FRONTEIRAS, IMIGRAÇÃO E IDENTIDADES NA ÁFRICA DO SUL - DA FRONTEIRA ÉTNICA A TEORIA DO CONTACTO

July 23, 2017 | Autor: É. Chingotuane | Categoria: Peace and Conflict Studies, Security Studies, Ethnicity and National Identity
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CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS

(CEEI-ISRI)

FRONTEIRAS, IMIGRAÇÃO E IDENTIDADES NA ÁFRICA DO SUL: DA FRONTEIRA ÉTNICA A TEORIA DO CONTACTO

Énio Viegas Filipe Chingotuane

Artigo publicado em www.isri.ac.mz

Maputo, 2011

FRONTEIRAS, IMIGRAÇÃO E IDENTIDADES NA ÁFRICA DO SUL: DA FRONTEIRA ÉTNICA A TEORIA DO CONTACTO Énio Viegas Filipe Chingotuane* * Énio Viegas Filipe Chingotuane é Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Relações Internacionais de Maputo (ISRI). Trabalha actualmente como pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI/ISRI).

RESUMO O problema da xenofobia na África do Sul tem suscitado muitos estudos e pesquisas publicadas em vários artigos, tendo sido realizadas várias palestras, seminários e conferencias a respeito do fenómeno. Todavia, no nosso entender, a maioria destes estudos e pesquisas reflectiu sobre os aspectos socio-económicos do fenómeno, não se dando muita importância aos factores socio-culturais. Assim sendo, neste trabalho, propomo-nos a analisar a xenofobia a partir de uma perspectiva socio-cultural. O trabalho procura aplicar os conceitos de fronteira étnica para explicar a emergência dos actos xenófobos contra cidadãos moçambicanos na África do Sul, e usa a hipótese do contacto para identificar as condições que podem reduzir e resolver as motivações xenófobas dos sul-africanos. A escolha do assunto em apreço fundamenta-se pela necessidade de se encontrar soluções para apaziguar os níveis de confrontação entre moçambicanos e sul-africanos que se verificam nos últimos anos. Palavras-chave: imigração; identidade; xenofobia; fronteiras étnicas; teoria do contacto.

INTRODUÇÃO A integração regional e a abertura das fronteiras nacionais para bens e pessoas constituem hoje factos irreversíveis na África Austral. Apesar de lento e gradual, o processo de integração é inevitável e constitui a maior aposta dos estados da região com vista a promover o desenvolvimento sócio-económico. Entretanto, ao mesmo tempo que a abertura permite a rápida transacção de bens, tecnologia e capital ela também permite uma maior deslocação de imigrantes com maior facilidade do que no passado, constituindo um desafio para os estados de acolhimento e para os povos receptores. 1

Com efeito, a integração regional está a dissolver as fronteiras terrestres e a divisão geopolítica tornou-se uma mera formalidade no interesse soberano dos estados pois, a distância entre os povos tornou-se quase inexistente. Com a actual tendência de supressão de vistos e a melhoria das vias de transporte e comunicações, a dificuldade de transpor as fronteiras estatais, deixou de existir ou está em processo de dissolução. Em resposta, novas fronteiras se ergueram ao nível dos indivíduos. Consequentemente, as fronteiras deixaram de ser físicas e passaram a ser culturais ao mesmo tempo que as distâncias deixaram de ser físicas e passaram a ser culturais. A ‘invasão’ de estrangeiros provoca um efeito adverso da vontade política dos governos pois, as fronteiras construídas ao nível do indivíduo são marcadas pelo fenómeno da identidade étnica e degeneram em fenómenos de violência xenófoba. Estas fronteiras identitárias, tal como as fronteiras nacionais, são difíceis de quebrar pois se baseiam na concorrência, competição e conflito entre os nativos e os estrangeiros para garantir recursos escassos. Os conflitos entre moçambicanos e sul-africanos na RSA atestam a hipótese de que as fronteiras étnicas podem conduzir a violência xenófoba e de que, o interesse dos estados se sobrepõe ao interesse dos indivíduos. É perante este cenário que nos propomos a estudar os casos da xenofobia contra os moçambicanos na África do Sul (RSA). A ocorrência nos últimos 4 anos de actos xenófobos na RSA, motivaram uma série de debates entre políticos e académicos sobre as causas e consequências daqueles actos para as populações moçambicanas. A maioria destes debates privilegiou as questões económicas e sociais como estando na origem das tendências xenofobicas na RSA e consequentemente delinearam soluções socio-económicas para o problema. A maioria dos cientistas sociais analisa a xenofobia contra os moçambicanos dando mínima ou pouca importância para as questões identitárias. Tentativamente, as questões identitárias vão ser analisadas no presente trabalho baseando-nos em duas teorias fundamentais: a teoria dos limites étnicos de Barth e a teoria do contacto. Para analisar estes factores, partimos da hipótese de que, as diferenças etno-culturais são o principal pretexto para a emergência dos sentimentos xenófobos. O trabalho tem como objectivo geral, avaliar o impacto da abertura das fronteiras nacionais na afirmação das identidades nas zonas de contacto entre imigrantes moçambicanos e cidadãos sul-africanos. Como objectivos específicos, pretendemos identificar e analisar os factores que conduzem e conduzirão a afirmação das fronteiras étnicas nas zonas de contacto; analisar as condições que permitem ultrapassar as fronteiras étnicas e identificar as melhores estratégias para promover o contacto pacífico entre os imigrantes e os nativos com vista a minimizar o problema da xenofobia. O trabalho justifica-se pela necessidade de compreender os actos xenófobos que emergiram na RSA e avaliar o potencial de conflito na África Austral e perceber até que ponto os estados da região estão preparados para acomodar, fiscalizar e gerir o movimento dos imigrantes e os conflitos emergentes. 2

A QUEDA DAS FRONTEIRAS GEOGRÁFICAS A queda das fronteiras nacionais não é um dado novo na história da humanidade. Segundo Faria (1998:1), desde o surgimento do capitalismo, a forma de vivenciar o espaço e o tempo passou a sofrer constantes modificações no sentido em que os espaços vão diminuindo e o tempo parece transcorrer de forma mais acelerada. Segundo David Harvey, citado por Faria (1998:1), ‘o encurtamento do espaço e do tempo é uma característica própria do capitalismo, sendo que está cada vez mais exacerbada nos nossos dias’. De acordo com a autora, a principal preocupação do capitalismo é a ampliação dos mercados, por força disso, o capitalismo derrubou as barreiras feudais para atingir o território nacional. Todavia, as fronteiras nacionais provocavam a estagnação do capitalismo que não conseguiu evoluir mais nem alcançar o progresso económico pretendido. Consequentemente, depois de abolir as barreiras internas, o capitalismo procurou abolir as barreiras dos estados para atingir o mercado regional ou global (Faria, 1998). Pode-se dizer portanto que a queda das fronteiras geográficas resulta do expansionismo próprio do capitalismo estando contudo, atrelado aos interesses dos estados (Faria, 1998). Com efeito, os estados são compelidos pelos interesses comerciais do capitalismo a eliminar ou reduzir o impedimento que as fronteiras impõem ao comércio. Foi nesse âmbito que a SADC adoptou em 1996 o protocolo comercial que permitia a liberalização dos mercados e a criação de uma zona de comércio livre na região1. Perante varias críticas que argumentavam que uma Área de Comércio Livre não faz sentido sem a facilitação de circulação livre de pessoas, visto que o comércio é realizado por pessoas, a SADC decidiu estabelecer, durante a cimeira que teve lugar em Botswana (2005), um protocolo que permitisse a livre circulação de bens e pessoas na região. Moçambique e RSA foram, dentre outros países, os primeiros a assinar o protocolo cujo objectivo era desenvolver políticas dirigidas à eliminação progressiva de obstáculos à circulação de pessoas na região, facilitando as entradas sem visto ao mesmo tempo que facilitava a residência permanente ou temporária e radicação por indivíduos ou famílias nos territórios dos estados membros (Madakufamba, 2005). Todavia, a queda das fronteiras geográficas na África Austral, para além de trazer benefícios ao comércio regional trouxe um paradoxo em relação a livre circulação de pessoas. As vantagens que decorrem da redução dos impostos e tarifas aduaneiras são contrabalançadas pelas desvantagens da imigração legal e ilegal. Enquanto os consumidores moçambicanos festejam pela oportunidade de adquirir produtos a preços 1

