FRONTEIRAS TRANSNACIONAIS: CONFLITOS DE TERRA ENTRE ARGENTINA E BRASIL (1850/ 1930

June 1, 2017 | Autor: Leandro Crestani | Categoria: Borders and Frontiers, Fronteras, Zonas De Fronteira
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FRONTEIRAS TRANSNACIONAIS: CONFLITOS DE TERRA ENTRE ARGENTINA E BRASIL (1850/ 1930) Leandro de Araújo Crestani Faculdade Sul Brasil – FASUL Resumo: O presente trabalho propõe um estudo comparado entre Argentina e Brasil, relatando os conflitos de terras nas fronteiras transnacionais, no período de 1850 a 1930. Tendo como objetivo compreender os conflitos em torno de espaços já ocupados, uma vez que trabalhos já existentes, apontam esses espaços como “vazios” na região de fronteira da Argentina e Brasil. Esses países buscavam manipular o simbolismo da fronteira, intervindo principalmente por razões geopolíticas, econômicas e demográficas, as quais são convenientes deslocar frentes de migrações para as regiões de fronteira tanto para garantir a posse quanto a soberania. A análise é desenvolvida numa “região transnacional” que situa-se no perímetro transfronteiriço, o qual compreende a região do Sul do Brasil e a Região do Norte Grande Argentino (conflitos nas fronteiras externas), enfatizando os conflitos nas fronteiras internas nos Estados do Paraná e Santa Catarina (BR) e na Região da Patagônia nas Províncias de La Pampa e Rio Negro (ARG). Analisando os conflitos pela posse da terra na faixa de fronteira entre o Estado, militares, contra índios e colonos. Não esquecendo os conflitos que surgiram dentro desses grupos pela posse da terra. A questão central desta pesquisa é o processo de “nacionalização” - externa (separação) e interna (ocupação) - dos territórios da região “transnacional” que ligava o sul do Brasil ao norte da Argentina, vistos a partir das dinâmicas da apropriação dos espaços vazios de fronteira, buscando ampliar o conhecimento e a reflexão acerca da apropriação, especulação e concentração das “terras devolutas” na faixa de fronteira do Brasil e Argentina vendo-a como um território transnacional em processo de nacionalização efetiva. Palavras-chave: Fronteiras Transnacionais; Argentina; Brasil.

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Introdução

Na Argentina e no Brasil, cuja fronteira terrestre foi delimitada entre 1850 a 1930, as construções de fronteiras externas surgiram, mediadas aos conflitos diplomáticos entre os referidos países e conflitos nas fronteiras internas em relação a posse. E é justamente este processo social, que constituiu o objeto central desta tese. A periodização adotada neste estudo segue o processo de criação de leis de terras em ambos os países que corresponde as mudanças que marcaram o surgimento dos Estados nacionais no período de 1850, e o fechamento de suas fronteiras, que tanto na Argentina, como no Brasil, correspondendo o período de 1930. A partir das questões destacadas acima, desenvolvemos uma nova abordagem focada na dinâmica de formação das fronteiras Brasil-Argentina, analisada através da ação dos indivíduos no processo de ocupação dos espaços e da definição concreta das fronteiras numa região que, como unidade analítica, é transnacional. O quadro analítico dos conflitos nas fronteiras transnacionais entre Argentina e Brasil busca subterfúgios na história comparada, na tentativa de compreender a construção de fronteiras nacionais numa região transnacional, através de construções políticas e projeções imaginadas de poder territorial. Estudos mostram que na história comparada, há uma pequena historiografia transnacional na América Latina. Embora a maioria dos estudos contemplem uma abordagem que remete aos aspectos ligados à fronteira dos Estados Unidos – México e Estados Unidos – Canadá. Assim, é objetivo deste estudo é estabelecer as dinâmicas dos indivíduos envolvidos nas fronteiras da Argentina e do Brasil, buscando uma abordagem da história comparada e transnacional. Com vistas a compreensão de questões como os conflitos em relação à apropriação da terra foram relacionados ao problema mais amplo da consolidação das fronteiras, o que requer certamente o exame de uma série de dimensões nas esferas econômica, política, social e cultural.

