzes). Actualmente está sedeada na Casa Municipal da Vida Associativa – Rua João Cabreira, nº 18, 2º Esq., em instalações insuficientes para a sua dimensão e poder interventivo. Na actual sede funcionam os serviços administrativos em horário completo de segunda a sexta-feira. Fazem-se reuniões de grupos de trabalho (Biblioteca, Novas Tecnologias, Viagens Culturais, Revista, Exposições), Reuniões de Direcção, convívios e Assembleiasgerais. Desde Fevereiro de 2008 que tem ateliêr de Artes Plásticas. Ao longo dos anos promoveu centenas de exposições colectivas e individuais, destacando-se as exposições comemorativas de aniversários, centenários, congressos, bienais, exposições de rua e também várias exposições de apoio a obras de solidariedade social. De destacar a realização de várias exposições em diversos pontos do país e no estrangeiro, em colaboração com associações congéneres. Fez diversas visitas culturais, normalmente dirigidas às artes plásticas e a autores de reputação internacional, em Portugal e noutros países. Recorrentes têm sido as visitas



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a exposições de arte moderna e a colecções de arte, sobretudo de Arte Contemporânea: Caixa Geral de Depósitos, Centro Cultural de Belém, Colecção do Barão Thyssen em Madrid, Serralves entre outros. Fizeram-se visitas a museus nacionais e estrangeiros. De salientar as visitas à Arco e a exposições internacionais como Almada Negreiros, Amadeo de Souza Cardozo, Arpad Szenes, Picasso, Salvador Dali, Velásquez, Vieira da Silva, Dominguez Alvarez. Foram muitas as palestras, conferências debates, colóquios e outras manifestações de arte que o MAC organizou nos 30 anos de existência (que celebrou em 2008). Elaborou dezenas de publicações, maioritariamente catálogos de exposições e conseguiu um acervo de obras plásticas bastante assinalável. Está em franco desenvolvimento a sua Biblioteca que conta já com número assinalável de obras de referência. Tem uma salutar relação de amizade com outras instituições, designadamente ACIC, ADDAC, Ateneu de Coimbra, Câmaras de Arganil, Cantanhede, Coimbra, Góis, Lousã, Montemor-o-Velho, S. João da Madeira, GAAC, GEDEPA, INATEL, Juntas de Freguesia do Concelho, LACAM, LATA, Santa Casa da Misericórdia de Coimbra. Pode ser visitado no sítio www.maconline.info ou contactado pelo e-mail [email protected] 6. Associação Nacional de Apoio ao Idoso A ANAI, Associação Nacional de Apoio ao Idoso, foi constituída no dia 12 de Julho de 1994, por Escritura Pública, na qualidade de Associação de Direito Privado e de Solidariedade Social sem fins lucrativos. Tem a sua sede na Ladeira do Carmo, na Casa da Cerca de São Bernardo, instalações propriedade da Câmara Municipal de Coimbra. Ocupa um antigo edifício do séc. XVIII cedido pelo município através de contrato de comodato celebrado por ocasião das comemorações do dia da cidade em Julho de 1999. Como ocupava apenas parte do prédio, em Fevereiro de 2000 autorizou-se o aditamento ao contrato dos 146 m2 do rés do chão (350). Desde a sua fundação tem vindo a implementar e desenvolver valências de carácter social e cultural tendo como principal objectivo “promover, proteger e valorizar a pessoa idosa, designadamente através de informação, do atendimento personalizado e do encaminhamento nas vertentes social, cultural, desportiva, jurídica, psicológica, médica, investigação científica e de formação académica, técnica e profissional.” Tem em funcionamento, desde 1994, a Universidade do Tempo Livre que visa reduzir a inactividade intelectual, física e social, através da ocupação dos tempos livres, proporcionando um espaço de aprendizagem, convívio e lazer. O Serviço de Apoio Domiciliário é outra das valências, cujo início remonta a 1994 e tem como principal função facilitar a vida da pessoa idosa, colmatar as dificuldades e necessidades sentidas. O Serviço de Apoio Domiciliário proporciona: cuidados de higiene e conforto pessoal; arrumo e higiene habitacional; distribuição e acompanhamento de



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refeições; acompanhamento do utente ao exterior em caso de défice de mobilidade do mesmo; aquisição de bens de consumo; tratamento de roupa; outros serviços específicos que sejam necessários aos utentes. A 5 de Outubro de 2000, a ANAI assinou com a Câmara Municipal de Coimbra um contrato de comodato a fim de lhe ser atribuída parte das instalações de um edifício de dois pisos, na Baixa da cidade, situado na Rua João Cabreira, nº 18, onde está instalado o equipamento social “Oficina do Idoso”. A Oficina é um espaço multi-serviços de apoio aos idosos com actividades desenvolvidas pelos próprios, de trocas de experiências e saberes. O Centro de Dia, a funcionar no equipamento social “Oficina do Idoso”, é uma das valências da ANAI, que tem como objectivo promover a protecção e apoio ao idoso, designadamente através da informação, do atendimento personalizado e encaminhamento nas vertentes sócio-cultural, desportiva, jurídica, psicológica, médica, investigação científica e de formação académica, técnica e profissional.

Foto 72 – Sede da Associação Nacional de Apoio ao Idoso (ANAI)

7. Rancho de Coimbra “As Tricanas de Coimbra» A história deste rancho confunde-se com a história da baixa da cidade. A sua sede localiza-se no Nº 15 da Rua do Moreno, espaço que foi inaugurado num Domingo, 5 de Maio de 1940. O edifício era um velho celeiro da família Rochanas de Carvalho ( 351). O prédio foi adquirido por Joaquim Luiz Olaio, latoeiro de profissão e homem de grande espiríto



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de iniciativa, que o remodelou, adaptando a parte de cima a residência familiar, na parte de trás instalando o Grupo Recreativo “Os Pacatos” e, em baixo, fez uma casa de pasto que funcionou até 1937. Tratava-se de um espaço de convívio e recreio a que deu o nome de “Retiro do Hilário”, inaugurado durante a reunião do curso jurídico do Dr. José Paredes. Aproveitando o impulso inicial a casa foi palco de «…fados e guitarradas, e, ao fim de semana, sobretudo, a presença de grande nomes vindos de Lisboa e Porto – no campo do fado – permitiam encher a casa, a que se juntavam, também os “fadistas” de Coimbra. A especialidade gastronómica assentava em dois pratos: mão de vaca e arroz de polvo» (352). Talvez porque o negócio começasse a correr mal, Olaio teve de ceder o edifício ao Rancho das Tricanas, vindo a abrir uma taberna e casa de pasto na Rua da Moeda, que ocupou o lugar da tipografia Bizarro. O rancho viu com bons olhos a mudança pois estava mal instalado na Praça do Comércio. A sessão solene de inauguração foi momento extraordinário: «Uma sessão solene que congregou algumas das individualidades citadinas, permitiu dar realce ao acto. Presidiu ao mesmo o dr. António Costa Rodrigues, acompanhado pelos drs. António Leitão e Tavares Alves. No início da sessão o Rancho cantou a “Marcha de Coimbra”, da autoria de Ricardo Campos. Depois, usaram da palavra alguns oradores, salientando-se a intervenção de Joaquim de Almeida, dedicado amigo do rancho, que desenvolveu e teceu elogiosas referências ao passado da instituição; o Dr. Neves Rodrigues que no seu discurso abordou a problemática do folclore numa comunidade urbana com expressão no folclore nacional; e, o Dr. Costa Rodrigues, que teve palavras de congratulação pela obra inaugurada e que vinha a servira cidade e a cultura. O agrupamento, sob a direcção de Raul Mesquita, apresentou-se na sala e mostrou alguns dos números do seu reportório, designadamente, “Sou Marinheiro”, “As Jovens Sereias” e o “Nó da Gravatinha”, canções e danças que foram, outros tempos, o enlevo dos pares nas fogueiras de São João, hoje, renascidas e vividas. Seguiu-se um “Porto de Honra” confeccionado pelo Joaquim Olaio. À noite e a coroar o acontecimento, um baile de gala e a apresentação de canções novas, criadas, expressamente, para aquele dia. Assistiram à cerimónia diversos ranchos folclóricos do distrito. Importa distinguir neste evento cultural/recreativo/social da cidade, os nomes de Joaquim António de Almeida, Luiz Carlos da Fonseca, Carlos Ribeiro Lobo, Dr. Júlio da Fonseca, Dr. Octaviano de Sá e Adriano Ferreira da Cunha, personalidades que contribuíram para o engrandecimento do grupo» (353). O grupo desenvolveu ao longo do tempo relevante acção cultural – tempos livres, música, folclore, convívio, exposições, palestras, conferências. É presidente da direcção Carlos Clemente. Sobre o aspecto do edifício, importa referir que, recentemente, Pedro Olaio decorou a casa com motivos de Coimbra, património monumental (Sé Velha, Sé Nova, Santa Clara, Santa Cruz).



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8. A Previdência Portuguesa- Associação Mutualista Coimbra O Mutualismo assenta na solidariedade, entreajuda e reciprocidade de interesses. As suas bases históricas remontam às irmandades, confrarias, comunidades e corporações de artes e ofícios. De facto, desde as guildas que, no séc. VIII, reuniam mercadores e camponeses, passando pelas confrarias medievais (com os deveres de caridade, auxilío a doentes, pobres e desfavorecidos), o mutualismo emerge como traço comum. Entre nós foi nos meados do séc. XIX que se consolidou e expandiu o mutualismo, com o aparecimento de diversas associações, designadamente as Associações de Socorros Mútuos. Em Coimbra o mutualismo encontra as suas raízes nas instituições Montepio da Imprensa da Universidade (fundada em 1849) ou no Montepio Conimbricense (iniciativa do jornalista Joaquim Martins de Carvalho, em 1851), aberto a todas as classes sociais, socorrendo na doença, subsidiando viúvas e órfãos. A estas, outras associações se seguiram. O contexto da fundação de A Previdência Portuguesa ficou marcado pelo período conturbado dos finais da década de 20 do séc. XX, em plena recessão económica. Porém, a este nível, Coimbra reunia condições especiais pois fora sempre um espaço de associativismo: «Associações de diversa índole, que vão do teatro, ao folclore, do recreativo à acção social, da ajuda ao desprotegido passando pelo apoio à criança, ao doente e no idoso, sem esquecer a arte, marcaram a urbe mondeguina»(354). A iniciativa da fundação da previdência em Coimbra, nasceu de um grupo de homens que pretendia fundar uma Associação de Socorros Mútuos «…com a finalidade de criar legados para as famílias dos sócios, garantindo-lhes a necessária estabilidade no futuro»(355). O grupo fundador era constituído por indivíduos provenientes de diversos estratos económico-sociais, maioritariamente da classe média: Dr. António Cândido de Almeida Leitão (advogado e professor), António Pestana da Costa (comerciante), Artur Gaspar Madeira (major-farmacêutico), Dr. Carlos Simões Dias Figueiredo (médico e banqueiro), Eurico de Campos (inspector da Polícia de Investigação), Dr. Francisco de Jesus (médico), Henrique Carvalho dos Santos (comerciante), João Marques Perdigão (escrivão de direito), José Afonso Aires de Sá (agente comercial), Dr. Paulo Evaristo Alves (oficial da Presidência da Relação), Raul Fernandes (gerente da Casa Totta), Dr. Tarquínio Augusto de Matos Bettencourt (subdelegado do Procurador da República), João Pedro (oficial do Exército). Este grupo, fundador e “sonhador”, reuniu provisoriamente na sede do jornal Gazeta de Coimbra, sita no Pátio da Inquisição. Periódico que divulgou a partir de Outubro de 1928 as intenções do projecto, e que doravante seria o arauto da instituição. A cidade aderiu em força à nova associação, que em Novembro de 1929 contava com 400 sócios. Os estatutos foram submetidos à apreciação do Governo e feitas as alterações sugeridas «…escolheu-se a data de 11 de Janeiro de 1929, para a fundação de A Previdência Por-



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tuguesa. Alegria e concretização de um sonho. Os estatutos foram aprovados, somente, em 21 de Março de 1929, enquanto o alvará era passado a 30 daquele mês e publicado no Diário do Governo, 2.ª série, nº 78, de 5 de Abril de 1929»(356). De forma inesperada o Governo apresentou obstáculos para a entrada em vigor da associação, nomeadamente a introdução de «…uma tabela quotizada diferente e mais onerosa do que havia sido proposta aos sócios»(357). Uma situação que provocou desânimo entre os organizadores, que se reuniram e decidiram apresentar uma exposição ao Ministro das Finanças, datada de 27/04/1929, pedindo que a associação pudesse funcionar, de forma transitória, com a tabela primitiva. Tabela que o ministro aceitou e deu nova alma à associação. A 10 de Outubro de 1929 realizava-se, na sala da Associação dos Artistas, a 1ª Assembleia-geral, saindo eleitos os primeiros corpos sociais: - Assembleia Geral: José Pereira Dias (Presidente), Dr. Octaviano do Carmo e Sá (Vice-Presidente), Alberto da Silva Sanches (1º Secretário) e Ilídio d’Aquino Correia (2º Secretário). - Conselho Fiscal: Dr. Custódio de Almeida Henriques (Presidente), Arnaldo Júlio Martins (Secretário), Amílcar de Sousa Ferreira (Vogal Relator) - Direcção: Dr. Paulo Evaristo Alves (Presidente), José Bento da Cunha (Vice-Presidente), Tito Bettencourt (1º Secretário), Albano Correia Morais de Carvalho (2º Secretário), Eurico de Campos (1º Vogal), Augusto das Neves (2º Vogal) e Bazílio Augusto Diniz (Tesoureiro). A 1ª reunião da direcção realizou-se a 15 de Outubro do dito ano. Os primeiros tempos de vida da associação foram de grandes dificuldades; muitas desistências, dívidas relativas à instalação da sede, demissão de elementos da direcção. Breve cronologia 1930: A associação muda as suas instalações para o Largo da Fornalhinha, por razões económicas mas também de operacionalidade. Tomam-se medidas enérgicas para combater a difícil situação económica e expandir a Previdência: incremento da publicidade, redução de despesas, organização de palestras, iniciativas diversas para obtenção de fundos. 1931: Surge o nº 1 do boletim da associação, importante para elucidar os sócios e tratar assuntos da instituição. Em Dezembro de 1931 contabilizava 1871 associados, quando em Dezembro do ano anterior perfazia apenas 559. Durante este ano falece o 1º associado, José Afonso Aires de Sá. 1932: Instalação do 1º telefone, aprovação do 1º Regulamento Interno da Associação. Realiza-se em Lisboa uma reunião de delegados das Mutualidades Lutuosas do país, que lançou as bases para a constituição de uma Federação Nacional. 1933: Realiza-se em Coimbra, sob proposta do jornal O Século, e no salão da Associação dos Artistas a “Semana do Mutualista”, importante acontecimento: «…o conjunto de conferências proferidas por distintas figuras proporcionaram esclarecimentos, divulgação e afirmação do Mutualismo»(358).



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1934/1935: A má localização da sede leva a direcção a procurar um edifício mais central e acessível. Assim, em 1935 compra-se o prédio na Rua Visconde da Luz, confinando com a Praça 8 de Maio, por 400 contos. Em Outubro de 1935 transferem-se os serviços. 1936/1939: Entram para a associação 302 novos associados. Pretende-se construir um bairro de casas económicas mas a tutela trava a iniciativa, impondo a conversão do dinheiro em títulos do Estado. Em 1938 a censura suspende a edição do boletim. No ano seguinte adquire-se um grupo de 3 casas nas Ruas Dr. Manuel Rodrigues e Mário Pais por 485 contos. Um negócio que caiu bem entre os associados. 1940/1947: A associação viverá uma fase crítica, que tem seu início com medidas de restrição e controlo impostas pelo Estado, a que se juntou o deflagrar da 2ª Guerra Mundial, afectando a economia. A associação parte para uma alteração estatutária, aumentando quotas e baixando subsídios para os associados que quisessem manter a mesma quotização, o que conduz à saída de muitos elementos. A direcção entrega a gerência aos associados e o Governo nomeia uma Comissão Administrativa que se manteve em funções até Setembro de 1945, desenvolvendo actuação meritória: novos estatutos foram aprovados e novas tabelas entraram em vigor. Neste período reduz-se em 200 o número de associados, devido ao aumento da quotização. No entanto, consegue-se equilíbrio entre a Receita e a Despesa, confirmando-se através de um balanço técnico o bom estado financeiro da associação. Em 1943 realiza-se um “extraordinário investimento”, quando a Comissão Administrativa resolve adquirir um conjunto de 8 prédios na R. Pedro Monteiro. Doravante o património fundiário não parará de aumentar. 1948/1949: Admissão de 375 novos associados. Distribuem-se excedentes no total de 1450 contos. Compram-se terrenos no Calhabé, Olivais e Conchada para edificação de bairros económicos (que a tutela trava). Entre 1929 e 1949 vivera-se importante parte da vida da instituição: «…consolidou-se a situação económica de A Previdência Portuguesa e afirmou-se o seu prestígio e interesse no contexto nacional do Mutualismo»(359). Anos 50: Aprovam-se novos estatutos a 17/12/1956, operando uma viragem na história da associação, pela aprovação de novas modalidades: Subsídio a Prazo e Pensão de Sobrevivência, ampliando a posição de relevo no plano nacional do mutualismo. Em 1957 adquirem-se dois prédios na Rua da Sofia n.ºs 185 e 187 por 552.666$50, destinados à futura sede. Lançado concurso para ante-projecto, sairá vencedor a proposta da autoria dos arquitectos Carlos Neves e Alberto Mesquita, do Porto. Em 1954, a associação celebra as bodas de prata durante os dias 30 e 31 de Janeiro, editando-se um número especial do boletim. Abriu-se concurso e seleccionou-se o logotipo. Década de 60: A associação projecta-se decisivamente a nível nacional, com elevado volume de inscrições dos mais diversos locais; de 7511 em 1960, passa para 10.463 em 1961.



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Em 1963 inicia-se a construção da nova sede, que seria inaugurada a 29/07/1967, numa sessão solene presidida pelo Ministro das Corporações e Previdência, Prof. Dr. Gonçalves Proença. Década de 70: O 25 de Abril traz novas esperanças para as associações mutualistas. Em 1974 a associação entrega ao Governo os novos estatutos para aprovação, os quais contemplam medidas de grande alcance social: financiamento para habitação própria, novas modalidades de subsídio, aumento do seu valor e outras regalias. Em 1975, e nos dias 25 e 26 de Outubro, realiza-se o Plenário Nacional de Associações de Socorros Mutuos, marcando presença 27 associações nacionais e representantes do Governo. Deste encontro sairá a aprovação e criação do SNASM – Secretariado Nacional de Associações de Socorros Mútuos. Em 1978 e na sequência de alterações legais são aprovados novos estatutos, lançando a associação num novo ciclo: alargamento dos subsídios, diminuição dos limites de entrada de novos sócios e novas modalidades como o Subsídio Duplo e Subsídio Dote. Neste período ocorre ainda a reestruturação e mecanização dos serviços. Em 1979 comemoram-se as Bodas de Ouro, com a realização de encontros, concursos, exposições, edição de medalha comemorativa e de um número especial do boletim. Década de 80: a associação marca presença na CIC – Feira Comercial e Industrial de Coimbra. Compra um edifício situado em Queluz, por 900 contos, acção bem recebida pelos associados. Entretanto adere à FNASM. Continuou a campanha de angariação de sócios, reabrindo-se os empréstimos hipotecários. Nestes anos, a falta de estabelecimentos infantis em Coimbra leva a direcção a ponderar a criação de um infantário, adquirindo para tal fim um imóvel situado na Rua da Fonte do Castanheiro, à Arregaça. A abertura ao público infantil dá-se a 2 de Novembro de 1987, realizando-se a inauguração oficial a 19 de Janeiro de 1989. Aprovam-se novos estatutos, com grandes vantagens para os associados, aumentando para 6 as modalidades disponíveis: Sobrevivência, Prazo com Opções, Dote, Duplo, Prazo com Pagamentos Antecipados, Assistência Médica e Medicamentosa. As crianças de associados passam férias na Colónia Balnear da Figueira da Foz, em acordo estabelecido com a Fundação Bissaya-Barreto. Realiza-se, com êxito, o IV Encontro de Agentes e Correspondentes bem como o IV Congresso Nacional do Mutualismo. Revitaliza-se a biblioteca. Nesta década implementa-se o “Passeio Anual de Divulgação e Confraternização” e passa a comemorar-se condignamente o dia da fundação de A Previdência. Em 1985 e no âmbito da comemoração do Ano Internacional da Juventude, a associação organiza o evento “Corridas da Juventude” e concursos; literário e de desenho. A 2 de Janeiro de 1986 entra em funcionamento a Assistência Médica e Medicamentosa, destinada a associados e seus familiares. As comemorações do 60º aniversário revestiram-se de grande brilho, nas quais se inseriram: a inauguração do já referido infantário; realização de uma exposição retrospectiva; apresentação da nova imagem (bandeira azul com o logotipo em branco) da autoria



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de Niels Fisher; organização da “Festa da Juventude” no Teatro Gil Vicente. Momento alto da efeméride foi a sessão solene no dia 19 de Janeiro, presidida pelo Secretário de Estado da Segurança Social, Dr. Luís Filipe Pereira. A Casa da Imprensa, de Lisboa, delibera galardoar A Previdência com o Prémio do Mutualismo de 1986, que foi entregue a 22 de Maio de 1987 pelo Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva, e recebido pelo Presidente da Direcção, António Baptista Quaresma. A 11 de Maio de 1987, e por proposta de Manuel de Oliveira, é atribuída à associação pela Câmara Municipal de Coimbra a medalha de ouro da cidade, que lhe foi entregue no Salão Nobre a 4 de Julho. Década de 90: Aprovam-se novos estatutos, que permitiram a alteração do Regulamento de Benefícios. Às modalidades existentes acrescentaram-se o Subsídio Duplo de Sobrevivência, o Periódico com Opções e as Rendas Vitalícias. Na comemoração do 62º aniversário foi lançado o concurso literário intitulado “Mutualismo à luz dos conceitos de ontem e de hoje”, que provocou grande adesão da população estudantil. A 5 de Janeiro de 1991 a Dra. Maria Barroso, esposa do Presidente da República, Dr. Mário Soares, visita a sede da associação. Decorrem as Conferências Europeias de Economia Social em diversos pontos da Europa, incluindo Lisboa, em Abril de 1992. Realizaram-se diversas acções de formação. Novo Milénio: comemorou-se a passagem da FNASM para a UMP (União das Mutualidades Portuguesas) ocorrida em 1984. De facto, entre 1975 e 1989 a Previdência cedera gratuitamente as suas instalações para sede daquelas organizações mutualistas. No âmbito destas jornadas diversas individualidades marcaram presença, como o Provedor de Justiça, Dr. Meneres Pimentel, a Deputada Dra. Maria Belém Roseira ou o Dr. António Leal, Presidente do Montepio Geral. Homenagearam-se os mutualistas que em 1975 estiveram na “Arrancada de Coimbra”, momento decisivo na história do mutualismo em Portugal. Promoveram-se intercâmbios com diversas associações e, em Março de 2001, alterou-se o Regulamento de Benefícios. Deu-se início à implementação de uma creche-berçário na área do Jardim de Infância, aproveitando-se um prédio devoluto, na Arregaça (decorrem neste momento as pré-inscrições). Em 2004 comemorou 75 anos de existência, efeméride sem dúvida relevante, prova da sua força e dinâmica. As “Bodas de Diamante” foram assinaladas por um extenso programa elaborado por uma comissão organizadora: Abertura da Casa da Mutualidade na Rua Dr. Manuel Rodrigues, lançamento de Medalha Comemorativa, Sessão Solene, Exposições e lançamento do livro sobre a história dos 75 anos da associação, da autoria do Dr. Mário Nunes. No quadro de pessoal destacam-se os funcionários Carlos Alberto Lucas, Filomeno Oliveira e Manuel Quinteiro, que ao longo de mais de 40 anos têm servido a associação. A sede da associação mutualista localiza-se em Coimbra, na Rua da Sofia, Nº 193. No dia 2 de Março de 2010, e no âmbito das comemorações do 75º aniversário da instituição, foi inaugurada a Casa da Mutualidade (localizada no nº 5 da Rua Dr. Manuel Rodrigues). Um espaço polivalente, programado para eventos culturais, que acolheu como primeira iniciativa uma exposição de pintura do artista Victor Costa.



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Foto 73 – Edifício sede de A Previdência Portuguesa, na Rua da Sofia



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E. Algumas notas de etnografia relativas à baixa da cidade 1. A propósito de uma cantiga popular de Coimbra: “Ó Adro de Santa Cruz” Desde que o Mosteiro de Santa Cruz foi declarado, em 1135, como “isento” pelo Papa Inocêncio I – ou seja, não dependente do Bispo de Coimbra – o povo de toda a freguesia usufruía de forma independente das suas diversões que promovia no Adro de Santa Cruz. Apesar das rivalidades entre Santa Cruz e o Bispo o espaço tornou-se palco de uma salutar convivência das gentes tanto em ocasiões sagradas como profanas. Acontece que certo dia pelos finais de 1143, aquando do casamento entre Baldomero Alvo e a jovem Elisabeth Várzea, rebentou grande escândalo na cerimónia nupcial: «Quando chegou o momento do sacerdote perguntar se alguém era sabedor de algum impedimento para a realização daquele acto, eis que surge uma rapariga chamada Ofélia, que vinha acompanhada pela mãe, bradou do meio do templo que o casamento não se poderia realizar porque o Baldomero a tinha desonrado e prometido que se casaria com ela» (360). Gerou-se então grande pandemónio com o povo a protestar contra o casamento. O Prior de Santa Cruz tentou controlar a situação ordenando aos contestatários que abandonassem o templo sob pena de exclusão de todos os paroquianos das restantes freguesias. Mas, como ninguém acatou a ordem, ficou consumada a excomunhão. Para que a pena fosse levantada recorreram os excomungados directamente ao Bispo D. Bernardo. D. Bernardo e o Prior entrariam em novo braço de ferro. O Bispo chegou a ir a Roma onde o Papa Lúcio I lhe deu razão. Porém, os frades tinham em Roma um grande aliado, o Cardeal Guido de Vico – que havia pouco tempo recebera das mãos de D. Afonso Henriques a homenagem à Santa Sé pela emancipação e independência de Portugal. O Cardeal conseguiu a confirmação da isenção do mosteiro em relação ao Bispado de Coimbra. Mas as coisas não ficaram por aqui; Em 2 de Maio de 1144 o Papa Lúcio II concedia por bula que nenhum bispo excomungasse paroquianos de Coimbra sem o conhecimento do prelado conimbricense. Diploma que tinha efeitos retroactivos tendo obrigado ao levantar da excomunhão. Diz-nos a tradição que por estes motivos e, por outros, como a realização de mercados e folias, o largo em frente a Sansão foi motivo da cantiga popular: Ó adro, ó adro, ó adro, José Ó adro de Santa Cruz; As mulheres são o diabo, José, Santo nome de Jesus!



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2. Nossa Senhora da Porta de Santa Cruz de Coimbra Tratava-se de uma imagem muito venerada no Mosteiro de Santa Cruz, hoje esquecida da tradição. A questão foi levantada por Pedro Vitorino que por volta de 1935 terá encontrado tal registo em quatro registos da sua colecção (estampas), todos anónimos e no suporte papel, tendo vindo a publicar a execução mais perfeita. No seu registo aparece Nossa Senhora da Porta de Santa Cruz onde se vê o Menino apoiado numa espécie de pedestal. Aponta a hipótese de a dita imagem ter estado num tímpano sob o Portal da Igreja, o Portal da Magestade (361). 3. Figuras populares de Coimbra relacionadas com Santa Cruz: a Tricana e o Estudante da Universidade Algumas figuras tipo da cidade vêem-se com frequência na freguesia de Santa Cruz. O estudante universitário, de capa, batina, gorro e sebenta costuma andar pelas ruas da Baixa. Por ocasião das festas académicas da Universidade de Coimbra, Festa das Latas (latada) e Cortejo dos Quintanistas (Queima das Fitas), que atravessam parte da freguesia, podemos observá-los, envergando o seu característico traje académico. Praticamente desaparecida está a Tricana, mulher do povo e dos arredores, que durante séculos marcou o dia a dia coimbrão. Além do trajar distinguia-se pelos cantares e pela participação activa nas fogueiras de S. João. Em algumas aguarelas aparecem as tricanas retratadas, com a sua saia, o seu avental, o traçado do chaile, o atar do lenço, a chinela na ponta do pé…e são diversos os textos que com maior riqueza de pormenor a descrevem, especialmente os de poetas. A escultura, a cerâmica e os barristas, reproduziram amplamente este tipo de Coimbra. A palavra tricana representou, inicialmente, um tipo de tecido, um mantéu que nas mulheres das classes abastadas era substituída por peça idêntica mas mais sofisticada, a mantilha. Com o andar do tempo a palavra passou a designar a própria mulher que usava o tecido (362). A tricana fez parte, durante anos, do imaginário dos estudantes da Universidade. Sempre que havia zaragatas entre estudantes (ou doutores) e os habitantes da cidade (os fruticas), não raras vezes tomavam partido pelos primeiros: «E esses conflitos surgiam por via de regra durante as Fogueiras de Santo António, de S. João e de S. Pedro, a festa mais querida das tricanas, festa de tricanas e futricas, mas onde os estudantes gostavam de participar também» (363). Aos poucos e poucos as tricanas foram desaparecendo ao mesmo ritmo que a modernidade e progresso se impuseram. Uma das mais conhecidas foi a senhora Silvina «Gata» de alcunha, que dizia ser de Santa Cruz. Entrevistada por Nelson Correia Borges em 1987, fez uma breve descrição de uma vida, começada a lavar roupa no rio com 20 anos, passando por acartar areia do rio para a estação. Antiga cantadeira no rancho, reinvindicou como sua a quadra duma cantiga numa fogueira de S. João. Tendo o



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Presidente da Câmara mandado cortar as palmeiras do Largo de Sansão logo fez uma quadra de escárnio: «Ó Senhor Pedro Bandeira, Ó seu grande figurão, Que mal é que lhe fariam As palmeiras de Sansão?» (364). Em Coimbra as suas herdeiras/descendentes são algumas vendedeiras no Mercado D. Pedro V que uma vez por outra cruzam o chaile ao modo das tricanas. Algumas tricanas aparecem referenciadas com cântaros de água na mão ou na cabeça. De facto, antes da água canalizada as tricanas costumavam ir ao Mondego, pelas tardes, na recolha do precioso líquido. Uma das mais belas descrições da Tricana foi produzida por Octaviano de Sá em 1943, altura em que se temia já o desaparecimento da figura popular: «A figura graciosa, cheia de beleza, caprichosa, no luxo dos cordões, nos medalhões e crucifixos de oiro que se vêem dependurados sôbre o seu peito rodado, e nas argolas e brincos, que lhes baloiçam nas modeladas orelhas, lendária e consagrada, vivendo na tradição e na poesia, motivo de Arte e encarnação do Amor das mulheres desta terra, admirada, exaltada e proclamada Rainha do Mondego, é – a Tricana. Individualiza, caracteriza o ambiente popular, no seu trajar e nas folganças próprias do meio em que se exterioriza animadamente. É ela afinal quem domina, predomina e se destaca. É a Canção Popular e a Fogueira de S. João. Não há, seguramente, nota mais típica, com maior bizarria e tradição, no folclore dum povo, do que – a Tricana de Coimbra» (365). 4 – Figuras populares curiosas e desaparecidas

Foto 74 – Uma Tricana de Coimbra, 1850-1870



Mário Monteiro publicou, em 1908, um pequeno livro intitulado Typos de Coimbra, onde em boa hora inventariou, referiu e historiou diversas figuras populares da cidade. De entre o conjunto seleccionámos as que mais directamente se relacionavam com a freguesia de Santa Cruz. - D. Sebastião – Pitonó. Era um velhote que andava pelas ruas da cidade vendendo reportórios novos, apregoando-os de tal forma que 324



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parecia dizer Pitonó, donde lhe veio a segunda alcunha, já que a primeira derivava do facto de acreditar na vinda de el-rei D. Sebastião numa manhã de nevoeiro. - O Cobra. Tinha uma cara de mau, versejador de má morte que diziam ter roubado as pratas da Sé. Gostava de se esconder atrás dos silvados, à beira do rio, pescando à linha a roupa que as lavadeiras estendiam para depois as vender. Ganhou também o epíteto de ladrão, que a garotada gozava e por esse motivo tinha de fugir corrido à pedrada. - António das Almas. Pândego e patusco era amigo de estudantes que lhe pagavam as refeições. Morava para a zona de Montarroio e diz-se que tinha qualidades de pregador sendo raro o dia que não pregava um sermão por um motivo qualquer. Embora pregasse em todo o lado e a qualquer hora, gostava de o fazer, em especial, no Largo de Sansão num pilar de pedra encaixado na parede da casa que hoje faz esquina entre a Rua do Corvo e a da Louça. Daquele espaço fazia o seu púlpito irrompendo nestes termos: Eu sou o António das Almas. As mulheres são como as cabras que andam pelos outeiros. De Cellas nem elles nem ellas…». E ali estava, recomeçando a lenga lenga até conquistar um cigarro, umas calças, um colete, as moedas. Na festa das latas era momento onde a sua presença se fazia notar. Borges de Figueiredo refere-o na sua Coimbra Antiga e Moderna, confirmando-o como um tipo popular, proletário, «mais manhoso do que tolo», próximo ao meio estudantil, extravagante e hábil contador de anedotas: «D’uma vez alguns estudantes o convidaram a prégar um sermão, coisa que elle frequentemente fazia, com grande gaudio da rapaziada. - Sim, senhores, disse maliciosamente o mendigo, com todo o gosto. Mas o peor é que não trouxe a papeleta, e falta-me o thema. Os estudantes riram, e, para o divertimento continuar, deram-lhe um pedaço de papel em branco. O António das Almas pegou nelle, subiu a um frade de pedra que estava proximo, disse o Per signum crucis, e, examinando d’um e outro lado o papel, exordiou d’esta maneira, com uma seriedade, que o proprio Patagónia e muitos outros oradores de certo invejariam: - D’este lado, nada; d’este, tambem nada. De nada se fez Deus o mundo, e isso será o objecto do meu sermão. E proseguiu, fazendo estalar de riso os seus ouvintes, um dos quaes me contou o caso» (366). Por não poder pagar ao senhorio o aluguer da casa que habitava com uma mulher de nome Caqueireira, foi posto na rua, logo montando uma autêntica tenda de campanha. Por desordens acabou preso vindo a exclamar contente, enquanto recolhia ao presídio: Ora graça a Deus! Aqui está-se debaixo de telha e tem a gente casa de graça!... - Francisquinho Tanana. Era um velhito magro, de pele encarquilhada que morava junto ao cemitério. De lá vinha ao final da tarde buscar água ao rio num pote de barro que certo dias uns garotos partiram. As suas vestes denunciavam a pobreza em que vivia. Emanava uns gritos agudos por vezes em falsete acompanhados de choro convulso que com o tempo se identificou com ele.



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- Maria do Gato Preto. Uma velha que viveu num casinhoto dentro da Torre de Santa Cruz. Matando-lhe numa noite um lindo gato negro, que muito estimava, a raiva apoderou-se dela não mais a largando. Jurando vingar-se andava altas horas da noite percorrendo as vielas imundas à caça dos gatos vadios assassinos. Bichinho que ela apanhasse tinha destino certo; tanta paulada se lhe assentava no lombo que nem a alma se aproveitava. Os estudantes da época, conhecedores da história, encomendavamlhe gatos mortos que ela de muito bom grado ia distribuir pelas repúblicas a troca de míseros vinténs. - O Homem dos Cristos. Costumava calcorrear todas as ruas, becos e vielas da cidade com uma enorme quantidade de Cristos debaixo dos braços, trabalhados em barro tosco. Conseguia-os vender depois de os ter lambido todos para provar que não largavam tinta que eram fixes, como dizia. Tinha a particularidade de, num repente, atirar com o Cristo quase à cabeça e bradar num misto de raiva e troça: quem me compra este diabo?! - Nórrim. Era um curioso velho, que de uma primorosa cabeça para o estudo se deixou arrastar para o enxurro das ruas. Dedicou-se à arte de sapateiro mas acomodou-se a outra arte – a pedir. Dividia o seu tempo entre as tabernas, as ruas e os cafés, ali bebendo demais e aqui lamentando a sorte. 5. Festejos populares: as fogueiras As Fogueiras faziam-se em largos e ruas da cidade e podem subdividir-se em dois tipos: as fogueiras espontâneas e populares, nas quais se enfeitava o recinto «….cravando-se ao centro um pinheiro ou mastro alto donde partiam festões de verdura para outros mastros em volta, ou para as paredes das casas próximas, tudo enfeitado com bandeiras e balões de papel. Ao centro, geralmente num pequeno estrado ou palanque, ficavam os tocadores e em volta dançava a rapaziada, que as modas das Fogueiras são todas dançadas de roda (…) Mas havia também as fogueiras com pavilhões, devidamente construídos e ornamentados, onde se exibiam ranchos previamente ensaiados, com músicas e letras feitas de propósito para a ocasião. Esta moda, que consagrou um estilo musical cujos primórdios se podem detectar por meados do século passado, teve começo no Pátio da Inquisição, donde se espalhou a outros largos da cidade. Cantavam marchas, fados, baladas e canções, de autoria de poetas e músicos de Coimbra, sendo o principal e mais fecundo compositor José Eliseu, autor de inúmeras melodias, algumas das quais ainda hoje andam na outiva. Daqui nasceu a «onda» de ranchos populares em estilo de revista, que se espalhou a muitas outras terras do país» (367). De facto, antigamente, pelos finais de Abril e com o tempo a aquecer, os ranchos começavam a preparar, através de ensaios, as fogueiras do S. João, S. Pedro e Santo António, que eram mais grandiosas sempre que tal facto coincidia com a comemoração das festas da Rainha Santa, do Coração de Jesus ou da Senhora do Carmo. Nelas participavam as tricanas.



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Octaviano Sá inventariou diversas fogueiras em Coimbra, algumas delas localizadas na Freguesia de Santa Cruz. No Pátio da Inquisição do último quartel do séc. XIX, alude aos «…agrupamentos muito bem organizados pelo hábil musicista José Eliseu, marca para o futuro um moderno aspecto dos ranchos de S. João. Consegue aplausos do público aos seus bailados; tem mesmo uma plateia para as suas exibições, e dali saem os vários ensaiadores para outros ranchos locais e até para outras terras do país. E o trajo das suas componentes, raparigas do povo, mostra também certas modificações, visto a apresentação das suas danças devidamente preparadas para o aprêço do público» (368). Pela baixa aparecem, posteriormente, outros ranchos como o “Flor da Mocidade” que também actuava no Pátio da Inquisição, ou o “Rancho da Mocidade” no Largo das Olarias. Outros locais de realização das fogueiras ou festejos populares, pelos finais de oitocentos inícios de novecentos eram a Rua Direita, Montarroio, Rua João Cabreira, Rua Ocidental de Montarroio (actual Rua de Saragoça), Terreiro da Erva, Figueirinhas, Bairro Fora de Portas, Largo do Poço, Praça 8 de Maio, Pátio da Inquisição, Rua dos Oleiros, Terreiro do Marmeleir, Rua da Sofia, Arnado. Nas fogueiras do Romal E Pátio da Inquisição, Ganhei a noite a dançar, …mas queimei o coração 6. A história do teatro de Coimbra passa pela Freguesia de Santa Cruz Alguns autores têm vindo a estudar ao longo dos tempos os primórdios do teatro em Coimbra. Dos seus estudos têm saído algumas contribuições para tal objectivo. Sabemos, com algum pormenor, a actividade de grupos teatrais, compostos por amadores e profissionais, desde os princípios do séc. XVIII, os quais organizaram as suas actividades por diversos espaços da freguesia. Na primeira metade do séc. XIX constituíram-se diversas sociedades do teatro: Em 1800 surgiu a Sociedade do Teatro da Rua Nova, constituída por alguns académicos que construíram um teatro em casas com frente para a Rua da Sofia, que pertenceram ao Dr. Ângelo Ferreira Dinis. Um dos sócios era Agostinho José Pinto de Almeida, então estudante e depois Lente de Prima da Faculdade de Matemática. Por ordem do ViceReitor José Monteiro da Rocha e «…estimulado por algumas alusões que supunha lhe tinham dirigido em uma das récitas, mandou desmanchar o teatro» (369). Entre 1806 e 1807 o teatro voltou a funcionar, tendo os estudantes como actores. Da sociedade fazia parte o distinto poeta brasileiro Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva



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e Ildefonso Leopoldo Bayard, natural desta cidade de Coimbra, que veio a ser Ministro de Estado. Em 1810 fundou-se a Sociedade do Teatro da Rua das Figueirinhas (hoje Rua Martins de Carvalho). Tal acto ocorreu nas casas de residência dos Srs. Francisco Inácio de Almeida e Manuel Joaquim de Almeida, onde durante muitos anos esteve instalada, na parte superior, a tipografia do jornal “O Conimbricense”. Esta sociedade funcionou até 1834 ano em que se representou por 8 vezes o drama A Misantropia. Em 1828 criou-se a Sociedade do Teatro de Montarroio que organizava representações em casa de José Pedro Veloso, em Montarroio, onde depois habitou o Dr. João António de Sousa Dória. Entre várias peças representou-se o drama Cristino, rei de Dinamarca e a farsa o galego lorpa. Nas diversas actuações tomaram parte: António de Barros e Alberto (que foi cartorário da Santa Casa da Misericórdia), o bacharel António José Ferreira de Sousa (posteriormente vigário geral do bispado de Angra), os estudantes universitários José Maria Ribeiro, Luciano Maria Pereira Baptista e Adriano Máximo Vaz, músico, que foi escrivão da administração da cidade (370). Entre 1828 e 1834 a guerra civil provocou inúmeras perturbações em Coimbra, motivando a paragem das representações teatrais. Mas logo depois da restauração do governo liberal retomou-se a tradição de representar, vindo do Porto a Coimbra em Outubro de 1834, a companhia do actor Martins. Construiria um teatro nos baixos do extinto mosteiro de Santa Cruz, junto do lado Norte da igreja, fazendo-se a entrada pelo adro – local que seria demolido para a construção dos actuais paços do concelho. Entretanto formou-se uma sociedade que comprou o dito teatro e ali começou a dar representações as quais eram muito concorridas. Alguns dos actores foram: Francisco Inácio de Almeida (guarda do gabinete de fisíca do museu), Manuel Joaquim de Almeida (guarda do gabinete de história natural do museu), Manuel Rodrigues Bruno (alfaiate), Francisco Luís de Figueiredo (marceneiro), António Simões de Paiva (empregado no comércio), Manuel dos Santos Pereira Jardim (estudante, depois lente da Universidade e Visconde de Monte-São), entre outros (371). No final de 1836 organizou-se a Sociedade do Teatro. Dava espectáculos no antigo refeitório do Colégio de S. Boaventura, na Sofia, onde posteriormente esteve o estabelecimento de serralharia e fundição e, mais tarde, uma mercearia. O primeiro espectáculo foi na noite de Natal de 25 de Dezembro de 1836 que ficaria marcada pela queda de um espantoso nevão. A peça que subiu à cena foi o drama D. João Tenório. Alguns dos artistas que se constituíram em sociedade e que organizaram o teatro foram: Francisco Rodrigues e Joaquim Ladislau Bruno (violeiros), Manuel Joaquim Cardoso, António Correia Lemos, António Joaquim de Moura e António Camelo (alfaiates), José Bernardes Galinha (serralheiro), João Pedro de Jesus (tanoeiro) entre outros (372). No princípio de 1846 alguns estudantes constituíram a Sociedade do Teatro do Pátio da Inquisição. O teatro foi por eles organizado no armazém das casas onde morava o negociante Francisco Lopes Guimarães com sua família. Ali se deram alguns espectáculos



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até que, com a guerra civil as representações cessaram. Retomadas no ano de 1847 representaram-se dramas notáveis como Joana de Flandres os quais contaram com os actores: Francisco Soares Franco, José Gomes Arouca, Francisco Augusto Nunes Pousão e Inácio Rodrigues da Costa Duarte. O Teatro da Inquisição serviu de ensaio e aprendizagem a alguns estudantes, como os que mais tarde se destacaram no Teatro Académico (373). Por volta de 1850 apenas duas casas existiam em Coimbra com recurso a profissionais: o Teatro do Largo da Sé Velha e o Teatro da Graça. O Teatro da “Sociedade Boa União designava-se, correntemente, por Teatro da Graça pelo facto de estar instalado no antigo colégio dos frades gracianos, na Rua da Sofia. Inicialmente, vivia apenas do esforço de amadores mas, a sua pujança inversa ao Teatro da Sé Velha, permitiu a afluência de profissionais. Foi inaugurado a 27 de Abril de 1856, com os cenários e pano de boca pintados por António José Gonçalves Neves, representando-se o calembourg A felicidade das felicidades” e o drama O Templário (374). Este teatro tinha ainda no edifício de Santa Cruz uma casa de ensaios. A inauguração do Teatro D. Luís, em 1861, e a concorrência do Teatro Académico a partir de 1857, lançou o Teatro da Graça em progressivo enfraquecimento, levando-lhes espectadores e actores populares até que, em 1870, encerrou as suas portas (375). Em 1865 constituiu-se a Sociedade de Curiosos do Teatro da Graça, com grande parte dos seus membros provenientes do Teatro de Santa Clara, que o abandonaram em divergências. A nova sociedade representava no Teatro da Graça por autorização da Sociedade da Boa União, proprietária do dito teatro. Faziam parte da sociedade de curiosos: Adelino Veiga, Francisco Pocariça, José Horta, José Bernardes (funileiro), Bernardo António (lavrante), Antonio Pera, Eduardo Lages (alfaiate), Hipólito (estudante de farmácia) e outros mais. Em 1867 a sociedade cairia em séria desorganização (376). Também em 1865 se constituiu uma sociedade com o nome União de Artistas. Representavam no teatro da Rua da Moeda, construído no prédio de João Francisco da Silva, por cima da loja onde depois esteve o estabelecimento de mercearia de David de Sousa Gonçalves. Desconhece-se o nome dos fundadores e grande parte dos actores, sendo excepção Benjamim Augusto, tipógrafo da Imprensa Literária e autor do drama O escravo (377). A música do hino da sociedade foi feita por João dos Santos Couceiro. As pinturas e o pano de boca foram feitos pelo hábil pintor António Gonçalves das Neves, tendo-se realizado a récita de inauguração a 25 de Março de 1868, com a representação da comédia-drama Culpa e perdão, e as comédias A mulher de dois maridos e Um qui pro quo. A sociedade terminou funções em 1870. Em 1869 constituiu-se a Sociedade do Teatro dos Lázaros, que representava numa casa da Azinhaga dos Lázaros. Com a construção de um teatro mais regular organizou-se uma sociedade dramática de que foi Presidente e Tesoureiro, Joaquim de Figueiredo, negociante na Rua Direita, Vice-Presidente, Ricardo da Silva (estudante) e Secretário, Joaquim Augusto (antigo tipógrafo). Grande parte dos seus actores era tipógrafo de profissão: Irio Simões de Carvalho, José Maria Ferreira, Augusto Cardoso, Adriano Marques, António Carlos Galvão (378).



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A primeira récita foi a 1 de Dezembro de 1869, subindo à cena O escravo, drama também escrito por um tipógrafo. O ensaiador dos dramas era Ricardo Silva e das comédias Augusto José Gonçalves Fino. O Teatro dos Lázaros foi dissolvido por volta de 1871. Em 1878 fundou-se na Rua Direita a Sociedade Dramática Recreativa, que teve curta duração e de que pouco se sabe. Dela faziam parte António Augusto Larcher e José Rato. Em princípios de Abril de 1886 fundou-se a Sociedade Recreios Dramáticos que representava num teatro da Rua do Carmo. A ela pertenciam Luís Ramos, Antero Leite, Cipriano Dias, João Pedro, Carlos Mesquita e Henrique Alves Cardoso. O primeiro espectáculo foi dado a 22 de Abril com a representação do drama em três actos O castigo e vingança, ensaiado por Miguel Costa (379). Nos primeiros dias do ano de 1887 e por iniciativa de alguns operários da cidade fundou-se o Grémio Talma, Flor do Mondego. Para esse fim arrendaram uma loja na Rua Direita, nomeando-se a direcção e principiaram a construção do teatro. A direcção era composta por Cipriano Dias da Conceição (Presidente), Carlos Mesquita (Secretário) Luís Ramos (Tesoureiro) e José Mesquita e Manuel Augusto dos Santos (Vogais). Em Fevereiro de 1887 realizou-se a récita de inauguração subindo à cena as comédias Dois estudantes no prego, Apanhei boas libras e Assim não me venhas ver. Vários nomes gravitaram em torno deste grémio como António Augusto Larcher, José Pedro de Jesus e Sá Roque. O ensaiador era António Sanhudo e o caracterizador Leónidas Lobo, com a orquestra a ser regida pelo considerado músico da Filarmónica Conimbricense, António Pio (380). Em 1888 inutilizaram-se todas as casas de espectáculos públicos impedindo-se o funcionamento, por intervenção das autoridades, excepto o Teatro-Circo Príncipe Real. Alguns anos depois, em 1894, o Grupo Dramático Gil Vicente organizou um teatro na antiga igreja dos borras (actual Casa da Saúde da Sofia), que veio a ser inaugurado em Dezembro. Estando na cidade a conhecida Companhia Afonso Taveira, do Porto, convidou-se o seu director (Afonso Taveira) a visitar as obras em curso e que consentisse que o seu nome fosse dado ao novo teatro. O convidado acedeu ao convite permitindo o nascimento da Escola Dramática Afonso Taveira, a qual ofereceu o pano de boca. A inauguração fez-se a 15 de Dezembro de 1894 levando à cena A pupila do corregedor, letra do pintor ceramista Miguel Costa, música de Francisco Macedo e operário Francisco Costa, todos de Coimbra (381). O Teatro Afonso Taveira ali funcionou até Abril de 1908. A 27 de Abril de 1904 constituiu-se, na cidade, a sociedade Centro de Instrução Adelino Veiga, cujo fim era promover o melhoramento e desenvolvimento das condições intelectuais, físicas e sociais dos seus associados. Esta associação foi uma consequência da dissolução do Centro Instrutivo dos Caixeiros de Coimbra funcionando a sua sede na mesma casa onde este estivera instalado – Rua da Sofia Nº 73 (382). A iniciativa e esforço da sua criação ficaram a dever-se a: Joaquim Luís Olaio Júnior, sendo coadjuvado por Carlos Alberto Pinto, Júlio Mendes Alcântara, João Moura e Sá, Augusto Baptista Duarte, José Vitorino, Pedro Pinheiro, Ilídio dos Santos Azevedo, Aníbal Cardoso, António Brito, Francisco da Costa Ferreira, sócios fundadores.



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III – A Baixa

O centro compreendia um grupo dramático que dava espectáculos exclusivamente para sócios e famílias, uma biblioteca e um gabinete de leitura, e uma secção de ginástica. Em Janeiro de 1906 fundou-se a associação Grémio Literário Académico, pelos académicos Orlando Marçal e António Rodrigues. No âmbito da associação criou-se um pequeno teatro que realizou o primeiro espectáculo, seguido de baile, a 24 de Fevereiro de 1906, subindo à cena a opereta Reino da bolha e as comédias Uma casa de estroinas e Um soldado em calças pardas, alguns monólogos e uma cançoneta. Teve como primeira sede o antigo Colégio de S. Boaventura na Rua da Sofia. Contudo, desinteligências entre os sócios levaram a que a maioria abandonasse a sede antiga, instalando-se, provisoriamente, na Rua Oriental de Montarroio, onde a associação continuou a funcionar com o antigo título, enquanto que a minoria se conservou na Rua da Sofia passando a denominar-se Grémio Académico Recreativo.

F. Do Liberalismo à actualidade 1. A extinção das ordens religiosas em Coimbra O tempo que medeia entre a Revolução Liberal e a extinção do Mosteiro de Santa Cruz, foi profícuo em agitações e perturbações. A 31 de Agosto de 1820 reuniram‑se nos Paços do Concelho de Coimbra uma multiplicidade de pessoas e grupos sociais, para jurarem obediência à Junta Provisional do Governo instaurada no Porto. As saudações às Cortes e à Constituição foram alargadas, desde os vereadores, nobreza, povo e governador da cidade, a que se associou o Prior do Mosteiro de Santa Cruz e representantes do Clero. Em termos económicos a época foi dura para o mosteiro: falência dos rendeiros, peso excessivo do regime senhorial, com rações e foros exagerados, conduzindo à contestação dos foreiros e moradores, os quais muitas vezes recusavam‑se a pagar. Enquanto no campo as tensões entre senhores e foreiros se avolumam, ao nível da Corte os tempos seguintes seriam de acesa polémica em torno da questão dos forais. Tratava‑se aqui da Lei de 1822, conhecida por Lei dos forais, que levantou o problema jurídico da natureza dos bens e dos direitos, que directamente acabou por interferir nos direitos patrimoniais de Santa Cruz, fazendo‑lhe diminuir as fontes de receita. A partir de 1824 e terminado o triénio liberal Santa Cruz tenta recuperar direitos em atraso, agindo muitas vezes através de cobrança directa. Ora em 1825 o jurista Carlos Alberto de Meneses apresentava o seu plano de reforma dos forais, resultado de um estudo aprofundado «…dos problemas fundamentais com que se debatiam os lavradores da região e da complexidade do regime juridíco e institucional que servia de base legal à apropriação da renda por parte das casas senhoriais» (383). No que se referia aos conventos considerava como títulos comprovativos do património destas instituições os forais, tombos e escrituras autênticas. Esta proposta chamou a atenção dos liberais para clarificar a natureza dos bens e dos direitos dos donatários antes de se legislar sobre



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a matéria, uma vez que tais documentos poderiam colocar os liberais perante a obrigatoriedade de respeitar tais títulos. Neste sentido Mouzinho da Silveira através do decreto de 13 de Agosto de 1832 «… suprimiu foros, censos e rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da Coroa impostos em Forais ou contratos enfitêuticos» (384). O diploma seria fatal para os senhores eclesiásticos e benéfico para os enfiteutas, aliviando estes dos encargos senhoriais, e retirando importante base de tributação. Era a primeira etapa de um processo que conduziria à extinção das Ordens Religiosas que teve o seu epílogo com o decreto de 30 de Maio de 1834 «…diploma que veio resolver de forma radical o problema do peso do regime senhorial sobre a agricultura, protagonizado pelas ordens religiosas masculinas, e dar oportunidade a negociantes, comerciantes, oficiais militares, magistrados e lentes da Universidade de adquirirem a propriedade plena da terra» (385). A 30 de Maio de 1834, por proposta de D. Pedro IV, referendada por Joaquim António de Aguiar, é publicado o bem conhecido e citado decreto que extingue em Portugal as Ordens Religiosas. O mosteiro era comunidade conhecida pela sua simpatia com as ideias miguelistas e absolutistas tendo, inclusivamente, acolhido o Estado‑maior e o próprio Rei D. Miguel em Outubro de 1832, quando se deslocava ao Porto para combater as tropas que haviam desembarcado no Mindelo. Assim, foi sem surpresa que as atenções liberais se concentraram naquele mosteiro. Porém, desde 8 de Maio de 1834, data da entrada do exército liberal em Coimbra, que Santa Cruz se tornara uma comunidade fantasma, abandonado há algum tempo como se deduz da ordem do Sub Prefeito interino de Coimbra, Jozé Vieira de Castro, para o Corregedor da Comarca, Manuel Homem de Almeida: «Sendo publico, e notório que o Prelado Geral do Convento de S.ta Cruz desta Cidade, e mais quatro Religiozos Conventuaes do mesmo Mosteiro, se evadirão, e abandonarão aquella Caza na occazião da entrada das Tropas Fieis nesta Cidade (…) e sendo de igual notoriedade publica que o referido Prelado serviu hostilmente contra o Governo do Mesmo Augusto Senhôr, na qualidade de Commandante de hum Corpo de Voluntarios, e não menos sabido que o mesmo Convento recebeo alguns Religiozos dos Conventos abandonados da Serra, Grijó, em cujos termos hé considerado Supprimido, conforme o Art.º 2º do Decreto de 5 de Agosto de 1833 (…) nomeio a V. S.ª nos meus Officios de 27 e 29 do corrente, e em particular deste por officio de 25 do corrente, para proceder sem perda de tempo ao Inventario do referido Convento, quanto ás temporalidades, ficando nesta data expedida a competente participação ao Snr. Governador do Bispado para nomear quem tome conta e Inventario das alfaias e objectos sagrados» (386). A primeira consequência directa do abandono da comunidade, pelo Prior Geral D. João da Assunção Carneiro, foi a instalação das tropas liberais sob comando do Duque de Palmela no edifício, originando o encerramento da comunidade ainda antes da publicação do decreto de extinção geral das Ordens Religiosas em Maio de 1834. De acordo com a já referida ordem do Sub‑Prefeito de Coimbra, ordenou‑se a inventariação de todos os objectos do mosteiro, alguns dos quais se dizia estarem escondidos.



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III – A Baixa

O Mosteiro de Santa Cruz seria inventariado no próprio dia da extinção das ordens religiosas, a 30 de Maio de 1834. O edifício do mosteiro com as igrejas, quintas e casas dentro da cerca foi avaliado na soma irrisória de 80.600$000 réis, contribuindo ainda mais, para que diversos interesses se cruzassem. No Mosteiro de Santa Cruz e à semelhança de outros colégios e conventos o saque não foi imediato. A aflição tomou conta da vida religiosa e, com o conluio das autoridades civis, multiplicaram‑se os desmandos e desvios de bens preciosos. Adivinhava‑se a catástrofe que o primeiro presidente do município pós vitória liberal, Dr. António Miguens da Fonseca tentou obstar, propondo na reunião de 31 de Maio de 1834 que se representasse à Rainha para que na Universidade se recolhessem todos os objectos preciosos que haviam sido abandonados nos conventos. No entanto a sua voz não se fez ouvir e o mosteiro sofreria, o maior roubo da sua história: «O assalto foi generalizado a todos os seus bens. O arquivo documental desviado de Coimbra para mais de uma biblioteca do país, a opulenta livraria saqueada, vendida ao desbarato e a olho para um livreiro‑antiquário francês, quando não vendidos a avulso os livros dos depósitos onde foram recolhidos. É confrangedor ainda hoje escrever que do Santuário do Mosteiro, considerado o mais opulento do Reino, se foram jóias sem preço, como cruzes processionais, relicários, lampadários e outras peças de culto que algumas se podem hoje ver em museus de Lisboa. E arrepia, saber‑se que quadros assinados por Lucas de Leyden, Barocchio, Durer, Rubens, Carlos Marata, Ferri, Bassano, Rafael, Pomerâncio, Carrachio, Cesar de Arpino, João Bautista Guali e até um Breughel, seguiram para o Porto, e o que foi peor, dali para Inglaterra» (387). O livreiro francês era De Michelis e sabe‑se que, por volta de 1870, eram incontáveis as espécies que haviam sido vendidas em leilão. Nesta altura não poderemos deixar de anotar o mau serviço prestado a Coimbra pelo ainda jovem e desconhecido Alexandre Herculano. À data do arrolamento de bens feito no mosteiro crúzio Herculano, então 2º bibliotecário da Biblioteca Municipal do Porto estava em Coimbra em comissão de serviço público. Ele em representação da Biblioteca do Porto e Francisco Pedro de Oliveira e Sousa por parte do Museu do Porto, faziam parte da Comissão de Administração dos bens dos Conventos Abandonados, que demandavam Coimbra com ordens muito concretas a cumprir e emanadas do Prefeito da Província do Douro; levar para as ditas instituições do Porto os objectos que achassem de maior valor. D. Pedro IV era adepto da causa liberal, não espantando promovesse o despojamento de Coimbra através do Mosteiro de Santa Cruz – adepto da causa miguelista – em beneficio de uma cidade que havia dado provas de fidelidade, dizendo‑se, inclusivamente, que a espada de D. Afonso Henriques foi oferecida à cidade do Porto pelos altos serviços prestados à causa da liberdade. Contra esta decisão protestaria o Sub‑Prefeito da Província em Coimbra, José Maria Vieira de Castro, contrariando as instruções dadas em 18 de Maio daquele ano por as considerar uma espoliação e enxovalho à cidade.



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Para além da espada foi também levada para o Porto «…a riquíssima e preciosa escrivaninha, que serviu no concilio de Trento, sendo tanto a salva como a campainha, tinteiro e areeiro, de ouro, forrado pela parte externa de tartaruga em filagrana – a qual escrivaninha tinha sido doada ao mosteiro de Santa Cruz pelo papa Benedicto XIV» (388). Herculano associou‑se a um indigno acto para com Coimbra, um assalto que se concretizou no desvio para o Porto, de grande número de livros, manuscritos e incunábulos mais preciosos da biblioteca e arquivo do mosteiro de Santa Cruz, alguns transportados em carros de bois para a Figueira da Foz e daí para a Biblioteca Pública Municipal do Porto. A relação dos livros desviados, que versava as mais diversas áreas do conhecimento, foi publicada por Rocha Madahil em 1943 (389). Obviamente que tais livros não mais regressaram ficando depositados na biblioteca portuense, enquanto a famosa espada de D. Afonso Henriques e uma escrivaninha antiga ficaram sob dependência do museu do Porto. A Universidade de Coimbra ainda tentou diligenciar junto das autoridades governamentais a entrega dos ditos bens, mas o máximo que conseguiu foi receber em Dezembro de 1834 o que restava da famosíssima Livraria do Mosteiro de Santa Cruz. A sua intervenção teve pelo menos o condão de fazer retirar de Coimbra Alexandre Herculano, que cedo se desinteressou (felizmente) dos restantes inventários dos Conventos de Coimbra – o saque estava consumado. Herculano voltará a Coimbra em 1853 de novo em missão antipática para a cidade: «… escolher documentos dos arquivos eclesiásticos e universitário para serem por êle comodamente estudados na Academia das Ciências de Lisboa, para onde seguiram em 1856» (390) Alguns anos depois do saque, em Agosto de 1863, a Câmara Municipal tentará junto do Rei, mas já fora do contexto, a restituição dos quadros, jóias e outros objectos que haviam sido levados dos colégios e conventos em 1834, mas os Museus e Bibliotecas não mais largariam mão deles. 2. A cedência ao município de parte do Mosteiro de Santa Cruz Depois do referido decreto de 1834 o Município solicitou, em representação aos deputados da nação datada de 10 de Janeiro de 1835, a cedência de parte do Mosteiro de Santa Cruz para instalação de Jurados, Câmara, Secretaria e Arquivo, o que seria confirmado pela Portaria de 30 de Novembro de 1836. Neste diploma o governo de Passos Manuel cedia ao Município os edifícios dos extintos conventos: «…ficão à sua disposição os tres Edeficios dos extintos Conventos de Santa Cruz, Graça e S. José dos Mariannos da dita Cid.e de Coimbra, afim de serem applicados – o pr.º para a Caza das Audiencias do Jury, Cadea, Camara, Adm.ao do Conc.º , e do Corr.º; o segundo p.ª servir de Aquartelamt.º de tropa; e o terceiro finalm.e para n’elle se estabelecer o Hospital de S. Lazaro». Desinteligências com a Administração do Correio farão demorar a celebração do auto de posse datado de 21 de Abril de 1837. Depois de prolongado exame ao extinto



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Convento de Santa Cruz, pátios, jardins, lugares e pertenças, definiu‑se a área do mosteiro, seus limites e utilizações: «Para a Camara Municipal de Coimbra aquella parte de que ella já se acha de posse por virtude da Portaria de trinta de Novembro (…) e que tem por limites pelo Poente a Rua publica, pelo Sul a Igreja, e pelo Nascente o lado do grande Claustro, que fica da parte do Poente prolongado até ao Pateo da porta de Carro, e pelo Norte o Pateo de Santa Cruz, tudo desde o pavimento inferior até os telhados respectivos inclusivamente. Mais o Dormitório do Noviciado com os seus respectivos quartos, e tudo o que fica dahi para a rua das Figueirinhas e communicação para a mesma rua, dando‑se‑lhe pelo Claustro grande superior a conveniente communicação com a outra parte acima designada. Para a Administração do Concelho o Dormitorio chamado das Catacumbas, fazendo‑lhe communicação para o Pateo da porta dos Carros (…) Para a Administração do Correio fica pertencendo a parte das Hospedarias, que formão a frente do Pateo da porta de Carro pelo lado do Poente (…) Para a Contadoria Geral do Districto fica pertencendo o Dormitorio do Noviciado por cima do antigo Cofre de Santa Cruz, chamado Cofre da Ponte (…) Para a Administração Geral do Districto fica pertencendo o Dormitorio do Pilar com todos os seus quartos e mais casas, que estão encostadas ao dito Dormitorio, bem como alguns quartos do chamado Dormitorio grande de S. Francisco (…) Para o Tribunal de Justiça, Audiencias e casas de Jurados fica pertencendo o Refeitorio e a Cosinha, bem como algumas casas do Dormitorio das Catacumbas, como se julgar necessario. Em quanto aos restos do Edificio e suas pertenças encerradas dentro do muro, que circuita até à porta de ferro à Fonte Nova, formando o todo do Convento destinado e separado da grande e famosa Quinta de Santa Cruz, considerando‑se por uma parte, que elles não são precisos, nem prestão ás Repartições sobreditas;» (391).

Num adicional ao documento referiu‑se: «Fica igualmente pertencendo à Administração Geral o terreno ora arrendado, chamado a Horta, onde antigamente se plantava a hortaliça, para onde fazem frente as janellas do Dormitorio do Pilar, destinado para accomodação da mesma Administração Geral, não podendo esta com tudo tolher qualquer obra, que a Camara nellede futuro queira fazer, e for de reconhecido interesse público». De dúvidas entretanto levantadas acerca da legalidade da posse de algumas zonas do que fora o antigo mosteiro resultou a Carta de Lei de 30 de Julho de 1839, a qual definiu, em rigor, o que pertencia à Câmara Municipal: «artº 2º – São concedidos à Camara Municipal de Coimbra o edeficio do extincto Mosteiro de Santa Cruz da mesma Cidade, e pequeno laranjal, a horta, e a encosta que ficão contiguas ao mencionado edeficio, e vaõ terminar na estrada publica no citio da Fonte Nova. § I.º É igualmente concedido o uso da agoa, que tem nascente na Quinta da Rivella, corre encanada aos dormitorios do Convento, e cahe no chafariz do pateo do mesmo Convento, para que o publico continue a gozar della como d’antes.



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§ 2.º – Estas concessões têem por fim o estabelecimento das Repartiçoens publicas, que actualmente alli se achaõ, ou de futuro se poderem estabelecer; e bem assim a abertura de duas ruas de communicaçaõ com o Bairro Alto, uma que conduza ao caminho da Fonte Nova, e outra ao do Montarroio». A 2 de Setembro de 1839 a Câmara Municipal conseguiu a posse judicial dos edifícios e terrenos concedidos pela referida Carta de Lei de 30 de Julho. Esta cedência traria implicações decisivas para a Câmara Municipal, que se tornava um dos maiores proprietários da cidade e do concelho, dominando uma área central na cidade, que a seu tempo se tornaria urbanizável. Por outro lado, a lei particularizava ainda «a parte do edifício desde a parede de Sansão até aos telhados» destinada à administração pública, sendo aí definitivamente instalada a Câmara Municipal com suas repartições e o Administrador do Concelho. A Câmara receberia também o Jardim da Manga. O mesmo diploma obrigou o município a abrir o acesso à Fonte Nova, demolindo‑se, por deliberação de 17 de Dezembro de 1842, todas as casas do mosteiro de Santa Cruz desde o cunhal da porta do carro até ao cunhal das Hospedarias, transferindo‑se para estas a Administração do Correio (392). Esta porta «…fechava o pátio hoje fronteiro à P.S.P. – que nos documentos mais velhos é referido como pátio dos carros – para ali instalar o mercado das contratadeiras de aves e cereais, que, como vimos antes, faziam mercado mesmo defronte do Mosteiro» (393). Nesse local também se instalaram os serviços de correio, na entrada de serviço ao lado do refeitório dos crúzios, passagem acanhada que seria substituída pelo Arco do Correio, que ligava os edifícios do correio ao hospício. A Câmara Municipal, então instalada na antiga sede do Tribunal da Inquisição, ali promoverá algumas obras de conservação pagas pelo Estado, multiplicando‑se os pedidos de cedência e arrendamento do espaço para os mais diversos serviços públicos: as naves da sobre‑claustra, o Dormitório, a Sala do Refeitório e a Casa Vermelha. O Refeitório em si e a Casa do Apostolado transformavam‑se em celeiro, o mesmo acontecendo com a entrada do mosteiro onde fora a Porta Fidalga. A parte rural da antiga quinta, estendida para Nascente até à zona da actual Manutenção Militar, foi arrendada aos talhões. Apesar de uma grande revolução urbana operada na zona, a verdade é que entre 1870‑1890, ainda o município punha em praça as nozes pendentes das nogueiras da antiga horta, as uvas, os cereais, a fruta do seu pomar, os cereais, a madeira. E, muito curiosamente, a 3 de Novembro de 1887 o município proibia o exercício da caça (!) na Quinta de Santa Cruz (394). As antigas pastagens arrendavam‑se para cultivo, bem como o forno da cal. O peso dos bens recém incorporados no fundo municipal pode ser medido pela soma dos foros das antigas dependências crúzias no orçamento de 1869‑1870, onde nos 17 contos totais da renda declarada 10 contos e 600.000 réis provinham do rendimento que o município havia conseguido com a desamortização dos bens de Santa Cruz.



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III – A Baixa

3. Novas utilizações em espaços do antigo Mosteiro de Santa Cruz 3.1. A criação de um Museu Paroquial e Museu Industrial A 16 de Abril de 1863 a Câmara Municipal cedeu à Junta de Paróquia a Galeria do Claustro do Silêncio para serventia do santuário, mas que seria fechada para efeitos de instalação de um Museu Paroquial, núcleo que precipitaria o fim do Museu Municipal de arte e indústria. Neste museu se recolheram inúmeras preciosidades do mosteiro; imagens, quadros, tapetes, pratas e riquíssimos paramentos, que nalguns casos foram salvos das espoliações pós extinção das ordens religiosas, graças a alguns habitantes da freguesia os terem escondido. Mas se tudo se tivesse salvo que grande glória e orgulho teria a cidade no seu museu‑arquivo‑biblioteca…. Intitulado «muzeu parochial da freguezia de Santa Cruz e Santa Justa» foi inaugurado a 24 de Junho de 1890, numa cerimónia também aproveitada para distribuição de fatos a crianças pobres da freguesia e entrega dos prémios aos melhores alunos das escolas oficiais nela sedeadas. Ao longo dos tempos o município tentou readquirir aquela galeria, como foi exemplo a proposta do então vereador António Augusto Gonçalves. A propósito de museus refira‑se que António Augusto Gonçalves, no seguimento da exposição distrital de 1884 lançou a ideia da criação de um Museu Industrial. Mais tarde e já na qualidade de vereador da Câmara Municipal, obteve autorização para instalar um Museu de Arte Industrial, na galeria norte da sobreclaustra. Posteriormente, designou‑se por Museu Municipal distando do paroquial apenas 30 metros e que viria a ser extinto. Os seus valiosos objectos museológicos seriam, juntamente com os do Museu do Instituto, o núcleo fundador do Museu Nacional de Machado de Castro. 3.2. Da Casa Vermelha à Prisão da Cidade O antigo celeiro e casa de fruta do mosteiro, era ladeado, a Norte, pela Rua de Montarroio e a Sul, pelo começo da Rua Olímpio Nicolau Fernandes. O edifício fora construído no século XVII, era abobadado de tijolo sobre pilares quadrados simples que estabeleciam corredor central. Foi por insistência do Governo Civil e decisão do município de 15 de Julho de 1853, que se destinou a Casa Vermelha (antigo celeiro do mosteiro) a cadeia da cidade. Depois de obras de adaptação feitas pelo município, a 5 de Setembro de 1856 deu‑se a transferência dos presos, não só da Cadeia da Portagem, mas também os do Aljube então no Largo da Feira (395). O novo estabelecimento, que também se designava por Cadeia de Santa Cruz, era antiga dependência do mosteiro, também cedida ao município pela Carta de Lei de 30 de Julho de 1839. Para a adaptação desejada foi necessário despedir os inquilinos que a habitavam e ali comercializavam.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

O espaço foi, ao longo da primeira metade do séc. XX, muito cobiçado e envolto em polémica. A 5 de Fevereiro de 1920 o município apreciava um pedido do Comandante da Guarda Nacional Republicana solicitando que a cadeia civil de Santa Cruz fosse despejada dos presos para ali se poder instalar uma força daquela guarda, até então alojada no Pátio da Inquisição. Na sessão seguinte a Câmara Municipal roga ao Governo a transferência desses presos para a Cadeia Nacional, como forma de ceder o edifício à guarnição. Em Julho de 1927 e sem qualquer deliberação camarária que o autorizasse instalou‑se naquele espaço o Comando Distrital da P.S.P. (2ª esquadra), que ficou alojado em parte do rés‑do‑chão, agindo a Câmara com tolerância (396). Mais tarde, a 15 de Outubro de 1931 o Comando da Polícia pede a cedência de todo o rés do chão para ali instalar um calabouço e, em Agosto de 1932 e para instalação de serviços de polícia nos baixos dessa cadeia, o município mandou despejar uma barbearia que aí existia. No ano seguinte, em Junho de 1933 chega a ceder‑se à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência o edifício e terreno AUTO SOLENE DE INAUGURAÇÃO anexo onde se encontra a Ca- DO MUSEU PAROQUIAL deia Comarcã para construção da sua filial e onde também se «Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Chrisprevia instalação da Inspecção to de mil oitosentos e noventa aos vinte e quatro dias do de Saúde e Esquadra da Polí- mez de Junho do dito anno em Coimbra e nos Claustros cia. Porém em Fevereiro de do Silencio da egreja de Santa Cruz compareceu o pre1936 o município decide defi- sidente da Junta de Parochia d’esta freguezia o Ex.mo nitivamente que a construção Sñr. Jose Narciso Simões, e os vogaes os Ex.mos Snrs. da Caixa Geral se não faça na Antonio dos Santos Azevedo, Adriano da Silva Ferreira, Manuel Antonio de Figueiredo e Manuel dos Santos Cadeia de Santa Cruz (397). Em 1935 e, na sequência Figueiredo Lopes assim como as demais auctoridades da queda da torre de Santa e cidadãos para assistir não só á distribuição de fatos a Cruz, desaparecia uma parte cento e sessenta creanças pobres d’esta freguezia para da estrutura a nascente, fi- com alguma decencia frequentarem as escolas primarias cando um espaço devoluto, mas tambem á distribuição dos prémios a vinte creanças levantando‑se a necessidade do sexo masculino e oito do sexo femenino que mais de transferir os presos para a se distinguiram nas escolas officiaes d’esta parochia, e ainda a inauguração do Muzeu parochial onde ficam Cadeia Penitenciária; o que expostos todos os objectos d’esta egreja e da de Santa aconteceu a 1 de Junho de Justa e Rufina. E, sendo doze horas da manha o Ex.mo 1936 com a transferência de Sñr. Presidente, expondo o fim d’esta reunião e feita que 136 presos (398). foi a inauguração solemne do referido muzeu e da nova No entanto, há muito que sala das sessões d’esta Junta mandou lavrar este auto por a miséria visível dos encar- mim Joaquim Monteiro de Carvalho, Secretario d’esta cerados numa área central Junta de Parochia, que o li e assigno». da cidade, a falta de higiene [A.J.F.S.C – Processo sobre o Café Santa Cruz, Doc. Nº 1] e de humanitarismo haviam



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III – A Baixa

conduzido à decisão de se construir a Penitenciária. Esta seria construída no local do antigo Colégio de Tomar, destinando‑se ao cumprimento de penas maiores, continuando a cadeia de Santa Cruz, antigo celeiro dos crúzios, a servir para prisão preventiva e correccional. Nos finais de 1943 a P.S.P. oficiava ao município solicitando a Casa Vermelha para instalação de alguns departamentos daquela corporação, em virtude do incêndio que destruíra, em Novembro, as suas instalações alojadas no antigo Governo Civil de Coimbra, no Largo da Feira. O pedido provocará mosquitos por cordas dentro da vereação, uma vez que o local estava pensado para a Repartição de Obras e Biblioteca. Em Abril de 1945 o Comando Distrital de Coimbra da PSP passou a ocupar parte do edifício prisional de Santa Cruz, então devoluto devido à transferência recente da cadeia para novo espaço junto da Penitenciária. Estala nova polémica. O município pronuncia‑se contra a instalação, alegando a P.S.P. que a Câmara lhe fornecera uma chave, ignorando se alguma deliberação havia sido tomada em contrário. Arrastar‑se‑á durante anos a resolução do problema, passando o município a fazer valer a partir de 1958 os seus direitos com base no parecer dos professores doutores Afonso Queiró e Ferrer Correia. Depois da instalação da P.S.P. efectuaram‑se obras de limpeza e restauro de acordo com as instruções dadas pelo Arquitecto Baltazar de Castro, Director Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Pelos finais dos anos cinquenta ali se encontravam instalados, além do Comando da 2ª Esquadra da PSP os Serviços de Fiscalização do Leite da C.M.C. Apesar de por diversas ocasiões o edifício ter sido dado para demolição por necessidade urbanística tal nunca aconteceu. Actualmente ali estão instalados diversos serviços camarários: Direcção Municipal do Desenvolvimento Humano e Social, Departamento de Educação e Ciência, Acção Social e Família, Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Coimbra e Gabinete de Arqueologia, Arte e História.

