FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS — DA MODERNIDADE AO VER (vol. II)

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MARIA de FÁTIMA LAMBERT ALEXANDRINO ALVES de SÁ MONTEIRO

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA ESTÉTICA EM ALMADA NEGREIROS — DA MODERNIDADE AO VER —

Volume II

Dissertação de Doutoramento em Filosofia

FACULDADE DE FILOSOFIA DE BRAGA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA Setembro 1997

2

Capítulo III "Doutrina Estética em Almada Negreiros"

0. Preâmbulo Almada encontrou, devolvendo à Humanidade, o centro intemporal da comunicação visual que legitimava, para cada época, em fundamento e matriz, a continuidade do Humano na cronologia. O objectivo obsessivo que, em Almada, transcendia a ordem imediata, estava "...para lá de uma lúcida meditação da linguagem do desenho e sua gramática, muito próxima dos temas de reflexão dos melhores representantes da arte moderna" 1. A sua doutrina procurou "abrir as fundações de um conhecimento pelos sinais visíveis, a um tempo uma semiótica do visual, uma simbólica das formas geométricas mais simples (as mais difíceis) ou, como Almada preferia dizer, a antegrafia de formas de pensamento menosprezadas ou olvidadas pela memória."2 A Tese visual dos sinais elementares foi enunciada, por Almada, como directriz artística e princípio estético unificador, de raiz metafísica, cosmológica e antropológica, no painel Começar (1968/69)3. Trabalho de síntese demonstra, a nível plástico e no campo estético, as investigações teóricas desenvolvidas pelo Artista, para retomar a descoberta da unidade do Humano, colocam-no ao nível das figuras do pensamento ocidental mais relevante sobre a existência da Humanidade como Todo na História — para além da História. Recuperando uma concepção de História originária no mito e perene na remanescência íntima de cada pessoa individual humana, na vertente do primitivismo, a sua ambição foi regressar a uma visão directa e pura das coisas "que se confina na ânsia de um absoluto de vivência onde a componente extática se plasma através de uma reinvenção desse estádio primordial paradisíaco."4 1Lima

de Freitas, Pintar o Sete — Ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a Geometria Sagrada, p.35 2Idem, ibidem, p.35 3Começar foi realizado numa parede de treze por dois metros e meio. 4Celina Silva, "Rotas e posturas em Almada da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173. Com uma mínima alteração confronte-se da mesma autora, a 3ª Parte — "Do Poético como Poética", in Almada Negreiros — a busca de uma Poética da Ingenuidade, p.275. No início deste artigo — ou capítulo, consoante a versão que se queira consultar —, Celina Silva refere a pertença de um tal pensamento à "cosmovisão mitopoética de raiz romântica", evocando as figuras de Schiller e Schlegel, citadas por Lacoue-Labarthe/Nancy, L'Absolu Littéraire, e não os textos originais, redutos desse pensamento.

3 Para fundamentar, filosoficamente, o seu princípio estético "universal", Almada citou, recorrendo de forma quase sistemática, aos autores, por ele, considerados casos paradigmáticos da filosofia — racional e hermética — e cultura europeias, portanto legitimadores de suas argumentações. Tomou-os, simultaneamente, para modelos simbólicos de personalidade, nomeando-os na decorrência da História: Hermes Trimegisto, Homero, os filósofos présocráticos, Platão, Aristóteles… Estes e outros decidiram o percurso da sua fundamentação para as divagações mais criativas, bem como para as especulações esotéricas, preenchendo o espaço simbólico que conciliou as pesquisas sobre o Número no domínio das artes, com os domínios antropológico, cosmológico e ontológico, convergindo para o conceito de pessoa individual humana. Na pessoa pública de Almada — na sua mediaticidade e impacto — reconhece-se o profetismo do Homem em unidade, considerado expressão privilegiada de superação ôntica e ética, em termos societários: entre as diferentes pessoas humanas individuais, que constituem a humanidade, e mediante a linguagem constitutiva da Arte. Não pretendeu declinar a constatação de abismos entre o artista e os outros, mas salientar no artista, como pessoa individual, aquele que melhor se podia encaminhar para os outros — melhor do que estes para ele o saberiam fazer, porque Almada era Artista. No preâmbulo a "Aqui Cáucaso" Almada fixou a sua condição, enfatizando a convicção cúmplice entre vida e arte, em que: Sobejamente se entende, nesta pergunta vida-arte, a vida precipitar-se ao que não compete à arte senão conceituar. E acontece o pior, o contraproducente: a precipitação da vida desvirtua o conceito em arte. 5

Por contraponto, à pretendida universalidade antropológica — baseada na cosmologia — da dimensão estética, que unifica a sua teorização sobre a arte, concebeu uma argumentação específica sobre a Arte e os artistas no seu tempo, estabelecida a partir da institucionalização da estética, num quadro característico, próprio da tradição cultural europeia, transposta na sua contemporaneidade. Quadro complexo, equívoco porventura, esse em que dominaram motivações e paradigmas aparentemente oposicionais — mas não inconciliáveis —, correspondendo ao questionamento de princípios vigentes sobre Arte. 5"Aqui

Cáucaso", Teatro , p.243

4 Almada teve consciência da "idade da arte", na cronologia da humanidade, quando afirmava que, "A Arte é recentíssima, é uma descoberta europeia que se pode localizar em meados do século passado, e apesar de ser uma dedução retirada de toda a Arte passada, é por isto mesmo, uma novidade, uma criação, uma consciência da maioridade da Humanidade e que a própria Arte não tinha tido antes."6 Obviamente, Almada referia-se à Arte elaborada como conceito, reconhecido em termos socioeconómicos e culturais, marcados pela pragmática historiográfica da Arte, subjacente na mentalidade em ascensão desde inícios do século. A Arte, na acepção que passou a tomar a partir de meados do século XIX, privilegiadora dos valores estéticos como de moderno, novidade e originalidade — que se completam per si —, não tinha surgido nessa altura, apenas se confirmou, estabelecendo-se de modo inabalável. No século XX, Almada acreditava que a Arte era o "centro da ciência do Homem." Tornara-se a razão de ser das outras ciências que, só mantinham a sua necessidade se articuladas com a Arte, pois a "Arte não é apenas conhecimento, é prazer do conhecimento. E é com efeito o único conhecimento que serve, aquele que nos dá prazer."7 1. A ingenuidade — categoria estética privilegiadora do humano 1.1. A definição etimológica da ingenuidade Para o aprofundamento reflexivo, acerca do conceito de pessoa individual humana, Almada destacou o princípio de ingenuidade como estado e atitude, antropológico e estético, mais do que qualidade literária. Tornou-a um dos pilares para a compreensão da sua doutrina, e constatável no domínio da sua criação poética, ficcional e plástica. O significado da ingenuidade na obra de Almada, acentua a presença perpétua, no domínio da sabedoria genuína, exigida para a conquista da unidade pessoal; fruto de encontro voluntário, embora "naturalmente" recuperada. A ingenuidade existe como exigência pessoal e, simultaneamente, é necessidade para concretizar obra: O edifício da obra, criação humana, guarda a lei da Natureza pura e nada crescendo a Obra à ingenuidade

6"Duas

palavras de um colaborador — na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.115 7Idem, Ibidem, p.115

5 da Natureza, faz por a ingenuidade da Natureza reencontrar-se voluntária no homem.8

Almada Negreiros organizou a sua argumentação epistemológica sobre a ingenuidade partindo da etimologia de "ingénuo", na sua história e no significado mais comum:"...é o [aquele] que deixa ver livremente os seus sentimentos, que é natural, que é simples, que é naïf"9. Na Etimologia, Ingennus, surgiu com o sentido primitivo no direito romano, para designar a condição daquele que nunca tivesse sido escravo. 10 O contexto do termo relacionava-se ao posicionamento sociopolítico do indivíduo, à sua situação pessoal e no seio da colectividade. Durante a Idade Média manteve-se o sentido original da palavra, embora efectuadas algumas adaptações às condições sociais vigentes. Após o Feudalismo, a palavra perdeu gradualmente o sentido originário, até ser entendida, e utilizada, como sinónimo de simplicidade, de naturalidade, de naïveté. Passou a ser usada para nomear a qualidade-característica daquele indivíduo que mostrava livremente os seus sentimentos, sem constrangimentos de situação; aquele que se expunha, natural e sem artifício, o simples, o "naïf"; sugeria falta de elaboração de raciocínio e/ou oportunidade social e política, pois não perseguia uma imagem social de sedução e poder, no quadro axiológico vigente — porque ignorava os preconceitos e respectiva pragmática. Almada destacou, em pleno século XX, o sentido socio-ideológico da palavra — na perspectiva de uma teoria sobre a mentalidade e cultura portuguesas —, importado da carga semântica anterior, quanto ao contexto e utilização, ainda que sublinhando a remanescência da articulação gnoseológica de "ausência" qualificadora, relativamente aos conhecimentos codificados cultural e socialmente. Aplicava-se ao indivíduo livre de preconceitos, não corrompido, não contaminado ética e socialmente, por isso ingénuo, em reciprocidade, aos ingénuos primitivos "que estavam livres por nascimento das duras leis da escravidão."11 Almada não elaborou, ou pretendeu, o elogio gratuito dos ingénuos, mas o da ingenuidade, enquanto esta representa, por natureza e condição, o estado de pureza em que são possíveis a vida e criação mais genuínas do poeta. A ingenuidade não foi apresentada como constrangimento, antes condição, 8

"Reaver a Ingenuidade", Ver, p.63 "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141 10 Cf. Almada Negreiros, "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141 11 "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios , p. 141 9

6 devidamente fundadora e necessária, para a colocação de si mesmo — e não apenas para o poeta — perante o facto de ser pessoa singular. A ingenuidade tomou em Almada uma consistência ontológica, assumindo uma originalidade inédita no conceito. 1.2. Aproximação literária à noção de ingenuidade em Voltaire Pretendendo elucidar a ambiguidade constitutiva do termo, que passa pela convenção e pela significação específicas, mas também no plano interpretativo, Almada recorreu à fundamentação literária — procedimento aliás habitual para a legitimação das suas argumentações especulativas — , centrando-se em dois protagonistas de Voltaire 12, nas obras Candide e L'Ingénu, "premeditando sentidos distintos para cada um deles." 13 Do Candide de Voltaire, salientou o protótipo do "ingénuo/pessoa", articulando-o com o sentido complementar/alterno do personagem de L'Ingénu". O ingénuo-Candide vive inúmeras desventuras ao longo do enredo, entre as quais a significativa passagem por Lisboa, no dia em que precisamente ocorria o terramoto de 1755, encarando a viagem como metáfora e ambição para a aquisição dos conhecimentos necessários para a aprendizagem individual — sentido conveniente aos pressupostos de Almada: As verdadeiras desventuras da ingenuidade são afinal as lições que a vida fez expressamente para cada um de nós. Porque nós, o que sabemos, não é o que outros nos ensinaram, mas apenas o que nós mesmos aprendemos por nós, à custa da nossa ingenuidade. 14

A ingenuidade de L'Ingénu revelava-se pureza espiritual e intelectual, qualidade típica de quem é crédulo, quase sinónimo de simplicidade e simplismo irrevogáveis e caricaturais...15 Ainda que Voltaire pretendesse 12No

livro Poèsie Naïve et Poèsie Sentimentale, "Les Poètes Sentimentaux", Schiller ao evocar a abordagem de Voltaire sobre o tema da ingenuidade considera que: "Sans doute est-ce uniquement par la vérité et la simplicité de la nature que cet écrivain nous communique lui aussi parfois une émotion poétique, soit qu'il atteigne véritablement la nature dans un caractère naïf comme il l'a fait plusieurs fois dans son Ingénu, soit que, comme dans son Candide et dans d'autres oeuvres, il la cherche et la venge." Cf. p.155. Schiller considera ainda que, em ambas as obras, sob essa abordagem do cómico, pouco se encontrava de sério, encontrando-se apenas os termos da sua inteligência expressa, e não do seu sentimento. (O carregado apresenta-se como tal na obra consultada.) 13"O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, p.149 14"O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, (Estampa) p.125 15Trata-se de uma história que narra as desventuras de um rapaz branco, educado pelos índios Hurons, no Canadá francês que, desembarcado na Baixa-Bretanha, entra em contacto com a civilização europeia, deparando com seus absurdos e injustiças, assaz incompreensíveis segundo os seus padrões de educação e mentalidade. Apesar das dificuldades de encontro com um novo tipo de sociedade — hábitos, restrições e

7 construir o elogio dos selvagens, à maneira de Jean-Jacques Rousseau, Ingénu realizou-se num meio que lhe era hostil — sobretudo desconhecido —, contribuindo a ingenuidade para um maior desenvolvimento da razão, sustentada em premissas específicas, geradora de uma ordem de conhecimentos alternativo. A naïveté foi o ponto de partida para aceder ao conhecimento, demonstrando, pela sua natureza intrínseca, ser propícia à elaboração filosófica. E, Ingénu, a si mesmo se denominava, pois: "...Je dis toujours naïvement ce que je pense comme je fais tout ce que je veux."16 A possibilidade de exercer a vontade própria, alheia às constrições societárias, permitindo-se cumprir um termo pessoal de valores e normas de comportamento, provava ser a razão para a viabilidade de reencontro com a unidade pessoal, perdida pela civilização ocidental, ao longo da sua história, contaminada por decisões e actos meramente pragmaticistas. Ingénu, como indivíduo superador dos condicionalismos societários, foi caso único em que Almada se reviu na época do Modernismo, como réplica à sociedade portuguesa dominante, com a sua irreverência, sabedoria inconclusiva e vontade afirmativa, como se doutro mundo viera, mas da realidade fosse achado. Com a diferença que a clarividência esclarecida de Almada foi construída a partir de pressupostos e conhecimentos que refutava, precisamente porque os conhecia enquanto que o Ingénu os desconhecia, impondo as suas convicções fundadas na vivência primordial em que desde sempre usufruíra da liberdade sem restrições — paradigma originário de um estádio dir-se-ia estético no sentido kierkegaardiano. O protagonista "ingénuo" agia num horizonte de liberdade, de nãoresponsabilidade sociopolítica tipificadas ou institucionalizadas, num plano existencial em que predomina o usufruto da vida instintiva. Ingénu soube evoluir até ser um ingénuo que não fosse mais um "ingénuo", pois se tornou filósofo pela e com a sua ingenuidade: "L'Ingénu qui n'était plus ingénu." 17 Candide, representou para Almada, termo complementar de construção paradigmática, significava o rapaz de espírito simples, que escutava e acreditava em tudo inocentemente, embora dotado de qualidade e sensibilidade excelsas, pois: "c'était un jeune metaphysicien en fort ignorant costumes — o protagonista Ingénu tornou-se um filósofo intrépido e sabedor, demonstrando a oportunidade e exigência necessárias, expressas ao longo do livro, com intuito de realizar um apelo à razão, à lógica, contra a falsidade e o absurdo dominantes. 16 Voltaire, L'Ingénu , p.32. A ingenuidade de "Ingénu" era de origem natural, condição e estado inato. Era ponto de partida, não seria chegada, meta. 17Idem, Ibidem, p.96

8 des choses de ce monde."18 O Candide-ingénuo de Voltaire nunca se viu vítima da sua ingenuidade, pelo contrário, a ingenuidade impulsionou as acções que, consequentemente, lhe deram fama. Quando perdeu a ingenuidade, tornou-se vítima da sua "esperteza saloia", situação para a qual Almada, especialmente, alertou.19 As desventuras de quem perdeu a ingenuidade eram amargas, mais amargas do que as decepções que algum ingénuo pudesse sofrer: "tão tremendo como ficar-se um simples ingénuo por toda a vida, é perder a ingenuidade para todo o resto da vida." 20 Candide-Almada percebeu que conhecer, saber, viver e libertar-se dependiam de uma procura em si mesmo, das possibilidades do seu desenvolvimento pessoal: "Cultivemos o nosso jardim." Valia mais do que procurar a felicidade à volta do mundo, ou a verdade através de sistemas metafísicos. Almada, atendendo à fundamentação etimológica e ficcional, desenvolveu uma noção que transcendia os protótipos definidos por Rousseau e por Voltaire, servindo de sustentação para a sua poética e para a sua estética centrada na pessoa. 1.3. A pragmática criativa da ingenuidade — presença e ficção modernistas Há, com efeito, em toda a genial e multímoda criação de Almada-Negreiros, uma alegria primordial, uma inocência dos começos, uma atmosfera ingénua e primitiva, onde só ele sabe respirar.21

Superadas as efabulações literárias dos personagens "ingénuos" de Voltaire, Almada entendia que o imaginário — primeiro da ficção e da teorização depois — consistia num domínio propiciador, mesmo privilegiado, "onde o efabular adquire cariz cognoscitivo"(...), de modo a que, a ingenuidade contribuísse para construir "uma representação interpretativa e construtiva do mundo e do eu."22 Fê-lo, anteriormente à teorização hermética da Ingenuidade desocultada em Ver , ao desenhar os traços múltiplos que moviam o indivíduo ingénuo, em obediência à sua perspectiva, integrando nesse perfil, elementos herdados da praxis vanguardista, exaltando a 18

Voltaire, Candide, p.228 “É este o maior perigo que corre o ingénuo: o de querer ser esperto. Tão ingénuo que cuida, coitado, de que alguma vez no mundo o conhecimento valeu mais do que a ingenuidade de cada um.” "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", Ensaios, p.150 20Idem, ibidem, p.150 21David Mourão-Ferreira, "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, p.141 22Celina Silva, "Rotas e posturas em Almada da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173. 19

9 originalidade, ainda que a originalidade, nesta acepção, não fosse acto estético exclusivo — no âmbito de uma estética/poética para impacto sociocultural em recepção imediatista —, antes necessidade de exercer a individualidade pessoal no domínio da antropologia filosófica e simbólica como fonte. No domínio da ficção e da poesia, "a prática criativa da ingenuidade antecede e prepara o caminho para o discurso teórico" 23 que Almada viria a desenvolver nas décadas seguintes. Efectivamente, as produções literárias que Ellen Sapega designa por "manifestos da ingenuidade" apresentam-se não como intervenções de intenção pública, promotoras argumentativas, mas no formato de pequenos relatos, parábolas ou fábulas. O recurso a estes formatos literários específicos — e respectivas implicações na área da hermenêutica — obedeceu aos propósitos de Almada se assumir como Autor, situado em suficiente afastamento psicológico como narrador, para transmitir, através das opiniões manifestas, os propósitos moralizantes expressos. Para esclarecer — quase justificar — junto os leitores o que entendia por "ingenuidade" e como aceder a esse estado, "os narradores "ingénuos" assumem, regra geral, uma posição afastada da realidade que descrevem." 24 A moralidade transposta nos relatos curtos e incisivos, pelo tom ironista e efabulatório empregue, induzia, intencionalmente, à "boa" moralidade, sobrelevando o plano ético, pessoal e social. Contudo, para além de valores morais induzidos, era uma ética pedagógica que, sobretudo, procurou induzir. Não se tratava de uma moralidade de intenção isolada, descontextualizada, possuía uma finalidade centrípeta, na área do educacional em continuum com outras especulações e reflexões do Autor, nomeadamente, em romance (único), peças de dramaturgia, algumas poesias e sobremaneira, nos ensaios e textos críticos. 1.3.1. "Histoire du Portugal par Coeur" Para Ellen Sapega, "Histoire du Portugal par Coeur" é um dos textos mais elucidativos da apologia da ingenuidade. No caso de "Histoire du Portugal par coeur", a intenção não era, exclusiva ou mais especificamente "didáctica" 23Ellen

Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de Almada Negreiros 1915-1935, p.79 24Idem, ibidem, p.80

10 pela via da ingenuidade nacional. É mais consentânea, quanto à resolução da identidade pátria, uma assunção, não pela via exclusiva ou privilegiada da ingenuidade, antes pela via da efabulação mítica restituída, a partir — isso sim — da tradição popular que se viu enriquecida na imaginação visual e arquetípica de Almada. Foi caso poético, para desvelar os termos do inconsciente português, motivado — e portanto sendo mitificado — pela situação "presente" do Autor. A motivação prioritária de Almada ao conceber o texto na cumplicidade do factual/histórico e do mítico, incorporou situações e protagonistas, afirmativos emblemas e símbolos de Portugal. O texto, sendo revelador de preocupações educacionais constantes, não usa a ingenuidade como factor primordial, embora apreensível como modo estilístico. Ainda que a pátria inventada pelo Autor seja dirigida sob auspícios do coração, fê-lo baseado na sua memória estudada da própria história — como disciplina curricular e fruto da mentalidade subjacentes à época. 1.3.2. Contos breves Integrar-se-iam na ficção proclamadora da ingenuidade "O Cágado", "O Dinheiro", "O Diamante", "O homem que não sabia escrever" e, especialmente, "A Invenção do Dia Claro", textos demonstrativos de nítidas preocupações sociais, morais, relacionadas com as de ordem estética, todas perspectivadas para o fenómeno educacional a atingir. 25 Num primeiro momento, Almada pronunciou as "lições de ingenuidade", experimentando fábulas, parábolas ou relatos, recorrendo ao formato literário do conto breve, divulgando-as em jornais, atingindo um público mais vasto e heterogéneo; mais do que ensinar informalmente, induzia a teoria da ingenuidade que apenas posteriormente veio a enunciar — 1936. Almada provou nessas histórias que não confundia ingenuidade com ignorância simplista ou natural, nem tampouco ser a ingenuidade, capricho subjectivista; respondeu a desígnios que — embora apresentados pelo protagonista como fundamentais — se soubessem interiorizados ou

25Sublinhe-se

o termo educacional e não tanto didáctico, na acepção que Ellen Sapega pretendeu na sua obra, aplicando-o à questão. Educacional, porque não se refere a uma situação que pretendesse, fosse de que forma fosse formal, nem de qualquer tipo de ensino, nem de uma aprendizagem, instituída ou dirigida, mas indutora. E indutora, no sentido mais natural, precisamente porque se tratava de ingenuidade, ou na recuperação de uma ordem de saber remanescente, a detectar por cada um em si.

11 suficientemente autênticos no sujeito.26 Uma tal conclusão — presente na argumentação de Ellen Sapega —, apreender-se-ia tanto da leitura de "O Diamante", como de "O Homem que não sabe escrever" 27: a ingenuidade não advém da educação, nem do facto de ser (eventualmente) civilizado. A fundamentação de condição, natureza e estado de ingenuidade, a sua essências filosófica "consistem, sobretudo, na procura ou na recriação, através do gesto criativo, de uma origem perdida."28 Em "O Homem que não sabe escrever", Almada tipificou as notas biográficas, promotoras de um protagonista pseudo-ingénuo: pô-lo a viver numas águas-furtadas na rua do Alecrim, e fê-lo chamar-se Domingos Dias Santos. Outorgou-lhe formação básica de ensino oficial, mas tirou-lhe o "saber escrever" — o dom discriminatório.29 Ao contrapor os elementos constitutivos dessa formação, e o uso em que Domingos persistia, Almada exprimiu a sua crítica ao ensino que fornecia uma educação que tornava inoperante o dom da imaginação, o dom da criatividade, enfim, o dom da expressão única de cada um. 26Efectivamente

o fenómeno "ingenuidade" anunciou-se quando Almada fez a apologia da descoberta — a novidade e o invulgar — "O Cágado"; quando empreendeu efabulações nitidamente axiológicas acerca da natureza e igualdade entre os homens: rico/pobre, branco/negro...— "O Dinheiro", "O Diamante"; quando construiu paradigmas de situação individuada e acção pessoal — "O Homem que não sabe escrever", "Nome de Guerra", enfim, todas as vezes que configurou a ingenuidade como sustentação poética e propósito de acção intrínseca no humano, pressupostos fundamentais para a reconstrução do mundo. 26Reconstrução do mundo depois de Almada ter realizado a sua deconstrução do mundo em ficções como "K4 Quadrado Azul", "A Engomadeira", "Saltimbancos", "Mima-Fataxa", "Litoral", enfim, nas produções afectadas pela teoria sensacionista de Fernando Pessoa, e ainda sob auspícios do Cubismo e do Futurismo europeus, e não apenas, reflectidos, por sua vez, na teoria pessoana. O método comum a estas posições estéticas pressupunha a possibilidade de conceber simultaneamente, sob entradas designadas pela visualidade a apresentação literal e simbólica de corpos, objectos e conceitos em paridade de espacialização e temporalidade, o que viabilizava a mencionada deconstrução do mundo. 27"A Ingenuidade não é nem um estado natural ("selvagem"), nem um estado educado ("civilizado"), mas consiste na ultrapassagem dos dois estados, ou seja, é o assumir consciente da inocência." Op. cit., p.95 28Ellen Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de Almada Negreiros 1915-1935, p.84, citando a propósito Eduardo Lourenço in "Almada Ensaísta ?", Almada - compilação das comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros, p.79. Efectivamente Eduardo Lourenço compara Almada ao herói do filme de Wim Wenders Paris-Texas: "Mas a sua vocação, a sua "direcção única", será a de converter as folhas em raízes e assim, de algum modo, como o herói do "Paris-Texas" de Wim Wenders, de caminhar com obstinação para a sua origem, para esse lugar onde tinha concebido e donde tinha sido expulso, lugar ao mesmo tempo pontual e infinito, onde o individual se articula com o universal, o problemático com o pontual, o evidente com o enigmático." 29Segundo a tradição hermética, o dom da escrita, que o deus Thot do Egipto criou, não se reconhecia exercício natural e espontâneo no protagonista. Ele tentava-se de ideias, mas chegado o momento do acto de escrita, bloqueava as ideias e não sabia escrever. Os temas que se propunha, feito de inspiração denotavam bem o teor castrativo de uma educação de lugares comuns e vazia de motivação: "uma dissertação sobre o Outono", "uma apologia da humildade", "uma tirada de sinceridades individuais e regionais", que o mesmo era dizer que nem mesmo assim, quando se dispôs a escrever sobre si mesmo — correndo o risco de parecer natural —, achou-se no mesmo problema. O que pretendia não era escrever meramente, queria expressar-se, e não sabia como, porque não conseguia ultrapassar os academismos, não dava o salto da imaginação, não conhecia as condições individuais de escrita para o seu pensamento. A tentativa de escrever sobre os egípcios teve de ficar adiada até ao dia seguinte para se ir encher ainda de mais "erudição", de mais "saber", na Biblioteca!

12 Quando irrompe na narrativa a figura da criada de pensão, "com ar de quem não está em serviço", pois trazia um ar natural, torna-se explícita a intenção do Autor: era preciso que se revelasse o fundamental, o espontâneo, o ingénuo para poder criar. Mas afinal, os termos em que a criada dita a carta estão cheios de lugares comuns, e o desenlace é algo absurdo, porque afinal o elogio da ingenuidade não é, não se orienta, assim tão genuíno ou certo, quanto o leitor esperava fosse. Como conclui Ellen Sapega, "...a única moralidade possível situa-se fora da acção do enredo, no reconhecimento da ironia da situação: nem o ser educado, nem o ser iletrado, têm a mínima ideia em que consiste a expressão literária."30 Não coube aos protagonistas retirarem a sua conclusão ou fazerem o diagnóstico da situação, que pertence ao tempo posterior à própria leitura individual, essa extensão estético-poética que se prolonga para além do fim da leitura, e que não é comummente habitual nesse tipo de contos com poucas pretensões de reflexão crítica, em que a "moral" surge expressa como tal.31 No caso de "O Diamante" e de "O Dinheiro", para além dos indícios relativos à dimensão antropológica e ética, anteriormente abordados, saliente-se o confronto das atitudes convencionalmente aceites, em termos de moralsocial, e o espontar da convicção para que o Autor avança. Asserção logo presente na primeira dramaturgia constituída, posterior à estadia em Madrid, e que antecedeu de mais perto o seu discurso supremo sobre a ingenuidade. Deseja-se Mulher , não se pretendeu uma peça de teatro ingénua, antes a revelação psicossociológica de tipos, diagnosticável nas atitudes de seus protagonistas, esses sim denotadores da convicção extrema de ingenuidade: a índole marcadamente afectiva configuradora do enredo, a expulsão de valores pulsionais em solução bruta, sobretudo na figura feminina que sofre transformações ao longo dos diferentes actos e cenas. O percurso, tendencialmente masculino de iniciação dos personagens em demanda do eu de Invenção do Dia Claro, História Verde, Nome de Guerra, Portugal, "As Quatro Manhãs", compete em Deseja-se Mulher com a dominância e consistência da Vampa que se metamorfoseia em prol — e legitimidade — da sua auto-estima, equitativamente dividida entre si mesma e a imagem para o outro, ou seja, ele. 30Ellen

Sapega, op. cit., pp.91-92 o desenvolvimento das histórias apresentam-se os indícios que orientam a apreciação situacional a posteriori, ou seja implicam a reavaliação da situação desencadeada, sabendo-se que necessariamente ela tem de existir — isso logo desde o início. Nesse aspecto, será oportuno lembrar que a conclusão a retirar, só pode ser apreendida porque os elementos indutores são suficientemente fortes para lhe reconhecer consistência, e desde o início que se dirigem para aí. 31Durante

13 A elaboração pessoal do conceito de ingenuidade foi-se consolidando, de forma absoluta no Autor, incorporando dimensionamentos consecutivos, em domínios absolutamente implicativos entre si.

14 1.3.3. "A História Verde" Verde ia pela estrada, a única estrada que há, por onde vai toda a gente em caminhos diferentes. Ia para diante, como todos. 32

O auge da produção de ficção exemplar da ingenuidade 33 foi atingido por Almada na parábola protagonizada pelo "ingénuo" — em iniciação — do manuscrito inédito "História Verde", datado de 5 de Maio de 1921, ano de escrita de Invenção do Dia Claro. Ambos os textos, anteriores à ida para Madrid, integram-se no que se pode designar como a pragmática ficcional da ingenuidade e deve ser considerada a completude que constituem, expressando o redimensionamento situacional e poético dos elementos comuns entre si. O procedimento estilístico de referência — como já afirmou anteriormente — não se apresenta isolado, antes confirma uma intenção: sempre que Almada pretendeu fixar alguma ideia ou conceito, recorreu à força retórica (e dialéctica) da palavra — deslocada, paradoxal ou ornamentada na parábola, para gerar maior impacto e irradicação — semântica e filosófica — nos leitores.34 Aparentemente, a história destinar-se-ia a crianças, o que corresponde à estratégia do Autor, pois é precisamente na infância que domina a maneira de estar e ser em plena genuinidade, em modalidade propiciadora de verdade e unidade pessoal. Verde foi a cor autobiográfica que Almada se atribuiu. Iniciado o "caminho", na metáfora simples e comum, com que evoca a vida, a estrada que cada um toma e por onde todos vão sem excepção: Verde "ia para diante, 32"História

Verde (autentica)" , manuscrito, Lisboa, 21.Maio 1921. ser oportuno desenvolver-se uma procura e explicitação exaustivas relativamente às enunciações ou lateralidades do conceito de ingenuidade na obra de criação almadiana nesta tese, sublinham-se os traços caracterizados do conceito e as repercussões de uma perspectivação no âmbito da ontologia e antropologia filosófica (e simbólica), entendidas como fundamentos para a sua estética e poética. Nesse sentido optou-se por analisar os dois textos de ficção poética que acusam explicitamente ser fundamentação para a incidência acima apontada: História Verde e Invenção do Dia Claro. 34Segundo Ellen Sapega: "Todos os contos jornalísticos de Almada dependem do reconhecimento de moralidade exteriores ao enredo, quer dizer, nunca são apreendidas pelos protagonistas." Cf. Op. cit., p.93. No caso de "História Verde", manuscrito inédito, que não surge colectado em nenhuma das edições da Obra Completa de Almada e tampouco se tem notícia de ter sido publicado em qualquer jornal, revista ou número monográfico, não se tratará de atingir um público específico, mas uma história intimista que muito bem destinava os seus interlocutores intencionais. Talvez por isso mesmo, ao contrário dos textos anteriores seja mais nítida a conclusão que, mais do que moralista, será uma resolução ontológica e uma directriz psíquica de fundo, no âmbito da conquista da auto-estima, não para controle da relação intersubjectiva — embora pudesse ter sido essa a intenção inicial — mas acaba por se tornar uma consolidação elaborada do "eu", finalmente. 33Sem

15 naturalmente, sem história, sem alegria, sem tristeza." Perante os obstáculos que deliberadamente lhe eram colocados, muito simplesmente, passava-lhes por cima, sem os magoar, e a muitos até os "ajudou ingenuamente a levantarem-se do chão." Nunca tinha parado no percurso. Até que um dia parou, finalmente, na estrada "única", quando passou mesmo ao lado de quatro "coisinhas", de quatro cores: branca, roséa, encarnada e azul.35 A ficção desenvolve-se na ordem do programa iniciático, pois Verde iniciou uma travessia, ousou a experimentação do caminho indecifrado, agindo sobre si mesmo, o que significa a penetração no domínio esotérico, para cumprir a demanda. Não se pode ignorar a fundamentação, cronologicamente possível, nos fragmentos de Hermes Trimegisto, elucidativos da demanda para alcançar o estádio de auto-gnose, a que toda a história remete. Relembre-se que, na Invenção do Dia Claro, Almada citou em epígrafe, precisamente, Hermes Trimegisto, atitude demonstrativa da importância que, desde essa época, já atribuía ao hermetismo. De notar que, a nível literário, sensivelmente no meio do texto, a narração de Verde é interrompida, sendo substituída pela subjectividade dirigida pelo Eu , factor salientador da ênfase ontológica (e autobiográfica) pretendida. Alguns parágrafos após, é retomada a primeira modalidade do discurso, em nome de Verde, significando a viabilidade de decisão sobre os diferentes caminhos no poético para tomar o sentido verdadeiro autobiográfico da criação. O sentido deste Eu que viaja entre a ficção autobiográfica e o ocultamento do símbolo — verde, aproxima-se da acepção com que define o "eu"36 na Invenção do Dia Claro, referência anteriormente realizada, e que respeita a essa comunhão de personalidade realizadora que os diferentes 35Verde

parou pela primeira vez, e, necessariamente, pensou que isso tinha algum significado específico, que era importante. Para estabelecer conversa com as quatro cores, usou uma estratégia: ir a "um lugar muito perigoso, lá mesmo em cima de uma rocha muito alta..." e trazer de lá quatro cores para cada uma das quatro coisinhas se sentir única. Se verde conseguiu chegar ao cimo daquela rocha foi por não ter duvidado disso nem durante um segundo. Só esta fé pode explicar que Verde tivesse feito uma coisa que estava completamente fora das forças de um homem." "História Verde (autentica)" , manuscrito, Lisboa, 21.Maio 1921 A coragem que o ingénuo não perdeu vem directamente do coração, e prevaleceu mesmo quando percebeu que duas cores tinham ficado pelo caminho — a encarnada e a azul. 36A definição deste eu não é a de acepção romântica, em que a pessoa assumida na expressão poética se identificava com a própria subjectividade do poeta. Como sublinhou Jorge de Sena, tratava-se de uma questão apenas de linguagem e "de caber nela ou não". Jorge de Sena, "Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, vol. IX, 1982, p.231. Segundo Jorge de Sena "Não se trata da identificação romântica, em que a pessoa se identifica com a subjectividade do poeta." O que permite perceber o que significou o corte infligido pelo modernismo à concepção romântica; o modernismo foi "a época que coloca a linguagem, o poema, a criação estética, acima do poeta, acima das emoções do poeta, acima da subjectividade do poeta." A subjectividade foi substituída pela fundamentação ontológica e antropológica do artista como pessoa, aquele que é à semelhança exemplar da humanidade, aqui em Almada Negreiros, ainda que de substância e forma utopistas.