SADC HOJE: Implementação do Protocolo Comercial da SADC sobre os carris, SADC HOJE, Vol 11 No.1, Agosto 2008, Acessado na Sexta-feira, 29 Abril, 2011 3

mais baixos, os sul-africanos ressentem-se pala entrada massiva de imigrantes. Por outro lado, enquanto as empresas sul-africanas festejam pela facilidade de vender os seus produtos para o mercado moçambicano, os cidadãos moçambicanos lamentam pela não criação de empresas e pela falência das empresas moçambicanas incapazes de competir com os produtos baratos vindos da RSA. Consequentemente, vários jovens moçambicanos ficam sem emprego e vêem na imigração para a RSA a única alternativa2. Evidentemente, a nova onda migratória que culminou com o aumento substancial de moçambicanos que foram se juntar aos moçambicanos residentes na RSA a muitos anos e que já haviam constituído famílias na RSA trouxe grandes vantagens ao grande capital sulafricano com interesses na indústria mineira e nas grandes farmas comerciais que viam nos moçambicanos um segmento de mão-de-obra barata e abundante3. Mas, será que tal presença é desejada por todos os sul-africanos? Que sentimentos os moçambicanos despertam nos sul-africanos? Em termos gerais, a RSA atrai muitos imigrantes moçambicanos por causa do seu grau de desenvolvimento económico. Os moçambicanos acreditam que na RSA irão encontrar mais oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. Consequentemente, vários moçambicanos ingressaram na RSA de forma legal e ilegal atraídos pela ilusão de um futuro melhor. Todavia, os resultados alcançados nem sempre são positivos, alguns moçambicanos conseguem alcançar sucesso enquanto outros se deparam com as mesmas condições de pobreza que deixaram em Moçambique. A partir daí, são confrontados com a falta de alternativas, falta de oportunidades ou até mesmo a miséria. Nesta situação, os moçambicanos são forçados a procurar refúgio nos bairros mais pobres sem se aperceberem que representam para as comunidades locais um fardo adicional à sua condição de pobreza. Chegados lá, os moçambicanos criam sentimentos de revolta entre as populações pobres locais que são forçadas a competir ou partilhar com os moçambicanos4. 2

Torna-se fundamental esclarecer que a imigração moçambicana para a África do Sul não resulta exclusivamente da integração regional. Ao longo dos anos a África do Sul foi o anfitrião de muitos moçambicanos, desde a descoberta das minas de ouro e diamante na África do Sul. O governo sul-africano de então, assinou acordos para a exportação de mão-de-obra da colónia portuguesa de Moçambique. Estes acordos foram posteriormente reafirmados entre o governo do apartheid e as autoridades do Moçambique independente. Para além disso, a África do sul acomodou muitos refugiados moçambicanos durante a década 1980, que fugiam a guerra civil. 3 É preciso ressalvar que existem imigrantes sazonais que permanecem por um período determinado na África do Sul mas que regressam para Moçambique no final dos contratos celebrados com as companhias sul-africanas. Em contrapartida, existem aqueles que se estabelecem na África do sul definitivamente procurando inclusive adquirir a nacionalidade sul-africana. 4 Estimativas do Relatório sobre as causas e impacto imediato da Xenofobia na província de Gauteng demonstram que, enquanto a população sul-africana cresce a uma taxa anual de 2.4%, a população imigrante cresce a uma taxa anual de 19%. Actualmente, segundo o ACCORD, residem na África do Sul cerca de 1.9 milhões de imigrantes correspondendo a cerca de 3.7% da população sul-africana. Mas esta estatística já esteve acima dos 3 milhões em 2008, aquando do início das manifestações xenófobas. Trata-se 4

Evidentemente, a entrada dos moçambicanos e dos imigrantes em geral acarretam pontos negativos para o estado e para a sociedade sul-africana. Em relação ao estado, a presença de imigrantes cria um peso nas despesas públicas pois, o estado é obrigado a formular novas políticas de segurança social, investir na educação e saúde pública, o que implica a construção de mais escolas e hospitais. Ao estado é igualmente exigido mais investimento para a construção de mais habitações, investimento no redimensionamento do saneamento urbano, protecção e segurança pública, com a construção de esquadras e contratação de polícias. Apesar de ser uma potência económica regional, o nível de resposta não corresponde a demanda e esta situação constitui uma ameaça a legitimidade do regime do dia. Por todas essas razões, cresce o interesse do governo sul-africano em desenvolver políticas de controlo e contenção da imigração. Actualmente, a repatriação ou deportação periódica de moçambicanos tem sido a medida mais visível. No entanto, devido às facilidades concedidas a livre circulação de pessoas entre a África do Sul e Moçambique e, devido a fraca fiscalização fronteiriça, os mesmos moçambicanos voltam a fronteira sulafricana legal e/ou ilegalmente. Em relação a sociedade sul-africana, a presença de imigrantes cria muita ansiedade e medo pois, os imigrantes são considerados uma ameaça, por isso, os sul-africanos opõem-se à presença de imigrantes moçambicanos. O maior medo dos sul-africanos é que os imigrantes moçambicanos vão apoderar-se dos seus recursos em detrimento dos nacionais. Os imigrantes são acusados de roubar empregos dos sul-africanos porque vendem a sua força de trabalho por salários muito baixos5; são acusados de dominar o comércio informal, vendendo quase tudo a preços mais baixos e de conseguirem habitações que em condições normais seriam reservados para os nacionais (ACCORD, 2011:3-4). Por força disso, os imigrantes enfrentam o preconceito e até mesmo a rejeição. Perante a pobreza que afecta grande parte dos sul-africanos e da falta de oportunidades para os próprios nacionais, os imigrantes são considerados persona non grata porque vão perpetuar o estado de miséria que enfrentam os nacionais. Portanto, enquanto não houver melhoria nas condições de vida da população sul-africana, haverá manifestações de repúdio em relação aos imigrantes. A questão económica é portanto uma das razões a ter em conta para avaliar a questão da xenofobia. Entretanto, é preciso acrescentar que a par da ameaça económica real, sentida pelos sulafricanos, a chegada de mais imigrantes, impôs novas ameaças simbólicas não directamente ligadas a garantia da segurança económica. O aumento súbito e excessivo de imigrantes contribuiu para que a população sul-africana cria-se uma série de estereótipos e de uma situação insustentável que afecta directamente os mais pobres da sociedade sul-africana (ACCORD, 2011:1). 5 As actuais taxas de desemprego referem que o desemprego subiu para 20 a 30% (ACCORD, 2011:3). 5