Foto 75 – Antigo Celeiro do Mosteiro de Santa Cruz



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3.3. De refeitório a espaço cultural Na parte baixa e do lado Norte do Claustro do Silêncio levantou‑se o novo refeitório, que veio substituir o “velho”, que tinha sido renovado e alargado no decurso das primeiras obras manuelinas (em 1523) e ocupava o sítio do românico, na ala nascente do claustro servindo de lavabo a conhecida fonte de Paio Guterres. O refeitório novo, projecto e empreitada de Diogo de Castilho, iniciado em 1528, define‑se para a rua Olímpio Nicolau Fernandes, em cinco contrafortes e ficou concluído por volta de 1534. É uma grande sala rectangular, repartida em quatro tramos com abóbadas de cinco chaves, lavradas de motivos florais, de nervuras em estrela e uma cadena a todo o comprimento da quadra, ligando as chaves centrais. No topo nascente ainda se

Foto 76 – O Refeitório Novo do Mosteiro de Santa Cruz adaptado a sala da Associação dos Artistas, 1935

vêem as aberturas dos antigos púlpitos, tratados ao modo da primeira Renascença. No espaço médio ficava o arco para onde Odart modelou os barros da Ceia (1530‑1534) e que incluía uma mesa com todos os pertences, utensílio e vitualhas. A história não foi amiga dos barros do Apostolado da Ceia: «Cerca de vinte anos depois, foi pintada por dois cónegos regrantes crúzios, mas não resistiu aos sucessos posteriores, à extinção das ordens religiosas, em 1834. Quando o refeitório foi dado a uma associação de artistas, as esculturas foram emparedadas e, mais tarde, um responsável pelos edifícios públicos, levou as cabeças para a Associação dos Arqueólogos de Lisboa. Só já neste século, por iniciativa de António Augusto Gonçalves,



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é que as esculturas foram reconstruídas e levadas para o Museu Nacional de Machado de Castro, onde ainda se encontram» (399). As janelas actuais foram mandadas rasgar por D. Acúrsio de Santo Agostinho no seu segundo triénio (1599‑1602), para entrada de luz. Sobre o refeitório existem ainda restos do dormitório, designadamente uma série de pequenas janelas das celas entre duas grandes, rasgadas e com remates dum óculo e terminação em frontão enquanto na parte alta ficava o dormitório grande para os cónegos, ocupando os lanços Norte e Nascente do Claustro do Silêncio. Este dormitório foi executado sob direcção de Diogo de Castilho em contrato assinado em 5 de Março de 1528, que foi aliás o primeiro das novas obras de reformulação conventual (400). Construído com o auxílio de trinta oficiais de alvenaria e pedraria e tendo nas obras de carpintaria Pero Anes, veio substituir o dormitório que ficara concluído em 1523 no lanço Norte do claustro e que teria provavelmente dois andares (401). Por portaria do Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, de 6 de Julho de 1865 o antigo refeitório dos Cónegos Regrantes foi cedido para sede da Associação dos Artistas. A 16 de Fevereiro de 1866, a Câmara Municipal de Coimbra sob a presidência do Dr. Manuel dos Santos Pereira Jardim, emprestava a dita casa, lavrando‑se termo de obrigação a 18 de Fevereiro do mesmo ano. Aquela associação, fundada a 22 de Dezembro de 1861 teve a primeira sede na Sala das Conferências da Imprensa da Universidade. Foi seu fundador, presidente e grande impulsionador, Olímpio Nicolau Rui Fernandes que promoveu no antigo refeitório crúzio a famosa Exposição do distrito de Coimbra em 1869 (Julho‑Outubro). Entre 1884 e 1886 a associação cedeu a sua sala e mobiliário à Escola de Desenho Industrial Brotero. Findo este período, a escola transitou para dependências do mosteiro situadas por cima do antigo refeitório que foram restauradas e adaptadas. Transferência que resultava da insistência do professor A. A. Gonçalves que alegava insuficiência de espaços para o elevado número de alunos matriculados. A associação promovia aulas nocturnas subsidiadas pelo município, as quais em Fevereiro de 1936 eram frequentadas por 200 alunos. A Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Coimbra foi extinta a 31 de Janeiro de 1989 depois de aprovada a proposta do Presidente da Mesa, tendo por base o reduzido número de associados, avultadas despesas e enquadramento legal. As instalações voltaram à posse do município para onde transitaram também os seus bens artísticos (402). O antigo refeitório de Santa Cruz passou, desde então, a ser usado em benefício da população, designadamente em eventos culturais. De facto, desde a Coimbra Capital Nacional da Cultura em 2003 que no espaço está patente ao público uma exposição de arte sacra do mosteiro. 3.4. A instalação da Biblioteca Municipal A 4 de Maio de 1855 a Câmara Municipal nomeava uma comissão para estudar a instalação de uma Biblioteca Municipal no Mosteiro de Santa Cruz, a qual solicita do



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PROPOSTA PARA A INSTALAÇÃO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL E NOMEAÇÃO DO DR. JOSÉ PINTO LOUREIRO PARA SEU DIRECTOR «BIBLIOTECA MUNICIPAL: Considerando que a organização e acesso ao público de uma Biblioteca Municipal constituem uma das mais instantes e acariciadas aspirações da cidade de Coimbra, e, designadamente de quantos se interessam pela instrução das classes menos favorecidas da fortuna; Considerando que, a par, de proporcionar ao público livros e outros elementos de estudo, fortemente se impõe também a de bem acautelar o precioso património de pergaminhos e manuscritos existentes no arquivo da Câmara, por forma que jamais, seja a que título for e seja qual for o pretexto invocado, estes possam ser desviados da sua posse; Considerando a necessidade de proporcionar à magnanimidade de todos os bibliófilos e coleccionadores uma biblioteca onde perpétua e cuidadamente se guardem e estimem as suas colecções, tantas vezes trabalhosamente obtidas, e as suas livrarias sempre tão carinhosamente organizadas; Considerando que dessa magnanimidade tem já a Câmara uma louvável demonstração no legado de livros com que a contemplou o falecido e erudito professor Dr. António Maria Henriques de Sousa Seco, e outras pessoas há, que mais de uma vez têm manifestado o seu grande desejo de proceder de igual modo; Considerando que, por proposta apresentada na sessão de 27 de Outubro de 1910, pelo vereador Albino Caetano da Silva Pinto e votada por unanimidade (e a cuja votação tenho a honra de haver ligado o meu nome) foi criada a Biblioteca Municipal, consignando-se-lhe logo verba no orçamento, que não mais deixou de inscrever-se nos orçamentos posteriores; Considerando que se deram nessa época frutíferos passos no sentido de obter gratuitamente livros e outras publicações periódicas e jornais que até agora não tem deixado de receber-se regularmente; Considerando que, havendo já um apreciável conjunto em livros, pergaminhos, manuscritos e pequenas publicações, muito mais poderá obter por dádiva de autores e editores e ainda por concessão do Estado e por favor de outras bibliotecas já antigas e que muito haverá a esperar também da iniciativa e esforço particulares; Considerando que para instalação provisória da Biblioteca Municipal oferece boas condições a sobreclaustra do Mosteiro de Santa Cruz, na posse da Câmara, o que notavelmente reduz as dificuldades da sua organização, proponho que se organize definitivamente e se dê todo o impulso ao funcionamento desta biblioteca; Considerando ainda que o advogado da Câmara Sr. Dr. José Pinto Loureiro, a par de um profissional do foro bem reputado pela sua competência técnica e pelo seu carácter, é um estudioso com um passado académico distinto, que se tem afirmado pela vida fora em trabalhos que correm impressos em livros, brochuras e revistas, e dispõe de apreciáveis faculdades de trabalhador e de organizador, e que portanto reúne em si o conjunto de qualidades necessárias para uma perfeita e tanto quanto possível rápida organização da Biblioteca Municipal e para a sua competente direcção; Proponho mais que se nomeie o Sr. Dr. José Pinto Loureiro director da Biblioteca Municipal dando-se-lhe a melhor colaboração e as possíveis facilidade para que a inauguração da Biblioteca e a sua abertura ao público sejam dentro em pouco uma realidade, e que no futuro orçamento para 1923 fique consignada uma verba que se repute suficiente para a instalação e sustentação da Biblioteca. Coimbra e sala das sessões da Câmara Municipal, 23 de Novembro de 1922 – (a) Francisco Vilaça da Fonseca.» [Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 130, 1922-1923]



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Prelado Universitário parte dos livros provenientes dos conventos extintos, ao tempo amontoados no Hospital Velho da Conceição. Para acomodação da Biblioteca Municipal chegou a ventilar‑se outros locais: o edifício da antiga Cadeia de Santa Cruz, ou a Roda dos Expostos (hoje Escola Secundária Jaime Cortesão). Para a formação da futura biblioteca municipal de Coimbra, o Dr. Antonio Luiz de Sousa Henriques Seco deixou em testamento a sua livraria particular. A 27 de Outubro de 1910 e por proposta do vereador Albino Caetano da Silva Pinto, o município resolveu «…criar uma biblioteca pública municipal, incluindo‑se no próximo orçamento ordinário para 1911 a respectiva dotação, adquirindo‑se desde já alguns livros que possam obter‑se, ficando o proponente e a presidência encarregados de se dirigirem a escritores e editores para este fim» (403). O processo para nova biblioteca demoraria o seu tempo. Em Março de 1913 e na sequencia do decreto de 18 de Março de 1911, o município informava o Governador Civil que apesar da decisão tomada em 1910 de se criar uma biblioteca ainda não se poderá dar cumprimento à deliberação devido à falta de casa apropriada, embora se pensasse já em instalá‑la no próprio edifício dos Paços do Concelho. Alguns anos depois e sem o assunto resolvido a Câmara encarrega o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho de reorganizar o arquivo municipal e de «…estudar o modo de se fundar a biblioteca municipal» (404). A 23 de Novembro de 1922 a Câmara Municipal resolveu instalar na sobreclaustra do Mosteiro de Santa Cruz a biblioteca municipal, nomeando seu director o conhecido advogado camarário, o Dr. José Pinto Loureiro, proposta apresentada pela presidência e aprovada por unanimidade. Teve a instituição no seu quadro outros grandes profissionais como José Branquinho de Carvalho (1º bibliotecário nomeado em Fevereiro de 1948), Armando Carneiro da Silva (2º bibliotecário nomeado em Março de 1949), Arnaldo Pinto Loureiro (arquivista), dali saindo muitos funcionários para outros serviços camarários. Branquinho de Carvalho e Carneiro da Silva seriam, aliás, os grandes responsáveis pela reorganização do Arquivo Municipal Antigo, que ocuparia duas divisões do edifício municipal onde estivera até Dezembro de 1953, a Delegação da Junta Nacional do Azeite. A Biblioteca Municipal foi inaugurada em 1923 e tinha a sua sala de leitura na galeria Norte do claustro do silêncio. O seu espólio foi enriquecido com a aquisição de livrarias particulares como a do professor de ginástica do Liceu José Falcão, Augusto da Costa Martins constituída por mais de 16.000 volumes (em Abril de 1943), através de legados como o do Dr. Fernando Quental (sobrinho‑neto de Antero Quental), que em Setembro de 1958 deixou diversos bens ao município, entre os quais preciosos livros, e doações como a de parte do espólio do poeta Afonso Duarte (Janeiro de 1959). Por outro lado e desde 1926 que pertencia à biblioteca o edifício da Escola‑Oficina “O Futuro” por oferta do Presidente da Comissão fundadora e administradora da mesma. Em meados de 1947, o edifício foi recuperado para silo de jornais da Biblioteca Municipal. Cresceria rapidamente, em quantidade e qualidade a biblioteca municipal. O espaço tornara‑se pequeno para as necessidades, reclamando‑se modernas e higiénicas insta-



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lações – a construção de uma nova biblioteca. Depois de vários estudos e opiniões a escolha recairia na Rua Pedro Monteiro, onde foi inaugurada a nova biblioteca a 26 de Outubro de 1993.

3.5. Do Dormitório do Pilar, passando pela Roda, à Escola Secundária Jaime Cortesão A actual Escola Secundária Jaime Cortesão encontra‑se instalada num edifício que remonta ao século XVII. De facto, entre 1633 a 1834 o imóvel integrou‑se no complexo do mosteiro de Santa Cruz, servindo de enfermaria geral do mosteiro (enfermaria dos frades), no sítio da horta e num local privilegiado em termos de luz solar. A primeira fase das obras, que começou no triénio de 1633‑1636 só foi concluída no de 1653‑1656 (405). Durante o séc. XVIII o edifico foi reformado, estabelecendo‑se ali a residência do prior‑geral da congregação crúzia. O espaço também acolheu a biblioteca conventual e foi utilizada como hospedaria e dormitório. À data da extinção das ordens religiosas, em 1834, era conhecido como Dormitório do Pilar. Na primeira metade do séc. XVIII surgiram, de acordo com o praticado no estrangeiro, as rodas dos expostos, que oficializando o abandono clandestino pretenderam obstar ao crime de infanticídio. Pelo alvará régio de 18 de Outubro de 1806, entregou‑se a administração das rodas às Misericórdias. Pelo decreto de 19 de Setembro de 1836, o governo devido ao estado lastimoso a que haviam chegado as poucas rodas do país, definiu novas orientações a seguir: as despesas e administração das rodas e a criação dos expostos passou a ser feita por conta das municipalidades, determinando que as Juntas Gerais de Distrito fixassem o seu número e o local, cessando a competência, em algumas terras da incumbência que recaía sobre as Misericórdias. A Câmara Municipal de Coimbra demorou algum tempo a adaptar‑se à nova realidade. De facto, apenas a 27 de Junho de 1838 tomava conhecimento de estar instalada a Comissão Geral Administrativa dos expostos do distrito, destinando‑lhe para acomodação uma parte do antigo Mosteiro de Santa Cruz (406). Procedeu‑se em seguida a inventário tanto na Misericórdia como na Casa da Roda e, apenas em Maio de 1839 a Câmara Municipal foi investida na administração dos expostos. A 9 de Outubro de 1846 o município deliberou pedir ao Governo um edifício público mais adequado ao estabelecimento de uma Casa da Roda, uma vez que até então estava instalada, de modo impróprio e com problemas de salubridade, na Travessa de Montarroio (onde em Novembro de 1863 se instalaria o Asilo da Mendicidade). Como a pretensão não foi atendida, a Câmara Municipal deliberou, a 26 de Fevereiro de 1847 transferir, para o antigo Dormitório do Pilar a dita Casa da Roda. Em Fevereiro do ano seguinte ordenou o começo das obras e, em Julho, remetia ao Governo Civil o auto de arrendamento. Pela arrematação do alteamento do muro do cemitério e jardim da Repartição dos Expostos «que acompanha a estrada que vai da horta de Santa Cruz atè à Fonte Nova, em 517 palmos de comprimento» sabemos com segurança, que a



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transferência se fez para o edifício onde depois se instalou a Escola Industrial e Comercial Brotero e que o cemitério dos expostos era na cerca actualmente compreendida entre a Escola a Manutenção Militar (407). A 21 de Março de 1872 a Junta Geral do Distrito votou, favoravelmente, a proposta do Dr. Manuel Emídio Garcia, prevendo a supressão da Roda dos Expostos e substituição/ transformação daquela estrutura pelo Hospício dos Abandonados, publicando‑se ainda nesse ano o respectivo regulamento. No seguimento e durante 1891, será construído um novo alçado, em 1898 canaliza‑se a água e, pelo decreto de 11 de Maio de 1905 regulou‑se o funcionamento nesse espaço do Hospício do Distrito de Coimbra. Pelo decreto de 22 de Fevereiro de 1911 foi extinto o dito hospício e criada uma Maternidade com creche, anexa à Faculdade de Medicina com os encargos de beneficência do Hospício que ali funcionara. Sendo o edifício posse municipal, pelo Decreto Nº 8.785 de 28 de Abril de 1923 atribuiu‑se ao Ministério do Comércio e Comunicações, a posse de todos os edifícios e terrenos anexos do extinto hospício do distrito de Coimbra, para nele se instalarem a Escola Industrial de Avelar Brotero e o Instituto Industrial e Comercial de Coimbra criado em 1921 (408). Este instituto seria extinto pelo decreto Nº 12.091, de 10 de Agosto de 1926, tendo o seu material de ensino sido entregue à Escola Industrial de Brotero, com a qual se fundiria passando a designar‑se por Escola Industrial e Comercial de Brotero que ali continuou a funcionar. A Escola Brotero até então a funcionar junto à rua de Entre Muros (perto da actual Praça da República) mudou-se em Junho de 1923 para o novo local, ali se mantendo mais 35 anos. Apesar da mudança, as oficinas da escola (marcenaria e talha, de serralharia, de cerâmica e de formação), que haviam sofrido alguns danos com o incêndio de 1917 haviam permanecido junto ao novo local, no Jardim da Manga. No entanto, a 1 de Janeiro de 1926, um novo incêndio destruía o edifício dos Correios e Telégrafos e, em virtude do desabamento de uma parede, as oficinas ficaram seriamente danificadas. Provisoriamente, instalaram‑se nuns barracões situados em terreno anexo ao actual edifício da Escola. Porém como essa instalação era muito deficiente e se projectava a transferência da escola industrial Avelar Brotero para o antigo Hospício, a Direcção das Obras de Edifícios Nacionais – Norte, elaborou em Abril de 1927 o processo de orçamento e plantas para as novas oficinas – projecto definitivo da autoria do Arquitecto Augusto Carvalho da Silva Pinto. O projecto previa um orçamento parcial de 424.068$00, e compreendia a construção das oficinas de marceneiro e de talha, de serralheiro, casa de fundições e moldagem (409). No seguimento abriu‑se concurso público para a arrematação da 1ª empreitada parcial das ditas obras: adjudicado a João Gaspar de Matos a 28/12/1929 (contrato de 28/01/1930), no valor de 90.500$00. Consistia no trabalho de carpinteiro, de serralheiro e pintor, para a construção da oficina de marcenaria e talha, casa para lavatórios e retretes. A 25/05/1930 fez‑se auto de vistoria e aprovaram‑se os trabalhos executados,



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que ficaram concluídos em Janeiro de 1932. Quanto aos trabalhos da cerca da Escola seriam adjudicados a Fernando Silva, empreiteiro e mestre‑de‑obras (410). Como se sabe, estas oficinas foram construídas no tabuleiro superior da cerca anexa. Nesta obra e adaptação do antigo hospício a escola participaram diversos artificies: Manuel de Jesus Cardoso «no capeamento em cantaria de Outil do muro da cerca da Escola Industrial e Comercial de Brotero (…) e bem assim ao revestimento dos patamares lateraes da mesma escada»; na obra de pintura de caixilharia e colocação de vidros

Foto 77 – Escola Secundária Jaime Cortesão

na escola, assinala‑se o trabalho do pintor Augusto das Neves; e Joaquim Ferreira dos Santos, mestre d’obras, da cidade do Porto, na reparação no muro da cerca, incluindo a mudança da escada exterior de pedra (411). Em 1932 foram entregues as dependências ocupadas pela Creche, o que permitiu alargar o espaço da escola e instalar novas oficinas e serviços. Diga‑se a propósito que entre 1930 e 1935 a atenção do director da escola, Armando Viana da Rocha, e da direcção dos monumentos nacionais centrou‑se na reparação geral do telhado. Com a progressiva deterioração da situação da torre adoçada ao flanco Poente da escola, a situação pese embora as diversas intervenções efectuadas, não conhecera solução eficaz. A queda da torre em 3 de Janeiro de 1935 arrastou consigo uma parte do edifício da escola, inutilizando a central eléctrica privativa, montada no Jardim da Manga, haven-



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do necessidade de transferir-se as oficinas de costura e bordados e de pintura cerâmica, tendo‑se de imediato dado início ao processo para reconstrução da ala afectada por solicitação da direcção do estabelecimento: «A Direcção da Escola Industrial e Comercial de Brotero, em Coimbra, solicita que seja reparado urgentemente, a empena do lado poente do edificio, bem como a cobertura do patamar e escada que liga a Rua de Montarroio com aquele estabelecimento» (412). Estas e outras obras serão concretizadas nos anos seguintes. Em meados de 1935 foi transferida do Jardim da Manga para a cerca da escola a Central Eléctrica da Escola Industrial, enquanto que por Despacho do Ministro Duarte Pacheco de 29 de Janeiro de 1939, foi autorizada a execução das obras de beneficiação na fachada voltada para a Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes que se encontrava com os «guarnecimentos exteriores apodrecidos e as cantarias sujas», as quais foram adjudicadas ao empreiteiro António Ferreira Júnior, por 6.693$00, em Setembro de 1940. Esta intervenção estender‑se‑ia ao interior; reparação da escadaria principal, paredes e pavimentos interiores, tectos e clarabóia, obras concretizadas no decurso da primeira metade da década de 40 (413). Pelos finais da década avança‑se para a construção da cantina escolar, composta por cozinha, refeitório e lavabos. A crescente procura pela formação técnica oferecida pela escola, levou o Estado a arrendar a 12-12-1940, na rua da Boavista, junto à rua do Cabido, um prédio para onde se transferiram várias turmas e cursos. E, pelos finais da década, a escola estava dispersa pela cidade, impondo-se a construção de novo edifício há muito reclamado. A decisão para a sua construção chegará em 1948, recaindo a escolha em local bem distante, na Quinta do Cidral, na zona de S. José. Iniciada a construção em 1954 foi inaugurada a 29-11-1958 (414). Contudo a antiga sede não foi de todo abandonada, ali voltando a funcionar no ano lectivo de 1968/69 uma secção da Escola Industrial e Comercial Brotero – a chamada Escola da Baixa. Nela funcionou a Secção Preparatória para os Institutos Comerciais e os 1.º e 2.º anos do Curso Geral de Comércio (turmas masculinas) e do correspondente Ensino de Aperfeiçoamento. Os anos seguintes definiram através de diplomas legais o futuro da escola. Pelo Decreto‑lei Nº 457/71 de 28 de Outubro de 1972 criou‑se a Escola Técnica de Sidónio Pais, iniciou o funcionamento naquele espaço a 1 de Janeiro de 1972. Depois do 25 de Abril e pelo Decreto‑Lei Nº 417/76 alterou‑se a designação para Escola Técnica de Jaime Cortesão. Porém com o Decreto‑Lei Nº 80/78 de 27 de Abril mudaram‑se as designações de todos os estabelecimentos de ensino secundário, para a denominação genérica de “Escolas Secundárias”, fixando‑se de então até aos nossos dias o nome Escola Secundária de Jaime Cortesão. A escola até aos anos setenta apresentou um cariz tecnicizante recebendo «…os jovens oriundos das classes mais desfavorecidas da população, tanto da cidade como dos subúrbios como ainda de zonas rurais mais distantes» (415), fornecendo mão-de-obra para a indústria local e regional.



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O sector artístico foi desde os princípios da escola um sector especial e de largas tradições que remontavam ao tempo do seu primeiro professor António Augusto Gonçalves: «…artista que transpôs da Escola Livre das Artes do Desenho para a então Escola do Desenho Industrial Brotero (com uma forte componente de Artes Decorativas) a sua arte, criando escola. Ao longo dos anos, foi possível, na verdade, acompanhar na Escola Brotero o desenvolvimento, por vezes até a um nível bastante elevado de modalidades de índole tecnico-artística diversas: cerâmica (modelação e pintura), marcenaria e talhas, serralharia, tapeçaria…» (416). Com especial atenção se deve referir que ali se deu continuidade a geração fantástica de artistas, do ferro à cantaria, educados no gosto da renascença: na escultura ornamental e figurativa João Machado (falecido em 1925), Alberto Caetano, José Barata, Manuel de Jesus Cardoso (foi nomeado mestre da oficina de serralharia) e, fora dessa tradição Cabral Antunes; no ferro forjado Lourenço Chaves de Almeida, Daniel Rodrigues ou Albertino Marques; na talha de madeira e marcenaria, António Augusto Pedro, Benjamim Ventura, Manuel Miranda; na pintura António e Abel Eliseu, Adriano Costa, Saul de Almeida e, na ourivesaria Manuel Martins Ribeiro e João Machado. A escola desapareceu mas a obra permanece, como nos recordou em 1973 Nogueira Gonçalves: «Causa admiração como na cidade se despertaram tão variadas vocações artísticas num tão reduzido tempo, não se pensando fundar escola mas só reaprender as técnicas da arte. Infelizmente nem o meio económico nem a evolução artística europeia (que caminhou até ao desaparecimento da arte ornamental no tempo presente e para o transvio da figurativa) permitiram a natural maturação e aproveitamento de tão grande e elevado esforço» (417). O edifício conserva a estrutura geral do séc. XVII, parte da fachada exterior e o interior. A larga fachada mostra a cada extremidade, três sacadas primitivas e, na parte central conserva‑se ainda a abóbada primitiva, de tijolo em aresta. Em frente à escadaria actual encontram‑se os restos da cozinha, com a sua chaminé. O corredor conserva o aspecto primitivo, onde a abóbada surge cortada de cinco laternins circulares, abertos no séc. XVIII. Ao, meio e em frente ao antigo eirado rasga‑se o arco de cantaria, adornado de molduras, da capela antiga, a qual mostra ainda a abóbada de três séries de cinco caixotões. De realçar, ainda, as janelas de molduras de cariz renascentista. Na pequena cerca, para Nascente, vê‑se um arranjo do séc. XVIII; dois torreões quadrados de telhado piramidal. Há duas fontes, agora secas, com tanques simples e gracioso do meado do século. Do mesmo tempo resta um alizar de azulejos, com representação de casarias e grandes edifícios, mas que não reproduzem aspectos de Coimbra. Uma referência também para o sítio da ligação com o mosteiro, que se fazia por meio de um arco chamado “do Correio” e que ficava junto à escada de acesso à actual escola secundária. No mandato de Mendes Silva enquanto presidente do município e no âmbito de melhoramentos na área envolvente ao Mercado D. Pedro V, colocaram‑se no muro da



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cerca da escola voltada para a Rua Olímpio Nicolau Fernandes, painéis de azulejo, reproduzindo monumentos da cidade, da autoria de Amílcar Duarte Martins (ceramista saído da Escola Brotero, foi aluno de José Contente e António Victorino). Em 2002 foi devolvido à escola o espaço do rés‑do‑chão onde vinha funcionando a Cantina da Polícia. 4. A expansão da cidade e freguesia 4.1. Planos de Urbanização, estudos urbanísticos da Baixa e direito de propriedade Desde os finais do séc. XVI que o eixo e suporte do desenvolvimento urbano da cidade se encontrava na Rua da Sofia. Depois da extinção das ordens religiosas, do triunfo do liberalismo e do regresso da paz e de alguma estabilidade política, o município, na década de cinquenta do séc. XIX, aproveitou os tempos de calmaria para dar início à expansão de uma cidade que até então se encontrava prisioneira de duas cintas; a conventual, mais perto do seu núcleo antigo, com especial realce para o constrangimento provocado pelo Mosteiro de S. Domingos e Mosteiro de Santa Cruz, que comprimiam a cidade entre a colina e o Mondego e, a segunda, que se espraiava na direcção do campo formada por diversas quintas com suas casas solarengas. A partir de finais do séc. XIX dá‑se a viragem. A Avenida Sá da Bandeira torna‑se via fundamental do desenvolvimento da cidade, para o que muito contribuiu a cedência ao município dos terrenos do Mosteiro de Santa Cruz localizados no Vale da Ribela, consequência da lei das desamortizações de 1834 que definiu como património do Estado os bens imóveis das extintas comunidades religiosas. Aqueles terrenos faziam parte da extensa e famosa Quinta de Santa Cruz, pertença do mosteiro, que se prolongava até ao actual Jardim da Sereia, para lá dos limites actuais da freguesia de Santa Cruz. A construção de infra‑estruturas era um tema querido às políticas liberais e a inserção de Coimbra na rede urbana nacional um objectivo a atingir. Um primeiro indício do desejo em expandir a cidade detecta‑se pouco tempo depois da portaria que cedeu à Câmara Municipal parte do Mosteiro de Santa Cruz. A municipalidade, a 24 de Março de 1838, dirigia a D. Maria II, um protesto exprimindo o desejo de expandir a cidade para Nascente, facilitando a ligação entre a Alta e a Baixa: «A CAMARA MUNICIPAL de Coimbra, vendo que o Governo mandara proceder à avaliação das duas Quintas contiguas ao extincto Mosteiro de Santa Cruz d’esta Cidade; para dar um testemunho publico aos seus Concidadãos, de que se não esquece de promover os interesses d’este Municipio; achou do seu dever publicar, pela Imprensa, a seguinte Representação, que já em Março proximo passado dirigira a S. M., a RAINHA, pedindo‑Lhe a faculdade de abrir por uma d’aquellas Quintas duas ruas de communicação para o Bairro‑Alto; além de outros artigos de interesse publico».



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Estas ruas, que seriam novamente mencionadas na Carta de Lei de 30 de Julho de 1839 que regulou o assunto da cedência do Mosteiro de Santa Cruz à Municipalidade, eram as seguintes: a que pela horta de Santa Cruz se dirigia ao caminho da Fonte Nova e a outra ao caminho de Montarroio. Nos anos seguintes, um conjunto de iniciativas faziam antever a expansão desejada: em 1855 a mala‑posta volta a ligar a Cidade ao Carregado, alojando‑se numa parte do edifício de Santa Cruz que existiu onde hoje estão os C.T.T. e que tinha saída para um terreiro onde actualmente se encontra a entrada do Mercado D. Pedro V; em 1856 inaugura‑se a iluminação a gás e o telégrafo entre Lisboa e Coimbra, em 1864 anuncia‑se a chegada do comboio com a inauguração do troço entre Taveiro e Vila Nova de Gaia, completando a linha do Norte, alargou‑se e regularizou‑se a Rua do Coruche (actual Rua Visconde da Luz), redesenha‑se o Largo da Portagem e constrói‑se uma nova ponte sobre o Mondego em 1888 e, depois da subida da cota das suas margens constrói‑se o troço Norte da avenida Emídio Navarro (418).

A QUINTA DE SANTA CRUZ Fora da actual área da Freguesia de Santa Cruz dispõe-se parte da antiga Quinta de Santa Cruz a qual ocupava parte do já referido fértil vale, onde se localizava a almoinha doada por D. Afonso Henriques e onde se inclui a zona onde, posteriormente, se levantou a sede da Associação Académica de Coimbra, onde esteve o palácio dos priores-mores. Mais acima temos o conhecido Parque de Santa Cruz, também conhecido como Jardim da Sereia. Tratava-se da parte de jardins e mata, a Nascente da Praça da República que é o que resta da antiga quinta da Ribela, obra do segundo quartel do século XVIII, construída no tempo de D. João V sob o impulso de seu ministro Frei Gaspar da Encarnação, que entre 1723 e 1752 reformou o convento. Durante séculos a Quinta de Santa Cruz pertenceu ao Mosteiro de Santa Cruz. Em 1836 foi arrendada por três anos a José António da Cruz e, chegado o fim do arrendamento o governo deliberou proceder à venda da mesma quinta. Tal facto veio a concretizar-se a 28 de Agosto de 1839 na arrematação em hasta pública pelo Desembargador António Joaquim Coutinho por 5 contos. Frutuoso José da Silva, a 23 de Janeiro de 1840, comprá-la-à à viúva de António Coutinho (D. Francisca Dorothea), tendo-a possuído até à morte. Depois de inventário orfanológico a quinta ficou pertencendo a seu filho José António Leite Ribeiro no valor de 20 contos. Hipotecada, correu sobre ela execução, tendo o município contraído empréstimo a 18 de Janeiro de 1882 no valor de 20 contos para a sua aquisição. Vendida em praça e arrematada pela Câmara Municipal por 22 contos, em 1885, convidou-se o Eng.º Adolfo Loureiro para o estudo de urbanização da Quinta de Santa Cruz. O projecto foi apresentado em Julho de 1885 e compreendia a abertura de uma grande avenida de 50 metros de largo desde o Mercado (a futura Avenida Sá da Bandeira). Em 1886 aprovam-se as condições de venda dos terrenos, iniciando-se a arrematação dos mesmos em 1889. A transformação da Quinta de Santa Cruz em área residencial, com importantes melhoramentos, foi combatida pelo jornal “O Conimbricense”.



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III – A Baixa

A elaboração da primeira planta rigorosa de Coimbra data de 1873‑74. Elaborada pelos irmãos Francisco e Cesar Goullard, pode ser vista como um primeiro impulso no sentido de urbanizar a cidade. Realizada a compra dos terrenos da Quinta de Santa Cruz, a Câmara Municipal define nessa área um plano de melhoramentos, encarregando o engenheiro Adolpho Loureiro de executá‑lo. O projecto será aprovado em Julho de 1885 e, pelo final desse ano, define‑se a estratégia de financiamento para as novas construções, que passava pela gestão de venda de terrenos. Estava assim em marcha o grande plano de expansão da cidade, simultaneamente a grande obra municipal dos finais do séc. XIX. No entanto, não nos ocuparemos em pormenor sobre tal obra, na medida em que grande parte deste projecto veio a concretizar‑se em terrenos, actualmente, fora do âmbito geográfico da freguesia de Santa Cruz. De objectivos vastos, previa uma ligação entre a Alta e a Baixa menos acentuado do que o existente, sendo notório o desejo em expandir a cidade para Nascente. A abertura de uma grande avenida que ligasse o bairro alto da cidade e desembocasse na Quinta de Santa Cruz foi solicitada ao governo em Março de 1885. Primeiro passo que culminará, em 1888, com a inauguração da futura avenida Sá da Bandeira. Essa área foi rematada com uma malha de ruas ligando vários espaços da cidade, edificando‑se um bairro burguês e espaços públicos inseridos na tão desejada modernidade. Com o novo eixo de desenvolvimento definido, a partir de 1890 são postos à venda lotes de terreno para construção. Intimamente relacionado com esta desejada expansão estavam os projectos elaborados e apresentados ao município pelo engenheiro Góis entre Maio e Junho de 1891. Consistiam na abertura de três ruas de comunicação com a estação do caminho‑de‑ferro: «…uma a partir da Praça 8 de Maio, defronte dos Paços do Concelho e a terminar no Porto dos Oleiros; a segunda a partir desta nova rua pela estação do caminho‑de‑ferro, Rua da Madalena até ao Largo do Príncipe D. Carlos; e a terceira das proximidades da estação à Rua Visconde da Luz, pela Rua das Padeiras» (419). Com a urbanização em marcha, entre 1900 e 1930 a área urbana da cidade duplicava aumentando o número de indústrias na parte baixa da cidade, ao longo da via‑férrea e Estrada Nacional Nº 1 (420). De tal crescimento se ressentiria, em especial a baixinha, onde começava a fazer‑se sentir a necessidade de planeamento ou seja; de planos de reestruturação. E é por esta altura que surge nas actas do município uma conhecida temática sob o título «Plano de Melhoramentos». A 16 de Fevereiro de 1911 o executivo analisa a reforma que pretende ver implantada na «…parte baixa da cidade de Coimbra, cujas condições de insalubridade todos os anos são agravadas pelas invasões das águas do Mondego»; e que «é também de necessidade inadiável desacumular e regularizar os outros bairros da cidade»; e que «é indispensável orientar e regulamentar a construção de novos bairros, porque alguns trabalhos feitos nesse sentido são fragmentários e sem



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orientação definida»; e ainda a que «se torna muito urgente a criação de um bairro de casas baratas, destinado principalmente à população operária, que se acha alojada em casas de renda elevadas e de perniciosas condições higiénicas». Por isso se aprova uma proposta que passava por: a) Solicitar do Governo da República a nomeação duma comissão técnica, que de acordo com uma comissão de munícipes nomeada pela Comissão Municipal Administrativa, faça o estudo das reformas a realizar para dar a Coimbra as condições de higiene e beleza de que carece, integrando nesse estudo o projecto de um bairro de casas baratas, e propondo a forma prática de dar realização aos alvitres que apresentar, depois de submetidos à apreciação dos munícipes os respectivos projectos; Para não aumentar as dificuldades que embaraçam a execução dos melhoramentos de que Coimbra tanto necessita, não sejam autorizadas novas construções (especialmente na parte baixa da cidade) enquanto não se fizer o estudo a que se refere esta proposta, excepto em casos que circunstancias ponderosas o exigem e justifiquem» (421). Tais planos concretizam‑se com o Estado Novo, e todos (uns mais, outros menos) assentaram na política de demolição programada de velhos quarteirões – que felizmente para a história da cidade se não concretizaram. Sendo corrente na opinião pública a necessidade em remodelar os bairros antigos, justificada por razões higienistas e evolução dos meios de transporte, a ideia que então dominava no país e em Coimbra era de arrasar primeiro, construir depois. E assim foi. De facto, a Baixa, entre as Ruas da Sofia, Ferreira Borges, Visconde da Luz e o Rio Mondego, foi a que mais estudos urbanísticos teve ao longo do séc. XX. ‑ O Plano Abel Dias Urbano (1928) e o Plano Luís Benavente (1936), previam uma estrutura urbana da baixa, propondo a supressão da malha medieval existente. Com proposta radiais, com centro em Santa Cruz, escaparia a Praça do Comércio. As polémicas Avenidas de Santa Cruz, prolongamento da Avenida Sá da Bandeira e Rua Rui Olímpio Nicolau Fernandes até ao Rio (Avenida Central), que arrasariam a baixinha nasceram nessa época e persistiram até à actualidade. ‑ Anteprojecto de Urbanização de Embelezamento e de Extensão da Cidade de Coimbra, de Etienne de Groer. Foi aprovado pelo Ministérios das Obras Públicas em 1945, mas, na realidade, muitas das sugestões aceites partiram de ideias gizadas na própria autarquia. Mantém as propostas anteriores e propõe uma ligação directa da frente de Santa Cruz ao rio (Avenida de Santa Cruz). Manifesta‑se contra a elevação futura da parte baixa da cidade uma vez que obrigaria a demolir todas as casas existentes e a reconstruir uma cidade inteiramente nova. Previa o prolongamento da Avenida Fernão de Magalhães até ao Largo da Portagem, junto do edifício do Banco de Portugal, alargando as ruas da Madalena e da Sota, sacrificando‑se as edificações a nordeste. Propõe a supressão do caminho da Lousã e sua substituição por uma auto‑estrada, o que aumentaria a ligação da cidade ao rio.



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III – A Baixa

Quanto à Baixinha propõe a remodelação das edificações, conservando edifícios antigos, e aceitando o alargamento da Rua Direita. Propõe, também, a ligação da Rua da Sofia com o Terreiro da Erva, uma ligação directa para automóveis (ideia não nova, já defendida em 1907). A campanha pública contra o Plano de Gröer, levou a uma revisão profunda feita por Antão de Almeida Garret – o Plano Regulador de Antão de Almeida Garrett (1955). Acrescenta poucas alterações mesmo no que toca ao centro Histórico de Coimbra. Refere, no entanto, o desacerto do anterior projecto: a tentativa de implementar uma urbanização do tipo das cidades‑jardim num território muito acidentado e uma interpretação errada do mesmo projecto que foi posto em prática como plano de urbanização e não como ante plano. ‑ Plano de Remodelação da Baixa, de Alberto Pessoa (Planta Geral data de 1956) Vem na sequência das necessidades sentidas em aprofundar a zona de intervenção na Baixa. Propõe a demolição de quase tudo a Poente da Rua da Sofia e a Norte da projectada Avenida Central, o alargamento da Praça 8 de Maio para Norte rasgando a Rua da Sofia no topo Sul. O plano, a concretizar‑se resultaria na razia quase total da Baixa de Coimbra. Demonstra algumas preocupações na integração dos edifícios históricos. A Avenida Central é o ponto em que mais se afasta do Plano Regulador, discordando do amesquinhar da Igreja de Santa Cruz ao topo de uma avenida com 400 mt de comprimento. Impõe o prolongamento da Avenida Fernão de Magalhães até ao Largo da Portagem, que fundamenta com argumentos de cariz rodoviário. As consequências de tais ideias ainda são visíveis no Largo das Ameias, com recuos de fachadas e criação de empenas cegas. A planta de 1956 sofrerá ligeiras modificações: altera‑se o eixo longitudinal da Praça 8 de Maio, desloca‑se para Norte a Avenida Central e introduzem‑se novas vias na Praça do Comércio. Esta via passa a ligar‑se com a Avenida Central e com o Largo das Ameias, alargando a Rua dos Sapateiros e Adelino Veiga. Deste plano pouco se concretizou. ‑ Alberto Pessoa apresentará em 1964 o Plano de Remodelação de uma Zona da Baixa de Coimbra – Anteprojecto do novo mercado D. Pedro V. A memória descritiva define um novo mercado em seis níveis, de acordo com as instruções da CMC e normas da DG de Urbanização. O edifício do mercado recua o mais possível para Sul, para que se alargue o mais possível a Rua Olímpio Nicolau Fernandes. Prevê a instalação de uma nova biblioteca no local da actual Escola Jaime Cortesão. Nota‑se aqui uma particularidade dos estudos urbanísticos: a criação de uma artéria que prolongasse a Avenida Sá da Bandeira, se possível com o mesmo perfil transversal, até à Avenida Marginal, junto ao rio, tinha‑se tornado uma verdadeira obsessão. Refira‑se que, pelos finais dos anos cinquenta e no auge das transformações urbanas de que era palco a zona dos edifícios e terrenos do extinto Mosteiro de Santa Cruz,



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entre a Rua de Montarroio e a Rua Nicolau Rui Fernandes, a Câmara Municipal e a Direcção‑Geral da Fazenda Pública envolvem‑se em polémica e pública questão, quanto ao titular do direito de propriedade. A Câmara Municipal presidida ao tempo por Joaquim de Moura Relvas enviou uma exposição ao Presidente do Conselho de Ministros alegando a favor da clarificação do assunto que tal situação «…se ligava com a realização de melhoramentos da cidade, alguns deles inadiáveis» (422). Esta pendência decorria directamente do facto de desde a Carta de Lei de 1839 os edifícios e terrenos, tanto urbanos como agrícolas, terem sido cedidos à Câmara Municipal para aí se instalarem serviços públicos. A referida exposição ao Conselho de Ministros foi fortemente suportada com documentação: relatório do investigador José Pinto Loureiro, parecer do Advogado‑Síndico da Câmara e dois pareceres de ilustres Professores da Faculdade de Direito, Afonso Queiró e Ferrer Correia. Na dita exposição e no seguimento da reunião de 16 de Janeiro de 1958, examinado todo o processo e «acudindo em defesa e salvaguarda dos legítimos interesses de Coimbra», a Câmara Municipal «aderiu unanimemente à proposta de agradecimento a todos os que acorreram em auxílio», que «o edificio da antiga cadeia pertence indubitavelmente à Câmara e que «quanto ao edificio e aos terrenos ocupados pela Escola Brotero as opiniões dividem‑se» e ainda que «dada a próxima deslocação da Escola Brotero para as magnificas instalações do Bairro de S. José, deseja a Câmara alcançar espaço onde condignamente se possam instalar serviços públicos e municipais mal amparados», por fim alega estar no direito de pedir uma indemnização da parte do Estado (423). Este importantíssimo documento para a compreensão da história da cidade enumera uma série de necessidades vitais de Coimbra que aqui resumimos às que directamente se relacionam com Santa Cruz: o deficiente sistema de esgotos do Vale de Santa Cruz só resolvido com a instalação de um colector desde a Av. Sá da Bandeira à Avenida Fernão de Magalhães, as insuficiências do saneamento na zona comercial da Baixa, a intromissão da Biblioteca Municipal na galeria superior do Claustro do Silêncio que obstava a que se pudesse dar inicio a um conveniente restauro; a necessidade em construir‑se uma nova biblioteca nos terrenos a nascente da Escola Brotero; a necessidade de se abrir a Avenida Central entre a Sá da Bandeira e a Fernão de Magalhães, indispensável para a colocação do colector e melhoria dos transportes. Apesar de estarmos numa época em termos político‑sociais muito difícil para a expressão do livre pensamento, a execução dos ditos planos de urbanização não deixaria de levantar críticas e objecções mesmo dentro da vereação. Tal facto levaria o presidente do município a intervir de forma decidida, por exemplo, na reunião de 6 de Setembro de 1956 onde para calar as vozes discordantes anuncia que obtivera a informação oficial segundo a qual o «Plano de Remodelação da Baixa de Coimbra» e o «Plano Regulador de Almeida Garret» deviam «ser considerados como lei» (424). A execução destes planos trouxe, aliás, dificuldades de vária ordem. Em Julho de 1957 o município aprova uma exposição enviada à Câmara e assinada por 33 engenheiros e



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III – A Baixa

arquitectos em que se pedia a elaboração e aprovação de um Regulamento de Construção que juntamente com os diversos planos de urbanização em curso assegurassem «um bom futuro a Coimbra». Percebe‑se pelo seu conteúdo que a expansão urbanística da cidade acusava graves irregularidades como o facto de «…a construção requerida, quando aprovada, jamais fica clara e judiciosamente projectada e construída» (425). Dois anos mais tarde, na reunião de 21 de Maio de 1959, e intimamente ligado aquele facto, o município fixa as cérceas em várias ruas e praças da cidade, modo de suster a flutuação de critérios e os frequentes conflitos entre a Câmara e particulares: «Hoje um proprietário via denegada uma licença para transformar um sótão habitável aprovado pela Câmara, em andar, mas passados anos, ou meses, via o seu vizinho construir aquilo que lhe fora recusado» (426). 4.2. Grandes Obras Públicas 4.2.1. A edificação da Câmara Municipal de Coimbra Durante séculos, os Paços do Concelho de Coimbra funcionaram na Torre de da Relação, na Almedina. Juntamente com os colégios universitários e instituições religiosas, o município foi desde tempos recuados um dos grandes senhores da baixa. Uma informação que se colhe do cruzamento dos tombos do município de 1678 e 1768 com os foros de 1745. Assim, os bens foreiros ao município sitos na cidade de Coimbra e localizados na freguesia de Santa Cruz/Santa Justa eram os seguintes:

Foto 78 – Os Paços do Concelho de Coimbra



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Tabela D – Bens foreiros ao município de Coimbra – Sécs. XVII‑XVIII(421) Localização Bens Rua da Madalena 1 área, 4 quintais e 1 forno 1 casa, 1 quintal, 1 azinhaga e pardieiros Olarias Rua da Sofia Terreiro do Marmeleiro Rua Direita Rua de João Cabreira Rua do Carmo Terreiro de Santa Justa Arnado Portas de Santa Margarida Rua do Poço

1 casa, 1 quintal, 1 sobrado e 1 balcão 1 casa 2 casas, 1 quintal, 1 sobrado, 1 balcão 1 casa, 2 quintais 2 casas, 2 quintais, 1 pedaço de chão, 3 azinhagas 1 casa “o chão da nora” 1 casa 1 azinhaga

Uma relação bem mais completa e extensa colhe‑se na descrição e avaliação dos bens do município elaborada depois de 1868. Nessa lista encontram‑se inventariados mais de 300 bens concelhios, alguns deles aforados. Entre os diversos bens descritos encontram‑se «A parte do edifício de Santa cruz ocupado pela Câmara Municipal e Administração do Concelho», lojas arrendadas nesse edifício, antigo refeitório, claustro das Limeiras, Cerco do Noviciado, a antiga «Casa de Almedina», diversas casas dispersas pela baixa da cidade e em Santa Clara, os açougue da Praça de S. Bartolomeu, as casas de extintos concelhos do termo coimbrão, baldios, azinhagas, almoinhas, carreiros, carreiras, quintais, prazos, terras…(428). A intervenção municipal atingira, ao longo dos tempos, espaços ou territórios diversos, a que não escapavam os edifícios religiosos. No Mosteiro de Santa Cruz, por exemplo, guardavam‑se os cofres do real de água, do donativo de D. Afonso Castelo Branco e do fundo de giro para a compara de reses, desde o séc. XVII (429). Com a extinção da Inquisição em 1820, e passando para o domínio do Estado os vastos edifícios do Tribunal da Inquisição, a Câmara Municipal mudou‑se e instalou‑se em parte dos mesmos, com frente para a Rua da Sofia, a que se chamava a Casa da Bica. A transferência foi legalizada por Portaria de 22 de Setembro de 1821 e auto de posse de 10 de Outubro do mesmo ano. A primeira sessão realizou‑se naquele espaço – Paços da Câmara da extinta Inquisição – a 9 de Março de 1822 (430). Com a extinção das ordens religiosas, em Maio de 1834, a Câmara Municipal passou para o edifício do Mosteiro de Santa Cruz, instalando‑se e funcionando em parte das salas da livraria do mosteiro «…que ocupavam toda a extensão compreendida entre o pátio, actualmente da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, a norte, e o corredor ainda hoje existente, do coro e órgão da igreja de Santa Cruz, a sul» (431), onde depois se veio a instalar a galeria poente da Biblioteca Municipal. Porém, dentro do esquema de desenvolvimento de novos projectos para a cidade no pós‑extinção ordens religiosas nasce, em meados da década de quarenta, o desejo em se construir um novo edifício, numa parte do mosteiro entregue à Câmara Municipal em 1839.



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III – A Baixa

A construção do edifício da Câmara Municipal levaria à destruição da nova portaria de Santa Cruz, construída a poente do claustro principal, na área do extinto Mosteiro das Donas. Esta portaria compreendia um portal “romano” obra provavelmente de João de Ruão. Veio substituir a existente, localizada em parte do lanço Norte do claustro, junto do canto nordeste, obra orientada por Marcos Pires no âmbito das reformas manuelinas. Por volta de 1530 estaria concluída a nova área de entrada no convento, onde se destacava um pequeno claustro, o claustro da portaria, provável obra também de João de Ruão, de que restam descrições quinhentistas e a sua implantação na planta de 1874. A fachada Poente do Mosteiro sofreu grandes modificações ao longo dos tempos. Em 1767 a Irmandade do Senhor dos Passos obteve autorização do Mosteiro para erigir num recanto da sua fachada uma capela da invocação do Senhor dos Passos, que vem reproduzida na conhecida gravura de José Magne em 1796 (432). No mesmo local, mas alguns anos depois, colhemos a notícia de um conflito entre a Câmara e o Mosteiro, a propósito de uma pequena casa construída entre aquela capela e a Porta Fidalga e adossada à parede. A casa, construída pelo mosteiro, tinha por finalidade alojar uma guarnição militar pertencente ao Regimento de Caçadores da Beira Baixa, que se encontrava instalada por ordens militares superiores, dentro do mosteiro e na ala de Santa Margarida (433). A 5 de Fevereiro de 1831 a questão chega à vereação, concluindo‑se que a construção fora feita em terreno público, devendo proceder‑se à demolição pois interferia com o «… mercado de levante a galinheiras e vendedeiras de grãos, mercado este que era referido por Feira de São Bartolomeu, quando no dia do Santo ali se realizava mercado mais concorrido» (434). Informado o Prior Geral da decisão do município, a comunidade respondeu com silêncio, o que provocou medidas mais drásticas, efectuando‑se uma vistoria à obra, a 12 de Fevereiro. Ouvidas as testemunhas no local e, lavrado auto de declaração, a Câmara Municipal confirmou a casa construída em terreno público e deliberou demoli‑la, o que sucederia no dia seguinte. Contestaram os crúzios a legitimidade da decisão levando o recurso para a justiça régia, apresentando documentos e provas testemunhais de que o terreno era seu desde tempos imemoriais. Alegaram a urgência na construção da casa uma vez que as tropas faziam fogueiras no interior do Mosteiro para se aquecerem e o fumo causava prejuízos em todo o templo, e em especial no seu Arquivo e na sua Livraria, sendo previsível que mais dia ou mais tarde um incêndio pudesse deflagrar e destruir um edifício construído com madeiras muito velhas. Por fim, alegavam ainda que a construção não prejudicava o trânsito na Rua da Sofia nem nas artérias em volta, motivos mais do que suficientes para junto do Régio Tribunal do Desembargo do Paço pedir a reconstrução da casa e a reparação moral. As pretensões do mosteiro são reconhecidas a 13 de Maio de 1831 com a publicação da provisão régia que determina que os suplicantes pudessem continuar ou reconstruir a obra da casa, sendo a Câmara Municipal intimada a 4 de Junho de 1831. Do processo não chegaram mais notícias até porque com o decreto de 1834 os crúzios e a sua Casa foram extintos.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Junto aquela portaria, conhecida por Porta Fidalga existia, por cedência do município, um talho em 1856. Para a nova obra foi ainda necessário expropriar amigavelmente dois prédios contíguos à igreja, que pertenciam à Junta de Paróquia de Santa Cruz, que foram vendidos por 400 e 600 mil réis respectivamente em Julho de 1877, assegurando o órgão local o direito sobre serventias para a igreja (435). Mas, com a cidade a revolucionar‑se em termos urbanísticos, o projecto para os novos paços do concelho suspende‑se três décadas. Porém, a ideia será reabilitada pelo presidente Lourenço de Almeida Azevedo que, em 1872 solicita a sua execução. Neste particular nota‑se a sintonia de pensamento entre o local e o nacional, na medida em que foi rápida a autorização governamental para contrair um empréstimo o que «…de-

Foto 79 – Salão Nobre da Câmara Municipal de Coimbra

monstra como era unânime a necessidade de construir um edifício representativo para o poder local, bem como espaços para as dependências da administração do Estado» (436). A 18 de Março de 1875 a Câmara Municipal de Coimbra pede licença ao Rei para demolir parte do Mosteiro de Santa Cruz e construir no seu local os novos Paços do Concelho, decorrendo as obras entre 1876 e 1879 segundo projecto e condução das obras do engenheiro municipal Alexandre da Conceição, auxiliado por José Alves de Faria (mestre de obras). A 22 de Agosto de 1876 votou‑se a primeira verba para a demolição do Mosteiro de Santa Cruz e construção dos novos Paços do Concelho e, em Agosto



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III – A Baixa

de 1876 com uma verba orçamentada de grande dimensão (25.000.000 réis) e sob direcção do Engenheiro Municipal começava a «construcção d’alvenarias e abobadas – assentamento de cantarias e obra de carpinteria» (437), no âmbito da qual se demoliu, ainda nesse, ano as velhas casas contíguas a Santa Cruz com frente para o Largo de Sansão e da área da portaria nova do Mosteiro de Santa Cruz, incluindo a Capela do Senhor dos Passos, o claustro da portaria, algumas estruturas do tempo do Mosteiro Feminino de S. João das Donas e uma casa anexa à igreja de Santa Cruz. De facto no Largo de Sansão, naquele ano e através de expropriação amigável, demoliam‑se dois edifícios contíguos à Igreja para construção do edificío camará- Foto 80 – Interior da Câmara Municipal de Coimbra rio. O negócio foi acordado entre o Reverendo Prior Joaquim António de Oliveira e o então Presidente da C.M.C. Lourenço de Almeida Azevedo, fixando‑se em 460 mil réis a indemnização, respeitando‑se a estrutura do velho mosteiro e confiando‑se ao prior uma chave da serventia que ligava o Claustro do Silêncio ao edifício dos Paços do Concelho. A demolição de parte do antiquíssimo Mosteiro de Santa Cruz foi denunciado e duramente combatido no jornal O Conimbricense, pela pena do ilustre seu director, Joaquim Martins de Carvalho. Nessa cruzada inglória se associariam ainda o nome de diversos escritores e intelectuais da época. Grande parte da pedra necessária à nova obra foi extraída dos melhores bancos e de melhor qualidade da pedreira de Outil. O edifício foi segurado em Novembro de 1878 e, em Abril de 1879 é colocado o frontão com as armas da cidade, encimando em remate o edifício. A primeira sessão camarária realiza‑se ainda com a obra em andamento a 13 de Agosto de 1879, dia em que ali se estabeleceu a Secretaria (438). Durante o ano de 1878 aplica‑se significativo volume de cantaria no edifício em construção, na primeira metade de 1879 as obras centram‑se no estuque de algumas salas, pelo final do ano adquire‑se mobiliário, entre 1880 e 1881 aplica‑se mosaico, e em Novembro de 1881 mandam‑se pintar as salas do andar nobre. A 26 de Novembro de 1879 ordena‑se a iluminação a gás no dia 1 de Dezembro, da fachada do novo edifício dos Paços do Concelho (439), para solenizar o aniversário da Restauração. Grandiosas foram também as iluminações no tricentenário de Camões e nas Festas da Rainha Santa em 1880, ou a 29 de Abril de 1882, dia do aniversário da outorga da Carta Constitucional.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Os Paços do Concelho apresentam‑se com aspecto geral de grandeza e linhas sóbrias. Ao cimo do primeiro lanço da escadaria destaca‑se o busto da República, obra inaugurada no Salão Nobre a 11 de Agosto de 1919 que para ali foi deslocado. Nos princípios de 1930 foram feitas grandes e dispendiosas obras em todo o lado esquerdo do 1º andar do edifício camarário (incluindo o Salão Nobre), feitas pela Casa Nascimento, do Porto. Tais obras foram consequência da anunciada visita do Rei de Espanha, que não chegou a realizar‑se por Afonso XIII ter sido deposto em 1931. Aquela empreitada incluiu a execução de lanternas para o corredor e átrio do Salão Nobre, da autoria de Albertino Marques, bem como os trabalhos em madeira de que foi encarregado o conhecido entalhador Álvaro Ferreira. No interior temos ainda, e a ornamentar a Sala das Sessões um extraordinário exemplar da Escola do Ferro de Coimbra: um candelabro de 30 luzes, do mestre Lourenço Chaves de Almeida encomenda do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra Dr. Santos Jacob do princípio dos anos 30. O simbolismo do edifício dos Paços do Concelho é por demais conhecido, tendo servido para as mais diversas manifestações públicas. Entre as de maior destaque conta‑se a proclamação oficial da república a 6 de Outubro de 1910. No átrio e na parede da direita, uma lápide assinala a presidência aberta em Coimbra, entre 29 de Junho e 8 de Julho de 1990, sendo Presidente da República Mário Soares. Outras lápides assinalam pela escadaria de acesso ao Salão Nobre diversas homenagens: ao cimo do 1º lanço temos a homenagem ao falecido Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz, feita a 8 de Maio de 2004 e onde se pode ler «Exemplo de dedicação de todos os Presidentes de Junta de Freguesia»; na parede lateral direita um memorial ao Artº 1º da Constituição Portuguesa de 5/X/1977 pejado de simbolismo: «Portugal é uma República Soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes». Por fim, e ao cimo do segundo lanço está uma placa de considerável dimensão datada de 14 de Julho de 1972 e que regista: «Vinda do Ministro da Educação Nacional Prof. José Veiga Simão no dia do agradecimento da cidade pela criação dos Cursos de Engenharia na Universidade de Coimbra». Este edifício mereceria só por si um estudo mais aprofundado dado o simbolismo, a história e as «estórias» que encerra. 4.2.2. Da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra à Caixa Geral de Depósitos A criação desta sociedade resulta da participação activa da população no grande desenvolvimento da cidade pelos primórdios do séc. XX. Corria o dia 31 de Maio de 1909 quando surgiu a Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra, impulsionada e sustentada por grandes vultos da nossa urbe. Os seus estatutos foram aprovados a 6 de Junho de 1909 e foi reconhecida como instituição de utilidade pública a 16 de Janeiro de 1928. Dela fizeram parte um conjunto de individualidades da cidade, nomeadamente ministros, deputados, presidentes de Câmara, vereadores, reitores, professores da Uni-



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III – A Baixa

versidade e simples cidadãos, tendo sido o seu primeiro presidente o Dr. Manuel Dias da Silva. Em 7 de Junho de 1909 foram eleitos os seus corpos sociais: ‑ Mesa da Assembleia‑geral: Dr. Manuel da Costa Alemão (Presidente), Dr. António da Cunha Vaz (1º Secretário), Dr. Francisco Freitas Costa (2º Secretário), Manuel José Teles e António Augusto Neves (Vices‑secretários). ‑ Conselho consultivo: o Dr. Júlio Henriques, Dr. Daniel de Matos, António Augusto Gonçalves e Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho ‑ Direcção: Dr. Manuel Dias da Silva (Presidente), Dr. Francisco Fernandes Costa (Vice‑Presidente), Dr. Carlos Oliveira (Secretário) e Pedro Ferreira Bandeira (Tesoureiro). Um extracto dos seus estatutos permite aferir das intenções nobres que defendia: «Art. I – Com a denominação de Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra é instituída nesta cidade uma associação, cujo fim é fomentar o progresso moral, social e material da cidade e sua região, o que procurará realizar: a) Estimulando o espírito de solidariedade que deve existir entre todos os cidadãos; b) – Vigiando e defendendo a cidade contra tudo que a possa prejudicar nos seus justos interesses e regalias; c) – Cooperando com a Câmara Municipal e outros corpos e corporações administrativas em tudo o que seja consentâneo com os fins da sociedade; d) – Interessando‑se junto dos poderes públicos por tudo o que represente melhoramento para a cidade e que deles dependa…»(440). A actuação da S. D. P. C. foi pautada por um papel interventivo e de pressão junto dos poderes políticos (Governo da República e Câmara Municipal) na defesa dos grandes interesses da cidade e respectiva região ao fazer voz de algumas das preocupações quotidianas da cidade. Da sua actuação destaca‑se também um papel de difusão e publicidade de Coimbra num contexto em que o conceito de turismo começa a surgir.

Foto 81 – A sede da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra (onde hoje está a Caixa Geral de Depósitos), anos 40 do século XX



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Teve a sua primeira sede na Praça Príncipe D. Carlos (hoje Largo da Portagem) instalando‑se em 1936, no edifício desaparecido, onde hoje é a Caixa Geral de Depósitos, na Praça 8 de Maio n.º 45, 2º andar. De facto na reunião da Câmara Municipal de 5 de Agosto de 1948 «…é apresentada uma petição do presidente da Sociedade, Dr. Fernandes Martins, que pede à edilidade consentimento para se instalar nas dependências da Torre de Almedina, uma vez que teriam de abandonar o edificio da Praça 8 de Maio para a construção da Caixa Geral de Depósitos» (441). Em Agosto de 1947 o presidente da C.M.C. apresentava aos seus pares o projecto para o novo edifício da Caixa Geral de Depósitos. Para a sua construção foi necessário expropriar alguns comerciantes que ali tinham as suas lojas, entre os quais se contava a farmácia José Figueiredo. Os portões da Caixa Geral de Depósitos foram executados por Daniel Rodrigues em 1955, tendo cedido parte da empreitada ao artista industrial Joaquim Geraldo Lopes. Em 2009 completa 100 anos. 4.2.3. O Mercado D. Pedro V Localiza‑se no vale desenhado pela Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, implantado junto à íngreme colina ou morro antigo da cidade. Depois da extinção das ordens religiosas masculinas e nacionalização dos seus bens, a Câmara de Coimbra deliberou construir um novo mercado no local que outrora fora a horta e laranjal do Mosteiro de Santa Cruz, local que vinha servindo para a realização da feira dos porcos e mercado de cereais, e que se localizava onde está o actual mercado. Neste local localizava‑se, também, a Casa da Carpintaria. Assim se substituiu não só o mercado diário de todos os géneros que desde o séc. XV se fazia na Praça de S. Bartolomeu ou Praça do Comércio, mas também todos os mercados que andavam dispersos como o mercado semanal às 3ªs feiras no antigo Largo da Feira, frente à Sé Nova, reminiscência da antiga feira dos estudantes instituída no século XVI por D. João III, ou o mercado de madeiras, cal, telha, tijolo e lenha do Terreiro da Erva. O aumento da população, a dificuldade em exercer eficaz fiscalização e o pouco espaço disponível na Praça do Comércio apressou a construção de novo mercado, no tempo da presidência do Dr. Manoel dos Santos Pereira Jardim, projecto do engenheiro Everard (442), tendo‑se escolhido o terreno da horta para a sua edificação. O assunto chegou a ser discutido na Câmara dos Deputados uma vez que representou a Câmara Municipal às Cortes, a 16 de Março de 1866, pedindo autorização para contrair empréstimo no valor de 13.000$000 para ser aplicado à construção de uma praça para o mercado público da cidade. Considerando dois locais como possíveis – o Largo da Sota e a Horta de Santa Cruz – deu preferência a este último por ser «…uma grande extensão de terreno municipal, onde não há a fazer aterroz nem expropriações. A sua posição relativamente é muito maiz central do que o largo da Sotta. Há grande abundancia d’aguaz na sua proximidade, o que facilita a limpesa do mercado» (443).



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III – A Baixa

Foto 82 – O Mercado das Cebolas, finais do século XIX

Foto 83 – O Mercado D. Pedro V em 1876



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No entanto, não existia consenso quanto à localização do novo mercado, tendo sido aceso o debate público sobre a questão, uns preferindo a horta de Santa Cruz e outros a Sota. Relembre-se a este propósito a representação entregue na Câmara Municipal de Coimbra em Abril de 1866 assinada por muitos habitantes da cidade onde pediam a construção do mercado na Horta de Santa Cruz. Aprovado o empréstimo, em Dezembro de 1866 iniciou‑se a preparação do terreno com fundamentos para a edificação e compra de materiais. O auto solene da colocação da primeira pedra ocorreu a 28 de Fevereiro de 1867. A 21 de Outubro do mesmo ano o município aprova o seu regulamento e, a 17 de Novembro de 1867, o mercado municipal foi inaugurado pelas 11H30 mn, na presença de «autoridades e corporações e grande numero de cidadãos» (444). Consequência directa desta inauguração passou a chamar Praça Velha ao local onde se vinha realizando o mercado (Praça do Comércio). Na altura reinava em Portugal D. Luís, e o mercado homenageia a título póstumo o seu irmão, o rei D. Pedro V, falecido em 1861 e principal instigador da extinção das ordens religiosas. A instalação naquele preciso local possibilitou o encontro fascinante entre o mundo rural e o citadino. Ali afluíam e afluem diariamente os frescos produtos agrícolas – hortaliças, frutas, cereais, flores, carne, galináceos, peixe – vindos dos meios rurais dos arredores da cidade, regateados num jogo singular. No início houve falta de licitantes na medida em que era voz corrente que o município iria abrir um novo mercado de peixe no Largo das Ameias. No entanto as beneficiações no espaço foram‑se sucedendo: instalação de candeeiros a gás, cobrem‑se os telhados das barracas com lousas (1883). Mas na realidade as primitivas instalações eram rudimentares, pelo que depressa se pensou no seu alargamento ou remodelação, até porque em 1888 os acessos à baixa são facilitados com o alargamento da Rua do Mercado, demolindo‑se as construções que fechavam pelo Norte o Claustro da Manga, incluindo o Arco do Correio. Na década de 80 do séc. XIX foi intenso o ritmo de arrendamento de lojas no mercado, arrematadas em praça pública e para os mais diversos fins; venda de roupa, objectos, etc. Porém a ideia de um novo mercado a construir noutro local teve sempre muitos adeptos chegando a Câmara Municipal a apreciar em momentos distintos dois projectos alternativos: um em 1893 que sugeria a Rua das Solas (actual Adelino Veiga) e outro em 1896 a efectivar nos largos da Sota e do Romal. Evolução concreta ocorre em 1899, quando o município delibera a construção do pavilhão do peixe a nascente. A elaboração do projecto coube ao arquitecto Augusto de Carvalho da Silva Pinto, o qual foi apresentado e analisado por uma comissão em Junho de 1902. O projecto, orçado inicialmente em 10 contos, sofreu significativas alterações, sendo aprovado pelo Ministro do Reino em Outubro de 1903, tendo decorrido a sua construção no período 1905‑1907, ocorrendo a sua inauguração a 8 de Março de 1908. O pavilhão do peixe é o último volume para Nascente e constituiu «…um significativo melhoramento para as condições do mercado, constituindo um interessante exemplar da arquitectura do ferro e vidro» (445). O pavilhão apresenta planta centralizada qua-



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drangular, com cobertura externa em folhas de zinco, com clarabóia central. A fachada principal volta‑se para Este sendo rasgada a meio por portão de arco abatido. O interior apresenta‑se amplo, de corredores centrais em cruz, a partir dos quais se dispõem as bancas de venda. Os pontos de elevação da clarabóia são marcados por 4 colunas de ferro. O início do século trouxe outras beneficiações: Em 1904 facilitaram‑se os acessos ao mercado com a construção de um novo arruamento, ligando a Rua Martins de Carvalho com o largo principal (em frente aos correios), a que se chamou inicialmente Rua Pedro Cardoso, para o que foi necessário não só expropriações, mas também a demolição da Capela da Senhora do Carmo; em 1911 substituem‑se as vedações de madeira por muros de pedra e cal. Na década de 20 o município constatará a desadequação do mercado, nomeando em sessão extraordinária de 9 de Junho de 1923 uma comissão para a construção de um novo mercado «…por o Mercado D. Pedro V não satisfazer às exigências da cidade, não só pelo seus aspecto miserável, como pelas condições anti‑higiénicas, como ainda pela sua pequena capacidade» (446). Em Novembro o assunto volta ao debate camarário e duas tendências se esgrimem dentro do município; aquela que defende o melhoramento do mercado existente e, uma outra, que sugere a construção de um novo mercado no Terreiro da Erva. Vencerá a primeira, apresentando‑se na sessão de 24 de Novembro de 1924 o estudo do Engenheiro Abel Urbano para a remodelação do Mercado D. Pedro V, e em que se previa o alargamento da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes à custa do recuo da superfície do mercado que avançaria para o lado contrário. Tomada a decisão, a 12 de Dezembro de 1924, o município delibera contrair um empréstimo de 2.000.000$00. No entanto, o projecto definitivo foi concluído pela Companhia Construtora do Cimento, de Lisboa em 1925 «…implicando o desaparecimento total das estruturas existentes, e a construção de dois pisos» (447). Ainda em 1924 ocorre a mudança da Fonte Nova para junto do mercado. No entanto, a ideia de um “grandioso mercado do Terreiro da Erva”, proposta acerrimamente defendida pelo Vereador Álvaro da Costa Morais (que desejava também outro mercado ao fundo das Escadas do Liceu), tendo‑se inclusivamente nomeado uma Comissão de Finanças e outra de Obras para o seu estudo. O processo arrastar‑se‑ia e em 1928 avança não a reconstrução total, mas a remodelação possível dados os constrangimentos financeiros. Obras demoradas devido a alterações no projecto, as quais a partir de Julho de 1929 passam a ser dirigidas pelo arquitecto da Repartição de Obras da C.M.C., Joaquim Carvalho da Câmara e Silva que passa a dirigir a obra da remodelação do mercado e a quem o município decide entregar todos os estudos, estimativas e orçamentos já feitos. Esta intervenção/remodelação seria de grande alcance: terraplanagens e construção de tabuleiros na encosta para venda de hortaliças, frutas e flores, abertura da porta ao cimo da Rua Martins de Carvalho para acesso dos moradores da Alta, demolição de barracas a tendas, assentamento da 2º via de linha eléctrica, construção de novas barracas e bancadas



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de mármore, uma cobertura de pano no mercado do peixe, modificação de dois pavilhões. Falta porém a construção do pavilhão central, em betão uma decisão aprovada pelo município com uma esFoto 84 – Mercado D. Pedro V na actualidade (Pavilhão do Peixe) timativa de 90.116$40 em 18 de Fevereiro de 1932, empreitada adjudicada a Joaquim da Costa Neto (448). Tal obra constituiu um importante benefício pela melhoria das condições oferecidas não só aos vendedores mas também ao público em geral. O ano de 1932 traria a autorização para a construção do quiosque junto à entrada do mercado – o Bar D. Pedro V – que foi durante anos uma referência da zona. E foi também por esta altura que se colocou dentro do espaço do mercado um pequeno oratório com uma imagem de Santo António, oferta da Ordem Terceira, que foi levada para o local em procissão vinda da Igreja do Carmo. Mas a questão da construção de um novo mercado foi uma questão ciclicamente levantada, amplamente discutida nas sucessivas vereações. Foto 85 – O fervilhar de vida e de comércio E ela volta a ser equaciono interior do mercado municipal. nada em 1945 no Anteprojecto de Urbanização, Embelezamento e Extensão da Cidade de Coimbra, elaborado por Etienne de Gröer, quando se pensou seriamente na possibilidade de demolição do mercado para alargamento e prolongamento da Avenida Sá da Bandeira e construção de um outro. Mas o velho mercado foi resistindo, cada vez mais procurado mesmo depois da inauguração do Mercado do Calhabé em 1942. Aos poucos a degradação foi‑se acentuando, tornando urgentes decisões eficazes. Em 1983 sob proposta do vereador Viterbo Correia e projecto do Arq.º Alberto Pessoa cobre‑se o recinto das hortaliças e constrói‑se um bar de apoio (concluído em 1986). Na presidência de Mendes Silva (1984‑86) promove‑se o ajardinamento do espaço em



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frente do pavilhão do peixe com a colocação de uma taça de água e desaparecimento do abrigo dos transportes colectivos aí existente. A ideia de remodelar, de modo aprofundado, o Mercado D. Pedro V renasce em 1988, quando depois de um concurso público de ideias se constitui uma comissão que em Outubro «…viria a debruçar‑se sobre a remodelação total do mercado, bem como da construção de um novo na área de S. José» (449). Aberto o concurso para a remodelação do mercado sairia vencedor, entre quatro concorrentes, o projecto apresentado pela empresa ETAGE de Matosinhos com desenho do arquitecto Luis Pinho de Miranda. Este processo prolongar‑se‑ia no tempo, sendo reactivado pelo vereador Santos Cardoso, já no tempo da presidência do Dr. Manuel Machado. Assim e como resultado de estudos prévios foi «…apresentado, em 19 de Março de 1999, um plano de intervenção para a remodelação do Mercado D. Pedro V (…) delineado pela Arq.ª Teresa Freitas e coordenado pelo Eng.º João Garcia» (450). Em Novembro de 1999 foi o projecto posto a concurso tendo‑se adjudicado a empreitada à firma Soares da Costa. As obras tiveram início em Outubro de 2000, supervisionadas pelo Engº António Constantino, transferindo‑se provisoriamente o mercado para a Rua dos Oleiros (edificio da antiga Fábrica Triunfo). O Mercado D. Pedro V sofreria entre 2000 e 2001 uma imensa transformação com a sua remodelação/requalificação, que lhe conferiu um aspecto mais moderno e funcional. No âmbito das obras efectuadas demoliu‑se o muro da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, recuando a superfície do mercado, construíram‑se 2 pisos e parques de estacionamentos, conservando‑se apenas a estrutura do pavilhão do peixe. O mercado apresenta‑se actualmente com planta longitudinal, composta por um sector geral de diversos pavilhões, com volumes articulados horizontalmente. Foi inaugurado o novo mercado a 17 de Novembro de 2001 pelo Primeiro‑ministro Eng.º António Guterres, sendo Presidente da Câmara Municipal o Dr. Manuel Machado. O Mercado D. Pedro V é propriedade municipal. Desenvolve uma utilização comercial e turística e está classificado pela DGEMN com o Nº de IPA – PT020603170106. Associado ao mercado construiu‑se um elevador, facilitando a ligação entre a praça do peixe e a Rua Padre António Vieira, ou seja; entre a Baixa e a Alta. Mas a ideia era centenária; de facto, na sessão de 23 de Agosto de 1882 o município apreciou uma proposta do Barão de Matosinhos, solicitando a concessão de um ascensor para acesso à Alta, que construiria a expensas suas… 4.2.4. A Manutenção Militar A 3 de Agosto de 1899 celebra‑se escritura pela qual a Câmara Municipal de Coimbra, cede ao Ministério da Guerra os terrenos destinados à construção de um edifício para o estabelecimento de uma sucursal da Manutenção Militar. Tratava‑se afinal da cedência dos terrenos e edifícios onde até então vinha funcionando o matadouro (que



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seria transferido para a zona de Montes Claros). O contrato é aliás, muito claro no que toca ao objectivo e às mudanças operadas na área: «Contracto de cedência dos terrenos e edifícios apontados nas actas das sessões de três de Fevereiro e trinta de Maio do corrente anno (…) para o fim da construção de um edifício destinado ao estabelecimento de uma sucursal da Manutenção Militar de Lisboa (…) o desejo que o Ministério da Guerra tinha de estabelecer em Coimbra, no edifício do antigo matadoiro e em terrenos contíguos à entrada da Avenida Sá da Bandeira, no novo Bairro de Santa Cruz uma succursal daquella Manutenção Militar e que tendo sido votada pela Câmara em sessão de trinta de Maio (…) a cedência dos referidos terrenos (…) tendo também sido auctorizada pela Comissão Districtal por oficio de cinco de Julho, a mudança do portão do cerco do Hospício dos Abandonados, para a frente daquella avenida de Sá da Bandeira, bem como a supressão da porta immediata para o lado do norte, cedia assim em nome da Câmara mediante as condições já referidas (…) os referidos terrenos, cujas confrontações e limites são – pelo norte e nascente a rua de comunicação que se projecta abrir entre a mencionada Avenida Sá da Bandeira e o Bairro de Montarroio, pelo sul a mesma Avenida, pelo poente o muro do Cerco do Hospício e a recta que segue no prolongamento deste muro prependicularmente aquella avenida, conforme a planta que assignada por ambos os outhorgantes (…) pelo segundo outhorgante (…) devidamente authorizado pelo Ministério da Guerra aceitava a concessão e cedência que a Câmara Municipal de Coimbra fazia ao referido Ministério dos terrenos e edifícios do antigo matadoiro» (451). 4.2.5. O edifício dos Correios Edifício que integra a história da baixa e dos correios. A sua construção foi uma consequência directa do incêndio que destruiu o velho edifício dos correios. Enquanto se não concretizou estiveram os serviços de Correios, Telégrafos e Telefones instalados, desde o início de 1926, em salas da Câmara. Uma adaptação muito improvisada, nada feliz e perturbadora, motivando por exemplo a deterioração dos telhados da câmara pela colocação da rede. Mais tarde, nos inícios de 1929 a estação central telefónica foi mudada do salão da câmara para uma dependência do edifício das Obras Públicas e, em 1930, os restantes serviços foram para ali também mudados, por despacho do Ministro do Comércio. O novo edifício é desenho do arquitecto Amílcar Pinto destinado a acolher uma das primeiras estações automatizadas dos CTT. Começou a construir‑se em 1929 e a sua localização suscitou alguma polémica, uma vez inviabilizou uma bela praça de entrada para o Mercado e condicionou, estética e fisicamente, o belo Claustro da Manga. O novo edifício dos CTT seria inaugurado a 29 de Outubro de 1939. Apesar de novo e funcional edifício, não se contentaram os C.T.T. com o espaço disponível, solicitando ao município em Junho de 1954 quer o aproveitamento do edifício da Escola Brotero (quando se previa o seu deslocamento para o Calhabé), quer o terreno da derrubada Torre de Santa Cruz, fazendo valer no primeiro caso o despacho do Ministro