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História comparada e transnacional da Argentina e Brasil A inserção da proposta de pesquisa no campo da “História Comparada e Transnacional” encontra razão na complexidade do objeto de estudo que requer um múltiplo campo de observação. A metodologia empregada foi capaz de comparar duas ou mais unidades destacando semelhanças e diferenças obscuras e as interações entre os objetos em estudo. Para Sean Purdy (2012), a história comparada dá atenção à metodologia e à teoria, cuja relação intrínseca deve estar sempre presente:a complexidade principal de escolher duas ou mais unidades comensuráveis de estudo e explorar similaridades, diferenças e interconexões entre os casos requer atenção cuidadosa a um número de problemas metodológicos espinhosos. Segundo José D’Assunção Barros (2007) a história comparada impõe a escolha de um recorte geminado de espaço e tempo que obriga o historiador a atravessar duas ou mais realidades socioeconômicas, políticas ou culturais distintas, como, de outro lado, essa mesma história comparada imprime, através do seu próprio modo de observar a realidade histórica, a necessidade de a cada instante atualizar e conciliar uma reflexão simultaneamente atenta às semelhanças e às diferenças. A construção das fronteiras externas entre países e as fronteiras internas entre Estados e municípios são processos complexos associados a conflitos de natureza diversa, tanto na sua expressão político-diplomática, quanto em relação à disputa dos territórios. A fronteira envolve conflitos possessórios, políticos, econômicos, sociais e culturais. A formação das fronteiras externas comporta, em geral, a intervenção estatal, ou militar, na apropriação e legitimação dos territórios. A atuação desses aparelhos foi historicamente decisiva para desequilibrar a disputa pela posse das regiões de fronteiras, especialmente nas regiões situadas na curta linha de fronteira externa entre a região do Sul do Brasil e a Região do Norte Grande Argentino da Argentina. A definição das fronteiras externas e internas entre a Argentina e o Brasil foi contemporânea e envolveu embates entre brancos, índios, militares, colonos, posseiros e grileiros. Tal experiência constitui um imenso terreno que pode ser

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explorado pelos historiadores quando se tem como referência a problemática de estudo a fronteira. Para José de Souza Martins (1997, p.13), [...] ela é fronteira de muitas e diferentes coisas, como fronteira da civilização (demarcada pela barbárie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e visões de mundo, fronteiras de etnias, fronteira da História e da historicidade do homem. E, sobretudo, fronteira do humano.

Percebe-se que o estudo da fronteira possibilita novas abordagens para o historiador. Assim, é possível analisar a fronteira para além da delimitação territorial, além do conceito de fronteira nacional, chegando à compreensão das fronteiras externas e internas de ambos os países. Nessa região transnacional as fronteiras externas e internas entre Argentina e Brasil têm semelhanças nas construções de seus espaços, e as diferenças entre esses locais apresenta-se na criação de cenários contraditórios, nos quais intelectuais, políticos, militares, comerciantes, indígenas, colonos e posseiros de diferentes nacionalidades viviam, se relacionavam, intervém no meio ambiente e, assim, teciam formas de sobrevivência num ambientetransfronteiriço. A historiografia oficial presente em livros escritos por militares e governantes da Argentina apresenta a fronteira como “espaço vazio”, como “o espaço improdutivo”, mesmo que ocupado pelos índios, ou seja, aqueles territórios não estavam

efetivamente

integrados

no

território

nacional

e

no

projeto

de

desenvolvimento nacional. Na historiografia brasileira a ocupação dos espaços vazios na fronteira oeste é vista como um processo de domínio territorial em relação aos países vizinhos, embora a característica principal de sua ocupação aconteceu pelo processo de valorização das terras. Para o estudo das disputas entre Argentina e Brasil pela definição de limites entre os países, parte-se do pressuposto que antes da definição territorial, a fronteira representava um campo de tensão entre dois estados nacionais emergentes com seus territórios em construção. Partimos da hipótese que os conflitos pela posse das terras contribuíram para a ocupação e delimitação daqueles espaços para fins de interesses econômicos e políticos, contribuindo, assim, para a definição das fronteiras externas. Com isso, os conflitos nessa região transnacional passaram a interferir diretamente na constituição das fronteiras. Uma das problemáticas em questão é o 697