preconceitos falaciosos ou reais sobre os imigrantes, que passaram a ser considerados parasitas, propagadores de doenças, porcos, desordeiros, criminosos e que representam uma praga (Harris, 2002). Estes preconceitos resultam da percepção falaciosa ou real de que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade, roubos, violações e fraudes. Os sul-africanos acreditam que o excesso de imigrantes influencia negativamente na cultura sul-africana e o facto de alguns imigrantes conquistarem e casarem com mulheres sulafricanas não é bem visto6. Os imigrantes são também acusados de sujar as estradas onde vendem os produtos; de venderem drogas, produtos contrabandeados, produtos piratas e produtos ilegais. É-lhes imputada também a responsabilidade de contribuírem para o declínio dos valores morais da sociedade e de contribuírem para o aumento do HIV (ACCORD, 2011:3-4). Podemos concluir que a queda das fronteiras geográficas estimulou a emergência de um conflito real e/ou aparente entre os sul-africanos e os moçambicanos. De acordo com Hooghe (2008:3), os grupos originalmente dominantes num território irão desenvolver sentimentos antagónicos para recém-chegados de fora quando percebem estes estranhos como uma ameaça à sua posição social. A xenofobia é portanto, uma estratégia de contenção que visa impedir que mais imigrantes invadam as fronteiras físicas sul-africanas e para restabelecer as fronteiras diluídas pelo processo de integração regional. Em resposta a esta hostilidade latente, os imigrantes moçambicanos criam redes sociais e estruturas de apoio com base na origem nacional e étnica. Estas redes são desenvolvidas como refúgio ao confronto com os nacionais e estabelecem a protecção mútua para os imigrantes que estão longe de sua pátria que não tem a capacidade ou não desejam regressar a Moçambique (Harris, 2002:12-13).

A ASCENÇÃO DAS FRONTEIRAS ÉTNICAS De acordo com Haesbaert e Barbara (2001:1) os imigrantes não são apenas sujeitos económicos mas sim, agentes culturais ou identitários. Posto desta forma, podemos aferir que o factor de separação entre imigrantes moçambicanos e os cidadãos sul-africanos é a sua composição nacional e étnica. De acordo com os antropólogos, a questão étnica não se manifesta sem que haja um combustível que o accione. Quanto maior for o contacto entre os grupos maior será a necessidade deles se identifiquem uns em oposição aos outros. A primeira forma de identificação, que corresponde a primeira resposta dos grupos é a nacionalidade/etnia do indivíduo. Depois da identificação do indivíduo ou dos grupos, são estabelecidas fronteiras que permitem a negação dos estrangeiros em face dos nacionais. A 6

Para uma percepção mais alargada sobre as razoes xenofóbicas baseadas na usurpação das mulheres sulafricanas veja, Nkealah, Naomi (2008): Commodifying the Female Body: Xenophobic Violence in South Africa, CODESRIA, Yaoundé, Cameroun, 07-11/12/2008 6

partir dessa fronteira erguem-se concepções que estabelecem os bons contra os maus, os proprietários contra os usurpadores, o sagrado e o profano, etc. As fronteiras étnicas se estabelecem na dicotomia nós-eles estabelecidos a partir da interacção social dos grupos etnicamente diferentes (Lima, 2004:38). Alias, de acordo com Bernardo Milazzo, as teorias da etnicidade acentuam o facto de que o nós constrói-se na oposição com o eles. A etnicidade por definição tem dois lados que, ao mesmo tempo que afirma o eu colectivo, nega o outro colectivo. Sua característica principal é a emergência de uma consciência de separação pois, a pertença a um grupo implica a existência de excluídos. A etnicidade não se manifesta nas condições de isolamento mas sim quando há uma intensificação das interacções entre os grupos. É ao longo desta interacção que se estabelecem as fronteiras entre os grupos representadas por símbolos que distinguem uns dos outros (Milazzo, 2008:8-9,49)(Lima, 2004:37-39). Alias, as etnias se fazem por dois critérios: a inclusão dos semelhantes e a exclusão dos diferentes. A construção da fronteira étnica passa necessariamente pela selecção de critérios culturais para marcar a diferença entre os grupos. Onde existe um grupo, existe uma espécie de fronteira e onde existem fronteiras, existem mecanismos para mantê-las. Ao nível dos grupos, essas fronteiras podem ser culturais e servem para marcar a diferença definindo os membros do grupo em oposição aos nãomembros. Os limites étnicos em si criam barreiras ao contacto mais íntimo entre os grupos (Nash, 1996:24). Concretamente, as fronteiras oferecem uma oportunidade concreta para que os indivíduos acentuem a sua fobia em relação aos estrangeiros. Daqui decorre que a pertença étnica permite a criação de consensos e lealdades entre os sul-africanos que passam a exigir direitos colectivos para os nacionais contra a usurpação dos estrangeiros que passam a ser perseguidos. No mesmo diapasão, as pessoas que aderem aos valores tradicionais sentem-se mais ameaçadas pelos estrangeiros e essa percepção de ameaça conduz ao preconceito (Miller et al, 2004:222). Com efeito, pode-se dizer que as últimas ondas de imigração provocaram a expansão das reivindicações étnicas por quase toda África do Sul motivados por aqueles que se sentem dominados e prejudicados. Cumulativamente, partindo da concepção de Connor, citado por Millazzo (2008:49), podemos considerar que o aumento considerável de imigrantes foi percebido como uma ameaça a sobrevivência das tradições culturais, favorecendo uma ideologia de resistência contra os imigrantes. Ainda de acordo com Connor, citado por Millazzo (2008:51), a solidariedade étnica manifestou-se no embate contra o estrangeiro, originando a xenofobia. De forma reactiva, os grupos imigrantes também buscaram na afirmação étnica um mecanismo de resistência para fugir ao isolamento e a hostilidade latente, a etnia 7

situacional manifesta-se. É preciso notar no entanto que os moçambicanos na RSA provêm de etnias diferentes. Todavia, baseando-nos nos pressupostos de Weber, citado por Millazzo (2008:52), o factor decisivo foi a comunidade política donde eles saíram, neste caso Moçambique. A comunidade política cria uma crença artificial de origem e parentesco étnico. A consciência nacional traz consigo um simbolismo de comunidade de sangue, favorecendo a emergência de uma consciência tribal. Posto isto, fica claro que tanto moçambicanos como sul-africanos contribuem para a formação e manutenção de fronteiras étnicas. Estas fronteiras se agudizaram com o incremento da interacção entre os dois grupos. De acordo com Nash, existem 3 grupos de elementos que criam as barreiras étnicas e impedem o contacto entre os grupos: o primeiro grupo de factores e os mais difíceis de eliminar incluem: o parentesco e a consanguinidade; a comensalidade7 e um culto comum. Estes três elementos são essenciais para a afirmação dos grupos e sem eles, o grupo deixaria de existir. O segundo grupo de factores que podem mudar com o tempo e que não são tão essenciais para a identidade do grupo, mas que jogam um papel importante na criação de barreiras entre os grupos são: o vestuário, a língua e os atributos físicos. O terceiro grupo de factores, inclui: a arquitectura das casas, rituais, tabus, práticas medicinais e práticas económicas específicas. Todos estes factores contribuem para separar os grupos e estabelecer barreiras entre eles. Todavia, o segundo e o terceiro grupo de factores só ganham importância se estiverem ligados ao primeiro grupo de factores (Nash, 1996:2526). A questão que se pode levantar agora é: porque essas fronteiras étnicas não provocaram a xenofobia no passado? Se assumirmos a xenofobia como uma atitude ou sentimento de antipatia pelas pessoas ou coisas estrangeiras ou o preconceito e aversão aos estrangeiros podemos afirmar que ela não constitui um factor novo na relação entre moçambicanos e sul-africanos. A xenofobia, no passado, manifestava-se em forma de violência psicológica. Neste contexto, a xenofobia era demonstrada por insultos, agressões verbais, isolamento e pela recusa de conceder relações amorosas e de amizade8. Todavia, se assumirmos como uma prática ou acção contra estranhos podemos assumir que ela é recente e deriva principalmente, de acordo com a teoria da fronteira étnica, do aumento da interacção entre 7

