Fundamentos da Educação e Educação a Distância: construindo pontes imaginárias?

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SABBATINI, M. . Fundamentos da educação e educação a distância: construindo pontes imaginárias. In: SILVA, André Gustavo Ferreira da; COSTA E SILVA, Gildemarks; MATOS, Junot Cornelio. (Org.). Fundamentos da Educação: fronteiras e desafios. Recife: Editora Universitária UFPE, 2011, v. , p. 179-204.

Fundamentos da Educação e Educação a Distância: construindo pontes imaginárias? Marcelo Sabbatini1

A teoria ajuda-nos a suportar a ignorância do fato George Santayana, O Sentido da Beleza

1 Introdução Independentemente de orientações políticas, ideológicas ou econômicas parece haver, no início do século XXI, um consenso amplamente generalizado: a educação é algo fundamental. Por parte da sociedade civil e das organizações que nela atuam, o acesso à educação é defendido como canal de mobilidade, possibilitando a emancipação de segmentos tradicionalmente marginalizados da sociedade. Já pelo lado dos setores produtivos e constituintes do sistema capitalista, a formação e a capacitação da força de trabalho seriam passos necessários para estimular a competitividade e a inovação em suas respectivas atividades. Entre um e outro discurso, Estados e nações reconhecem o potencial transformador da educação, elemento indispensável, para que ingressem em um cenário pósindustrial, onde a aquisição do conhecimento transforma-se em bem prioritário. Contextos diversos, objetivos diferentes, inclusive terminologias díspares. Em comum (e ainda que sujeito a suas próprias interpretações) o elemento comum da educação como agente de mudança do comportamento individual, transformador da coletividade. E também compartilhada por estas diferentes problemáticas, uma possível solução para o enorme desafio 1 Professor Adjunto do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Doutor em Teoria e História da Educação pela Universidad de Salamanca (Espanha), com foco nos processos de formação em espaços virtuais. Endereço eletrônico: [email protected].

de universalizar a educação em todos os âmbitos e em todos os níveis: o uso da tecnologia. Como se verá, ele mesmo parte do problema, o advento das tecnologias de comunicação e de informação (TIC)2 poderiam “radicalmente transformar o que as pessoas aprendem, como aprendem e onde aprendem, ainda que o estudo do uso dos novos meios por diversos tipos de aprendizes lance dúvidas sobre a velocidade e a natureza da mudança” (WARSCHAUER, 2007, p. 41). Frente às “soluções mágicas” e “revolucionárias” que historicamente os pioneiros de cada tecnologia educacional têm atribuído à inovação “da moda”, buscamos neste artigo refletir criticamente sobre o conceito e sobre a prática da chamada “educação a distância” 3, ou simplesmente “EAD”, termo genérico que abarca a uma ampla gama de modalidades educativas. Mais especificamente, diante do caráter complexo da educação, moldada por fatores sociais, culturais e econômicos, buscamos responder à seguinte pergunta: uma vez que a educação a distância consiste em uma modalidade de educação, que contribuições podemos esperar dos fundamentos sócio-filosóficos da educação para compreender este fenômeno? Como justificativa para este questionamento, enumeramos alguns pontos, tendo como eixo central a comentada centralidade da educação na sociedade, presente e futura. Em primeiro lugar, encontramos o impacto que a tecnologia comunicacional trouxe para a circulação do conhecimento e suas respectivas consequências para o sistema educativo. Como, em última instância, todo ato educativo é um ato de mediação, cabe esperar que a forma como o conhecimento é criado, armazenado e distribuído influencie a maneira como as pessoas aprendem. Para citar somente um teórico da educação,

se antes a Universidade era o lugar onde os conhecimentos existiam e eram difundidos, hoje grande parte desse conhecimento já não está na Universidade. Está na Internet, nos meios de comunicação interativa, em muitos lugares, mas não está mais apenas na Universidade. (NÓVOA, 2000, p. 132).

2 O termo “novas”, que a partir dos anos 1990 caracterizou boa parte da produção acadêmica nos campo da comunicação, da educação, das ciências sociais e áreas afins tem sido progressivamente abandonado. Não somente a novidade passou; o mais breve exame histórico nos mostra que as redes telemáticas estão presentes entre nós há pelo menos cinquenta anos. 3 Como nota Almeida (2003, p. 332), “educação on line, educação a distância e e-learning são termos usuais da área, porém não são congruentes entre si”. Enquanto a educação a distância se caracterizaria pela separação entre professor e aluno, podendo ser mediada através de diferentes tecnologias, a educação on line usaria primariamente a Internet como meio de interação. Finalmente, o e-learning, na definição desta autora, seria característica do treinamento e desenvolvimento organizacional. Logicamente, esta classificação não é única em um campo de estudo e pesquisa relativamente novo e pouco consolidado onde a cada dia surgem novas terminologias, como por exemplo, m-learing (mobile learning mediada através de dispositivos móveis, como os celulares), b-learing (virtual), t-learning (television learning, através da televisão, com acentuado interesse para o surgimento da televisão digital interativa). Entretanto, a partir da perspectiva pedagógica, o grande questionamento é: qual a especificidade de cada uma destas modalidades para o processo educativo?

