Fronteiras da política: relações e disputas no campo do movimento LGBT em Campinas (1995-2013)

July 24, 2017 | Autor: Vinícius Zanoli | Categoria: LGBT Studies, Movimentos sociais, Movimento Lgbt, Campinas
Share Embed


Descrição do Produto

!

VINÍCIUS PEDRO CORREIA ZANOLI

Fronteiras da política: relações e disputas no campo do movimento LGBT em Campinas (1995-2013)

Campinas 2015 !

i!

!

ii!

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VINÍCIUS PEDRO CORREIA ZANOLI

Fronteiras da política: relações e disputas no campo do movimento LGBT em Campinas (1995-2013)

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Regina Facchini

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do título de Mestre em Antropologia Social.

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação, defendida pelo aluno Vinícius Pedro Correia Zanoli, orientada pela Prof.ª Dr. Regina Facchini e aprovada no dia 25 de fevereiro de 2015.

Campinas 2015

!

iii!

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Z171f

Zanoli, Vinícius Pedro Correia, 1990ZanFronteiras da política : relações e disputas no campo do movimento LGBT em Campinas (1995-2013) / Vinícius Pedro Correia Zanoli. – Campinas, SP : [s.n.], 2015. ZanOrientador: Regina Facchini. ZanDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Zan1. Movimentos sociais - Brasil . 2. Antropologia política -Brasil. 3. Sexualidade. 4. Estudos de Gênero. 5. Estado. I. Facchini, Regina. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: The limits of politics : relations and disputes in the field of the LGBT movement of Campinas (1995-2013) Palavras-chave em inglês: Social movements - Brazil Political anthropology - Brazil Gender studies Sexuality Área de concentração: Antropologia Social Titulação: Mestre em Antropologia Social Banca examinadora: Regina Facchini [Orientador] Maria Filomena Gregori Julio Assis Simões Data de defesa: 25-02-2015 Programa de Pós-Graduação: Antropologia Social

iv

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

!

v!

!

vi!

Resumo Esta dissertação procura colaborar com o debate em torno dos movimentos sociais no Brasil contemporâneo a partir da análise do movimento LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Para tal, centra-se nas relações dos grupos ativistas LGBT de Campinas com os demais atores sociais presentes em seu “campo” de ativismo, contextualizando-as em relação a processos políticos no âmbito nacional e internacional. O olhar para as relações desse movimento demanda atenção aos “múltiplos pertencimentos”, aos “trânsitos” entre Estado e ativismo e às relações com partidos políticos e outros atores, como sindicatos e outros movimentos. A análise dos “trânsitos” e dos “múltiplos pertencimentos” indica disputas em torno dos significados que assumem categorias como movimento social, Estado e política. Essas disputas (re)produzem tanto as fronteiras entre o que se compreende como Estado e movimento social, quanto os significados em torno do que é política. A análise das relações com outros atores presentes na rede ativista chama atenção para as alianças e tensões entre os grupos, bem como para processos de fissão relacionados à especificação do sujeito político do movimento. A metodologia utilizada é etnográfica, articulando observação participante, análise documental e entrevistas em profundidade. Foram observadas, entre janeiro de 2013 e junho de 2014, atividades que congregaram diversos atores do “campo” do movimento, reuniões de organização e atividades do Mês da Diversidade Sexual e o cotidiano do Centro de Referência LGBT de Campinas.

Palavras-chave: Movimentos Sociais, Antropologia Política - Brasil, Estudos de Gênero, Sexualidade, Estado.

!

vii!

!

viii!

Abstract This work aims to collaborate with the debate around social movements in contemporary Brazil through the analysis of the Brazilian LGBT (lesbian, gay, bisexual and transgender) movement. For this, it is centered in the relations of the activist groups of Campinas with the social actors within their activist “field”, contextualizing them in relation to political processes in both national and international scope. The study of the relations of this social movement demands attention to the “multiple belongings”, the “transits” between state and activism and the relations with political parties and diverse actors like workers unions and other social movements. The analysis of the “transits” and the “multiple belongings” denotes disputes around the meanings assumed by categories like social movement, state and politics. These disputes (re)produce the borders of what is comprehended as state and social movement, as well as the meanings around of what is politics. The analysis of the relations with other actors present in the activist network stress the alliances and tensions between the groups, as well as the processes of fission related to the specification of the political subject of the movement. Ethnography was used here as the research method, thus, the research articulates participant observations, document analysis and in-depth interviews. Between January 2013 and June 2014 I observed activities that congregated diverse actors of the “field” of the movement, meetings and activities of the Sexual Diversity Month and the everyday activities of the workers of Campinas LGBT Center.

Keywords: Social Movements - Brazil, Political Anthropology, Gender Studies, Sexuality.

!

ix!

!

x!

Sumário Resumo ................................................................................................................................ vii Abstract.................................................................................................................................ix Sumário .................................................................................................................................xi Agradecimentos (Acknowledgments) ................................................................................ xv Lista de Ilustrações ............................................................................................................xxi Lista de Mapas ................................................................................................................ xxiii Lista de Quadros ............................................................................................................... xxv Lista de Abreviaturas e Siglas ...................................................................................... xxvii Introdução ............................................................................................................................. 1 Acerca da construção da pesquisa e da inserção do pesquisador em campo .............. 7 Metodologia etnográfica e processos políticos .............................................................. 12 Convenções textuais ........................................................................................................ 17 Acerca da organização da Dissertação .......................................................................... 17 Capítulo I: ............................................................................................................................ 19 O “campo” do Movimento LGBT em Campinas ............................................................. 19 Compreendendo os movimentos sociais a partir dos contextos .................................. 20 Acerca dos conceitos de “campo” e “arena” ................................................................ 22 A “terceira onda” e a intensificação das relações com o Estado ................................ 23 O movimento LGBT em Campinas ............................................................................... 35 Expressão - Grupo de Defesa dos Direitos dos Homossexuais .................................... 35 Por um novo coletivo de homossexuais: o surgimento do Identidade .......................... 38 Identidade e Mo.Le.Ca: da cisão à reaproximação ....................................................... 45 O OP de Campinas e a intensificação das relações com o Estado .............................. 49 Capítulo II: .......................................................................................................................... 55 Pedras e Vidraças: trânsitos, tensões e limites entre movimento e Estado.................... 55 !

xi!

Lucas ................................................................................................................................ 57 Mara ................................................................................................................................. 65 Uma instituição “estatal-militante”? ............................................................................. 74 Prioridade N. 1 ................................................................................................................ 79 Capítulo III:......................................................................................................................... 89 Com quantos atores e sujeitos se faz um movimento?..................................................... 89 Periferia e negritude LGBT em Campinas: nasce o Aos Brados!! .............................. 94 Lésbica negra caminhoneira, que pisa forte .................................................................. 94 Aos Brados!! – a vivência digna da homossexualidade................................................ 98 Eventos sociais: promovendo as culturas marginalizadas e a diversidade sexual ...... 103 A pedalada da Diversidade ......................................................................................... 103 A Feijoada da Diversidade .......................................................................................... 105 Atuação na política institucional ................................................................................. 109 Combate à homofobia e à hebifobia: a rede ativista E-Jovem .................................. 110 Primeiros passos: do site à rede .................................................................................. 111 A Escola Jovem LGBT ............................................................................................... 118 Um grupo não só de militância ................................................................................... 120 Atuação na cidade ....................................................................................................... 121 Big Juice...................................................................................................................... 121 Divas ........................................................................................................................... 124 Disputando a Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual .................... 124 Considerações Finais ........................................................................................................ 133 Referências Bibliográficas ................................................................................................ 139 Documentos Citados ......................................................................................................... 145 Anexo 1: Lista de Interlocutores Citados ....................................................................... 147 Anexo 2: Lista de Entrevistados ...................................................................................... 149 Anexo 3: Documento de criação do CR .......................................................................... 151

!

xii!

Aos meus pais Valdecir e Antônia, por terem acreditado em mim, ainda que parecesse um sonho impossível.

Ao meu tio Edivaldo, por ter sido o pontapé inicial desta jornada.

Ao meu amor Rubens, por ser mais do que um companheiro e por fazer parte desta dissertação em cada pequena palavra, cada nota.

A quem chamo aqui de Fernanda, por ser uma grande inspiração.

!

xiii!

!

xiv!

Agradecimentos (Acknowledgments) Pouco mais de dois anos separam minha inscrição no processo seletivo para o ingresso no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas, doravante PPGAS, da defesa da minha dissertação. Durante esse período contei com a colaboração, os ensinamentos, a companhia e a amizade de algumas pessoas que foram essenciais para a produção desta dissertação. Assim sendo, agradeço a cada uma delas nas linhas que seguem. Ao meus pais, Valdecir e Antônia, agradeço por todo o apoio que vem de muito antes do processo seletivo. Agradeço em especial por todo o amor, carinho e preocupação que recebi naqueles momentos mais difíceis, nos quais a realização de alguns sonhos parecia impossível. Esta dissertação não é apenas uma conquista minha, ela é de vocês, é nossa. Ao meu companheiro, Rubens, agradeço pelo apoio incondicional desde o fim da minha graduação. Quem mais leria “Cultura com aspas”, nas férias em Minas Gerais, e discutiria comigo por telefone, para abrandar a ansiedade causada pelo processo seletivo do mestrado? Agradeço ainda pela companhia, pelo carinho e pelo amor, sem eles, não sei como teria passado por esses anos tão turbulentos e incertos. Não posso deixar de agradecer também pelas cuidadosas revisões e discussões que você tem feito do meu material de pesquisa. Afinal, é preciso dizer que essa dissertação é um pouquinho sua também. À minha orientadora, a professora Regina Facchini, agradeço pelo apoio e por ter despertado em mim o interesse pela antropologia. Agradeço por toda a orientação que vem desde a graduação e por seus ensinamentos. Agradeço também ao apoio e ao carinho de meus familiares, que entenderam minhas ausências em decorrência dos trabalhos de campo realizados aos fins de semana. Agradeço especialmente meu irmão Henrique, pela amizade e pela paciência em me ajudar com tudo que envolva alguma tecnologia. À minha irmã, pelo carinho, pela amizade, e por ter sido, por muito tempo, minha babá. Agradeço também ao meu sobrinho Lucas, pela sua amizade e por seu carinho sincero, por me fazer, muitas vezes, experimentar a leveza e a alegria de ser criança. Seu sorriso e suas brincadeiras tornaram muito mais fáceis esses anos de leituras intermináveis e trabalhos de campo sem fim. !

xv!

Ao meu tio Edivaldo, agradeço por ter sido quem deu o pontapé inicial na minha vida acadêmica. Tio, se você não tivesse acreditado, se esforçado quando ninguém mais acreditava, feito das tripas coração pra seguir seu sonho, eu com certeza não teria seguido o mesmo caminho. Saiba que sua trajetória me inspira. Aos demais membros da minha família, meus avós paternos, meus avós maternos, que infelizmente não se encontra mais entre nós, aos meus tios e tias, aos meus primos, aos agregados, e a todos os parentes, obrigado pelo carinho e pela força, sempre. Aos meus amigos, os de verdade, os que persistiram, agradeço a cada um de vocês por estarem ao meu lado, por me fazerem companhia, por me ouvirem quando mais precisei. Agradeço especialmente a Ana, por ter divido comigo não só um quarto minúsculo, mas uma graduação inteira, por ter sido paciente, companheira e amiga, por estar ao meu lado quando tudo parecia incerto e doloroso. Por ser minha mentora nos seriados norte-americanos e por ter aceitado meus defeitos e meus erros, seguindo sempre sendo minha amiga. Agradeço ainda pelas noites em claro de conversas sem fim, pelas festas, pelas aventuras, pelas “festas do pijama”, pela companhia nas aulas, nos trabalhos. Enfim, pela amizade que nasceu das conversas durante a viagem entre Jundiaí e Campinas, que se tornou, com certeza, uma amizade para vida toda. À Sarah, agradeço por ter sido uma boa colega de casa, de mestrado, de grupo de estudos, por ter sido sempre companheira e amiga. Agradeço ainda por se sentar e ouvir meus problemas, pelas tardes na cozinha, pelos cafés e bolos. Não posso esquecer das festas, das risadas, dos passeios, dos bares, das cervejas, das aventuras culinárias. Espero que possamos crescer juntos na vida acadêmica, como colegas, mas também como amigos. Agradeço ainda à Fefa, ao Tintin, e ao Rafa. Vocês, em conjunto com a Ana e a Sarah, foram grandes amigos, me ensinaram muito, não só sobre academia e suas loucuras, mas sobre a vida e suas alegrias e tristezas e também suas loucas incertezas, seus altos e baixos. Além é claro de procurarem me ajudar a extrair sempre o melhor dos momentos, ainda que isso parecesse impossível algumas vezes. Todos vocês compartilharam momentos muito especiais comigo. Sempre seremos o puxadinho.

!

xvi!

À Fefa, agradeço também por ter me ensinado a levar a vida um pouco menos a sério, a não me deixar contagiar pela minha ansiedade. Por me ensinar um pouco os mistérios das artes culinárias, por tentar me ajudar, sempre, a encontrar o lado bom das coisas. Por me iniciar nas artes da astrologia e do mundo sobrenatural. Agradeço cada colega e amigo, que nesses mais de seis anos de IFCH – é já faz tempo – cruzaram comigo. Agradeço pelos cafés e almoços na cantina e no bandeco, pelas conversas nas escadarias, nas mesinhas e nos corredores. Pelos desabafos e por compartilharem comigo as alegrias e as inseguranças dessa tão ingrata “vida acadêmica” que mal começou. Agradeço especialmente ao Jota, por ser uma pessoa em que sempre se pode confiar, um ouvido amigo para todas as horas. Pelas tantas conversas no Pagu, pelas inseguranças acadêmicas dividas. Aos novos amigos que fiz no fim da graduação e no começo da pós, agradeço por me apoiarem nessa trajetória acadêmica louca, cheia de altos e baixos. Agradeço especialmente: Guilherme, Roberto, Bruna, Ju, Taís, Vanessa, Luciano e Will. Os antigos amigos, os quais, em sua maioria, nem conhecem as terras ifichianas, também não podem ficar de fora. Agradeço, especialmente àqueles que compreenderam minha ausência e se mantiveram meus amigos. Em especial: ao Thiago, a Aline, a Sue Ellen, a Cris, a Djhor, a Lê, e a Thata; por estarem comigo sempre que preciso, por não deixarem a distância deixar que nossa amizade se dissolva. Aos meus interlocutores de pesquisa, agradeço por tornarem animado meu ano de 2013. Pelas situações inusitadas, por compartilharem comigo um pouco de suas histórias e dia-a-dia. Sem cada um de vocês, as páginas que seguem não seriam possíveis. Peço licença para uma rápida troca de idiomas para agradecer algumas pessoas que se fizeram presente em 2014, mas que não falam português. Dessa maneira, o parágrafo que segue é um pequeno agradecimento em inglês aos amigos e colegas que fiz durante a realização do meu Estágio de Pesquisa no Exterior na City University of New York. First of all, I would like to thank my advisor, Professor Rafael de la Dehesa for all the help with the application process for the research internship. Also, for all the support and advice offered in these fast three months of internship, a period when I learned a lot. !

xvii!

Second, but not least, I would like to thank my roommate George for hosting me at his apartment during my stay in NYC. George was a nice roommate and host; he not only had the patience to show the city to my husband and to me, but was also a great “cooker”, as I used to say, making my stay much more comfortable and funny. He was also very kind to introduce me to some of his good friends: Tony, Nancy, Raven and José and their daughter Marlena. I would like to thank each one of you for the company, the dinners, the beach and the very pleasant conversations we had. Each one of you in your own way helped my stay in NYC to be easier and funnier. Além dos falantes de inglês, tive a oportunidade de conhecer duas pessoas muito bacanas com as quais, apesar de termos nos visto pouco, dada a pequena duração de minha estadia nos Estados Unidos, me dei muito bem e me forneceram companhia mais que agradável. Nara e Berenice, gostaria de agradecê-las pelas conversas e pelas vezes que nós saímos juntos, jantares, cafés, bares, festivais. Foi muito bom conhecê-las e trocar figurinhas pessoais e intelectuais. Além dos amigos e familiares é preciso agradecer, obviamente, aquelas pessoas que se fizeram ativamente presentes na escrita desta dissertação. Primeiramente agradeço aos professores que compõem, junto com minha orientadora, a banca de avaliação desta dissertação, os professores Júlio Simões, e Maria Filomena Gregori, Isadora Lins França e Carolina Branco de Castro Ferreira. Cada um de vocês tem colaborado, desde algum tempo, ativamente com a escrita das páginas que seguem, seus comentários ensinamentos e apoios foram muito importante no difícil processo de escrita desta dissertação. Agradeço ainda as minhas professoras de pós-graduação que colaboraram ativamente para a construção desta dissertação, sempre me apresentando novas leituras, ou novos olhares sobre algumas questões. Agradeço, portanto, às professoras: Susana Durão, Regina Facchini, Isadora Lins França e Vanessa Lea, por terem estado presentes, cada uma à sua maneira, na escrita desta dissertação. Agradeço especialmente à professora Susana por ter me permitido dividir a sala de aula com ela na graduação no primeiro semestre de 2014. E às professoras Regina e Isa-

!

xviii!

dora por se preocuparem em oferecer uma disciplina que contemplasse as inquietações intelectuais do nosso grupo de estudos. Agradeço também os colegas e o Professor Omar Ribeiro Thomaz, que toparam, junto comigo, a louca organização do nosso evento discente, as Jornadas de Antropologia John Monteiro, em 2013. Foi, sem sombra de dúvidas, um momento de muita tensão, mas também de muito aprendizado e muita alegria. Agradeço especialmente ao Omar por saber lidar com nossa ansiedade e à Sueli, da secretaria de eventos, por colaborar em tudo. Aos colegas do grupo de estudos, agradeço pelas leituras atentas e pelas tardes de conversas. Pelas discussões compromissadas do material que se encontra nesta dissertação. Existem ainda aqueles funcionários da universidade que tornam nossa vida menos complicada. Assim sendo, agradeço ao Reginaldo, secretário da pós-graduação, à Márcia, secretária do PPGAS e à Karina, responsável pela biblioteca do Pagu. Vocês, com certeza, tornaram a burocracia menos trabalhosa e dolorosa. Por fim, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, por prover a bolsa de mestrado que garantiu minha passagem pelo curso de mestrado PPGAS da Unicamp. Além, é claro, de prover todo o auxílio financeiro para a realização de meu estágio de pesquisa na CUNY, e pelo financiamento das apresentações de trabalho que colaboraram muito com a escrita desta dissertação.

!

xix!

!

xx!

Lista de Ilustrações Figura 1 - Símbolo do E-Jovem .......................................................................................... 115

!

xxi!

!

xxii!

Lista de Mapas Mapa 1 - Locais citados no capítulo ..................................................................................... 93 Mapa 2 - Trajeto do Pedala Bich@..................................................................................... 104

!

xxiii!

!

xxiv!

Lista de Quadros Quadro 1 - Criação dos Grupos ativistas LGBT em Campinas ............................................ 35 Quadro 2 - Trajetória de Lucas ............................................................................................. 57 Quadro 3 - Trajetória de Mara .............................................................................................. 74

!

xxv!

!

xxvi!

Lista de Abreviaturas e Siglas Optei por apresentar as siglas em inglês no original, oferecendo ao leitor uma tradução aproximada em parênteses. Apenas no caso da sigla referente a Aids que isso foi invertido, visto que a sigla utilizada em português brasileiro faz referência à original do inglês.

ADPF

Ação Direta de Descumprimento de Preceito Fundamental

Aids

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (do inglês: Acquired Immune Deficiency Syndrome)

ALESP

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

APEOESP

Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

BSH

Programa Brasil sem Homofobia

CADS

Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual

CFP

Conselho Federal de Psicologia

CNJ

Conselho Nacional de Justiça

CPDS

Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual

CR

Centro de Referência

CRGLTTB

Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais

CTA

Centro de Testamento de Aids

CUT

Central Única dos Trabalhadores

DDH

Disque-Defesa Homossexual

DJe

Diário de Justiça Eletrônico

DST

Doenças Sexualmente Transmissíveis

ENUDS

Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual

FAPESP

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FHC

Fernando Henrique Cardoso

GLS

Gays, Lésbicas e Simpatizantes

!

xxvii!

GONGO

Governmental Organized Non-Governmental Organization (Organização Não Governamental Organizada pelo Governo)

GPS

Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global)

HSH

Homem que faz sexo com homens

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFCH

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

INSS

Instituto Nacional do Seguro Social

LGBT

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

MHB

Movimento Homossexual Brasileiro

MIS

Museu da Imagem e Som

Mo.Le.Ca.

Movimento Lésbico de Campinas

MPB

Música Popular Brasileira

MS

Mahila Samakhya

MST

Movimento dos Trabalhadores sem Terra

ONG

Organização Não Governamental

OP

Orçamento Participativo

PCdoB

Partido Comunista do Brasil

PMC

Prefeitura Municipal de Campinas

PMDB

Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNDH I

Programa Nacional de Direitos Humanos I

PNDH II

Programa Nacional de Direitos Humanos II

PPGAS

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

PSC

Partido Social Cristão

PSDB

Partido da Social Democracia Brasileira

PSTU

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado

PT

Partido dos Trabalhadores

PUC

Pontifícia Universidade Católica

RMC

Região Metropolitana de Campinas

RMSP

Região Metropolitana de São Paulo

SACIS

Secretaria de Assistência, Cidadania e Inclusão Social

!

xxviii!

SAJ

Secretaria de Assuntos Jurídicos

SANASA

Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento

STF

Supremo Tribunal Federal

Unicamp

Universidade Estadual de Campinas

!

xxix!

!

xxx!

Introdução ! Esta dissertação visa colaborar com a produção de conhecimento sobre movimentos sociais no Brasil contemporâneo a partir da análise do movimento LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) brasileiro. Tal movimento, como aponta Facchini (2005), é um dos mais visíveis na sociedade brasileira contemporânea. Como decorrência desse aumento da visibilidade, da epidemia de HIV/Aids e de processos de institucionalização e de ampliação da rede de aliados do movimento temos, principalmente nos anos 1990 e 2000, um grande número de parcerias entre movimento LGBT e Estado na promoção de políticas públicas. Apesar disso, e talvez como consequência da própria ampliação da visibilidade, a virada da última década registra um momento de marcado por disputas em torno do reconhecimento de demandas de LGBT, que têm encontrado forte resistência na política institucional, principalmente por parte de políticos conservadores religiosos atuantes no Congresso Nacional. Essa resistência, se não tem causado retrocesso nas políticas já conquistadas, tem impedido o avanço do reconhecimento dos LGBT enquanto sujeitos de direito no Brasil. A pesquisa que deu origem a esta dissertação centra a investigação nas relações do movimento LGBT em Campinas, tanto aquelas estabelecidas entre os diversos grupos da cidade, quanto as estabelecidas entre os ativistas e o Estado em seus diversos âmbitos. Além disso, a pesquisa ressalta também a necessidade de se levar em consideração as relações com outros atores sociais importantes no “campo” do ativismo, como partidos políticos, centrais sindicais e outros movimentos sociais. Para tanto, mobiliza referencia bibliográfica que privilegia o aspecto relacional e processual na análise dos movimentos sociais (FACCHINI, 2005; SANTOS, 1977; CARDOSO, 1983; DOIMO, 1995). O trabalho de investigação para o mestrado teve início em 2013 e estendeu-se até meados do primeiro semestre de 2014. Apesar disso, a pesquisa procurou compreender um processo que teve início com o surgimento dos grupos ativistas em Campinas, em 1995, avançando até os dias atuais. O início desse processo foi denominado por Facchini (2005) como “reflorescimento” do movimento LGBT brasileiro, período marcado pela institucionalização e profissionalização do movimento no Brasil. Apesar de voltar o olhar para o !

1

processo desde seu início, as discussões realizadas nesta dissertação centram-se no período posterior ao processo de institucionalização, dirigindo o olhar para suas consequências em nível local. Campinas situa-se a pouco mais de cem quilômetros da capital paulista, sua população, segundo o IBGE, é de 1.080.113 habitantes1. Sede da Região Metropolitana de Campinas, formada por vinte municípios, a cidade é importante polo tecnológico e universitário, dentre as universidades mais expressivas estão: a Unicamp, a PUC e a FACAMP. No início da pesquisa, ainda na graduação, o interesse em realizar a investigação no município baseava-se na falta de pesquisas sobre o movimento LGBT em cidades do interior do país, visto que as pesquisas com as quais tive contato até aquele momento tratavam apenas dessa modalidade de ativismo em capitais. Apesar de o interesse inicial basear-se, principalmente, em realizar uma pesquisa a partir de uma cidade do interior, com o decorrer do trabalho de campo, percebi que a relevância em realizar pesquisa na cidade ia para além dessa característica da cidade. O pioneirismo do movimento LGBT e das políticas públicas implementadas na cidade passaram a me chamar atenção, bem como o modo peculiar como processos políticos mais amplos se expressavam e desenvolviam em âmbito local. A partir da atuação do movimento da cidade, impulsionada pelo Orçamento Participativo (OP), Campinas implementou um dos primeiros serviços de denúncia de homofobia por telefone do país. Além disso, também por meio do OP, o movimento implementou, em 2003, o primeiro serviço de combate a homofobia do Brasil a oferecer assistência social, jurídica e psicológica, o Centro de Referência LGBT. O modelo utilizado por esse serviço – que contém em seu quadro de técnicos, um advogado, um assistente social e um psicólogo – foi o mesmo adotado por serviços similares implementados a partir do programa Brasil Sem Homofobia (BSH), lançado em 2004. Ademais, Campinas foi sede de um dos primeiros grupos organizados de transexuais do Brasil, o Movimento Transexual de Campinas, fundado em 1997 e já extinto

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1

Informação 2.fev.2015.

!

disponível:

.

2

Acesso

em:

(CARVALHO, CARRARA, 2013)2. Campinas foi também pioneira na implementação na cidade, pelo grupo Identidade, de um protocolo de atendimento, pelo SUS, a usuários de silicone industrial. Tal protocolo, pensado a partir da lógica da redução de danos, visava colaborar com o atendimento e acompanhamento de usuários desse tipo de silicone, que em sua maioria são travestis ou transexuais. As indagações que deram origem a esta pesquisa de mestrado resultam de pesquisas de iniciação científica realizadas durante minha graduação. Essas pesquisas tiveram como o foco a trajetória e as relações do Identidade, o grupo ativista LGBT mais antigo em atividade em Campinas. Criado em 1998 como uma dissidência do Expressão, primeiro grupo ativista LGBT de Campinas, o Identidade foi foco dos meus primeiros estudos por sua grande importância no município. Além de ser o mais antigo em atividade na cidade, ele é também um dos grupos de atuação mais notável nos anos 2000, tendo sido responsável, ou se envolvido com todos os projetos municipais direcionados a LGBT, como é o caso da implementação do Centro de Referência LGBT de Campinas (CR). As pesquisas de iniciação científica sobre o Identidade e o envolvimento do grupo na criação do CR resultaram na produção de minha monografia de conclusão de graduação (ZANOLI, 2012). Nesta dissertação, o enfoque não recaiu sobre o grupo Identidade, mas sobre espaços coletivos de interação do movimento na cidade e sobre outros grupos que fui conhecendo em campo no período de pesquisa para o mestrado. A literatura sobre o movimento LGBT no Brasil aponta a criação do jornal Lampião da Esquina e do grupo Somos de São Paulo como importantes marcos do surgimento dessa modalidade de ativismo no país. O Lampião foi o primeiro jornal voltado para questões ligadas à homossexualidade no Brasil, criado na década de 1970. O Somos, fundado em 1978, configura-se como o primeiro grupo do então Movimento Homossexual Brasileiro3 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2

Apesar da existência pioneira do grupo, em campo não tive acesso a informações sobre o Movimento Transexual de Campinas. Soube de sua existência apenas no fim da pesquisa, por meio do artigo acima citado. 3 Acerca das siglas utilizadas pelo movimento para se referir as identidades políticas que representa, Simões e Facchini (2009) afirmam que “a denominação LGBT aqui usada segue a fórmula recentemente aprovada pela I Conferência Nacional GLBT, referindo-se a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Antes disso, o XII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros de 2005, incluiu oficialmente o “B” de bissexuais e convencionou que o “T” referia-se a travestis, transexuais e transgêneros (...) A denominação por meio da sigla, de todo modo, é bastante recente. Até 1992, o termo utilizado era “movimento homossexual brasileiro”, às vezes designado pela sigla MHB (:14-15)”.

!

3

(MHB) (AGUIÃO, 2014; FACCHINI, 2005, 2012; MACRAE, 1990; SIMÕES, FACCHINI, 2009). Ainda no período da criação do grupo Somos, denominado por Facchini (2005) de “primeira onda”, o movimento possuía forte caráter antiautoritário, sob influência da contracultura, buscava-se uma mudança mais ampla da sociedade. Com o passar dos anos e o processo de redemocratização, essa característica deu lugar a um processo de institucionalização que pode ser bem expressado, em um primeiro momento, pelas lutas empreendidas pelo grupo Triângulo Rosa, do Rio de Janeiro, para incluir a não discriminação por orientação sexual na nova Constituição brasileira (CÂMARA, 2002). Nos anos 1990 tem início o “reflorescimento do movimento” (FACCHINI, 2005), período em que a institucionalização, que deu seus primeiros passos na “segunda onda”, passou a se intensificar. Esse período foi marcado pelo aumento do número de grupos, diversificação de seus formatos institucionais, multiplicação das identidades políticas abarcadas pelo movimento e dos atores sociais presentes em seu campo político, além de uma crescente visibilidade do tema na esfera pública. O novo regime democrático brasileiro e o processo de enfrentamento da epidemia de HIV/Aids colaboraram para a intensificação das relações entre o movimento LGBT e o Estado. Tal intensificação, por sua vez, impulsionou o processo de institucionalização dos grupos ativistas LGBT. A partir desse processo, o movimento LGBT brasileiro cresceu e se tornou um dos mais visíveis no cenário político nacional (FACCHINI, 2005). Com a criação de espaços de interlocução entre movimento e Estado e expressão de demandas do movimento, a participação da sociedade civil na elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas tornou-se crescente (FACCHINI, 2005). Além disso, a partir da criação de políticas públicas focalizadas, no âmbito do Estado, ativistas passaram a ser convidados a compor equipes em órgãos estatais. A literatura mais recente sobre o movimento LGBT trata das relações entre Estado e ativismo a partir de termos como “trânsitos”, “múltiplos pertencimentos institucionais” e “porosidade de fronteiras” (FACCHINI, 2009; CARRARA, 2010). Essas categorias analíticas possuem, como características comuns, o objetivo de compreender melhor as relações do movimento LGBT com o Estado e com os diversos governos democráticos, além !

4

de relações com outros atores sociais, como o mercado segmentado, outros movimentos sociais, dentre outros. Assim sendo, os “trânsitos” e a “porosidade das fronteiras” visam dar conta da complexa trama que se desenrola em torno das relações no campo político do movimento LGBT, enfatizando relações e conexões em distintos âmbitos, tanto no que diz respeito a espaços ocupados por atores, como o de ativista e o de gestor, por exemplo, quanto na circulação de ideias, linguagens e objetivos. Os “múltiplos pertencimentos institucionais”, por sua vez, contemplam as complexas inserções dos atores nas diversas organizações que compõem o “campo” do movimento. Meu argumento, nesta direção, é que o olhar para os “trânsitos”, a “porosidade” e os “múltiplos pertencimentos institucionais” dos sujeitos, evidencia uma disputa em torno do próprio significado do que seria ativismo, militância e movimento social. Essa ênfase da análise aponta ainda para a produção discursiva da delimitação das fronteiras entre o que seria o Estado e o Movimento Social. Concomitantemente a isso, no entanto, os ativistas e gestores, na prática diária, borram e reconfiguram tais fronteiras, produzindo, em alguns momentos, um “Estado-ativista”. Tais fatores expressam uma disputa e uma ressignificação em torno da própria ideia de política. Assim sendo, mais do que uma porosidade entre as fronteiras, existem suspensões temporárias e redefinições de fronteiras acompanhadas desse processo de ressignificação da política. Além disso, pretendo ainda situar a multiplicidade de atores envolvidos com política LGBT em Campinas, procurando indicar a complexa dinâmica das relações que encontrei em campo. As pesquisas mais recentes sobre movimento LGBT (AGUIÃO, 2014; DANILIAUSKAS, 2011) procuraram compreender as relações entre os diversos atores a partir de um olhar direcionado ao âmbito nacional das políticas LGBT. Ao realizar esta pesquisa, no entanto, decidi lançar o olhar sobre o processo político de que tratam tais pesquisas, a partir de um contexto localizado, a cidade de Campinas. Tal decisão tem como objetivo a compreensão do impacto do processo produção de LGBT enquanto sujeitos direito, e das diversas relações resultantes desse processo, no dia-a-dia de sujeitos envolvidos com a política LGBT. Com isso, não pretendo desconsiderar o processo em âmbito nacional, mas entender de que maneira tal processo ocorre em nível local. !

5

A análise das relações entre movimento LGBT e Estado em nível local, em Campinas, é importante também por outro motivo. A pesquisa de Aguião (2014), apesar de se centrar na constituição dos LGBT enquanto sujeitos de direito a nível nacional, analisa também um caso localizado, a implementação da versão fluminense do BSH, o Rio Sem Homofobia. Ao olhar para tal processo em nível estadual, Aguião (2014) encontrou o que pode ser descrito como o ápice de um modelo bem sucedido de institucionalização. Em Campinas, entretanto, acredito ter me deparado com o que parece ser uma realidade mais possível de se encontrar em outras regiões do país no que diz respeito ao processo de institucionalização, que tem início em meados da década de 1990, principalmente levando-se em consideração o avanço de reações contrárias às políticas voltadas para LGBT no Brasil. Encontrei, portanto, tensões e disputas provenientes de um processo de institucionalização não tão bem sucedido. Assim sendo, os grupos em Campinas, por terem seu surgimento no período que Facchini (2005) definiu como “terceira onda”, se institucionalizaram e passaram a realizar ações conjuntas na implementação, execução e avaliação de políticas públicas. Apesar disso, com o avançar dos anos 2000, por falta de condições administrativas, esses grupos não conseguiram manter a parceria com o Estado na execução de projetos, perdendo a possibilidade de se manterem ativos no processo de receber recursos e prestar contas. Além disso, é importante ressaltar que um dos resultados de tal processo de institucionalização foi a percepção, por parcela dos ativistas da cidade, de que seus grupos estariam perdendo autonomia. Tal ideia da perda de autonomia está diretamente relacionada à necessidade de cumprir as agendas e prazos de projetos, bem como a uma espécie de possibilidade de que os grupos não pudessem criticar os diversos níveis de governo, visto que a manutenção da existência de tais grupos, naquele momento, era possível graças a recursos estatais vinculados a projetos. Desse modo, a ênfase desta dissertação na política a nível local permite compreender como decisões tomadas em nível nacional, ou contextos políticos de âmbitos mais amplos reverberam no dia-a-dia de gestores e ativistas envolvidos com as políticas LGBT. Um exemplo é o aumento da participação de políticos conservadores religiosos no Congresso Nacional, tal aumento impactou, por exemplo, na própria legitimidade do Centro de !

6

Referência LGBT como política, e na população LGBT da cidade enquanto possível público alvo de políticas. Tal impacto, por sua vez, acaba por reverberar na atitude de gestores que, em decorrência do contexto contrário à existência do serviço em que atuam, acabam por se autodenominarem ativistas. Outro exemplo marcante é a relação com partidos políticos. Como apresentaremos mais adiante, decisões tomadas pela presidente Dilma Rousseff, do PT, ou apoiadas por ela ou seu partido, e que tem impacto nos direitos LGBT, reverberam em nível local como críticas a militantes LGBT ligados ao PT, produzindo, dessa maneira, tensões entre os ativistas a partir de suas distintas filiações partidárias.

Acerca da construção da pesquisa e da inserção do pesquisador em campo Com o objetivo de situar ao leitor, oferecendo os ângulos sob os quais a pesquisa foi realizada, apresento os percalços da investigação aqui apresentada sob a forma de dissertação. Visto que se trata de um desdobramento de estudos realizados antes do mestrado, a apresentação trata desde meus primeiros passos como pesquisador, nas pesquisas de iniciação científica, até chegar à minha inserção e posições ocupadas na realização do campo para a pesquisa de mestrado. Minhas primeiras incursões ao campo empírico desta pesquisa se deram na Iniciação Científica realizada entre 2009 e 2010. Elas possibilitaram um primeiro contato com os ativistas do movimento LGBT em Campinas que, posteriormente, abriram caminhos para a realização das demais pesquisas. Os primeiros trabalhos de campo produziram não só questões pertinentes, que seriam abordadas nas próximas pesquisas, como me possibilitaram o contato com uma rede extensa de interlocutores. Minha primeira incursão a campo foi a observação de uma manifestação contra o assassinato de Camille, uma travesti que militava no grupo Identidade. Naquele momento, eu tinha pouco contato com os ativistas do movimento LGBT em Campinas. Após esse evento, minha orientadora me apresentou a alguns ativistas locais, facilitando meus primeiros contatos e a possibilidade de expor meus interesses de pesquisa. Minha primeira visita à então sede do Identidade, no centro de Campinas, foi guiada pelo militante que chamo de Mateus nesta dissertação. Depois dessa visita, algumas outras se sucederam.

!

7

O período mais denso de contato com os ativistas do Identidade ocorreu a partir do momento em que o grupo convidou, por meio de e-mails, alunos da Unicamp a serem monitores do ENUDS, o Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual, que estavam organizando, em conjunto com alunos da Unicamp, em 2010. Apesar de não ter sido convidado pessoalmente, convenci alguns amigos a irem comigo à reunião e, nessa reunião, propusemos participar do evento enquanto monitores voluntários. Para tal, precisávamos nos apresentar, foi a partir daí que meus interlocutores souberam que, assim como eles, eu concebia minha orientação sexual a partir de umas das identidades que fazem parte do guarda-chuva LGBT. O fato é que ser gay, ou assumir-me enquanto gay perante os ativistas do grupo, não pareceu abrir as portas para a realização da pesquisa. Em meio às reuniões e à realização do ENUDS, ouvi de alguns interlocutores que não se sentiam bem ao serem pesquisados. Por momentos me disseram que não gostariam de se imaginar enquanto ratos de laboratório. Obviamente, visto que o grupo aceitou me receber, essa não era a atitude de todos os ativistas, muitos deles se ocuparam de responder minhas perguntas, de me ajudar no que fosse preciso e de, posteriormente, me conceder longas e generosas entrevistas. A relação com os ativistas do Identidade sempre foi ambígua: alguns deles insistiam o tempo todo para que eu participasse do grupo; outros respondiam as minhas perguntas, mas não pareciam fazer nenhum esforço na mesma direção dos primeiros; outros ainda, apenas se mantinham distantes, de certa maneira, hostis à minha presença. Pelo menos foi assim que me senti durante boa parte do início do trabalho de campo com o grupo. Nas pesquisas seguintes de iniciação científica realizei menos observação participante. Ainda que não tenha sido deixado o trabalho de campo, menos eventos foram observados. Ocupei-me, principalmente, da realização de algumas entrevistas, da busca por documentos no acervo do Identidade e do contato com gestores públicos que trabalhavam no Centro de Referência para LGBT de Campinas (CR). Isso era necessário uma vez que o enfoque das pesquisas posteriores foi não só a criação do CR, como também as relações que os ativistas estabeleceram com os gestores do serviço no momento posterior à criação do CR.

!

8

Como pontuado anteriormente, foi o material e a rede de relações proveniente das pesquisas de iniciação científica que me fizeram chegar à proposta de pesquisa que apresentei à banca do processo seletivo do mestrado do PPGAS da Unicamp. Nela, diferentemente das pesquisas anteriores, e com a ajuda do material proveniente dessas pesquisas, meu interesse era compreender as relações – portanto, as alianças, identificações, parcerias, mas também dissensos e disputas – entre os diversos grupos ativistas da cidade e os gestores públicos municipais, e não mais focalizar esse ou aquele grupo. Foi por esse motivo que, naquele momento, elenquei como importantes espaços de observação, as reuniões da organização da Parada, além dos eventos, manifestações e intervenções organizados pelos coletivos LGBT de Campinas. Com o início da pesquisa, no entanto, percebi que seria importante, além de realizar observação participante nos espaços já citados, observar o dia-a-dia dos funcionários do CR. No que diz respeito aos eventos públicos realizados pelos diversos grupos ativistas, na maioria das vezes, quando não fui pessoalmente convidado, mas tive acesso a informações sobre o evento, apenas me dirigi até o local de realização e tomei notas enquanto observava para posterior registro em caderno de campo. Outras vezes, no entanto, em eventos públicos menores, como um debate organizado pelo Identidade acerca das origens da homofobia, os participantes foram convidados a se apresentar. Em decorrência do meu longo período de campo com os ativistas, principalmente aqueles do Identidade, dizia meu nome, comentava sobre a pesquisa, e lembrava os ativistas que já era conhecido deles. A necessidade de me apresentar também surgiu em alguns eventos organizados com usuários do CR. Além disso, em algumas reuniões ampliadas do movimento LGBT, onde todos os presentes foram convidados a se apresentar, foi necessário que eu fizesse o mesmo. O trabalho de campo dentro do CR enveredou por outros caminhos. Já havia algum tempo, antes mesmo do início oficial do mestrado, que havia demonstrado interesse em realizar observação no Centro de Referência. Quando externalizei esse desejo à coordenadora do CR, enfatizando como isso enriqueceria minha pesquisa, ficou decidido que eu daria aulas de informática aos usuários do serviço. Naquele momento, isso cumpriria um dos interesses da pesquisa, uma vez que, oferecendo aulas aos usuários do CR, eu me apro-

!