16 "eus" partilham… é um "eu" transitivo, paradigma para a humanidade. Daí, ser consentâneo com o objectivo da história, a transposição de identidades que, afinal são uma e a mesma, e não o outro e o mesmo, como se poderia interpretar: "Quando digo Eu não me refiro apenas a mim mas a todo aquelle que couber dentro do geito em que está empregado o verbo na primeira pessoa."37 Ou seja, Almada refere-se a todo aquele que saiba ser pessoa na humanidade, através da criação poética, e subjacente às reflexões estéticas, baseadas na personalidade, assumida pela via do ingénuo. O "eu" sujeitou-se à demanda que o suplantou, subsumindo a sua personalidade à concretização existencial suprema, promotora da dádiva relacional fundada na auto-gnose. A ingenuidade foi disposição, vontade inequívoca a quem respondeu pelo coração: Verde encarna a assunção desse valor supremo que permite realizar a personalidade do indivíduo, por um conhecimento e atitudes que, à semelhança da qualificação constante do próprio título, são autênticos! 1.3.4. A Invenção do Dia Claro Este manifesto poético da ingenuidade38 — de juventude — foi um primeiro esboço, preâmbulo iniciático para as etapas da viagem exigidas a Antunes em Nome de Guerra, e anteriormente detectadas — no texto iniciatório — por Verde em "História Verde". Ao longo do texto39, composto na fragmentaridade e convergindo para a unidade temática, Almada construiu o caminho de auto-ingenuidade ficcional, à medida que foi "inventando o dia claro". A articulação, entre a consciência do mundo sem idades, e a humanidade deslocando-se, justifica a máxima constante em epígrafe nos sucessivos momentos do texto, emprestada formalmente de Rimbaud40, apelando a um mundo sem idade, em 37Invenção

do Dia Claro , "Eu", p. 31. Sapega considera que o manifesto enuncia as "etapas de uma viagem que conduz espiritualmente à clareza imaginada da ingenuidade." Cf. op. cit., p. 99 39A Invenção do Dia Claro apresenta-se dividido em três partes , cujos subtítulos seguem: "Andaimes e Vésperas", "A Viagem ou o que não se pode prever" e "O regresso ou o homem sentado". 40"Nous savons donner notre vie Toute entière tous les jours. Bénnissons la vie! Saluons la naissance du travail Nouveau. Le monde n'a pas d'âges, l'humanité se déplace tout simplement. Je ne suis pas prisonnier de ma 38Ellen

17 que a humanidade apenas se deslocava, sendo a mesma em perpetuidade, ideia que traduz a necessidade de impor a linguagem universal, para entendimento de todos, como Almada pretendia, denunciando o cativeiro da razão, recusando-lhe submissão. Enquanto partícipe da humanidade, e estando no mundo, superou-o na dogmaticidade — ideia suficientemente heideggariana para tão forte convicção existencial. O indivíduo em processo de clarividência, da História Verde, em ascensão iniciática para o cumprimento da tarefa, e à semelhança dos trabalhos mitológicos salváticos, esse encontro em espelho do "eu" 41, foi transposto na Invenção do Dia Claro, para o primado do "mental como visual", ou seja, a primazia do desenho. Em consentaneidade, com os escritos anteriormente analisados, contendo as reflexões teóricas e poéticas sobre a identidade pessoal, na Invenção, a certeza da intransmissibilidade de ser individual versus necessidade de desocultamento pessoal, foi assumida pela abordagem ingénua de forma mais nítida. Almada recorreu a parábolas fragmentárias — divagações efabulatórias umas, teorizações poéticas outras, invenções à semelhança dos procedimentos de composição na música — organizando-se em visualizações que se aproximam de cinematografias enfáticas. A ingenuidade manifesta-se em níveis diferenciados de expressão, no texto como todo compósito: poesia, visualidade, reflexão; realiza-se através de procedimentos emprestados à retórica dos sentimentos e das ideias. Indicia o factor iniciação quase como condição implícita à demanda do universo, na viagem por si mesmo, dentro do quarto. A ingenuidade abordada nesta perspectiva, poderia ter sido cúmplice das invenções visuais do desassossego de Bernardo Soares42, nalguns tópicos explorados, nomeadamente, quando o raison. Dieu fait ma force et je loue Dieu. Splendeurs des villes. Point de Cantique — tenir toujours le pas gagné."(Rimbaud) Na edição original francesa de Poèsies, publicada pela ed. Le Livre de Poche em 1972, encontrei dispersas algumas frases citadas por Almada, sem ser sob formato de um poema uno. Correspondem a fragmentos de diferentes poemas: p.ex. “Je ne suis pas prisonier de ma raison”, do poema em prosa “Mauvais Sang”, cf. p.176; “Le monde n’a pas d’âge. L’humanité se déplace, simplement.” in “L’impossible”, cf. pp. 195-196. 41Não seria certamente por acaso que, a anteceder a dedicatória a Fernando Amado, Almada apresentou o seu auto-retrato, prevendo que tão forte indício salvaguardaria a intenção de se mostrar eu exemplar para a constituição dos outros "eus". 42"Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados. Por sobre os telhados densos a luz fazia diferenças de amarelo pálido. Fiquei a contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono. Nos vultos

18 semi-heterónimo pessoano desenvolve considerações imagéticas, de consistência ontológica, como que pressupondo a abordagem de Almada em estado de inocência simbólica, afectiva e natural — "Ácerca do Homem e da mulher": "Lembro-me de uma oleografia que havia em minha casa. A oleografia estava cheia de amarello deserto. O amarello do deserto era mais comprido do que a vida de um homem se não fôsse o galope do cavallo onde o arabe rapta a menina loira.(...)"43

Fragmento a que segue descrição das duas seguintes oleografias, que Almada retoma em estádio ainda de inocência nas "Confidências" apensas ao "Fim do 1º dia", sob protecção do vocativo "Mãe": "Mãe! a oleografia está a entornar o amarello do Deserto por cima da minha vida. O amarello do Deserto é mais comprido do que um dia todo! Mãe! Eu queria ser o arabe! Eu queria raptar a menina loira! Eu queria saber raptar. Dá-me um cavallo, mãe! Até à palmeira verde esmeralda! E o anel?! A minha cabeça amollece ao sol sobre a areia movediça do Deserto! A minha cabeça está molle como a minha almofada!" 44

Obviamente que a paisagem de Almada teria de estar povoada e a acontecer algo, o que contraria o estatismo ingenuista de Bernardo Soares, onde ele próprio sabe ser ausência múltipla, de "intervalo entre mim e mim". 45 Como nota José-Augusto França, Almada era "homem de "figura" e não de "fundo"46 que, no plano da criação plástica, sempre privilegiou a figura, "e nenhuma árvore jamais ou só por excepção decorativa lhe saiu do lápis ou do pincel."47 As excepções surgem na poética, e em alguma ficção, como na História Verde em que até há "flores dificéis", e montanhas que, é certo, cumprem funções, na ordem simbólica, servindo essa grande metáfora da ingenuidade da "flor" que, a criança, obviamente, sabe desenhar e andou dentro da sua cabeça, dentro do coração.48 A realidade expressa pela criança, erguidos das casas altas o amarelo era aereo e nulo. Ao fundo do ocidente, para onde eu estava virado o horizonte era já de um branco verde." Bernardo Soares, Livro do Desassossego, vol. I, p.101. 43Cf. na Invenção do Dia Claro, a p.17 e ss. 44Idem, ibidem p.26 45Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, vol. I, p.25 46José-Augusto França. "Almada —porquê e para quê?", Almada — Compilação das Comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros, p.21 47Idem, ibidem, p.17 48Cf. "A Flor", Invenção do Dia Claro, p.41; Como adiante se refere, quanto à impregnação no pensamento almadiano da teorização de Schiller, acentue-se já — em consentaneidade com a transcrição acima integrada — a ideia de que: "A mentalidade naive nunca pode ser uma qualidade do homem corrompido; apenas pode

19 pelo menos aparentemente, apenas pertencerá à idade da infância, em sua autenticidade, embora seja desejo de maturidade artística e/ou poética. 49 Acerca, ainda, das diferenças e aproximações, entre Fernando Pessoa e Almada Negreiros, relativamente à questão da inocência e ingenuidade, por remissão à infância, Eduardo Lourenço encontrou uma justificação profunda nas próprias marcas biográficas do artista, ao considerar que contrariamente: "Pessoa podia passar a vida a regressar ao "outrora feliz" que, afinal, sempre tinha tido. Almada parece ter passado a sua a inventar a infância roubada, a construir o lugar matricial da ingenuidade, a imaginar o diálogo maternal abolido, apenas começado."50 A conivência entre a imagem visual e a palavra concretiza-se através da ingenuidade — em estado de ingenuidade pessoal. Por sua vez, como condição para a criação, a ingenuidade tem de ser promotora da verdade, essa verdade, mais uma vez, metafórica, do menino que chegou tarde à escola porque esteve a olhar para uma boneca.51 A verdade das pessoas existe, provada pelo uso das palavras que tomam para si: "O preço de uma pessoa vê-se na maneira como gosta de usar as palavras. Lê-se nos olhos das pessoas. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um."52 As palavras que as pessoas usam são também os seus próprios nomes, o que se associa directamente è relevância que atribuiu ao "nome", um dos pressupostos em Nome de Guerra, evidência ambígua — conceptual — da identidade pessoal. O nome de cada um apresenta (não presentifica necessariamente) o próprio, "face às representações sociais que são impostas"53, o que equivale à denominação sequente ao nascimento físico de Antunes, o 1º, e à nomeação pessoal a que se referia Almada na Invenção. A forma como Almada manipulou as palavras (e os nomes que não se apresentam a denominar ninguém, pois pretendeu o símbolo do humano e não o indivíduo específico) em Invenção do Dia Claro, foi o paradigma pertencer às crianças e aos homens que têm a candura das crianças." Schiller, Poèsie Naïf et Poèsie Sentimentale, "Du Naïf", p.77. 49Neste sentido parece oportuno citar as considerações de Jorge de Sena acerca do tom em que se expressa o discurso em "A Flor": "Nós vemos que há todo um paralelismo aparente em que a realidade é definida (é cercada), esse paralelismo assume aspectos duma simplicidade aparentemente infantil, como se fosse um tom coloquial da criança que fala, quer dizer, é a procura de voltar a um imediatismo da expressão. Ao mesmo tempo, notem que este tom coloquial é extremamente inteligente, de um menino que fala sempre sabendo o valor que as palavras têm, conforme a posição que elas ocupam na frase." Jorge de Sena, " Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, 1982, p.234. 50Eduardo Lourenço, "Almada ensaísta?", Almada — Actas do Colóquio "Almada" , p.80 51Cf. "A Verdade", Invenção do Dia Claro, p.45 52Cf. "As Palavras", Invenção do Dia Claro, p.19 53Ellen Sapega, Op. cit., p.102

20 poético, clarificador do papel que competia à palavra na preservação e refuncionalização da ingenuidade também se após a perda, for recuperada, nisso consistindo a teorização que se propôs com o "Reaver a Ingenuidade" — cumprindo a máxima suposição para a personalidade humana vivenciada. A "invenção", sendo a do dia claro, é manifestamente convocação da Luz, significando o conhecimento e a auto-gnose, o Absoluto e o Divino, símbolos pressupostos de radicação metafísica e teológica que o Autor retomou em produções poéticas e ensaísticas posteriores.

1.4. A emergência estética do conceito de ingenuidade A fundamentação estética, no plano histórico, pode situar-se desde o pensamento kantiano que abordou, brevemente, a noção de naïveté. Em Kant, as considerações acerca da ingenuidade surgem em anotação à "Analytique du Sublime"54, ao acentuar o facto de coincidirem na ingenuidade dois tipos de sentimento, o sentimento físico do prazer e o sentimento espiritual da estima. A ingenuidade era um estado de sinceridade, próprio da condição primitivamente natural ao homem, "explodindo contra a arte de dissimular, tornada uma outra natureza." 55 Fenómeno efémero, rapidamente anulado pela arte da dissimulação que sobre a ingenuidade lançava o seu véu, o sentimento que provocava no fruidor era compósito, um misto de lamento emotivo ("regret") e de boa disposição cordial ("rire parti de bon coeur"); era manifestador de uma disposição, de certa forma evenemencial; traduzia uma pureza de carácter ainda não totalmente arredada da natureza humana. Significava um fenómeno isento de malícia, da duplicidade enganadora que predomina habitualmente nas deliberações e acções humanas.56 Na abordagem ao conceito de ingenuidade, Kant 54Kant,

Critique de la Faculté de Juger, "Analytique du Sublime", Cf. p.161. Existe menção de Schiller à obra de Kant, nas Notas ao 1º artigo — "Du Naïf", confronte-se: "Kant na "Remarque" da "Analytique du Sublime"(...), distingue igualmente no sentimento do ingénuo estes três elementos, mas dá outra explicação.", ao que segue a transcrição do excerto aludido em Kant. Os três elementos que Schiller menciona como constitutivos desse sentimento particular que é a ingenuidade são: o cómico (moquerie), o respeito (respect) e a melancolia (mélancolie). Cf. Schiller, op.cit., p.69 55A tradução acima transcrita é da minha autoria e segue a versão francesa, por sua vez transcrita por Schiller, na versão francesa da edição de Robert Leroux. Numa edição recente da Critique de la Faculté de Juger, versão francesa de A. Philonenko (ed. J. Vrin, 1989) o texto de Kant é como segue: "La naïveté est un composé de ces deux sentiments: c'est l'explosion de la droiture originellement naturelle à l'humanité contre l'art de feindre devenu une autre nature." Cf. p.161. 56A esta ingenuidade Schiller chamou ingenuidade de surpresa, à qual contrapôs a ingenuidade que perdura, designada como ingenuidade de carácter, a que adiante se alude. Kant considerava ainda que era uma contradição falar-se de uma arte de ser ingénuo, mas que "representar a ingenuidade num personagem poético é uma arte certamente possível e bela, embora rara." Kant, Critique de la Faculté de Juger, p. 161. Na "Introduction" de Robert Leroux à versão francesa da obra de Schiller, Poésie Naïve et Poésie

21 acentuava não dever confundir-se ingenuidade com a "simplicidade franca", aquela que não toma artifícios com a natureza, "pois ignora o saber-viver". De Kant, a abordagem do conceito foi retomada e devidamente definida por Schiller, referência imprescindível na argumentação teorizadora de Almada e de inúmeras repercussões na sua metafísica do número e na radicação antropológica humanista da sua estética e teoria da arte. Na Estética romântica57 o conceito de ingenuidade é imprescindível para a asserção estética e poética dos valores veiculados na própria criação poética, designadamente em Schiller e Friedrich Schlegel que, em 1798 considerava que "Naïf es lo que es o semeja natural, individual o clásico hasta la ironía, o hasta el cambio continuo entre autocreación y autodestrucción." 58 Quando se tratava de algo relacionável apenas com elementos da ordem instintiva, achava-se acriançado, pueril, algo imbecil; quando deliberado, surgia a afectação. Ora, o ingénuo na ordem do estético, da beleza, quer-se deliberação, ou propósito, e instinto simultaneamente. O que permitia a assunção de valor intrínseco para a definição da beleza — segundo a ingenuidade subjacente —, era, precisamente, a liberdade do artista, do poeta.

1.5. Afinidades entre o pensamento schilleriano e almadiano 1.5.1. A definição de ingenuidade A influência da teorização de Schiller, reflectiu-se em diferentes aspectos inclusos na apologia da ingenuidade almadiana. O pensamento do filósofo alemão, por sua vez, inscrevia-se na apetência, manifesta no início do romantismo, sobre o restabelecimento dos valores estéticos gregos — no Sentimentale, ed. Aubier, Paris, s/d., o tradutor chama a atenção para os motivos que antecederam a dedicação quase obsessiva de Schiller ao tema, nomeadamente o facto de ter empreendido em 1793 o seu estudo, "parce que les explications de la naïveté données avant lui, notamment celle que Kant avait énnoncée dans la Critique du jugement, ne le satisfaisaient pas pleinement. Schiller ne songeait alors qu'à disserter sur la naïveté, et la notion du sentimental, (...)"; Cf. op. cit., p.5. Nas Notas apensas ao 1º artigo Schiller depois de ter citado Kant, como acima se salientou, conclui: "Devo confessar que esta explicação não satisfaz totalmente, sobretudo pelo facto de afirmar, a propósito do ingénuo em geral, algo que é válido apenas para uma espécie dele, o ingénuo da surpresa de que falarei ulteriormente."Cf. p.121. 57Cf. a edição de Javier Arnaldo, Fragmentos para una Teoria romántica del arte — Novalis, F. Schiller, Schlegel,..., p.9. Saliente-se o facto da ambiguidade manifesta no pensamento europeu, relativamente à forma, como a teoria romântica, procurava, nalguns casos precisamente refutar os modelos canónicos do classicismo grego, opondo-lhes a expressividade, criatividade e imaginação subjectivista do artista. 58Friedrich Schlegel, "Fragmentos del Atheneum" (1798), in Fragmentos para una Teoria romántica del arte — Novalis, F. Schiller, Schlegel,..., p.137

22 âmbito de uma antropologia estética — e, sob forma ,das suas considerações acerca da filosofia da história, para resolução da humanidade em queda. Em Über naïve und sentimentalische Dichtung (1795)59, ao reflectir sobre a questão da ingenuidade, Schiller estabeleceu na sua poética, a distinção entre os poetas60 da Antiguidade, que sentiam de forma ingénua, e os poetas dos "tempos modernos", ou seja, os românticos, que tinham deixado de ser ingénuos. Os poetas antigos eram ingénuos pois pertenciam a um mundo por si mesmo ingénuo, no qual se confundiam, enquanto os modernos viviam num mundo artificial, aspirando reencontrar a natureza perdida. Em Etwas über die erste Gesellschaft nach dem Leiftfaden der mosaischen Urkunde (1790), Schiller tinha considerado que "o estado de natureza, era o estado do homem que, no seio da sociedade primitiva estava animado apenas pelo seu instinto, guiado apenas pelo seu sentimento." 61 Para que o homem, nesse estado, acedesse à verdade e ao bem — na dimensão transcendental — bastava confiar no coração. A incidência psicosocietária, vigorava num mundo carente de dimensão moral, dominado pela avidez e pelo medo: o homem ingénuo vivia simultaneamente num mundo de inocência, mas de servidão, ignorância e imoralidade. Ignorava a suprema dignidade humana, sendo incapaz de honrar outrém.62 Ao romper com o instinto, que até aí o dirigia, o homem encontrou-se dividido, entre o domínio da perversão e do bem; a passagem do primado do instinto para o primado do entendimento, trouxe-lhe as vantagens da cultura e seus inconvenientes. Donde concluir-se que, nem o homem natural, nem o homem civilizado possuíam a perfeição ideal — confronte-se com a conclusão moral tirada de "O Diamante". Ainda, de acordo com os termos educacionais das parábolas de Almada, a solução 59A

obra de Schiller que a partir daqui se refere é constituída pelas três seguintes dissertações: "Über das Naïf", "Die Sentimentalischen Dichter" e "Bechluss der Abhandlung über naïve und sentimentalische Dichter, nebst einigen Bemerkungen, einen charakteristischen Unterschied unter den Menschen betreffend", respectivamente "Du Naïf", "Les poètes sentimentaux" e " Fin de la dissertation sur les poètes naïfs et les poètes sentimentaux, augmentée de quelques remarques relatives à une différence caractéristique entre les hommes". Os três artigos foram reunidos em 1800, em Kleinere prosaische Schriften, sob o título Über Naïve und sentimentale Dichtung. 60Segundo Schiller, o poeta era o guardião da natureza. A relação que existe entre ele e a natureza é que determina a alternativa (modalidade) de sua qualificação como guardião da natureza: ou substância ou procura de pertença. Ou ele próprio é a natureza e então é ingénuo, ou procura a natureza, e é sentimental. Cf. artigo 1º "Du Naïf", p. 105: "Les poètes sont partout, de par leur concept déjà les gardiens de la nature. (...)"; e no artigo 2º "Les poètes sentimentaux", p. 127: "Le poète, nous l'avons dit dans notre précédent Essai sur le Naïf, ou bien est nature, ou bien il cherche la nature. Dans le premier cas il est poète naïf; dans le second il est poète sentimental." 61Robert Leroux, "Introduction", in Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, p.7 62O estado natural — primado do instinto — corresponde ao estado físico, o primeiro dos três níveis em que Schiller situou o Homem ao longo da história da humanidade, ao nível do seu desenvolvimento e movimentações de mentalidade, nas Cartas sobre a Educação Estética.

23 não estava, nem no retorno à vida natural, meramente instintiva, nem tampouco no simples uso da razão, da liberdade exclusiva. Para Schiller, a solução implicava que o homem reencontrasse a unidade, a simplicidade e a necessidade — próprias — do estado de natureza, em liberdade. A perfeição ideal situava-se num estado de confluência e acordo entre a razão e a liberdade do homem, aliadas ao seu instinto. Esta posição, de síntese axiológica e simultaneamente cognoscitiva, no homem conduziu a uma segunda noção de natureza63 segundo Schiller, em que a natureza se caracteriza por ser um estado de unidade e concordância interior na alma humana, entre o instinto e a razão — à semelhança do estado próprio da humanidade primitiva. Tratava-se do estado de "naïveté", pelo menos na acepção da ingenuidade correspondente como surpresa, herdada da abordagem kantiana, se não fosse considerada em sentido mais amplo. Schiller distinguiu entre a ingenuidade da surpresa 64 (Kant) e a ingenuidade de carácter, a qual se coaduna à concepção dominante em Almada. A ingenuidade de carácter, das Naïve der Gesinnung, é em certa ordem permanente, cujos traços são idênticos aos da beleza anímica ou do homem estético, nela deixando de persistir a oposição entre sensibilidade e razão, entre natureza e liberdade. No homem estético age a verdadeira natureza — pois a natureza é ingénua; ele ajuíza sobre as coisas considerando as suas relações verdadeiras, não no âmbito do artificial e/ou convencional: "..comme la belle âme, il possède naturellement la grâce extérieure."65 1.5.2. A ingenuidade como princípio estético A ingenuidade, como valor estético, suscita admiração enquanto existência em si mesma, não enquanto forma; predispõe à vivência e suscita um interesse de ordem intelectual e moral, não apenas uma emoção estética, na medida em que encarna para as pessoas uma Ideia, "l’Idée de l’existence nécessaire, autonome, une, harmonieuse et tranquille; cette existence, c’est 63"Os

dois sentidos da palavra natureza a que Schiller progressivamente chegou, opô-los em Cartas sobre a Educação Estética e na Poesia Ingénua e Sentimental, sob os nomes de natureza real — wirkliche Natur — e de verdadeira natureza — wahre Natur —. À natureza real, tanto lhe chama natureza bruta — Zustand roher Natur — como natureza afectiva. (...) É a natureza que não foi ainda penetrada pela liberdade e pela razão (...). A verdadeira natureza humana é, pelo contrário, uma grandeza ideal, é a natureza bruta formalizada e estilizada pela razão."(Cf. Robert Leroux, idem, ibidem, p.12) 64 Relativamente à primeira, seria a ingenuidade que, advinda da sinceridade natural, espécie de irrupção no seio do mundo artificial e dissimulação, tornadas para o homem, a sua segunda natureza. 65Robert Leroux, "Introduction", op. cit., p. 11

24 celle qui fut autrefois la nôtre, mais que nous avons perdue et que notre tâche est de retrouver."66 A posição de Almada surge em consentaneidade com a teorização schilleriana, ao considerar a ingenuidade um estado anímico, uma atitude intrínseca, endógena, que cada indivíduo transporta e pela qual deve pautar todas as suas finalidades e actuações. Almada estendeu a noção de ingenuidade, concebendo-a legítimo segredo de cada qual, autêntica idade própria, o seu sentimento livre; considera-a ainda, e essencialmente, a alma do corpo próprio, a luz intrínseca de toda a resistência moral no humano. A ingenuidade de carácter, segundo Schiller, estava na criança, pois na infância não existe artificiosismo ou duplicidade intrínsecas; existe no camponês e no homem primitivo, pois nestes ainda não se verificavam as dissidências e discordâncias acima mencionadas na noção de natureza. Mais considerou ainda Schiller, que era carácter próprio do génio. Ao poeta competia respeitar a ingenuidade das suas inspirações e sentimentos, desviando-se de princípios que lhe fossem estranhos, e avançando, "sem outro guia senão ele próprio, através dos embustes do mau-gosto e as complicações da arte." Almada considerou que, mesmo os indivíduos que mais genuinamente possuíam tal qualidade de existência, podiam ser tentados a usá-la, para fins deturpados, ao perseguirem tentativas ilusórias, para concretizar intuitos enganadores. Procediam, sem a verdadeira consciência pessoal, da força e capacidade profunda da própria ingenuidade, ignorando-lhe a potência criadora. Considerava raros os ingénuos que persistiam para não abandonar a ingenuidade, iludidos na facilitação que designou por "esperteza saloia" 67. O conceito de ingenuidade em Almada Negreiros predomina como condição, capacidade vivencial — princípio antropológico — que proporciona a criação poética — evoluindo como princípio estético e poético. O elogia da ingenuidade referia-se primeiro ao Poeta, enquanto ser humano privilegiado à sua posse e exercício, à semelhança do posicionamento de Schiller. Acertava-se pela concepção de Poesia, que o poeta alemão sempre manteve — reafirmada na Poesia Ingénua e Sentimental e anteriormente expressa nas 66Idem,

ibidem, p. 11 A esperteza saloia representa bem a lição que sofre aquele que não confiou afinal em si mesmo, que desconfiou de si próprio, que se permitiu servir de malícia, a qual como toda a espécie de malícia não perdoa exactamente ao próprio que a foi buscar. Em português a malícia diz-se exactamente por estas palavras: esperteza saloia. "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 67

25 Cartas de Educação Estética. Seguia como directriz ética, a aceitação da tarefa primordial e legítima do poeta que exprimia nas suas palavras a humanidade, congruente com o seu conteúdo pleno e perfeição ideal. 68 As afirmações relativas à dimensão ideal da poesia implicam um conceito de Beleza idealizada, que em Schiller, à semelhança de Almada, está imbuído do compromisso com a Humanidade: "Pela Beleza o homem é conduzido à forma e ao pensamento; pela Beleza o homem espiritual é reconduzido à matéria e recupera o mundo sensível."69 Embora sejam evidentes os tópicos proposicionais, relativos a ambas concepções de Poesia, e considerando as diferenças constitutivas, verifica-se, segundo Schiller, existir "un concept supérieur qui les embrasse toutes deux, et on ne s’étonne nullement que ce concept se confonde avec l’Idée d’hummanité."70 No fundo, trata-se sempre — de outra forma não poderia ser —, de duas formas de humanidade diferentes, que tomam formas poéticas específicas, relativamente à expressão de uma mesma humanidade. A Beleza cria, efectivamente, no homem um estado intermédio, onde os dois pólos oposicionais — vida física e inteligência — deixam de confrontar-se em sentidos contrários, resolvendo-se em harmonia.71 A mesma ideia, idêntica predisposição se revela no pensamento almadiano, quando entende que, enquanto criadores, a acção dos poetas, ou melhor, dos criadores, deverse-ia realizar em estado de ingenuidade. A concepção de Almada sobre a ingenuidade, segundo estes termos, insere-se na ordem genésica, tomada como propiciadora da criatividade intuitiva, única e verdadeira, porque emergindo no poeta-homem em estado "natural". Neste sentido, em Almada, a ingenuidade — como concretização generalizada — seria utopia, nomeadamente, se confrontada com a intenção 68"...

o conceito de poesia não é outro senão a faculdade de dar à humanidade a sua expressão mais completa posssível..." Cf. Poesia Ingénua e Poesia Sentimental, 2º artigo "Os Poetas Sentimentais", p. 129. 69Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta XVIII, p.89. A definição do conceito é diferente, consoante estava afecta ao primeiro estado do poeta — de simplicidade natural —, ou ao segundo, o determinado pela cultura. No primeiro caso, a imitação mais completa possível é o intuito expressional desejado, na medida em que se adequa o estado do poeta, pois ele próprio está em harmonia com a natureza, é em verdade. Quanto ao segundo caso, considerando que a cooperação harmoniosa da sua natureza era apenas ideia, então procurava-se a elevação da realidade ao ideal, ou seja, era a representação do ideal que devia ser substância do próprio poeta. Cf. op. cit., pp.129-131 70Schiller, "Os Poetas Sentimentais", op. cit., p.131 71De acordo com a leitura que se faz de Schiller nas Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, "A beleza deve unir os dois estados opostos, suspendendo assim o antagonismo entre ambos. A essência da beleza é a liberdade, entendida como sentido harmonioso das leis, e suprema necessidade interior. Por meio da beleza, o homem é conduzido à forma e ao pensamento; é reconduzido à matéria e recupera o mundo sensível. A beleza liga os dois estados opostos que nunca se podem unir. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da “formação de gosto”, Revista Portuguesa de Filosofia — Filosofia e Educação II, Janeiro-Junho - Tomo XLIX, 1993, Fascs. 1-2.

26 intrínseca que o poeta devia cumprir. Ingenuidade assim, seria apenas caso de alguns, e não de todos os poetas. Para que todos os outros acedessem à unidade pessoal individual, haveria que passar pela via intersubjectiva e pela via evocativa (e recuperadora) da ingenuidade como consciência, como percepção imanente, não necessariamente como estado permanente. Em Almada, a revitalização do estado de ingenuidade, força única para a unidade, era condição indispensável para a criação poética, surgindo com propósito e instinto gerados em liberdade, alcançando proporções últimas, para a constituição existencial do próprio homem. 72 No significado mais profundo, a "ingenuidade" é a:"...força vital de puro sentido poético, origem e sangue da própria luz, terrível e bela como tudo o que vive" 73 e, portanto, "representa em si o estado de pureza em que é possível a Poesia".74 De acordo com a directriz moralizante de Almada, a definição, suficientemente reveladora para o público, do conceito de "ingenuidade" revelou-se problema de valor gnoseológico, contextualizador do poético 75, com implicações éticas irrevogáveis. Constituiu-se em modalidade de conhecimento, não das coisas e do mundo, entendido apenas como abstractamente objectivado, respectivamente, nas próprias coisas e no mundo, mas em ambos, como indicadores intrínsecos da pertença do homem a si mesmo, no mundo, veiculados pelo poder da palavra, pelo poder do nomear — situação centrípeta em Nome de Guerra.76 No domínio antropológico, um conhecimento de ordem tão profunda passava necessariamente pela condição sensível — e emocional — disponível, que 72"Aquele

que nasceu livre não ignora nem combate os preconceitos, não perde o seu tempo com estas realidades forçosas dos outros, e pelo contrário, esclarece a sua própria ingenuidade, torna-a simpatia ou repulsa, amor ou ódio, e, com ingenuidade, com simpatia e com amor, com repulsa e com ódio, constrói realidade poética, essa a cuja luz nenhuma outra realidade resiste." "O elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.149 73Idem, ibidem, p.118 74Idem, ibidem, p.124. Como considera Celina Silva: "Impõe-se um estado, vivência específica, busca construtiva, onde a cada momento o processo de eclosão da linguagem no seu devir primeiro e último de poesia se cumpre." Cf. "Rotas e posturas em demanda da ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.177 75Em Jacques Maritain a propósito da "inocência" de Dante, refere que "La naïveté bénie de Dante est si profonde que — au niveau pré-conscient de la créativité, dans les plus profonds recès nocturnes de l'intuition poétique — il croît réellement à cette unique et multiple identité. Sans cette croyance centrale toute sa poèsie l'aurait quitté." Parece não ser abuso de reflexão, dizer que a ingenuidade é o estado privilegiado da intuição criadora, o que articula com as considerações fundamentais de Almada acima desenvolvidas. Cf. op. cit., p.356 76Cf. Ellen Sapega, Ficções Modernistas — um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, quando considera que a "arbitrariedade do nome" é um problema de identidade, face às representações sociais que são impostas. No nascimento de um novo ser físico, exige-se-lhe a denominação, a atribuição de um nome, ideia expressa aliás pelo próprio Almada em Nome de Guerra: "As pessoas põem nomes a tudo e a si próprias", título do 1º Capítulo do romance, o que evidencia bem a importância que lhe reconhecia. Cf. Sapega, op. cit., p. 102

27 somente a ingenuidade proporciona e revela para fora, na linguagem da poesia: "Porque na ingenuidade tudo é de ordem emocional. Tudo. O que não acontece com as outras espécies do conhecimento onde tudo é de ordem do intelectual."77 A força da ingenuidade baseada nas forças da ignorância — algo profundamente íntimo e individual —, resolvia a falta de conhecimento com as potencialidades do "instinto de inteligência", como o denominou Fernando Pessoa78; a ingenuidade configurava-se memória íntima, constituída essência poética. Este tipo de conhecimento pertencia ao património colectivo, opondo-se ao exclusivamente instintivo e intuitivo — propriedades individuais, pelo que Almada distinguiu este do conhecimento afecto ao estado de ingenuidade. Acentua-o, exclusivamente de ordem emocional, e compreende a articulação desse conhecimento na ordem do afectivo (leia-se "emocional") com "...as pontas de meada intelectual"79, que possibilitam a verdadeira criação poética e artística, pois: "...o essencial no emocional é expressar-se. É então quando vem a Arte para servir o seu único fim: o Homem."80 A ingenuidade — na ordem do instintivo e do intuitivo — "apreende imediatamente o objecto, a inteligência, mediante um processo lento de análise, retarda-lhe a apreensão."81 Pelo que será o estado e o conhecimento mais adequados para que a força da Arte revele a vida, sendo um processo intelectual e um conhecimento em estado de recepção. O conhecimento dito intelectual não devia assumir-se como oposto, mas ao serviço exclusivamente, por natureza, do emocional, ideia que Almada salvaguardou, atribuindo ao "ingénuo" faculdades próprias de conhecimento, as quais, ainda que anteriores à consciência, definiam "agora para depois os seus mundos privados do inteligível e do sensível. E, estas faculdades 77"O

elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 Pessoa aborda esta concepção num fragmento datado de 1932 sobre "Goethe" ao considerar que: "O Homem de génio é um intuitivo que se serve da inteligência para exprimir as sensações." Nesse mesmo excerto Pessoa compara a criação do génio a um processo alquímico, o que se concilia com a dimensão esotérica preponderante em Almada: "O génio é uma alquimia. O processo alquímico é quadruplo: 1) putrefacção; 2) albação; 3) rubificação; 4) sublimação. Deixam-se, primeiro, apodrecer as sensações; depois de mortas embranquecem-se com a memória; em seguida rubificam-se com a imaginação; finalmente se sublimam pela expressão." Cf. Obras em Prosa, p.269 79 "O elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 80Idem, ibidem, p.126. Quanto ao próprio tom do discurso de Almada Negreiros, por si representante das teorizações acerca da força constitutiva da ingenuidade na poesia, Jorge de Sena in "Almada Negreiros Poeta" evidencia como "uma característica profunda da linguagem de Almada Negreiros, que é a de uma simplificação no sentido, não dum primitivismo propriamente, mas do que nós poderíamos dizer duma sofisticação da sua simplicidade. É na simplicidade, extremamente sofisticada, em que as coisas profundas parecem ditas sempre por acaso." Cf. p.227. 81Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.40. O conhecimento intuitivo, baseando-se no instinto, possui um "carácter imediato, compreensivo da totalidade do objecto a que se volte, de cuja essência tende facilmente a inteirar-se; a inteligência, por ser analítica, tende a afastar-se dessa essência pela multiplicação dos aspectos ligados à causalidade do objecto cognoscível." CF. op. cit., p.39 78Fernando

28 próprias de conhecimento inato do "ingénuo" seriam actos de crença revelada e não comunicada por outrém."82 Da cumplicidade entre o intelectual e o emocional, nasceu a categoria estética de Graça, palavra latina que tem tanto de poético, quanto de sagrado. A Graça estava por excelência na ingenuidade, permitindo a assunção pessoal ao indivíduo: "A Graça é pura essência emocional sem nenhuma cicatriz intelectual. A Graça é a chegada triunfal do conhecimento ao Homem determinado. É o prémio do esperar. É a transfiguração do indivíduo em pessoa."83 A supremacia da ingenuidade como categoria estética por excelência, transfigurada em Graça, mesmo em Sublime, implícita em Almada, concorda com Schiller, quando o poeta alemão afirmava propiciar os pensamentos mais profundos, visionários e divinos nos "génios", à semelhança dos expressos na inocência da criança: La mentalité naïve entraîne nécessairement aussi un langage de paroles et de gestes qui est naïf lui aussi et qui est l’élément essentiel de la Grâce.84

Schiller, a propósito da noção de graça colocou, basicamente, a questão da autenticidade na expressão, ao considerar que o entendimento ministrado pelo ensino, na escola, às crianças, "parce qu’il redoute toujours l’erreur, encloue ses paroles comme ses concepts sur la croix de la grammaire et de la logique."85. Então, contrapõe a este tipo de procedimento formal para o entendimento, a atitude e conhecimento — pela via da expressão —, do génio que "d’un seul coup de pinceau heureux donne à sa pensée un contour à jamais précis, ferme et pourtant tout à fait libre." 86 Entendida como conhecimento de ordem emocional 87 e no domínio do intelectual, a ingenuidade encontra-se na síntese, na unidade que incentiva a

82"Mito-alegoria-símbolo",

Ver, p.272 elogia da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.126 84Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.87 85idem, ibidem, p.87. A ingenuidade é um estado que promove uma atitude de autenticidade, na ordem do espontâneo, revertendo a sua expressão em termos efectivamente tradutores da vivência que se pretende transmitir através, neste caso, da palavra por aferição ao objecto/conceito a expressar. Trata-se, portanto, de uma via de conhecimento afecta a uma ordem outra, em que predomina a expressão primordial de quem exprime. 86Enquanto no primeiro caso, o signo permanece eternamente heterogéneo e estranho à coisa significada, no segundo, a linguagem jorra do pensamento, por necessidade interior. O signo identifica-se tão intrinsecamente com a coisa significada que "mesmo sob o seu invólucro material, o espírito aparece a nu." Idem, ibidem, pp.87-89 87Confronte-se a posição de Celina Silva a propósito, que envereda, necessariamente, pela mesma acepção: "O conceito de Ingenuidade, lúcido e voluntário estado vivencial, adquire uma dimensão mito-poética onde a 83"O