Para sair de seu papel de difusora do conhecimento, a Universidade, como locus de formação docente e da democratização dos saberes, precisaria então assumir uma função de reconstrução, de crítica e de produção do conhecimento. Contudo, tal reorganização, diante das mudanças mencionadas, exigiria um repensar de suas atividades. Assim, nestes últimos vinte anos, a Universidade sofreu uma erosão talvez irreparável na sua hegemonia decorrente das transformações na produção do conhecimento, com a transição, em curso, do conhecimento universitário convencional para o conhecimento pluriversitário, transdisciplinar, contextualizado, interativo, produzido, distribuído e consumido com base nas novas tecnologias de comunicação e informação que alteraram as relações entre conhecimento e informação, por um lado, e formação e cidadania, por outro. A Universidade não pôde, até agora, tirar proveito destas transformações, por isso adaptou-se mal a elas, quando não as hostilizou. (SANTOS, 2005, p. 63).

Paralelo à reconfiguração da relação entre universidade e conhecimento e, em termos do “mundo real”, o rompimento dos limites espaço-tempo por parte das tecnologias de informação e comunicação acena com a possibilidade de um maior alcance do sistema educativo. Somando-se a equação as necessidades formativas de um país em vias de desenvolvimento marcado por um “atlas da exclusão social”, temos então que

a EaD passou a ter um destaque maior quando verificou-se as necessidades de mudança em âmbito nacional por meio de políticas públicas, principalmente para a formação de professores. O Brasil, com suas características continentais, desigualdades regionais e com suas significativas carências educacionais, encontrou na EaD uma alternativa importante para a implementação de programas de formação, principalmente para a qualificação de professores já atuantes na rede de ensino e sem formação (SCHLÜNZEN JÚNIOR, 2009, p. 6).

A partir do Decreto Lei de no. 5.622, de 19 de dezembro de 2005, o governo federal passou então a incentivar a educação a distância, já prevista e definida pela LDB, em todos os níveis e modalidades da educação (GOMES. 2009). Dentre os programas realizados4, destaca sem dúvida a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), com o objetivo de ampliar a oferta de formação de professores, em um caminho de interiorização do ensino superior. A partir de seu início em 2006, a UAB pode ser considerada a “ponta de lança” desta estratégia, em um

momento histórico pelo qual passa o exercício da modalidade a distância no setor 4 Entre aqueles realizados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério de Educação são dignos de nota o projeto “Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE)”, o projeto "Mídias na Educação", o projeto "Um Computador por Aluno (UCA)", o projeto “Portal do Professor” e a “TV-Escola”.

público, onde as ações educativas estão sendo alavancadas em nível nacional, com envolvimento das Instituições públicas de ensino superior, poder municipal, estadual e federal de forma articulada, com estratégias de regulação, financiamento e avaliação. O desafio que se apresenta para o ensino superior público nessa esfera consiste em construir projetos pedagógicos de qualidade e formas de gestão que permitam validar um paradigma nacional de qualidade para a educação a distância superior e que possam dar resposta ao grande desafio da educação a distância em um país continental: atingir escala com qualidade social (COSTA & PIMENTEL, 2009, p. 74).

Entretanto, diante de um legado cultural que sempre colocou a educação a distância como uma alternativa de baixa qualidade à educação e frente às dúvidas e incertezas que projetos que visavam muito mais a redução de custos que a exploração de uma nova forma de aprender e ensinar5, constata-se hoje uma percepção bastante crítica em relação à EAD. Mais além do preconceito ideológica e culturalmente enraizado, a partir de um ponto de vista crítico, a introdução desta modalidade de ensino não deve ignorar as contradições presentes nos discursos políticos e nas práticas pedagógicas; das ambiguidades das políticas educativas, que mais aprofundam a cisão entre a educação presencial e a educação a distância; da promoção da educação como mercadoria lucrativa, grandemente impulsionada por sistemas avaliativos e de acreditação nacionais e internacionais; da compreensão necessária do paradoxo valorização/desvalorização do professor, para decifrar alguns dilemas atuais da profissão docente e a busca de novos sentidos para a ideia de coletivo profissional; e da luta pela legitimidade da Universidade, já que é irremediável a perda da hegemonia sobre a produção e difusão do conhecimento (LÜCK, 2008, p. 266).

Aprofundar a base teórica da educação a distância é um passo necessário para que se possa estabelecer uma discussão bem informada sobre seus limites e possibilidades reais. Especificamente, o viés político e sociológico da educação contribuirá para este debate: Muitas críticas são formuladas à Educação a Distância (EAD). E, como todas as críticas, estão embebidas de posições político-ideológicas, visões de mundo e princípios de quem as formula. Mas elas não são neutras. Sabe-se que o uso das novas tecnologias na educação desperta conotações diversas, que vão do otimismo exacerbado ao questionamento radical, passando por posturas identificadas com uma apropriação crítica em situações de aprendizagem. Estes posicionamentos têm pautado os debates no interior das instituições de ensino e produzido efeitos e alcances muito variados, já que coexistem dentro delas fatores políticos, sociais, culturais, de grupos e individuais, que se apresentam como forças favoráveis ou desfavoráveis, o que resulta num percurso de inclusão bastante heterogêneo (LÜCK, 2008, p. 259)

5 Nas palavras de Litto (2009), a década que apenas acabou “foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”, parafraseando Charles Dickens. Ao mesmo tempo que a EAD experimentou um extraordinário crescimento e se estabeleceu como campo de estudo e pesquisa, testemunharam-se verdadeiros “crimes acadêmicos”, destacando a pouca profundidade e densidade dos conteúdos, a fraca avaliação e o número excessivo de alunos por professor. Estes abusos ocorreram e ocorrem mesmo com a existência de diretrizes de qualidade para a educação a distância, por parte do Ministério da Educação (BRASIL, 2000)