9

ximaria daquelas pessoas que, apesar de se reconhecerem a partir de umas das identidades da sigla LGBT, não estavam diretamente envolvidas com o movimento. Entretanto, algum tempo depois, o CR ficou sem os computadores que seriam utilizados nas aulas. Depois de muito conversarmos sobre o assunto, o então coordenador da Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas (CPDS), que dividia a sede com o CR, me convidou a frequentar o CR uma vez por semana e a colaborar com o que fosse possível no período em que estivesse lá. Pouco tempo depois, o coordenador foi exonerado de seu cargo na CDPS. Apesar disso, a coordenadora do CR aceitou que eu fizesse trabalho de campo em troca da ajuda que poderia oferecer. Agora, já não mais como professor de informática, mas como uma espécie de técnico, colaborei com algumas das atividades do CR. Num primeiro momento, ajudei com os detalhes finais da realização do que seria, segundo os gestores do CR, o primeiro casamento coletivo LGBT do Brasil. Depois, fiquei imbuído de informatizar o sistema de cadastro de dados de usuário, para facilitar a publicação de um mapa da homofobia no município e também para facilitar a elaboração dos relatórios a serem entregues à PMC (Prefeitura Municipal de Campinas). Algum tempo depois do início do trabalho de campo, comecei a ser apresentado como membro da equipe do CR, como colaborador, ou pesquisador colaborador. Isso afetou meu campo principalmente em decorrência do aumento de ações do movimento LGBT voltadas a tentativas, por parte dos ativistas, de maior interlocução com o governo municipal. Essa interlocução incluía desde parcerias com o CR na resolução dos problemas pelos quais passavam seus usuários até ações voltadas a pressionar o governo para que determinadas demandas fossem atendidas. Dessa maneira, estar dentro da rede do CR permitia que eu tomasse conhecimento de eventos, mesmo aqueles organizados pelo movimento LGBT, dos quais, muitas vezes, não recebia informações anteriormente. Além disso, estar no CR me autorizava a participar das atividades que lá ocorriam, fossem ou não organizadas pelo Centro, uma vez que era considerado um membro da equipe. Dentre tais atividades, ressalto minha participação na reunião para a escolha de um novo coordenador para a CPDS, que será objeto de análise do Capítulo III. Em decorrência de meu distanciamento do grupo Identidade, não havia sido convidado a participar !

10

de tal evento. Apesar disso, fiquei sabendo da realização da reunião por meio de Mara, a coordenadora do CR. Naquele período, me pareceu estranho participar de uma reunião sem ser convidado. Quando pontuei tal insegurança, Mara afirmou que enquanto funcionário do CR, com sua autorização, eu poderia participar de qualquer evento que ali ocorresse. Durante meu período de trabalho de campo não fui apenas funcionário voluntário ou colaborador do CR, o mesmo acontecia nas reuniões da Parada. Apesar de saber que elas ocorriam semanalmente na cidade, eu não tinha acesso a seus membros no início da pesquisa. Entrei em contato com um ativista do Identidade que faz parte da Parada, mas o contato não resultou em mais informações ou algum tipo de permissão em participar. Foi a partir de outras situações de campo, em que tive contato com pessoas que se apresentavam como membros da comissão que obtive as informações necessárias para participar da primeira reunião. Avisado, em eventos em que tive contanto com membros da Comissão da Parada, de que tal comissão precisava de ajuda, ao me apresentar na primeira reunião, expliquei sobre a pesquisa e anunciei que ajudaria no que fosse possível. Algumas reuniões depois, quando terminavam a escrita do projeto, vi que meu nome fora incluído na tabela onde eram identificados os proponentes do projeto de realização do Mês da Diversidade Sexual, em substituição a um aluno de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da PUCCAMP (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) que havia realizado uma pesquisa sobre a Parada anos antes. Ao lado do meu nome lia-se pesquisador colaborador. Durante todo o processo de construção dos eventos do Mês da Diversidade Sexual de Campinas, estive envolvido não só na preparação de documentos, como fui, mais de uma vez, convidado a opinar acerca de diversas questões: desde o tema da Parada até a mudança de trajeto da mesma. As reuniões na Parada tiveram grande importância na realização da pesquisa, elas me permitiram realizar observação participante a partir de outra perspectiva. Na primeira Parada do Orgulho LGBT de Campinas em que participei, em 2010, o fiz apenas como expectador, registrando minhas observações em diário de campo. Num segundo momento, um ano depois, acompanhei uma manifestação do grupo Identidade realizada dentro da Parada. Na observação realizada em 2013, pude não só acompanhar todo o processo de !

11

organização do Mês da Diversidade Sexual e suas diversas atividades, como as observei a partir da perspectiva da organização, mesmo no momento de sua realização. Além disso, a realização de observação participante na Comissão da Parada colocou-me em contato com grupos ativistas com os quais, até o momento, não havia tido possibilidade de interlocução: o Aos Brados!!, um coletivo LGBT preocupado com questões relacionadas à negritude e à periferia; e o E-Jovem, um coletivo LGBT que luta contra o preconceito que sofrem os jovens homossexuais, a hebifobia. Nesta dissertação, procurei analisar a trajetória desses dois grupos no terceiro e último capítulo, enfatizando a importância, no movimento LGBT, não só das relações estabelecidas com o Estado, mas com outros atores políticos, como outros movimentos sociais, organizações sindicais e partidos políticos. Minha inserção em campo, com esses dois grupos, se deu de maneira distinta. No caso do E-Jovem, as relações que estabeleci com o grupo foram pontuais, conheci apenas um de seus fundadores e alguns ex-membros. Assim sendo, as informações que ofereço aqui acerca desse grupo são provenientes da realização de entrevistas em profundidade e de análise no website do grupo. Com o Aos Brados!!, por sua vez, estabeleci relações mais profícuas que possibilitaram a realização de observação participante em reuniões em atividades do grupo. Minha participação nessas reuniões, e a relação próxima com a fundadora do grupo, Fernanda, rendeu-me o título de parceiro e/ou colaborador do Aos Brados!!. Esse termo, apesar de assinalar meu lugar exterior ao grupo, me diferenciando dos demais membros, lhes indicava uma possibilidade de interlocução. Além do acesso às reuniões e atividades, minha participação nas atividades do grupo levou Fernanda a me convidar a participar do grupos de discussões online, que apenas membros do Aos Brados!! têm acesso. Assim sendo, as discussões realizadas aqui sobre os Aos Brados!! foram produzidas a partir desse contexto.

Metodologia etnográfica e processos políticos A metodologia aqui utilizada é etnográfica, assim sendo, lancei mão de observação participante, entrevistas em profundidade e análise documental. A utilização conjunta dessas ferramentas resultou na produção de material empírico que foi sistematizado e cote!

12

jado com o obtido nas pesquisas anteriores. Visto que a relação e a maneira de utilizar tais ferramentas em conjunto não são obvias, apresento de que maneira elas foram articuladas na produção e análise do material que aqui se encontra. A utilização conjunta dessas ferramentas tem como objetivo dar conta de dois âmbitos de análise, um sincrônico e outro diacrônico. Dessa maneira, utilizo a observação participante como instrumento para compreender o presente etnográfico. No entanto, uma vez que o processo político aqui analisado teve início antes de minha entrada em campo, as entrevistas são uma forma de acessar narrativas acerca de outros momentos e atores envolvidos no processo sob estudo. Contudo, por vezes, a observação participante acaba por remeter a acontecimentos passados, da mesma maneira que documentos referentes a acontecimentos presentes – isto é, que dizem respeito ao presente etnográfico – são utilizados na pesquisa como contraponto à observação participante. Além disso, em diversos momentos, os entrevistados acionam em suas falas acontecimentos em que estive presente ao refletir sobre suas relações e ação política. Portanto, tanto a observação etnográfica pode acabar remetendo ao passado quanto as entrevistas, algumas vezes, fazem menção a acontecimentos recentes. Ou seja, não é possível afirmar que essa ou aquela ferramenta seria apenas sincrônica ou diacrônica, mas cada uma delas tem mais ênfase em um desses tipos de análise. Sua articulação permite apreender o acontecimento estudado sem perder de vista seu caráter histórico, ou seja, processual, permitindo que as mudanças possam ser apreendidas e ressaltadas. Dessa maneira, a análise dos documentos e entrevistas só foi possível depois de um longo período de observação participante. A experiência adquirida a partir da observação possibilitou uma compreensão contextualizada do discurso de meus interlocutores a partir do cotejo entre o que era dito em momentos formais (entrevistas), informais (conversas do dia-a-dia). A observação participante e as entrevistas, portanto, podem colocar em contextos uma à outra (CALDEIRA, 1984; CARDOSO, 1986). É a partir da observação participante minuciosa que se faz possível, em um segundo momento, analisar o que os interlocutores nos informam nas entrevistas. Além disso, ambas constituem-se enquanto uma quebra do cotidiano rotineiro do grupo – ou dos grupos – de pessoas que o antropólogo estuda, ou !

13

analisa. Pontuar isso, contudo, não significa ignorar o fato de que uma entrevista é uma relação formal entre pesquisador e entrevistado mediada por um gravador e que aquilo que foi dito pelo entrevistado será registrado de maneira talvez mais precisa do que as conversas anotadas em diário de campo no fim de um dia de observação participante. Vimos aqui os motivos que me levaram a elencar a observação participante, a análise documental e a realização de entrevistas como ferramentas importantes para a produção do material empírico desta dissertação. Trago agora um breve relato da utilização de cada uma dessas ferramentas, enfatizando os enfoques da observação e das entrevistas e os materiais analisados para a pesquisa. Entre as situações de campo privilegiadas nesta pesquisa estão atividades que congregam diversos atores sociais, tais como reuniões ampliadas realizadas pelos órgãos públicos voltados à promoção dos direitos de LGBT, as manifestações públicas organizadas na cidade, bem como as paradas LGBT locais e seu processo de organização. As manifestações públicas e as Paradas LGBT foram elencadas como importantes espaços de observação não só com base nas referências metodológicas dessa pesquisa, mas também porque no decorrer das pesquisas anteriores, elas aconteciam em grande número na cidade e tinham como principais idealizadores meus interlocutores. Contudo, no período em que entrei em campo, assisti uma diminuição nas intervenções públicas na cidade e um adensamento das atividades em espaços de debate e controle social de políticas públicas. Tal acontecimento tornou necessária também a observação de atividades realizadas no Centro de Referência LGBT de Campinas (CR), sejam aquelas organizadas pelos ativistas no espaço CR, ou aquelas organizadas pelos próprios gestores do CR. No caso das reuniões e atividades que congregam o conjunto das organizações ativistas locais, a escolha de observá-las segue os passos metodológicos de estudos recentes sobre o movimento LGBT brasileiro. Tais estudos tomam por foco a observação de situações de interação coletiva de atores presentes no “campo” do movimento (FACCHINI, 2012; FRANÇA, 2006). A observação no Centro de Referência, por sua vez, aproximou-me de atores com os quais não tive contato anteriormente: os gestores estatais envolvidos nas políticas LGBT. Essas observações produziram ricas informações sobre o que pensam esses atores !

14

acerca dos processos políticos que estou estudando. Além disso, como a preocupação aqui está centrada nas relações entre atores, tendo como um dos focos principais os trânsitos e múltiplos pertencimentos institucionais dos sujeitos, a observação e a realização de entrevistas com os gestores foi fundamental para a realização desta pesquisa. O período de observação teve início em janeiro de 2013 e se estendeu até julho de 2014. Em média foram realizadas observações de duas atividades por semana. Além da observação participante, acompanhei pela internet os seguintes grupos na rede social online facebook: “Associação da Parada LGBT de Campinas” e “Aos Brados”. Além disso, durante todo o ano de 2014, mantive contato pela internet com parte dos interlocutores. As visitas ao CR ocorreram semanalmente, de fevereiro a setembro de 2014. Ao longo dos meses de observação, busquei intercalar os dias da semana observados. Permanecia, no período vespertino, na companhia dos funcionários do CR, colaborando para a execução de algumas tarefas. A observação nas reuniões da Associação da Parada do Orgulho LGBT de Campinas acontecia a cada 15 dias – frequência em que ocorriam as reuniões – por cerca de dois meses. Quando o Mês da Diversidade Sexual se aproximou, elas passaram a ser semanais e foram também acompanhadas por mim. Essas atividades ocorreram algumas vezes na sede da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), que divide um dos membros com a organização da Parada, e por outras, na sede do Aos Brados!!, que se localiza na subsede regional da CUT (Central Única dos Trabalhadores) em Campinas. Além das reuniões, acompanhei também os eventos do Mês da Diversidade Sexual de Campinas, incluindo a Parada do Orgulho LGBT da cidade. Ademais, acompanhei algumas manifestações e intervenções públicas que aconteceram em Campinas, organizadas por ativistas e por pessoas envolvidas com o movimento LGBT de Campinas. Participei também de algumas atividades realizadas no CR pelo movimento LGBT. Tendo em vista os apontamentos de Strathern (1996), tomo documentos relacionados à formulação de políticas públicas como pontos na “rede” de relações que pretendo estudar. Pontos estes que condensam relações entre os outros atores envolvidos em sua produção. !

15

No decorrer da pesquisa tive acesso a um total de sete documentos. Dentre eles: um projeto de Lei Municipal sobre a criação de um Conselho Municipal LGBT; uma cartilha sobre o Orçamento Participativo da cidade – possível canal de interlocução entre os movimentos sociais e o Estado –; uma apresentação de slides produzida por membros do CR LGBT, com o intuito de conscientizar as pessoas em relação ao preconceito contra LGBT; um documento de divulgação do Programa Municipal de Cidadania e Direitos Humanos, produzido pela extinta Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas; um relatório de gestão da prefeitura Municipal de Campinas, referente a 2011, onde contam informações sobre o Centro de Referência LGBT; um decreto de 2009 que cria o selo da Diversidade Sexual de Campinas; e, por fim, um guia preparado pelos funcionários do Centro de Referência que explica sobre suas funções e funcionalidades. Além de ser central, como já pontuei acima, para que seja possível colocar o material proveniente das entrevistas em contexto, o trabalho de campo gera também uma série de perguntas que, algumas vezes, só podem ser feitas por meio de entrevistas. A observação participante oferece não só substrato para essas perguntas e, portanto, para a produção de roteiros de entrevistas, mas também é fundamental para informar a escolha das pessoas que poderiam respondê-las sob diferentes perspectivas. O extenso período de trabalho de campo, além do material proveniente das pesquisas anteriores, permitiu-me realizar um número reduzido de entrevistas. Foram realizadas quatro entrevistas com os seguintes interlocutores: a coordenadora do CR, um ativista do Identidade, a fundadora do Aos Brados!! e o fundador do E-Jovem. Como pontuei no início desta introdução, esta pesquisa é desdobramento de mais de dois anos de pesquisas de iniciação científica. Assim sendo, além do material produzido no período de realização da atual pesquisa, ela conta com materiais provenientes das anteriores. O material das pesquisas de iniciação científica é composto por um conjunto de diários de campo produzidos por meio da observação de reuniões e de eventos organizados pelo grupo Identidade; uma série de documentos: decretos, leis notícias de jornal; além de dez entrevistas provenientes de oito interlocutores: ativistas e gestores estatais. O trabalho de campo durou pouco mais de dois anos. !

16

Convenções textuais Todas as pessoas citadas nesta dissertação, seja em trechos de entrevistas transcritos ou em excertos dos diários de campo do autor, tiveram seus nomes modificados com o objetivo de, na medida do possível, proteger a identidade dos interlocutores. Aquelas que tiveram seus nomes reais mantidos foram apenas pessoas públicas. A maioria dos entrevistados escolheu seus pseudônimos, quando isso não foi possível, escolhi seus nomes de maneira aleatória. Compreendo que por ser preciso apresentar as posições que ocupam dentro do campo – tanto de meu trabalho de campo, quanto do “campo político” – atores sociais inerentes a tal campo podem identificar facilmente os interlocutores citados. Apesar disso, decidi que a mudança de nomes era mais interessante, pois deixaria meus interlocutores expostos a um menor número de pessoas, apenas àquelas que fazem parte do mesmo “campo político”. No que diz respeito à formatação, além de seguir as normas propostas pelo PPGAS da Unicamp, o texto desta dissertação apresenta algumas particularidades com o objetivo de facilitar a leitura. Assim sendo, os conceitos de outros autores aparecem entre aspas, seguidos de referencia; os estrangeirismos e categorias êmicas estão grafados em itálico. Além disso, as entrevistas e excertos de diários de campo aparecem no texto com recuo de quatro centímetros, como nas citações bibliográficas, mas com fonte 11 e espaçamento 1,5, para se diferenciar das citações. A opção por essas formatações visa facilitar a leitura, principalmente no que diz respeito aos excertos de diários de campo e entrevistas, que algumas vezes podem ser extensos.

Acerca da organização da Dissertação O objetivo do primeiro capítulo é dar subsídio teórico e empírico aos demais. Dessa maneira, discuto os principais conceitos mobilizados durante a dissertação, além de apresentar o surgimento do movimento LGBT nacional e seu processo de institucionalização. Feito isso, prossigo à discussão que se configura como o foco desta dissertação, o movimento LGBT de Campinas e seu processo de institucionalização. Assim sendo, apresento o surgimento de alguns dos grupos da cidade e suas relações, dando ênfase ao processo de criação da primeira política pública brasileira de combate à homofobia a contar com assis!

17

tência social, jurídica e psicológica para LGBT, o Centro de Referência LGBT em Campinas. No segundo capítulo, a partir da apresentação da narrativa de dois interlocutores – que chamei aqui de “gestores-ativistas” – sobre suas trajetórias políticas e sua relação com a política LGBT, discuto a produção de fronteiras entre o que se concebe como Estado e como movimento social. Discuto, ainda, como na prática diária os interlocutores da pesquisa, muitas vezes, borram e suprimem fronteiras entre Estado e movimento social, produzidos discursivamente como opostos. Ademais, aponto que tal movimento de borrar e suprimir as fronteiras diz respeito a uma disputa em torno dos próprios significados de política. Por fim, apresento uma discussão acerca da importância de documentos nas redes ativistas através da narrativa em torno da mobilização de um documento produzido pelos ativistas. Tal documento, que propõe a criação de um Centro de Referência LGBT em Campinas (CR), foi fortemente mobilizado por ativistas LGBT da cidade para criticar gestores e técnicos que atuavam no CR. No terceiro capítulo, procuro situar a multiplicidade de atores que fazem parte do “campo” (SANTOS, 1977) do movimento LGBT em Campinas, como partidos políticos, sindicatos e outros movimentos sociais. Retomo, dessa maneira, a trajetória de dois grupos ativistas LGBT de Campinas, o Aos Brados!! e o E-Jovem como fio condutor para compreender tais relações. Além disso, levando-se em consideração que esses grupos não pautam a produção de sua identidade coletiva apenas a partir de umas das orientações sexuais ou identidades de gênero que compõem o acrônimo LGBT, dar-se-á especial atenção ao processo de proliferação e multiplicação das identidades coletivas do movimento LGBT brasileiro. Nas considerações finais, retomo algumas das principais questões abordadas nos capítulos, pontuando, principalmente, a importância da diversificação dos recortes empíricos para o estudo de processos políticos envolvendo movimentos sociais.!

!

18

Capítulo I: O “campo” do Movimento LGBT em Campinas Como apontado anteriormente, Regina Facchini (2005) denominou a segunda metade dos anos 1990 como o “reflorescimento” do movimento LGBT brasileiro. Esse período tem como sua principal marca a interlocução entre movimento LGBT e Estado, principalmente no que diz respeito a implementação e avaliação de políticas públicas. Tal interlocução foi possível graças a um processo de institucionalização do movimento LGBT que passou a se organizar majoritariamente a partir do modelo de ONG (Organizações NãoGovernamentais). Tal processo de institucionalização e as relações do movimento LGBT com o Estado a nível local e nacional são os eixos centrais deste capítulo. O objetivo do capítulo é, portanto, dar subsídio teórico e empírico aos demais. Dessa maneira, discuto os principais conceitos mobilizados durante a dissertação, além disso, apresento o processo de institucionalização do movimento LGBT brasileiro. Feito isso, passo a discutir o que se configura como o foco desta dissertação, o movimento LGBT de Campinas. Assim sendo, apresento os primórdios dessa modalidade de ativismo na cidade, o processo de criação dos primeiros grupos ativistas em Campinas e a relação dos ativistas LGBT com a administração municipal. Por fim, discuto o processo de criação da primeira política pública voltada para a LGBT a oferecer, no Brasil, assistência social, jurídica e psicológica para LGBT, o Centro de Referência LGBT de Campinas. No que tange a trajetória, às relações com o Estado e à institucionalização do movimento LGBT em âmbito nacional, amparo-me em bibliografia sobre o tema preocupada com tais questões (AGUIÃO, 2014; FACCHINI, 2005, 2009, 2012; SIMÕES, FACCHINI, 2009; DANILIAUSKAS, 2011; CÂMARA, 2002; CARRARA, 2010). Já no que diz respeito ao processo local, a discussão baseia-se em trabalho de campo realizado durante a pesquisa de mestrado. No que diz respeito à compreensão dos movimentos sociais, fundamentada em discussões feitas por Facchini (2005), esta dissertação tem como importante base teórica apontamentos de Doimo (1995), Cardoso (1987) e Santos (1977). As duas primeiras autoras reiteram a importância da análise dos contextos em que estão inseridos os movimentos !

19

sociais para melhor compreensão da modalidade de ativismo que se quer estudar, além disso, enfatizam a importância das relações que esses movimentos estabelecem com outros atores sociais. Santos (1977), por sua vez, mobiliza a distinção teórica entre “campo” e “arena” com o objetivo de colaborar na compreensão do envolvimento de atores em processos políticos definidores, levando-se em conta o estabelecimento de relações específicas. Na próxima seção apresento mais detidamente os apontamentos de Doimo e Cardoso, com o intuito de situar melhor o leitor nas influências teóricas desta pesquisa. Em seguida, exponho as discussões elaboradas por Santos, para elucidar de que maneira os conceitos mobilizados por esse autor são utilizadas na pesquisa.

Compreendendo os movimentos sociais a partir dos contextos Ana Maria Doimo (1995) revisita a literatura sobre movimentos sociais no Brasil referente ao período pós-1970. Com base nessa revisão, a autora situa três “polaridades interpretativas” nas análises sobre essa forma de ação coletiva, tais polaridades pautam-se em uma tensão entre “autonomia” e “institucionalização”. A primeira dessas polaridades, segundo a autora, tinha matriz “estruturalautonomista”, a segunda “cultural-autonomista”. O autonomismo presente em ambas as vertentes analíticas está relacionado à ênfase dada ao caráter “anti-Estado” ou “transformador” desses movimentos. A diferença entre elas, no entanto, está em sua base teórica. A primeira, que tem como referência o pensamento marxista, situa os “novos sujeitos coletivos” a partir de premissas que relacionam o conflito de classes e as contradições urbanas, atribuindo-lhes capacidade de autonomia e independência. A segunda, inspirada pela crítica ao economicismo, parte da recusa à pressuposição de um sujeito único assentado sobre a “homogeneidade da classe”, apontando para a pluralidade dos “novos sujeitos políticos”, ancorados na noção de experiência e dotados de espontaneidade e potencialidade de transformação social. A terceira, que influencia a análise desta pesquisa, ficou conhecida como “enfoque institucional”. Tal denominação deve-se ao questionamento do caráter anti-Estado atribuído aos movimentos sociais pelas vertentes analíticas anteriormente citadas. Além disso, tal teoria situa exatamente no aumento das funções do Estado o caráter dessas formas !

20

de participação, cuja fragmentação interna circunscreveria seu alcance à ampliação dos direitos de cidadania ao invés das perspectivas revolucionárias colocadas pelas duas primeiras matrizes (Doimo, 1995: 46-49). Como aponta Cardoso (1987), com o processo de redemocratização, ficou evidente que parcela significativa desses movimentos não buscava transformar drasticamente a vida social, postulado de boa parte das teorias do início da década de 1970, mas possibilidades de interlocução com os agentes estatais, procurando diálogo na construção de políticas. Evidência que, segundo a autora, colaborou para o fortalecimento de estudos de caso que visavam compreender a ação desses movimentos. Tais estudos apontaram que o que fora interpretado como uma disposição anti-Estado por parte dos movimentos, poderia ser mais bem compreendido como uma reação ao governo tal qual configurado no período da ditadura militar e não como um repúdio ao Estado em si. Desse modo, Cardoso assinala a necessidade de se analisar de que maneira as agremiações de pessoas nomeadas aqui como movimentos sociais estabelecem interlocuções com agências. Para tanto, seria preciso investigar a dinâmica interna dos movimentos e suas relações com outros atores, seus interlocutores. Ruth Cardoso (1983, 1987) foi a principal pensadora dessa vertente que chamava atenção para a necessidade de pensar o contexto em que estão inseridos os movimentos sociais. A antropóloga e cientista política influenciou trabalhos posteriores na análise dos movimentos sociais, como os de Ana Maria Doimo (1995) e Regina Facchini (2005, 2009). Essas autoras ressaltam a necessidade de se pensar as “conexões ativas” dos movimentos sociais, isto é, as relações que os grupos ativistas estabelecem com os demais atores envolvidos nos mesmo processos políticos. Essa vertente de explicação leva-nos a dirigir o olhar ao contexto em que os movimentos sociais estão inseridos. Levando-se em consideração a abertura democrática do Brasil que se consolidou com a constituição de 1988, e as relações entre movimento LGBT e Estado, que se intensificam na terceira onda do movimento LGBT, faz-se necessário um olhar mais detido sobre essas relações, para compreender a própria ação política dos grupos ativistas (CARDOSO 1983, 1987; DOIMO, 1995; FACCHINI, 2005, 2009).

!

21

Um dos autores que, segundo Cardoso, cumpre a função de atentar-se às relações dos movimentos sociais no contexto em que estão inseridos é Carlos Nelson Santos (1977). Assim sendo, apresento na seção que segue a utilização dos conceitos de “campo” e “arena”, importantes para pensar as diferentes relações do movimento LGBT brasileiro

Acerca dos conceitos de “campo” e “arena” O conceito de “campo” e seu contraponto “arena” foram utilizados no Brasil para analisar movimentos sociais por Carlos Nelson Santos (1977) e reutilizados, mais tarde, por Regina Facchini (2005), que tomava a produção das identidades coletivas no Movimento LGBT brasileiro nos anos 1990 como forma de compreender mudanças na dinâmica interna ao movimento e ao seu “campo”. Tais conceitos teriam sido criados no contexto do estudo de sociedades africanas, a partir da preocupação com a política a nível local (SWARTZ, 1969). A mobilização desses conceitos por Santos tinha como objetivo compreender os movimentos sociais levando-se em consideração o contexto em que esses movimentos estão inseridos. O conceito de “campo”, de acordo com Santos, refere-se ao conjunto de atores diretamente envolvidos no processo político que se deseja estudar, que se modifica de acordo com a entrada e saída de atores. A rentabilidade do conceito está no fato de que ele admite ao mesmo tempo as ideias de continuidade e de mudança. O conceito de arena, por sua vez, “pressupõe uma área social e cultural imediatamente adjacente ao campo (...) onde estariam (...) [aqueles] que ainda que diretamente envolvidos com os participantes do campo, não estivessem envolvidos em seus processos definidores (SANTOS, 1977:32-33)”. A arena, segundo Santos, é preexistente ao campo, que, por sua vez, pode se expandir até os limites da arena ou se contrair, o autor não descarta contrações e expansões simultâneas. Se “campo” faz referência aos atores diretamente envolvidos nos processos políticos, é preciso, então, analisar a relação do movimento com diversos atores sociais: outras organizações da sociedade civil que integram o próprio movimento LGBT, outros movimentos sociais, órgãos e agências estatais, atores ligados ao mercado, a partidos políticos e a universidades, por exemplo. Todos esses atores, segundo Facchini (2005), foram impor-

!

22

tantes para o processo que denomina de “reflorescimento” do movimento LGBT na primeira metade dos anos 1990. Se tais atores configuram o “campo” do movimento LGBT, a “arena” seria constituída por todas aquelas pessoas que, apesar de se reconhecerem ou serem reconhecidas a partir de alguma das identidades afirmadas com base nas disputas travadas no “campo” do movimento LGBT, não estão diretamente envolvidos em seus processos definidores. Isto é, pessoas que se compreendem a partir das orientações sexuais e identidades de gênero abarcadas pela sigla do movimento sem, no entanto, estarem envolvidas nos processos políticos institucionais. A “arena” seria, portanto, o que alguns ativistas chamariam de base do movimento. Na proposição desta pesquisa, tinha-se como um dos objetivos compreender as relações entre “campo” e “arena” por meio das manifestações organizadas pelo movimento LGBT em Campinas. Entretanto, em decorrência da diminuição dessas manifestações e da intensificação de ações voltadas ao estabelecimento de relações – sejam elas colaborativas ou de disputa – com o governo municipal por parte dos ativistas do movimento LGBT, não foi possível realizar tal objetivo. Assim sendo, esta dissertação tem por foco o “campo” do movimento LGBT em Campinas. Como apontado anteriormente, diferentemente do que postulavam algumas teorias sobre os movimentos sociais, parcela significativa dessa forma de ação coletiva buscava possibilidade de interlocução com o Estado, essa interlocução, como vimos, se deu a partir de um processo de institucionalização do movimento, esse processo foi baseado em uma mudança no formato organizacional dos coletivos que compunham o movimento, que passaram a assumir o formato de ONGs e a colaborar com o Estado em processos de implementação e avaliação de políticas públicas. Dessa maneira, na seção que segue apresento o processo de institucionalização do movimento LGBT em âmbito nacional.

A “terceira onda” e a intensificação das relações com o Estado O período denominado por Facchini (2005) de “terceira onda”, ou ainda de “reflorescimento” tem início nos anos 1990, pouco depois da promulgação da nova Constituição Federal e da retomada de eleições democráticas em todos os âmbitos da política brasi!

23

leira. Esse período traz como principais características o aumento do número de organizações ativistas, a intensificação das relações com o Estado, com partidos políticos e uma mudança na organização institucional dos próprios grupos, que passam cada vez mais a assumir o formato de Organizações Não Governamentais (ONG)4. Como apontei anteriormente, além da redemocratização, esse período é marcado pelas políticas de enfrentamento à epidemia de HIV/Aids no Brasil. Tal epidemia, apesar das tensões mais características dos anos 19805, gerou forte interlocução entre grupos ativistas LGBT e os governos brasileiros na elaboração e execução de políticas públicas voltadas à prevenção de DST/Aids. É possível pontuar essas primeiras interlocuções como o início do processo de constituição dos LGBT enquanto “sujeitos de direitos” no Brasil (AGUIÃO, 2014; DANILIAUSKAS, 2011). Além disso, é importante apontar que esse período foi importante para trazer questões referentes à homossexualidade à esfera pública (FACCHINI, 2005; SIMÕES, FACCHINI, 2009; DANILIAUSKAS, 2011). Marcelo Daniliauskas (2011) produziu uma dissertação de mestrado preocupada com a análise da trajetória de questões LGBT no âmbito das políticas de Direitos Humanos no Brasil, com foco de análise no Programa Brasil sem Homofobia (BSH). Segundo o autor, “esse programa foi escolhido [para análise] por ser um marco importante do reconhecimento das pessoas LGBT enquanto sujeitos de direitos (:14)” no Brasil. Assim sendo, o autor apresenta o que chama de antecedentes do BSH, isto é, as primeiras políticas brasileiras voltadas para homossexuais que podem ser vistas como os primeiros passos para a consolidação dos homossexuais enquanto “sujeitos de direito” no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 4

De acordo com Barbosa (2006: 174, nota 2), “O termo organização não governamental surgiu pela primeira vez em 1945, em documento das Nações Unidas (ONU), designando um universo amplo de entidades que se auto-reconhecem como distintas do Estado e das instâncias governamentais e que recebem ajuda para a execução de projetos voltados para o interesse de grupos ou comunidades. Nascendo no circuito da cooperação internacional entre países da Europa Ocidental e do Terceiro Mundo (...)”. Menos do que a entrada em um debate acerca das ONGs, a importância ressaltada desse formato de organização, está na profissionalização dos quadros ativistas, e na elaboração, pelos ativistas, de projetos para concorrer a financiamentos públicos. 5 Em relação às tensões no que diz respeito ao movimento LGBT e à política de enfrentamento à epidemia de HIV/Aids, Daniliauskas (2011), baseado em Câmara (2002) e Facchini (2005) pontua que tal epidemia, “traz uma série de implicações para as questões LGBT. No início dos anos 1980 são registrados os primeiros casos de Aids no país e os homossexuais são considerados como principal grupo populacional atingido. Termos como “peste gay” ou “câncer gay” passaram a ser utilizados na mídia. Tal situação gerou fortes impactos no Movimento organizado: houve uma divisão de opiniões sobre se o Movimento deveria enfrentar a epidemia ou se se distanciaria da mesma para romper com a identificação entre a Aids e a homossexualidade (:41)”.

!

24

Brasil. Retomo aqui o caminho trilhado pelo autor com o objetivo de situar o processo de institucionalização do movimento LGBT e da intensificação das relações com o Estado. Dentre os importantes marcos da intensificação da relação entre ativismo e Estado no Brasil, Daniliauskas pontua a entrada em vigor, em 1994, do acordo entre o Brasil e o Banco Mundial conhecido como Aids I. O Aids I, segundo Daniliauskas, “trazia como inovação a participação da sociedade civil na implementação de suas ações (:43)”, o que colaborou na criação de possíveis canais de interlocução entre os governos e grupos da sociedade civil no enfrentamento da epidemia de HIV. Ainda segundo esse autor, durante a governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995 – 2002) o principal agente da interlocução entre Movimento LGBT e Estado foi o Programa Nacional de DST/Aids. Sob o impacto do convênio entre o Banco Mundial e o governo federal podemos ver a primeira aparição oficial do termo “homossexualidade”, em um documento do governo federal. Segundo Daniliauskas (2011), tal aparição ocorreu no texto do Programa Nacional de Direitos Humanos I (PNDH I), lançado em 1996, sob a administração do então presidente FHC. A importância desse primeiro aparecimento, segundo Daniliauskas, está na visibilização dessas “pessoas socialmente estigmatizadas”, os “homossexuais”, que passam agora a ser agentes passíveis do usufruto de direitos. Em outras palavras, o governo federal, ao utilizar o termo “homossexuais” em um documento oficial de garantia de direitos, forja tal população enquanto “sujeitos de direito”. Ainda no que diz respeito ao impacto das políticas de enfrentamento à epidemia de HIV/Aids e da interlocução entre o Programa Nacional de DST/Aids e o movimento LGBT Simões e Facchini (2009) pontuam: Desde o estabelecimento desses acordos, o Programa Nacional de DST e Aids passou a financiar projetos voltados a “homens que fazem sexo com homens”, ou HSH. Essa nova categoria era parte da estratégia epidemiológica que visava garantir o acesso a atividades de prevenção aos que não se reconheciam por meio das categorias de identidade sexual. Ao mesmo tempo, buscava incentivar a adesão a uma identidade gay por meio da “educação por pares”, a ser realizada por militantes do movimento homossexual, procedimento que as experiências internacionais indicavam ser capaz de reduzir a vulnerabilidade dos que mantinham práticas homossexuais (:140).

!

25

Esse excerto da obra de Simões e Facchini aponta para a relação direta entre grupos ativistas LGBT e a prevenção das DST/Aids em ações voltadas para populações que podem ser identificadas como fazendo parte do que denominei acima como “arena” do movimento LGBT. Essas parcerias eram realizadas por meio de financiamentos públicos, levados a cabo por grupos ativistas registrados enquanto ONGs. Como veremos mais adiante, esse financiamento público foi responsável pela manutenção de diversos grupos ativistas LGBT, inclusive alguns dos grupos campineiros dos quais trata esta pesquisa. Além disso, é importante chamar atenção para os conflitos iniciais desse período. Assim como acontece na atualidade, a intensificação das relações entre movimento LGBT e Estado não é pautada apenas em alianças, mas também em dissensos. Com isso quero apontar que, desde o início, um dos resultados desse processo de estreitamento das relações são as tensões entre o que pensam os ativistas e o que os técnicos e gestores levam a cabo. Um desses casos, como aponta Facchini (2005), foram as disputas em torno da utilização termo HSH (homem que faz sexo com homens) nos programas de prevenção de DST/Aids. Segundo a autora, alguns dos ativistas temiam que a política, ao evitar um termo identitário, caminhasse para uma retirada dos gays do foco da prevenção. Seguindo a trajetória da implementação das políticas e documentos que produziam os homossexuais enquanto “sujeitos de direito”, em 2002 é lançado o Programa de Direitos Humanos II (PNDH II). Nesse documento, o “reconhecimento dos homossexuais como “sujeitos de direitos” não apenas se mantém, como se aprofunda (DANILIAUSKAS, 2011: 49)”. Além desse reconhecimento, Daniliauskas aponta como avanço a utilização, no documento, do termo “orientação sexual”. Ademais, chama atenção para a especificação dos “sujeitos de direito” no documento, que deixam de ser representados pelo termo “homossexuais”, para aparecerem como “gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais” (Idem: 53). Esse segundo documento, de acordo com Daniliauskas, foi construído através da participação de diversos grupos ativistas LGBT em seminários regionais, atestando a intensificação das relações entre ativistas LGBT e o governo Federal. Ainda segundo Daniliaukas, no governo de Luís Inácio Lula da Silva (20032010), doravante Lula, foram realizadas importantes reformas ministeriais impulsionadas pela relação desse governo com suas “bases” e pelo compromisso em avançar nas questões !

26

sociais. O autor aponta ainda que uma das preocupações centrais desse governo era o combate às desigualdades baseado em uma política de “diálogo, participação e parceria (:74)”. Como veremos mais adiante neste capítulo, quando tratar das relações entre movimento LGBT e governo municipal em Campinas, essa característica de governos do PT, pautada um diálogo que se apresenta como mais aberto para com os movimentos sociais, parece se repetir em âmbito municipal. No que diz respeito às expressões mais recentes acerca da colaboração entre o Estado e o movimento LGBT, é possível ressaltar, em primeiro lugar, a criação do Programa Brasil sem Homofobia e, em segundo a realização da I Conferência Nacional GLBT6. O primeiro deles é um documento, lançado em 2004 que, apesar de não ter resultados expressivos no que diz respeito à implementação de políticas públicas, teve grande impacto entre ativistas do movimento LGBT e na tematização dessas questões de modo coletivo no âmbito de vários ministérios que nunca haviam se debruçado sobre o tema (DANILIAUSKAS, 2011)7. No que diz respeito às relações entre Estado e ativismo, “o documento anuncia a parceria entre governo e sociedade civil, na elaboração e implementação do Programa (DANILIAUSKAS, 2011: 91). Além disso, os entrevistados de Daniliauskas ressaltaram uma trajetória de “(re)conhecimento mútuo” a partir da experiência da elaboração do projeto: é o movimento social entrando no governo, entendendo como suas estruturas funcionavam, e, ao mesmo tempo, se explicando, se fazendo conhecer em seus conceitos, questões, debates, temas e o governo se deparando com uma agenda até então pouco ou nada explorada na maioria dos ministérios, sobre a qual não havia muita clareza de como encaminhar, mesmo sendo considerada relevante (DANILIAUSKAS, 2011:84).

O que é possível analisar, nos apontamentos de Daniliaukas, é uma intensa relação de troca entre técnicos, gestores e ativistas. Se como vimos anteriormente, o Estado !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6

Assim como os diversos autores que tratam da I Conferência Nacional GLBT, mantive a grafia do termo “GLTB”, ao invés de utilizar o termo “LGBT” escolhido na I Conferência para dar visibilidade às lésbicas. Ainda que a utilização de siglas distintas possa confundir o leitor, a manutenção dos termos no original é importante pois expressa o período a que a sigla se refere. 7 Dentre os diversos impactos apresentados por Daniliauskas (2011), provenientes da elaboração do BSH, destaco aquele que me chamou mais atenção. Segundo o autor, um dos “efeitos colaterais” do processo de elaboração e implementação do BSH foi “o fato de que algumas pessoas [gestores e técnicos estatais, por exemplo] tenham se sentido mais confortáveis para tornar pública sua sexualidade/afetividade (:85)”. Tais pessoas publicizaram sua sexualidade a partir do apoio ao programa.

!

27

aprende e passa utilizar termos identitários provenientes do próprio movimento para se referir ao público-alvo das políticas, o movimento também “aprende” sobre o funcionamento da administração federal. Uma das implicações desse “(re)conhecimento mútuo” de acordo com Facchini (2009) é a colaboração para uma aproximação entre a linguagem ativista e aquela própria da política praticada no âmbito do Estado. Essas mudanças, no entanto, implicam uma ameaça: que os ativistas – e, consequentemente, o movimento – estejam cada vez mais aptos a dialogar com o Estado e com atores no cenário internacional, mas mais distantes de sua “base”(:143).

Dessa maneira, o “(re)conhecimento mútuo” colabora na realização de parcerias entre órgãos e agências estatais e os ativistas do movimento LGBT. Entretanto, como sugere Facchini, a linguagem específica do Estado, que passa a ser incorporada pelos ativistas, pode dificultar sua relação com suas “bases”. A I Conferência Nacional GLBT foi realizada em 2008, em Brasília, sua abertura contou com a presença do então presidente Lula. Tal conferência foi precedida por versões regionais e estaduais. “O conjunto das Conferências Estaduais, realizadas entre março e maio de 2008, contou com cerca de 10 mil participantes e resultou num total consolidado de 510 propostas, avaliadas e complementadas na etapa nacional (FACCHINI, 2009:134)”. Essa conferência, como pontua Facchini é um marco importante para os direitos LGBT no Brasil e para as relações do movimento com o Estado, justamente, porque sua realização não seria possível em períodos anteriores, em decorrência do caráter de “tabu8” sob o qual era tratada a homossexualidade. Além disso, como ressaltam Facchini e França (2009) e Aguião (2014), foi importante também a presença do presidente Lula na abertura do evento. Tal participação representou para alguns dos ativistas o compromisso do presidente com o reconhecimento e encaminhamento de demandas de LGBT. A realização de conferências onde a sociedade civil é convidada a colaborar na elaboração e avaliação de políticas públicas é, segundo Daniliauskas (2011), característica !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 8

Daniliauskas (2011:49), ao analisar o prefácio do PNDH II, escrito pelo então presidente FHC aponta que o próprio presidente comenta que a homossexualidade era tratada como um tabu, entretanto, no mesmo documento, FHC reitera que os homossexuais são sujeitos legítimos de direitos.

!