29 expressão da individualidade, naqueles que não poetas. A ingenuidade é segredo de cada um, pertença da sua verdadeira idade, seja ela qual for:"...é o seu próprio sentimento livre, é a alma do nosso corpo, é a própria luz de toda a nossa resistência moral."88 Um conhecimento que, como também Almada sempre o promoveu e anunciou para si e para os outros, não precisa de seguir determinismos formais — em termos de ensino —, nem qualquer sujeição à regulação do pensamento em moldes convencionais. É um conhecimento, por excelência, no domínio da "aiesthésis", no sentido originário, entendido como proveniente de um campo profundo, do próprio sujeito que exprime em convicção e consentaneidade de pensamento, sensação e expressão. Privilegiados para o exprimir eram os génios, os poetas, porque propensos a recuperar a atitude, vivência — erlebnis — mais comum na infância. 1.5.3. O estádio estético e o estado de ingenuidade A recuperação, no entender de David Mourão-Ferreira, teria não tanto uma intenção e concretização regressivas — um regresso, ou retorno —, mas uma dimensão prospectiva, pelo que o "primitivismo" proclamado por Almada, caso de "Pierrot e Arlequim", (e a propósito das esculturas de Rodin), se situava — por analogia ao escultor —, na "...nossa época em que a humanidade abre caminho para uma nova idade da qual nós seremos os primitivos."89 Almada reafirmou em 1924, a convicção do caminho pela experiência de um estado de "primitivismo" possuidor, em termos epistemológicos, de nítida afinidade à definição do estádio estético em Schiller nas Cartas de Educação Estética. Ideia que se coadunaria ao posicionamento de David Mourão-Ferreira: "Tratava-se, portanto, de um "primitivismo" que não é "regresso", tão-pouco nostalgia da barbárie: antes travejamento e plataforma para um "humanismo" do futuro."90 Schiller atribuiu ao poeta a missão de educador da humanidade, a mais alta dignidade para a Arte. O poeta moderno só cumpriria essa missão, se ultrapassasse a perversão do estado civilizado e acedesse ao estado de ingenuidade. Assim, seria reintegrada no seio da humanidade, a totalidade primitiva — a inocência, a candura —, de que se afastara. O espírito poético imortal na humanidade só desapareceria, totalmente, se a própria espontaneidade, aliada à dádiva generosa, se institui via de conhecimento." Almada Negreiros — a busca poética da Ingenuidade, p.18 88"O elogio da ingenuidade, ou a esperteza saloia", p.150 89"Pierrot e Arlequim — Comentários", Teatro, p.66 90David Mourão-Ferreira, "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, p.141

30 humanidade se perdesse a si mesma, ideia concordante com a argumentação almadiana91 acerca, quer da condição intrínseca da humanidade, proporcionada pelo mito da queda — mítico-poética —, quer pela sua redenção em cada caso individual, pela reinvenção da ingenuidade. O poeta ingénuo de Schiller, que Almada accionou em si, ao inventar o protagonismo paradoxal de Antunes, teve de superar as vivências múltiplas que o desviavam da sua demanda. Assim, em Antunes, houve que escapar às armadilhas da própria ingenuidade, e não apenas à sua perda, de modo a alcançar "um dificílimo equilíbrio", embora Almada como criador "natural e espontâneo (...) em tudo quanto faz é sempre idêntico a si próprio." 92 No artista, havia que conciliar os termos constitutivos da realidade intrínseca ao humano, e retomar as formas utópicas dessa mesma humanidade, via possível pela criação da poesia.93 À semelhança da génese divina, o poeta ingénuo sustentava a sua obra nas profundezas da necessidade interior, enquanto criador, "Il est l’oeuvre et l’oeuvre c’est lui"94, sem clivagens, dissidências ou opacidade. Schiller tomou para paradigma do poeta naïf, o exemplo dos primeiros poetas gregos, fazendo corresponder a sua época ao dos poemas homéricos. A preocupação pela formulação da verdade, vinculada na obra de Homero — pese embora as mitificações que se lhe reconhecem —, era demonstrativa de um indivíduo que viveu nesse estado de natureza, a que Schiller se referiu, como já anteriormente Giambattista Vico o fizera, e como Almada lhe reconheceu ser personalidade. Nele, por analogia ao que sucedia com o génio, e seguindo as palavras de Schiller, "dans les oeuvres de son esprit, l’innocence du coeur dans les relations de la s’exprime librement et naturellement."95 91Verifica-se,

portanto a afinidade com a posição de Schiller, na medida em que a nostalgia da humanidade perdida, nunca seria recuperada como outrora fora, nem o poeta voltaria a ser exactamente o mesmo tipo de poeta naïf, embora se pretendesse novamente o pintor do mundo ideal, assumindo o seu instinto forte e indestrutível — o instinto moral que o faz sempre retornar à natureza. Segundo Anatol Rosenfeld no Prefácio à versão brasileira de Cartas sobre educação estética, "Há uma circularidade ou espiralidade da coreografia conceitual que transforma retrocesso em progresso. O retôrno à natureza, como vimos, já não se refere à mesma natureza original, visto que no caminho foram percorridas todas as fâses da consciência. Já não se trata daquela natureza com que o homem físico começa e sim daquela com que o homem moral termina." Cf. p.23 92Idem, ibidem, p.141 93"A Poética da Ingenuidade consigna-se procura, reflexão vivida acerca do verbal encarado enquanto experiência e perseguido em experimentação;(...)" Celina Silva, Almada Negreiros — a busca poética da Ingenuidade, p.18. Cf. a ideia de Schiller, expressa por Robert Leroux: “O poeta naïf é um poeta realista que, envolvido por uma humanidade perfeita, mais não tem do que reproduzí-la, para ser, ao mesmo tempo que realista, o pintor de um mundo ideal; é, portanto, a seu modo, idealista também.” Cf. op. cit., p.15 94Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.105. 95Idem, ibidem, p.89

31 Constatam-se alguns aspectos que urgem sublinhar: em Schiller, pelo menos aparentemente, o civilizado opondo-se ao natural, tomou proporções que desvirtuaram o estado natural do homem, retirando-lhe as condições de ingenuidade. Em Almada: "Antiga e "ingénua", eis como nascera toda a civilização e toda a religião. E "Creta é mãe de toda civilização e de toda religião em terra grega.""96 O início da civilização na perspectiva de Almada coincide precisamente com o primado da ingenuidade a que Schiller se referiu: nesse momento da humanidade o homem tomou conta de si mesmo para começar a deteriorar o seu estado, embora, os gregos dos primórdios civilizacionais tenham sabido evitar essa derrocada. Precisamente em MitoAlegoria-Símbolo, Almada cita Schiller, na versão que se transcreve: "Os gregos não ocuparam a imaginação senão em reencontrar a relação humana na natureza inanimada (em oposição ao homem) e em emprestar uma vontade lá onde reina a cega necessidade", diz Schiller na Poesia Ingénua .97

E, continuava Almada as suas reflexões, referindo-se ao facto de, nas palavras de Schiller se manifestarem ambas as palavras do logos e do mythos, "pois o antropomorfismo foi modo da ficção pôr humanos por divindades em oposição à vontade do homem."98 Neste sentido, são da maior pertinência as considerações de Celina Silva, ao acentuar que "A Ingenuidade, procurada e concretizada mediante o seu buscar textualizador, corporiza uma cosmovisão mito-poética de raiz romântica(...)."99 É, precisamente, nessa conciliação em que o ingénuo incorpora constitutivamente logos e mythos ,que se configura a acepção substantiva de Almada, entendendo-se a civilização emergente, em estado de ingenuidade, impoluto de artificiosismo e opacidades ocultadoras do ser primordial, da essência que é o acto poético — verdadeira poiésis : "...a mesma antiga substância "ingénua" que torna possíveis todas as sabedorias nos tempos.(...) [a] mesma antiga substância e que permaneceu "ingénua" 96"Mito-Alegoria-Símbolo",

Ver, p.247; saliente-se que a frase que inicia por "Creta é mãe...", se apresenta entre aspas no texto do próprio Almada, com indicação de nota 2), embora a referência de citação não forneça elementos quanto à proveniência de autor citado por Almada, pois tem o conteúdo que segue: "Citação actual (?)". 97Idem, ibidem, p.248. Confrontando a versão francesa de Poèsie Naïve et Poèsie Sentimentale atenda-se à tradução realizada por Robert Leroux do excerto que Almada cita de forma livre:"...l'imagination des Grecs est tout au contraire occupée à faire commencer la nature humaine dans le monde inanimé déjà et à concéder de l'influence à la volonté dans un monde où règne une aveugle nécessité". Cf. "Du Naïf", p.99 98"Mito, Alegoria, Símbolo", Ver, p.248 99Celina Silva, "Rotas e posturas em demanda da Ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.173

32 através de conquistadas sabedorias poética e reflectida." 100 E na praxis da sua poesia — acto de criação — Almada usou a sabedoria da ingenuidade: "... perdido que foi o instante da presença irrepetível a que Heráclito sabia luar imprevisível inaudita claridade o despertar-nos à Luz ingenuidade sagrada lúcida ingenuidade realidade querida espectáculo podido guardado inteiro em ovo eterno secreto novo..."101

Na intimidade do mundo, em que existiram os gregos dos tempos homéricos, na plena pertença à natureza que os homens dispunham, entre "celui qui existe par lui-même et celui qui existe par l’art et par la volonté humaine" 102, não havia diferença, por causa do amor que, utopicamente, Schiller considerava, todos votavam à natureza. Embora privilegiando a ingenuidade como categoria estética — pela via antropológica —, na sua teorização, Almada conciliou-a ao pensamento grego posterior, revelado nos ensinamentos, nomeadamente, acusmáticos dos pitagóricos, e estes princípios fundadores transmitidos nas considerações platónicas e aristotélicas. Contudo, de Schiller, Almada reteve a consciência 100"Mito,

Alegoria, Símbolo", Ver, p.247. Atenda-se à distinção explicitada por Almada entre ingenuidade inicial e ingenuidade reflectida, que correspondem respectivamente à sabedoria poética e à sabedoria reflectida, quando a propósito dos monumentos dóricos e jónicos, os toma como emblemas de uma e outra, na matriz da arquitectura grega:"...Desde séculos que nos monumentos dórico e jónico já estava também o "tentado e construído", o "edificado", o "realizado", mas o "encontrado" foi resvés ao oráculo de Delfos, e "no centro da Grécia", no sopé do Parnaso, no fim ao lado do início, precisamente como o fechar do SISTEMA com a ingenuidade reflectida, recuperando a ingenuidade inicial." Cf. Almada Negreiros, Ver, "Dórico, cânone da ingenuidade", p.202. 101"Presença", Separata de Bicornio, Abril 1952, p.7. Esta ideia do ovo como receptáculo do ser pessoal, fonte de origem individual no mundo, relaciona-se com uma das acepções dominantes na tradição hermética, sendo considerado como "ovo órfico", termo aliás empregue por Almada Negreiros no excerto "A Lira, primado da vista, primado da Luz", in Ver, cf. pp.164 e 165. Ao referir-se à remota origem da inseparabilidade do sagrado e sensível representada na "lira" de Apolo, (as 8 cordas correspondem aos quatro engendradores, dois do sagrado e dois do sensível, pressupondo dois engendradores anteriores para cada — o que soma 8), designa-a como "ovo órfico", "o ovo do Universo", "a Génesis do Universo". "Orpheu não confia no seu presente que é Euridice e fica com o anterior à sua engendração, o ovo órfico."(p.164) Segundo o Dictionnaire des Symboles, para os órficos, adeptos do renascimento, retorno periódico à existência, era proíbido comer ovos, na medida em que estes costumavam ser oferecidos aos mortos como alimento, como penhor para o renascimento. O ovo ligaria a vida na terra ao ciclo dos renascimentos, de que a vida tenderia a escapar-se, confirmando-se assim a significação fundamental do ovo como mágico, da origem da vida na terra. Cf. op. cit., pp.689-692. 102Schiller, Poésie Naïve et Poésie Sentimentale, "Du Naïf", p.97. Cf. a mesma ideia em Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta VI, p.46

33 da extensão — e direito de expansão —, e da autenticidade deste pensamento "ingénuo"103, acedendo ao conhecimento supremo, reconheceu o aviso das fronteiras onde terminava, quando passava a ser divagação cada vez mais afastada do cânone substancial. O que Schiller pretendia atingir, na sua análise da história da humanidade, à luz do conceito de ingenuidade era um novo "estado natural", onde todo o desenvolvimento espiritual e moral estivessem contidos, um estado de conciliação dos opostos, pois "Como o alquimista, é pela dissolução que o filósofo encontra a unidade, é pelo martírio do raciocínio técnico que encontra a obra da natureza espontânea."104 Nas Cartas, Schiller estabeleceu a evolução da humanidade, que trazia o homem do estado físico até ao estado moral, passando pelo estado estético, que seria um estado transitório, intermediário. A definição do estado estético, relativamente ao estabelecimento das três idades — numa abordagem afecta à filosofia da história —, está explícita na Carta III105, tendo sido o carácter utópico do seu conceito de educação estética muito criticado, "assim como a tendência apologética visível nas Cartas que, de certa forma, pregam a resignação em face de um estado de cousas violentamente criticado e recomendam que se suporte o que o próprio Schiller julga detestável." 106 Verifica-se que, ao longo das Cartas, o seu pensamento sofreu algumas inflexões, que o levaram a reconsiderar a natureza e extensão do estado estético, conferindo-lhe a substância de fim último, até que surgisse o "homem estético", esse ideal absoluto, senhor do estado lúdico, único, em que o homem seria íntegro e verdadeiramente homem. Como sublinha Rosenfeld, o homem seria ele próprio uma obra-de-arte, tomaria a forma de uma verdadeira obra-de-arte, pois resultaria das novas conquistas do caminho percorrido pela humanidade até à assunção do homem estético. A proximidade à atitude enraizada em Almada é manifesta, promotora da unidade como resultante da síntese conciliatória entre termos, tradicionalmente, oposicionais. A superação da dicotomia, a procura 103"A

intuição ingénua, neste poeta moderno [Schiller], não pode deixar de referir-se à ideia." Prefácio de Anatol Rosenfeld à versão brasileira de Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, p.12. 104Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta I, p.34 105O estado estético seria "um terceiro caráter, aparentado com os outros dois, que estabelecesse a ponte do domínio das simples forças para o das leis, e que, longe de impedir a evolução do caráter moral, desse à moralidade invisível o penhor dos sentidos."Schiller, Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, Carta III, p.39 106Anatol Rosenfeld, Prefácio a Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade, p.22

34 incessante da conciliação, no âmbito da sua estética antropológica manifestase também nos termos com que define a ingenuidade, enquanto directriz intrínseca, que constitui a via de criação do poeta, do artista. A utopia estética, ânsia dominadora, sob a qual o pensamento de Almada foi elaborado, representava a superação exigida ao homem/poeta, restabelecendo-se, em si, a humanidade perfeita e una (integra) que fora desfeita pelos "dilaceramentos da civilização especializada". O estado estético da humanidade, no contexto da filosofia da história, situava-se como meta última e primeira; era a utopia estética que se anunciava a partir da evolução do filósofo alemão, ao longo das suas Cartas sobre Educação Estética.107 No estado estético de Schiller, como na superação pela ingenuidade da cisão da personalidade em Almada, a ingenuidade renascida domina a nova ordem de conhecimento, concebido pela criação; seria a fonte da completude e unidade do homem que cumprida a educação estética, essa suprema via para a redenção da humanidade, traria uma nova salvação. A educação estética significa em Almada o verdadeiro conhecimento encontrado, pois apenas saber "é pouca coisa para quem conhece. O saber desencanta o mistério. O conhecimento vive cara-a-cara com o mistério."108 A educação estética é domínio em que o conhecimento verdadeiro é "a ingenuidade, e esta não serve a quem busque saber. A ingenuidade é o resultado de nos termos abandonado asceticamente à nossa simpatia. É por simpatia que surgem as faculdades mágicas do mistério exactamente em Nós."109 1.5.4. Conclusão O equacionamento da "ingenuidade" como categoria estética, e via privilegiadora do poético, concerta-se com a funcionalidade artística do conceito no pensamento europeu ocidental, ao tempo inaugural da modernidade, momento em que a emergente consciência do moderno se 107As

grandes preocupações estéticas, expressas por Schiller nas Cartas, têm a ver com o comportamento estético do homem, entendido como colmatar de toda a sua actuação psicossocial e política. "A luta travada ao longo das vinte e sete Cartas transcorre entre o “ser físico” e o “ser moral” e apenas se poderá resolver num terceiro ser, espécie de intermediário, que denomina precisamente por “ser estético”. A natureza deste terceiro ser é contudo transitória, uma vez que se deve compreender como uma etapa de passagem do ser físico (sensível) para o ser moral (espiritual)." Cf. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da “formação de gosto”, Revista Portuguesa de Filosofia — Filosofia e Educação II, Janeiro-Junho - Tomo XLIX, 1993, Fascs. 1-2. 108"Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, p.39 109Idem, ibidem, p.39

35 manifestou por um duplo impulso: por um lado, um movimento retrospectivo em direcção à origem, por outro, a procura do futuro, ou seja, traduziu-se na vontade de regresso ao primitivo e na construção do progresso científico. Em termos críticos, a oposição entre ambas direcções, entre ambas as tendências é apenas relativa em aparência, "pués también el deseo de retorno se orienta hacía el porvenir"110, comungando o intuito de romper com a continuidade da tradição estabelecida, ignorando as suas regras, de modo a estipular um novo começo. O primado do retorno — diligências e deliberação nesse sentido —, da reinvenção dos valores primitivos e inocentes, manteve-se — na sua forma dialéctica —, por sucessivas ideologias estéticas e críticas, ocorrendo também no domínio das artes, estendendo-se assim às primeiras décadas do século XX. A ingenuidade foi uma exigência da modernidade que Almada tomou, a partir das suas próprias predisposições, "apoiado no seu mito pessoal, transfigurá-lo-á em invenção de modernidade enquanto vontade de origem e originalidade, já anunciada e inscrita, por Rimbaud e Nietzsche, na dinâmica da cultura europeia.111 O estado de ingenuidade, conatural ao homem deveria ser "efectivado", segundo se pode presumir, dadas as circunstâncias realizadoras susceptíveis de superar os fenómenos a desenrolar. Ao referir-se ao estado de ingenuidade como estado natural ao homem, não reflectiu apenas sobre o conceito em abstracto, mas nas repercussões sentidas na realidade, manifestas (ou latentes) nos fenómenos vividos por cada um, cumprindo o sentido do colectivo e recuperando a unidade pessoal no mundo. 112 A poética da ingenuidade em Almada "radica na procura, em si mesma constituinte e constitutiva, de um modo de se situar no universo, de ser o próprio através da arte; instauração de um eu pleno, institui-se na concomitância da prática do poético."113 O contexto artístico em que Almada recuperou a definição antropológica da ingenuidade, propunha-se resposta contra o procedimento sistemático dos artifícios da Arte académica, institucionalizado através das regras e normas estilísticas, mas sobretudo imposto pelos condicionamentos sociopolíticos da época (referência aqui às duas primeiras décadas do século). Nesta 110Guillermo

Solana, "Crítica y Modernidad", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.322 111Eduardo Lourenço, "Almada, ensaísta?", Almada — Actas do Colóquio "Almada" , p.80 112 O destino pessoal é individual, assim "como são individuais todos os berços na Natureza." Cf. "Dórico, Cânone da Ingenuidade", Ver, p.200 113Celina Silva, "Rotas e posturas em demanda da ingenuidade — do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, vol. IX, 1992, p.174

36 perspectiva, o decisivo investimento pessoal que competiu aos protagonistas no Modernismo — Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal e outros — assumido perante uma sociedade portuguesa "leptidóptera", pouco propensa a alterações, achou-se na "ingenuidade" comportamental — como utopia — das blagues e performances dos protagonistas, num período em que o escândalo antecedia um relativo e posterior sucesso!

2. Estética Artística 2.0. Introdução A arte emergente nos primeiros anos do século XX, em Portugal, (à semelhança do que também sucedia no resto da Europa), suscitava complexidade em termos de recepção, quer a nível de interpretação, quer de apreciação axiológica — nomeadamente, exigia uma formação artística e conhecimento estético suficientes para a devida contextualização cultural. Ao adoptar novas linguagens poéticas e plásticas, preteriu modelos instituídos e avançou para valores que transcendiam os limites do reconhecível, habitualmente apresentado nos domínios da criação artística. As enunciações ou especulações teóricas, pretendiam conferir legitimidade estética — poética e/ou artística — às obras realizadas, missão inteligente partilhada por Pessoa e Almada, entre as doutrinas mais consistentes da época. O teor elitista, equacionador das doutrinas, o hermetismo de linguagem, ou pelo menos, a requintada elaboração de pensamento, sobretudo no caso da estética pessoana, restringia a compreensão dos novos desígnios criativos. A assunção pública e a autoconsciência, por parte dos protagonistas mais destacados, de uma axiologia de exigência extrema, quer nos discursos, quer nas produções, foram proclamadas por Pessoa quando sintetizou a intenção estética comum: "Em Arte tudo é lícito desde que seja superior."114

114Fernando

Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p.130. Brevemente pretendem-se expor os termos mais abrangentes que orientaram uma das concepções subjacente na estética pessoana, justificada a sua enunciação, pela intenção, pela sua acção sustentadora achada nas reflexões de Almada, ao procurar uma afirmação pessoal na Arte, pela Arte, transcendendo a subjectividade como limite e restrição à vida e à humanidade.

37 A arte que Fernando Pessoa propugnava, confrontando-se pelo exercício e transfiguração criativos, subsumida na teorização explicitada, manifestava afinidade com a concepção de Ortega y Gasset, denominada por "deshumanização da arte".115 Ortega considerava a arte moderna uma arte impopular por essência, mesmo antipopular, pois dirigida a um grupo exclusivo, vedada ao público que não sabia — ou podia — entendê-la 116; por outro lado, denunciava o facto das criações artísticas modernas serem concebidas sem intuito valorizador do humano, contrariando qualquer propósito associado a valores éticos e antropológicos evidenciados. Relativamente a esta crítica, focada no papel deshumanizador da arte, já se marcava a distância em relação ao posicionamento pessoano que não se reconheceria certamente nela, na medida em que "elevação" não significava desprendimento dos valores, antes exigência realizadora do próprio homem e da vida. A classificação das artes estabelecida por Fernando Pessoa supunha três tipos/níveis de arte: arte de entreter, arte de embelezar e arte de elevar. Níveis que tendiam para a afirmação elitista da arte: elevar era a finalidade suprema, o mais nobre e último objectivo da arte que ultrapassava o "entreter" e o "embelezar".117 A arte que elevasse, porque suprema, era profundamente triste, e pretendia "libertar", embora devendo agradar, entreter e elevar superiormente: "A Libertação é uma elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos."118 A concretização artística ambicionada, respondeu ao impulso inovador: "A nossa arte é supremamente aristocrática, ainda, porque uma arte aristocrática se torna necessária neste outono da civilização europeia,..." 119 A ideia de uma arte superior que contrariasse a facilitação e a vulgaridade do nível intelectual predominou nas décadas vanguardistas, imbuídas de altos propósitos, procurando um culto requintado de conceitos e intencionalidades a impor. A arte expunha uma existência e uma missão muito concretas, a cumprir: "Aquilo a que se chama arte moderna, aquilo que é por enquanto a arte moderna, é apenas o princípio de uma arte - ou antes, a transição entre 115Cf.

La Deshumanización del Arte, El Arquero, Madrid, pp.16-30 minha perspectiva, a característica desta arte nova, no ponto de vista sociológico, é que divide o público em duas classes: os que a entendem e os que não a entendem. (...) A arte nova não é para toda a gente, como o romântico, mas sim se dirige a uma minoria especialmente dotada.(...)" Ortega y Gasset, op. cit., p.16 117Cf. Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, pp.123-124 e p.139; e T.C.I., p.279 118Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p.30 119Idem, ibidem, p.159 116"Na

38 dois estádios da evolução civilizacional: Entre o chamado Romantismo e a arte que vai agora caminhando rapidamente para o seu auge."120 Na acepção estética de Fernando Pessoa, o fundamento teórico ao processo artístico transposto nas artes ditas de "elevar" 121 foi acompanhado, simultaneamente, da progressiva ascensão para o domínio abstracto. Contudo, toda a arte, por mais que se elevasse, não podia desprender-se, desligar-se do entendimento, da sensibilidade, pois era a partir destas capacidades do ser humano que tinha a sua própria origem. Assim, as artes quanto mais superiores, mais tendiam, consequentemente, à abstracção — música, literatura, filosofia — visando um máximo aperfeiçoamento, um desprendimento do concreto/real, e o maior aprofundamento, pois abstracção era sinónimo de revelação. Naturalmente as artes deviam orientar-se para a abstracção, propondo-se elevar, embora a elevação fosse produzir uma arte "triste": "...elevar é deshumanizar, e o homem não se sente feliz onde não se sente já homem. É certo que a grande arte é humana; o homem porém, é mais humano que ela. Ainda por outra via, a grande arte nos entristece." 122 Destaca-se no discurso estético pessoano, a dualidade/binómio concretoabstracto: duas componentes necessárias procuram a conjugação que permite a execução da obra, numa interferência mútua, em que as dimensões do objectivo e do subjectivo se enfrentam. A arte, enquanto produto de uma criatividade pessoal, expressa na obra a sua identidade; deve, contudo, ultrapassar a singularidade/particularidade de raiz originária, de modo a atingir a sua extensão/expansão a todas as possíveis individualidades, sendo "transpessoal", mais do que "impessoal": Tem a arte, para nascer de ser de um individuo; para não morrer, que ser como estranha a ele. Deve nascer no individuo per, que não em, o que ele tem de individual. No artista nato, a sensibilidade, subjectiva e pessoal é, ao sê-lo, objectiva e impessoal também.(...)123 120Idem,

ibidem, p.159 conceito de 'elevação', articula-se com os de abstracção e beleza. E por 'elevação', se pode entender a possibilidade de concretizar o sentido último, mesmo o urgente despojamento, e sequencial/progressiva simplificação interna-externa de palavras, frases, volumes e formas, que conduz à essencialidade abstracta da visualização do mundo 'concreto', na interacção onírica e inconsciente: "Três são os elementos abstractos que pode haver em qualquer arte, e que podem portanto nela sobressair: a ordenação lógica do todo em suas partes, o conhecimento objectivo da matéria, e a excedência nela de um pensamento abstracto." Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, pp.228 e ss. 122Idem, Textos de Crítica e Intervenção, p.144 123Idem, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literária, p. 141. Confronte-se esta ideia com a perspectiva de Almada, provavelmente influenciada pela máxima de Francisco de Holanda: "Não s'aprende o pintar, mas nasce." Da Pintura Antiga, p.375 121O

39 As novas tendências vanguardistas, no Modernismo, rejeitavam a sensibilidade nos moldes anteriores, em prol de uma verdade e razão exclusivas, de necessidade sócio-cultural, perante um público que era multidão — na acepção atribuída por Almada ao termo —, embora, posteriormente, houvesse consciência crítica das transformações infligidas pela arte da modernidade: "Nessa estética particular do princípio do novo século pretende-se dar fim, por uma vez, àquela lentíssima demolição do mundo velho, e acto contínuo esquematizar o novo panorama de vida. Nessa estética paralisa-se momentaneamente todo o sentimento humano, e assim lhe parece forçoso ante a impossibilidade de fazer distinguir o sentimento velho do sentimento novo."124 Almada estava ciente de que, ao retirar a componente emocional à criação artístico-literária, se esvaziava a condição pessoal, do autor e do receptor, situação que teve de ser transcendida, criticando o radicalismo a que se tinha chegado alguns países da Europa em meados dos anos trinta, designadamente o desprezo que a colectividade manifestava e exercia sobre o indivíduo pessoal humano — "indivíduos apartados das suas próprias personalidades humanas."125 Quer teórica, quer artisticamente, à Arte na modernidade — e após o Modernismo — interessava o indivíduo humano como princípio humanista, expressa a sua relevância, através de modelos diferentes, aos veiculados no ensino artístico ou nas mentalidades mais conservadoras. A "aristocracia do espírito", como Almada a designava, nela incluindo os artistas e os autores em geral (os verdadeiros), deveria propugnar uma Arte que respeitasse a Vida, tomando o indivíduo humano como unidade superior para os seus desígnios criativos, conciliado com a sua pertença à humanidade e dela não se apartando. A tarefa de Almada traduziu-se numa dupla perspectiva: quanto à afirmação dos valores humanos integrando os princípios estéticos e artísticos, o que significou na sua perspectiva, precisamente, uma arte superior, promotora do conceito de pessoa; quanto ao estabelecimento de uma linguagem artística de valor e vigência universais, ultrapassada a singularidade pessoal das linguagens pessoais dos artistas, competência que o cubismo iniciara e o abstraccionsimo cumpria.126 124"Fundadores

da Idade-Nova", Textos de Intervenção, p.147 ibidem, p.147 126Cf. “As modernas expressões da Arte segundo o pintor Almada Negreiros recem-chegado de Paris”, Diário de Lisboa, 22 Junho 1949 125Idem,

40 2.1. A definição da Arte — vida e criação 2.1.1. Arte como Todo Arte não é uma opinião, é um conhecimento. E um conhecimento não admite opiniões. Ou é exactamente esse mesmo conhecimento ou não o é exactamente e então está errado.127

Arte significa a possibilidade do artista, no domínio da autoridade e totalidade pessoais, criar. Em Almada, a noção de Arte compreende-se como fenómeno plural, de valor superior, fundamento da pessoa humana individual e pertença da humanidade, sua herança e devir. Significa todo movimento, ou criação de movimento, para aceder ao social; é acto de comunicação expresso na relação gerada entre o artista, as obras e os "outros" — para cada um dos elementos que constituem o público. A Arte assim considerada, e apesar de actualizar a sua linguagem pelos acontecimentos inéditos dos seus artistas, não esquecendo o património da história da arte, de todos os povos, sendo a Arte uma necessidade comum, desde sempre, na humanidade. Para preservar esse objectivo de convergência, consubstancializa-se na Arte a coordenação das manifestações pertencentes aos povos anteriores, propiciadoras de "novos sentidos [que] nascem já com a antiguidade destes precedentes."128 A este propósito supremo de Almada, subjaz uma noção de Arte, não segmentarizada, mas que pressupõe a unidade de si mesma, porque dirigida ao Todo que é a vida, "A Arte não é um aspecto da Vida; é o todo da Vida visto debaixo de um aspecto."129 A exigência de completude implicada na 127

“Arte e Artistas”, Textos de Intervenção, p.75 Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p. 120 129Almada introduz esta definição de Arte do seguinte modo, mostrando claramente não ser ele o seu autor, no texto de 1935 publicado em SW: "Contudo, um livro inglês actual e intitulado "As Artes Visuais" faz a definição de Arte da seguinte maneira: A Arte não é um aspecto da Vida; é o todo da Vida visto debaixo de um aspecto." Cf. "O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", op. cit., p.125. A frase surge ainda citada no artigo "Resposta final — do cheiro a bafio e outras singularidades", Textos de Intervenção, p.137: "Um dia tive a maior alegria da minha vida de Arte: encontrei uma definição perfeita de Arte — "Arte é o todo da vida visto debaixo de um aspecto." Todavia em nenhuma das referências menciona o autor do livro, embora se trate de uma referência que se percebe ser fundamental e que Almada já anteriormente citara num outro texto de 1934, pelas seguintes palavras: "No suplemento literário do Times do dia 12 de Janeiro de 1933 encontrei numa crítica a um livro intitulado "As Artes Visuais" e na qual estava a única definição de Arte que até hoje me satisfaz: "A arte não é um aspecto da vida; é o todo da vida visto debaixo de um aspecto." CF. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p. 106. Foi-me possível consultar o mencionado suplemento, sendo o autor J. E. Barton e o título não The Visual Arts mas Purpose and admiration - a lay study of the visual arts. A citação transcrita por Almada corresponde ao que seria o argumento de base do livro "Art is not one aspect of life: it is the whole of life seen in one aspect." Cf. The Times Literary Supplement, thursday january 12 1933, p.18. 128"O

41 ideia, não prescindia de consciencialização axiológica, de âmbito estético e artístico, salvaguardados os aspectos específicos, reunidos nas inúmeras aportações fundamentadoras que Almada encontrou em filósofos, estetas, poetas ou pensadores. Almada Negreiros viu conciliada por J.E. Barton, a exigência da sua fundamentação teórica com a intenção criativa, para expressar a natureza, intenção e realização da Arte, mediante a leitura dos tópicos gerais, enunciados na recensão crítica da obra no Suplemento literário do Times. Quando Barton considerava que, "Art is continuous, and genuine modernity is not a denial, but only a fresh application in new circunstances of eternal principles bequeathed to us by the art of all ages" 130, afirmava uma das grandes convicções de Almada, pressuposto substantivo da sua concepção e praxis de Arte. Os princípios determinativos para o devir da Arte dependiam de uma consciência efectiva acerca do conceito de tempo. Tempo que, da localização — proxémia —, transpunha a sua condição reguladora para, além da contaminação ou da obsolescência, imperar na superação que supunha ser cumprida pelo artista em devir. Do tempo passado, não interessavam os pressupostos ou convicções caducas, mas os elementos transcendentes, que continham o "sinal" da genuinidade do humano, quer em termos esotéricos, quer ontológicos. A reconfiguração, dos princípios herdados na história de Arte, obrigava a uma consentaneidade, entre estes e a prática vivida pela colectividade da época, que procurava essa tradição. A dificuldade residia na capacidade dos artistas apreenderem a natureza da mentalidade em processo, tomando-a como estipulação para o exercício artístico a concretizar, o que solicitava também uma consciência histórica que estabelecesse a correspondência entre a arte e a vida nos diferentes períodos. Como paradigma dessa sabedoria sobre viver, Barton retomou os ensinamentos dos Gregos através da sua Arte: "Grei art denotes a rache "not only lógica in outlook, not only vibrating with intelligent life and curiosity, but also a race that had found, for the time being, a happy and subtle adjustment of body and soul."131 A arte contemporânea, segundo este ensaísta, implicava como modelo os princípios imperecíveis da arte — ordem, proporção e unidade. Princípios que deviam adequar-se às circunstâncias da modernidade artística, bem como adaptar-se à atitude manifesta de vida, comungando do ideal colectivo para substancializar a Arte. 130J.E.

Barton citado in The Times Literary Supplement, thursday january 12 1933, p.18. ibidem, p.18.