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III – A Baixa

Foto 86 – Edifício dos CTT

das Finanças de 27 de Fevereiro de 1953. A Câmara Municipal recebeu o pedido com cautela, pois considerava os terrenos propriedade municipal. No que tocava aos terrenos da apeada torre não via obstáculos de maior à sua concretização, embora registasse que para o local estava projectada uma escada monumental. No que dizia respeito ao edifício da escola previa para o mesmo a instalação de departamentos municipais. Voltariam os C.T.T. a investir fortemente num novo edifício, decisão que levou adiante. De facto, em Outubro de 1979 apresentava o anteprojecto para o novo edifício dos Serviços Postais de Coimbra, a erguer na Avenida Fernão de Magalhães, e que alguns anos depois se concretizou. O antigo edifício dos correios foi colocado à venda em Julho de 2007 e poderá vir a tornar‑se num centro de comércio e/ou serviços. 5. Melhoramentos materiais e sociais 5.1. Águas, gás e iluminação As grandes cheias do Mondego, as epidemias daí decorrentes e, em especial, a cólera que varreu o país nos anos de 1855/56 abriram na nova ordem liberal amplo debate acerca da construção de redes de abastecimento de águas e saneamento urbano. A necessidade de abastecimento conveniente da cidade vinha sendo defendida pelos higienistas como fundamental no combate a doenças como a febre tifóide e o saneamento dos esgotos devia ser baseado em grandes massas de água a varrer os canos.As primeira tentativas de criar um serviço regular de fornecimento e distribuição de águas à cidade de Coimbra datam de 1865. Nessa altura, o Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Conde das Canas, aceitou os serviços do Dr. António Augusto da Costa Simões, na época a



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residir em Paris, tendo em vista um projecto de abastecimento de água à cidade “por meio de maquinismos”. A Câmara que se seguiu suspendeu as negociações encetadas. O Dr. Costa Simões, já como empresário, viu aprovada pela C.M.C. a proposta apresentada em concurso aberto pelo município para a instalação daquele serviço – aprovada em sessão de 6 de Setembro de 1870, lavrando‑se escritura a 27 de Janeiro de 1872 e sanção legislativa pela Carta de Lei de 15 de Maio de 1872. A proposta passava pela elevação das águas do Mondego para um grande depósito a construir na parte alta. O município era então presidido pelo Dr. Lourenço d’Almeida e Azevedo. Dificuldades para a constituição da companhia, levaram à rescisão do contrato a 10 de Novembro de 1872. Em 1873 abriu‑se novo concurso, apresentando‑se de novo a sociedade de Costa Simões e Engenheiro Cordeiro. Disponibilizaram‑se importantes capitalistas que apenas queriam que fosse garantido o juro do seu dinheiro, chegou a realizar‑se escritura a 12 de Agosto de 1873 mas, o objectivo uma vez mais não foi conseguido impedindo a organização da companhia. Em Outubro de 1875 Adolfo Loureiro foi convidado pelo Dr. Julio Henriques para elaborar um projecto de obras com o fim de abastecer os Hospitais Universitários e o Jardim Botânico. O Dr. Costa Simões lembrou‑se então «…de organisar uma companhia, que se propozesse á execução d’aquelle projecto, tendo na sua installação o consumo obrigatório, por parte da Camara, dos Hospitaes e da Universidade, de um certo volume d’agua, que garantisse aos capitaes empregados um juro módico. O meu primitivo projecto seria convenientemente modificado, e a empresa deveria ir alargando o fornecimento d’agua aos particulares, á medida do seu pedido» (452). O projecto de contrato foi submetido à CMC a 24 de Setembro de 1878 e, o então presidente do município, Almeida Azevedo, propôs algumas alterações em Novembro de 1878, a mais importante das quais sugerindo a construção de um grande reservatório no alto da Cumeada, suprimindo‑se os reservatórios projectados para os hospitais de S. Jeronimo e Colegio das Artes. A proposta, com alterações, seria aprovada na sessão de 15 de Janeiro de 1878 concluindo‑se durante este ano o projecto de Adolfo Loureiro, A 28 de Fevereiro de 1879 celebrou‑se escritura de contrato entre a Câmara Municipal e Costa Simões, prevendo a instalação imediata de 4 linhas de canalização geral, estabelecendo‑se o perímetro a atingir: Largo da Portagem, Cais, Largo das Ameias, Rua da Madalena, Olarias, Rua do Carmo, Rua da Sofia, Rua dos Fogueteiros, Praça 8 de Maio, Largo da Inquisição, Montarroio, Mercado D. Pedro V, Arco do Colégio Novo, Couraça dos Apóstolos, Largo do Museu, Colégio das Artes, Rua de S. Jerónimo, Castelo, Bairro de S. Bento, Edifício da Penitenciária, Bairro de Santa Ana, Paço Episcopal, Bairro de S. José, Seminário, Colégio das Ursulinas, Jardim Botânico, Arcos do Jardim, Arco da Traição, Couraça de Lisboa, Estrela, Rua da Alegria e Largo da Portagem (453). A 3 de Junho de 1881 fez‑se escritura de sublocação dos contratos provisórios de Fevereiro e Abril de 1879 para abastecimento de água, em virtude da qual se realizou o trespasse do contrato das águas para o engenheiro industrial inglês, James Easton. O



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poder legislativo aprovou este contrato a 27 de Julho de 1881 mas o concessionário inglês não assinou o contrato definitivo, nem dele desistiu formalmente. Mais tarde, em 30 de Setembro de 1886 soube‑se pelo cônsul em Londres a justificação dada pelos engenheiros Easton & Andersen para não assinarem o contrato: «…por que esperavam, como particularmente lhes fora insinuado, que a Camara reconsideraria a decisão que tomava de não juntar ao abastecimento de agua as obras de esgoto e limpeza da cidade, e que breve dariam uma resposta definitiva» (454), além de esperar uma indemnização de duas mil libras. Para solucionar o problema o município notifica o concessionário para assinar o contrato definitivo, dando‑lhe conta que não tomara qualquer compromisso a respeito das obras dos esgotos e limpeza da cidade, nem solicitara do poder legislativo nova empresa com quem contratar os ditos serviços de abastecimento de água. No entanto, a construção destas infraestruturas apenas estará terminada em 1889. De facto, as últimas décadas do séc. XIX seriam vitais para a cidade de Coimbra: «O sistema de abastecimento de água (canalizada) a Coimbra, cuja execução foi adjudicada a Eugène Béraud em 1888, por 83.700$000 réis, viria a entrar em funcionamento em 1889. Esta medida e a implantação da rede de esgotos e saneamento, na última década do século XIX, foram de excepcional importância, contribuindo decisivamente para a modernização do centro urbano coimbrão» (455). No contrato de fornecimento de material celebrado a 16 de Janeiro de 1888 definem‑se 27 zonas a atingir, entre as quais se contabilizam as inseridas na freguesia de Santa Cruz: novo bairro de Santa Cruz; bairro novo de Montarroio; da Rua das Solas Rua da Gala, Rua da Moeda e Praça 8 de Maio; Praça 8 de Maio, Rua Direita, João Cabreira, Ameias, Rua da Madalena e Portagem; Terreiro da Erva à Rua Direita e pela Rua do Carmo à Sofia; do Largo 8 de Maio, Cadeia, Pátio da Inquisição e Montarroio; Praça 8 de Maio, Sofia e Fora de Portas. O sistema inicial baseava‑se em duas câmaras de captação de água no rio Mondego, uma estação elevatória e dois reservatórios localizados, respectivamente, no Jardim Botânico e na Cumeada. O abastecimento de água, projectado para 16.000 hab, depressa se tornará insuficiente, devido ao crescimento demográfico e ao alargamento da área urbana. No início do século seguinte deu‑se a municipalização dos serviços industriais, forma de designar a municipalização da água e da luz. O abastecimento de água foi considerado na época um dos maiores melhoramentos com que Coimbra havia sido dotada, assegurando abundância de água, higiene, asseio e beleza. Em 1909 registava‑se um aumento muito significativo do consumo, com as máquinas a trabalharem dia e noite, equacionando‑se a generalização do uso do contador como forma de reduzir o preço da água. Em Maio de 1910 o município aprovou novo projecto de regulamento para o abastecimento e consumo de água tendo sido apresentadas reclamações pelos consumidores em geral, as classes trabalhadoras e os picheleiros, não obstante o dito projecto pretender beneficiar todos os assalariados – do Estado, do Município ou de qualquer corporação



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administrativa – que do seu trabalho não obtivessem retribuições superiores a 500 réis diários. Inicialmente para iluminação pública da cidade recorria‑se a candeeiros alimentados a azeite, sistema inaugurado a 27 de Novembro de 1836 (456). Mais tarde ocorreria a transição para o abastecimento a gás. Num primeiro momento e por escritura pública de 13 de Outubro de 1854 a Câmara Municipal concedera, temporariamente, ao súbdito inglês Hardy Hislop a iluminação publica e particular a gás, instalando o gasómetro após expropriação, na ínsua do Visconde da Baía, sita às Portas de Santa Margarida (457). Tratava‑se da conhecida Fábrica do Gás. Estes direitos seriam transferidos para a Companhia Conimbricense de Iluminação a gás, e regularizados pelas escrituras de 23 de Agosto e 10 de Setembro de 1856. A iluminação pública a gás inaugurou‑se, festivamente, a 1 de Outubro de 1856, respondendo aquela companhia pelo fornecimento do gás e da iluminação pública nas décadas seguintes. Neste ano também se inaugurou o telégrafo eléctrico. Fruto do crescimento do aglomerado urbano foi‑se expandindo a canalização do gás, tanto para fins industriais como domésticos. Pelos finais do séc. XIX a iluminação pública da cidade atingia, compreensivelmente, as novas zonas em urbanização; Quinta de Santa Cruz, Cerca do Convento de Tomar, o lugar de Celas, assegurando 204 candeeiros na cidade, em Abril de 1860, 254 bicos em Julho de 1879 após a colocação de 4 candeeiros no Bairro Novo de Montarroio (458). Renovado o contrato em 17 de Março de 1874 as áreas atingidas pela iluminação pública reforçaram‑se: Quinta de Santa Cruz, Praça 8 de Maio, Montarroio, Rua da Sofia, Rua do Arnado Contudo, em Setembro de 1902 a C.M.C. denunciaria o contrato, levando ao fim da companhia e constituindo‑se como principal credora (459). A partir de 1904 a Câmara Municipal de Coimbra ocupou‑se da exploração do gás – municipalização da iluminação a gás. De facto, em Maio de 1907 os directores da dita companhia vendiam à C.M.C. pela quantia de 68.874$180 réis, a fábrica, terrenos, aparelhos utensílios e demais materiais, liquidando assim a escritura de 30 de Setembro de 1904. Doravante a empresa de gás conheceria tempos de expansão e modernização, tendo, inclusivamente, o município afectado, em Julho de 1905 e atendendo ao relatório de Charles Lepierre, o empréstimo destinado ao bairro operário no «melhoramento dos serviços municipalizados do gás» (460). O espaço da antiga fábrica serviria, posteriormente, para instalações de recolha dos carros eléctricos – remise – decidindo‑se a sua venda ao Ministério da Justiça em Outubro de 1967, para ampliação das instalações do Tribunal e dos Serviços Sociais, garantindo‑se ainda uma futura urbanização para o local. Os terrenos da fábrica chegaram a ser pensados para a construção de uma Escola Primária Modelo pelo grupo denominado “Amigos da Escola de Santa Cruz”. Os anos seguintes confirmaram a extensão da iluminação pública a outros locais da freguesia: a 26 de Outubro de 1905 delibera‑se inaugurar, no 1º de Novembro, a iluminação pública na Rua Antero de Quental, Cerca dos Jesuítas e da Casa do Sal à



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III – A Baixa

Estação Velha (461). No entanto algumas dificuldades demoraram muito tempo a serem ultrapassadas, como a iluminação em Montes Claros, que chegaria não através do gás, mas sim acetilene, por contrato autorizado em Fevereiro de 1916, e por carboneto já no ano seguinte (462). Nos anos vinte do século a indústria do gás entrou em decadência devido à concorrência do petróleo e da energia eléctrica. Em Coimbra, as primeiras experiências com iluminação eléctrica remontam às últimas décadas do séc. XIX: «Aproveitava‑se a realização de grandes acontecimentos, surgindo a iluminação eléctrica como um dos mais fascinantes atractivos. Assim sucedeu nas salas da Exposição Industrial de 1884 e nas Ruas Ferreira Borges, Visconde da Luz e do Corvo, durante as Festas da Rainha Santa Isabel de 1894» (463). Nas duas primeiras décadas do século seguinte tomaram‑se algumas medidas mais efectivas de electrificação de alguns edifícios a partir da instalação destinada à tracção eléctrica. No entanto, a rede geral de iluminação eléctrica só seria instalada a partir de 1923. O fornecimento de electricidade era feito de forma suficiente e a baixo preço, para o que muito contribuiu quer as remodelações na central térmica de Coimbra quer a hulha branca. Fruto do desenvolvimento da electricidade deu‑se o encerramento da fábrica do gás em Dezembro de 1923. Por escritura de 02 de Fevereiro de 1924 o material das instalações da fabricação e distribuição de gás foi vendido à firma Nobre, Joaquim & Garcia, Ld.a por 379.099$00 (464). O efectivo abastecimento eléctrico da cidade passou, no entanto, por muitas vicissitudes. Em Julho de 1914 o município tomava conhecimento do anteprojecto para o fornecimento de energia eléctrica pela Empresa Hidroeléctrica da Serra da Estrela. Nomeada uma comissão para estudar o assunto, aceita‑se o dito projecto em Agosto daquele ano o dito projecto remetendo‑se o assunto para posterior decisão final. Em Março de 1916 volta a apreciar o projecto da Hidroeléctrica da Serra da Estrela concluindo‑se que «… poderá dentro de seis meses abastecer a cidade com potência bastante para os Serviços Municipalizados, para o que lhe falta instalar a rede de transporte até Coimbra» (465). Naquela sessão apura‑se que a empresa luta com dificuldades financeiras para conseguir trazer a energia a Coimbra, pelo que se nomeia nova comissão para estudar o assunto em definitivo e que o município seja autorizado a contrair o empréstimo necessário avaliado em 200.000$00. No entretanto vários projectos são apresentados e apreciados pelo município, mas o rumo estava já definido; em sessão extraordinária de 6 de Abril de 1917 são presentes duas propostas para o fornecimento de energia eléctrica admitindo‑se a da Companhia Hidroeléctrica da Serra da Estrela, com a condição de o município lhe adiantar a quantia de 250 contos, o que não virá ser necessário (466). Para que o fornecimento eléctrico fosse uma realidade muito contribuiu a acção do deputado e presidente do Senado Municipal, Dr. Alves dos Santos. Foi dele o projecto de lei autorizando o município a contratar o empréstimo de 1.500 contos, destinado à aquisição e exploração de energia eléctrica, o que lhe valeu uma aclamação e saudação



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especial da Câmara Municipal em 25 de Setembro de 1919 e um voto de louvor a 26 de Novembro do mesmo ano (467). Neste mês abre‑se novo concurso para o fornecimento de energia eléctrica à cidade. No entanto, e para efeitos de distribuição, apenas em Julho de 1927 foi adjudicado à União Eléctrica Portuguesa, o fornecimento de energia hidroeléctrica aos Serviços Municipalizados de Coimbra. As questões ligadas ao saneamento também estiveram na mira da junta de paróquia e do município. A cobertura da runa entre 1901 e 1903 será um dos principais projectos para a freguesia. E, em 24 de Janeiro de 1905 uma representação da municipalidade é enviada ao Rei pedindo que se proceda à cobertura da Vala dos Lázaros, através de intervenção do Ministério das Obras Públicas, em virtude das péssimas condições higiénicas em que se encontrava: «…acontece que, estando já construída uma parte da rede da canalização dentro da cidade, os productos do esgoto teem saida, na sua maior parte, por uma runa ou valla, denominada dos Lázaros, que atravessa, quasi dentro da cidade, a várzea que se extende entre a cidade e o choupal = Encontra‑se a descoberto esta valla, exalando para a atmosphera as mais deletérias emanações (…) e assim, não só está prejudicando notavelmente um dos mais pittorescos locaes desta formosa cidade, ruas, e sobretudo, constitue um perigo permanente sob o ponto de vista da hygiene publica. (…) Canalizar aquella runa ou valla, em forma de collector, com a capacidade sufficiente para o fim a que se destina, é a mais urgente das obras a realisar nesta cidade» (468). A cobertura de parte da runa ficará concluída em 1908, motivando uma petição em pergaminho feita pelos moradores da Rua da Moeda e da Rua Bordalo Pinheiro, (actual Rua da Louça), datada de 29 de Outubro. Nesse documento os habitantes da Rua da Moeda agradecem à Câmara Municipal a cobertura da runa na sua rua, numa exposição que é um belo registo histórico sobre os dramas do saneamento em pleno centro da cidade: «É por isso, Senhor Presidente, que nós devotados amigos e sinceros apaixonados de todos quantos melhorem e engrandeçam o precioso torrão do nosso berço, vimos hoje aqui no cumprimento d’um dever, muito modestamente agradecer‑vos o terdes empregado os maximos esforços e a maior boa vontade, e assim conseguido e satisfeito um pedido que se impunha, um melhoramento que reclamam já talvez, há uma dezenna de annos; e sem o qual perigava continuamente a saude dos moradores da Rua Bordallo Pinheiro e Rua da Moeda. A repugnante runa comprehendida entre as habitações das duas ruas, sem condições hygienicas de qualquer natureza, sem um cano de esgoto, o seu pavimento corroido de vermes e onde se amontoavam em toda a sua extensão as maiores podridões, hoje, graças á presidencia d’esta mui illustre e honestíssima Camara, estão canalisados os esgotos, as aguas das chuvas, caiadas as habitações, lavado o seu pavimento cimentado, e como que por encanto, o que até alli era asqueroso e repellente, hoje é agradavel e hygienico» (469).

Não contentes com a melhoria ao nível do saneamento, os munícipes da Rua Bordalo Pinheiro e Rua da Moeda pedem ainda a limpeza do esgoto na primeira das ruas referidas.



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III – A Baixa

Apenas nos anos 30 a situação do saneamento começou a melhorar em algumas ruas da baixa (Moeda, Direita, João Cabreira, Oleiros), com a ligação ao colector geral. No entanto, em Novembro de 1932 e apesar dos melhoramentos a situação era ainda classificada como estando em «precário estado», apesar dos esforços que há anos vinham sendo feitos. De facto, em 1932, projectava‑se uma rede de esgotos para a cidade a implementar nos anos seguintes em 3 zonas citadinas: a primeira, servida pela rede primitiva e abrangendo as partes alta e baixa da cidade, Celas e Montes Claros, e que deveria ir até Porto Santiago, mas que fora interrompida junto da Vala de Coselhas «…lançando‑se os esgotos no Mondego e a descoberto atravez do Choupal, por aquela vala», devendo concluir‑se o colector já construído entre a Estação Velha e esta vala, mas que deveria chegar a Porto Santiago, de modo a acabar com os focos de insalubridade; a segunda zona abrangia Santa Clara e a terceira o Calhabé (470). Este anteprojecto foi apresentado ao Governo e a sua estimativa apontava para 2.384.600$00. 5.2. Transportes: carros americanos, eléctricos, tróleis, táxis, central de camionagem Os primórdios dos transportes públicos em Coimbra remontam aos carros americanos, que começaram a circular nos finais do séc. XIX e que na realidade se tratavam de pequenos módulos puxados por parelhas que circulavam sobre carris. A 15 de Setembro de 1874 inaugurava‑se a linha do caminho‑de‑ferro americano entre a Calçada (Rua Ferreira Borges) à estação de caminho de ferro do Norte, explorada pela Rail Road Conimbricense (471). Inaugurada a Estação Nova em 1885 e, aberto o ramal de ligação entre o Centro da Cidade e a Linha do Norte explorada pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro, aquela empresa entrou em declínio, deixando de circular, terminando assim a primeira fase da vida dos carros americanos em Coimbra. A segunda fase dos carros americanos iniciou‑se a 30 de Outubro de 1902, quando o Tenente‑coronel do Exército Augusto Eduardo Freire de Andrade pediu a concessão de uma linha‑férrea, no sistema americano, para as ruas da cidade. Iniciativa que se concretizou com a criação da Companhia de Carris de Ferro de Coimbra e com a celebração de contrato entre a dita empresa e o município a 27 de Julho de 1903. Em 1904 montaram‑se 4 linhas de exploração: uma da Estação A de Caminho de Ferro ao Largo do Castelo, passando pela Praça 8 de Maio, Rua do Mercado D. Pedro V, Avenida Sá da Bandeira; outra que partindo da Praça 8 de Maio ia pela Rua da Sofia, Ponte Água de Maias até à Estação B do caminho‑de‑ferro; a que ia do Arco de S. Sebastião pela Rua de Tomar até Celas e, por fim, a que partia do Largo do Príncipe D. Carlos seguindo pela estrada da beira até ao Calhabé (472). A substituição dos carros americanos pelos carros eléctricos iniciou‑se com a aprovação por decreto, e escritura celebrada a 9 de Março de 1907 entre a C.M.C. e a Companhia dos Carris de Ferro da Cidade de Coimbra (constituída em 1906), para a concessão do



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exclusivo de construção e exploração de linhas férreas urbanas e suburbanas por meio de tracção eléctrica. Com a progressiva municipalização dos serviços por escritura de 31 de Dezembro de 1909 e na sequência da sessão do município de 21 de Maio de 1909, a dita Companhia cedeu ao município todos os direitos de exploração de tracção animal e eléctrica na dita cidade de Coimbra por 6 contos (473). A instalação da tracção eléctrica na Cidade de Coimbra contaria com os serviços da A.E.G. Thomson‑Houston‑Iberica, com sede em Madrid e que em Setembro de 1909 acorda com o município a concessão das obras necessárias. Tal decisão decorria do facto de a empresa ter assumido a incapacidade para substituir a tracção animal pela tracção eléctrica, condição indispensável ao progresso e transformação da cidade. Em Julho de 1908 o município viu aprovado na Câmara dos Deputados o projecto de lei relativo ao empréstimo para a tracção eléctrica em Coimbra, em Abril de 1909, aprova‑se o projecto definitivo e programa de concurso e, em Maio aprovam‑se as bases do acordo entre a Companhia dos Carris de Ferro de Coimbra e a Câmara acerca da cedência dos direitos de exploração da tracção eléctrica. Depois da construção e montagem das infra‑estruturas, o processo culminaria a 01 de Janeiro de 1911, com a inauguração de três linhas de viação eléctrica: Estação B – Alegria; Estação A – Cidade Alta (Universidade) e Estação A – Santo António dos Olivais (474).Os carros foram adquiridos entre 1910 e 1917 sucedendo‑se a inauguração de novas linhas que aos poucos foram servindo área citadinas populosas, algumas na

Foto 87 – Um eléctrico em 1975 na Avenida Fernão de Magalhães



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III – A Baixa

freguesia de Santa Cruz como a Conchada e Montes Claros. A energia para os eléctricos provinha de uma central geradora de vapor situada na Rua da Alegria, a qual em 1913 veio a ser substituída por uma instalação totalmente eléctrica não só para a iluminação pública mas também para fins industriais (475). Posteriormente celebrou‑se outro contrato de fornecimento de energia à cidade, acordado entre os Serviços Municipalizados e a Companhia Eléctrica Portuguesa, do Porto e Companhia Eléctrica das Beiras. Este fornecimento será um êxito levando à desactivação em 1945, da Central Eléctrica da Rua da Alegria, garantido que estava o fornecimento a Coimbra através da Subestação eléctrica do municipio montada no mesmo local (476). Também naquele ano e intimamente relacionado com este progresso também naquele ano o Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Coimbra, presidido pelo Dr. Alberto Sá de Oliveira, deliberam adquirir dois “troleybus” para os Serviços de Transportes Colectivos (S.T.C). E, a 01 de Janeiro de 1947 a Câmara Municipal aprova a obtenção de um empréstimo de 10.000 contos destinados à expansão da rede dos S.T.C. urbanos, pelo qual se deu a progressiva substituição dos velhos carros eléctricos por novas viaturas que dispensavam a via férrea, assim se construindo a nova linha aérea. A 17 de Agosto de 1947 inaugurava‑se, em Coimbra, um meio de transporte inédito em Portugal, na presença de relevantes individualidades, entre as quais o Ministro das Comunicações; as carreiras de “trolley‑bus” entravam em funcionamento entre a Estação Nova e o Alto de Santa Clara (477). A população recebeu de braços abertos o novo meio de transporte, levando à expansão da rede; a 11 de Fevereiro de 1951 inauguram‑se duas novas linhas atravessando a Baixa: «uma circulação na direcção do Palácio da Justiça e outra, no sentido inverso da Portagem à Câmara, subindo esta a Av. Sá da Bandeira e a primeira indo pela Av. Fernão de Magalhães até à Portagem e daí para S. José» (478). Os anos seguintes confirmam a implantação deste sistema de transporte público na cidade, reformulando‑se as carreiras durante os anos sessenta, reforçando‑se a frota em 1984. Passaram mais de sessenta anos sobre o lançamento em Coimbra da rede dos tróleis que não só se mantém em funcionamento, como é a única em exploração na Península Ibérica. A frota dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra conta, actualmente, não só com 17 troleicarros, mas já com 3 dos seus descendentes, os gullivers, que dispondo de baterias recarregáveis percorrem o Centro Histórico através da Linha Azul. O serviço compreende 3 carreiras e funciona nos dias úteis entre as 7h e as 20h30. Numa época em que tanto se discute a gestão e preservação ambiental, os tróleis mantêm‑se como um meio de transporte amigo do ambiente, seguro e agradável. Ao falarmos de transportes, não poderemos deixar de referir o aparecimento dos táxis. Uma das primeiras praças de automóveis estabeleceu‑se na Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, em frente ao Jardim da Manga e era constituída por 6 automóveis. A



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autorização foi concedida pelo município na sessão de 5 de Junho de 1930 e a 7 de Fevereiro de 1935, a praça foi transferida para o Pátio da Inquisição (479). Também a central de camionagem foi muito desejada pelo município. Em meados da década de 40 falava‑se na sua construção num lote de terreno localizado entre as ruas Mário Pais e Rosa Falcão, o qual havia sido definido para parque de estacionamento de automóveis segundo o plano De Gröer. No entanto, será a partir da década de 60, com o aumento das carreiras destinadas à baixa, que o assunto ganha nova relevância. Um dos principais adeptos e defensores dessa estrutura foi o Vereador do Pelouro Rural, Engº Azevedo Sobral que na sessão de 02 de Maio de 1967 relembra a necessidade de dotar‑se, urgentemente, a cidade: «Na realidade, o público continua a ser mal servido, com excepção feita para aqueles que se servem das carreiras da firma Joaquim Francisco de Oliveira ou daqueles que ali estabeleceram os seus serviços; os concessionários têm de espalhar‑se pelas ruas da cidade com incómodos e gastos de que alguns até nem darão conta (…) É o caso, por exemplo, das cargas e descargas que estão a fazer‑se no Largo de St.ª Justa e do Arnado, este onde o problema se agravou com a vedação do terreno central onde se vai iniciar uma construção» (480). Também em Maio, o vereador apresenta um parecer da Comissão de Turismo, onde avultam os diversos inconvenientes das paragens das camionetas de passageiros em ruas da cidade: «…seja onde for, é que pode avaliar perfeitamente o que se passa: perturbações no trânsito, dificuldades nas cargas e descargas das bagagens, correrias desde os locais de aquisição dos bilhetes até aos improvisados cais de embarque, ruas emporcalhadas de óleo, de papéis, de cascas de bananas e laranjas, etc.». A localização da central seria tema muito debatido, tendo existido um forte grupo de pressão para que a mesma se edificasse em Coselhas, aproveitando as novas circulares rodoviárias que para aí se projectavam. No entanto e porque se previa que as circulares se não realizassem a curto prazo, a opinião corrente dentro do município e que acabará por prevalecer defendia a localização estratégica entre as duas estações de caminho de ferro. Em Fevereiro de 1974 o município acaba por comunicar à Direcção Geral de Transportes Terrestres que pretende a nova central na zona do Arnado uma vez que «…parece ser o local de maior interesse para a cidade, com bons acessos, muito central e situada em terreno livre» (481). Dez anos passariam até que o assunto seja retomado definindo‑se, com maior clareza, a área para construção. De facto, e na sequência de um encontro ocorrido em Setembro de 1985 entre o Presidente do C.A. da Rodoviária Nacional e o Presidente da C.M.C. definira‑se como princípio de solução, que os terrenos das instalações que a rodoviária nacional já possuía na Avenida Fernão de Magalhães deviam entrar na posse do município por protocolo a celebrar, e os terrenos confinantes pertença da Junta Autónoma de Estradas, como destino para a nova Central de Camionagem ou como então se passou a designar – o Centro de Coordenação de Transportes de Coimbra (482).



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III – A Baixa

6. A Baixa hoje A Baixa vive, actualmente, uma pequena revolução com a criação do corredor do metro, cujo traçado deverá atravessar uma parte da freguesia de Santa Cruz, designadamente; Estação Velha – Arnado (paralelo ao traçado da linha férrea), Rua Direita e Rua Olímpio Nicolau Fernandes. Trata-se de um metro de superfície que acarretará consequências nefastas para a traça histórica da baixinha e que não gera consenso, a avaliar pelos abaixo-assinados que entretanto se promoveram. Um peso a pagar em prol do progresso. Nos últimos tempos têm-se sucedido as desmolições da responsabilidade da Metro Mondego (MM), tendo decorrido a primeira fase dos trabalhos entre Março de 2006 e Maio de 2008. A zona mais sensível da intervenção, na parte que toca à freguesia de Santa Cruz compreende uma série de edifícios antigos localizados nos seguintes arruamentos; Rua Direita, Rua Nova, a Rua da Moeda, Largo das Olarias, Rua João Cabreira e Terreiro da Erva. No total trata-se de 42 parcelas edificadas que a MM adquiriu para demolição e construção do canal, depois de negociações com os moradores. Em consequência, muitas pessoas têm vindo a abandonar as suas casas enquanto que estabelecimentos comerciais bem conhecidos vão encerrando suas portas. Também por esse motivo, a baixa vem sofrendo os dramas do retrocesso populacional, à semelhança de outros centros históricos a nível nacional. Muitos prédios têm vindo a ficar devolutos, ao passo que outros, onde no rés-do-chão estão instaladas lojas há décadas, convertem-se, ao nível dos pisos superiores em armazéns desses estabelecimentos. Para reabilitar a baixa e intimamente relacionada com o metro de superfície, criou-se a Coimbra-Vita Sociedade de Reabilitação Urbana. Da sua actividade definiu-se um projecto de intervenção e reabilitação da baixa, que incide sobretudo em áreas da freguesia de Santa Cruz: «…a área a ser intervencionada pela SRU ronda os 14 hectares e uma população de 1300 habitantes. A 1ª unidade de intervenção engloba a passagem na baixinha do eléctrico rápido de superfície, enquanto a 2ª unidade englobará o Terreiro da Erva e toda a área envolvente entre a rua da Moeda e a rua da Sofia, a rua Direita e a rua João de Ruão» (483). Para solucionar os problemas existentes a Câmara Municipal de Coimbra tem chegado, nalguns casos-limite, à posse administrativa de edifícios, substituindo-se aos proprietários na reabilitação. O projecto desenvolvido pela SRU compreende a reconstrução dos edifícios preservando as formas arquitectónicas (características e morfologia do edificado), gerar condições para atrair novos moradores, aumentar o espaço e serviços públicos, permitir vida intensa a nível comercial de dia e de noite. Ao longo da sua história a Baixa foi local de comércio, da cidade e da região, por excelência. Para inverter uma tendência de perda para as grandes superfícies e conservar as suas características, a baixa tornou-se, desde 19 de Abril de 2007, o primeiro centro comercial a céu aberto do país, designado por “Baixa ConVida”. A cerimónia de inauguração/apresentação decorreu no Café Santa Cruz, na presença de crianças de 4 escolas



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

da baixa, descerrando-se 50 placas identificadoras de loja aderente. É gerido pela APBC (Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra) e, segundo dados desta estrutura, a sua área de intervenção compreende: 551 estabelecimentos comerciais numa área total de 51.121 m2 e uma área de serviços de 16.692 m2. A área geográfica da sua actuação inscreve-se dentro dos limites de duas das mais antigas freguesias urbanas de Coimbra: S. Bartolomeu e Santa Cruz. O seu perímetro é delimitado pelo Largo da Portagem, Rua Ferreira Borges, Rua Visconde da Luz e Avenida Emídio Navarro (Freguesia de S. Bartolomeu); Praça 8 de Maio, Rua da Sofia, Arnado, Avenida Fernão de Magalhães (Freguesia de Santa Cruz). No entanto, devido aos fracos resultados desta e de outras medidas, mantém-se como muito discutida a revitalização económica do centro urbano de Coimbra. Grandes esperanças são depositadas na candidatura da Universidade de Coimbra a Património da Humanidade, a qual incluiu o conjunto patrimonial definido pela zona da baixa e colégios da Rua da Sofia.

Notas

1. Isabel Nogueira; Raquel Romero Magalhães – Coimbra: das origens a finais da Idade Média, Câmara Municipal de Coimbra, Departamento de Cultura, Colecção “Coimbra-Património” Nº 10, 2008, P. 12 2. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 10 3. A. G. da Rocha Madahil – «Documentos para o estudo da cidade de Coimbra na Idade Média I – Cartório do Cabido» In Rev Biblos, Vol. X, Coimbra Editora Lda, Coimbra, 1934, P. 162 4. Maria Luísa Seabra Marques de Azevedo – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense, Universidade de Coimbra, 2005, Pp.399-400 5. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa – Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 312, Pp. 455-456 6. Mário Nunes – Ruas de Coimbra, GAAC, Colecção Conheça a Cidade, os seus Monumentos, as suas Gentes e as suas Tradições, 2ª edição, Coimbra 2003, P. 87 7. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. XX 8. Luísa Trindade – A Casa Corrente em Coimbra Dos Finais da Idade Média Aos Inícios da Época Moderna, Coimbra, 2002, Pp. 117-118 9. A.N.T.T. – Fundo Antigo: Nº 287 – Livro dos direitos del rei da cidade de Coimbra, 1395 10. Luísa Trindade – A Casa Corrente em Coimbra Dos Finais da Idade Média Aos Inícios da Época Moderna, Coimbra, 2002, P. 135



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III – A Baixa

11. José Pinto Loureiro – Coimbra no passado, Vol. II, IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra, Coimbra, 1964, P. 23 12. Nelson Correia Borges – Coimbra e Região, Novos Guias de Portugal Nº 6, Editorial Presença, Lisboa, 1987, P. 57 13. Id. P. 58 14. José Pinto Loureiro – Coimbra no passado, Vol. II, IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra, Coimbra, 1964, P. 21 15. Id. Pp. 46-47 16. Carla Alexandra Gonçalves – «Dados biográficos de alguns pedreiros de Coimbra figurados na Freguesia de S. João de Santa Cruz entre 1550 e 1650» In Rev Munda, Nº 37, Maio, 1999, Pp. 53-64; Nº 38, Novembro, 1999, Pp. 89-98; Nº 41, Maio, 2001, Pp. 64-74 17. A.H.M.C. – Vide Tombo antigo da Cidade de Coimbra, 1532 e Tombo da Cidade de 1678, Fls. 65-69v. 18. Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, P. 225 19. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 469. 20. Armando Carneiro da Silva – «Documentos do Arquivo Municipal» in Arquivo Coimbrão, Vol. XXV, Coimbra, 1970, Pp. 277-298. 21. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 363 22. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 137 23. José Maria Amado Mendes – A Área Económica de Coimbra: estrutura e desenvolvimento industrial, 1867-1927, Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, 1984, P. 291 24. José Pinto Loureiro – «Coimbra no passado e no presente: o meado do séc. XIX» In Arquivo Coimbrão, Vol. XVII, Coimbra, 1959, P. 221 25. Anais do Município de Coimbra, 1890-1903, P. 135 26. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, P. 493 27. Armando Alberto Martins – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003, P. 17 28. Id. P. 175 29. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 39 30. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 48 31. Rui de Azevedo – «Coimbra sob a ameaça de assédio na invasão sarracena de 1190» In O Instituto, Vol. 88º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1935, Pp. 33-34 32. Id. P. 101 33. António Nogueira Gonçalves – Igreja de S.ta Cruz de Coimbra [Breve guia historica-arqueológica], Coimbra, Tipografia Gráfica de Coimbra, 1940, Pp. 17-18 34. A. G. da Rocha Madahil – O Privilégio do Isento de Santa Cruz de Coimbra, Coimbra, Biblioteca Municipal, 1940, P. 12



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

35. Id. P. 178 36. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 22 37. Rui Pinto de Azevedo (introdução e notas) – Documentos Medievais Portugueses, documentos régios, Vol. I, T. I, 1095-1185, Doc. Nº 115, P. 138 38. António Cruz – Santa Cruz de Coimbra na cultura portuguesa da Idade Média, Vol. I, Porto, 1964,P. 14 39. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 33 40. As referências mais antigas a esta construção datam de 1126. 41. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 23 42. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. 158-159 43. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 26 44. Bizâncio era a moeda de ouro mais conhecida pela designação de áureo e pesava 84 grãos. Valeriam os dois bizêncios cerca de 200$793 reis. 45. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 165. 46. Vergílio Correia – «Uma descrição quinhentista do mosteiro de Santa Cruz» In O Instituto, Vol. 79º, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1930, P. 29 47. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 40 48. José Bento Vieira – Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2º Edição, 2001, P. 53. 49. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 177. 50. Id. P.168 51. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. XI 52. A. Nogueira Gonçalves – «A Arte no Distrito de Coimbra», Nº 19, In Diário de Coimbra, 16 de Dezembro de 1972. 53. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. XV 54. Id. P. 41 55. O Jardim da Manga, Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Nº 89, Setembro, 1957, P. 7 56. Vergílio Correia – «Uma descrição quinhentista do mosteiro de Santa Cruz» In O Instituto, Vol. 79º, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1930, P. 30 57. Pedro Dias – A Escultura de Coimbra do Gótico ao Maneirismo, Câmara Municipal de Coimbra, 2003, P. 88 58. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 45



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III – A Baixa

59. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947 P. 47 60. Pedro Dias – 100 Obras de Arte de Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto, Coimbra, 2008, P. 68 61. Id. 62. Id. P. 48 63. Pedro Dias – A Escultura de Coimbra do Gótico ao Maneirismo, Câmara Municipal de Coimbra, 2003, P. 93 64. José Bento Vieira – Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2º Edição, 2001, P. 22 65. Vide «Órgão de Santa Cruz recupera esplendor» In Diário de Coimbra, 4 de Setembro de 2008, P. 5 66. Pedro Dias – 100 Obras de Arte de Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto, Coimbra, 2008, P. 52 67. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. XXIX 68. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 63 69. Id. P. 48 70. José Eduardo Reis Coutinho In Memórias de Santa Cruz, Coimbra, 2003, P. 64 71. José Bento Vieira – Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2º Edição, 2001, P. 41 72. Manuel Dias – «Coimbra e as Lendas de D. Afonso Henriques – II» In Diário de Coimbra, Junho 2008. 73. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 50 74. Id. P. 51 75. José Bento Vieira – Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2º Edição, 2001, P. 50 76. Pedro Dias – 100 Obras de Arte de Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto, Coimbra, 2008, P. 40 77. Pedro Dias – 100 Obras de Arte de Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto, Coimbra, 2008, P. 76 78. Id. 79. Joaquim Martins de Carvalho «Os Quadros de Santa Cruz» In O Conimbricense, Nº 3536, Sábado, 2 de Julho de 1881, Ano XXXIV 80. Id. P. 120 81. Armando Alberto Martins – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003, P. 710 82. Nuno Vale – «Inventário do Património Arquitectónico» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 197 83. António Cruz – Santa Cruz de Coimbra na cultura portuguesa da Idade Média, Vol. I, Porto, 1964, P. 48 84. Sousa Viterbo – «O Movimento Typographico e Litterario em Coimbra no seculo XVI» In O Instituto, Vol. XL, Julho 1892 a Junho de 1893, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1893, P. 703 85. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 148 86. Ernesto Gonçalves de Pinho – Santa Cruz de Coimbra Centro de Actividade Musical nos Séculos XVI e XVII, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981, P. 13 87. Id. P. 48



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

88. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Biblos, Vol. XV Coimbra, 1939, P. 1 89. Armando Alberto Martins – O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003, P. 229 90. Id. P. 223 91. Id. P. 887 e ssg. 92. Maria Helena da Cruz Coelho – O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, Vol. 1 Estudos Gerais, Série Universitária, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª Edição, 1989, P. 128 93. Simão de Figueiró (org. de); Rocha Madahil (lido e publicado) – Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra em 1570, Coimbra, 1940, p. IX. 94. Margarida Sobral Neto – Terra e Conflito: Região de Coimbra, 1700-1834, Palimage Editores, 1997, P. 41 95. Id. P. 107 96. Id. P. 17 97. Id. Pp. 19-26 98. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947 P. 177. 99. Id. P. 178 100. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 270 101. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 89 103. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 56 103. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 54 104. Id. 105. Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, P. 264 106. Maria de Lourdes Figueira ­ – Escola Brotero, Memórias de Sempre, Escola Secundária Avelar Brotero, Coimbra, 1996, P. 50. 107. O Jardim da Manga, Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Nº 89, Setembro, 1957, P. 35 108. Anais do Município, 1920-1939, P. XXIV 109. José Bento Vieira – Santa Cruz de Coimbra, Arte e História, 2º Edição, 2001, P. 14 110. António Inácio Correia Nogueira – Santa Cruz: um café com História, Colecção “CoimbraPatrimónio”, Nº 7, Coimbra, 2007, P. 99 111. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, Pp. 399 3 405 112. Dados extraídos de A.J.F.S.C. – Processo sobre o Café de Santa Cruz, 113. «Café Luxuoso» In O Despertar, 2 de Maio de 1921. 114. Vide Gazeta de Coimbra, 15 Dezembro 1921 115. B.G.U.C. – Sala dos Reservados: Ms. 3363 – Belisário Pimenta, Memorias, 1919-1929, Nº 11, Pp. 250-251



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III – A Baixa

116. A.J.F.S.C. – Processo sobre o Café de Santa Cruz, Doc. Nº 15 117. António Inácio Correia Nogueira – Santa Cruz: um café com História, Colecção “CoimbraPatrimónio”, Nº 7, Coimbra, 2007, P.79 118. Id. pp. 114-115 119. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 34 120. A.M. Simões de Castro – «A Egreja de Sancta Justa e as Inundações do Mondego» In O Instituto, Vol. XXIV, Janeiro-Junho 1877, Nº2 7 a 12, Coimbra, 1877, P. 42 121. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947 P. 36 122. Id. 123. Maria Helena da Cruz Coelho; João José da Cunha Matos – «O Convento Velho de S. Domingos de Coimbra (contributo para a sua História), Sep. Vol. III/2 do Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1986, P.4 124. Citado por José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 298. 125. Saúl António Gomes – «A Igreja de S. Domingos de Coimbra em 1521», In Arquivo Coimbrão, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, P. 381 126. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 86 127. Vide Maria Helena da Cruz Coelho; João José da Cunha Matos – «O Convento Velho de S. Domingos de Coimbra (contributo para a sua História), Sep. do Vol. III/2 do Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1986, Pp.4-5 128. Saúl António Gomes – «A Igreja de S. Domingos de Coimbra em 1521», In Arquivo Coimbrão, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, P. 382 129. Vide Maria Helena da Cruz Coelho; João José da Cunha Matos – «O Convento Velho de S. Domingos de Coimbra (contributo para a sua História), Sep. do Vol. III/2 do Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1986 P. 8 130. Anais do Município de Coimbra, 1640-1668, P. 359 131. Saúl António Gomes – «A Igreja de S. Domingos de Coimbra em 1521», In Arquivo Coimbrão, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, Pp. 384-385 132. Id. P. 388 133. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, Pp. 97-98 134. Saúl António Gomes – «A Igreja de S. Domingos de Coimbra em 1521», In Arquivo Coimbrão, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, P. 388 135. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 163 136. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 87 137. Walter Rossa – «a Sofia primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade de Coimbra», In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 16



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

138. Id. Pp. 16-17 139. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» Rev. Biblos, Vol. XV Coimbra, 1939, P. 7 140. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 88 141. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, P. 1 142. Id. P. 14 143. Walter Rossa – «a Sofia primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade de Coimbra», In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 19 144. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 17 145. Id. Pp. 37-38 146. Marta Macedo – «A conquista do terceiro espaço: uma abordagem ao ensanche oitocentista de Coimbra» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 122 147. A.N.T.T. – Dicionário Geográfico de 1758: «Rellação das couzas notaveis da Cidade de Coimbra» V. 11, Nº 349, P. 2374 148. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 87 149. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 154 150. Maria de Lurdes Craveiro – «O Colégio das Artes» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 47 151. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, P. 57 152. Simão de Figueiró; Rocha Madahil – Livro da Fazenda… 1570… P.12 153. Maria de Lurdes Craveiro – «O Colégio das Artes» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 48. 154. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 157 155. Maria de Lurdes Craveiro – «O Colégio das Artes» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 48. 156. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 155 157. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 33 158. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 189 159. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, P. 417 160. Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, Pp. 266, 364 161. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996 Pp. 32-33 162. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 88 163. Pedro da França Machado – «A Igreja do Colégio do Carmo: um singular panteão na Baixa de Coimbra» In Rev Munda, Nº 30, Novembro, 1995, P. 6



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III – A Baixa

164. Joaquim Simões Barrico – Noticia Histórica da Veneravel Ordem Terceira da Penitencia de S. Francisco da Cidade de Coimbra e do seu hospital e asylo, Coimbra, 1895, Pp. 75-76 165. Id. P. 76 166. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, Pp. 36-37 167. Joaquim Simões Barrico – Noticia Histórica da Veneravel Ordem Terceira da Penitencia de S. Francisco da Cidade de Coimbra e do seu hospital e asylo, Coimbra, 1895, P. 152 168. Id. P. 154 169. Id. P. 157 170. Id. P. 158 171. Id. P. 164 172. Id. P.197 173. Id. P. 13 174. Id. P. 25 175. Id. P. 17 176. Id. P. 22 177. Pedro da França Machado – «A Igreja do Colégio do Carmo: um singular panteão na Baixa de Coimbra» In Munda, Nº 30, Novembro, 1995, P. 7 178. Id. P. 12 179. Vide Ana Paulo Rebelo Correia – «Um ciclo do profeta Elias no claustro do Colégio de Nossa Senhora do Carmo» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, Pp. 108-109 180. Vítor Serrão – «Pittura senza tempo em Coimbra, cerca de 1600: as tábuas de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão na sacristia da Igreja do Carmo» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 92 181. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 138 182. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991P. 33 183. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 99 184. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 35 185. António Nunes – A Espada e a Balança – O Palácio da Justiça de Coimbra, Ministério da Justiça, Imprensa de Coimbra, 2000, P.57. 186. Id. 187. Rute Figueiredo – «Arquitectura Judicial O Palácio da Justiça de Coimbra» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 60 188. Id. 189. António Nunes – A Espada e a Balança – O Palácio da Justiça de Coimbra, Ministério da Justiça, Imprensa de Coimbra, 2000, P.198 190. Rute Figueiredo – «Arquitectura Judicial O Palácio da Justiça de Coimbra» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006 P. 63



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

191. Rute Figueiredo – «Arquitectura Judicial O Palácio da Justiça de Coimbra» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 59 192. Vide Carlos Alonso Osa – «La fundación del Colegio Agustiniano de N.tra S.ra de Gracia de Coimbra (1543-1551) In Rev da Universidade de Coimbra, Vol. XXXVI, Coimbra, 1991, P. 328 193. Id. P. 331 194. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991Pp. 45-46 195. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 175 196. Pedro Dias – Coimbra Arte e História, Livraria Minerva, Coimbra, 1995, P.74. 197. Carla Alexandra Gonçalves – «Os retábulos de pedra dos colégios da Rua da Sofia» In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 86 198. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 94 199. Walter Rossa – «a Sofia primeiro episódio da reinstalação moderna da Universidade de Coimbra», In Monumentos, Nº 25, Setembro, 2006, P. 21 200. A.H.M.C. – Registo, T. IV, Fl. 59v. 201. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 101, nota nº 2. 202. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 447 203. A.H.M.C. – Representações ao Rei e às Cortes, 1866-1873, Fls. 40v.-41 204. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, Pp. 407-408 205. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 131 206. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, P. 84 207. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991.P. 85 208. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 95 209. Vide Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 131 210. A. G. da Rocha Madahil – «Inventario do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra á data da sua extinção em 1834» In O Instituto, Vol. 101, Gráfica de Coimbra, 1943, P. 461 211. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 294, Fl. 62v. 212. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, Id. P. 87 213. Id. P. 125 214. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 151



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III – A Baixa

215. Id. 216. António de Vasconcelos – «Os Colégios Universitários de Coimbra» In Rev. Biblos, Vol. XV, Coimbra, 1991, P. 109 217. Dados extraídos de A.U.C. – Fazenda Nacional: Lº Nº 10, Recenseamento dos foros do concelho de Coimbra, 1841 218. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, Pp. 188-189 219. José Maria de Oliveira Lemos – Fontes e Chafarizes de Coimbra, Direcção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha, Colecção Coimbra – Património, Câmara Municipal de Coimbra, 2004,P. 28 220. Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, P. 294 221. Walter Rossa – Divercidade – Urbanografia do espaço de Coimbra até ao estabelecimento definitivo da Universidade, Universidade de Coimbra, Junho 2001, P. 465 222. Id. Pp. 465-466 223. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 174 224. Walter Rossa – Divercidade – Urbanografia do espaço de Coimbra … Universidade de Coimbra, Junho 2001, Pp. 476-477 225. Citado por José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960 P. 360 226. Amadeu Ferraz de Carvalho – Toponímia de Coimbra e arredores (contribuição para o seu estudo), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934, P. 30 227. Simão de Figueiró e Rocha Madahil – Livro da Fazenda… 1570… Coimbra, 1940, P. 22 228. Inácio de Morais – «Elogio de Coimbra» 1554, versão da poesia latina «Conimbricae Encomium» traduzida por A. da Rocha Brito e publicada em O Instituto, Vol. 88º, 1935, P. 55 229. Francisco Augusto de Carvalho – «Fontes e Chafarizes de Coimbra e suas imediações», In Arquivo Coimbrão, Vol. VI, 1942, P. 160 230. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. 84 231. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 361 232. Id. P. 362 233. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. II – Sociologia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2002, P. 171 234. António de Vasconcelos – «Visita do Marquês de Pombal a Coimbra para reformar a Universidade» In Revista da Universidade de Coimbra, Vol. VI, N.ºs 1 e 2, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1917, Pp. 153-154 235. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, Pp. 216-217 236. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 365. 237. A.H.M.C. – Inaugurações, 1860-1897 238. Walter Rossa – Divercidade – Urbanografia… Coimbra, Junho 2001, P. 325 239. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, Edição da Câmara Municipal, 1964, P. 137. 240. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 27, 1903-1905, Fl. 23 241. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, Edição da Câmara Municipal, 1964, P. 186.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

242. José Pinto Loureiro – «Enigmas da História de Coimbra» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal,Vol. XIII, Coimbra, 1955, P. 17 243. Id. P. 18 244. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 23. P. 292. 245. Id. Pp. 293-294 246. Id. P. 294 247. Id. P. 304 248. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, (…) Coimbra, 1964, Pp. 294-295 249. José Pinto Loureiro – «Enigmas da História de Coimbra» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal,Vol. XIII, Coimbra, 1955, P. 24 250. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, Edição da Câmara Municipal, 1964, P. 16 251. Id. 252. Id. 253. Id. P. 19 254. Id. 255. Id. P. 21 256. Id. P. 27 257. Id. P. 29 258. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 267 259. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 137 260. Id. P. 139 261. Id. P. 357 262. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) Coimbra, 2003, P. 88 263. Id. 264. Id. 265. Id. P. 89 266. P. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, (…) Coimbra, 1960, 167 267. Id. P. 171. 268. Id. P. 125. 269. Id. P. 127. 270. Id. 271. Id. 127. 272. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. 158-159. P. 187 273. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II, (…) Coimbra, 1964, P. 342 274. Id. P. 184 275. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 26 276. Mário Nunes – Ruas de Coimbra, 2ª edição, GAAC, Colecção Conheça a Cidade, os seus Monumentos, as suas Gentes e as suas Tradições, Coimbra, 2003 P. 53.



390



III – A Baixa

277. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. P. 188 278. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. P. 188 279. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 160. 280. Id. P. 160. P. 89. 281. Id. P. 91 282. Id. 283. Id. P. 92 284. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) Coimbra, 2003, P. 55 285. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 94 286. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) 2003, P. 54 287. António Cabral – Tempos de Coimbra, memórias de estudante, anedotas e casos, figuras e tipos, 3ª edição, Coimbra Editora, Lda., 1962, P. 61 288. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. P. 188 289. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 219 290. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 161 291. Id. P. 161 292. Maria Luísa Seabra Marques de Azevedo – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense (…) Universidade de Coimbra, 2005, P.388 Pp. 431-432 293. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, Pp. 162-163 294. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, Coimbra, Edição da Câmara Municipal de Coimbra, 1960, P. 257 295. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, Coimbra, Edição da Câmara Municipal de Coimbra, 1960, P. 20 296. Anais do Município, 1920-1939, P. 100 297. Maria Luísa Seabra Marques de Azevedo – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense, (…) Universidade de Coimbra, 2005, P. 271 298. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 61 299. Id. P. 175 300. Id. 301. Id. P. 348 302. Id. 349 303. Anais do Município de Coimbra, 1870-1889, P. 202 304. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 353 305. Id. Pp. 353-354 306. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 160. 307. José Pinto Loureiro (dir. de) – Anais do Munícipio de Coimbra, 1904-1919, Edição da Biblioteca Municipal, Coimbra, MCMLII, P. 166



391



Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

308. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 203 309. Id. P. 120 310. Anais do Município, 1920-1939, P. 350 311. Id. P. 34 312. Mário Nunes – Ruas de Coimbra, 2ª edição, GAAC, 2003, P. 99 313. «Junta de Freguesia de Santa Cruz» In Gazeta de CoimbraI, 17 Novembro 1925 314. «Junta de Freguesia de Santa Cruz» In Gazeta de CoimbraI, 15 Dezembro 1925 315. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 276 316. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) 2003, P. 101. 317. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 404 318. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) 2003, P. 107 319. Id. P. 365 320. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 345 321. Id. P. 366 322. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) 2003, P. 85 323. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 165. 324. José Pinto Loureiro – «Livreiros e Livrarias de Coimbra» In Arquivo Coimbrão, Vol. XII, Coimbra, 1954, P. 165 325. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) 2003, P. 86 326. Id. P. 332 327. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) Coimbra, 2003, P. 70 328. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 334 329. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) Coimbra, 2003, P. 70 330. Id. P. 69 331. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 203 332. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 55, 1955, Fl. 78 333. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, Pp. 457,470, 471 334. Mário Nunes – Ruas de Coimbra (…) Coimbra, 2003, P. 71 335. Id. 336. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 172 337. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 203Pp. 182-183 338. Id. P. 183. 339. Fernando Falcão Machado – «O Mapa dos direitos do foral de Coimbra em 1824» In O Instituto, Vol. 90º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1936, P. 142 340. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 214, Fl. 39 341. Id. Nº 247, Fl. 95v. 342. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 248, Fl. 27 343. Id. Nº 254, Fls. 63v.-64 344. Os textos aqui publicados foram organizados a partir das resenhas históricas/historiais, gentilmente cedidos pelas direcções das instituições referidas.



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III – A Baixa

345. Mário Nunes – Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra – Das origens aos Nossos Dias 1889-1998 – «Páginas para a História de Coimbra», P. 33 346. Anais do Município, 1940-1959, P. 48 347. Mário Nunes – Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra – Das origens aos Nossos Dias 1889-1998 – «Páginas para a História de Coimbra», P. 128 348. Anais do Município de Coimbra, 1920-1939, Pp. 29, 41, 42, 45 349. Anais do Município de Coimbra, 1940-1959, P. 40 350. A.H.M.C. – Livro das Actas das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 396 351. Mário Nunes – Nos Caminhos do património, Vol. II, GAAC, Coimbra, 1995 P. 93 352. Id. P. 94 353. Id. P. 95 354. Mário Nunes – A Previdência Portuguesa, Associação Mutualista – 75 Anos ao Serviço do Mutualismo – 1929-2004, Coimbra, 2004, P.19 355. Id. 356. Id. P. 22 357. Id. 358. Id. Pp. 34-35 359. Id. P. 48 360. Manuel Dias – «Ó Adro de Santa Cruz» In Diário de Coimbra, 15 Setembro 2006 361. Pedro Vitorino – «Nossa Senhora da Porta de Santa Cruz de Coimbra», In O Instituto, Vol. 88º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1935 362. Nelson Correia Borges – Coimbra e Região, Novos Guias de Portugal Nº 6, Editorial Presença, Lisboa, 1987, P. 53 363. Id. P. 56 364. Id. P. 55 365. Octaviano de Sá – «A Tricana no Folclore Coimbrão» In O Instituto Vol. 101, Gráfica de Coimbra, 1943, P. 432 366. A. C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, 1886, Edição Fac-similada, Almedina, 1996, P. 340 367. Nelson Correia Borges – Coimbra e Região, Novos Guias de Portugal Nº 6, Editorial Presença, Lisboa, 1987, Pp. 56-57 368. Octaviano de Sá – «A Tricana no Folclore Coimbrão» In O Instituto Vol. 101, Gráfica de Coimbra, 1943 P. 399 369. Francisco Augusto Martins de Carvalho – «Associações de Coimbra – Sociedades de Amadores Dramáticos» In Arquivo Coimbrão, Vol. XVII, Coimbra, 1959, P. 23 370. Id. P. 33 371. Id. P. 34 372. Id. P. 36 373. Id. P. 46 374. Anais do Município de Coimbra, 1840-1869, P. XV



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

375. José Pinto Loureiro – «Apontamentos para a história do teatro de Coimbra» In Arquivo Coimbrão, Vol. XII, 1954, P. 11 376. Francisco Augusto Martins de Carvalho – «Associações de Coimbra – Sociedades de Amadores Dramáticos» In Arquivo Coimbrão, Vol. XI, P. 110 377. Id. P. 112 378. Id. P. 115 379. Id. P. 141 380. Id. P. 144 381. José Pinto Loureiro – «Apontamentos para a história do teatro de Coimbra» In Arquivo Coimbrão, Vol. XII, 1954, P. 27 382. Francisco Augusto Martins de Carvalho – «Associações de Coimbra – Sociedades de Amadores Dramáticos» In Arquivo Coimbrão, Vol. XI, Pp. 173-174 383. Margarida Sobral Neto – Terra e Conflito:Região de Coimbra, 1700‑1834, Palimage Editores, 1997, P. 406 384. Id. P. 408 385. Id. 386. A. G. da Rocha Madahil – «Inventario do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra á data da sua extinção em 1834» In O Instituto, Vol. 101, Gráfica de Coimbra, 1943, Pp. 445‑446 387. A. Carneiro da Silva – «Notas para a História da zona envolvente do Mosteiro de Santa Cruz», In Arquivo Coimbrão, Vols. XXXI‑XXXII, 1988/1989, P. 29 388. Joaquim Martins de Carvalho – «Ainda os Quadros de Santa Crux» In O Conimbricense, terça‑feira, 5 de Julho de 1881, Nº 3537, Ano XXXIV, P. 1 389. Vide relação completa em A.G. da Rocha Madahil – «Inventario do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra á data da sua extinção em 1834» In O Instituto, Vol. 101, Gráfica de Coimbra, 1943, Pp. 487‑515 390. Id. P. 536 391. Id. Pp. 565‑568 392. Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, P. 67 393.  A. Carneiro da Silva – «Notas para a História da zona envolvente do Mosteiro de Santa Cruz», In Arquivo Coimbrão, Vols. XXXI‑XXXII, 1988/1989, P. 33 394. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. 254 395. Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, P. XIV 396. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, Pp. 487‑491 397. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 433 398. «Cadeia de Santa Cruz» In Gazeta de Coimbra, 1 Junho 1937 399. Pedro Dias – A Escultura de Coimbra do Gótico ao Maneirismo, Câmara Municipal de Coimbra, 2003, P. 120 400. Rui Lobo – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 42 401. – Santa Cruz e a Rua da Sofia Arquitectura e urbanismo no século XVI, e/d/arq, Coimbra, 2006, P. 44 402. António Gonçalves – «A extinção da Associação dos Artistas de Coimbra» In Munda, Nº 25, Maio, 1993, P. 33



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III – A Baixa

403. Anais do Município, 1904‑1919, P. 116 404. Id. P. 285 405. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Cidade de Coimbra, Vol. II, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 58 406. José Pinto Loureiro – «Relatório sobre os edifícios e terrenos do antigo Mosteiro de Santa Cruz» In Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz – petição e fundamentos – Câmara Municipal de Coimbra, 1958, P. 14 407. Id. P. 18 408. José Pinto Loureiro – «Relatório sobre os edifícios e terrenos do antigo Mosteiro de Santa Cruz» In Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz – petição e fundamentos – Câmara Municipal de Coimbra, 1958 P. 20 409. D.G.E.M.N. – Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processo Nº: 06/09/24‑01 410. D.G.E.M.N. – Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processo Nº: 06/09/24‑01 411. D.G.E.M.N. – Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processo Nº: 06/09/24‑01 412. D.G.E.M.N – Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processo Nº 06/09/25‑01 413. D.G.E.M.N – Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processo Nº 06/09/25‑01 e Nº06/09/25‑02 414. Maria de Lourdes Figueira – Escola Brotero… Escola Secundária Avelar Brotero, Coimbra, 1996, Pp. 54-56 415. Id. P. 87 416. Id. Pp. 118-119 417. A. Nogueira Gonçalves – «A Arte no Distrito de Coimbra» In Diário de Coimbra, 25 de Janeiro de 1973 418. Vide Marta Coelho de Macedo – «Coimbra na segunda metade do século XIX» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Coimbra, 2006, Pp. 47‑51 419. Anais do Município de Coimbra, 1890‑1903, Pp. 30‑33 420. José Santiago Faria – «Evolução do Espaço Físico de Coimbra» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Dezembro, 2006, P. 16 421. Anais do Município de Coimbra, 1904‑1919, P. 123 422. José Pinto Loureiro – «Relatório sobre os edifícios e terrenos do antigo Mosteiro de Santa Cruz» In Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz – petição e fundamentos – Câmara Municipal de Coimbra, 1958, P. 1 423. Id. Pp. 3‑4 424. Anais do Município, 1940‑1959, P. 386 425. Id. Pp. 455‑457 426. Id. P. 160 427. Adaptado de Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. III – Práticas e Processsos de Formação Camarária, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2004, Pp. 204 428. A.H.M.C. – Diversos, Maço VII, Doc. Nº 3; Papeis, Maço III, Doc. 4, Fls. 18‑98



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

429. Adaptado de Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. III – Práticas e Processsos de Formação Camarária, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2004, P. 205 430. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. LIV 431. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. LVI 432. A. Carneiro da Silva – «Notas para a História da zona envolvente do Mosteiro de Santa Cruz», In Arquivo Coimbrão, Vols. XXXI‑XXXII, 1988/1989, P. 6 433. Id. P. 1 434. Id. P. 2 435. A.H.M.C. – Diversos, Maço I, Doc. VI, Fl. 4. 436. Vide Marta Coelho de Macedo – «Coimbra na segunda metade do século XIX» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Coimbra, 2006, P. 54 437. A.H.M.C. – Mapa das Obras Municipais, 1878‑1884 438. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. LVI 439. Id. Pp. 142, 144, 148, 152‑154 440. Vide Diário de Coimbra, 16 Fev. 2007, P. 9 441. Manuel Dias – «A Fundação da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra» In Diário de Coimbra, 16 de Fevereiro de 2007, P. 9. 442. Vide jornal O Conimbricense, Nº 5387, Sábado, 1 de Julho de 1899, Ano 52º, P. 1 443. A.H.M.C. – Representações ao Rei e ás Cortes, 1866‑1873, Fl. 8v. 444. A.H.M.C. – Inaugurações, 1860‑1897 445. Carlos Santarém de Andrade – «Mercado D. Pedro V Uma História com História» In Jornal de Coimbra, Nº 739, (Suplemento), P.11 446. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 72 447. Carlos Santarém de Andrade – «Mercado D. Pedro V Uma História com História» In Jornal de Coimbra, Nº 739, (Suplemento), P.15 448. Id. P. 334 449. Carlos Santarém de Andrade – «Mercado D. Pedro V Uma História com História» In Jornal de Coimbra, Nº 739, (Suplemento), P.21 450. Id. 451. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 3, 1889‑1899, Fls. 92v.‑93 452. Adolpho Loureiro – «O Projecto de Abastecimento d’aguas de Coimbra» In O Instituto, Vol. XXVII – Segunda Série, 1879‑1880, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1880, P. 209 – 623 pp 453. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 2, 1873‑1888, Fl. 14. 454. A.H.M.C. – Diversos, Maço VII, Doc. 3 455. José Maria Amado Mendes – A Área Económica de Coimbra: estrutura e desenvolvimento industrial, 1867‑1927, Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, 1984, P. 264 456. Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, P. XV 457. Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, P. 248 458. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. 105 459. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 27, 1903‑1905, Fl. 65



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III – A Baixa

460. Anais do Município de Coimbra, 1904‑1919, P. 42 461. Id. P. 47 462. Id. Pp. 235 e 270 463. José Maria Amado Mendes – A Área Económica de Coimbra: estrutura e desenvolvimento industrial, 1867‑1927, Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, 1984, P. 274 464. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 36, 1923‑1924 465. Anais do Município, 1904‑1919, P. 238 466. Id. P. 255 467. Id. P. 295 468. A.H.M.C. – Representações ao Rei e ás Cortes, 1893‑1907, Fl. 78v. 469. A.H.M.C. – Diversos, Maço V, Doc. Nº VI 470. A.H.M.C. – Diversos, Maço II «Relatório sobre a situação dos esgotos da cidade», 1932 Id. 471. António Rodrigues da Costa – «Troleicarros: um património de Coimbra» In Troleicarros de Coimbra: 60 anos de História, Ordem dos Engenheiros, Coimbra, Outubro 2007, P. 60. 472. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 27, 1903‑1905, Fl. 25v. 473. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 29 1909‑1912, Fl. 27v. 474. Emídio Gardé – «Coimbra: 60 Anos de Troleicarros» In Troleicarros de Coimbra: 60 anos de História, Ordem dos Engenheiros, Coimbra, Outubro 2007, P. 41 475. João Ferreira de Araújo – «Transportes Urbanos de Coimbra do Início até 1951» In Troleicarros de Coimbra: 60 anos de História, Ordem dos Engenheiros, Coimbra, Outubro 2007, P. 35 476. Id. P. 36 477. Vide Diário de Coimbra, 17 Agosto 1947 478. João Ferreira de Araújo – «Transportes Urbanos de Coimbra do Início até 1951» In Troleicarros de Coimbra: 60 anos de História, Ordem dos Engenheiros, Coimbra, Outubro 2007, P. 37 479. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, Pp. 282 e 406 480. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 232, Fl. 13. 481. Id. Nº 257, Fl. 84 482. Id. Nº 300, Fl. 33v. 483. Vide Campeão das Províncias, 28 de Dezembro de 2006, P. 5



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© João Pinho, 2009

IV – A FREGUESIA AO REDOR DA BAIXA Montarroio, Montes Claros, Conchada e COSELHAS

1 – As Origens 1.1 – Montarroio e Montes Claros

A

colina que se desenha desde as cercas dos antigos colégios da Rua da Sofia, seguindo pela encosta da Conchada até ao início da Rua António José de Almeida, foi conhecida durante muito tempo por Montarroio. Hoje apenas a Rua de Montarroio, que principia na Rua de Pedro Rocha e termina na Rua Dr. António de Vasconcelos, guarda essa memória. O topónimo assumiu na época medieval as formas de munte‑rubio e monte rúbeo. A origem provável do nome resultará da cor avermelhada tipica das argilas terciárias que cobrem o monte, em contraste com o calcário branco das pedreiras de Montes Claros (1). Estas argilas de tom amarelo‑avermelhados «…terão motivado o qualificativo rubio» (2). Diga‑se a propósito que das pedreiras de Montarroio e do Bordalo sairia muita da pedra que se empregou no revestimento dos pavimentos da cidade.

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

De acordo com os estudiosos não é também de afastar a possibilidade de a forma actual de Montarroio ter sofrido alguma contaminação de arroio. Montarroio, Monterroio e Monte Arroio surgem também nos documentos como variantes de apelidos portugueses, alguns muito antigos. O mais antigo documento que refere Montarroio, ou melhor montem rubium data de 16 de Janeiro de 1088. Trata‑se de uma Carta de Doação, de uma vinha com árvores que Gonçalo Recemondes e sua mulher, Maria Eanes, fizeram à Sé (3). Esta área da encosta de Montarroio, definida pelo triângulo formado pela Rua de Montarroio, Travessa de Montarroio e Pátio da Inquisição seria, provavelmente, já habitada no séc. XII (4). Supõe‑se, ainda, ter estado erguida em Montarroio, então fora de portas, a Igreja de S. Vicente, atestada documentalmente no séc. X (ano 972) (5). A área de Montes Claros vem citada em documentação da época medieval. A 26 de Outubro de 1110, João Gosendes e sua mulher Ximena Forjaz doam à Sé de Coimbra as propriedades outrora pertencentes a sua tia Sesília e a seu filho Mendo, as quais se situavam nos concelhos da Mealhada, Albergaria‑a‑Velha e Coimbra. Neste último possuíam propriedades em Montes Claros e Coselhas (6). Na política de aquisição de bens fundiários, a que o Mosteiro de Santa Cruz se lançou, nos anos seguintes à sua fundação, Montarroio foi área destacada. A primeira aquisição do mosteiro nesta zona foi uma vinha que o presbítero Mendo Ruivo doou aos cónegos, em Dezembro de 1139, ao professar no convento. Mais tarde, em Fevereiro de 1140, foi a vez do judeu Zacarias ceder aos cónegos uma vinha que possuía em Montarroio, por troca com outra que Santa Cruz detinha em Coselhas (7). 1.2. A Conchada

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A Conchada é um lugar da Freguesia de Santa Cruz, situado numa das mais belas cumeadas da Cidade de Coimbra, no extremo Este da freguesia de Santa Cruz. Os seus limites coincidem, grosso modo, com a colina «…que hoje se vê limitada ao Norte pelo vale



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IV – A Freguesia ao Redor da Baixa

de Coselhas, a Poente e Sudoeste pela Rua da Figueira da Foz e Rua da Sofia e a nascente por Montarroio e Montes Claros. Abrangia, portanto, uma área sensivelmente triangular, muito mais extensa do que actualmente, e que teria os vértices dos ângulos na extremidade sul da Rua da Sofia, na Casa do Sal e no extremo norte do Rego de Benfins» (8). Segundo Jorge Alarcão e embora se não conheçam vestígios, é provável que se tenha verificado a ocupação do morro da Conchada pelos povos pré‑históricos (9). Não avultando dados para tempos tão remotos centremo‑nos nos elementos a retirar via toponímia. Existem duas hipóteses para compreender a sua designação: ou de complanata, «…forma de propriedade imperfeita vulgar na Idade‑Média, ou antes de concada ou conchata terrae (Ducange), renda ou pensão avaliada pelas conchas de cereal (medida de capacidade, semelhante ao búzio ou buzeno, de que fala o nosso Viterbo) que uma terra poderia produzir (10). A zona encontra‑se referenciada, desde tempos antigos, com os topónimos Algeara ou Algeiara, e surge colocada na órbita de importantes instituições religiosas: ‑ A 20 de Agosto de 1078, Donello doa ao mosteiro da Vacariça (conc. Mealhada) parte de uma vinha que possui em Algeara (conc. Coimbra) (11). ‑ A 26 de Abril de 1087, Diogo Fredarizi e sua mulher Eugénia doam, em testamento à Sé de Coimbra uma vinha e outros bens situados na Cidade de Coimbra, referindo‑se a zona do Vale da Conchada. O mesmo sucederá com o testamento de Sancha, datado de de 4 de Novembro de 1110 e na doação de Gonçalo e sua mulher Godinha, em Setembro de 1117 (12). Desde o século XVI que se encontram referências documentais a este topónimo, sendo a mais antiga referência o emprazamento feito pela Sé de uma vinha “à Conchada”, no ano de 1511» (13). Em termos fisico‑geográficos a Conchada foi objecto de especial destaque, na descrição publicada por Manuel Dias Baptista em 1783: «Vem depois a quinta da Conchada cuja terra é arenosa em umas partes, com o predomínio de calcária e outras, e enfim alguns seixos de várias cores. Segue‑se o monte de Algeara, o qual consta de terra calcária, e de pedra mármore, que tem na superfície dos seus bancos um sal semelhante ao que há pouco dissemos que havia em Montarroio, mas em menor quantidade; a fertilidade deste sítio é também menor que a dos precedentes; talvez que uma das causas seja a multidão das oliveiras que nele se acham plantadas» (14). Acrescentaria o autor que na Ladeira da Forca detectara terra calcária, pedra mármore e algum espato. 1.3. Coselhas Coselhas é uma povoação localizada nos subúrbios da cidade de Coimbra e na zona Nascente da freguesia de Santa Cruz. De origem muito remota, é abundante a documentação que a refere a partir do século X. O topónimo, de origem moçárabe, surge com formas diferenciadas; coselias,



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«O vale de Coselhas tal como era há mais de 60 ou 70 anos, que eu ainda conheci, verdejante onde as culturas do milho, feijão e hortaliças diversas que abundantemente e diariamente eram levadas para o mercado de Coimbra, umas vezes à “cabeça” das vendedeiras ou levadas em “poceiras” em carroças ou carros de bois!... Hoje o vale de Coselhas tem um aspecto completamente diferente: indústrias, arruamentos, rotundas e estradas sulcam as áreas que outrora produziram os vegetais acima referidos. Ao longo da estrada de Coselhas e outros arruamentos têm‑se edificado muitos prédios, alguns mesmo de apartamentos, assim como as indústrias e casas comerciais, bem como escritórios de fins diversos. Como é diferente o vale que da “Casa do Sal” ou se quiserem da “Ponte de Água de Maias” se estende até ao Rangel». Vitorino de Seiça e Santos In Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 2

cuzelias, cosilias, caselhas e coselhas. As hipóteses etimológicas mais antigas, defendidas por A. Ferraz de Carvalho, aproximam estas formas como diminutivos de cossa/cossia – significando medidas de capacidade designando pensões ou foros – podendo também pensar‑se em conchela, como diminuitivo de concha, medida frumentária. No entanto, mais recentemente, Maria de Azevedo inclina‑se para nova hipótese: «Parece, no entanto, mais plausível aproximar Coselhas, com a velarização da primeira vogal por influência da consoante [k]‑, de Caselhos e de Caselas (alótropo galego‑português que ocorre nos arredores de Lisboa), diminutivos do latim casa “cabana; propriedade rural, pequena herdade”» (15). Hipótese a considerar é ainda a que aproxima o topónimo Coselhas ao castelhano, uma vez que em Espanha ocorre o vocábulo Cosechas, que significa conjunto de frutos que se recolhem da terra como trigo, vinho, cevada e azeite, o que aliás vem ao encontro da fertilidade histórica do vale onde a povoação se insere (16). Os dados e vestígios mais antigos acerca de um aglomerado populacional na área vieram ao conhecimento público num artigo de Falcão Machado intitulado «A Necrópole de Coselhas», publicado na Revista de Arqueologia. O escrito, referenciado pelo Dr. Vitorino de Seiça e Santos, dá conta de um achado em 1918, quando se procedia à abertura da estrada para S. Paulo de Frades: «Os cabouqueiros ao procederem ao desaterro dum combro de silvas a Leste do sítio chamado Olho de Boi, entre a casa do Sr. Perdigão e a Venda do Gilberto, encontraram na rocha, que é uma saibreira de grão fino, 3 sepulturas antropomórficas, duas de adultos e a terceira bem mais pequena. As sepulturas abertas no saibro estavam orientadas Leste‑Oeste, ficando as cabeceiras para Leste. Cobriam‑nas algumas peças de calcário estranho ao local, facetado e aparelhado, e continham várias ossadas e um crâneo, que se desfizeram acto contínuo. Os trabalhadores, na ignorância do valor achado, tinham partido o aparelho calcário e destruído as sepulturas. (…)



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Quanto às sepulturas individuais cavadas na rocha (e embora no dito artigo se diga que a sua antiguidade não é anterior à idade dos metais, devendo, mesmo, ser posteriores ao período post‑halstatiano), segundo informação do Dr. Jorge de Alarcão, provavelmente eram medievais. A destruição e desaparecimento dos elementos osteológicos e do calcário aparelhado, uma provável laje funerária, bem como a ausência, ou perda do espólio cerâmico, vítreo ou metálico, não permitem informações de maior certeza» (17). O achado, que ficou registado com a designação de “Necrópole de Coselhas”, dataria da época da dominação romana, não além do II século A.C. No mesmo artigo alude‑se também ao achado de 3 mós e de telhas grossas, possíveis tegulae ou imbrices, da época romana. O documento mais antigo sobre Coselhas, datado de 967, refere «duas vineas in vale de coselias» (18), o que vem ao encontro da maior parte dos documentos relativos ao Vale

Foto 88 – Coselhas vista do Monte Formoso

de Coselhas, onde são referidas vinhas, almuinhas e pomares. Outra antiga referência a Coselhas encontra‑se numa memória escrita em latim bárbaro extraída do Livro de Testamentos de Lorvão. O registo data de 979 e refere que no tempo do Abade Primo viera de Córdova para o mosteiro de Lorvão um mestre de nome Zacarias a quem o concelho de Coimbra pedira que fizesse pontes sobre os seus ribeiros. O abade cederá o mestre para a empreitada construindo‑se, sucessivamente, quatro pontes; junto a Fornos (Ilhastro), em Coselhas, junto ao Buçaco e, a última, na ribeira de Forma com moinhos anexos (19). O Livro das Kalendas também refere, entre os sécs. XII e XIII, a existência de olivais na área Coselhas e Algeara (zona que coincide com o Vale da Conchada e alto dos Montes Claros). Jorge Alarcão demarcou o vale que «…começava em Água de Maias, e ia até S.