28

do fortalecimento de uma “democracia participativa e popular” – nos termos do autor9 - levada a cabo pelo governo Lula. Retomando a primeira Conferência Nacional LGBT, faz-se mister pontuar que, além de ser importante na “reaproximação e rearticulação do movimento LGBT com os governos municipais, estaduais e federal” (DANILIAUSKAS, 2011:109), suas resoluções e propostas aprovadas resultaram, em 2009, na criação do Plano Nacional LGBT. Ainda acerca do adensamento das relações entre Estado e movimento LGBT, Daniliauskas pontua que como resultados posteriores ao Plano Nacional LGBT, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cria uma coordenação geral voltada especificamente para LGBT. Além disso, em 2010, é estabelecido o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT, tal conselho possui caráter consultivo e deliberativo, e dentre suas principais atribuições estão nortear as ações e diretrizes para as políticas de combate à discriminação e à promoção dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, assim como monitorar e avaliar o Plano Nacional LGBT (DANILIAUSKAS, 2011: 111).

O que se sobressai nesse processo, portanto, é uma intensificação das políticas estatais que reconhecem os homossexuais enquanto “sujeitos de direito” no Brasil. Tal processo, que tem início nas primeiras aparições do termo “homossexuais” e, posteriormente, LGBT, em documentos governamentais, culmina na criação de órgãos e agências estatais voltadas especificamente para questões LGBT. Ainda no que diz respeito às Conferências Nacionais, é importante pontuar que, assim como o enfretamento conjunto da epidemia de HIV/Aids, elas tiveram importante papel na fomentação de novos grupos e redes ativistas. Aguião (2014), ao discutir o impacto das conferências no Rio de Janeiro, afirma: No Rio de Janeiro, a conferência foi convocada por decreto do governador em 28 de Fevereiro de 2008. Segundo o decreto, previamente à conferência estadual, nove pré-conferências regionais, abrangendo todos os municípios deveriam ser realizadas com a “finalidade de discutir a interiorização e ampliação da partici-

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

9

Como demonstra Daniliauskas (2011:74), a realização de conferências não foi característica exclusiva do governo Lula, entretanto, foi uma marca expressiva da primeira gestão do PT no governo federal.

!

29

pação do Movimento LGBT local e gestores públicos locais e a eleição de delegados para a conferência estadual” (: 29-30, itálico e aspas da autora).

Mais adiante, ela segue: E assim, um dos objetivos colocados pela organização, o de fortalecer “redes de articulação e mobilização do movimento social LGBT no estado”, parece ter sido logrado. Onde não havia qualquer tipo de movimento organizado, a partir daquele momento, passava a existir (:30, aspas da autora).

A partir dos excertos acima apresentados, é possível afirmar que as relações entre ativismo LGBT e Estado causam impacto direto no aumento do número de grupos ativistas LGBT e na institucionalização do movimento. Assim sendo, a criação desses novos grupos ocorre, como aponta Aguião, a partir de decretos, documentos e reuniões provenientes da realização da I Conferência Nacional LGBT. Contudo, é importante ressaltar que não se trata de o Estado criando novos grupos ativistas, mas sim da fomentação de novas organizações possibilitada por políticas produzidas a partir da interlocução entre o movimento LGBT e os governos em diversos níveis. É importante pontuar ainda, que as relações entre movimento LGBT e Estado avançaram mais nos âmbitos Executivo e Judiciário, estando mais estagnado no Legislativo. No caso do executivo, como vimos, a participação tem se dado, principalmente, desde as políticas de enfrentamento de HIV/Aids, culminando em Planos e Conferências Nacionais contra a discriminação dirigida a LGBT. Atores observados por Aguião (2014) na I Conferência Nacional LGBT, apontaram como uma das principais causas da inércia do Legislativo em relação às políticas dirigidas a LGBT, o crescimento do fundamentalismo religioso dentro do Congresso Nacional. Essa inércia tem levado tais atores a uma judicialização de suas demandas, visto que o judiciário parece menos avesso que o legislativo no que diz respeito aos direitos de LGBT. No que tange à institucionalização do movimento e o avanço da implementação de políticas públicas para LGBT, é importante ressaltar que esse processo parece ter sido crescente até o fim do governo Lula. No entanto, ele começa a entrar em declínio com assumpção da Presidência da República, por Dilma Roussef, também do PT. Tal declínio pode ser exemplificado pela abertura da Segunda Conferência Nacional LGBT, realizada em

!

30

2011. Tal abertura foi marcada, principalmente, pelas críticas à gestão de Dilma e pelo não comparecimento da presidente à abertura (AGUIÃO, 2014). As críticas à presidente, segundo Aguião, foram dirigidas ao cancelamento, por parte da presidente, do alcunhado “kit gay”, resultado da pressão de políticos religiosos que fizeram intensa propaganda contra o “kit”. Esse “kit” era, na realidade, um material educativo, a ser distribuído nas escolas do país, seu objetivo era diminuir os casos de homofobia. Cedendo a pressões dos políticos religiosos, o “kit” foi retirado de circulação pela presidente sob a alegação de que seu governo não “fazia propaganda de opção sexual”. Essa alegação gerou protestos e reclamações de muitos ativistas LGBT em todo território nacional. Além da pressão de setores políticos conservadores, que vem cada vez mais crescendo no país, a outra crítica dizia respeito à não presença da presidente na abertura do evento. Se a presença do presidente Lula ressaltou o compromisso de sua gestão com as causas LGBT, o não comparecimento de Dilma foi interpretado por parte dos ativistas, como aponta Aguião, no sentido oposto. Essa falta, reforçada pelos retrocessos de seu governo no que concerne às questões LGBT, fortaleceu a ideia de falta de compromisso com o movimento social organizado em torno de tais questões. Além da retirada de circulação do “kit gay”, outros sinais dos avanços de um conservadorismo político pautado, entre outras coisas, em valores que se opõem a políticas de direito para LGBT podem ser apontados. Dentre eles ressalto um projeto que ficou conhecido como “cura gay”, além de falas abertas contra homossexuais proferidas por políticos brasileiros. O projeto de “cura gay”10, tinha por objetivo suspender a validade de uma resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que impede os psicólogos de tratarem a homossexualidade como desordem psicológica11. A aprovação pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados, em 2013, colocaria o projeto em trâmite no Congresso para possível votação. Segundo o presidente da CDH, o pastor evangélico e deputado federal Marco Feliciano, do PSC (Partido Social Cristão), essa resolução do CFP !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 10

O projeto em questão consiste em um Decreto Legislativo proposto pelo deputado federal João Campos, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). 11 Tal resolução é a CFP 001/99 de 22 de Março de 1999.

!

31

não deveria ser válida por que estaria funcionando como lei, e dessa maneira se sobrepondo ao Legislativo12. Além do projeto em questão, é possível pontuar como marcos do aumento do conservadorismo a publicização de discursos contra políticas LGBT por políticos brasileiros. Dentre eles, destaco o próprio deputado e pastor Marco Feliciano e o deputado Jair Bolsonaro, do Partido Progressista (PP). No caso do primeiro, sua nomeação para ocupar a chefia da CDH foi alvo de contestações, não apenas por parte de ativistas LGBT, como de militantes do movimento negro, por exemplo. Essa contestação baseava-se em discursos, proferidos por tal deputado, considerados racistas e homofóbicos. Assim como no caso Feliciano, Bolsonaro é alvo de críticas não só provenientes do movimento LGBT, mas também de feministas, e outros atores preocupados com os direitos humanos. O motivo das críticas é sua oposição aos direitos humanos, em geral, além de seu apoio à Ditadura Militar. Algumas das tendências apontadas aqui, no que tange à relação entre Estado e movimento LGBT no Brasil, também são notadas por Pecheny e Dehesa (2011) em sua discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos na América Latina. Assim sendo, apresento breves considerações baseadas nos escritos desses autores, traçando, dessa maneira, um paralelo entre o que observam e os processos que ocorrem no Brasil, acerca dos quais acabamos de discutir. Pecheny e Dehesa (2011) pontuam que, da mesma maneira que no processo brasileiro, acordos firmados entre os governos latino americanos e o Banco Mundial, com o objetivo de combater a epidemia de HIV, tiveram grande impacto no movimento LGBT na América Latina. Esses acordos colaboraram com a intensificação das relações entre ativistas e gestores e técnicos estatais. Acerca de tais relações, Pecheny e Dehesa (2011) afirmam: !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 12

Caso o projeto em questão fosse aprovado, ele poderia reafirmar, no âmbito legal, um antigo estigma social que coloca o homossexual no lugar de doente. Apesar de a resolução do CFP que veda o tratamento dos homossexuais enquanto pacientes a serem curados ser de 1999, desde 1985 a homossexualidade deixou de ser considerada doença no país. Contudo, a aprovação na Comissão de Direitos Humanos do projeto que foi chamado de projeto da “cura gay” criaria uma nova possibilidade de patologização da homossexualidade, agora por via legislativa. É importante ressaltar que, no dia 2 de julho de 2013, o autor do projeto em questão retirou sua proposta. Alguns dias depois, no entanto, outro deputado reapresentou o projeto.

!

32

En la medida en que estos actores han pasado de una relación de exterioridad al estado y la política (autoritarios) a formas diversas de vinculación con los mismos, muchos han reconocido también el valor de traducir sus reclamos en legislaciones y políticas publicas (...). Han luchado no sólo por la inclusión de sus demandas en las agendas de deliberación publica y de toma decisiones sino por el derecho de participar en la conformación de los procesos político-formales donde tales agendas se articulan, a nivel tanto nacional como internacional (: 39).

Nota-se, desse modo, que a participação crescente dos ativistas LGBT na implementação e avaliação de políticas públicas não é um caso brasileiro isolado. Ademais, Pecheny e Dehesa (2011) pontuam que as políticas de enfrentamento ao HIV/Aids, assim como no Brasil, colaboraram para o crescimento do número de instituições que passaram a se definir como ONGs. Tais autores reiteram, ainda, a relação dessas ONGs com organizações estatais, empresas privadas e outras organizações internacionais. É possível apontar, ainda, que o aumento das relações com o Estado não é característica única do movimento LGBT. Ana Maria Doimo (1995) e Maria da Glória Gohn (1995) apontam para uma tendência, nos movimentos sociais no Brasil, do aumento de instituições que se concebem enquanto ONGs. Segundo Gohn (1995), além do crescimento desse formato organizacional se fortaleceram, enquanto tendências, “as políticas de parcerias implementadas pelo poder público, particularmente em âmbito local (:128)”. Além disso, segundo tal autora, Essas tendências são lados complementares de das novas ênfases das políticas sociais contemportâneas, particularente nos países industrializados do Terceiro Mundo. Trata-se das novas orientações voltadas para a desregulamentação do papel do Estado, na economia e na sociedade como um todo, transferindo responsabilidades do Estado para as “comunidades organizadas”, com a intermediação de ONGs, em trabalhos de parceria entre o público estatal e o público não estatal e, às vezes, com a inciativa privada também (GOHN, 1995: 128-129).

A institucionalização e a interlocução com o Estado, portanto, são tendências mais gerais, tal processo não ocorreu apenas no Brasil, nem foi exclusivo do movimento LGBT, no caso brasileiro. Em análise sobre as estratégias políticas do movimento feminista a partir da década de 1970, até o início da década de 2000, Mariano (2001) aponta ser possível perceber uma mudança na relação das ativistas desse movimento com o Estado.

!

33

Tal trajetória, segundo ela, “parte da negação do Estado, como espaço legítimo de participação à busca de participação e/ou representação feminina no Estado (Idem: 9)”. Assim como aconteceu com as demandas do movimento LGBT, Mariano afrima que, com o processo de redemocratização no Brasil, algumas demandas das feministas passaram a ser absorvidos pelos governos democráticos. Tal absorção, que ocorreu, principalmente por meio da execução de políticas públicas, também como no caso do movimento LGBT, não aconteceu sem tensões. Tais tensões marcaram, principalmente, as discussões em torno do binômio autonomia versus institucionalização (MARIANO, 2001). Além disso, segundo essa autora, a incorporação dessas demandas foi realizada ora por pressão de ativistas, ora por interesse de partidos políticos em ampliar legimitidade entre tais ativistas. O que podemos ver, portanto, é que a hipótese de Cardoso (1983), apresentada no início desta dissertação, mesmo que se referindo ao início da redemocratização, ainda parece fazer sentido: diferentemente de um caráter anti-Estado, os movimentos sociais se posicionavam contra o governo tal qual se configurava no período da ditadura militar. O processo de redemocratização, impulsionado pela participação civil, aproximou cada vez mais ativistas e gestores e técnicos estatais. Essas aproximações e as tensões provenientes de tais relações são tema desta dissertação. É importante fazer um pequeno parêntese aqui para ressaltar que a referência ao interesse em relacionar-se com o Estado é uma generalização. Com isso, não pretendo dizer que cada grupo ativista LGBT, ou cada movimento social no país pautaram suas ações na interlocução com o Estado. Na verdade, a proposta aqui é apresentar tendências gerais, para, em seguida, dirigir a atenção para um contexto local. Até aqui me detive sobre a trajetória do movimento LGBT em âmbito nacional. Feito isso, passemos agora ao aprofundamento da análise de um contexto localizado do qual trata esta dissertação, o das diversas relações do movimento LGBT em Campinas com o Estado no período pós-redemocratização.

!

34

O movimento LGBT em Campinas O primeiro coletivo explicitamente político de que se tem notícia a discutir a homossexualidade em Campinas, o grupo Expressão, surgiu em 1995. Esse grupo integra, assim, o processo de crescimento quantitativo e expansão territorial/interiorização do movimento que caracterizam o período denominado por Facchini (2005) de “terceira onda” do movimento LGBT brasileiro. O grupo em questão era responsável pela edição de um jornal, “O Babado”, que circulava principalmente nos espaços de sociabilidade homossexual da cidade. Em 1998, a partir de uma cisão interna do Expressão, surge o Identidade, o grupo ativista LGBT mais antigo em atividade de Campinas. Divisões posteriores do Identidade deram início a dois outros grupos da cidade: Mo.Le.Ca. (Movimento Lésbico de Campinas), fundado em 2000 e o Aos Brados!!, grupo ativista LGBT que discute questões ligadas à periferia e à negritude, criado em 2002. Além desses grupos, os anos 2000 viram nascer uma inciativa do movimento LGBT sem vínculo anterior com as demais, o E-Jovem, uma rede jovem LGBT presente em diversos estados brasileiros, fundado em 2004. Nesta seção do capítulo trago mais detalhes sobre a criação dos três primeiros grupos da cidade: Expressão, Identidade e Mo.Le.Ca.. Os demais grupos, Aos Brados!! e EJovem, serão retomados no terceiro capítulo. Quadro 1 - Criação dos Grupos ativistas LGBT em Campinas

Grupo Ativista Expressão Identidade Mo.Le.Ca. Aos Brados!! E-Jovem

Ano de Surgimento 1995 1998 2000 2002 2004

Expressão - Grupo de Defesa dos Direitos dos Homossexuais As informações sobre o Expressão são escassas. Durante a realização da pesquisa não encontrei nenhum membro do grupo que não tenha saído para fundar o Identidade. Apesar de buscar, também não tive acesso a documentos e outras informações sobre a !

35

organização ativista. Assim sendo, conto apenas com as entrevistas realizadas com membros do grupo Identidade que fundaram ou fizeram parte do Expressão. Como apontam essas entrevistas, os membros que depois viriam a fundar o coletivo frequentavam um grupo de vivência 13 no âmbito do Programa Municipal de DST/AIDS, o Conviver. Em outubro de 1995, depois de uma palestra oferecida por Luiz Mott – um antropólogo e militante do Grupo Gay da Bahia (GGB) – na Unicamp, frequentadores do Conviver criaram o Expressão, organização que é tida como a primeira do movimento LGBT no município. Além disso, o grupo era também responsável pela edição do jornal “O Babado”, que era distribuído nas casas noturnas da região. Nenhum de meus interlocutores soube informar, ao certo, quando o Expressão deixou de existir. Também não consegui contato com nenhum ativista que teria se mantido no grupo depois da criação do Identidade. É possível apontar, no entanto, que o grupo não parece ter resistido à cisão que criou o Identidade. Em suas narrativas sobre os processos políticos que estudo nesta pesquisa, os entrevistados não citam a participação de ativistas do Expressão nesse processo. Dessa maneira, é provável que entre os anos 1998 e 2000 o Expressão tenha se extinguido. É importante pontuar a importância dos programas de prevenção de DST/Aids na “terceira onda” do movimento LGBT brasileiro. Como apontamos na seção anterior, o Programa Nacional de DST/Aids foi um dos principais canais de interlocução entre o movimento LGBT e o Governo Federal. Além de espaços de interlocução entre Estado e movimento LGBT, como aponta Facchini (2005), o programa foi importante fomentador de novos grupos. No caso campineiro, os poucos dados que tenho sobre o Expressão não me permitem afirmar se houve de fato um fomento do programa para a criação do novo grupo. No entanto, é possível apontar que o grupo de vivência foi um possibilitador do contato entre os ativistas e colaborou, em alguma medida, para o surgimento do primeiro grupo ativista LGBT de Campinas, ressaltando assim o impacto das políticas de Aids na expansão do movimento LGBT.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 13

Como apontado anteriormente, todas as categorias êmicas e pequenas citações de falas de entrevistados em entrevistas informais aparecem neste trabalho em itálico.

!

36

Além disso, é interessante notar que o grupo Expressão data do mesmo período do grupo estudado por Facchini (2005), o Corsa. A data de origem das duas organizações não é sua única característica em comum: ambos têm origem em projetos preocupados com a socialização e o compartilhamento de experiências. No caso do Expressão, tal espaço se configurava enquanto um grupo de vivência, voltado a portadores de HIV/Aids. O Corsa, por sua vez, surgiu a partir de encontros de frequentadores de um espaço psicoterapêutico em grupo voltado para “minorias sexuais”. Ademais, as relações entre Corsa e Expressão vão além daquelas comparativas, traçadas aqui: Facchini (2005) aponta o Expressão de Campinas como um dos interlocutores do Corsa. Além disso, cabe apontar ainda a atuação de ambas as instituições voltadas para frequentadores do mercado GLS de suas respectivas cidades. No caso do Expressão, como vimos, o grupo editava um jornal e o distribuía em boates e casas noturnas de Campinas. Já o grupo parceiro de São Paulo, o Corsa, tinha como uma de suas atividades a frequência em espaços GLS para divulgar o grupo e buscar novos membros. Apesar das poucas informações que consegui acerca do Expressão, a partir dos apontamentos apresentados acima, é possível afirmar que a atuação do Expressão não se restringiu a Campinas dado que o grupo estabeleceu contato com outras organizações ativistas. Muitos dos entrevistados desta pesquisa que chegaram a fazer parte do Expressão pontuaram frequência a algumas reuniões do grupo Corsa. Além disso, aqueles que posteriormente migraram para o Identidade apontaram ainda para uma colaboração entre Identidade e Corsa no que diz respeito à organização da Parada LGBT de São Paulo. É interessante notar que é justamente no período que Facchini (2005) apontou como sendo o de “reflorescimento” do movimento LGBT, que surgem, em Campinas, os primeiros grupos ativistas LGBT. Esse período é marcado pelo surgimento de novos grupos, pelas primeiras Paradas do Orgulho LGBT, pela retomada da periodicidade dos encontros nacionais que reuniam ativistas, que passam a ser bianuais, e pela criação, em 1995 da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – nome atual – conhecida pela sigla ABGLT.

!

37

Por um novo coletivo de homossexuais: o surgimento do Identidade O motivo da cisão do Expressão que resultou na fundação do Identidade está ligado à própria edição do jornal “O Babado”. Um setor do grupo Expressão, que viria mais tarde a fundar o Identidade, considerando que deveria dialogar mais com as lésbicas, decidiu que a capa do jornal de março de 1998 deveria estampar um casal de mulheres. Visto a proximidade do 8 de março, o dia internacional da mulher, o foco principal da edição seria voltado para essa temática. Entretanto, contrariando negociações prévias, o conteúdo do jornal teria sido modificado sem aviso, pela parcela do grupo considerada majoritária no Expressão. Tal modificação minimizou o enfoque dado às lésbicas na edição. Isso causou grande revolta no setor da organização ativista que viria, depois, a se tornar Identidade. Ainda que, de última hora, o jornal tenha sido editado da maneira inicialmente prevista, essa situação causou um desgaste entre os integrantes do grupo. Em decorrência desse episódio, foi realizada uma reunião para a discussão do ocorrido. Nela, muito descontentes com o que apontaram como um caráter mais festivo e menos preocupado com questões políticas do Expressão, os integrantes do setor que propôs a edição voltada para lésbicas notificaram os demais membros de sua saída. Essa dicotomia entre festa e política pode ser resultado de uma relação sempre tensa entre o mercado segmentado e o movimento LGBT, no Brasil. Essas relações, como apontam Facchini e França (2009) não são novas, e remontam as origens do Somos de São Paulo. Tais tensões produzem, muitas vezes, processos de dicotomização entre o que seria ou não política, tomando um dos caráteres do mercado segmentado, a festa, como um “outro” em relação aquilo que é político, o movimento social. Cabe aqui um parêntese para pontuar uma característica importante do grupo Identidade. Os grupos ativistas LGBT no Brasil que se concebem como mistos, isto é, deveriam abarcar a diversidade das identidades que compõem a sigla LGBT, são em sua maioria compostos por homens homossexuais. Muitas vezes, essa diferença de números gera não apenas tensões, mas uma subrepresentação de outras identidades, como é o caso das mulheres lésbicas. O interessante de se pontuar é que o conflito que criou o Identidade, um grupo que se concebe como misto e se quer misto foi, justamente, a tentativa, de parte do grupo

!

38

Expressão, em invisibilizar um dos segmentos que compõem o movimento LGBT, as mulheres lésbicas. Essa parcela do grupo, que acabara de romper com o Expressão, passou então a se reunir com um chamado: por um novo coletivo de homossexuais. Buscando agregar pessoas para formar uma nova organização militante. No dia 19 de maio de 1998, o estatuto foi registrado em cartório e o Identidade passou então a existir oficialmente14. O evento que deu origem ao Identidade, ou seja, a disputa em torno da edição d’ “O Babado”, não pode ser visto como um momento isolado que causou por si só a cisão do grupo. Ao olhar para o que, segundo os ativistas que deixaram o Expressão, foi o motivo que os levou a fazer isso, isto é, o caráter mais festivo e menos preocupado com questões políticas15 do grupo, vemos que esse evento expressa uma tensão pré-existente, que diz respeito à própria concepção de política de duas parcelas da organização militante. Desse modo, o Identidade foi fundado em decorrência de divergências na concepção do que seria o papel de um movimento social e do que seria política. O Identidade, como coletivo característico da “terceira onda”, se estrutura como uma organização não governamental (ONG), ainda que seja crítico a esse formato e que seus ativistas se considerem como fazendo parte de um movimento social. Essas duas características aparecem nos discursos dos militantes como antagônicas: enquanto o papel de um movimento social seria contestar o Estado e cobrar dele, uma ONG funcionaria mais com um braço do Estado que cumpre funções que são deixadas de lado pelos órgãos estatais. Essa ideia de que o papel do movimento social é contestar o Estado está fortemente ligada à de autonomia de boa parte dos integrantes do grupo. Mais de uma vez, em entrevistas, os ativistas do Identidade pontuaram que ao executarem políticas públicas financiadas por verbas estatais, principalmente aquelas voltadas à prevenção de DST/Aids, tornavam-se um braço do Estado, o que os impedia de se relacionar de forma mais crítica !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 14

Existir oficialmente aqui é um termo que meus interlocutores utilizam não para chamar atenção para um caráter institucionalizado do grupo, mas sim para reiterar a ideia de que o grupo já existia antes do registro em cartório. 15 Essa ideia de que o Expressão seria mais festivo e menos político que outros grupos reapareceu em mais de uma fala dos interlocutores. Tanto nas falas daqueles que ainda hoje fazem parte do Identidade, quanto na entrevista de Fernanda, que foi fundadora do Identidade e, posteriormente, deixou o grupo para fundar o Aos Brados!! (Ver capítulo III).

!

39

com os governos em seus diversos âmbitos. Além disso, pontuaram que existia uma forte demanda por profissionalização dos ativistas e um direcionamento das ações do grupo para as demandas dos projetos financiados, impedindo os ativistas de realizarem outras atividades consideradas relevantes. O Identidade, portanto, pode ser apontado como um grupo que, apesar de crítico ao formato de ONG, possui caráter institucionalizado. Tal caráter se expressa pelo seu registro em cartório, pelas reuniões periódicas realizadas em sua sede que até meados de 2012 se localizava no centro de Campinas, e pela elaboração de projetos para concorrer a recursos em editais públicos no decorrer de sua história16. Ainda no que diz respeito à institucionalidade do grupo, cabe ressaltar que o Identidade se divide em coordenadorias. De acordo com seu site, as coordenadorias eram as seguintes: de formação, de negritude e diversidade sexual, feminista, saúde, comunicação, travestis e transexuais, além de administração e finanças. Além disso, as coordenações seriam ocupadas por membros registrados do grupo, eleitos em assembleia ordinária, pelo prazo de dois anos. Embora a maioria dos integrantes considere essa divisão mera formalidade, cabe ressaltar que a existência de coordenadorias e de eleições para a escolha dos coordenadores ressalta a institucionalidade do Identidade. Apenas membros registrados podem escolher os coordenadores, o que também estabelecia distinção clara entre aqueles que seriam, de fato, ativistas do grupo, e aspirantes ou visitantes. Outra característica presente no movimento no período de atuação do Identidade é, para além da institucionalização, a organização em redes nacionais e regionais. Na atualidade, apesar das diversas críticas tecidas a essa entidade por seus integrantes17, o grupo é filiado à Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), rede nacional de organizações LGBT criada em 1995, que se define como a maior rede LGBT da América Latina18. Essa talvez seja a rede brasileira mais radicalmente institucionalizada, dado que exige que suas afiliadas tenham personalidade jurídica. Duran!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 16

O grupo se encontra, atualmente, sem sede. Suas atividades tem sido realizadas em lugares distintos, como cursinhos populares e sedes sindicais. 17 As críticas do grupo à ABGLT estão ligadas ao seu formato institucionalizado, bem como à suposta falta de cobrança por parte da instituição em relação ao Estado. 18 Informações retiradas do sita da ABGLT: http://www.abglt.org.br/port/index.php Acesso em: 23.fev. 2012.

!

40

te sua trajetória, o Identidade também teve grande influência no movimento LGBT em âmbito estadual e teve papel importante na criação e no fortalecimento do Fórum Paulista LGBT, a mais antiga rede ativista do estado de São Paulo. Cisões envolvendo a possibilidade de plena articulação de “minorias dentro da minoria” estão presentes no movimento desde seu surgimento. Apesar disso, um traço que aproxima o Identidade do que a literatura registra acerca da “terceira onda” tem relação com a multiplicação de sujeitos políticos no interior do movimento e com a ênfase tanto nas especificidades constitutivas de cada categoria identitária quanto nas alegações, por parte de alguns de seus ex-ativistas, de desrespeito ou desatenção a estas. A discussão das especificidades fez o grupo manter em seu nome, por um período, as letras referentes às identidades de gênero e orientações sexuais que compõem o movimento LGBT. Essa manutenção, segundo ativistas do grupo, não estava pautada em uma relação pouco crítica com a fixidez das identidades, mas na necessidade que alguns de seus membros viam na discussão das especificidades de categorias identitárias como travesti, transexual, bissexual e lésbica, por exemplo. Ao mesmo tempo, a alegação de desrespeito ou falta de atenção às especificidades, vindas de alguns ativistas, como um grupo de mulheres lésbicas, por exemplo, pode ser vista como o motor das cisões do grupo. Como veremos no Capítulo III, as alegações de desrespeito ou de falta de atenção às especificidades não são provenientes apenas de sujeitos que se compreendem a partir de uma das siglas que compõem o movimento LGBT. Além dessas, o processo de especificação dos sujeitos políticos do movimento em Campinas passou a levar em conta também outros marcadores sociais da diferença que definem identidades políticas, como a raça, a classe e a geração. No que diz respeito a relação com partidos políticos, estas parecem ter se alterado no decorrer da trajetória do grupo. Tal alteração deve-se, principalmente, à rotatividade de membros que pertencem ao grupo. Como pude verificar em campo, boa parcela dos ativistas do Identidade passa a viver em Campinas em procura de emprego, ou de estudos em uma das universidades da cidade. Apesar de algumas das pessoas que se mudam para a cidade permanecerem nela após terminarem seus estudos, muitas delas mudam-se novamente em busca de emprego, ou retornam para suas cidades de origem. Essa rotatividade de !

41

membros e suas pertenças partidárias parece ter feito com que, na sua origem, o Identidade fosse mais próximo ao PT. No início da realização do trabalho de campo, por volta de 2010, o PSTU era apontado como principal aliado partidário do grupo. Na atualidade, o partido que tem estado mais próximo é o PSOL. Essa rotatividade dos membros e as aproximações partidárias também estão ligadas à mudança no ideário político do Identidade. Tais variações delimitam fases na trajetória do Identidade. Essas fases, identificadas nas entrevistas dos membros da organização ativista, dizem respeito à maneira pela qual o grupo se organiza e como se relaciona com os demais atores sociais presentes no “campo” (SWARTZ, 1967; SANTOS, 1977), ou seja, são mudanças tanto no ideário político quanto no modo de atuação. A variação de integrantes, por sua vez, não se restringe apenas a haver membros mais ou menos atuantes em cada momento do grupo, implicando uma acentuada rotatividade. O grau de renovação de quadros fica patente ao observarmos que apenas um dos membros do grupo está presente no Identidade desde sua fundação. As fases ressaltadas aqui foram aquelas que adquiriram relevância a partir das falas, se não de todos, da maioria dos entrevistados. A primeira fase pode ser delineada como tendo início após a estruturação do grupo, em 1998. As discussões iniciais resultaram na existência formal do Identidade, que passou a atuar contra a discriminação e o preconceito por orientação sexual e identidade de gênero, organizando manifestos e atuando pelo recurso a vias jurídicas, processando estabelecimentos comerciais. A segunda fase foi marcada pela execução de projetos e pela atuação na organização da Parada LGBT local. Nesse período, os recursos vindos desses projetos ajudavam a manter o grupo funcionando, além de colaborar para sua atuação cotidiana, apoiando atividades como a organização da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Dentre os projetos, podem ser ressaltados o de prevenção às DST/Aids e o “Cidadania na Pista”. O primeiro foi realizado com travestis nas zonas de prostituição do município de Campinas. O segundo projeto visava criar um espaço onde travestis que não militavam no Identidade pudessem se relacionar com integrantes do grupo fora dos locais de prostituição e do âmbito das ações visando a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Outro foco importante da atuação do grupo nesse período foi a luta por políticas públicas locais para LGBT no Orça!

42

mento Participativo (OP) da cidade. A atuação do Identidade e de outros grupos da cidade no OP e na política institucional como um todo será tratada mais adiante neste capítulo. A convivência entre diversas matrizes ideológicas de esquerda, com diferentes graus de radicalidade, que se faziam sentir no grupo, trazia em si tensões que o levaram a outra fase. Depois de um período atuando como ONG, uma parcela do grupo, aquela que continuou no Identidade, passou a questionar esse formato. A preocupação desses integrantes dizia respeito aos impactos que o financiamento dos projetos por órgãos ligados ao Estado poderiam ter sobre a autonomia da organização. Nesse processo, a maioria dos integrantes concordou que o grupo passou por experiências negativas na relação com o Estado mediada por projetos, como cobranças e exigências, tidas como indevidas, na prestação de contas, além da limitação na possibilidade de crítica ao Estado, gerada pelo recurso à execução de projetos apoiados financeiramente por verbas públicas. Decidiu-se, desse modo, que os projetos deveriam ser deixados de lado para que a atuação se voltasse mais para o formato de movimento social. Nesse momento, a parcela de integrantes que acreditava que o modelo ONG era mais interessante para atuar deixou o Identidade. O período que se segue – a terceira fase – pode ser considerado o mais radical do grupo. Essa radicalização fica evidente na mudança da própria definição dada ao grupo. Antes desse processo, o nome já havia passado por uma mudança: de “Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual” para “Grupo de Ação pela Cidadania de Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Bissexuais”. Essa primeira mudança tinha por foco um caráter descritivo em relação à diversidade do sujeito político que compõe o grupo e a visibilidade das diferentes demandas e identidades. Num primeiro momento, os ativistas acreditavam que o termo “homossexual” abarcava todos os militantes, porém, depois de algum tempo, o grupo acreditou que as caixinhas – termo do qual se utilizam para se referir às diversas identidades políticas abarcadas pelo movimento – deveriam estar definidas no nome do grupo. Esse processo do Identidade acompanhou tendências presentes no movimento em âmbito nacional a partir do final dos anos 1990, a multiplicação e explicitação de categorias que compõem seu sujeito político (FACCHINI, 2005; FACCHINI; FRANÇA, 2009; FACCHINI, 2009; SIMÕES; FACCHINI, 2009). A definição mais recente do Identidade, no entanto, é “Grupo de Luta pela Diversidade Sexual”. Nota-se claramente uma radicali!

43

zação na mudança do termo ação para luta, mudança que está diretamente relacionada à discussão e à crítica feita pelo grupo ao modelo de ONG e às relações que tenderia a estabelecer com agências estatais e com outros atores sociais. A mudança no nome ocorreu em 2008, entretanto ela é um sinal das discussões que já vinham ocorrendo no grupo antes disso. Outro sinal claro da discussão travada no coletivo é a substituição das categorias ligadas às identidades, organizadas hierarquicamente – LGTTB, que se diferenciava por trazer o L no início e o B no final num momento em que a maior parte dos grupos mistos em São Paulo se referia como GLBT –, pelo termo diversidade sexual, que dilui essas categorias tidas como identitárias19. Os entrevistados apontaram ainda uma quarta fase que se delineava no período pós 2010. Tal fase estaria relacionada aos debates realizados no grupo sobre a retomada da execução de alguns projetos em parceria com o Estado, através dos editais de DST/Aids. É importante ressaltar, no entanto, que os ativistas entrevistados enfatizam a manutenção de uma relação crítica em relação ao Estado a despeito dos apoios obtidos. Portanto, o que o Identidade pretendia não era voltar ao formato de ONG, mas buscar uma maneira de executar alguns projetos, que permitissem sustentar financeiramente o grupo, sem deixar de agir como movimento social, ou seja, sem abandonar as manifestações e as críticas às instituições públicas. Esse processo de radicalização teve grande influência nas relações do grupo com órgãos governamentais, como o Centro de Referência LGBT de Campinas, como veremos no próximo capítulo. Essa quarta fase, talvez, tenha sido a mais rápida pela qual o grupo passou. A intenção do Identidade de se manter a partir de algumas parcerias com o Estado por meio !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 19

A adoção do termo diversidade sexual está ligada aos debates em torno das teorias pós-identitárias. Esse termo “pós-identitária” não é de uso corrente na academia, tratando-se de uma apropriação, por parte do grupo, do conhecimento acadêmico. As entrevistas apontam que a utilização está ligada à crítica a noções que tomam identidades como fixas e entre as principais inspirações teóricas do grupo estaria Judith Butler, filósofa norte-americana. No entanto, é importante ressaltar que os ativistas do grupo enfatizam o caráter empírico da crítica à fixidez das identidades: foi a partir de experiências que vieram da vivência do grupo que começaram a se questionar sobre a suposta fixidez e procurar pesquisas e estudos sobre o tema. Essa perspectiva se tornou cada vez mais presente com o processo de radicalização do grupo, impactando inclusive o modo como o grupo se denomina.

! !

44

dos projetos foi minada por uma redução da oferta, por parte do Estado, de recursos para ONGs. Cabe ressaltar que essa redução não tem caráter local, sendo um processo que se dá nos diferentes âmbitos de governo. Tal diminuição levou o grupo a repensar sua atuação. O grupo, nesse período, continuou a agir por maneiras institucionais, como processar agressores e estabelecimentos homofóbicos por meio das leis: Lei Municipal 9809/1998 e a Lei Estadual 10948/2001. A primeira dispõe sobre a atuação da municipalidade, dentro de sua competência, nos termos do Inciso XVIII, do Artigo 5º, da Lei Orgânica do Município de Campinas, para coibir qualquer discriminação, seja por origem, raça, etnia, sexo, orientação sexual, cor, idade, estado civil, condição econômica, filosofia ou convicção política, religião, deficiência física, imunológica, sensorial ou mental, cumprimento de pena, ou em razão de qualquer outra particularidade ou condição” (Lei Municipal n. 9809 de 1998).

A segunda lei “dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual e dá outras providências (Lei Estadual n. 10948 de 2001)”. O Identidade foi, também, responsável pela organização de algumas manifestações, como um beijaço20 contra a discriminação que um casal de estudantes da Unicamp teria sofrido por parte de um funcionário da franquia de fast food McDonalds, em loja localizada no Centro de Campinas. Além disso, continuou a organizar manifestações na Parada do Orgulho da Diversidade Sexual de Campinas, como já vinha fazendo nos anos anteriores. Identidade e Mo.Le.Ca: da cisão à reaproximação Apenas dois anos após sua fundação, em 2000, o Identidade passa por um processo de fissão, do qual surge o Mo.Le.Ca. (Movimento Lésbico de Campinas). O coletivo foi fundado por algumas das mulheres que frequentavam o Identidade, mas que sentiam !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 20

Segundo França (2012: 239, nota 14), “O ‘beijaço’ é um tipo de protesto que vem se tornando comum no movimento LGBT desde o início de 2000. Nos mesmos moldes do kiss-in, tática política do movimento nos Estados Unidos e Europa, o “beijaço” consiste numa demonstração pública de afeto entre homossexuais em locais em que essa prática é coibida, buscando visibilidade para esse público”.

!

45

necessidade de um espaço onde as discussões fossem voltadas para sua especificidade enquanto lésbicas. Num primeiro momento, Identidade e Mo.Le.Ca se distanciaram, em decorrência da própria cisão, encontrando-se principalmente por ocasião da organização da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Nessas atividades, segundo entrevistados do Mo.Le.Ca. e do Identidade, ficavam claras as divergências ideológicas entre os dois grupos. O passar dos anos, contudo, assistiu a uma reaproximação lenta e gradual entre as duas organizações, sendo que, no fim da existência do Mo.Le.Ca, ambos passaram a dividir a mesma sede no centro de Campinas. Em meados de 2010, a coordenadora do Mo.Le.Ca. – única fundadora que ainda permanecia no grupo até então – solicitou apoio das mulheres que integravam o Identidade para ocupar vagas remanescentes na direção do grupo lésbico, que tinha sua existência formal ameaçada pela falta de quadros. No início da realização de minha pesquisa com o movimento LGBT, em 2010, os dois grupos compartilhavam não apenas a sede, como também integrantes. Em campo, o termo reabsorção ou absorção foi utilizado para definir o processo que levou o Identidade a dividir a sede e seus membros. Mateus, ativista que tem posição de liderança e que, apesar de não militar no Identidade desde a fundação participa há muito tempo, comenta sobre esse processo de reaproximação entre os dois grupos: Com o Mo.Le.Ca, foi uma crescente, a aproximação, lenta, gradual, mas foi crescente. Não teve muitos altos e baixos. (...). É... agora, no final, com o Mo.Le.Ca., agora o Identidade e o Mo.Le.Ca., a gente praticamente assim, assinava documentos, assinava cartas públicas (...) de tanto que a gente tava (...) harmonizado o discurso. (...). É... e como a gente tinha uma militância feminina, ou de mulheres, é... no Identidade, e a gente já tava com um discurso bem tranquilo, prática aí de dois três anos de aproximação sem conflitos, grandes conflitos, foi fácil a gente chegar na conclusão de: “vamos dividir a sede”, “vamos nos ajudar”. Elas tinham dinheiro, tinham financiamento, conseguiam se manter, a gente tava precisando. (entrevista com Mateus, julho de 2011)

!

46

Na sequência, quando pergunto a ele se os dois grupos estão se tornando uma coisa só. Ele responde: Não tenho dúvida disso. Na última eleição do Mo.Le.Ca, a Ana fez uma eleição com a gente, teve uma... o lance é ó... nós não queremos mais é... garantir a sobrevivência do Mo.Le.Ca., puxando reunião, precisando escrever projeto, viabilizando projetos, prestando contas. Nós não queremos mais isso, elas falaram. Aí a gente falou: “olha, mas nós não queremos que o Mo.Le.Ca., morra, que a história do Mo.Le.Ca. morra”. (...) Aí as meninas do grupo foram para a reunião do Mo.Le.Ca., de comum acordo com a Ana e assumiram a coordenação do grupo, junto com ela. Ela ainda tá, então você vai ver a relação de coordenadores do Mo.Le.Ca., metade, meninas do Identidade. Os dois grupos são uma coisa só hoje, né, a gente toma decisões... as reuniões do Mo.Le.Ca.... não existe assim convocação pras reuniões do Mo.Le.Ca. mais, se o Identidade vai lançar uma carta pública, o Mo.Le.Ca. já assina junto (entrevista com Mateus, julho de 2011).

Portanto, no decorrer de suas trajetórias, Identidade e Mo.Le.Ca., ao poucos, voltaram a se tornar um mesmo grupo. Passando primeiro a dividir a mesma sede, depois, voltaram a trabalhar juntos, para, por fim dividirem os mesmos membros. Voltando à fundação do Mo.Le.Ca., é necessário, ainda, ressaltar que, apesar de uma parte das mulheres terem deixado o Identidade para compor o Mo.Le.Ca., o primeiro seguiu sendo um grupo misto e no período da pesquisa contava com uma presença de homens e mulheres trans, travestis e lésbicas. Foi justamente o caráter misto do Identidade que possibilitou o convite para que ativistas do mesmo passassem a ocupar também posições no grupo de lésbicas, visto que o estatuto deste último reserva posições na diretoria apenas para mulheres. Essa tensão entre lésbicas e gays, que levou uma parcela do Identidade a formar o Mo.Le.Ca., é uma tensão presente no movimento LGBT brasileiro desde seus primórdios. MacRae (1990) relata um momento em que um grupo de mulheres deixa o Somos para fundar seu próprio grupo em decorrência da necessidade de um espaço de discussão que – !