conflito em torno das fronteiras internas, resultante da intensa atividade extrativista da erva-mate e da madeira. O comércio ervateiro e madeireiro existente dentro e fora dos limites territoriais da Argentina e do Brasil levou à disputa pela posse entre a região do Sul do Brasil e a Região do Norte Grande Argentino da Argentina, intensificando os conflitos, as expulsões e uma série de arbitrariedades movidas contra os habitantes destas fronteiras. O movimento de apropriação das terras nesta região transnacional acentuouse a partir de meados do século XIX estimulado pelas leis agrárias que no Brasil e Argentina separaram juridicamente as terras públicas das privadas, estabelecendo a compra como meio fundamental de aquisição de propriedade (domínio). Neste estudo demonstraremos que em ambos os países o padrão de ocupação das áreas fronteiriças se afastou do modelo de ocupação das fronteiras estadunidense definido pelos estudos de Frederick Jackson Turner. Lá, como referido anteriormente, teria promovido o desenvolvimento da democracia social e política, uma vez que a existência de áreas livres a oeste do país disponibilizava o acesso aos imigrantes e evitara o conflito social, característico das sociedades europeias do século XIX. Pode-se perceber que a Lei de Terras de 1850 do Brasil não atingiu um dos seus objetivos básicos, na ótica de Silva e Secreto, ou seja, a demarcação das terras devolutas (discriminação das terras públicas e privadas), pois teve que vencer o primeiro obstáculo que era a implementação de uma política de terras, sendo um elemento fundamental para a dinamização do mercado de terras. Porém, no caso da Lei Avellaneda de 1876, demonstrou o problema da Argentina com a imigração e a agricultura. A perspectiva dessa Lei era de facilitar a colonização, a partir da cessão de grandes extensões de terras para as companhias colonizadoras privadas da Argentina. Que por sua vez poderiam escolher, subdividir e colonizar regiões por sua conta. Contudo, os processos de ocupação das fronteiras de ambos os países tiveram aspectos semelhantes. O primeiro aspecto entre Argentina e Brasil foi através de criação de leis de terras, como objetivo de incorporar os espaços vazios de suas fronteiras internas. Porém, a ocupação de suas fronteiras externas, nesse primeiro momento da criação das leis não foi o foco central de ambos os países. A consolidação das fronteiras internas nesse caso foi pela incorporação de territórios

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indígenas, para que esse processo não fugisse do controle das classes dominantes da Argentina e Brasil.

Conflitos de terra entre Argentina e Brasil (1850/ 1930)

No Brasil do século XIX a fronteira representou um papel ainda mais distante do modelo americano. Já foi observado, inclusive, que a ocupação do interior teve características próprias e ao mesmo tempo distintas. No século XIX, é certo que como na Argentina, a “abundância de terras” foi vista como uma característica a ser “contornada” e não glorificada. Esta perspectiva também contaminou a discussão do primeiro projeto de Lei de Terras de 1843, no Império do Brasil. Foram poucas as vozes como a de Tavares Bastos (1839-1875), que percebeu o potencial da fronteira enquanto elemento construtor da nacionalidade num país oriundo de uma situação colonial. A coleção “Estudos Amazônicos” intitulado “Pelos Sertões e Fronteiras do Brasil” apresenta três livros: Livro I – Pelo Brasil Central; Livro II – Uaupés e Livro III – Na Rondônia Central, do General Frederico Rondon. No Livro – Pelo Brasil Central, Rondon (1969), retrata que o Brasil, era visto por seu imenso interior, dando a impressão de ser uma obra inacabada. Muito cedo o Brasil abandonou o ideal de bandeirante, perdendo o “elán” que havia levado aos nossos maiores acontecimentos, que evoluíramaos contrafortes andinos, deixando por terra, de modo irremediável, a irrisória barreira de Tordesilhas. Suspensa em meio a obra das bandeiras de Tordesilhas. Suspensa e meio a obra das bandeiras, pela fixação dos limites entre as possessões portuguesas e espanholas, na segunda metade do século XVIII, sobrevém o movimento de independência e formação das novas Nações sulamericanas, no primeiro quartel do século XIX (RONDON, 1969, p.21)

As antigas colônias espanholas, na ótica de Rondon (1969) emanciparam, desagregaram, deixando o bloco brasileiro circundado por nações fracas. Logo, as diversidades de forças nacionais criaram, no novo Império do Brasil, uma sensação de segurança da qual o resultado foi de esmorecimento do “espírito bandeirante”, até quase a extinção, e o abandono das “fronteiras pátrias”, daquelas fronteiras setentrionais e ocidentais que teriam sido penosamente conquistadas. 699

Nessa coleção é enfatizado que o surgimento das fronteiras no espaço brasileiro aconteceu por causa da evolução econômica do país, e a divisão territorial do Brasil no período da República obedeceu em 1891, critérios econômicos, isto é, cada uma das antigas Províncias do território apresentava dados de seu potencial econômico, ou seja, a sua capacidade de autodesenvolvimento. Por êste critério, nas grandes Províncias interiores, o Govêrno Federal teria delimitado os territórios que haveriam de constituir os respectivos Estados, dividindo os restantes em departamentos federais. Êstes continuariam a ser administrados pela União, até que, pelo próprio desenvolvimento econômico-social, pudessem aspirar a autonomia estadual. Assim, talvez tivéssemos hoje Unidades Federadas mais homogêneas, sem embargo da hierarquia econômica, por certo inevitável. (RONDON, 1969, p.26).