Em segundo lugar, e decorrente da primeira justificativa, para que a práxis do educador evolua, adaptando-se a estas novas circunstâncias, é preciso dispor primeiramente de um quadro conceitual e teórico claro sobre o fenômeno educativo mediatizado pelas tecnologias. Contudo, enquanto a maior parte da literatura técnico-científica deste campo trata a tecnologia como fetiche e como um objetivo em si só, os fundamentos teóricos encontram-se ainda fragmentados. Constituem, segundo os levantamentos bibliográficos, um campo pequeno de pesquisa, frente a outras áreas como a avaliação de programas, elaboração de conteúdos e gestão de projetos de EAD (ROMIZOWISK, 2009; LITTO, FILATRO & ANDRÉ, 2005). Nos Estados Unidos, Evans e Nation (1992) sugeriram que a visão da educação a distância como mera ferramenta de um “industrialismo instrucional” desse lugar a uma abordagem crítica que combinasse as contribuições das ciências humanas e sociais para que uma teoria própria do campo pudesse ser construída; passadas duas décadas. Mais além da fragilidade teórica6, a pesquisa empírica na área revela-se insuficiente. Neste sentido, McIsaac e Guwardena já em 1995 recomendavam que as metodologias de pesquisa em educação a distância deveriam evitar as chamadas microanálises e progredir mais além de estudos descritivos, com base em um quadro conceitual de disciplinas relacionadas, como por exemplo a teoria crítica e as ciências sociais. Da mesma forma, Athill (2000) incita que os praticantes da educação a distância ultrapassem as atividades meramente práticas, para questionar a razão por trás de suas ações, em um campo “relativamente sub-teorizado” onde as demandas de efetividade prática deixam pouco tempo para a reflexão. Questionar os fundamentos científicos de uma educação a distância, porém, leva a uma pergunta anterior: de que educação estamos falando?

2 A premissa: qual o lugar da educação a distância na área da Educação? Para estabelecer um vínculo entre a educação a distância e a teoria educacional tradicional, é preciso antes de mais nada estabelecer um nexo lógico: educação a distância pode ser considerada “educação” ou ela se insere em uma nova categoria ontológica? Ainda 6 No Brasil, especificamente, esta fragilidade se vê mais pronunciada, como nota Litto (2009), devido ao comprovado isolamento dos pesquisadores em relação à comunidade internacional, revelando um desconhecimento de conceitos e práticas já estabelecidos.

que este antigo debate já tenha sido solucionado, convém recordar alguns de seus argumentos; o foco na tecnologia de mediação ou nos efeitos econômicos parecem muitas vezes obscurecer este elo. Assim, convém recordar que o termo “pedagogia” é entendido no âmbito dos fundamentos sócio-filosóficos da educação como uma atividade social com objetivos teleológicos de manter e preservar a cultura através da transmissão do conhecimento; o ato de aprender e o ato de ensinar coincidem em um contexto guiado por pressupostos acerca do que é conhecer e do que deve ser conhecido. Como consequência, seu sentido tem sido contestado e reinterpretado na medida em que mudam também as agendas políticas e sociais. Como uma das modalidades pedagógicas existentes, a EAD se insere, inequivocada mente, no debate sobre a Educação em sua compreensão mais ampla e pode contribuir para a revisão dos paradigmas que têm sustentado as ações educativas até os nossos dias. O Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras - Forgrad apresenta alguns pressupostos que norteiam o novo paradigma educacional, independentemente da modalidade oferecida, dos quais destacamos: O reconhecimento da educação como um processo aberto, em interconexão permanente com outras práticas sociais; o reconhecimento do ser humano em sua multidimensionalidade, dotado de múltiplas inteligências, com diferentes capacidades cognitivas; a educação associada à vida, conectada com a realidade do indivíduo, contextualizada; a compreensão da complexidade do conhecimento e de seu processo de construção; a interconectividade dos conceitos, das teorias e dos problemas educacionais; a educação que se propõe contribuir para a formação do cidadão, em que o individual e o coletivo são pensados dialeticamente (FORGRAD, 2004, p.143)

Porém, a partir do momento em que é reconhecida legalmente como modalidade educativa, a educação a distância também deve ser caracterizada por um “algo” específico. Em busca dele,

não vamos aqui entrar na clássica dicotomização e comparação entre o ensino presencial e a distância, onde aquele é classificado de tradicional e este de inovador, aquele de positivista e cartesiano, enquanto o outro afinado com os novos paradigmas epistemológicos da construção, diversidade e historicidade, um sendo mais caro e o outro mais barato. Isso não ajuda a entender as especificidades e características de cada um. É melhor considerar suas peculiaridades do que colocálos em oposição, pois ambos são processos educativos que se realizam e se constroem fazendo recurso a modalidades próprias (PRETI, 2001, 33)