47

nas palavras das dissidentes do Somos assim como entre aquelas que fundaram o Mo.Le.Ca. – fosse voltado para as especificidades das questões lésbicas. Muitas dessas mulheres, por fazerem parte de grupos compostos majoritariamente por homens, o que é muito comum em grupos identificados como mistos, acabavam se sentindo menos visibilizadas e contempladas nas discussões, portanto, ocupando um lugar hierarquicamente inferior no movimento (MACRAE, 1990; SIMÕES, FACCHINI, 2009). Um primeiro lugar de tensão que foi possível perceber no desenrolar da trajetória do Identidade, está relacionado a assimetrias de gênero no movimento LGBT. Outros temas que envolvem mudanças e delimitam disputas e debates no interior do grupo dizem respeito ao modo como articular um discurso político em torno da sexualidade e às estratégias relacionadas à menor ou maior institucionalização do grupo. Assim sendo, como aponta Facchini (2005), se os “rachas” do movimento estão presentes desde a criação do primeiro grupo ativista LGBT, o Somos, com o decorrer do tempo eles não deixaram de acontecer. Os grupos continuam a se reproduzir a partir de lógicas de fusão e fissão, se vimos, no primeiro caso, o da fundação da Identidade, um caso de fissão, a reabsorção do Mo.Le.Ca. pode ser pontuada como um processo de fusão dos grupos. Cabe pontuar ainda que as próprias relações entre Mo.Le.Ca. e Identidade estão fortemente pautadas pelo contexto político da “terceira onda” do movimento. Para explicar tal afirmação recorro a uma citação da fala de Mateus, que apresentei páginas acima. Além da possibilidade de interlocução ser baseada, segundo Mateus, em um discurso harmonizado entre as instituições, ela mobiliza também a importância dos financiamentos do Mo.Le.Ca. para o Identidade. O Identidade, no decorrer de sua trajetória, realizou algumas parcerias com Programas de DST/Aids, em diferentes âmbitos – municipal, estadual e federal – apesar disso, em um desses projetos, o grupo teve dificuldades relacionadas a prestação de contas. Segundo ativistas do grupo, apesar de as contas terem sido prestadas, o governo, por algum problema, jamais teria recebido tais prestações, o que fez com que o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) do grupo ficasse sujo. Dessa maneira, não era possível aos membros do grupo concorrem em processos seletivos para realização de novos projetos, que, !

48

muitas vezes, colaboravam no financiamento do grupo. Uma das fundadoras do Mo.Le.Ca., ressalta a importância do CNPJ limpo para o Identidade: Teve uma época que o Identidade tava com problema no CNPJ (...) e eu falei assim: “Olha, o Mo.Le.Ca. tem um CNPJ que por enquanto ainda está ordem, né, não sei até quando que vai durar isso aí, né. Então é interessante vocês assumirem essa... a herança do Mo.Le.Ca.”. Porque você vê lá, os móveis, os bens, os computadores. As coisas que estão lá, a maior parte, ou grande parte, ou pelo menos metade das coisas que estão lá são do Mo.Le.Ca. (Entrevista com Ana, junho de 2011).

Assim sendo, como boa parte dos grupos da “terceira onda”, o Identidade possuía um caráter institucionalizado, com registro de pessoa jurídica. Uma vez que esse registro encontrava-se com algumas pendências, poder utilizar o registro de outro grupo poderia ser de fundamental importância para que Identidade pudesse realizar algumas ações. Apresentei nesta seção o surgimento dos primeiros grupos ativistas LGBT de Campinas, buscando ressaltar características que compartilham com a maior parte dos grupos criados a partir de meados dos anos 1990, além de indicar os processos políticos que marcaram a emergência de cada um desses grupos. No início deste capítulo, tratei do processo de institucionalização do movimento LGBT em âmbito nacional, ressaltando a intensificação das relações entre o movimento LGBT e o Estado. Na seção que segue aproximo o foco do olhar em relação às relações entre ativistas e gestores estatais a partir de dois casos locais: o da inclusão dos homossexuais enquanto segmento no Orçamento Participativo de Campinas (OP) e a posterior criação, por meio do OP, da primeira política pública brasileira de combate a homofobia a oferecer assistência social, jurídica e psicológica para LGBT, o Centro de Referência LGBT de Campinas.

O OP de Campinas e a intensificação das relações com o Estado Em 2001, com a posse do novo prefeito eleito no ano anterior, Toninho do PT, tem início o processo de criação do Orçamento Participativo (OP) de Campinas. No modelo

!

49

escolhido pela administração municipal, o OP seria composto por um conselho com representantes da sociedade civil. Tal conselho era dividido em eixos temáticos e em quatorze regionais. Os eixos temáticos eram os seguintes: saúde, assistência, cidadania, cultura e esporte, desenvolvimento econômico, educação e gestão. Algumas dessas temáticas eram divididas, ainda, em categorias ou subcategorias. Wampler (2008:67) define o Orçamento Participativo brasileiro como uma instituição participativa de amplo alcance, cuja iniciativa coube a governos municipais e a ativistas da sociedade, movidos pela esperança de criar processos orçamentários públicos, abertos e transparentes, que permitissem aos cidadãos se envolverem diretamente na seleção de resultados específicos de políticas públicas.

Segundo este autor, esse tipo de ferramenta de gestão participativa foi utilizado pela primeira vez por um governo do PT, na prefeitura de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, no ano de 1989. Mais de dez anos antes de ser utilizado por uma gestão, também petista, em Campinas. Apesar de ter sido inaugurado no Brasil pelo PT, no período entre 1989 e 2004, todas as cidades com mais de cem mil habitantes adotaram o OP, sejam elas governadas ou não pelo PT. Além disso, o autor chama atenção para o fato de que “por volta de 2001, praticamente dois terços das novas adoções do OP ocorriam em cidades que não eram administradas pelo PT” (Idem, ibidem; itálico do original). Ainda que cidades administradas por outros partidos políticos tenham implementado OPs em suas administrações, é importante retomar as observações de Daniliauskas (2011) sobre a importância de levar em conta a relação entre o PT e movimentos sociais, bem como sua ênfase na participação política para compreender o modo como políticas públicas e mecanismos de gestão participativa são implementados. Tanto a criação do OP em Porto Alegre, quanto sua versão campineira e a realização das Conferências Nacionais LGBT, podem ser analisadas a partir desse ângulo que vê, no partido, uma preocupação política com a relação com suas bases, ao menos até o fim do governo Lula. Retomando o caso Campineiro, apesar de ser uma política participativa pautada nos movimentos sociais, um deles havia ficado de fora, o movimento LGBT. Em decorrência disso, os ativistas dão início a uma intensa mobilização local para que a questão LGBT !

50

e as demandas do movimento organizado fossem alocadas no OP. A denominada luta pela inclusão dos homossexuais no OP teve êxito, essa inclusão se deu a partir do eixo temático dedicado a questões de cidadania. Dessa maneira, os homossexuais dividiam esse eixo com negros, idosos, jovens, portadores de deficiência e mulheres, cada um desses grupos, escolhia seu representante para compor o conselho da cidadania do OP. O processo de inclusão dos homossexuais no OP foi marcado por negociações entre os grupos ativistas LGBT da cidade e representantes do executivo municipal. Segundo os entrevistados, nas negociações, foi necessário demonstrar a vulnerabilidade e a violação de direitos que sofriam os LGBT enquanto grupo social. A partir daí, com a integração, ainda que trabalhosa, dos grupos homossexuais ao OP, seus representantes poderiam propor e avaliar políticas públicas municipais. A dificuldade em conseguir que as demandas fossem atendidas é ressaltada por Lucas, ex-ativista do grupo Identidade que atuou por um período como gestor público no município: Sempre é difícil né, mas a gente entrou. Porque assim, em primeiro lugar que a gente não tinha sido... nós não havíamos sido convidados, e aí a gente fez as defesas, enfim, as nossas justificativas de que éramos um grupo social vulnerável, um grupo social que tava... que tinha vulnerabilidades específicas, que tinha direitos violados e tudo mais, né (Entrevista com Lucas, fevereiro de 2012, grifos meus).

Interessante notar que os homossexuais apareçam aqui como um segmento vulnerável da população local. Além de a vulnerabilidade ser requerida como pré-requisito para a produção de políticas públicas, temos aqui, novamente, o impacto das “conexões ativas” (DOIMO, 1995) na produção da linguagem que ativistas passam a lançar mão. De acordo com Facchini (2009), as noções de segmentos populacionais e de vulnerabilidade estão entre os termos em torno dos quais se dão a interlocução entre movimento social e Estado nos anos 2000, num contexto marcado por intensa segmentação de políticas públicas e de sujeitos políticos. Esse agenciamento da ideia de vulnerabilidade expressa também o que Daniliauskas (2011) apontou como um “(re)conhecimento mútuo” entre movimento LGBT e Estado. Neste caso, os ativistas aprendem a utilizar a linguagem estatal das políticas públicas. !

51

Com a alocação dos homossexuais na temática cidadania do OP, o movimento ficou incumbido de escolher um conselheiro para representar a causa na cidade. Na votação para os representantes, membros da sociedade civil organizada escolhiam uma das temáticas ou subtemáticas com a qual se identificavam, após a escolha, indicavam quem desejavam que fosse seu representante no conselho do OP. Fernanda, que editava o jornal Aos Brados, foi a escolhida para representar o movimento LGBT no conselho. Apesar de ter sido escolhida a partir de uma votação, como veremos mais adiante, a ocupação desse cargo por Fernanda não ocorreu sem disputa com os demais grupos da cidade21. Uma vez implementado o OP, representantes do movimento LGBT apresentaram sua primeira proposta: a criação de um Disque-Defesa Homossexual (DDH) que recolheria denúncias de homofobia. No ano seguinte, em 2002, esse projeto foi aprovado e como resultado das negociações do movimento com a Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da cidade – órgão responsável pela criação do serviço proposto ao OP – os representantes do movimento LGBT, depois de alguma disputa, indicaram um ativista do grupo Identidade para coordenar o serviço, Lucas. Ainda entre os anos de 2001 e 2002, os representantes do movimento LGBT de Campinas se reuniram no Museu de Imagem e Som (MIS) para discutir os projetos que seriam apresentados ao OP. Depois de aprovado o Disque-Defesa Homossexual, as discussões giravam em torno da proposição de um Centro de Referência LGBT e da indecisão em relação ao lugar do DDH caso o CR fosse aprovado: seria um serviço separado ou se passaria a integrar os serviços prestados pelo Centro de Referência LGBT. Para melhor compreensão de tal acontecimento pelo leitor, trago o depoimento de Mateus: (...) eu lembro que as pessoas estavam reunidas em grupos de temas, então tinha uma galera discutindo projeto de educação, outra galera discutindo projeto de saúde e tal, tal. (...)E aí, eu fiquei, na de cultura, (...) João, Maria, Lucas, (...) ficaram responsáveis pelo projeto do Centro de Referência e do Disque-Defesa. (...) Era difícil... (...) organizar, amenizar, orquestrar as vontades... as ideias que as pessoas tinham pros espaços. (...) A solução começou a surgir quando alguém propôs que o Disque-Defesa

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

21

!

No Capítulo III trago mais informações sobre a gestão de Fernanda no Orçamento Participativo. 52

fosse um serviço em separado em relação ao Centro de Referência. Aí (...) eu fico pensando, por quê né? (...) Eu acho que tem muitas razões, mas certamente uma delas é que... pô, aí você tem dois gestores, né? Bom, aí você tem duas pessoas disputando espaço, e você tem mais espaço pra elas. Bom, se a Maria não fosse ficar na coordenação do Centro de Referência, o Lucas ficaria e ela ia pra outro, sabe? Eu acho que tinha um pouco disso, mas também não só numa disputa do tipo esse lugar tem que ser meu, não tem que ser só seu, mas de... nós precisamos ter mais gente lá. Então se você tem dois gestores, é melhor do que ter um (Entrevista com Mateus, novembro de 2011, grifos meus).

A fala de Mateus evidencia que o debate em torno da unificação ou não das duas políticas, DDH e CR, estava ligado a um desejo de parcela dos debatedores de possibilitar o acesso de mais de um ativista ao Estado, ou da possibilidade de abertura de mais de um canal de interlocução entre técnicos e gestores estatais e o movimento LGBT. Naquele momento, se valorizava a possibilidade de que mais de um ativista pudesse fazer a interlocução com o poder estatal a partir de dentro do próprio Estado22. Ainda em 2002, o movimento LGBT apresentou ao OP o projeto, aprovado no mesmo ano, de criação do CR, que ofereceria assistência social, jurídica e psicológica a LGBT. A escrita do projeto envolveu ativistas do Identidade, do Mo.Le.Ca., o fundador do E-Jovem e de ativistas que, mais tarde, fundariam Aos Brados!!. As discussões realizadas no MIS levaram a certo consenso sobre a importância do CR, em consequência disso, os ativistas elegeram a proposição do serviço como prioritária, fazendo com que os ativistas apresentassem o projeto ao OP sob o título “Prioridade Nº 1”. Ressaltando que, do conjunto de projetos enviados ao OP, aquele deveria receber especial atenção. É importante aqui um rápido parêntese para ressaltar algo de interessante acerca do processo de implementação do CR. Apesar de inaugurado em 2003 – antes mesmo do lançamento do BSH, lançado em 2004 e que tinha como um dos objetivos fomentar esses !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 22

Com o passar do tempo, no entanto, essa conjuntura se alterou. Em decorrência das acirradas disputas entre movimento LGBT e o Estado (ver capítulo 2), por muito tempo, parcela dos ativistas, principalmente aqueles que faziam parte do Identidade, deixaram de ver o Estado como um possível aliado.

!

53

centros – a existência formal dessa política pública só foi regulamentada no ano seguinte, a partir do decreto municipal nº 14.787, de 28 de junho de 2004, que aloca o CR “junto à Coordenadoria de Proteção Especial, do Departamento de Cidadania, da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e da Cidadania23”. Mesmo que em âmbitos distintos, a implementação e realização de políticas antes de sua existência legal foi notada por Daniliaukas (2011), na criação do Programa Brasil sem Homofobia. Embora o BSH tenha sido lançado em 2004, foi apenas depois de 2009 que uma coordenação formal foi criada para o programa. Apesar da aprovação do projeto CR, no mesmo ano em que foi enviado ao OP, segundo os entrevistados, a implementação do CR foi demorada, o que – em conjunto com as dificuldades no processo de negociação – desgastaram as relações dos ativistas, principalmente os que faziam parte do Identidade, com o Estado, representado pela Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ). O principal ponto de tensão foi a demanda do movimento por indicar todos os funcionários da nova política. Na negociação, o movimento pôde indicar a advogada, que era integrante do Mo.Le.Ca. Além disso, Lucas, o coordenador do DDH, se tornou também coordenador do CR, o que resultou na incorporação do DDH à nova política. Os demais funcionários foram contratados através de edital da prefeitura. É com a criação do Centro de Referência que surgem as figuras dos ativistasgestores em Campinas. Esses ativistas-gestores, como veremos, são Lucas e Mara. Lucas foi o primeiro coordenador do CR e Mara o substituiu quando este deixou cargo. A trajetória desses dois atores será trabalhada no próximo capítulo com a finalidade de obter um foco ainda mais próximo para o cotidiano das relações entre movimento e Estado. !

!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 23

CAMPINAS. Decreto N° 14.787, de 28 de junho de 2004. Reorganiza a coordenadoria de proteção especial do departamento de cidadania da secretaria municipal de assuntos jurídicos e da cidadania e dá outras providências. Diário Oficial do Município, 2004, p. 8. Disponível em: . Acesso em 11.dez.2014.

!

54

Capítulo II: Pedras e Vidraças: trânsitos, tensões e limites entre movimento e Estado Em decorrência de meu apreço por Márcia, expressei minha felicidade em relação à sua nomeação, pelo Identidade, para ocupar o cargo de coordenadora da CPDS. Todavia, Júlio se mostrou preocupado. Sem entender sua apreensão, perguntei a ele o motivo. Segundo ele, o Identidade não teve uma experiência positiva ao indicar alguém para trabalhar no Estado, alusão clara, ainda que o nome não tenha sido citado, a Lucas, que fora ativista do Identidade, coordenador do CR e coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas (…). Ele apontou ainda outra questão: “Uma coisa é ser a mão que joga a pedra, outra, é ser janela onde ela é atirada, o vidro é frágil”. (Diário de Campo, Observação no Centro de Referência, 04.03.2013).

O trecho em questão é a descrição de minha observação, registrada sob a forma de diário, do que foi a minha primeira visita de campo ao CR, durante a realização da pesquisa de mestrado. Sua menção no início do capítulo se justifica por elucidar as questões centrais que pretendo tratar aqui: as relações entre Estado e movimento LGBT e os trânsitos e múltiplos pertencimentos institucionais dos sujeitos que se tornaram possíveis no período pós-redemocratização (FACCHINI, 2009; DOIMO, 1995). Como evidenciado no excerto, Júlio, o advogado do CR, e eu conversávamos sobre a coordenação da Coordenadoria de Políticas para Diversidade Sexual (CPDS), que se encontrava vacante desde a exoneração de Lucas, no início de 201324. A fala de Júlio, como apontei no diário, faz alusão clara à trajetória de Lucas, que será apresentada no decorrer do capítulo, assim como nas demais falas de outros interlocutores, essa trajetória política não é muito bem vista e Lucas passa a ser visto como um traidor do movimento. No entanto, existe, ainda, outra ponderação na fala de Júlio, ele parece apontar para uma dificuldade em ser gestor. O que fica evidente aqui é uma fragilidade na posição de gestor que, na fala de Júlio, não parece existir na de ativista. Essa fragilidade parece re!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 24

!

As disputas em torno da CPDS serão tratadas no próximo capítulo. 55

tomar o argumento utilizado por outros gestores de que a atuação de alguém como gestor ou técnico seria mais engessada, ou limitada, diferentemente da ação ativista que aparece na fala, tanto de ativistas, quanto de gestores, como uma atuação demandante do Estado. Além disso, a operacionalização da oposição entre a mão que atira a pedra e a janela, como metáfora para a relação entre gestores e ativistas, ao expor a fragilidade do vidro, material do qual é feita a janela, coloca em evidência a posição do gestor como uma posição constantemente controlada pelo movimento social, aquele que atira a pedra. Assim sendo, para continuar a discussão que acabo de iniciar, apresento, a seguir, narrativas acerca das trajetórias de dois gestores municipais LGBT, tais narrativas são tratadas aqui como casos, possibilitando uma “análise em zoom” dos fenômenos acima citados. A partir desses trânsitos e múltiplos pertencimentos de meus interlocutores, pretendo ainda discutir como os diversos atores, dentro dessa rede, produzem e reproduzem o que concebem como Estado e movimento social e qual seria o papel de ambos. Além disso, a discussão terá como foco a produção discursiva, o agenciamento e o tensionamento e as disputas em torno da noção de ativista e/ou militante25. Meu argumento aqui segue referencial teórico acerca das relações entre movimento e Estado, bem como uma reflexão mais ampla das preocupações antropológicas em torno do Estado (GUPTA, 1995; MITCHELL, 1991, 1999; SHARMA, 2006; AGUIÃO, 2014). Dessa maneira, procuro indicar que existe uma separação discursiva entre o que se compreende como Estado e aquilo que é compreendido como movimento social. No entanto, na prática diária dos atores envolvidos no “campo” do movimento LGBT em Campinas, essa mesma separação é manejada e, muitas vezes, borrada pelos meus interlocutores. Apresentadas as considerações, passemos agora as narrativas sobre as trajetórias de Mara e Lucas, que serão o fio condutor para as reflexões aqui propostas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 25

É importante ressaltar que, no geral, essas duas categorias tem sido utilizadas como sinônimos por meus interlocutores. Alguns momentos, no entanto, elas são manejadas a partir de diferenciações contingenciais, que tomam uma ou outra como mais ou menos política. Sempre que elas aparecem em itálico, referem-se a categorias êmicas utilizadas pelos interlocutores. Quando aparecerem grafadas normalmente, no entanto, podem ser consideradas como sinônimos. Utilizo ambas com o objetivo evitar uma repetição excessiva de palavras.

!

56

Lucas Lucas foi um importante membro do movimento LGBT em Campinas, tendo participado da criação do segundo grupo ativista de que se tem notícia na cidade, o Identidade, que é também a organização mais antiga em atividade em Campinas. Com os anos 2000 e uma abertura no diálogo proveniente pelo OP, ele deixa de ser apenas ativista para compor também os quadros estatais, o que, naquele momento, foi uma demanda dos próprios ativistas do movimento LGBT. Em seguida, em decorrência das relações tensas entre movimento e Estado, abandona o grupo ativista em que militava para manter-se na gestão, o que acabou por produzir mais tensão, que se intensificou ainda mais com a criação da CPDS e a nomeação de Lucas para coordená-la. A trajetória política de Lucas, produzida a partir de sua narrativa, que será retomada nas páginas que seguem, pode ser demonstrada, em resumo, no quadro 2. Quadro 2 - Trajetória de Lucas

Torna-se militante do Expressão Funda o Identidade Torna-se coordenador do DDH Torna-se coordenador do CR Saída do Identidade Torna-se coordenador CPDS Exoneração da CPDS

1997 1998 2002 2002 Por volta de 2005, 2006. 2010 2013

Lucas é de Santo André, Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Nasceu na década de 1950. No que diz respeito à sua sexualidade, identifica-se como gay, ou homossexual, já no que concerne à sua cor/raça, identifica-se como pardo. Sua mãe trabalhava como doméstica e seu pai como mecânico de automóveis. Apesar de ter nascido no ABC Paulista26, sua família era de migrantes, a mãe baiana e o pai mineiro. Formou-se em 1980 em Publicidade e Propaganda, em uma faculdade em São Bernardo do Campo, também no ABC Paulista. Trabalhou na área por algum tempo. Qua!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 26

De acordo com Silva (2013), a região do Grande ABC Paulista é formada pelos seguintes municípios: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Os municípios do Grande ABC fazem parte também da RMSP. Além disso, a região conhecida hoje como Grande ABC teria se institucionalizado entre os anos 1990 e 2000.

!

57

tro ou cinco anos depois, decidiu abrir sua própria confecção. Nesse período, continuou a viver com seus pais. Sua mudança para o que hoje é a Região Metropolitana de Campinas (RMC) teve causas externas. Lucas afirma ter perdido tudo o que possuía na época do governo Collor. Essa perda material causou-lhe grande depressão. Uma amiga que estava para se mudar da RMSP para Cosmópolis, cidade que faz parte hoje da RMC, convidou Lucas a mudar-se com ela. Atualmente Lucas vive com seu companheiro e um filho adotivo em Campinas. Seu primeiro contato com o movimento LGBT teria se dado já nos anos 1990, entre 1996 e 1997, em Campinas. Informado por uma notícia de jornal da existência do Expressão e de suas reuniões dominicais, e impulsionado pelo que descreve como um desejo de entrar em contato com outras pessoas que se identificassem como homossexuais, Lucas decidiu participar de uma reunião do grupo. Estar com seus iguais foi a motivação para se tornar frequente às atividades do grupo e para buscar compreender sua própria sexualidade, para, em seguida, fazer com que ele se interessasse pela militância, de fato. Antes de militar no movimento LGBT, diferentemente de outros ativistas com os quais tive contato na pesquisa, Lucas não fez parte de nenhum movimento social. Não havia participado nem do movimento sindical, nem do estudantil – movimentos com os quais a maioria dos interlocutores da pesquisa teve alguma relação27. Como vimos no capítulo anterior, pouco tempo depois da entrada de Lucas no Expressão, alguns de seus membros, dentre eles o próprio Lucas, deixaram o grupo e criaram um novo coletivo, o Identidade, em 1998. Segundo Lucas, o desligamento dos ativistas que fundaram o Expressão teria ocorrido em decorrência de um caráter pouco político do coletivo, que girava em torno das festas e boates. Nos primeiros anos de atuação no Identidade, Lucas dedicava muito tempo de seu dia-a-dia à militância no Identidade, organizando e participando de atividades. Esteve envolvido em conjunto com ativistas do grupo e dos demais coletivos da cidade, bem como, com militantes independentes, nas disputas municipais pela participação do movimento LGBT no OP de Campinas. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 27

Lucas foi o único ativistas do Identidade entrevistado que não teve passagem, ao menos, pelo movimento estudantil. Os demais entrevistados, além de vínculos com o movimento já citado, tem ou tiveram alguma ligação política com partidos.

!

58

Lucas se envolveu, também, na escrita dos diversos projetos que o movimento LGBT proporia ao OP. Dentre eles o do Disque-Defesa Homossexual e, posteriormente, o do então Centro de Referência GLTTB de Campinas. Quanto a este último, Lucas afirma não só estar envolvido na escrita, mas ter sido o próprio redator. Essa afirmação é utilizada por ele, diversas vezes com o objetivo de legitimar sua atuação no CR, contrapondo-se às críticas feitas por militantes do Identidade. Como vimos acima, com a criação do Disque-Defesa Homossexual, em 2002, o movimento LGBT, impulsionado pela força do Identidade no início dos anos 2000 em Campinas, elegeu Lucas como seu representante no serviço, mais tarde, com a criação do CR, Lucas passou, também, a coordenar tal serviço. De acordo com Lucas, a novidade de um Centro de Referência para LGBT e seu caráter excepcional, uma vez que era o único do país a funcionar naquele período, tornava-o também experimental, levando-se em consideração que não havia um modelo de política a seguir. É importante pontuar aqui que além de ser a primeira política pública desse tipo no país, e, portanto, sui generis, a criação do Centro em 2003, ocorreu antes do lançamento do BSH, que foi publicado em 2004. As primeiras ações no CR centraram-se, portanto, na articulação do movimento LGBT com as diversas Secretarias do município dentro do espaço do próprio CR. A ideia naquele período era que o CR se tornasse um articulador dos debates para a criação dos novos projetos para LGBT que poderiam vir a ser produzidos, além de tentar dar conta da execução dos projetos aprovados pelos “homossexuais” no OP. Esse caráter de centro das discussões e articulador das relações entre movimento social e os diversos órgãos estatais era o que, segundo os ativistas, seria seu objetivo central ao propor essa política pública. A ideia era produzir um canal de interlocução específico para as demandas do movimento LGBT. Como pode ser visto no excerto, do projeto de criação do CR enviado ao OP, que trata dos objetivos da nova política que foi proposta naquele momento: 1.2 O objetivo geral do Centro é o fomento de políticas e ações públicas voltadas à população GLTTB, nas seguintes áreas: Cidadania e Direitos Humanos; Cultura; Trabalho e Geração de Renda; Educação; Saúde; Assistência Social e Segurança.

!

59

1.3 Como objetivos específicos do Centro têm-se: promover o desenvolvimento de políticas que atendam às necessidades de valorização da autoestima, a afirmação da cidadania e a defesa dos direitos humanos da população GLTTB de Campinas, planejar e implementar projetos de capacitação profissional nas áreas que forem necessárias, difundir conhecimentos aos cidadãos e cidadãs e a outros órgãos públicos, planejar, estimular e implementar estudos e projetos relacionados ao assunto, gerenciar a interlocução e a ampliação do diálogo entre órgãos públicos e entidades envolvidos em projetos voltados a essa população. (S.A., 2002).

Apesar da proposta do movimento estar amparada em um centro articulador das demandas do movimento, na prática, o serviço foi implementado centrado na oferta de assistência social, jurídica e psicológica para LGBT. O que levou, aos poucos, o serviço a articular menos as demandas do movimento e se centrar em suas atribuições formais. Com Lucas ocupando a coordenação do CR, em 2003, novos conflitos se instauraram. O descontentamento com o Estado por parte do Identidade, que até então estava centrado nas relações do grupo com a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Cidade (SAJ), na figura da própria secretária, passa agora a se centrar nas relações com o CR. A tensão e o descontentamento do grupo era com o serviço como um todo, mas centrava-se, principalmente na figura de Lucas, uma vez que que ele, além de coordenar o CR, era também membro fundador do Identidade. A intensificação das tensões entre Lucas e os demais ativistas do Identidade o levaram a reconsiderar sua participação no grupo. Pouco depois, entre 2005 e 2006 – ele não soube pontuar a data ao certo –, Lucas decidiu avisar os demais membros do Identidade de sua saída em uma das reuniões do grupo. Nessa reunião, lendo uma carta que redigiu para explicar sua saída, Lucas avisou aos demais membros que já não dava mais conta de se manter sendo ativista do Identidade e coordenador do Centro de Referência. E que, por isso, decidiu deixar o Identidade e para ser apenas gestor. Aqui cabe uma pausa para duas reflexões elaboradas pelo próprio Lucas nas entrevistas e durante meu trabalho de campo. A primeira delas, que também foi percebida por mim em campo, diz respeito à imagem que os ativistas do Identidade passaram a ter de Lucas. Segundo o gestor-ativista, sua saída do grupo fez com que membros do Identidade o vissem como um traidor do movimento.

!

60

A segunda está pautada nas tensões resultantes das relações entre ativistas e gestores. Para Lucas, num primeiro momento, os ativistas não tinham ideia de que a burocracia estatal operava em um tempo distinto daquele do movimento social, o que pode ter produzido mais tensão nas relações do Identidade com o próprio Lucas, uma vez que não viam suas demandas atendidas, ou ao menos não no tempo que esperavam que isso acontecesse. No entanto, cabe ressaltar, que Lucas afirma crer que, em um segundo momento, ainda que os ativistas estivessem cientes do tempo do Estado, eles tomaram sua saída do grupo como uma questão pessoal e, por isso, se opuseram diretamente a ele enquanto gestor. Voltando à saída de Lucas do Identidade, seu múltiplo pertencimento institucional resultou em tamanha tensão que Lucas não se sentiu capaz de manejá-lo e acabou deixando sua posição de militante no Identidade para atuar, somente, junto à prefeitura. Como o próprio Lucas afirma ao dizer que os ativistas veem-no como um traidor do movimento, seu desligamento do grupo levou alguns ativistas, a pensar nele como um exemplo ruim de ativista, exemplo que não deve ser seguido. Acerca dessa interpretação, trago a fala de Duquesa sobre Lucas: Lucas se desfiliou do Identidade, mesmo ainda se sentindo militante e foi ser representante do prefeito que é o que ele é hoje, e também o que ele tem feito nos últimos anos. Então eu acho que a gente também tem que se perguntar, como que um ativista... não é pra questionar a pessoa do Lucas, mas os processos mesmo de militância, né. (...) Como um ativista funda um grupo como o Identidade, representa o movimento social num governo democrático popular, e depois, em vez de ser o nosso representante lá, o que tem acontecido nos últimos eventos, ele é nomeado a ser o representante do governo entre nós. Eu acho que essa reviravolta louca da história do Lucas deve ser sempre um alerta em relação a nossa militância,

!

61

quando a gente se tornar muito Lucas, a gente está no caminho errado (Entrevista com Duquesa28, Julho de 2011, grifo meu).

É interessante notar que, na fala de Duquesa, existe uma divisão clara entre Estado e movimento social, uma fronteira que, apesar de ter sido atravessada por Lucas, não desconstruiu os ideais de Estado e de movimento social presentes na fala do ativista. Lucas aparece num primeiro momento como um representante do movimento social, para depois ser visto como um representante do Estado. O que fica evidente é que Lucas, enquanto visto pelos ativistas como estrangeiro ao Estado, tinha legitimidade como militante. Num segundo momento, quando deixa o Identidade, apesar de ainda se considerar militante, Lucas passa a ser visto como um estrangeiro entre os ativistas do Identidade, tornando-se, assim, um representante do Estado entre os ativistas. Essa ideia de que Lucas seria um estrangeiro em relação aos militantes, ou um representante do prefeito está ligada à sua saída do Identidade, bem como à ocupação de uma nova posição como coordenador da CPDS, cargo que passa a ocupar em 2010, quando a coordenadoria é criada pela gestão de Dr. Hélio, então prefeito da cidade. Se, ao sair do Identidade, na visão dos militantes, Lucas deixa de ser ativista, sua relação com os ativistas piora quando ele passa a ocupar um novo cargo na prefeitura: o de coordenador da CPDS. A coordenadoria não teria sido criada por indicação dos ativistas como os outros cargos de Lucas. O ex-militante do Identidade não fora escolhido para compor a coordenadoria pelos ativistas, mas pelo prefeito, por isso ele é visto pelos ativistas como um representante do prefeito, e não dos ativistas. Apesar disso, é importante que Lucas se considera um ativista, como podemos ver neste trecho de entrevista que trago a seguir. Quando pergunto a ele se pensa em si mesmo como um ativista, ele afirma que é e segue dizendo: Nossa, eu me sinto um guerrilheiro aqui dentro [da prefeitura municipal]. O tempo todo, em todos os lugares que eu vou, eu pauto essa questão das

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 28

Como apontado na lista de interlocutores (Anexo 1) citados na pesquisa, e na lista de entrevistas realizadas (Anexo 2), apesar de escolher ser chamado de Duquesa, o ativista em questão é um homem gay que milita no Identidade. No dia-a-dia, Duquesa não reivindica para si identidade de gênero feminina.

!

62

vulnerabilidades, da negação dos direitos da população LGBT. (Entrevista com Lucas, Fevereiro de 2012).

O que vemos aqui é a mobilização discursiva da ideia de ativista, ou militante, a partir de duas estratégias distintas. Na fala de Duquesa, mas também de outros ativistas do Identidade expressas em campo, a traição de Lucas se expressa por escolher sair do grupo Identidade (ativismo, ou verdadeiro ativismo) para atuar apenas como gestor municipal (fazer parte do Estado, ou ainda, representar o prefeito). Isso se a uma ideia de ativista ou militante, que circula principalmente entre ativistas do Identidade, pautada noção de cobrança do Estado (ZANOLI, FACCHINI, 2012). Mais do que apenas cobrança, na verdade, ativistas do Identidade parecem produzir uma distinção entre movimento social e Estado na qual ambos seriam opostos. A mobilização da noção de ativista, por Lucas, é feita a partir de uma retórica distinta daquela utilizada por membros do Identidade. Na fala de Lucas, seu trabalho aparece como militante, assim como sua atuação. Em sua fala, o fato de pautar as questões relacionadas à LGBT, as vulnerabilidades e a negação de direitos, o torna militante uma vez que colabora na luta contra o preconceito dirigido a essa população e para seu reconhecimento enquanto sujeito de direitos. É importante notar aqui que, por trás dessa disputa entre o que significa ser ativista, existe uma outra, em torno da própria noção de política. Assim sendo, se enquanto para Lucas, sua atuação na prefeitura municipal pode ser vista como uma política em favor dos LGBT, para os ativistas do Identidade, a política de fato é aquela realizada pelos movimentos sociais, pautada, como pontuamos acima, na cobrança opositiva ao Estado. Voltando à coordenação da CPDS, cabe apontar aqui que, apesar de o cargo de Lucas não ter as mesmas origens democráticas que seus cargos anteriores, foi a partir da trajetória de Lucas que os militantes do Identidade reivindicaram o direito histórico que possuíam de escolher quem ocuparia a CPDS, como veremos no próximo capítulo. Isso porque, apesar de não terem criado a coordenadoria, sua criação estaria baseada na trajetória de Lucas. O ativista-gestor fora escolhido pelo movimento social para ocupar o DDH, posteriormente para coordenar o CR e, por fim, foi escolhido pelo prefeito como coordenador CPDS. Assim sendo, apesar de a CPDS não ter sido demandada pelo movimento, se!

63

gundo o discurso de ativistas do Identidade, ela seria fruto das primeiras articulações do movimento com o Estado a partir do OP29. De acordo com essa perspectiva, os ativistas deveriam escolher o novo coordenador de maneira democrática. Além da ideia de direito histórico, é possível analisar a lógica a partir da afirmação de Duquesa, apresentada anteriormente, de que Lucas teria se tornado um representante do Estado entre os ativistas. Dessa maneira, é possível notar, como pontuamos, que o problema em questão não é um ativista ocupar um cargo de gestor. O problema estaria, portanto, na ocupação desse cargo por um ativista que deixou o grupo em que militava, cargo este, visto pelo movimento como uma possibilidade de interlocução com o Estado. Assim sendo, os ativistas do Identidade continuavam buscando possibilidade de interlocução com o Estado. No entanto, buscavam essa interlocução a partir de alguém que pudessem considerar seu representante. Reforçando, dessa maneira, uma distinção entre Estado e movimento social. Em 2013, logo depois da posse do novo prefeito, Jonas Donizette, Lucas, assim como outros coordenadores ligados à Secretaria de Assistência, Cidadania e Inclusão Social (SACIS), foi exonerado de seu cargo, que até a atualidade se encontra vacante. A saída de Lucas deu origem a uma série de boatos, ou seja, uma rede de fofocas foi instaurada. Dessa maneira, não se trata de procurar extrair desses comentários o verdadeiro motivo da exoneração do então coordenador da CPDS. Pontuo, no entanto, que Lucas havia sido nomeado na gestão anterior, tal fato pode ter sido o real motivo de sua exoneração. Para explicar a hipótese apresentada no parágrafo acima é preciso antes apresentar ao leitor alguns acontecimentos anteriores ao evento de que estamos tratando no momento. Para ser mais claro, é preciso apresentar a crise política que se instaurou em Campinas entre os anos de 2010 e 2011. Acerca da crise, Thiago Falcão (2012: 14) comenta que ela foi deflagrada em janeiro de 2011, devido um acordo de delação premiada, [tal acordo,] fez Luiz Augusto Castrillon de Aquino, ex-presidente da Sociedade de Abas-

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 29

É interessante informar também que a carta produzida para a Prefeitura Municipal de Campinas, onde os militantes reivindicavam o seu direito histórico ao cargo, foi produzida com minha ajuda. Durante toda a reunião, em que estava fazendo campo, fui indagado sobre datas e acontecimentos referentes à ação dos ativistas e sua relação com o Estado. Fui utilizado, de certa maneira, como um historiador do movimento LGBT em Campinas.

!

64

tecimento de Água e Saneamento (SANASA), revelar ao Ministério Público detalhes de suposto esquema de corrupção da empresa. Desde então, (...) Campinas passou a viver numa instabilidade política, tendo neste período de denúncias, (...) [e] impeachment mudado de prefeito três vezes. Servidores, (...) relatam que, desde então, consultam todos os dias o Diário Oficial para descobrirem se possuem emprego ou não.

A crise foi tema recorrente na campanha eleitoral de 2012, que resultou na eleição de Jonas Donizette. Além de Lucas, diversas pessoas que ocupavam cargos de confiança perderam suas posições no novo governo, inclusive outros coordenadores de políticas públicas que tinham ligação à Secretaria Municipal de Assistência Social. Antes de passar ao próximo caso, o de Mara, gostaria de retomar a entrevista de Duquesa, apresentada anteriormente, onde ele afirma que Lucas foi nomeado a ser o representante do governo entre os ativistas, deixando de ser representante dos ativistas na prefeitura municipal. Como apontei anteriormente, o que se expressa nessa fala é um processo de diferenciação entre Estado e ativismo que toma o Estado, de alguma maneira, como uma espécie de inimigo em potencial, um lugar a ser vigiado. No entanto, com base no caso de Lucas aqui apresentado, é possível apontar que as relações entre ativismo e Estado se dão de maneira paradoxal. Ainda que o Estado seja visto como um inimigo em potencial, os ativistas do Identidade também pautam sua relação com o Estado a partir de uma lógica de cobrança que se baseia em um desejo de reconhecimento e de ações que beneficiem LGBT. Existe assim uma “recusa demandante” do Estado, isto é, ao mesmo tempo que os ativistas recusam o âmbito estatal, demandam ser ouvidos e ser parceiros do Estado na proposição e execução de políticas. Isso se expressa pela proposição de uma política estatal de atendimento a LGBT e pela a escolha de um ativista para coordená-la. !

Mara Mara nasceu em 1970, em Guaxupé, Minas Gerais. No que concerne à sua cor/raça, considera-se branca. No que diz respeito à sua sexualidade, concebe-se como heterossexual. Viveu em Minas Gerais por volta de vinte anos, mudou-se para o estado de São Paulo entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990, ela não soube pontuar ao certo. Seus pais eram separados. A mãe, que é enfermeira e detinha a guarda dos filhos, decidiu !

65

mudar-se de Guaxupé com Mara e seus dois irmãos. A profissão do pai não foi citada na entrevista. Graduou-se em Serviço Social por uma universidade privada da RMC, em 1997. Poucos anos mais tarde30, Mara participou de um concurso público que selecionaria assistentes sociais para atuar na Prefeitura Municipal de Campinas (PMC), sem saber ao certo com o que trabalharia. Quando foi convocada, em 2003, tinha a possibilidade de escolher entre oito vagas distintas, dentre elas, trabalho direcionado a crianças e adolescentes ou no albergue municipal. Essas vagas eram ligadas à SACIS, contudo uma vaga teria chamado atenção de Mara, a da assistência social do CRGLTTB. O que saltou aos olhos dela, naquele momento, foi que esse Centro, diferentemente dos demais, estava vinculado à Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Cidade. Além disso, Mara foi impulsionada pelo que disse ser um desejo de fazer algo diferente. Segundo ela, seu interesse por serviço social levou-a a trabalhar com crianças e adolescentes por muito tempo, buscando novas experiências profissionais, decidiu-se pelo trabalho com LGBT, sem ter a menor ideia do que viria adiante. Assim como Lucas, Mara comentou que a partir do momento que assumiu o cargo percebeu que seria um grande desafio. O motivo do desafio também era o mesmo que para Lucas, o caráter único e experimental do CRGLTTB. De acordo com Mara, foi preciso aprender a trabalhar com a população LGBT a partir de suas próprias demandas. Cabe ressaltar, no entanto, que essas demandas, segundo ela, deveriam ser a dos usuários, que eram muito diferentes dos atores que faziam parte do movimento social. Muitos dos usuários, afirma Mara, nunca tiveram contato com o movimento31. Além desse desafio, a assistente social do CR lembrou que, como o serviço era novo, foi preciso fazer uma divulgação do CR para os demais serviços da cidade. Essa divulgação garantia que LGBT com problemas que podem ser tratados pelo CR, que fossem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 30

Por se tratar de uma entrevista onde a interlocutora não recebeu previamente o roteiro, muitas das datas são apresentadas de maneira incerta. 31 Essa afirmação é um bom exemplo das disputas estabelecidas entre CR e movimento LGBT, principalmente no que diz respeito ao Identidade. Durante a realização do trabalho de campo, mais de uma vez os funcionários do CR criticaram ativistas por estarem muito distantes da realidade dos usuários do serviço. Tal distância era pontuada como o motivo pelo qual os ativistas dirigiam críticas aos funcionários do CR que eram consideradas, por estes últimos, como infundadas.