Na ótica de Rondon, a criação de novos territórios, pela cessão à União de áreas inaproveitadas dos Grandes Estados fronteiriços –“hinterlândia”, sendo uma experiência de criação de unidades administrativas, como prosseguimento de uma política de redivisão territorial, mesmo sem desmembramentos e fusões de Estados, grandes ou pequenos, representando naquele período a cristalização de uma evolução política, em seu aspecto geográfico. José Cândido da Silva Muricy (1996) mostrou como a Colônia Militar da Cidade de Foz de Iguaçu, na fronteira Oeste do Paraná, era um local de vida difícil para os colonos e militares na fronteira, sublinhando as péssimas condições dos caminhos que ligavam o sertão à civilização, a tipologia de fauna e flora dos lugares percorridos, a variedade de peixes nos rios e a fertilidade do solo, bem com as diferentes paisagens e riquezas minerais. Teceu, enfim, ferrenhas críticas ao Governo do Paraná no ano de 1876. Na obra “Pela Fronteira” (1903),de Domingos Virgílio Nascimento, é idealizado o protótipo do homem paranaense, ao se considerar o projeto de desenvolvimento econômico, a nacionalização da fronteira Oeste e, enfim, o desejo de criação de uma identidade homogênea ao Paraná, porém, retrata um local cheio de conflitos. E por que falasse há pouco em índios, de passagem direi sobre esses nossos selvícolas. A tribo dos botocudos, por certo os mais bravios e indomáveis, habita desde a margem esquerda do Iguassú, penetra o grande sertão até Campos Novos, fazendo correrias, a partir das serras a leste do municipio do Rio Negro até os campos, numa extensão de 18 leguas, e desde Jaraguá, território catharinense, até a nossa União da Victoria, numa

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extensão de 50 leguas. No interior da serra do Espigão, que limita os dois Estados vizinhos, ha um alto morro chamado Tayó, em pleno sertão impenetravel, em cujos arredores habita essa grande tribu, infelizmente de uma ferrocidade implacável, até o presente refractaria à civilização. E tanto é assim, que viajando eu, como demonstrei adeante, por sertões ínvios e inhospitos, sem sombras de catechese, encontrei numerosos toldos de índios mansos pelas picadas, guaranys e coroados, e que somente com a passagem de um ou outro viandante que se destina á foz do Iguassú ou á fronteira rio-grandense, vão se civilizando naturalmente, descendo para as estradas, colônias e rios mais próximos, barganhando as suas ainda que muito limitadas mercadorias (NASCIMENTOS, 1903, p. 16).

No Brasil do século XIX a fronteira representou um papel ainda mais distante do modelo americano. Já foi observado, inclusive, que a ocupação do interior teve características próprias e distintas. É certo que como na Argentina, a “abundância de terras” foi vista como uma característica a ser “contornada” e não glorificada. Esta perspectiva também contaminou a discussão do primeiro projeto de Lei de Terras de 1843, no Império do Brasil. Foram poucas as vozes como a de Tavares Bastos (1839-1875), que percebeu o potencial da fronteira enquanto elemento construtor da nacionalidade num país oriundo de uma situação colonial. Pensar no conceito de fronteira para a Argentina e o Brasil no período de 1850 à 1930 não é uma tarefa fácil. Buscamos a perspectiva da fronteira como um lugar e não um limite territorial, permitindo ao pesquisador perceber a existência de disputas políticas, econômicas e de interesses particulares de domínios (entre, estados, militares, indígenas, companhias colonizadoras, colonos, posseiros e grileiros) no processo da ocupação e da colonização das áreas de fronteira. Sem dúvida, a existência dessas disputas contribuíram para o processo de expansão e consolidação da fronteira-limite entre a Argentina e Brasil. A fronteira pode ser compreendida como um local que oferece ao país novas perspectivas, como crescimento econômico, soluções de problemas sociais e, principalmente, domínio do território (num sentido nacionalista), entre outros. Os conflitos aparecem como um elemento indissociável da fronteira, pois sua expansão se efetua sempre em um local ou espaço ideologicamente considerado como “vazio” a partir da lógica demográfica, econômica, ou mesmo jurídica. O Estado busca manipular o simbolismo da fronteira, intervindo principalmente por razões geopolíticas, econômicas e demográficas, ou seja, sendo conveniente deslocar (mobilizar) frentes de migrações para as regiões de fronteira tanto para garantir a posse, quanto garantir a soberania do país. 701