131Idem,

42 Em Almada, a noção de Arte, recuperada dos princípios intemporais, situa-se numa perspectiva "vitalista" que atribui o primado à Vida, em toda a abrangência e extensão da Arte. A Arte cumpre-se na criação, na fruição da linguagem do artista, com intuito de comunicar a todos a vida 132, pois a Arte é "essa linguagem comum a todos os idiomas da Europa", na medida em que a todos é possível conhecer as regras dessa mesma Arte — cujo património lhes é comum —, se a tal se dispuserem. A Arte considera o património comum da humanidade, na pluralidade das criações que preservam a memória — individual e colectiva — dos próprios homens ao longo da cronologia, servindo-lhes como impulso igualmente no devir: "A Arte é sobretudo atitude universal da pessoa humana."133 A Arte procura a unidade, englobando a diversidade das suas manifestações sob um denominador comum que é o indivíduo humano no seu todo, ou seja, a humanidade; por outro lado, atingir a unidade suposta na Arte " não é mistério para alguns, mas é um segredo que fica no segredo de cada artista."134 Exige ao artista o domínio do mistério pessoal; alcançar o conhecimento e sabedoria das coisas primordiais; cumprir a missão de autoridade pessoal que é intransmissível — invisível para outrém — portanto, segredo de si mesmo. O artista deve preservar a coerência, realizando uma obra que contemple a atitude humana que a arte representa135, designadamente, na postura ética consignadora do acto de criação; a responsabilidade ética é plural e não significa restrição à liberdade de acto de criar ou expressar, supondo a unidade do próprio indivíduo. 2.1.2. A unidade da(s) Arte(s) Idêntica paridade relacional entre Arte e Artes se revela, segundo Duilio Colombini quando a Arte como Todo é definida como o espírito que anima o corpo de cada uma das artes em si, constituindo o poético; quando é entendida como força latente desvelada pela ingenuidade, identificando-se com Deus que é a Unidade por Absoluto. O pensamento estético de Almada, envolve um plano teológico, fundado na concepção da Arte que é única 132A

perspectiva de Almada, ao considerar a arte numa perspectiva vitalista, aproxima-se da noção pessoana, de incidência vitalista, quando atribuia à Arte a necessidade de vitalizar; Pessoa referiu-se, designadamente, ao facto de à arte moderna, estar subjacente: "o conceito moderníssimo da Arte que confunde vitalizar com deformar." Cf. [António Mora] Fernando Pessoa, "Arte e Natureza", Obras em Prosa, p.233. 133Orpheu — 1915-1965, p. 14 134"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.131 135Orpheu - 1915-1965, p.14

43 porque una, enquanto Deus se revela nela como "harmonia, proporção, como número perfeito imanente no Universo, tanto apreensível como realidade inteligível quanto sensível."136 A unidade da Arte — a nível factual —, reunindo a vida sob um único aspecto, engloba as "Belas-Artes" e as "Belas-Letras", consideradas disciplinas individuais na Arte como Todo de conhecimento: "A unidade da Arte reúne-se a todas numa única autoridade e numa verdadeira autonomia."137 O caminho da autonomia da Arte, sua meta primeira e princípio constitutivo, simultaneamente, segue as suas leis íntimas, fora do âmbito do conhecimento comum e alheio a outras linguagens. A partir de uma teorização da questão primordial — unidade da Arte e sua autonomia —, Almada considerou, por sua vez, a autonomia de cada uma das disciplinas que a constituem em unidade: o desenho, a pintura, a escultura, a arquitectura (e o teatro). Todas são unidades em si, embora nenhuma represente a Unidade por excelência; sem que nenhuma se destaque ou considere a Unidade primeira, ou a única, nem mesmo a Arquitectura, apesar da primordialidade138 que Almada lhe reconhecia, argumentando a partir da etimologia, e também de acordo com a valorização sociopolítica, no contexto nacional específico da época.139 O significado da Arquitectura encontrava a origem da própria palavra Arte, arguindo por uma prova filológica que justificava a afirmação: "Não será Arte uma palavra feita com a primeira sílaba de cada uma das duas palavras que foram a palavra architekton ? Ar de archos e te de tekton ? (...) Ligadas ficam estas duas palavras Arte e architekton salta aos olhos da cara uma única conclusão: architekton significa o operário-chefe da colectividade."140 Dada a função social e humana, que a Arte pretende realizar, quer como cada 136Duilio

Colombini, Almada Negreiros, p.38 à juventude portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.134 138Almada considerava etimologicamente a palavra Arquitecto, proveniente no grego da aglutinação de archos , que significa chefe com tekton -, que significa operário. Tendo-se perdido o sentido originário da palavra que não designava apenas o construtor da casa: "O operário é o indivíduo profissional dentro da colectividade. Por conseguinte, o operário-chefe não é a construção de casas o que tem de dirigir, mas sim outra coisa incomparavelmente mais importante: a construção da própria colectividade, a construção contínua da própria colectividade. Como se vê, o sentido da palavra arquitecto em grego antigo, é máximo de prioridade, de principal, de supremacia, de chefia, de comando, e não tem nenhuma das possíveis restrições dos tempos áureos das duas Renascenças." Cf. "Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p. 80 139Almada exprime essa ideia através dos seguintes termos: "Hoje, o momento é propício aos arquitectos. Não é uma casualidade. É a Arte, essa que está acima de todas as profissões e de todos os profissionais da Arte, que está arrumando as suas coisas." Cf. "Duas palavras de um colaborador — homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, O.C., p.116 140"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.84 137"Encorajamento

44 uma das artes (disciplinares), quer como Unidade da Arte, Almada reconheceu que "não pode deixar de ser a própria cabeça da colectividade. E é o que é: Arte é a cabeça da colectividade."141 Correspondia à necessidade de ser Todo, por ser substantivamente um Todo, visto sob aspecto específico e, pela liberdade do artista, configurava a complexidade dos campos adjacentes — das diferentes artes —, constituindo o todo da vida. A Arte começaria onde acabava a definição convencional das Belas-Artes — que não eram sistemas infalíveis —, nomeadamente, na formação dos artistas. A Arte não se esgotava, tampouco se perdia como especialidade organizada. Note-se que, Almada sempre designou Arte no singular, raramente no plural, e nunca o plural se referia ao universo da Arte, quanto às suas diferentes expressões ou domínios, precisamente porque considerava que a Arte não tinha plural, que apenas existia uma Arte, assim como concebia uma só Estética. O motivo legitimador dessa unidade, da exclusividade de existência era a sua subordinação a uma natureza única, que determinava a diversidade de todas as coisas na cronologia do humano, na perspectiva cosmológica igualmente: "Há um único conhecimento de tudo. Todas as coisas são determinadas, determinadíssimas, com fronteiras inexpugnáveis, apenas a capricho da própria redondeza da terra e das idades do tempo." 142 O tempo e o espaço, em que as obras de arte e os artistas proliferaram, agiam como elementos gregários, conciliando-se no Todo que é a Arte, através do elemento comum que os transcende, a pessoa humana, a Vida — ideias, em contraponto, ao posicionamento histórico sobre a acção e presença da Arte, configuradora do tempo, segundo George Kubler.143 Almada, entendeu a história da Arte, como fenómeno expressor da humanidade em devir, transparecendo na afirmação do princípio de continuidade. A continuidade das manifestações artísticas, e a criação das obras na cronologia humana, ficou sendo parte integrante da própria História, não só da história da Arte — facto motivado pela afectação da arte à colectividade, preservada embora a sua autoridade e autonomia. A Arte só pode viver depois de criar a sua própria autoridade de autonomia dentro da colectividade, luta que ao longo da história empreendeu, para ser independente do poder, mesmo que com riscos para a sua continuidade.

141Idem,

ibidem, p.84 ibidem, p.76 143Cf. George Kubler, La configuración del Tiempo. 142Idem,

45 A Arte é geradora de um mundo pela mão do artista, diferente daquele que o historiador de Arte constitui. Ambos, artista e historiador de arte criam mundo, sinónimo de todo, de algo que é inteiro, que converge para a unidade, cada um na sua área, reservada a diferenciação de âmbitos e campos de conhecimento — implicativos entre si: "uma coisa é arte e a outra tratar de arte."144 O erudito de arte, como Almada o denominou, dependia da arte criada, sem a existência da qual, não justificaria exercitar a sua erudição; devia situar-se no presente, por referenciação ao passado que pode privilegiar nas suas abordagens e, frequentemente, alheava-se das manifestações artísticas, das obras de arte que lhe fossem contemporâneas: podia ignorá-las! Demonstrando uma lucidez antecipatória, Almada fez apologia de uma História da Arte fidedigna e objectiva, embora sublinhando a personalidade do investigador, cujas fontes, no presente, deviam contemplar a palavra e testemunho dos artistas; no plano da estética, é nítida a apologia, senão a primazia, de uma estética artística, reflectindo sobre questões de Arte, embora não prescindindo de problemáticas na ordem de uma estética filosófica e, por vezes, de uma meta-estética — hermética. A percepção vivencial do tempo difere, por necessidade, entre o historiador de arte e o artista. O erudito de Arte ponderava no tempo, sobre realizações que comportam, em si, uma carga histórica irrevogável; o artista, ao criar no seu tempo presente, está no tempo, ainda que o tempo do artista possa ir adiante da cronologia real: "O próprio da Arte é ir adiante do que acontecerá. Porque o que aconteceu já foi escolhido antes pela Arte." 145 Celebra-se a relação profunda de sentido cúmplices entre o artista e a Arte, quando se sabe que é ao artista que compete inventar o caminho da Arte. A Arte, ao dirigir-se ao indivíduo, exige a dimensão individual — unidade pessoal — do artista, a complexa dignidade dos seus sentimentos e pensamento, e "nunca, por nunca ser, à sua profissão."146 Ao discorrer acerca das questões da Arte moderna, Almada mostrou cumprir a invenção da via da Arte, ciente das dificuldades dum caminho que sabia árduo, dificultado por aquela "gente que não traz os olhos em dia e que usa a preguiça visual do presente, de bem que se sente a ver pelos olhos dos mortos!"147 Criticou a mesquinhez, na validação da celebridade como 144"Duas

palavras de um colaborador — na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.113 145"Arte e Artistas", Ensaios, p.75 146"Idem, ibidem, p.76 147"Como trabalham os artistas plásticos — Almada Negreiros" in Diário de Notícias, 1 Abril 1943

46 legitimação para a obra, como obra de arte, o que não equivalia a ser detractor do passado, como bem esclareceu em afirmações públicas em 1943. O passado da Arte tinha de ser dinâmico na sua continuidade, na necessidade interminável, na eternidade nova da vida de Arte, em síntese de toda a Poesia na "obra-prima". Precisava, contudo, da nova visão que toda contemporaneidade devia gerar: "A criação dos olhos de cada época é, parece-me, a própria honra da Arte."148 A Arte moderna, na sua perspectiva, devia recuperar o cânone, para superar a crise de situação, propiciada pelo artista — como génio — que, desde Cézanne, se tinha comprometido na demanda da eterna novidade de Arte. Almada reflectiu sobre os aspectos relevantes, remanescentes no conceito de Arte como unidade, focando-os na pluralidade da sua obra, respeitando a sua doutrina sobre a pessoa individual humana e a Humanidade. Elaborou a sua perspectiva, sobre a história da Estética e teorização sobre Arte, seleccionando os tópicos mais elucidativos, para a coerência da sua argumentação, baseando-se em autores proeminentes, mesmo paradigmáticos, na cultura da humanidade: — Arte como Tekné; Arte e Ciência — Arte e realidade; — Arte e natureza; — Arte e poesia. Recorrendo à argumentação sobre estes aspectos, fica sempre comprovada a unidade da Arte, a concepção da Arte como Todo, intenção absoluta e obsessiva no pensamento estético de Almada. 2.2. Arte como Tekné; Arte e Ciência 2.2.1. Arte e Tekné Relativamente à concepção de Arte como tekné, Almada recuou até à Antiguidade grega, para elucidar a acepção, que tinha um campo semântico, consideravelmente, mais abrangente do que na actualidade; aplicava-se não apenas às Belas-Artes149, mas também aos ofícios manuais. Não eram apenas 148Idem,

ibidem. refere W. Tatarkiewicz: "Aquello que vinculava las bellas artes con las artesanías impresionó más a los antiguos y a los escolásticos que lo que las separaba; nunca dividieron las artes en bellas artes y artesanías. En su lugar las dividieron según su práctica requiriese sólo un esfuerzo mental o también un físico. A las artes del primer tipo los antiguos las denominaram liberales , o liberal (liberadas), y a las 149Como

47 os produtos resultantes do exercício de uma habilidade, tomados como arte, mas a própria habilidade, a capacidade (técnica) em si. A habilidade implicava, o conhecimento de determinadas regras e, portanto, não se concebia uma arte que não tivesse as suas regras, os seus preceitos estabelecidos como tal. Arte, nos primórdios do pensamento estético grego, como tekné, significava também, indistintamente — segundo Almada — ciência150, consistia tanto numa habilidade mental, quanto manual. As obras dos poetas pertenciam ao campo da poiésis (criação), sob augúrios das Musas e Apolo, junto dos adivinhos e dos profetas. Eram considerados indivíduos de excepção pois usufruíam de dons superiores, concedidos pelos deuses, inexistentes nos restantes mortais; gradualmente foi-lhes considerado o domínio de uma tekné específica. Nesta acepção, o conceito de Arte incluía ciências como a lógica, a gramática, porque reguladas por um conjunto de regras que conduziam o seu próprio fazer. Daí a preponderância, quase a exclusividade, de terem sido estabelecidas estéticas normativas e teorizações taxativas para a praxis artística: o conceito de regra estava incorporado no conceito de arte, agregado à sua definição como tal. Por esse motivo, Almada afirmava que, mesmo no século XX: "Os cânones da estética continuam nas oficinas profissionais."151 Na Metafísica, Aristóteles considerou que a Arte nasceu quando, de muitos objectos experimentais, surgiu uma noção universal sobre os casos segundas vulgares, o comunes; la Edad Media denominó las segundas como artes 'mecânicas'." CF. Historia de seis Ideas, p.40 Não se pense que todas as Belas-Artes — por exemplo a pintura e a escultura — eram consideradas artes liberais: a escultura como exigia um esforço físico era uma arte vulgar, assim como poderia acontecer com a pintura. 150Parece mais correcto afirmar que 'também' significava 'algumas' ciências e não todas as ciências. Em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias , 23 Junho 1960, Almada Negreiros afirmava que: "Havia por conseguinte um conhecimento que ficaria imutável para sempre. E é aqui que permanecem para todas as circunstâncias do espaço e do tempo todas as constantes encontradas primeiro. Estas constantes não são obra de homem: são por conseguinte sem opinião humana, separam-se em dois estágios do conhecimento que se chamam respectivamente arte e ciência. De modo que a arte e ciência (uma única palavra em grego: tekné) não são precisamente duas coisas, mas duas idades duma mesma e cuja anterioridade é da arte." 151"Arte e Política", Ensaios, p.80. A tendência que valorizava este conceito de Arte manifestou-se nas primeiras décadas do século XX, tomando uma configuração herdeira das teorias do grupo Arts & Crafts inglês (finais séc. XIX), que originou as opções sociopedagógicas — nos princípios subjacentes à estética e artificidade técnico-artística — da Bauhaus. Todavia, o movimento associado à Bauhaus, cumpriu propósitos de índole pragmática, bem como teorizadores, constituindo-se numa força de impregnação política que a ascensão do nazismo silenciou em 1932. Desse grupo fizeram parte nomes fundamentais no panorama artístico e cultural internacional e a sua herança propagou-se até à actualidade. Dentre os artistas que mais proximamente se podem associar às intenções e convicções de Almada salientem-se Kandinsky e Paul Klee, autores aliás citados pelo próprio Almada, conforme adiante se referirá.

48 semelhantes; por sua vez, o que caracterizava a tekné era a fusão do pensamento e da produção que nela se encontrava; era aquela actividade em que se manifestava o universal, dimensão consubstancial do pensamento; era uma capacidade produtiva acompanhada de Arte verdadeira. 152 Ao longo da história, a Arte foi-se distanciando dessa acepção que lhe configurava em exclusivo a capacidade de saber fazer algo. Situava-se no domínio do saber fazer correctamente, o que equivalia a inúmeras capacidades, tomando também a acepção que abarcava a ciência. Na sua actualidade, Almada constatava que o âmbito da Arte estava reduzido, representando apenas as artes plásticas, o que excluía todo o resto, retirando-lhe a unidade: assim se tinha originado a cisão entre os conhecimentos, fenómeno que os gregos tinham querido preservar ao reunir Arte e Ciência na tekné, salvaguardando o conhecimento dos sentimentos humanos: "Tekné e arte são palavras que encerram em si o único conceito unânime no universo." (...) "É a íntima união do sentimento com o conhecimento humanos, formando o entendimento da humanidade." 153 Almada considerava que a única forma do artista cumprir as regras era sendo independente. "As regras do pensamento universal só as pode encontrar cada um isoladamente."154 Próximo da posição pessoana155, Almada reconheceu que a estética existe quando se realiza a assunção da pessoa individual humana, condição essencial para que aconteça a apreciação estética da obra de arte como tal. A recorrência às regras do pensamento universal eram o fundamento dessa assunção pessoal estética propriamente dita. Embora fossem comuns, porque Almada se referia às regras primordiais, eram as anteriores no humano, as que radicavam no conceito de Tekné. "O princípio único e geral sobre o qual assentava a Tekné era simplicíssimo e entregue a toda a iniciativa individual."156

152Cf.

de Aristóteles a Metafísica, I, 1, 981 a; VI,1, 1025 b; Ética a Nicomano 1140 a. Considera como artes miméticas (poesia, dança, música, pintura, escultura), aquelas teknai que têm como procedimento central a imitação — mimésis — entendida esta última como actividade que brota do interior daquele que produz as imitações. Na Poética menciona a relação existente entre a imitação e a produção de imagens. A concepção de mimésis é diferente da que vigorava em Platão, pois este considerava-a um duplo afastamento relativamente à verdade, na medida em que a imitação produzia uma réplica por relação à natureza, que por sua vez era réplica do mundo exemplar das formas. (República, 602-603) 153"Arte e Política", Ensaios, p.82. Almada confirmava a sua convicção recorrendo à situação que nas antigas Universidades, se reunirem as artes e as ciências como todo: "O facto de as antigas universidades porem no plural artes deve seguramente ter estreita ligação com a Tekné dos Gregos, Ciência e Arte ao mesmo tempo."(Idem, ibidem, p.82) 154"Modernismo", Textos de Intervenção, p.60 155Cf. Fernando Pessoa, Obras em Prosa, p.235 156"Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.84

49 No âmbito do pensamento esotérico de Almada — na estética —, considerava-se que o "princípio único e geral" que sustentava a Tekné , consistia na relação qualitativa dos nove algarismos com a mitologia figurada. Almada designou esse princípio pela expressão Simetria, equivalente neste domínio a Tekné.157 O paradigma da simetria seria, como Almada o entendeu, o corpo humano nos seus cinco sentidos. A simetria é da ordem da qualidade, assim como os números são da ordem da quantidade. A simetria mede com os nove algarismos todo o mundo visível; a simetria estabelece a regra do humano — e do mundo — visível, e ainda "no próprio visível inclui a medida sensível do mesmo invisível." 158 Daqui, se induz a relevância que o conhecimento da geometria, tomou em Almada Negreiros, ganhando proporções profundas, de ordem esotérica, no domínio do sagrado e do hermético. A geometria é a medição da natureza com o entendimento humano. E o entendimento não é mais do que a união íntima do conhecimento com o sentir humanos.159

A cisão a que Almada se referia, efectuou-se a partir do Renascimento, quando se instituíram as raízes do moderno conceito de Arte, mediante a distinção entre as artes ditas "nobres" (poesia, música, pintura, escultura...), relativamente às habilidades estritamente artesanais. Paralelamente, data do mesmo período, a assunção sociocultural do artista como individualidade, no campo das artes, dissociado da representação social do artesão. Passou a ocupar uma atitude impositiva, que lhe conferiu um estatuto destacado no meio socioeconómico e político, daí decorrendo uma série de implicações, que levaram ao culto da personalidade e a um extremo poder pessoal, por parte de alguns artistas, verdadeiros paradigmas não só na história da arte, mas na história em geral — os tais indivíduos enciclopédicos como Miguel Ângelo, como Almada os denominava.

157Segundo

o raciocínio de Almada a justificação encontra-se no facto de: "...não cabendo ao autor a autoridade para impor a palavra grega no seu significado, o mesmo não acontece quanto ao pobre sentido corrente que se dá à palavra Simetria, formada de duas palavras gregas, e tanto mais quanto é certo não estar em livro nenhum do mundo o simplicíssimo princípio da Tekné ou Simetria." Cf. "Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.84 158"Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.85. Adiante neste mesmo texto Almada afirma que o "nome verdadeiro de simetria é Magia Branca e em por oposição a Magia Negra que é transcendentalista, não se resume à combinação das linhas simples ou à dos algarismos entre si, ou melhor dito, a isto se resume mas com a verificação de cada combinação na natureza visível, isto é, o firmamento, os três reinos: vegetal, animal, mineral, a geografia física, as cadências e o ritmo do tempo, etc." Cf. "Vêr e a personalidade de Homero", Ver, p.86. 159"Arte e Política", Ensaios, p.81

50 2.2.2. Arte e Ciência A Arte, na Grécia, nasceu "al servicio del ideal formativo de la paideia. Pero, en la medida en que ese ideal formativo supone el despliegue sistemático de diversas esferas autónomas, la práctica de las artes va a ir adquiriendo una autonomía — mental e institucional — inexistente en otros contextos culturales."160 Assim o compreendeu também Almada Negreiros, que nunca se afastou do nascimento da arte e suas cristalizações — como institucionalização cultural —, lado a lado com o nascimento da FilosofiaCiência e do ideal do pensador, do sábio que, por direito e dever, as exerceram. Almada tomou, como missão prioritária, reinstituir na colectividade do século XX a paideia, ou seja, "a institucionalización del arte como un vehículo fundamental de humanización, de formación antropológica de los ciudadanos de la polis."161 Desde a Grécia Clássica e, até sensivelmente, ao século XVI d.c., prevaleceu a concepção de arte como "produção de acordo com regras" — arte versus tekné; do século XVI até princípios do século XX, serviu como guiada pela categorização estética, enquanto "produção de beleza". Num e outro períodos, esteve sempre relacionada com o fazer, foi sempre produção de imagens num espaço-ficção, como evidencia José Jiménez.162 A Arte é antecipação e originalidade, entendendo-se por originalidade aquilo que é inédito no mundo. A Arte, na perspectiva afirmativa de Almada, era antecedente à Ciência.163 O facto de ser criação, aproximava-a da Ciência164, que igualmente se caracterizava por idêntica exigência de construção: "O que importa à Arte e à Ciência é a criação de Arte e a criação de Ciência." 165 Arte e Ciência eram ambas conhecimento, cada uma, portadora dos seus "binários", dos termos antinómicos, dos respectivos "ismos", todos contribuindo para a sua consistência como conhecimento, precisamente, porque a "simultaneidade destes saberes binários conduz e estabelece conhecimento."166 Subjacente, está a ideia da abstracção, que a Arte e a 160José

Jiménez, Imagénes del Hombre — fundamentos de Estética, p.66 ibidem, p.65 162Idem, ibidem, cf. p.67 e ss. 163Orpheu 1915-1965, p.23. A Ciência seria assim consequência de Arte. 164Por Ciência, Almada entende: “A natureza do conhecimento chama-se ciência. Ora a ciência não é uma técnica científica, nem mesmo todas as técnicas científicas juntas. A ciência começa no encontro de constantes que não têm anterioridade noutras constantes. Chama-se ciência primeira ou metafísica." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 165"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.132 166Orpheu 1915-1965, p.23 161Idem,

51 Ciência comungavam, ao tempo das reflexões de Almada, e sabendo-se como era princípio cúmplice da sua celebração da arte moderna, designadamente, quando Almada evidenciou na Arte as duas grandezas: o natural e o geométrico, sendo este último necessidade de Ciência para a Arte, e não apenas o anterior à Ciência, ou seja, o cânone. Almada não entendeu a Arte, vivificada apenas na sua função gratuita, à semelhança do que, tampouco concebia para a Ciência, o que lhes retiraria o comum carácter humanista — no sentido mais profundo — conveniente — competência máxima por definição: Ciência sem Arte é ciência pela ciência, é a substituição das humanidades pela sociologia, é confiar demasiado nas estatísticas e de menos no instinto humano.167

Para além da criação, como exigência partilhada por ambas, para Almada era imprescindível que a Arte se posicionasse, em qualidade, com a categoria de Ciência, o que lhe reconhecia a finalidade e substância, efectivadoras de sua razão e existência. Sem o concurso da Ciência, a Arte seria apenas "arte pela arte", esvaziada da sua consistência intrínseca, tornada "mero deleite ou passatempo", ou seja, desnivelada da sua autoridade pessoal — superior — que o criador pretende assumir. Radicando na afirmação comum do indivíduo humano, a Arte é inseparável da Ciência, pois "é a permanente que existe entre o conhecimento e o instinto humanos: Arte é o instinto do conhecimento, ciência é o conhecimento do instinto."168 A Arte exigia um conhecimento de ordem geral, enquanto à Ciência pertencia um conhecimento particular, específico, determinado e unilateral da natureza.169 A Arte era, efectivamente, um conhecimento afirmativo e 167"Arte

e Política", Ensaios, p.82. Também Fernando Pessoa se debruçou sobre a relação entre arte e ciência, estabelecendo-lhes a distinção conceptual e pragmática. Por Arte entende "a mostra da vida", nela sendo essencial a expressão, independentemente daquilo que seja exprimido; quanto à Ciência, é "com ela que buscamos compreender o mundo que habitamos, mas para nos utilizarmos dele; porque o prazer ou ânsia só da compreensão, tendo de ser gerais, levam à metafísica, que é já uma arte." Cf. "Reflexões sobre Arte" [ms. 1914 ?], Obras em Prosa, p.218 168"Arte e Política", Ensaios, p.83 169Confrontem-se as reflexões de Almada com as de Fernando Pessoa quando este considera precisamente que: "A Ciência procura as leis particulares das cousas — isto é, aquelas leis que regem os assuntos ou objectos que pertencem àquele tipo de cousas que se estão observando. A Ciência é uma subjectivação, porque é uma conclusão que se tira de determinado número de fenómenos." Cf. "A obra de arte… criterios a que obedece" [dat.1916?], Obras em Prosa, p.217. O mesmo excerto é ainda incluído na op. cit., sob o título de "Reflexões sobre a Arte", p.219. Num outro texto datado provavelmente de 1919, Pessoa retoma o binómio para afirmar a natureza distintiva de arte e de ciência, na medida em que considera que "A arte difere da ciência — não como modernamente se crê, em que a arte é subjetiva, e a ciência objetiva — mas em que a ciência procura interpretar e a arte

52 impositivo, não de opinião, pois o conhecimento, tal como Almada o concebeu, não admitia opiniões, ou seja, na medida em que o conhecimento "ou é, ou não é" — princípio do terceiro excluído. Por outro lado, a Arte exigia a autoridade humanista — a autoridade pessoal do indivíduo a caminho da personalidade —, enquanto que a Ciência se limitava à autoridade científica. Usando uma metáfora cosmológica, extremamente visualizadora, Almada afirmou: "Enquanto que a ciência é sempre apenas um sector cónico da esfera, a Arte é sempre a reprodução da esfera."170 Almada atendeu, ainda, à acepção de Ciência veiculada nos renascentistas, nomeadamente, em Leonardo da Vinci, quando este a definiu como: "o discurso mental que toma su origen en los primeros principios, más allá de los cuales nada puede hallarse que forme parte de ella. La geometria , por ejemplo, que estudia la cantidad..."171 Correspondeu este posicionamento a uma das ideias fundadoras constante das estéticas do Renascimento que, pretendendo aproximar o estatuto da Arte do de Ciência, lhe ditava a necessidade de ser uma actividade predominantemente mental, salvaguardada pela via da Geometria, ciência que lhe impunha a praxis artística. Considerando a universalidade da pintura, por exemplo, Leonardo conferiu-lhe afinidade científica, na medida em que "Una Ciencia es tanto más útil cuanto más universalmente pueden comprenderse sus produciones;(...)", donde ser exigido à pintura, como fim, o ser comunicável "a todas las generaciones del universo, porque depende de la facultad visual, y las impresiones de la visión pasan ao cerebro sin utilizar el oído." 172 Também, porque a ciência da pintura cumpria as obrigações da invenção e da medida: "invención de la materia que debe representar, y medida en las figuras para que no aparezcan desproporcionadas; pero que él [pintor] no se viste de aquellas tres ciencias (aritmética, geometría, perspectiva), antes bien son las otras ciencias la que se visten de la pintura..."173 Indo ao encontro da sua análise da história da arte, Almada considerou que, com Leonardo, a Arte "está em ocasião de rever a antinomia (númerocriar." Seguidamente ao considerar a arte moderna, Pessoa constata que esta ao procurar interpretar o que vê, está a assumir o papel da ciência, que "procura compreender uma cousa por meio das outras, interpretar uma série de fenômenos por meio de todas as outras séries de fenômenos..." A arte deveria "procurar reproduzir sem interpretar…"Cf. Pessoa, op. cit., p.233. 170"O Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.126 171Leonardo da Vinci, Aforismos, 135, p.31. Na concordância com esta ideia se podem entender as várias publicações relacionadas com a teorização da pintura, de âmbito aprofundado, como no caso já citado de Léon Battista-Alberti e Luca Paccioli. 172Leonardo da Vinci, Aforismos, 319 e 320, pp.62-63. 173Idem, ibidem, 361, p.77

53 extensão) — geometria."174 Revisão fundamental, e definitiva, para o primado do Humanismo no Renascimento, e que decidiu a vocação de todos os pintores depois de Leonardo, tornando-os geómetras, à excepção do próprio, que soube conciliar a Geometria e o anterior-a-Geometria. Precisamente, porque a conciliação da Ciência e da Arte, anterior à Ciência, devia ser procurada na "via inicial" da Antiguidade, o Universal. A via da Ciência, por afinidade com a Arte, incluía princípios superiores, que levaram Almada, a transcender a ciência enquanto conceito epistemológico, privilegiando a via esotérica, o que se conciliava no conceito veiculado, pelos autores renascentistas, como foi caso do hermetismo geométrico de Albrecht Dürer175, em que se tratava, não de regras da pintura, mas de autêntico cânone. O que ainda não é ciência do homem é, todavia, ciência e está indistintamente em arte e em ciência. Por estas palavras se reconhece que a arte é sempre mais próxima na captação da imanência, esta mesma que a ciência procura confirmar.176

2.3. Arte e Realidade A Arte era, na acepção de Almada, sempre uma transposição da realidade no domínio das artes visuais. A realidade, sendo um conceito mais extenso que o de natureza, abrangia as obras humanas, ou seja, a cultura — seus produtos concretizados. No entanto os moldes em que se estabelece a relação entre Arte e realidade, aproximam-se substancialmente dos predominantes na relação entre Arte e natureza. As reflexões de Almada, acerca do assunto, ponderaram a extensão de dependência que considerava intolerante, e foi peremptório na sua condenação. A resposta encontrada nos seus próprios escritos, critica a dependência absoluta que alguns artistas atribuíram à relação da arte com a natureza — naturalismo, verdadeirismo —, pela cópia fidedigna, não se limitando ao nível de necessidade relacional, entre Arte e realidade. 174Orpheu

1915-1965, p.16 especulações de Dürer, sua ambiguidade e natureza são tratadas na sua complexidade por Julius Schlosser in La Littérature Artistique, através da recolha dos posicionamentos críticos acerca da questão. Cf. pp.287-292. 176Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960, concluindo o seu raciocínio: " Entende-se, portanto, que a arte e ciência, antes de cada uma se individuar, têm ambas a mesma nascença. É este o significado de ars sine scientia nihil de Jean Vignot, arquitecto do século XIII". 175As

54 A Arte, como imitação da realidade, foi conceito predominante na cultura europeia durante quase vinte séculos, admitindo-se diferentes acepções na forma como a mimésis foi compreendida177. O intuito da primeira expressão artística na Grécia, sob denominação de triunica choreia178, era expressar, promovendo a exaltação dos sentimentos — e opunha-se às artes ditas construtivas como a arquitectura, a pintura e a escultura, não sendo o termo aplicado às artes visuais. Mimésis não levava a reproduzir a realidade exterior, mas à expressão da realidade interior, seus instintos e sentimentos, mediante movimentos, palavras e ritmos; era acção e não contemplação. No século V a.C., mimésis adquiriu uma acepção filosófica, com a consignação de reproduzir o mundo externo. 179 Sócrates desenvolveu uma outra acepção de mimésis , que significava copiar a aparência das coisas, sendo decorrente das reflexões acerca da pintura e da escultura: formulou então a teoria da imitação, tomando-a como função básica das artes plásticas. Platão, no livro X da República elaborou a sua concepção de arte como imitação da realidade de forma bastante extrema, pensou-a como cópia passiva e fidedigna da realidade como mundo exterior, consequência da pintura ilusionista que lhe foi contemporânea — e que criticava fortemente —, próxima da acepção privilegiada pelo naturalismo , adoptado no século XIX. A imitação não era caminho apropriado para a verdade, pelo que a arte não devia imitar a realidade. Aristóteles transformou a teoria e conceito de mimésis platónicos, fundamentando-se na afirmação de que, a imitação artística podia representar 177Palavra

que surge depois de Homero, procede de etimologia obscura, segundo W. Tatarkiewicz, teria sido originada com os rituais e mistérios dos cultos dionisíacos. No primeiro significado, bem afastado do actual, a mimésis representava os actos de culto que o sacerdote realizava: dança, música e canto. 178A choreia servia para apaziguar, para aliviar os sentimentos, para purificar as almas, encontrando-se associada ao âmbito que veio a corresponder à catarsis. Tomou depois uma significação ligada à representação da realidade pela arte, especialmente pelo teatro, no sentido do actor que imitava as acções da realidade. Cf. W. Tatarkiewicz, Historia de la Estetica, — La Estetica Antigua , vol I , pp.23 e ss. Do mesmo autor cf. também Historia de Seis Ideas, pp.301 e ss. Através da dança, por excelência, exprimiam-se os sentimentos, exteriorizavam-se as experiências vividas, combinando os gestos, sons e palavras. Foi também a choreia que serviu de base para explicar a origem da arte, segundo a qual esta não é senão uma expressão natural do homem, sendo-lhe indispensável e constituindo uma manifestação da sua natureza própria. Apenas posteriormente, a música, poesia e dança se desenvolveram como artes independentes, fora da triunica choreia, onde estavam fundidas em termos de expressão comum. Corresponde ainda à convicção do conceito de poesia como "encantamento", embora os gregos demorassem muito tempo a perceber a relação entre a poesia e as artes plásticas, já que a poesia era considerada expressão, e as artes plásticas não eram pensadas para serem interpretadas expressivamente. 179Em Platão, como em Demérito, encontra-se a aplicação da palavra para denotar a imitação da natureza, embora correspondendo a acepções diferentes, num e outro autor. Democrito entendia por mimésis a imitação de como funcionava a natureza. Com Platão e Aristóteles teve, respectivamente, duas variações de sentido diferentes, embora concordando genericamente com a teoria de Sócrates.

55 as coisas, de forma mais ou menos bela, relativamente àquilo que eram; assim, abriu caminho a uma representação idealizada que promovia as qualidades existentes, proporcionando uma cópia, na ordem da criação pessoal, livre da submissão absoluta à realidade. Era imitação sobretudo das actividades humanas, tornando-se gradualmente imitação da natureza, donde se supunha proceder a perfeição de todas as coisas. Ambas concepções, de Platão e Aristóteles foram as dominantes na Estética europeia ocidental e perduraram, sob interpretações diversificadoras (contaminadas frequentemente) — mas de matriz comum —, durante muitos séculos. No Renascimento, a teoria da imitação foi conceito de base na teoria da arte e teve novo apogeu, depois de ter sido submissa, condicionada, à dominante religiosa durante a Idade Média que, prioritariamente, lhe conferiu funções teológicas, embora persistisse, graças ao aristotelismo de S.Tomás. Nos inícios do século XV, a teoria da imitação foi aceite, primeiramente nas artes visuais, tendo-se conhecimento dos desenvolvimentos que Léon Battista-Alberti (De Pictura) e Leonardo da Vinci (Tratado) expressaram nas suas teorizações. Também Albrecht Dürer, introduziu a teoria na Alemanha, e Poussin, mais tarde, em França (à volta de 1665). No panorama da parca teorização estética portuguesa, saliente-se a obra de Francisco de Holanda que, no Da Pintura Antiga , ao abordar os "preceitos" da pintura antiga — retomado o cânone dos gregos — considera que o pintor deve pressupor a "idea na pintura [que] é uma imagem que ha que ver o entendimento do pintor com olhos interiores em gradissimo silencio e segredo, a qual ha de imaginar e escolher a mais rara e eicelente que sua imaginação e prudencia poder alcançar, como um exemplo sonhado, ou visto em o ceo ou em outra parte, o qual ha de seguir e querer depois arremedar, e mostrar fóra com a obra de suas mãos propriamente, como o concebeo e vio dentro em seu entendimento."180 Esta ideia de Holanda, corresponde a uma via paralela, que se desenvolveu no Renascimento, relativamente à teoria da pintura, que procurava cumprir o postulado da mais próxima imitação da realidade, pela superação. Holanda situou-se, nessa outra via que, à semelhança da Antiguidade grega, estipulou o conceito de "superação da natureza", "alcanzable no sólo en cuanto que la libre fantasia creadora puede transfigurar las imágenes más allá de las posibilidades naturales, creando así 180Francisco

de Holanda, Da Pintura Antiga, Cap. XV - "Da Idea, que cousa é na Pintura", pp.95-96. Holanda expôs a continuidade desta posição recuperadora do pensamento tomista (no respeitante à tradição segundo a qual, toda a representação é conforme a uma imago preexistente no intelecto do artista), afirmando que "a idea é a mais altíssima cousa na pintura que se pode imaginar dos entendimentos, porque seja muito conforme a si mesma, & como isto tever, ir-se alevantando cada vez mais e fazendo-se sprito e irse-ha mizclar com a fonte exemplar das primeiras ideas, que ha Deos." Cf. op. cit., p.97

56 figuras totalmente nuevas, como quimeras y centauros, sino también, y sobre todo, porque, eligiendo y corrigiendo, la actividad menos inventiva del intelecto artístico puede y, por tanto, debe traducir en forma visible un grado de la Belleza jamás totalmente realizado en la realidad." 181 A concepção de Beleza, expressa segundo estes termos, decorre do primado do conceito de electio , contraposta a imitatio, o que é, repita-se, idêntico aos termos dilemáticos já presentes na Antiguidade grega. No séc. XVII, predominou sob uma configuração, diga-se, uma versão idealizante, que tornava legítimo à Arte, imitar a realidade, apenas nos aspectos mais gerais e perfeitos. Relativamente à Poética, o termo imitação apenas foi introduzida como conceito e teoria em meados do séc.XVI, tomado da Poética de Aristóteles.182 Mesmo durante o período barroco e em pleno academismo manteve-se como o centro das ideias sobre Arte; ao longo do séc.XVIII era ainda tese de referência com Abbé Dubos e Vico (Scienza Nuova), o que permite constatar historicamente a cronologia do seu primado. Foi precisamente neste século que atingiu o seu apogeu, compreendida como propriedade universal de todas as artes, e não apenas das artes "miméticas". Sublinhe-se o facto de, ao longo da história da Arte, terem surgido teorias afins à Teoria da imitação, integrando-lhe diversificações que, nalguns casos criaram uma distinção nítida, como sucedeu com a posição de Piero della Francesca e de Luca Pacioli183, segundo a qual, a arte não imitava a realidade, antes a estudava, atendendo às leis que a regiam — pressupondo a arte —, o conhecimento das leis da perspectiva e da luz, ideia afim ao pensamento estético de Almada. Por outro lado, considere-se a ideia de que 181Erwin

Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p.47 do período medieval, "La concepción artística del Renacimiento se caracteriza, por tanto, frente a la medieval, por una nueva concreción del objeto artístico y, por conseguiente, por una nueva personificación del sujeto artístico. (...) el y la literatura antiguas habían sobrevivido también en la dad Media, pero no habían sido el objeto, sino sólo el instrumiento y el alimento de la actividad intelectual; hasta el Renacimiento no surgieron la filologia y la arqueología; sólo esta época alcanza el redescubrimiento de la poética y de la retórica de la Antigüedad, por la misma necesidad por la que hace resurgir los antiguos cánones de la arquitectura y de las artes figurativas." Erwin Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p.50 183Segundo Julius von Schlosser in La Littérature Artistique, existia uma amizade pessoal entre Piero della Francesca e Luca Pacioli, tendo sido o primeiro, autor dos primeiros estudos a fundo a óptica e a perspectiva sobre uma base totalmente exacta e matemática, assim como sobre os problemas modernos da luz. Tratava-se de uma obra extremamente rigorosa e levada até aos mínimos detalhes, que demonstra uma grande evolução na forma de tratar o assunto relativamente a Alberti. Segundo Vasari, Pacioli teria copiado as teses do seu mestre, della Franscesca, para o seu Libellus de V corporibus regularibus (1509), dedicado às mesmas questões. Schlosser considera que, contrariando a acusação de Vasari, se trataria de um trabalho realizado em comum pelos dois autores e que "ce petit traité de Pacioli est l'oeuvre d'un pur mathématicien s'appuyant rigoureusement sur une base euclidienne; Pacioli revient de nouveau sur le sujet, d'un point de vue philosophique, dans son grand ouvrage sur la "divine proportion", où d'ailleurs il rend franchement hommage à Piero." Op. cit., p.174. Para além de que nessa altura, não existia propriamente a mesma consciência deontológica que hoje domina sobre o que era fazer plagiato. 182Depois

57 as obras de arte não eram uma imitação, mas constituem, unicamente, símbolos da realidade, ideia originária de Emanuel Tesauro na segunda metade do séc. XVII: a obra de arte era uma metáfora, um símbolo.184 Não deixando de comparecer com as suas habituais exemplificações complexas, Almada justificou a sua posição, de distinção clara, fundando-a na solução estético-artística adoptada pelos gregos que, na tragédia punham máscaras nos actores, para que estes servissem propósitos simbólicos do individual e não o indivíduo específico, portador de uma identidade localizada, sendo assim símbolos da humanidade. Daí a transposição da realidade para o plano simbólico que evoca e representa a realidade: "...o símbolo é realidade imaginada. É com símbolos que se expressa a arte." 185 A posição de Almada, traduz a aceitação da ideia de que a Arte começa quando a realidade é transcendida, quando não é copiada, mas inventada pela imaginação do artista. Não admitiu uma arte realista, cujo propósito seria apresentar apenas as coisas reais, não incluindo abstracções ou transformações simbólicas, em que a pintura se tornou uma arte concreta, fotográfica. Almada considerava que para haver arte, para que se pudesse criar, a transposição da realidade era exigência incontornável, o que não significava que a realidade não fosse ponto de referência, pois "o maior estorvo para a representação (representar, tornar presente) da realidade é a presença da própria realidade. Das duas uma: ou presente, ou representada."186 Almada distinguiu, nitidamente, entre tornar presente — que não é o mesmo que estar presente —, ou seja, representar, em termos que se adequam a uma perspectiva e afinidade, à posição fenomenológica. Almada afirmou, que a presença era a comparência concreta do fenómeno, e de forma taxativa, no plano de efectividade; ou a representação do fenómeno exigia a assunção, que era de ordem representacional, não imiscuindo ordens de efectividade fenoménica. A Arte implica realidade187, mas não precisa limitar-se à sua consignação repetitiva: "Sem Arte não há realidade, há só natureza. A Arte tem que ver

184Cf.