!

66

atendidos em outros serviços da prefeitura, fossem, posteriormente, encaminhados ao CR. Além de divulgar a própria existência da política, era preciso, também, informar os funcionários públicos municipais das demandas que o CR tinha capacidade de atender e de qual seria sua função no organograma municipal. Ainda no que diz respeito ao local do CR no organograma municipal, é importante ressaltar que, em 2005, com a nova administração municipal, o serviço foi transferido da SAJ para a SACIS, passando a integrar a Coordenadoria Setorial de Assistência à Família, do Departamento de Operações de Assistência Social. A partir de 2013, o CR continuou fazendo parte da SACIS, porém realocado para o Setor de Apoio às Políticas Públicas Sociais. Mara, por muito tempo, manteve-se apenas como assistente social do CR. Isso mudou em 2010, quando a CPDS foi criada. A criação da coordenadoria já estava sendo discutida há algum tempo antes de ser oficializada. Proposta pela própria coordenadoria do setorial do qual o CR fazia parte, a ideia era diminuir a sobrecarga de trabalho do CR a partir da divisão do trabalho. A CPDS seria responsável pelo planejamento de políticas e pela interlocução com as diversas secretarias municipais. O CR seria responsável por executar as políticas e atender a população LGBT que buscasse, no Centro, assistência social, jurídica e/ou psicológica. Assim sendo, caso a CDPS fosse criada, ficou decido, em decorrência das discussões em torno de sua implementação, que Lucas passaria a coordená-la. Com Lucas ocupando o cargo de coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual, a coordenadoria do CR ficaria vaga e precisaria ser preenchida por algum dos atuais funcionários do CR. Naquele momento, os funcionários do CR decidiram que se fosse o caso, Mara assumiria a coordenação do CR. Foi exatamente o que aconteceu algum tempo depois. Ao voltar de uma reunião na SACIS, Lucas informou Mara que a partir do dia seguinte seria coordenador da CPDS e que ela assumiria a coordenação do CR. Portanto, desde de 2010, Mara acumula as funções de assistente social e de coordenadora do CR. É importante ressaltar que, segundo ela, isso a sobrecarrega, fazendo com que tenha que se desdobrar entre os atendimentos à população e as reuniões na PMC. Além de coordenadora, no fim de 2012, Mara e uma amiga foram eleitas representantes dos homossexuais no OP. Não há muitas informações sobre a reunião na qual os !

67

conselheiros do OP foram escolhidos. As poucas informações a que tive acesso são provenientes das entrevistas e das conversas informais com Mara em campo. Segundo ela e a amiga, ninguém do movimento organizado teria se candidatado. Em decorrência disso, preocupadas com a vacância, acabaram por ocupar as vagas. Pouco tempo depois de saber do acontecimento, conversei com um militante do Identidade que expressou sua infelicidade em relação ao ocorrido, uma vez que Mara seria uma funcionária do executivo municipal e não uma ativista. Apesar de não ser considerada uma ativista por membros do Identidade, ou mesmo por outros ativistas, é interessante notar que Mara passa a ocupar um lugar ambíguo quando assume a coordenação CR. Em entrevista, ela afirma se considerar ativista, uma vez que luta pelos direitos dos LGBT. Contudo lembrou-me, também, que como funcionária da prefeitura, não pode contestar certas decisões do executivo municipal, assim sendo, sua atuação teria certo limite. Trago um trecho de entrevista para retratar tal situação. Em resposta à minha pergunta sobre o CR possuir características militantes, Mara apresenta o serviço como marcado por uma pedagogia militante: Entendo sim [que o CR seria uma instituição militante]. Até por que a gente acaba incentivando o usuário a ser militante, não é? Incentivando o usuário a ir... O que a gente diz muito pra eles e o seguinte: “Olha, a gente pode ir até aqui como serviço, daqui pra frente, se vocês não forem, ninguém vai por vocês, né. E uma coisa é eu ir lá e falar, outra coisa é você ir lá e falar. Você ir lá e contar a sua história, você ir lá e fazer o seu pedido. Você ir lá e exigir o seu direito”. Não é? Então a gente incentiva bastante isso neles. Então eu acho que é sim, bastante.

Em seguida pergunto se ela se vê como militante. Rindo, ela responde: “Eu me vejo hoje mais como militante do que como servidora. E isso é um problema, não é?” (Entrevista com Mara, maio de 2012). Cabe destacar que, além da luta pelos direitos, Mara ressalta uma necessidade de legitimação do próprio CR enquanto política pública. Essa luta pelos direitos e pela legitimação parece ter peso político importante na medida em que acontece num contexto bastante específico: aquele em que se dá o crescimento de discursos políticos conservadores, !

68

especialmente os de caráter religioso, que questionam a produção, ainda em curso, de LGBT como sujeitos de direitos no Brasil. Nesse contexto, a própria existência e/ou funcionamento dos serviços precisam ser cotidianamente defendidos. Ademais, o que vemos nas afirmações de Mara é que, ao mesmo tempo em que as fronteiras entre o Estado e o ativismo são continuamente borradas pelos atores envolvidos com as políticas LGBT municipais em Campinas, elas são reconstituídas e recolocadas com a mesma facilidade. Isto é, se em seu próprio discurso Mara borra as fronteiras entre Estado e ativismo ao se apresentar como ativista, ela redesenha tais fronteiras quando pontua que seu ativismo, dentro do Estado é limitado. No que tange a ideia de Estado, lanço mão de referenciais teóricas que não o tomem enquanto uma instituição monolítica e autônoma em relação ao resto da sociedade. O Estado estaria, na verdade, constantemente “sendo feito” (LIMA, 2012). Uma das maneiras de compreender de que maneira o Estado é construído e representado, ou de que maneira se “faz, é dirigir o olhar para as práticas de gestores e técnicos locais e às relações que os atores em que estou interessado estabelecem com o Estado32”. Além disso, os referenciais teóricos desta pesquisa apontam também para a importância de que análises envolvendo o “Estado” e suas relações com a “sociedade” dirijam sua atenção justamente aos processos que produzem a separação entre Estado e sociedade (MITCHELL, 1991 ,1999; GUPTA, 1995; SHARMA, 2006; AGUIÃO, 2014). Assim sendo, vemos, na fala de Mara, uma retórica que (re)produz o Estado em oposição à sociedade civil, ou ao movimento social. No caso da narrativa de Mara, é importante ressaltar, esse Estado se produz pelas limitações na ação. A fala dela parece, ainda, passar uma ideia de que tais limitações não se colocariam aos membros de grupos ativistas. Portanto, ao mesmo tempo em que afirma ser ativista, e dessa maneira, borrar a fronteira entre o que seria ativismo e Estado, aponta para um limite em sua atuação e, de certa maneira, em seu ativismo. Ao dizer que é ativista, ela redesenha um limite do ativismo que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 32

Como aponta Akhil Gupta (1995), uma das maneiras importantes de compreender as circunstâncias nas quais os sujeitos constroem e compreendem o Estado é a partir da relação que esses sujeitos estabelecem com agências governamentais locais. Isso porque, segundo ele, esses encontros “dão uma forma concreta ao que seria, em outros casos, uma abstração (“o Estado”), (...) [eles] oferecem também um dos componentes críticos por meio do qual o Estado é construído (:378)”.

!

69

chega até seu trabalho como gestora em torno dos direitos LGBT. No entanto, quando diz que sua atuação ativista é limitada, recoloca uma fronteira entre Estado e ativismo. Ela não teria a mesma capacidade contestatória que um ativista, por exemplo. O mesmo ocorre com Lucas, apesar de se pensar enquanto ativista, ao se referir a um tempo do Estado ou um tempo da burocracia, que seria distinto de um tempo do movimento social, instaura uma nova divisão entre Estado e movimento LGBT. Assim, Lucas e Mara, “ao estabelecerem limites entre o Estado e o que não é Estado, delineiam a substancialização de categorias que corroboram tais limites, como ‘movimento social’33 ou ‘sociedade civil’ (AGUIÃO, 2014)”. Essa ideia de que o Estado enquanto um ente burocrático teria uma possibilidade ação mais lenta aparece na fala de outro funcionário, Júlio, apresentada no início do capítulo: uma coisa é ser a mão que joga a pedra, outra, é ser janela onde ela é atirada, o vidro é frágil. Nessa afirmação, Júlio aponta para uma maior fragilidade na atuação dos gestores, em relação à dos ativistas. As narrativas de Lucas e Mara acerca de sua trajetória político-institucional no campo do movimento LGBT em Campinas, contudo, apresentam ainda uma utilização estratégica da distinção entre Estado e movimento social. A utilização estratégica da distinção entre Estado e a sociedade – ou movimento social – é notada por Sharma (2006) em sua análise de um programa de “empoderamento feminino” iniciado pelo governo da Índia denominado Mahila Samakhya (MS). Por ser uma “Organização Não Governamental Organizada pelo Governo”34, a MS possui caráter ambíguo: em âmbito nacional é um programa estritamente governamental, contudo, em âmbito estadual a organização é cadastrada como uma sociedade, ou como uma ONG. Essa ambiguidade é utilizada estrategicamente pelos membros da MS. Como demonstra Sharma, em momentos em que precisam se impor enquanto autoridades, seja para os moradores das vilas em que estão atuando, seja para polícia, se apresentam enquanto funcionários do governo. Quando precisam explicar o motivo de não terem nada mais a oferecer, a não ser in!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 33

Alterei aqui as aspas duplas para aspas simples para evitar que as aspas da autora se confundissem com as utilizadas por mim para designar uma citação curta. 34 No original: GONGO (Governmental Organized Non-Governmental Organization).

!

70

formações, colocam-se como membros de uma ONG, afastando-se de uma ideia de um Estado que, na Índia, seria assistencialista. De maneira analogamente inversa, como vimos, os gestores municipais envolvidos com o campo do movimento LGBT em Campinas se utilizam do mesmo mecanismo. Na tentativa de conferir legitimidade à sua atuação e à existência da política ou serviço nos quais atuam, se produzem em seu discurso como ativistas ou militantes. Para tanto mobilizam as horas de trabalho não-remunerado e a defesa que fazem das causas do movimento no dia-a-dia de sua atuação como gestores e/ou técnicos. Em contrapartida, ao justificar problemas e limitações de sua ação, lembram que são gestores públicos, reproduzindo uma distinção mais rígida entre um campo mais aberto à ação, o da militância, e um mais burocrático e estagnado, o Estado. Cabe enfatizar, no entanto, que, ainda que esteja apontando para um manejo estratégico do pertencimento ao Estado ou da atuação como ativista, não pretendo aqui dizer que tal manejo seria motivado por um calculismo preocupado apenas com a legitimação de quem o faz. É visível uma reivindicação, por parte dos gestores, de que o trabalho que realizam também deve ser considerado militância, portanto o que existe é uma disputa e um tensionamento em torno dessa categoria. Não se trata também de menosprezar ou de fazer com que o leitor não acredite nas afirmações dos funcionários do CR de que eles trabalham muito mais do que é previsto por seu regime de contratação. Durante a realização de campo pude acompanhar diversas atividades realizadas aos fins de semana e à noite, fora do horário de expediente dos funcionários do CR. Acompanhei também atividades de formação de professores, realizadas por Júlio e Clara, o advogado e a psicóloga do CR, respectivamente, em escolas da rede pública. Tais atividades, muitas vezes, acabavam muito depois das 17 horas, que deveria ser o fim do expediente dos funcionários. Presenciei, ainda, a coordenadora do CR trabalhando nas férias para que um evento que pretendia organizar acontecesse. A atuação dos funcionários ia além de oferecer os atendimentos preconizados pelo serviço. O planejamento do serviço procurava intervir socialmente, o que implicava que a equipe de atendimento acrescentasse a suas atividades o que, em outros contextos, é realizado por ativistas ou consultores contratados, mas também a flexibilização do horário de trabalho. !

71

Retomemos agora a entrevista de Mara, citada algumas páginas atrás. Ao apontar que é preciso que o indivíduo vá lá e conte sua história, a coordenadora do CR reforça a ideia de uma postura militante do CR que se produz a partir do incentivo a que os usuários exijam seus direitos. Essa lógica dos direitos parece operar fortemente no discurso de Mara. Cerca de um ano antes de entrevistar Mara, acompanhei uma oficina do CR onde os usuários do serviço aprendiam a fazer papel machê. No fim da oficina, Mara chamou a atenção de todos, lembrou que há algum tempo o serviço se encontrava sem advogado, afirmou ainda que, sozinha, não conseguiria um novo advogado. Sua fala ia no sentido de lembrar os usuários do serviço de que eles, enquanto clientes do CR, eram as pessoas que estavam sendo privadas de orientação jurídica. Dessa maneira, ela pediu a todos que, se possível, ligassem no “156” – uma linha de comunicação entre a prefeitura e os cidadãos – e que reiterassem a necessidade da contratação de um novo advogado. Gostaria de retomar agora a discussão sobre o lugar ambíguo que Mara passou a ocupar, do qual falávamos anteriormente. Nessa discussão, cabe também um comentário sobre seu interesse em ser a nova coordenadora da CPDS. Mais de uma vez, enquanto conversávamos em meio aos prontuários dos usuários do CR que abarrotavam nossas mesas, Mara expressou o desejo de ocupar o cargo na coordenadoria. Esse desejo expressa tal caráter ambíguo que ela passou a assumir depois de trabalhar no CR; ela se sentia capaz de ocupar um cargo estatal de gestão, justamente por que havia acumulado conhecimento como gestora do CR, mas também por se posicionar, de alguma maneira, como alguém que também é militante. Temos aqui, novamente, um alargamento das fronteiras do Estado e uma supressão temporária das fronteiras entre Estado e Movimento Social. Apesar de seu interesse em ser coordenadora, Mara não se candidatou formalmente perante os ativistas do movimento LGBT. Ainda assim, os ativistas do movimento na cidade sabiam que seu nome era um dos possíveis para ocupar o cargo. Além disso, sabiam que sua experiência como coordenadora do CR e as boas relações que mantém com a SACIS poderiam ser boas justificativas para que ela ocupasse o cargo. Dessa maneira, seu nome foi um dos cogitados para ocupar a CPDS pelos ativistas que compuseram a reunião para escolher o novo coordenador. Apesar disso, como Mara não participou da reunião, acabou não podendo ser votada. !

72

A ambiguidade de Mara pode ser notada também quando uma extensa rede de fofoca especula sobre sua sexualidade. A gestora tem algumas amigas lésbicas, frequenta um bar voltado para mulheres lésbicas e por algum tempo dividiu seu apartamento com uma amiga. Esses fatos e sua atuação no CR são utilizados para especular sobre uma suposta homossexualidade enrustida. Essa rede de fofocas aponta na direção de seu reconhecimento como alguém “de dentro” mas também reforça uma ideia de que apenas LGBT podem direcionar esforços políticos por seus direitos, enfatizando um caráter identitário de políticas voltadas a minorias. De acordo com Facchini (2005) e Aguião (2014), os financiamentos para a política de combate à Aids, que tem papel importante na institucionalização do movimento LGBT, exigiam definições de um público-alvo bem delimitado. Essa delimitação estanque – termo meu e não das autoras – pode ser apontada como um dos fatos que colaborou com políticas identitárias que, como ressalta Facchini (2005, 2009), não necessariamente têm como base a experiência cotidiana dos sujeitos representados pelo movimento. No que diz respeito à sua posição enquanto representante dos homossexuais no OP, é importante ponderar que Mara ocupou-a até meados de 2014, período da nova eleição. Pude acompanhar essa eleição, que ocorreu na Prefeitura Municipal da cidade. Logo que cheguei à Prefeitura avistei Mara. Enquanto conversávamos, esperando o início da reunião, indaguei sobre a possibilidade de ela se candidatar novamente. Em resposta, ela comentou que não tinha interesse em fazer isso. No entanto, pontuou que caso o movimento não se articulasse para apontar um representante, ela concorreria para evitar a vacância. Diferentemente do ano anterior, um grupo de pessoas cuja a atuação se limitava a organização de um evento no Mês da Diversidade Sexual de Campinas, indicou um candidato para ocupar o conselho do OP. O grupo em questão é formado pelos organizadores do Concurso de Talentos da Comunidade Padre Anchieta35, segundo seu representante eleito, esse grupo tem por objetivo o combate à homofobia, ao racismo e ao classismo. Apresentei aqui dois casos de múltiplo pertencimento e trânsitos institucionais. O primeiro, o de Lucas, representa um acontecimento mais corriqueiro, pesquisas como a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 35

O Concurso de Talentos da Comunidade Padre Anchieta, é um dos eventos oficiais do Mês da Diversidade Sexual. Suas primeiras versões foram organizadas pelo Aos Brados!!, contudo, na atualidade são membros da própria comunidade que organizam o evento. O concurso escolhe a melhor jovem drag queen do ano.

!

73

de Feltran (2010) e de Gregori (2000) discutem casos de ativistas que passam a compor quadros estatais no período pós-redemocratização. O segundo caso, o de Mara (Quadro 3), é interessante, justamente, por ser menos comum. Mara fora contratada como assistente social do CR e, até então, não tinha nenhum contato com o Movimento LGBT, pouco mais de dez anos depois, passou a ser a representante do movimento LGBT no OP. Ainda que seu caráter de militante seja questionado por outros ativistas, a indicação de Mara, para preencher uma vaga na coordenadoria, feita por um membro do Identidade, pode ser representativa de seu duplo pertencimento. Isto é, ainda que nem todos reconheçam-na como militante – e o mesmo ocorre com Lucas – ela e outros ativistas passam a vê-la dessa maneira. Na seção que segue, retomo esse argumento para pensar no CR enquanto uma política que também se produz nas fronteiras simbólicas, mas também práticas, entre o Estado e o Movimento Social. Quadro 3 - Trajetória de Mara

Assume a Assistência Social do CR Assume a Coordenadoria do CR Assume como representante dos “homossexuais” no OP Disputa a CPDS

2003 2010 2012 2013/2014

Uma instituição “estatal-militante”? Enquanto discorria sobre Lucas e Mara, argumentei que existe um tensionamento e uma disputa em torno de categorias como ativismo e militância. Cabe pontuar, ainda, que a mobilização e a disputa em torno dessas categorias apontam para uma contenda em torno da própria concepção de política. O que está em disputa, portanto, é o caráter político ou não da atuação dos diversos atores envolvidos no que delimitamos, como o “campo” do movimento LGBT em Campinas. Assim sendo, os diversos atores políticos no “campo” do movimento LGBT produzem, nessas disputas as próprias fronteiras do que seria Estado, movimento social, tal produção se baseia na disputa em torno da noção de política. Quando apresentei ao leitor a escolha de Mara como representante dos homossexuais no OP, pontuei que em conversa informal com um de meus interlocutores da pes!

74

quisa, ativista do Identidade, ele demonstrou seu desagrado nessa indicação, afinal, Mara é uma funcionária da prefeitura e não uma ativista LGBT. No entanto, como demonstrei páginas acima, Mara reivindica-se como gestora e militante. Apontei, ainda, que não apenas Mara, bem como outros ativistas da cidade vêm-na enquanto tal. Denominei esse duplo pertencimento ou a disputa em torno de ser uma gestora-ativista como um caráter ambíguo de Mara. Tal caráter ambíguo não se resume à atual coordenadora do CR. Clara a psicóloga e, principalmente, Júlio, o advogado – que é militante do Identidade – também se vêm e são vistos por outras pessoas como ativistas. Argumento aqui, portanto, que o próprio CR, composto pelos funcionários em questão, pode ser pensado da mesma maneira. Apresento agora um excerto do diário de campo, proveniente de observação realizada na sede do CR, para, em seguida, retomar e justificar o argumento exposto no parágrafo anterior. Em certo momento, uma pessoa interessada em se casar ligou para o CR, indagando se ainda seria possível se inscrever no casamento coletivo. Júlio respondeu que isso não seria possível. A fala seguinte de Júlio (não foi possível ouvir a pergunta porque ele estava no telefone) dizia respeito à possibilidade dessa pessoa ir até o cartório se casar. Ele comentou que o CR não tem interesse em realizar outro casamento coletivo. A cerimônia coletiva teria sido organizada com o intuito de pressionar os cartórios da cidade para a realização do casamento direto. Isso fora pensado antes da aprovação da norma que obriga os cartórios a casar homossexuais com base em decisão judicial recente. Dos quatro cartórios que realizam casamento em Campinas, apenas dois casavam pessoas do mesmo sexo. O interesse, com o evento, era fazer com que todos os cartórios realizassem a cerimônia. Uma espécie de provocação ou manifestação. No entanto, com a nova norma que obriga os cartórios, não haveria mais a necessidade de fazer o evento mais de uma vez. Ressaltou ainda, que caso a pessoa com o interesse de casar encontrasse alguma dificuldade em oficializar sua união em cartório, deveria realizar denúncia no Centro de Referência (Diário de Campo, Observação no Centro de Referência, 18.03.2013).

!

75

Nas primeiras visitas semanais à sede do CR, o casamento coletivo citado acima era o grande assunto no serviço público. A ideia era realizar o primeiro casamento coletivo LGBT do estado de São Paulo. Quando dei início à realização da pesquisa de campo, não sabia ao certo os motivos que levaram o CR a organizar tal casamento. No entanto, com o trecho apresentado acima fica claro que o motivo era, podemos dizer, uma atuação política: pressionar juízes locais a realizar cerimônias de casamento de forma direta. A possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo começou a se firmar no Brasil a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Tal decisão foi o resultado do julgamento, em 2011, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e de uma Ação Direta de Descumprimento de Preceito Fundamental pelo STF. No julgamento dessas ações – propostas pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente – os ministros do Supremo decidiram por unanimidade que se excluem quaisquer interpretações da norma constante no artigo 1.723 do Código Civil36, que impeçam o reconhecimento de uma relação contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, a partir de então, esta passa a ser “entendida como sinônimo perfeito de família”37. A partir dessa decisão começaram a ser possíveis as oficializações das primeiras uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Apesar da realização de casamentos diretos em cartórios de alguns estados brasileiros, incluindo São Paulo, muitos cartórios negavam realizar o casamento. A resolução 175, aprovada em maio de 2013 – período em que realizava a observação participante no CR – pelo CNJ, modificou essa realidade. Segundo a página do CNJ na internet: A aprovação da Resolução CNJ n. 175 ocorreu durante a 169ª Sessão Ordinária do CNJ, realizada em 14 de maio do ano passado. Um dia depois, a norma foi publicada do Diário de Justiça Eletrônico (DJe) e entrou em vigor em 16 de maio de 2013. Desde então, diante da recusa da realização da união entre pessoas do

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 36

“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. 37 Conferir site do Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativo_mensal_maio_2011.pdf>. Acesso em: 03.Ago.2011

!

76

mesmo sexo pelos cartórios, passou a caber recurso ao juiz corregedor da respectiva comarca e até mesmo ao CNJ para o cumprimento da medida38.

Com a nova decisão, portanto, como apontou Júlio ao telefone, os cartórios eram obrigados a realizar diretamente o casamento de pessoas do mesmo sexo. Apesar de Júlio pontuar que o motivo central da organização do casamento não mais existia, uma vez que os casamentos já estavam acontecendo, é sobre a decisão de realizar o casamento que direciono minha análise. Apontei na seção anterior deste capítulo que a maior parte do que os funcionários do CR consideravam a ação militante como algo ligado a uma espécie de formação de uma consciência política. Isto é, ao assumirem para si que são militantes, dentre outros coisas, apontam para como ensinam os usuários do CR a demandarem seus direitos. No trecho de diário apresentado acima, no entanto, parece estar em jogo outra forma de atuação. Uma ação que na retórica argumentativa de muitos dos ativistas do Identidade seria própria do movimento social: a de pressionar o Estado. Como vimos, a intenção de realizar o casamento coletivo era, basicamente, pressionar os cartórios em Campinas para que realizassem o casamento de pessoas do mesmo sexo. A maneira de pressionar tal acontecimento foi a organização, por funcionários do Estado, de uma cerimônia pública. Apesar de não ter participado de todo processo organizativo, ele me foi narrado algumas vezes. Tais relatos afirmam que a organização do casamento não foi simples, diversas reuniões entre os funcionários do CR, outros funcionários da prefeitura e juízes responsáveis pelo casamento foram realizadas. Como pontuei alguns parágrafos acima, o que temos aqui é um órgão municipal, formado por pessoas que, pelo menos parcialmente, concebem a si mesmas não apenas como técnicos ou gestores estatais, mas também como ativistas. Esses mesmos atores, como vimos, pontuam sua atuação ativista a partir de uma limitação proveniente de seu posicionamento dentro do Estado. Apesar dessa limitação, que em teoria diz respeito à impossibilidade de cobrança ou de pressão com relação ao Estado, os funcionários do Centro realizaram uma atividade com tal finalidade. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

38

Disponível em: . Acesso em: 16.nov.2014.

!

77

O que pretendo com essa afirmação não é produzir uma categoria analítica em torno da noção de “política”, muito menos definir, a partir da atuação dos interlocutores em questão, o que seria ou não “política”. A proposta é demonstrar que, apesar de, no discurso, a separação entre o Estado (limitado e impossibilitado de agir) e o movimento social (demandante) ser muito bem delimitada, nas práticas aqui analisadas é possível perceber que as fronteiras não são apenas porosas, elas também se dilatam, possibilitando, por exemplo, a existência de uma política ambígua, que ora atua até os limites do Estado, ora atravessa tais limites para agir um pouco como movimento social, o agente privilegiado da ação política no discurso dos ativistas do Identidade. Assim sendo, o caráter ambíguo ou “híbrido” – para utilizar o termo de Sharma (2006) – de Lucas e de Mara traz à tona também a possibilidade de pensar no CR, enquanto uma política híbrida: que ao mesmo tempo em que questiona a distinção entre Estado e movimento social, a reproduz. Como apontei anteriormente neste capítulo, em seu projeto de criação, o CR foi pensado como um articulador das diversas secretarias e órgãos municipais com os ativistas da cidade. A ideia de um articulador que coloca em relação Estado e movimento social parte de uma distinção que os pensa enquanto âmbitos separados e que devem se relacionar. Os conflitos observados em campo surgiram, muitas vezes, de momentos em que essa linha imaginária estabelecida entre tais atores e suas funções – Estado e movimento, gerir e cobrar – é ultrapassada. Da mesma maneira que a MS, analisada por Sharma (2006), o CR se coloca enquanto uma política híbrida, embora num sentido invertido. Apesar de ser um órgão municipal, e, portanto, estatal, o CR é uma política pensada, desenhada e parcialmente gerida por ativistas do movimento LGBT. Além disso, como vimos, Mara, a atual coordenadora do CR não só vê a si mesma como ativista – inclusive, mais ativista do que gestora – como percebe o próprio CR como um espaço de militância. Essa ideia do CR como um espaço de militância perpassa a criação de um grupo de trabalho em torno do CR. O grupo de trabalho do CR, segundo Mara, foi uma tentativa de trazer de volta o movimento para o CR – e aqui de novo o Estado se distingue do movimento –, mas foi também uma necessidade dos gestores de buscar lidar de forma criativa com os problemas que alguns de seus usuários enfrentavam no cotidiano. O interesse !

78

era discutir os problemas e buscar ações conjuntas, entre serviço e movimento, para sanálos e amenizá-los. Ele consistia, portanto, em reuniões que eram compostas tanto por funcionários do CR quanto por ativistas da cidade, onde os primeiros apresentavam os principais problemas dos usuários do serviço, para, em conjunto com os ativistas, pensarem em possíveis soluções. Portanto, o CR só existe em decorrência de uma distinção entre movimento social e Estado – o que levou o movimento LGBT de Campinas no início dos anos 2000, a se articular para participar do OP –, no entanto, a própria existência do CR, e as concepções que Mara e Lucas têm de si, questionam essa distinção, borrando as fronteiras entre Estado e Movimento Social, entre política pública e ação política. Contudo, no dia-a-dia, em suas falas e disputas, os interlocutores continuam a reproduzir em seus discursos e práticas uma ideia reificada de um Estado autônomo e separado da sociedade, que para funcionar precisam da intervenção desta última. Estado este, que como vimos se diferencia do ativismo a partir da ação limitada.

Prioridade N. 1 No capítulo anterior, tratei do processo político que deu origem ao CR. Na seção anterior deste capítulo, por sua vez, problematizei as relações entre o Estado e o movimento LGBT, a partir dos casos de Lucas e Mara – gestores-ativistas e do CR – uma instituição que poderia ser pensada como estatal-militante. Neste item, pretendo analisar outra questão importante no que diz respeito às novas relações entre Estado e ativismo no período pós-redemocratização: o impacto dos documentos nessa relação. A importância dessa análise está no fato de que penso nos documentos enquanto pontos na rede de atores que compõem a complexa trama institucional – para utilizar o termo de Gregori (2000) – que forma o que denominamos aqui de “campo” do movimento LGBT Campineiro. O conceito de “rede” utilizado aqui é aquele proposto por Strathern (1996), a partir do diálogo com o que tem sido chamado de “teoria ator-rede”, representada principalmente por Bruno Latour39. Segundo tal autora, uma rede !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 39

!

Para uma introdução a essa teoria conferir Latour (2012). 79

é uma imagem apta a descrever a maneira pela qual se pode ligar ou enumerar entidades díspares, sem presumir nível ou hierarquia. Pontos em uma narrativa podem ser feitos de qualquer material, ou possuir qualquer forma, e rede parece uma frase neutra para interconectividade (STRATHERN, 1996:522, tradução minha)40.

A possibilidade de variação material ou formal na rede nos permite, assim, incluir atores humanos e não humanos. A importância de uma análise que leve em conta o impacto dos documentos na rede ativista se expressa na medida em que esses documentos se mostram como pontos importantes de fluxo de informações. Os documentos, ao serem inseridos na complexa trama municipal, como veremos, alteram tal trama, podendo ser, portanto, considerados atores. Eles são ainda importantes porque podem ser vistos como produtos da cristalização de relações entre diferentes atores na trama. Cabe pontuar ainda, que autores brasileiros preocupados com ações políticas já têm trabalhado com o impacto dos documentos na trama política. Ainda que tais autores não tenham utilizado a noção de “rede” propriamente, e menos ainda com as teorias de “ator-rede”, faz-se necessários uma breve passagem por suas discussões, visto que se configuram como inspiração para realização da discussão aqui realizada. Destaco primeiramente a pesquisa de Maria Filomena Gregori (2000) acerca dos meninos de rua e das ações institucionais voltadas a essa população. No caso de seu problema de pesquisa, o documento que se coloca é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse estatuto, regularizado em forma de lei em 1990, tem suas origens com o período de redemocratização. A necessidade da criação de um novo conjunto de regras no que dizia respeito às crianças estava ligada à desconexão entre as leis vigentes no país sobre o tema e a nova Constituição. Em sua análise, Gregori demonstra o impacto dessa nova lei na trama institucional voltada para o cuidado e a proteção de menores. Segundo ela, “o ECA ampliou o número de atores institucionais que falam e agem em nome da criança e do adolescente (GREGORI, 2000: 163)”. Ademais, foi importante na constituição das “crianças e adolescentes” enquanto “sujeitos de direito” no Brasil. O documento produziu, ainda, disputas entre os diversos atores que passam a compor a rede em questão. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 40

Do original em inglês: “A network is an apt image for describing the way one can link or enumerate disparate entities without making assumptions about level or hierarchy. Points in a narrative can be of any material or form, and network seems a neutral phrase for interconnectedness”.

!

80

O impacto dos documentos também tem sido notado por autores preocupados com a constituição dos LGBT enquanto “sujeitos de direito” no Brasil. Destaco aqui a dissertação de mestrado de Marcelo Daniliauskas (2011) e a tese de doutorado de Silvia Aguião (2014). Marcelo Daniliaukas, como vimos no Capítulo I, discute a criação do Programa Brasil sem Homofobia, um documento que pautava um conjunto de ações governamentais com o objetivo de combater o preconceito sofrido por LGBTs. Esse documento, assim como os anteriores, foi importante na constituição dos LGBT enquanto sujeitos de direito, e portanto, impactou diretamente nas relações entre esse movimento e o Estado. No entanto, seu impacto é proporcional à quantidade de atores governamentais e não-governamentais mobilizados em sua produção e ao marco que estabelece no processo de reconhecimento de LGBT como sujeito de direitos, ao ser lançado como um programa voltado para articular ações interministeriais em torno de uma população até então evocada apenas na chave do binômio saúde-doença. Apesar de inicialmente não contar com uma estrutura de gestão ou orçamento próprio, ele segue sendo, como aponta Daniliaukas, uma importante referência para ativistas e gestores LGBT, sendo “referenciado em justificativas de políticas públicas, propostas de leis e processos judiciários (DANILIAUSKAS, 2011:110)”. Ou seja, continua a ter forte impacto nas disputas políticas em torno do reconhecimento de LGBT como sujeitos de direitos e oferta de políticas para essa população. Assim sendo, como pontua Aguião (2014), documentos e outros elementos que “circulam na trama”, por serem elementos que vêm impactando e legitimando os direitos LGBT, devem ser levados em conta na análises das intricadas relações entre os ativistas e o Estado. Darei início à discussão com uma análise de algumas leis municipais direcionadas aos direitos de LGBT, para, em seguida, levando-se em consideração os argumentos de Aguião (2014), discutir a importância de pensar o documento de criação do CR como um importante ponto na rede ativista municipal. As leis em questão são: a Lei Municipal nº 9.809, de 28 de julho 199841 e a Portaria nº 6 de 19 de de Novembro de 200442. A primeira é uma Lei Municipal voltada a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 41

CAMPINAS. LEI N° 9.809 DE 21 DE JULHO DE 1998. Regulamenta a Atuação da Municipalidade, Dentro de Sua Competência, nos Termos do Inciso XVIII, do Artigo 5°, da Lei Orgânica do Município de

!

81

todas as formas de discriminação. A segunda é uma portaria que instaura um protrocolo de redução de danos voltado a usuários de silicone industrial e homornioterapia. Ambos são resultados da interlocução direta entre o movimento da cidade e as diversas esferas do governo municipal. Assim como o documento do CR, esses documentos são diversas vezes utilizados pelo movimento LGBT em processos judiciais e outros recursos. A primeira delas, a lei antidiscriminatória, foi de muita importância para os ativistas e gerou mobilizações posteriores à sua promulgação. O grupo Identidade costumava realizar em Campinas, uma atividade que chamavam de montação engajada, uma intervenção crítica aos eventos relacionados ao Orgulho LGBT com o intuito de politizar a Parada43. Em 2012, no entanto, a montação engajada não foi realizada. O motivo foi a aplicação de uma pesquisa com perguntas dirigidas aos manifestantes da Parada. Tal pesquisa estava ligada ao interesse pela aplicação da Lei Municipal contra o preconceito. O decreto de regulamentação dessa lei previa a criação de uma Comissão Processante que seria responsável pela apuração dos atos discriminatórios e pela aplicação das penalidades previstas na Lei. O objetivo do Identidade com a pesquisa era, justamente, apontar para a necessidade da criação dessa comissão. A pesquisa visava o relato, por parte dos manifestantes da Parada, de atos de homofobia que tivessem sofrido no município. Os dados levantados seriam utilizados para pressionar o executivo municipal a criar a Comissão Processante, para que a lei passasse a ser aplicada. Em 2013, a Comissão Processante foi finalmente instaurada pela Portaria Nº 77.823/201244. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Campinas, Para Coibir Qualquer Discriminação, Seja por Origem, Raça, Etnia, Sexo, Orientação Sexual, Cor, Idade, Estado Civil, Condição Econômica, Filosofia ou Convicção Política, Religião, Deficiência Física, Imunológica, Sensorial ou Mental, Cumprimento de Pena, ou Em Razão de Qualquer Outra Particularidade ou Condição. Diário Oficial do Município, 22/07/1998:3. Disponível em: . Acesso em: 18.dez.2014. 42 CAMPINAS. PORTARIA N°: 06 - 19 DE NOVEMBRO DE 2004. Implanta o Protocolo Paidéia para Redução de Danos no Uso de Silicone Industrial e Hormonioterapia na População de Travestis e Transexuais no Município de Campinas. Diário Oficial do Município, 20/11/2004:10. Disponível em: . Acesso em 18.dez.2014. 43 O termo montação faz alusão ao ato de uma pessoa assignada com determinado sexo ao nascer, especialmente no caso do sexo masculino, vestir roupas tidas como próprias para o outro sexo. As críticas incorporadas nessa prática são diversas, as principais dizem respeito a convenções de gênero, especialmente as que ligam certas profissões a homens e outras a mulheres. 44 CAMPINAS. Portaria Nº 77.823/2012. Diário Oficial do Município, 28/09/2012:65. Disponível em: . Acesso em: 18.dez.2014.

!

82

A portaria que instaura um protrocolo de redução de danos voltado a usuários de silicone industrial e homornioterapia também foi fortemente mobilizada por ativistas do Identidade enquanto estive em campo. A importância dessa portaria estaria no fato, segundo alguns ativistas do Identidade, de seu caráter pouco identitário. Em seu texto original, quando foi primeiramente proposta pelo movimento LGBT e aprovada, em 2004, pela prefeitura municipal, tal portaria fazia referência a redução de danos no uso de silicone industrial e hormonioterapia na população de travestis e transexuais. No entanto, com o surgimento das críticas a noções identitárias no grupo Identidade, por volta de 2008, esse protocolo é revisto, passando a não fazer mais referência a nenhuma categoria identitária. Segundo Duquesa, ativista do Identidade, o protocolo em seu novo formato é a menina dos olhos do Identidade, justamente por ser uma prova de que se pode escrever políticas públicas sem usar categorias identitárias (Entrevista com Duquesa, maio de 2011). Ambas as leis, portanto, podem ser vistas como cristalizações das relações do movimento LGBT não apenas com o Estado, mas também com os demais atores que fazem circular sentidos e significados específicos. Explico: dentre as principais características auto-referidas por membros do Identidade – que foram responsáveis por ambas as leis – estão a crítica às identidades rígidas, propondo o que chamam de discussões pósidentitárias, e a luta contra todas as formas de opressão. Ambas as caraterísticas dizem respeito às relações do grupo com outros movimentos sociais, partidos políticos e o que denominam a academia45. Apresentadas as leis, parto agora para um documento que foi amplamente mobilizado durante toda a realização de minha pesquisa com o movimento LGBT em Campinas, desde os tempos da graduação: o projeto escrito pelos ativistas de Campinas, propondo à PMC a criação de um Centro de Referência LGBT. Meu interesse pelo documento em questão surgiu ainda durante minha graduação, quando realizava o que era minha segunda pesquisa com o movimento LGBT campineiro. A preocupação dessa pesquisa era, especificamente, a implememntação do CR. Dentre os objetivos propostos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 45

Esse termo foi fortemente mobilizado durante a realização de trabalho de campo com o Identidade para o que foi a primeira pesquisa de iniciação científica que realizei. É um termo englobante, algumas vezes pejorativo que faz referência a teorias e pessoas relacionadas à produção científica universitária. Em outros momentos o termo acadêmico era utilizado para se referir a universitários, de forma geral.

!

83

estava compreender como os ativistas, proponentes do projeto que criou a política, avaliavam a atuação dos gestores e técnicos que atuavam no CR. O trabalho de campo e as entrevistas chamavam atenção para uma insatisfação muito grande dos ativistas do Identidade com o CR, como pontuamos anteriormente. Tal insatisfação não se dirigia à existência do CR, que era apontada como uma importante conquista do movimento, mas com os serviços prestados pelo novo centro. Essa insatisfação era pautada sempre pela referência ao projeto do CR enviado ao OP, redigido por ativistas do Identidade. Segundo os ativistas, a proposta apresentada ao OP e a maneira como o CR funciona hoje são discrepantes. Em decorrência de tais alegações dei início à busca pelo documento que exprimia o desejo de criar o CR. O primeiro ponto de partida foi o acervo documental do Identidade, localizado na sua extinta sede no centro. Dentre os diversos documentos e livros existentes no arquivo, existia um pequeno fichário que congregava notícias de jornais diversas. Apesar disso, não encontrei nem notícias nem o documento que cria o CR. Alguns meses depois, realizei uma entrevista, na então sede da CPDS na prefeitura municipal. Ao relatar a Lucas, então coodenador da CPDS, meu interesse em analisar o documento que cria o CR, ele me ofereceu companhia à sala do Orçamento Participativo no prédio da prefeitura, que se encontrava no mesmo andar que a sala da CPDS. Lucas acreditava que, uma vez que o projeto foi enviado à PMC por meio do OP, existiria algum arquivo onde eu poderia encontrar o documento. Chegando lá, comentei ao atendente da sala que realizava uma pesquisa sobre o movimento LGBT e tinha interesse no documento de criação do CR. Ele me pediu algumas informações como o ano de proposição e, em seguida, foi falar com um senhor. Ao voltar, o atendente me explicou que não guardavam os arquivos dos projetos. Me pediu que buscasse informações diretamente com o gabinete da prefeitura. Naquele momento, desisti de encontrar o projeto. Apesar de ser um “documento inexistente”, uma vez que ninguém tinha cópias dele, ele continuava parecer importante, visto ser mobilizado pelos ativistas quando falavam do CR. Sua utilização costumava ser feita para justificar as diversas críticas realizadas ao serviço.

!