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Romão. Estaria dividido em pequenos prédios. Haveria aí também moinhos e lagares de vinho (…) A ocupação de Coselhas estendia‑se por Vale de Figueiras» (20). Mais tarde, no séc. XI (30 de Abril de 1094), Paio Soares doa em testamento à Sé de Coimbra uma casa situada nesta cidade e uma villa em Coselhas, ou seja; uma propriedade de maiores dimensões. A doação em testamento da Villa de Coselhas, à Sé de Coimbra será confirmada três anos depois pelo dito Paio Soares (30 de Abril de 1097) que a obtivera de presúria e cuja aquisição fora confirmada pelos condes D. Raimundo e D. Urraca (21). Também pelos finais do século sabemos que o árabe Soleima Aflah tinha terras em Coselhas (22). A ligação com a Sé mantém‑se pelos séculos seguintes: ‑ Em 1103, João Gosendes e sua mulher Ximena concedem a Gonçalo e a João uma herdade em Coselhas, para que a beneficiem e explorem durante sete anos, sem autorização para a alienarem excepto aos doadores. Findo aquele prazo, a mencionada herdade será dividida ao meio (23). ‑ No já citado documento de 26 de Outubro de 1110, João Gosendes e sua mulher Ximena Forjaz doam à Sé de Coimbra propriedades outrora pertencentes a sua tia Sesília e a seu filho Mendo, as quais se situam no Concelho da Mealhada, Oliveira de Azeméis, Albergaria a Velha e Coimbra. Neste último referem‑se bens em Coselhas (24). Até aos finais do século XII, encontraremos transferência de propriedades em Coselhas de particulares para a Sé: ‑ Na já citada doação à Sé de Coimbra, datada de Setembro de 1117, contam‑se também bens em Coselhas. A doação não deixa de ser curiosa; antes de partirem para uma romaria fazem testamento à Sé de uma horta e vinha em Coselhas; o mesmo sucedendo com o testamento de Outubro de 1127, em que Belida Esteves, beneficia a Sé de Coimbra, pessoas de sua família e pobres (25). ‑ Transferências de propriedades que ocorrem, também, na forma de vendas: no primeiro dia de Março de 1117 Paio Soares vendera ao presbítero Telo um terreno que possuía além da ribeira de Coselhas; em Janeiro de 1121 Martinho Santaranense e João filho de Eusébio, juntamente com suas mulheres vendem ao presbitero Julião uma vinha em Coselhas. Em Abril de 1142 o Rei D. Afonso Henriques doa a Rodrigo Pais, alcaide de Coimbra, várias propriedades no concelho, entre as quais se contavam as herdades de Coselhas (26). Coselhas que é ainda um lugar de transferência de propriedades entre particulares: em 1137 Salvador e sua mulher Maria, vendem a Pelagio, irmão do vendedor, metade de uma vinha ali situada (27); e em Março de 1121, Pedro Franquito vende a Teodesindo e sua mulher Maria um bacelo no mesmo lugar (28). Além do lugar propriamente dito, outras zonas em seu redor aparecem referenciadas em documentação muito antiga. A ponte de Coselhas ou o Moinho em Coselhas (que pode muito bem ter‑se situado na horta dos prédios onde hoje está instalado o Sport Clube de Coselhas conhecida por Horta do Moinho) enquadram‑se nesse prisma: em Março de 1122, Gontrode e seus filhos vendem a Salvador Fernandes um terreno junto



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à dita ponte, a qual também surge citada no já referido documento de 1180 e, em Abril de 1123, Susana Fremosendes com seu marido Pedro Pais vendem a sua irmã Gontinha a sexta parte de um moinho em Coselhas (29). Em Fevereiro de 1195 encontramos uma curiosa carta de complantação de uma vinha situada em Coselhas, acordada entre o Cabido da Sé de Coimbra e Cimay Hebreu (30). Pelos meados do século XIV Coselhas torna‑se uma área do interesse do Mosteiro de Celas. Segundo o documento de 3 de Outubro de 1342, o monarca D. Afonso IV autoriza o mosteiro de Celas a ficar com as almuinhas «…no logo que chamam Caselhas» e os casais no termo de Miranda do Corvo deixados à instituição pela freira Mafalda Domingues (31). Pelo exposto facilmente constatamos que Coselhas era uma área apetecível por apta à produção agrícola. Para tal muito contribuiu a existência da Ribeira de Coselhas, elo fundamental na cadeia que nos permite reconstruir a sua história. E foi justamente na ribeira que se estabeleceram nos sécs. XV e XVI azenhas e lagares que foram emprazados pelo Cabido (32): ‑ Em Junho de 1462 o Cabido emprazou a «Joham Denis allemam a Azenha de Coselhas que parte com caminho publico e da outra parte com vinha que traz Joham de Poyares e da outra com o rebeyro de Coselhas» ‑ Em Janeiro de 1502 emprazaram «…hum chaão e vinha com oliveiras e lagar na Ribeira de Coselhas que trazia Pedro Trigo» ‑ Em 21 de Novembro de 1557 ocorreu um escambo entre o Cabido e o Promotor Fernão Nunes, pelo qual este recebeu «humas casas junto do forno da See que forão das Pachecas (…) com seu pardieiro» e deu em troca «hua vinha propria com seu lagar grande em Coselhas pegado com há quintaa que foy de Afonso Migueis».

A PONTE D’ÁGUA DE MAIAS Marcava o início do Vale de Coselhas e conta-se que ali se deu sanguinolenta batalha em 1065. Com a morte de D. Fernando o Magno os estados foram divididos pelos seus três filhos, cabendo a D. Garcia a Galiza com a Lusitânea até ao Mondego. Mas este contestará a partilha levando a que os outros seus irmãos – D. Sancho e D. Afonso – se aliem e invadam a sua para depois a repartir. Seguiu-se a guerra: «Põe-se em campo o celebre heróe, D. Rodrigo Forjaz com seus ormãos, o conde D. Pedro Forjaz, e o conde D. Bermudes Forjaz, a favor do principe D. Garcia; saelhes ao encontro, pelos príncipes D. Sancho, e D. Affonso, o famoso Cid Campeador, D. Rodrigo Dias de Bívar, e os condes, D. Rodrigo de Lara, e D. Garcia de Capra. Em Agua de Maias travam rijo combate as duas hostes; de ambas as partes se obram gentilezas, maravilhas de valor; a victoria, porém, corôa o esforso e galhardia dos portuguezes» [R. de Gusmão, «Arredores de Coimbra – II, Ponte d’Agua de Maias» In O Instituto, Vol. 5º, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1857, P. 28.] Deste facto nasceu uma lenda que relaciona a construção da Ermida do Loreto como consequência do desfecho dessa batalha.



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É provável que a povoação de Coselhas tenha evoluído a partir da «quintã de coselhas», que vem referida no Numeramento da população do reino em 1527. Esta quinta que seria de consideráveis dimensões totalizava apenas um vizinho e integrava‑se no termo da Cidade de Coimbra (33). Na encosta voltada a Norte, que liga Conchada a Coselhas, está o lugar de Rego de Benfins. O topónimo manteve‑se estável ao longo dos séculos, sendo a referência documental mais antiga datada de 1441, quando o Cabido deu de emprazamento uma vinha com suas pertenças no Rego de Benfins (34). O topónimo sobrevive, também, na acidentada e estreita rua que se estende no sentido Poente‑Nascente. Designa‑se por Rua do Rego de Benfins e vai do Largo da Conchada até à Rua Jorge Mendes (outrora conhecidapor estrada nova). 2. Os grandes Senhorios da área: razões da atracção e concentração da propriedade Inserida no anel ou aro citadino, Coselhas e a Conchada tornaram‑se áreas de extensos olivais e concorridos lagares, a que se associavam a vinha, árvores de fruta e algum cereal. Pelos finais do séc. XIV, Coselhas (com a sua apetecida ribeira) era também uma zona que se destacava ao nível das almoinhas, ou seja de hortas que abasteciam a região: «Estas almoinhas, abastecedoras da cidade, estão, preferencialmente, situadas em Coselhas, a sua zona por excelência, onde se encontram 42,8% dos prédios, vindo logo a seguir a margem esquerda do Rio Mondego» (35). A estas almoinhas se associavam árvores de fruto, destacando‑se as figueiras, macieiras, pereiras e marmeleiros, lado a lado com os legumes «…se bem que no anel citadino, sobretudo para Coselhas, surjam referências a latadas que circundam as almoinhas, no geral as vinhas seriam baixas…» (36). De facto, Coselhas, Montes Claros e Conchada, juntamente com o Cidral e Celas foram durante séculos o meio agrícola coimbrão por excelência. Ao longo dos tempos acentua‑se a ideia de uma zona de grande predomínio da oliveira. Uma observação válida para o séc. XVII: «Partindo desta zona, pelo caminho da Conchada e Coselhas, uma ladeira plantada sòmente de olivais, chegava‑se onde se começam muitas quintas e vinhas» (37). Assim, não se estranhará o aparecimento de engenhos para moer a azeitona. Aproveitando a força hidráulica da água da ribeira os lagares estão documentados por volta de 1531 e 1587, para a zona da Ribeira de Coselhas (38). A este propósito mencione-se o lagar, vinha e olival que a Universidade emprazou a 14 de Setembro de 1551 a Diogo Aranha Chaves (v. anexo, tabela 5). Sabemos por exemplo, que na Quinta do Rangel e na Quinta do Promotor existiam lagares. Azeite que só podia ser vendido com a presença directa ou indirecta do medidor. No Livro I da Correia encontra‑se o seu regimento, que distinguia na área da jurisdição municipal as zonas da sua actuação: «Uma delas é constituída pela cidade em sentido lato: Almedina, arrabaldes e lugares circunvizinhos como Copeira, Pombal, Arregaça, Ribeira de Coselhas e uns lagares no caminho de Cale de Canas. Neste limite só era permitido vender o azeite pela medida da cidade» (39).



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A Igreja de Santa Justa, o Mosteiro de Celas, o Mosteiro de Santa Cruz e, mais tarde, a Universidade, emergem como os maiores senhorios da zona (v. anexos, tabela 5). Uma referência especial merecem os bens que a Universidade de Coimbra administrava nesta zona, em pleno século XVI. Tratavam-se na maioria, de bens que passaram para a sua administração como consequência da transferência da Universidade em 1537 e que pertenceram ao Priorado-Mor de Santa Cruz de Coimbra. Se em Monte Royo se destacam as casas e quintais, já em Coselhas se confirma uma vez mais, a primazia da vinha e de hortas. Na Conchada os olivais marcavam a paisagem. Sem prejuízo dos bens sob administração directa dos grandes senhorios já referidos, observa‑se a presença de outras poderosas instituições religiosas na área que delimitámos. Na Conchada, por exemplo, tinha propriedades a Igreja Colegiada de S. João de Almedina. Possuidora, no Alto da Conchada, de um olival, dele fez renovação de prazo em 3 vidas, a 10 de Junho de 1761, ao tintureiro Antonio Vasco Lopes do Spirito Santo, da Cidade de Coimbra. O prazo, que constava de olival e terra e partia do Norte com a quinta do Morgado Prestello, pertencera a Dionizio de Maçedo Guimarains, da mesma cidade (40). Muito curioso é ainda o prazo da Colegiada de S. Salvador, que Joaquim Ignacio de Miranda Pio, na qualidade de enfiteuta, administrava dentro da sua Quinta da Conchada (41). Nesta área tinha também propriedades o Hospital e o Mosteiro de Celas. Em Coselhas também se sente uma grande influência por parte da Mitra Episcopal. De facto, em 1695, fez‑se renovação de parte de um prazo no «citio de Cozelhas» Antonio Fernandez Garrido com foro de 120 rs. na 1ª vida e de 140 nas 2ª e 3ª. A outra parte do prazo possuía o conego Melchior da Silva, que pagava uma galinha e um capão de foro cada ano (42). Ao dito Antonio Garrido, e a 29 de Julho do mesmo ano, a Mitra fará «Aforamento de humas ortinhas em Cozelhas (…) primeira vida com foro cada

Foto 89 – Montes Claros e Conchada em 1940



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anno de 140 reis porem a primeira vida não pagara mais que 120 reis porquanto hade gastar muito no reparar do Ribeiro ate a orta» (43). À semelhança da Colegiada de S. Salvador, também a Colegiada de S. Cristóvão possuía um prazo dentro da Quinta de Coselhas, de que era enfiteuta o Doutor Francisco Antonio Rodrigues d’Azevedo (44). Outras instituições religiosas se detectam na zona como o Colégio de S. Bernardo que desde tempos antigos «…na Ribeira de Cozelhas tem huns chaós, que antigamente andarão emprazados, e agora são proprios do Collegio e os tras de arrendamento, dos quoais se não paga nenhum Dizimo, sobre que o Collegio teve demanda com o Cabbido no anno de 1627» (45). 3. Uma vasta área em transformação: de meados do séc. XIX à actualidade 3.1. Na Conchada 3.1.1. O Cemitério A escolha da Conchada para edificação do cemitério municipal de Coimbra revolucionaria a área em volta a vários níveis. Tal decisão decorreu de movimento mais amplo, com vista ao desenvolvimento e modernização da cidade, iniciado no século XIX, depois da implantação da nova ordem liberal. O cemitério representaria um dos mais importantes investimentos públicos até então efectuados. Demorou algum tempo a concretização em Coimbra da lei dos cemitérios obrigatórios, decretada e regulamentada em 1835. Até então os enterramentos faziam‑se nos templos, adros das igrejas, imediações do Hospital de Nossa Senhora da Conceição e Cerca da Roda dos Expostos, tudo com grave dano para a saúde pública. O local inicialmente pensado para nova construção foi a Cerca do antigo Colégio de Tomar. Contudo, o local escolhido pelo município recairia no Alto da Conchada na extremidade Oeste da Quinta do Pio. Assim, a 21 de Agosto de 1851 o Governador Civil, a Câmara Municipal e uma comissão de peritos visitava o local demarcando o projectado cemitério. O espaço foi escolhido devido a uma conjugação de diversas condições geográficas, geológicas e higiénicas necessárias para o fim em vista. De facto, o terreno favorecia a decomposição cadavérica, os ventos afastavam para longe os miasmas deletérios e, no local, não existiam fontes, poços ou ribeiras que pudessem ficar inquinados. Na época a distância face à cidade era considerável ‑ quase 800 metros (46). Com a alienação do Colégio de Tomar e respectiva cerca (arrematados em hasta pública por 2.520:500 rs) o produto da sua venda foi utilizado para adquirir a conhecida Quinta da Conchada, que seria expropriada por utilidade pública em 1852. Esta quinta pertencia em parte a Joaquim Inácio de Miranda Pio e noutra parte à Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, que concordou com a cedência. Por decreto de 30 de Agosto de 1852 foi autorizada a construção do cemitério e, a 30 de Setembro tiveram início as primeiras obras para o novo cemitério, abrindo‑se “cavou-



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cos para alicerce” e “1210 braças quadradas de parede” sob direcção do Mestre‑de‑obras Manuel Duarte (47). Em 1854 e devido à aproximação da epidemia de cólera, deu‑se toda a prioridade à preparação do cemitério para efeito de enterramentos, deixando‑se para mais tarde a construção das estradas de acesso, capela e casa do guarda. O terreno foi benzido a 8 de Dezembro de 1855 e, nos anos seguintes todas as atenções municipais se centram na construção do novo cemitério: a 14 de Maio de 1856 o município contrai um empréstimo de 6 contos para as obras e, em Julho, expropria amigavelmente terrenos para a abertura da estrada de acesso (48). O cemitério foi vistoriado em Janeiro de 1858 e, dada a carência de um espaço desta natureza, os enterramentos começaram a fazer‑se muito tempo antes da sua inauguração, a qual se realizou a 22 de Outubro de 1860. Devido à conclusão da tão desejada obra o rei concedeu um louvor público à Câmara Municipal e ao seu presidente (49). A entrada para o cemitério é precedida por um terreiro com fantásticas vistas para a cidade de Coimbra. O pórtico filia‑se na ordem toscana e é de grande simplicidade, adequada ao local. Três inscrições, compostas pelo latinista pai do autor de Coimbra Antiga e Moderna, ladeiam a dita entrada e definem a natureza do espaço: ‑ TENDIMUS HUC OMNES; METAM PROPERAMUS AD UNAM: OMNIA SUB LEGES MORS VOCAT ATRA SUAS ‑ INGRESSIS, EXTINCTIS FERALIA MUNERA FERTE; VESTRIS ET LACRYMIS HÚMIDA SERTA DATE ‑ NOS FUIMUS QUONDAM, NUNC QUOD VOS ESTIS AMARI: NUNC FATI IMPERIO PULVIS ET UMBRA SUMUS No cemitério, trabalharam diversos artificies: entre 1853 e 1856 os pedreiros José da Silva e António da Silva, (Chão do Bispo), António Pinheiro e Rodrigo da Silva nos muros do cemitério; em 1858 o serralheiro José Dinis de Carvalho na obra de ferro do portão e António Fernandes Maia nas cantarias para o mesmo. Ladislau José dos Reis foi o canteiro responsável pelas pilastras e lagedos desde Agosto de 1865 e, José Bernardes Galinha fez a gradaria para o muro ainda no mesmo ano. Ao longo dos tempos o cemitério foi acolhendo diversos exemplares de arte funerária, tanto em pedra como em ferro. No que toca ao ferro forjado continuam a brilhar os grandes artistas dessa escola desaparecida. A primeira grande obra de serralharia ali colocada foi o portão de entrada principal, datado de 1860 e que anda atribuído ao serralheiro José Diniz de Carvalho. Ao centro dessa composição surge‑nos um trabalho de Daniel Rodrigues, o seu Anjo da Paz Eterna, produzido em 1942 e que teve como modelo sua filha Augusta da Conceição. Esta peça veio substituir o anterior elemento decorativo, uma caveira humana com tibías que uma forte tempestade destruira no inicío dos anos 40. O monumento funerário erguido em memória de Olímpio Nicolau Rui Fernandes, desenho de António A. Gonçalves e execução de Manuel Pedro de Jesus, marca a certidão de baptismo do ressurgimento da arte da serralharia artística (50). Mas outros exemplares de arte funerária nos tocam a alma. Como o jazigo que Daniel Rodrigues, um



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dos nomes mais sonantes da escola do ferro forjado, fez para sua filha Berta, falecida prematuramente: «A peça revela a forte sensibilidade do artista, que retrara, através da imagem esculpida no ferro duro e frio, o real‑irreal ou o tempo‑não‑tempo, que é a transicção vida‑morte, numa quase ausência de dimensões. Retratou, ao mínimo pormenor o quarto, com o seu moFoto 90 – Portão do Cemitério da Conchada biliário, a janela que já não dá para este mundo e a jovem, soerguida no seu leito, enfrentando O Anjo da morte» (51). Esta preferência pela arte do ferro forjado levou a reacções de repulsa contra o ferro fundido e que «…chegou a tomar proporções de quase intolerância, quando em inícios do século XX algumas grades fundidas colocadas em monumentos no Cemitério da Conchada foram removidas e substituídas por outras, com uma estética de ferro forjado que se pode sem dúvida chamar de Coimbrã e que será abordada adiante» (52) Tal como aconteceu nos modernos cemitérios da segunda metade do século XIX, na Conchada cruzaram‑se duas influências ao nível das construções em pedra: «a arte funerária portuense de cunho marcadamente regional e a estética vinda de Lisboa, fiel aos modelos internacionais. Mais tarde e especialmente a partir do último quartel do século verifica‑se a especialização de canteiros locais que desenvolveriam estéticas locais pouco representativas. As obras da capela do Cemitério da Conchada iniciaram‑se em Outubro de 1864 com a compra de materiais. O templo teve auto solene de colocação da 1ª pedra da sua construção a 13 de Dezembro de 1866, em 1869 levantou‑se campanário com sino e, a 01 de Janeiro de 1872 pelas 9h foi benzida solenemente pelo Bispo Conde D. Manoel Correia de Bastos Pina, com a invocação Salvator Mundi (53). Por decisão camarária aplicou‑se o donativo de 300$000 réis que o Duque de Coimbra ofereceu à cidade na compra do crucifixo e outros ornamentos para o altar da capela. A pintura do teto foi contratada com o artista António José Gonçalves das Neves por 160$000 réis em Abril de 1871 (54) e, em Maio, a C.M.C. oferece uma imagem de Cristo. Em Julho de 1887 foi necessário proceder à reparação dos telhados e de «todos os fundos e assentos dos ornatos do tecto, que contem a Ressurreição de Christo e seus accessorios devem ser pintados de novo», o mesmo acontecendo com a pintura das cantarias do corpo da capela e arco cruzeiro (55). Decidiu a Câmara Municipal transformar a Capela do Cemitério em Jazigo Municipal por decisão saída da reunião de 26 de



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Junho de 1924. Assim e durante os anos seguintes teve a capela importantes obras de adaptação e conservação que a mantiveram encerrada até Novembro de 1929, quando o Ministro da Justiça e dos Cultos autorizou a sua abertura. A 6 de Junho de 1895 o município decide proceder ao alargamento do cemitério, representando‑se ao governo que cedesse por um conto de réis o terreno necessário para o jazigo de João Correia Aires de Campos (56). No entanto apenas em Janeiro de 1902 se decide proceder ao estudo necessário para a ampliação arrematando‑se a 5 de Junho as obras, incluindo a reparação por 220 mil réis (57). Depois das ampliações de 1910 e 1919, nomeou‑se uma comissão em Junho de 1936 para se reunir com o Provedor da Misericórdia com vista à aquisição de mais terrenos. Da sua acção resultará a deliberação de 29 de Abril de 1937 para proceder ao seu alargamento «…em terrenos da Misericórdia, com quem se entra em negociações para a aquisição de novos terrenos, além dos já adquiridos por escrituras de 29 de Dezembro de 1917 e 3 de Julho de 1920» (58). Em 1913 aprova‑se o projecto para uma pequena casa mortuária e a 29 de Dezembro de 1924, o novo regulamento do cemitério. A 9 de Abril de 1931 o município decide conceder um talhão à Liga dos Combatentes da Grande Guerra destinado a receber os restos mortais dos combatentes «….sendo esse talhão demarcado com uma corrente de ferro presa a velhas bocas de fogo» (59). Na década de 40 constata‑se a necessidade de construção de novo cemitério desejo que se mantém perfeitamente actual. Com o passar dos anos promoveram‑se benfeitorias no cemitério municipal. A 12 de Dezembro de 1955 a C.M.C. assinava a escritura de contrato com a Sociedade Comercial

Foto 91 – Rua Central do Cemitério e ao fundo a Capela



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Abel Ferreira da Silva & Companhia L.da, com sede em Sangalhos, para a construção do edifício para os Serviços de Administração do cemitério, pelo valor de 64.650$00 (60). Mas só com as beneficiações de «alto custo» dos anos 1967/68 é que se concluíram as novas instalações da Administração e Portaria, estruturas que em Julho de 2000 foram beneficiadas com obras de conservação e restauro. O cemitério da Conchada tornar‑se‑ia no espaço privilegiado de homenagem e memória da cidade de Coimbra. Eis alguns exemplos: na reunião de 16 de Julho de 1969 o município aprovava a proposta para construir no cemitério «…um monumento apropriado, que servisse de panteão aos militares do concelho de Coimbra, que tivessem tombado para sempre, no Ultramar Português, em serviço da nossa soberania» (61), proposta que a imprensa regional faria divulgar. 3.1.2. Novas urbanizações e bairros (incluindo Montarroio e Montes Claros) Uma consequência de tudo o que temos vindo a identificar – crescimento da cidade, melhoria das condições de vida, melhor higiene… ‑ foi a edificação de novas urbanizações e bairros sociais na zona alta da freguesia. As primeiras construções programadas para Conchada não surgiram ali de forma espontânea. Falamos do Bairro dos Fogueteiros; em Dezembro de 1858 o município delibera a construção de barracas para fogueteiros no Alto da Graça, adquirindo por 480.000 réis os materiais necessários e definindo de forma clara o objectivo: «Determinou‑se que as officinas dos fogueteiros fossem fora da Cidade por cauza dos repetidos senistros» (62). Nascia assim o Bairro dos Fogueteiros, desviando‑se o perigo das explosões do centro da cidade para a zona da Conchada, junto à cerca da Graça. Apesar de uma planta aprovada para o nascimento do bairro dos fogueteiros e de contratos assinados para a sua construção, a verdade é que o município foi forçado a intervir a 4 de Março de 1861 fazendo «…intimar todos os fogueteiros, que se acham construindo casas e barracas no sitio denominado Alto da Conchada, para que d’ora avante tenham como suspensas as referidas obras de construcção, visto que tem faltado ás condições dos contractos, e não tem seguido a planta devidamente approvada, não podendo continuar a edificação das mencionadas cazas e barracas sem que perante esta Camara assignem um termo, em que se responsabilizem seguir á risca a planta e condições estipuladas em seus contractos» (63). A esta intimação responderão, ainda em Março, dois fogueteiros. Alegam dificuldades em construir as suas barracas e oficinas, apelando para que tenham com eles a mesma atenção que o município revelara noutras construções pela cidade: «Dizem Francisco d’Oliveira Canastro, e Domingos Ribeiro, Fogueteiro desta Cidade, que em cumprimento da Ordem de V.S., que os mandarão sahir do local de Fora de Portas, afforarão ao simo da Cerca da Graça hua porção de terreno para a construção de barracas e n’ellas exercerem a sua industria; e não se lhe tendo dado risco algum para as construir, as justarão de empreitada, comforme as suas posses, e necessidades para as



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suas offecinas; e quando já está hua muito addianta e outras em principio, são intimados para não continuar com a edificação athe hontem, dizendo‑se‑lhes que devião fazer a edificação sogeita a hum risco, que se lhe aprezentou». (…) Devido ao transtorno da demora «…elles na melhor boa fé juntarão a factura das barracas, e lhe derão principio; e não tem meios para perdoarem o que já se acha feito, nem para o reformarem segundo o risco; nestas circunstancias requerem que não faça para a edeficação de barracas de fogueteiros hua excepção (…) quando todas as edeficações da Cidade tem sido feitas a vontade e segundo as posses de quem edifica; e por isso que se lhe prometta a edeficação segundo o risco, com que as justarão de empreitada» (64). O decreto de 21 de Outubro de 1863 regulamentou o exercício desta actividade, para cuja instalação se passou a exigir fiscalização e licença prévia. Coimbra, juntamente com Oliveira do Hospital e Cantalhede, foram os concelhos onde esta actividade se implantara e desenvolvera. Em Coimbra a actividade acabará por desaparecer. Da Companhia Edificadora e Industrial de Coimbra, constituída no ano de 1875, partiu a iniciativa da construção de um grupo de casas todas iguais, na Calçada de Montarroio e na Rua Oriental de Montarroio – actual Rua Dr. António de Vasconcelos (65). Foi também nesta área que se concretizou o primeiro bairro social da cidade, iniciativa de D. Manuel Correia de Bastos Pina que se edificou em Montes Claros pelos finais do séc. XIX. A 20 de Maio de 1897 o município pedia «…a aprovação da cedência gratuita de 5:200 metros de terreno entre o novo Matadouro e o antigo caminho de Montarroio e Montes Claros, para o Bispo‑Conde construir por sua conta 15 pequenas casas para operários, dando‑se começo a um bairro operário naquele ponto» (66). Este bairro social compreendia 15 casas térreas que foram sorteadas pelos beneficiários (operários), no dia de Natal de 1898, mediante o pagamento de uma renda reduzida (67), fixada em 1920 em 1$25 e, em 1939, nos 5$00. Conhecido por “Bairro Operário Dom Manuel Correia de Bastos Pina” não passou de construção deficiente e apressada, que motivou reparações inadiáveis que apenas foram adiando a solução final – a demolição geral em 1955. Estas construções integravam‑se no programa de urbanização da Quinta de Montes Claros, que permitiu a fixação de uma série de infraestruturas básicas, como foi o caso da rede de distribuição eléctrica, que integrada nos trabalhos urbanísticos e iniciada em Maio de 1961. Evidentemente que com a expansão da cidade, a zona de Montes Claros foi perdendo as suas características rurais. A área correspondia ao Planalto da Quinta de Santa Cruz e foi também nessa zona que o município decidiu construir o novo matadouro municipal que veio deslocado da zona da ribela. O contrato para a sua construção e exploração data de 23 de Dezembro de 1895 e foi celebrado pelo municipio com Guilherme Augusto Barreiros Cardozo por um período de 65 anos (68). Os anos seguintes confirmam a tendência de urbanização. A 16 de Janeiro de 1941 o município concede autorização à Sociedade de Construções “Predial Económica” para



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urbanizar «…a zona que faz gaveto da Rua Dr. António José de Almeida para a Rua Ocidental de Montarroio, zona que mede 10.960 M2» (69). Uma das primeiras intenções em construir um bairro na Conchada data de 22 de Julho de 1937, dia em que o município autoriza a cedência à Policia de Segurança Pública e para construção do seu bairro, de 2.171 metros de terreno, que a Câmara Municipal solicitara à Santa Casa da Misericórdia (70). Entre 1941 e 1944 a zona do Alto da Conchada é a área escolhida pelo município para a construção de um bairro social, que substituísse as barracas ali existentes anti‑higiénicas e sobrepovoadas, durante décadas uma dor de cabeça para o município, só resolvido a custo através de demolições pontuais. Por exemplo, em sessão de 8 Dezembro 1932, e na sustentação ao indeferimento de um pedido de um proprietário, para reparar um barracão argumenta o município que: «…há todo o interesse em acabar com o amontoado de barracões imundos que coroam o Alto da Conchada» (71). O contrato celebrado entre o município e a Santa Casa data de 27 de Dezembro de 1941 e por ele foi conseguida a cedência, por expropriação amigável, da Quinta da Misericórdia com a área de 15.375,49 m2, sendo 3.588 M2 destinados à abertura de uma rua. A Câmara oferecia, como compensação, o compromisso de fornecer gratuitamente e anualmente à Santa Casa água e energia eléctrica até 4.000 escudos (72). Em Março aprovou‑se o projecto e orçamento da construção de 10 casas económicas para famílias pobres, ficando as duas primeiras casas concluídas em Setembro de 1942. No entanto sobrevieram dificuldades financeiras, pouco mais se construindo nos tempos próximos. Contudo, em 1943 uma iniciativa governamental – Decreto Nº 33.278 ‑ que pretendia construir 4 mil casas económicas nas principais cidades do país afectava a Coimbra 500 habitações, permitindo o recomeço das construções em Janeiro de 1944, prevendo‑se a ocupação do solo com 30 casas. Nos tempos seguintes e para lá do limite urbano, principiou‑se a construir seis bairros, entre os quais um pequeno de vinte moradias na Quinta da Misericórdia. O contrato foi celebrado a 25 de Março de 1950 e previa a “construção de cem casas para classes pobres” sendo 20 casas na Conchada e mais 80 a edificar em Santa Clara (73). Em Abril de 1952 distribuíram‑se 20 moradias, inaugurando‑se oficialmente o Bairro da Quinta da Misericórdia a 2 de Maio de 1954, no âmbito das comemorações da entrada de Oliveira Salazar para o Governo (74). Em Março de 1953 o município cedeu gratuitamente 3.851 M2 de terrenos para a Obra do Património dos Pobres, permitindo a edificação de um bairro que nasceu incentivado por uma campanha no Diário de Coimbra (75). A expansão urbana tornou a área apetecível também em termos comerciais. Assim e em Novembro de 1957 o município aprovava o mercado de levante na Conchada. Na década de 60 e por cedência do município à Sociedade Cooperativa Movimento Nacional de Auto‑Construção (MONAC) de um lote de terreno com área de 1880 M2, novas edificações surgem no Alto da Conchada (76).



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No início da década de setenta, a atenção das forças públicas da cidade centram‑se nos que habitam o chamado “Casarão”, no Alto da Conchada, e em diversas barracas de madeira ainda existentes naquela zona da cidade e que tanto envergonhavam os seus políticos. Assim, em Fevereiro de 1971, reúnem‑se na Santa Casa da Misericórdia, o seu provedor e o Eng.º e vereador Azevedo Sobral «…com vista à solução de todos os problemas chocantes que ainda existem na Conchada relativamente a alojamento condigno de um número razoável de famílias» (77). O programa apresentado pelo município previa a instalação de casas pré‑fabricadas – casas de renda económica ‑ a levantar em terrenos da Santa Casa. Porém apenas na década de noventa do século passado foi resolvida, de forma definitiva a questão do “Casarão”, com o entendimento entre as partes envolvidas. De facto, na reunião de 19 de Outubro de 1992 e tendo em vista a realização de escritura de cedência pela Santa Casa da Misericórdia à Câmara Municipal de um terreno com 2.500 M2, sito na Conchada, o executivo deliberou aprovar a minuta elaborada pelo notariado. De acordo com o termo e condições acordadas naquele terreno previa‑se a construção de 28 habitações «…que se destinam a substituir as barracas ali existentes e será infra‑estruturado pela Câmara Municipal de Coimbra, a suas expensas, sendo a demolição do “Casarão” e remoção dos produtos resultantes da mesma, suportados pelo Projecto de Desenvolvimento Comunitário do Bairro da Conchada» (78). Nos tempos seguintes o município elaborou o projecto urbanístico e de construção, submetendo‑o ao IGAPHE com vista à obtenção de financiamento. De facto, a construção das habitações foi assumida pela Câmara Municipal uma vez que só assim foi possível a candidatura ao financiamento do Comissariado do Norte da Luta contra a pobreza (financiou 50% da obra) sendo os outros 50% financiamento do IGAPHE. Por outro lado e ainda dentro do acordado os residentes do “Casarão” foram realojados provisoriamente na Urbanização Quinta da Rosa – Ingote, determinando‑se os nomes a atribuir aos 3 edifícios a construir: Padre Pio, Padre Américo e Santa Casa. Estando garantido o financiamento da obra, o executivo aprova a 16 de Agosto de 1993 o preço base de concurso (120.000.000$00+Iva), o caderno de encargos e programa de concurso, lançando‑se o concurso público e aprovando‑se a minuta do acordo a celebrar entre a CMC e o IGAPHE. Depois de recebidas as propostas, a 19 Setembro de 1994 o município adjudicava a empreitada à firma J. Colaço& Filhos Lda., em consórcio com a firma Serrano & Carvalho Lda., pelo valor de 115.289.985$00 (+ Iva), com prazo de execução de 365 dias (79). Porém o processo conheceria algumas vicissitudes. Demolido o velho casarão a 2 de Setembro de 1995 e principiado a construir o edifício B1, os trabalhos na Quinta da Misericórdia, paralisam em Março de 1996. Usará da palavra o vereador Henrique Fernandes na sessão camarária de 25 de Março para explicar os motivos da paralisação: a construção do edifício B2 levantara sérios problemas, na medida em que ao abrirem‑se as fundações se detectara uma especificada do solo, constituído por argilas moles. Contactado um técnico qualificado da Universidade de Coimbra (Dr. Rui Furtado), decidiu‑se suspender os trabalhos até ser encontrada uma solução (80).



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Contornado o problema com o reforço das construções, a realidade é que os anos seguintes conhecem três prolongamentos no prazo de execução da empreitada, tendo o município condescendido com o atraso nos trabalhos. A 17 de Abril de 1998, com os trabalhos quase finalizados, o executivo define a atribuição dos 28 fogos, dividindo os em dois grupos: os que habitavam o casarão e foram realojados no Bairro da Rosa em Julho de 1994 e 1995 e os que desejem regressar à conchada; e, por outro lado os agregados familiares que viviam na zona da Conchada em habitações muito precárias (81). Esta situação levará a um levantamento e estudo efectuado pela Divisão de Acção Sócio‑Educativa da Câmara Municipal. Com base na sua informação estavam reunidas as condições físicas e materiais para proceder à ocupação das habitações destinadas aos agregados familiares e ex‑moradores do Casarão. Assim e na reunião de 2 de Novembro de 1998 o município decide atribuir a título definitivo as ditas habitações. Dos 19 agregados familiares abrangidos, que foram realojados no bloco 0 do Bairro da Rosa, 12 manifestaram a vontade de regressar, os restantes (7) permanecerão no dito bloco «…ou por se sentirem integrados (…) ou por não concordarem com o valor da renda para as novas habitações» (82). Em 1983 o município decide‑se por promover inquéritos nos bairros camarários da cidade, onde se avaliava o interesse dos inquilinos em adquirir as habitações nas quais residiam. As conclusões seriam apresentadas na sessão de 10 de Maio de 1983, pelo então Vereador Carlos Encarnação. No que toca ao Bairro da Conchada e de entre as 21 habitações, em cerca de 18 manifestava‑se interesse na sua aquisição. Com uma clara tendência definida, no mês seguinte aprovam‑se os valores de aquisição (83). Recentemente e no intuito de renovar a zona dos antigos bairros sociais arrancou a Empreitada de Concepção e Construção do novo Bairro da Misericórdia na Conchada, adjudicada por 1,5 milhões de euros (obra incluída no Programa Prohabita, tendo-se assinado protocolo entre a CMC e o IHRU). O velho bairro foi demolido e 27 famílias deixaram a Conchada, sendo realojadas um pouco por toda a cidade, em especial no Monte Formoso e Loreto. Os moradores do Bairro Municipal da Misericórdia (2 edifícios de 15 apartamentos cada), receberam as chaves das suas casas em cerimónia realizada no dia 15 de Setembro de 2009. 3.1.3. Evolução social, educativa e cultural Na Conchada funcionou durante anos um posto escolar, situação que em 1970 atingira o limite. De facto, na sessão de 9 de Junho de 1970, a vereadora Maria José Bacelar reagia a um artigo publicado no Diário de Coimbra sob o título “A zona da Conchada precisa de uma escola primária”. Na ocasião apresenta aos seus pares um pequeno diagnóstico da situação: «…há longos anos que o problema tem sido ponderado e estudado (…) não podemos por mais tempo esperar, com o prejuizo manifesto de tantas crianças dignas do nosso melhor carinho». A concluir a sua intervenção, sugere



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Foto 92 – EB1 da Conchada

a consulta à Direcção Escolar para saber da hipótese em se aplicar salas pré‑fabricadas para no imediato resolver a situação (84). O posto escolar viria a ser substituído por uma escola básica criada nos termos do D.R. 2ª Série, nº 91, de 18/04/1975, o qual funcionou na Casa do Ardina e a que se atribuiu o nº 29. No ano de 1978 verificaram‑se significativas alterações com a criação de um terceiro lugar e alteração do número da escola para 19. Contudo, queria‑se uma solução definitiva que passava por uma nova construção, a qual se começa a esboçar na reunião do executivo camarário de 8 de Julho de 1985, quando é formalizada a proposta do Vereador Fausto Correia, pela qual se delibera adquirir um terreno à Santa Casa da Misericórdia para construção de um edifício escolar de duas salas, pela importância de 1.524 contos (85). A escola primária da Conchada será construída durante o ano de 1986 concretizando, assim, uma velha aspiração dos habitantes da zona. Actualmente localiza‑se na Alameda da Conchada e designa‑se por Escola EB 1 da Conchada, estando integrada desde 2007 no Agrupamento de Escolas Martim de Freitas. Possui 2 salas de aulas, 66 alunos repartidos por 4 turmas. Em termos de recursos humanos tem 4 professoras (mais 2 de apoio), e 2 auxiliares. Pelos inícios dos anos noventa o saneamento começa a chegar ao Bairro da Conchada. Em Maio de 1991 reconstruiu‑se o Parque Infantil da Conchada. Em Junho de 1992 realizaram‑se na Conchada umas memoráveis marchas populares que culminaram com a entrega de louvor pela Comissão Organizadora à Junta de Freguesia. A junta comparticipou em Março de 1994, com 150 contos, metade do custo total do projecto, as obras da Igreja e Casa Mortuária da Conchada (86).



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3.1.4. Importantes Instituições da Conchada Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz

O Centro de Assistência Paroquial de Santa Cruz (C.A.P.S.C.) é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sem fins lucrativos, sedeado na R. Saragoça nº 101, 3000 Coimbra. Foi fundada por iniciativa da Fábrica da Igreja Paroquial de Santa Cruz de Coimbra, autorizado pelo respectivo Ordinário e de acordo e nos termos do artigo 454 do Código Administrativo aplicável por efeito do disposto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português. O C.A.P.S.C., obra dependente da Fábrica da Igreja de Santa Cruz, pode fundar e manter obras de apoio á infância, juventude, adultos; terceira idade e obras que visem a promoção social da população. O Objectivo Geral é a “defesa dos direitos do homem como célula base da sociedade e a promoção social da Paróquia, prestando assistência moral, educativa e material aos dela necessitados, qualquer que seja a sua crença religiosa”( Estatutos do C.A.P.S.C., Capítulo lº, art. 4º). Actualmente, o C.A.P.S.C. tem duas áreas de intervenção: a Creche e Jardim-deinfância S. Miguel, sita na Freguesia de Eiras, Bairro de S. Miguel (C.J.I.S.M.) e o Centro de Atendimento / Acompanhamento Social, a funcionar na Sede da Instituição. CRONOLOGIA: 1952- Por iniciativa do Sr. Padre José Bento Vieira, criou-se uma Obra com estatutos aprovados para obtenção de verbas públicas para a organização de colónias de férias para crianças carenciadas. 1952 a 1965- Organização de colónias de férias. 1965- Aprovação Canónica dos estatutos do C.A.P.S.C; início da Obra de Promoção Social, destacando-se o recrutamento de voluntários de acção social, a organização de Comissões para actividades educativas e culturais; formação da Cooperativa de Consumo, de Saúde e Higiene, construção da Creche e Jardim-de-infância S. Miguel. 1967 – Intervenção social nos Bairros da Conchada e” Baixa da Cidade”. 1968 – Publicação dos Estatutos no Diário do Governo III ª Serie de 5 de Agosto de 1968. 1969 – Celebração do Acordo entre a Obra de Promoção Social e o Instituto de Apoio á Família. 1971 – Início da Escola da Amizade. 1983 – Celebração do Acordo Atípico com o Centro Regional de Segurança Social (C.R.S.S.) para o desenvolvimento de actividades de apoio à “Família e População Activa”; Registo de I. P.S.S. – aprovado pela Portaria nº 778/83 de 23 de Julho.



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1984 – Registo do C.A.P.S.C. na Direcção Geral de Acção Social (D.G.A.S.) em 14/05/84. 1985 – Celebração do Acordo de Cooperação com o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra (C.R.S. S.Cª) para a C.J.I.S.M. 1985/2001 – Acordo celebrado com a Caritas Diocesana de Coimbra, passando o C.A.P.S.C. a prestar apoio Técnico e Jurídico ao ATL Santa Cruz, que funcionou em instalações da Igreja Santa Cruz. 1986/1990 – Funcionamento da Rádio de Santa Cruz – Emissora Católica de Coimbra em instalações da Sede. 1990/1996 – Parceria com o C.R.S.S.Cª no Projecto de Luta Contra a Pobreza na Conchada, com intervenção comunitária e apoio Técnico ao Centro Operário Católico ( C.O.C.). 1991 – Pedido de colaboração ao Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra para recrutamento de estagiários de Serviço Social para elaboração de estudos sociais da Paróquia visando intervenção social. 1993/1996 – Grupo de Audiovisuais do C.A.P.S.C. 1994 – Integra a Equipa Técnica do C.R.S.S.Cª no Serviço de Acolhimento/ Atendimento de 2ª linha à população da freguesia de Santa Cruz. 1996 – Parceria com a Câmara Municipal de Coimbra, no Projecto-piloto de Rendimento Mínimo Garantido (R.M.G.). 1997 – O C.R.S.S.Cª atribui à instituição, a responsabilidade de elaboração de informações sociais de todos os requerimentos de Rendimento Social de Inserção / R.S.I.) da freguesia de Santa Cruz, e acompanhamento no cumprimento dos programas de inserção. Colaboração com o Instituto Superior Miguel Torga na orientação anual e respectiva avaliação de estagiários do Curso Superior de Serviço Social. 1998 – Parceria no Projecto” Manos do Bolão “, com acompanhamento das famílias de etnia cigana; 2001- Candidatura ao III Quadro Comunitário, medida 5.1.2- Apoio ao Desenvolvimento social e comunitário,”Um desafio para a consolidação da cidadania”; Participação no grupo de organização do I Encontro de Parceiros da Comissão Local de Acompanhamento (C.L.A.) de Coimbra” e Comemoração do Ano Internacional de Voluntários”, realizado dia 17/11/01. 2003 – Organização do I e II Encontros “ Intervenção Social, Um Desafio Comunitário” realizados dia 20/06/03 e 26/11/03 em Coimbra; parceria com a C.M.C. na “Rede Social”; Implementação de um Projecto experimental por aluno do Ensino Superior de Educação a estagiar na Instituição,” Encontros de Vidas”, realizado no C.A.P.S.C., nos dias 14,16,18 de Julho, com acções de convívio e lazer para os utentes do Serviço de Acolhimento /Atendimento do C.A.P.S.C. 2003-2005 – Parceria com Casa de Repouso de Coimbra no Programa de Apoio Integrado para Idosos (P.A.I.I.) e parceria com a mesma entidade na candidatura de Centro de Noite



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2004 – Dinamização do Projecto “Rumos Partilhados”, a funcionar nas instalações da Instituição, destinado a cidadãos residentes na paróquia em situação de solidão, promovendo o voluntariado no desenvolvimento das actividades de lavores e caixinha de segredos. 2006 – Parceria na Comissão Social da Freguesia de Eiras. 2005/2008 – Participação no Projecto EQUAL, da C.M.C. e Parceria com REAPN no Projecto “Activar a Participação”, com participação activa na implementação do Micro-Projecto “Activar Vozes e Saberes” em Centros de Dia da Freguesia, dinamizando a participação dos excluídos e do trabalho em rede; dinamização e parceria na implementação da Comissão Social da Freguesia de Santa Cruz. Centro Operário Católico

O Centro Operário Católico deve-se ao esforço de Monsenhor João Evangelista Ribeiro Jorge (actual pároco da Sé Velha), que a partir de 1943 começou a evangelizar a Conchada, então uma zona muito difícil em termos sociais e onde se fazia sentir a influência da ideologia protestante. De facto, foram os inúmeros problemas sociais vividos na Conchada que deram origem a esta obra, que partiu de fins religiosos e assistenciais, promovendo a educação, a cultural, a elevação social e onde se praticou de forma intensa nos anos 60 e 70, a Saúde Pública e Educação Sanitária, produto do esforço de duas instituições; Instituição de Serviço Social de Coimbra e Paróquia de Santa Cruz (87). João Evangelista é figura incontornável desta obra. Nomeado Assistente Eclesiástico do Centro, soube reunir um conjunto de individualidades e instituições para dar corpo à sua ideia: Paróquia de Santa Cruz, Horácio de Moura (Director Geral da Urbanização do Centro) e diversos industriais como o Dr. Sousa Machado das Fábricas Triunfo, ou

Foto 93 – O Centro Operário Católico



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Victorino Planas, da Fábrica de Tecidos de Santa Clara. João Evangelista acompanhará a evolução da obra até ser transferido como pároco da Sé Velha em Junho de 1975. O Centro Operário Católico iniciou as suas funções de forma provisória na Casa do Ardina, à Conchada. Por decisão do município tomada na sessão de 15 de Maio de 1952 e homologação do Conselho Municipal de 13 de Setembro, aprovadas por unanimidade dado o «alcance social da obra», cederam‑se ao Centro Operário Católico 270 M2 de terreno, na Alameda da Conchada «…para ali levantar um centro social e católico, constituído por salão social, capela, posto médico e biblioteca» (88). O edifício sede foi inaugurado a 25 de Julho de 1954, embora apenas tenha ficado concluído em 1958 contando já com o apoio financeiro da Subsecretaria de Estado da Assistência, pelo Subsecretário de Estado da Assistência. O centro dispunha de posto médico de apoio à Conchada, chegou a disponibilizar catequese e a produzir boletins de informação. A 24 de Maio de 1991 a Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, dar parecer favorável à declaração de utilidade pública pretendida pela instituição, «atendendo a que o Centro Operário Católico é uma Instituição de reconhecidas virtualidades no empenhamento demonstrado quer na área social e cultural da comunidade, quer através de acções pastorais, desportivas e recreativas (…) deliberou, por unanimidade, dar parecer favorável à declaração de utilidade pública pretendida» (89). Hoje o Centro Católico é uma IPSS, com Centro de Dia e Centro de Convívio, prestando assistência às pessoas carenciadas da Conchada. Obtém financiamentos a partir das quotas dos seus quase 250 associados e da Segurança Social Dispõe de bar de apoio ao centro de dia, de um salão polivalente (onde se reúne a Comissão de Moradores da Conchada para os mais diversos assuntos), e promove as actividades de Ginástica e Capoeira. Depende religiosamente do Centro Paroquial de Santa Cruz, com celebração de Missa ao Domingo (Dionianos). Projectos futuros: reestruturação das infraestruturas e implementação do apoio domiciliário (um dos grandes objectivos). No Alto da Conchada também se estabeleceram, em terrenos cedidos pelo município em 1953, instituições de apoio social muito relevantes, como a Obra do Padre Américo. Também no Alto da Conchada e a 17 de Novembro de 1960 o município cedeu terrenos gratuitamente para a implantação de uma Casa de Trabalho e Educação Infantil, os quais confrontavam com a Rua Padre Melo, terrenos da Santa Casa da Misericórdia, com o Património dos Pobres e com a Monac. Esta cedência seria rectificada no ano seguinte, primeiro pela autorização concedida pela Portaria de 19 de Junho e posteriormente, a 6 de Julho de 1961, por deliberação caSímbolo do Real da Conchada marária destinando os terrenos ao Instituto Labor Christi (90).



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Na Rua Padre Melo (nº 15) localiza‑se o Centro de Bem Estar Social Sagrada Família, uma fundação de solidariedade social. A sua génese remonta a meados do século; em 1959 o município aprovou‑lhe o ante‑projecto das instalações do Centro, tendo‑se pedido a aprovação definitiva do mesmo e a cedência de terrenos. Pela deliberação camarária nº 1965/95, de 27 de Março, foram‑lhe cedidas duas parcelas de terreno para funcionamento do centro (embora já lá estivesse instalado há muito) e de três valências de apoio infantil: Creche, Jardim de Infância e ATL. Do ponto de vista desportivo a principal instituição do bairro e uma das mais conhecidas da cidade é o Clube Real da Conchada. Nasceu há 66 anos por vontade e empenho de um conjunto de jogadores. Dinamiza as actividades desportivas: Futsal (escalões de Iniciados, Juniores e Seniores) e Kickbox, e diversos eventos na área cultural e recreativa. É um dos maiores exemplos de bairrismo na freguesia e na cidade. Na reunião camarária de 16 de Setembro de 1996 aprovou‑se a minuta do protocolo a celebrar para a cedência do direito de superfície de um terreno com a área total de 1683 M2 destinado à construção de um polivalente descoberto, destinado a fins desportivos e sede social do clube. 3.2. A área de Coselhas: evolução administrativa, material e social Pelo Decreto de 20 de Dezembro de 1845 fixaram‑se os subúrbios da cidade integrando‑se Coselhas e, a 28 de Janeiro de 1932 a Câmara Municipal deliberou incluir na área da cidade diversas povoações entre as quais Coselhas. Em Junho de 1934 alteraram‑se os limites da área da cidade para o lado Norte integrando‑se a Estrada de Coselhas e a Ponte do Promotor. No entanto e apesar de Coselhas fazer parte da parte urbana da cidade, a povoação tem a particularidade de pertencer administrativamente a quatro freguesias, Santa Cruz, Santo António dos Olivais, S. Paulo de Frades e Eiras, facto que remonta ao Plano de redução, supressão, abandono e redução de paróquias na cidade de Coimbra, definido no Decreto de 25 de Novembro de 1854. Nos anos 80, devido ao aumento populacional, e desenvolvimento de infra‑estruturas comerciais, industriais e culturais na área, elaboraram‑se projectos para a criação da Freguesia de Coselhas. A ideia partiu de uma comissão de moradores que em Novembro de 1981 subscreveu uma petição para a criação da freguesia. A ideia passaria a Projecto‑Lei 531/III, admitido na Assembleia da República em Julho de 1985 e subscrito pelos deputados socialistas pelo círculo de Coimbra, Cunha e Sá e Ângela Pinto Correia. No ano seguinte o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português elaborou novo Projecto‑Lei (Nº 62/IV) tentando junto da Assembleia da República criar a Freguesia de Coselhas, tendo o assunto sido discutido pelos órgãos autárquicos em Junho daquele ano (91). De facto em Julho de 1986 a Assembleia Municipal de Coimbra deu parecer favorável à criação não só da freguesia de Coselhas, mas também da de S. José.



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Foto 94 – Vale de Coselhas entre o Monte Formoso e a Conchada (meados do século XX)

3.2.1. O aparecimento de quintas A área de Coselhas, especialmente a partir do século XVII, e à semelhança dos subúrbios da cidade foi palco do surgimento ou aburguesamento de edificações apalaçadas, na realidade grandes quintas com seus lagares, baseadas na exploração agrícola da zona ou nos proventos de novos proprietários. Duas das mais conhecidas quintas de Coselhas, que se conservaram até aos nossos dias, são: a Quinta do Rangel (freguesia de Santo António dos Olivais) e a Quinta do Promotor. Contudo, estes edifícios notáveis, pelo desgaste do tempo ou incúria dos homens, desapareceram na maioria dos casos ou estão em adiantado estado de ruína. A mais conhecida das edificações de Coselhas era a setecentista Casa das Colunas. O seu nome derivava de fortes pilares dóricos assentes em pedestais. Posta à venda em 1986 foi desmantelada em Março de 1989 (92). Património em abandono, embora fora da área da freguesia de Santa Cruz, é o caso dos palacetes do Rangel ou de Mainça. 3.2.2. Caminhos, estradas, pontes e fontes A melhoria das vias de comunicação tornou‑se das necessidades que mais cedo se fizeram sentir na Coselhas da época moderna, mesmo depois da inclusão do lugar na área da cidade.



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Em meados do séc. XIX seriam dois os caminhos que conduziam a Coselhas; o “Caminho de Coselhas”, que partia da Conchada na direcção do Rego de Benfins «… que descendo até ao fundo do Vale Meão, para depois subir (junto da antiga residência do Dr. Luís Mendes) até passar a meio da encosta da vertente sul do Vale de Coselhas pelo limite norte da conhecida Quinta Vila Costa, para depois descer junto à Quinta do Promotor para a ribeira onde passaria por uma antiga ponte, poucos metros a jusante da actual (…) seguia depois pelo traçado da actual estrada que serve a escola e certas residências até à corrente, Lordemão e São Paulo de Frades» (93). A outra via designava‑se por «estrada da Ribeira de Coselhas» e principiava nas proximidades da ponte de Água de Maias seguindo pela ribeira até à ponte do Promotor (94). Este caminho entroncaria ainda num outro que vindo da ladeira da Forca seguia pela extinta fábrica de Curtumes descendo na direcção da ribeira. Actualmente a principal via de acesso a Coselhas é a “Estrada de Coselhas”, que começa à Casa do Sal e termina junto a S. Paulo de Frades. Trata‑se da estrada municipal Nº 539 cuja construção se efectuou por lanços e se arrastou no tempo. Surge na documentação com diversas denominações: ‑ De facto, a antiga “Estrada do Promotor elevada à categoria de estrada municipal esteve décadas no centro das atenções. Em Março de 1854 decorrem obras nessa estrada que é objecto de concertos no valor de 160.000 réis (95). ‑ Obras que em Maio de 1879 incidem no Caminho do Promotor às Lappas de Cozelhas. Nesse mês o município manda estudar uma estrada pelo vale de Coselhas. A 12 de Fevereiro de 1880 a Comissão Distrital aprova como caminho municipal a via que partia da ponte de Água de Maias ao Dianteiro, pelo Vale de Coselhas, expropriando‑se terrenos para essa estrada – Coimbra/Dianteiro – no decurso de Dezembro de 1880 e, a 26 de Fevereiro de 1881 o município define em 1.472$721 réis a base de licitação para as terraplanagens da estrada municipal de Coimbra Casa do Sal‑Promotor, por Vale de Coselhas ao Dianteiro, regulando‑se o depósito de terrões de modo a não prejudicarem a agricultura e o natural esgoto das águas (96). ‑ Pelos finais de 1881 a estrada construiu‑se de forma rápida: em Setembro de 1881 arremata‑se o empedrado da “estrada de Coselhas” (primeira vez que assim é designada), em Outubro levantam‑se 1:615$916 reis para pagamento das obras na estrada de Coimbra ao Dianteiro e em Dezembro pagam‑se expropriações. Embora a documentação não refira a construção da ponte do Promotor, a realidade é que esta obra terá sido construída na mesma altura da estrada como se podia deduzir da data gravada na pedra do pilar da margem esquerda da ribeira do lado jusante – 1881. Esta ponte localiza‑se junto ao acesso à Circular Externa a partir de Coselhas ‑ Em Março de 1883, estão a bom ritmo as terraplanagens (97). Ainda neste ano o governo concede um subsídio para a construção do lanço da dita estrada para a parte compreendida entre a Casa do Sal e o Largo do Promotor. ‑ Em Fevereiro de 1888 a estrada da Ponte de Água de Maias ao Dianteiro encontrava‑se em completo estado de ruína pelo, que, em Abril se mandam executar obras e, em



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Junho, se orçamentam as despesas das reparações a fazer nas cortinas dos aquedutos da estrada de Coselhas que haviam sido destruídas. A estrada sofrerá grande intervenção nos anos cinquenta do séc. XX. ‑ Durante muito tempo esta estrada, que devia prolongar‑se até ao Dianteiro, não ia além da ponte do Promotor. Na época servia para circulação de carros de bois e algumas carruagens. De largura assinalável para a época era bordada de acácias que depois foram substituídas por oliveiras entre Vale de Figueiras e Rego de Benfins. A electrificação e a industrialização eliminaram esse aspecto natural. Na zona de Coselhas existem outros pequenos caminhos ou estradas: o Caminho da Ribeira (que foi cortado pela abertura da estrada nº 539 e que passava junto da casa que foi do Dr. Luís Mendes e se dirigia na direcção da ribeira); o Olho de Boi (fazia a ligação com a estrada do Vale de Figueira, depois da ponte do Promotor, logo a seguir à Escola de Coselhas, passando por detrás da Fábrica Ideal), o Caminho de Vale de Custas (já perto da Corrente), ou o Caminho da Mata da Lé (à entrada da Corrente, do lado direito fazia a ligação com o caminho do Rangel). A construção da estrada nº 539 provocou a construção ou reconstrução de outras vias. Assim, seria beneficiada a estrada de Vale de Figueiras incluindo a construção da ponte sobre a ribeira, depois de solicitação de vários indivíduos da zona ao município em 9 de Abril de 1884 (98). A necessidade de estradas que servissem esta zona da cidade levou o município a representar às Cortes, a 22 de Abril de 1902, a inclusão no plano das estradas municipais concelhias «…a classificação de uma estrada municipal que ligue a estrada de Santo António dos Olivaes com a estrada municipal da Casa do Sal ao Promotor, neste concelho. Esta estrada, partindo da Cruz de Cellas vae terminar na estrada municipal da Casa do Sal ao Promotor, freguezia de Santa Cruz, 500 metros além da Casa do Sal, mede aproximadamente 2.000 metros e não só liga entre si as estradas municipaes que servem a populosa freguezia de Santo Antonio dos Olivaes e todo o valle de Cozelhas, e tambem a importante freguezia d’Eiras, mas tambem dará fácil communicação para o Matadouro Municipal e bairro Operário que presentemente estão pessimamente servidos de communicações e facilitará as communicações para o Cemiterio Municipal e o populoso bairro de Mont’arroio» (99). Tal desejo concretiza‑se por decreto de Dezembro do mesmo ano (100.). De facto, a 17 de Setembro de 1913 o município celebrava contrato para expropriar, amigavelmente diversos terrenos para construção da estrada municipal que do Vale de Coselhas seguia para o Dianteiro – 1º lanço; da Ponte do Promotor a S. Paulo de Frades (101). Nessa escritura encontramos a cedência de parecelas pertencentes a indivíduos de diversas povoações tais como: a Corrente, Coimbra, Rangel ou Lordemão. Construído o primeiro lanço, de Novembro de 1917 a Junho de 1918, a Câmara Municipal recorre de novo a expropriações para o segundo lanço. A estrada tomará o nome de Estrada Municipal Nº 539 e, em Fevereiro de 1959, e a partir do lugar do Promotor será reparada na extensão de 1.000 metros.



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Entre 1901 e 1932 esteve instalada nesta estrada a montureira municipal; primeiro num terreno do Dr. António Garcia Ribeiro de Andrade, logo a seguir à fábrica de Curtumes e depois para uma parte da Quinta do Pio (propriedade da Misericórdia de Coimbra) na zona em frente da actual SIAC. A montureira, lugar para onde se recolhiam os resíduos sólidos da cidade, foi dali transferida para a Relvinha. Juntoa a esta estrada e no sopé da encosta do cemitério, logo a seguir à Fábrica de Curtumes existiu durante algum tempo uma pedreira. A 29 de Maio de 1908 a Santa Casa da Misericórdia comunica ao município a cedência gratuita dos terrenos da Quinta do Pio necessários para a estrada municipal de Coselhas às Almas da Conchada tendo a Câmara mandado proceder à sua abertura (102). A zona de Coselhas é servida por importantes pontes: ‑ Uma das mais conhecidas era a Ponte de Água de Maias de que existe vasta bibliografia. Localizava‑se um pouco além da Casa do Sal, fazia o atravessamento da ribeira de Coselhas, junto ao Arco Pintado, no sopé da vertente. Anda relacionada com uma sanguinolenta batalha (vide…) e era temida pela população uma vez que ali eram frequentes os assaltos a viajantes. Junto a esta ponte o Cabido emprazou nos finais do séc. XV «hum lagar de vinho com suas pertenças» e em Julho de 1786 tomou posse do prazo do Cabido cito à ponte d’Ágoa de Maias, Jerónimo Saraiva Cónego Capitular da Sé, pelo preço de 256.000 rs (103). Este prazo compunha‑se de ínsua e olival e pertencera ao médico Joaquim Manuel de Mendonça. Debaixo desta ponte terminava o cano geral dos esgotos da cidade que caía na ribeira. ‑ Outra ponte muito referida era a Ponte de Vale de Figueiras, cuja primitiva construção foi realizada há mais de 100 anos. Era de alvenaria, com um só arco. Com o aumento do tráfego a ponte ameaçava desmoronar‑se e, uma vez que ganhava peso a possibilidade de se desviar o trânsito automóvel para o Vale de Figueiras, o município construiu uma nova ponte de cimento armado, mais larga e alta, ao mesmo tempo que se melhorou consideravelmente a própria estrada de Vale de Figueiras. Talvez seja esta a ponte refeita em 1581 pelo pedreiro Lucas Pires, morador em Celas. Feita de pedra e cal, tinha um arco de abobada e lajes com a largura de 12 palmos (104). Pensa‑se que junto a esta ponte se localizavam os lagares de Maria Rodrigues. ‑ Mas, a mais importante ponte da zona de Coselhas era a Ponte do Promotor, que foi construída, como vimos, em 1881 aquando da construção da estrada de Coselhas. Ainda visível parcialmente sofreu alterações na sequência da construção do acesso à circular externa. Era toda de alvenaria, de dois arcos circulares. Provavelmente, e segundo o pensamento de Nogueira Gonçalves, teria sido erguida bem perto da antiquíssima ponte que no século X mestre Zacarias de Córdova ergueu sobre a ribeira de “Coselias”. O Dr. Vitorino de Seiça e Santos adianta a hipótese provável da sua localização: «Eu creio que essa antiga ponte se deveria situar ligeiramente a jusante da actual, no alinhamento da rampa que da margem esquerda desce para a ribeira (…) Não sei se ainda existem, mas há poucos anos ainda se poderiam ver no leito do curso de água algumas pedras de calcário certamente dos pilares da ponte» (105).



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Referências à ponte do Promotor são no entanto relativamente tardias: em 22 de Janeiro de 1656 manda‑se construir as pontes da Ribeira de Ródão e do Promotor, pondo‑se a sua construção em pregão e, em 1841 ordenou‑se a reconstrução das pontes do Promotor e do Rangel. Junto à ponte existiu uma conhecida taberna, a Taberna da Narcisa. Este estabelecimento era muito frequentado, especialmente pelos carreiros, homens condutores de carros de bois. No seu terreiro se jogava, nas tardes de Domingo, o jogo da malha. Já em tempos recentes Coselhas sofreu uma grande transformação pela construção da circular externa (Coselhas‑Portela) e circular interna (Coselhas‑Celas) designada Avenida Professor Gouveia Monteiro, ambas partindo do muito desejado Nó de Coselhas. Datam de 1967 as primeiras referências concretas sobre o assunto nas actas do município, embora já em 1956 o arquitecto Antão de Almeida numa palestra em Coimbra sobre o plano regulador tenha antecipado a sua construção. Mas só depois de Abril de 74 o assunto avançou significativamente. Na sessão da edilidade de 28 de Janeiro de 1976 abrem‑se os dois concursos; «a) troço da circular interna, entre a avenida Bissaia Barreto e o Vale de Coselhas e b) troço da circular externa entre aquela incidência e a avenida Fernão de Magalhães (106). Em Abril de 1983 iniciaram‑se as primeiras terraplanagens em Coselhas para a circular interna, ao mesmo tempo que se promoviam importantes expropriações. 3.2.3. Água, luz e transportes colectivos A única fonte pública de Coselhas localiza‑se fora da área da freguesia de Santa Cruz, entre a Corrente e o Rangel. Muito antiga, de origem perdida no tempo, foi durante séculos o centro fornecedor do precioso líquido para as populações envolventes. Entre Outubro e Novembro de 1892 os moradores de Coselhas solicitam ao município a limpeza a reparação da Fonte do Castanheiro e, alguns anos depois o município ordena a reparação da Ponte de Coselhas. Nos anos vinte do século passado o atraso estrutural da zona Coselhas‑Rego Benfins era evidente. Por essa razão e nos princípios de 1925 os seus moradores organizam‑se em Comissão de Melhoramentos do lugar de Cozelhas. Conseguido o apoio e adesão da Junta de Freguesia (o presidente integra a comissão) nas suas aspirações, enviam uma petição ao município. A 12 de Janeiro de 1925 e em sessão de junta, decide‑se enviar ofício ao município pelo qual ficamos a saber, ao pormenor, as queixas dos moradores da zona: «Tendo sido, Sr. Presidente, fornecidos água e luz a outras artérias da cidade, como Calhabé, Santo António dos Olivais, Santa Clara, Estrada do Almegue, é justo que os habitantes de Cozelhas tenham também as mesmas regalias, o mesmo benifício, tanto mais que há ali muitos operários que precisam de frequentar as escolas nocturnas desta cidade e por falta de luz não o podem fazer, acrescendo ainda a circunstancia das estradas estarem quasi intransitáveis, principalmente no Inverno, quer se vá pela estrada que vai da Casa do Sal, quer se vá pela que vai da Conchada. Por qualquer delas se não



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pode andar de noite às escuras, sem risco de se ser assaltado, o que se evitará se forem bem iluminadas. Além disto, Sr. Presidente, Coselhas é um dos lugares dos arrabaldes de Coimbra que abastece o nosso mercado de grande quantidade de hortaliças, batatas, frutas e outros produtos, devendo‑nos por isso merecer a nossa atenção. Água potável, própria para beber, é coisa que ali não há, principalmente no Verão, vendo se aquela gente obrigada a ir buscá‑la a grandes distâncias, o que lhe causa grande transtorno à sua vida. Sendo Coselhas um dos arrabaldes mais concorridos por pessoas desta cidade, esses melhoramentos, principalmente a luz eléctrica, seriam de uma grande vantagem tanto para uns como para outros, de grande interesse não só para o povo mas ainda para o Município que teria ali uma boa fonte de receita. O pedido da Comissão de Melhoramentos de Coselhas é tão justo Sr. Presidente que esta Junta imediatamente se colocou ao lado dele, acompanhando‑a aí intimamente convencida de que V. Ex.ª, espírito lúcido, recto e justo não deixará de atender prontamente. Confiando pois no esclarecido critério de V. Ex.ª espera esta Junta em breve ver realizados os desejos dos habitantes de Coselhas» (107). Os melhoramentos chegariam mas muito lentamente. Em Abril de 1929 o jornal Gazeta de Coimbra, abordava a questão de Coselhas com o subtítulo “a enjeitada” onde abordava as crónicas deficiências da zona: estradas deploráveis, falta de água canalizada que obrigava a abastecimento a partir da fonte da Corrente; a energia eléctrica não passava do Promotor…(108). A electricidade deve ter chegado a Coselhas por volta de 1928 e ao redor de 1930 a Câmara Municipal instalou em Coselhas a distribuição domiciliária de água, aproveitando‑se para o efeito o desnível proporcionado pela «…conduta que partindo do alto da Conchada, descia pelo Rego de Benfins à estrada de Coselhas» (109). Durante anos foi notória a falta de transportes que servissem Coselhas. Inicialmente recorria‑se ao “eléctrico” da linha 2 (Praça 8 de Maio – Estação Velha). Já com a cidade bem apetrechada de transportes colectivos um grupo de habitantes de Coselhas organizou‑se e empreendeu uma campanha em 1968, no sentido de conseguir o estabelecimento de uma carreira de transportes que servisse o lugar. De tal campanha deve destacar‑se pelo empenhamento pessoal o Dr. Albano de Melo que «…conseguiu que em Março de 1969 se iniciassem as carreiras da Manutenção Militar até à Corrente» (110). E uma vez que abordamos aqui a questão dos transportes e vias de comunicação, importa referir que pelos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX Coselhas foi animada pela questão do caminho‑de‑ferro. De facto pelo decreto de 13 de Janeiro de 1889 aprovaram‑se os primeiros lanços do caminho de ferro de Coimbra a Arganil, levantando‑se grande questão pública em torno do traçado que o mesmo devia seguir na cidade. Uns queriam que ele viesse pelo Vale de Coselhas e outros pelo Calhabé e Arregaça (trajecto que vingou).



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3.2.4. Urbanização e Industrialização A partir de finais do Séc. XIX a zona de Coselhas‑Rego de Benfins passa a fazer parte do roteiro da industrialização conimbricense. Actividades transformadoras remontam ao lagar de azeite ou ao facto de, entre em 1862 ali funcionar uma fábrica de velas de sebo, que terá funcionado por último, no edifício onde hoje se encontra a firma Osvaldo Toste. O estabelecimento, conhecido por fábrica do sebo, ocupava‑se com derreter as gorduras provenientes dos talhos do mercado da cidade, para depois serem utilizadas na fábrica de sabões de Santa Clara. Entre 1876 e 1914, parece ter existido na área uma certa tradição no fabrico de sabão, havendo o registo de um incêndio na noite de 5ª feira, dia 16 de Maio «…na fábrica de sabão na Ribeira de Coselhas, subúrbios desta cidade, pertencente aos srs. José Duarte Ariosa e Joaquim Maria de Azevedo, debaixo da firma Ariosa & Almeida» (111). Contudo, o desenvolvimento industrial começou com a indústria de malhas; a Fábrica Conimbricense de Artefactos de Malha, herdeira da Aníbal de Lima & Irmão (que funcionara na Praça do Comércio) instalou‑se nas proximidades do Rego de Benfins. Aquela fábrica produzia em 1894 «…artigos de malha de algodão (camisolas, ceroulas e meias) e empregava 60 pessoas – quase todas do sexo feminino – dando ainda trabalho ao domicílio a mais de 30. Nos inícios do século XX (1906‑1908) foram construídas novas instalações na Rua do Gasómetro» (112). Em Coselhas iniciou‑se o novo período da indústria de curtumes na área de Coimbra, caracterizado pela mecanização. De facto, em 1915 constituía‑se uma sociedade sob a firma Raposo, Amado Godinho & C.ª, Ld.ª A empresa, que mudaria a designação para Fábricas de Curtumes de Coimbra, Lda., fixou instalações na Casa do Sal, onde até há pouco tempo laborou. Esta empresa desenvolveu‑se, excepcionalmente, entre 1920 e 1922, apesar de um violento incêndio a ter destruído, parcialmente, em 1921. Superado o drama o progresso da unidade continuaria nos anos seguintes: «…em 1926 ocupava 62 operários do sexo masculino (11 dos quais menores) e atingia um razoável grau de mecanização» (113). Na sequência do plano urbanístico de De Gröer para a cidade de Coimbra criou‑se a Zona Industrial de Coselhas, onde desde cedo diversas empresas pediram a deslocação das suas fábricas e armazéns: ‑ Foi o caso da fábrica de tecidos mandada construir por Luiz Antonio de Castro Lima, vistoriada em Abril de 1946 (fábrica Correia Neves que ainda existe) ‑ A firma Fucoli que em Agosto de 1946 pediu licença para construir em Coselhas um edifício para fundição e serralharia. ‑ A firma de artigos de cimento SIAC, cuja vistoria foi feita a 29 de Agosto de 1946. ‑ A Acetificadora de Coimbra (pediu licença em Março de 1947). Em Outubro de 1952 e na sequência de alterações solicitadas pelo município ao Plano de Gröer, arrancou a urbanização do Vale de Coselhas.



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Consequência dos planos de urbanização da cidade e expansão da sua área em Julho de 1963 o município aprova o Anteplano da Rotunda de Giração de Coselhas, elaborado pelo Serviço de Obras da C.M.C. sob directrizes do Prof. Almeida Garret. A aprovação pelo município, em Julho de 1971, do Plano de Urbanização de Coimbra, que integrava a construção do Nó de Coselhas e segunda ponte sobre o Mondego, deu o impulso decisivo para tornar o pequeno lugar uma área de franco desenvolvimento urbano e industrial. Em consequência mais empresas escolheram aquela área para se instalarem como a Sociedade Ideal Lda (confirmar ). Das várias empresas localizadas na zona, sem dúvida que a Fucoli‑Somepal assume grande destaque com Álvaro Pereira há 40 anos a presidir ao Conselho de Administração da empresa. Em Dezembro de 2006 foi distinguida pela EDP no âmbito das boas práticas ambientais, entre um conjunto de 134 empresas candidatas. O prémio resultou da mudança ocorrida; substituição de fornos a carvão por novos fornos a electricidade, que trouxeram consigo a “eficiência energética”, reduzindo a produção de monóxido de carbono. Dada a sua importância social e económica foi condecorada com a medalha da cidade em 1996. Fruto do surto industrial o Vale de Coselhas transformava‑se radicalmente, alterando‑se a fisionomia socio‑económica da área até então baseada na dependência da agricultura. Com a construção de fábricas, novas residências se edificaram para donos e trabalhadores industriais. A área industrial de Coselhas entrou em decadência por dois factores: ‑ Com a procura de terrenos para instalação das fábricas os proprietários passaram a pedir preços exorbitantes, levando os empresários a preferirem a zona do Loreto, Pedrulha e Estrada de Eiras, onde os terrenos de natureza margosa ao não permitirem grandes rendimentos agrícolas se tornaram mais baratos. ‑ Mais recentemente e com a crise industrial, a área assiste a nova transformação: Coselhas tornou‑se dormitório da cidade, edificando‑se muitos apartamentos e moradias, ao mesmo tempo que o comércio se alarga. 3.2.5. Educação e Cultura: escola, colectividades e rancho Pelos finais de 1939, princípios de 1940 instalou‑se e começou a funcionar no Rego de Benfins um posto escolar, num prédio propriedade do Dr. Luís Mendes. Este posto, em péssimo estado de conservação, servia nesse ano uma população escolar de 140 crianças organizadas em três turnos; um com aulas de manhã, outro à tarde e o terceiro deslocando-se à Escola Primária de Santa Cruz (114). O posto passou a escola, electrificada em Março de 1957, onde uma professora ministrava todas as classes. Na segunda metade da década de cinquenta deram‑se os primeiros passos para a construção de uma escola primária condigna, que será edificada em área fora da Freguesia de Santa Cruz. De facto, a 9 de Outubro de 1958 o município aprovou o Plano de Construções Escolares para o ano seguinte, propondo novas construções em Anagueis, Flor da Rosa, Coselhas e Lagos (115).