Comensalidade significa comer e beber juntos ao redor da mesma mesa que representa o lugar da comunhão e da irmandade. A comensalidade é tão central que está ligada à própria essência do ser humano enquanto humano. Pois ela pressupõe a solidariedade e a cooperação de uns para com os outros ( Leonardo Boff: Comensalidade: refazer a humanidade, 2008-04-18, ALAI - Agencia Latino-Americana de Informação). 8 Os estrangeiros na África do Sul têm sido muitas vezes chamados de "amakwerekwere" ou "amagrigamba", estes termos são depreciativos e são usados para infligir a intimidação e o ódio aos imigrantes (ACCORD, 2011:3)

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os imigrantes e os sul-africanos. De facto, segundo o relatório da ACCORD (2011:3), as tendências xenófobas violentas contra os imigrantes estrangeiros e mais especificamente os migrantes africanos, começaram a ser documentadas a partir de 1994. Desde então, tem havido evidência de que as tendências xenófobas na África do Sul têm aumentado ao longo dos anos, porque o número de estrangeiros aumentou. Antes porém, é preciso referir que vários moçambicanos sofreram ao longo do tempo, assaltos, violações, assassinatos, vandalização dos seus estabelecimentos comerciais, prisões arbitrárias, espancamentos e outras sevícias pelo simples facto de serem moçambicanos. É fundamental perceber que as relações inter-étnicas não se estabelecem, a rigor, entre os moçambicanos e sul-africanos. Enquanto alguns imigrantes moçambicanos se manifestaram predispostos a estabelecer esses vínculos, os sul-africanos não receberam os imigrantes nos mesmos moldes. As relações de vizinhança tornam-se portanto frias e distantes. A importância do estabelecimento de relações inter-étnicas e de vizinhança entre moçambicanos e sul-africanos teriam impedido as manifestações xenófobas pois as relações de amizade predominariam sobre o medo e a desconfiança. De um modo geral, as relações inter-étnicas garantiriam a solidariedade na intermediação das fronteiras étnicas tornando o contacto entre os grupos mais fácil. Contudo, a situação dos moçambicanos e dos sulafricanos, extremamente preocupados com a sua sobrevivência obriga-os a competirem uns contra os outros impedindo que se estabeleçam relações inter-étnicas mutuamente vantajosas. A sociedade sul-africana tornou-se muito individualista, sendo o único elo de ligação a identidade étnica. Por força disso, as fronteiras étnicas impedem o diálogo intercultural. Finalmente, a xenofobia, na sua forma mais violenta, resultou da instabilidade criada pela pressão migratória dos Zimbabueanos que, desde meados da década 2000, vieram pôr em causa vários anos de uma convivência mais ou menos pacífica entre os imigrantes moçambicanos e sul-africanos pois, o crescimento demográfico acelerou o contacto entre nacionais e moçambicanos. Mais gente obriga a um maior contacto e quanto maior for o contacto maior serão as fronteiras étnicas. Basicamente, a fronteira étnica é essencial para a compreensão do fenómeno de xenofobia pois, elas se sobrepuseram às disputas económicas sobrevalorizando a dimensão identitária. A etnia serviu como um denominador comum e uma base sólida capaz de cristalizar e motivar os sul-africanos contra os moçambicanos. O essencial para a unidade dos sul-africanos foi a convicção de que todos eles teriam um destino comum (negativo) se não afastassem a concorrência dos moçambicanos.

ESTRATÉGIAS DE INTEGRAÇÃO DOS MOÇAMBICANOS E RESPOSTA XENÓFOBA 9

Os moçambicanos adoptam duas estratégias de integração na sociedade sul-africana. As opções estratégicas passam por 4 factores: assimilação/separação, integração/marginalização. Um grupo prefere aproximar-se das comunidades de moçambicanos residentes na RSA e outro grupo prefere se misturar com os sul-africanos, disfarçando a sua identidade. Em relação ao primeiro grupo, ao se identificar como moçambicano, o indivíduo não só se associa aos moçambicanos como também se dissocia dos nativos. A partir daqui, a questão da diferença torna-se crucial. A associação dos moçambicanos, para além de ser na base da nacionalidade, também obedece a determinante étnica. A etnia reafirma-se na diáspora para responder a situação na qual os indivíduos se encontram. Portanto, são estabelecidos limites étnicos em função do contexto (Cohen; 1994:52). Os moçambicanos procuram manter um certo sentido de territorialidade, no sentido de se estabelecerem próximo uns dos outros. Não se trata de colónias de moçambicanos nem de bairros moçambicanos mas sim de bairros com predominância de moçambicanos: os enclaves étnicos9. Apesar destes bairros serem partilhados por outras nacionalidades, desde sothos até os swazis, eles são de maioria moçambicana. O domínio espacial sobre um território constitui um dos principais elementos para o estabelecimento dos limites étnicos. Os imigrantes moçambicanos que se estabelecem nos enclaves étnicos enfrentam mais desafios do que os imigrantes que privilegiam a integração. Pelo facto de se fecharem dentro dos seus limites étnicos, estes imigrantes preferem estabelecer um contacto mínimo com os cidadãos sul-africanos e em certos casos evitam qualquer tipo de contacto com a sociedade sul-africana. Por força disso, estes imigrantes tem maior dificuldade de se adaptar a cultura dominante e normalmente, não assimilam os valores culturais sulafricanos preferindo simplesmente ajustar-se. Os padrões de adaptação são portanto diferentes. Por via dessa forma de estar, os imigrantes dos enclaves não são muito bem vistos pelas comunidades próximas que também apelam pelos seus limites étnicos. Seyferth é peremptório ao afirmar que a concentração de grupos étnicos imigrantes de forma expressiva suscita manifestações de xenofobia por parte dos naturais (Seyferth, 1997:9596). Para que haja choques culturais entre imigrantes e nacionais, o tamanho, a concentração e a homogeneidade da população imigrante contam muito. Quanto maior o grupo, mais concentrado e homogéneo for, o grupo tenderá a valorizar a sua cultura, o seu modus vivendi e dificilmente negociará a sua identidade para assumir a identidade do país de acolhimento. No lado inverso, quanto menor, desconcentrado e heterogéneo maior será a 9