Os países buscavam manipular o simbolismo da fronteira, intervindo principalmente por razões geopolíticas, econômicas e demográficas, ou seja, sendo conveniente descolar frentes de migrações para as regiões de fronteira tanto para garantir a posse quanto a sua soberania. Para Maristela Ferrari, a origem do conflito de limites entre Argentina e Brasil na “Questão de Palmas ou Misiones”, remonta aos antecedentes históricos do Tratado de Tordesilhas (1494), seguido pelo Tratado de Madri (1750), e o Tratado de Santo Ildefonso (1777), em que espanhóis e portugueses exerceram o domínio colonial por vários séculos sobre as terras da América do Sul a partir do princípio do “uti possedetis”. Como revelam os dados históricos, no final do período colonial os limites se apresentavam indefinidos, sobre terras até então ocupadas por portugueses e espanhóis, gerando muitos conflitos entre os novos países independentes. A produção historiográfica brasileira considerou durante muito tempo a unidade territorial como um legado do passado colonial: [...] hoje em dia, esta visão foi substituída por aquela que vê a construção da unidade territorial brasileira como um empreendimento do Estado imperial. Sua substância consistiu na articulação dos interesses das oligarquias regionais no interior das instituições da monarquia parlamentar. Foi o embate entre as prerrogativas do poder central e as exigências dos potentados regionais e locais a nota marcante no período compreendido entre a Independência e 1850 (SILVA, 2003, p. 6-7).

A partir dos estudos de Silva (2003, p. 7) sobre a fronteira e identidade nacional, passou a se enfatizar que, na Argentina, o vazio político e institucional compreendido entre a Independência (1810) e a retomada do processo de construção do Estado após a vitória de Monte Caseros (1852), era que ficou conhecida como a época do caudilhismo, significou, de certo modo, o retorno à ordem colonial: [...] os fermentos inovadores que surgiram da mobilização política do processo de independência foram reprimidos, e deram lugar a uma ordem política e institucional muito parecida com aquela que precedeu a Independência. […] Somente depois de 1862, com a unificação do território nacional, até então divido entre o estado de Buenos Aires e a Confederação Argentina começou a consolidar-se o processo de formação do Estado Nacional e foram deixados para trás os anos marcados por recorrentes insurreições lideradas por caudilhos do interior, de base rural, reprimidas pela intervenção do governo nacional. (SILVA, 2003, p.7).

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O estudo das disputas e da ocupação das fronteiras na Argentina e no Brasil é de extrema importância para a compreensão histórica da questão agrária na faixa de fronteira, sobretudo quando a sua origem está diretamente vinculada ao próprio processo de ocupação das terras devolutas, matéria que no plano historiográfico é praticamente invisível.

Considerações finais

O estudo das disputas e ocupação das fronteiras é de extrema importância para a compreensão histórica da questão agrária na fronteira, tendo a sua origem no próprio processo de ocupação das terras devolutas. Ao longo dos anos a estrutura agrária da fronteira, foi decorrente da exploração e expropriação de famílias que viviam na zona rural e possuíam unicamente ou pouca coisa além da sua posse e da força de trabalho. Dessa maneira, a constituição da fronteira passou a desempenhar um papel central na formação do Estado e da economia, através das disputas litigiosas em tais regiões a serem “ocupadas”. Apesar da existência de várias pesquisas sobre a construção das fronteiras nacionais está longe de estar esgotada a agenda de investigação histórica sobre as formas de ocupação e de exploração econômica da área geográfica abrangida por esta pesquisa e os conflitos resultantes desse processo. Na verdade, persistem, ainda, várias lacunas e inúmeros pontos ainda pouco explorados pelos historiadores que se dedicam ao estudo das fronteiras entre Argentina e Brasil. As estratégias de ocupação territorial realizadas nos referidos países, numa região de fronteira comum, mostrando a consolidação de suas fronteiras nacionais através da intervenção estatal e da criação de um mercado de terras na fronteira que promoveu a ocupação/apropriação e favoreceu o surgimento dos conflitos agrários.

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