Neste ponto, destaca a quase-permanente separação do professor do aluno ao longo do

processo de aprendizagem (diferenciando-a do ensino presencial); a influência de uma organização no planejamento e organização do material e dos serviços de suporte à aprendizagem (diferenciando-a do auto-estudo); o uso de meios tecnológicos impressos, eletrônicos ou digitais para unir professor e aluno; a comunicação em duas vias estabelecendo diálogos (diferenciando-a de outros usos da tecnologia no campo educacional (KEEGAN, 1994) Mais do que a tecnologia, o conceito de educação a distância põe em destaque o papel do aprendente, aproximando-se do que se denominou “aprendizagem aberta” 7, cujo foco é a inexistência de restrições o acesso livre à educação. Embora esta liberdade de acesso não demande, necessariamente, a utilização da tecnologia de educação a distância, esta se apresenta como uma facilitadora. Nesta ótica,

A educação a distância é um amálgama das várias formas do ato educativo, que levou, através de uma prolongada prática de aplicação e através da maturidade, a um todo educacional contemporâneo e integrado. Modalidades de educação mais antigas, incluindo a educação de adultos, o ensino por correspondência, a educação anti-autoritária, a aprendizagem ou o ensino abertos, educação em tempo parcial, aprendizagem para toda a vida, educação assistida ou baseada na tecnologia, aconselhamento, etc, cujos atributos se desenvolveram gradualmente ao longo do tempo, levaram a um sistema capaz de funcionar com todos os requisitos do sistema educativo convencional (LIONARAKIS, 2008, n.p.)

No debate educação versus EAD (KEEGAN, 1980, DEVLIN, 1989), predominante nos Estados Unidos e na Europa no início da década de 1980, o qual re-emerge no Brasil diante das preocupações suscitadas com a implantação da educação a distância como projeto educacional, fatores como a independência e a autonomia do estudante e a industrialização do ensino acabavam por situar o ensino a distância como uma entidade fundamentalmente separada (SIMON, SCHOLOSSER & HANSON, 1999). Porém, o impacto das tecnologias interativas de informação e comunicação indicam que é possível criar experiências equivalentes, até mesmo por que este efeito tecnológico se faz sentir também sobre a educação presencial e sobre a noção da sala de aula tradicional. Ao longo de três décadas de projetos realizados em todos os níveis educativos, com uma diversidade de modelos técnico-pedagógicos e outro sem fim de objetivos, a possibilidade de êxito da educação a distância se consolidou. 7 Apesar disto, muitas vezes as “universidades abertas” apresentam os mesmos requisitos de admissão, procedimentos de organização temporal e limitações de vagas que as “universidades tradicionais”. Este é o caso da própria Universidade Aberta do Brasil, que baseada nesta definição tradicional, não é “livre”.

A educação a distância deveria ser construída a partir do conceito de equivalência de experiências de aprendizagem. O mais equivalente forem as experiências dos aprendizes a distância daquelas dos aprendizes locais, mais serão equivalentes os resultados das experiências educacionais de todos os aprendizes (…) Assim como um triângulo e um quadrado podem ter a mesma área e serem considerados equivalentes mesmo que tenham formas geométricas diferentes, as experiências do aprendiz local e do aprendiz a distância devem possuir valor equivalente ainda que estas experiências sejam diferentes entre si (SIMONSON, SCHLOSSER & HANSON, 1999, n.p.).

Contudo, não são somente as evidências empíricas que evidenciam a equivalência da educação a distância; também no plano das teorias epistemológicas e pedagógicas certas importantes contribuições históricas, como a aprendizagem independente do escolanovismo e o construcionismo social de Vigotsky encontram ressonância na autonomia do aprendiz e na interatividade dos ambientes virtuais de aprendizagem, respectivamente (JONASSEN, 1995). Ao mesmo tempo, o que se poderia denominar “teoria clássica da educação a distância” também é chamada a reconstruir-se, na medida em que o desenvolvimento tecnológico e a própria práxis pedagógica redefinem conceitos estabelecidos. Como exemplo, a interação em tempo real, praticamente “face-a-face” dos sistemas de videoconferência síncrona bidirecional e a virtualização dos espaços educativos tradicionais redefinem o foco anteriormente adotado de “distância”. Da mesma forma, estudos empíricos recentes tem mostrado que as relações pessoais e a afetividade entre estudantes e tutores são centrais para o sucesso da educação a distância, contrariando a visão individualista das primeiras teorias. Para muitos críticos, ancorados ainda em uma visão behaviorista do ensino mediado pela tecnologia, a educação a distância levaria ao simples aprendizado de fatos e à reprodução de verdades aceitas. Pelo contrário, é muito mais o “trabalho coletivo e a transdisciplinaridade, o desenvolvimento de práticas educativas compartilhadas por diferentes atores, o estimulo do espírito de colaboração e da criatividade, além de favorecer condições de construção de conhecimento, com base na investigação e na solução de problemas” (LÜCK, 2008, p. 261) que se encontram no bojo dos argumentos em prol da educação a distância em sua atual configuração. A EAD, como a educação “tradicional” pode ser organizada de forma a encorajar que os aprendizes busquem sua própria informação, que assumam consciência crítica e que se posicionem diante de situações-problema8. Diante deste potencial transformador, 8 Estes princípios não são exclusivos de uma mediação tecnológica onde o professor esteja separado fisicamente e/ou temporalmente do aluno, como quer a definição atual de educação a distância. O acesso às redes de conhecimento implica a virtualização dos espaços pedagógicos, o que levará no futuro a uma diluição de fronteiras e a uma provável mudança terminológica (MORAN, 2008).