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A 29 de Maio de 1959 o município delibera adquirir um lote de terreno com 1.780 M2 destinado à escola primária, ficando a implantação do edifício definida na escritura de compra e venda feita entre a C.M.C. e os proprietários do terreno desejado, Dr. Vitorino Gomes de Seiça e Santos e sua esposa D. Maria Eugénia Pereira de Figueiredo Mendes de Seiça e Santos. O terreno, comprado por 80.100$00, abrangia uma área de Símbolo do Sport Clube de Coselhas 1780 M2, onde se previa edificar uma escola com quatro salas, instalações sanitárias área de recreio e anexo para refeitório (116). O novo edifício escolar de Coselhas, que começou a funcionar em 1960, teve impactos na área: em Maio de 1961 rescindia‑se contrato de aluguer da casa onde, até então, vinha funcionando a escola visto a mesma já se encontrar em funcionamento no novo edifício; nos primeiros meses do ano seguinte pavimenta‑se, condignamente, o acesso ao novo edifício escolar; em Julho de 1962 fica pronto o projecto para o novo refeitório escolar e, em Dezembro, a obra é adjudicada. A 16 de Janeiro de 1963 o município assinou escritura, com Arsénio Martins, para a execução da empreitada de construção do refeitório na Escola de Coselhas pelo valor de 60.480$00 (117). Ao nível do ensino diga‑se que em Coselhas funcionou, em tempos recentes e num pavilhão pré‑fabricado, uma telescola. As principais colectividades de Coselhas são o Sport Clube de Coselhas e o Clube Desportivo Cruz de Cristo. O Sport Clube de Coselhas é uma Associação Cultural Desportiva e Recreativa fundada a 2 de Julho de 1933 e tem a sua sede na freguesia de Santa Cruz, na zona da Estrada de Coselhas conhecida como Horta do Moinho. Foram sócios fundadores: Adriano Soares Diniz, Aníbal Mendes Ferreira, António Ferreira, Carlos de Oliveira, Davide Sequeira, Diogo de Abreu, Domingos Maria Coelho de Oliveira, Ermenerico de Oliveira, João Carvalho Batista de Sousa, João Gomes, João Mendes Ferreira, Joaquim Ferreira Garcia, José Breda Veloso, José Faria da Cunha, José Ferreira Garcia, José de Oliveira, José Pedro de Jesus, Luís Mendes (Dr. Juiz), Manuel Correia, Manuel Luis de Oliveira Peça, Mário de Oliveira, Miguel Correia, Milton Bernardes, Raul Carvalho Batista de Sousa e Raul Pereira Diniz (118). A 29 de Novembro de 1959 foi inaugurada a sua nova sede, uma obra levada a cabo pela direcção presidida por João Gomes. A remodelação total do espaço criou um «magnífico salão de festas» gabinete privativo da direcção e receptor de televisão (119).



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Contando com 400 associados desenvolve as actividades de Teatro, Ginástica, Futebol, Ciclismo, Atletismo, Bailes, Passeios e Outros Divertimentos. É filiado na Associação de Futebol de Coimbra na Associação de Ciclismo de Aveiro e no Inatel. O Clube Desportivo Cruz de Cristo nasceu de uma dissidência entre os sócios do Sport nos princípios do século XX. Está instalado junto ao local conhecido como ponte do Promotor (fora da área administrativa da freguesia), onde possui campo, inicialmente destinado a uma das principais modalidades – o basket‑ball. Em Coselhas existiu um Rancho Infantil, agrupamento criado por volta de 1965 por iniciativa do Sr. José Girão. Teve certo prestígio e boas exibições, mas acabou por se extinguir. E nos anos 50 ali funcionou o Centro de Formação Social de Coselhas dependente da Obra das Mães. 3.2.6. A criação da reitoria de Coselhas Até aos anos vinte do século passado o único templo existente em Coselhas era a Capela de Nossa Senhora da Conceição, na Quinta do Rangel. Por alturas da abertura da estrada da Ponte do Promotor a S. Paulo de Frades o pai do Dr. Vitorino de Seiça e Santos, resolveu construir uma capela na parte central de Coselhas pois não havia na povoação qualquer templo. Foi inaugurada a 5 de Novembro de 1922 «…tendo sido benzida pelo Bispo Auxiliar de Coimbra, D. António Antunes, a que se seguiu Missa solene e sermão e à tarde, solene devoação e novo sermão» (120). Naquela capela, que tinha a porta principal para a estrada, passou a haver missa todos os Domingos. Em meados dos anos quarenta do séc. XX a capela serviu como lugar onde as noelistas ministravam catequese, tendo‑se verificado, ao fim de pouco tempo que a capela estava a tornar‑se pequena para a frequência aos actos litúrgicos. Um grupo de pessoas pensou então que a solução passava por construir uma nova capela de maiores dimensões, tendo o Dr. Vitorino de Seiça (herdeiro da capela) oferecido o terreno necessário. No entanto, o pároco de S. Paulo de Frades, José Rodrigues Ferreira «…foi de opinião de em vez de capela se fizesse uma igreja e que Coselhas viesse a ser sede de uma nova paróquia» (121). A ideia germinou e a 10 de Março de 1967 o Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira publicava um decreto criando a Reitoria de Coselhas. Apesar de muitos esforços não foi possível reunir os meios financeiros necessários para a construção de raiz da igreja, tendo‑se optado por uma igreja pré‑fabricada, que iniciou funções a 8 de Dezembro de 1971. 3.2.7. Um espaço de lazer: os Jardins da Casa do Sal Estes jardins foram construídos em meados dos anos 90, enquadrando‑se na beneficiação da zona da Casa do Sal. A sua inauguração ocorreu em 1996, no dia da Cidade e da Rainha Santa, contando com a presença do então Primeiro‑Ministro, Engº António Guterres.



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Foto 95 – Aspecto do Parque Infantil dos Jardins da Casa do Sal

Trata‑se de um espaço verde, equipado com parque infantil, sendo por esse motivo bastante frequentado por crianças e adolescentes, mas também por famílias que ali fazem os seus piqueniques. É património municipal. Nas imediações deste jardim, mas do outro lado da estrada para Poente, junto do ex‑aparcamento da Ecovia, na Av. Fernão de Magalhães, Casa do Sal, está instalado o monumento à escultura. É uma peça em ferro, da iniciativa da ARCA/EUAC – Escola Universitária das Artes de Coimbra sendo autor Manuel Dias e foi instalada em 2000 Transmite um referente ecológico: uma flor que associado à legenda “Miguel Ângelo tinha razão” «…pretende justificar o desenvolvimento conceptual da escultura, que tira partido do positivo‑negativo procurando insinuar que a forma flor, existia, já, anteriormente ao escultor a recortar» (122). 4. Breve História dos Arruamentos na área Conchada‑Coselhas Os topónimos desta zona estão, na maioria dos casos, intimamente ligados com a sua evolução histórica, tanto ao nível físico como humano. Uma das excepções é a Rua Jorge Mendes (1892‑1962), que homenageia a conhecida personalidade de Coimbra ligada ao ramo empresarial. Outros arruamentos têm pouca história: a Rua do Alto da Conchada, que começa no sentido ascendente, na Alameda da Conchada e termina na Rua Padre Melo; a Rua da



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Quinta da Misericórdia, começa na R. Guilherme Gomes Fernandes e não tem saída, ou a Estrada de Coselhas que vai do cruzamento da Rua Figueira da Foz e Rua do Padrão, à Casa do Sal, e corre no sentido Poente Nascente, sempre junto à base do morro da Conchada. Sensivelmente a meio do percurso que faz dentro dos limites da freguesia, o seu percurso foi interceptado pela Circular dos Hospitais (Avenida Gouveia Monteiro). Segue‑se uma breve súmula dos arruamentos com história significativa: Alameda da Conchada e Largo da Conchada A Alameda da Conchada principia no Largo da Conchada (antigo Largo das Almas da Conchada) e termina no Cemitério da Conchada. Teve os seus primórdios nas obras de construção de um novo cemitério e regista ao longo dos tempos várias designações; no século XIX é referida muitas vezes como Estrada do Cemitério da Conchada ou Rua do Cemitério e, no início do século XX, como Estrada das Almas da Conchada. A 12 de Maio de 1871 o município expropriou amigavelmente parte de um terreno da Santa Casa da Misericórdia para alargamento desta estrada. Por deliberação camarária de 8‑IX‑1955 a Estrada da Conchada mudou a sua designação para Alameda da Conchada (123), que se conservou até hoje. Nos anos vinte do séc. XX desencadeou‑se a urbanização desta artéria tendo o município ratificado a venda de 17 lotes de terreno para construção entre Outubro de 1923 e Fevereiro de 1924. Consequência da urbanização do espaço, melhoraram‑se as vias de comunicação. Depois de expropriados, em Junho de 1940, 1.020 M2 de terreno para abertura da rua, a 4 de Abril de 1949 celebrou‑se escritura para a empreitada de construção da rua de acesso ao cemitério e largo fronteiro ao mesmo, obra concluída em Outubro de 1949 (124). O Largo da Conchada, situa‑se estrategicamente «…no ponto de convergência da Rua Ocidental de Montarroio, Rua António José de Almeida, Rua Frei Tomé de Jesus, Rego de Benfins, Rua Guilherme Gomes Fernandes e Alameda da Conchada» (125). Rua Dr. António José de Almeida A rua estende‑se, de Sul para Norte, do Largo de Celas ao Largo da Conchada. No seu percurso em direcção à Conchada articula‑se com as seguintes ruas: do lado Norte com a Rua Machado de Castro, Rua Adolfo Coelho, Travessa Moura e Sá, Rua Trindade Coelho e Rua Nicolau Chanterene; e do lado Sul com Rua D. Manuel de Bastos Pina, Rua D. Afonso Castelo Branco, Travessa do Marco Preto e Travessa da Rua Guerra Junqueiro. Pertence às freguesias de Santa Cruz, Santo António dos Olivais e Sé Nova. A parte tocante a Santa Cruz compreende o lado direito de quem sobe, até à rua D. Manuel de Bastos Pina. No século XIX e além de Rua de Montes Claros teve outras designações como Caminho de Montes Claros e Estrada de Montes Claros.



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Foto 96 – Rua António José de Almeida antes da urbanização

A pedido de uma comissão de moradores, presidida por Alberto de Moura e Sá, a Câmara Municipal de Coimbra deliberou a 16/7/1931 «…dar a denominação de Rua António José de Almeida à Rua de Montes Claros (…) e em 28‑I‑1932 inaugurou‑se solenemente essa mudança de denominação» (126). Com a abertura desta rua ocorreu momento importante na história da cidade, na medida em que a ruralidade da zona Norte de Montes Claros, visível por exemplo na planta da cidade de 1936, veio a alterar‑se nas décadas seguintes, com intenso ritmo de construção. Durante a primeira metade da década de quarenta a rua sofreu obras de alargamento e regularização. A denominação homenageia o bem conhecido António José de Almeida, natural de Vale da Vinha, concelho de Penacova. Nasceu a 17 de Julho de 1866, tendo‑se formado em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1895. Como médico praticou clínica na Ilha de S. Tomé, onde atingiu notoriedade no tratamento das doenças tropicais, e em Lisboa. No entanto seria a sua adesão ao ideal republicano e os seus dotes de orador que o tornariam célebre. O Visconde de Villa‑Moura classificou‑o como «…o espirito mais lúcido e brilhante da mas lúFoto 97 – Busto a António José de Almeida cida e brilhante geração academica



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de Coimbra (…) o S. Paulo da Republica portugueza» (127). Foi eleito deputado pelo partido republicano em 1906 e fundou o jornal “República”. Devotado seguidor do ideal republicano, desempenhou relevantes cargos após a implantação da República: Ministro do Interior do Governo Provisório e Presidente de um Ministério de coligação de partidos de 15/03/1916 a 5/12/1918. Após a revolta monárquica de Monsanto a 9/1/1919 foi eleito Presidente da República, cargo que desempenhou de 6/5/1919 a 5/10/1923. Faleceu a 31/10/1929. Por proposta do Vereador da C.M.C. Fausto Correia, aprovada por unanimidade na sessão do executivo camarário de 10 de Outubro de 1983, decidiu‑se colocar «…em local a designar oportunamente, um busto do Doutor António José de Almeida» (128). A obra de arte seria colocada no cruzamento das ruas António José de Almeida e Nicolau Chanterene, num pequeno largo que ficou baptizado com o nome do homenageado. A inauguração ocorreu a 5 de Outubro de 1984, tendo presidido à cerimónia o então Presidente da República, General Ramalho Eanes (129).

Foto 98 – Miradouro António Nogueira

Sensivelmente a meio desta importante artéria da cidade, localiza‑se o Miradouro António Nogueira, que homenageia o falecido presidente da junta de freguesia de Santa Cruz (1958‑2003), cultor da Canção de Coimbra cuja cerimónia de descerramento da placa toponímica se realizou a 16 de Abril de 2009. Rua de Saragoça Foi inaugurada a 14/07/1960 por ocasião das festas da Rainha Santa na presença das autoridades saragoçanas. Estende‑se de Sudeste para Noroeste do ponto de confluência da Rua de Montarroio e Rua António de Vasconcelos (Largo de Montarroio), até ao Largo da Conchada. No seu percurso articula‑se do seguinte modo no sentido descendente: a Nascente com Rua António José de Almeida, Rua Guerra Junqueiro e Travessa da Rua Guerra Junqueiro e, a poente, com Rua Infante D. Henrique e Travessa de Montarroio.



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Teve, anteriormente, a denominação de Rua Ocidental de Montarroio. Apenas em Março de 1925 o município arrancou definitivamente para a ligação desta artéria com as Almas da Conchada contratando amigavelmente as expropriações dos terrenos destinados a essa ligação, uma vez que até então a Rua Ocidental de Montarroio terminava no “Mirante” (bifurcação com a Travessa da Rua Dias Ferreira). A actual designação deriva da deliberação camarária de 30‑VI‑1960 «…em homenagem à cidade aragonesa, pátria da excelsa rainha D. Isabel de Aragão, Santa padroeira de Coimbra» (130). Rua Dr. António de Vasconcelos Estende‑se do ponto de confluência da Rua de Montarroio, Rua de Saragoça e Rua da Manutenção Militar, até ao ponto de convergência da Rua D. Afonso Castelo Branco, Rua D. Manuel de Bastos Pina e Rua Eça de Queirós. Ramifica‑se para nascente com a Rua Antero de Quental e para Poente com a Rua Guerra Junqueiro e com a Travessa do Marco Preto (antiga Azinhaga Oriental de Montarroio). Antes da actual designação teve os seguintes topónimos: Calçada de Montarroio e Rua Oriental de Montarroio. A denominação Calçada de Montarroio terá a sua origem «…no facto de esta via ser um prolongamento para nordeste da Rua de Montarroio, e ainda por ter acentuada inclinação, sujeita à erosão das águas pluviais, tendo por isso de ser calcetada – como ainda agora é – para ficar transitável em qualquer época do ano» (131). O topónimo Rua Oriental de Montarroio tornou‑se frequente na segunda metade do século XIX, quando «…ficou, portanto, definida como conduzindo a Celas pelo sítio de Montes Claros, forma de dizer inexpressiva e vaga, que ainda agora, sem outros elementos de informação, ninguém saberia interpretar» (132). Por deliberação camarária de 30 de Junho de 1960 (que também criou a designação Rua de Saragoça), passou a denominar‑se Rua António de Vasconcelos, integrando ainda a antiga Travessa da Rua Oriental de Montarroio. Na acta da câmara pode ler‑se que a atribuição da designação é «…justa homenagem rendida ao insigne professor e historiador, honra da cátedra portuguesa e da Universidade de Coimbra, ínclito cronista da Rainha Santa Isabel» (133). O homenageado, de nome completo, António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, nasceu em S. Paio de Gramaços (concelho de Oliveira do Hospital) a 1 de Junho de 1960, tendo falecido em Coimbra a 1 de Agosto de 1941. Foi professor e historiador. Travessa do Marco Preto Começa na Rua Dr. António de Vasconcelos e, no sentido Poente‑Nascente termina na Rua António José de Almeida. É um dos casos de «toponimía espontânea». Teve, anteriormente, a designação de Azinhaga Oriental de Montarroio, mas no decurso da



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década de 60 do século transacto «…segundo modernas legendas de azulejo, apareceu crismada de travessa do Marco Preto, por ali haver, no extremo nascente, um marco dessa cor a impedir o trànsito de viaturas» (134). A 8 de Abril de 1957 e, em reunião extraordinária do município, aprovou‑se o novo traçado da travessa. Rua Dr. Dias Ferreira Principia na Travessa de Montarroio e termina na Rua Infante D. Henrique. A denominação foi aprovada pela Câmara Municipal a 15‑III‑1928, sob proposta da Comissão de Toponímia, embora a ligação com a Rua Infante D. Henrique nunca se tenha chegado a efectivar‑se . O seu traçado foi aprovado a 26‑IV‑1928. O homenageado, de nome completo José Dias Ferreira, nasceu em Pombeiro (conc. Arganil) a 30/11/1837, falecendo em Vidago a 8-IX-1909. Fez os estudos secundários e universitários em Coimbra, doutorando‑se em 1860. Na Universidade foi lente substituto extraordinário (1861), lente ordinário em 1862 e lente catedrático em 1865. Foi também político de grande valor, eleito deputado em diversas legislaturas e por vários círculos eleitorais, tendo desempenhado os seguintes cargos: Ministro da Fazenda (1868) e Ministro da Fazenda do Ministério da presidência do Duque de Saldanha. Fundou o partido constituinte e «…num momento de grave crise nacional (1892), foi chamado a constituir ministério, tendo como ministro da fazenda Oliveira Martins, que em breve abandonou a sua pasta, de que o próprio Dias Ferreira se encarregou» (135). Rua Infante D. Henrique Une a Rua de Saragoça com a Azinhaga do Carmo, no sentido Nascente‑Poente, convergindo naquele ponto com a Rua Dias Ferreira. A denominação foi atribuída por deliberação camarária de 15‑III‑1928. Em Maio de 1928, iniciou‑se o processo de regularização não só desta rua mas também da Rua Dias Ferreira. Na altura, a atribuição do topónimo considerou a ligação da baptizada artéria até à Rua Figueira da Foz, o que nunca se veio a concretizar. O infante D. Henrique (1394‑1460) foi o grande impulsionador da expansão ultramarina e europeia portuguesa. Nascido no Porto, foi o 5º filho do rei D. João I, pertencendo à ínclita geração. Logo em 1414 convence o pai a montar a conquista de Ceuta que será conquistada em 1415, assegurando ao reino o controlo das rotas marítimas entre o Atlântico e o Levante. Sempre com o sentido no conhecimento ultramarino os seus escudeiros, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, descobrem o arquipélago madeirense que D. Duarte lhe vem a doar. Alguns anos depois os seus navegadores descobrem as ilhas dos Açores e, ainda no seu tempo, dobra‑se o mítico Cabo Bojador.



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Utilizando a nova embarcação, a caravela, foi no seu tempo que se avançou para Sul do deserto do Saara, importante vitória pois assim se desviava as rotas do comércio do Saara e acedia‑se às riquezas da África Meridional. Personagem intrigante e misteriosa foi noemado dirigente da Ordem de Cristo (que sucedeu aos Templários) em 1420, cargo que deteve até ao falecimento. Durante a menoridade do sobrinho de D. Afonso V será regente do reino vindo, por exemplo, a colonizar os Açores. Terá patrocinado, na Universidade de Coimbra, uma cátedra de Astronomia. Rua Guerra Junqueiro Estabelece a ligação entre a Rua António de Vasconcelos (a Nascente) com a Rua de Saragoça (a Poente). É cortada transversalmente pela Travessa da Rua António José de Almeida.

Esta rua integra a antiga Azinhaga do Olival de Montarroio, designada nos anos vinte do século passado por Rua do Olival de Montarroio, fazendo a ligação entre a Rua Ocidental de Montarroio (actual Rua de Saragoça) e Rua Oriental de Montarroio (actual Rua Dr. António de Vasconcelos). Depois de um processo de obras que levaram ao seu prolongamento e regularização, passou a homenagear o poeta Guerra Junqueiro por deliberação do executivo camarário de 21‑VII‑1927 (136). A aludir ao facto conserva‑se uma inscrição em pedra mármore: Abílio Manuel Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada‑à‑Cinta a 17‑IX‑1850, falecendo em Lisboa a 7‑VII‑1923. Formou‑se em Direito, seguiu a carreira administrativa, que abandonaria para se consagrar às ocupações de agricultor e poeta. Desempenhou a função pública de Secretário‑geral dos Governos Civis de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo. foi deputado em várias legislaturas e, depois da proclamação da República, representante diplomático na capital da Suíça.



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A união entre a Rua António José de Almeida e a Rua Guerra Junqueiro, faz‑se no sentido Norte‑Sul através da Travessa da Rua Guerra Junqueiro. Rua D. Afonso Castelo Branco Liga a Rua Dr. António José de Almeida, no sentido descendente, ao topo sudoeste da Rua D. Manuel Correia de Bastos Pina, fazendo parte do Bairro de Montes Claros. Sob proposta da comissão de toponímia, deliberou o município a 15-3-1928, atribuir à Rua Nº 10 do Bairro da Cumeada, a denominação de Rua D. Afonso Castelo Branco. Embora aquele arruamento nunca tenha chegado a abrir‑se devido ao arranjo que naquele bairro se veio a efectuar, contudo, pela deliberação camarária de 8-9-1955 tomaria esta designação a rua que até então se mantinha inominada (137). Esta rua homenageia um dos mais notáveis prelados diocesanos de Coimbra, nascido em Santiago de Cacém em 1522 e falecido em Coimbra a 12-05-1615. O seu nome ficou ligado a muitos actos de benemerência e à fundação do Mosteiro de Santana. Rua Dr. Manuel Correia Bastos Pina Estende‑se, no sentido descendente e de Norte para Sul, da Rua António José de Almeida até à extremidade nordeste da Rua António de Vasconcelos. Ao longo do percurso registam‑se as seguintes articulações: a nascente com a Rua João Porto, Rua Tenente Campos Rego e com a Rua Eça de Queirós (Sé Nova); do lado Poente com a Rua D. Afonso Castelo Branco. A Câmara Municipal de Coimbra, sobre proposta da Comissão de Toponímia deu, atribuiu a 15 de Março de 1928, a denominação D. Manuel de Bastos Pina «..à rua nº 13 do Bairro de Montarroio, em homenagem ao falecido prelado diocesano» (138). O homenageado nasceu em Carregosa, concelho de Oliveira de Azeméis, a 19 de Novembro de 1830, aí falecendo, na sua Quinta da Costeira, a 19 de Novembro de 1913. Foi Bispo de Coimbra entre 1872‑1913. Rua de Aveiro No sentido ascendente, liga a Rua da Figueira da Foz, no sentido Poente‑Nascente, ao Largo da Conchada. A história do nome desta rua é curiosa: Em 1914 a cidade de Coimbra foi visitada por uma excursão aveirense, tendo‑se registado na sessão de Câmara do dia 23 de Julho desse ano, «…um voto de agradecimento pelas cativantes demonstrações de estima e simpatia e deliberou‑se dar o nome de Rua de Aveiro a uma das ruas do Bairro do Penedo da Saudade» (139). No entanto a situação ficou omissa até 1959. Neste ano e seguindo o parecer da Subcomissão de Toponímia, e pelo edital de 17/VII «…anunciou a Câmara Municipal de Coimbra que nas suas reuniões de 11‑VI e 9 –VII do mesmo ano tomou, entre outras deliberações, a



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de dar a denominação de Rua de Aveiro à que projectava abrir em breve, ligando a Rua da Figueira da Foz à Alameda da Conchada» (140). Em 1960 deu‑se execução ao deliberado, tendo a construção do arruamento decorrido entre 1961 e 1965, motivando também um voto de congratulação e reconhecimento da parte do Município de Aveiro. Em Outubro de 1966 aplicou‑se a terceira e última fase de tapete betuminoso na faixa de rodagem. Um dos últimos obstáculos à sua concretização foi a integração de uma parcela de terreno, com 1180 M2 e pertença Asilo da Mendicidade, que permitiria ligar ao Largo da Conchada. Doada pelo Asilo ao município, por escritura de 31 de Outubro de 1962, mediante contrapartidas entre as quais constava a não cobrança pela C.M.C. de mais valia pela transformação de terrenos de cultivo em terrenos de construção, a vedação do terreno com construção de muro de suporte, a construção de umas escadas de acesso da Rua de Aveiro aos depósitos de água do Asilo (141). A artéria cedo despertou interesse para urbanizações modernas, devido à óptima exposição, com amplas panorâmicas da cidade para Poente e Sul. A 02 de Dezembro de 1958 o Ministério do Exército e a Câmara Municipal de Coimbra assinvam escritura de troca ou permuta, cedendo o muniíipio terrenos junto ao Bairro Marechal Carmona, e recebendo em troca, terrenos do Alto da Conchada, destinados a urbanizar e promover arruamentos na área: «O Ministério do Exército cede à Câmara Municipal de Coimbra uma parcela de terreno situada na freguesia de Santa Cruz, no Alto da Conchada, da Cerca do Quartel do Segundo Grupo de Companhias de Saúde [Quartel da Sofia] com a área de sete mil e doze metros quadrados, para ser devidamente urbanizada, além da área de quatro mil e quinhentos e dezassete metros quadrados, necessária para os arruamentos de acesso – pelo lado Norte – à Zona Alta da Cidade, ou seja, a superfície total de onze mil quinhentos e vinte e nove metros quadrados (…) a confinar, no todo, pelo norte com a Alameda da Conchada, pelo nascente com a Ladeira do Carmo, pelo sul com terrenos do Quartel da Sofia e pelo poente com o prédio da Casa de Saúde da Sofia (…) a Câmara Municipal de Coimbra cede em troca, ao Ministério do Exercito [Estado Português] os seguintes lotes de terreno situados na freguesia de Santo António dos Olivais, junto ao Bairro Marechal Carmona (…)» (142). Mais tarde, a Rua de Aveiro seria objecto de um estudo feito pelo Engº urbanista Almeida Garret entregue ao município em Junho de 1960, onde se dava especial relevo aos cuidados paisagísticos. Nos princípios de 1969 iniciou‑se a venda, em hasta pública, de terrenos destinados a construções urbanas. Rua Raúl dos Reis Carvalheira Arruamento que parte da Rua de Aveiro para Norte, prolongando‑se para Noroeste e sem saída. A designação foi aprovada em reunião da Comissão de Toponímia em 15 de Maio de 2007 e ratificada pelo Executivo Municipal em 4 de Junho de 2007. Foi inaugurada a 12 de Janeiro de 2008.



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Presta homenagem à muito popular figura de Coimbra ligada ao meio académico universitário, onde era conhecida por “O Taxeira”. Este ardina, de seu verdadeiro nome Raúl Carvalheira nasceu em 1926, nas Torres do Mondego. A figura andou ligada de perto com a Academia, onde foi muito acarinhada. Presença assídua das Repúblicas, dos cafés frequentados pelos estudantes, nas festas académicas. A origem da sua alcunha não é consensual: «…semelhança com um jogador de futebol do Benfica que se chamava Teixeira. Outras versões atribuem‑na à “taxa” que se encarregava de cobrar (“moedinha ó sócio”). Órfão muito cedo, veio para Coimbra, integrando‑se no meio académico, primeiro como engraxador e, depois vendedor de jornais como o “O Poney”» (143). Adoentado seria acolhido na Casa dos Pobres, vindo a falecer a 29 de Fevereiro de 2000. O “Taxeira” foi uma figura popular de Coimbra, referenciado em memórias, caricaturado e fotografado nos mais diversos eventos, em especial na Queima das Fitas. O Conselho de Veteranos, reconhecendo‑lhe a importância, fê‑lo “Quartanista de Medicina”, tendo mesmo trajado com fitas amarelas. Actualmente, um dos autocarros da AAC tem a sua alcunha – Taxeira. Rua Padre Melo Inicia‑se na confluência das ruas Guilherme Gomes Fernandes e Rua da Quinta da Misericórdia e termina na Rua do Alto da Conchada. O prolongamento da rua veio substituir a designação Rua Padre Américo que partia da Rua Padre Melo, junto ao Centro Social Sagrada Família até à Rua Guilherme Gomes Fernandes. A alteração justificava‑se não só porque os moradores tinham as suas casas registadas nesse nome, mas também porque a situação era geradora de alguma confusão em situações de certa gravidade, como na chamada de ambulâncias, polícia, bombeiros. Alteração aprovada pela Comissão de Toponímia em 17 de Janeiro de 2007 e ratificada em 19 de Fevereiro do mesmo ano. A artéria homenageia Luís Lopes Melo, homem de grande cultura, pároco da Sé Velha quatro décadas, que desenvolveu um reconhecido papel social junto dos jovens e mais desfavorecidos. O Padre Melo era natural de Moimenta da Serra, onde nasceu a 18 de Fevereiro de 1885, tendo a família fixado residência em Coimbra um mês depois, na Rua da Ilha Nº 16, onde faleceu a 24 de Outubro de 1951. Em Coimbra iniciou os estudos eclesiásticos no ano de 1895, matriculando‑se em 1901 no Curso de Teologia. Foi professor de Teologia Dogmática e de Doutrina Social da Igreja do Seminário, Professor de Ética Militar na Escola do Exército, e Assistente Eclesiástico de diversas organizações de Apostolado como Juventude Universitária Católica Feminina e Centro Académico de Democracia Cristã. Porém, o seu nome ficaria célebre por ter sido Capelão na 1ª Grande Guerra, no Corpo Expedicionário Português, de Fevereiro de 1917 a Novembro de 1918. Foi agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem de Torre e Espada do Valor, Leal e Mérito, a 10 de Julho de 1920



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Rua Guilherme Gomes Fernandes Pela deliberação de 8‑IX‑1955, a Câmara Municipal deliberou «…que passasse a denominar‑se Rua Guilherme Gomes Fernandes a rua B do Bairro da Conchada, em virtude de ter desaparecido a Rua da mesma denominação» (144). Esta ligava o Largo José Rodrigues ao Largo da Feira, na velha alta desaparecida em consequência da edificação da Cidade Universitária. Homenageia a memória de um heróico bombeiro português, nascido na Baia em 1850 e falecendo em Lisboa no ano de 1902. Considerado o mestre dos bombeiros, notabilizou‑se no Porto como Inspector dos Serviços de Incêndio, tendo levado a companhia portuense ao campeonato do mundo das corporações, realizado em Paris em 1902, obtendo o primeiro prémio. Em Coimbra e durante o ano de 1891 Gomes Fernandes ministrou instrução ao corpo de bombeiros municipais, sendo nomeado inspector honorário dos incêndios e recebido da C.M.C. e a 11 de Junho de 1891, um voto de louvor pelos trabalhos desenvolvidos. Rua da Maria Linda Artéria que parte da Estrada de Coselhas para Norte, sem saída. Aprovada a designação pela Comissão de Toponímia a 15 de Maio de 2007, ratificada pelo executivo municipal a 4 de Junho do mesmo ano e inaugurada a 12 de Janeiro de 2008. Maria Angélica, também conhecida por “Maria Linda” foi uma taberneira de Coselhas, nascida em Lordemão em 1866 e falecida em 1946. Emigrada no Brasil dali regressou

Foto 99 – A casa de comércio e habitação que foi de Maria Linda, 1931



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«…com algum dinheiro que lhe permitiu criar um negócio de vinhos, lenha, carvão, petróleo e carqueja. Instalou‑se na Estrada de Coselhas num velho barracão, vindo no entanto a construir a casa que ainda hoje existe, com data de 1931, com comércio e habitação» (145). O nome Maria Linda, segundo corre na tradição oral, adveio do facto de ser muito bonita, cujo nome ficou associado ao estabelecimento, o qual foi durante anos um ponto de referência da zona de Coselhas. Foi proprietária de uma quinta com árvores de fruto no local onde hoje se encontra o Instituto de Lordemão.

Notas

1. Amadeu Ferraz de Carvalho – Toponímia de Coimbra e arredores (contribuição para o seu estudo), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934 (…) 1934, P. 35 2. Maria Luísa Seabra Marques de Azevedo – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense, Dissertação de Doutoramento na área de Línguas e Literaturas Modernas, especialidade de Linguística Portuguesa, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2005, P.388. 3. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 286, Pp. 422‑423 4. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 153 5. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. 79‑80 6. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 222, Pp. 343‑344 7. Jorge de Alarcão – A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, P. 176 8. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I (…) Coimbra, 1960, P. 32 9. Isabel Nogueira; Raquel Romero Magalhães – Coimbra: das origens a finais da Idade Média, Câmara Municipal de Coimbra, Departamento de Cultura, Colecção “Coimbra‑Património” Nº 10, 2008, P. 12 10. Amadeu Ferraz de Carvalho – Toponímia de Coimbra e arredores (…) 1934, Pp. 35‑36 11. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 92, P. 145 12. Id. Docs. Nº 251, Nº 243, 419, P. 383, 579 e 375 13. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I (…) Coimbra, 1960, P. 32 14. Manuel Dias Baptista ‑ – «Ensaio de uma descrição física e económica de Coimbra e seus arredores» In Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, T. I, Lisboa, 1990, P. 207



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IV – A Freguesia ao Redor da Baixa

15. Maria Luísa Seabra Marques de Azevedo – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2005, P. 473 16. Vitorino de Seiça e Santos ‑ Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 3 17. Vitorino de Seiça e Santos ‑ Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 20 18. PMH, DC, 94, 683, 807, 852 19. Vergílio Correia ‑ «Notas sobre o Pré‑Românico Coimbrão» In Arte e Arqueologia, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, MDCCCCXXXII, Pp. 178‑179 20. Jorge Alarcão – In Territorio Colimbrie, Lugares velhos (e alguns deles, deslembrados) do Mondego, Trabalhos de Arqueologia, IPA, Lisboa, 2004, P. 84 21. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Docs. Nº 385 e 289,, Pp. 538‑540 e 425‑426 22. PMH, DC, Nº 683. 23. Id. Doc. Nº 463, P. 627 24. Id. Doc. Nº 222, Pp. 343‑344 25. Id. Doc. Nº 239, Pp. 370‑371 26. Rui Pinto de Azevedo (Introdução e notas) ‑ Documentos Medievais Portugueses, documentos régios, Vol. I, T. I, 1095‑1185, Doc. Nº 194, P. 240 27. A. G. da Rocha Madahil ‑ «Documentos para o estudo da cidade de Coimbra na Idade Média I – Cartório do Cabido» In Rev Biblos, Vol. X, Coimbra Editora Lda, Coimbra, 1934, P. 169 28. Rui Pinto de Azevedo; Avelino Jesus da Costa ‑ Documentos Medievais Portugueses, Documentos Particulares, Vol. IV, T. I, 1116‑1123, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980, Docs. Nº 39, 151 e 162, Pp. 35, 129 e 162 29. Rui Pinto de Azevedo; Avelino Jesus da Costa ‑ Documentos Medievais Portugueses, Documentos Particulares, Vol. IV, T. I, 1116‑1123, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980, Docs. Nº 238 e 336, Pp. 207 e 283 30. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. 531, P. 710 31. Maria do Rosário Barbosa Morujão ‑ Um Mosteiro Cisterciense Feminino; Santa Maria de Celas (século XIII a XV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2001, Doc. Nº 189, P. 40v‑41 32. Dados extraídos do A.U.C. – Fundo do Cabido: Acordos do Cabido, 1451‑1498, Fl. 39; 1498‑1513, Fl. 38; 1555‑1564, Fl. 62v. 33. Armando Carneiro da Silva ‑ «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra, 1968, P. 210. 34. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 260 35. Maria Helena Cruz Coelho – O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, Vol. 1 Estudos Gerais, Série Universitária, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª Edição, 1989, P. 189. 36. Maria Helena Cruz Coelho – O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, Vol. 1 Estudos Gerais, Série Universitária, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª Edição, 1989, P. 165.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

37. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, P. 325. 38. Id. P. 507 39. Id. P. 558 40. A.U.C: Fundo das Igrejas Colegiadas – Igreja de S. João de Almedina: Livro de Escrituras de Emprazamento, Vol. V, 1669, Fl. 135 41. A.U.C. – Fundo do Cabido: Várias Colegiadas ‑ Livro para lansar os bens próprios das extintas Collegiadas, em comformidade com as Relaçoens, e mapas que derão os respectivos Parrocos, e se achão juntas ao Processo da sua supreção, que existe no Cartorio do Escrivão da Camera Ecleziastica desta Dioceze, Fl.134 42. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Colecção das Escrituras de aforamentos e renovações dos prazos, Lº Nº 99, 1676‑1784, Fl. 489. 43. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Emprazamentos, Lº Nº100, 1695‑1801, Fl. 48v. 44. A.U.C. – Fundo do Cabido: Várias Colegiadas ‑ Livro para lansar os bens próprios das extintas Collegiadas, em comformidade com as Relaçoens (…) que existe no Cartorio do Escrivão da Camera Ecleziastica desta Dioceze, Fl. 134. 45. A.U.C. – Fundo dos Próprio Nacionais: Colégio de S. Bernardo ‑ Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, nº 28, 1220‑1729, Fl. 3v. 46. A. A. da Costa Simões ‑ «Cemiterio de Coimbra» In O Instituto Jornal Scientifico e Litterario, Segundo Volume, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1854, P. 17 47. A.H.M.C. – Mapa das Obras Municipais, 1851‑1877 48. José Pinto Loureiro ‑ «Coimbra no passado e no presente: o meado do séc. XIX» In Arquivo Coimbrão, Vol. XVII, Coimbra, 1959, P. 218 49. Anais do Município de Coimbra, 1840‑1869, P. 347 50. Regina Anacleto – «Ourives Conimbricenses do Ferro na primeira metade do século XX, In Munda, Nº 40, Novembro, 2000, P. 17 51. Id. P. 27 52. Francisco Queiroz ‑ «O Ferro como forma de Arte Cemiterial no século XIX: o caso de Coimbra» In Munda, Nº 39, Maio, 2000, P. 9 53. A.H.M.C. – Inaugurações, 1860‑1897 54. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, P. 17 55. A.H.M.C. – Obras Municipais, Condições Técnicas, 1861‑1890, Fl. 74v. 56. Anais do Município de Coimbra, 1890‑1903, P. 108 57. Id. P. 244 58. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 464 59. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 308 60. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 55, Fl. 96v. 61. A.H.M.C. – Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 239, Fl. 44v. 62. A.H.M.C. – Mapa das Obras Municipais, 1851‑1877 63. A.H.M.C. – Papéis, Maço II, Doc. Nº 2 64. Id. 65. Anais do Município de Coimbra, 1870‑1889, Pp. XXIII‑XXIV



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IV – A Freguesia ao Redor da Baixa

66. Anais do Município de Coimbra, 1890‑1903, P. 138 67. Nuno Rosmaninho – «Coimbra no Estado Novo» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Coimbra, 2006, P. 84 68. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 3, 1889‑1899, Fl. 71v. 69. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, P. 15 70. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 469 71. Id. P. 354 72. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 49, 1941‑1945, Fl. 25 73. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 52, 1950‑1952, Fl. 12 74. Nuno Rosmaninho – «Coimbra no Estado Novo» In Evolução do Espaço Físico de Coimbra, Coimbra, 2006, P. 86 75. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, Pp. 261 e 386 76. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 62, 1960‑1961, Fl. 45v. 77. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 247, Fl. 49 78. A.H.M.C. ‑ Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 352, P.173 79. A.H.M.C. ‑ Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 352, P. 173 e Nº 362, P. 71 80. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 373, P.71. 81. Id. Nº 385, P. 189 82. Id. Nº 389, P. 20 83. Id. Nº 291, Fl. 43v. 84. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 246, Fls. 13‑13v. 85. Id. Nº 306, Fl. 71 86. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 6, 16/03/1994 87. Blandina Tavares Duarte – Reorganização dum Centro de Assistência, trabalho final do Curso de Enfermagem Complementar, Escola de Ensino e Administração de Enfermagem, 1968‑1969, P. 7 88. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, P. 241; Livro de Actas do Conselho Municipal de Coimbra (Set. 1949‑Fev. 1954), Fl. 49 89. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 344, P.122 90. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 206, Fls.30‑30v. 91. A.J.F.S.C. – Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1983‑1987, Sessão Nº 53 de 3/6/1986 92. Vitorino de Seiça e Santos ‑ Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 26 93. Vitorino de Seiça e Santos ‑ Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 5 94. Gabriela Trindade Simões – «Vistorias da Câmara de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Vol. XVI, 1958, P.215. 95. A.H.M.C. – Mapa das Obras Municipais, 1851‑1877



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

96. A.H.M.C. – Obras Municipais, Condições Técnicas, 1861‑1890, Fl. 47 97. Anais do Município, 1870‑1889, Pp. 150 e 172 98. Id. P. 187 99. A.H.M.C. – Representações ao Rei e às Cortes, 1893‑1907, Fl. 60v. 100. Anais do Município, 1890‑1903, Pp. 241 e 256 101. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 30, 1912‑1916, Fl. 17v. 102. Anais do Município de Coimbra, 1904‑1919, P. 82 103. A.U.C. – Fundo do Cabido: Acordos do Cabido, 1451‑1498, Fl. 37 e 1780‑1794, Fl. 54 104. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. II, Coimbra, P. 24 105. Vitorino de Seiça e Santos ‑ Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 15 106. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 264, Fl. 30 107. «Junta de Freguesia de Santa Cruz – Cópia do ofício enviado à Câmara Municipal» In Gazeta de Coimbra, 20 Janeiro 1925 108. «Coselhas – a enjeitada» In Gazeta de Coimbra, 23 Abril 1929 109. Vitorino de Seiça e Santos – Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 41 110. Id. P. 42 111. «Incêndio» In O Conimbricense, Nº 3005, 18 de Maio 1876. 112. José Maria Amado Mendes – A Área Económica de Coimbra: estrutura e desenvolvimento industrial, 1867‑1927, Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, 1984, P. 164 113. Id. P. 236 114. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, P. 522 115. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 61, 1959‑1960, Fl. 13 116. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 66, 1962‑1963, Fl. 74 117. Vide Diário de Coimbra, 28 de Outubro de 1939 118. Dados extraídos de breve resenha enviada pela Comissão Administrativa do Sport C. Coselhas. 119. Vitorino de Seiça e Santos – Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, P. 35 120. Id. 121. Mário Nunes – Estátuas de Coimbra (…) GAAC, 2005, P. 158. 122. Vide Diário de Coimbra, 30 de Novembro de 1959, P. 7 123. Id. P. 36. 124. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 51, 1947‑1950, Fl. 77v.; Anais do Município, 1940‑1959, Pp. 8, 170. 125. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 36. 126. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 100 127. In «Figuras extremas» In O Instituto, Vol. 54º, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1907, P. 369 128. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 294, Fl. 46 129. Mário Nunes – Estátuas de Coimbra, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, Coimbra, 2005, P. 135 130. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 419



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IV – A Freguesia ao Redor da Baixa

131. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 312 132. Id. 133. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 201, Fl. 37v. 134. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 314 135. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 291 136. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 400 137. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 23 138. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. II (…) 1964, P. 119 139. José Pinto Loureiro – Toponímia de Coimbra, Vol. I, (…) Coimbra, 1960, P. 165 140. Id. 141. A.H.M.C. ‑ Escrituras, Lº Nº 66, 1962‑1963, Fl. 4v. 142. A.H.M.C. – Escrituras, Lº Nº 59, 1958‑1959, Fls. 12‑12v. 143. Vide «Taxeira dá nome a rua na freguesia de Santa Cruz» In Diário de Coimbra, 11 Janeiro 2008, P.4. 144. Id. P. 402 145. Vide Diário de Coimbra, 11 Janeiro 2008, P.4.



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© João Pinho, 2009

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha

V – ENTRE O CAMPO E A CIDADE: A ANTIGA POVOAÇÃO DA PEDRULHA «O poder municipal coimbrão de 1640 a 1777 está radicado numa cidade portuguesa de província. Coimbra é, porém, “das principais do Reino” e com dimensão internacional. Como noutras cidades coevas da Europa do Sul, o ritmo de urbanização moderna, que fora veloz em Quinhentos, também será refreado. A ruralidade do território envolvente continua a penetrar no conglomerado citadino, mas em grandes áreas do vasto termo coimbrão exercem‑se os efeitos de um modo de vida, de hegemonia‑influência e de poderes‑jurisdições que reforçam o primado urbano, o peso do seu aro, e a dominação sobre esse alfoz. A governança protagoniza também esta acção, e o topo do poder concelhio direcciona‑a sobretudo na dimensão administrativa, económica, financeira, judicial e fiscal que ligam e subordinam as aldeias do termo à cidade coimbrã, de acordo com a jurisdição cível e crime que pertence à Câmara e com directivas do poder régio. Deste espaço rural dependem os moradores citadinos, a instituição municipal, os seus membros e o círculo de sociabilidade e poder por ela definido…» [Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. III – Práticas e Processos de Formação Camarária, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2004, P. 249]



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Fotos 100 e 101 – Duas panorâmicas da zona da Pedrulha: em cima, aspecto parcial da antiga zona industrial e em baixo, o campo de futebol do Pedrulhense e os Campos do Mondego



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha

1. Das incertas origens ao reconhecimento histórico‑geográfico A Pedrulha é povoação localizada no Norte da Freguesia de Santa Cruz, uma antiga aldeia, hoje um bairro, distando 4 Km da Cidade de Coimbra. Enquadrada, geograficamente, pelo conhecido Campo de Coimbra, também designado por Campo do Mondego ou Campo do Bolão, faz parte de um conjunto mais alargado de povoações que nasceram e cresceram à sombra do velho rio e que se dispõem de Coimbra quase até à Foz. Em termos de origem toponímica trata‑se de um substantivo feminino que significa grainha de uva ou então colectivo de pedra (1). Estas formas parecem estar de acordo quer com a geologia da área, onde se detectam muitos afloramentos rochosos, quer com o ancestral cultivo da vinha. Surge também com a forma Petrulia nos documentos medievais. Coloca‑se um problema de difícil resolução no estudo das origens da Pedrulha: coexistindo na área duas povoações com o mesmo nome (a outra localiza‑se no Concelho da Mealhada), de qual falamos afinal quando os documentos apenas referem Pedrulha (ou Petrulia)? Outra confusão frequente e que se reflecte na documentação relaciona‑se com a utilização indeferenciada dos topónimos Pedrulha do Campo ou Pedrulha do Monte. Em alguns casos as referências geográficas acabam por dissipar dúvidas, como foi o caso de uma doação registada no ano 950, referente à Pedrulha do Concelho da Mealhada, uma vez que aparece referida como confrontante com a aldeia de Murtede. Por norma a Pedrulha que nos interessa é que vem associada ao termo coimbrão. Com maiores probabilidades de se referirem à «nossa» Pedrulha estão três documentos dos inícios do Séc. XII: ‑ O primeiro data de Setembro de 1129 e recorda o litígio entre D. Bernardo, Bispo de Coimbra e Bermudo Peres sobre a posse de uma casa próxima da Sé e de uma herdade na Pedrulha (villa nomine Petrulia). O Concilium de Coimbra, ouvidas as partes, deliberou atribuir tal casa a Bermudo Peres e a referida herdade à Sé (2). ‑ O segundo, data de Setembro de 1135 e por ele Maria Martins vende à Sé de Coimbra a sua parte numa herdade situada na Pedrulha (nomine Petrulie), onde a dita igreja já possuía o quinhão que lhe fora doado pelos filhos da vendedora (3). ‑ O terceiro data de 1180 e refere‑se à notícia, dos bens usurpados e posteriormente restituídos à Sé de Coimbra, graças aos esforços do bispo D. Miguel Salomão, benfeitor da referida Sé e da igreja de S. João de Almedina. Entre as povoações assinaladas refere‑se a Petrulia (4). Existe, ainda, um documento dos finais do séc. XIV que coloca a Pedrulha da freguesia de Santa Cruz na órbita do Mosteiro de Celas. O documento data de 21 de Abril



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Foto 102 – Aspecto do Tombo de Propriedades da Pedrulha



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

de 1378 e foi firmado em Celas. Por ele a abadessa D. Teresa Regadas e o convento de Celas dão a Lourenço Peres e a sua mulher uma herdade junto à Pedrulha, em troca de meia casa com pardeeiro em Eiras e de seis leiras de herdade na comarca desta aldeia (5). Esta herdade é apelidada de «Papanata» e sobre o logo da Pedrulha se diz que é «terra do Bispo de Coimbra». Embora não nos tenha sido possível detectar o momento a partir do qual se estabeleceu esta relação de dependência senhorial, a verdade é que desde o século XV que as terras da Pedrulha do Monte eram um Couto da Mitra Episcopal de Coimbra, que recebia o produto da exploração económica através dos seus rendeiros, os quais nem sempre se comportavam correctamente. Também por essa razão o Bispado, enquanto Senhorio Directo, promoveu na Pedrulha Tombos de Propriedades, essencialmente por necessidades de controlo e fiscalização económica. Reflexo da sua origem medieval, o núcleo antigo da Pedrulha conserva ainda os seus traços primitivos. Pelas informações retiradas dos Tombos de propriedades de 1659 e 1737 percebe‑se como noutros tempos o aglomerado urbano se dispunha, quase exclusivamente, ao longo de três vias de comunicação; Rua da Crus tambem chamada “O Corredor” (hoje Rua do Comércio), Rua do Adro e Rua de Baixo. De facto, ao longo destas vias dispunham‑se as casas de habitação com seus agregados familiares. Contabilizámos cerca de 104 casas, destinadas a fins diversos, prevalecendo a tipologia de casas térreas, ou seja, pequenas moradias de apenas rés‑do‑chão, algumas delas com os indispensáveis anexos para currais de gado, palheiros, adega, lagar e celeiro. Os mais desafogados viviam em casas de sobrado com um andar, algumas delas «com sua varanda», privilégio muito restrito. Também reduzido era o número de casas com forno: Bento Roiz Beirão, viúvo, possuía um forno integrando as casas térreas; e o outro era da viúva e filhos de Francisco Martins, também da Pedrulha nas «…casas térreas em que vive com sua quintãa e currais de gado no dito lugar». Em redor deste aglomerado dispunham‑se as terras destinadas à agricultura, organizadas em casais, alguns deles muito produtivos, que a seu tempo analisaremos. Além daquelas vias internas de comunicação, a Pedrulha estava bem servida de estradas e caminhos: «Estrada que vem de Eyras para a Pedrulha» (passava pela Cabeça da Romeira); «Estrada que vem de Eyras para o Campo»; «Estrada que vem do Val de S. Miguel para os Fornos e Treixomil»; «Estrada que vai para o Quarto» e, a mais importante de todas, a «Estrada que vem de Lisboa para o Porto» (actual E.N. 1). Esta estrada, no sentido Coimbra‑Pedrulha, logo que transpunha a Ribeira de Coselhas, passava pela ponte de Água de Maias, progredia na direcção da Capela de Nossa Senhora do Loreto e subia à Pedrulha depois de ter ultrapassado a venda da Fontoura. Aqui iniciava o percurso de descida, na direcção da ponte do Rachado seguindo para os Fornos. Outra importante via iniciava‑se perto da Capela do Loreto, logo à esquerda na direcção da ponte da Cidreira. Dava acesso ao Campo do Bolão, junto da Fontoura, onde se atravessava uma ponte com esse nome, também conhecida por “ponte do Loreto”. Esta foi calçada em 1634 com pedra grossa de muito boa qualidade e, em 1637 foram



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha

empedrados os arcos com lages grandes (6). Recolhemos na variada documentação que fomos consultando, alguns dos topónimos e microtopónimos antigos. Olhando para a realidade de hoje, facilmente constatamos que alguns desapareceram, enquanto que outros sofreram ligeiras modificações e outros conseguiram chegar até nós inalteráveis. A propósito de evolução toponímica dos sítios e dos lugares, merece uma chamada de atenção especial, a actual Rua das Convertidas. No Tombo de 1737 aparece como foreira à Mitra, as «Convertidas do Paço do Conde», forma já então alterada e que dizia respeito ao Recolhimento do Paço do Conde, instituição que tinha várias propriedades na Pedrulha. Este Recolhimento para mulheres convertidas foi fundado em 1690 pelo Bispo D. João de Mello ao fundo da Couraça dos Apóstolos. Seis anos depois foi transferido «… para umas casas pertencentes anteriormente ao conde de Cantanhede, situadas ao fundo da rua das Solas, no bairro baixo (…) Desde a mudança para as casas do Conde de Cantanhede, ficou sendo conhecido o recolhimento pelo nome de Paço do Conde.

TOPÓNIMOS E MICROTOPÓNIMOS (Orónimos e Corónimos) ANTIGOS REFERENTES A ZONAS DA PEDRULHA Localizados no Campo: Almoinhas, Alvade, Antas, Arnado, Bolão, Bunheira, Campo da Bunheira, Campo da Leira do Concelho, Campo Redondo, Covão, Fanadas, Fontainhas, Fontoura, Gallegos, Insoa do Cardote, Junqueira, Leira do Concelho, Leiras Longas, Poço do Carvalho, Ponte dos Galegos, Ponte do Rachado, Pontinha, Porto Espinheiro, S. Lombardo, Tianha, Vala Real. Localizados entre o Campo e o Monte: Arroteias, Barroca dos Vales, Cazadinha, Costa da Oliveira, Forcadas, Loureto, Peixieiros, Val de Gracia, Val de Cucos, Vala da Fontoura. Localizados no Monte: Cabeça Gorda, Cabessa da Romeira, Cabeço do Cardal, Cabeço do Fadiga, Cabeço dos Currais, Casal da Pedrulha, Casal do Ferrador, Costa da Fonte, Costa de São Simão, Covões, Entre os Cabeços, Lameiro do Saramago, Pedreira, Val do Forno. Localizados junto ao núcleo de povoamento: Atras das Eiras, Beco do Leitão (I, II e III), Carreira da Villa, Largo de S. Simão, Largo do Cruzeiro, Rua do Adro (hoje Rua da Igreja), Rua de Baixo, Rua da Crus (hoje Rua do Comércio), Rua da Romanzeira, Rua das Convertidas, Rua das Leiras, Rua do Leitão, Rua do Lagar Velho, Rua do Outão, Rua do Plátano, Rua do Vale do Forno, Travessa do Plátano, Travessa de S. Simão Topónimos alterados no pós‑25 de Abril (por sugestão da CM e por deliberação da Assembleia de Freguesia de 13/10/1978): Rua do Loureiro para Rua da Casadinha; a Travessa do Loureiro para Travessa da Casadinha; a Rua das Flores, para Rua da Primavera; Lameira do Saramago para Rua 1º de Maio; Estrada Nova da Pedrulha para Rua 4 de Julho.



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Este instituto foi destinado para vinte e seis recolhidas, cujo número mais tarde se elevou a quarenta. Tinha a invocação da Magdalena» (7). Dizem os documentos que as recolhidas no Paço do Conde tinham um Prazo na Pedrulha, perto do Cabeço do Cardal, composto por oito moradas de casas, sendo sete térreas e uma de sobrado, com seu portado e murado em roda, todas pegadas umas às outras, partindo de Sul com a Rua Pública. Deste prazo foi feito aforamento pela Regente do Recolhimento, D. Thereza Jacinta de Jezuz, em «emphateozim perpetuo» a 1 de Março de 1754. Ficou aforado, com licença do Bispo Conde, a Mauriçio Correa e sua mulher, do lugar da Pedrulha. Avaliado o foro das casas pelos louvados em 100.000 reís, foi o mesmo reduzido a 4.000 reis «… atendendo aos consertos de que necessitão semilhantes proproedades» (8). Na Pedrulha existiram, certamente, edificações para recolha das rendas (celeiros), que o Bispado cobrava aos inquilinos dos seus casais por intermédio de rendeiros, mas desconhecemos a sua localização. No mesmo sentido, e muito provavelmente, seria o mesmo senhor a receber direitos sobre o antigo moinho de vento. Pertença de Manoel Ribeiro Neves e de sua mulher, do lugar da Pedrulha, estava rodeado de oliveiras no local «…onde chamão o Lameiro do Saramago e sobe a ladeira onde está o moinho de vento que fica dentro desta terra» (9). Gozava a comunidade da Pedrulha de alguma autonomia administrativa, na medida em que constituía um pequeno concelho, incluído no Termo (10) ou Alfoz da Cidade e Município de Coimbra que sobre ele tinha toda a jurisdição cível e crime. As Ordenações Manuelinas determinaram a criação de juizes nas aldeias que distavam uma ou mais légua da cabeça do concelho e que tinham pelo menos vinte vizinhos, designando‑se cada lugar por “vintena”. A medida pretendia obstar a que os habitantes do alfoz tivessem de se deslocar ao lugar principal para requerer justiça. Desconhecemos a antiguidade do Concelho da Pedrulha mas, entre os anos de 1514 e 1521, a Câmara Municipal aprovou o Título dos julgados e juradias do termo desta cidade onde tem o cível e crime e quantos lugares e povoas andam em cada julgado e juradia». E aí aparece a juradia da Pedrulha com a qual «…hão‑de andar as Adémias» (11). Um pouco mais tarde, em 1533, e no auto de juramento dos juízes do termo, aparecem separadamente as Adémias da Pedrulha e a Pedrulha, assinando como juiz do concelho da Pedrulha um homem de nome pedre eannes (12). Em 1632 «…o guardador e porteiro da vintena da Pedrulha denuncia perante o juiz de fora – mas acabará por perdoar, por sua livre vontade – o facto de António de Agante, “o novo”, morador no mesmo lugar, lhe ter tomado por força quando levava para o curral da vintena “huma jumenta que andaua nos milhos”, o que lhe cabia como guardador, mas cuja condenação evita “por serem amigos antes do cazo acontecer”» (13). Mais tarde, a 4 de Dezembro de 1713, a Câmara Municipal ordena vistoria «No concelho da Pedrulha, por tomadia de terras da estrada pública e baldios» (14). Estes juízes, com outros homens bons governavam o concelho, dependentes da jurisdição do lugar capital, no caso Coimbra. De facto, os magistrados ou oficiais conce-



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lhios compreendiam um Juiz, um Procurador e um Escrivão, detectando‑se também a presença de pequeno oficialato, nomeadamente, Guardador (ou porteiro) do concelho, Avaliadores e Depositário Geral das Penhoras. Os principais oficiais concelhios – Juiz, Procurador e Tesoureiro – saíam de uma lista enviada à Câmara de Coimbra, onde para cada cargo se nomeavam três indivíduos, cabendo a decisão final às autoridades supramunicipais. Em 1515 o processo de escolha dos eleitos consta já do Regimento dos juízes: «Segundo este, os jurados e juízes em exercício deviam reunir‑se em conselho nas oitavas do Natal, “com os outros oficiais e moradores do lugar”.Todos os vizinhos, presentes ou não, eram inscritos num rol com indicação dos que serviram o concelho nos últimos três anos. Depois de assinada, a lista dos moradores era entregue no dia um de Janeiro na Câmara da cidade onde o juiz e os regedores, após o jantar, perante o rol, elegiam a pessoa que devia exercer a justiça. O próprio juiz ou jurado que foi levar a pauta a Coimbra notificava, no regresso, o eleito e os moradores. O nomeado devia prestar juramento na câmara seguinte. Até então continuava a exercer as funções o juiz (ou o jurado) cessante» (15). Este processo com o decorrer do tempo veio a ser alterado, designadamente, a pauta dos elegíveis, passando a Câmara a escolher o juiz apenas de entre três moradores eleitos pelos lugares. Os seus poderes no que toca à jurisdição crime eram limitados, podendo apenas prender em flagrante delito ou sob mandado de autoridade superior. Entre as suas obrigações constava a de assegurar que ninguém se intrometia na autoridade municipal, fazendo cumprir posturas camarárias e leis gerais sobre diversos assuntos. Detinha ainda competência para decidir, sem apelo nem agravo, contendas entre moradores, excepto sobre bens de raiz. No que toca à jurisdição cível podia determinar sobre danos e coimas provocados pelo gado. O desempenho da função do juiz pedâneo (também designado por juiz da aldeia ou juiz das vintenas) dava honra e respeito. Embora a pessoa escolhida, geralmente lavrador de ocupação, tivesse de estar apta para o governo e justiça da terra ‑ um homem bom do lugar, de bom trato e parecer – isso nem sempre acontecia, havendo casos de usurpações, falta de preparação e analfabetismo. Logo que tomasse posse a primeira função do juiz das aldeias era reunir‑se em conselho com os homens bons do concelho e eleger uma pessoa que guardasse a terra ‑ o guardador. Este pequeno oficial devia servir todo o ano, com salário pago pelos moradores e superintendia nos casos envolvendo gados encoimados, velando pela defesa dos campos contra os estragos causados pelos animais, registando em livro próprio os abusos. Devido às más condições dos caminhos que uniam as povoações, mais visíveis a partir da segunda metade do séc. XVII, dá‑se uma tentativa de organização do território concelhio, nomeadamente, nos trajectos a percorrer pelos caminheiros quando eram portadores de ordens da Câmara ou da Coroa ou, no sentido inverso pelas justiças dos lugares. Dessa iniciativa surge a definição de trajectos directos, organizando‑se os diversos concelhos por 8 cordas. A 2ª corda ia da Pedrulha a Sandelgas e passava pelos



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seguintes concelhos: Alcarraques; Antuzede; Sioga do Monte; Trouxemil; Zouparia do Campo (uniu‑se‑lhe Quimbres, posteriormente); Quimbres; Ardazubre; Lamaroza; S. Martinho de Arvore e S. Silvestre (16). O Concelho da Pedrulha possuía os seus símbolos e locais próprios de poder: Casa da Câmara, Rocio, Curral, e a «Leira do Concelho», conjunto de pequenas unidades de produção agrícola foreiras à Mitra, mas exploradas para rendimento concelhio. Junto a esta leira existia um caminho chamado, muito justamente, «Leira do Concelho; passava pelo sítio do Lavadoiro e, em 1826, o Senado da Câmara procedeu à sua demarcação «…por questões suscitadas entre os habitantes daquelas paragens» (17). Conhecemos os nomes dos oficiais concelhios da Pedrulha entre 1719 e 1829 (v. anexos, tabela 6), embora com algumas lacunas. Como o concelho dependia administrativamente da Cidade de Coimbra era nesta Câmara que os oficias vinham tomar juramento, perante o Dr. Juiz de Fora. O primeiro ocorreu em 1719: «Aos 6 de Marco de 1719 aparesserão Manoel Pereira e Manoel Fernandez e Manoel Ferreira todos da Pedrunha e tomarão o juramento dos Santos Evangelhos Manoel Pereira de escrivão e Manoel Fernandez de procurador e Manoel Ferreira de juis e prometerão fazer verdade ao povo e comprir suas cartas que todos levarão e aqui asinarão» (18). A partir de 1740 o concelho da Pedrulha, à semelhança dos demais concelhos do termo coimbrão, reger‑se‑á por um regimento, que aproximou o modelo rural ao modelo citadino, reorganizando as suas justiças e implementando o controlo apertado a partir do centro do poder concelhio. Este regimento facilitou, também, as correições feitas pela cidade aos lugares rurais do termo. Apenas se conhecem os regimentos para o Concelho da Pampilhosa do Botão (impresso) e Zouparria do Monte (cópia manuscrita). Na relação Coimbra‑Pedrulha encontramos duas referências e ambas ligadas com a gestão dos bens públicos. Na vereação de 4 de Dezembro de 1776 expede‑se ordem ao concelho da Pedrulha para que no termo de 8 dias desentupisse os bueiros da estrada dos Fornos, Pedrulha, Ponte da Cidreira e todas as calçadas do seu «distrito» para as águas terem «expedição» sob pena de prisão (19). Mais tarde, na vereação de 2 de Abril de 1791 a Câmara Municipal, avalia o requerimento de Francisco José Martins, da cidade de Coimbra, em que pretendia o aforamento da estrada que confinava com a fazenda no sítio da Costa de Oliveira, Concelho da Pedrulha, ao que o município se opõe pois a estrada era útil ao povo do concelho no verão e Inverno (20). O pequeno concelho da Pedrulha inseria‑se, para efeitos fiscais, no imenso Cabeção das Sisas da Vila de Eiras que cobria vasta área, abrangendo por exemplo, os seguintes concelhos; a Pedrulha com os dois lugares das Adémias de Cima e de Baixo, a Cioga do Monte, Trouxemil, Fornos, a Vila de Eiras, Casais de Eiras, Vilarinho, Vilela, Brasfemes e S. Paulo (21). Em termos militares a Pedrulha era sede de uma Companhia de Ordenanças. Nos anos 1641 e 1642, em plena Restauração, as milícias da Pedrulha foram nomeadas pelo Bispo‑Conde, o que não se estranhará uma vez que o espaço senhorial é por si tutelado (22).



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A Pedrulha, além de autonomia concelhia era uma freguesia religiosa e foi nessa qualidade que contribuiu, enquanto lugar do termo de Coimbra, para as despesas da guerra, definindo‑se‑lhe 110$392 a 18 de Maio de 1647. Em termos demográficos o dado mais remoto sobre a Pedrulha consta do censo ou numeramento da população do país ordenado por D. João III, através do alvará de 17 de Julho de 1527. Curiosamente, os 18 vizinhos contabilizados, compreendem uma vez mais «A aldea da Pedrulha com as duas povoas das Ademeas» (23). Esta aglutinação pode muito bem significar que, nesses tempos, as Adémias ‑ de Baixo e de Cima – andariam sujeitas, à autoridade concelhia da Pedrulha. Mais tarde, e segundo o Rol de Confessados de 1721, a Freguesia da Pedrulha tinha 229 fregueses, excluindo os menores de 7 anos (24). Alguns anos depois, em 1758, a Pedrulha apresentava 60 fogos e um total de 182 «almas de comunhão» (25). 2. O Senhorio e os laços económico‑sociais Em termos económico‑sociais a Pedrulha foi um Couto da Mitra Episcopal. Designava‑se como Couto da Pedrulha do Monte, para não se confundir com a Pedrulha do Campo, povoação também dependente da Mitra, localizada entre Casal Comba e a Mealhada. A documentação da Mitra aponta para uma relação de muitos séculos com a Pedrulha, quiçá iniciada nos finais da centúria quatrocentista. De facto celebraram‑se por estes anos quatro aforamentos; três deles em 1482, e outro em 1494, todos revelando nítidos intentos de povoamento. Estes documentos, hoje no Arquivo da Universidade de Coimbra, faziam parte do arquivo da Mitra com a designação de «aforamentos das terras da Pedrulha do monte». Sempre que necessários fossem, especialmente para efeitos fiscais e jurisdicionais, eram citados, trasladados, transcritos, ou, simplemente, mostrados. O primeiro que se registou, tem a data de 15 de Abril de 1482, e dizia respeito ao «Aforamento feito a fernam goncalves de hum meio casal na Pedrulha». Segue‑se o «Prazo feito a Afonço Gonçalves de hum cazal na Pedrulha do Monte», datado do mesmo dia, a que se seguiu o «Aforamento a gonçalo Gil de hum cazal na Pedrulha do Monte», que é do conjunto o mais antigo aforamento, datado de 13 de Abril de 1482. Por fim registou‑se o aforamento feito a Pero Annes e sua mulher Maria Annes e filhos, de um casal na Pedrulha, com data de 13 de Abril de 1494 A Mitra Episcopal, enquanto Senhorio Directo da Pedrulha, inventariou e definiu ao longo do tempo, as propriedades que aí detinha, promovendo a realização dos conhecidos Tombos de Propriedades. O mais antigo data de 1659, embora tenhamos dado particular atenção ao que se levou a efeito entre 1737 e 1752. Esta opção resultou do facto de constatarmos que tal dilatação no tempo se ter ficado a dever a um movimento de contestação anti‑senhorial, que a seu tempo analisaremos. Em 1659 a Mitra Episcopal avançou para a feitura de um tombo de propriedades na Pedrulha. D. Afonso concedeu autorização para tal, por Provisão de 16 de Março



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de 1658. Foi Juiz do Tombo o Dr. Francisco de Faria e Escrivão António Paez Rebello, iniciando‑se o processo a 31 de Julho de 1659. A primeira medida tomada foi a definição dos foros a pagar no Couto: «Os foros que se pagão neste Couto são os seguintes: ‑ Sincoenta e outo alqueires e tres quartas de trigo: ‑ Quarenta e nove alqueires e huã quarta de milho: ‑ Vinte e sinco gualinhas e doze frangaons: ‑ Outo Redes de Palha paga na Pedrulha pello novo ‑ A metade da Palha que derem as terras que vão reconhecidas per Francisca da Paxº veuva da Cidade de Coimbra» (26). Na presença das autoridades locais e de muitos moradores e lavradores, fez‑se «Auto da aleiração dos cazais deste couto da Pedrulha» a 7 de Agosto de 1659, sendo declarado por parte dos louvados nomeados pelas autoridades concelhias da Pedrulha que «…hera verdade que os cazais que o dito bispado tinha no dito luguar da pedrulha estavão tão misturados». Depois de consulta aos títulos antigos, que existiam em livros antigos, a polémica chega pela voz do procurador da Mitra: «…protestava de que por foral, tombo ou costume antiguos que mais foros se devião paguar ao Bispado». Contudo, a demarcação prosseguirá, passando‑se à demarcação do Couto. Pela sua descrição percebe‑se que em termos físico‑geográficos o Couto da Pedrulha apresentava uma forma arredondada, por entre os montes e os campos do Bolão: «…em como hera certo e verdade que este luguar e couto da pedrulha de que a mitra pontifiqual da dita cidade de Coimbra hera dereito Senhorio hera limitado e sircujtado sobre si assim no monte como no campo e sem nelle entrar outro Senhorio algum por ser redondamente demarquado emtre as terras pertencentes ao Duque de Aveiro, Univercidade e mosteiro Real das Cellas extramuros da dita cidade, São Bartholameu da dita cidade e outros mais Senhorios (…) e em como nas terras deste dito luguar senão metia outro nellas…» (27). Da feitura do Tombo resultou o encabeçamento do Couto da Pedrulha em 19 casais, sendo doze aleirados em função do foro de pão e aves e sete em função do foro da palha. O primeiro casal de foro de pão e aves definiu‑se com o «Encabeçamento em fatheozim perpetuo feito a Manoel Rodrigues Fadiga lavrador e morador no lugar da Pedrulha do Monte», enquanto que o primeiro casal aleirado em função do foro de palha foi «… feito a Manoel João do Murtal termo da Cidade de Coimbra». Setenta e três anos depois, já em pleno século XVIII a Mitra voltaria a promover um Tombo de propriedades no seu Couto da Pedrulha. Contudo, o processo não será pacífico e vai arrastar‑se no tempo. Na realidade e logo a abrir o Tombo, os inquilinos dos diversos casais, depois de reconhecerem a Mitra como Senhorio Directo e a obrigação de lhe pagar todos os foros, rações e mais direitos declaram não estarem de acordo nem com a ração dos legumes exigida, nem com o foro da palha:



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«…com declaração que dos legumes não pagavão ressam alguma mais que o dizimo somente assim de feijões graos de bico favas e milhos e chicharos tramossos e lentilhas e outros desta quallidade e que nesta posse estavão com justo titullo por terem alcanssado Senn.cas contra a Mitra e quanto ao foro da palha que estavão promtos para pagarem quinze tostões por cada rede de palha como estava alvidrado pellos louvados no tombo velho e que se não devia alterar a paga do dito arbitramento dos ditos louvados como tambem porq.e a rede de palha de que reza o tombo antigo hera tal que hia sobre um macho o que hoje he muito diverso porq.e a rede de palha que hoje se chama rede vai e se carrega em hum carro com tal formallidade e grandeza que toma quazi

AFORAMENTO FEITO A FERNAM GONÇALVES DE UM MEIO CASAL NA PEDRULHA DO MONTE Data: 15 de Abril de 1482 «…novamente aforava, e de efeito logo aforou e deu a foro e apoboraçom deste dia pera semprea saber a Fernam Gonçalves lavrador e morador no seu Couto da Pedrulha do Monte desta Cidade que hi de prezente estava, e a sua mulher Ignes Pirez e mais pera todos seus filhos netos herdeiros e geraçom a quem após elles vierem a saber hum meio cazal de herdade com a arrotea que jáz em val de marnel que hé citiado no dito Couto no qual elles aforadores moram a saber com suas cazas, corrais, vinhas, terras, e herdades asy no campo como no monte, roto e por romper, e com suas pertenças, com este preito e condissom que elles ditoz aforadores, e seus herdeiros moracem e apoboraçem o dito meyo cazal corporalmente, e continuamente, e que corregusem e amanhassem as cazas e currais de todo o fazimento e refazimento e que adubassem as vinhas e lhe dessem em cada hum anno de todos adubios acostumados, no dito couto, e que lavrassem e semeassem em cada hum anno suas folhaz todallas terras, e herdades, todo feito a seus tempos e sazoins per guiza que o dito meyo cazal e herdamento delle fosse todo sempre bem melhorado e nom pejorado todo asi feito às proprias despezas delles aforadores e que de todo o pam vinho linhom e quaisquer outras couzas que lhes Deus desse nos herdamentos do dito meyo cazal que desem e pagaçem de Reçom ao dito Senhor Bispo e sua meza Episcopal, a saber o pam, e linho e legumes de quatro hum, e o vinho do oitavo, e que o pam fosse debulhado, e limpo na Eyra e o linho curtido e enxuto no tendal e o vinho feito a bica do lagar, e que nom levassem nenhuã das ditas couzas athé que lhes primeiro nom fosse partido por parte do dito Senhor Bispo, e que mais dessem em cada hum anno de foro do dito meyo cazal des alqueires de pam meado a saber a metade de trigo e a outra de segunda ou senteyo pella medida velha na Eyra de todo o monte, e mais dessem de fugaça hum meyo alqueire de trigo pella medida nova do seu proprio delles aforadores, e mais huma galinha boa e recebida por Sam Miguel de Setembro…». [A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Autos e Sentenças, Liv. 22, 1726‑1788]



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huma Rua e para senão tombar no caminho de sua condussão vão acompanhando o carro (…) quatro homes emcostados para segurarem a dita rede para a quoal se procuram sempre dous bois dos mais formosos e vallentes…» (28). A divergência vem a acentuar‑se com a intervenção do procurador do tombo que na defesa dos seus interesses alega: «Como no tombo velho não constava desta izenssão mas antes fazia expressa menssam da Ressam de todos os frutos assim devião pagar a ressam de todos os ditos legumes de maneira que Manoel Ribeiro desta cidade Rendeiro actual da dita renda estava comfessando que antes delle cobrar a d.ta renda se estava cobrando a ressam das favas sequas, e quanto ãs redes de palha não consta do tombo velho que se pratique mais que as redes de carro e estas heram as que se devião pagar a Mitra e não em quinze tostões que os louvados do tombo velho repartirão pellos inquillinos…» (29). A situação agudiza‑se e, a 31 de Julho de 1737, realiza‑se pública audiencia na Cidade de Coimbra, nas Pousadas do Dr. Diogo Ribeiro Santiago, do Desembargo de Sua Magestade, ouvidor nas terras e coutos da Universidade e Juiz do Tombo. O procurador do tombo, Bernardo da Silva anuncia que havia citado os mais de 300 inquilinos dos 22 casais da Pedrulha «…não só para os reconhesserem na forma do tombo velho mas tambem para se louvarem para as medissões e destrinssa e votarem para cabessa declarando se tinhão alguma duvida e se formassem os ditos cazais de novo pela confuzão em que se achavão pella mã forma que lhe derão no tombo velho porque devendo ser arrumados sercuitados e separados huns dos outros os formarão no tombo velho e nas propriedades que cada hum dos Inquillinos pessuhia de que rezulta meteremsse os cazais de pão com os de palha a que agora se devia obviar formandosse os ditoz cazais separados cada hum em seo secuito…» (30). O despacho do juiz pede aos inquilinos que protestam o foro da rede de palha e a ração de favas e legumes que justifiquem a sua posse. De simples divergência o assunto ganha a proporção de contenda; a 10 de Setembro de 1737 os inquilinos contestatários passam Procuração ao Dr. Luis de Souza dos Reis e a Gaspar Jozeph dos Anjos para os defender na causa que os move contra o procurador e rendeiros da Mitra Episcopal da Cidade. Documento que vem assinado por: Padre António Fernandes Negrão, Padre Joze Antonio da Cunha, Padre Francisco Fernandez Negrão, Padre João dos Santos, Manoel Ribeiro Neves, João da Costa e Jozeph Barreto “o mosso” de alcunha. Como consequência, o Tombo chega a ser suspenso, o processo judicial corre os seus termos e, pelo meio, ocorre o falecimento do Juiz do Tombo. Somente alguns anos depois se retomam os trabalhos; a 30 de Janeiro de 1742 uma nova Provisão, de D. João V, encarrega o Bacharel Baptista Cardozo de Seixas para feitura do Tombo, que aceita a missão e nomeia como escrivão Christóvão Almeida, morador na sua Quinta da Ribeyra de Eiras. Com o reinício do processo, citam‑se novamente os inquilinos dos casais e propriedades do lugar da Pedrulha do Monte. Estávamos nos finais de Junho de 1742 e na inventariação dos bens que pertenciam à Mitra no Couto da Pedrulha e seu limite contam-se: «…doze cazais iguais emcabessados in perpetuum com o foro cada hum de quatro alqueires e tres quartas de trigo na Eira tres alqueires e sinco sollomis de milho gallinha e



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meia ou sento e sincoenta reis por ella e hum frango ou vinte reis por elle que tudo junto fazia soma de sincoenta e sete alqueires de trigo e quarenta e tres alqueires e meio de milho dezouto gallinhas e doze frangos (…) sete cazais tambem emcabessados in perpetuum com o foro de sete redes de palha e mais hum meo cazal unido com o primeiro com o foro de meia rede de palha e hum prazo com o foro de outra mea rede de palha e vem a ser outo redes de palha em soma, e tem mais o dito prazo de foro quatro alqueires e tres quartas de segunda e tres quartas de trigo e huma gallinha. Ha mais outro cazal com o foro de sinco gallinhas e outro de huma outava de cazal com o foro de dous alqueires de pão meado trigo e milho e huma gallinha e de todos os ditos cazais a Ressão de quarto e do vinho de outavo primeiro que o dizimo e tambem do prazo e alem disto da terra dos valles e de outra ahonde chamão os covões a metade da palha que derão à folha sem mais outro foro e a ressam de quarto e assim o Laudemio» (31). Entretanto são citados os Senhorios confinantes – Duque de Aveiro, Colégio de S. Bernardo, Igreja de S. Bartolomeu, Igreja de S. Salvador, Mosteiro de Celas – passo necessário para que se medissem e demarcassem as terras do Couto. De facto, em torno do Couto da Pedrulha multiplicavam‑se outros Senhorios. A própria Câmara Municipal de Coimbra possuía ali algumas propriedades: uma terra no sitio do Val do Forno, que fazia parte do caminho chamado da Costa da Oliveira e outra terra no sitio da Costa da Oliveira que noutro tempo fazia parte do caminho da Casadinha (32). Quando o Juiz do Tombo se preparava para apregoar e nomear os inquilinos de cada casal (v. anexos, tabela 7), os agora designados por «contestatarios» tentam perturbar o processo invocando as «sentenças da palha». Fazem‑nos através de novo representante legal, o licenciado e advogado de Coimbra, Hieronimo Rodriguez de Castor. E a lista de contestatários não pára de aumentar havendo a acrescentar os nomes de Bento Marques, Alferes da Vila de Eiras, Luis Marques e Manoel Marques Cezar e Manoel Fernamdes da Capella da mesma Vila, Manoel Duarte de Ribeiro, João Marques do lugar da Torre, Antonio Francisco Pisco da Adémia de Baixo e o Capitão António Gomes Leão da Adémia de Cima e Manoel de Oliveira do Logo de Deus. Volta a parar a feitura do Tombo, desta vez entre 1742 e 1749. Esta suspensão deve ter sido consequência da contenda que se levantou em Agosto de 1742 entre a Colegiada de S. João de Almedina e alguns moradores do lugar da Pedrulha pelo não pagamento dos dizimos referentes a 1739‑1740. Posteriormente, o Cabido da Sé Catedral e a Colegiada envolvem‑se também em contenda, a propósito dos dizimos que se pagam nas terras dentro do Couto da Pedrulha do Monte (33). Pelo meio regista‑se importante dado. A 11 de Fevereiro de 1743, elabora‑se um termo de consentimento entre os Inquilinos e Procurador do Tombo, consequência de sentença anteriormente proferida: «De comum consentimento dos Inclinos e Procurador do Tombo cuja Senn.ca passou em couza julgada e em vertude della mando se proceda, na nova formatura doz cazais com aquella equidade que o Direito permite conformar, que nem a Mitra nem os seos Inclinos sintão prejuizo com o que hey por deferido. E pello que respeita ao foro



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das Redes de Palha, como os Inclinos reconhecem a Mitra com o foro da dita Rede de Palha os hey na mesma por condemnados sem embargo de declararem ser no tempo do aforamento tal, a rede de palha que pagavão tal que hera conduzida sobre …porque se encontra com o arbitramento que os louvados fizerão para os Cabeças cobrarem dos maiz Inclinoz, no anno de 1659 porque se assim fosse, lhe não darião naquelle tempo nem ainda hoje, em que tem mayor valor, o preço de 1500 reis, que confessão, nem em semilhante porção podião ser condemnados, nem com ella reconhecerem a Mitra por ser fora do contracto do aforamento que se não podia invocar sem novo contracto, e aquella quantia foy arbitrio, que os louvados fizerão na destrinça para os Caeças a haverem dos mais (…) e que se oz Cabesas se sentirem gravadoz na parte que devem cobrar dos maiz inclinoz dos Cazais obrigadoz a dita Rede de Palha, peção ao Ex.mo Bispo Conde a sua redução…» (34). Neste ponto do processo é curioso verificar como os inquilinos da Pedrulha, teimosos e afoitos, não desistem discordando da condenação no que diz respeito à Rede de Palha. A pretensão sairá gorada uma vez que entretanto, chegava a ordem para se continuar o Tombo, fazendo‑se a destrinça dos casais pelos 1500 reis. Apenas em Dezembro de 1749 se retomará o processo, desta vez definitivamente. De facto no dia 17 e por Provisão Régia mandou‑se continuar na feitura do Tombo. Resultava este diploma da intervenção directa do Colégio dos Principais da Santa Igreja de Lisboa, que doravante e em comum com o Bispado de Coimbra agem como Senhorios Directos do Couto. Paralelamente, será concedido ao Juiz do Tombo a mesma jurisdição ordinária que tem o Juiz do Tombo dos bens da Real Coroa no Distrito da Vila de Santarém. Ratificado, a custo, pelas autoridades, o Tombo em execução reinicia‑se com demarcação do Couto da Pedrulha que «…tinha ficado suspença ao citio do Lavadouro a borda do Rio Mondego por ahi se nam achar hum marco antigo do Bispado, e nesse tempo senam avriguar, e por me constar agora que há pessoas que sabem em que citio, e lugar se acha o dito marco se fazia precizo se na lezarsse no mesmo citio a demarcassam deste couto…» (35). Fazem‑se novos autos de reconhecimento por parte dos moradores inquilinos do Couto da Pedrulha mas o movimento de contestação anti‑senhorial volta a emergir. Intimados a apresentarem os titulos que tivessem das ditas propriedades afirmaram: «… por elles todos juntos foi dito, e cada hum de per sy que elles nam tinhão titollo algum do Exsselentissimo Senhorio, e os porque pessuihão as fazendas que cada hum delles tinha dentro deste dito Couto heram os de compra, e folhas de partilhas de seus pais e avós, e mais antepassados os quais sendo preçizos nam teriam duvida aprezentarem (…) porem que dos feijois e mais legumes nam pagavão senam o dizimo por se acharem nessa posse, e que pello que respeitava aos foros das redes de palha que os cabeças dos cazais e sujeitos ao mesmo foro heram obrigados a satisfazer em espeçia aos Exsselentissimos Senhorios nam concentiam que se fizesse a destrinça do mesmo foro para os cabeças que forem eleytos o arrecadarem dos mais inclinos seus coherdeiros, mais do que pello



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preço de mil e quinhentos reis cada huma em que o cabeça a satisfizesse com espeçia ao direyto Senhorio querendo o mesmo direyto Senhorio antes o foro da rede de palha em espeçia do que a destrinça delle com o que haviam por feitas suas declaraçoens, e seu reconhecimento» (36). Apesar desta condicionante o tombo prosseguirá. Em meados de Janeiro de 1750 promovem‑se os autos de reconhecimento feitos pelos inquilinos dos Casais da Pedrulha (v. anexos, tabela 8), em audiências marcadas para as Quartas‑feiras e Sábados pelas 2 horas da tarde. Alguns inquilinos, pressionados pelo Procurador dos Senhorios a justificar a posse pela qual negavam as rações e foros já assinalados, divergem nos comportamentos adoptados: alguns desistem, outros aceitam todas as condições, há os que apesar de aceitarem protestam que se os inquilinos vencessem a demanda queriam ficar conservados na posse em que estavam, uns poucos porque tinham os bens sequestrados têm de aceitar, mas também há registo de «intransigentes», ou seja, que mesmo assim mantêm o seu protesto: Goncallo Rodrigues Ramos, da Cidade de Coimbra; Padre Manoel da Costa da Vila de Eiras; Jorge Trigueiros morador na sua Quinta de Coselhas; Joze Duarte da Gama e Maria, filha de Antonio Roiza Cazavelha; Manoel Fernandez Rolo, ambos deste lugar; Manoel Duarte, da Pedrulha; Padre Antonio Rodrigues Balam, da Cidade de Coimbra e Manoel da Murta da Vila de Eiras, e o Reverendo Padre Luis Antonio Ferreyra, confessor e administrador do Recolhimento das Convertidas da Cidade de Coimbra, Dr. Luis de Souza dos Reis e seu irmão, o Padre Antonio Jozé da Maya da Cidade de Coimbra; o Abade do Colégio de S. Bento da Cidade de Coimbra; Manoel Joze Coutinho Pereira e Horta da Cidade de Coimbra; Caetano Calysto Cabral Ares morador na sua Quinta de Tamengos. A 3 de Junho de 1752, os cabeças de casal de comum acordo com os Senhorios dos Casais da Pedrulha, vêem satisfeita a pretensão de reduzir a trienais os encabeçamentos perpétuos, ficando, contudo, com a obrigação de pagarem o terrádego das compras que fizerem envolvendo propriedades dos casais. A 6 de Março de 1755 o Juiz do Tombo, com base na Provisão de D. José datada de 2 de Dezembro de 1754 ordena a continuação da feitura do Tombo. A 6 de Março de 1755 são dados os autos por conclusos seguindo‑se a destrinça dos 23 casais. Como podemos observar na tabela, a destrinça dos 23 casais da Pedrulha compreendeu a inventariação dos foros a pagar por casal, o encabeçamento e a descrição ou identificação das propriedades dentro de cada Casal, as quais se compunham por uma quantidade imensa de pequenas unidades agrícolas, exploradas por vários inquilinos. No total dos 23 Casais da Pedrulha do Monte, e exceptuando os registos já referidos das casas de habitação, encontramos 416 propriedades agrícolas assim distribuídas: ‑ 301 (ou 72%) diziam respeito a terras de cultivo ‑ 52 (ou 13%) a olivais ‑ 19 (ou 5%) a vinhas ‑ 12 (ou 3%) a leiras de terra.