W. Tatarkiewicz, Historia de seis Ideas, pp.313-314. animados, realidade imaginada", Ensaios, p.158 186Idem, ibidem, p.158. Ao longo do texto Almada tece considerações acerca deste assunto, contextualizando-o no quadro da arte do cinema e na arte da fotografia; a primeira como arte em movimento, a segunda, da imagem estática. 187Em Pessoa encontra-se uma reflexão complementarizadora das de Almada, quando o poeta considera que "o artista tem de encontrar maneira de dar vida à obra de arte." (…) "não procura a arte reproduzir, dar a nossa sensação simplesmente; mas dar da nossa sensação aquilo que mais traduza a realidade dela." Uma vez 185"Desenhos

58 com a realidade, não com a natureza."188 Segundo a tradição, constante numa definição de Arte que aposte na contraposição de termos, funda-se o conceito de Arte como o oposto, por excelência, da natureza, e essa afirmação, como lembra Almada "todos dizem". Foram os gregos, quem forneceu os elementos que permitem compreender o homem na natureza, não podendo opor-se-lhe, na medida em que, o facto de dois termos serem opostos entre si, não significar irredutibilidade de equilíbrio ou harmonia. Pelo contrário, os opostos exigem-se para a conciliação, portanto, no caso da relação entre homem e natureza, a tendência é a cumplicidade: "Um oposto precisa de outro oposto para se equilibrar; dois contrários destroem-se um ao outro."189 A Arte não se limita a ser cópia da natureza, é independente do processo de reproduzir icónica da natureza. A autonomia da arte moderna, relativamente à função representativa da natureza, era irreversível: "que a Arte já andava farta de paisagem e de carne parecidas."190 Almada não recusava a natureza como conceito ou existência, apreciava-a na sua perfeição, não fazendo a criação de arte depender da sua afectação exacta.191 A posição de Almada estava imbuída da tradição plotiniana, ao conceber que a imitação das coisas não respeitava à concordância na arte aos elementos visuais apreendidos pelo sentido, mas que a realidade se exteriorizava na obra, enquanto forma interior ou ideia gerada no artista por intuição espiritual.

2.4. Arte e Natureza Nas diferentes épocas, a ideia do conceito de natureza sofreu alterações, resultantes da interpretação da arte e da interpretação da natureza. Como sucede com outros conceitos que contribuem para o estudo do pensamento humano na História europeia, também no referente à natureza, a influência que o fim da arte, segundo a tradição expressa em Pessoa, era imitar perfeitamente a Natureza. O que significava "não copiá-la, mas imitar os seus processos." Cf. Pessoa, op. cit., pp.231-232. 188Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.17. Paul Klee in Théorie de l'Art Moderne, a propósito do "Credo du Créateur" afirma uma ideia próxima à manifesta — e complementar — por Almada quando escreve: "De même qu'un enfant dans son jeu nos imite, de même nous imitons dans le jeu de l'art les forces qui ont créé et créent le monde." Cf. op. cit., p.42. 189Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.17. Almada marca bem a diferença entre "oposto" e "contrário". 190"O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 120. Saliente-se o facto das ideias relativas à autonomia da Arte — enquanto subsumida à representação da natureza, ou seja, da realidade —, serem desenvolvidas fundamentalmente em dois textos, cujo tema aglutinador é a tecnologia audiovisual consolidada na época: cinema, fotografia, desenhos animados, por contraposição à pintura que se apropriara da sua independência na modernidade. 191"A natureza é um mundo perfeito, mas sem imaginação." Cf. Almada Negreiros, "O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 121

59 essencial veio da antiga Grécia. Aristóteles na Física indicou o âmbito da natureza, à qual pertenciam as coisas que possuem, em si mesmas, o princípio de movimento e repouso; nela se incluíam os animais, as plantas e o homem, dado desenvolver-se também a partir de um embrião; abrangia quer o processo natural, quer os produtos desse processo. As coisas que o homem faz, existem por convenção, uma vez que são fabricadas, opondo-se entre si, natureza e convenção, de acordo com a posição dos Sofistas. Os produtos gerados na natureza — da natureza — implicam, quer a matéria, quer aquilo que determinou as suas formas, ou seja, a sua essência, a força que dirige a própria natureza. Verifica-se a dualidade de conceito: a natureza como aquilo que designa o mundo visual evidente, e as forças, apenas evidentes na mente, que se supõe terem configurado o mundo tal como é. Os romanos adoptaram o termo natureza, para denominar a suma das coisas visíveis, e também o princípio de geração das coisas naturais, e ainda a força que as tinha produzido. Na Idade Média, mantiveram-se ambas acepções, diferenciando entre natura naturans e natura naturata, ou seja, a natureza criativa e a natureza criada. A natura naturans, invisível, era a fonte, a essência, podia incluir Deus como o Criador — mas não fazendo parte da Criação — e a natura naturata era, simultaneamente, a summa rerum e a origo rerum , denominadora da Criação. A terminologia foi adoptada, tanto pelos escolásticos, como pelos místicos, persistindo ainda em alguns filósofos modernos — Giordano Bruno e Baruch Spinoza. A Arte europeia, à semelhança da mentalidade predominante na Grécia antiga, denota historicamente uma complexidade extrema "ya que el arte depende de la naturaleza en sus diversos modos, pero cuando se analisa por completo debe considerarse entre las cosas que existen "por convención", porque se trata de una obra humana."192 Na história da Arte, verifica-se que a determinação estética, foi oscilando entre imitar a natureza como natura naturata, a visibilidade das coisas do mundo, e imitar a natura , a essência, a estrutura do mundo, das coisas, do homem. Por exemplo, quando Léon Battista-Alberti tratava o conceito de "natureza" na sua teoria da arte, mencionava-a como sentido e origem das coisas visíveis no mundo, entendendo-as de acordo com as proporções imutáveis e as leis latentes, não manifestas mediante a simples análise visual. Vasari afirmou que a arquitectura mostrava maior conformidade com a natureza, do que a pintura

192CF.

W. Tatarkiewicz, Historia de seis Ideas, p.327

60 ou a escultura...referia-se às semelhanças quanto ao processo de criação — natura naturans. A natureza era perfeita, segundo os antigos, pois evoluía de forma ordenada e determinada, harmoniosa e equilibrada, correspondendo ao conceito cosmológico de criação, e assim se constituiu em modelo para as criações do homem. Possuia, efectivamente, as proporções certas que havia que copiar na arquitectura, na pintura e na escultura. A ideia do conceito de natureza evoluiu, e com Aristóteles concebeu-se a mudança, na medida em que ficou afirmada a possibilidade da Arte poder ser superior à natureza, ao conceber a categoria estética de uma Beleza idealizada, modelo perfeito, para o qual concorriam os elementos mais perfeitos que existiam isoladamente na natureza, conformando-se num todo belo. Esta posição resultou na ruptura com a ideia inicial da doutrina grega, acerca da supremacia da natureza sobre a arte, impondo o conceito de beleza idealizada, baseada no cânone. Almada prevaleceu sempre esta acepção categorial de beleza, e a ideia de imitação aristotélica: "A imitação da natureza (Aristóteles) não é uma cópia exacta da natureza, é não uma mas a síntese da natureza, a perfeição ideal que faz servir a exactidão."193 No pensamento teológico, vigorando durante a Idade Média, a natureza era símbolo vivo da criação de Deus, o que lhe conferia um grau analógico absoluto de beleza e perfeição, princípio que foi formulado originariamente pelos Padres da Igreja, baseados nas ideias sobre a Criação, manifestas no Livro do Genesis. Deus era o Grande Artista, à semelhança do qual o humano devia procurar, salvaguardadas as suas limitações, exaltar pela sua criação, a excelência do acto divino.194 Durante o Renascimento, a natureza foi avaliada de formas diferentes: na linha platónica, Marcilio Ficino 195 atribuía-lhe uma modesta situação; Leonardo da Vinci 196 considerava-a a perfeição suprema; Bellori197 fazia-a inferior relativamente à Arte. A 193"O

Número", Ver, p.181 acordo com as diferentes tendências da Estética Medieval, predominaram acepções diferentes, consoante os princípios privilegiados: na estética das proporções, na estética da luz e na estética do organismo. Esta manifestamente, integradora de maior relação ao privilegiar a criação à semelhança da própria organização subjacente nos produtos da natureza. CF. Umberto Eco, Arte e Beleza na Estética Medieval, pp. 106 a 123 195Marsilio Ficino dá primazia ao conceito de ideia como princípio estético por excelência e para a teoria da arte, assunto acerca do qual se confronte Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p. 52, p. 55, pp. 86-87. 196Cf. Panofsky, Idea — contribución a la historia de la teoría del arte , p. 47; Cf. do próprio Leonardo da Vinci, Aforismos, sobre o conceito de natureza, pp.39-43 e sobre a questão da imitação da natureza, como postulado para a praxis pictórica, vejam-se pp. 66-68. 197 Acerca da teoria de Bellori confrontar obra de Panofsky mencionada supra, pp. 96-97. 194De

61 natureza, de modo geral, era celebrada pela riqueza do seu colorido e das suas formas, pela harmonia das leis que a configuravam. Avaliava-se de acordo com os parâmetros da razão, que foram radicalizados no período do naturalismo racional, na 1ª metade do século XVII; a perfeição era atingível pela razão e pela natureza; a Arte aspirava a ser tão racional como a natureza. Posteriormente, a teoria veio a decair, alterada por diferente concepção de natureza, prevalecendo a necessidade de relação entre a arte e a natureza. A posição racionalista sobre a natureza, o culto que lhe era atribuído, devolveu-lhe a excelência dos seus atributos visíveis novamente, na sua diversidade e magnificência. A teoria naturalista, reconhecia na arte, a superioridade relativamente à natureza, ainda que tomando-a como modelo, a ela se submetendo, pretendia excedê-la. As ideias e posições, sobre a relação entre ambos termos, manifestos até aqui, pretendem exemplificar as dificuldades em entender, de forma simplista, qual o quadro em que se situaria a utópica situação relacional, se existisse sem necessidade de conciliação do humano com a sua própria natureza de pertença. Com o advento histórico na Arte, do realismo e do naturalismo, a relação imperou na estética do século XIX, até à ruptura do Impressionismo, preservando todavia a configuração imagética que a considerava, renovandoa, tornada indispensável como tópico experencial de novas linguagens e conceitos na praxis artística. Almada procurou expor os limites, as fronteiras da natureza relativamente à arte, pois a "Arte não só não copia a Natureza, como também apenas começa imediatamente depois de ter tomado conhecimento dos próprios limites do que é natural."198 A noção de naturalismo que Almada criticou, confundia-se com a obsessiva cópia da natureza, em termos picturais, sem consciência da distinção, o que não significava qualquer supremacia saudável da arte, antes uma submissão que inibia a criatividade do artista. A esse estilo esgotado, contrapunha Almada, a inovação cubista e a exaltação futurista da vanguarda, embora reconhecendo que: "O próprio artista não está ainda liberto da visão fotográfica, nem de toda a estética naturalista passada para no novo caminho aberto estar hoje em sua casa."199 A Arte por ser um complexo de criações artificiais, é um mundo artificial, pelo que se opõe à natureza; "são dois 198"Arte

e Artistas", Textos de Intervenção, p.70 modernas expressões da Arte segundo Almada Negreiros recém-chegado de Paris”, Diário de Lisboa, 22 Junho 1949 199“As

62 mundos diferentes: um natural, espontâneo; outro, artificial, construído. De comum entre ambos só há a vida."200 Precisamente porque são opostos, implicam-se, não se excluem, disputam entre si a vida: "Para lá das fronteiras naturais da terra nasce a Arte e Vida continua e, mais nova do que nunca e tão imediata como sempre."201 Porque sabia a imprescindibilidade vital da natureza, por respeitar a sua integridade, é que Almada reafirmava que não fosse copiada na pintura, pois a natureza não admite interpretações que a adulterem. A natureza tem de ser ela própria, presença inteira, única, infinita e imutável, que se deve fotografar e nunca tentar pintar em simulacro ou ilusão. Almada reconhecia, todavia, ser difícil conseguir esse propósito, consolidá-lo, nomeadamente, por causa do público, pois este não sabe distinguir de forma correcta, o que é a natureza e o que é arte, habituado que estava a ver uma pintura naturalista, cujo propósito era representar muito directamente a realidade.202 O compromisso manifesto, entre o artista e o público ,exigia que se estabelecesse a comunicação, e o modelo que, artificialmente, melhor parecia responder, consistia no reconhecimento imagético dos tópicos representados na pintura, em conformidade com a aparência da natureza. Essa conjectura era todavia falsa, na medida em que, predicava apenas a ilusão, a aparência, confundindo os espectadores, os fruidores — marcante reminiscência das ideias estéticas do platonismo, na condenação da pintura como falsa... Pelo contrário, a configuração representacional do fenómeno pictórico estabelecia-se solidamente através do livre exercício da imaginação, propulsora da criação artística: "Enquanto a imaginação não estiver bem assente nos seus legítimos alicerces individuais, a Arte não poderá começar ainda a sua grande obra para todos."203

200"Arte

e Artistas", Textos de Intervenção, p.70 ibidem, p.70. Na edição publicada pela INCM, parece existir uma gralha na frase que segue, constante do texto mencionado: "Porque a Natureza é exactamente o posto de Arte, o seu oposto." Deverá ser "oposto" e não "posto", para ser coerente com as considerações presentes. 202Esse teria sido um dos motivos que orientou o primado do "verdadeirismo" na pintura, até que esta veio a ser liberta pela fotografia, cuja natureza e características técnicas correspondiam adequadamente ao propósito de fixação fiel da realidade, da natureza. A fotografia é "a retratista da natureza", através da máquina que "mostrava às gentes o que elas tinham diante dos olhos!" Cf. Almada Negreiros, "O Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p. 120 203"O Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.124. Confronte-se com as reflexões de Paul Klee, mostrando-se a afinidade de ideias entre ambos: "...l'artiste n'accorde pas aux apparences de la nature la même importance contraignante que ses nombreux détracteurs réalistes. Il ne s'y sent pas tellement assujetti, les formes arrêtées ne représentant pas à ses yeux l'essence du processus créateur dans la nature. La nature naturante lui importe davantage que la nature naturée."Cf. Théorie de l'Art Moderne, p. 28 E ainda a metáfora da árvore, relativamente aos termos que cumpre a actividade criadora do artista moderno, cf. de Paul Klee, On Modern Art, pp. 13 a 21. 201"Idem,

63 Almada salientou o papel da imaginação, com intuito de promover a comunicação entre todos, pois é faculdade individual em cada um, e de cada um, enquanto que o excesso e a obsessão de realidade na arte incapacitava para toda e qualquer linguagem. A imaginação, enquanto motivação infinita no campo realizador da arte, confere à Arte, a condição de linguagem imortal, ultrapassando a intransponibilidade das diferentes linguagens, parcelares entre si, na unidade da linguagem universal — a da comunicação, por excelência —, a Arte. Almada adoptou, uma noção de Arte fundada na liberdade, no campo disciplinar (de expressão) em que se exercia a verdadeira criação — poiésis; o artista precisava de independência para a cumprir, deixando-se impregnar pela obra em génese: "Quem manda é a obra e quem sabe é o Autor, quem manda é a Arte e quem sabe é o artista."204 Esta exigência aplicava-se nas diferentes artes. Na pintura, o autor tem de inventar a sua pintura, desenvolver o campo da sua personalidade, o que se resolve se ele souber recuperar a essência da poesia, a imaginação, depois de, durante séculos ter exercitado a sua capacidade fotográfica de fixação estática das imagens da realidade. Se se entender técnica como habilidade de, excessivamente, copiar as imagens da natureza, a realidade, então a técnica é prejudicial ao criar do pintor, restringe-lhe a autonomia, procurando-lhe temas em que possa explicitar o seu virtuosismo pictórico.205 Tomando a pintura, como paradigma da criação artística, ideia proveniente da afinidade pessoal, Almada afirmava que "Pintar é falar consigo mesmo para que alguém nos entenda", tarefa complexa, reconhecendo que, "A pintura é a verdadeira arte para heróis".206 Justificava a convicção, por confrontação com as vias da pintura desenvolvidas nas vanguardas, género artístico em que se consolidou a impugnação do quadro axiológico anterior. Competia à pintura recolher, "O novo mistério do mundo humano está perfeitamente enunciado diante dos seus olhos. Hoje são necessários apenas os heróis do novo mistério do mundo."207

204"Desenhos

animados, realidade imaginada", Ensaios, p.159 técnica é um prejuízo do pintor, um novo preconceito; a pintura é uma atitude da nobreza humana e não pode ser encarada apenas por uma profissão de oficina." Cf. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.103 206"Entre todas as outras artes foi sempre a pintura por diante das outras e hoje mesmo, na vida actual, a pintura moderna está senhora de si mesma incomparavelmente mais do que nenhuma outra arte."(...) "O pintor moderno está completamente virado para diante de si mesmo, sem sombra de nostalgia pelas costas." Cf. "Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.109-110. 207"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.110 205"A

64 A Arte precisou da imaginação do artista para se realizar de acordo com as exigências acima expressas, por imaginação significando a personalidade individual humana, essa faculdade que Kant reconhecia ser o domínio do gosto, em que a beleza se configurava em moldes tão íntimos da experenciação estética também. A imaginação envolvia o "apuramento da sensibilidade emotiva e uma promessa de reaparição da Arte." 208 Pela imaginação, como faculdade individual, o Homem pode viver na natureza, sendo uma e outra os dois grandes valores que existem para a humanidade, completando-se mutuamente.

2.5. Arte e Poesia O acto da poesia é único, a "Poesia é senão por onde é para cada um."209

A Arte é constituída por expressões disciplinares que geram um todo: a pintura, a escultura, a arquitectura, a música, a dança, o teatro, e também o cinema...Todas as artes foram abordadas, a seu tempo, de acordo com a intensidade, aprofundamento e uso que o Almada lhes deu — no domínio criativo ou crítico. Singular situação é a da Poesia, expressão articuladora da vida, que lhe configura unidade de sentimento, pensamento e imaginação. A Poesia é o estádio supremo da Arte, como expressão e comunicação. Almada, confrontando-se com a perspectivação esotérica que lhe atribui, anunciou-lhe a missão suprema: assunção da Luz — o conhecimento — que confere a autoridade pessoal até chegar à personalidade.210 A Arte é um processo intelectual; é um conhecimento em estado de recepção; mas só na Poesia é que se encontra o élan de cada qual.211

A Poesia, sendo de ordem superior, encontra na Arte, o seu único modo de expressão; transcende-a, pois a Arte não se sobrepõe à Poesia, que é génese íntima do poeta: "Quem fala são sempre as pessoas e nunca a voz que as

208"O

Cinema é uma coisa, o Teatro outra", Ensaios, p.124 e Criação", Ensaios, p.166 210Cf. supra p.50, acerca da Poesia e Ingenuidade ver a respectiva abordagem neste mesmo capítulo. 211"Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios, p.147. Quanto à natureza da Poesia, segundo Almada, encontra-se afinidade com a convicção afirmada por Jacques Maritain ao afirmar que a Poesia se liberta no sentido poético que as obras de arte possuem quando são produto da unidade pessoal. A Poesia é produto da acção do autor, sendo a acção uma propriedade exigida por toda obra de arte. Cf. L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, p.343 209"Poesia

65 pessoas têm."212 A Poesia provém do mais recôndito de cada um, revela a pessoa efectivamente, desvelada a sua essência, pela unidade criada. A Poesia, no modo como Almada a concebe, aproxima-se da poética de Jacques Maritain, incidindo na acção transcendente da Poesia. A poesia ligada, por natureza, à Arte, considerando Maritain que, por sua essência, se dirige à Arte; na ordem da criatividade, devido à sua comunhão espiritual com o ser, a poesia transcende mesmo a Arte. A transcendência da poesia advém-lhe de dois factos: é essencialmente libertação e actuação da livre criatividade do indivíduo, na sua dimensão espiritual e, portanto, não tem objecto. Não possui objecto, pois a Beleza, é em Maritain um correlativo transcendental, um fim para além do fim213 — equivalente à Luz de Almada. A Arte está na obra criada, como produto, ou seja, o objecto encerra a livre criatividade do espírito num género particular, numa categoria particular; é conhecimento, um conhecimento essencialmente orientado para a expressão e acção, mas não é um conhecimento prático, no sentido restrito do termo. É apenas de forma distante, através da arte, que o conhecimento poético está em relação com o prático. Por outro lado, a Poesia, de acordo a esta perspectiva, transcende a Arte, sendo um conhecimento que, analogicamente, possui o carácter contemplativo da Filosofia; é conhecimento da interioridade mesma das coisas — ainda que sendo um conhecimento experencial totalmente diferente do conhecimento teorético afecto à Ciência e à Filosofia. A Arte, por sua vez, está totalmente comprometida com o conhecimento prático, em sentido restrito, é conhecimento para fazer. A acção transporta o conhecimento poético do seu próprio estado ou nível, para um estado mais objectivo e mais universal, onde o conhecimento criativo é ainda incapaz de existir, em termos de razão conceptual e lógica, mas é descomprometido da "noite da subjectividade".214 Quanto ao conhecimento afecto à Poesia, Almada considera a relevância do conhecimento sensível como elemento integrante, essencial da Poesia: "Entendo por Poesia a aliança sagrada do conhecimento sensível e a acção pessoal que se chama personalidade."215 A diferença entre Almada e Jacques Maritain situa-se ao nível da procedência do conhecimento poético. Em 212"Elogio

da Ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia", Ensaios, p.147 Jacques Maritain, L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, p.223 214Cf. Jacques Maritain, op. cit., p.345 215"Reaver a Ingenuidade", Ver, p.51; Cf. "Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, pp.35 a 39. 213Cf.

66 Almada provém, como se viu, do conhecimento sensível, esse tipo de conhecimento que fundamentou no conceito de Aristóteles, citando-o: "O conhecimento sensível é comum a todos; também é fácil e nada tem de filosófico."216 O conhecimento poético não é conhecimento sensível no sentido restrito, é conhecimento de ordem emocional, embora salvaguardada a sua dimensão intelectual. O essencial no emocional é expressar-se, e o conhecimento é serviço feito pelo intelectual ao emocional, donde nasce a Graça, na sua dupla acepção, de sagrado e poético, Graça que está na ingenuidade. É a chegada triunfal do conhecimento ao Homem determinado. É transfiguração do indivíduo em pessoa, é luz e vértice da Poesia. A Poesia é o conteúdo, aquilo que se deseja dizer, e a Arte é a maneira de dizer o conteúdo. A Arte serve deste modo o seu único fim, o Homem, na medida, e quando existe expressão, quando há Poesia, então a Arte revela. Obviamente, em Almada, a Poesia é manifestação espiritual, na unidade que o Autor concebia na personalidade, entre sensível e espiritual, entre sensível e sagrado. O que se concilia com a posição em Maritain, que situava o conhecimento poético, manifesto na experiência poética, emergindo do préconsciente espiritual, um estado de conhecimento obscuro, inexprimido e "saboroso" (fruído). Esta dimensão estaria igualmente presente em Almada, se se atender à abordagem "obscura" — porque latente, a necessitar o desvelamento pela poesia, em estado "de ingenuidade para criar poesia: "A Arte é outra coisa — é dom conquistado e chamado Poesia!"217 A Poesia reunia em si, segundo a tradição do próprio Homero, a possibilidade de estender sem fronteiras o acto de comunicar — é universal. A Poesia era, na perspectiva de Almada, "linguagem universal, ligando todos os povos indistintamente ou errantemente de povo em povo, sem preferências, sem predilecções."218 Acentuando a ideia de Almada, afirme-se que à Arte é dado ser Poesia, pela experiência estética da pessoa individual. Portanto, a visualidade interior que a Arte exterioriza, transparece para além da forma, se "dominar e conseguir fazer durar e perdurar esse instante de meditada espontaneidade, no qual surja a presença clara e luminosa do que é humano, ou seja, a um tempo natural e imaginado, superior e universal." 219 A Arte como presença estática, 216Aristóteles,

Metafísica, A, 2, 10 citado por Almada Negreiros, "Reaver a Ingenuidade", Ver, p.53. Confronte-se a versão portuguesa do Prof. Joaquim de Carvalho: "O conhecimento sensível é comum a todos, e por isso fácil e não científico." Cf. Aristóteles, Metafísica, p.8, ed. Atlântida. 217"O Cinema é uma coisa, o teatro é outra", Ensaios, p.121 218Almada Negreiros in “Quem era Homero?”, Diário de Notícias, 16. Janeiro 1944 219Idem, ibidem, p.121

67 inclui todas as expressões, possíveis para atingir a visualidade interior — oculta e obscura —, "essa aparição que transluz da matéria manufacturada."220 Poder-se-ia aludir, ao que Maritain considera ser, a Epifania da Intuição Criadora, para transposição ao pensamento de Almada. Efectivamente, anterior ao acto gerador da Poesia, é a intuição criadora, espécie de estado de ingenuidade, de inocência. É, por causa da sua relação à fonte criadora e ao valor intencional, que se estabelece a diferença entre o sentido poético e a acção — como actus secundus 221 para a existência da obra criada.

3. Teorizações estéticas — utopia, pessoalidade e educação 3.0. Preâmbulo A Arte é a própria linguagem do Homem, o seu conhecimento do Homem, a sua ciência do Homem, mas apenas o artista soube ver e expressar diante da Natureza.222

A estética propugnada por Almada Negreiros é potencializadora das condições artísticas para a dignificação superior do humano — "caso pessoal". É via e finalidade de superação "das formas em busca da harmonia de sujeito e objecto, a sua vitória do espaço no tempo..." 223 Em consentaneidade com a analítica da pessoa individual humana, perspectivada na singularidade dialogante para o colectivo, por via da abordagem ontológica, a incidência primordial, reconhecível para a sua estética, envereda pelos propósitos enfatizadores precisamente do humano como unidade pessoal singular — consubstanciada em corpo e alma: "Numa palavra: mostrar que a Religião, a Moral, a Sciencia e a Arte são meios e que o Homem e só ele, em sociedade ou individualmente é o fim."224 220Idem,

ibidem, p.121 Jacques Maritain, op. cit., pp.343 e ss. Maritain recupera a terminologia aristotélica segundo a qual a existência é actus primus , e acto de todos os actos, enquanto que a acção é actus secundus , acto terminal emanente, uma sobreabundância — excesso — de existência, pela qual o ser se afirma, para além da existência substancial. A acção é distinta da essência do agente e do seu acto de existir. É de forma analógica que Maritain transpõe estas noções, aplicando-as às qualidades espirituais que são os elementos ontológicos do poema, ou da obra enquanto obra do espírito. 222“Duas Palavras a um colaborador. Homenagem ao Arq. prof. Pardal Monteiro”, Textos de Intervenção, p.113 223Alberto Pimenta, "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio - Letras nº 79, Maio 1984, p. 28 224"A entrevista da semana - José de Almada Negreiros fala-nos das suas ideias e das suas intenções", Revista Portuguesa, vol.I, nº2, p.11 221Cf.

68 Almada Negreiros equacionou, as questões relativas à definição de Arte, em planos complementares, preocupando-se com as respectivas asserções espistemológicas, para esclarecer a sua posição teorizadora. Contribuindo para o estabelecimento do seu pensamento estético-antropológico, articulado a reflexões (e especulações) de âmbito ontológico (e metafísico) e crítico (sobre a radicação do caso português por confronto à cultura europeia ocidental), debruçou-se sobre a situação, estatuto, funções e abrangência do fenómeno artístico, pela via do Autor e pela via do seu público. Localizou a abordagem na sua contemporaneidade, contextualizando-a no tempo e para o tempo, motivado pelas questões afectas à theoreia e à praxis. da Arte. Não podendo estruturar-se, artificiosamente, pelo risco de desvirtuar, um pensamento que não nasceu de forma estruturada, pretende estabelecer-se uma rede de conceitos, que viabilizem o sentido conjunto, e localizem o campo de desenvolvimento estético e filosófico sobre Arte, criação artística, sobre poesia...enfim, apreendendo-se o que constitui o núcleo estruturante que se expande e suscita, simultaneamente, toda a obra de Almada Negreiros. A grande causa — procedência e finalização — de uma convicção inabalável, justificadora do facto é manifestada pela necessidade substantiva dos conceitos (modernidade, nacionalidade, humanidade e personalidade) anteriormente tratados, e radica na afirmação de que a Arte e a Vida constituem um Todo e são unidade irrevogável entre si. 3.1. Estética Utopista A estética da palavra permitiu a Almada Negreiros em 1917 o que a estética da forma lhe não permitiu. Não se trata de considerar a estética da palavra mais avançada que a da imagem.225

No período áureo da modernidade, num dos textos, manifestamente, de mais impacto, "Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do século XX", Almada anunciava a sua personalidade, pelo pasmo de si, pelo culto paradoxal do eu: "Eu sou aquele que se espanta da própria personalidade." Ao que, algumas frases após, complexificava a convicção de que: "A vida pessoal, mesmo até a vida do Génio, não têm a importância que lhes dão os velhos; são instantes mais ou menos luminosos da vida da humanidade." 226 Por outro lado, Almada avançou, no período posterior ao Modernismo, com a 225Alberto

Pimenta, "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio - Letras nº 79, Maio 1984, p. 28 às Gerações Portuguesas do século XX", Portugal Futurista, p. 36

226"Ultimatum Futurista

69 doutrina solicitada pela situação utópica da Arte, que se pretendia moderna, "de hoje". Correspondendo à aparente oposicionalidade de conceptualizões, com que Almada configurou os seus textos dessa época, afirmava que a Arte não tinha hipóteses, atribuindo à Arte uma responsabilidade sem alternativa, pois levada a agir, de acordo com os termos axiológicos renovadores exigidos, quer no âmbito do artístico, quer do estético; impregnada de valores societários e antropológicos de fundamento e acção. A conjugação da actividade do Autor, pela força e energia impositivas da sua personalidade — qual Génio? —, serviria de "instante luminoso" para a humanidade, se devidamente associada à assunção da arte, consentânea aos termos constitutivos que lhe conferiu, e à responsabilidade junto do colectivo. Apesar de em 1933, Almada rejeitar, por determinação epistemológica, definições expressas sobre o conceito de Arte, o facto é que, também as previu e foi consolidando ao longo dos anos; embora evitando estabelecê-las, a título meramente gratuito ou retórico, salvaguardou-lhe a necessidade doutrinária, para o desenvolvimento global da criação poética e para a expressão da identidade do Artista na colectividade. Almada criticava sobretudo a multiplicidade, do campo semântico nas definições — porventura definições consecutivas —, que apenas servia de exercício sem concretização, ao sublinhar que: "Há definições conhecidas de Arte e as quais nos recusamos a citá-las aqui. A razão da nossa recusa é precisamente essa de haver várias definições para uma única palavra."227 Para iniciar a abordagem epistemolégica do conceito, em Almada Negreiros, recue-se até ao período inicial da sua actividade e obra para o público. Os princípios basilares da Estética, que veio a desenvolver na maturidade, encontravam-se já manifestos, em duas asserções definidoras, explicitadas, precisamente, no texto alusivo à vinda a Lisboa dos Ballets Russes. Os elementos estruturantes que Almada, sempre convocou, para definir, de modo tão pessoal, os princípios substanciais da Arte e Criação, salientam o propósito conciliatório do seu pensamento estético, com a efectividade de atitude da praxis artística. A primeira afirmação taxativa sobre Arte relaciona-a à Ciência e à Educação:

227"Modernismo",

Textos de Intervenção, p.70

70 A Arte de hoje está definida, é uma Ciência concreta. Tem os seus deveres, os seus deveres de educação.228

A Arte proclamada nestes escritos, incorporando-lhe as considerações latentes, caracterizava-se por ser um método matemático conveniente "para aproveitar ou multiplicar as energias humanas em favor da civilização Europeia."229 Para Almada, desde início, que apenas fazia sentido uma via da Arte que respeitasse a Humanidade, atendendo na pluralidade de suas dimensões primordiais: "A Arte de hoje mostra nos seus resumos e na sua simplicidade todos os sentimentos comuns à Humanidade e explica em seguida a evolução infalível desses sentimentos." 230 Eis a segunda afirmação aproximativa à definição de Arte, contendo igualmente os elementos do posterior aprofundamento. Considerem-se pois: a forma como encara a Arte como Ciência e a sua missão educacional; a Arte escrita na matemática dos seres; a articulação entre a Arte e a Política — em termos ideológicos; a inscrição da Arte na própria Humanidade, pela via do caso pessoal humano, de cada um por si mesmo encontrado, pois "Arte é sobretudo atitude universal da pessoa humana."231 Convicções profundas, de que Almada estava imbuído, tendo avançado para aprofundamento filosófico, demonstrado nas reflexões centrípetas acerca do significado mítico-histórico e ontológico da humanidade, baseada no conceito nuclear, do caso pessoal humano, de cada um e de todos.