Os movimentos de renovação pedagógica ou de inovações educativas e de expansão da EAD não podem ser percebidos ou analisados como sendo determinados por simples “diretrizes governamentais”, resultado da vontade dos governantes, pois estão enraizados na cultura e experiências locais,nos processos sociais de democratização, nas lutas e nos embates dos movimentos sociais e das organizações dos profissionais da educação e de organismos políticos. Buscam a consolidação de novos valores, a construção de novos sujeitos, atores e autores de seus destinos, de uma sociedade mais solidária e democrática. Temos que recuperar os vínculos entre educação, trabalho, produção, vida cotidiana de existência. Aí é que estão o educativo e o formativo. Eles acontecem, não importa se de maneira presencial ou a distância (PRETI, 2011, p. 37).

Como conclusão, existe na atualidade um bem desenvolvido consenso teórico (além do respaldo político-legal) de que a educação a distância consiste uma modalidade equivalente à educação tradicional. Nas palavras de Shale (1990 apud McISAAC & GUNAWARDENA, 1995, p. 6), “a educação a distância é, depois de tudo, simplesmente educação feita a distância com quadros conceituais comuns e problemas de pesquisa similares, relacionadas ao processo social de ensinar e de aprender”9. Sendo, assim, cabe questionar aquele que definimos como o fio orientador deste ensaio: se a educação a distância é educação, qual a contribuição das teorias clássicas da educação para esta forma de ensino-aprendizagem? Em outras palavras, como conciliar os fundamentos sócio-filosóficos da educação com a EAD?

3 Problematizando a partir dos Fundamentos da Educação Tablets, wifi, ebooks, gadgets, notes e nets. Facebook, blogs, tweets. E-learning, mlearning, t-learning.. Acesso imediato, interatividade, informação total. Por fascinantes que seja o atual cenário de uma sociedade conectada através da tecnologia, para que possamos compreender realmente como as práticas educativas serão ou não transformadas é necessário um olhar mais distante. E particularmente, neste ambiente em constante mutação, as tecnologias assumem um sedutor protagonismo. Porém, para Contreras Domingo (1999 apud PRETI, 2001), a terminologia acaba criando slogans capazes de atração emocional, criando consenso e identificação, ao mesmo 9 Contudo, o esforço acadêmico por situar a especificidade teórica da educação a distância revela-se, a longo prazo, um projeto niilista. Para McIsaac e Gunawardena (1995, p. 6), “os qualificadores de tempo e espaço já não são únicos”, uma vez que os avanços tecnológicos recentes têm borrado as fronteiras entre o “tradicional” e o “a distância”. Assim, conforme a multimídia interativa e as redes de conhecimento se incorporarem a todo ambiente de ensino, “a necessidade de teorias da educação a distância próprias se mesclarão aos fundamentos teóricos da educação como um todo.

tempo que outros significados são ocultados. Este poder de criação da realidade simbólica é uma ferramenta a disposição daqueles que controlam a “palavra pública”. Neste sentido, o foco na tecnologia de transmissão deixa em segundo plano categorias de análise e de sustentação metodológica como “mediação pedagógica, interação e interatividade, conhecimento compartido, educar pela pesquisa, auto-formação, aprender a aprender, educação continuada, autonomia, professor coletivo, pesquisa colaborativa, formação em rede, etc”. Em outras palavras, a literatura do campo revela um ênfase nos modos de distribuição. Este foco pode ser interpretado como uma medida da extensão pela qual a tecnologia é a força motriz por parte da educação a distância. (...) Porém, a literatura também identifica uma lacuna entre a base teórica e a aplicação da tecnologia, considerando-a um vácuo, sem quaisquer considerações por questões políticas ou sociais, muito menos qualquer tratamento sério a respeito das implicações educativas dos desenvolvimentos tecnológicos em e para a educação a distância (GLOET, 1992, n.p.).

De forma similar, Romizowski (2003) critica a abordagem focada na tecnologia, chamando-a de “e para eletrônica” (em referência à letra “e” que compõe o termo elearning”). Os estudos desta categoria situam “o processo de desenvolvimento da inovação de E-Learning como uma série de, cada vez mais complexas, ferramentas tecnológicas”. Mais do que isso, estes autores “confundem a 'invenção da roda' com a invenção de melhorias tecnológicas para as rodas que já existiam há muito tempo, rolarem com mais eficiência”, uma vez que se daria crédito à tecnologia por operacionalizar práticas pedagógicas que existiam muito antes da introdução do computador na educação. O efeito deste discurso, de nenhuma forma circunscrito à literatura técnico-científica, teria o efeito nocivo de criar a “falsa esperança de algo que, provavelmente não vai se realizar”10: Podemos concluir, na base da reflexão prática mais do que nas pesquisas rigorosas, que os fatores que mais influenciam o sucesso ou fracasso de projetos de ELearning, são pouco relacionados com as tecnologias utilizadas e os detalhes técnicos de design dos cursos a serem veiculados por estas tecnologias. São muito mais relacionados com aspectos mais fundamentais e abrangentes que tendem a impactar qualquer projeto inovativo no contexto de sistemas sociais que envolvem seres humanos em interação. Sistemas de educação e treinamento são excelentes exemplos de tal categoria de sistemas, mas os princípios que explicam seu funcionamento e podem prever sucesso ou fracasso são amplamente aplicáveis a 10 Um dos principais focos de pesquisa nos últimos anos tem sido os “sistemas de gestão da aprendizagem” ou “ambientes virtuais de aprendizagem”, elementos centrais dos projetos de educação a distância. Porém, pode se notar que muitas vezes a escolha de um destes softwares (em termos de funcionalidades disponíveis, custo, acesso á tecnologia, etc.) precede a definição de um projeto pedagógico bem estruturado.

qualquer forma de sistema social ou humano (ROMIZOWSKI, 2003, p. 15).