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O restante distribuía‑se por diferentes usos; terras com salgueiros, vinhas com pomar, leirinhas, leirões e sarrados. Uma chamada de atenção para os «Chãos», que em número de 12 se localizavam quase exclusivamente no Casal Nº 21. Tratavam‑se de pequenas propriedades de terra arável, muito produtivas, equivalentes a quintais ou hortas. Na Pedrulha constituíam uma espécie de meio aro junto à saída (ou entrada) Norte da povoação em torno do Cabeço do Cardal. Estariam dispostos no terreno logo depois das Eiras da povoação, umas vez que nos tombos aparecem associados ao sítio de «Atras das Eiras». Na destrinça destes Casais registaram‑se ainda três quintas, que constituíam unidades de produção de nível superior, todas foreiras à Mitra: a mais imponente seria a Quinta do Loreto, administrada pelos Religiosos do Colégio de S. Bento; no lado oposto, voltada para Norte e junto ao Alvade, tínhamos a quinta administrada por Margarida da Payxão, viúva de Bras Gomes Leal; e já em terras do campo a quinta junto a S. Lombardo, de que eram usufrutuários Gaspar Abreu e sua mulher, de Coimbra. Os inquilinos das terras dos Casais da Pedrulha não se circunscreviam a simples lavradores ou cultivadores das terras. Neles, pelo contrário, encontramos gente de várias classes e ocupações profissionais, naturais ou não da Pedrulha: Padres: Manoel Marques da Costa, de Eiras; António da Cunha, da Pedrulha; Manoel da Cunha Areias, de Rios Frios; Manoel da Costa do Rio (Eiras); Bento de Affonceca; Theodozio de Carvalho, da Castanheira; Vigário de Brasfemes, Francisco Gomes. Militares: Capitão António Gomes Leão e sua mulher da Adémia; Capitão João de Campos Branco, de Eiras; Capitão Luis da Costa, da Ventosa; Alferes Bento Marques, de Eiras. Licenciados: Dr. Manoel Cerpins de Carvalho, Dr. Luis dos Reys Souza, Dr. Simião Monteiro, de Vilarinho; Dr. António Carneiro, de Eiras. Altos funcionários do Estado e da Igreja: Manoel da Silva, Alcaide do Santo Oficio; Gonçallo Roiz Ramos, Inquisidor e Distribuidor de Coimbra; Affonço Jozé, Alcaide do Santo Oficio. Artesãos e Ofícios: Manoel João, sapateiro, da Pedrulha; Bernardo Cardozo, sapateiro, do Murtal; Gaspar Roiz, sapateiro, de Coimbra; Manoel das Neves, barbeiro, de Coimbra; Francisco Antonio de Santiago, ourives, de Coimbra e João da Costa Pestana, latoeiro, de Lisboa. Ainda uma palavra para importantes Senhorios que detinham, dentro e ao redor dos Casais da Pedrulha, propriedades sob sua administração, foreiras à Mitra: Colégio de S. Bento e Companhia de Jesus (Coimbra), Duque de Aveiro, o Recolhimento do Paço do Conde, as Confrarias do Senhor e da Senhora do Pé da Crus, ambas da Pedrulha, e a Confraria do Senhor Salvador do Mundo de Eiras. Concluído o Tombo de Propriedades, iniciado em 1737, importa questionar: que terá acontecido aos «Intransigentes»? Embrenhados em questões jurídicas, serião objecto de Autos de Libelo Cíveis, dos quais resultaram, na maioria dos casos, a condenação. Porém, nalgumas situações e fruto de recursos interpostos nas instâncias judiciais, perdemos o fio condutor da sua actuação. Sabemos, no entanto, que em 1763, os intransigentes Gonçallo Roiz Ramos (já falecido), Antonio Roiz Ballão e o Dr. Luis de Souza dos Reis e seu irmão Antonio Joze da Maya, foram condenados em primeira instância mas decidem recorrer por intermédio de seus legais representantes para a Relação do Porto (37).



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3. Património, Arte e Religião 3.1. A Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da Piedade Como dissemos noutro local, a Pedrulha foi sede de uma freguesia religiosa até ao século XIX – um curado ‑ que tinha como orago Nossa Senhora da Visitação. Dessa actividade conservam‑se diversos livros de registo paroquial (Baptismos, Casamentos e Òbitos) no Arquivo da Universidade de Coimbra. O assento mais antigo, celebrado na desaparecida Igreja da Pedrulha, data de 15 de Junho de 1572 (38): «Hua fylha de Yorge Frz o Novo e de Marya Frca forão padrº e madrynha Manuell Yº e Cateryna Allvres ambos moradores na com reyrya e foy bautyzada em os Xb dyas do mez de Junho era de 1572 annos. [Assina o Cura, António da Cunha] São poucos os dados documentais sobre a antiga Matriz de Nossa Senhora da Vizitação, ainda assim dignos de certa atenção: tinha uma Capela dedicada a S. Miguel, instituída por vontade de Manoel Roiz Fadiga, do lugar da Pedrulha. No entanto, e porque a morte o surpreendeu foram suas filhas, Maria Simoens e Joana Simoens quem trataram de todo o processo junto do Bispado, entre 1695 e 1696: requerimentos, vistorias, autorizações e bênçãos, colocando como segurança das obras a efectuar a sua terra com olival no sítio do Quarto, atrás de S. Simão (39). Um ano depois as filhas vêm a cumprir uma segunda vontade de seu pai. Desejava Manoel Roiz construir outra capela, dedicada a Nossa Senhora do Pé da Cruz, dentro da Igreja Matriz, tendo deixado missa quotidiana para esse fim. Como a Igreja não tinha altar próprio da Senhora da Cruz para se poder dizer missa pelo testador, as filhas apresentam ao bispado suas justificações. Nestas pedem que a missa seja celebrada na Capela de S. Miguel, colocando‑se nela a Imagem de Nossa Senhora do Pé da Cruz. Pretensão aceite pelo Bispo Conde que lhes concedeu licença para tal fim em 29 de Janeiro de 1697 (40). Através dos documentos, ficamos a saber que o interior da velha igreja comportava, também, um outro altar dedicado ao Santíssimo Sacramento, embora a imagem nele colocado fosse de Nossa Senhora. Talvez por estas alterações se possa justificar o aparente equívoco do pároco que redigiu as informações paroquiais de 1721 relativas à Pedrulha ao escrever: «Nesta Igr.ª ha huma Capella particullar de Nossa Senhora da Piedade, que instetuhio M.el Rodrigues Fadiga com missa quotidiana pella sua alma, e de seus herdeiros». Na posse destes elmentos, talvez seja de arriscar uma provável descrição da velha matriz pelos finais de seiscentos: Nave única, Altar‑mor dedicado a Santa Maria e duas Capelas laterais; uma dedicada a S. Miguel (depois à Senhora da Cruz) e a outra dedicada ao Santíssimo Sacramento. A actual Igreja Matriz localiza‑se em local airoso e privilegiado da povoação, com amplas e agradáveis vistas para os Campos do Bolão. Ergueu‑se, pensamos nós, sobre a



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antiga matriz que seria de menores dimensões, ou veio substituir em novo sítio a existente junto ao local conhecido como o antigo cemitério da Pedrulha onde em Outubro de 1959 apareceram ossadas, um anel e moedas (41). As reduzidíssimas comunicações sobre a Igreja da Pedrulha, nas informações paroquiais de 1721 e de 1758, parecem dar força à nossa teoria, caso contrário teria o templo sido objecto de maior atenção e descrição histórica. Foi ao Bispado de Coimbra, enquanto Senhorio Directo do Couto da Pedrulha, que coube a edificação do novo templo, quando o anterior entrou em acelerada ruína. Por esse motivo ficou a assinalar o feito, «O escudo de armas que se destaca na frontaria (Cunhas dos Condes de Povolide), tendo em chefe uma cruz adorada por dois anjos, do mosteiro crúzio) mostra que é de construção do bispo‑conde D. Miguel de Anunciação (1739‑1779)» (42). De facto no século XV D. Afonso V concedeu ao Bispo D. João Galvão a dignidade, preeminências e privilégios do condado de Arganil, Senhor de Coja e Alcaide‑Mór de Avô, para serem gozados por ele e pelos seus sucessores na Mitra de Coimbra. Consciente da importância do Couto da Pedrulha na estrutura económico‑religiosa do Bispado, D. Miguel da Anunciação ter‑se‑à empenhado, pessoalmente, na construção,

Foto 103 – Fachada da Igreja da Pedrulha



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oferecendo a um pequeno lugar e freguesia como a Pedrulha um templo de dimensões consideráveis. Os trabalhos de construção, nos quais participaram com o seu esforço, muitos paroquianos da Pedrulha, concluíram‑se pelos finais de 1779, inícios de 1780. Não teve, contudo, o Bispo‑Conde a felicidade de ver celebrado o primeiro assento paroquial na nova igreja, uma vez que falecera entretanto. De facto, e colhendo informações a partir dos Livros de Registo Paroquiais da Pedrulha, sabemos que o primeiro acto celebrado na Nova Igreja data de 18 de Outubro de 180. Na frontaria os cunhais unem‑se por cimalha adintelada. A empena forma um corpo central demarcado por pilastras, as quais suportam uma curiosa cimalha curva, onde se enquadrou o brasão. O interior é de nave única, com três retábulos setecentistas da mesma época da construção do templo, cada um com duas colunas compósitas, de dois anjos no começo do frontão. Animam a composição douradura e marmoreados.

Foto 104 – Livro de Registo Paroquial da Pedrulha



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Foto 105 – Interior da Igreja Matriz da Pedrulha

Foto 106 – Retábulo colateral esquerdo de N.ª Sr.ª da Piedade

No lado do evangelho temos a escultura da Piedade (Senhora com Cristo nos braços) de tamanho grande, enquanto que no da epístola temos a Senhora da Visitação, imagem de mãos postas, como as imaculadas, ambas também do século XVIII. A antiga imagem de S. Simão, que veio da capela do lugar, com a mesma invocação, está agora na igreja. É muito antiga e valiosa esta peça, datada do séc. XVI, onde S. Simão aparece vestido de franciscano, com barbas, segurando na mão esquerda um livro sobre o qual pousa uma pomba. Na Sacristia está um alto lavabo, de linhas simples e, em frente ao arco cruzeiro, quatro pedras sepulcrais que parecem ter sido ali colocadas aquando da nova construção como forma de reaproveitar os materiais provenientes da velha Matriz. Ao longo dos tempos a Igreja Matriz foi objecto de restaurações e pequenas conservações: a 3 de Janeiro de 1889 a Junta de Paróquia de Santa Cruz



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O PRIMEIRO ASSENTO PAROQUIAL NA NOVA IGREJA DA PEDRULHA

resolve reformar «… o estuque e pintura do retabullo e coro da Egreja «Em os dezouto dias do mes de outubro do anno de mil e da Pedrulha» (43), dessetecentos e outenta Baptizei o primeiro na Igreja nova e pendendo‑se 195$000 pus os sanctos oleos a Antonio filho legitimo de Joam Men- reis em trabalhos que des natural da sidade de Coimbra e de sua molher Maria se prolongaram para Ignacia natural deste lugar e freguezia da Pedrulha e nele 1890 e que acabariam assistentes nepto paterno de Joam Mendes e de sua molher por abranger o concerto Maria Freire naturaes da mesma sidade e pela materna do dos telhados; em Junho Capitam José António da Cunha e de sua molher Thareza de 1983 concluiram‑se de Jezus naturais deste lugar foram padrinhos o Reverenimportantes obras de do Joam Antonio de Souza Negram Arsedeago de Penela beneficiação, reabrindo e prior da Igreja do Salvador de Coimbra (…) e Madrinha o espaço ao culto na Mariana Clara Roza de Abreu molher do Capitam Antonio presença de importantes Rodrigues de Masedo Mercador de Samsam de Coimbra (….) foram testemunhas do dito Batismo Francisco Dias da figuras, como Mendes Silva e D. João Alves, Encarnasam e Antonio Joze da Cunha» respectivamente Presidente da C.M.C e Bispo Assina o Cura, Manuel Antonio da Piedade Collaço de Coimbra. O adro da Assento extraído de Livro Misto da Freguesia da Pedrulha, 1762‑1830 Igreja da Pedrulha foi restaurado em 1997, tendo‑se colocado o gradeamento em volta, que orçou em 310 contos, obra feita por administração directa pela junta. A Padroeira da Pedrulha é Nossa Senhora da Piedade, cuja festa se celebra em Setembro. A 22 de Outubro de 1896 a C.M.C. decidia: «autorizam‑se ornamentações na Pedrulha pelas Festas da Senhora da Piedade» (44). A Igreja Matriz tem acolhido igualmente o Dia da Festa da Espiga, em Maio, com missa, actuação de grupo folclórico e merenda partilhada no Adro. 3.2. A Capela de S. Simão Localiza‑se no monte mais alto da Pedrulha, que tem o mesmo nome do Orago, a sudeste da povoação. A sua história é feita de sucessivas ruínas e reformas, motivo pelo qual o seu interior se encontra despojado de elementos de valor. Exceptua‑se o arco cruzeiro, com vestígios de policromia, e um pequeno retábulo de pedra, de pilastras simples com entablamento direito, datáveis do séc. XVI. Este retábulo, que parece ser da escola de João de Ruão, juntamente com uma também seiscentista Imagem de S. Simão, recolheu à Igreja Matriz, onde ambos presentemente se encontram. É assim muito provável que a primitiva Capela de S. Simão tenha sido edificada no Séc. XVI, embora não seja um dado seguro que estivesse erguida no local onde hoje se



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Foto 107 – Vista exterior da Capela de S. Simão

encontra. Nos Tombos de Propriedades de 1659 e de 1737, dinamizados pela Mitra Episcopal, avultam pequenas referências à ermida, tanto à Capela de S. Simão como à «Costa de S. Simão». Nas informações paroquiais de 1721 o Padre‑cura da Pedrulha, Manoel Ferreira anotava o seguinte: «Nesta freª da Pedrulha há a Ermida da imagem do Apostolo Sam Simão que he do povo e pello discursso do anno, e no dia da festa da imagem do dito Apostolo, há algum concurso de gente cem missas, e ofertas por ser a dª imagem millagroza» (45). Aproximadamente um século depois, a Capela de S. Simão foi objecto de um registo que poderia ter tido graves consequências para a sua sobrevivência: por Provisão de D. João, datada de 13 de Outubro de 1818, registava‑se a sua abolição. Uma medida legal que surgia na sequência de uma petição de Joaquim Simões Pinto, do lugar da Pedrulha, dono de «huma fazenda nobre» onde a capela se erguia. Este diploma, deixa perceber que a capela estava arruinada e que servia não já de templo mas de casa de habitação. Porém, como seria muito querida pelo povo, havia sido objecto de um pedido de reedificação por parte de alguns paroquianos. Contra esta pretensão se defendeu Joaquim Simões, alegando que ela estava inserida na sua propriedade: «…dentro da qual exestia emcravada huma caza que servio em outro tempo de Capella de São Simão, e nella a perto de trinta annos, que pela sua ruina senão festejava o Santo; acontecia agora que alguns inemigos do Suplicante, mais por vingança, do que



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Fotos 108 e 109 – Duas peças da Capela de S. Simão actualmente na Igreja Matriz: à esquerda, escultura de São Bento e, à direita, fragmento de retábulo de João de Ruão

por zello da Relegião, tinha contrebuido para a sua redeficação com o unico fim de o inquietar, pois que o povo se arrogava a posse da dita Capella, não havendo outra serventia para ella, senão pela fazenda do suplicante, que comprehendendo vinhas, arvores de fruto, terras de semeadura, e ortaliçes, ficava desta forma publica devassa, e exposta a roubos continuos, de quem a titullo de devoção quizesse lá entrar em todo o tempo, e a toda a hora, e nestes termos era munto projudeçial a referida Capella naquelle sitio ao Suplicante» (46). Joaquim Pinto (47) apresentou argumentos sólidos perante as autoridades para que a capela fosse abolida, demonstrando até boa vontade: «…não tinha fundo, nem rendimento algum, proçedendosse a hum justo vallor da mesma, bem como do seu terreno, e serventia respetiva para ser aplicado ao Culto do Santo na Igreja Matris, ou permetir‑lhe a fatura de nova Capela, como aquella na mesma propriedade, mas a façe da estrada publica, de maneira que ficasse extincta e abolida a antiga e sua serventia». Uma pequena nota acerca da serventia de acesso à capela. Embora actualmente já não seja utilizada, a realidade é que foi sério motivo de preocupações entre o povo e os proprietários do terreno. Não por acaso, já em 12 de Fevereiro de 1818 a Câmara Municipal ordenava uma vistoria ao «…lugar da Pedrulha, na estrada que servia a Capela de



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S. Simão, por se encontrar impedida ilegalmente» (48). Deste acto resultaria a restituição da serventia e a condenação do prevaricador. Retomando o fio da história. O Provedor da Comarca de Coimbra, confirmaria a inexistência de fundos ou de rendimentos necessários para a sua sustentação, anotando estar a mesma «em huma total ruina de pedra tosca, e barro, e cercado de silvas, e matto». O caminho para a decisão em abolir e conceder licença para uma nova reedificação estava aberto. Porém, o destino projectado para a Capela de S. Simão, que era do povo e a ele sempre pertencera de forma directa ou indirecta, terá tocado o fundo do coração da paróquia. Objecto de um acto de direito, nunca o mesmo se tornou efectivo, talvez porque o período, feito de revoluções liberais, extinções concelhias e fim de ordens religiosas a tenham preservado contra, paradoxalmente, todas as previsões! Sabe‑se lá com que custo o povo conseguiu impedir a sua demolição. Espera longa que daria lugar a um importante triunfo; na realidade, a 29 de Dezembro de 1890 o Prior e Presidente da Junta de Paróquia de Santa Cruz, Joaquim António d’Oliveira, dava opinião favorável a que o templo, agora restaurado e reformado, fosse benzido. Respondendo deste modo e de forma positiva, a um requerimento entregue na véspera por alguns devotos da Pedrulha e que tinha a assinatura de Alberto Mendes Simões de Castro. Como homenagem a estes homens se lavrou um pequeno letreiro na frontaria onde se lê: «RESTAURADA PELA DEVOÇÃO DOS MORADORES DA PEDRULHA 1890». Sabemos que esta restauração esteve envolvida em alguma polémica. As obras iniciaram‑se, pelos princípios de 1890, sob o patrocínio da Junta de Paróquia de Santa Cruz. OPINIÃO FAVORÁVEL DO PRIOR DE SANTA No entanto, a 16 de Fevereiro este organisCRUZ PARA QUE A CAPELA DE S. SIMÃO mo era surpreendido, FOSSE BENZIDA E SERVISSE AO CULTO em plena reunião dos seus elementos, por «… Em satisfação ao Venerando despacho supra cumpre‑me inum protesto assignado formar que a Capella já existia n’aquelle lugar, e foi reparada de por alguns moradores novo, é publica, e pertence á povoação da Pedrulha do Campo, do logar da Pedrulha, d’esta freguezia, e está situada a 125 metros da Capella, que já declarando que a Cafoi Egreja Matriz, e dista d’esta de Sancta Cruz tres kilometros, esta preparada com decencia e apta para n’ella se celebrarem pella de S. Simão do os officios divinos, e os guisamentos necessarios são lhe dadas mesmo logar pertence pela Junta de Parochia d’esta freguesia, como foi e e é costume ao povo e não à Jun49 para todas as capellas filiaes d’esta parochia. Coimbra 29 de ta de Parochia» ( ). O problema que se desembro de 1890» levantou resumia‑se Assinatura: O Prior de Sancta Cruz, Joaquim Antonio d’Oliveira. à propriedade sobre o edifício, levando a [In A.U.C. – Capelas, Cx. 15, Doc. Nº 11: 28 Dezembro 1890] uma divergência entre



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o presidente e o vogal Guimarães. Para o primeiro, e dado que no arquivo não havia encontrado documento algum que provasse a quem pertenceria a capela, valia sobretudo as opiniões recolhidas, as quais apontavam ser pertença do povo. Interpretação diferente tinha o dito vogal: «…se inclinava que a Capella pertencia á Junta e não ao povo, pela circunstancia de, em tempos remotos, ser freguezia o logar da Pedrulha tendo por matriz a Egreja do mesmo logar sendo a Capella de S. Simão pertença da mesma freguezia, e tendo passado a Pedrulha para esta Parochia, ficou a Capella de S. Simão sendo pertença da Junta» (50). A Capela de S. Simão entrava no século XX com renovado fulgor, mas o brilho duraria apenas alguns anos. O desgaste do tempo obrigava a que os mordomos de Nossa Senhora da Piedade tivessem de intervir, oportunamente, lavrando‑se novo memorial na verga da porta: «S. SIMÃO RESTAURADA PELOS MORDOMOS N.S.P. EM 1925». Mas, a maior polémica envolvendo a história desta capela estava para surgir. A 1 de Abril de 1963 a Pedrulha acordava sobressaltada com a notícia da venda da Capela de S. Simão e terrenos adjacentes ás Fábricas Triunfo, constando‑se que para aquele local o dono da empresa, Joaquim Machado, projectava uma moradia envidraçada. O caso assumiria foros de escândalo pois tal venda havia sido feita com a conivência do pároco e da Comissão Fabriqueira de então, de pouco valendo a justificação de que o produto da venda reverteria em favor de reparações na Igreja Matriz. O povo da Pedrulha reage de forma ponderada e pela voz de «Dois pedrulhenses amigos da sua terra». Em carta datada de 12 de Abril de 1963, publicada no Diário de Coimbra, Joaquim de Oliveira Marques e Manuel Gomes, agindo como interlocutores da aldeia, interrogam‑se «Porque venderam a capela da Pedrulha?». A resposta justificaria o texto então divulgado, onde o pesar, a revolta e a emoção estão à flor da pele: «Agora, sr. Director, a nossa capela foi vendida. É uma dura realidade…E foi vendida sem ser tomada em conta a opinião do povo que nem sequer foi ouvido. Toda a gente, velhos e novos, soube da notícia com profunda tristeza e amargura. E a pergunta vem de todos os lados: Porque venderam a nossa capela?». Poderia ter chegado o fim da Capela de S. Simão, que arruinada parecia aguardar o golpe de misericórdia. De facto, já no inventário artístico de 1947, Vergilio Correia e Nogueira Gonçalves afirmavam que a ermida se apresentava como «insignificante e a arruinar‑se». Uma vez mais diremos nós! Utilizada, liturgicamente, aquando das romarias do dia do santo, tornara‑se, entretanto, um local de estudo para os alunos aplicados e local de brincadeira para as crianças. Mas a Capela de S. Simão resistiria uma vez mais à incúria dos homens. Os já referidos elementos porta‑vozes do povo, tudo fizeram junto do Seminário para que o nefasto projecto não se consumasse. A eles se juntaria Ernesto Soares, que no âmbito das diligências levadas a cabo chegou a ser ouvido na PIDE… Prevendo‑se reação popular o processo não avança. As Fábricas Triunfo reconstroem o templo e colocam uma pequena placa na frontaria da ermida aludindo à intervenção:



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QUEM FOI S. SIMÃO? O apóstolo Simão anda muito associado a S. Judas Tadeu, embora pouco se saiba sobre ambos. Simão terá sido martirizado durante o Império de Trajano em 107; serrado ao meio, motivo porque na maioria das representações que dele são feitas o seu atributo seja uma serra. Contudo, a imagem do santo titular da Capela de S. Simão, que está na Igreja Matriz, mostra‑o vestido de franciscano, segurando na mão esquerda um livro sobre o qual pousa uma pomba. Simão era também chamado Zelota, pois terá pertencido ao partido radical e nacionalista dos zelotas, opositores intransigentes do domínio romano na Palestina. A sua festa celebra‑se a 28 de Outubro, dia em que também se celebra a festa em honra de S. Judas Tadeu. Tal facto deve‑se a uma antiga tradição, em que os dois foram sempre juntos pregar a Palavra de Deus por toda a parte. «RECONSTRUIDA POR FABRICAS TRIUNFO NO ANO DE MCMLXXV». Passados os tempos de Abril, seria a população a restaurar o tempo: «Restaurada pelo povo da Pedrulha 1983». O progresso acabaria por trazer consigo a resolução definitiva do problema da Capela de S. Simão, consequência directa da aprovação por unanimidade pela Câmara Municipal de Coimbra, em 28 de Maio de 2001 de um projecto de loteamento para o Monte de S. Simão. Sendo manifesta a intenção, por parte dos promotores, de incluir a capela e área envolvente nas áreas de cedência, a Câmara Municipal de Coimbra autoriza essa integração: «Do nosso ponto de vista, não há inconvenientes na gestão deste espaço (incluindo a capela) ser confiada à Fábrica da Igreja da Reitoria da Pedrulha, desde que aquela área seja integrada no domínio privado da Câmara Municipal de Coimbra e seja celebrado um acordo de cooperação que abranja a vigilância, limpeza e higiene do espaço, a conservação e plantação de espécies vegetais, e a manutenção do equipamento existente, nos termos do disposto no art. 18º do Regime Jurídico do Licenciamento das Operações de Loteamento e Obras de Urbanização». Por outro lado, e como tal área se poderia enquadrar na cedência prevista no art. 10, a) do Regulamento Municipal sobre Taxas e Cedências Relativas à Administração Urbanística, previu‑se que a diferença pudesse ser compensada através de pagamento em numerário, à Reitoria da Pedrulha, do valor de 9.846.777$00. Pelo Alvará de Loteamento Nº 543, de 8 de Abril de 2005, a Câmara Municipal de Coimbra concedeu licença para dividir em lotes o prédio sito em S. Simão com a área total de 18.500.00 M2. A Capela de S. Simão era, finalmente, por direito e não apenas pela acção, do povo da Pedrulha! Para que o processo fosse dado por concluído, faltava apenas a doação da Capela de S. Simão à Diocese e desta, eventualmente, à Fábrica da Igreja. O pequeno templo tem sido procurado para casamentos e baptizados. A sua festa realiza‑se na segunda‑feira de Pascoela.



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3.3. Património Diverso: cruzeiro, casas, registo de azulejos e as fontes. A Pedrulha, além dos seus templos, possui interessantes motivos de arte espalhados pelo povoado. O antigo cruzeiro, na confluência da Rua da Igreja e Rua do Comércio, data do séc. XVI. Ergue‑se numa coluna dórica, assente num bloco de pedra simulando rochedos. Na frente do capitel há o que resta de um escudete com letreiro. No Tombo de Propriedades da Mitra, em 1737, surge referência à «Rua da Crus», nome que deriva, certamente, da existência do cruzeiro naquele local. Pelo povoado vêem‑se algumas casas de aventais rectangulares, destacando‑se uma, na Rua do Comércio, que tem no topo da escada, uma varanda simples, de parapeito de pedra e quatro colunelos. Este tipo de casa era frequente na Pedrulha, não tanto como as «casas térrias», mais vulgares, que no dito Tombo surFoto 110 – Cruzeiro, séc. XVI ge como «casas de sobrado com sua varanda». Alguns registos de azulejos captam a nossa atenção. Na Rua do Comércio e sobre um portão destaca‑se um conjunto de dois azulejos numa composição ovalada, com a figuração de Santo António, do séc. XVIII. Na Pedrulha detectam‑se 3 fontes, hoje designadas como: Fonte dos Passarinhos, Fonte da Costa e Fonte da Tulha, havendo ainda o registo de se ter entulhado uma nas Fontainhas. A Fonte dos Passarinhos, situada a caminho do Campo do Bolão, à esquerda da via‑férrea (sentido ascendente) e a cerca de 4 Km de Coimbra, é um pequeno monumento tipo “ara romana”. Teve durante décadas um papel fundamental no fornecimento de água aos habitantes da Pedrulha, partilhando esse papel com a Fonte da Encosta. Há 60 anos atrás andava o povo da Pedrulha em constante aflição com a falta do precioso líquido; a Fonte dos Passarinhos encontrava‑se quase sempre estragada pelo muito serviço que tinha, Foto 111 – Pormenor da Fonte enquanto que a da Encosta, moía a paciência, na medos Passarinhos



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dida em que eram precisas ¾ horas para encher um cântaro de 20 litros. Em Agosto de 1913 a bomba da fonte avariou e durante um mês a situação foi desesperante:«A gente da povoação vai buscar água ao rio Velho, com grande risco de beber água em péssimas condições para a sáude» (51). A fonte terá sido reparada, mas algumas décadas depois a situação voltava a repetir‑se, valendo a intervenção firme e justa da junta de freguesia, que mandou colocar uma bomba nova na antiga Fonte dos Passarinhos. O melhoramento, que rondou os 800$00 foi recordado Foto 112 – Casa antiga na Rua do Comércio pelo Diário de Coimbra em Dezembro de 1949: «Rejubilou todo o povo! A fonte fica a 400 metros da povoação, mas fornece água com fartura a todos os habitantes, e no Verão até beneficia os trabalhadores dos Campos do Bolão» (52). O artigo refere ainda que tendo coincidido a obra com a Quadra Natalícia, a Junta fez distribuir pelos pobres da freguesia no lugar a quantia de 20$00 a cada um. Na Pedrulha organizou‑se uma Comissão, composta por António Pratas, Joaquim Borges, António Soares, Francelino Veríssimo, Manuel Marques e José Ribeiro, que logo manifestou ao órgão local o seu reconhecimento, tendo realizado uma homenagem simbólica no Dia de Natal que meteu gaiteiros, foguetes e um arraial até madrugada. As preocupações com as fontes, tanto da parte do poder local, como do poder concelhio suceder‑se‑iam, colhendo‑se os seguintes registos: em Setembro de 1890 a C.M.C. manda reparar a Fonte da Pedrulha e, em Agosto de 1893 ordena que se reparem as Fontes da Pedrulha (53). 3.4. A Quinta do Loreto. Na povoação do Loreto e seguindo a estrada no sentido Sul‑Norte, enquadra‑se na área geográfica da Freguesia de Santa Cruz, as terras à esquerda entre as duas passagens de nível. A poucos metros da Capela do Loreto (que faz parte da Freguesia de Eiras), encontramos a antiga Quinta do Loreto, hoje adaptada a eventos sociais. Os dados que reunimos acerca desta quinta apontam para o aparecimento da mesma em propriedades pertença da Mitra, que foi até à extinção religiosa a Senhoria Directa da mesma. De facto, o brasão que se vê no núcleo mais elevado da casa, e voltado para



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Nascente, pertencia ao Bispo D. Antonio de Vasconcelos e Souza, que desempenhou o cargo entre 1706 e 1717. A ele se terá ficado a dever, ou a responsabilidade directa pela edificação da quinta ou, pelo menos, terá contribuído para a sua remodelação/ beneficiação. Durante o séc. XVIII a quinta seria arrendada aos religiosos do Colégio de S. Bento, que por sua vez a sub‑arrendaram a particulares para daí extraírem o máximo de proveito. De facto em Abril de 1746 João Bernardo Pereira Coutinho de Vilhena arrematava a «quinta do Loreto e mais pertensas, que era de Antonio Lopes de Sequeira» (54). Dois anos depois quiseram os religiosos de S. Bento comprar a quinta, para o que alcançaram do Rei provisão nesse sentido. Contudo, ouvidos a Câmara e Povo estes se lhe opuseram alegando que a venda, atendendo aos rendimentos extraídos da quinta, prejudicaria a Fazenda. Nesse documento a quinta é classificada como «a melhor propriedade que tem os aros desta Cidade»(55). Constata‑se pela observação dos mapas relativos ao estado económico do Colégio de S. Bento que durante a primeira metade do século XIX a quinta manteve‑se aforada, sendo conhecida uma descrição da mesma e dos seus foreiros para o período 1826‑1834: «Amaro Pereira Coutinho de Souza e Menezes como herdeiro de seu Irmam Bernabe Pereira Coutinho de Souza e Menezes deve de censos de hua quinta no citio do Loureto Concelho da Pedrulha termo desta cidade que se compoem de pumar de espinho, e maes arvores de fruto, terra de monte e campo com suas cazas terrias, e de sobrado com seus olivaes anexos da parte de fora que parte esta com estrada Real que vai para o Porto, e com caminho do Concelho; e mais em hua insoa no campo ao pé da mesma quinta, que parte com a Valla Real que devide a mesma quinta da insoa, e com terras dos herdeiros de Francisco de Paulla da sua quinta de Montes Claros // a saber hera a divida no anno de mil oitocentos e vinte e seis (…) 681.640 reis; venceu‑se em oito annos athe mil oitocentos e trinta e quatro incluzivamente na rezão de cento sesenta e oito mil reis por anno na forma, vencido pelo Sam João de cada hum anno (…)Total da divida dois contos, vinte e sinco mil seisentos quarenta reis» (56). Bernabé Pereira Coutinho de Souza e Menezes era moço fidalgo com exercício no paço, e foi ele o último foreiro da quinta. Em 1834 veio a extinção das ordens religiosas e a quinta conheceria novo destino. 4. Momentos da Pedrulha: da viragem do Séc. XIX aos finais do Século XX 4.1. Dos primeiros progressos materiais e sociais à criação da Zona Industrial Loreto‑Pedrulha. Pelos finais do séc. XIX a Pedrulha surgia com características tipicamente rurais: os rebanhos de cabras, de Joaquim Cardoso e de António Carvalho, pastam pelas redondezas, num ambiente bucólico, marcado por uma paisagem de extensos campos



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de cultivo, rica em cereais, olivais e vinha. O caminho para a cidade, que passava pelo Loreto, encontrava‑se já pavimentado desde os finais do séc. XVII. Aos poucos, o progresso torna‑se o único rumo a seguir. Os caminhos, as ruas, os arruamentos, as estradas, tornam‑se necessidades norteadoras do município. Nos finais do séc. XIX, com a Pedrulha dependente quase exclusivamente dos apoios camarários, encontramos as primeiras medidas: a 19 de Março de 1885 autoriza a reparação de caminhos em Pedrulha, em Abril de 1888 manda reparar a rua principal do lugar (57). Caminhos que em 1891 voltariam a ser reparados, englobados num conjunto mais vasto e que abarcava diversas povoações do concelho. Durante décadas o Loreto e a Pedrulha constituíram a área industrial da Cidade de Coimbra. Quando em 1926 a “Cerâmica Lusitânea” resolve construir a sua Unidade Fabril, junto à Estação de Caminho de Ferro, no Loreto, ninguém poderia imaginar o que aconteceria nos anos seguintes. Loreto e Pedrulha iniciavam um percurso comum, antes subúrbios da cidade, de carácter rural, agora pujantes áreas industriais. Porém, em época de transformações era a Estrada do Porto que concentrava as atenções da Pedrulha e seus habitantes, os quais em Dezembro de 1928 procuram, desesperados, a voz da imprensa para «…informar do estado deploravel em que se encontra (…) As obras de reaparação foram suspensas há pouco (…) está transformada num verdadeiro lamaçal, tornando o trãnsito impossível» (58). Os progressos materiais foram chegando à zona da Pedrulha aos poucos e poucos. A estrada do Porto principiou a ser reparada em Janeiro de 1929 e, a 23 de Abril de 1933 o dia, um Domingo, foi de festa rija; inaugurando‑se a iluminação eléctrica, cerimónia acompanhada de perto pelo jornal Gazeta de Coimbra: «O povo alegre e entusiasmado com este melhoramento acompanhado de música, foguetes e “Zé Pereira”, todo o dia se divertiu, aguardando a chegada das entidades oficiais que ao acto iam imprimir o relevo necessário. Pela meia tarde, chegaram de facto, os srs. Governador Civil, seu secretário, Presidente da Camara, vereadores Moura Marques e Mendes da Silva; Cunha Matos, secretário da Camara e mais convidados. Eram 19 horas quando a comitiva oficial, convidados, muito povo e musica, se dirigiram para a cabina. O Presidente da Camara, sr. Dr, Sanches de Morais, usando da palavra, congratulou‑se com a alegria da população, traçando em breves palavras: as atenções da câmara, a que presidia, e que era atender a todos, sem excepção, nas reclamações justas, a dentro das possibilidades dos créditos camarários. E que o acto que ia realizar‑se assim comprovava a execução do programa delineado. A seguir, o sr. Dr. Moura Relvas, governador civil do distrito, em palavras inflamadas demonstrou a orientação do governador para a solidificação do Estado Novo, distribuindo por todos, equitativamente as benesses do Erário Público, e entoando um hino de louvores à obra financeira do sr. Ministro das Finanças terminando o seu discurso com vivas à Pátria, à República e ao Povo da Pedrulha, saudações que foram correspondidas com entusiasmo, bem como as dirigidas à Camara que o povo vitoriou clamorosamente.



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Seguidamente, realizou‑se no edifício escolar, uma sessão solene com “copo de água”, onde foram pronunciados alguns discursos alusivos ao acto e de congratulação e reconhecimento, saudações, etc. O povo, cá fora, qualquer a sala não suporta muito peso, associava‑se às manifestações, com entusiasmo. Em casa do dileto e entusiasta filho da Pedrulha, Sr. Joaquim de Silva Santos, foi oferecido às entidades e mais convidados, um lauto jantar, que terminou pelas 23 horas. Aqui novamente se levantaram alguns brindes, destacando‑se o do sr. Governador Civil, que em palavras sentidas agradeceu a maneira fidalga e carinhosa com que havia sido recebido, aproveitando o ensejo para se explanar um pouco sobre a missão social da mulher, na família, em que ela deve estar sempre bem integrada, servindo lhe de pretexto, para tão salutares considerações o ter observado que durante o jantar a dedicada esposa do sr. Silva Santos, constantemente se levantava para ir acarinhar o filhinho mais novo, cujo estado de saúde é um pouco melindroso. As palavras do sr. Dr. Moura Relvas caíram bem no espírito de todos que as ouviram e que a elas se associaram com aclamações. E assim terminou, com alegria e amizade, tão faustoso dia, sem o mínimo incidente ou contrariedade, que certamente ficará guardado com caracteres de ouro na memória dos pedrulhenses, que virão satisfeitas uma das suas mais justas satisfações – a luz eléctrica. O povo, para manter as suas tradições católicas, aproveitou o dia para realizar a festividade a S. Simão, a que imprimiu um brilho desusado.» (59). Apesar dos constrangimentos rodoviários, a escolha da zona para área industrial baseou‑se num conjunto de factores positivos, assim sintetizados: a existência do Caminho‑de‑ferro, a passagem pelo território de uma Estrada Nacional, o que permitia um bom escoamento de produtos pela camionagem; a aprovação pelo Ministério das Obras Públicas do Plano Camarário de Remodelação da Zona da Baixa. Este plano, da autoria do arquitecto De Groer, impedia a existência de fábricas no centro da Cidade, vindo assim ao encontro do que, anteriormente, se defendia no Anteprojecto de Urbanização de Coimbra (1948); a criação pela Câmara Municipal de Coimbra da Zona Industrial Loreto‑Pedrulha, que se destinava à Indústria Ligeira; os bons preços dos terrenos. Lançadas as bases da Zona Industrial, e sob a supervisão da C.M.C., a Pedrulha assistirá a uma pequena revolução urbana, com a instalação de várias empresas ligadas à Indústria Ligeira. Os documentos permitem destacar alguns momentos: ‑ A 12 de Outubro de 1950, depois de estudo aprofundado, concede‑se licença à Sociedade de Porcelanas Lda. para construir o edificio para os fornos contínuos e instalações anexas, lavrando‑se escritura a 17 de Fevereiro de 1950 (60). ‑ Entretanto, também a firma Fundições Gomes Porto inicia a construção das suas instalações fabris em Dezembro de 1950, na Ladeira do Saramago, à Pedrulha (61). ‑ A 28 de Outubro de 1954 a Câmara Municipal aprova o edifício das Fábricas Triunfo, construído junto à Estrada Nacional, Nº1, à Pedrulha e; a 16 de Agosto de 1956 autoriza‑se a construção de dois edifícios para armazéns de descasque de arroz,



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junto ao seu edifício industrial; a 6 de Dezembro de 1956, a firma pede licença para construir um bloco de silos de cereais na Pedrulha, também junto à Estrada Nacional (62). A entrada para estes silos seriam alterados, em Setembro de 1959, com a construção de um ramal particular para a via‑férrea. Em Maio de 1965 é aprovado pelo município o anteprojecto para a construção de casas de habitação para guardas e encarregados das secções das fábricas de bolacha. ‑ A 23 de Junho de 1955 é a vez da Fábrica de Malhas Redinha, Lda., pedir licença para construir um edificio para a sua instalação na E.N. 1. Seguir‑se-á a Estatuária Artística de Coimbra Lda (Depois ESTACO), que pede autorizações a 5 de Setembro de 1957 e 9 de Janeiro de 1958 para construção da sua fábrica de cerâmica. E, em Maio de 1959, a firma António Firmino Baptista vê aprovada a sua nova oficina de corte de mármores na zona da Pedrulha (63). Além destas empresas podem‑se ainda contar: a Fábrica da Cerveja, a ESTACO, a Litografia de Coimbra, Fonseca & Seabra, Lda, Fundição Alves Coimbra, Fundição José Domingos & Baptista, Fiaco, Malhas Flama, Nelitex, etc. O crescimento operou‑se de tal forma que, em Agosto de 1951, a área industrial carecia já de ampliação. Nesse sentido, o Eng.º Chefe da Repartição de Obras pede «… para a Câmara mandar levantar a planta dos terrenos a norte da cidade, até à zona da Pedrulha, para extensão da zona industrial», adiantando que a zona a estudar tinha 140 hectares aproximadamente (64). A criação da Zona Industrial Loreto‑Pedrulha levou também ao desenvolvimento urbano, com o aparecimento de novas áreas residenciais. Desenvolvimento em parte potenciado por um conjunto de factores que entretanto se haviam reunido: melhoria acentuada nos transportes colectivos, baixo preço dos terrenos, boas vias de comunicação. O incremento da construção colectiva levaria, naturalmente, ao aparecimento de bairros económicos, situação que teve como expoente máximo o Bairro Social do Loreto, obra conjunta da Junta de Província da Beira Litoral e da Câmara Municipal de Coimbra (1935‑1941). Na mesma linha, a 23 de Fevereiro de 1956 a Câmara autoriza a construção de um grupo de casas na zona da Pedrulha patrocinado pelo Património dos Pobres (65). No decurso da primeira metade do século, a Pedrulha começava a perder, paulatinamente, a sua feição de aldeia, tornando‑se um pujante e populoso bairro da Cidade de Coimbra. Consequência natural do desenvolvimento trazido pela nova zona industrial, este surto acarretou também aspectos negativos. A água, que se captava nas fontes do lugar – Passarinhos, Fontainhas, Costa e Canaviais – começou a ser pouca para as necessidades de uma população em crescendo, além de que o seu consumo se tornava perigoso por força dos inquinamentos. Assim, a 14 de Setembro de 1939, um abaixo‑assinado conjunto dos moradores dos lugares de Pedrulha, Adémia e Rachado era apreciado pelo executivo municipal pedindo o abastecimento de água àqueles lugares (66). Com as águas das fontes a tornarem‑se inquinadas, a solução tomada pelo município passou pela construção de chafarizes. A 17 de Maio de 1956 autoriza a construção de um chafariz na Pedrulha com uma derivação da sua água para a Adémia (67).



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A Câmara Municipal de Coimbra será o aliado principal (e quase único) da Junta de Freguesia pela melhoria dos arruamentos da Pedrulha. Em Agosto de 1964 e no seguimento de uma visita ao lugar, onde estiveram presentes o Presidente da Junta e o Vereador Engº Azevedo Sobral, a C.M.C. aprova a proposta deste último para se proceder à reparação de algumas das calçadas mais estragadas. Era a resposta às solicitações e necessidades dos seus habitantes, para quem as recentes intervenções nos pavimentos dos arruamentos não eram bastantes. De facto, a pavimentação em calçada à portuguesa arranca em Setembro do mesmo ano, contando com os preciosos subsídios da CMC e da Junta de Freguesia, no valor de 12.500$00 (68). Pelos finais do ano de 1964 tem lugar nova e importante visita das autoridades municipais à Pedrulha. Os vereadores Dr. Francisco Cortez e o Engenheiro Azevedo Sobral constatam a «…urgente necessidade da construção ali de uma rede de esgotos», pedindo na sequência que o assunto fosse comunicado aos Serviços Municipalizados (69). Começavam, assim, os esforços para a implementação da Rede de Saneamento para a Pedrulha, de que se encontram ecos pelos anos seguintes: nos finais de 1978 com o Saneamento da zona das Convertidas; em 1981 nas Ruas 1º de Maio e 4 de Junho; em 1985 a Calçada do Plátano. Apesar destes esforços, a realidade é que, actualmente, 1/3 da Pedrulha não possui ainda saneamento. O vereador Azevedo Sobral, que visitava assiduamente a Pedrulha, ali se deslocará novamente, na companhia do Presidente da Junta, a 9 de Outubro de 1968. A sua presença, requerida pelos moradores motivará longa intervenção na reunião do executivo da C.M.C. a 22 de Outubro transmitindo: aos seus colegas as «condições difíceis daquele populoso bairro da cidade, aqui a dois passos (…) Aqui tão pertinho e de paredes juntas com a zona industrial, mal parece estar tão pouco cuidada, e, o que é pior, nada higienizada, sendo certo que se nota interesse em construir‑se, que algumas construções novas têm surgido e que mais se não têm levantado por não ter sido possível autorizá‑las por razões de falta de arruamentos estudados» (70). O vereador sugere um estudo de arranjo ou estudo de urbanização, justificado em especial pelo interesse crescente pela construção, apesar dos impedimentos lógicos decorrentes dos caminhos mal definidos e tortuosos. Como forma de sensibilizar o executivo passa a descrever tudo aquilo que observara: «A grande parte das construções existentes amontoam‑se, em desalinho, por vezes nem sequer usufruindo do ar e da luz (…) a água nem sempre chega aos dois fontenários existentes, obrigando a esperas, em bicha, e a transportes a distância, tal como qualquer lugarejo sem recursos, perdido na serra; as águas negras provenientes das pocilgas, das fossas, das instalações sanitarias, das pias de lavar, etc., atravessam as ruas, correm pelas valetas, fertilizam as ervas que se desenvolvem ao longo destas, favorecem a proliferação de larvas perniciosas e exalam cheiros tão pestilentos e incomodativos que levou alguem a dizer, quando passavamos, “ponham ao menos uns canos que as conduzam para longe”. A Pedrulha, que deverá ter hoje mais de 250 fogos e apresenta uma razoável tendência para se desenvolver (…) anseia, em especial, por novos arruamentos (…) por um



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abastecimento de água sem restrições e uma rede de saneamento que a torne mais limpa e higiénica (…)» (71). Por estes motivos apresenta uma proposta de urgência, para o estudo de arranjo da Pedrulha, com a colaboração do Serviço de Obras e dos Serviços Municipalizados. Apesar de mais do que justificado, o estudo não avançou. Na dita reunião do executivo o Presidente da Câmara chama a si a responsabilidade do adiamento, justificando com o facto de não ser possível desviar as verbas que o problema exige, face ao volume de obras então em curso: Saneamento do Vale de Santa Cruz, Campo de Aviação, Piscina Coberta, Conclusão Estádio Municipal, Avenida do Tovim…. Pela voz do Vereador Francisco Cortez volta o assunto à baila em Julho de 1969 e em reunião do executivo aborda a «…necessidade urgente de se proceder à Urbanização da Pedrulha, dado o acentuado progresso daquela zona». No entanto o travão volta a ser accionado, desta vez pelos Serviços de Obras e Urbanização da C.M.C. que esclarece nada poder fazer sem previamente se efectuar a construção de um bairro para alojamento de parte da população (72). Em Maio de 1970 começam, finalmente, a resolver‑se alguns dos problemas da Pedrulha. O Projecto de Abastecimento de Água à Zona Industrial da Pedrulha, com o orçamento de 618.000$00, torna‑se uma prioridade dos Serviços Municipalizados (73).A 12 de Maio o assunto é objecto de análise na reunião do executivo camarário, presidido ao tempo pelo Engº Araújo Vieira. Percebe‑se que os trabalhos não serão definitivos, na medida em que procuram dar satisfação imediata às necessidades dos locatários. Inseridos no reforço do abastecimento à zona industrial, ficariam limitados pela inexistência do tão desejado plano de urbanização da Pedrulha (74). Em Dezembro de 1972 é, finalmente, definida a Zona Industrial Loreto‑Pedrulha, através de minucioso plano. Apreciado na sessão camarária de 12 de Dezembro, é aprovado por unanimidade e classificado como «…«…indispensável não só à regulamentação e expansão industrial e urbana como também para definir os terrenos necessários aos equipamentos e aos espaços verdes (…) Este plano regulamenta em pormenor o ordenamento da zona e defina os terrenos para – escolas, comércio, zonas de convívio, etc» (75). Depois da Revolução de Abril, em 1975, a antiga Zona Industrial perderá o seu fulgor, vindo com naturalidade a ser objecto de reconversão para áreas residenciais modernas e de iniciativa particular. Depois da aprovação por unanimidade, do Plano parcial de Urbanização da Zona Industrial Loreto/Pedrulha variante/86, a 30 de Março de 1987, tornou‑se mais intensa a expansão urbana já de si detectável e bem visível a partir dos anos 80, com a aprovação de novos lotes para construção. Face aos indicadores actuais, por um lado com novos loteamentos previstos para a Pedrulha e, por outro, a procura do local como área de residência mesmo para não naturais, tudo parece apontar para a manutenção da Pedrulha como área residencial da periferia de Coimbra, tornando‑se previsível a médio prazo, a sua absorção pela grande urbe. No entanto, e apesar deste crescimento, a parte industrial da zona vai vivendo momentos difícilimos.



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Ao longo dos tempos detectam‑se um conjunto de melhoramentos em muito ditados pelo crescimento e importância industrial e populacional do Bairro da Pedrulha: ‑ Em Janeiro de 1964 é autorizada a montagem de Postos de Transformação na Pedrulha, após a compra de um terreno a Armando Carvalho e mulher Maria Isaura Marques, em Maio de 1966 (76). ‑ Motivo de grande satisfação para as gentes da Pedrulha seria a criação, em 1973 e por Despacho do Ministro da Educação Nacional, da Escola do Ciclo Preparatório na Pedrulha, que seria, curiosamente, edificada em área da Freguesia de Eiras. Também em terrenos da mesma freguesia se edificou o lote Nº 1, onde se instalou a Estação dos Correios em 1988. ‑ Os anos oitenta precipitam o fim dos arruamentos em calçada à portuguesa, que aos poucos vão dando lugar aos tapetes betuminosos. Mais recentemente, em pleno momento de reconversão da área, a Pedrulha passou a ser servida por um moderno polidesportivo. A sua génese data, porém, de Março de 1989, quando a Câmara Municipal de Coimbra, o Ministério da Educação e as escolas situadas na zona da Pedrulha assinaram um Contrato‑Programa para a construção de um Polidesportivo, em terreno cedido pelo município à Junta de Freguesia de Santa Cruz. Fruto de vicissitudes várias, o projecto final, da autoria conjunta dos engenheiros Gomes e Varandas, comportava apenas um Polivalente ou Polidesportivo ao ar livre. A localização e os maiores esforços para a construção do pavilhão cabem ao falecido habitante da Pedrulha, Ernesto Soares. Assim, a 6 de Julho de 1994, o executivo da freguesia analisava «…o protocolo assinado pela Câmara Municipal de Coimbra e a Junta de Freguesia de Santa Cruz, pelo

Foto 113 – Novo Polidesportivo inaugurado a 19 de Outubro de 2008



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qual é cedido a segunda outorgante o terreno a Norte da Escola Primária na Pedrulha durante 20 (vinte) anos e destinado a área desportiva» (77). A primeira fase da obra seria entregue, após abertura de concurso, à firma Construções Ferreira de Sousa Lda., lançando‑se a primeira pedra a 8 de Março de 1995 pelas 11h:30m, ficando concluída em Maio de 1995. A segunda fase compreendeu a construção dos balneários no decurso de 1996, quase inteiramente suportado pela C.M.C. Por fim, a 19 de Outubro de 1996, pelas 15h:00m o novo espaço desportivo da Pedrulha foi inaugurado oficialmente. Uma palavra ainda para o voto de louvor aprovado por unanimidade pela junta de freguesia ao munícipe Sr. Fernando Gaspar Faria «…considerando todo o apoio e colaboração prestada na construção dos balneários e vedação do recinto polidesportivo da Pedrulha» (78). No entanto, foi rápida a degradação do polidesportivo, motivando intervenção da Junta de Freguesia de Santa Cruz, que ali criou uma nova estrutura; um renovado campo de jogos inaugurado a 19 de Outubro de 2008. Compreende cerca de 1.100 M2, representou um investimento de 32.000 euros e está vocacionado para a prática desportiva ao ar livre. Durante os anos noventa mantiveram‑se os esforços em conservar, manter e ampliar os arruamentos e infraestruturas rodoviárias de acesso à Pedrulha. Nesse sentido está o arranjo da Ladeira da Costa e da ponte sobre a vala na Pedrulha em Setembro de 1994, conclusão da obra de pavimentação, construção de passeios e drenagem de água (1998), construção dos acessos ao cemitério da Pedrulha, Zona Cardal e Bairro Nossa Senhora de Fátima e novo piso e arranjo de passeios na Rua 1º de Maio, Largo S. Simão Rua 4 de Julho (durante 1999). 4.2. O Cemitério A 14 de Junho de 1880 a Junta de Paróquia de Santa Cruz tomou a decisão de construir um cemitério no lugar da Pedrulha, o que veio a ser aprovado superiormente, pela C.M.C. a 1 de Junho de 1892 (79). No entretanto, a 18 de Outubro de 1891, constituiu‑se uma comissão, no seio da Junta de Paróquia de Santa Cruz, encarregue de designar local para a construção e que era formada pelos seguintes elementos: João Alves de Faria, Antonio Jose Lopes Guimaraes, João Lopes Júnior e Manuel dos Santos Figueiredo. Para a sua concretização concorreram importantes subsídios, nomeadamente 300.000 reis entregues pela Junta Geral do Distrito. A 18 de Agosto de 1900, a Junta de Paróquia aprovou o seu regulamento, nomeando a 4 de Outubro, como coveiro Adriano dos Santos e guarda do cemitério Manuel dos Santos Figueiredo Lopes, ambos do lugar da Pedrulha (80). A 6 de Julho de 1939, a C.M.C. concedia um significativo subsídio, no valor de 7.500$00 «…para ampliação do cemitério da Pedrulha e construção de uma pequena capela» (81). Avançava‑se assim para o primeiro alargamento do cemitério da Pedrulha.



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Nos finais de 1984 o Cemitério sofreu obras de reparação e embelezamento e, em 1986, estava já concluída a rua nova de acesso ao cemitério e em curso os trabalhos de electrificação. Em Maio de 1992 deu‑se poderes ao secretário da junta, Ernesto Lucas, para elaborar um Projecto de Regulamento. A 4 de Maio de 1994 será a própria junta de freguesia a reunir, extraordinariamente, na sede da Associação Beneficente onde perante Foto 114 – Capela do Cemitério da Pedrulha o povo da Pedrulha se aquilatou do novo horário de funcionamento (82). O alargamento do cemitério da Pedrulha começou a ser pensado em 1993, quando o Presidente da Junta de Freguesia, José Coimbra da Fonseca propõe na reunião do executivo de 13 de Setembro «…que se desenvolva o dossier quanto a futuro alargamento e de forma a ser incluído no orçamento de 1994» (83). Nos inícios de 1999 a Junta conclui que o cemitério estava a atingir o ponto de ruptura, incluindo nas suas propostas para o plano de orçamento da Câmara Municipal a desejada ampliação. Por fim, a boa nova. Na reunião do executivo de 25 de Setembro de 2001, Hildeberto Teixeira, Presidente da Junta anuncia aos seus pares «…que teve uma reunião na Câmara, e que a mesma ia ceder o terreno para o alargamento» (84). A ampliação do cemitério da Pedrulha justificava‑se pelo esgotamento da capacidade de enterramento. O projecto seria elaborado em Novembro de 2004, pela Divisão de Estudos e Projectos da C.M.C., sob coordenação e projecto geral de João Garcia. O cemitério ficou enriquecido com 454 M2 e 80 sepulturas, uma obra cuja empreitada ascendeu a 75.723 €. Os trabalhos de alargamento decorreram na presidência de António Pinto dos Santos, tendo-se procedido ainda a obras de remodelação na capela do cemitério. 4.3. O Ensino A 11 de Maio de 1906, uma representação ao Rei e às Cortes, enviada pela Câmara Municipal de Coimbra, onde a questão do ensino é classificada como «vital» e em que se estimava faltarem cerca de 30 escolas no Concelho pede e justifica a criação de uma escola na Pedrulha: «A creação da escola mixta da Pedrulha impõe‑se tambem pelo isolamento em que se acha aquella importante povoação e os casaes que a rodeiam os quaes não têem escola alguma a menos de quatro kilometros de distancia» (85). Em Maio de 1907, a Câmara Municipal de Coimbra voltará a representar ao Governo e ao Rei para que se criem escolas em Telhadela e na Pedrulha (86). Mais tarde, a 22 de Maio de 1908, o município resolve construir uma escola mista na Pedrulha e, aproxi-



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madamente um ano depois, a 13 de Maio de 1909, representa ao Governo pedindo a criação de escolas em várias localidades, entre as quais se conta a da Pedrulha. Voltará a insistir em Setembro do mesmo ano de forma incisiva: «Existe a 4 kilometros de Coimbra o logar da Pedrulha, rodeado de alguns casaes, que teem um numeroso grupo de creanças que não recebem educação alguma por falta de escola adequada, pois as outras escolas do concelho ficam igualmente distantes d’aquele logar. E existe igualmente naquelle logar uma casa que se presta admiravelmente á instalação de uma escola e que pode ser desde já arrendada para esse fim. Nestas condições vem esta Camara Municipal impetrar de Vossa Magestade a creação no referido logar da Pedrulha de uma escola mixta, instituição com que ficará por muitos annos servido aquele povo quanto a meios de instrucção e declara que se obriga a incluir no seu orçamento as verbas para renda de casa e a prover desde já a referida escola de mobília» (87). A 12 de Maio de 1910 o processo continua a evoluir. No seguimento da representação ao Governo, sobre a criação e transformação de várias escolas, onde se inclui a Escola Mista da Pedrulha, a Câmara Municipal considera «…indispensável ir completando a organização deste ramo de ensino no concelho (…) delibera responsabilizar‑se pelas despesas do mobiliário, casa de escola e habitação dos professores» (88). A 7 de Maio de 1911, a Junta de Paróquia de Santa Cruz dá um contributo muito significativo, aprovando por unanimidade a proposta do vogal Adriano Ferreira da Cunha, que consistia na «…venda da casa‑passal que pertence a esta Junta, e sita no logar da Pedrulha, d’esta freguezia, para fazer face ás despêzas a fazer com a creação da Escola primária mixta, e construcção da Fonte publica, n’aquelle dito logar» (89). A Escola Primária seria instalada na Igreja da Pedrulha onde funcionará até 1918, ali se comemorando com toda a alegria e entusiasmo o dia da Festa da Árvore. Naquele ano, porém, as exigências do ensino e as necessidades do culto colidem. De facto, chegados a Fevereiro de 1918, a Câmara Municipal constatava a dura realidade que se vivia na Pedrulha: «Estando a escola primária da Pedrulha a funcionar dentro da igreja da povoação, dividida esta ao meio por um tabique, resolve‑se, dando‑se satisfação ao que foi representado pelo povo daquele lugar, que com o subsídio prometido pelos reclamantes se obtenha casa própria para instalação da referida escola» (90). O povo dava mostras de grande envolvimento na resolução do problema de uma escola que funcionara na igreja até 18 de Abril de 1918, data em que o município, a pedido da Junta de Freguesia de Santa Cruz, ordena a sua retirada «…para que possa ser convenientemente exercido o culto, sob pena de mandar encerrar a referida igreja» (91). Consequentemente ordena‑se também que se arrende casa própria para a escola e que se efectuem as obras necessárias, enquanto o mobiliário da velha escola começa a ser retirado em Agosto daquele ano. A escola primária passará a funcionar numa casa particular arrendada para o efeito. Mas, em Novembro de 1927 o Inspector do Círculo Escolar informava a Câmara Municipal de uma importante alteração: «…que uma comissão de indivíduos do lu-



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gar das Pedrulha pretendia mandar reparar a casa da Escola Primária, mas dado que o dono do edificio não dá por escrito a necessária autorização, pedia por isso que se mandasse notificar judicialmente». Demorará quase um ano até que a escola primária reabrisse e fosse restituída ao Estado, uma vez que o seu proprietário conseguiu a posse judicial da mesma. Valeu então e uma vez mais a comissão dos principais proprietários do lugar da Pedrulha os quais, em nome da população entregaram em 28 de Setembro de 1928 ao Procurador da República uma «…bem elaborada representação, onde expunham o ilegal despejo que foi movido à escola primária oficial. Na representação demonstrava‑se que a escola funcionava no prédio despejado há mais de 12 anos e que as suas rendas têm sido sempre pagas pelas entidades oficiais, motivo porque julgam os reclamantes

Foto 115 – Escola do Ensino Básico da Pedrulha

que a posse judicial duma casa adquirida em compra particular, não corresponde a um mandado de despejo como se deu, o que deu origem que as crianças em idade escolar não frequentam as aulas há longos mesesl» (92). O que vem a conseguir em Outubro de 1928, quando o Vereador Dr. Sanches de Morais em reunião do executivo «…deu conhecimento de haver sido restituída à posse da Câmara por sentença judicial, a casa onde funcionava a escola de ensino primário da Pedrulha» (93). Em Julho de 1930 foi muito discutida a mudança da escola primária para outra localidade, sugerindo‑se o Loreto ou o Casal do Ferrão (Alto da Estação Velha). Desse momento conhece‑se a resposta de S. Santos, habitante da pedrulha, que em artigo publicado em 29 de Julho deu um belo testemunho do estado do ensino primário na



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área onde residia: “população escolar da Pedrulha é enorme, a sede escolar é magnifica, como magnifico é o seu material escolar e presta assistência a algumas crianças não só da localidade, como dos vizinhos lugares, da Adémia de Cima, da Adémia de Baixo e Rachada. A escola a ser mudada (…) seria o mesmo que negar administração do ensino às crianças da Pedrulha (…) pois que tinham de percorrer uma grande distância (…) A escola da Pedrulha tem razão de ser porque a sua população em edade escolar bem como das Adémias é em número superior à do Loreto e do Casal do Ferrão (…) Se é preciso uma escola no Loreto, reclame‑se, mas mexer na da Pedrulha, não e não» (94). Importa ainda referir que esta casa é aquela que, através de dois actos distintos, foi cedida pela Câmara Municipal à Associação Beneficente A Pedrulhense para instalação dos seus serviços; o rés‑do‑chão cedido em 1942 para funcionamento da Secretaria e, o 1º andar em 1946 para instalação do consultório médico (vide história da A.B.P.). A 22 de Fevereiro de 1940 a Câmara Municipal delibera adquirir por 7.000$00 uma casa na Pedrulha para nela instalar a escola primária. A 28 de Outubro de 1940 far‑se‑à escritura de expropriação amigável do prédio desejado, composto por rés‑do‑chão, 1º andar e terreno anexo, e pertença, até então, de Benjamim Inácio dos Reis, guarda da Cadeia Penitenciária, e mulher Isolnia Lopes Guimarães dos Reis, doméstica, moradores no Bairro de Santana, Coimbra (95). Ali funcionará, de forma provisória a Escola Primária da Pedrulha. Só mais tarde, em Outubro de 1942, o município manda adquirir os terrenos necessários para a escola primária, deliberando expropriar‑se o lote de terreno necessário para tal fim a 19 de Novembro de 1942 (96). Contudo, apenas a 3 de Março de 1944 é celebrada escritura de expropriação amigável entre a C.M.C. e D. Maria Judite Lucília Frias Costa, casada, doméstica, moradora na Rua da Gala, também como procuradora de seu marido Adelino dos Santos Costa, proprietário e funcionário administrativo aposentado. Por este acordo os segundos cederam ao primeiro «…«mil metros quadrados de terreno que […] possuem junto do caminho que da Estrada Nacional segue para o logar da Pedrulha, para construção do edifício escolar do referido logar (…). Tal prédio localizava‑se no sítio do Lameirão ou Lameiro do Saramago, limite da Pedrulha, o lote que era expropriado ficava a confrontar de nascente, norte e poente com o prédio dos expropriados e do sul com o caminho da Pedrulha, onde existiam 4 oliveiras que foram pagas individualmente aos expropriados» (97). Nos finais de Novembro de 1961 manda‑se electrificar a Escola Mista da Pedrulha, onde funcionavam três cursos em regime de desdobramento (98). Alguns anos depois, em Outubro de 1963, em face da informação dos Serviços de Obras da C.M.C. e a propósito da «… entrega pela Câmara do terreno destinado à ampliação do edifício escolar da Pedrulha», o executivo dlibera a expropriação dos terrenos necessários (99). Em Setembro de 1972 estava concluído o novo edifício da Cantina Escolar, que foi inaugurado pela mãe do então Ministro das Obras Públicas, Engº Arantes de Oliveira,



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contando com a presença do Presidente da C.M.C., Engº Aráujo Vieira, alguns Vereadores e António Lebre, Presidente da JF de Santa Cruz. A última fase das obras de aperfeiçoamento das infraestruturas da escola concluiu‑se muito recentemente com a construção de um refeitório. A criação de um Parque ou Jardim Infantil na Pedrulha (ensino‑pré‑primário) ocupou as preocupações da junta e do povo da Pedrulha no pós‑25 de Abril. Como local para o seu funcionamento ventilou‑se as instalações da Associação Beneficente A Pedrulhense. Contudo, a 8 de Março de 1995 foi inaugurado o Jardim‑de‑infância da Pedrulha, em instalações construídas junto à escola primária. Na cerimónia assinou‑se ainda o Auto de Cedência entre a C.M.C. e a Direcção Regional de Educação do Centro, para uso de instalações e funcionamento do Jardim‑de‑infância. Estrutura de apoio à criança que desde a primeira hora contaria com total apoio da junta designadamente com 2 empregadas de limpeza e algum material. No entanto, só muito recentemente se concluiu a obra do parque infantil; em Fevereiro de 2002, colocou‑se um portão, bancos, arbustos e uma rede (vedação) para evitar a entrada de animais para o jardim. A EB 1 e Jardim da Infância da Pedrulha pertencem hoje ao Agrupamento de Escolas da Pedrulha, que tem como Sede a Escola do 2º e 3º Ciclo de Ensino Básico Rainha Santa Isabel, localizada junto ao Bairro de Santa Apolónia (Freguesia de Eiras). 4.4. A criação de instituições 4.4.1. Associação Beneficente “A Pedrulhense” Esta associação tem desempenhado ao longo da história recente da Pedrulha relevantes serviços no campo da assistência e do mutualismo, agindo qual pequeno estado previdência. De facto, na altura da sua fundação não existia no país assistência social, pelo que o grupo de fundadores teve uma acção de grande visão e humanidade em prol de um meio rural. Fundada a 14 de Fevereiro de 1926, em reunião magna realizada na Pedrulha, teve como primeiros membros dos seus corpos gerentes: ‑ Assembleia‑geral: Presidente, Manoel Gomes; 1º Secretário, António de Oliveira; 2º Secretário, Elísio dos Santos; Substituto, Antonio dos Santos Curto. ‑ Direcção: Presidente, José Soares; 1º Secretário, Joaquim Bernardes; 2º Secretário Jaime de Campos; Tesoureiro, Francelino Veríssimo. Os primeiros anos de vida da associação foram de organização de estatutos e regulamentos internos, que culminaram na aprovação dos estatutos a 18 de Julho de 1930, trabalho levado a cabo pela Comissão Organizadora de que faziam parte: Francisco dos Santos Ferreira, Antonio Marques Soares, Manuel Gomes, Augusto d’Oliveira Pratas, Antonio Simões, Antonio d’Oliveira Pratas, José Diniz Oliveira, Porfírio Duarte, Antonio Gomes, Jaime de Campos, Francelino Verissimo, Antonio dos Santos Curto, Francisco dos Santos Dias e Martinho José (100).