Enclave étnico é um processo que emerge da concentração em determinadas áreas de imigrantes de uma mesma nacionalidade (Seyferth, 1997:95-96). 10

necessidade de negociar a sua identidade e assumir os valores culturais do país de acolhimento, assimilando o modus vivendi do país de acolhimento. Daqui, pode-se presumir que uma das causas da xenofobia seja a fraca assimilação dos moçambicanos a cultura sulafricana. Enquanto o imigrante como indivíduo isolado pode facilmente sofrer o processo de assimilação/aculturação, os imigrantes em grupo dificilmente se deixam assimilar pois, os grupos erguem fortalezas para proteger a sua cultura. Com efeito, para o segundo grupo de moçambicanos, anunciar a identidade nacional tornase um factor delicado. Por isso, preferem não se identificar com a nacionalidade moçambicana, procurando através de subterfúgios, contornar esta situação. Este grupo de moçambicanos não hesita em assimilar os valores culturais sul-africanos, esforçando-se para falar as línguas locais, vestir-se como os locais e comer como os locais, pelo menos em público. Neste grupo, alguns manifestam sinais de xenofilia bastante acentuados10. O facto de possuírem características fenotípicas e fisiológicas semelhantes aos sul-africanos permitem-lhes sobreviver neste limbo identitário, onde o indivíduo pretende ser sulafricano nas suas acções a luz do dia e volta a ser moçambicano a noite. Os padrões de adaptação/integração, assimilação/aculturação diferem entre os grupos. Que percentagem permanece aliado aos seus valores culturais e que percentagem se deixa alienar pelos valores culturais sul-africanos torna-se aqui uma questão pertinente. Nós acreditamos que a maior parte dos moçambicanos permanece aliada aos seus valores culturais e uma menor parte se deixa alienar pelos valores culturais sul-africanos. A questão que se coloca é: porque isso acontece? A resposta é que nem todos respondem da mesma maneira a transição cultural. O peso da aliança a identidade cultural moçambicana dependerá de como o indivíduo migrou para a África do Sul. Normalmente, os indivíduos que emigraram a convite de familiares moçambicanos, ou que emigraram com um grupo de moçambicanos procura permanecer no seio do grupo pois acredita que esta é a sua base de sustentação, apoio e aliança. Por sua vez, indivíduos que emigraram sozinhos, sem uma base de apoio na África do sul, sentem maior necessidade de assimilar a cultura local para se misturar ‘to bland in’. Para além disso, a vontade de se assimilar ou aculturação depende também do grau de contacto que vai se estabelecer entre os moçambicanos e os sulafricanos. Na verdade, não existe linearidade em relação as estratégias de integração e assimilação dos moçambicanos. Dentro dos grupos dos moçambicanos que vivem em comunidade existem indivíduos que não sentem a mesma paixão identitária. Ferdman e Horenczyk, referem que existem diferenças culturais entre os grupos e intra-grupo (Ferdman e Horenczyk, 2000:8510

Xenofilia representa a situação inversa da xenofobia. Enquanto a xenofobia representa a situação de repúdio e o medo dos estrangeiros, a xenofilia é a situação de gosto excessivo de tudo que é estrangeiro. 11

87). Neste sentido, existem moçambicanos que se encontram dentro das comunidades moçambicanas que sentem a necessidade de assimilar certos valores culturais sul-africanos, do mesmo jeito que há moçambicanos assimilados que sentem a necessidade de preservar certos valores culturais moçambicanos. Se admitirmos a hipótese de que os moçambicanos que vivem em enclaves étnicos são mais visados pelos actos de xenofobia, como se explica que tais actos se estendam para os moçambicanos que assimilaram a cultura sul-africana? Como é possível os cidadãos sulafricanos identificarem os cidadãos moçambicanos assimilados ou que sofreram um processo de aculturação? Que características externas estes apresentam que os identificam? Será que os moçambicanos são forçados a mostrar o passaporte para serem identificados? A verdade é que ninguém é obrigado a mostrar o passaporte ao cidadão sul-africano mesmo que este o exija11. O factor cultural joga aqui um papel de relevo bastante importante para explicar este fenómeno Será que se pode falar de um processo de aculturação falhado? De acordo com a literatura, a aculturação seria o processo de adopção de cultura dominante por grupos culturais minoritários. Mas, será que a adopção de algumas características visíveis do grupo dominante implica necessariamente a aculturação? O uso das línguas sul-africanas, o calão, a maneira de vestir, etc, implica necessariamente a aculturação? Será aculturação ou ajustamento? Apesar do moçambicano pretender a todo o custo se assemelhar aos sulafricanos, ele ainda carrega todo o simbolismo cultural que herdou em Moçambique. Esses valores herdados influenciam e se manifestam no seu comportamento. Por força desta herança, os moçambicanos vão se distanciar dos sul-africanos nas ideias, atitudes, concepções de vida, valores de família, comunidade, visões da realidade circundante e do mundo. Efectivamente, de forma aberta ou subtil, todos somos influenciados pelos valores culturais que herdamos e que ajudamos a construir12. É através da cultura que se estabelece o significado das coisas (Cohen: 1994:50), a partir do qual definimos o que é certo ou errado, belo ou feio, os gostos e os desgostos. De acordo com Seyferth, citado por klumb (2009:3), “os imigrantes, em geral, mantêm alguma ligação com a cultura e sociedade de origem [...], guardam sempre alguma forma de identidade étnica, por mais que os laços com seus países de origem estejam diluídos”. Neste caso, é a cultura que estabelece o contraste entre os moçambicanos e sul-africanos e, esse contraste pode ser positivo quanto negativo 11

A nacionalidade tem implicações legais para os imigrantes por estabelecer limites de acesso e participação dos estrangeiros no gozo de direitos políticos e económicos, ela só tem importância perante as autoridades. 12 No nosso ponto de vista, as pessoas são tanto agentes passivos, ao receberem a cultura dos seus progenitores e tornam-se agentes activos ao recriarem essa mesma cultura agregando-lhe novos elementos sem no entanto distorcerem os fundamentos dessa mesma cultura. 12

dependendo das circunstancias. A questão que se levanta novamente é: em que circunstancias esse contraste é positivo e em que circunstancia ele é negativo? Existem vários factores Que tornam este contraste insuportável pela população nativa: (1) ameaça a integridade e aos valores culturais dos nacionais, e (2) ameaça a estabilidade económica dos nacionais. Em relação a ameaça aos valores culturais dos nacionais, o simples facto de atravessar fronteiras terrestres, desperta a consciência do indivíduo para a sua identidade. Para além dos limites estabelecidos por lei, que definem os espaços de actuação do estrangeiro, surgem outros limites subjectivos que envolvem a língua, vestuários, hábitos alimentares, religião, crenças e tradições que assentam na cultura dos indivíduos. Por força disso, somos recebidos com a relutância de quem não partilha a mesma cultura. O nosso comportamento é censurado, somos incompreendidos, etc. Portanto, a diferença cultural demarca a fronteira entre os grupos, identificando todos os que partilham os laços culturais contra os que não partilham os mesmos laços culturais (Ferdman & Horenczy, 2000:83). Imediatamente na primeira aproximação/encontro entre os grupos criam-se estereótipos colectivos em relação aos moçambicanos. O preconceito emerge pelo simples encontro entre as culturas que assimilaram valores culturais diferentes. Em relação a ameaça a estabilidade económica dos nativos, Os moçambicanos representam um grupo distinto na RSA por se ocuparem, quase que exclusivamente de duas actividades económicas: a mineração e o trabalho nas farmas. A maioria dos moçambicanos que se encontram na RSA trabalha e vive ao redor dos seus postos de trabalho (nas companhias) afastando-os dos maiores centros urbanos. Entretanto, existe uma grande parte da comunidade moçambicana envolvida no comércio informal, nas oficinas auto, etc. O facto de residirem muito próximo dos seus postos de trabalhos resultou num mínimo contacto entre moçambicanos e sul-africanos. Apesar de relativamente isolados e manterem os limites étnicos, a comunidade nunca teve o poder financeiro suficiente, nem a necessidade urgente de desenvolver instituições étnicas mais exclusivistas como escolas moçambicanas, igrejas moçambicanas, clubes de futebol moçambicanos entre outros. Ao mesmo tempo, os moçambicanos não reúnem como um grupo étnico para festivais, grupo de dança, feiras alimentícias, etc. Todavia, por força do seu crescente poder e influência, os sul-africanos criam rótulos para categorizar os moçambicanos desenvolvendo conceitos depreciativos e insultos. A relação dos moçambicanos com o trabalho, a sua forma de agir, de comer, de vestir, a ostentação, passa a ser condenada com fundamentos étnicos. Por força desses factores, registou-se uma resposta xenófoba sem precedentes a partir de 11 de Maio de 2008, tendo-se espalhado para todo o país, desde Joanesburgo, Durban, Cidade do Cabo e nas províncias de Kuazulu13