Na perspectiva de Gloet (1992), este foco na tecnologia implica um círculo vicioso, na medida em que os provedores de tecnologia educacional acabam por influenciar a tomada de decisões no âmbito da Universidade; neste sentido as escolhas de caráter “tecnocrático” privilegiariam as pesquisas centradas na tecnologia em si, mais do que nos resultados sociais e econômicos da educação a distância. A esta crítica somamos a de Finlay (1987), que ressalta o carácter empiricista e a-histórico das pesquisas realizadas no campo, além da idealização da tecnologia.

Exógeno ou endógeno? Uma vez afastada a tecnologia como foco único e auto-suficiente de análise da educação a distância, convém distinguir entre as duas abordagens possíveis, ao se analisar o fenômeno educativo mediado pelas redes de informação e comunicação. A primeira destas orientações de pesquisa foi denominada “endógena” e, como o nome diz, olha para o interior do processo educativo. Questões como a interação aprendiz-tutor, estratégicas de metacognição, aprendizagem baseada em problemas, suporte ao estudante e avaliação, motivação do estudante, evasão escolar (CAMP & GUITTON, 1991 apud HOLMBERG, 2000). Já o segundo o ponto de vista, denominado “exógeno”, enfatiza os fatores exteriores à atividade pedagógica, situando seu objeto de estudo no contexto econômico, tecnológico, demográfico e cultural. Em uma abordagem sociológica, por exemplo, é a emergência de uma sociedade pós-industrial ou pós-moderna e suas inúmeras consequências que irá determinar o pano de fundo para se entender a educação a distância, tanto no que concerne a relação de mediação educador-educando, como nas mensagens e objetivos que esta troca supõe. Para Gloet (1992), a perspectiva exógena determinou em grande medida a implantação da educação a distância na Austrália, como o Brasil país de dimensões continentais, maso ao contrário deste, nação onde a modalidade se encontra firmemente estabelecida. Fatores “macro” como oferta-demanda educativa, equidade de acesso, cumprimento da política educacional e a diversidade dos educandos, além do evidente fator geográfico, tiveram prioridade, pele menos do ponto de vista do debate político, em detrimento dos possíveis benefícios que a tecnologia traria para o processo educativo. Assim, “o resultado é que

embora a educação a distância seja uma empreitada educativa, ela se formulou primariamente com base em fatores não-educativos”. Com o objetivo de não perder de vista uma visão holística da compreensão das práticas pedagógicas mediadas tecnologicamente, as teorias clássicas da educação contribuem tanto para para a perspectiva exógena, na perspectiva sócio-política, como para a endógena, no viés epistemológico.

A EAD como instrumento sócio-político Benéfica, auto-controlada, inevitável. Em toda e qualquer discussão sobre a tecnologia podemos encontrar os chamado mitos da tecnologia autônoma e da neutralidade (FEENBERG, 1991). Mas estas concepções de tecnologia também se aplica à educação a distância: em primeiro lugar, o determinismo tecnológico se revela em um discurso no qual a EAD surge como a redentora de todas as mazelas da educação. Já em uma visão instrumental, a tecnologia educacional seria neutra, podendo também ser fator de mudança caso seja implementada corretamente, em sua condição de ferramenta à disposição da inteligência humana. Em ambos os casos perde-se de vista a concepção da tecnologia enquanto sistema tecnológico, caracterizada pela complexa interação da tecnologia, dos agentes humanos que a operam e dos valores nela embutidos. Em contraste, uma perspectiva crítica situa o uso da mídia dentro das estruturas de poder e de desigualdade no mundo real, e vê dessa forma a tecnologia nem como uma ferramenta neutra, nem a portadora de um resultado determinado, mas sim como um cenário de luta entre diferentes forças sociais (WARSCHAUER, 2007) Em um artigo que suscitou polêmica a seu tempo, a pesquisadora norte-americana Jennifer Sumner (2000) se perguntava: a que interesses serve a EAD e quais são os valores subjacentes e implícitos a esta prática pedagógica? Mudar o foco de análise para uma perspectiva mais ampla, que não se fixasse no “como fazer?” ou no “funcionou?” em direção ao “por que fazer?” seria essencial, no momento em que o potencial comunicativo das tecnologias e as necessidades de formação continuada situam esta modalidade preferencial para investimentos. Comentando este artigo, Athill (2001) destaca que a questão dos valores implícitos nos leva a outras correntes de pensamento, caras à filosofia política da educação, como os conceitos de hegemonia de Gramsci e das formações discursivas e micro-tecnologias do poder

de Foucalt11. Por sua vez, Thompson (1999) também chama a atenção conflito existente nos âmbitos da economia e da cultura acerca de “qual conhecimento, em que formato, como e por quem ele é selecionado e para que fins” se traduz em distintos discursos na arena pública. As tecnologias da educação a distância, então, não seriam artefatos neutros, na medida em que são produtos moldados socialmente e implicados na reprodução e legitimação das inequalidades de aceso ao conhecimento. Como nota Nóvoa (1999), este movimento de controle social seria mais geral na medida em que a formação dos professores, na ótica dos organismos internacionais, passa pelo controle da formação inicial (através da “acreditação”) como a formação continuada (por meio de processos avaliativos). Completando a crítica, negócios da Educação, em detrimento da valorização e do compartilhamento de saberes profissionais com base na reflexão experiencial, tão cara aos docentes. Isto se aplica tanto ao professores que se dedicam à educação presencial quanto aos que atuam na EAD. Desta forma, dificulta-se a consolidação de práticas colaborativas inter-pares, a sistematização dos saberes. E, ao invés de desenvolver a capacidade de transformar a experiência em conhecimento, a integração dessas dimensões no cotidiano de sua profissão transforma o professor em profissional individualizado e isolado (LÜCK, 2008, p. 264).