84

Em decorrência do início da realização de campo no CR, encontrei o documento quase por acaso: fui a uma festa de comemoração do aniversário do CR e, ao me ver, Lucas comentou que enquanto mexia em um computador velho, no CR, acreditava que havia encontrado uma versão do projeto entregue ao CR. Ele não sabia ao certo se aquela era a versão final, que foi entregue à Prefeitura, mas acreditava que sim. Depois de algum trabalho de procura, acompanhado da sorte de carregar comigo um pendrive, havia enfim encontrado o tão importante documento mobilizado pelo CR. Mais tarde, em casa, quando pude abrir o documento e analisá-lo com calma, fiquei um tanto espantado. O documento em questão era um arquivo de word, de quatro páginas, com uma delas em branco. Meu espanto tinha relação como tamanho do documento: creio que, em decorrência da forte utilização que os ativistas faziam do documento, acreditei que fosse algo grande, não era o caso. Seu título era “Prioridade Nº 1” e não havia autoria indicada no documento. Outro fato que me espantou um pouco, não esperava a existência de nomes, mas ao menos a assinatura do representante dos homossexuais no OP. Apesar de seu tamanho, como apontei, o documento era fortemente mobilizado pelos ativistas em diversas críticas feitas ao Centro de Refrência, que segundo os ativistas, não funcionava como deveria. Isso me levou a buscar compreender a diferença fundamental entre a versão do projeto que consegui e o decreto que criava o CR. Como vimos anteriormente, o objetivo dos ativistas era um espaço de interlocução entre o movimento LGBT e os diversos técnicos e gestores estatais. Além disso, o Centro deveria promover ações políticas e atender as demandas jurídicas e psiclógicas de LGBT. As demandas daquele momento mesclavam o que atualmente seria esperado de pelo menos duas estruturas: um órgão de gestão de políticas – uma coordenadoria – e um serviço de atendimento e apoio à população. O decreto que cria o CR, ainda que contenha algumas das demandas dos ativistas, não parece cumprir todos os objetivos. No decreto, a promoção de ações e os atendimentos são mantidos. No entanto, a interlocução entre o movimento e os órgãos estatais é substituída pela “parceria com outros

!

85

órgãos públicos ou associações”. Ademais, se o projeto do CR conta com cerca de vinte funcionários, o decreto fala apenas da alocação de dois coordenadores. Apesar dessas diferenças, e do “sumiço” do documento em questão, a lembrança de sua existência, ainda que ninguém o tivesse, possibilitava cobrar do governo, e do CR, que de fato fizessem aquilo proposto pelo movimento. Cabe ressaltar que o documento enviado à Prefeitura ganha importância na rede aqui analisada pois, ao ser recriado e transformado em decreto, ainda que não tenha sido implantado da mesma maneira, insere novos atores e reconfigura as relações no “campo” do movimento na cidade. Além disso, deve ser considerado ele mesmo um ator de relevância considerável na rede do movimento: impacta as relações entre Estado e ativismo dado que é mobilizado para fazer cumprir o que ativistas do Identidade consideram um dos papéis centrais do movimento social, a cobrança do Estado. Aqui é possível traçar um paralelo com a análise de Daniliauskas, apresentada anteriormente nesta seção. No decorrer de sua análise, o autor nos mostra a importância do BSH. Mesmo depois de sua substituição deste pelo Plano Nacional LGBT, o BSH continua sendo um importante mobilizador simbólico das disputas políticas LGBT em âmbito nacional. O mesmo ocorre com o projeto que cria o CR em Campinas, ainda que esse projeto esteja distante do que se tornou o CR após sua criação, o documento em questão se tornou o base pela qual os ativistas, principalmente os do Identidade, fazem suas críticas à política. Isso se deve, justamente, às distâncias entre o demandado pelo movmento e o serviço posteriormente implementado pela Prefeitura. Cabe ressaltar que esse documento é produto de relações muito específicas entre o movimento LGBT e o Estado. Ao se traçar a relação, por meio dos demais métodos utilizados nesta pesquisa, do documento que cria o CR, com eventos e acontecimentos, é possível recuperar um momento em que a distinção entre Estado e ativismo operava a partir de uma semântica distinta. Como vimos, no período de realização desta pesquisa, a disputa em torno do que seria ou não político está associada à delimitação de fronteiras entre ativismo e Estado. No momento de criação do CR, no entanto, o Estado parecia ser visto como um interlocutor possível na articulação e efetivação de políticas. Desse modo, o “Prioridade nº 1” cristaliza dadas convenções e relações, ainda que não se trate mais de ver !

86

o Estado como parceiro e que o documento seja mobilizado como o registro do desejo soberano e traído do movimento social. Ademais, é preciso fazer um breve comentário acerca de minha busca pelo “papel” produzido pelos ativistas. Independente de sua existência física, ainda que fosse um mito ou uma memória, ele deveria ser tomado como um ponto agente na rede. Isto é, ainda que eu não tivesse encontrado tal documento, em formato digital, a mobilização de tal documento pelos ativistas teria sido tema desta pesquisa. Assim sendo, o que vemos aqui é, mais uma vez, o forte impacto causado por documentos como leis, projetos e decretos na atuação dos grupos ativistas da cidade. Essa atuação mais institucional, pautada em, dentre outra coisas, fazer reconhecer LGBT como sujeitos de direitos e cumprir leis e pactuações em processos de gestão participativa, pode ser apontada como uma característica marcante da “terceira onda” do movimento LGBT. A partir do que foi previamente apresentado do capítulo I, discutimos neste capítulo a inserção de novos atores nas redes do ativismo LGBT, sejam eles humanos ou não humanos. Os focos da discussão foram: (i) a disputa entre os significados de noções como Estado, movimento social e política, (ii) a produção discursiva e rompimento, na prática, de fronteiras entre o que seria o papel de cada uma dessas instituições e, por fim, (iii) o impacto dos documentos na rede ativista local. Todos os pontos aqui tratados são importantes características no contexto que Facchini (2005) chamou de “terceira onda” do movimento LGBT e, possivelmente, estão presentes em outros movimentos sociais que experimentaram o adensamento da participação em processos de elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas no período pós-redemocratização no Brasil. O próximo capítulo trata de outras características importantes: as relações dos ativistas com outros atores políticos, como partidos políticos, sindicatos e outros movimentos sociais.

!

87

!

!

!

88

Capítulo III: Com quantos atores e sujeitos se faz um movimento? Eu não vou votar em você porque você é do partido que colocou o Feliciano na Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (Diário de Campo, Reunião do Movimento LGBT, 14 de Abril de 2013).

A fala acima foi proferida por um ativista do Identidade, dirigida a Fernanda, ativista fundadora do Aos Brados!!. O partido a quem se refere é o PT. A referência ao pertencimento partidário é feita de modo a mobilizar o descontentamento dos ativistas em relação ao desastroso episódio em que Marco Feliciano foi nomeado para presidir a CDH em 2013, de modo a deslegitimar a candidatura de Fernanda à indicação pelo movimento social para ocupar um cargo vacante na gestão de políticas públicas para LGBT local. A escolha de Feliciano para presidir a CDH gerou diversas mobilizações de movimentos sociais no Brasil, inclusive do movimento LGBT, tanto em âmbito nacional quanto em âmbito local, como foi o caso de Campinas, onde os ativistas realizaram uma Marcha contra a nomeação. Tal fala, assim como as discussões que seguem neste capítulo, revelam a importância dos partidos políticos e do modo como se constitui e se distribui o poder entre partidos nas questões LGBT em âmbito nacional. Tal importância se faz notar especialmente num contexto democrático permeado por grande quantidade de partidos no cenário político e extrema fragmentação do poder. O caso da nomeação de Feliciano é um episódio paradigmático dos limites que tal configuração política coloca para a democracia e para a possibilidade de fazer respeitar direitos humanos de grupos sociais enredados em processos de disputa da legitimidade social como sujeitos de direitos, como é o caso de LGBT. No entanto, indicam também tal importância nas dinâmicas políticas locais que envolvem o movimento LGBT. No início das pesquisas de graduação, que deram origem à proposta de mestrado sobre a qual se baseia esta dissertação, fui indagado, mais de uma vez, sobre o papel dos partidos políticos no “campo” do movimento LGBT campineiro. Naquele momento, cos-

!

89

tumava responder que não via muita importância nos partidos, no entanto, isso foi se transformando, aos poucos. Ainda no início do trabalho de campo comecei a perceber que menos do que uma falta de importância no que diz respeito à pertença partidária, o que parecia ocorrer era uma dinâmica bastante peculiar de exposição e ocultamento dessa pertença. Além disso, quando alarguei o escopo de observação para os diversos grupos ativistas LGBT de Campinas, percebi que a relação com partidos, além de relações com outras organizações, como sindicatos e outros movimentos sociais, por exemplo, eram de grande importância nas redes ativistas locais, delimitando parecerias e distanciamentos entre os grupos, além de possibilitar ou impossibilitar certas ações. Assim sendo, neste capítulo, apresento a trajetória de dois grupos LGBT que compõem o movimento de Campinas, o Aos Brados!! e o E-Jovem, focalizando momentos em que estes e outros grupos ativistas da cidade estiveram em conjunto, para discutir a política local. Tal exposição tem o objetivo de discutir a intensificação das relações entre o movimento e os partidos políticos, que é resultado do crescimento da importância de partidos no Brasil com a redemocratização e da ampliação da participação do movimento LGBT no planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas, mas também na proposição de projetos de lei. Neste capítulo, procuro, ainda, focalizar as relações, algumas vezes pouco (re)conhecidas, que constituem o movimento. As trajetórias do Aos Brados!! e do E-Jovem são tomadas como fio condutor para permitir um olhar para a relação dos grupos ativistas LGBT com partidos, mas também com outros atores sociais que são importantes na sua constituição e na dinâmica cotidiana de sua atuação, como é o caso de sindicatos e outros movimentos políticos, como o movimento negro, o movimento de juventude, além de movimentos em torno do resgate da cultura afro-brasileira. Ademais, por se tratarem de grupos que pautam sua identidade coletiva para além das orientações sexuais e identidades de gênero que compõem o movimento LGBT, pautando-se também em distintos marcadores sociais da diferença, o capítulo dá especial atenção a novas nuances no processo de proliferação e multiplicação dos sujeitos políticos que compõem o movimento (FACCHINI, 2005, 2009; DEHESA 2007, 2010). !

90

A análise acerca desses grupos será apresentada a partir da trajetória de seus fundadores, visto que estas, muitas vezes, se misturam com a história dos grupos em que militam. No entanto, não pretendo, com isso, levar o leitor a acreditar que a trajetória dos grupos se resume ou subsume à trajetória política de seus fundadores. A escolha dessa estratégia narrativa objetiva, na verdade, “dar vida” aos processos que desejo analisar no capítulo. Tal estratégia, por outro lado, torna visível o quanto determinados ativistas se tornam fundamentais para a manutenção e para o desenvolvimento de dados movimentos sociais. Isto é, uma vez que existe dificuldade na legitimação das demandas, precariedade nas políticas públicas construídas e uma alta rotatividade de ativistas nos grupos, é comum que aqueles que se mantêm no ativismo por muito tempo passem a serem vistos, em um processo metonímico, como o próprio grupo ou como personificação do movimento46. O objetivo do capítulo é, portanto, situar essa multiplicidade de atores e, na medida do possível, procurar indicar a dinâmica das relações acompanhada em campo. Se, como indica Aguião (2014), e o capítulo anterior corrobora com tal indicação, há um fazerse do movimento no Estado que produz também o próprio Estado e sentidos para a política, este capítulo aponta para a dinâmica e para a profusão de atores e de lutas sociais que constituem o “campo” (Santos, 1977) ou as “conexões ativas” (Doimo, 1995) do movimento LGBT em âmbito local. Se há um contexto político nacional em que vários movimentos sociais são reconhecidos como sujeitos de direitos e passam a protagonizar políticas públicas e a se relacionar em mecanismos de gestão participativa como comissões e conferências de políticas públicas, há também um nível em que essas relações se dão no local da atuação nas organizações de base. Nesse sentido, como indica Facchini (2005), a construção do sujeito político do movimento parece continuar acontecendo a partir dos atores presentes no campo e de suas relações. Se a I Conferência de Políticas para LGBT de 2008 estabilizou a dança das letrinhas no acrônimo que indica o sujeito político do movimento, a lógica das diferencia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 46

Um bom exemplo desse processo de personalismo é o próprio grupo Aos Brados!!. Segundo Fernanda, sua fundadora, muitos ativistas de Campinas – tanto aqueles do movimento LGBT quanto de outros movimentos sociais – passaram, com o tempo, a vê-la como sendo o próprio grupo. Esse processo ocorre, acredito eu, porque Fernanda é a única ativista que se manteve no grupo desde sua fundação. Além disso, ela, com o passar dos anos, passou a ser uma espécie de figura pública do grupo, sendo responsável por apresentar os eventos organizados pelo Aos Brados!!.

!

91

ções e das alianças, das cisões e das parcerias, segue produzindo o sujeito político cada vez mais complexo que é levado a público nas conferências e planos de políticas públicas. Antes de apresentar ao leitor a discussão a que me propus acima, trago ao um mapa47 (Mapa 1) onde é possível encontrar os principais locais citados no capítulo. Abaixo do mapa, encontra-se a legenda com a descrição de cada um dos locais citados, por meio de pontos coloridos. O principal propósito foi propiciar, ao leitor, melhor compreensão da distância entre esses diversos lugares, além de permitir uma contextualização espacial dos lugares citados no capítulo.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 47

Todos os mapas apresentados nesta dissertação foram produzidos a partir da ferramenta “My Maps”, da empresa norte-americana Google. Disponível em: . Acesso em 25.nov.2014.

!

92

Mapa 1 - Locais citados no capítulo

!

93

Periferia e negritude LGBT em Campinas: nasce o Aos Brados!! A possibilidade de contato com Fernanda, fundadora do Aos Brados!!, se deu através da observação participante que passei a realizar nas reuniões da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas em 201348. Tal observação possibilitou, ainda, maior aproximação com o grupo. No fim da segunda reunião em que participei, Fernanda ofereceu-me carona. Desse dia em diante, passei a pegar carona com Fernanda sempre que ela ia ao bairro onde moro49. Com o desenvolvimento do processo de organização da Parada do Orgulho LGBT de Campinas, trabalhamos muitas vezes em conjunto, o que colaborou para que nos aproximássemos. Essa aproximação rendeu também a permissão para que eu realizasse algumas visitas à sede do Aos Brados!!, para participar de algumas reuniões como observador-colaborador. Feitas algumas considerações, na seção que segue, apresento Fernanda, fundadora do Aos Brados!!, a partir da análise da narrativa que ela apresenta sobre sua militância, que se mistura com fragmentos de sua biografia para além de sua trajetória política. A análise dessa narrativa possibilita entender os motivos da cisão que levou à criação, em Campinas, de um grupo ativista LGBT voltado à periferia. Essa reflexão confere especial atenção à especificação dos sujeitos políticos que compõem o movimento LGBT brasileiro. Lésbica negra caminhoneira, que pisa forte Fernanda é uma mulher negra e lésbica. Durante os dois anos de contato em campo, percebi um padrão em seu estilo: as vestimentas são sempre largas, uma combinação de camisetas, calças ou bermudas jeans, e tênis ou sandálias. Apenas algumas vezes, esse estilo mais corriqueiro foi substituído por vestimentas que ela me informou serem tradicionais africanas, compradas na casa de cultura negra Fazenda Roseira (Mapa 1).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 48

Tal comissão é responsável não só pela organização da Parada, mas também por uma série de atividades designadas como Mês da Diversidade Sexual. Ela é composta por ativistas e ex-ativistas do movimento LGBT, além de pessoas ligadas ao mercado segmentado GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) da cidade. Dentre essas pessoas estava Fernanda. Para mais informações acerca do mercado segmentado voltado para LGBT conferir: MacRae (1983, 1990), França (2012) e Facchini e França (2009). 49 Àquela época, a namorada de Fernanda morava no mesmo bairro que eu, por esse motivo Fernanda ia até o bairo no fim das reuniões.

!

94

Sua maneira de se vestir, somada ao cabelo raspado e à voz grave e imponente, resultaram, algumas vezes em campo, em indagações sobre o gênero de Fernanda. Isto é, mais de uma pessoa me perguntou se Fernanda era um homem. Frases como seu amigo é bonitão, dirigidas a mim, referindo-se a Fernanda, em situações em que estávamos juntos eram comuns. Ela mesma, em um trecho de entrevista comenta que algumas pessoas pensam que ela é um homem transexual e não uma mulher, ainda que ela se perceba enquanto mulher. Fernanda, que tem hoje quarenta anos, nasceu em Campinas. Ainda jovem, perdeu sua mãe e foi criada por duas tias em um bairro de classe média na mesma cidade, o Jardim Proença. No entanto, sua vivência como moradora de bairro de classe média foi interrompida ao ser expulsa de casa em decorrência de sua orientação sexual. Tal expulsão ocorreu entre seus vinte e dois e vinte e três anos. Ao deixar a casa de suas tias para viver na periferia50, Fernanda passou a ter contato com o PT e com o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). Atualmente, vive com a namorada em um bairro de classe média composto por condomínios de pequenos apartamentos. Contudo, afirma estar doida pra voltar pra favela. Na atualidade, Fernanda cursa Ciências Sociais na PUC-Campinas, por meio de um programa social da universidade, que oferece bolsas de estudo a pessoas de baixa renda51. No entanto, sua trajetória escolar foi constantemente interrompida. Passou por alguns cursos supletivos até terminar o Ensino Médio e, apenas em 2014, iniciou sua graduação. Em relação à sua profissão, Fernanda voltou a atuar como caminhoneira. Contudo, assim como sua trajetória estudantil, sua relação com o trabalho formal sempre foi inconstante. Seu primeiro emprego foi aos quatorze anos. Hoje, com quarenta, possui menos de quatorze anos de contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Dessa maneira, passou grande parte de sua vida desempregada, vivendo de trabalhos informais, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 50

Ela não informou para qual bairro se mudou naquele momento. Segundo sua narrativa, a partir da expulsão, ela foi adentrando a periferia. 51 Para concorrer a essa bolsa, Fernanda prestou primeiro o vestibular social, que consiste em um processo seletivo em separado do vestibular tradicional da PUC, com o objetivo de selecionar pessoas para o programa de bolsas. Aprovada no vestibular, Fernanda precisou passar por entrevistas com assistentes sociais para comprovar sua renda para, por fim, poder cursar o ensino superior sem a cobrança de mensalidades.

!

95

como algumas aulas de violão. Segundo ela, a inconstância de um trabalho fixo é resultado do preconceito contra homossexuais presente em boa parte de seus empregadores. No que diz respeito à sua orientação sexual, define-se como mulher homossexual lésbica. Quando perguntada sobre como se identificava no que tange à sua raça/cor, sua resposta é enfática: Eu me identifico como mulher negra. Essa característica de mulher negra é o fortalecimento da minha identidade e é super importante pra essa definição: eu, mulher negra lésbica, que piso forte, que sou caminhoneira, que falo grosso (Entrevista com Fernanda, julho de 2014). Duas coisas chamam atenção na fala de Fernanda. A primeira delas é a palavra homossexual aparecer junto à lésbica quando fala de sua orientação sexual. A segunda é a importância de ser negra e lésbica que pisa forte. A primeira me parece bem incomum. Em campo, raramente ouvi ativistas lésbicas definirem-se enquanto homossexuais. No caso do movimento LGBT em Campinas, ouvi inclusive afirmações enfáticas provenientes de uma das fundadoras do Mo.Le.Ca. de que é preciso utilizar o termo lésbica, e não apenas homossexual, justamente para dar mais visibilidade a esse segmento da população LGBT, dentro e fora do movimento. Segundo ela, os termos gays e homossexual não teriam capacidade de representar todos os segmentos LGBT porque, no Brasil, acabaram sendo mais utilizados para se referir a homens homossexuais, do que a outras identidades. Essa especificação de identidades políticas em torno de cada uma das orientações sexuais e identidades de gênero no movimento LGBT é, segundo Facchini (2005), uma característica bem marcante do que a autora denominou de “terceira onda” do movimento LGBT brasileiro e ocorre de modo concomitante ao adensamento das relações com o Estado e à ênfase na luta pelo reconhecimento de LGBT como sujeitos de direitos (Facchini, 2005; Aguião, 2014) A questão da visibilidade, apontada acima, não está circunscrita ao município de Campinas, é uma questão recorrente em trabalhos sobre movimento e políticas LGBT, como demonstra Aguião (2014). Esse também foi um ponto de debate na I Conferência Nacional GLTB, realizada em Brasília em 2009. Segundo tal autora: Uma resolução marcante dessa primeira conferência foi a aprovação da alteração da sigla que representa a coletividade. Se até aquele momento a ordem das letras

!

96

que a compõe era GLBT, o ‘L’ (relacionado a lésbicas) passou a ser usado na frente da sigla, formando LGBT. A justificativa da alteração foi dar mais visibilidade ao segmento de lésbicas (: 36).

Apesar das disputas em torno da visibilidade das lésbicas, durante a realização da pesquisa de campo, pude perceber que a categoria homossexual, quando aparece na fala de Fernanda, é utilizada como uma espécie de categoria guarda-chuva que abarcaria todas as orientações sexuais e identidades de gênero que compõem o movimento LGBT. Isso pode ser visto no nome do grupo do qual faz parte e é fundadora: Aos Brados!! A vivência digna da homossexualidade. Notei esse acionamento genérico da palavra mais de uma vez quando, ao se referir à população LGBT, ela utilizava as palavras nós homossexuais. Já os termos acionados para falar de sua cor/raça extrapolam uma simples definição identitária. Não é apenas como negra que ela se define. Ela é uma mulher negra, lésbica, caminhoneira que pisa forte. Essa definição demonstra como sua identidade individual é perpassada por cor/raça, classe, gênero e sexualidade, inclusive em termos que misturam classe, gênero e sexualidade, como caminhoneira que pisa forte. No caso de Fernanda, esse é mesmo seu trabalho, mas, ao se definir assim, ela brinca com o significado de um termo que é corriqueiramente utilizado, de maneira pejorativa, para fazer referência a mulheres masculinizadas, com menor poder aquisitivo, ou ainda, mais velhas (FACCHINI, 2008). Esse termo, muitas vezes carregado de significado negativo é ressignificado por Fernanda, ao ser apresentado como motivo de orgulho. Voltemos à trajetória política de Fernanda. Segundo sua narrativa, ao ser expulsa de casa pela tia, passou a morar na periferia e começou a ter contato com militantes do PT. Dentre esses militantes, conheceu Lucas e João, que naquele período faziam parte do Expressão. O contato com eles levou Fernanda a participar de algumas reuniões do Expressão e, posteriormente, a colaborar na criação, em 1998, do Identidade. Mais tarde, como veremos adiante, Fernanda fundou o grupo Aos Brados!!, um grupo ativista LGBT que tem como questões centrais – além das orientações sexuais e identidades de gênero que compõem classicamente o movimento LGBT – a negritude e a periferia. Além da atuação no Aos Brados!!, Fernanda foi representante dos Homossexuais no OP de Campinas. Anos depois, foi mais uma vez indicada pelo movimento parar

!

97

ocupar uma posição dentro da burocracia estatal, dessa vez, para o cargo de Coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas. Aos Brados!! – a vivência digna da homossexualidade Ainda 1998, ano da fundação do Identidade, paralelamente à militância nesse grupo, Fernanda e sua parceira, na época, Nádia, criaram o Jornal Aos Brados. O material veiculava questões relacionadas à população LGBT, seu público alvo era composto, principalmente, por outros ativistas da cidade que não estavam diretamente relacionados com o movimento político em torno dos direitos de LGBT. A motivação para criar o jornal veio, segundo Fernanda, da falta de preocupação de outros jornais editados pelo movimento LGBT na cidade em estabelecer diálogo com ativistas que faziam parte de outros movimentos sociais. Segunda ela, em alguns desses jornais termos muito impactantes eram utilizados, o que, em sua concepção, ao invés de aproximar pessoas, parecia afastá-las mais do movimento LGBT. Essa proposta de estabelecer relações e parcerias com outros grupos ativistas e movimentos sociais parece ser uma característica marcante do Aos Brados!! e que se mantém até a atualidade. Fernanda e sua parceira, pouco tempo depois da fundação do Identidade, romperam com o grupo e passaram apenas a editar e a distribuir o jornal Aos Brados nos eventos em que participavam. Segundo Fernanda, em decorrência do forte impacto gerado pelo jornal, pessoas que estavam à margem e que não se sentiam ouvidas pelo movimento LGBT em Campinas começaram a interpelá-la, incentivando-a a criar um grupo ativista que pudesse reuni-las. Essas pessoas da margem seriam LGBT advindos da periferia que, nas palavras Fernanda, não eram ouvidos nas reuniões dos demais grupos ativistas da cidade. Além disso, as discussões no Identidade, de acordo com ela, eram pautadas em questões que estavam muito além dos problemas de pessoas da periferia. Em entrevista ela comenta que, nas primeiras reuniões do Identidade, discutiase muito a utilização das listas de e-mail para a comunicação com outros grupos ativistas e para comunicação interna. Em decorrência da adesão a esse tipo de comunicação, alguns ativistas do Identidade passaram organizar atividades para explicar aos demais como utilizar tais listas. No entanto, Fernanda me lembrou, nessa mesma entrevista, que no fim da !

98

década de 1990 as pessoas que viviam na periferia não possuíam computadores. Para utilizá-los era preciso comprar tempo em lan-houses ou cyber-cafés. As explicações de Fernanda acerca da necessidade da criação de um grupo que atendesse as demandas específicas de LGBT da periferia se assemelham muito aos argumentos utilizados para a criação de um outro grupo ativista LGBT da periferia, o Conexão G. Tal organização é objeto empírico da dissertação de mestrado de Lopes (2011) e foi criada em 2003. Segundo o autor, é um “grupo gay” da favela da Maré, na capital carioca, que tem como uma das discussões fundamentais a “classe social”. Dentre os principais argumentos para criar ambos os grupos – Aos Brados!! e Conexão G – estão aqueles em torno da ideia de experiência. Grupos ativistas LGBT da classe média, ou composto majoritariamente por pessoas da classe média, não teriam condições de discutir as especificidades dos LGBT da favela – ou da periferia, no caso do Aos Brados!!. Tal alegação fundamenta-se na ideia de que homossexuais da classe média não sabem o que é ser um homossexual morador da favela. Além disso, como argumenta Lopes (2011), a criação dos grupos tem como base um ideário onde as relações de hierarquia social presentes na sociedade, ou seja, as desigualdades, também se reproduziriam no interior do movimento. Dessa maneira, seria mais comum que em um grupo com mais ativistas da classe média, ou composto basicamente por pessoas da classe média, ativistas advindos da periferia fossem deixadas de lado. Tal ideia se expressa, por exemplo, na afirmação de que os ativistas LGBT de Campinas provenientes da periferia eram constantemente silenciados. No entanto, é preciso apontar que esses rachas baseados na ideia de reprodução de uma hierarquia social não são novos, eles vêm dando origem a novos grupos desde a época do Somos de São Paulo, produzindo grupos voltados especificamente para lésbicas, por exemplo (MACRAE, 1990). O surgimento de grupos como o Aos Brados!! e o Conexão G estão, portanto, diretamente relacionados a um processo de politização e “valorização simbólica da periferia”. Tal processo, que estaria diretamente ligado a fenômenos como o hip-hop e ao pagode nacional, colaborou para a produção de uma ideia de periferia que congrega aspectos sociais relacionados a classe, raça e moradia (ALMEIDA, 2011).

!

99

No dia 2 de Setembro de 2002 foi formalizada a criação do grupo Aos Brados!! A vivência digna da homossexualidade, nome que se mantém sem mudanças até a atualidade. O nome escolhido é uma metáfora para a maneira como seus criadores viam sua inserção dentro do movimento LGBT: era necessário bradar para que fossem ouvidos. Dentre as atividades realizadas pela organização no momento posterior à sua fundação, além da distribuição do jornal, destacam-se a organização de caravanas de ônibus com destino à Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Além disso, o grupo se manteve na organização da Parada do Orgulho LGBT de Campinas desde o início, em 2001, deixando a organização em 2004 e voltando em 2005. O grupo, segundo Fernanda, teria sido expulso da organização em decorrência de problemas pessoais que Fernanda passou a ter com o Identidade ao criar o Aos Brados!!. O jornal teve importante papel na atuação do Aos Brados!!. O financiamento da compra de papel era realizado a partir da venda de latas de alumínio recolhidas por membros do grupo e por pessoas que viviam nas comunidades onde o Aos Brados!! realizava o que sua fundadora definiu como ações sociais52. Esse dinheiro também era utilizado para financiar outras atividades da organização. Sua impressão era feita, gratuitamente, por pessoas ligadas ao Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas. O impresso contou com oito edições, a última delas lançada em 2005. Além disso, ele chegou, inclusive, a aproximar pessoas que, mais tarde, passaram a ser ativistas centrais na organização, como Antônio, por exemplo. O primeiro contato de Antônio com o grupo se deu através de um pedido de publicação feito por ele aos editores do jornal. Interessado pelo novo jornal, Antônio pediu espaço na publicação pra discutir questões relacionadas à prevenção de DST/Aids. A interlocução entre ele e os ativistas do Aos Brados!! acabou por aproximá-lo do grupo, levando-o a, posteriormente, participar como ativista e, mais tarde, assumir uma posição no colegiado gestor. Apesar de ser formado por LGBT da periferia, o grupo não está sediado em nenhum bairro periférico da cidade. A sede é uma pequena sala no antigo prédio da subsede

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 52

!

Ela não ofereceu mais informações acerca de que atividades se enquadrariam nessa categoria. 100

da CUT de Campinas53, que fica no centro da cidade (Mapa 1), há menos de vinte minutos a pé do terminal central, e não muito distante da antiga sede que o Identidade e o Mo.Le.Ca. dividiram por algum tempo na segunda metade dos anos 2000 54 (ZANOLI, FACCHINI, 2012). A parceria com a CUT, que resultou na garantia de uma pequena sede tem início ainda antes da existência formal do Aos Brados!!. A partir da mobilização de relações pessoais em decorrência de seu perecimento ao PT, Fernanda consegue um pequeno espaço na sede sindical para guardar o material do jornal Aos Brados!!. Mais adiante, consegue a permissão para utilizar o espaço aos domingos, para realizar as reuniões. Com o tempo, Fernanda e outros membros do grupo passam a se integrar mais ao sindicato, participando das atividades e das reuniões. Com a formalização do grupo, o Aos Brados!! consegue uma pequena sala na organização, além de alguns recursos para realização de atividades: Pra 2000 a gente já começa a participar mais ativamente na questão das reuniões da CUT (…) Qual é a política que a CUT tem? A CUT, dentro dos seus orçamentos, dentro da sua estrutura, tem uma política de estrutura solidária pra movimento social: movimento de mulheres, movimento negro e o movimento que bater aqui e estiver de acordo com as bandeiras políticas que a CUT representa. (…) E aí a gente conversou com a CUT naquela época, a gente pediu um espaço para reuniões aos domingos, então toda sexta-feira eu ia na sede da CUT, pegava a chave pra depois devolver pra segunda. Isso começou a se tornar custoso, daí eu comecei a participar das agendas da CUT, fiquei desempregada, aí tinha as coisas da CUT que era participar das eleições sindicais, que aí dava uma ajuda de custo e tal. Aí a gente começou um diálogo e dentro desse diálogo com a direção da época da CUT eles disseram: “Formalizem o grupo, vocês conseguem mais, a gente consegue recurso” (Entrevista com Fernanda, julho de 2014).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 53

Cabe enfatizar que o grupo Identidade, grupo no qual Fernanda militou anteriormente, também realizou suas atividades, principalmente em seus primeiros anos de existência, na CUT ou em sindicatos ligados à CUT. 54 Conferir Mapa 2.

!

101

Nota-se no trecho da entrevista acima que apesar de na narrativa da criação do grupo a proposta de formalização resultar do pedido de pessoas que estavam na margem, essa formalização também foi motivada pela necessidade de manutenção financeira do grupo. Assim sendo, influenciados por membros da CUT, o grupo se registrou formalmente em cartório para ter acesso à sede e a recursos provenientes da organização sindical. O que fica em evidência a partir do que viemos discutindo até aqui, é a importância das relações de Fernanda com o PT. Tais relações permitiram uma aproximação com a CUT e sindicatos ligados à CUT, essa aproximação teve impacto não apenas na formalização do grupo, mas também em sua manutenção. Cabe ressaltar, ainda, que o contato entre os membros do grupo dá-se hoje, majoritariamente, por meio do grupo que Fernanda e outros membros do Aos Brados!! administram no facebook. Fui adicionado como membro desse grupo por Fernanda, por volta de maio ou junho de 2013, pouco tempo antes da realização da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Grande parte das discussões sobre as atividades da organização é feita online, nesse grupo. Reuniões presenciais ocorrem no máximo uma vez por mês e são marcadas depois de acertada boa parte dos procedimentos da atividade por meio do grupo no facebook. Reuniões menos esporádicas são realizadas apenas quando alguma das atividades do grupo está mais próxima de acontecer. No que diz respeito aos membros do grupo, a maior parte deles pode ser identificada como preta ou parda55. O número de pessoas que se identificam como mulheres e como homens é relativamente próximo. Existe também um grande número de mulheres lésbicas, além de jovens gays. Além dos membros mais atuantes, muitas drag queens56 da cidade são consideradas parceiras ou colaboradoras do grupo, colaborando em algumas das atividades que o Aos Brados!! organiza.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 55

Utilizo aqui os mesmos termos que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no que diz respeito à classificação por raça/cor, dado que não conto com a autoclassificação de cada sujeito. 56 No caso específico desta pesquisa, posso apontar como sendo drag queens, geralmente, homens que se concebem como gays ou homossexuais e que utilizam roupas e maquiagens tidas como femininas, para criar personagens. Em sua maioria essas personagens apresentam-se em casas noturnas e outros eventos. Dentre as apresentações que acompanhei, elas estavam divididas entre dublagem de músicas e shows de comédia, sendo que algumas vezes uma apresentação contava com ambos os elementos.

!

102

Os termos colaborador e parceiro são utilizados pelos membros do Aos Brados!! para se referir àquelas pessoas que, apesar de estarem presentes no processo de organização de algumas de suas atividades, não se envolvem na organização de todas as atividades de maneira profunda. Esses termos foram utilizados por Fernanda para se referir a uma série de pessoas, das drag queens que apresentam os shows, passando por alguns empresários GLS da cidade que apoiam as atividades do grupo, chegando até mim. No que diz respeito à idade de seus membros, o grupo é mais heterogêneo. O membro mais jovem que conheci em campo tinha pouco menos de dezoito anos, enquanto a militante mais velha passava dos quarenta anos. Eventos sociais: promovendo as culturas marginalizadas e a diversidade sexual Além de se manter responsável, na atualidade, pela organização de caravanas que levam pessoas até as Paradas do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro e de São Paulo, atividades que ajudam na manutenção financeira do grupo, o Aos Brados!! organiza também atividades na cidade. Seus ativistas são, atualmente, responsáveis pela organização de dois eventos: o Pedala Bich@- a pedalada da diversidade e a Feijuka da Diversidade. O primeiro evento já faz parte da programação oficial do Mês da Diversidade Sexual de Campinas. O segundo, que em 2014 teve sua segunda edição, é uma nova proposta do grupo e ocorre independentemente dos eventos ligados à Parada. Essas atividades, segundo Fernanda, seriam eventos sociais que têm como objetivo promover a cultura negra e a diversidade sexual. A pedalada da Diversidade O Pedala Bich@ é realizado em duas partes, a primeira é um passeio ciclístico pela região central da cidade. A segunda consiste em uma série de apresentações: de shows de drag queens, MPB (Música Popular Brasileira) e hip-hop no Largo do Rosário, praça na região central da cidade. O desenho dessa atividade teria, segundo Fernanda, dois motivos. O primeiro diz respeito à escolha do Largo do Rosário para a parcela da atividade feita no palco. O motivo da escolha da praça, leva em conta em seu caráter de ponto de concentrações de diversas manifestações realizadas na cidade, não só pelo movimento LGBT. A es!

103

colha das ruas a serem percorridas, por sua vez, baseiam-se no que, segundo Fernanda, seria uma segregação racial de caráter espacial que acontecia em Campinas no passado. Na primeira parte do evento, que consiste nas “pedaladas” pelas ruas da cidade, os participantes seguem na Rua Francisco Glicério, no sentido Sul, e retornam à Praça, em direção norte, pela Rua Barão de Jaguara, passando pela Avenida Aquidaban (Mapa 2). Segundo justifica Fernanda, no passado, negros eram proibidos de caminhar pela Rua Barão de Jaguara, esse foi um dos motivos que levou à escolha de tal rua para fazer parte do trajeto do evento. A Francisco Glicério, por sua vez, faz parte do trajeto porque Glicério foi um famoso abolicionista. Mapa 2 - Trajeto do Pedala Bich@57

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 57

Fonte: Google Maps. Mapa alterado através da ferramenta “My Maps”, do Google. Legenda produzida manualmente através de editor de imagem.

!

104

A Feijoada da Diversidade A Feijuka da Diversidade foi organizada pela primeira vez em 2013, pelo segundo ano consecutivo, pelo grupo Aos Brados!!, em parceria com a Fazenda Roseira. Segundo a seção “informações” da página da Fazenda Roseira no facebook: A Casa de Cultura Fazenda Roseira é uma Instituição instalada na Casa Sede da antiga Fazenda Roseira, no Jardim Roseira, bairro de Campinas. (...) Hoje a Casa tem (...) como objetivos fomentar o ensino, a pesquisa, o desenvolvimento técnico, científico e institucional, intercâmbio e demais ações e projetos voltados à recuperação e preservação do patrimônio, da memória e da cultura afro-brasileira, com ênfase no campo da antropologia, etnografia, culinária, artes, museologia e outras áreas afins, na perspectiva de superação de desigualdades, no compromisso com a construção de sociedades sustentáveis considerando a complexidade que reside nas suas múltiplas dimensões, pressupondo a qualidade de vida, a justiça social, o respeito às diversidades, a promoção da solidariedade e a cultura da Paz58.

Em seu blog na internet podemos encontrar mais informações. Ao clicar em “perfil”, o usuário é levado a uma explicação detalhada sobre a Casa de Cultura Afrobrasileira, onde podemos encontrar outras informações sobre o local, incluindo mais dados sobre a organização responsável pela gestão do local: (...) Desde 2008 [a fazenda] vem sendo gestada pela Associação do Jongo59 Dito Ribeiro, representante do coletivo de entidades da Comunidade Negra de Campinas - Associação Amigas e Amigos da Fazenda Roseira, desenvolvendo atividades de cultura afro, ambiental e lazer. (...)

A parceria do Aos Brados!! com a Fazenda Roseira para a realização da feijoada foi tratada nos seguintes termos: a entidade que administra a casa de cultura cedeu o espaço, em troca o Aos Brados!! abriu mão da venda de bebidas no local. A venda de bebidas foi realizada pelos próprios administradores da fazenda, que reverteram o dinheiro conseguido com a atividade para a manutenção da casa de cultura negra. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

58

Disponível em: . Acesso em: 27.ago.2014. De acordo com Almeida (2007:11), “o jongo é uma forma de expressão que integra percussão de tambores, dança coletiva e elementos mágico-poéticos, tem suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos africanos, sobretudo os de língua bantu, é cantado e tocado de diversas formas, dependendo da comunidade que o pratica. Consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas lavouras de café́ e cana-de-açúcar localizadas no Sudeste brasileiro, principalmente no vale do rio Paraíba do Sul”. 59

!

105

Trago agora, um trecho do diário de campo que trata da I Feijuka da Diversidade, realizada pelos Aos Brados!! no dia vinte e seis de maio de 2013. (...) Entramos.(...) Subimos para conhecer o espaço. Fernanda estava lá (...) Bem em frente, o pórtico dava para uma grande sala, onde se via duas mesas cobertas com papel decorativo, sobre elas estavam grandes panelas com feijoada (...). Enquanto almoçávamos, uma banda de samba tocava. Ao som da música, um casal dançava.(...). A banda parou novamente, foi substituída por um DJ. Algum tempo depois Fernanda apresentou a atração seguinte, era uma mulher lésbica de São Paulo que fazia parte do que Fernanda definiu como mulheres do Hip-Hop. A apresentação seguinte era de uma artista lésbica, parceira do Aos Brados, que cantava MPB. Enquanto ela se apresentava, Fernanda sentou do meu lado, puxou papo e começou a me contar a história da cantora. Ela teria sido expulsa, na adolescência, de um famoso colégio da cidade, o Culto à Ciência. O motivo da expulsão teria sido um beijo entre essa moça e sua companheira, à época. O ato teria sido considerado, pela direção do colégio, como uma ação vulgar, o que gerou a expulsão da então garota. Fernanda contou-me, ainda, que depois da expulsão a menina ficou muito triste, pois desejava para si um futuro melhor. Com pena, Fernanda ensinou-a a tocar violão. Com as aulas ministradas por ela, a garota teria se apaixonado pela música, tornando-se cantora. Além disso, ela e outros membros do Aos Brados!! se reuniram, em frente à escola para realizar um ato contra o ocorrido. Agora era a vez dos shows de drag queens. Fernanda chamou ao palco uma drag queen que também é membro da comissão da Parada para apresentar os shows que viriam a seguir. Muitas das drags que comumente se apresentam na Parada do Orgulho LGBT da cidade se apresentaram, dublando diversas músicas pop60 que estavam em alta nas rádios no momento. Dentre as drags, uma me chamou atenção, ela era muito jovem, inter-

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 60

!

Além de Shakira, Beyoncé e Katy Perry foram algumas das cantoras mais recorrentes. 106

pretou a música Waka Waka, da cantora Shakira. Essa jovem drag, magra e negra, vestia-se com trajes que faziam alusão a vestimentas tribais africanas. Mais tarde descobri que ela era uma dos ganhadores do Concurso de Talentos da Comunidade Padre Anchieta

61

(Diário de Campo, Obser-

vação de atividade realizada pelo Aos Brados!!, 26 de Maio de 2013).