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A BANDEIRA DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE “A PEDRULHENSE” A Bandeira da Associação Beneficente “A Pedrulhense” foi oferecida, em parte, pelo Dr. Carlos de Melo Freitas e a outra parte assegurada por quotização lançada entre os associados. Sabemos que na inauguração da bandeira, o Dr. Carlos Freitas, explicou a simbologia da bandeira, embora não se tenha reproduzido em acta ou minuta o seu depoimento. De qualquer forma, uma observação atenta ao desenho, conservado até aos nossos dias (que deve ser não da primeira, mas de uma terceira bandeira), mostra‑nos alguns traços inconfundíveis ao nível da simbologia, da arte e da história. A actual bandeira apresenta‑se com as cores amarela e roxa, que devem estar intimamente relacionadas com as cores da bandeira da Cidade de Coimbra, da qual a Pedrulha sempre fez parte. O desenho, colorido e inscrito ao centro, apresenta‑se de fraca qualidade artística. Porém, nele se destacam dois registos: ‑ O mais pequeno mostra um coração de matiz azulada onde, um pelicano, com uma mancha vermelha no peito, parece flutuar num lago. Trata‑se aqui da representação de um tema conhecido, que vem da simbologia medieval: por ter sofrido de uma doença que lhe deixava o peito avermelhado, divulgou‑se a lenda segundo a qual o pelicano bicava a carne do seu próprio corpo para alimentar os seus filhotes. Registo simbólico que se ajustava, perfeitamente, aos fins das associações mutualistas, do tipo da Beneficente “A Pedrulhense”, e que tudo faziam para proteger os seus associados da dor, doença e fome. Outra versão, explica que o pelicano costumava matar seus filhotes, ressuscitando‑o com o seu sangue. Uma analogia com o sacrificio de Jesus que certamente terá contribuído para que o pelicano se tivesse tornado um símbolo da Paixão de Cristo e da Eucaristia, aparecendo representado nos Bestiários e na Heráldica. ‑ Susceptível de diversas interpretações estará o registo, tipicamente neo‑romântico, em que uma mulher, talvez uma mãe, aparece dando um pão a uma criança, talvez sua filha. Embora, uma vez mais, estejamos perante simbologia reveladora dos objectivos e fins do Mutualismo (a protecção, o apoio, o amparo), a realidade é que nos inclinamos mais para uma segunda hipótese, que vislumbramos nos livros de actas da associação: a mulher (ou mãe), representará mais o conceito de uma Mãe‑Pátria previdente, que cuida, alimenta e protege o seu povo, do que uma associação que dá assistência aos seus filiados. Doutro modo, parece‑nos, não se compreenderia a representação simultânea de dois conceitos tão semelhantes e que no quadro aparecem, intencionalmente, desproporcionais e de certo modo desligados entre si, como que a querer vincar a sua diferença.



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Com mais de 40 sócios por esta altura, os estatutos definiram, claramente, os fins (Artº 3º) que a associação já prosseguia e devia continuar a procurar: «a) Prestar socorros clínicos e farmacêuticos aos seus associados e suas familias b) Promover o estudo e defeza dos interesses da Pedrulha do Campo e arredores c) Promover o desenvolvimento intelectual e moral dos seus associados d) Adquirir uma ou mais carretas para os funerais dos sócios e suas familias Poderiam ser sócios da associação (Artº 4º) todos os individuos residentes na localidade ou arredores, maiores segundo a lei, com bom comportamento moral e civil, tendo‑se definido 3 categorias de sócios (Artº 8º): os fundadores, os beneméritos (que se destinguissem pelos serviços e auxílios pecuniários à associação) e os efectivos. Os primeiros sócios beneméritos foram a professora D. Maria da Gloria V. da Costa e seu marido Sr. Tenente Pires Costa. Como se constata, a associação disponibilizava serviços clínicos e farmacêuticos aos associados ‑ com significativo desconto na aquisição dos medicamentos na casa dos 50% do custo ‑ em tempos difíceis para o país social. A prestação fazia‑se através de um clínico contratado por avença para o efeito que se deslocava a qualquer hora a casa do associado se solicitado e atendia também no consultório sem qualquer despesa, e do acordo com uma farmácia. Foi primeiro médico da associação o Dr. Alfredo de Freitas, natural de Eiras, nomeado em reunião da Assembleia‑geral de 8 de Novembro de 1926. Sucedeu‑lhe no cargo clínico seu filho, o Dr. Carlos de Melo Freitas, também de Eiras. Ambos seriam designados sócios‑beneméritos da A.B.P. A eles recorriam os associados através de consultas, recebendo a visita do médico no caso de o seu estado de saúde não permitir a deslocação a qualquer hora do dia ou da noite; o Dr. Alfredo vinha a cavalo e o filho, sinal dos tempos, já vinha de automóvel. Nos primeiros anos de vida, a associação trabalhava em simultâneo com duas farmácias de Coimbra, a Silva Marques e a Augusto, onde os associados iam aviar as suas receitas, em meses alternados. Porém, a 01 de Fevereiro de 1933, a Assembleia‑geral votará pela ida apenas à Silva Marques, para recuar em Abril de 1934 e voltar ao esquema primitivo. No entanto, a 06 de Março de 1944 vota, definitivamente, apenas pela Farmácia Silva Marques. Muitos anos depois, em 1982, passa a servir‑se da Farmácia Figueiredo. O pagamento de quotas era feito, mensalmente, por um sócio nomeado cobrador, podendo a instituição emprestar dinheiro aos associados. Mas cedo se percebeu que tanto num caso como noutro, iriam ser muitas as dores de cabeça relativamente ao assunto. De facto, verifica‑se ao longo da sua história que o atraso no pagamento de quotas fez perigar a existência da associação, que se moía também com rivalidades internas. As crises directivas sucediam‑se, por entre insinuações de desvios e de corrupções. Um dos momentos mais críticos da vida da A.B.P. ocorreria nos finais de 1941. O dinheiro em cofre não chega para pagamento ao médico e, colocada a discussão a suspensão da farmácia, a agitação toma conta dos associados: uns são a favor, outros defendem uma quota suplementar, outros ameaçam demitir‑se. A custo resolve‑se este



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primeiro grande problema com a proposta de pagamento de 5% dos medicamentos aviados na farmácia (101). Pela consulta e interpretação dos documentos, ficamos claramente com a ideia que o Estado Novo, através dos seus representantes locais, intervirá directamente na condução dos destinos da A.B.P. nos inícios de 1942. E fá‑lo‑à numa data simbólica, na sessão comemorativa do XVI aniversário. A acta dessa cerimónia deixa pouca margem para dúvidas: «Dentro da Sala estava tambem um numeroso grupo de sócios (de amanhã) crianças que nunca se cansava de dar vivas a sua Ex.cia Dr. Oliveira Salazar e sua Ex.cia Senhor General Carmona sendo estes nomes ouvidos pela primeira vez nesta sala á 16 anos sendo também aclamados os nomes do senhor Dr. Carlos de Freitas e da nossa Associação». A presença pela primeira vez em cerimónias do género, de crianças, a entrada a meio da cerimónia das mulheres, as palestras proferidas, as palavras ditas pelo pequenito Ernesto Soares (então com 10 anos), a ornamentação da sala «vestida de novo», e o registo súbito de 57 associados (número surpreendentemente alto face aos anteriores aniversários) compõem um quadro muito conhecido. Por outro lado, o livro de actas mostra que, a 14 de Dezembro de 1941 haviam sido eleitos os novos corpos gerentes. Porém, os seus nomes não constam na assinatura desta acta. Que acontecera entretanto? O ponto 2º da acta do dia 26 de Fevereiro de 1942 é a chave para compreendermos todas as alterações em curso: Ponto 2 ‑ «Riorganização da Direção, cujo artigo foi provocado por motivos que no dia 12 do mesmo mêz alguns dos membros da Direcão que estavam nos seus cargos, julgando‑se com direitos pessoais, que afétavam a nóssa Associação, e ao mesmo tempo entrando em falta contra todos os artigos dos nossos estatutos levavam todos os nossos avêres registados no inventário para uma casa estranha para todos os sócios, sem que êles tivessem conhecimento de qualquer riunião ou Assembleia; assim como se verifica nos nossos livros de registo. Pelo mesmo motivo; provocaram; que alguns sócios dos fundadores à frente de outros sócios, conhecendo tão gráve falta, riuniram em massa dentro da nossa séde aonde se resolveu esta quéda de parte dos membros da Direcção, e assim como tambem se resolveu o Ultimatum a mandar ao Ex.mo Sr. Presidente da Direção para que desse as devidas previdências» ‑ Ultimatum: «Ex.mo Sr. Presidente da Associação Beneficente A Pedrulhense. Nós abaixo assinados viemos comunicar a V. Excia que até ás 18 horas do dia 14 de corrente méz queremos a devolução da mobília da nossa Associação para a nossa séde; em caso negativo procedemos conforme fôr de Justiça A bem da nossa Associação. Assinam; Antonino da Costa Simões, António Marques Romão, Feliciano Gonsalves Araújo, Jaime de Campos, Joaquim de Oliveira Marques, Joaquim Antunes, João dos



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Santos Ferreira, Joaquim de Souza Lucas, Augusto dos Santos Rôxo, Antonio Batista, José de Oliveira Pratas, Jose Pereira, João dos Reis, Manuel dos Santos Antonio Rodrigues dos Santos, Cezar Fernandes, Augusto Antunes, António Simões, José Pereira Nunes, Francisco Duarte, Joaquim Diniz, José dos Santos, Porfírio Duarte, Jozé Diniz, António Soares, Joaquim Pereira da Fonseca, Abel da Silva, Carlos dos Santos, Henrique Borges, Alberto dos Reis, Manuel Marques, Joaquim Dias Borges. Pedrulha, 13 de Fevereiro de 1942» (102). Também nesta reunião se elegeram os novos elementos dos corpos sociais: a Direcção, presidida por Jaime Campos; a Assembleia‑geral, liderada por António Soares, e o Conselho Fiscal, presidido por Joaquim dos Santos Ferreira. Por este testemunho, que inclui um curioso ultimatum para entrega de mobiliário, se compreende o quão importante foi o dia 12 de Fevereiro de 1942: liderado pelos sócios fundadores criara‑se um movimento, conservador e refundador da instituição, no sentido de recolocar A.B.P. no bom caminho. Ao que parece havia uma apropriação ilegal de bens próprios da instituição por alguns dos seus elementos mas… seria apenas essa a motivação dos sócios? Então e que «casa estranha» seria aquela para onde se levavam haveres e onde muito provavelmente ocorreriam reuniões? Não seria um centro clandestino de reuniões de forças politizadas contrárias ao regime, que se moviam a cobro da A.B.P.? A verdade é que os membros depostos tentaram uma contra ofensiva, encontrando‑se ecos dessa operação na acta de 02 de Abril que foi, posteriormente, objecto de actos de mutilação através de riscos. Legível nas suas partes essenciais, o documento mostra a reacção violenta de Manuel Gomes (pai) e de José Gomes (filho), que numa atitude de certa coragem denunciam o cariz político do movimento em curso: «…usando da palavra o senhor Manuel Gomes que quer saber qual os avisos ou regulamentos dos nossos estatutos que facultam toda essa trapalhada; não existe nem pode existir e portanto essa nomiação está tudo sem efeito (…) acuza tudo quanto se fez dentro das nomiações porque isso é um ambiente politico andar de noite a bater a porta a pedir assinaturas e não assino a retificação desse complóte politico» (103). Mas a reacção será de curta duração, pois ainda durante o mês de Abril pai e filho, por amor à A.B.P. ou devido a repressões, voltam a colaborar activamente com a instituição tanto na qualidade de associados como de dirigentes, demonstrando uma curiosa aproximação ao regime do qual inicialmente se afastaram. As reuniões da associação efectuaram‑se durante anos sem lugar fixo tendo, por exemplo, funcionado na casa dispensada por Antonio Marques Romão. No entanto, a 11 de Dezembro de 1942, pelas 21 horas e na presença de 37 associados, inaugurou‑se a nova sede, depois da cedência à A.B.P pela Câmara Municipal de Coimbra liderada pelo Dr. Alberto Sá de Oliveira, do rés‑do‑chão da Escola Primária da Pedrulha. Cumpria‑se, assim, o desejo expresso na moção do associado António Ferreira dos Reis Júnior, aprovado por unanimidade em reunião extraordinária do dia 21 de Abril de 1942 onde expunha «…a sua vontade de adquirir o rés do chão da Escola Oficial da Pedrulha,



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assim como a forma de se oficiar à Ex.ma Camara Municipal de Coimbra para ceder a mesma, para sede da Associação Beneficente a Pedrulhense». Para que esta casa e, posteriormente, o primeiro andar fosse cedido à A.B.P. para instalação do seu posto médico a 28 de Março de 1946 (104), muito se ficou a dever à intervenção pessoal de Cunha Matos, que também se interessou pela colocação da luz eléctrica e tudo preparou para que uma biblioteca funcionasse no rés do chão. A IIª Guerra Mundial acarretou consequências sérias um pouco por todo o mundo. A A.B.P. sentiria os efeitos económicos da crise, diminuindo em 50% a comparticipação nas receitas médicas. Mas logo que a crise passou e os saldos voltam a ser positivos lançou‑se em mais progressos: a 16 de Setembro de 1946 inaugurava‑se na sua sede, o consultório médico com todas as comodidades, velha aspiração da direcção e, em especial, do seu clínico Dr. Carlos Freitas. A ele couberam todas as honras daquele dia, desde o corte simbólico da fita de seda ao discurso inaugural: «O Sr. Dr. Carlos de Freitas felicita a direcção da A.B. a Pedrulhense pelo grande melhoramento com que soube dotar a sua Associação e ao mesmo tempo a sua terra. Diz que embora a sua vida não lhe permita dispor de muito tempo, de bom grado fará o sacrificio de vir à Pedrulha atender os doentes que necessitem da sua presença, pois que aqui só conta amigos e disso tem muitas provas, lembra o Dr. Carlos de Freitas a necessidade de se conseguirem mais associados pois que todos tinham o dever de ser sócios da nossa Associação embora isso para ele só seja prejudicial. Referindo‑se aos dias em que deve vir dar consulta diz que por agora bastará um só dia por semana e será à terça‑feira, mas logo que a sua vinda aqui seja mais necessária virá tantos dias como forem precisos». Em 1947, nas comemorações do XXI aniversário, o estandarte ou bandeira da associação foram inaugurados solenemente, sendo benzidas posteriormente, no Domingo de Pascoela. Tratou‑se de uma encomenda suportada a meias pelo Dr. Carlos Freitas e pelos sócios através de quotização especial. A necessidade de um símbolo, para utilização em funerais, festivais e outros actos representativos fazia‑se sentir desde os anos 30. A Bandeira esteve presente na manifestação de apoio a Salazar, a 27 de Abril de 1953. Nos anos cinquenta e devido à criação das caixas sindicais, diminuiu muito significativamente o número de associados, de 70 para 28, colocando de novo em apreensão os seus dirigentes. De facto em 1967 e pela primeira vez na sua história, não se celebrou o seu tradicional aniversário (seria o 41º) com sessão solene seguida de convívio regado a vinho e tremoços. Conseguiu uma vez mais salvar‑se da queda a A.B.P., que nos anos seguintes volta a comemorar os aniversários contando com a presença de altas individualidades. Também pela primeira vez na sua história a comemoração de um aniversário (o 46º, em 1972) contará com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Engº Júlio Araújo Vieira, do Vereador António Soares de Coimbra e do Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz, António Lebre.



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Entre 1970 e 1971, sofreu a sede importantes beneficiações; reparação no madeiramento, substituição da telha velha, pinturas de tectos e caixilhos, arrancar vigamentos velhos e colocação de novos soalhos, acimentar o piso do rés do chão, reparação da escada para o 1º andar. Obras suportadas pela associação, contando com o apoio da C.M.C. e Junta de Freguesia. Depois da Revolução de Abril, voltou a associação a esmorecer, os associados a diminuir e o interesse mutualista a regredir. Em Novembro de 1974, admite‑se como clínico da A.B.P o Dr. João António Campo de Sousa Jordão, que será substituído em 1985 pela Drª Maria Teresa Fernandes. A sala do rés‑do‑chão passa a ser cedida a particulares, mediante contrapartidas financeiras, tendo nela funcionado a reunião plenária da Comissão de Moradores da Pedrulha, a Comissão de Melhoramentos da Pedrulha, a Secretaria do Clube Desportivo Pedrulhense e a Comissão de Festas da Pedrulha. Actualmente está cedida ao Grupo Motard da Pedrulha. Pelo final dos anos 80, o futuro da associação começou a ser repensado. De facto, em plena comemoração do 63º aniversário (1989) Ernesto Lucas, orador na sessão «… lembrou que a associação precisará de alterar os seus estatutos, dadas as mudanças sociais no país, pois que outras tarefas caberão à Associação, entre elas o entretenimento e cultura dos filhos dos associados» (105). Apesar deste alerta a viragem tardou em chegar. Em 1995 o sócio mais antigo, Fernando Duarte, desde muito novo ligado à associação, lamentava que apenas estivessem regularizados 24 associados. Novo impulso para a sobrevivência da A.B.P. chegou em 1998, com a criação da Secção de Radiomadorismo, cujos elementos foram admitidos como sócios a 31 de Janeiro de 1998: António Leite Santos Dias, Fernando Lopes Rosinha, Hélder Jorge Tomás Medina, Valdemar António Alvarinhas Pimentel; Sérgio Orlando Tomás Medina, Eduardo Alberto Marques Rôxo, José Augusto Antunes Ferreira (106). Apolino Pereira, sócio da A.B.P. e figura com larga experiência directiva e associativa, reagirá aos saldos negativos e à inactividade da associação na reunião de 27 de Janeiro de 2006: «…a Associação precisa de ter vida e disponibilizou‑se a assumir a responsabilidade de com outros sócios dar essa vida a Associação porque a Associação pode e deve ser muito util á Pedrulha e aos Pedrulhenses em várias vetentes» (107). Presidente da A.B.P. desde 17 de Fevereiro daquele ano, a direcção presidida por Apolino Pereira, tem procurado dar novo rumo à instituição: promovendo colóquios como a “Poluição na Vala do Norte”, primeiro grande evento que a associação realizou, com a presença do Provedor do Ambiente, Director do Departamento de Ambiente e Qualidade de Vida da C.M.C., Presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz e representante da Quercus; criação de um sitio na Internet; atribuição de prémios aos melhores alunos do 4º ano da Escola Básica da Pedrulha; Encontro de Colectividades existentes na Pedrulha; Homenagem a Ernesto Lucas (28 e 29 Julho 2006); protocolos com instituições para descontos em bens e serviços; angariação de sócios (de 22 passaram



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a 58 associados); Protocolo com Grupo Motard da Pedrulha (1‑12‑2006) para cedência de instalações; Boletim Informativo “Voz da Pedrulha” Sendo o tempo, por norma, bom conselheiro, veremos se estas e outras medidas conseguirão salvar a mais antiga instituição da Pedrulha em actividade e uma das mais antigas da freguesia e da cidade. Importa ainda referir que a A.B.P. foi ao longo dos tempos um espaço de debate, reflexão e acção, sobre assuntos vitais da Pedrulha. Percorrendo as suas actas, detectámos, por exemplo, matérias fundamentais como o abastecimento de água ou o ensino. O que nos leva a considerar a A.B.P. como um importante agente do poder local, talvez um reflexo dos tempos antigos da autonomia concelhia. 4.4.2. Do Grupo Recreativo Pedrulhense ao Clube Desportivo Pedrulhense Durante décadas o grande clube da Pedrulha foi o Grupo Recreativo Pedrulhense, com sede na Travessa do Plátano, que teve os seus estatutos aprovados pelo Governo Civil a 11 de Julho de 1958: «Artigo Primeiro: ‑ Com a denominação de “Grupo Recreativo Pedrulhense”, é constituído um grupo ou associação que terá a sua sede no lugar da Pedrulha do Campo, freguesia de Santa Cruz, da Cidade de Coimbra.» «Artigo Segundo: ‑ Este grupo ou associação, cuja duração Símbolo do GRP é por tempo indeterminado, propõe‑se a promover a organização de festas recreativas e bem assim fomentar o desenvolvimento físico entre os seus associados» (108). Foram signatários dos estatutos os elementos da direcção: Francisco da Silva Fernandes (Presidente), Manuel Gomes (Secretário), Manuel Oliveira Santos (Tesoureiro) e os Vogais, António Cardoso Arcanjo e Joaquim Oliveira Santos. Conta‑se que os elementos fundadores deste clube, não sendo naturais da Pedrulha, se gabavam de o terem fundado, apontando o dedo aos Pedrulhenses que não tinham tido categoria para o criarem. A primeira reunião deste clube realizou‑se no Adro da Igreja, contando então com 7 elementos. Mais tarde, e com as adesões dos filhos da terra, o número subiu para 16. Logo de início foi posto como problema a criação da sua Sede. Depois de procurarem vários locais conseguiram a cedência do terreno desejado, feita por António Oliveira Pratas, em 1958, por 300$00 mensais. A construção da sede (hoje Salão Recreativo do C.D.P.) foi da responsabilidade de João Amaro. O 1º baile nas instalações do Recreativo realizou‑se a 12 de Abril de 1958 e a inauguração oficial da Sede deu‑se a 11 de Setembro de 1959, data em que se a Comissão Fundadora da Sede homenageou os elementos que mais contribuíram para a sua edificação: Dr. Fernando Nunes Barata (Secretário do Governo Civil), Dr. Joaquim Lírio de



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Fotos 116 e 117

Oliveira, António da Costa Simões e António de Oliveira Pratas (que cedeu o terreno e fez a obra). Os fundos para sustentação do grupo vinham não só das quotizações, mas também das actividades recreativas que levava a efeito: bailes, teatro e cinema. Depois da criação do Clube Desportivo Pedrulhense, em 1975, a fusão entre as duas colectividades foi largamente discutida. No entanto, aquilo que sucedeu foi uma integração, pois não só a fusão nunca se consumou legalmente, como, actualmente, as funções desempenhadas pelo antigo G.R.P. transitaram para a Secção Recreativa do C.D.P. Esta secção funciona no antigo Salão Recreativo do G.R.P. na Travessa do Plátano Nº 3, simultaneamente o bar do C.D.P. O Clube Desportivo Pedrulhense nasceu, oficialmente, a 31 de Março de 1975, dia em que a Comissão Organizadora promoveu uma reunião na Pedrulha «…com o fim de se tratar de assuntos relacionados com a criação dum possível Clube para a prática de modalidades desportivas» (109). Na mesma reunião, atribuiu‑se o nome ao clube, trocaram‑se impressões sobre o equipamento a utilizar e manifestou‑se intenção de contactar os jogadores e directores que faziam parte da equipa do Centro de Recreio Popular de Santa Cruz (Pedrulha), acerca do possível apoio que poderiam dar à ideia. Faziam parte da Comissão Organizadora do Clube os seguintes elementos: Apolino Manuel dos Santos Pereira, José dos Reis Fernandes, António Rodrigues Leite, Fernando Marques Borges de Carvalho e José Gomes (filho). Mais tarde a estes se juntariam, por convite, Carlos Alberto Fernandes e Francisco Sílvio Marques. Entre as razões para a fundação do clube, segundo relatam alguns dos fundadores, podem contar‑se: muitos habitantes e residentes na Pedrulha praticavam futebol na zona; existência de uma equipa que disputava os campeonatos do Inatel; e o desejo em chamar a população para o clube. Na segunda reunião da direcção, a 08 de Abril de 1975 abriu‑se concurso para a criação gráfica do símbolo do clube, de que saiu vencedor o sócio Fernando Abrunheiro. Importante notícia chegou pelos finais de Abril, ao tomar‑se conhecimento das decisões resultantes da última Assembleia Geral do Centro de Recreio Popular de Santa Cruz,



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na se decidiu a entrega de todos os haveres à Comissão, as quais ficaram a pertencer ao C. Desportivo Pedrulhense. Entre as primeiras medidas tomadas contam‑se: a elaboração e envio de várias cartas aos diversos clubes regionais dando conta da existência do C.D.P. a elaboração dos estatutos e do regulamento interno; a aquisição de uma sede. Os seus estatutos foram publicados no D.R. de 22 Maio 1975, e compunham‑se por 7 artigos, assinados pela Comissão Fundadora: António Rodrigues Leite, Apolino Símbolo do CDP Manuel dos Santos Pereira, Fernando Marques Borges de Carvalho, José Gomes (filho) e José dos Reis Fernandes. Em Junho de 1976 a direcção decide que cada elemento da Comissão Organizador do Clube empreste a quantia de 300$00 para suportar as primeiras despesas, nomeadamente a aquisição de máquinas e de um moinho de café que permitiram a abertura do bar na primeira quinzena de Agosto. Em Setembro, a equipa de futebol sénior do C.D.P. realizará os primeiros jogos‑treinos, sob comando do treinador Diamantino Cabral que, no entanto, não arrancará a época como treinador oficial, uma vez que a direcção entrega tal incumbência a António Amaro de Carvalho. Esses primeiros treinos compreenderam um jogo em S. Silvestre e, posteriormente, dois jogos com o Pereirense; um em casa, a 27 de Julho, e o segundo fora, a 24 de Agosto. O 1º equipamento seria ofertado pelo industrial Eduardo Colaço. Nos finais de Agosto, com a época quase a iniciar, toma‑se decisão importante no envolvimento Clube‑Aldeia: «Foi decidido que a partir do próximo mês de Setembro os treinos sejam abertos a todos os atletas da Pedrulha que se julguem com capacidade para representar o Clube. Neste mesmo período todos os atletas que não residam na Pedrulha só poderão prestar provas desde que tenham autorização da Comissão para tal fim» (110). Aos poucos, embora sem grandes apoios financeiros o C.D.P. foi‑se compondo: a secção de futebol do C.D.P. admite como roupeiro António José Madeira, compra‑se uma geleira, e começam as diligências para a construção de um campo de futebol decidindo‑se «…contactar com os filhos do Sr. António de Oliveira Pratas, a fim de verificar a possibilidade da cedência de um terreno dos mesmos para a construção do Campo de Futebol» (111). Entretanto e enquanto o sonho não se tornava realidade o C.D.P. foi utilizando durante o campeonato, o campo sob administração da Fábrica Lufapo, no Loreto‑Pedrulha. A localização do futuro campo de futebol do Pedrulhense foi também muito discutida: desde a hipótese da cedência de terrenos pelas Fábricas Triunfo, nos terrenos de S. Simão, passando pelos terrenos junto ao Centro de Formação. Como prémio a todo um esforço conjunto por parte dos dirigentes, jogadores e treinadores a equipa de futebol sénior logra a subida de divisão, da 3ª para a 2º Distrital logo no ano de estreia (1975/1976), o que valeu um prémio aos jogadores de 2.500$00.



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Foto 118 – A equipa de futebol sénior do CDP, campeã da 2.ª Divisão Distrital de Coimbra em 1976-1977 De cima para baixo e da esquerda para a direita: Pinho, Jaime (cap), Quim Amaro, Tó Conceição, Lita, Fernando Duarte, Costa, Macedo, Miranda, Marques e Vitó

Em Outubro de 1975, começou a funcionar a Secção de Andebol do C.D.P., com a abertura de inscrições para a prática da modalidade a maiores de 14 anos, de que foi primeiro Seccionista o também praticante Joaquim Craveiro Rodrigues. Utilizou as instalações do pavilhão gimnodesportivo, junto ao Centro de Formação, gerido pelo INATEL. Momento muito alto desta secção seria a deslocação da equipa de juvenis masculinos à Itália (Teramo), em Junho de 1979, a fim de participar na sétima Coppa Interamnia. A brilhante classificação obtida, de 6º lugar num total de 32 equipas de 17 países motivaria, inclusivamente, um voto de congratulação aprovado a 19 de Julho, pela Câmara Municipal por unanimidade, onde se registou «…a honrosa classificação obtida, que, além disso, representa um válido contributo de propaganda da nossa cidade» (112). Com a equipa de futebol na 2ª Divisão de Distrital e com uma Secção de Andebol em andamento, os elementos da Comissão Organizadora acharam que era o momento da sucessão. Em Outubro de 1976 tomavam posse os primeiros directores do C.D.P: Carlos Alberto Pereira Fernandes; Jose Maria Figueiredo de Abreu, Fernando Marques Borges de Carvalho, Manuel da Cunha Fernandes, Antonio Leite, Francisco Lopes Soares, Manuel Bento. A nova direcção levará a Secção de Futebol do C.D.P. a novo feito: a subida à 1º Divisão Distrital, época 1976/1977. Facto assinalado com uma «Festa de Campeões» para entrega das faixas, realizada a 30 de Julho de 1977, depois do jogo com os rivais do



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Eirense. A cerimónia contou com a presença de um representante da Junta de Freguesia de Santa Cruz, tendo‑se servido um lanche aos atletas no Salão do Grupo Recreativo Pedrulhense. No ano seguinte, a participação da equipa sénior voltaria a dar que falar, posicionando‑se no 2º lugar da competição (época 1977/1978). A 30 de Janeiro de 1978 a actividade desportiva do C.D.P., que já contava com o Atletismo e Andebol, alargou‑se com a aceitação da proposta da Direcção Geral dos Desportos para a criação da Secção de Ginástica Infantil. Foi no âmbito desta nova direcção que se criou uma Comissão Pró‑Campo, liderada por Apolino Pereira e António Rodrigues, e que diligenciou junto da família Pratas os terrenos necessários. Por dois contratos de arrendamento conseguiu‑se levar o barco a bom porto: ‑ 1º Contrato de arrendamento, celebrado a 7 de Fevereiro de 1979. Foram Outorgantes, Joaquim de Oliveira Pratas, António Neves de Oliveira Pratas, Guilhermina Morais de Oliveira e, o C.D.P. representado pelo seu Presidente, Ernesto Soares. Os 1º,2º e 3º outorgantes «…dão de arrendamento ao quarto outorgante, um terreno sito no local denominado “Quinta do Galo”, freguesia de Santa Cruz – Pedrulha‑Coimbra…». Fixou‑se o prazo de aluguer em 1 ano, renovável por vontade das partes, e pela cifra de 19.000$00 anuais. No seu Artº 4º pode ler‑se: «O terreno alugado destina‑se à prática do futebol e outras actividades desportivas, e nele serão instalados balneários e um bufete a ser explorado pelo quarto outorgante» (113). Para ajuda desta primeira fase de obras a Câmara Municipal concederá um subsídio de 20.000$00. ‑ 2º Contrato de arrendamento, celebrou‑se a 20 de Outubro de 1982, entre José Pereira, residente na Pedrulha e o C.D.P. representado pelo Sr. Carlos Madeira, Presidente da Direcção. O primeiro deu de arrendamento ao segundo «…uma faixa de terreno sito no local denominado “Costa” (…)», com as seguintes dimensões: 7 Mt largura a Nascente, 56,5 de Comprimento e 8 Mt de Largura a Poente. Confronta do Nascente com Antonio Pratas e Joaquim Pratas e Poente com Caminhos‑de‑ferro. Definiu‑se como prazo, um ano renovável por vontade das partes, sendo o preço da renda de 1500$00 anuais (114). Pelo Alvará de Loteamento Nº 188, de 7 de Março de 1983, foi autorizado o loteamento urbano do prédio dos terrenos que Joaquim Pratas, António Pratas e Guilhermina de Oliveira, já referidos, possuíam em Vale do Forno, Pedrulha. Este loteamento, que dividiu o terreno em 2 lotes, previa a integração na parcela maior de um campo de futebol, então designado por Parque de Jogos (115). Em 1989 arrancaram importantes obras de beneficiação no Campo do Pedrulhense. A instituição, ao tempo presidida por José dos Reis Fernandes, centrou os seus esforços: na iluminação do Campo de Futebol, que culminaria com a colocação de projectores, no arranjo dos Balneários (cobertura) e na construção de diversas áreas de apoio (bar, camarotes e bancada). Obras que se efectuaram com a ajuda dos associados e com o apoio material da Junta de Freguesia. Já nos anos 90 fez‑se a vedação do terreno de jogo que tinha capacidade para 1.500 pessoas.



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À semelhança de outras equipas da região a história do C.D.P fez‑se de muitas dificuldades financeiras – superadas pela criação de comissões para angariação de fundos, do transporte de jogadores em carros particulares ‑ do mesmo modo que do seu historial fazem parte, também, os desentendimentos entre directores, jogadores e treinadores. Uma palavra ainda para a Acta Nº 25, de 14 de Agosto de 1981, intitulada «Homenagem aos sócios que mais se distinguiram na edificação do clube». Passados os tempos da Comissão Organizadora, achou por bem o clube, então liderado ao nível da direcção por Carlos Manuel Almeida Madeira e da Assembleia Geral por Mário da Paula e Silva, homenagear aqueles que mais tinham feito pelo clube: ‑ Para Sócio Honorário: «Por unanimidade foi aprovado como sócio honorário o sócio senhor Apolino Manuel dos Santos Pereira “por todos os serviços prestados, quer na secção de Andebol, quer a nível geral e em todas as ocasiões, sempre tem estado presente, resolvendo todos os problemas do clube, sendo um verdadeiro conselheiro das Direcções que se vêm sucedendo” ‑ Para Sócios de Mérito: Ernesto Marques Soares, Manuel Correia Pereira, José Figueiredo Abreu, Estaco, Termec, Betex, António Firmino Batista, Lapa de Castro, Lda, Junta de Freguesia de Santa Cruz, Equipa de Futebol 80/81, Amadeu Magalhães Pereira, S.I.A.C., Elitubos, Cavinel ‑ Louvor para os sócios que mais se distinguiram no campo: António Leite Esteves, António Rodrigues Leite, António N. Oliveira Pratas, António Marques Leite, António Agostinho Marques Lucas, António Agostinho dos Reis, António Pires, António Oliveira Leite, Alberto Jorge Figueiredo, António Santos, Artur Leite, Abel Roxo Fernandes, Antero Neves Abreu, Carlos Marques Fernandes, António Santos Rodrigues, Francisco Campos, Fernando Leite Esteves, Fernando Pratas Veríssimo, Francelino Leite Marques, Fernando Pereira Duarte, Ernesto Marques Soares, José Figueiredo Abreu, Jaime Veiga Campos, José Mota Bernardes, Joaquim Pereira Marques Leite, Joaquim Oliveira Pratas, José Leite Marques, José Alves, José Saraiva, Agostinho Pereira Marques Leite, Apolino Manuel Santos Pereira, Manuel Correia Pereira, Mário Paula e Silva, José Gomes (filho), José Correia, Ernesto José dos Santos, Victor Guedes, Fernando Duarte (Pai), José Reis Fernandes, José António Pereira, Fernando Borges de Carvalho, António de Jesus, Fernando Aires R. Pratas, Manuel Oliveira (116). O clube tem a sua sede na Rua do Comércio Nº 6, é filiado na Associação Futebol de Coimbra e na Associação de Desportos. Possuiu certificados para Karate (1994) e Kickboxing (1995), tendo mesmo um campeão nacional desta ultima modalidade. Actualmente e ao nível do futebol possui equipa de juniores, equipa de futsal e equipa de veteranos, sendo previsível o retorno ao futebol de 11. Ao abrigo de um protocolo, os juniores da Associação Académica de Coimbra treinam no campo do Pedrulhense. Em 2004 promoveu obras de grande alcance no salão (antiga sede do G.R.P.), com construção de bar e palco. Criou em Setembro de 2005 uma Secção de Natação que desenvolve actividade nas Piscinas Municipais “Rui Abreu” e, em Maio de 2007, uma Secção de Ginástica. Promove jantares para angariação de fundos, cede o salão para comissões de festas.



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4.5. Bairro Nossa Senhora de Fátima Inaugurado e abençoado pelo Bispo Conde D. Ernesto Sena de Oliveira no Domingo, 6 de Março de 1960, contando com a presença da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, que entre 28 de Fevereiro e 6 de Março visitou a freguesia de Santa Cruz. O bairro era constituído por 19 casas para 120 habitantes «…erguidas graciosamente na encosta de um monte, airosas e garridas nas suas cores variadas – azuis, cor-de-rosa, brancas – em frente de um largo horizonte (…) foram inauguradas quando da primeira visita da Sua Imagem Peregrina e abençoadas agora pela sua presença» (117). O Património dos Pobres foi uma obra de rua fundada em 1951 pelo Padre Américo sob o lema “cada freguesia cuide dos seus pobres”. Tratou-se de um movimento nacional voluntário «…de construção de habitações para os mais necessitados, propriedade das Comissões Fabriqueiras das paróquias (administradas pelo pároco, pelo professor e pelo Presidente da Conferência de São Vicente de Paulo de cada uma delas) a quem cabe a responsabilidade de administrar e implementar o Património dos Pobres (ou bairros do Padre Américo) em cada freguesia» (118). No caso específico deste bairro foi importante o empenhamento pessoal de Arantes e Oliveira (Ministro das Obras Públicas) e Moura Relvas (Presidente da Câmara Municipal de Coimbra) e ainda do Eng. Araújo Vieira (Serviços Municipalizados de Coimbra). Recebeu esta obra muitos donativos de empresas e pessoas (dinheiro, roupa, mobiliário,

Foto 119 – Imagem Peregrina chegando ao Bairro de Nossa Senhora de Fátima



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Foto 120 – Panorâmica do Bairro Nossa Senhora de Fátima

géneros alimentares). A sua construção foi autorizada pelo município a 23 de Fevereiro de 1956. Esteve a cargo de Bernardo Teles e nela participaram alguns “gaiatos”. Acrescente-se que, embora grande parte dos novos moradores do bairro fossem da Freguesia de Santa Cruz (7 famílias) registam-se, também, a existência de fregueses de São Bartolomeu, Sé Velha e Sé Nova. Mais tarde nele se criou a Creche e o Jardim de Infância com o objectivo de acolher as muitas crianças moradoras no bairro. Em 1983 e por dificuldades das irmãs, a Caritas Diocesana de Coimbra assmiu, por solicitação do Bispo de Coimbra, D. João Alves, a gestão da Creche e Jardim de Infância de Nossa Senhora de Fátima. Em Setembro de 2002 a Câmara Municipal aprovou a ampliação da creche e jardim‑de‑infância. O equipamento possui, actualmente, duas valências: Creche e Ensino Pré‑Escolar. A Creche acolhe 50 crianças dos 3 meses aos 2 anos, e o Ensino Pré‑Escolar, 75 crianças dos 3 aos 5 anos. Durante o ano realizam‑se actividades educativas e de apoio à família, através de animação socioeducativa, cuidados de guarda, alimentação, higiene e conforto. 4.6. Transportes públicos Nos aos 60 do século passado o desenvolvimento urbano e demográfico da Zona Industrial Loreto‑Pedrulha justificava a extensão das carreiras dos transportes públicos para a Pedrulha. Porém, até que tal fosse uma realidade muitos obstáculos tiveram de ser removidos. Em 1964 o Director das Estradas de Coimbra recebia um abaixo‑assinado oriundo dos moradores e trabalhadores das principais unidades industriais existentes da Pedrulha, pedindo que a placa com a indicação “Coimbra” que se encontrava antes do Bairro do Loreto, fosse deslocada para o cruzamento da Garagem dos Transportes Jaime Dias, onde hoje principia a Rua Fernando Marques (Formidável). Com esta medida pretendia‑se atingir dois objectivos relacionados entre si: a Pedrulha passaria a integrar o perímetro



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da Cidade de Coimbra o que poderia vir a anular ou alterar a concessão das carreiras existentes entre Eiras e Coimbra, asseguradas por Joaquim de Oliveira de Águeda. Como o assunto não se resolvia, novo abaixo‑assinado foi dirigido ao então Presidente do Munícipio, Engº Araújo Vieira e aos S.M.T.C. em que expressamente se solicitava o prolongamento da carreira 2 Manutenção‑Loreto até ao cruzamento do desaparecido Matadouro Municipal. Depois de várias reuniões entre os moradores o município e os S.M.T.C., o assunto conheceria um dia feliz. De facto, a 8 de Dezembro de 1965 e pelas 8h da manhã, inaugurava‑se a carreira 2 Manutenção‑Matadouro, com términus no cruzamento da antiga Nº 1 com a Rua Rainha Santa. O dia foi especial, tendo a população recebido o primeiro autocarro em ambiente de festa e foguetes (119). Mais tarde, e devido ao mal‑estar causado pela palavra Matadouro, a designação seria substituída pela desejada Pedrulha. Não passariam muitos anos sem que algo mais se fizesse pela melhoria dos transportes públicos na Pedrulha. Em 1972 e por ocasião da inauguração da Cantina Escolar, Manuel Gomes em representação dos habitantes, pedia ás autoridades presentes que a carreira passasse pelo interior da Pedrulha, sendo necessário para tal fim, a abertura de uma estrada com início junto aos armazéns Teixeira Lopes e saída em frente das instalações da Estaco. Progresso importante foi a chegada dos transportes colectivos à povoação. Nos inícios de 1972 a carreira do Loreto tem já prolongamento para a Pedrulha. As autoridades, sensíveis ao apelo, iniciaram as fases preparatórias da obra: no mesmo ano iniciaram o projecto da estrada, em 1973 realizaram‑se as expropriações dos terrenos necessários e adjudicou‑se a obra à firma Joaquim dos Santos. No princípio de 1975 concluíram‑se os trabalhos da nova estrada, empreendimento que trouxe implicações ao nível da toponímia, com a atribuição de novos topónimos: Rua 4 de Julho, Largo de S. Simão e Rua 1º de Maio. Como as obras se concluíram mas a carreira tardava, a Comissão de Melhoramentos da Pedrulha toma a dianteira do processo: sucederam‑se novos abaixo assinados, reuniões na Câmara Municipal (Carrington da Costa era o Presidente da Comissão Administrativa da C.M.C.) e análises de propostas. A 8 de Fevereiro de 1975, pelas 11 horas e 40 minutos o autocarro da linha 2 Manutençáo‑Pedrulha era recebido em clima festivo pelo povo da Pedrulha, que encheria o autocarro e dariam o primeiro passeio na nova carreira. O condutor era o Sr. Carvalho, o cobrador o Sr. Gil e o revisor Joaquim Pratas (estes últimos residentes na Pedrulha) (120). Alguns anos depois a carreira 2 prolongou‑se até à Adémia, passando pelo interior da Pedrulha nos dois sentidos. Posteriormente a situação conheceria um retrocesso, com a carreira prolongada até Alcarraques deixando de fazer o percurso pelo interior da Pedrulha. O aparecimento de carreiras com itinerários circunscritos nas redondezas e abaixo‑assinados dirigidos ao Presidente da C.M.C. já presidida pelo Dr. Carlos Encarnação, devolveria a justiça e dignidade à Pedrulha, definindo‑se que as carreiras 5, 5F e 35 passassem por dentro da povoação, fazendo o horário no Largo de S. Simão.



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4.7. A criação da Reitoria (ou vicariato) da Pedrulha A 2 de Abril de 1975, pelas 21:00 h reunia na Sacristia da Igreja da Pedrulha e na presença do pároco da Freguesia de Santa Cruz, José Bento Vieira, a Comissão Fabriqueira da Pedrulha composta pelos seguintes elementos: Ernesto Marques Soares (Presidente); Manuel Gomes (Vice‑Presidente); Joaquim de Oliveira Marques (Secretário); António Gonçalves da Cruz (Tesoureiro) e os Vogais António Gameiro, António Rodrigues e Joaquim Gomes. A Comissão, eleita de forma democrática e aceite pelo povo e autoridade religiosa, debruçar‑se‑ia «…sobre os vários problemas afectos à criação imediata da reitoria e posteriormente freguesia religiosa da Pedrulha» (121). Este passo, como se pode ler no mesmo documento, fizera‑se «…com vista à criação, no futuro, da freguesia civil da Pedrulha», deliberando‑se enviar ofícios ao Governo Civil, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, dando conta da criação da Reitoria e pedindo apoio. A proposta foi, na realidade, bem recebida pela Diocese de Coimbra, levando o Bispo D. João Saraiva a decretar a 13 de Outubro de 1975: «Havemos por bem: 1º ‑ Erigir como pessoa moral não colegial, ao abrigo dos cans 99 e 479 e seguintes, a igreja reitoral da Pedrulha, freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra. Esta igreja fica com personalidade jurídica tanto no foro canónico como no foro civil, com plena independência da freguesia de Santa Cruz, da qual é desmembrada. 2º ‑ Dar Reitor próprio e privativo à referida Igreja da Pedrulha (…) normalmente assistido por um Conselho de Fábrica a nomear oportunamente…». Segundo o artº 3º fez‑se a separação e desmembração de parte do território então ocupado pela Paróquia de Santa Cruz, que passou a ter os seguintes limites provisórios:´ «Do Caminho‑de‑ferro (Alcade) à Quinta do Loreto; da Quinta do Loreto ao Caminho do Bairro da Polícia; do Caminho do Bairro da Polícia à Carreira de Tiro (Estrada de Eiras); da Carreira do Tiro (Estrada de Eiras) ao Caminho de Cale Paraíso; do Caminho de Vale Paraíso à Ribeira de Eiras; da Ribeira de Eiras ao Cruzamento da Estrada Nacional Nº 1 do Cruzamento da Estrada de Eiras com a Estrada Nacional Nº 1 ao Caminho‑de‑ferro (Alvade)». Esta erecção canónica do Vicariato ou Reitoria Paroquial com sede na Igreja da Pedrulha, imediamente sujeita ao Ordinário da Diocese de Coimbra, conferiu poder paroquial exclusivo mesmo quanto a matrimónios. Importa acrescentar que a criação da Freguesia Civil da Pedrulha foi sonho alimentado até tarde. Os anos oitenta foram extraordinários ao nível do despertar das autonomias locais, traduzidas na vontade em criar freguesias um pouco por todo o lado. E a Pedrulha será um caso especial. De facto, a 12 de Outubro de 1981, a Assembleia de Freguesia recebia e apreciava uma proposta subscrita por elementos do PS: «Os elementos abaixo assinados, pertencentes ao Grupo P.S. da Assembleia de Freguesia de Santa Cruz‑Coimbra, propõe a esta digna Assembleia que se debruce da necessidade



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de serem criadas em Coimbra, algumas freguesias descentralizando assim o poder local e muito especialmente pugnando para a criação alem de outras, da Freguesia da Pedrulha. Como é do conhecimento de todos os dignos membros desta Assembleia a Zona da Pedrulha e todas as zonas limítrofes alargam‑se de tal forma, que hoje mais do que nunca, se justifica a criação da Freguesia da Pedrulha‑Coimbra» (122). Este projecto não iria avante, mas não morreria por ali, ressurgindo de uma forma inesperada, nos inícios dos anos 90. De facto, na reunião do executivo de 11 de Fevereiro de 1991 debater‑se‑à uma das mais curiosas situações envolvendo a freguesia de Santa Cruz e a Pedrulha, tudo despoletado por um ofício do Governador Civil: «..dando conhecimento de uma proposta do Presidente da Junta de Freguesia de Vilela sobre Divisão Administrativa e criação de novas juntas, nomeadamente da Pedrulha, abrangendo Adémia e Santa Apolónia. Feitas algumas considerações, realçou‑se o sentimento de certo modo reprovativo de se constatar que a proposta vai fora do âmbito territorial da autarquia de Vilela, foi decidido elaborar dossier sobre o assunto, para posterior apreciação do executivo e que servirá de orientação á nossa representação a que decidimos estar presente no dia 7 de Março» (123). A ingerência não irá avante e, no seguimento de uma reunião no Governo Civil, a 18 de Março, tudo ficará como dantes. 4.8. O sonho antigo do Centro Social Paroquial da Pedrulha (124) A 24 de Setembro de 1974, numa reunião da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, ao discutir‑se a proposta que então corria pelo povo para a fusão de todos os clubes

Foto 121 – Cerimónia da reabertura da Igreja da Pedrulha depois de obras de restauro. Nesta ocasião foi discutida a criação de um Centro Social na Pedrulha (Junho de 1983)



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Foto 122 – Centro Social Paroquial da Pedrulha

e associações da terra num só (o C. D. P.), pronunciou‑se a Assembleia Geral daquela instituição no sentido de ser criado, em alternativa, um Centro Social: «Correspondente ao capitulo fusão de clubs falou‑se superficialmente no assunto, dada a delicadeza do mesmo. Alvitrou‑se que os sócios fossem consultados sobre o facto. Entretanto e prevendo uma eventual negativa, alvitrou‑se a construção de um Centro Social, que reunisse todas as secções, sendo uma obra construida de novo e pelo povo e por esse facto mais valorosa» (125). A ideia ficou a pulular nos espíritos mas teria de aguardar‑se quase uma década para novos e firmes passos. De facto, em Junho de 1983 reabriu‑se ao publico a Igreja da Pedrulha depois de obras de restauro, que contaram com a presença entre outros, do Presidente da Câmara Municipal, Dr. Mandes Silva, e do Bispo de Coimbra, D. João Alves. Nesta cerimónia o assunto do Centro Social tornou‑se tema central. Após visita aos anexos que serviam de apoio à catequese, tempos livres e escuteiros, foi sugerida pelo Sr. Bispo, a construção de um Centro PADRE VEIGA Paroquial. Daí a pouco tempo, pela A 1 de Outubro de 2008 o Padre Veiga dei- manhã do dia 14 de Fevereiro de 1984, xou de exercer funções sacerdotais na paróquia realizava‑se na Câmara Municipal de da Pedrulha, onde as vinha desempenhando Coimbra, uma reunião com o Presidente da Câmara Municipal, Dr. Mendes há 27 anos. Natural da Pampilhosa da Serra, José Veiga Silva, que contou com as presenças dos é padre há 50 anos. Veio para Coimbra em elementos que constituíam a comissão meados dos anos 60 e quando tomou conta encarregue de tornar o sonho uma redas paróquias de Trouxemil e Pedrulha foi‑lhe alidade: Padre Veiga, Manuel Gomes e José Carlos Queirós. O assunto debatidito que seriam apenas por alguns meses. Foi capelão militar, tendo passado 7 anos em do foi a cedência de terrenos para a insAngola e três em Moçambique, e exerceu tam- talação do futuro Centro Social, como bém funções no quartel militar de Coimbra. nos dá conta a minuta dessa reunião: Na Pedrulha envolveu‑se activamente pela «Em conformidade com a conversa construção do Centro Paroquial. havida entre o Snr. Presidente e o Snr.



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Bispo quando da reabertura da Igreja da Pedrulha sobre a necessidade dum salão paroquial nesta localidade e uma vez que se estava a proceder ao loteamento ou urbanização duns terrenos – Rua 1º de Maio – existência dum outro junto à Escola Primária, considerando que algumas das actividades ATL já se encontram em funcionamento, Escutismo, etc, em precárias condições; dadas algumas pressões do Snr. Bispo junto do Padre Veiga vínhamos solicitar um ponto da situação sobre o assunto. O Snr Presidente da Câmara Municipal mostrou‑se receptivo solicitando ao Manuel Gomes alguns elementos, Alvará, ponto da situação do loteamento, para assim em reunião que se ia realizar em seguida (Veração), poder avançar com o problema. O Snr. Manuel Gomes solicitou a presença dos Técnicos da CMC para a respectiva demarcação de terreno, o Snr. Presidente achou por bem a indicação do GAT» (126). Tudo demorará o seu tempo. Nova reunião na Câmara Municipal, quase um ano depois, dá conta da preferência pelo terreno junto à Capela de S. Simão. E foi justamente este, o local escolhido para implantação do Centro Social. Pelo alvará de loteamento Nº 180/83 urbanizou‑se o terreno, em que se considerava um dos 3 lotes (Lote C com 3293 M2) como devendo ser cedido à Câmara Municipal. Dificuldades inesperadas, entre as quais a necessidade de rectificar áreas levaram, no entanto, a que o processo se arrastasse mais uma década. Apesar das dificuldades foram‑se dando os passos possíveis: em 1985 daria entrada na Câmara Municipal o projecto de arquitectura elaborado pelos arquitectos Monteiro e Cristina Osório, funcionários camarários, com acompanhamento da comissão; e em 1989 elegeu‑se a Direcção do Centro Social e Paroquial da Pedrulha: ‑ Direcção: Padre Veiga (Presidente por inerência); Manuel Gomes (Vice‑Presidente); José Amado e Carlos Fonseca (Secretários); Rogério Soares (Tesoureiro) ‑ Conselho Fiscal: Adelino Pinheiro, Liberto de Almeida e Valdemar Lucas ‑ Comissários de apoio: José Carlos Queirós, Joaquim de Oliveira Marques e Joaquim Santos Rodrigues. Em 1997 elaborou‑se, finalmente, a escritura de cedência do terreno para domínio municipal com a área de 3.233 m2 e, em Novembro, realiza‑se o protocolo de cedência do referido Lote C, pelo período de 30 anos (será depois alargado para 51), entre a Câmara Municipal de Coimbra e a Comissão da Fábrica da Igreja. Criada por iniciativa da Fábrica da Igreja, o Centro Social Paroquial da Pedrulha constituiu‑se como IPSS, registada como tal a 07 de Maio de 1999 e com registo definitivo dos estatutos, em Diário da República de 31 de Janeiro de 2000. A sua Sede é na Reitoria da Pedrulha. Tem como finalidade contribuir para a promoção integral de todos os paroquianos, sendo o seu fim principal a segurança social e como fim secundário, a cultura. Por despacho do Vereador Dr. João Silva, foram deferidos os projectos de arquitectura e especialidades pela Câmara Municipal, presidida por Manuel Machado, entre 1999 e 2000. Em Fevereiro deste último ano o projecto foi apresentado publicamente na Pedrulha na presença do bispo coadjutor e de elementos da Câmara Municipal. E, a 8 de Janeiro de 2002 a Comissão de Coordenação da Região Centro aprovou o estudo prévio da primeira fase candidatando‑se a instituição, já em 2003, à 2ª fase.



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Aprovadas as candidaturas e assinado o respectivo protocolo, em 2004 procedeu‑se à abertura do concurso de empreitada elaborado pelos técnicos da C.M.C. Entre 15 empresas concorrentes o trabalho foi entregue à Empresa de Construção Manuel Lino Lda., de Pombal. Em 2005, assinou‑se contrato de Adjudicação/Consignação da obra na presença do Presidente da Camara Municipal, Dr. Carlos Encarnação. Solicitada a colaboração e acompanhamento da mesma pelo município, constatou‑se a necessidade de prolongar a cave por debaixo de todo o salão, proposta que levou à alteração do projecto, integrando o centro de dia para idosos, tarefa executada pela arquitecta Cristina Osório, Técnica Superior do Gabinete para o Centro Histórico. Com as alterações levadas a efeito o Centro ficou preparado para as seguintes valências: apoio à população idosa; apoio a crianças e jovens, apoio à família, ocupação dos tempos livres, outras valências de interesse social e cultural para a população. Um conjunto de serviços que se alojam num edifício construído em volta de um pátio interior ajardinado, composto por dois pisos, r/c e cave. A imensa obra foi comparticipada pela Câmara Municipal de Coimbra no valor de 200 mil euros (além de apoio técnico), por verbas comunitárias (PIDDAC) e por angariações promovidas pela instituição. No entanto, as alterações introduzidas e os trabalhos a mais tornaram os custos de construção mais elevados do que o previsto, levando a que a instituição esteja, actualmente, a procurar meios de financiamentos para o seu pagamento, tarefa difícil de suportar na medida em que todo o equipamento da cozinhas, lavandaria e mobiliário ficou a seu cargo. As festas em honra de Nossa Senhora da Piedade de 2006 (de 8 a 10 de Setembro) constituíram uma espécie de pré‑inauguração do Centro. Realizadas no pátio do novo Centro Social, as receitas reverteram para a sua construção. Por fim, a 16 de Dezembro de 2006, um sábado, o Diário de Coimbra dava largas ao sentimento da Pedrulha colocando como manchete «Pedrulha concretiza sonho». De facto, 23 anos depois de lançado o desafio pelo Bispo de Coimbra (em 1983), 700.000 euros de investimento e muitas horas de dedicação, o Centro Social e Paroquial da Pedrulha era inaugurado oficialmente. 4.9. Consequência do crescimento urbano: os novos topónimos Na Pedrulha os topónimos recentes aplicados a novas artérias homenageiam, na maioria dos casos, figuras naturais ou não da Pedrulha que fizeram algo em prol da povoação e ou da freguesia. As excepções são as Ruas Monte do Cardal e Rua do Cardal, cujo topónimo apenas confirmou o uso tradicional. Tratam‑se de duas ruas cuja designação resulta de formação espontânea e popular. O nome advém da existência de muitos cardos no local. A Rua do Cardal parte da Rua Firmino Baptista, para Nascente, flectindo para Norte e terminando em praceta de retorno. Foi aprovada pela Comissão de Toponímia em 14 de Abril de 2005, ratificada pelo executivo do município em 9 de Maio de 2005.



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A Rua Monte do Cardal, vai desde a Rua do Cemitério para Norte, até à Rua Jaime Dias. Aprovada em reunião da Comissão de Toponímia a 22 de Junho de 2006 e ratificada pelo executivo municipal a 17 de Julho do dito ano. Outra excepção é a Rua Fernando Marques (O Formidável), notável fotógrafo nascido e falecido em Coimbra (1911‑1966). Assim e no que se refere a pessoas que muito fizeram pela povoação e ou pela freguesia devemos, justamente, destacar: Rua Ernesto Lucas Parte da Rua Scipião Simões de Figueiredo para poente retomando a mesma rua. A proposta para atribuição do topónimo partiu da Associação Beneficente “A Pedrulhense” em Julho de 2006. A designação foi aprovada pela Comissão de Toponímia na sua reunião de 15 de Maio de 2007 e ratificada pelo município em 4 de Junho de 2007. Foi inaugurada a 12 de Janeiro de 2008. Ernesto dos Santos Lucas foi um conhecido associativista da Pedrulha, nascido a 01 de Janeiro de 1945, falecendo inesperadamente a 28 de Julho de 2005. Personalidade multifacetada, iniciou a actividade profissional com 13 anos trabalhando como aprendiz e de forma sucessiva passou por uma lavandaria, alfaiataria e estabelecimento de móveis. Mais tarde foi funcionário administrativo ingressando, posteriormente, na Indústria Seguradora onde permaneceria durante 42 anos, passando de Técnico Administrativo a Gestor e Regularizador de Sinistros. Desempenhou alguns cargos desportivos, tendo sido árbitro na Associação de Futebol de Coimbra durante 5 épocas, Vice‑presidente do Conselho de Arbitragem da mesma associação (1984/1988) e Vogal da Direcção (1988/1989). Ocupou, praticamente, todos os cargos directivos no clube da sua terra, o Clube Desportivo Pedrulhense, onde foi Secretário, Vice‑Presidente e Presidente da Direcção, Presidente da Assembleia‑Geral, Seccionista da Secção de Andebol. Destacar‑se-ia, no entanto, como activo associativista, tendo integrado a primeira Comissão de Moradores da Pedrulha (1975), fundador da 1ª creche na Pedrulha, Secretário da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, e membro da Comissã Organizadora das Festas em Honra de Nossa Senhora da Piedade. Do gosto pelo associativismo depressa transitaria para o desempenho autárquico onde exerceu funções relevantes: Tesoureiro da Junta de Freguesia de Santa Cruz (1977‑1979) e Secretário (1990/1997), Presidente da Assembleia de Freguesia (1998/2001) e Vogal (1980/1981 e 2002). Rua Jaime Dias Esta artéria homenageia o bem conhecido empresário do ramo dos transportes, estabelecido na Pedrulha. Pioneiro dos transportes de mercadorias da cidade de Coimbra e do país, numa altura em que a maioria do transporte para o estrangeiro se fazia de barco e comboio.



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Nasceu a 12 de Julho de 1886, em Torre de Bera, freguesia de Almalaguês (concelho de Coimbra). Veio para Coimbra ainda jovem iniciando a sua actividade como transportador de mercadorias utilizando uma pequena carroça de mão, passando depois para carroças puxadas por mulas, satisfazendo as encomendas dos seus clientes, entregando sacos de farinha desde o cais da CP e das Fábricas Triunfo. Na década de 30 adere ao transporte rodoviário, adquirindo uma carrinha “Bedford” que mais tarde seria utilizada como pronto socorro na empresa Garagem S. José, Lda, da qual foi sócio‑fundador (inaugurada a 1 de Maio de 1950). Já com os filhos junto de si, Ermino e José, o negócio de transportes rodoviários de mercadorias conheceria uma grande expansão, criando uma frota de camiões que demandavam diversos países europeus, numa época em que a maioria dos transportes se fazia ainda por comboio e barco. Junto à nova artéria possuía a sede da sua conhecida empresa que tinha o famoso slogan “O Mundo gira, Jaime Dias roda” que andou pelos 4 cantos do mundo. Jaime Dias residiu num prédio que mandou construir na Rua da Madalena (actualmente incorporada na Avenida Fernão de Magalhães), que fazia esquina com a Rua do Carmo, onde tinha a sua sede social. Homem de excepcionais qualidades de trabalho, humano para os seus colaboradores, faleceu em Coimbra a 1 de Outubro de 1958. O arruamento que o homeageia parte da confluência da Rua Firmino Baptista, Lagar Velho, Rua do Cemitério para Nascente, até à Rua Luís Ramos. O topónimo foi aprovado em reunião da Comissão de Toponímia de 22 de Junho de 2006 e ratificada pelo Executivo Municipal em 17 de Julho de 2006. Foi inaugurada a 12 de Janeiro de 2008. Rua António Firmino Baptista Industrial e Autarca nascido em Coimbra, Freguesia da Sé Nova, a 25 de Setembro de 1928, tendo residido na Rua de Aveiro. Falecido a 20 de Abril de 2000. Dedicou‑se ao ramo dos mármores, tendo‑se iniciado com os irmãos na pequena oficina de seu avô, situada no Terreiro da Erva. Na década de setenta do século passado fundou uma empresa na zona industrial da Pedrulha, desenvolvendo o sector, consolidando o nome da familia e dando emprego a vários trabalhadores. Dedicou‑se à vida autárquica onde foi vogal do executivo de 1975 a 1980 e Presidente da Junta de Freguesia de 1980‑1983. Pessoa conceituada na cidade, foi na Pedrulha que deixou a sua obra mais visível, onde é especialmente querido: construção do muro em frente da Igreja da Pedrulha, alargamento e obras do cemitério, abertura da Rua do Cemitério e algumas ruas circundantes como a Rua do Cardal. Ofereceu e mandou colocar muitas placas identificativas dos topónimos das ruas do lugar. Foi, ainda, sob a sua orientação que se construiu a casa do coveiro habitada ainda hoje pela mesma pessoa que exercia no seu tempo essas funções.



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A artéria parte da Rua Fernando Marques, para Norte, até ao Lagar Velho. Foi aprovada em reunião da Comissão de Toponímia em 14 de Abril de 2005, ratificada pelo executivo a 9 de Maio de 2005 e inaugurada a 8 de Junho de 2005. Rua Luís Ramos Principal artéria do Bairro Nossa Senhora de Fátima na Pedrulha, onde estão sedeadas importantes instituições como a Matobra, o stand automóvel da Peugeot ou a Creche e Jardim‑de‑infância. Homenageia Luiz Ramos dos Santos, um dos mais emblemáticos empresários da região, natural da freguesia de Santa Cruz, nascido a 31 de Outubro de 1929 e falecido a 6 de Novembro de 2000. Por proposta do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra aprovada na reunião do executivo de 29/10/2001 deliberou‑se dar o nome de Luiz Ramos ao arruamento que ligava a Rua Manuel Madeira ao Bairro Nossa Senhora de Fátima, tendo‑se descerrado a placa no dia 31 de Outubro de 2001, data que simbolicamente marcava a passagem do 1º ano da sua morte. Nascido e criado na Rua das Padeiras, assim que completou a instrução primária, começou a trabalhar no estabelecimento comercial do pai – a mercearia e restaurante “Casa do Sardão”. Frequentou o Curso Comercial na Escola Avelar Brotero em regime nocturno, tendo criado no seu seio o Grupo de Actividades Artísticas e Culturais. Depois de cumprir serviço militar em Tavira regressa a Coimbra e é contratado para os escritórios da Auto‑Industrial, onde esteve 9 anos. Em 1960 aceita o desafio da Estatuária Artística de Coimbra (Cerâmicas Estaco) onde assume a chefia da contabilidade, ascendendo mais tarde ao cargo de Director Comercial. Com 37 anos fará uma troca improvável: em 1966 e na justa ambição de construir um projecto seu, troca a segurança e conforto da Estaco por uma pequena loja na Rua Figueira da Foz, da área dos materiais de construção – a Matobra. Adquirida a firma lidera o projecto sozinho, sem colaboradores, contando apenas com apoio familiar. Fazer crescer a “sua” Matobra será a missão dos 34 anos seguintes, à custa de muita dedicação e trabalho, mantendo como valores intocáveis a verticalidade, a atenção ao detalhe e o bom relacionamento com fornecedores e clientes, a quem tratava como amigos. Em 1991 inaugura um novo e moderno edificio na Pedrulha com uma exposição permanente de materiais de construção. Voluntarioso e empreendedor, idealizou e implementou em 1971 uma nova empresa a ARMAR. Em 1987 fundou o grupo EMACOR – Empresas de Materiais de Construção Reunidas, Lda. De que assume a presidência, trazendo a sede para Coimbra (actualmente é o maior agrupamento do género de Portugal). Envolveu‑se, activamente, em diversos projectos como: Ó‑da‑Barca, Quinta das Varandas, Lusitânia Gaz, Clube de Empresários de Coimbra e ANAI. No plano associa-



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tivo foi presidente do sector comercial da ACIC (Associação Comercial e Industrial de Coimbra) e membro do Conselho Directivo da Associação Portugesa de Comerciantes de Materiais de Construção, com sede no Porto. Pertenceu à Comissão Directiva que construiu o edificio sede do Centro Recreativo do Bairro Norton de Matos. Na área cultural e desportiva possibilitou, através da MATOBRA, a realização de diversos eventos na cidade de Coimbra, apoiando diversas colectividades desportivas. Colaborou na imprensa escrita e participou em programas radiofónicos. Rua Scipião Augusto Figueiredo Artéria que parte da Travessa de S. Simão para Este, flectindo para Nascente, confluindo com a mesma Travessa. Aprovada pela Comissão de Toponímia em 17 de Janeiro de 2007 ratificada pelo Executivo Municipal a 19 de Fevereiro de 2007. Inaugurada a 12 de Janeiro de 2008. Scipião de Figueiredo, conhecido Empresário Industrial, nasceu a 14 de Novembro de 1888 na Figueira da Foz, faleceu em Coimbra a 21 de Novembro 1973. As limitações que tinha ao nível da escolaridade foram superadas por uma forte personalidade, dotada de grande inteligência e serenidade. A estes atributos aliou um grande espírito empreendedor que permitiu a construção de uma obra que aos poucos extravasou Coimbra levando‑lhe a fama a outras cidades do país. Liga‑se o seu nome e prestígio à Auto‑Industrial, sociedade onde exerceu o cargo de Presidente do Conselho de Gerência e do Conselho de Administração, funções que exerceu de forma ininterrupta ao longo de 40 anos, de Abril de 1924 a Março de 1964. A sociedade foi uma das maiores e mais bem organizadas no país. Antes de se ligar a esta empresa tinha uma actividade industrial própria já ligada ao ramo automóvel, onde aliás foi pioneiro; dispunha então de uma pequena frota de carros de aluguer. Numa altura em que a Auto‑Industrial passava por sérias dificuldades foi convidado a resolver os problemas que a empresa precisava, urgentemente, de solucionar. Correndo alguns riscos abandona os seus próprios negócios para ajudar a reerguer a empresa. Datam dessa época os relatos de dias que começavam bem cedo e se prolongavam por noites passadas no escritório onde de forma disciplinada organizava o trabalho. O esforço seria compensado; a empresa voltaria a brilhar, tornando‑se referência na cidade. A sua actividade não se circunscreveria à vida de Empresário Industrial. Teve uma faceta humana menos conhecida, a de Benemérito e Benfeitor. Que o digam algumas instituições da cidade que receberam o seu apoio e ajuda: Casa dos Pobres, Asilo da Infância Desvalida, Casa do Gaiato da Obra do Padre Américo ou Obra Social dos Estudantes. A título de exemplo relembre‑se o que fez aquando da inauguração da Auto‑Industrial no Arnado; cedendo o espaço das novas instalações para uma grande festa cujo produto reverteria a favor da Obra do Prof. Elísio de Moura.



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Gostava de ler, apreciava a música e outras artes. Apoiou muitos artistas plásticos, fossem pintores ou escultores, abrindo‑lhes as portas da Auto‑Industrial para exporem as suas obras, contribuindo para a divulgação e difusão da cultura na cidade e região. 5. Uma janela entre o presente e o futuro A Pedrulha aguarda alguns sonhos. A concretização de alguns está, porém, para breve. Falamos, por exemplo, do aguardado Anel da Pedrulha, com data prevista de arranque para 2008 e que deverá custar entre 10 e 12 milhões de euros. Será lançada com o apoio dos fundos comunitários (QREN) e terá uma extensão entre 9 a 10 quilómetros, divididos por 3 troços: da Circular Externa a Lordemão, de Lordemão ao IC2 na Pedrulha e daí atè à zona de Porto Santiago, na estrada para a Figueira da Foz (EN 111‑1). A construção desta via será fundamental para o descongestionamento do trânsito na saída Norte da cidade. 6. Notas de Etnografia Algumas Alcunhas: Joaquim do Pátio, António Canário, António Pataco, Joaquim Grilo, António Barraca, Cândida Chanfana, José Pifano, António Fininho, Agostinho Feio, António e Quim Lavarrabo, Zé Russo, Marco Peta, Nó Viana, Mario Carrapichana, Meca, Antonio Macanhas, Carlos Massas, Estorninho, Zé da Gina, Caracol, Zé Tarzan, Tó Cigano, Quim Trás do Monte, Manuel Comunista, Fernando Candita, Zé Cartucho, Quim Preto, João do Bordo, Pantana. Dizem que a Pedrulha é terra de sportinguistas. A prová‑lo está a existência desde há 20 anos do Núcleo Sportinguista da Pedrulha (NSP‑ Nº 19). Fundado a 4 de Novembro de 1988 o núcleo conta com 3 centenas de associados e tem, desde a fundação, como presidente da direcção Carlos Fernandes.



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Notas

1. José Pedro Machado – Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. III (N‑Z), Editorial Confluência e Livros Horizonte, Lda., 2ª edição, Lisboa, 1993, P. 1149 2. Manuel Augusto Rodrigues; Avelino de Jesus da Costa ‑ Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, 1999, Doc. Nº 55 Pp. 92‑93 3. Id. Doc. Nº 374, Pp. 527‑528 4. Id. Doc. Nº 3, Pp. 7‑11 5. Maria do Rosário Barbosa Morujão ‑ Um Mosteiro Cisterciense Feminino; Santa Maria de Celas (século XIII a XV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2001, Doc. Nº 237, P. 435‑436 6. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. II, Coimbra, 1972, P. 21 7. A.C. Borges de Figueiredo – Coimbra Antiga e Moderna, Lisboa, Livraria Ferreira, 1886, Edição Fac‑similada, Almedina, 1996, P. 297 8. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Emprazamentos, Lº Nº 100, 1695‑1801, Fl. 40v. 9. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1737‑1752, Liv. 72, Fl. 306 (nova contagem) 10. Segundo o livro dos juramentos das justiças dos concelhos do termo de Coimbra, em 1719, este era constituído pelas seguintes povoações: Taveiro, Ameal, Anobra, Serpins pequeno, Eiras, Montessão, Ribeira de Frades, Feteira, Sazes, Marmeleira, Cruz de Morouços, Vilela, Vila Pouca do Campo, Corugeira, Loureiro, Ventosa de Condeixa, S. Paulo, Murtede, Lamarosa, Zouparria do Monte, Casas Novas do Campo, Larçã, Arzila, Traveira, Vale de Canas, Bruscos, Avenal, Fasalamin, Lorvão, Vila Pouca de Cernache, Figueira, Sebal piqueno, Picoto, Alcouce, Pe de Cão, Conrraria, Beiçudo, Cordinhã, Bolho, Serpins Grande, Outeiro do Botão, Casconha, Casais do Campo, Antanhol, Alcarraques, S. Martinho do Bispo, Abrunheira, Pampilhosa, Orvieira, Barreira, Vila Nova de Outil, Canedo, Sernadela, Sobreiro, Antuzede, Alfafar, Levira, Brasfemes, Alvorge, Val de Boi, Logo de Deus, Ceira, Trouxemil, Ardazubre, Sobral, Alcabideque, Muccela, Fala, Freixo, Sandelgas, Condeixa a Velha, Almoster, Moita Santa, Souselas, Casas Novas do Alvorge, Bera, Fonte Cuberta, Ventoza do Bairro, Casais de Eiras, Ademia, Antes, Aljazede, Carregais, Legação, Palheira, Pedrulha, Castelo Viegas, Travassos, Zouparria do Campo, Quimbres, S. Silvestre, SM Arvore, Castanheira, Sebal Grande, Venda fé, Cegonheira, Condeixa a Nova, Almalaguez, Vila Cham de Poyares, Arrifana de Poyares, Algaça, Pão Quente, Cioga do Monte, Friumes, Ombres, Rio de Galinhas. Diga‑se ainda que com o passar dos anos a área geográfica do termo foi oscilando.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

11. José Pinto Loureiro – Coimbra no passado, Vol. II, IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra, Coimbra, 1964, P.240 12. A.H.M.C. – Livro das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, 1533, Nº 6, Fl. 26 13. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. III – Práticas e Processos da Formação Camarária, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2004, P. 185 14. Gabriela Trindade Simões ‑ «Vistorias da Câmara de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Vol. XIV, 1956, P. 292 15. António de Oliveira – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, Pp. 53‑54 16. A.H.M.C. – Livro de Pautas das Justiças do Termo da Cidade de Coimbra, 1748‑1754, Fl. 6 17. Gabriela Trindade Simões ‑ «Vistorias da Câmara de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Vol. XVIII, 1963, P. 12 18. A.H.M.C. – Livro dos Juramentos das Justiças dos Concelhos do Termo de Coimbra 1719‑1723, Fl. 22v. 19. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 66, Fls. 149‑149v. 20. A.H.M.C. – Livro das Actas das Sessões das Vereações da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 67, Fls. 255‑256. 21. Vide João Carlos Santos Pinho – Freguesia de Eiras – A Sua História, Junta de Freguesia de Eiras, Coimbra, 2008, P. 182 22. Sérgio Cunha Soares – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, P. 68 23. Armando Carneiro da Silva ‑ «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra, 1968, P. 213. 24. A.U.C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais de 1721, Pedrulha, Fl. 1. 25. Dicionário Geográfico de 1758, Pedrulha, Vol. 42, Nº 304, P. 141. 26. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1659, Liv. 70, Fl. 1 27. Id. Fl. 13v. 28. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1737‑1752, Liv. 72, Fl. 2 29. Id. Fl. 3. 30. Id. Fls. 3v.‑4 31. Id. Fls. 1 (nova contagem). 32. A.H.M.C. – Tombo de bens da Cidade de Coimbra, 1768; Fl. 138; Livro de Foros 1875, Fls. 31‑31v.; 33. A. U. C. ‑ «Contenda entre a Colegiada e os moradores do lugar da Pedrulha, 1742»; «Requerimento sobre os dizimos do Couto da Pedrulha, 1745» In Igreja Colegiada de S. João de Almedina, Caixa 3, Mç. 4. 34. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1737‑1752, Liv. 72, Fls. 23‑23v. 35. Id. Fl. 101 36. Id. Fls. 127‑128 37. A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Autos e Sentenças, 1750‑1763, Liv. 23. 38. A. U. C. – Fundo dos Registos Paroquiais: Livro Misto da Freguesia da Pedrulha, Baptizados 1572‑1769, Fl. 2 39. A.U.C. – Fundo do Cabido: Capelas, Cx. 10, Doc. Nº 9, Fevereiro, 1696. 40. Id…Doc. Nº 10:19, Janeiro, 1697



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha

41. Vide Diário de Coimbra, 8 de Outubro de 1959, P. 7 42. Vergilio Correia; Nogueira Gonçalves – Inventário Artístico de Portugal, Vol. II, Cidade de Coimbra, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, P. 202. 43. A.U.C. – Fundo do Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Cx. 321, 1888‑1889 44. Anais do Município, 1890‑1903, P. 129 45. A.U.C. – Fundo do Cabido: Informações Paroquiais, 1721, Fl. 1. 46. A.U.C. – Fundo da Provedoria: Livro de Registos de Abolições das Capelas Insignificantes da Comarca de Coimbra, 1805‑1831. Nº 10, Fl. 27. 47. Esta personagem aparece‑nos referida em variada documentação: possuidor de consideráveis terras no Campo da Pedrulha e rendeiro do meio dizimo e rações da Renda da Mitra Episcopal no Destricto da Pedrulha. 48. Gabriela Trindade Simões ‑ «Vistorias da Câmara de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Vol. XVI, 1958, P. 215 49. A.U.C. – Fundo do Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Cx. 332 50. Id. 51. «Fonte da Pedrulha» In Gazeta de Coimbra, 27 Agosto 1913 52. Diário de Coimbra, 28 de Dezembro de 1949. 53. Anais do Município, 1890‑1903, Pp. 15 e 73. 54. A.U.C. – Fundo das Congregações Religiosas: Colégio de S. Bento, Cx. 2, Pasta “Certidões de meia sisa paga á câmara de Eiras por compra da Quinta do Loreto e outras propriedades na Pedrulha», 1747, Fl. 14 55. A.H.M.C. – Registo da Correspondêncio Nº 2, Fl. 8v. 56. A.U.C. – Fundo das Congregações Religiosas: Colégio de S. Bento, Cx 7, Pasta «Inventario dos bens do Colégio de S. Bento de Coimbra», 1834, Fls. 216‑216v. 57. Anais do Município 1870‑1889, Pp. 202 e 265. 58. «Estrada da Pedrulha» In Gazeta de Coimbra, 18 de Dezembro 1928 59. «Pedrulha» In Gazeta de Coimbra, 27 Abril 1933 60. Anais do Município 1870‑1889Pp. 154, 190 61. Id. P. 192. 62. Id. Pp. 309, 385 e 396 63. Id. Pp. 462, 482 e 541 64. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, P. 22 65. Id. P. 367. 66. Anais do Município de Coimbra, 1929‑1939, P. 510 67. Anais do Município, 1940‑1959, P. 376. 68. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 219, Fls. 76 e Nº 220, Fl. 3v. 69. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 219, Fl. 64 70. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 240, Fls, 36‑37 71. Id. Fls. 37‑37v. 72. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Lº Nº 243, Fl. 68v.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

73. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Lº Nº 245, Fl. 98v. 74. Vide Diário de Coimbra, 13 de Maio de 1970 75. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Lº Nº 252, Fl. 79 76. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 228, Fl. 1v. 77. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 13. 78. Id. Acta Nº 10, 30/10/1996 79. Anais do Município, 1890‑1903, P. 51. 80. A.U.C. – Fundo do Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Cx. 328. 81. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, P. 507. 82. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 10, 4/05/1994 83. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 114. 84. A.H.M.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991‑2002, Acta Nº 45. 85. A.H.M.C. ‑ Representações ao Rei e às Cortes, 1893‑1907, Fls. 90v.‑91 86. Anais do Município, 1904‑1919, Pp. 54 e 65. 87. A.H.M.C. ‑ Representações ao Rei e às Cortes, 1907‑1913, Fl. 20v. 88. Anais do Município, 1904‑1919, P. 109. 89. A.U.C. – Fundo do Governo Civil: Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra, Cx. 333. 90. Anais do Município de Coimbra, 1904‑1919, P. 271 91. Id. P. 274 92. «Escola da Pedrulha» In Gazeta de Coimbra, 29 Setembro 1928 93. Anais do Município de Coimbra, 1920‑1939, Pp. 197 e 221. 94. «Escola da Pedrulha» In Gazeta de Coimbra, 29 Julho 1930 95. A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 48, 1939‑1941, Fl. 78v. 96. Anais do Município, 1940‑1959, Pp. 3, 41 e 43 97. A.H.M.C. – Livro de Escrituras, Nº 49, 1941‑1945, Fls. 69‑69v. 98. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 208, Fl. 12v. 99. A.H.M.C. – Livro de Actas da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 216, Fl. 16v. 100. A.A.B.P. – Estatutos da Associação Beneficente “A Pedrulhense”,Tipografia Operária, Coimbra, 1930, 18 Pp. 101. A.A.B.P. ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1939‑1949, Actas de 06‑07‑1941 e 26‑10‑1941. 102. A.A.B.P. ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1939‑1949. 103. Id. 104. Anais do Município de Coimbra, 1940‑1959, P. 109. 105. A.A.B.P. ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1974‑1994, S/N Fls 106. A.A.B.P. ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1995‑2008, S/N Fls. 107. Id.