3.2. A utopia ideológica — Arte e Política 3.2.1. A ideologização da Estética Como atrás se referiu, já desde as primeiras afirmações públicas de Almada, que este anunciou, com profundo empenhamento, a missão artística, de substantiva intenção educativa, a exercer junto de um público que urgia actualizar, à semelhança da "outra" Europa. Este objectivo era comum aos diferentes discursos afectos ao Futurismo , nos diversos países que mais gregariamente o assumiram, como foi o caso italiano e russo — salvaguardando, de modo inevitável, as respectivas conciliações 228"Os

Bailados Russos em Lisboa", Portugal Futurista, p. 2 ibidem, p. 2 230Idem, ibidem, p. 2 231Orpheu 1915-1965, p.14 229Idem,

71 idiossincráticas. As manifestações públicas do Futurismo eram mais de ordem estética (e performativa) do que de prática artística, pretendendo implementar um processo de educação cultural em Portugal. Este processo deveria ser conducente à emancipação geral das novas gerações, com intuito prospectivo. Por outro lado, estava subjacente na própria definição do movimento, a assunção por parte dos protagonistas mais directos, do seu papel como educadores, como orientadores das massas, através da retórica autoritária, que se acomodou posteriormente, nas intenções ideológicas definidas pela política fascista — caso na Itália de Mussolini. Aliás, alguns anos depois do episódio futurista em Portugal, e a propósito da vinda a Lisboa de F.T.Marinetti, Almada não descuidou a sua ironia quanto ao ideólogo estético de Mussolini: Ouvimos na Sociedade Nacional de Belas-Artes o académico italiano F.T. Marinetti dizer depreciativamente que a Arte era um assunto meramente individual.232

Portanto, quando Almada assumiu em tom de desagrado, o que Marinetti considerava ser a Arte de foro pessoal, não estava a propor uma estética subjectivista que expressasse, de forma egoísta o eu individual, porque o indivíduo só se configurava intimamente como pessoa, na asserção relacional intersubjectiva, convergindo, com a manifestação da sua pessoa, na pertença à humanidade — e na humanidade, através de cada um dos seus respectivos núcleos colectivos, nacionalidade, colectividade, família. Ideia basilar que Almada afirmou, na sessão pública de 1951, no Centro Nacional de Cultura, de parceria e discussão com Fernando Amado: O Mundo da Arte é sinónimo do mundo da personalidade; e portanto, a linguagem plástica deve ser acessível a toda a gente.233

232"Encorajamento

à Juventude Portuguesa para o Cinema e o Teatro", Ensaios, p.132. O mencionado texto está datado de 1935, mas já anteriormente, em 1932, num outro artigo "Arte e Artistas", Almada referia o fundador do Futurismo — em termos algo equívocos —, também ao constatar o teor da relação subjacente, entre Arte e Política, quando considerava que Marinetti pertencia à raça dos condottieri e fora essencialmente um poeta, quando fundara o movimento futurista, "e bem pronto intervém decisivamente na política própria da sua colectividade." Considerava ainda que, ao agir desta forma, com a intenção prioritária do próprio Futurismo como grupo de acção estética e poética, Marinetti não fazia mais do que reagir violentamente, em igualdade de procedimento contra os movimentos sociais dos povos nórdicos, cuja supremacia se mostrava nítida relativamente aos meridionais. Assim, a "reacção provocada por Marinetti teve como resultado esplêndido a generalização do movimento que se estava localizando apenas no Norte da Europa: quando vencem os comunistas na Rússia surgem simultaneamente os fascistas em Itália. E as outras colectividades da Europa também procuram a expressão política que lhes seja própria, privativa e actual." Cf. op. cit., p.81 233Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.13

72 Portanto, a Arte e a Política não precisavam de se conciliar, na medida em que não existiam para colaborar mutuamente, "e o único encontro possível de ambas é nos resultados das suas acções particulares, ao produzir-se a presença de uma e da outra na vida da humanidade."234 Tampouco estavam destinadas a antagonizar-se, antes cada qual, saberia fixar-se na sua asserção e necessidade, intrínsecas para a humanidade. Nem a Arte combateria qualquer política, nem o inverso — utopicamente, é certo —, provocando-se a rivalidade, a nível opinatório, decorrente da diversidade de posicionamentos ideológico-políticos e da diversidade doutrinária sobre a Arte. Ou seja, no domínio duplo de uma pragmática, quer de actuação política, quer da artística, fruto das respectivas convicções enunciadoras, seus dogmas e hermetismo. 3.2.2. A utopia nacionalista — o compromisso As manifestações do colectivo, traduzem o sentido da nacionalidade, reflectindo-se na Arte; dirigem-se à evidenciação no comum, dos propósitos indispensáveis na vida da própria nação, assim como, a "Arte é tão indispensável a uma Nação como as suas próprias fronteiras." 235 A Arte, através da acção do artista, intervém na vida comum da colectividade, por imposição do movimento colectivo, mas parte a parte, por movimento do individual plural. A Arte contudo não é apenas uma "ideia colectiva" — como refere Heidegger 236 —, ela exige a acção e o poder deliberativo do seu autor precisamente como singular. Não se trata — repita-se — de uma estética subjectivista, mas uma concepção que está fundada nas exigências do artista como pessoa, na personalidade do artista acedida — pelo domínio do "segredo de como funciona o humano".237 Considere-se, nesta perspectiva uma Arte de sentido humanista, fundada na necessidade de relação com o

234"Arte

e Política", Ensaios, p.81 palavras de um colaborador — homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.116 236Na Origem da Obra de Arte , Heidegger ao questionar-se sobre a natureza e estatuto do conceito de Arte afirma que: "Mesmo se a palavra arte designasse mais do que uma ideia colectiva, o que é evocado através desta palavra só poderia ser tendo como base a realidade das obras e dos artistas." Ao que segue a interrogação que contraria esta asserção anterior: "Ou não será o contrário? Porventura há obras e artistas apenas na medida em que há arte, e mais precisamente enquanto sua origem?", Cf. p. 11. O problema colocado pelo filósofo alemão aborda certamente um nível da questão que não se encontra sequer em dúvida em Almada, na medida em que o pensador português afirma a Arte, sendo ele próprio sujeito realizador da mesma, sem dúvida sobre a necessidade de seu acto, pensamento e obra. 237"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.103 235"Duas

73 colectivo, de prioritário sentido "político" — na acepção etimológica grega remota, no sentido de polis. Relativamente à competência do Estado, quanto à promoção das artes, Almada considerava que era mais uma missão, do que um dever: "Um Estado não pode descurar das coisas de Arte e muito menos a ponto de que o próprio povo se tenha desinteressado de tal maneira dêste assunto como o povo português."238 Sabia, no entanto, que a situação em Portugal, quer oficial, quer a título particular não era credível, na medida em que publicamente se consideravam os artistas, "assim como cada aldeola tem o seu louco de aldeia", ajuizamento quase geral, determinador do tipo de aceitação manifesta aos artistas. De acordo com estes termos, Almada compreendia que ao artista convinha uma cumplicidade com o Estado, convinha ao artista fruir um estatuto oficial: "Oficialmente a melhor posição que atingirá o artista português é a de protegido." 239 Devia existir colaboração com o artista, quer particular, quer oficialmente, em termos que preservassem a autonomia e responsabilidade do artista, consigo e com a colectividade, e significassem uma necessidade para a Nação em si.240 Almada aspirava pela existência da Arte em Portugal, redenção dessa "nossa secular falha nacional de cultura e arte" 241 que viu — utopicamente — configurada na Regra Unica que o cânone, descoberto nas pinturas de Nuno Gonçalves, garantia historicamente. A sua consciência estética prezava a necessidade de uma cultura e de uma erudição, simultaneamente universais e nacionais, o que se orientava pela conjugação dos níveis sem exclusão, antes exigência mútua. Encarando a situação específica então vivida, Almada atribuía ao Estado a exigência de se interessar pelas artes e de proceder, de forma a recuperar o valor comum de manifestações — exposições — artísticas, de âmbito verdadeiramente nacionais; não reconhecia competência nos poderes públicos para formar artistas, competindo-lhes "não ignorar e reconhecer os determinados valores que a humanidade e a sociedade lhes indicam." 242 Almada referia-se designadamente "poderes públicos", promotores dos 238"S.O.S.

Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.88 de SW", Textos de Intervenção, p.126 240"Duas palavras de um colaborador - na homenagem ao arquitecto professor Pardal Monteiro", Textos de Intervenção, p.116 241A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, p.11 242“Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som”, Textos de Intervenção, p.141 239"Vistas

74 certames afectos às instituições nacionais de responsabilidade no sector: os Museus, a Escola de Belas-Artes e a Sociedade Nacional de Belas-Artes. Criticando o tipo de obras expostas nas exposições promovidas pelas instituições ditas oficiais, estipulou a necessidade de uma Arte representativa dos valores nacionais, uma arte do povo, uma arte do Estado, pois "cada país tem a seu cargo uma longa e persistente tarefa de muitas gerações, a qual consiste em fazer a ligação, uma ligação nacional, entre a arte erudita e os costumes populares."243 Almada — em 1934 — sublinhava o facto de que: "Cada país tem o trabalho nacional de fazer coincidir a arte erudita com a sua arte popular. Isto é, o povo em si não falha nunca, está sempre nos seus próprios costumes, mas, abandonado a êstes, entra em degenerescência ou desfaz-se em emigração." Pelo que, cabia aos artistas, a renovação incessante de "suas musas privativas e os seus sentimentos originais." A dificuldade estava onde se achariam representantes suficientes, idóneos da raça portuguesa, a quem competia direccionar a maneira de ser e de sentir colectiva-nacional!244 O Estado, promotor do país como nação, tinha a sua cota parte de responsabilidade. A postura oficial achava-se falha de responsabilidade e consciência, propósitos superiormente presentes em Almada, motivo que o levou a questionar a responsabilidade e competência dos académicos directamente vinculados às instituições oficiais, aos quais, na maioria, não reconhecia idoneidade. Não os achava "mentores sensitivos e estéticos", o que lhes retirava a autoridade para se legitimarem como tal. O povo, como constituinte supremo da nacionalidade, não podia ser culpado da inoperância e incompetência de indivíduos que não existiam como tal; aqueles que deveriam assumir a responsabilidade de Arte perante o povo, deveriam sair do próprio povo, "e apenas o interêsse comum e colectivo os há de reconhecer e até favorecê-los no seu mandato."245 A dificuldade começava — repita-se — pela natureza e prática, de um ensino artístico que não correspondia às exigências inerentes, um ensino que não podia promover em termos públicos, em Portugal, "nem sequer tem uma rudimentar consciência

243Cf.

"S.O.S. Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.89. Almada posicionava-se segundo os parâmetros nacionalistas que viriam a ser subsidiados por uma política conveniente — em termos ideológicos e segundo acordo pragmático — próximo das finalidades definidas pela implantação do Estado Novo, política da qual se viria a dissociar posteriormente, ao empreender um caminho pessoal que transcendia a competência da nacionalidade propagandista. 244Cf. Idem, ibidem, p.89 245Idem, ibidem, p.89

75 da actualidade, capaz, portanto, de levar erudição e estética às camadas profissionais e populares."246 A solução de Almada, residia, por consequência, na iniciativa pessoal dos artistas que procuravam superar a situação, por si, não esperando que o Estado deliberasse acerca das coisas de Arte, o que se traduzia na enumeração de casos particulares que não respondiam à tarefa que ao Estado, Almada atribuia.247 Urgia a actuação, consciência do dever, na ordem da responsabilidade político-social do Estado, promotor de uma Arte de âmbito nacional.

246Idem,

ibidem, p.90 acreditamos no Estado e acreditamos que Êle não pode de maneira nenhuma deixar de ser competente em todos os seus assuntos um dos quais se chama Arte." Cf. Almada Negreiros, "S.O.S. Belas Artes", Vida Contemporânea, 1 (1) Maio 1934, p.90. 247"Nós

76 3.2.3. Utopia estética do social A política, tomada por Almada como sinónimo de social, apresenta as urgências e actualidades deste, o que a caracteriza como um meio constante, que "enche toda e qualquer realidade" 248; por seu lado, o outro termo de confronto, o humano, por natureza, é sinónimo que à Arte se obriga. Sendo do humano, a Arte é invariável na "condenação" cronológica à história, é perene, ou seja, a Arte é o social.249 "O social e o humano não são opostos, nem sequer adversários"250, ambos são elementos essenciais na assunção da Arte, não se opondo, nem se disputando, pois pertencentes à mesma, e única, "humanidade na sua realidade actual e física e na sua eterna presença de espírito."251 Esta ideia justificava-se porque Almada concebia, para o destino da humanidade, uma única política universal, e ambas, Arte e Política, integravam-se nessa única política universal, que transcendia as cisões e a fragmentaridade dos fanatismos. A Política, tomada na sua irredutibilidade, "por mais geral e total que seja"252, não conseguiria nunca atingir, o que Almada designou, pelo unânime da Arte. O unânime era alcançável apenas pela via do Espírito, era o encontro da consciência humana pessoal com a consciência universal, consciências íntimas de cada pessoa humana. A Arte afirma-se na conciliação, nunca no ódio ou negação dos valores supremos da pessoa humana: "A grande diferença entre Arte e Política é a de que a Arte não tem ódios."253 Almada aspirava ao restabelecimento de um tempo de concórdia, de harmonia, entre a colectividade e os seus indivíduos, que se reflectiria na conciliação do artista com a sua colectividade, pela comunicação — veja-se também colaboração —, realizada pelo conhecimento e pertença do sentimento universal.254 A colectividade não significava estrutura política em abstracto, embora se prenda às suas determinações conceptuais e implique, um agir complexo das componentes que nela se integram. O papel do artista na colectividade, na sociedade, era caso indispensável, intrínseco, dir-se-ia, conivente e natural, pois ele "é um resultado directo da 248"Arte

e Política", Ensaios, p.84 Negreiros in Orpheu 1915-1965 evoca uma ocasião vivida por si mesmo, em Madrid, quando Federico Garcia Lorca teria afirmado: “— Arte social?! Frederico puxou escarro que não tinha e cuspiu-o para o lado: A arte é o social.” Cf. p.7 250"Arte e Política", Ensaios, p.84 251Idem, ibidem, p.84 252Idem, ibidem, p.85 253"Fernando Pessoa, o poeta português", Ensaios, p.139 254"Prometeu, ensaio espiritual da Europa", Ensaios, p.112 249Almada

77 humanidade e da sociedade; é um lugar legítimo de determinadas individualidades, e nas quais a acção dos poderes públicos poderá apenas reconhecer os seus valores, social e humano." 255 A posição expressa por Almada, mostra afinidade às ideias estéticas de Schiller, e orienta-se pela revalorização da Cultura e pensamento gregos, em moldes absolutamente optimistas. Como acentua Vicente Jarque, Schiller encontrou na Grécia "una especie de idealizado contrapunto de su diagnóstico pesimista de la modernidad."256 A natureza da conciliação, a harmonia que Almada, utopicamente, predestinava para a conveniente presença da Arte e artista na sociedade, aproximava-se, pela via recuperativa, do sentido imanente no período áureo da cultura e arte gregas em que, "No había, por tanto, contradicción entre naturaleza y cultura, es decir, entre el individuo empírico, físicamente determinado por su sensibilidad particular, y el sujeto ético, el ciudadano comprometido con una racionalidad universal."257 A radicação do pensamento de Almada Negreiros, em autores de princípio do século XIX, manifesta-se, designadamente, nos termos utopistas da relação entre Arte e colectividade, em que Arte e humanidade se estabelecem mutuamente, como acontece em Goethe, Hegel e Schiller. A acepção em que Almada tomou o Romantismo, evidencia a relevância que lhe atribui, nomeadamente, no respeitante à concepção de indivíduo, sozinho no mundo com a sua própria genialidade — paradigma do artista na dimensão antropológico-filosófica, na narrativa filosófica da História, e não apenas como elemento charneira na corrente literária: Por esse tempo nascia na Europa o Romantismo e era como uma libertação de todos os indivíduos, de todos aqueles que tinham legitimamente a sua vida para vivê-la, a hora dos Prometeus desencadeados.258 255"Mensagem

estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som", Textos de Intervenção, p.141 256Vicente Jarque, "Friedrich Schiller", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.234 257Idem, ibidem, p.234 258"Direcção Única", Ensaios, p.45. Em nota de rodapé extremamente desenvolvida, inserta no texto "Prometeu, ensaio espiritual da Europa", referindo-se ao Romantismo , Almada Negreiros salienta o facto de que "O romantismo, que em geral se toma apenas como atitude literária, como o foi realmente na França, tem outro sentido bem mais veemente do que este lá no próprio país da sua origem, a Alemanha." Cf. op.cit., Ensaios, p.96 Ao que Almada segue o raciocínio, considerando-o um sucedâneo do protestantismo que, por sua vez, significou o "movimento geral do Norte, separando-se do Sul" e da obediência da cultura clássica greco-latina do Sul da Europa. O problema do conhecimento, convergindo para o Romantismo, como símbolo dicotómico do fenómeno colectivo, numa perspectiva societária, era que os nórdicos não admitiam

78 A incidência filosófico-histórica, dominante na abordagem estética de Schiller, forneceu "un contenido más nitidamente antropológico, y más objetivo, al formalismo estético desarrollado por Kant en la primera parte de la Critica del Juicio"259, e não somente no respeitante à apologia da ingenuidade que Almada retomou, para a sua doutrina, de missão humanizadora da Arte no social. Hegel, depois de Schiller, procurou uma unidade recuperadora da filosofia, fundada na experiência estética, segundo as sistematizações resolutórias dos dilemas kantianos — subjacentes no seu criticismo —, realizadas, quer por Schiller e Goethe, quer por Herder, anteriormente. Assim, Hegel pretendeu configurar uma análise da história em que a Arte — e a experiência estética — era um caminho para o Absoluto, e não um fim em si. A sua dialéctica, estabelecendo a autonomia da filosofia, trazia-a através da reconciliação do finito e do infinito, da necessidade e da liberdade, vertida na dialéctica do sujeito e objecto, e do sujeito com o Absoluto. A Arte obrigava a um desocultamento, dado o seu carácter aparencial, pois a Beleza era uma espécie de véu que encobria a verdade, na ordem do subjectivo. Para Hegel, foi exigência tomar os três elementos que permitiam o desenvolvimento do Espírito Absoluto: Arte, Religião e Razão. A estética de Hegel considera a Arte como algo consequente ao passado — sendo uma das primeiras em afirmá-lo, segundo Vicente Jarque —, de um modo quase exclusivo, o que o levou a conceber a sua visão do "depois da Arte". Este modo de expressar a situação da Arte, foi entendido por muitos como o anúncio — ou proclamação — da morte da Arte, numa época em que dominava um paradigma científico-técnico, numa sociedade, cuja mentalidade privilegiava a racionalidade filosófica. Esta compreensão das reflexões hegelianas poderia mesmo ver-se subvertida, na medida em que poderia incentivar exactamente à posição contrária, ao "revelarse insospechadamente fecundo en orden a una mejor compreensión tanto del presente como del porvenir del arte."260 O compromisso do artista, conduz a posição que assume perante a colectividade, o que sucede com a "aristocracia do espírito", e determina, que existissem outras posições teóricas, enquanto que os do Sul o faziam. Entre os nórdicos e os meridionais persiste sempre a "eterna divergência das duas interpretações possíveis que ligam o particular ao geral o Norte representando o sentido do particular para o geral; o Sul o do geral para o particular." 259Vicente Jarque, "Friedrich Schiller", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.233 260Idem, ibidem, p.227

79 igualmente, de forma bem clara e constante, a relação com as políticas, a relação com o poder: "O artista e toda a aristocracia do espírito servem lealmente o conhecimento e o espírito, e estão por conseguinte em franca colaboração com tudo quanto esteja dirigido também para o conhecimento e para todas as oposições do espírito."261 Almada, ao pretender a conciliação de princípios e propósitos entre a colectividade e os seus indivíduos, crescendo a harmonia no domínio da arte do humano, estaria a salvaguardar — e a assegurar —, a própria continuidade da Arte, entendendo-a pertença íntima da humanidade. Efectivamente, situando-a como algo do passado — a forma mais autêntica e exigida da Arte — tornava-a, de forma paradoxal, viável na continuidade da existência do próprio homem.

3.3. Recepção estética — paradigma e exigência 3.3.1. A concepção romântica do Artista Eu não conheço pragmática nenhuma, seja para me apresentar ao público ou não. Por isso começo por dizer, estou verdadeiramente atrapalhado. (...) O Artista é para ser e pensar e dizer e ter um espectáculo, fornecer o espectáculo para todos, ele tem que ser profundamente pessoal para chegar ao impessoal e ser todos.262

As coordenadas temporais, na sua complexidade são irreversíveis, condicionando a acção e posicionamento do artista como tal, na sua relação à colectividade: não era questão de pertencer ao seu tempo cronológico, como se viu, o artista está para além do tempo, pois pertence à Humanidade, ideia de radicação romanticista que Almada tomou de Alfred Musset, citando a obra emblemática Une Confession d'un Enfant du siècle.263 Ora, o artista deveria cumprir a pertença à Humanidade, não sendo mero testemunho, espécie de documento da sua época. A sua pertença efectiva à Humanidade é uma exigência imprescindível para que ser Arte, pois "Sem a Humanidade 261"Arte

e Política", Ensaios, p.86 que eu pretendo dizer sobre Arte nem a Artistas posso di-lo, que eles não aceitam. Têm sempre qualquer coisa que depende deles, que não é a sua própria personalidade que vai paralela, mas não é. Não é a mesma. Essa é que é exactamente o difícil do Artista.” Excerto de uma palestra feita por Almada Negreiros na Fundação Calouste Gulbenkian, em 24 de Fevereiro de 1967, citado por Artur Nobre de Gusmão, "Do meu convívio com Almada", Almada - Actas do Colóquio "Almada" , p.52. 263Cf. "Modernismo", Textos de Intervenção, p.58 262“Aquilo

80 não existe nada neste mundo, nem a Arte." 264 A afirmação de Almada, proporcionada por Musset — outra das vias para a confirmação da sua tese —, recupera a perspectiva afecta ao Romantismo, contextualizada na valorização e imprescindibilidade da pessoa humana e da Humanidade na Arte.265 O primado da melancolia, enunciado nos poetas românticos, elemento necessário para a sua configuração simbólica como tal, seria consequência, do desacerto, entre esses tempos diferenciados que o condicionam, na medida em que o presente se apresentava irrealizado, propugnando a possibilidade utópica do eu, "es mera inconsistencia, una dimensión vacía con la que rivaliza el poeta: "El presente siglo [...] separa el pasado del porvenir, sin ser lo uno ni lo otro." 266 No caso de Almada, a posição dos artistas, não deixava de manifestar uma certa melancolia, latente na sua argumentação relativa ao conceito de ingenuidade. Uma das resoluções para superar o estado de melancolia 267, converte-a em experiência estética privilegiada, referindo-a à cumplicidade actualizadora; propondo-a para inflexão insurreccional, igualmente qualificativa dos tempos românticos, — relacionando-a com as afirmações suscitadas pelas convulsões político-sociais. Referia-se, designadamente, a sedimentação da 264Idem,

ibidem, p.58 Javier Arnaldo, numa muito recente análise do movimento romântico, pode retirar-se a principal ilação, a partir da obra de Musset, no respeitante aos moldes em que o poeta francês estabeleceu a experiência ontológico-estética do artista entre o seu tempo presente e o tempo do passado que o precedeu: é o primado da melancolia, essa vivência extremosa do eu, cuja marginalidade subjectiva dominou a criação poética romântica — na sua poetologia latente. Cf. "El movimiento romántico", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.196 266Alfred Musset citado por Javier Arnaldo, "El movimiento romántico", Historia de las Ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, p.196 267No texto intitulado "Alegria e Tristesa", datado de 1 de janeiro de 1925, publicado in Artigos no Diário de Lisboa , pp.107-108, Almada teceu uma série de considerações relativas a esses dois estados anímicos, tratando a questão dos afectos, associados aos temperamentos, e nomeadamente salientando a categoria específica da "saudade", como o único caminho que vai desde a tristeza até à alegria: "a Saudade do que já passou e a Saudade do que há-de vir!" Parece-lhe ser indispensável a tristeza para a melhor recepção da alegria, oferecendo ao leitor uma metáfora dos seus sentimentos: "Sempre que vejo a "Melancolia" de Dürer fico, como ele, com a convicção de que "intenta de medir mal sem medida"; todavia a esperança não nos larga apesar de tudo, nem se nos acaba a fé deante de nós!" Curiosamente René Huyghe em Diálogo com o Visível, apresenta a gravura de Dürer — Melancolia — precisamente quando à disparidade do eu relativamente ao universo, quando o indivíduo sonha com a possibilidade de conciliação e diálogo: "Sonhamos com um elo mais seguro do que este acidente que nos força a só podermos existir num meio absolutamente diferente de nós próprios.", evocando a propósito a mencionada gravura que surge com a seguinte legenda: "O homem traduz pela arte a sua angústia perante o universo que lhe é estranho..."Cf. Huyghe, op. cit., p.536 É nítida a posição em que Almada toma a sua vivência estética da gravura, endereçando-nos para elementos integrantes da imagem em si que mostra uma figura alegórica da melancolia, destacada sob um fundo que aparece povoado de símbolos herméticos, alusivos ao número e à geometria, áreas privilegiadas na estética e arte de Almada — que apenas alguém iniciado saberia decifrar na integra —, enquanto Huyghe realiza uma aproximação de enquadramento nos termos ontológicos da relação do eu ao universo. 265Segundo

81 consciência político-social, promovida pelos românticos utopistas, que atribuíam uma função política à Arte e uma impregnação ideológica às teorias artísticas. Pense-se nas teorias estéticas, de âmbito sociológicoutópico que iniciaram as proclamações críticas — artísticas e literárias — visando a transformação da sociedade, para que a própria Arte saísse do marasmo; teorias elaboradas, de acordo com a tradição sociológica da Arte (e estética), reorientada por Almada, de acordo com as suas convicções e dentro do espírito do seu tempo. 3.3.2. O artista, o autor e o(s) público(s) A posição do artista na sociedade sendo um dos tópicos prioritários do pensamento estético e crítico de Almada, foi tema motivador de importante discussão pública — de nítidos propósitos educacionais —, entre o próprio artista e Fernando Amado em 1951, focando-se, designadamente nas modalidades de relacionamento com o público. A forma como considera o público em si, é complexa e inovadora, reconhecendo-lhe aspectos antitéticos, ultrapassáveis através de uma actuação consentânea do artista como comunicador. Almada antecipou-se mesmo às reflexões mais directas acerca dos moldes em que se desenvolvia a recepção estética. Numa perspectiva, afecta à análise sociológica da arte, Almada reflectiu acerca do fenómeno sócio-cultural e ideológico do público, e sobre o teor das relações estabelecidas com o artista. Afirmou, com veemência, a existência de público para a Arte e para o artista, questionando as modalidades de relacionamento que — a nível pragmático — ocorriam. Independentemente da arte ou das artes que domina, o artista confronta-se sempre com público, está perante o público — perante cada uma das pessoas que compõem o público —, expondo-se a pessoa do artista como presença, por si ou pela sua obra, pois "ser artista é um resultado directo da humanidade e da sociedade;(...)"268 O público tem uma existência societária, é uma entidade colectiva específica, objectivo privilegiado pela Arte que a todos se destina, salvaguardada a personalidade de cada um dos espectadores que o constituem.269

268“Mensagem

estética — Os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som”, Textos de Intervenção, p.141 269"O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", Ensaios, p.124

82 O artista teria de reconhecer no público, a condição relacional de alteridade, ciente de que o "respeito pelos indivíduos [que] é a única ligação que temos no diálogo das gerações, e no encontro da humanidade com a própria humanidade."270 A Arte, sendo em Almada, fundamentalmente comunicação, dirige-se a um receptor colectivo — comum — constituído no tempo e espaço, da singularidade pessoal conjunta. Por outro lado, Almada denunciou, uma outra acepção de público como "entidade falsíssima", entendido como intermediário distanciador, responsável pela ruptura mais directa com o criador, do artista, relativamente aos outros considerados na sua pessoalidade, "...essa coisa que perturbou o entendimento entre a Arte e a humanidade."271 Antes do público existir social e culturalmente — dir-se-ia conceito contaminado pelas convenções académicas —, o artista mostrava-se directamente à Humanidade, expunha a substância dos "seus achados que os seus sentidos faziam nas próprias mãos da natureza e do mundo."272 Com a invenção refractária do público, rompeuse a relação directa, coincidindo com a falência histórica das elites: "o aparecimento do público não é senão a precipitada usurpação daquele lugar que as antigas elites deixaram na verdade vazio, mas apenas para ser ocupado pelas legítimas novas elites e nunca pelas massas sem bridão."273 No enquadramento das reflexões acerca da recepção estética, Almada considerava que o artista ao conceber as suas obras, não podia ter como intenção agradar ao público, pois fazer "Arte para todos é o contrário de Arte para o público"274, antes enfatizando o grau de comunicabilidade conveniente, para suscitar a "boa" recepção por parte do público. Almada consciencializava a natureza verdadeira, do que deveria ser a genuína recepção da obra, a desvelar pelos outros, porque genuína na pessoa do artista. O posicionamento de Almada ponderava uma expressão anterior da ideia, patente em Francisco de Holanda, um dos seus autores de referência privilegiada. Francisco de Holanda considerava que, se o artista — o grande 270"Fundadores

da Idade Nova", Textos de Intervenção, p.pp.148-149 Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12. A mesma ideia surge explicitada em "Arte e Artistas", quando Almada afirma que o público é uma personagem falsa, "não porque minta mas porque não tem sequer razão de existência (...), intruso, mas existe, confuso e inexplicável, atrapalhado e injustíssimo mas real, presente e tirano." Cf. op. cit., p.78 272"Arte e Artistas", Ensaios, p.77 273Idem, ibidem, p.78. Almada explica historicamente o aparecimento do público, ao tempo de Luís XIV, quando desligando-se da generalidade da humanidade, se constituiu um grupo restrito, "um pequeno burgo" dentro da própria cidade, uma cumplicidade de vizinhos de intenções questionáveis quanto ao bom entendimento geral. 274"Cinema é uma coisa, o Teatro é outra", Ensaios, p.124 271Almada

83 pintor — nas suas obras e procedimentos, "determinar de contentar a todos e ao povo, já nunca fará cousa de mestre nem dina do nome da pintura." 275 Efectivamente, Almada sabia que o artista era independente dos seus públicos, nesta acepção, devia gerir o grau de relacionalidade mediática, pois não era esse objectivo, que servisse a missão da Arte ao todo da vida: o sentido da Arte era a comunicação na autenticidade. Conciliada a modalidade de relacionar as individualidades, e não as subjectividades, a Arte para todos, implicava atender à imaginação de cada um, no público, reconhecer personalidades individuais, à semelhança da presença pessoal que o artista aliás é, procedendo de acordo com uma intenção, não restringida pelo seu narcisismo. Por isso, Almada encontrava no Teatro a Arte por excelência, que ao tempo, podia cumprir tal propósito melhor que qualquer outra arte; considerava o Teatro uma disciplina de predominância visual, apelativa de todos os sentidos em complementaridade, integrador do domínio das artes plásticas. 3.4. A educação estética — a formação do gosto 3.4.1. Enunciação da problemática do gosto Subjacente aos termos em que Almada estipulou o processamento da relação entre o autor e o seu público e, mediante a reflexão que contribuía para a sua definição de Arte, estava a discussão estética acerca do conceito de "gosto". Questão fundamental para o estabelecimento das definições estéticas no século XX, provinha de uma tradição quase obsessiva que a Estética filosófica do século XVIII tinha implementado quando equacionou a problemática relacionada com o padrão de gosto, como standard determinador, analisando a sua elaboração normativa, detectando a sua persistência, extensão e extrapolações socioculturais. 276 Assim se contextualize o tratamento do assunto no Autor, nos seus discursos e criações, expressando propósitos educacionais e pedagógicos sem complacência e revelador de uma atitude constante em toda a sua obra.

275Francisco

de Holanda, op. cit., p.73 Estética inglesa já anterior a David Hume, introduzira os termos em que posteriormente foi estudada, por Hutcheson — "universality of taste"; Edmund Burke enuncia-a em moldes próximos aos de Hume: constatando-se a grande variedade, decorrem as diferenças irredutíveis nas apreciações de gosto; suspeita de existirem "princípios universais" tão legítimos, quanto os da razão, relativamente à norma de gosto. A Estética inglesa "assume, pois, o carácter subjectivo/pessoal da relatividade do gosto (de inferência cultural), bem como a existência inequívoca de diferentes gostos ou "moods"." Cf. Mª de Fátima Lambert, "Aproximações a uma definição da educação estética e da "formação de gosto"", Revista Portuguesa de Filosofia, 276A

84 A abordagem estética do problema do gosto envolve tópicos fundamentais para estabelecer uma resolução plausível, de acordo com a exigência filosófica pretendida. Quando Almada tratou o assunto, não pretendeu um aprofundamento exaustivo, nem tampouco absolutamente rigoroso — como aliás sucede com a grande maioria dos temas afectos à sua possível estética —, mas não deixou de evidenciar um cuidado na enunciação dos aspectos suscitados, de modo a equacionar um quadro contextualizador adequado aos seus objectivos — educacional e formativo junto do público, designadamente ao reflectir sobre : — a diversidade de gostos, de acordo com os quadros referenciais dos indivíduos que os formulam e estipulam como tal - em termos conceptuais; — a relatividade portanto dos juízos de gosto estabelecidos no âmbito estético, dada essa mesma diversidade; — a validade e extensão de um conceito de gosto formulado como tal, corresponde à inscrição numa categoria ou classe, à qual pertence quem o enuncia, nomeadamente em termos de educação e formação do gosto; — a amplitude, modalidade, sistematização dos termos implicativos para essa noção de gosto, procedem de diferentes domínios e dirigem-se a diferentes aplicações que não apenas o estético: têm uma aplicabilidade de âmbito sociológico, artístico, mesmo ideológico; — a normatividade manifesta - pragmática do gosto - no juízo de gosto, tende para uma aplicação restritiva e na consciência de que existe uma plularidade de juízos acerca do gosto - conceptualmente; — manifesta-se a irredutibilidade e impossibilidade de unidade - e mesmo de síntese unificadora - decorrente, no relativo ao valor universal de uma noção de gosto que pretenda ser imposta de forma excessiva, quanto à sua projecção determinada de raiz, o que não invalidava um certo acordo. Por "gosto" entenda-se, no domínio estético, a capacidade de perceber a beleza. A definição de "gosto" implica optar por uma direcção tendente à noção privilegiada, ou seja, considerar se se trata de uma faculdade autónoma — como o entendimento ou a sensibilidade —, ou de um sentido especial. As experiências de gosto apresentam-se de forma espontânea e imediata, e parecem não estar directamente dependentes da razão, antes da sensibilidade. A capacidade de exercer uma experenciação do gosto é

85 universal, pertença da natureza humana, na medida em que qualquer indivíduo pode ser afectado pela beleza — quer a aceite, quer a recuse. Todavia, nem todas as pessoas exercitam essa capacidade. E, nem em todas as pessoas persiste idêntica noção do que lhe assiste. Aqueles em quem predomina uma consciência de sensibilidade, capaz de perceber a beleza, elaboram os juízos que os outros seguem. O sentimento do gosto é da ordem do prazer ou do desagrado, exercendo-se sobre obras singulares, obras de arte ou da natureza, acerca dos quais se diz terem essa qualidade, sem exigir acuidade de princípios racionais. Almada toma uma posição bastante tolerante quanto ao domínio de actuação de determinada noção de gosto expressa, manifesta a sua relatividade de juízo — admitindo as metamorfoses do belo, e a procedência subjectiva que a enuncia: "Que cada um tenha uma arte que é a maneira de apurar o seu próprio gosto, a ninguém compete julgá-la; mas quando destine ao publico a sua arte, desde esse momento é o público a servir-se e o artista quem serve."277 Afirmou a pecularidade relativa com que cada um toma o seu gosto com uma validade percepcional, eventualmente, como absoluta para si, na medida em que é impositiva, pela convicção instintiva com que sobre si mesmo age: "Quando se trata de gostar o raciocínio não tem nada que vêr. Gosta-se porque se gosta, e isto é o bastante, e é tudo! O raciocínio anda lá por outros lados. E digo mais: O verdadeiro segredo de gostar é um segredo verdadeiro, não se lhe pode tocar com nada deste mundo, nem com o raciocinio, nem com o juizo, nem com nada!"278 A diferenciação categorial que Almada estabeleceu, decorrente destes comentários, relativamente às noções de beleza, bonito, lindo, delas provocou interpretações subsequentes; fez ressaltar a relatividade de índice de apreciação, dado o facto de cada um não abdicar de si mesmo, pois a cada um a sua (existência) vida: "Por mais díspares que sejam entre si as várias maneiras de existir, haverá sempre possível um acordo comum onde todos se reunirão com a condição de não abdicarem de si mesmos. Daqui nascem todas as interpretações do bonito e a edição do Bom Gosto."279

277"Teatro",

Artigos no Diário de Lisboa , p.95 Paixão dos portugueses por "La Goya" a artista admiravel da expressão", Artigos no Diário de Lisboa , p.105 279"Palestra da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151 278"A

86 Condição manifestamente imprescindível, era assumir uma atitude de sinceridade para optar pela noção adequada, o que possibilitaria, o comum entendimento do plano pessoal no colectivo: "Toda a sinceridade que púnhamos no bonito, toda a experiência que tenhamos no Bom Gosto, se elas não nos deixarem a passagem livre para diante, para mais, para não nos repetirmos, para o Belo, melhor fora não terem nascido."280 A decisão com que se impunha a validação de um gosto, pretendendo-o com legitimidade obcessiva quase a nível societário, obstruia as noções básicas de relatividade e singularidade dos casos como seria de conveniência: "O legítimo direito de agradar tem tal avidez de comunicação e de vitória que os melhores dão consigo em vendilhões."281 Haveria que atender, com acuidade, à amplitude do ajuizamento sobre o gosto, sobretudo na elaboração de juízos críticos, no âmbito da crítica de arte, que não fosse verdadeiramente fundamentada, sendo formulada apenas na base do senso comum. O tipo de atitude dogmática, para que Almada alertou, provocava nos indivíduos dificuldade em destrinçar os planos de categorização estética, através de modelos axiológicos, baseados em modismos tacanhos e pretensiosos: colocou o exemplo precisamente na equivalência — leveza de exercício de ajuizamento —, entre o bonito e o bom gosto, por relação ao Belo. Não tanto pelo que significam em si, mas pela utilização indiscriminada que socio-culturamente lhe foi conferida: "O bonito e o Bom Gosto passaram de iniciações de Arte, de metamorfoses do Belo, para tapaolhos de êxito, com carruagem melhor que o seu destino, mais valioso o veículo que o passageiro!"282 A questão do gosto, em Almada é uma questão educacional, no domínio societário e social, decorrente da formação individual. Mantendo o imperativo educacional, Almada avisou sobre o modo, como o público deveria exercer a sua acção, para que predominasse a conveniente satisfação estética, que não se limitasse à oscilação pragmatista de bonito ou de bom gosto vigentes, mas evidenciasse maior grau de exigência: "Pobre gente que se resigna a viver sem gosto, sem gosto de viver! Sem deixar em cada pegada um sinal bonito a fazer o guia na correnteza do Bom Gosto!"283 A exigência que cada indivíduo deveria ponderar, relativamente à experiência e apreciação estéticas pessoais, 280Idem,

ibidem, p.158 "O bonito e o Bom Gosto, de via-láctea-terrestre passam a constelações de grandeza de tendinhas com imposto municipal. Novidades e antiguidades, já está tudo avaliado de antemão pela única fortuna que ainda ficou neste mundo: a fortuna redonda e sonora, sonora e cunhada, cunhada e legal!" Cf. Idem, ibidem, p.152 282Idem, ibidem, p.152 283Idem, ibidem, p.152 281

87 revelava-se na ordem ético-social, fundamental para uma verdadeira noção de viver, pois o bonito , na sua acepção autêntica, possuía uma espécie de sentido vital, contaminado pelo gosto comum, do gosto vulgar, predominante no "povo", definindo-se pela valorização realizada no domínio da emoção mais desafectada de indícios culturais procurados: "Cada um tem o seu matiz próprio no mesmo serviço à causa do Belo em Arte: Bonito é um mero vocativo de agrado; lindo , além do agrado, já implica admiração e até arrebatamento. Mas isto é pura comprovação e talvez a não confirmem os dicionários, fazendo-os simplesmente sinónimos."284 A situação prejudicial, ao nível de apreciação estética activa, Almada discerniu-a na errada vivência do quotidiano colectivo, no sentido vulgar implícito, afastada a memória dos valores superiores que julgavam as acções e fenómenos vividos de outrora; ficava apenas o equívoco da memória deturpada, que impedia uma forma adequada de existir no presente: "Não tiremos do Passado senão o exemplo, e é o único que lhe poderemos tirar. Buscando sermos os autores do Presente não caiamos em actores do Passado."285 3.4.2. A tradição estética na argumentação almadiana A análise da noção de "gosto" desenvolvida por Almada tem uma radicação múltipla no domínio histórico, social e cultural, ideológico e ético. O que manifesta a consciência da complexidade no tratamento da problemática, situada no quadro representacional do colectivo; como fenómeno constante, manifestamente um "problema de mentalidade" nacional, reflexo de paradoxos fulcrais no caso português: "Devido a uma aceitação excessiva da arqueologia em prejuízo da arte criação é que o bonito e o Bom Gosto perderam aquele sentido vital que lhes é próprio." 286 Filosoficamente, Almada sabia não existirem leis absolutas para resolver uma problemática que respeitava ao domínio privado, pessoal, de inscrição no domínio colectivo, social, pelo que, também não haveria que pretender impor uma obediência a pretensas leis. Haveria que considerá-las como indicações que obrigassem, isso sim, a uma educação estética, elaborando os seus termos referenciais dirigidos a uma consentânea avaliação das obras de arte.