No Brasil, questionamento sócio-político similar da educação vendo sendo realizado com base nas análises de Foucault sobre biopolítica, de Deleuze sobre as “sociedades de controle” e de Virilio a respeito do controle político no capitalismo via gestão da velocidade, com a conclusão de a educação se transforma em mercadoria dentro de um projeto de “um ensino técnico-instrumental para os endividados de informação ao longo de toda a vida” (LEMOS, 2009, p. 1). Este raciocínio, leva-nos inevitavelmente a reviver um fantasma que ainda hoje assombra os teóricos da educação.

O tecnicismo revisitado Com o conhecimento histórico das teorias e concepções da educação ao alcance do estudioso, um segundo elo entre a teoria educativa tradicional e a educação a distância salta aos olhos: trata-se do tecnicismo, corrente da tradição educação libere, a iniciada a partir do século XIX, baseada em uma concepção filosófica realista e que se coloca os objetivos do processo educativo a preparação de indivíduos capazes de atuar na sociedade capitalista. 11 Estas são preocupações que afetam à Educação como um todo;, o problema não está em uma modalidade específica como a EAD,,mas no projeto de Educação, explícito ou implícito; está, no qual se está a serviço.

O tecnicismo, especificamente situou (ou melhor, situa) uma “transmissão” do conhecimento de uma realidade pré-existente como núcleo central do processo e para o qual a tecnologia educacional seria de grande auxílio. Separando as etapas de concepção e de execução da aprendizagem, o tecnicismo ficou caracterizado também pela utilização de critérios internos de organização, planejamento eficiência e produtividade moldados nas organizações industriais e por uma inequívoca vocação mercantilista e empresarial. Na atualidade, essas práticas vêm sendo favorecidas e incentivadas com os avanços das novas tecnologias da informação e da comunicação. Dá-se, assim, um processo de massificação educativa, de atendimento a amplas e diversificadas necessidades de qualificação das pessoas adultas, uma contenção de gastos nas áreas de serviços educacionais, e dissemina-se a crença de que o conhecimento está disponível a quem quiser. É só acessar a Internet,considerada como a salvadora da educação, o novo espaço de informação e formação. Há uma corrida desenfreada em sua utilização nos processos educacionais, pois a instituição que tomar a dianteira estará garantindo uma fatia significativa do mercado educacional (PRETI, 2001, p. 32)

Como decorrência, o potencial emancipador de uma aprendizagem menos autoritária e mais colaborativa, como a utilizada na justificativa de muitos projetos de EAD, acaba velado por outro tipo de prática, de menor custo de implementação12: Há fortes indícios de que e- meio de votação via telefone ou e-mail para que o elearning significa selecionar, organizar e disponibilizar e cursos didáticos veiculados em distintas mídias, aproximando-se da ótica presente na regulamentação do artigo 80 da LDB que consta no Decreto no 2.494 de 10/02/98, no qual a ênfase da educação a distância é a auto-aprendizagem mediada por recursos didáticos, ignorando o papel do aluno e do professor, bem como a intencionalidade implícita em todo ato pedagógico voltada ao desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes (ALMEIDA, 2002, p. 4).

Todavia, este “neotecnicismo” ou “tecnicismo revisitado” fica mais evidente do que nunca na análise de propostas para o ensino superior privado. Seus fundamentos epistemológicos são visíveis a olho nu, quando por exemplo o novo presidente de um dos maiores grupos educacionais do país declara: A educação é um setor que passa por um processo de profissionalização e que atrai capital e gestão de ideias. Mais do que nunca, é um setor que vai passar por uma revolução. Hoje a educação ainda é muito tradicional, usa giz e quadro para transmitir conhecimento. Tem gente que discute se esse é o melhor método de passar o conhecimento. (…) Algum tempo atrás, a tecnologia começou a impactar a vida do 12 Este caráter econômico da massificação do ensino não serviria somente ás instituições privadas; para Preti (2001, p. 33), a preocupação central do MEC está “voltada muito mais para modificar as estatísticas educacionais no País do que na definição e implementação de uma política educacional em que a modalidade a distância passe a fazer parte do sistema educacional”.

consumidor, que passou a adotar um computador e o transformou numa commodity. Isso possibilitou a popularização do conteúdo e ajudou a revolucionar indústrias como música e produção de conteúdo. Agora, a tendência é que mude também a educação (EDUCAÇÃO VAI PASSAR POR REVOLUÇÃO, 2010, n.p.).

Retornamos assim ao ponto anterior de nossa análise, o uso sócio-político da EAD, na medida em que projetos assim são financiados por bancos internacionais de desenvolvimento, sendo validado socialmente como um projeto de educação, ainda que não satisfaça os anseios de grandes segmentos da população brasileira. Como dito anteriormente, de qual educação e para quais objetivos contempla esta proposta? Para superar estes velhos e conhecidos modelos, seria então necessário avançar a compreensão do processo de ensino e aprendizagem nestes novos ambientes de mediação?