natal, Mpumalanga e Limpopo13. A princípio, os assaltos visavam incutir medo nos moçambicanos para obriga-los a abandonarem as suas residências mas rapidamente se viram actos de aproveitamento no qual os sul-africanos faziam incursões com o intuito único de apossar-se dos bens dos moçambicanos. Os actos xenófobos incluíam desde o espancamento, violações sexuais, roubos, assassinatos, queima-los vivos, etc. A única resposta visível das autoridades sul-africana foi a criação de campos de refugiados para os imigrantes que fugiam a violência. Podemos deduzir então que apesar de alguns moçambicanos que vão a RSA procurarem se ajustar e se adequar a nova cultura, não é suficiente para apaziguar as tensões étnicas e a xenofobia. Segundo Cohen, atravessar fronteiras geopolíticas, requer um processo de ajustamento, e análise que vai para além da adequação a novos direitos e obrigações. Requer acima de tudo, uma reformulação do nosso eu. Todavia, a dificuldade no reajustamento pode variar em função dos limites culturais que devem ser ultrapassados (Cohen, 1994:55). A aproximação dos imigrantes moçambicanos e os nacionais requer por isso a formulação de novas estratégias que possam melhorar o relacionamento entre as comunidades. O facto da cultura moçambicana ser mais ou menos aproximada da cultura sul-africana não impede a emergência de relações conflituosas porque, existem traços distintivos que marcam a diferença entre os moçambicanos e sul-africanos. O presente trabalho propõe como estratégia, que se aplique a hipótese do contacto.

A TEORIA DO CONTACTO CONFLITOS

VIS-A-VIS

A REDUÇÃO

DOS

De acordo com Barth, os grupos étnicos persistem apesar do cruzamento, da mobilidade, do contacto e da informação que existe entre eles. Ao mesmo tempo, ele defende que apesar da existência das fronteiras étnicas, vários grupos foram capazes que estabelecer relações estáveis, duradoiras e vitalmente importantes. Defende ainda que as diferenças culturais podem persistir apesar do contacto inter-étnico e da interdependência (Barth, 1969:9-10). A questão que se levanta aqui é: como estabelecer relações estáveis, duradoiras e mutuamente vantajosas entre moçambicanos e sul-africanos? Para responder a esta questão o trabalho vai buscar sustentação na teoria do contacto, desenvolvida na psicologia social por autores como Gordon Allport que apresentam uma visão diferente de Barth em relação ao contacto. A teoria do contacto advoga que o contacto é um dos principais elementos para a redução do conflito entre os grupos, desde que esse contacto seja positivo. Esta teoria vê o contacto 13

Xenofobia é o medo irracional, aversão ou a profunda antipatia em relação aos estrangeiros, a desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio daquele que as julga ou que vêm de fora do seu país.

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em duas vertentes: o contacto negativo caracterizado pelo simples encontro entre grupos e o contacto positivo caracterizado pelo entrosamento entre os grupos. A teoria do contacto avalia os efeitos do contacto inter-grupal no comportamento discriminatório e nas ideias preconceituosas e intolerância. Esta teoria dá uma ênfase especial ao indivíduo e ao grupo como factores de explicação ao fenómeno do preconceito. De acordo com a teoria do contacto, pessoas preconceituosas tendem a interpretar mal os costumes dos estrangeiros, exagerar nas suas categorizações, generalizar, tem um comportamento rígido, não são tolerantes, adoptam sentimentos hostis, rejeitam o estranho, são injustos e culpam aos outros pelos seus problemas. Mas, como os indivíduos pertencem a determinados grupos, os seus preconceitos são manifestados ao nível dos grupos. O preconceito passa, dai em diante, a ser colectivo e não individual. Alias, transcende a dimensão individual. A partir dai, o preconceito do grupo passa a moldar o preconceito do indivíduo. O facto do indivíduo se identificar com um grupo implica que ele deve se conformar com as normas do grupo e consequentemente com o posicionamento do grupo em relação a outros grupos. A teoria do contacto defende que o simples facto do contacto entre indivíduos trazer relações amistosas não modifica as atitudes do grupo. Ela defende que, para que as relações entre os grupos melhorem deve haver maior contacto entre os grupos e não somente entre indivíduos (Forbes, 1997:26-28). De acordo com a teoria do contacto, quanto maior for o contacto entre os grupos que tenham costumes, línguas, crenças, nacionalidade ou identidades diferentes maior será a possibilidade de melhorarem as relações entre si, eliminar os estereótipos, preconceitos e a intolerância entre si. Em termos gerais, a teoria do contacto acredita que, quanto mais positivo for o contacto, maior serão as relações de amizade. Segundo Amir, citado por Pettigrew e Tropp (2006:752), se as condições do contacto forem favoráveis, o contacto pode reduzir o preconceito mas se as condições forem desfavoráveis pode aumentar o preconceito e as tensões entre os grupos. Aberson e Haag (2007:180), referem também que o contacto, para além de ser quantitativo deve ser qualitativo para que seja profícuo. Por seu lado, Forbes, (1997:7-9,115) defende que, para que o contacto tenha efeitos positivos, deve obedecer a certas condições específicas como (1) a igualdade de status entre os diferentes grupos, (2) cooperação em prol de um objectivo comum e (3) o apoio institucional com a presença de normas sociais que favorecem o contacto. A igualdade de status depende de vários factores desde o nível educacional, renda, profissão entre outros. Os indivíduos que demonstrem uma grande disparidade nestes factores dificilmente podem tornar-se amigos pois, pode se estabelecer uma relação de superioridade e inferioridade (Forbes, 1997:116). Com efeito, a percepção do status diferenciado, inicia quando os sul-africanos percebem um crescente enriquecimento dos imigrantes moçambicanos em contraposição com o empobrecimento dos nacionais. Alguns 15