284Idem,

ibidem, p.151 ibidem, p.153 286Idem, ibidem, p.153 285Idem,

88 A responsabilidade do artista conforma-se na perfeita consciência da sua realização criativa; consolida-se em termos, artística e esteticamente correctos, estando Almada ciente do empenhamento educacional junto do colectivo, designadamente pela capacidade de endereçar uma formação do gosto — em plena asserção pedagógica mesmo. A enunciação de autoridade no assunto, que permite estipular a norma de gosto, será de ordem da experiência sensível — certo empirismo que se apreende —, e não da opinião recebida. O tom imperativo, do discurso sobre o gosto em Almada, evidencia a competência devida ao artista — como conhecedor e criador — para conduzir à enunciação do que se denomina por "norma de gosto". O facto de Almada proclamar, com uma tal convicção, as circunstâncias modais, epocais e as intemporais, consoante os casos, definidores do predomínio do próprio conceito, apela a uma concertação, devidamente fundada na argumentação filosófica específica. Em consentaneidade com o empirismo de Hume, parece evidente que em Almada, a excelência de posição assumida como autoridade estética, denota uma proveniência pessoal empírica, privilegiada como fundamento para o saber e a autoridade: Almada, o artista, Almada, o pensador. A apreciação estética directa, a que aludia Hume, era fruto de uma conjugação entre o raciocínio e o sentimento, donde surgir precisamente a noção de "gosto". As circunstâncias em Almada apontam para uma situação epistemológica, elaborativa da noção bem próxima à do filósofo inglês. Sendo fruto de tal equilíbrio, a verdadeira norma de gosto aparece sem sombra de contestação naquilo que resiste ao tempo: O valor intrínseco da própria norma de gosto está em definir-se como a regra segundo a qual, os diversos sentimentos dos homens podem ser reconciliados, ou pelo menos, permita a proposta duma decisão, confirmando um sentimento (agrado) e condenando um outro (desagrado).287

A norma de gosto, segundo este ponto de vista, usufrui de uma vigência adstrita à época e mentalidade em que foi estipulada, perdurando nesse contexto, embora se constate existirem obras de arte que, pelas suas características encontram reconhecimento para além da cronologia específica. Facto que coloca uma questão acessória, relativa às componentes 287

Cf. David Hume, Les Essais Esthétiques , p.82

89 constitutivas da experiência estética, radicando naquilo que efectivamente são as características da obra de arte, as características de mentalidade, e a sua autonomia. Relativamente à autonomia, considera-se a autonomia do indivíduo não apenas do artista, mas daquele sujeito que percepciona a obra, enquanto pertence a determinado meio, susceptível de uma cultura localizada e que tem enunciadas as suas directrizes e princípios fundamentadores. Almada direcciona a absoluta resolução da atitude pessoal/social tendente à enunciação do gosto, resultante de critérios previamente definidos, ao artista, ao autor, ou seja, a quem tem condições e conhecimentos para a realizar, a quem, finalmente, é de competência, salvaguardada embora a sua relatividade pessoal. A apreciação estética pessoal sobre o gosto, não deve ser imposta a todos, não possui validade de ajuizamento absoluta. Por outro lado, assinala a responsabilidade, não apenas de definir e ajuizar, mas do artista fazer, de criar obras de acordo com esses parâmetros, em acertamento de posição: "Tremenda a profissão de fazer sempre coisas bonitas! É assim parecido com o fingir que não perdemos o Paraíso; um constante ignorar a Desgraça; ver tudo cor-de-rosa."288 Em concordância com o posicionamento de Almada, ao conceber a finalidade da Arte como comunicação, efectivamente dirigida ao público, insistiu no papel activo do artista na sociedade, embora condicionado pela natureza da obra ou acção a fazer, o que impunha restrições quanto à liberdade do artista em criar, em prol do bem comum — a alegria.289 O artista via-se condicionado pela fidelidade a si e a missão social da Arte, pelo que a unidade de proceder em Arte, resolvia a antinomia. Progredindo, segundo a história da estética, na abordagem à questão do gosto, verifica-se que no esclarecimento kantiano, a viabilidade de analogia universal se centrou nos fenómenos singulares que sugerem a concordância às normas, articuladas entre si por um princípio geral, "transcendental", ou seja, um juízo que age sem interesse, que não seja sobre si mesmo, portanto um prazer desinteressado. Este tipo de prazer desinteressado não satisfaz 288"Palestra

da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151. Manifesta-se a este propósito, certa afinidade com a posição de David Hume quanto ao facto de ser alguém que conheça e tenha a prática das artes, quem defina a norma de gosto, elaborada apenas pelo ajuizamento de peritos. O esteta, segundo Hume devia ser simultaneamente filósofo e perito em Belas-Artes. 289 "Se a meditar a posição do artista na sociedade, logo se verá que ela é precisamente a de fazer coisas bonitas. Quer dizer: a alegria é para distribuir por todos, mas o seu preço é a custas de Arte. O valor mais caro do mundo: a alegria!" Cf. "Palestra da série "Renovação do Gosto" — metade de um preâmbulo curtíssimo como manda o tempo", Textos de Intervenção, p.151.

90 qualquer interesse que se perspective em utilidade concreta, não carece justificações externas, mostrando-se desinteressado. Kant, ao definir o interesse como a satisfação, que se une à representação da existência de um objecto, interesse relacionado com a faculdade de desejar e cumprido com a satisfação do desejo, coloca a questão do juízo de gosto, da beleza, em termos que "excluem" o objecto. O prazer estético surge no livre exercício da imaginação e entendimento, enquanto faculdades de representar, sem conteúdo objectivo. Nesse aspecto, poder-se-ia marcar a afinidade com a argumentação de Almada, porventura pela confluência de componentes que concorrem para encarar o "protótipo do gosto" que é, "para Kant, una idea que cada cual debe sacar de sí mismo."290 Almada, ao propugnar a assunção do indivíduo como pessoa, induz uma noção de gosto concebida pelo próprio, na medida em que tudo deve partir e encontrar-se na pessoa individual humana. O Belo não estaria tanto nas coisas, nos objectos, quanto em si mesmo e na capacidade de o conceber — experenciar — como prazer [gosto], o que entra em consentaneidade com a sua perspectiva global sobre o fenómeno artístico e a assunção estética do sujeito individual, no exercício da sua existência na humanidade. A complexidade da definição pluralizada de Arte que Almada concebeu, do completo e rigoroso esclarecimento da questão do "gosto", segue para o aprofundamento da definição de Beleza, natureza e índole da sua compreensão, no quadro do conhecimento, para posterior explanação das consequências ajuizadoras que sustenta. 3.5. A educação do artista 3.5.1. A situação do artista Em Almada, domina o princípio ético-social, regulador da actividade do artista, culminando no propósito educacional a concretizar — já anteriormente referido a propósito da questão da ingenuidade —, salvaguardando na humanidade o caso de cada pessoa individual humana.

290José

Jiménez, Imagénes del hombre — fundamentos de estética, p.200. Ideia significa em Kant um conceito de razão, enquanto ideal é a representação de um ser individual enquanto adequado a uma ideia; assim, segundo Jiménez, o "protótipo do gosto" será não tanto uma ideia , mas um ideal, o ideal de belo. Equivaleria o ideal à ideia platónica. O ideal de belo representar-se-ia não por conceitos, mas pela simples exposição, seria um ideal da imaginação, já que a faculdade da exposição é, para Kant, a imaginação. Cf. José Jiménez, op. cit., p.200

91 Assim, "o artista trabalha unissonamente para toda a humanidade e vai naturalmente ao encontro dos amigos."291 A concepção de Artista articula-se com a concepção de Autor, ambas recorrentes no seu pensamento crítico e estético, chamados à sua argumentação para ajudar a compreender a natureza das Artes e suas implicações na vida, no Todo da humanidade. O Autor, o Artista é tomado, quer na singularidade, quer na paridade, quer na oposicionalidade, por relação aos outros indivíduos. Os artistas são entendidos como seres de excepção, indivíduos enciclopédicos, "indivíduos de perfeito conhecimento geral, indivíduos libertos das grades de todas as profissões porque são mestres em todas"292. Precisamente porque fazendo parte da humanidade, são indivíduos que pertencem à Arte, sendo esta a sua parte substantitiva; seres de qualidades excepcionais, aceitam-nas como herança e compromisso, mandatados pela própria sociedade: "mandou-os que fossem, a humanidade e a sociedade."293 Deviam dirigir — utopicamente — os destinos da colectividade, mesmo a humanidade. Por outro lado, o artista e/ou o autor apresentam-se, na argumentação de Almada, como pessoas humanas vulgares, "gente de todos os dias, gente de passar todas as idades"294. O artista é o indivíduo que usufrui a estabilidade pessoal e a harmonia moral, ideia herdada da estética socrática — cuja dominante incide sobre o aspecto ético-social do artista, fundamento que perdurou nas estéticas sequentes, privilegiadoras da intervenção do artista, responsável moral, em coerência com a responsabilidade cívica na colectividade. Colocando-se numa atitude nitidamente normativa e moralizante, Almada penetra no domínio psicossocial da sua idealização do artista, afirmando que o equilíbrio físico e moral são condições necessárias para que o artista possa iniciar um verdadeiro trabalho de criação, devendo o artista como autor prevalecer sempre o humano, a pessoa que produz a criação.295 Ao artista 291Almada

Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12 292"Arte e Artistas", Ensaios, p. 83 293"Mensagem estética — os artistas raridades de excepção e outras palavras alto e bom som", Textos de Intervenção, p.141. 294"Cuidado com a Pintura", Textos de Intervenção, p.103 295Esta ideia surge explicitada em "Cuidado com a Pintura", onde Almada escreve: "Em pintura o primeiro é o pintor, isto é o autor, o humano que produz a criação." Cf. op. cit., p.103; ver ainda no mesmo texto p.108. Em "Arte e Artistas", Almada acentua: "Recordai e ligai: autor e artista são ambos da mesma ordem." Cf. op. cit., p.79

92 compete ser o utópico protagonista do humano, o que lhe exige ser um indivíduo pessoal devidamente liberto em si mesmo, fruindo uma liberdade absoluta que lhe confere a autêntica personalidade — experiência e matriz efectivas da sua pertença à colectividade: Nem o religioso, nem o profano, nem o místico, nem o pagão, nem o científico, nem o inspirado, nem o herético, nem o crente: o humano, restrita e profundamente humano.296

Quando Almada se refere à liberdade absoluta e ao facto do artista se achar liberto, entende-o, por afinidade à situação de estado de Graça, equivalendo — em termos místicos — ao significado que tem para o cristão a vivência e posicionamento nesse estado. Missão simbólica do artista, mais do que religiosa, de ordem esotérica, de um esoterismo estético, de raiz personalista, articulava-se com uma profunda convicção humanista. O artista, na concepção de Almada agia por necessidade, porque responsável relativamente à Humanidade; a acção criativa exigida pela consciência do artista, resultava de uma profunda vocação para a Arte, de modo a realizar em genuína acertação ao seu "princípio de necessidade interior", na acepção em que o estabeleceu Kandinsky em 1912. A argumentação normativa de Almada incidiu num plano que apresenta coincidência com enunciação do pintor russo, designadamente, no domínio estrito do artista, perante si, no respeito pela sua interioridade exteriorizada na Arte; ao sublinhar que as exigências do artista consigo mesmo têm sentido porque ele pretende criar obras verdadeiras, cuja unidade não se questiona, antes se presentifica na sua própria natureza de obra. O artista encontra na obra, a confirmação de si, em estado superior de personalização, podendo preocupar-se "essencialmente em libertar também o mundo das suas próprias entranhas atávicas, as quais são afinal o único que faz ensombrar a claridade e a luz."297 Como se pode deduzir, pelo acto de criação, no domínio estético e no domínio do esotérico, a personalidade do artista — do pintor, enfim do autor —, é transformada, configurada em objecto-presença — e substância — da sua própria criação, porque apenas nesses moldes realizará a verdadeira criação, transposição da unidade entre si e a obra, através do acto genésico: "O pintor tem de apurar-se a si mesmo; fazer de si próprio a obra-prima da criação, o homem."298 296"Cuidado

com a pintura", Textos de Intervenção, p.110 ibidem, p.111 298Idem, ibidem, p.104 297Idem,

93 Por contraponto às directrizes utopistas que expôs, Almada constatou a situação efectiva, verificando que os artistas, cientes da sua responsabilidade no contexto da colectividade, dificilmente viam reconhecido o valor de suas acções ou obras, pois não existia a consciência pública da necessidade de Arte. Apesar da desconsideração que lhes era votada, os artistas mantinham os seus compromissos, de ordem ética e societária, com a colectividade, convicção que determinava os termos de relacionamento, subjacentes na Arte, impregnada de valores antropológicos.299 A Arte do artista, porque de génese pessoal, fruto do seu conhecimento, preserva a unidade que à Arte compete, por natureza específica. No criador de Arte, o caso pessoal deixa de ser apenas assunto de carácter individual, para ser de âmbito societário simultaneamente; é "resultado do seu mérito pessoal e na sociedade em que vive."300 Por isso, o artista pode optar por não cumprir as regras que lhe são mostradas — impostas mesmo nalguns casos —, antes deve ele tomar a consciência dos seus actos: pode ser um desses artistas que existem para não seguir as regras. Aos artistas fica a opção de seguir ou não as regras, embora Almada mencione a necessidade delas existirem, devendo ser discutidas. A atitude dos artistas, relativamente a esse aspecto, depende das circunstâncias culturais e históricas em que se inserem.301 As regras na Arte "não são para serem sabidas de cor mas para servir a quem tenha alguma coisa para dizer." 302 O verdadeiro artista, aquele que precisamente as pode questionar ou discutir, exerce a sua acção e vontade "por verdadeira superioridade a tudo o que o rodeia." 303 A situação do artista como independente que se impõe, traduz a posição de Almada acerca da formação artística — tema fundamental e integrador de toda a sua teorização tão própria. O artista não é apenas um profissional que domina as técnicas e os materiais, é esse "indivíduo enciclopédico" que conhece o mundo e a humanidade.304 Como profissional, é o indivíduo que 299Era

ao artista que cabia tomar os seus caminhos próprios, gerando as suas decisões criacionais: "...os artistas devem participar das necessidades colectivas, mas são os próprios artistas que devem orientar a forma como hão-de intervir e não outrém. "Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.134 300"Encorajamento à juventude portuguesa para o Cinema e para o Teatro", Ensaios, p.134 301Almada referia-se certamente ao facto das estéticas da modernidade terem incorporado a necessidade normativa para a praxis, substituindo a normatividade das anteriormente vigentes — em termos académicos, o que sucedeu com o Cubismo, exemplo com que avança. Veja-se "Modernismo", p.59 302"Modernismo", Textos de Intervenção, p.59 303"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.105 304Numa entrevista a António Valdemar, Almada referiu-se às lacunas do ensino superior, partindo duma comparação à indistinção anterior entre artes e ciências, atribuindo as responsabilidades, da situação que era

94 mais tardiamente chega à sua mestria, demorando a sua personalidade mais tempo a formar, do que nos outros indivíduos. Donde se infere que, a formação do artista não radica, exclusivamente, na área profissional artística: a sua formação é global e abrange a sua unidade pessoal. Somente se realizada nesses termos, promoverá a criação, possuindo genuína condição de ser artista, recusando qualquer educação restritiva — ensino formal — ou impositiva, geradora de cisões epistemológicas, prejudiciais ao conhecimento adequado aos artistas: "é inadmissível a existência ou a formação de uma escola oficial para artistas."305 3.5.2. O ensino artístico A posição pedagógica, em Almada, relativamente ao ensino artístico, coincide com a perspectiva contextualizadora, que assume a nível do ensino na generalidade: recusa-o quase liminarmente306: "...Em Portugal educar significa burocratizar. Ex.: Coimbra. Mas na maioria o portuguez é analfabeto e em geral é ignorante…"307 As grandes razões que apresenta, relacionam-se com a análise iconoclasta das organizações e instituições de ensino superior, com os princípios orientadores, com a filosofia educativa, e finalmente com a política educativa vigente, não demonstrando interesse em aprofundar qualquer um dos aspectos. As escolas oficiais são técnicas ou politécnicas e não podem nunca, mesmo reunidas em Universidade, formar enciclopédicos.308

A dogmaticidade de afirmação, impede o próprio questionamento do problema: Almada foi taxativo, não admitia o tipo de ensino ministrado nas presente, à actuação do Estado: “O grau de doutor do nosso Pedro Nunes na Universidade de Lisboa, era em Artes e Medicina. Por estas palavras se reconhece que por então a iniciação universitária era por conhecimento do cânone antes de uma especialidade. Mas desde o momento que a instrução oficial houve por bem separar vocação de profissão, a sua solução era efectivamente pelo conhecimento de formulário. De qualquer maneira, o conhecimento por formulário parece cumprir o dever canónico de não tocar opinião. Simplesmente ao invés do conhecimento por cânone, o universitarismo moderno, actual, desinteressa-se também e não deixa tempo para o desocultamento de cada vocação. Aos estados cada vez menos interessam as vocações que não sirvam exclusivamente o critério dos próprios estados. Ora, o dever sagrado de não tocar opinião, não significa de maneira nenhuma desinteressar-se dela e ainda menos tirar-lhe o seu legítimo tempo, esquecendo que cada vocação individual é a única fortuna deste mundo. O tapa-olhos do progresso e a auto-publicidade estadual só por si diminuem a humanidade e desflexibilizam a ordem." Cf. op.cit., 23 de Junho 1960. 305"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76 306Almada parecia ter em mente essa reflexão de Goethe em "L'Essai sur la peinture de Diderot" (1799) quando este considerava que: "...l'homme n'est pas fait pour enseigner, mais pour vivre, il est fait pour être actif et productif." Cf. Goethe, Écrits sur l'Art, p.190 307"Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX", Portugal Futurista, p.37. 308"Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.76

95 escolas de arte, ou melhor, não acreditava nele, exprimindo publicamente a sua recusa: "Peço-lhes por tudo quanto há que não me perguntem a razão pela qual eu não entrei na Escola de Belas-Artes. Eu senti a impressão, ao ver aquela fachada, que tinha de estar outra vez mais dez anos a tirar os sete dos liceus."309 Uma vez mais, na forma de parábola, narrada em fundamento próprio, Almada transmitiu a força da desilusão, da rejeição do ensino artístico instituído, porventura ainda agravada pela natureza de atitudes e posicionamentos intrínsecos aos próprios académicos. Almada aceitava o saber dos companheiros, aceitava o saber dos "Mestres secularmente mortos, pois os professores vivos foram mestres de escorraçar"310, não aceitava imposições e demagogias Numa das suas narrativas autobiográficas, Almada acreditava-se desde cedo "artista nato" e foi desenganado quando entrou curioso no reino do ensino artístico, "já maravilhado por aquela porta que dizia Arte, quando vi os balcões invisíveis dos senhores que tiveram o descaramento de entrar pela porta dos artistas; eu teria morrido nesse instante de decepção, se a minha fé fosse susceptível de ser perturbada mais do que por um instante."311 A rejeição generalizada pelo ensino universitário, designadamente, pelas universidades em si, persistiu na argumentação de fundo transposta na dramaturgia, pelo "2º Jovem", protagonista clarividente em "Aqui Cáucaso", incrementando a intenção que pretendia atingir: 2º Jovem:"…O poder da Universidade limita-se ao triunfo profissional, pouco lhe importando o caso vocacional? (…) O que nos ensina a Universidade levará bem em conta o nosso tempo de mortais para profissão e vocação? Para ambas? Queremos que o homem não fique um acréscimo da sua profissão, queremos que o homem caiba inteiro na inimitável forma da sua vocação pessoal…"312

Almada criticava no ensino universitário o distanciamento persistente entre os conhecimentos transmitidos e a Vida em si, o que marcava de forma 309"Modernismo",

Textos de Intervenção, p.58. Ironicamente Almada considerava a Escola de Belas-Artes um local que não se conciliava com o que ele considerava ser Arte: "conheci pouco a pouco toda essa multidão que entrou na vida por aquela porta que tem Arte escrito em cima. Por último, eu julgava ter-me já enganado de porta e ter metido pela do Comércio ou por qualquer, menos a da Arte. Porém não era eu que me tinha enganado de porta, eram eles." Cf. "Modernismo", op. cit., p.58 310Orpheu 1915-1965, p.18 311"Modernismo", Textos de Intervenção, p.58 312"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250

96 intransponível a dicotomia que transtornava a possibilidade do indivíduo em formação se tornar pessoa. Criticava não apenas os procedimentos metodológicos que regulavam a actuação docente, mas também os pressupostos pedagógicos que os determinavam, paradigmaticamente denunciados pelo fenómeno da leitura "interminável" e obsessiva que contrariava proporcionalmente a brevidade da vida. 313 Almada reiterou, em discurso ironista, a convicção de que as "Universidades não deixam bem medido o nosso tempo de imortais. Ora o mesmo que na natureza divina ocupa o lugar da imortalidade, o mesmo, tem o mesmo lugar na nossa natureza humana, a mortalidade."314 Almada sabia que o ensino artístico tinha de ser aceite, política e pedagogicamente como um caso especial que, como tal, exigia uma atenção, condições e investimento adequados: "Mas a Arte é uma outra coisa diferente de tudo isto e inconfundível de espécie e acção." 315 Nomeadamente, porque vigorava no ensino artístico, o mesmo tipo de pedagogias na formação superior, dos outros e diferentes profissionais das artes: pintores, escultores, arquitectos à semelhança dos engenheiros, médicos, advogados..., para os quais existia, efectivamente, um ensino que lhes transmitia o saber dos "ofícios" — e sob esse aspecto, nenhuma profissão era menos importante que outra, existindo as escolas adequadas a essas profissões. Se se apresenta clara (e aceitável) a existência de "escolas oficiais para pintores, escultores, arquitectos, músicos e literatos (...) assim também é evidente que é inadmissível a existência ou a formação de uma oficial para artistas."316 Persistindo numa concepção educativa, exclusiva das profissões sobre o seu domínio técnico, através do ensino de modelos técnico-profissionais delimitados — paradigma pedagógico do ofício —, não serve à formação do artista que exige a abrangência do conhecimento por si, pois a "Arte diz respeito ao indivíduo e nunca, por ser nunca, à sua profissão". Assim manterse-ia "o erro capital de todo o sistema da Pedagogia que ainda hoje vigora em toda a Europa.(...) A razão do erro está na importância exclusiva que se

313Como

já se sabe desde A Invenção do Dia Claro , Almada começou por procurar um livro de Filosofia porque queria pôr Ciência na sua vida e a Filosofia era precisamente a Ciência que tratava da vida, e nesse caso, da sua própria vida. Na procura dos conhecimentos dos Mestres, pessoas a quem caberia salvar a humanidade, pois "...iam escrevendo as frases que hão-de salvar a humanidade, percebeu que não adiantava procurar vidas de outrém para copiar, que lhe servissem de modelo para ser. Compreendeu sim que as vidas das pessoas, à semelhança dos livros, tinham princípio, meio e fim, mas afinal não existiam "Tratados da vida das pessoas", à semelhança dos Tratados de Zoologia ou Botânica. A vida era feita de continuidade e termos próprios de cada um. Cf. Invenção do Dia Claro, pp.11-12 314"Aqui Cáucaso", Teatro, p.250 315"Arte e Artistas", op. cit., p.76 316Idem, ibidem, p.76

97 dá à instrução em prejuízo total da educação que fica a cargo dos particulares."317 A educação do artista teria de ser uma "educação unânime" 318, uma educação que atendesse à vida na sua complexidade, gerada e desenvolvida pelo próprio artista, à semelhança do caso pessoal do indivíduo humano que, apenas por si, sabe encontrar (adquirir profundamente) a sua personalidade. A educação do artista devia ser uma auto-gnose. Nesse caso seria absurdo acreditar que se pudesse ensinar a alguém, devendo "cada um aprender por si mesmo o que é pintura"319.Exigia uma cumplicidade simbólica, entre o artista e a sua própria arte como universo — como todo, entendida a educação como a "disciplina que cada um organiza" e entre todas as disciplinas individuais, a Arte é a disciplina que ocupa o melhor lugar.320 "Eu perdi-me a vez de ser analfabeto esse segredo para não ser doutor e para não saber também o que as letras sabem do mundo e de mim. Eu perdi a vez de não ter instrução, a vez sagrada de não saber ler a vez daquele que não sabe que é como a de quem não vê…"321

A noção de educação é enunciada por Almada, num quadro axiológico de ordem antropológica, em que domina o primado do humano, como demanda e culminância. Subjaz-lhe a relevância atribuída ao conceito de pessoa e de humanidade, na unidade e conciliação do Todo que é a própria Vida. A educação "é um todo que coincide unanimemente com o todo da vida."322 Almada, com a acuidade e visionarismo que o caracterizam, avançava com uma definição que hoje se poderia afirmar afecta a um paradigma dito antropológico, salvaguardadas as suas especificidades e circunstâncias. 323 317Idem,

ibidem, p.76. A resposta à situação, Almada revela-a em entrevista a António Valdemar: "O modo pessoal de ouvir pela primeira vez histórias antes passadas é imprevisível ao pedagogo, é-lhe mesmo completamente interdito interferir no caso, e o que pode pedagogo que não tenha vocação consciente da sua inibição é estropiar as histórias e o entendimento alheio. O pedagogo não tem que atender aos casos pessoais mas ao cânone, o qual significa precisamente todos os casos, o que não acontece com as regras.” Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 318Almada reafirma esta ideia, justificada pelo conceito de Arte que privilegia: "A única razão de existência de arte é a unidade. A unidade apaga todas as fórmulas." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 21 de Julho 1960. 319"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.108 320Idem, ibidem, p.107 321"As Quatro manhãs - a 2ª manhã", Poesia, p.181 322"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, p.107 323Não se tratando de um estudo cuja focagem esteja directamente relacionada a este assunto, não pode deixar de desenvolver-se algumas considerações que permitem uma melhor compreensão da definição

98 Almada considerava, em duas asserções nítidas, as condições para que o artista, designadamente o pintor, existisse como tal: a primeira é que houvesse educação, a segunda, o desenho. Entendeu desenho como capacidade intelectual de sentido integrador, como conhecimento estruturante, como discernimento arquetípico, por obrigar ao exercício das capacidades intrínsecas que o artista deve promover — e desenvolver para a sua arte. 3.5.3. A Educação do artista A educação do artista implicava, como se constatou, a formação do indivíduo e a auto-educação do artista. A formação do indivíduo desenrolase na primeira idade, organizando-se a sua unidade individual, moral e física, em função do equilíbrio da maturidade — "normalidade" — singular. A auto-educação inicia-se na segunda idade, procurando a personalidade do indivíduo. Almada sublinha a natural divisão subsequente das idades, pois "Distinguimos, por conseguinte, a formação do indivíduo antes da autoeducação do artista, e ficamos no momento em que está iminente o aparecimento da personalidade do artista."324 Mediante esta visão do fenómeno educacional no seu duplo dimensionamento, sobressai a primazia do indivíduo, impregnado pelo exercício personalizador, que induz ao domínio de um paradigma educacional focado no eu do indivíduo, projectado na circunstancialidade causal da Arte. Almada teve aliás consciência do facto, ao reconhecer que a arte era individualista. Posição que muito abertamente assumiu e confirmou: "E é assim mesmo que eu também o entendo: uma disciplina integramente individual que pode, quando muito, servir para outros também"325, mas sem que seja esse objectivo constitutivo ou direccionalmente constritor. Justifica-se ainda esta posição na medida em que a Arte é "um dos vértices capitais na vida colectiva e na individual." 326 As linhas orientadoras acerca da situação dirigem-se para uma estética de cariz individualizador, mas não subjectivista, pois não exclui a força constitutiva da Arte como disciplina, — termo que emprega Almada — que serve os "outros", portanto promotora da intersubjectividade e no domínio do assumida em Almada Negreiros, quanto à natureza, âmbito, características, finalidade, objectivos... da educação. Cf. Adalberto Dias de Carvalho, A Educação como projecto antropológico, designadamente, p.184 e ss. 324"Cuidado com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109 325Idem, ibidem, pp.108-109 326"O Cinema é uma coisa e o Teatro é outra", Textos de Intervenção, p.124

99 social. A construção da individualidade do artista tem de ser individualpessoal, donde a Arte como formadora ser, obviamente, individual, para a colectividade, como produto, como finalidade e como função substantiva. A Arte age sobre o indivíduo como responsável; o artista cria a obra, age directamente pois, quer o conhecimento, quer a execução da Arte, não admitem intermediários; cabe "inventar cada qual a sua."327 Voltar-se para si mesmo, implica no artista, a possibilidade de se relacionar com os outros, ideia aliás subjacente à identificação do paradigma antropológico quanto à filosofia da educação proposta por Almada. A Arte é considerada "universalmente de todos os artistas", logo "é o meio mais sério de pôr os homens a comunicar uns com os outros." 328 Donde se poder concluir que o paradigma predominante na sua perspectivação quanto à educação a implementar — pela via do eu —, ser sobretudo um paradigma estético, de radicação antropológica e ética, pois "o artista acima da estética dirige-se a todos e da maneira mais geral.(...) Tem o direito de ser compreendido."329 3.5.4. O Desenho A dimensão formativa, no domínio do educacional, atribuída ao desenho — a nível conceptual e da sua praxis — corresponde a uma das principais convicções estéticas de Almada Negreiros, baseado na noção de desenho como linguagem primordial do humano. O seu domínio pessoal do desenho era da maior relevância, como o entendeu Fernando Amado, considerando-o, a "alma da pintura".330 Almada, ciente das exigências do desenho, afirmava que quem dominasse, com mestria essa linguagem, dominaria a sua condição de ser pessoal. Núcleo da argumentação relativa ao primado do visual, Almada caracterizava o desenho como: — conformador de pensamento primitivo; — possuidor de sentido universal; — expressão da natureza infantil, pela via assuntória da intuição; — instituindo a consciência pessoal; — força intrínseca presente na vida de cada um e de todos os seres humanos.