A proximidade entre o Aos Brados!! e a Associação de Jongo Dito Ribeiro, aconteceu através da participação de Fernanda no que intitula movimento de dança. Em entrevista, ela declara que, além do movimento LGBT, tem se aproximado muito do movimento de dança e cultura negra por meio do Jongo. Ao se referir ao movimento de dança, Fernanda faz referência aos esforços políticos em torno da manutenção da tradição de dançar Jongo, enquanto parte constituinte do que pode ser compreendido como uma cultura ou tradição negra, ou afro-brasileira. Ainda que a proximidade entre Aos Brados!! e Dito Ribeiro não exista sem tensões, ela é benéfica ao primeiro grupo. Segundo Fernanda, o grupo hoje atua, principalmente, por meio dos eventos que promovem a cultura de quem está à margem ou é da periferia, ou ainda, a cultura negra e a diversidade sexual. Assim sendo, utilizar um espaço reconhecido como um espaço que luta pela preservação de uma das “manifestações culturais” da cultura negra traz reconhecimento ao grupo dentro desse campo de atuação. A ideia de promover a cultura negra e a cultura da periferia seria uma demanda da própria comunidade homossexual62 – ou de parte dela. Isso porque, segundo a fundadora do Aos Brados, nas apresentações culturais LGBT – podem ser entendidas sobre essa categoria shows de dublagens de drag queens, basicamente – havia pouco espaço para pessoas negras e da periferia, por isso era preciso dar lugar a essas pessoas. Outras manifestações artísticas como o hip-hop, a MPB e o grafite são importantes, segundo Fernanda, na constituição dos eventos do Aos Brados!! – um exemplo disso é a descrição do evento !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 61

O Concurso de Talentos da Comunidade Padre Anchieta é um dos eventos oficiais do Mês da Diversidade Sexual. Suas primeiras versões foram organizadas pelo Aos Brados!!, contudo, na atualidade são membros da própria comunidade que organizam o evento. O concurso escolhe a melhor jovem drag queen do ano. 62 Fernanda utiliza esse termo de maneira genérica para se referir a LGBT. Em alguns momentos, a comunidade homossexual refere ao movimento LGBT de Campinas, em outros a LGBT é utilizado de maneira mais ampla. Em outros momentos, ainda, o termo é utilizado para se referir a pessoas que não fazem parte do ativismo.

!

107

apresentada acima –, porque esse tipo de manifestação cultural não teria espaço em casas noturnas, por exemplo. É interessante notar que, na fala de Fernanda, essas duas ideias, a de cultura negra e a de cultura da periferia aparecem misturadas. Em outros momentos, no entanto, elas podem aparecer separadas, como no caso do candomblé, que seria cultura negra, mas não da periferia necessariamente. Contudo, a fala de Fernanda parece apontar que ambas as culturas seriam marginalizadas. Essa conexão entre cultura negra e cultura da periferia, como apontado anteriormente, deve-se ao processo de politização e valorização da ideia de periferia, processo no qual tal ideia foi reapropriada por movimentos sociais e culturais como uma espécie de categoria social capaz de dar conta de alguns cruzamentos identitários assumidos na vivência de sua condição (ALMEIDA, 2011). A ideia de cultura da periferia de Fernanda parece estar em consonância, também, com a definição apresentada por Nascimento (2011) em seu estudo sobre a “produção cultural” na periferia paulistana: cultura da periferia pode ser descrita como um conjunto simbólico próprio dos membros das camadas populares que habitam em bairros populares, quanto a alguns produtos e movimentos artístico-culturais por eles protagonizados. A cultura da periferia seria então a junção do modo de vida, comportamento coletivo, valores, práticas, linguajares e vestimentas das classes populares situadas nos bairros tidos como periféricos (:13).

O fato de a definição de ambos, os interlocutores de Nascimento e Fernanda, serem parecidas, deve-se, suponho, à circulação de Fernanda por redes de hip-hop ou de “cultura da periferia”, principalmente na capital paulista. Não é incomum que ela traga para apresentar em eventos do grupo pessoas do movimento cultural da periferia de São Paulo. Sua circulação entre essas pessoas pode ter levado Fernanda a utilizar de um termo parecido com o que opera entre eles. Voltando à trajetória do Aos Brados!!, ainda no início da criação do grupo, preocupados em serem conhecidos na cidade apenas como um grupo festivo, alguns de seus membros acordaram que deveriam se envolver também na política LGBT municipal. Isto é, passaram também a se envolver com a política institucional no município. Pego carona nesse comentário para retomar a trajetória política de Fernanda.

!

108

Atuação na política institucional A retomada da atuação política de Fernanda nos traz de volta ao início dos anos 2000. Em 2001, o PT é eleito no município para ocupar o executivo municipal. Cumprindo uma das promessas de campanha, a administração dá início ao processo de implementação do Orçamento Participativo de Campinas. É ainda em 2001, no período posterior à alocação dos homossexuais ao eixo temático da cidadania do OP, que Fernanda volta a se envolver nas disputas políticas municipais. Naquela época, ela apenas editava o jornal Aos Brados!!, o grupo ainda não existia oficialmente, apesar de já contar com apoio de pessoas que viriam, posteriormente, a oficializar o grupo. O envolvimento de Fernanda ocorreu por meio de sua candidatura para ocupar o conselho do OP, representando os homossexuais, tendo sido primeira conselheira escolhida pelo movimento LGBT, em 2001, quando já não fazia mais parte do Identidade. Apesar de saber que essa escolha se deu por um processo eleitoral, não tenho mais dados sobre o ocorrido. No decorrer do processo de implementação do CRGLTTB (Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais), apresentado no capítulo anterior, Fernanda continuou sendo representante dos homossexuais no OP. Segundo ela, sua permanência no conselho não ocorreu sem tensão entre ela e demais ativistas, principalmente aqueles do Identidade. De acordo com a narrativa de Fernanda, muitas vezes era preciso firmar alianças com outras categorias da cidadania, inclusive com celebração de acordos em torno de recursos e demandas a serem atendidas para tais categorias. Além disso, ela aponta que em alguns momentos, ao invés de dar prioridade para os homossexuais, por exemplo, promovia discussões mostrando que, o dinheiro, em certos casos, seria mais necessário em gastos com outras categorias ou regionais. A ideia de ceder recursos conquistados a outros setores ou regionais causava tensão entre Fernanda e os demais ativistas. É importante ressaltar que essa estratégia de atuação retoma uma ideia parecida com a da criação do jornal, a da preocupação no diálogo com pessoas pertencentes a outros movimentos sociais, buscando aliados para além do movimento LGBT.

!

109

Alguns anos depois, Fernanda deixou o cargo de conselheira. Não tive acesso a toda a lista de conselheiros depois de sua saída; Fernanda também não soube pontuar a data exata em que deixou o cargo. Posso afirmar, no entanto, que outros ativistas, em período mais recente, ocuparam tal cargo, como é o caso de João, ativista de identidade. Além dele, como apresentado no capítulo anterior, Mara, a coordenadora do CR, também foi conselheira do OP. Apesar de deixar o cargo, Fernanda continuou a atuar no Aos Brados!! e na Associação da Parada nos anos que se seguiram. Em 2013, se envolveria em uma nova eleição, dessa vez para ocupar o cargo vacante de coordenador da Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas (CPDS) após a exoneração de Lucas. O que é marcante na trajetória do Aos Brados!! é a importância de atores diversos como: MST, PT e CUT e setores do movimento negro, como a Comunidade Dito Ribeiro, além da circulação de Fernanda por redes articuladas em torno do hip-hop e da “cultura da periferia”. Tais relações, como podemos ver a partir da trajetória apresentada acima, tem impacto direto não só nas ações do grupo, mas em sua institucionalização e manutenção financeira. Se foi a partir de sua própria experiência dentro do movimento LGBT que Fernanda decidiu que o Identidade não teria a capacidade de compreender pelo que passava um homossexual da periferia, foi na interlocução com os sindicatos, PT, o movimento negro, e as articulações em torno da “cultura da periferia” que ela encontrou os caminhos e as ferramentas para forjar um grupo voltado para o que entende como LGBT negros e da periferia. Antes de retomar as articulações em torno da indicação, pelo movimento LGBT, de um novo coordenador para a CPDS, apresento, na próxima seção, a trajetória do E-Jovem, e de seu criador em Campinas, Leandro. Terminada a exposição a análise sobre a rede jovem LGBT brasileira, fecho este capítulo com a indicação de Fernanda, pelos ativistas de Campinas, como coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual, buscando compreender como operaram as relações entre os grupos entre si e com partidos políticos.

Combate à homofobia e à hebifobia: a rede ativista E-Jovem ! Durante toda a realização da pesquisa sobre o grupo Identidade, e da posterior pesquisa sobre a criação do CRGLTTB, tive contatos esporádicos com membros do E!

110

Jovem. Tal contato só passou a ser mais frequente quando decidi, na pesquisa de mestrado, realizar observação participante das reuniões da Associação da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. O E-Jovem contava à época com dois de seus principais membros na associação e foi responsável, em 2013, pela organização de dois dos eventos do Mês da Diversidade Sexual. Os dois membros em questão são o casal Laura e Leandro. Laura é uma drag queen da cidade, que trabalha há algum tempo com apresentação de shows em casas noturnas, além disse foi presidente da rede E-Jovem. Leandro é seu marido e um dos fundadores do E-Jovem. O E-Jovem surgiu como um website voltado para jovens LGBT para, posteriormente se firmar enquanto uma rede que congrega grupos ativistas (os E-grupos), em diversas cidades do país. Como apontei acima, esta segunda parte do capítulo tem como foco a criação da rede “E-Jovem de Adolescentes Gays, Lésbicas e Aliados”. Para tal, optei como estratégia textual, assim como na seção anterior, apresentar a trajetória política de um dos fundadores da rede, Leandro. Minha relação com os ativistas e atividades do E-Jovem não foi tão frequente quanto aquela que estabeleci com os ativistas do Aos Brados!!, haja visto que não tive possibilidade de realizar observação em reuniões e atividades do grupo. Assim sendo, o material utilizado para a confecção deste item tem como base, principalmente, a entrevista feita com um dos criadores da rede, Leandro, além de uma análise realizada, em maio de 2014, no website do E-Jovem. Primeiros passos: do site à rede Leandro nasceu no Rio de Janeiro, no entanto, passou boa parte de sua infância e adolescência na capital paulista. Atualmente tem por volta de quarenta e cinco anos – ele não informou a data de nascimento em entrevista, nem a idade de maneira precisa. Nos anos 2000, mudou-se para Campinas, para estudar Física na Unicamp, posteriormente, es-

!

111

tudou também jornalismo na Facamp63. No que diz respeito à sua profissão, trabalha como assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP). Ele concebe-se enquanto gay no que diz respeito à sua orientação sexual. Quando indaguei acerca da existência de algum termo para se auto-referência no que tange a cor/raça, ele me respondeu que era negro e que tal definição era importante politicamente. Além disso, Leandro é filiado ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil), segundo ele essa foi sua primeira e única filiação partidária, ele não pontuou, ao certo, quando se filiou ao partido, mas comentou que chegou a concorrer ao cargo de vereador do Campinas pelo PC do B. Segundo Leandro, sua frequência em fóruns e bate-papos LGBT na internet o levaram a indagar sobre a falta de informações acerca da homossexualidade na adolescência e na juventude. A percepção da carência de informações levou-o a administrar, junto com outros amigos, um website voltado para jovens LGBT, o ejovem.com, criado em 2001. A criação do site é justificada não só pela carência da informação, mas também pela experiência de alguns dos criadores. Isto é, segundo Leandro, por já terem passado pela adolescência, ele e seus amigos sabiam das dificuldades dessa fase, principalmente no que tange à falta de informação sobre homossexualidade e juventude. Assim sendo, decidiram dividir seus conhecimentos com outros jovens, para que, diferentemente deles, não precisassem aprender tudo sozinhos. O website traz discussões diversas sobre juventude e homossexualidades nos mais variados temas, como a relação com a família, com a escola, com amigos. Além disso, tratava especificamente de questões relacionadas à sexualidade de jovens LGBT, focandose na prevenção de DST, no uso de preservativos, além de explicações sobre virgindade, masturbação e sexo. Notícias sobre militância LGBT, política, direitos, e outras também estão disponíveis no site. Além dessas informações, o visitante do site tem acesso a uma série de mensagens da presidente da rede, onde ela dava mais informações sobre sua atuação. Há !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 63

Não consegui encontrar o significado da sigla em fontes oficiais. Alguns websites sobre vestibulares referiam-se à instituição como “Faculdades Campinas” ou “Faculdades de Campinas”. Em decorrência da falta de informações oficiais acerca do significado da sigla, optei por não inseri-la na lista de siglas encontrada no início desta dissertação de mestrado.

!

112

ainda, outras informações em uma seção que falava sobre revolução. Trago agora um pequeno trecho dessa seção, escrita por Leandro: Sou apenas um jovem gay que acordou pra vida. Que se deu conta de que o preconceito contra homossexuais é uma opressão sexual nos mesmos moldes da opressão do homem sobre a mulher. Que, por sua vez, tem tudo a ver com a origem da família, da propriedade privada e do Estado. Ou seja, tem tudo a ver com a ascensão do capitalismo e do neoliberalismo64. Sim, meus caros, a homofobia é capitalista. (...) Em outras palavras, lutar contra a homofobia é lutar contra o capitalismo. (...) Assim como é importante que todos defendam e lutem pela libertação gay, também é fundamental que defendamos a necessidade de uma sociedade socialista, uma sociedade onde a ideia de libertação gay torna-se uma realidade palpável, e onde a divisão artificial entre “heterossexuais” e “homossexuais” possa ser derrubada de uma vez por todas. Esse é um debate que quero lançar aqui no E-jovem. O que seria uma Revolução Gay? Por que lutar contra a homofobia é lutar pelo socialismo? Qual papel podem ter os jovens gays nisso tudo? 65

A ideia de Leandro de que a libertação gay só seria possível com o fim da sociedade de classes já havia sido apresentada para mim algum tempo antes de meu contato com o trecho do texto acima citado. Eu já havia dado fim às incursões a campo e entrevistado Leandro, o último entrevistado da pesquisa de mestrado, quando publiquei um pequeno texto no facebook onde criticava a ideia de que todas as opressões seriam derivadas da classe. Alguns minutos depois, para minha surpresa, Leandro fez um grande comentário onde, assim como no texto acima, apontava que as origens da opressão sexual e, portanto, para ele, da opressão por orientação sexual, a homofobia, estão nas próprias origens da !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 64

Mantive a grafia original. Trecho do site do grupo recuperado através da ferramenta online disponível no site . Acesso em: 23.nov.2014. Assim como a grafia, os negritos do original foram mantidos. Pesquisei as informações do site do E-jovem através dessa ferramenta porque, no período de análise, o site se encontrava fora do ar. 65

!

113

família, da propriedade privada e do Estado, fazendo alusão ao livro de Engels (1934 [1884]). Essa clara referência ao pensamento marxista tem suas bases, arrisco afirmar, na formação partidária de Leandro, que, como já ressaltado, é filiado ao PCdoB e aparenta ter atuação relevante no partido, participando de reuniões e outros eventos, além de, como apontei, ter concorrido a candidato a vereador em Campinas pelo partido. No site do PCdoB é possível encontrar uma pequena biblioteca66 com alguns livros marxistas. Alguns dos documentos publicados fazem também referência a um projeto socialista para o Brasil. Se a relação entre o PCdoB e um grupo ativista dedicado a jovens homossexuais pode, à primeira vista, parecer inusitada, é preciso lembrar o notório envolvimento do PCdoB nos movimentos de juventude em âmbito nacional, especialmente no movimento estudantil, por meio da corrente União da Juventude Socialista – UJS. Não é preciso se aprofundar muito na literatura sobre movimentos de juventude e movimento estudantil no cenário contemporâneo para encontrar indícios da posição hegemônica que essa corrente tem ocupado no movimento. Num texto sobre movimento estudantil na virada dos anos 1990 para os 2000, momento em que surge o E-Jovem, Andreza Barbosa (2008) indica uma extrema partidarização da União Nacional dos Estudantes (UNE) e fala da fragmentação no movimento estudantil por disputas partidárias, mas ao analisar o 47º Congresso da UNE, lista uma série de palavras de ordem ouvidas na plenária: a maior parte delas se referia à UJS, sendo que destas, a maioria em tom acusatório ou pejorativo, provalmente vindas das várias outras correntes e/ou partidos que procuravam disputar o lugar hegemônico. No E-Jovem, a influência da relação com o PCdoB e a utilização do termo socialismo não são restritas apenas aos textos publicados no ejovem.com, a palavra socialismo se encontra, também, no símbolo gráfico do grupo (figura 1), composto por uma placa vermelha, onde se lê o nome do grupo, com um veado em cima, dividindo as palavras “desde” e “2001”, abaixo da placa lê-se: “socialismo + gay + adolescente”.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 66

Disponível em: < http://www.pcdob.org.br/documentos_indice.php?id_documento_pasta=54>. Acesso em: 23.nov.2014.

!

114

Figura 1 - Símbolo do E-Jovem

Além do site, os criadores e usuários passaram a se comunicar também por meio de uma lista de e-mails. Segundo Leandro, em 2002, a lista chegou a ter mais de cinco mil pessoas, de todas as partes do Brasil. Essa interação pelos fóruns do site e pela lista de e-mails deu origem à criação de um projeto que, apesar de baseado no site, seria também realizada fora dele: a produção de um curta-metragem intitulado “Meu Cachorro Gay”. As discussões para a criação do roteiro foram feitas por meio da internet, apenas as gravações aconteceram offline. O encontro para escolha dos atores e o seguinte, para gravação do filme, foi a primeira oportunidade de contato presencial dos usuários e idealizadores do ejovem.com. Apesar da importância do site, os idealizadores e usuários passaram a discutir o baixo alcance da internet, segundo Leandro, apenas cinco por cento da população brasileira teria acesso à internet em 2002. Por esse motivo, começaram a pensar em alternativas de atuação para além do site, ou, nas palavras de Leandro, para o mundo real. Quando começaram a discutir a formação de um grupo, perceberam que isso não seria possível, uma vez que as pessoas interessadas estavam distribuídas nas mais diversas regiões do país. Assim sendo, decidiram pela formalização de uma rede, no ano de 2004. O E-Jovem se define como uma rede de adolescentes e jovens ativistas no combate à homofobia e à hebifobia, sendo este último o preconceito contra jovens. Segundo seu !

115

fundador, a rede, pouco menos de um ano depois de sua fundação já contava com vinte Egrupos no Brasil. Ao marcar a importância da existência do E-Jovem, Leandro afirma: Sempre é uma militância difícil esse nicho nosso de juventude LGBT, porque no movimento LGBT os jovens é que eram meio menosprezados, na juventude eram os gays. Então nas duas a gente era um foco a ser discriminado, então a gente tinha que vencer a discriminação nos dois lados (Entrevista com Leandro, julho de 2014, grifo meu).

Ainda que aqui o termo soma de opressões ou dupla discriminação não esteja sendo usado, podemos ver que opera uma ideia de uma “marginalização dupla”67. Os jovens são menosprezados no movimento LGBT e os LGBT no movimento de juventude. É interessante notar duas categorias aqui, a primeira é militância difícil e a segunda, a ideia de menosprezo. No caso da militância difícil, Leandro parece apontar para uma maior dificuldade dos militantes pela juventude LGBT, em relação a pessoas que fossem apenas ativistas LGBT. Tal dificuldade faz alusão ao discurso acerca da soma de opressões, mencionado por Facchini (2009)68. Ainda que o termo utilizado não seja exatamente esse, Leandro fala do menosprezo por ambos os lados. A ideia de menosprezo é interessante porque nos remete as falas de Fernanda sobre a criação do Aos Brados!!. Na fala de Fernanda, existe sempre um silenciamento das pessoas que estavam às margens – LGBT da periferia, no caso dela. O menosprezo com relação aos jovens LGBT opera no mesmo sentido, sempre apontando para uma carência, no movimento, em saber lidar com questões específicas que não envolvam apenas orienta!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 67

O termo em questão aparece entre aspas por ser uma categoria aproximativa que utilizo para analisar a narrativa do interlocutor em questão. 68 Facchini (2009) indica que, apesar das questões que envolvem o racismo e o machismo serem pontuadas desde os primeiros tempos do movimento homossexual brasileiro, a necessidade de descrever o público alvo e suas demandas faz entrar em cena no início dos anos 2000 a problemática das opressões mais específicas que segmentos diferentes da população LGBT sofreriam. Essas discussões pautam-se nas ideias em torno das transversalidades, que, por sua vez, tem como base relações entre as mais variadas formas de opressão. No entanto, diferentemente das discussões acerca das interseccionalidades, “a noção de transversalidade (…) é frequentemente tomada a partir de uma operação que sobrepõe segmentos e soma opressões, num processo que remete a tensões na interpretação de interseccionalidades” (FACCHINI, 2009: 144).

!

116

ções sexuais e identidades de gênero. Em ambos os casos, tais acusações são mobilizadas para justificar o rompimento com grupos que se entendem como mistos, como é o caso do Identidade, e a criação de um grupo específico, o que se deu também no caso do Mo.Le.Ca.. A organização do E-Jovem é baseada em E-grupos, que seria um grupo Ejovem de determinada cidade. Existem regras para formalizar a existência de um grupo, que tem membros e presidente próprios. Encontros nacionais da rede acontecem periodicamente. Neles, os membros dos diversos E-grupos escolhem o presidente da rede. O E-Jovem de Campinas é conhecido como E-Camp. Até pouco tempo, Laura, que é casada com Leandro e foi, por algum tempo, presidente do E-Camp, era também presidente da rede E-Jovem. Campinas também é a sede nacional da rede. O fato de Campinas ser a sede, e de Laura, a presidente do E-Camp, também presidir a rede E-Jovem, aponta para uma centralidade do E-Camp dentro da rede, essa centralidade só deixou de existir em 2014, quando Leandro e Laura mudam-se para São Paulo. Apesar da aparente centralidade do E-Camp na rede, Leandro afirma que isso tem mudado, segundo ele, o E-Camp funcionaria mais como um fomentador de outros grupos. Assim sendo, num primeiro momento, quando os primeiros E-Grupos estavam sendo criados, o E-Camp funcionava como um modelo e apresentava diretrizes aos demais. Contudo, segundo ele, cada um desses grupos vai se fortalecendo e ficando mais independente conforme o tempo passa. O website do E-Jovem conta com outras informações além daquelas referentes à sexualidade de jovens LGBT, apresentadas parágrafos acima. Além dessas informações, há explicações detalhadas sobre o que é o E-Jovem e qual é a política da rede. Nessas informações é possível encontrar uma lista com alguns dos E-grupos espalhados pelo país69. Além disso, há um incentivo para que jovens que vivessem em cidades onde não existem Egrupos criem seus próprios grupos para fazer parte da rede. Dessa maneira, é possível encontrar informações detalhadas sobre a criação de um grupo. Dentre elas, está a necessida!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 69

Leandro não pontuou o número exato de e-grupos existentes na atualidade, em entrevista comentou apenas que no período em que decidiram que a sede seria em Campinas, entre 2003 e 2004, o E-Jovem já contava com mais de vinte e-grupos espalhados pelo país. Além disso, cabe enfatizar que a lista, como dito, mostra alguns dos e-grupos espalhados pelo país e não todos.

!

117

de de que alguns membros se unam em uma reunião, registrem uma ata e depois encaminhem-na para o e-mail da rede. No que tange à relação do E-Jovem com outros atores sociais, Leandro elenca principalmente o Conselho Nacional da Juventude, a União da Juventude Socialista e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. A relação com o Conselho Nacional de Justiça se dava por meio de Laura, que era uma das conselheiras da juventude. Nas palavras de Leandro, Laura representava os jovens gays do Brasil inteiro por conta disso. O grupo em Campinas mais próximo do E-Camp é o Aos Brados!!. Tanto Fernanda – a fundadora do Aos Brados!! – quanto Leandro afirmaram que o que mais os aproxima é que a atuação de ambos os grupos é bem centrada na juventude. Isso porque, segundo Leandro, ainda que o Aos Brados!! não seja um grupo voltado para jovens LGBT, eles saberiam lidar com os jovens, capacidade que os demais grupos da cidade não possuiriam. A Escola Jovem LGBT Os focos de atuação do E-Jovem são a saúde e a educação, centrados nos jovens LGBT. Assim sendo, um dos principais projetos da rede foi a Escola Jovem LGBT. A Escola é uma iniciativa E-Jovem em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, por meio do Programa Ponto de Cultura, do Ministério da Cultura. Tal programa, segundo a página do Ministério da Cultura70, promove o estímulo às iniciativas culturais da sociedade civil já existentes, por meio da consecução de convênios celebrados após a realização de chamada pública. Sua prioridade são os convênios com governos estaduais e municipais, além do Distrito Federal, para fomento e conformação de redes de pontos de cultura em seus territórios. Atualmente, as redes estaduais abrangem 25 unidades da federação e o Distrito Federal. Já as redes municipais estão implementadas, ou em estágio de implementação, em 56 municípios.

Segundo Leandro, a Escola Jovem LGBT tinha como objetivo combater a homofobia e as altas taxas de suicídio entre jovens e adolescentes gays. Os cursos oferecidos variavam entre: Sociologia da Homossexualidade, WebTV, Dança, Música, Criação de Fanzines, Criação de Revistas, Teatro, Literatura, Cinema e o exclusive curso de Drag !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

70

!

Disponível em: . Acesso em 21.mar.2014. 118

Queens, entre outros. Nem todos os cursos citados acima foram oferecidos por todo o período de existência da Escola. A parceria entre o Estado de São Paulo e o grupo teve início em 2010 e acabou em 2013. Cabe ressaltar que, apesar do nome, qualquer adolescente ou jovem podia participar do projeto, sendo LGBT ou não. O foco do grupo na educação passou a ser mais latente, segundo Leandro, no período posterior à realização de uma série de Conferências Livres. Essas conferências faziam parte das etapas locais da I Conferência Nacional LGBT e podiam tratar de temas específicos. Assim sendo, o E-Jovem decidiu que seria importante realizar a discussão em torno da juventude LGBT, levantando suas demandas. A principal demanda levantada pelos participantes teria sido a sobrevivência na escola. O impacto dessa necessidade de sobrevivência na escola levou a direção da rede a pensar em iniciativas educacionais, dentre elas, a criação da Escola Jovem. O anúncio da criação da Escola Jovem não aconteceu sem alguma polêmica. Críticas desinformadas vinham de diversos setores da sociedade, inclusive de ativistas do Movimento LGBT. Durante o período da pesquisa, mais de uma, vez fui indagado quando comentava sobre meu trabalho de campo em Campinas, se possuía mais informações sobre a escola para gays que havia na cidade. Entre os diversos boatos, um dos mais fortes era de que o espaço seria uma escola de ensino médio só para LGBT, em uma espécie de modelo segregacionista. Apesar dos burburinhos iniciais, e da satirização por programas de comédia, as notícias que se seguiram eram mais explicativas e trouxeram alguma atenção para a escola. O término do projeto em Campinas deu-se por dois motivos. O primeiro deles foi o encerramento do financiamento pelo governo do estado de São Paulo. O segundo foi a mudança de Laura e Leandro da cidade. Leandro era o diretor da escola. Além disso, com sua mudança, o grupo em Campinas parece ter se desarticulado um pouco. Assim sendo, Laura e Leandro estão estudando transferir o projeto para a Região Metropolitana de São Paulo. O E-Jovem é organizado enquanto ONG, possui estrutura interna formalizada e utiliza recursos públicos para realização de suas atividades. Um exemplo da parceria entre o grupo e o governo é a Escola Jovem LGBT.

!

119

Um grupo não só de militância No que diz respeito à atuação do grupo, quando perguntei a Leandro em que frentes se realizam, ele me respondeu que o E-Jovem atua a partir de três frentes que são os três estágios que a gente fala, porque geralmente a pessoa entra no primeiro estágio e vai até o terceiro, mas algumas ficam no primeiro, outras param no segundo, e um pequeno porcentual chega ao terceiro. (...) Então o que é o primeiro? O primeiro objetivo do E-Jovem é dar apoio para o jovem LGBT, que acabou de se descobrir, tá no armário ainda, não sabe o que é direito, como é que é ser gay (...). (...) depois o passo dois é fazer a formação e informação desses jovens. Então a gente troca informação, tem palestra, tem debate, tem bate-papo, tem vídeo, (...) tudo isso para enriquecer a bagagem desse jovem LGBT, até para que ele se entenda melhor, para que ele consiga ter argumento para começar a ... em casa, na escola e em algum lugar. E o terceiro ponto é a parte da militância mesmo, lutar pelos direitos desse jovem LGBT. Tem gente que só quer fazer uma amizade, dar um apoio, sair para ferver e tal, e não quer se informar mais, não quer militar, tem gente que até quer se informar, mas não quer militar, e tem uma parcela que vai até a militância. Então a gente não é um grupo só militante porque tem aquele povo que não quer ir para a rua direto, que quer sentar e conversar primeiro. Entendeu? (Entrevista com Leandro, julho de 2014).

Os três passos de que fala Leandro são interessantes porque marcam uma distinção entre o que seria militância ou não. Assim, afirmar que o grupo não é só militante demarca ações e atividades relacionados a lutar pelos direitos como militantes, o oferecimento de informações e a positivação da homossexualidade, por outro lado, não são vistas da mesma maneira. Se por um lado isso define atividades militantes e outras que são como um suporte ou preparação para que talvez se forme um militante, por outro, inclui num mesmo conjunto de ações, que cabe ao grupo realizar, a sociabilidade relacionada ao apoio e a oferta de informações. Assim, se o grupo alude a dicotomias como política x autoajuda – como se registra na literatura que tratou do Somos, do Triângulo Rosa e do Corsa (Ma!

120

cRae, 1990; Câmara, 2002; Facchini, 2005), grupos que atuaram em três diferentes décadas no Brasil –, ele reconhece todas as atividades como necessárias e toma para si sua realização. Atuação na cidade Voltando ao E-Jovem, passemos agora das manifestações que o grupo organiza na cidade. Como pontuado anteriormente, o E-Camp, representado por Laura e Leandro, fazia parte da Associação da Parada LGBT de Campinas. Assim, como o Aos Brados!!, o grupo é responsável pela organização e execução de algumas das atividades do Mês da Diversidade Sexual de Campinas. Big Juice Enquanto estive em campo, acompanhei duas atividades organizadas pelo EJovem, o Big Juice e o Divas. Uma terceira atividade estava marcada para ocorrer naquele ano, a Mostra de Arte LGBT, entretanto, em decorrência de uma manifestação marcada na cidade para o mesmo dia, o evento foi cancelado71. Em 2013, o Big Juice aconteceu no dia 28 de junho, à noite, na Praça Bento Quirino, região central de Campinas. O nome do evento é tradução para o inglês da alcunha da praça: Sucão. Essa alcunha tem origem no nome de uma antiga lanchonete situada no local. Segundo uma espécie de mito da ocupação homossexual na praça, um casal teria sofrido homofobia por parte do dono da lanchonete Sucão. Em retaliação, homossexuais foram, cada vez mais, frequentando tal lanchonete e a frequência passou a ser muito alta. Com o tempo, o dono do bar desistiu do ponto e o vendeu a outra pessoa. A nova lanchonete se tornou assim uma espécie de restaurante GLS. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 71

O Mês da Diversidade Sexual é comumente realizado no mês de junho, isso ocorre porque no vigésimo oitavo dia desse mês é comemorado o dia do orgulho LGBT. A manifestação que gerou o cancelamento do evento em questão fazia parte do que ficou conhecido como Manifestações de Junho. Esse conjunto de manifestações teve início com o Movimento Passe Livre denunciado os altos preços do transporte público no Brasil e clamando por transporte gratuito. O movimento, no entanto, tomou proporções nacionais, e gigantescas, congregando diversos atores e reivindicando um número muito maior de questões. Não raro esses episódios terminavam em violência policial. Em Campinas eles aconteceram no centro da cidade, próximo da localização do evento. Preocupados com a violência policial resultante nas manifestações, o E-Jovem decidiu não realizar a mostra de arte.

!

121

De acordo com Pelúcio e Duque (2013), a Praça Bento Quirino, entre 2010 e 2011, havia se tornado um local de lazer de jovens que não se identificavam com a heterossexualidade. Muitos/as deles/as vinham de bairros periféricos para, na Praça do Sucão, encontrar pessoas, namorar, se montar, beber e, eventualmente, participar de atos políticos que também costumavam ter lugar ali (:10).

Além disso, a Praça do Sucão, já há alguns anos, tem se notabilizado por reunir garotos e garotas que buscam experiências afetivas e sexuais com pessoas do mesmo sexo. Nas conversas que tivemos com alguns/algumas jovens que circulam por ali, ficou perceptível a valorização do local como espaço de lazer e sociabilidade “das gays mais novas” (:14-15).

O relato etnográfico de Pelúcio e Duque é de 2010 e 2011, apesar da diferença temporal, em 2013, quando estive em campo, a praça continuava sendo importante espaço de sociabilidade para pessoas jovens que mantêm relações afetivo-sexuais com pessoas do mesmo sexo. Ademais, a praça também se manteve como importante palco das manifestações da cidade. Durante a realização do trabalho de campo, o Sucão foi ponto de concentração de duas manifestações por direitos LGBT e foi palco de uma intervenção sobre as origens da homofobia. Como vimos, o E-Camp é um grupo local pertencente à rede E-Jovem e atua na luta contra a discriminação de jovens LGBT. Dessa maneira, realizar a atividade em um espaço de conhecida frequência desse público alvo é estratégico. Isso porque, dessa maneira, não existe a necessidade de uma divulgação massiva, afinal, todas as semanas, os jovens LGBT já frequentam a praça. Ao mesmo tempo que é estratégico para o grupo, é uma oportunidade de dar aos jovens acesso a performances que são apresentadas em casas noturnas. Como a maioria das pessoas que frequenta a praça é menor de idade, muitos deles podem não ter a oportunidade, em decorrência da idade, de assistir shows de drag queens em casas noturnas. Apresento agora um extrato de meu diário de campo sobre o evento:

!

122

(...) Como na maioria dos eventos da Parada, uma famosa drag queen da cidade foi a apresentadora. (...) A apresentação foi centrada na boy band composta por alguns dos alunos do curso de dublagem da Escola Jovem LGBT, banda cover da britânica One Direction, autodenominada Gay Direction. (...) O Show consistia na dublagem de algumas das músicas da One Direction. Entre os intervalos das músicas, os membros da banda interagiam com a plateia. Dentre o que falaram, notei críticas ao pastor e deputado federal Marco Feliciano, a seu projeto alcunhado de “cura gay”. Além disso, os garotos lembraram que o evento, assim como todos os que compõem o Mês da Diversidade Sexual, era apoiado pelo Programa Municipal de DST/Aids. Em seguida comentaram da importância do teste de HIV e da prevenção, afirmaram que muitos jovens não utilizam camisinha e, por isso, são vulneráveis à infecção (Diário de Campo, Observação das Atividades do Mês da Diversidade Sexual de Campinas, 28.06.2013).

A banda em questão, que foi central na apresentação, como comentado na citação extraída do diário de campo, dubla uma boy band. Em conversa informal, Laura comentou que os garotos eram alunos da Escola Jovem LGBT, e que, a criação da banda foi iniciativa deles próprios. Segundo ela, os meninos faziam o curso de dublagem, mas não estavam interessados em ser drag queens, diferentemente de boa parte de quem participa do curso de dublagem. Assim sendo, decidiram pela criação da banda cover. Como comentei anteriormente, Leandro ressaltou que os focos de atuação do grupo são, principalmente, a saúde e a educação. Assim sendo, era de se esperar que as falas fossem voltadas para a prevenção de DST/Aids. Contudo, cabe ressaltar que a prevenção de DST/Aids e a insistência no uso da camisinha, bem como sua distribuição acontece, se não em todos, na maioria dos eventos do Mês da Diversidade Sexual de Campinas. As críticas a políticos religiosos conservadores, e, principalmente ao pastor e deputado federal Marco Feliciano, também não foram incomuns nos demais eventos do Mês da Diversidade Sexual. Naquele ano, havia forte mobilização nacional contra tal projeto. Notícias na mídia segmentada, e mesmo na grande mídia, geraram manifestações em diversas partes do país, inclusive em Campinas.

!

123

Divas Voltando às atividades do E-Jovem, falemos um pouco do evento Divas, também organizado pelo grupo no Mês da Diversidade Sexual de Campinas. No que tange às características mais gerais, ambos os eventos são parecidos. No entanto, se no primeiro caso, a centralidade do evento girava em torno dos meninos do Gay Direction, no segundo eram as jovens drag queens da escola que apresentavam-se com mais tempo. Em 2013, a apresentação tinha como título Brasileiríssimas. A proposta era que as diversas drag queens cantassem e dançassem músicas brasileiras. Essa característica de música e dança brasileira performada por drag queens é interessante porque, pelo menos em meu trabalho de campo, é um pouco incomum. Na maioria dos shows que pude acompanhar, o foco de dublagem foi em músicas pop estrangeiras, geralmente cantada em inglês. Além da organização de eventos, o E-Jovem, assim como o Aos Brados!!, esteve presente em alguns dos processos em torno da política institucional municipal. Dentre esses processos, ressalto a escolha para o novo Coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas, que será nosso fio condutor para adentar o universo da interação política entre uma parte do conjunto de atores que foi sendo apresentada ao longo desta dissertação.

Disputando a Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual Como vimos no capítulo anterior, Lucas ocupou o cargo de coordenador da CPDS até 2013, quando foi exonerado. A partir desse momento, a Coordenadoria, que consistia apenas no próprio coordenador, continua existindo no organograma da Prefeitura, no entanto, permaneceu sem coordenador. No período em que se deu a exoneração, acompanhei uma atividade do grupo Identidade da qual Lucas participou. No fim dessa atividade, ele avisou ao grupo que havia sido exonerado do cargo, que agora se encontrava vacante. No primeiro momento, os ativistas do Identidade pareceram pouco se preocupar com a exoneração de Lucas. Essa atitude, no entanto, se modificou pouco tempo depois. Alguns meses depois da exoneração de Lucas, com o cargo de coordenador da CPDS ainda em vacância, o Identidade convocou uma reunião com o movimento LGBT !

124

para que fosse discutido o que seria feito com relação à falta de um coordenador. A reunião aconteceu na sede do CR, no dia sete de abril de 2013. Nessa reunião, estavam presentes alguns usuários do CR, a psicóloga e o advogado, além de ativistas do E-Jovem e do Identidade. Os membros do Identidade tinham duas intenções com a reunião: a primeira era mostrar aos demais ativistas presentes, com base na trajetória de Lucas – detalhada no capítulo anterior – que o movimento possuía um direito histórico ao cargo, e, portanto, teria o direito de escolher um representante. A segunda intenção era apresentar Márcia, uma ativista travesti do grupo, que naquele momento trabalhava no Centro de Referência de Defesa da Diversidade (CRD), como a pessoa mais indicada para ocupar a coordenação. O motivo que levou o Identidade a abandonar sua posição de desinteresse e a propor um nome para ocupar o cargo foi, segundo alguns de seus ativistas, a possibilidade de nomeação, por parte do prefeito, de pessoas que não eram vistas como ativistas pelos membros do Identidade. Assim sendo, a estratégia utilizada pelo grupo foi a critica a Lucas enquanto gestor, apontando que os problemas na relação da CPDS com o movimento LGBT foram causados pela gestão de Lucas. Além disso, ressaltaram que essa teria sido uma má gestão. Dessa maneira, apontar Márcia, uma militante que tem boas relações com os diversos grupos da cidade, era uma atitude estratégica. Em contrapartida às críticas do Identidade, Clara, a psicóloga do CR, defendia Lucas. A psicóloga ressaltou que a CPDS, além de não existir legalmente – por não ter sido formalizada –, era composta apenas por seu coordenador, Lucas, o que acarretava em excesso de trabalho para ele. Tal excesso de trabalho, segundo ela, dificultava a gestão de Lucas, além de tornar todo o serviço do coordenador mais lento, uma vez que era responsável por todas as ações da coordenadoria. Voltando à indicação de Márcia, ela, de fato, não tem relações muito tensas com nenhum dos outros grupos da cidade, o que facilitava a possibilidade de que ela fosse escolhida. Apesar disso, membros do E-Jovem – que é ligado ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil), partido que faz parte da coligação que venceu as eleições para o executivo municipal em Campinas – tinham interesse em indicar uma ativista para ocupar o cargo. !

125

A ativista em questão era Laura, que lembrou os demais ativistas da cidade, mais de uma vez, que escolher um candidato que fizesse parte de um partido membro da coligação que venceu as eleições municipais era algo estratégico. A intenção dos ativistas do Identidade era de que aquela reunião resultasse na indicação de uma (ou um) ativista para ocupar a CPDS. Cabe ressaltar que, como vimos, o interesse era que Márcia fosse indicada. Entretanto, depois de muita disputa, ativistas do EJovem convenceram os demais de que outra reunião, que fosse convocada publicamente, seria necessária para indicar um representante dos ativistas de Campinas para compor a CPDS. A alegação do E-Jovem acerca da necessidade de uma outra reunião pautou-se na constatação do número reduzido de presentes, segundo eles, uma reunião pública agregaria mais pessoas. A reunião seguinte aconteceu no dia 14 de Abril. Havia um número maior de pessoas em comparação à reunião anterior. Os ativistas se encontraram na sede do Centro de Testamento de AIDS (CTA) do Programa Municipal de DST/AIDS de Campinas. Trago agora uma descrição, proveniente do diário de campo, da reunião a seguir. (...) Dentre as pessoas que ali estavam, pude identificar membros do EJovem, do Aos Brados!! e do Identidade e da Associação da Parada LGBT de Campinas. (...)Depois das discussões, Márcia abdicou de sua candidatura em favor de Fernanda. (...) Uma ativista do Mo.Le.Ca. propõe que seja feita uma lista com três nomes, e que os três sejam enviados ao prefeito da cidade. Nesse momento acontece muita discussão, ninguém concorda. Ela decide então perguntar quem está se candidatando. Começa uma discussão acerca de quem poderia se candidatar. Luana, uma empresaria GLS local e Laura, uma drag queen do E-Jovem ex-presidente e ativista do grupo, tem seu caráter militante questionado. Num primeiro momento, alguns membros do Identidade tentaram discutir quem seria ou não ativista, pontuando que só pessoas que pertencem a grupos organizados são ativistas. Entretanto, quando Laura lançou sua candidatura, o questionamento veio no sentido de deslegitimar as ações do E-Jovem como políticas (...).

!