moçambicanos começam a adquirir melhores cargos no trabalho, maiores rendimentos, carros, habitações, mulheres entre outros. Vários moçambicanos, recém-chegados a RSA, conseguem rapidamente melhorar as suas condições de vida. O facto do patronato sulafricano preferir imigrantes moçambicanos, que se mostram trabalhadores aplicados, dispostos a trabalhar por salários mais baixos também contribui para a desigualdade de status. Isso muitas vezes resulta em uma concorrência desleal para o trabalhador nacional (ACCORD, 2011:5). Consequentemente, os sul-africanos mostram-se indignados pela presença de moçambicanos. Para se atingir a igualdade de status, o governo sul-africano deve ser vigilante no cumprimento da exigência do salário mínimo por todos os empregadores e deve trabalhar para garantir que salvaguardem as disposições trabalhistas, a fim de livrar o ambiente de casos de concorrência desleal entre nativos e estrangeiros pois, esta é a maior fonte de diferenciação social entre imigrantes e nacionais (ACCORD, 2011:5). É a partir do acesso ao emprego que se estabelecem as demais divisões de status entre imigrantes moçambicanos e os sul-africanos. O reconhecimento desta necessidade pelo governo pode ajudar a eliminar os actos de xenofobia pois, os grupos se comparam e se avaliam em função do estatuto social. Apesar dos indivíduos definirem a sua categoria social baseando primeiramente na sua condição de indivíduo, os indivíduos tendem a ver a sua categoria social interligada com o seu grupo étnico. Apesar das origens diferentes, só membros da mesma categoria social simpatizam uns com os outros. Se os indivíduos em contacto forem de categorias sociais muito díspares mais salientes ficam outras diferenças entre eles e consequentemente mais preconceitos irão surgir no seu contacto (Gaertner & Dovidio, 2005:71-75). Em relação a cooperação em prol de um objectivo comum, a teoria do contacto defende que a existência de uma relação de interdependência entre os grupos favorece o estabelecimento de atitudes e comportamentos positivos entre eles (Forbes, 1997:122). A interdependência e cooperação baseiam-se na ideia de que grupos que cooperam entre si tendem a respeitar-se, aliar-se e a formar laços de amizade. Naturalmente, se os grupos se ajudarem mutuamente vão desencadear relações amistosas e atitudes positivas. Em contrapartida, se os grupos prosseguirem interesses individuais e não cooperarem as relações entre eles vão se manter tensas e negativas (Forbes, 1997:122-123,126). De facto, as relações entre moçambicanos e sul-africanos têm sido mais competitivas do que cooperativas: as duas comunidades competem por empregos, habitação, mulheres, serviços públicos, entre outros. De acordo com Ren et al (sd:2), existem vários cenários que criam um sentido de grupo, dentre eles, vamos destacar os objectivos comuns, as tarefas conjuntas e recompensas mútuas. De acordo com Forbes, se os grupos partilharem objectivos comuns e se esse objectivo implicar a cooperação entre os dois, as chances são dos grupos desenvolverem relações 16

positivas entre si. A cooperação por objectivos comuns pode ser incentivada a partir da vizinhança, na sala de aulas ou no trabalho. Alguns objectivos comuns que podem motivar a cooperação conjunta ao nível dos bairros seriam a participação dos imigrantes moçambicanos e os nacionais no desenvolvimento das comunidades locais, na criação de parques de diversão, a entreajuda no combate a criminalidade e delinquência juvenil, a contribuição financeira nas igrejas e clubes locais, etc. Ao nível das escolas, os alunos moçambicanos e sul-africanos podem ser instruídos a desenvolverem projectos de pesquisa e outras actividades curriculares conjuntas, inscrever as crianças moçambicanas nos clubes sul-africanos para que desenvolvam actividades cooperativas. Ao nível dos postos de trabalho os imigrantes moçambicanos podem ser designados para fazerem o mesmo trabalho ao lado dos nacionais. Todos esses passos transmitiriam sinais positivos aos sulafricanos. No que corresponde as tarefas conjuntas, os imigrantes moçambicanos e os nacionais podem começar por fazerem patrulhas conjuntas das vilas e cidades, denunciarem actos que prejudiquem a paz social e a tranquilidade pública, participar activamente nos clubes e nas igrejas, participar na limpeza dos bairros e nas campanhas de sensibilização sobre o saneamento urbano e a prevenção de doenças. Quando os grupos realizam tarefas conjuntas criam-se as condições para que eles se entendam. Trata-se de um sistema de gestão participativa que possibilita a colaboração e o enriquecimento do contacto entre eles por meio de actividades concretas. As tarefas conjuntas podem ser melhor aprimoradas no seio das escolas e do ambiente de trabalho. Em relação a recompensa mútua, as comunidades devem ser consciencializadas de que todos temos um destino comum como raça humana e que só através da cooperação se criam as condições para que todos obtenham o melhor resultado. Neste caso, o melhor resultado seria o melhoramento das condições de vida dos imigrantes e nacionais. Neste sentido, a recompensa da cooperação seria o bem-estar. Todos seriam recompensados em termos de segurança, crescimento económico, justiça e paz social. A recompensa material seriam as escolas, casas, hospitais e estabelecimentos comerciais. No que concerne ao apoio institucional, a teoria do contacto defende que o contacto pode ser profícuo se for sancionado pela lei, costumes, líderes políticos e instituições. Sempre que o apoio institucional favorecer o contacto de forma explícita, ele pode ter efeitos positivos. Os governos são as principais instituições para estabelecer esse apoio (Forbes, 1997:129). Todavia a presença de normas que favorecem o contacto não é condição suficiente para que o contacto seja profícuo. Deve ficar claro que a África do Sul, possui um dos melhores sistemas legais de protecção contra actos de xenofobia e descriminação racial criminalizando vários actos desde a constituição até as leis ordinárias. Além disso, o país é signatário de várias convenções e protocolos internacionais sobre direitos humanos, migrações e direitos das minorias. Trata-se de um país multi-étnico e multi-racial que tem 17

sabido gerir a convivência salutar entre cidadãos nacionais de origens raciais, étnicas e religiosas bem diferentes. Por foça disso, a África do Sul é considerada um ‘melting pot’ africano. Apesar deste aparato legal, que define o dever do estado de proteger os imigrantes e a sua propriedade, o estado sul-africano não agiu com celeridade para proteger os moçambicanos demonstrando que o suporte legal não encontra sustentação nas acções políticas. Parece não haver vontade política para combater a xenofobia. Consequentemente, a legislação tem-se mostrado insuficiente perante uma mentalidade xenófoba por parte, inclusivamente, daqueles que deviam fazer cumprir a lei (ACCORD, 2011:4). Segundo o relatório da ACCORD, houve participação política nos actos de xenofobia contra os moçambicanos onde os líderes locais muitas vezes planearam e organizaram ataques violentos contra os imigrantes estrangeiros, a fim de ganhar autoridade ou realizar seus interesses políticos. De acordo com o jornal Mail and gardian, citado pelo ACCORD, alguns líderes comunitários e o governo local não fizeram nada para prevenir ou acabar com os ataques violentos aos estrangeiros, tendo pelo contrário, se envolvido directamente nos ataques, enquanto outros mostraram-se relutantes em apoiar os estrangeiros por medo de perder a legitimidade ou cargos nas eleições de 2009. Além de autoridades locais, líderes nacionais também usaram uma linguagem anti-imigração durante suas campanhas a fim de ganhar votos. Foram também, documentados casos em que os migrantes se tornaram alvos de abusos nas mãos da polícia, do exército e do departamento de Assuntos Internos. Esse abuso de poder e o discurso preconceituoso também contribuiu para o agravamento dos actos xenófobos14 (ACCORD, 2006:4-5). Perante estes factos importa questionar: como se deve efectivar o apoio institucional e fazer respeitar as normas? Para responder a esta questão, iremos nos basear nas recomendações do grupo temático sobre xenofobia do Brasil15. Defendemos que o apoio institucional deve começar por eliminar políticas xenofóbicas, estabelecer políticas de apoio a refugiados e imigrantes, regularizar a situação dos estrangeiros no país, promover a inserção social dos imigrantes no país, desenvolver legislação que proíba manifestações xenófobas, definir políticas educacionais que enfatizem a solidariedade entre nacionais e estrangeiros, adoptar currículos educacionais que valorizem a diversidade cultural, Informar o público sobre os direitos dos migrantes e refugiados que vivem na África do Sul e disseminar informações sobre a protecção dos imigrantes no país. Para além disso e baseando-nos no Relatório do relator especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada no Brasil, podemos traçar outras acções que incluem a necessidade de formação ao nível da 14