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V – Entre o Campo e a Cidade: a Antiga Povoação da Pedrulha

108. A.C.D.P. – Documentos Diversos sobre o Grupo Recreativo Pedrulhense (Pasta). 109. A. C. D. P. ‑ Livro de Actas das Reuniões da Direcção do Clube Desportivo Pedrulhense, 1975‑1980, Acta Nº 1, 31 de Março 1975 (S/Fls). 110. A. C. D. P. ‑ Livro de Actas das Reuniões da Direcção do Clube Desportivo Pedrulhense, 1975‑1980, Acta Nº 14, 23 de Agosto de 1975 (S/Fls). 111. Id. Acta Nº 29, 01 de Dezembro de 1975. 112. A.H.M.C. – Livro de Actas das Sessões da Veração da Câmara Municipal de Coimbra, Nº 273, Fl. 21v. 113. A.C.D.P. – Pasta «Documentos Diversos». 114. Id. 115. Id. 116. A.C.D.P. ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral, 1975‑1988, (S/Fls). 117. António Sousa – Cáritas de Coimbra Acção na Diocese, 1956‑2003, Caritas Diocsena de Coimbra, Coimbra, 2003, P. 96; Correio de Coimbra, 10 de Março de 1960, P. 1 118. José da Cruz Santos (coord); Helena de Sousa Pereira (introdução e recolhas) – O Padre Américo e a Obra da Rua, Aletheia Editores, Lisboa, 2006, P. 256 119. Manuel Gomes – Memórias (manuscrito inédito), Agosto 2008 120. Id. 121. Acta Nº 1 da Comissão Fabriqueira da Pedrulha, 02, Abril, 1975. 122. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Assembleia de Freguesia de Santa Cruz, 1977‑1981, Acta Nº 22. 123. A.J.F.S.C. ‑ Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1987‑1991, Acta Nº 30, 11/02/1991 124. Grande parte dos dados por nós utilizados, foram recolhidos da pequena brochura do Centro Social e Paroquial da Pedrulha Do Sonho à Realidade, 2006. 125. A.A.B.P ‑ Livro de Actas da Assembleia Geral, 1974‑1994, S/N Fls. 126. Esta minuta está hoje na posse do Sr. Manuel Gomes, ao tempo técnico da Câmara Municipal de Coimbra e um dos elementos sempre presentes em todo este processo.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Foto Memória do ontem… 1

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1 – Autoridades visitando a área afectada pela derrocada da Torre de Santa Cruz, Janeiro 1935; 2 – A Praça 8 de Maio por volta de 1900; 3 – O Terreiro da Erva em meados dos anos 50 do séc. XX; 4 – O Celeiro e a Torre de Santa Cruz no princípio do séc. XX; 5 – A Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes nos fins da década de 70 do séc. XX.



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Foto Memória

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6 – Fábrica de Curtumes de Coimbra em meados dos anos 50; 7 – Inauguração da Rua de Saragoça por ocasião das festas da Rainha Santa, 14 de Julho 1960; 8 – A Torre de Santa Cruz, princípio do séc. XX; 9 – O incêndio no edifício dos Correios e Telégrafos de Coimbra, 1 de Janeiro 1926; 10 – A “Zona das Ínsuas, além do Arnado”, princípio do séc. XX.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

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11 – Um pavilhão dos festejos populares no Largo de Sansão (Praça 8 de Maio), primeira metade do séc. XX; 12 – A zona de Montarroio, meados do séc. XX; 13 – A Praça 8 de Maio, princípio dos anos 90 do séc. XX; 14 – O Hospital dos Lázaros pouco antes da demolição, em 2008.



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Foto Memória

…à actualidade 15

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15 – Entrada para o Mercado Municipal D. Pedro V; 16 – Elevador do mercado D. Pedro V, ligando a Alta com a Baixa da cidade de Coimbra; 17 – Aspecto parcial da Avenida Fernão de Magalhães nos nossos dias (vista para Norte).



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

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18 - Panorâmica do novo “Bairro Municipal da Misericórdia”; 19 – Panorâmica do Vale de Coselhas, zona envolvente à Fábrica “Fucoli”; 20 – Uma vista para a Rua do Moreno; 21 – Adro de Santa Justa.



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Bibliografia e Fontes

BIBLIOGRAFIA E FONTES Estudos ALARCÃO, Jorge de – In Territorio Colimbrie, Lugares velhos (e alguns deles, deslembrados) do Mondego, Trabalhos de Arqueologia, IPA, Lisboa, 2004, 171 Pp. ALARCÃO, Jorge de - A montagem do cenário urbano, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008, Pp. 308. ALMEIDA, A. Campar de; SOARES, A. Ferreira; CUNHA, Lúcio; MARQUES, J. Fonseca - «Proémio ao estudo do Baixo Mondego» In Rev. Biblos, Vol. LXVI, 1990 AZEVEDO, Maria Luísa Seabra Marques – Toponímia Moçárabe no Antigo Condado Conimbricense, Dissertação de Doutoramento na área de Línguas e Literaturas Modernas, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, 2005, 668 pp. AZEVEDO, Rui Pinto de; COSTA, Avelino Jesus da; PEREIRA, Marcelino Rodrigues – Documentos de D. Sancho I (1174-1211), Vol. I, Centro de História da Universidade de Coimbra, Universidade de Coimbra, 1979, 392 Pp. AZEVEDO, Rui Pinto de; COSTA, Avelino Jesus da - Documentos Medievais Portugueses, Documentos Régios, Vol. I, Documentos dos Condes Portugalenses e de D. Afonso Henriques, T. I, 1095-1185, Lisboa, 1958, 512 Pp. AZEVEDO, Rui de; COSTA, Avelino Jesus da – Documentos Medievais Portugueses, Documentos Particulares, Vol. IV, T. I, 1116-1123, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980, 321 Pp. Barrico, Joaquim Simões – Noticia Histórica da Veneravel Ordem Terceira da Penitencia de S. Francisco da Cidade de Coimbra e do seu hospital e asylo, Coimbra, 1895, 209 Pp. BERNARDINO, Sandra Virgínia Pereira Gonçalves – Sancius Secundus Rex Portugalensis: A Chancelaria de D. Sancho II (1223-1248), Dissertação de Mestrado em História da Idade Média, Coimbra, 2003, 425 Pp. BORGES, Nelson Correia – João de Ruão, escultor da Renascença Coimbrã, Instituto de História da Arte, Faculdade de Letras, Coimbra, 187 Pp. BORGES, Nelson Correia – Coimbra e Região, Novos Guias de Portugal Nº 6, Editorial Presença, Lisboa, 1987, Pp. 257 BRITO, A. da Rocha – D. Afonso Henriques e S. Teotónio na lenda e na arte de Santa Cruz de Coimbra, Coimbra MCMLII (Sep.), 16 Pp. CABRAL, António – Tempos de Coimbra, memórias de estudante, anedotas e casos, figuras e tipos, 3º edição, Coimbra Editora, Lda, 1962, 307 Pp.



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

CAMPOS, Aires de - Indice Chronologico dos Pergaminhos e Foraes existentes no Archivo da Camara Municipal de Coimbra, Primeira parte do inventario, Fasciculo Único, 2º edição, Coimbra, Imprensa Litteraria, 1875 CARDOSO, José Luís (Dir. de) - Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, T. I, Lisboa, 1990, 303 Pp. CARVALHO, Amadeu Ferraz de – Toponímia de Coimbra e arredores (contribuição para o seu estudo), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934, 69 Pp. CARDOSO, José Luís (Dir. de) – Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para o adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815), - T. I, Lisboa, Banco de Portugal, 1990, 303 Pp. - T. III, Lisboa, Banco de Portugal, 1991, 286 Pp. CASTRO, Eugénio de - As Capelas Sepulcrais da Igreja do Carmo, de Coimbra, Coimbra Editora Lda., Coimbra, 1931, 62 Pp. Coelho Maria Helena da Cruz; Matos João José da Cunha - «O Convento Velho de S. Domingos de Coimbra (contributo para a sua História), Sep. do Vol. III/2 do Arquivo Histórico Dominicano Português, Porto, 1986, Pp. 1-11 COELHO, Maria Helena da Cruz – O Baixo Mondego nos finais da Idade Média, Vol. 1 Estudos Gerais, Série Universitária, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2ª Edição, 1989, (727 Pp). CORREIA, Vergilio - A Arte em Coimbra e arredores, Coimbra, 1959, [Edição póstuma dirigida por Alice Correia], CORREIA, Vergilio; GONÇALVES, Nogueira – Inventário Artístico de Portugal, Vol. II, Cidade de Coimbra, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1947, 238 Pp.. CRUZ, António - António Cruz – Santa Cruz de Coimbra na cultura portuguesa da Idade Média, Dissertação de Doutoramento em História, Vol. I, Porto, 1964, 417 Pp. DIAS, Jaime Lopes – Coimbra e as Beiras, Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra, Coimbra, 1959, 41 Pp. DIAS, João José Alves (Org. de) – Chancelarias Portuguesas, D. Duarte, Vol. I, T. 2, (1435-1438), Centro de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 1998, Pp. 584. DIAS, Pedro – Coimbra guia para uma visita, Gráfica de Coimbra, 112 Pp. s. d. DIAS, Pedro; COUTINHO, José Eduardo Reis – Memórias de Santa Cruz, Câmara Municipal de Coimbra, Coimbra, 2003, Pp.156 DIAS, Pedro - Coimbra Arte e História, Livraria Minerva, Coimbra, 1995, 117 Pp. DIAS, Pedro – A Escultura de Coimbra do Gótico ao Maneirismo, Câmara Municipal de Coimbra, 2003, 245 Pp. DIAS, Pedro – 100 Obras de Arte de Coimbra, Ed. Fundação Bissaya-Barreto, Coimbra, 2008, Pp. 228 DUARTE, Blandina Tavares – Reorganização dum Centro de Assistência, trabalho final, Curso de Enfermagem Complementar, Secção de Administração, 1968-1969, Escola de Ensino e Administração de Enfermagem, 59 Pp. FIGUEIRA, Maria de Lourdes – Escola Brotero. Memórias de sempre, Escola Secundária de Avelar Brotero, Coimbra, 1996, 297 pp. FIGUEIREDO, A. C. Borge de – Coimbra Antiga e Moderna, Livraria Ferreira, Lisboa, 1886, Ed. Facsimilada, Almedina, 1996 (387 Pp.) FIGUEIRÓ, Simão de (org. de); MADAHIL, António Gomes da Rocha (lido e publicado)- Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra em 1570, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1940, 366 Pp.



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Bibliografia e Fontes

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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

LOUREIRO, José Pinto – Coimbra no passado, Vol. II, IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra, Coimbra,1964, 373 Pp. MACHADO, José Pedro – Dicionário Onomástico, Etimológico da Língua Portuguesa, Vol. III (N-Z), 2ª edição, Editorial Confluência e Livros Horizonte Lda., Lisboa, 1993, Pp. 1047-1503. MACHADO, Manuel Ayres Falcão Machado - Guia Ilustrado de Coimbra, Casa Minerva, 103 Pp. S. d. MADAHIL, António Gomes da Rocha – O Privilégio do Isento de Santa Cruz de Coimbra, Publicação Comemorativa do Oitavo Centenário da Fundação da Nacionalidade, Coimbra, Edição da Biblioteca Municipal, 1940, 77 Pp. MARTINS, Armando Alberto - O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, Centro de História da Universidade de Lisboa, Colecção Textos Universitários – 2, Lisboa, 2003, 1033 Pp. MENDES, José Maria Amado – A Área Económica de Coimbra: estrutura e desenvolvimento industrial, 1867-1927, Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, 1984, Pp. 562 MONTEIRO, Mário - Typos de Coimbra Guimarães C.ª Editores, Lisboa, 1908 MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa – Um Mosteiro Cisterciense Feminino; Santa Maria de Celas (século XIII a XV), Dissertação de Mestrado em História Medieval, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2001, 775 Pp. NETO, Margarida Sobral – Terra e Conflito:Região de Coimbra, 1700-1834, Palimage Editores, 1997, Pp. 451 NOGUEIRA, António Inácio Correia, – Santa Cruz: um café com História, Colecção “Coimbra-Património”, Nº 7, Coimbra, 2007, Pp. 200 Nogueira Isabel; Magalhães Raquel Romero – Coimbra: das origens a finais da Idade Média, Câmara Municipal de Coimbra, Departamento de Cultura, Colecção “Coimbra-Património” Nº 10, 2008, Pp. 198 NUNES, António – A Espada e a Balança – O Palácio da Justiça de Coimbra, Ministério da Justiça, Imprensa de Coimbra, 2000, 272 Pp. NUNES, Mário – Coimbra Imagens do Passado, 1940-1960, Livraria Minerva, Coimbra, 1990, 223 Pp. NUNES, Mário Mendes – Ruas de Coimbra, 2º edição, GAAC, Colecção Conheça a Cidade, os seus Monumentos, as suas Gentes e as suas Tradições, Coimbra, 2003, 212 Pp. NUNES, Mário Mendes - Estátuas de Coimbra, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, Coimbra, 2005, Pp. 229 NUNES, Mário Mendes – Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coimbra – Das origens aos Nossos Dias 1889-1998 – «Páginas para a História de Coimbra», Coimbra, 1998, Pp. 248 NUNES, Mário Mendes – A Previdência Portuguesa, Associação Mutualista – 75 anos ao serviço do Mutualismo – 1929-2004, Coimbra 2004, Pp. 159. Oliveira, António de – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640, Primeira Parte, Vol. I, Coimbra, 1971, 566 Pp., Vol. II, Coimbra, 1972, 534 Pp. [Dissertação de Doutoramento em História apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra] OREY João d’ (Coord. Geral); VASCONCELOS, António (Coord. Editorial) - Troleicarros de Coimbra: 60 anos de História, Ordem dos Engenheiros, Coimbra, Outubro 2007, 215 Pp. PAÇO, António Simões do (editor coordenador) – Os anos de Salazar – A Ascensão de Salazar, Vol. I, 1926-1932, 2008, Planeta DeAgostini, Pp. 201.



534



Bibliografia e Fontes

PAMPLONA, Fernando de – Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses, - Vol. II, 4ª edição, Livraria Civilização Editora, Março 2000, 367 Pp; Vol. IV, 4ª edição, Livraria Civilização Editora, Março 2000, 381 Pp. PINHO, Ernesto Gonçalves de - Santa Cruz de Coimbra Centro de Actividade Musical nos Séculos XVI e XVII, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981, Pp. 265 PINHO, João Carlos Santos – Botão, mil anos de história(s), Junta de Freguesia de Botão, Centro Social, Cultural e Recreativo de Botão, Coimbra 2002, Pp. 427. PINHO, João Carlos Santos – Freguesia de Eiras: a sua história (do séc. X ao séc. XXI), Junta de Freguesia de Eiras, Coimbra, 2008, Pp. 523 REBELO, João (Coord.) – Evolução do espaço físico de Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, 2006, 154 Pp. RODRIGUES, Manuel Augusto (Dir. e Coord. Editorial); COSTA, Avelino de Jesus da Costa (Dir. Cientifico) – Livro Preto, Cartulário da Sé de Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1999, 1429 Pp. RODRIGUES, Manuel Augusto (Coord. Editorial), VASCONCELOS, José de (Transcrição); RAMOS, Júlio (Planificação e Revisão) – António de Vasconcelos perpetuado nas páginas do “Correio de Coimbra”, 1922-1941, Arquivo da Universidade de Coimbra, 2000, Pp. 567 ROSSA, Walter – Divercidade – urbanografia do espaço de Coimbra até ao estabelecimento definitivo da Universidade, Dissertação de Doutoramento em Arquitectura, 1ª ed. Coimbra, Junho 2001, 897 Pp. SANTOS, Maria José Azevedo – Vida e Morte de um Mosteiro Cisterciense. S. Paulo de Almaziva (hoje S. Paulo de Frades, c. Coimbra) séculos XIII-XVI), Edições Colibri, Colecção Colibri História. SANTOS, José da Cruz (coord.); PEREIRA, Helena de Sousa (introdução e recolha) – O Padre Américo e a Obra da Rua, Aletheia Editores, Lisboa 2006, Pp. 215. SANTOS, J. Marques dos – Coimbra e Arredores, Comissão de Iniciativa de Turismo de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1920, 90 Pp. SANTOS, Vitorino de Seiça e - Apontamentos Monográficos de Coselhas, Reitoria de Nossa Senhora de Fátima, 2001, 60 Pp. SILVA, Armando Carneiro da – Estampas Coimbrãs, Vol. I e II, IX Centenário da Reconquista Cristã de Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, 1964. SILVA, Armando Carneiro da – «Evolução Populacional Coimbrã» In Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal, Vol. XXIII, Coimbra, 1968, P. 193-306. SIMÕES, Gabriela Trindade - «Vistorias da Câmara de Coimbra», In Arquivo Coimbrão, Vol. XIV, 1956; Vol. XVI, 1958; Vol. XVII, 1959; Vol. XVIII, 1963. SOARES, A. Ferreira; MARQUES, J. Fonseca; ROCHA, R. B. - «Contribuição para o conhecimento Geológico de Coimbra» In Memórias e Notícias, Museu Laboratório Mineral de Geologia, Universidade de Coimbra, Nº 100, 1985, Pp. 42-66. SOARES, Sérgio Cunha – O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo – Vol. I – Geografia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2001, Pp. 299; Vol. II – Sociologia do Poder Municipal, Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2002, Pp. 394; Vol. III - Práticas e Processos da Formação Camarária Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2004, Pp. 458.



535



Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

SOUSA, António (Coord.) – Caritas de Coimbra Acção na Diocese, 1956-2003, Caritas Diocesana de Coimbra, Coimbra, 2003, Pp.147 TAVARES, Jorge Campos – Dicionário de Santos, Lello Editores, 3ª Edição, 2001, Pp. 302 TRINDADE, Luísa – A Casa Corrente em Coimbra Dos Finais da Idade Média Aos Início da Época Moderna, Colecção “Coimbra-Património”, 2002, 198 Pp. URBANO, Abel – Coimbra e as vias de comunicação da bacia do mondego na defesa do país, Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra, Coimbra, 1937, 50 Pp. Novos Topónimos – Coimbra (2002-2008), Departamento de Cultura, Divisão de Acção Cultural, Colecção “Coimbra – Património”, Nº 11, Coimbra, 2008, Pp. 207 Sem autor – Coimbra e seus arredores, Sociedade Propaganda de Portugal, Typografia da Gazeta dos Caminhos de Ferro, Lisboa, 1917, 78 Pp. Edital do Governo Civil de Coimbra, 19 Dezembro, 1854. Mappa Geral das Povoações, casaes, quintas, etc., das freguezias que compõem a Comarca de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865, 57 Pp. Sem autor – Roteiro de Coimbra, Secção de Turismo da Câmara Municipal, Coimbra, 79 Pp. Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz – Petição e Fundamentos Câmara Municipal de Coimbra, 1958, 57 Pp. Instituto Nacional de Estatística - X Recenseamento Geral da População no Continente e Ilhas Adjacentes, Tomo I, Vol 1º, 1960 - XI Recenseamento da População, Continente e Ilhas Adjacentes, Estimativa a 20%, 1º Volume - XII Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Distrito de Coimbra, 1981 - XIII Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Centro, 1991 - XIV Recenseamento Geral da População, Resultados Definitivos, Centro, 2001 Mata Nacional do Choupal, Guia do Visitante, Instituto da Conservação da Natureza, 15 Pp.

Publicações periódicas Boletim Informativo da Junta de Freguesia de Santa Cruz, Nº 3, Junho 2006, 12 Pp. Boletim Informativo da Junta de Freguesia de Santa Cruz, Nº 4, Julho 2007, 20 Pp. Boletim Bibliográfico da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Vol. I, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1914 Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra, Vol. X, Coimbra, 1988, Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Ministério das Obras Públicas, Nº 89, Setembro, 1957, 40 Pp. O Instituto, Revista Scientifica e Literária: Vol. II, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1854, 296 Pp. Vol. XXIV, Janeiro-Junho 1877, Nº2 7 a 12, Coimbra, 1877, 288 Pp. Vol. XL, Julho 1892 a Junho de 1893, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1893, 976 Pp. Vol. 54º, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1907, 736 Pp.



536



Bibliografia e Fontes

Vol. 71º, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1927, 613 Pp. Vol. 79º, 1930 Vol. 88º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1935 Vol. 90º, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1936 Vol. 101º - Gráfica de Coimbra,1943, 573 Pp. Vol. CXXXIX, Coimbra, 1979, 257 Pp. Arquivo Coimbrão, Boletim da Biblioteca Municipal de Coimbra: - Vol. VI, 1942, 301 Pp. - Vol. XI - Vol. XII, 1954 - Vol. XVI, 1958 - Vol. XVII, 1959, 294 Pp. - Vols. XXXI-XXXII (1988-1989) - Vol. XXXIX, Coimbra, 2006 Arte e Arqueologia, Vol. I, Imprensa da Universidade, 1932. Biblos – Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra: - Vol. X, Coimbra Editora Ld.ª, 1934, 671 Pp - Vol. XI, Coimbra Editora Ldª, 1935, 480 Pp - Vol. XV, Coimbra Editora Ldª, 1939, 670 Pp. Revista da Universidade de Coimbra: - Vol. VI, Nº 1 e 2, 1917 - Vol. XXXVI, Coimbra, 1991 Revista Munda: - Nº 8, Novembro, 1984 - Nº 11, Maio, 1986 - Nº 26, Novembro, 1993 - Nº 30, Novembro, 1995 - Nº 37, Maio, 1999 - Nº 38, Novembro, 1999 - Nº 40, Novembro, 2000 - Nº 41, Maio, 2001 - Nº 47, Maio, 2004 O Conimbricense: Nº 2837, 3 de Outubro de 1874, XXVII Ano, Sábado Nº 3005, 18 de Maio 1876, Sábado



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Nº 3536, 2 de Julho de 1881, Ano XXXIV, Sábado Nº 3537, Terça Feira, 5 de Julho de 1881, Ano XXXIV Nº 5387, Sábado, 1 de Julho de 1899, Ano 52º Nº 5460, Terça Feira, 13 de Março de 1900, Ano 53º, Nº 5979, Sábado, 18 de Março de 1905, 58º Ano O Despertar: - 2 de Maio de 1921 Correio de Coimbra: - 10 de Março de 1960 Gazeta de Coimbra: - 4 Setembro 1912 - 27 Agosto 1913 - 14 Outubro 1914 - 9 Janeiro 1915 - 26 Abril 1919 -12 Junho 1923 - 24 Maio 1924 - 10 de Junho de 1924 - 13 de Dezembro 1924 - 20 Janeiro 1925 - 17 Novembro 1925 - 15 Dezembro 1925 - 27 Fevereiro 1926 - 4 Março 1926 - 10 Junho 1926 - 21 de Maio 1927 -29 Setembro 1928 - 18 de Dezembro 1928 - 23 Abril 1929 - 29 Julho 1930 - 16 Março 1937 - 1 Junho 1937 Diário de Coimbra: - 28 de Outubro de 1939 - 17 de Agosto de 1947 - 28 de Dezembro de 1949 - 8 de Outubro de 1959



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Bibliografia e Fontes

- 30 de Novembro de 1959 - 13 de Maio de 1970 - 16 de Dezembro de 1972 - 21 de Dezembro de 1972 - 25 de Janeiro de 1973 - 15 Setembro 2006 - 16 de Fevereiro de 2007 - 15 de Abril de 2007 - 19 de Abril 2007, Suplemento Baixa ConVida -11 Janeiro 2008 - 21 Junho 2008 - 4 de Setembro de 2008 Campeão das Províncias: 28 Dezembro 2006, P. 5 Monumentos, Revista Semestral de Edifícios e Monumentos, Nº 25, Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Setembro, 2006, 240 Pp.

FONTES MANUSCRITAS ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO - Fundo Antigo: Nº 287 – Livro dos direitos del rei da cidade de Coimbra, 1395 - Dicionario Geografico 1758, «Rellação das couzas notaveis da Cidade de Coimbra» V. 11, Nº 349, P. 2371 a 2399 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas: - Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 12191662, Nº 35, (104 Fls) Mosteiro de Santa Cruz: - Índice dos Foros da Cidade - Livro da Relação dos Foros da Cidade



539



Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Fundo da Mitra Espiscopal: - Autos e Sentenças, Lº 22, 1726-1788. - Autos e Sentenças, 1750-1763, Liv. 23. - Emprazamentos, Lº 100, 1695-1801 - Colecção das Escrituras de aforamentos e renovações dos prazos, 1676-1784, (500 fls). - Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1659, Liv. 70 (586 Fls). - Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1737-1752, Liv. 72 [460 Fls] Fundo do Cabido: - Informações Paroquiais de 1721: Pedrulha - Capelas: Cx 15, Doc. Nº 9, 8 Fevereiro, 1696; Doc. Nº 10:19, Janeiro, 1697 Doc. Nº 11, 28 Dezembro 1890; - Várias Colegiadas: Livro para lansar os bens próprios das extintas Collegiadas, em comformidade com as Relaçoens, e mapas que derão os respectivos Parrocos, e se achão juntas ao Processo da sua supreção, que existe no Cartorio do Escrivão da Camera Ecleziastica desta Dioceze, S/D, 250 Fls. Acordos do Cabido: 1451-1498, 1498-1513,; 1555-1564 Fundo das Congregações Religiosas: - Igreja de S. João de Almedina, Cx. 3, Mç 4º. - Livro de Escrituras de Emprazamento, Vol. V, 1669, (168 Fls). - Colégio de S. Bento. Caixas 2 e 7 Colégio de S. Bernardo: - Tombo do Indice novo dos foros do Colegio de S. Bernardo de Coimbra e outros títulos, nº 28, 1220-1729, (290 Fls.) Fundo dos Registos Paroquiais: - Livro Misto da Freguesia da Pedrulha, 1762-1830. - Livro Misto da Freguesia da Pedrulha, 1572-1769 Fundo da Provedoria de Coimbra: - Livro de Registos de Abolições das Capelas Insignificantes da Comarca de Coimbra, 1805-1831, Nº 10, (33 Fls). Fundo do Governo Civil: - Actas das Sessões das Juntas de Paróquia e Freguesia do Distrito de Coimbra: Cx. Cx. 320, 1860-1887, Cx. 321, 1888-1889; Cx. 322, 1890, Cx. 323, 1891, Cx. 326,1897-1898, Cx. 328; Cx. 329, 1900, Cx. 330, 1902, Cx. 331, 1903, Cx. 333 Livro de Registo dos Regedores de Freguesias, 1871-1915; Livro de Registo dos Regedores de Freguesias, 18961933; Livro de Matrícula dos Professores d’instrucção Primaria do concelho de Coimbra; Livro do Movimento dos professores e professoras Fazenda Nacional Lº Nº 10, Recenseamento dos foros do concelho de Coimbra, 1841



540



Bibliografia e Fontes

BIBLIOTECA GERAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Reservados: Ms. 3363 – Belisário Pimenta, Memorias, 1919-1921, Nº 11; 1928-1932, Nº 12 ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE COIMBRA Escrituras, Lº Nº 2, 1873-1888, Lº Nº 3, 1889-1899, Lº N 27, 1903-1905; Lº Nº 29, 1909-1912; Lº Nº 30, 1912-1916, Lº Nº 31, 1916-1919; Lº Nº 36, 1923-1924, Lº Nº 47, 1937-1939, Lº Nº 49, 1941-1945, Lº Nº 51, 1947-1950, Lº Nº 52, 1950-1952, Lº Nº 55, 1955, Lº Nº 59, 1958-1959, Lº Nº 61, 1959-1960, Lº Nº 62, 1960-1961, Lº Nº 66, 1962-1963 Mapa das Obras Municipais, 1851-1877 (45 Fls) Mapa das Obras Municipais, 1878-1884 (53 Fls) Obras Municipais, Condições Técnicas, 1861-1890 (95 Fls) Registo da Correspondêncio Nº 2 Registo, T. IV Inaugurações, 1860-1897 (S/N) Representações ao Rei e ás Cortes, 1866-1873 95 Fls. Representações ao Rei e ás Cortes, 1874-1880, 44 Fls Representações ao Rei e às Cortes, 1893-1907, 98 Fls. Actas das Sessões da Vereação da Câmara Municipal de Coimbra: Livros Nºs: 6, 66, 67, 98, , 101, 130, 201, 206, 208, 215, 219, 228, 232, 239, 240, 243, 246, 248, 252, 254, 266, 271, 273, 286, 287, 294, 300, 306, 344, 352, 362, 373, 385, 389, 396 - Livro dos Juramentos das Justiças dos Concelhos do Termo de Coimbra: 1719-1723 (140 fls); 1723; 1733 (137 fls); 1723-1728 (s/numeração); 1728-1733 (s/numeração); 1742-1750; 1755-1757; 1776 (106 fls); 1780-1782 (179 fls); 1786-1789 (428 fls); 1790 (103 fls.); 1791 (103 fls); 1792 (106 fls); 1793 (100 fls); 1794 (99 fls); 1795 (100 fls); 1796 (s/numeração); 1797 (100 fls); 1799 (71 fls, incompleto); 1800 (69 fls); 1801-1803 (207 fls); 1803 (numerado até 48 fl); 1804 (até fls. 49); 1805-1807 (200 fls); 1807-1812 (sem numeração); 1814 (s/numeração); 1815 (s/numeração); 1829 (s/numeração); - Livro de Pautas das Justiças do Termo da Cidade de Coimbra, 1748-1754 - Tombo de bens da Cidade de Coimbra, 1768 - Livro de Foros, 1875 - Representações ao Rei e às Cortes, 1893-1907, (98 Fls.) - Representações ao Rei e às Cortes, 1907-1913, (37 Fls.) - Livro de Escrituras: Nº 48, 1939-1941; Nº 49, 1941-1945 - Registo da Correspondência T. Nº 2 - Livro das Justiças do Concelho de Coimbra e Juntas de Paróquia, 1854-1868 (24 Fls. Numeradas) - Diversos, Maço I, II, V, VII - Papeis, Maço, II, III ARQUIVO DA JUNTA DE FREGUESIA DE SANTA CRUZ (A.J.F.S.C.) - Livro de Actas da Assembleia de Freguesia de Santa Cruz, 1977-1981, (50 Fls) - Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1983-1987 (29 Fls) - Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1987-1991 (50 Fls) - Livro de Actas da Junta de Freguesia de Santa Cruz, 1991-2002 (147 Fls) - Processo sobre o Café Santa Cruz



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

ARQUIVO DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE A PEDRULHENSE - Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1926-1939, 50 Fls. - Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1939-1949, 33 Fls. - Livro de Actas da Direcção da Associação Beneficente A Pedrulhense, 1949-1974, S/N - Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1974-1994, S/N Fls. - Livro de Actas da Assembleia Geral da Associação Beneficente “A Pedrulhense”, 1995-2008, S/N Fls. Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais - Escola Industrial e Comercial de Brotero, Coimbra, Processos Nº: 06/09/24-01, Nº 06/09/25-01 e Nº06/09/25-02 ARQUIVO DA ESCOLA DA PEDRULHA - Livro de Matriculas, 1946/1947 (96 Pp) ARQUIVO DO CLUBE DESPORTIVO PEDRULHENSE - Livro de Actas das Reuniões da Direcção do Clube Desportivo Pedrulhense, 1975-1980 (S/Fls). - Livro de Actas da Assembleia Geral, 1975-1988, (S/Fls). - Documentos Diversos (pasta). - Documentos Diversos sobre o Grupo Recreativo Pedrulhense (Pasta).



542



Anexos

Anexos



543





545



1892 José Narciso Simões

1891 José Narciso Simões (até Maio

1890 Jose Narciso Simões

1889 António Ruivo Junior

1888 Abel Ferreira das Neves Elyseu

1886 Ruben Augusto d’Almeida Pinto 1887 Abel Ferreira das Neves Elizeu

Secretário

Joaquim Monteiro de Carvalho Id.

Joaquim Monteiro de Carvalho

António Maria da Costa

António Maria da Costa

Amadeu Fructuoso da Silva Rocha

José Julio Cezar

Adriano da Silva Ferreira Id. (assume as funções de Pres. a partir de Maio) ‑ Antonio dos Santos Id. Azevedo

Abel Ferreira das Neves Elyseu

António Ruivo Junior

Antonio Ruivo Junior

Ano Presidente Vice 1872 Figueiredo Nogueira 1877 Joaquim António d’Oliveira Augusto d’Almeida Araújo Pinto 1881 Bento José d’ Oliveira João António da Cunha

Vogais

‑ João Lopes Júnior ‑ Manuel Antonio de Figueiredo ‑ Antonio Jose Lopes Guimaraes Júnior

‑ Manuel Ilídio ‑ João Lopes Júnior ‑ João Ferreira Arnaldo ‑ João Ferreira Arnaldo ‑ Manoel Illydio dos Santos ‑ José Miguel Cabral ‑ João Lopes Júnior ‑ Manoel Illydio dos Santos ‑ Antonio dos Santos Azevedo ‑ Adriano da Silva Ferreira ‑ Manuel António de Figueiredo ‑ Adriano d

Joaquim Augusto dos Santos Natividade ‑ Jose Correia dos Santos ‑ João Ferreira Maia ‑ António Fernandes

Tabela 1 – Juntas de Paróquia de Santa Cruz, 1872-1914

Jose Fernandes Ferreira

Tesoureiro

Anexos

Presidente

Vice



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 José Maria Antunes

Id. Antonio Augusto Lourenço Id.

1900 Id.

E Manuel Alves Ribeiro, coadjutor da freguesia no impedimento do presidente 1901 José Mendes Saraiva 1902 1903 Id

1899 Id.

‑ Pe Manuel Feliciano Dias ‑ José Maria Antunes (Fev.) Abel Paes de Figueiredo

António Fernandes

Id.

Secretário Henrique Marques Perdigão/

1898 Id.

1897 José Mendes Saraiva (prior da freguesia)

1894 1895 Joaquim António d’Oliveira Manuel Illydio dos Santos 1896 José Mendes Saraiva (prior da freguesia) entrou a 05 Set. 1896

Ano 1893

Id e

Id.

‑ Francisco António dos Santos ‑ Elias Fillipe Pereira

Antonio dos Santos Azevedo Id.

Id. Id. ‑ António Pinto Machado ‑ António Fernandes ‑ Henrique Marques Perdigão ‑ Augusto Simões da Silva ‑ António Pinto Machado ‑ António Fernandes ‑ Henrique Marques Perdigão ‑ Augusto Simões da Silva

‑ José Diniz Simões de Carvalho ‑ Manuel dos Santos Pereira David (a partir de Agosto)

José Diniz Simões

Tesoureiro

Vogais ‑ Manuel Illydio dos Santos ‑ Antonio dos Santos Azevedo ‑ António Pinto Machado

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade



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* Comissão Administrativa

1912 Id. 1914 Id. Nicolau da Fonseca

Urbino Soares

1910 José M. Saraiva

‑ José Alves dos Santos

Urbino Soares

1909 Id.

Reverendo Caetano José Travassos Lima (coadjutor no impedimento de José M. Saraiva) 1911* José Simões Ferreira de Mattos (cidadão)

Id.

Secretário

1908 Id.

Vice Id.

Presidente

Ano 1907 Id.

António de Oliveira

Vogais Tesoureiro ‑ Adriano Ferreira Rocha ‑ José Augusto Lopes d’Almeida ‑ Adriano Ferreira Rocha José Augusto Lopes ‑ Francisco Ferreira d’Almeida ‑ Francisco Nogueira Secco ‑ Antonio Ribeiro das Neves Id. Machado ‑ António Augusto Lourenço ‑ Adriano Ferreira Rocha ‑ Adriano Ferreira Rocha ‑ Antonio Augusto Lourenço ‑ Antonio Ribeiro das Neves Machado ‑ José Augusto Lopes d’Almeida ‑ Adriano Ferreira da Cunha ‑ Manuel d’Assumpção Simões ‑ António d’Oliveira Barros

Anexos

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Tabela 2 – Regedores e Regedores Substitutos na Paróquia e Freguesia de Santa Cruz, 1872-1929 Nome do regedor Antonio dos Santos José Correia dos Sanctos Antonio dos Sanctos Adriano Gomes Tinoco Joaquim da Costa Coutinho Adriano da Silva Ferreira Manuel Antonio de Figueiredo Manuel dos Santos Pereira David Antonio das Neves Machado José Bento Correia Manuel Mendes Pimentel Francisco Rodrigues da Conceição José Bento Correia Antonio Augusto Branco José Bento Correia Adriano Ferreira Rocha Eduardo Gomes Fructuoso Santarino Joaquim Gonçalves Rama Jorge da Silveira Morais Joaquim Gonçalves Rama José Pereira da Mota Jorge da Silveira Moraes José Pereira da Mota Américo da Costa Freitas Barboza José Monteiro da Costa Marcelino Augusto Lopes Pires Francisco Rodrigues da Conceição Aníbal de Jesus Cardoso Francisco Duarte Nunes José Simões Ferreira de Mattos Antonio de Jesus Brito Antonio Augusto Alves da Veiga José Filipe de Oliveira

Data da nomeação 26‑09‑1872 28‑04‑1881 22‑03‑1886 16‑02‑1889 31‑01‑1890 27‑02‑1897 15‑07‑1900 1902 02‑11‑1904 03‑04‑1906 21‑06‑1906 12‑06‑1907 26‑03‑1908 15‑02‑1910 08‑07‑1910 31‑10‑1910 24‑03‑1913 12‑07‑1913 14‑05‑1914 04‑05‑1915 20‑05‑1915 13‑12‑1917 12‑01‑1918 21‑02‑1918 20‑04‑1918 01‑10‑1918 21‑08‑1919 27‑05‑1921 25‑10‑1921 24‑04‑1922 08‑12‑1923 21‑10‑1924 22‑07‑1926 24‑10‑1929



Joaquim Machado Joaquim da Costa Coutinho Adriano Gomes Tinoco Fructuoso Ferreira da Silva João d’Almira João Antunes do Valle Francisco Rodrigues da Conceição

Data da nomeação 26‑09‑1872 27‑05‑1881 06‑04‑1886 16‑03‑1889 27‑02‑1897 03‑06‑1899 21‑06‑1906

José Abrantes Guilherme José José Abrantes Faustino de Mattos Augusto da Silva Fonseca Joaquim Gonçalves Rama José Maria d’Oliveira José Bento Correia José Maria d’Oliveira

13‑09‑1909 25‑02‑1910 25‑07‑1910 22‑08‑1910 31‑10‑1910 06‑02‑1911 14‑05‑1914 04‑05‑1915 20‑05‑1915

Jerónimo da Cunha José Abrantes Raul Mario da Silva Orlando Augusto de Oliveira da Cruz Antonio Marques Leite Antonio de Jesus Brito Evaristo Rodrigues José Breda Adriano Braz

22‑01‑1918 20‑04‑1918 08‑03‑1919 21‑08‑1919 18‑07‑1921 08‑11‑1921 24‑04‑1922 08‑12‑1923 21‑10‑1924

Nome do regedor‑substituto

548



Anexos

Tabela 3 – Juntas de Freguesia de Santa Cruz, 1917-1974 Anos Presidente Vogais 1917 José Simões Ferreira de Matos Eduardo Gomes (Partido Evolucionista) 1922 João Augusto Machado ‑ António de Oliveira ‑ Joaquim Luís Olaio ‑ Aníbal de Jesus Cardoso ‑ José Augusto da Silva 1926 Joaquim Luís Olaio Júnior ‑ António de Oliveira ‑ António Leite Pinheiro ‑ Adriano Brás ‑ José Filipe de Oliveira Secretário Tesoureiro Anos Presidente 1937 José Simões Ferreira de Mattos Joaquim da Cunha Neves José de Portugal Simões Amaro 1938‑1941 Arménio Augusto Fagulha Alexandre José da Costa Manuel de Jesus Cardoso 1942‑1945 José Maria da Cruz José Soares Paulo… 1946‑1950 Manuel da Silva Soler Armando Correia António de Jesus Brito Umbelino 1951‑1957 Manuel dos Santos Melo ‑ José Simões Ferreira de ‑ Jorge Mendes Mattos António Bem haja Saraiva (a partir de ‑ Abílio Augusto dos Santos (a partir 1953) 1957) 1969‑1974 António Ribeiro Lebre Sérgio Francisco Gomes Diamantino Pereira



549





550

 Gonçalo Almeida

2002‑2005 António Nogueira António Pinto dos Santos 2005‑2009 António Pinto dos Santos

* Comissão Administrativa

2009-2013 António Pinto dos Santos

António Dias Amaro

1998‑2001 Id.

Paula Gomes Sofia Mingocho Paulo Isidoro

José Coimbra da Fonseca Ernesto Lucas Id.

1987-1990 Alexandrino Gonçalves 1990‑1993 José Coimbra da Fonseca 1994‑1997 Hildeberto Soares Teixeira

1983‑1987 António da Silva Fernandes Luís Fernandes Cardoso Canhão José Coimbra da Fonseca

Anos Presidente Secretário 1974-1976* Joaquim Moutinho d’Abreu Luís Silva Duarte Coelho Couceiro 1977‑1980 Francisco José Fortunato Rogério Marques Soares Soares 1980‑1983 António Firmino Baptista António Francisco Ramos

Vogal

José Gomes Aurélia Filipe Paulo Casimiro

Armando José Gouveia Gomes Aurélio Augusto dos Santos Carlos Alberto Fernandes António dos Santos Rodrigues Henrique Miguel Carrapato Maria Cândida José Manuel Hildeberto Teixeira João Gomes Jorge Manuel Leitão João Augusto Veloso Ferreira da Silva José dos Reis Fernandes Paula Cristina Santos Gomes Nuno Roque Paulo Sá

José Gomes

António Firmino Baptista

Vogal

António Pinto dos Santos Vítor Manuel de Matos Cabo Vítor Manuel de Matos Cabo Sofia Delgado Mingocho Paula Gomes Aurélia Filipe Bertília Simão

Id.

Fernando de Azeredo José Carlos Lopes Queiroz Id.

João Azevedo Alves de Carvalho Maria Cândida Novais dos Santos

Tesoureiro António Sousa Amaro de Carvalho Ernesto Santos Lucas

Tabela 4 – Executivos da Freguesia de Santa Cruz, 1974-2013

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Anexos

Data 1486 1501 1501 1511 1530 1539 1564 1578 1617 1617 1634

Tabela 5 – Bens dos grandes senhorios da área Conchada‑Coselhas MOSTEIRO DE CELAS (1) Descrição Localização Coselhas Prazo de «huã almoinha» (2), em 3 vidas, com foro de 620 reis. Prazo (3) de uma vinha com suas oliveiras, em 3 vidas, com Id. foro de 250 reis a primeira pessoa, e as outras 300 reis. Prazo de vinha com oliveiras, em 3 vidas, com foro de 620 Id. reis. Prazo de uma vinha com oliveiras, árvores de fruto, em 3 Id. vidas no «Limite de Cozelhas», com foro de 150 reis. Prazo em 3 vidas, de uma vinha e poucas oliveiras na Ribeira Id. de Cozelhas, com foro de 200 reis. Prazo de tres vidas de huã vinha com foro de «dous arrateis Algeara (Vale da Conchada) de çera, e hû cesto de uvas» Prazo de uma vinha e oliveiras, com foro de 100 reis em três Id. vidas Prazo em três vidas de duas hortas em Cozelhas, juntamente Coselhas com algumas oliveiras conjuntas, com foro de 400 reis. Prazo em vida de três pessoas de duas hortas no sitio que se Id. chama o Valle de Cozelhas com foro de 600 reis cada anno. Id. Prazo em três vidas de «hûa horta & olival, & outro olival pella banda de fora com foro de duzentos, e sincoenta reis, & hua boa galinha». Reconheçimento que fez Gonçalo goncalvez de «hua horta, Id. vinha, & olival de fora em Cozelhas, prazo de tres vidas, de que elle he primeira, e paga de foro trezentos e sincoenta reis: E a vinha, e horta tem huãs casas térreas».

UNIVERSIDADE DE COIMBRA (4) Data Descrição 24 Fevereiro Emprazamento por três vidas a Gaspar bello e sua mulher, de «huã 1512 vinha E olival a forca» 11 Fevereiro Emprazamento em três vidas a Gregorio Lourenço «veador de santa 1516 cruz (…) hŭa vinha E olival» 22 Novembro Emprazamento a Joaõ couçeiro, morador ĕ coimbra de «huã vinha ĕ 1520 coselhas no começo das ortas indo pola Ribeira açima a maõ dereita que levará çinco homeis de cava» 25 Abril 1523 Emprazamento por três vidas a Diogo Vaz (Cavaleiro da Ordem de Cristo e almoxarife da casa do “almazem E mina de «hŭas casas E hŭ chão cõ oliveiras a conchada E hŭa almoinha e çeiçeyral a aguoa de mayas» 4 Dezembro Emprazamento em três vidas a p.º fernandez de «huã orta» 1540 10 Junho Emprazamento por 3 vidas «de hŭas casas a Johão marquez pedreiro 1544 e mulher Ines Roiz e Antonio marquez seu filho 21 Julho Emprazamento “fatiozim” a Simão de Figueiroo (Escrivão da Fa1553 zenda da Universidade de «hŭns pardieiros E quintal em que fes cazas E forno» 20 Fevereiro Renovação a yzabel dacha, molher de João gonçalvez de «huã orta 1551 ĕ esta Ribeira»



551



Localização Forca Vale Figueiras Coselhas Conchada

Coselhas Monte Royo Monte Royo Coselhas

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Data 14 Setembro 1551 12 Março 15541 15 Março 1554 2 Dezembro 1555 13 Setembro 1558 8 Maio 1565 26 Abril 1569

UNIVERSIDADE DE COIMBRA (4) Descrição Localização Emprazamento em 3 vidas a Diogo Aranha Chaves, cidadão de Coselhas Coimbra e sua mulher, Guiomar de caçeres, De «Hŭa vinha laguar e olival» Emprazamento por três vidas a Dioguo a.º Secretario que foi do Monte Royo Cardeal Dom. a.º de«hŭas casas que fez em hŭ chão» Renovação a antonio pirez de «duas ortas» Coselhas Renovação a Dona Luisa de «hŭ olival»

Coselhas

Renovação de dois olivais feito a ysabel perestrela, pelo tempo de 3 vidas Huã orta ě a Ribeira de coselhas feito a Ynes Diaz, veuva Renovação a Simaõ de olivença, cidadão de Coimbra e por três vidas de «huã Vinha com oliveiras» 24 Abril 1571 Trespasse de «hŭ chaõ cõ oliveiras» que foi de bastiaõ luis para Joaõ gonçalvez, marçeiro 30 Julho Emprazamento a dominguos diaz, alfaiate, morador em Coimbra, de 1572 «hŭ chaõ que foi canaveal peguado cõ o olival da conchada (…) E outro chão hi Junto que foi laguar de vinho»

Conchada Coselhas Val de Figueira Conchada Conchada

1 Tratam-se dos bens que transitaram do Priorado-Mór de Santa Cruz em meados da década de 40 do séc. XVI, que extraímos do Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra em 1570, Pp. 11, 12, 32, 39

IGREJA DE SANTA JUSTA – Séc. XIX (5) Enfiteuta Bem Antonio Jozé dos Santos Prazo Prazo Antonio de Faria (morador à Sota) Prazo de vinha Rdo. Adrianno Antonio das Neves Prazo de horta Herdeiros de Antonio Mauricio Olival Herdeiros de João Baptista de Olival Menezes Correia Brandão Herdeiros de Joaquim Simoens Olival e «Cerrado de vinha» d’Carvalho Joaquim Ignacio de Miranda Pio 3 olivais Um quintal Jozé da Silva, ourives Quintal e Olival Izidoro Jozé da Costa Olival Olival Jozé Maria Martins Manoel Gomes Nunes, morador na Olival Rua Corpo de Deus Matheus Monteiro Olival D. Maria Amalia de Souza Horta, vinha e caza Godinho D. Umbelina Candida d’Andrade Vinha



552



Localização Conchada Val Meão Algiara Cozelhas Rego d’Bemfins Val Mião Algiara Conchada «citio d’ Cozelhas» Cozelhas ao cimo de Cozelhas ao cimo de Cozelhas Val Mião ao cimo de Cozelhas Cozelhas Val Mião

Anexos

MOSTEIRO DE SANTA CRUZ – Séc. XIX (6) Bens na Conchada Enfiteuta Bem Observações D. Anna Justina de Miranda 1. Uma Quinta com foro de Foram anteriores titulares: um 1832: Joaquim Simões, boticário uma galinha filho de Jerónimo Caetano ➝ Vicente Ferreira de Oliveira ➝ 2. Olival com foro de 4 alqueires Joze António de Miranda e ½ de azeite João da Cunha, mercador 1832: Uma vinha com foro de 750 reis Manoel de Santiago ➝ Maria Joanna e seu 2º marido Francisco António de Santiago Joze Luiz Marques Olival com foro de 1 galinha João Francisco Pugete, seu pai Manoel Joze Pugete ➝ 1832: Maria Joanna e seu 2º marido Joze Luiz Marques. Luiz de Abreu de Almada Quinta e olival na Conchada, Antigo titular, seu sogro, Pestrello com foro de azeite e 4 galinhas Augustinho Barboza de Novais Bens em Coselhas Enfiteuta Bem Observações António Caetano de Figueiredo 1.Olival e Vinha com foro de 1 Era anterior titular D. Francisca Galinha e 200 Reis Thereza ➝ 1831: Dr. Caetano Joze da Silveira e Figueiredo, de Taveiro 2. Olival com foro de 2 Galinhas e 5 alqueires de azeite Domingos de Macedo e Freitas, Um Chão com foro de 1 Josefa Maria ➝ Manoel Ferreira escrivão da Câmara ➝ até 1836: Galinha e 650 Reis ➝ sua viúva Joaquim Joze Gonçalves Morim, casado com a filha do sobredito Dr. Francisco Pinto da Silva Quinta com foro de 4 Galinhas João da Cruz ➝ Guiomar de 1832: Francisco Joze da Serra e 1000 Reis Macedo Quinta com foro de 6 Galinhas, Ignacio Francisco Joze da Silva Moreira ➝ Dr. 3 almudes de vinho e 550 Reis Manoel Bernardo Pio Luiza Cardoza, viúva de João Um olival, vinhas, casas e Seu marido comprou ao Padre Francisco cobrador salgueiral, com foro de 550 Reis Manoel Fernandes e 6 galinhas. Manoel de Souza, filho de Paulo Uma Horta com foro de 650 Anteriores titulares: Dr. João de Abreu Reis e 4 Galinhas. Correia de Lacerda e de João Rodrigues Catana Maria Gomes, viúva de Joseph Uma Horta com foro de 650 Trata‑se de um prazo de 1704. Anteriores titulares: Francisco Marques, ou seus herdeiros Reis e 1 galinha. Manoel Anna da Cruz, viúva de Uma Vinha com foro de 2 Foi anteriormente um prazo da Domingos Rodrigues de S. Lazaro Capões Universidade.



553



Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Tabela 6 – Oficiais do Concelho da Pedrulha e pequeno oficialato (7) Ano de exercício do cargo 1719 1720 1721 1722 1723 1725 1726 1727 1728 1729 1730 1731 1732 1733 1734 1742 1743 1744 1745 1746 1747 1748

Juiz

Procurador

Escrivão

Manoel Fernandez Id (?) Id.(?) Antonio João Lopes Fernandez Francisco Lopes Bras Antonio Francisco Manoel Ferreira Simoens Antonio Pereira Manoel Gomes Manoel Pereira Manoel Marques (Pedrulha) Manoel Simois Manoel dos Reys Domingos Francisco Lopes Antonio Manoel de Antonio Pereira Goveya Antonio Salvador Francisco Fernandes Penteado Antonio Rodrigues Manoel Cardozo Cazavelha Manoel Ferreira Bras Antonio Rollo Manoel Francisco Lopes Francisco Francisco Luis Simois Martins Manoel dos Manoel Cardozo Reys Jeronymo da Antonio da Silva Cunha Manoel Manoel Simoens Marques Manoel Martinz Manoel Joam Sapateiro Manoel Mathias Fernandez Rolo Fernandez Manoel Antonio Cardozo Tenro Francisco Bispo Antonio Manoel Martins Francisco Sapateiro Penteado Manoel Ferreira



Manoel Pereira Id. (?) Manoel Pereira Manoel Negrão Manoel Pereira Manoel Ferreira Manoel de Gouveya Manoel Negram Bras Antonio Manoel Lopes Bizarro Bras Antonio Manoel Negrão Manoel Pereyra Manoel de Gouveya Manoel Pereira Manoel Loppes Bras Antonio Manoel Lopes Bras Antonio Urbano Joze Pereira Joze Francisco dos Santos Manoel Lopes Bizarro

554



Avaliadores

Depositário Geral das Pinhoras

Anexos

Ano de exercício do cargo 1749 1750 1751 1752 1753 1754 1755 1756 1757

Juiz Bento Roiz Beirão Manoel Cardozo Tenro Salvador Fernandez Manoel Francisco Ramos Manoel Francisco Barrozo Manoel Fernandez Rollo Manoel de Oliveira Antonio Francisco Bispo Manoel Cardozo Barbas

Procurador

Hieronimo dos Santos

Hieronimo da Cunha

Manoel Simoens Jozé Francisco Grosso dos Santos Francisco de Abrantes

Manoel Francisco Cazavelha

Raymundo Lopes

Manoel Martinz

Antonio Jorge Manoel Ferreira

Manoel Roiz

1777

Manoel Rodriguez Moco

Manoel Pereira (?)

1780

Manoel Joaquim Conchego

Manoel Lopes Raymundo

1781

Manoel da Fonceca

Antonio Cardozo Barbas

1782

Manoel Roiz Mossos

Antonio da Fonceca

1786

Depositário Geral das Pinhoras

Manoel de Almeyda Jozé Francisco Manoel Martinz dos Santos Jeronimo de Manoel Lopes Oliveira Bizarro

1776

1785

Avaliadores

Domingos Simois

Bernardo Antonio

1784

Escrivão

João Ferreira dos Santos Manoel Lopes Bizarro ‑ Manoel dos Reis Gregorio Lopes ‑ Antonio Rodrigues Antonio Cardozo Tenro Gregorio Lopes ‑ Joao dos Santos ‑ Thiodozio da Cunha João dos Santtos ‑ Manoel de Souza Manoel Gomes ‑ Joze Marques Cardozo ‑? ‑ Manoel dos Reis Bento Cardozo ‑ Theodozio da Cunha

Manoel da Fonceca Manoel dos Reis

Manoel Antonio Barbas Rodrigues Coxo

Manoel Joaquim

Manoel Lopes dos Santos

Bernardo da Costa (da Cidade de Coimbra) Joze Marques

Antonio Roix João da Costa

Joze marques



Antonio Cardozo Barbas

555



Antonio da Fonceca ‑ Bernardo Antonio

Joam Cardozo Bernardo Rodrigues

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Ano de exercício do cargo 1787

1788

1789

1790

1791

1792

1793

1794

1795

1796 1797

1799

Juiz

Procurador

Escrivão

Avaliadores

‑ …Reis Cordovão Manoel da Silva ‑ Antonio da Fonceca ‑ Antonio Antonio Bispo Joze Cardozo Joaquim Pinto Cardozo Barbas ‑ Theodozio da Cunha ‑ Verissimo Antonio Manoel da Francisco Izidorio da Costa Cardozo Fonceca ‑ Antonio dos Bernardes Reis e Silva ‑ Caetano da Costa ‑ Thiodozio da Cunha ‑ Antonio da Antonio Fonceca Cardozo ‑ Veríssimo Francisco ‑ Antonio Manoel Gomes Cardozo João Leite Manoel de Souza Cardozo Tenrero ‑ Antonio Roiz ‑ Manoel da Antonio Pereira Antonio Antonio Silva ‑ Antonio Seringa Marques Grillo Cardozo Francisco Bispo ‑ Antonio dos Antonio Antonio Reis Manoel Lopez Ferreira Cardozo Bastos ‑ Manoel da Silva ‑ Antonio dos Reis Manoel Leite Joze Gomes Antonio dos Santos Alves Cardozo Barba ‑ Manoel da Silva ‑ Urbano Roiz Manoel ‑ Antonio Francisco Roiz Joaquim Denis Joze de Manoel Joaquim Antonio dos ‑ Antonio Roiz Abrantes dos Reys Reis ‑ Joze Marques ‑ Manoel Francisco Caza Manoel Lopes Manoel da Silva Velha dos Santos ‑ Manoel da Assumpção Manoel de Fonceca

Manoel Gomes Cardozo



556



Depositário Geral das Pinhoras Jozé da Crus

Antonio Cardozo Tenro Manoel Francisco Cazalvelho Joao Cardozo

Manoel Francisco Antonio Francisco Estaco Manoel Francisco Cazavelha Joze de Abrantes Joze Carvalho Manoel Fernandez Manoel da Cunha

Anexos

Ano de exercício do cargo

Juiz

Procurador

Escrivão

Avaliadores

Depositário Geral das Pinhoras

‑ Joze Bernardes ‑ Antonio Roiz ‑ Fabiam de Abrantes

João Leite

Francisco Nunes

Manoel Gomes Cardozo

1802

Manoel Roiz

João Leite

1803

Manoel Joaquim

‑ Manoel Fernandez ‑ Antonio Duarte

‑ Antonio dos Reis e Silva ‑ Manoel Leite ‑ Fabião de ‑ Urbano Roiz ‑ Manoel da Abrantes Silva ‑ Antonio Cardozo Barbas

1804

‑ Veríssimo Francisco ‑ Joze dos Reis

Manoel Lopes

Antonino Gerado

1805

Manoel Ferador ‑ Francisco Roiz Coreia ‑ João Ferreira

1800 1801

1806 1807

Joze Gonsalves

Joao Carvalho da Rocha

1809

Francisco Lopes

1810

Joze Marques

João Carvalho

Manoel Bernardes

Manoel Roiz

1812

Joze dos Santos

Manoel Francisco

Joze Cardozo Antonio Marques

‑ Manoel dos Santos Figueiredo ‑ Manoel Martins

Theodorico Framcisco

Manoel de Ferreira



Francisco Nunes

Joam Leite

Antonio dos Reis

1811

‑ Urbano Roiz Joze Cardozo ‑ Antonio Roiz

‑ Antonio Manoel da Cardozo Barbas Cunha ‑ Luis da Silva

‑ Manoel Joaquim ‑ Francisco Roiz ‑ Izidoro da ‑ Manoel Roiz Costa Manoel Joze Bernardo Francisco Flora

1808

‑ Urbano Roiz Bento Cardozo ‑ Joze Cardozo ‑ João Carvalho Antonio ‑ Joze Pereira Marques ‑ João da Costa

557



‑ Manoel Francisco Flores ‑ Sebastiam Francisco dos Santos ‑ Manoel dos Santos Leite ‑ João Leite Joze Pereira Felesiano dos Santos

Antonio da Silva Antonio Roiz

Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Ano de exercício do cargo

1814

1815

1816

Juiz

Procurador

Escrivão

‑ Manoel Florêncio Manoel da ‑ Manoel Clara Manoel Ferreira Carneiro Antonio dos dos Santos ‑ Antonio Santos Cardozo Francisco ‑ Francisco dos Reis ‑ Antonio da ‑ Antonio da Cunha ‑ Antonio Silva ‑ Manoel de Francisco ‑ Francisco dos Souza Reis ‑ Joze Gomes ‑ Antonio ‑ João Chapado ‑ Manoel Colaço ‑ Joze Leite ‑ Joze Joaquim Florêncio de Acensao ‑ João Chapado ‑ Francisco Joze Bernardes Nunes

‑ Antonio Ferreira ‑ Joze Ferreira

Joze Pereira

‑ Manoel florêncio Antonio Dias

Antonio da Silva

Joze Pereira

Thomas Joaquim de Santa Anna

Joze Pereira

Antonio da Silva

Francisco Nunes

1829

‑ Antonio ‑ Manoel Pereira Jozé Joaquim de Chapado ‑ Manoel Nunes Oliveira ‑ João da Costa da Cruz



Manoel Lopes

Depositário Geral das Pinhoras

Antonio dos Reis

1817

João da Costa

Avaliadores

558



Anexos

Tabela 7 – Rol dos Inquilinos dos Casais da Pedrulha e seu limite, 1742 (8) Lugar Nome dos inquilinos Manoel João, sapateiro e sua mulher; Antonio Duarte, viuvo; Antonio Cardozo e sua mulher; Manoel Cardozo e sua mulher; Manoel Martins sapateiro, viuvo; Manoel Francisco Cazavelha e sua mulher; Manoel dos Reis e sua mulher; Manoel Roiz da Serra e sua mulher; Manoel Duarte e sua mulher; Manoel Marques e sua mulher; Manoel de Gouvea, viuvo; Manoel Fernandez Rollo e sua mulher; Manoel da Costa, solteiro, maior; a viuva de Manoel Simoes Quinteiro; Roza de Oliveira, viuva; Manoel Simões e sua mulher; Manoel Cardozo Guarrilho e sua mulher; sua irmã Maria, solteira, maior; Manoel Ribeiro Neves e sua mulher; Manoel Pereira Lavrador, viuvo; Salvador Fernamdes e sua mulher; Luis Simões e sua mulher; Manoel Francisco Barrozo e sua mulher; Mathias Fernamdes e sua molher; Bento Rodrigues e sua mulher; Manoel Gaspar e sua mulher; Antonio Roiz Cazavelha e Pedrulha sua mulher; Antonio Francisco Taveiro e sua mulher; Manoel Dias, ourives, e sua mulher; Antonio Francisco Jorge e sua mulher; Francisco Lopes, Lavrador e sua mulher; Agostinho Jozeph e sua mulher; Izabel Ferreira, viuva; Francisco Martins e sua mulher; Luiza de Santo Antonio; Maria Fernandez, viuva; Domingos Simões e sua mulher; Luiza solteira, Bispa, maior; Manoel Martinz o novo e sua mulher; Catherina Duarte, solteira, maior; Manoel Cardozo tenrro e sua mulher; Jozeph Dias e sua mulher; Paschoal Dias e sua mulher; Manoel Lopes Bizarro e sua mulher; Anna Lopes, solteiro, maior; Iheronimo da Cunha Negrão e sua mulher; Bras Antonio e sua mulher; Antonio Francisco, trabalhador, o Bispo, e sua mulher; Manoel Roiz Cazavelha o novo e sua mulher; Dr. Manoel da Cunha; o Padre Jozeph Antonio da Cunha; o Padre Antonio da Cunha; o Padre Antonio Negrão, Manoel da Costa João Marques Gregorio, solteiro, maior; Dr Antonio Carneiro de Vargas e sua mulher; Luis Marques, solteiro; Jozeph da Eria e sua mulher; Bernardo Boto e sua mulher; Luis Marques e sua mulher; Francisco Marques e sua mulher; Bento Marques, alferes e sua mulher; Manoel Carvalho e sua mulher; Cap. João de Campos e sua mulher; Eiras Manoel da Murta e sua mulher; Manoel Correa de Carvalho e sua mulher; Bento Marques de Christo e sua mulher; Manoel Fernandez da Capella e sua mulher; Padre Manoel da Costa Jorge Figueiredo e sua mulher; Antonio Marques Sezar e sua mulher; Simão da Costa, Cazais viuvo; Padre Bento Marques dos Sanctos João Francisco dos Santos e sua mulher; Antonio Gomes Leão e sua mulher; João Adémias Dias e sua mulher; Antonio Francisco Pisco e sua mulher; Anna Lopes, viuva Manoel João Padrasto e sua mulher; Marianna Gomes, viuva; Bernardo Sapateiro e Murtal sua mulher; A viuva do Carapinheira; Manoel de Oliveira e sua mulher; Jozeph de Oliveira e Logo de Deus sua mulher Vilarinho Dionizio Marques, solteiro; Donna Maria viuva do D.or Manoel Cerpins Souselas Domingos de Souza e sua mulher; Manoel Duarte e sua mulher Torre João Marques e sua mulher; Manoel da Cunha e sua mulher Vilela Izabel Francisca, viuva Ribeira Manoel Duarte e sua mulher Brasfemes João da Cunha Pedrulheiro, viuvo Mortágua Dr. Jozeph Correa Miranda e sua mulher



559



Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

Nº Casal

1

2

Tabela 8 – Destrinça dos Casais da Pedrulha do Monte, 1750 (9) Título Descrição/Identificação «Aprezentação da destrinça do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Simão de Torres labrador e morador no lugar da Pedrulha «Hum leirão de terra no citio que chamão do Monte».Foi encabeçado pelos inclinos Pontinha e Porto Espinheiro» em Manoel de S. Jeronimo da Cidade de Coimbra «…por ser o que mais foro paga dentro deste cazal» 1 ‑ «Hum leirão de terra no Monte e citio «…cazal do foro da palha de que foi cabeça dos Barreiros»; Manoel João do Murtal termo de Coimbra». 2 ‑ «Hum leirão de terra no citio da Junqueira Fica como Cabeça do Casal: Francisco e Covão…» Lopes, lavrador, e morador no lugar e couto 3 ‑ «Huma leira de terra na Fontoura» da Pedrulha do Monte

3

«…cazal de pam e aves de que foi cabeça Antonio Simois o poyo novo do lugar da Pedrulha do monte». Nomeia para cabeça do casal Manoel da Costa da Cunha, solteiro, do lugar e couto da Pedrulha do Monte

4

«…cazal de huma rede de palha de foro do cazal de que foi cabeça Antonio Simois muxana dos Cazais de Eyras». Nomeado para cabeça Manoel João, do Murtal, termo de Coimbra.

5

6

7

8

1 ‑ «Hum leirão de terra honde chamão as Barrocas e Cabeço dos Corrais e Costa da fonte…» 2 ‑ «Hum leirão de terra no Campo onde chamão Campo Redondo…» 1 ‑ «Hum leirão de terra no Cabeço do Cardal que he o segundo deste citio»; 2 ‑ «Hum leirão de terra no Campo onde chamão Posso do Carvalho Fanadas e Tianha e Corte da Insoa do Cardote que hoje he dos Rellegiozos de São Bento de Coimbra…»

«…cazal de pão e aves de que foi cabeça Antonio Roiz do lugar da Pedrulha do «Hum leirão de terra formado com a quinta monte». Nomeia como cabeça o Colegio de dos Relligiozos de São Bento…» S. Bento da Cidade de Coimbra» 1 ‑ «Hum leirão de terra no Cabeço do Cardal que he o primeiro deste citio»; 2 ‑ «Um leirão de terra em Alvade que he o «…cazal do foro de huma rede de palha de primeiro que parte do poente com a ponte que foi cabeça Francisco Fernandez o tenrro dos gallegos do Sul com a Sargenta de entre do lugar da Pedrulha do Monte». Nomeado as vinhas do norte»; como cabeça: Luis da Costa Zambujo. 3 ‑ «Hum leirão de terra no citio dos Canaviais» «…do prazo que foi do lecençiado Antonio Dias Cabreyra da Çidade de Coimbra». Nomeado como cabeça: Madre Regente do Recolhimento das Convertidas da mesma Cidade. «…do cazal do foro de huma rede de palha do cazal de que foi cabeça Manoel Francisco Luzeiro da Çioga do Monte». Nomeado cabeça: Manoel Roiz Beirão do lugar da Pedrulha do Monte.



560



«Hum leirão de terra no Campo e citio dos Antos que parte do norte com terras do Bolão e do poente o mesmo do nascente com terras da Bunheira e do Sul» «Hum leirão de terras no monte honde chamão os Covões, entre os Cabeços e Pedreira e Val de Forno que parte do nascente cm estrada»

Anexos

Nº Casal

Título

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«…do foro de huma rede de palha do cazal de que foi cabeça Antonio Simois o pinheiro do lugar de Villella termo de Coimbra». Nomeado cabeça: Capitão Antonio Gomez Leão da Ademia de Cima.

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«…de meya rede de palha do emprazamento de Antonio Dias Cabreyra da Cidade de Coimbra, e outra meya rede de palha do meyo cazal de que foi cabeça Manoel Roiz Fadiga do lugar da Pedrulha que tudo faz huma rede de palha». Nomeado para cabeça Antonio Marques Cezar, da Vila de Eiras.

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«…do cazal de pam e aves de que foi cabeça Francisco Fernandes labrador da Villa de Eyras». Nomeia cabeça de casal: Manoel Carvalho da Vila de Eiras.

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Descrição/Identificação 1 ‑ «Hum leirão de terra no monte da Costa de São Simão»; 2 ‑ «Hum leirão de terra no campo onde chamão os Antos parte do nascente terras da Bunheira poente terras do Bolão norte»; 3 ‑ «Huá leira de terra na Fontoura»

1‑ «Hum leirão de terra nas Leiras Longas que corre do nascente para o poente»; 2 – «Huá leira de terra nas Antas que pagava só meia Rede de palha renirão e juntarão» 1 ‑ «Hum leirão de terra no citio dos gallegos; 2 ‑ «Hum leirão de terra em Alvade que he o segundo que emtesta do norte na estrada que vay de Eiras para o Campo…»

«…cazal de huma rede de palha de foro do cazal de que foi cabeça Jorge Francisco labrador do lugar da Pedrulha do Monte». ‑‑ Nomeado como cabela o Cap. João de Campoz Branco da Vila de Eiras. 1 ‑ «Hum leirão de terra nos gallegos que he «…do cazal de pam e aves de que foi cabeça o segundo deste citio…» Manoel de Agante da Villa de Eyras». Foi 2 ‑ «Hum leirão de terra no Campo que encabeçado em Luis Marques da Vila de comprehende em sy os citios da ponte dos Eiras gallegos» 1 ‑ «Hum leirão de terra no Monte e Costa de São Simão». Nomeado Dionizio «…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Marques, solteiro, Vilarinho; Antonio Lião da Pedrulha do Monte». 2 ‑ «Hum leirão de terra no Campo da Leira do Concelho para sima the onde chamão Porto Espinheiro «…da outava de cazal de sinco galinhas de foro que foi de Antonio Paes Rebello da «Hum leirão em São Lombardo de vinhas Cidade de Coimbra». e terras» Nomeado para cabeça: Gaspar de Abreu, da Cidade Coimbra «…do cazal de huma rede de palha do cazal de que foi cabeça Amaro Roiz mercador da Çidade de Coimbra». Nomeado para cabeça: Fontoura Jozé Antonio da Cunha, da Pedrulha



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Freguesia de Santa Cruz: História, Memória e Monumentalidade

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Descrição/Identificação 1 ‑ «Hum leirão no monte e Costa da oliveira parte do Nascente com a Rua do outão do «…do cazal de pam e aves de que foi cabeça Poente com o caminho da costa da oliveira Antonio da Costa o picão morador no lugar a borda do Campo…» da Pedrulha do Monte». 2 ‑ «Hum leirão de terra no Campo que Nomeado Cabeça do Casal: Reverendo corre da leira do Concelho para o Sul que Padre Antonio da Cunha, da Pedrulha em parte entesta do nascente no caminho que vem da Costa da Oliveira pella rais do monte para o Loureto…» «…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Manoel Fernandes Gamenho labrador e morador no lugar da Pedrulha do Monte». «Hum leirão de terra onde chamão a Barroca Nomeado para cabeça: Antonio da Fonceca dos Valles». Guimarens, da Cidade Coimbra «…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Antonio da Cunha Villella labrador e morador no lugar da Pedrulha do Monte». Nomeado para cabeça: Joze Gomes Leal morador na sua quinta que tem no couto «…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Antonio Diias labrador e morador no lugar da Pedrulha do Monte». Nomeado para Cabeça: Antonio Dias, solicitador do Fisco da Cidade Coimbra.

1 ‑ «Hum leirão que comprehende em sy vinha e terra do monte e campo junto ao Cabeço do Fadiga, e Alvade»; 2 – «Hum leirão no campo e citio chamado o Arnado» 1 ‑ «Hum leirão de terra em Val de Cucos e corre as forcadas que no Tombo Velho se chamão as Arroteias»; 2 ‑ «Hum leirão de terra no campo por baixo da Costa da oliveira onde chamão táobem Costa da Oliveira ou Campo

«…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Francisco da Cunha largasso do lugar da Pedrulha do Monte». «Hum leirão de terra atras das Eiras junto ao Nomeado para Cabeça: Caetano Calisto lugar que parte do nascente com o segundo Cabral de Ares, solteiro, morador na Quinta leirão do Cabeço do Cardal…» de Tamengos «…de huã outava de cazal de pão e aves que no Tombo Velho foi feita a Antonio Dias Cabreyra da Çidade de Coimbra». Nomeado para Cabeça: Manoel Ribeiro Nevez da Cidade de Coimbra e morador no lugar da Pedrulha «…do cazal de pam, e aves de que foi cabeça Manoel Roiz fadiga labrador e morador no Couto e lugar da Pedrulha do monte». Nomeado cabeça: Jozé Duarte da Gama, Boticário, morador na Cidade de Coimbra.



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«Hum leirão de terra no Campo e citio da Fontoura que emtesta do nascente na valla da Fontoura do poente com a Insoa de Manoel Pereira Godinho de norte com terra».

Anexos

Notas

1 A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Maria de Celas – Livro de Títulos e Memórias Antigas do Convento de Santa Maria de Celas da cidade de Coimbra, 1219‑1662, Nº 35, Fls. 32, 33, 34v., 48v., 50, 54v., 56, 57, 86v. 2 Por almuinha se compreendia uma pequena propriedade rústica murada, com horta e algumas árvores de fruto. 3 Os Prazos eram contratos de aforamento ou emprazamento. 4 Simão de Figueiró (org. de); Rocha Madahil (lido e publicado) – Livro da Fazenda e Rendas da Universidade de Coimbra em 1570, Coimbra, 1940. 5 Dados recolhido de A.U.C. – Fundo do Cabido: Várias Colegiadas ‑ Livro para lansar os bens próprios das extintas Collegiadas, em comformidade com as Relaçoens, e mapas que derão os respectivos Parrocos, e se achão juntas ao Processo da sua supreção, que existe no Cartorio do Escrivão da Camera Ecleziastica desta Dioceze, S/D. 6 Dados recolhidos do manuscrito: A.U.C. – Fundo dos Próprios Nacionais: Mosteiro de Santa Cruz – Índice dos Foros da Cidade e Livro da Relação dos Foros da Cidade 7 Tabela reconstituída com base nos seguintes livros do A.H.M.C. ‑ Livro dos Juramentos das Justiças dos Concelhos do Termo de Coimbra: 1719‑1723; 1723; 1733; 1723‑1728; 1728‑1733; 1742‑1750; 1755‑1757; 1776;1780‑1782; 1786‑1789; 1790; 1791; 1792; 1793; 1794; 1795; 1796; 1797; 1799 (incompleto); 1800; 1801‑1803; 1803; 1804;1805‑1807;1807‑1812; 1814; 1815; 1829 e Livro de Pautas das Justiças do Termo da Cidade de Coimbra, 1748‑1754 8 A.U.C. – Fundo da Mitra Episcopal: Tombo do Couto da Pedrulha do Monte, 1737‑1752, Liv. 72, Fls. 7‑8v. (nova contagem). 9 Id. Fls. 254‑411



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