126

Depois de muita discussão foram para votação os nomes de Luana, Cláudio, Júlio, Laura e Fernanda. Luana, além de empresária GLS local tem ligação com o PSB, partido do atual prefeito da cidade, Jonas Donizette. Cláudio é ex-militante do Identidade, do Aos Brados!! e também participou mais de uma vez da organização do Mês da Diversidade Sexual de Campinas, suas relações, principalmente com o Aos Brados!! e o Identidade são tensas, tendo sido convidado a se retirar de ambos os grupos. Júlio é militante do Identidade e advogado do CR, mas não tinha apoio nem dos funcionários do CR, nem do membros do Identidade. Laura, como comentado anteriormente, era, naquele período, presidente da rede nacional E-Jovem e do E-Camp. Fernanda é membro fundadora do Aos Brados!!. Depois que os nomes foram apresentados, os grupos e os apoiadores de cada candidato se reuniram para discutir. Um pouco antes de a reunião recomeçar, Laura procurou Fernanda para avisá-la que abdicaria em seu nome. Laura anunciou publicamente que retirava sua candidatura. Fernanda foi escolhida como indicação do movimento para ocupar a CPDS. Enquanto finalizavam a reunião, os ativistas decidiram criar uma comissão para garantir que o novo cargo fosse criado, e que Fernanda fosse indicada. Fernanda me disse que respondeu a ele que não faria isso. (Diário de Campo, Observação de Reunião do Movimento LGBT, 14 de Abril de 2013).

A partir das duas reuniões que acabei de apresentar, é possível pontuar o importante papel dos partidos políticos nos processos políticos municipais. Tanto na primeira reunião, quanto na segunda, o pertencimento partidário pautou, em grande medida, as discussões. Na primeira delas, temos Laura evocando seu pertencimento ao PCdoB. Sua estratégia foi lembrar que, escolher um coordenador que fizesse parte de um partido da coligação, facilitaria, não só sua nomeação, mas também a realização de atividades, uma vez que teria algum apoio partidário.

!

127

Já no caso de Fernanda, apresentado na segunda reunião, o problema seguia lógica contrária. Sua filiação ao PT, partido que concorreu às eleições municipais em coligação diferente daquela que venceu as eleições municipais, poderia dificultar mais sua nomeação do que ajudar. Além disso, caso fosse nomeada, Fernanda, como algumas pessoas pontuaram posteriormente, teria dificuldades em realizar ações e atividades, justamente por não estar dentro das redes de partidos vencedores. Partidos políticos são importantes atores no movimento LGBT desde o surgimento dessa modalidade de ativismo no Brasil. Autores como, MacRae (1990), Simões e Facchini (2009) Dehesa (2007, 2010) apontam tensões e disputas políticas no que tange às relações entre o movimento LGBT e partidos políticos no período que Facchini (2005) chamou de “primeira onda” do movimento. As discussões acerca da aceitação de ativistas que também fizessem parte de partidos políticos, naquele período, baseavam-se na ideia de autonomia. Segundo Dehesa: (...) no que tange ao que o movimento deveria representar, muitos ativistas que enfatizavam precisamente a quebra com a disciplina social como estratégia para liberação viam as propostas de ativistas da esquerda como burocratização e restrição das políticas liberais, as quais sabotavam seus esforços72 (DEHESA, 2010: 36).

Apesar das tensões iniciais, como apontei anteriormente, com o lento processo de redemocratização, tem início um forte processo de institucionalização do movimento. Tal processo, como pontua Facchini (2005, 2009) é marcado por relações mais intensas com o Estado e pela profissionalização dos ativistas, alguns deles, inclusive, passam a ser gestores estatais. A passagem de ativistas para quadros estatais pode ser vista nesta dissertação a partir da trajetória de Lucas, apresentada no capítulo anterior. Além disso, ativistas LGBT passaram, também, a organizarem setoriais próprios dentro de partidos políticos. Primeiro em partidos de esquerda, como o PT e o PSTU (Partidos Socialista dos Trabalhadores Unificado), nos anos 1990, mais tarde, no período posterior aos anos 2000, em diversos outros partidos, inclusive partidos tidos como da di!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 72

Tradução minha. Do original: (…) around the closely related questions of how and what the homosexual liberation movement should represent. Regarding how it should represent, many activists who emphasized precisely a disruption of social disciplines as a strategy for liberation saw leftist activists’ proposals as a bureaucratization and containment of liberation politics that undermined this effort.

!

128

reita (FACCHINI e FRANÇA, 2009; FACCHINI, 2005; SIMÕES e FACCHINI, 2009; DEHESA, 2010). Essa proliferação de setoriais LGBT nos mais diversos partidos políticos brasileiros e não apenas nos de direita, pode ter influenciado a criação de frentes parlamentares em torno dos direitos de LGBT. Como apontam Marques e d'Ávlia (2010: 95), na nota de rodapé 15, a primeira delas teria sido criada em 2003 sob o nome Frente Parlamentar Mista Pela Livre Expressão Sexual, a segunda, em 2007 nomeada Frente Parlamentar Mista pela Cidadania GLBT. Acerca desse período, pós anos 2000, Facchini (2009) pontua que Se há avanços ligados a essa mudança, há desafios que se colocam: o pertencimento partidário ganha importância nas relações entre ativistas e diferentes partidos passam a disputar e a recrutar braços e simpatias no interior do movimento, o que pode implicar conflitos de diferentes portes a depender do contexto políticopartidário local (:142).

O que vimos nas reuniões descritas acima pode ser compreendido a partir das considerações de Facchini. Se por um lado é importante que a questão LGBT tenha ganhado legitimidade entre os partidos políticos, por outro, a pertença partidária segue sendo causa de disputas internas ao próprio movimento. A análise aponta ainda para a pertença a partidos como elemento em torno do qual se articulam possibilidades tanto de conflitos quanto de alianças no movimento em âmbito local Além disso, a pertença a partidos políticos, no decorrer de meu trabalho de campo, foi, mais de uma vez, manejada a partir de um “jogo de mostrar e esconder”. Isto é, em momentos que podem favorecer a argumentação ou a arregimentação de apoios, pertenças partidárias são mobilizadas, em outros são deixadas de lado, secundarizadas no discurso ou mesmo ocultadas. Além disso, existem estratégias mobilizadas para lidar com o lugar de ativista ou representante de um dado coletivo político não pautado na pertença partidária e afiliação partidária. Uma situação nessa direção envolveu a fundado do Aos Brados!!. Durante uma conversa informal durante o processo de indicação do ativista para suprir a vaga na CPDS, Fernanda, conjecturava que, caso conseguisse ocupar a coordenação da CPDS e fosse indagada sobre sua pertença partidária, argumentaria que foi escolhida como nova coordenadora democraticamente, para representar o movimento LGBT e não o PT.

!

129

Assim, a publicização ou não da pertença partidária é estratégica. Se no caso acima, Fernanda pontua que representaria o movimento LGBT, e não o PT, Laura, fez o oposto. Na primeira reunião para a escolha do novo coordenador da CPDS, a drag queen afirmou que, por fazer parte do PCdoB, partido da coligação que ganhou as eleições municipais, sua indicação não traria conflitos com os partidos da coligação do prefeito. Esse manejo demonstra, também, uma ciência, por parte dos atores em campo, do impacto da pertença partidária na dinâmica política local. Em 2013, durante uma reunião da Associação da Parada de Campinas, discutia-se o tema da Parada daquele ano. Não sem muita discussão, decidiu-se que o tema da Parada seria “Por baixo da pele, somos todos iguais”, como a ideia de “embaixo da pele” remeteu os organizadores aos ossos, a identidade imagética da Parada tinha “ares de Halloween”73, era composta basicamente por caveiras. Durante as discussões sobre como seriam os cartazes, alguém aludiu à utilização do termo “13” referindo-se ao número do azar e comumente associado a filmes de terror. Em resposta alguns militantes do PT responderam que não se incomodariam que fosse usado o número 13, mas que podiam surgir especulações acerca de uma referencia ao PT, o que poderia dificultar relações e financiamentos com políticos de outros partidos. Cabe pontuar, ainda, que, diferentemente do E-Camp, que parece ter uma influência mais profunda do PCdoB, o Aos Brados!! é mais heterogêneo no que diz respeito à filiação partidária de seus membros. Este último grupo conta com pessoas filiadas a outros partidos, como o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Por fim, é interessante notar que, dentre os principais partidos citados pelos interlocutores da pesquisa como aqueles que seus grupos ativistas mais se relacionam, a saber, PT, PCdoB, PSOL74 e PMDB, os três primeiros possuem segundo Marques e d'Ávlia (2010) “capilaridade” quanto a questões LGBT em seus estatutos, organogramas e programas. Além disso, os quatro partidos citados possuíam, em 2007, membros na Frente Par!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 73

O termo utilizado aqui é meu, não uma categoria êmica. Busquei dar condições ao leitor de compreender a identidade imagética da Parada naquele ano. Com o termo “ares de Halloween” quis expressar o uso, principalmente, de caveiras, não só nos cartazes da Parada, mas também nas fantasias das drag queens. 74 Em decorrência da estratégia textual utilizada, não trabalhei nesta dissertação as relações do grupo Identidade com partidos políticos. Assim sendo, o PSOL não aparece citado nesta dissertação, visto que é pontuado como o principal partido a ter relações com o Identidade. Acerca da relação entre PSOL e grupo Identidade conferir Zanoli e Facchini (2012) e Zanoli, (2012). Apesar de o PSOL não ser citado na dissertação considerei relevante pontuar sua importância.

!

130

lamentar Mista pela Cidadania GLBT. Dentre tais partidos, aqueles com maior expressão em número de membros são PT, com 67 deputados naquele período e o PMDB, com 27. Neste capítulo procurei situar a multiplicidade de atores presentes no “campo” (Santos, 1977) do movimento LGBT de Campinas. Nele, encontramos, em interação local, no nível das organizações de base, vários movimentos sociais que têm sido reconhecidos como sujeitos de direitos no âmbito federal e passado a participar de mecanismos de gestão participativa como comissões e conferências de políticas públicas. Nesse nível, possibilidades de apoio e de alianças com base em afinidades ideológicas ou necessidades comuns foram observadas, assim como conflitos envolvendo questões políticas locais. A possibilidade de reconhecimento e a afirmação de dadas especificidades passa por essas relações, tanto no que diz respeito ao trabalho do E-Jovem com juventude e seu vínculo com o PCdoB, quanto à proximidade de Fernanda com o PT e sua entrada numa rede de cultura de periferia, cultura negra e centrais sindicais. Se há políticas para igualdade racial e para juventude em âmbito federal, há toda uma dinâmica local em que os atores que constituem tais sujeitos políticos nas entidades de base se articulam com a possibilidade de gerar novas demandas e especificidades. As especificidades emergiram no campo local como reconhecimento da necessidade de valorizar e ser capaz de lutar politicamente por dadas diferenças, mas também a partir da relação com outros atores, que abrem as portas para dadas compreensões, estimulam a valorização de dados atributos traços invisibilizados ou não adequadamente acolhidos. Por outro lado, afirmar especificidades diz sobre as relações conflituosas entre grupos e pessoas no movimento que pesam na decisão de disputar internamente a um grupo ou cindir e criar um grupo em separado. Os pertencimentos partidários apareceram como formas de articular apoios e alianças mais estáveis fora dos limites do movimento LGBT, mas também como algo cuja existência deve ser mostrada ou escondida estrategicamente no interior do movimento, dado seu potencial desagregador.

!

131

!

!

132

Considerações Finais Neste trabalho dediquei-me ao estudo do tema de movimentos sociais no Brasil contemporâneo por meio da análise de processos políticos em âmbito local e das relações no “campo” (Santos, 1977) do movimento LGBT em Campinas. Parti, portanto, de uma perspectiva processual e que privilegia as relações. Assim sendo, me detive sobre relações estabelecidas entre os diversos grupos ativistas da cidade e entre estes e outros atores políticos – como sindicatos, partidos e outros movimentos sociais – , bem como sobre aquelas que se dão entre ativistas e gestores estatais relacionados às políticas LGBT. Além dos atores humanos, a pesquisa me levou a situar documentos como atores na rede de relações que constitui o “campo” do movimento LGBT em Campinas. Apesar da ênfase no nível local, não se trata de pensar este “campo”, composto pelos atores em relação, como algo que pode ser tomado fora de uma rede mais ampla de relações ou compreendido sem referência a um contexto mais amplo, que se estende para os âmbitos estadual, regional, nacional e, por vezes internacional. O diálogo com outros trabalhos preocupados com o movimento LGBT, no Brasil e na América Latina buscou situar os processos políticos acompanhados em Campinas, ou seja, em âmbito local, no interior de processos nacionais e internacionais. Três processos inter-relacionados, que vêm sendo destacados na literatura brasileira sobre o tema, aparecem de modo importante nesta pesquisa. O primeiro diz respeito à maior participação do movimento na elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas e o impacto dessa aproximação com o Estado na institucionalização dos grupos ativistas e nas expectativas de profissionalização de ativistas. O segundo está relacionado à produção de sujeitos políticos e ao fato de que, em contextos em que é preciso enunciar claramente “quem somos” e “o que demandamos”, parece se aprofundar um processo de especificação e complexificação de sujeitos políticos. O terceiro processo diz respeito ao deslocamento dos “direitos para LGBT” para o centro de uma arena de disputas constituída por um gradiente que vai desde a defesa acirrada da legitimidade de LGBT como sujeitos de direitos, até o acionamento descontextualizado de imagens que remetem às ideias de doença e de devassidão moral para negar tal legitimidade.

!

133

De modo mais geral, esta pesquisa apontou para um contexto local diverso do encontrado por Aguião (2014) ao se atentar à implementação de políticas focalizadas para LGBT no Rio de Janeiro. Em Campinas, a despeito da criatividade e do pioneirismo da ação dos ativistas, nota-se considerável precariedade das políticas que foram implementadas e do reconhecimento de LGBT como sujeitos de direitos. O movimento, em sua ansiedade por respostas, demandava um serviço que cumprisse também funções de gestão. O serviço foi implementado, porém, além de não poder atuar como articulador de políticas nas várias secretarias, seus funcionários não raro acumulam funções e/ou trabalham para além do horário contratado e precisam, o tempo todo, reafirmar e buscar legitimar a necessidade de sua existência. Anos depois, cria-se um órgão de gestão, uma coordenadoria, que não tem mais do que um funcionário contratado, mas sem alocação clara ao organograma da cidade que lhe permita articular políticas para LGBT. Uma lei antidiscriminatória foi aprovada, mas não podia ser utilizada por falta de uma Comissão Processante formalizada. A exoneração de Lucas da CPDS, e a vacância de seu cargo, que já dura mais de dois anos, são importantes marcas de uma política LGBT que “não deu tão certo”. O próprio silêncio da administração municipal em relação à indicação do nome de Fernanda, pelos ativistas de Campinas, para coordenar a CPDS, pontua uma relação atual menos profícua entre o movimento na cidade e a adminstração municipal se comparado a gestões anteriores. Diferentemente dos poucos casos de ONG LGBT brasileiras que conseguiram sobreviver

a

partir

da

dupla

promessa

de

institucionalização

do

movimen-

to/profissionalização de ativistas, as ONG LGBT campineiras que seguiram a trilha dos projetos de intervenção financiados tiveram dois destinos um tanto distante das expectativas que guiaram o que Facchini (2005) chamou de “reflorescimento” do movimento LGBT. O primeiro deles foi a dificuldade em manter todos os procedimentos administrativos de prestação de contas, o que resultou na interdição da contratação de novos convênios e até em fusões entre grupos – como foi o caso do Identidade e do Mo.Le.Ca. para garantir a sobrevivência institucional de ambos. O segundo foi uma constante tensão entre a necessidade de apoio financeiro para tocar atividades tidas como estratégicas e fundamentais para o movimento e a possibilidade de perder a autonomia frente ao Estado.

!

134

Tomemos como exemplo o caso das relações do grupo Identidade com financiamentos públicos. Como discuti em trabalhos anteriores (ZANOLI, FACCHINI, 2012; ZANOLI, 2012, 2013), o grupo passou por um período que chamei de “radicalização”. Tal período foi marcado, dentre outros fatores, pela decrescente relação com o Estado e pelo abandono da realização de projetos com financiamentos públicos. Naquele momento, a alta demanda de tempo que a realização de tais projetos exigia levou o grupo abandonar sua realização, deixando de concorrer a editais públicos. No entanto, depois da perda da sede, em 2012, os militantes do Identidade ponderaram que a realização de projetos em parceria com o Estado poderia colaborar com a existência do grupo, principalmente no que diz respeito à sua manutenção financeira. Apesar de tomarem a decisão de voltar a atuar em conjunto com o Estado, segundo alguns ativistas do grupo, os editais passaram a ser escassos, o que impossibilitou a realização dos projetos. Além disso, a reabsorção do Mo.Le.Ca. pelo Identidade e a mudança de dois dos principais ativistas do E-Jovem para São Paulo marcaram também o fim, na cidade, de dois pontos de cultura voltados para LGBT em Campinas. O contexto descrito nos parágrafos acima é o que marca a emergência dos “ativistas-gestores”, que em alguns casos podem também se configurar como “gestoresativistas”. Desejosos de fazer algo mais em prol dos seus e de cumprir o projeto acalentado de poder sobreviver sendo ativista, ativistas vão para a gestão. É também o contexto em que, dada a inviabilidade de manter-se atuante pela via de projetos de intervenção financiados via editais públicos, ganham importância tanto a aliança com partidos e com movimentos mais consolidados – que apenas se fortalecem, dado que já existiam anteriormente – quanto a participação nos espaços de controle social. Tais espaços passam a abrigar uma arena de disputas em torno de cargos e da crítica da eficiência de quem os ocupa ou poderia ocupar. Tais processos de âmbito nacional e local são iluminados pela discussão teórica sobre movimentos sociais e movimento LGBT presente no primeiro capítulo, expondo algumas das principais influências teóricas aqui mobilizadas. Esses mesmos processos atravessam o nascimento e a trajetória dessa modalidade de ativismo em Campinas. Ainda no

!

135

primeiro capítulo, apontei os primeiros passos dos grupos ativistas na cidade de Campinas e suas primeiras articulações entre si e com o governo municipal. No segundo capítulo, dediquei-me a discutir as relações entre o ativismo e o Estado, em Campinas, no período posterior à implementação do CR. Assim sendo, pontuei que a criação da nova política inseriu novos atores, humanos e não humanos, na trama institucional que forma o “campo” do movimento LGBT. A partir da trajetória de dois desses atores, denominados por mim de “gestores-ativistas”, discuti a (re)produção e as momentâneas suspensões das fronteiras entre o que se concebe como Estado e como movimento social. Tal processo, como vimos, baseia-se em uma disputa em torno dos próprios significados de categorias como política e ativismo. Chamei atenção para o caráter paradoxal do que denominei de “recusa demandante” do Estado, isto é, ao mesmo tempo em que os ativistas demarcam diferenciações e recusam o âmbito estatal, querem ser ouvidos, ter suas demandas reconhecidas e atendidas e, em parte dos casos, gostariam de ser parceiros do Estado na proposição e na execução de políticas. Por fim, discuti nesse capítulo o impacto dos documentos nas relações entre os atores, e nas políticas para LGBT em Campinas. Tomei, dessa maneira, os documentos como importantes pontos nas redes, por possibilitarem não apenas novas ações, como novas relações entre ativistas e gestores. No terceiro capítulo, a partir da trajetória dos fundadores de dois grupos ativistas LGBT de Campinas, E-Jovem e Aos Brados!!, pontuei o impacto e a importância das relações com atores sociais não diretamente envolvidos com as políticas LGBT, como partidos políticos, sindicatos e outros movimentos sociais. Além disso, apresentei uma breve discussão sobre o aprofundamento do processo de especificação de sujeitos políticos de modo a incorporar outros marcadores de diferença que não os relacionados a orientação sexual ou identidade de gênero. No caso dos grupos aqui apresentados, o E-Jovem se configura como um grupo preocupado com os problemas dos jovens LGBT, enquanto o Aos Brados!! discute as relações entre a homossexualidade, a negritude e a periferia. É importante ressaltar que, mesmo nesse processo que aprofunda a especificação de sujeitos políticos em torno dos quais se constituem grupos, a produção do sujeito político segue se dando, conforme indicou Facchini (2005), a partir de relações no “campo”. A demanda por reconhecimento ou maior atenção a dada especificidade poderia ser !

136

objeto de debate no interior do próprio grupo. Contudo, a multiplicação de grupos por fissão, com identidades mais específicas, esteve relacionada à existência de motivos adicionais para cisão ou de relações de aliança com outros atores disponíveis na rede, tais como outros movimentos ou partidos. Identificar atores presentes, bem como as relações estabelecidas, no “campo” do movimento em âmbito local se reveste de importância fundamental para compreender o modo como processos que se dão em âmbito nacional ou internacional afetam o cotidiano de ativistas nas ditas entidades de base. O estudo em âmbito local é importante também a fim de compreender as condições de possibilidade para a produção de novos sujeitos políticos. Certamente, diferentes sujeitos presentes na rede, em cada localidade, produzem condições diferentes tanto para a constituição de sujeitos políticos quanto para lidar com processos sociais e políticos mais amplos. Nessa direção, gostaria de finalizar este trabalho apontando seus limites em estudar mais densamente a relação do movimento LGBT com outros movimentos sociais. Entendo tais limites como parte do que constitui uma pesquisa de mestrado. Assinalo, contudo, meu interesse em seguir nessa direção, aprofundando o conhecimento sobre o processo de produção de sujeitos políticos mais específicos. A ideia é ampliar o foco da observação mais detida pra além do movimento LGBT, tomando movimentos como os de cultura de periferia ou o movimento negro como pontos na rede que constitui o “campo” do movimento LGBT e que produz seu sujeito político.

!

137

!

!

!

138

Referências Bibliográficas ABU-LUGHOD, L. Writing Against Culture. In: FOX, R. (org.) Recapturing Anthropology. Santa Fe: School of American Research Press, 1991. p. 466-479. AGUIÃO, S. “Fazer-se no Estado”: uma etnografia sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos de direito no Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2014. ALMEIDA, R. Cultura de periferia na Periferia. Le Monde Diplomatique Brasil, n. 49, Agosto de 2011. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=995. BARBOSA, L. P. Significados do Terceiro Setor: de uma nova prática política à despolitização da questão social. Sociedade e Cultura, v. 9, n. 1, p. 173-186, Jan/Jun. 2006. BRAH, A. Diferença, diversidade e diferenciação. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 329-376, junho 2006. CALDEIRA, T. P. do R. Uma incursão pelo lado “não respeitável” da pesquisa de campo. In. RODRIGUES, L. M. et al. (org.) Trabalho e Cultura no Brasil. Recife, Brasília: ANPPCS/CNPq, 1981. p. 332-354. ___.A política dos outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984. ___. Cidade de Muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34: Edusp, 2000. CÂMARA, C. Cidadania e orientação sexual: a trajetória do grupo triângulo rosa. Rio de Janeiro: Academia Avançada, 2002. CARDOSO, R. C. L. Movimentos sociais e urbanos: balanço crítico. In: SORJ, B.; ALMEIDA, M. H. T. Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 215-239.

!

139

___. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. In. ____(Org.). A Aventura Antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 95-105. ___. Movimentos sociais na América Latina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 27-37, 1987. CARVALHO, M.; CARRARA, S.. Em direito a um futuro trans?: contribuição para a história do movimento de travestis e transexuais no Brasil. Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana. Rio de Janeiro , n. 14, Aug. 2013 . CARRARA, S. Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas, n. 5, p. 147231, 2010. CLIFFORD, J. Introduction: Partial Truths. In. CLIFFORD, J. MARCUS, G. (org.). Writing Culture: the Poetics and Politics of Ethnography. Berkeley, University of California Press, 1986. p 1-26. DANILIAUSKAS, M. Relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas na educação: uma análise do Programa Brasil sem Homofobia. São Paulo: Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2011. DEHESA, R. de L. Global Communities and Hybrid Cultures: Early Gay and Lesbian Electoral Activism in Brazil and Mexico. Latin American Research Review, v. 42, n. 1, p. 2951, 2007. ___. Queering the Public Sphere in Mexico and Brazil: Sexual Rights Movements in Emerging Democracies. Durham: London: Duke University Press, 2010. DOIMO, A. M. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: ANPOCS, 1995. DURHAM, E. Movimentos Sociais e a construção da cidadania. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 10, p. 24-31, outubro 1994. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro: Alba, 1934 [1884].

!

140

FACCHINI, R. Conexões, processos políticos e movimentos sociais uma reflexão teóricometodológica a partir do movimento LGBT. Revista Advir, v. 28, p. 6-20, julho 2012. ___. Entre compassos e descompassos: um olhar para o “campo” e para a “arena” do movimento LGBT brasileiro. Revista Bagoas, Natal, n. 4, p. 131-158, 2009. ___. Entre umas e outras: mulheres, (homo)sexualidades e diferenças na cidade de São Paulo. Universidade Estadual de Campinas. Campinas. 2008. ___. Movimento homossexual no Brasil: recompondo um histórico. Cadernos AEL, v. 10, n. 18/19, 2003. ___. Sopa de Letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. FACCHINI, R.; FRANÇA, I. De cores e matizes: sujeitos conexões e desafios do movimento LGBT brasileiro. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, Rio de Janeiro, n. 3, p. 54-81, 2009. FALÇÃO, T. H. Queixas, denúncias e desfechos: um estudo sobre o acolhimento e encaminhamento de denúncias em serviços especializados em violência homofóbica. Relatório Final de Iniciação Científica (PIBIC/Unicamp/CNPq). Pagu/Unicamp. Campinas. 2012. FELTRAN, G. Margens da política, fronteiras da violência: uma ação coletiva das periferias de São Paulo. Lua Nova, São Paulo, n. 19, p. 201-233, 2010. FRANÇA, I. L. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: Homossexualidade, consumo e subjetividades na cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012. ___. Sexualidade e política: uma abordagem a partir do mercado e do consumo. Bagoas, n. 7, p. 223-252, 2012. GOHN, M. D. G. História dos Movimentos e Lutas Sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Edições Loyola, 1995. GREGORI, M. F. Viração: experiências de meninos nas ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. !

141

GUPTA, A. Blurred boundaries: the discourse of corruption, the culture of politics, and the imagined state. American Ethnologist, v. 22, n. 2, p. 375-402, Maio 1995. HARAWAY, D. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu (5) 1995: pp. 07-41. LATOUR, B. Reagregando o Social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFA: EDUSC, 2012. LOPES, P. V. L. Sexualidade e construção de si em uma favela carioca: pertencimentos, identidade movimentos. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Museu Nacional – UFRJ, 2011. LIMA, A. C. de S. Apresentação. Revista de Antropologia, v. 55, n. 2, jul. 2012. MACRAE, E. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da abertura. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. MARIANO, S. A. Feminismo e Estado: desafiando a democracia liberal. Revista Mediações, Londrina, v. 6, n. 2, p. 1-26, jul./dez. 2001. MARQUES, V. L.; D'ÁVLIA, P. O Movimento LGBT e os Partidos Políticos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 3, 2010. MITCHELL, T. Society, Economy and the State Effect. In: STEINMETZ, G. State/Culture: State Formation after the Cultural Turn. Ithaca: Londres: Cornell University Press, 1999. p. 76-97. ___. The limits of the State: beyond statist approaches and their critics. American Political Science Review, v. 85, n. 1, p. 77-96, March 1991. NASCIMENTO, É. P. É tudo nosso! Produção cultural na periferia paulistana. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo. São Paulo. 2011. PECHENY, M.; DEHESA, R. D. L. Sexualidades y políticas en América Latina: un esbozo para la discusión. In: SONIA, C.; PARKER, R. Sexualidade e política na América Latina [recurso eletrônico]: historias, intersecções e paradoxos. Rio de Janeiro: ABIA, 2011. p. 31-79.

!

142

PELÚCIO, L.; DUQUE, T. "Depois, querida, ganharemos o mundo": Reflexões sobre gênero, sexualidade e políticas públicas para travestis adolescentes, meninos femininos e outras variações.. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 44, n. 1, p. 10-43, jan/jun 2013. PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 11, n. 2, p. 263-274, jul/des 2008. SANTOS, C. N. Três movimentos sociais urbanos no Rio de Janeiro: padres, profissionais liberais, técnicos do governo e moradores em geral servindo-se de uma mesma causa. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 2, p. 29-60, 1977. SHARMA, A. Crossbreeding Institutions, Breeding Struggle: Women’s Empowerment, Neoliberal Governamentality, and State (Re)Formation in India. Cultural Anthropology, v. 21, n. 1, p. 60-95, 2006. SILVA, E. C. D. GRANDE ABC PAULISTA: É POSSÍVEL PENSAR EM COESÃO REGIONAL? RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, Salvador, BA, v. 15, n. 28, Dezembro 2013. SIMÕES, J.; FACCHINI, R. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo, 2009. STRATHERN, M. Cutting the Network. The Journal of the Royal Anthropological Institute, v. 2, n. 3, 1996. SWARTZ, M. Local-level politics: social and cultural perspective. Londres: London University, 1969. WAMPLER, B. A difusão do Orçamento Participativo brasileiro: "boas práticas" devem ser promovidas? Opinião Pública, Campinas, v. 14, n. 1, junho 2008. ZANOLI, V. P. C. Políticas, sexualidades e espaços em disputa: uma etnografia a partir do movimento LGBT em Campinas. Campinas: Monografia, IFCH/Unicamp, 2012. ___. Processos políticos e a produção de papéis e significados: uma análise das relações entre o Estado e o movimento LGBT na criação do Centro de Referência GLTTB de Cam-

!

143

pinas SP. Primeiro Estudos - Revista de Graduação em Ciências Sociais, v. 1, p. 156166, 2013. ZANOLI, V.; FACCHINI, R. Conexões, atores, políticas sexuais e cidade: uma reflexão a partir da trajetória do grupo Identidade de Campinas/SP. Ponto.Urbe (USP), v. 6, 2012.

!

144

Documentos Citados BRASIL. Lei Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza.

Diário

Oficial

da

União,

1973.

Disponível

em:

. Acesso em 12.dez.2014. CAMPINAS. Decreto N° 14.787, de 28 de junho de 2004. Reorganiza a coordenadoria de proteção especial do departamento de cidadania da secretaria municipal de assuntos jurídicos e da cidadania e dá outras providências. Diário Oficial do Município, 2004, p. 8. Disponível em:

.

Acesso em 11.dez.2014. CAMPINAS. LEI N° 9.809 DE 21 DE JULHO DE 1998. Regulamenta a Atuação da Municipalidade, Dentro de Sua Competência, nos Termos do Inciso XVIII, do Artigo 5°,da Lei Orgânica do Município de Campinas, Para Coibir Qualquer Discriminação, Seja por Origem, Raça, Etnia, Sexo, Orientação Sexual, Cor, Idade, Estado Civil, Condição Econômica, Filosofia ou Convicção Política, Religião, Deficiência Física, Imunológica, Sensorial ou Mental, Cumprimento de Pena, ou Em Razão de Qualquer Outra Particularidade ou Condição.

Diário

Oficial

do

Município,

22/07/1998:3.

.

Disponível

em:

Acesso

em:

18.dez.2014. CAMPINAS. PORTARIA N°: 06 - 19 DE NOVEMBRO DE 2004. Implanta o Protocolo Paidéia para Redução de Danos no Uso de Silicone Industrial e Hormonioterapia na População de Travestis e Transexuais no Município de Campinas. Diário Oficial do Município, 20/11/2004:10.

Disponível

. 18.dez.2014.

!

145

em: Acesso

em

CAMPINAS. Portaria Nº 77.823/2012. Diário Oficial do Município, 28/09/2012:65. Disponível em: . Acesso em: 18.dez.2014. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução nº 001/99, de 22 de Março de 1999. Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual.

Disponível

em:

. Acesso em 12.dez.2014. S.A. Prioridade número 1. (s/d) SÃO PAULO (Estado). Lei Complementar Estadual nº 94, de 29 de maio de 1974. Dispõe sobre a Região Metropolitana da Grande São Paulo, autoriza o Executivo a constituir a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A – EMPLASA, institui o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento – FUMEFI e dá outras providências.

Disponível

em:

. Acesso em: 12.dez.2014.

!

146

Anexo 1: Lista de Interlocutores Citados Pseudônimos Ana Antônio Clara Cláudio

Duquesa

Fernanda

João Júlio Laura Leandro Luana Lucas Mara Márcia Nádia

!

Descrição Ativista fundadora do Mo.Le.Ca. Além de atual membro da comissão que organiza a Parada Militante do Aos Brados!!, membro do colegiado gestor. Psicóloga do Centro de Referência. Ex-ativista do Identidade, com passagem pelo Aos Brados!!. Foi também, por muito tempo, membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas, deixou-a em 2013. Cabe informar ainda que o ativista em questão voltou à organização da Parada em 2014, no entanto, não realizei observação participante no período de seu retorno. Apesar da escolha por utilizar um pseudônimo feminino, Duquesa é um homem gay militante do Identidade. Cabe ressaltar, ainda, que o interlocutor em questão não reivindica para si identidade de gênero feminina. Foi ativista do primeiro grupo ativista LGBT de Campinas, o Expressão. Ajudou, ainda, a criar o grupo Identidade. É ativista fundadora do Aos Brados!!. Além disso, é membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Foi ativista do Expressão, em conjunto com outros militantes fundou o Identidade, organização na qual milita até hoje. Além disso, é membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Ativista do Identidade e advogado do CR. É ativista da rede E-Jovem e da sua organização local em Campinas, o E-Camp. Além disso, é membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Leandro é marido de Laura e criador da rede E-Jovem. Além disso, é membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. É dona de um bar voltado para mulheres lésbicas em Campinas. Além disso, é membro da Comissão da Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Foi ativista fundador do Identidade. Foi coordenador do DisqueDenúncia contra Homofobia, do Centro de Referência LGBT e da Coordenadoria de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas. É a atual coordenadora do Centro de Referência LGBT. É militante do Identidade, mora em São Paulo e atua na CADS SP. Nádia foi companheira de Fernanda e co-fundadora do Aos Brados!!.

147

!

148

Anexo 2: Lista de Entrevistados Nome Ana

Descrição Ativista fundadora do Mo.Le.Ca., Movimento Lésbico de Campinas. Membro da comissão que organiza a Parada do Orgulho LGBT de Campinas. Psicóloga de formação, atualmente atua no judiciário. Considera-se branca. Mara Atua como coordenadora e assistente social no CRLGBT de Campinas. Graduada em Serviço Social. Considera-se branca. Duquesa É ativista do grupo Identidade. Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, e professor universitário. Considera-se pardo. João Militante fundador do Identidade e único dentre os fundadores que se manteve no grupo. Advogado de formação. É membro do PT de Campinas, já atuou como assessor para parlamentares do partido. Lucas Membro fundador do Identidade, deixou o grupo algum tempo depois de se tornar coordenador do então CRGTTB de Campinas. Graduado e mestre em Educação pela Unicamp. Atualmente é coordenador de Políticas para a Diversidade Sexual de Campinas. Márcia Márcia é travesti e, por muito tempo, ocupou espaço proeminente no Identidade. Atualmente trabalha no Centro de Referência da Diversidade em na capital de São Paulo. É formada em Pedagogia. Considera-se negra. Marcos Marcos é graduado em letras e especialista em economia, foi membro do Identidade por pouco tempo no início dos anos 2000. Atualmente é militante do PT em São Paulo, onde mora. Considera-se branco. Mateus Mateus é um dos ativistas do Identidade que no período de campo ocupava lugar de destaque no grupo. É professor de Educação Física na rede estadual de ensino. É graduado e mestre em Educação Física pela Unicamp. Considera-se branco. Fernanda É ativista fundadora do Aos Brados!!, atualmente cursa Ciências Sociais na PUCCAMP. Considera-se negra. Além de militar no movimento LGBT tem relações com outros movimentos sociais e políticos, como o movimento negro. Leandro É ativista fundador do E-Jovem. No decorrer da realização desta pesquisa mudou-se para São Paulo. Considera-se negro. É graduado em Física e em Jornalismo. Mara Atua como coordenadora e assistente social no CRLGBT. Graduada em Serviço Social. Considera-se branca. !

149

Entrevista em Junho/2011

Junho/2012 Maio/2011 Março/2014 Julho/2011

Fevereiro/2011 Fevereiro2012 Maio/2012

Fevereiro/2011

Julho/2011 Novembro/2011 Entrevista realizada em três partes entre Junho/Julho/ 2014 Julho/2014 Fevereiro/2014

!

150

Anexo 3: Documento de criação do CR

PRIORIDADE Nº 1 1.1Área de atuação : Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e da Cidadania 1.2Título do Projeto : Centro de Referência da População de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais de Campinas

1.3Justificativa: Campinas já possui órgãos prestadores de serviços públicos voltados a diversas populações específicas, tais como mulheres, crianças e adolescentes, pessoas da terceira idade, dentre outras. Para a população GLTTB, não há em nosso Município – nem na Região Metropolitana, e sequer na Capital do Estado – qualquer organismo voltado a essa população específica. 1.4Objetivos

1.5O objetivo geral do Centro é o fomento de políticas e ações públicas voltadas à população GLTTB, nas seguintes áreas: Cidadania e Direitos Humanos; Cultura; Trabalho e Geração de Renda; Educação; Saúde; Assistência Social e Segurança.

1.6Como objetivos específicos do Centro têm-se: promover o desenvolvimento de políticas que atendam às necessidades de valorização da auto-estima, a afirmação da cidadania e a defesa dos direitos humanos da população GLTTB de Campinas, planejar e implementar projetos de capacitação profissional nas áreas que forem necessárias, difundir conhecimentos aos cidadãos e cidadãs e a outros órgãos públicos, planejar, estimular e implementar estudos e projetos relacionados ao assunto, gerenciar a interlocução e a ampliação do diálogo entre órgãos públicos e entidades envolvidos em projetos voltados a essa população

1.7População a atingir : Gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, cujo número estimamos em 60.000 (sessenta mil) pessoas em Campinas

1.8Atores envolvidos: O principal vínculo institucional será através do Departamento da Cidadania, da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e da Ci!

151

dadania, e serão estabelecidas parcerias com os grupos organizados do movimento homossexual de Campinas. Mas, como o Centro de Referência tem um objetivo ampliado, todas as secretarias municipais estarão necessariamente envolvidas. A atuação da Secretaria de Assistência Social é fundamental.

1.9Ações propostas: -Abrigamento de adolescentes GLTTBs expulsos de suas casas em decorrência de conflito familiar resultante de sua orientação sexual. O abrigamento deverá ser provisório (por período a ser definido), com 4 (quatro) vagas para esse acolhimento

-Orientações prévias tanto a adolescentes GLTTBs quanto a seus familiares, de maneira a prevenir conflitos, bem como a outras pessoas da população GLTTB -O Centro de Referência deverá propor, planejar e executar políticas de capacitação nas áreas da saúde, educação, assistência social, bem como o espaço de formulação e desenvolvimento de políticas públicas nestas áreas e em outras como segurança pública, trabalho, e cultura;

-Centro deverá oferecer orientação sobre a homossexualidade – em seus diversos aspectos, principalmente no campo jurídico e no psicológico – tanto aos próprios cidadãos GLTTBs quanto a outras pessoas interessadas, tais como familiares de pessoas com esta orientação sexual, por exemplo; -O Centro deverá planejar, estimular e implementar estudos e projetos relacionados ao assunto, envolvendo outras secretarias municipais, e veiculando os resultados à população.

1.10Estratégia de controle social: Propomos a criação de um Conselho Gestor do Centro de Referência, composto majoritariamente por integrantes dos grupos organizados GLTTBs, e servidores do órgão. Este Conselho teria a atribuição de exercer o controle social do projeto como um todo.

1.11Estrutura organizacional: Necessária nova estrutura 1.12Local próprio: Será necessária a utilização de um imóvel, com espaço tanto para o abrigamento de menores quanto para as atividades administrativas e !

152

demais atividades.

1.13Pessoal: São necessários 19 servidores : servente de limpeza (1), cozinheiro (1), recepcionistas (4), vigias (4), assistentes administrativos (3) assistente social (1), psicólogo (1), advogado (1), coordenador administrativo (1), coordenador de atividades de capacitação (1) e organizador de eventos (1).

1.14Material informativo, pedagógico e publicitário: Produção de cartazes, folders e manuais técnicos, outdoors, publicidade oficial (Rádio Educativa, Diário Oficial, site da PMC, e espaços da PMC na mídia privada), tanto para a divulgação de estudos e projetos quanto para a necessária divulgação dos trabalhos.

1.15Orçamento estimado : R$ 454.320,00 Orçamento geral

ITEM IMÓVEL INSUMOS PESSOAL MATERIAL INFORMATIVO, PEDAGÓGICO E DE DIVULGAÇÃO TOTAL

Orçamento detalhado

!

153

R$ 60.000,00 54.400,00 322.920,00 20.000,00 457.320,00

ÍTEM

DETALHAMENTO

UNIDADE ANUAL (R$) Imóvel localizado no perímetro central do Município, 5 mil/mês 60.000,00 IMÓVEL com no mínimo 8 (oito) cômodos (quartos/salas) e 2 (dois) banheiros, sendo um destes completo (pia, vaso sanitário e box p/ chuveiro) – 12 meses INSUMOS Computadores (06) 3 mil/un 18.000,00 Televisão (01) 1,8 mil /un 1.800,00 Vídeocassete (01) 0,8 mil/un 800,00 Aparelho de som (01) 1 mil/un 1.000,00 Material de escritório Anual 10.000,00 Material de limpeza Anual 600,00 Material para refeições Anual 7.200,00 Móveis Anual 15.000,00 PESSOAL Servente de limpeza (1) 900,00/mês 11.700,00 Cozinheiro (1) 900,00/mês 11.700,00 Recepcionistas (4) 3.600,00/mês 46.800,00 Vigias (4) 3.600,00/mês 46.800,00 Assistentes administrativos (3) 2.700,00/mês 35.100,00 Assistente social (1) 1.200,00/mês 15.600,00 Psicólogo (1) 1.800,00/mês 23.400,00 Advogado (1) 1.800,00/mês 23.400,00 Coordenador administrativo (1) 1.500,00/mês 19.500,00 Coordenador de atividades de capacitação (1) 1.500,00/mês 19.500,00 Organizador de eventos (1) 1.200,00/mês 15.600,00 Encargos 20% total dos 53.820,00 salários Material In- Folders para a população homossexual, cartilhas variAnual 20.000,00 formativo, Pe- adas para a população em geral (de acordo com cada dagógico e de projeto), material pedagógico para as escolas); materiDivulgação al de divulgação do Centro de Referência, outdoors, guias e manuais técnicos

!

154

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.