De acordo com Forbes (1997:129), os seres humanos tendem a seguir os seus líderes e os seus comandos. Recomendação do grupo temático sobre xenofobia, Fundação Cultural Palmares, Ministério Da Cultura do Brasil, http://www.mulheresnegras.org/doc/GT%20Xenofobia.pdf. Acessado no dia 25 de Abril de 2011. 18 15

corporação policial para transformar a mentalidade actual no seio da polícia e o desenvolvimento de programas de acção afirmativa para os sul-africanos pobres nas universidades. Tomando em consideração o enraizamento da xenofobia, os esforços de erradicação devem envolver toda a administração pública sul-africana. Para além da protecção, é necessário que a elite política sul-africana reconheça a necessidade de empreender medidas compensatórias e acções afirmativas para que possa corrigir a situação de desigualdade que ainda persiste na África do Sul. Dentre várias acções, o governo devia criar novas habitações, construir escolas, hospitais, investir em programas de auto-emprego, atrair investimentos que criem empregos, conceder bolsas de estudo, criar programas de segurança social que protejam os pobres e outras benesses para os sul-africanos pobres, tanto rurais quanto urbanos. No fundo, o governo devia investir recursos financeiros para fazer face às enormes disparidades socio-económicas dentro da sociedade sul-africana16. Ademais, o governo sul-africano, deve melhorar a prestação de serviços, especialmente nas comunidades pobres, em termos de transporte, electricidade, água, saneamento do meio e outras medidas básicas, de modo a reduzir a incerteza e ansiedade entre os sul-africanos, o governo precisa fornecer informação adequada ao público Sul-africano sobre a migração e o seu impacto sobre a economia em termos de emprego e saúde e, deve condenar e perseguir os líderes comunitários, bem como outros funcionários do governo que estiveram envolvidos nos ataques xenófobos (ACCORD, 2011:5). Finalmente, para que o contacto entre os grupos na RSA resulte em relações positivas não se pode ignorar a igualdade de status, a cooperação para alcançar objectivos comuns e o apoio institucional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho procuramos reflectir sobre a xenofobia tomando em consideração os aspectos identitários. Nele, pudemos perceber que a simbologia étnica, estabelecidas em fronteiras étnicas constituiu o elemento de objectivação de acções contra imigrantes moçambicanos. Pudemos perceber também, que a xenofobia é inseparável das questões económicas. O trabalho não procurou medir nem estabelecer precedências ou hierarquias entre os factores cultuais e económicos mas sim, realçar os determinantes culturais como essenciais para a rejeição do outro, neste caso, dos moçambicanos. Ao analisar a xenofobia nesta dimensão, pretendíamos revelar a necessidade de se estabelecer um contacto mais compreensivo entre moçambicanos e sul-africanos. Um contacto que partisse de um discurso de aproximação cultural e o estabelecimento das condições favoráveis a esse contacto. A compreensão e respeito pelo próximo se 16

Relatório do relator especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada, Doudou Diène, em sua missão no Brasil (17-26 de Outubro de 2005). 19

estabelecerá, na nossa visão, a partir de um contacto positivo. Ao contrário, estaríamos a alimentar e a legitimar mais acções negativas contra os imigrantes moçambicanos na RSA e, consequentemente, estaríamos a contribuir para o aumento da xenofobia. Os efeitos do contacto, ainda que discutíveis, seriam benéficos e eficazes para motivar a transformação social e cultural na sociedade sul-africana. Portanto, exige-se por parte dos actores políticos da África do Sul, das organizações da sociedade civil, dos meios de comunicação social, um maior cometimento no sentido de promover relações positivas entre os imigrantes e nacionais. Torna-se importante e necessário encontrar soluções para a xenofobia, identificar as formas de ultrapassar as fronteiras étnicas e melhorar o contacto entre os grupos. As construções teóricas aqui apresentadas, indicam que é possível estabelecer em concreto relações profícuas entre imigrantes e estrangeiros, reconhecendo porém que a identidade dos indivíduos representa uma soberania pessoal. No sentido de que ela não é facilmente negociada. Soberania como espaço de aceitação dos iguais e negação dos outros diferentes. Essa soberania étnica impõe limites invisíveis aos estrangeiros estabelecendo fronteiras étnicas. A soberania étnica, impõe também a necessidade da defesa de um território étnico real contra a ameaça real ou aparente dos invasores estrangeiros, tal como os estados defendem a sua soberania contra a invasão de um estado estrangeiro. O aumento da população imigrante na África do Sul provocará uma maior afirmação das fronteiras étnicas com grandes probabilidades de degenerarem em actos de xenofobia. Nesta perspectiva, não há dúvidas de que a inacção e a incompreensão dos factores mobilizadores da xenofobia não permitirão a tomada de respostas coerentes com impactos reais. Em última instancia, não pretendíamos legitimar nem questionar as acções xenófobas mas sim explica-las num sentido mais abrangente possível. A polarização da sociedade sulafricana, compreendida entre um pólo positivo (sul-africanos) e um pólo negativo (imigrantes moçambicanos) é uma realidade social inegável. Para eliminar esta polarização, é necessário que se faca uma mediação cultural a todos os níveis envolvendo vários actores desde o estado, sociedade civil, lideres comunitários, instituições religiosas, autoridade tradicional, individualidades influentes, entre outros. Ao mesmo tempo, no actual contexto da integração regional, os estados não devem atrelar-se somente aos interesses do capitalismo sem observarem ou tomarem em consideração as implicações socio-culturais desse processo. Evidentemente, haverá sempre ganhadores e perdedores que, dependendo da sua mobilização poderão implicar mais custos do que benefícios aos estados. Para concluir, Moçambique deve avaliar os factores de repulsão que levam os seus cidadãos a imigrarem e analisar os factores de atracção que tornam a África do Sul um destino preferencial dos cidadãos moçambicanos. Um retrato das condições de pobreza do país obriga a tomada de estratégias de desenvolvimento imediatas que promovam uma industrialização acelerada e que criem emprego. Só assim, os moçambicanos deixaram de 20

constituir um fardo para os sul-africanos. Adicionando a esse esforço, torna-se necessário um controlo mais eficaz e eficiente sobre a fronteira comum entre Moçambique e RSA. Por outro lado, a RSA, no seu interesse estratégico, deve orientar-se para a internacionalização das suas empresas e estimular investimentos em Moçambique que criem emprego de forma a reduzir a pressão migratória.

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