Fronteiras teórico-pedagógicas da educação a distância Como observação subjetiva, nos foros de discussão acadêmica dedicados à educação a distância,parece haver um consenso, e um certo descontentamento, em relação à barreira cultural que os projetos devem vencer, no sentido de superar o ensino centrado no professor e a passividade dos aprendentes. Como bem nota Maia (2008), os altos níveis de interação praticados através das redes sociais pela juventude dos “nativos digitais” não teria reflexo nos ambientes virtuais de aprendizagem, espelhos da educação tradicional quanto à apatia e à falta de motivação. Neste sentido, poderia-se dizer que os ideais pedagógicos do movimento da educação a distância sofrem de mal parecido á educação como um todo; como nota Lück (2008, p. 259),

apesar da contribuição de ilustres teóricos contemporâneos, como Piaget, Vigotsky, Perrenoud, Nóvoa, Edgar Morin, Schön e Paulo Freire, só para citar alguns, sobre como se dá a construção do conhecimento, (…) tal contribuição não foi suficiente para provocar a superação do atual modo de organização do trabalho pedagógico, ao qual se impõe uma revisão das práticas tradicionais de ensinar e de aprender, a despeito de louváveis progressos alcançados aqui e acolá.

Já para Oliveira (2002 apud Preti, 2001), existe uma contradição entre as propostas e a implementação dos projetos de educação a distância. No nível discursivo, os processos dialógicos e a perspectiva construtivista, com o aprendente como centro. Na prática, as ações se enquadrariam em um modelo fordista, burocratizado, sem identidade regional, com a marginalização da dimensão humanizadora da educação.

Porém, a distância entre teoria e prática seria um problema superficial. Na medida em que os ambientes tecnológicos educativos são criados com base teorias agora “clássicas” da educação -o behaviorismo, o cognitivismo e o construtivismo- surge a necessidade de uma radical atualização teórica, uma vez que estas ideias se referiam a um modo de vida e de comunicação distintos aos atuais. Mas será que as condições subjacentes ao processo de mediação pedagógica estariam mudando ao ponto de não se poder mais adaptar as teorias vigentes, sendo necessário recorrer a uma abordagem completamente nova, a uma quebra de paradigma? Com base nas limitações destas teorias (sobretudo as ideias de que a aprendizagem pode ocorrer “fora da pessoa”, ao ser manipulada e armazenada pela tecnologia, e de que pode ocorrer no nível de uma organização), George Siemens (2005) propõe uma “teoria da educação para a era digital”, a qual denomina “conectivismo”. Algumas das questões a serem problematizadas por este novo quadro teórico são a aquisição não-linear do conhecimento, a realização de tarefas cognitivas antes realizadas pelos aprendentes, a necessidade de agir mesmo diante da incerteza e da complexidade. Tentando integrar princípios das “teorias do caos, das redes e da auto-organização”, o conectivismo tem como ponto de partida a ideia de que nossas competências atuais derivam do ato de formar conexões entre conjuntos especializados de informação, superando as capacidades individuais de aprendizagem. E como toda teoria da educação reflete em certa medida o contexto sócio-políticoeconômico de sua época, o conectivismo se põe desde o início a serviço da economia do conhecimento, considerando os fluxos de informação e de conhecimento dentro das organizações, com destaque para a “capacidade coletiva cognitiva” derivada da rede social. Finalmente, para concluir esta primeira tentativa de relacionar os fundamentos sóciofilosóficos da educação com o modelo emergente de educação a distância, destinamos lugar privilegiado a um dos mais polêmicos (e talvez incompreendidos) pensadores da educação. Como em outras instâncias de sua obra (a sociedade industrial, o impacto dos automóveis sobre a sociedade, a fetichização e tecnologização da medicina), Ivan Illich revelas-se novamente um visionário, ao estabelecer possíveis bases para uma teoria da educação em rede, mediada pela tecnologia. Assim, o filósofo da “sociedade sem escolas” já na década de 1970 intuiu que nem novas práticas pedagógicas, nem a valorização da profissão docente, nem o uso da tecnologia educacional seriam capazes de alcançar o ideal da educação universal. O potencial

emancipador da educação somente seria possível caso os “funis” do sistema, projetados para “filtrar” os indivíduos, em uma perpétua reprodução da sociedade capitalista, dessem lugar a redes que ampliassem as oportunidades de aprendizagem e de troca (IVAN ILLICH, 2005). Em seu conceito de convivialidade, a noção do sujeito competente e de valor social medido segundo a quantidade de informações que ele adquiriu ao longo da vida, seria substituído por um modelo de participação voluntária e espontânea. Suas “redes de aprendizagem” e “ferramentas de convivialidade”, bases de uma pedagogia dialógica e nãoautoritária estão sendo identificadas, na atualidade, com muitas das características das ferramentas a disposição EAD (KHAN & KELLNER, 2007), incluindo os polêmicos objetos de aprendizagem13 (DRON, 2007). E especificamente, em uma sociedade marcada pela convivialidade, a tecnologia seria controlada pelas pessoas e não ao revés, fato fundamental para que a educação pudesse ser reconstruída em uma perspectiva mais libertadora e participativa.

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