327"Cuidado

com a pintura", Textos de Intervenção, pp.108-109 Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.10 329Idem, ibidem, p.10 330Fernando Amado, “Os desenhos de Almada”, Variante, nº de Inverno, 1943 328Almada

100 O desenho, não significava apenas o conjunto dos traços mais ou menos simples, as linhas ou o gráfico que se prevê signifiquem algo existente — de ordem representativa; mediante a completude que lhe atribuiu, quis legitimar a sua relevância, sustentando-a em dois célebres aforismos, de autoria de dois protagonistas da humanidade: Napoleão e Ingres. Almada citou a máxima napoleónica, introduzindo-a no texto como segue: "A célebre frase de Napoleão, dizendo: "vale mais um pequeno "croquis" do que um longo relatório" contém todo o sentido do desenho."331 O valor formativo do desenho, enquanto dom e exercício educacional, actuou em consentaneidade manifesta, e por transposição, ao trabalho elaborativo do entendimento humano, indutor de conhecimento. A afinidade ao entendimento reconhece-se pela forma como o próprio desenho se desenvolve: rapidez, clareza, simplicidade, ou seja, as qualidades que reconhece no desenho. O desenho impõe disciplina, condição única que garante disciplina, assentimento e êxito: obriga a aceitação da obediência, um tipo de obediência que significa lealdade para consigo mesmo, "para com os nossos sentidos, orgãos do entendimento."332 A título de esclarecimento epistemológico, Almada distinguiu entre o conceito de entendimento e o de inteligência, entendendo-a como a ligação e harmonia existente entre os entendimentos pessoais; referiu-se ao entendimento como pertença do pessoal, e à inteligência numa extensão generalizada, última, cujo caminho é propiciado pelo entendimento. O entendimento deve ser extremamente original, e não sabendo sê-lo, a originalidade de autor deixa de existir, anulando-lhe a significação e a razão. O entendimento exige maturação, à semelhança do que sucede ao desenho, que exige uma movimentação interiorizadora no indivíduo, traduzidas nas duas épocas consecutivas: a primeira época, "da atenção respeitando o instinto, a outra, a da correcção do instinto procurando a harmonia."333

331"O

Desenho", Ensaios, p.26. René Huyghe, em Diálogo com o Visual, cita igualmente esta frase de Napoleão, sustentando uma intenção próxima da ideia manifestada por Almada, referindo-se ao primado das imagens visuais como factor fundamental para a comunicação, abordando o assunto em termos históricos, e situando a nível mediévico — comunicação impressa —, a maior utilização, precisamente, das imagens fotográficas a acompanharem as notícias: "Quanto ao caminho percorrido, quando no começo do século XX, um quotidiano, o Excelso, lhe inverteu a proporção e lhe consagrou o essencial das suas páginas, invocando a frase de Napoleão, o grande precursor: "O mais pequeno esboço diz-me mais do que um extenso relatório!". Afirmava-se, com estas palavras, a preeminência da vista e desvelava-se a sua principal causa: a exigência da rapidez." Cf., op. cit., p.22 332"O Desenho", Ensaios, p.27 333Idem, ibidem, p.28

101 A explanação argumentativa de Almada, tinha a intenção de propor a analogia, relativamente, às duas idades da educação, acima mencionadas: no caso do desenho, numa primeira época, predomina a sinceridade primária ou romântica; depois passa-se para a impassibilidade construtiva ou clássica, por afinidade ao sentido com que Ingres entendeu a noção de clássico: "a que não faz rir ou chorar".334 A primeira época corresponde — em termos ontogenéticos — à espontaneidade da criança, à sua convicção, aquela criança que — na parábola da Invenção do Dia Claro — desenhava a flor que o adulto não sabe reconhecer. Na história da Humanidade, o desenho começou por ser o conjunto de linhas instintivos do homem, deixando, posteriormente, de ser apenas instintivo, para estar condicionado pela inserção no meio, suas interacções e condicionalismos. Por isso, nessa outra parábola de Almada, o frade passara um ano inteiro a cumprir o mundo; seguiu simbolicamente os ciclos míticocosmológicos da natureza, "andou um ano a ver", "até que as suas cores deixaram de ser tintas e passaram a ser a sua autoridade pessoal." 335 O desenho implicava a aprendizagem pessoal no mundo. Por esse motivo, Ingres referia-se ao desenho, na célebre frase, consideradoo a integridade da Arte: "le dessin est la probité de l'art." 336 O desenho, efectivamente, corresponde à experiência da autoridade pessoal — que implica a consideração integral da pessoa; factor que, aliás, o caracteriza como Arte, à semelhança do modo como a personalidade individual está para a pintura, pertencendo mesmo ao domínio da pintura. Ou seja, o desenho é caminho para a pintura: a autoridade pessoal é caminho para a personalidade. Ou não fosse o desenho, como escrevia Goethe, "le plus moral de tous les arts".337

334Ingres

citado por Almada Negreiros in "O Desenho", op. cit., p.28 Desenho", Ensaios, p.25 336Ingres citado por Almada Negreiros in "O Desenho", op. cit., p.26 337Goethe citado por Almada Negreiros, "Arte e Artistas", Textos de Intervenção, p.80. Apesar de se ter consultado a versão francesa de Écrits sur l'Art, introdução de Tezevan Todorov e tradução e notas de JeanMarie Schaeffer, não foi possível localizar esta citação mencionada por Almada, tendo-se encontrado uma reflexão que pode conter uma acepção com afinidade, quando no Ensaio que dedicou ao livro de Diderot Essais sur la Peinture (1799), Goethe interpreta que para se conseguir um desenho bem realizado de uma figura, Diderot lembra a necessidade de que a execução deve perfazer o Todo e não prejudicá-lo. Goethe concorda enfatizando que se exige mais ao desenho em si, pois: "Nous partageons sa conviction que, pour ce faire, il faut mobilisier les facultés spirituelles les plus élevées et le métier technique le plus habile de l'artiste." Entendam-se aqui "as faculdades espirituais mais elevadas" como sinónimo dessa exigência "moral" que Almada cita. Cf. "L'Essai sur la Peinture de Diderot", Écrits sur l'Art, p.212. Saliente-se que apesar de Goethe muito raramente se referir ao desenho, existe uma outra passagem em que sublinha o carácter de rigor e exigência que o desenho implica em termos de abrangência de conhecimentos e domínio, superiores aos exigidos pelo colorismo: "...il est aussi difficile de bien dessiner (...) nous semble-t-il, que le 335"O

102 O desenho, como conceito e praxis, não é assumido como absoluto, consciencializa os seus limites (contorno) e o seu valor: "O desenho é o meio e o homem a finalidade."338 O desenho, por si só, ainda não é o homem fixado na sua personalidade, é via privilegiada para cumprir essa demanda — pois exige nomeadamente reflexão —, embora o próprio homem também nunca se fixe em posição, "nem antes, nem durante, nem depois da sua personalidade."339 O desenho pressupõe, na sua segunda época, a elaboração interior profunda, que o homem precisa, embora proceda com a clareza, rapidez e simplicidade que o adjectivam. E seriam estas as qualidades que, a nível educacional, o desenho promove e induz, logo nele se reconhece o valor e necessidade para a formação do artista. O desenho, cujo movimento pelo traço, é sempre infindo e possível, simboliza o próprio movimento e transposição do homem na vida; mas também exprime o equilíbrio e a estabilidade, a proporção estética e a conveniência ética. Não é alheia, esta ideia de Almada perante o desenho, a acuidade com que Francisco de Holanda o tratou em Da Pintura Antiga, Tratado que o autor de Começar , tão bem compreendia e citava como mestre: "... o qual desenho, como digo, tem toda a sustancia e ossos da pintura, antes é a mesma pintura porque n'elle está ajuntado a idea ou invenção, a proporção ou symetria, o decoro340 ou decencia, a graça e a venustidade, a compartição e a fermosura, das quaes é formada esta sciencia."341

O desenho era considerado por Holanda, como uma das realizações mais difíceis e árduas para o homem: "...não ha hoje este dia debaxo das strellas

dessin nécessite beaucoup de connaissances, préssupose de nombreuses études, que l'activité du dessinateur est très compliquée, nécessite une réflexion suivie et une certaine rigueur;(...)" Cf. op-cit., p.217 338"O Desenho", Ensaios, p.28 339Idem, ibidem, p.29 340A concepção de decoro provém de Cícero e santo Agostinho, tendo sido igualmente tomada pelos árabes Avicena e Algazel, que a tomaram provavelmente dos gregos: "La belleza o el decorum es la cualidad que posee una cosa cuando es tal como debe ser." Em Cícero, o decoro aprecia-se sobretudo em relação à medida justa, sendo absolutamente necessário — não apenas num sentido moral — no âmbito artístico. É qualidade daquilo que está conforme com a necessidade de natureza, configurador da virtude interna. Cf. Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, pp.39-41 341Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Capitolo XVI "Em que consiste a força da Pintura", p.99. As qualidades que Holanda considerava serem indispensáveis à boa pintura eram: a invenção, a proporção e o decoro. A definição de invenção desenvolve-se a partir da p.90 da op. cit.; a definição de proporção, a partir da p. 98, e finalmente, a definiçã de decoro, a partir da p.163. A acepção com que Francisco de Holanda toma o desenho relativamente à pintura, tem muito próximas afinidades à posição de Leon Battista-Alberti manifestas no tratado De Pictura .

103 cousa mais deficil e ardua que o desenhar." 342 Arte profunda, a que maior engenho exigia, era, curiosamente, aquela de que se achava menos capaz, dada a sua complexidade, reconhecendo-a como a mais presente e necessária em tudo no mundo. O desenho, de forma simbólica, é o próprio homem quando os traços e as linhas do desenho que configuram o corpo, encerram em si "o fim da arte porque a strimidade havia de cercar a si mesma e acabar em modo que prometa haver da outra banda outra cousa, e que mostre também aquilo que se esconde."343 A ideia que em Holanda configura a relevância do desenho, quanto às potencialidades intrínsecas que o constituem e pelas quais se expressa, surge com afinidade manifesta, quer em Alberti, quer no próprio Leonardo da Vinci. 344 Estes sim, eram os Mestres (que Almada quis), os indivíduos enciclopédicos por excelência! 3.5.5. Os Mestres de cada caso pessoal Nós não precisamos de Mestres para chegarmos a mestres, bastam-nos os nossos sentidos aqui na cidade. O tempo se encarregará de acordar os nossos sentidos e de lhes trazer harmonia. Quanto ao resto, nós somos os interpretes do astro pequenino que tem o habito de apanhar encontrões.345

A formação académica de Almada Negreiros foi realizada, em termos formais, no Colégio de Campolide, de 1900 e até ao seu encerramento no advento da República em 1910. No último ano lectivo, em que frequentou o Colégio dos Jesuítas, Almada preparava-se possivelmente para uma futura entrada no ensino superior que posteriormente recusou em absoluto. Ao 342Francisco

de Holanda, Da Pintura Antiga, Capitolo XVI "Em que consiste a força da Pintura", p.100 em tanto ponho o desenho, que me atreverei a mostrar como tudo o que se faz em este mundo é desenhar; e fallando com os pimtores, tambem me atrevo a provar-lhes e fazer-lhes bom que val mais um só risco ou borrão dado pola mestria de um valente desenhador, que não ja uma pintura muito limpa e lisa e dourada e chea de muitas personagens feitas de incerta pintura e sem a gravidade do desenho." Cf. Francisco de Holanda, op. cit., pp.100-101 344Alberti desenvolveu considerações a propósito no De Pictura , cf. pp.110 a 114, quando se referiu à importância da pintura, para o exercício das outras artes e indicando-lhe qualidades que têm a ver com o domínio do desenho. Mas seria ao pensamento de Leonardo que mais se aproximava, segundo considera Angel González Garcia nas notas à versão portuguesa: "Pero Holanda parece más cerca de una concepción radical de la universalidad del dibujo, tal como la encontramos en Leonardo, Della differencia et anchora similitudine, che ha la pittura co' la poesi, Codex Urbinas Latinus 1270, fol. 12 v. "Il disegno, insegna allo architettore fare, chel suo edifitio si renda grato al'occhio, questa alli componitori di diversi vasi, questa alli orefici, tessitori, recamatori; questa ha trovato li carratteri, con li quali si esprime li diversi linguaggi, questa ha datto le caratte alli aritmetici, questa ha insegnato la figuratione alla geometria, questa insegna alli prospettivi et astrologi et alli machinatori e ingegneri." Cf. Francisco de Holanda, op. cit., p.101 345"Charlie Chaplin", Artigos no Diário de Lisboa , p.26. Cf. Invenção do Dia Claro, "O Livro": "Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres. Começava cada qual por fazer a caneta e o aparo com que se punha á escuta do universo; em seguida fabricava desde a materia prima o papel onde ia assentando as confidencias que recebia directamente do universo..."Este texto foi inicialmente publicado no Diário de Lisboa, de 6 de Julho de 1921, e consta da op. cit., cf. pp.12-13. 343"E

104 longo desses dez anos, recebeu uma formação profundamente humanista346 que o alertou desde cedo para múltiplas reflexões acerca da condição metafísica, teológica e ética do ser pessoal, argumentando saberes que lhe advinham da tradição filosófica grega e da filosofia escolástica, fundamentos do ensino recebido e que iria usar para o desenvolvimento da sua obra de maturidade. Almada soube elaborar os conhecimentos que lhe foram transmitidos, seleccionou os seus mestres e proclamou os seus pensamentos: Almada não é o que dispensa os mestres, mas o que os traduz para Almada, e o que aconselha aqueles que têm o instinto de liberdade — quer dizer, os que são capazes de imaginar que o mundo foi feito para eles — a fazer o mesmo.347

O pensamento mítico-poético grego, a tradição hermética e os fundamentos metafísicos, cosmológicos e éticos da filosofia grega, consolidaram uma cultura ensaística fundada no pensamento humanista que sustenta todas as realizações de Almada Negreiros. Ainda que o Artista sempre tenha anunciado a recusa formal de mestres, recusado as formulações pedagógicas, no sentido restritivo ou constritor, os conteúdos abordados foram interiorizados, em prol de suas opções e direccionamentos de pensamento, centrados nos princípios filosóficos, até aqui mencionados, e completados com a pesquisa pessoal que o Autor sempre realizou, com o intuito de comprovar para si, as suspeitas mais primordiais acerca do homem, da Arte, da Vida. A era do predomínio do raciocínio na construção do pensamento esgotara-se em vinte séculos e mais...348 e Almada, em 1921, anunciava a necessidade de agir sobre o pensamento, num longo discorrer sobre os termos antitéticos, em que o raciocínio era sinónimo de hesitação. Os raciocínios, tendo sido anteriormente esgotados numa modalidade lógica e epistemológica, tornada obsoleta — na acepção utopista do conhecimento —, era preciso agir sobre as ideias que "hoje são coreográficas, é o físico quem as experimenta e se treina até à mímica rigorosa e inigualável.(...) Nós temos que pôr os pés sem hesitação e ir ganhando o hábito do mais consistente; rápidos, sem irmos 346De

acordo com os horários consultados das aulas no Colégio de Campolide, na altura em que Almada o frequentou, verifica-se uma carga lectiva forte nas disciplinas de Latim, Grego, "Philosophia"; de salientar também as disciplinas de Desenho, "Mathematica" e "Portuguez", no correspondente ao ensino secundário e complementar actuais. Almada entrou no Colégio de Campolide em 2.XI. de 1900, sendo-lhe atribuído o nº 64, com indicação de naturalidade "s. Tomé", de acordo com o Livro d'Ouro dos alumnos do Collegio de Campolide - 1849-1903. 347Eduardo Lourenço, "Almada, ensaísta", Colóquio sobre Almada Negreiros, p.84 348"Adão e Eva" de Jaime Cortesão", Artigos no Diário de Lisboa , p.38

105 mais depressa do que nós; inteiros, sólidos, com sombra própria e produzida; rigorosos de fatalidade — na certeza consecutiva do acaso!"349 Não foi apenas na época imediatamente posterior ao modernismo que Almada exprimiu estas convicções; elas vieram a consolidar-se ao longo dos anos e das muitas reflexões e experiências, efectivamente, "Acabou-se o sêgredo das escolas, a nossa imaginação milenária tem belo terreno para edificações ao lado das escolas. Diante de todos vamos edificar construções para que nós e os outros fiquemos sabendo como se improvisará melhor." 350 Do seu contacto com os Jesuítas de Campolide, Almada guardou uma memória que colaborou na edificação da sua personalidade artística, porque focada numa pedagogia humanista, segundo testemunho do próprio filho, Arqtº José de Almada Negreiros. As condições que lhe foram facilitadas para desenvolver o especial dom para o desenho, traduzia, ainda segundo este testemunho, uma consciência pedagógica do director do Colégio, do que veio a ser, muito mais tarde, o ensino especial para as crianças sobredotadas. Ao nível dos autores estudados por Almada no Colégio, Baltasar Gracián certamente privilegiou através dos seus aforismos e argúcia de pensamento, uma influência inestimável no jovem Almada. O grande mestre do século XVII que citava Camões como modelo de complexidade e excelência de escrita, estipulou uma sabedoria conveniente à actuação ético-social e pessoal, reguladora de uma pragmaticidade superior, de exigência espiritual e intelectiva supremas. A agudeza de espírito que educava através da Arte da Prudência, bem como a Arte do Engenho, serviram as lacunas que Almada queria reverter a seu favor, para que fossem aceites as suas especulações. A fundamentação argumentativa, a elaboração do discurso público, a escrita insinuosa, não eram questões meramente estilísticas, mas uma proposta legitimadora que visava o estabelecimento de princípios convincentes, porque convictos. A necessidade de estipular conceitos, de recorrer a artifícios, de saborear o requinte da consciência epistemológica do "gosto", devidamente tratados em Gracián, foram definitivos para a maturação conceptual, impulsionadora de especulações e resguardo de ataques intelectuais, aos quais Almada sempre dava réplica com subtileza, incisivo ou ironista, mas sempre vencedor. O conhecimento, na opinião de Almada, não podia ser adquirido nas escolas, pela boca dos mestres, o conhecimento era resultado da solidão de cada um: 349Idem, 350Idem,

ibidem, pp.38-39 ibidem,p.39

106 "Eu tenho ainda na boca o amargo das convicções e das sinceridades. Eu aprendi com os conselhos de Deus a estar só e inocente." 351 Estar só, construir a sua educação é caso de poucos, "Ser o próprio é uma arte onde existe toda a gente e em que raros assinaram a obra-prima!"352 As ideias assim manifestas encontraram, mais uma vez, fundamento e certeza, nas posições elucidadas por Francisco de Holanda no Da Pintura, mais nitidamente nos "Capitolo IX — Por onde deve aprender o Pintor" e "Capitolo X — A segunda cousa por onde deve d'aprender"353, consistindo os preceitos fundamentais para a praxis artística, sintetizadas no que segue: — não imitar nenhum outro mestre; — imitar-se antes a si mesmo; — servir como modelo de imitação a outrém, dada a sua consistência pela nova maneira de fazer. Atenda-se também às directrizes de Holanda relativamente às Ciências que aconselhava conhecerem-se: "as letras latinas e terladações gregas para entender e gostar os tisouros da sua arte que polos livros stão escondidos, sem os quaes elle não pode ter razão d'alguma cousa (...) e d'ali tomar a filosofia natural, como filosofo excelentissimo, consirando e contemplando continuamente a propriedade e natureza de cada cousa com mui grande descrição e cuidado." Deverá ainda saber de teologia, a nobre história do mundo, "tendo quase todas as antiguas cousas e historias recapituladas na memoria, pois pola môr parte a operação da pintura consiste em renovar aos homens e idade presente aqueloutros homens e idades que já passarão, e tudo para doutrina e exemplo nosso."354 Importante era conhecer todas as fábulas, da poesia, pois na ficção e fantasia radicava a verdade e a razão — o que é evidente em Almada igualmente. Saber ouvir a música para conhecer a verdadeira harmonia, o que exigia o estudo dos "números". Para além do conhecimento obrigatório, a qualquer pintor, da geometria e das matemáticas e "prospectivas", enfim eram necessárias muitas ciências e ofícios "que eu mando ter (...) ao 351"Uma

reunião de artistas no banquete de homenagem ao distinto pintor João Vaz", Artigos no Diário de Lisboa , p.57 352"Nós todos e cada um de Nós", Artigos no Diário de Lisboa , p.93. Cf. a citação de Arquitas de Tarento, "Aquele que sabe tem que ter aprendido de outro ou achado ele só o que sabe. A ciência que se aprende de outro é, por assim dizê-lo, exterior: o que nós mesmos encontramos, a nós pertence e em propriedade." in "Dórico, cânone da ingenuidade", Ver, p.195. 353Francisco de Holanda, op. cit., pp.72 a 78. 354Idem, ibidem, pp.64-65

107 desenhador"355, que é difícil existirem em muitos homens juntos, quanto mais num só, designando como paradigma do conhecimento Miguel Ângelo...Ao que Holanda adiantava — algumas considerações após —, donde tomar as fontes — conhecimentos — para servir a criação das obras: na natureza e na arte grega. Estes dois paradigmas: o histórico de volta à natureza, vigente desde Giotto; o de retorno à arte clássica, conhecidos através dos escritos de Plínio e outras fontes antigas. Aparentemente antitéticos, ambos paradigmas convergiam para o propósito estético igualmente presente em Vasari: "la fusión de los paradigmas ya apuntados se expresaba también a través de una homologación terminológica. El propio Leonardo, tan afecto siempre al naturalismo del Quattrocento, no encontraba dificultad alguna en conciliar ambos magisterios."356 Almada realizou a conciliação, ao basear a sua teorização no paradigma da modernidade que implicava a reinvenção do conhecimento mítico, poético, estético e filosófico, dos gregos e todos autores que ao longo da história da cultura europeia soube tornarem-se modelos de nova maneira: "Nós não combatemos os antigos. Nunca se deram aos antigos provas tão sinceras e conscientes de admiração. As irredutibilidades não somos nós que as fabricamos."357 Almada conheceu-os para conceber a sua teorização própria, associando esta perspectiva de tradição, por via do humanismo, com a demanda da ingenuidade, tão afecta à teorização romântica, sem exaurir os impactos ou extensões exclusivas, de um paradigma ou outro, neste caso, o paradigma do clássico — o cânone, e o paradigma da ingenuidade: "D'ali aprenda a fazer muito pouco e muito bem..."358 Almada trouxe do autor português do Renascimento grande afinidade, pois sabia que a Renascença tinha sido a idade dos Artistas, "havia efectivamente artistas, isto é, indivíduos enciclopédicos, indivíduos de perfeito conhecimento geral. E sobretudo isto: indivíduos libertos das grades de cada profissão porque são mestres em todas. Isto quer dizer: artistas." 359 Os Mestres que se lhe adequaram estavam na memória da humanidade, essa capacidade do humano que precisamente distingue o homem do animal. a memória como resíduo do entendimento e, portanto, cúmplice na memória colectiva, profunda, inconsciente mesmo, para além da cronologia:

355Idem,

ibidem, p.69 Gonzaléz Garcia, in Francisco de Holanda, op. cit., Nota 180, p. 75 A conciliação realizava-se através do desenho, para o qual ambos se mostravam cúmplices. 357Almada Negreiros in "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs. 5-6 da Revista Cidade Nova, p.12 358Francisco de Holanda, op. cit., p.76 359"Arte e Artistas", Ensaios, p.83 356Angel

108 Já há bastante tempo que os meus melhores mestres de hoje deixaram de existir neste mundo. Encontram-se todos na Eternidade, essa eternidade que não conhece anónimos. 360

A conciliação dos elementos constitutivos do universo, pessoa humana, mundo e Humanidade, realizada nos fundamentos do conhecimento anterior ao pensamento, fornece um dos termos para a superação de um saber apenas feito de erudição profana e "cultura livresca". O conhecimento que Almada pretendeu era da ordem do mistério361, estava na ingenuidade de saber, atitude e estádio de anterioridade do humano, o mais simples, simultaneamente: A unanimidade em conhecimento não pode deixar de ser o simples mesmo, desde o primeiro instante da humanidade igual ao primeiro instante de cada um. 362

A condição fundamental que Almada expôs para resolução do problema, relaciona-se com a percepção que cada um terá para encontrar mestres "próprios", sabendo separar-se deles a tempo de não ficarem circunscritos aos dogmas de outrém, nem apenas àqueles: haveria que ter a grande visão dos mestres da humanidade, de todos, mostrados ao longo do tempo que os revela. 4. Estética esotérica — a primazia de Ver A Estética de Almada foi construída sob duas afirmações que quis irrefutáveis. A primeira, destacou o conceito de pessoa como pessoa humana na arte, ao manter "a obra da sua coerência com a atitude humana que arte representa."363 A segunda, considerou ser a Arte, intrinsecamente, Visualidade. Associando ambas, resultou a unidade pessoal vista Arte, ou seja, "Arte é sobretudo atitude universal da pessoa humana" 364, — leia-se que a Arte é visualidade manifesta na atitude universal da pessoa humana. Conciliam-se ainda as reflexões, anteriormente realizadas, acerca das componentes constitutivas da Arte, à enunciação da tese visual procedente da acção, obra e pensamento da humanidade, salientada a dimensão una da pessoa humana na história.

360"Vistas

de SW", Textos de Intervenção, p.120 saber é pouca coisa para quem conhece. O saber desencanta o mistério. O conhecimento vive cara a cara com o mistério." Almada Negreiros, "Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia , p.39 362Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23.06.1960 363Orpheu - 1915-1965, p.14 364Idem, ibidem, p.14 361"O

109 4.1. Os sinais primordiais da pessoa humana individual — a antegrafia A Primazia da vista é natural do Homem, e tanto assim que os primeiros sinais feitos de sua mão foram, como não podiam deixar de ser, automáticos e só depois ele próprio os soube ler.365

A primazia da vista é natural, constante e permanente no homem, manifestando-se visualmente nos primeiros sinais, de natureza automática, surgidos antes do homem dominar o conhecimento capaz de os decifrar, de ir além do seu automatismo. A primazia da vista persiste na história da humanidade, viu e vê confirmada a sua presença em cada novo ciclo, em cada início, em cada recomeço que o homem precisa; sempre que o homem se mostrou num novo lugar do mundo, gerador de nova civilização e/ou cultura (porque colectivo e sozinho), revelou-se na visibilidade dos sinais antegráficos. Os sinais antegráficos são sinais comuns, desveladores das origens do homem, nos primórdios da assunção do humano; ao redescobrí-los, significam as emoções, as motivações que fundamentam o pensar, imaginar…; significam a predisposição e a vontade para comunicar, para representar no seio das relações sociais, decisivas para a consciência etológica, para a constituição da identidade do indivíduo, do grupo... "O tempo dos sinais antegráficos foi o tempo em que os primeiros movimentos do humano se configuraram em leis da primazia da vista sobre os outros sentidos, em que estas são as leis da pintura e, também, as mesmas da Ordem Universal."366 No domínio da gnoseologia, os sinais visuais significam a fundação originária do conhecimento, "a um tempo uma semiótica do visual, uma simbólica das formas geométricas mais simples (as mais difíceis) ou, como Almada prefere dizer, a antegrafia de formas de pensamento menosprezadas 365"Ver

e a personalidade de Homero II", Ver, p.121 ibidem, p.119. Num artigo intitulado "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho de 1955, o autor — que não assina —, compara esta vertente das pesquisas e especulações de Almada com a posição de Fernando Pessoa: "E se é verdade que Pessoa era um cultor da Kabala e um ocultista, portanto, Almada repele esse culto, para se confessar muitíssimo mais lúcido. Há nos seus estudos e investigações actuais uma orientação que o aproxima daquele — ambos procuram uma síntese que explique os fenómenos universais e dê um sentido racional à vida do cosmos, tendência de todas as inteligências que se não resignam a aceitar os dogmas religiosos existentes — mas Almada, essencialmente plástico, alheia-se da "transcendência" inerente ao pensamento ocultista do poeta da "Ode Marítima" para se consagrar à imanência expressa na relação geométrica traduzida numa conjugação numérica. A relação 9/10 a que obedece o cânone que Almada encontrou, e que pode consubstancializar-se nos cinco sólidos regulares a que se reduz a harmonia de todas as formas estéticas, eis o fundamento do seu conhecimento "mágico". 366Idem,

110 ou olvidadas da maioria."367 Os sinais exprimiam o visível e o invisível do Universo368, interior e exterior em simultâneo: o visível expresso através da sua própria visualidade manifesta — mediante a percepção realizada; o invisível manifesto pela visualidade desocultadora, fixada para convencionalmente o expressar. Pela unidade de expressão do Universo como Todo, os sinais permitiam reconhecer no homem — dentro e fora de si —, a sua individualidade.369 Na sua perspectiva, Almada considerou que os sinais antegráficos serviam a Humanidade muito para além do tempo, precisamente porque provenientes do automatismo genuíno, sinais elementares feitos com traços e com a intenção de chegar a todos os homens e em todos os tempos. Almada designou-os por elementares pois neles estavam os Elementos: Fogo, Terra, Água e Ar.370 Por princípio cosmológico — e por analogia — os sinais guardavam em si371 a significação que fecundou as possibilidades da vida humana, o acto, a obra e o pensamento — espécie de cosmogonia visual por conivência do homem no mundo. Nos sinais elementares, objectividade e subjectividade formam a unidade, um único objecto, tal como estão, igualmente num sujeito comum. Percebeu que o Homem procurara o "primeiro movimento irrepetível do mundo", o movimento "presente em cada um de nós, porque esta é a única ponta firme do fio que nos permitirá conduzir-nos através do labirinto sagrado e sensível, este labirinto que se justapõe ao do Caos."372 367Lima

de Freitas, Pintar o Sete, "Dar à manivela do mundo", p.35 Universo — visível e invisível — era representado inicialmente, por exemplo, pelo "sinal cretense da Lua com os cornos para baixo, esta figura da Lua que os olhos humanos nunca viam." Cf. "Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.108. O sinal mencionado é a labris, precisamente um dos primeiros sinais que em si comporta a concisão imagética do mundo, sendo o sinal repetido ininterruptamente desde os mais remotos documentos da Antiguidade, pela mão do Homem: "A primeira maneira como surgiu o sinal da labris , foi pela linha do Sol relativamente à Terra. A segunda, pelas fases da Lua, isto é, o período anual das relações entre o Sol, Terra e Lua. E agora vem aquela que deve ter sido a primeira no tempo mas seria menos compreensível se a tivéssemos posto antes; a representação dos dois sexos engendradores, o fálos e a cista." Almada referia-se ao fresco do edículo sagrado de Cnossos em que estão as duas representações. Cf. pp.109-110. Foi da labris, como primeiro sinal gráfico, seguido de dois outros sinais gráficos, as liras e as flordelis, e assim se encerrou a história do homem, respectivamente começo, meio e fim — labris, lira e flordelis. Da labris surgiu para a posteridade do humano o sentido dos seus três poderes: o acto, a obra e o pensamento. 369Os elementos primeiramente visíveis para o homem são o exterior e interior em simultâneo: "não tendo por que obstar ao exterior, há que fatalmente reconhecer dentro e fora de si, a sua parte, o individual." Cf. “Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.81 370“Ver e a personalidade de Homero II”, p.125 371Almada considerou impossível enumerá-los até à exaustão, salvaguardando-lhes a concisão da forma que lhes identificava as características comuns: “são linhas simples e conhecidas até dos mais ignorantes, são cruzamentos e repetições de linhas simples, como o fazem precisamente os que não sabem ler nem escrever.” Idem, ibidem, p.123 372Idem, ibidem, p.122 368O

111 Almada designou o princípio enunciador da natureza e condição visíveis do Universo como Todo, por princípio de conservação ou continuidade. Significava a abertura de cada indivíduo humano, para desocultamento do seu interior — o dentro de si em dimensão imagética; o não fechamento sobre a sua individuação específica, promovendo de moto próprio a compreensão íntima de exterior e interior, conferia-lhes a disponibilidade para comunicar com outrém, demonstrada a vontade de comunicar, de exprimir algo. A natureza desta comunicação consistia no acto de desenhar sinais absolutos, livres, abstractos e automáticos, sinais que exprimiam os dois únicos sentimentos natos no homem: o sagrado e o sensível, sustentados no mais forte instinto — a continuidade do humano. Era uma comunicação de ordem transposicional, ou seja, não existia uma correspondência natural entre os sinais e os elementos evocados — comunicados; existia uma correspondência transposta, de elaboração simbólica, derivada da formação de todos os símbolos, proveniente da acção subjectiva, dimensionada na subjectividade. A ordem do simbólico era simultaneamente de cada um e de todos, do sujeito singular no mundo, cuja objectividade está no primado de uma subjectividade que se concilia com o dimensionamento do universal — constitutiva em afinidade de todas as subjectividades na unidade do sensível e do sagrado. Em termos filogenéticos, foram a primeira expressão de todo o conhecimento, representando "as primícias do primeiro encontro do macrocosmos com o micro-cosmos"373, constituindo a linguagem visual na "infância do mundo"374. Primordiais, estavam destinados a ser sempre presentes no homem, porque do domínio do espírito — invisível — antes e depois do próprio conhecimento antes da Ciência. A sua estrutura era a mais arcaica fonte de conhecimento; a sua força persistente no homem foi motivada na profundidade do inconsciente, no mais íntimo e comum do humano; precisamente porque do mais genuíno, todos os homens os sabem 373Idem,

ibidem, p.120; Cf. no Cap. II - 1ª parte “Convocação da Humanidade”, onde se transcreve excerto do Timeu acerca da criação do homem para o mundo e sua relação com o Universo, como (elemento) microcosmos perante o macrocosmos. 374"A linguagem visual é uma das componentes conceptuais essenciais da arte visual; mas, a arte , mesmo que considerada dum ponto de vista semiótico, comporta igualmente outras componentes de carácter emotivo e estético; todos esses elementos implicam a posse dum conjunto complexo de capacidades associativas, receptivas e comunicativas que, segundo os nossos actuais conhecimentos pertencem específica e exclusivamente ao homo sapiens ." Emmanuel Annati, Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, p.53

112 imediatamente decifrar: linhas horizontais e verticais e todos do domínio visual que as crianças conhecem e os artistas procuram deliberadamente manter no património da visualidade. Almada dispunha assim os pressupostos de uma estética e de uma imagética baseadas na posição privilegiada do indivíduo humano, proporcionada a sua manifestação por intermédio dos artistas, entre todos aqueles na humanidade a quem respondiam por vontade e imposição profunda, os desígnios da compreensão que transcendia a topografia do tempo: "E a pintura, se é a vocação de alguns, é também a mesma vista de todos e sobretudo os da mesma época."375 Vieram a originar as duas ciências visuais por excelência — a astronomia e a geometria. Ciências ambas imprescindíveis para a fixação do homem como presença diferenciada no mundo; serviram para conhecer o mundo na sua mítica exigência maior, espécie de cosmogonia visual: "o primeiro visível para o Homem foi o Céu e ele próprio na terra: o céu na fixidez dos astros, ele próprio no que pode a mão."376 Na permanência e domínio que o desenho permitia, o homem compreendeu que os astros permaneciam idênticos — apesar das mudanças visíveis; as linhas podiam igualmente ser sempre as mesmas, apesar da diversidade de concepção, garantia da presença — continuidade — do humano. Os astros, as linhas e os sinais pertenciam à humanidade — por génese e determinação divinas —, fruto da sua Criação, fixavam o seu testemunho, a sua herança e justificando ultimamente a origem e destino comuns. 377 Segundo Almada, a antegrafia era perpétua geradora para a humanidade: "É ela que vai fazer surgir e fecundar todas as possibilidades humanas no acto, na obra e no pensamento, e assim mesmo continua a sentir-se obrigada à representação gráfica no que hoje entendemos pelo mais pobre sentido do decorativo, a formação de simples cercaduras que ficaram conhecidas para a posteridade com o nome de gregas."378

375Idem,

ibidem, p.78. Os sinais foram posteriormente afectados às artes menores, sem que se tenha percebido o seu significado primordial, que Almada pretendeu desvelar nos seus estudos sobre o assunto. 376"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, pp.123-124 377"Os caracteres universais da linguagem visual deixam supor que existem raízes comuns a todas as nossas diferentes culturas." Emmanuel Annati, Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, p.62 Almada explicou a forma como os primeiros sinais terão surgido, pelo movimento de aproximação combinatória das linhas e traços entre si, encontrando o seu sítio para serem precisamente sinais: "um traço em pé, deitado, inclinado; dois traços, em cruz de pé, dois traços em cruz deitada; traços. Se juntarmos a estes traços os mesmos em curva e as combinações possíveis entre todas, teremos a devida correspondência entre o homem e o universo. Nasce a invencível simplicidade." Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.81 378"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.79

113 No âmbito da estética significava a constância do princípio básico, donde emanou a origem comum para a arte. No âmbito da história da arte, as origens da arte reveladas na arte dita primitiva, tendo-se disseminado nas artes populares em diferentes geografias e tempos que, neste aspecto mantinham a unidade absoluta do humano 379, designadamente, dada a dimensão simbólica. Procuraram genuinamente a harmonia, consubstancializada no princípio de simetria, donde tomarem o algarismo 3 como base para os seus traçados, ajustando o homem à terra. A simplicidade visual — desígnio constitutivo — da sua própria natureza, foi revelada no sentido qualitativo e não tanto no quantitativo. Os sinais reflectem a harmonia, a individuação e a conjugação dos três Elementos, constituindo-se matriz visual — interior e exterior — para a Civilização e para a Cultura. O domínio visual de Almada incluía, por uma espécie de absorção analógica, a dimensão ontogenética, baseando-se na comprovação da teoria do primado da vista por aquisição de conhecimentos sobre o mundo envolvente, sobre si e sobre os outros no mundo, nos primeiros anos de vida do indivíduo, correspondendo ao período em que "os sentidos ignorantes estão já acabando o próprio espírito que o levará até ao fim da vida." 380 Quer no processo individual, quer na continuidade do Homem, sendo portadores da sua antecedência, os sinais orientaram simbolicamente o destino comum, respondendo ao eco originário do "programa do seu caminho".381 4.2. A universalidade da Arte

379Mencionem-se

a propósito, os estudos etnográficos, publicados em artigos, por Virgílio Correia em 1915 na II série da Águia, sob título “A Arte Popular Portuguesa” que se colocam nesta perspectiva — e que certamente Almada Negreiros pode conhecer. Nesses textos, Virgílio Correia desenvolveu uma série de considerações acerca da universalidade constatável na arte popular, que teria as suas fontes precisamente na arte primitiva, que como se sabe — de estudos posteriores sobre o tema — contém toda uma série de sinais ditos elementares, que foram posteriormente integrados como elementos decorativos pelas artes menores, referência coincidente com a que Almada igualmente tece, quando se refere ao desprezo e ignorância a que os sinais elementares foram votados durante muito tempo. Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver , p.78. Certamente que, ao nível da arte popular, houve uma incorporação de elementos posteriores que vieram diversificar a própria utilização a que se destinavam, e também alterações de valor simbólicoreligioso. Num estudo indispensável para o estudo das origens da Arte, da autoria de Emmanuel Annati, intitulado Les Origines de l'Art - formation de l'esprit humain, Paris, Albin Michel, 1989, encontra-se um paralelismo entre o pensamento deste Autor e as considerações de Almada relativamente aos sinais visuais dos primórdios da humanidade. Annati chamou à atenção para a importância do património visual da humanidade, cujos signos são testemunhos conceptuais, éticos e estéticos imprescindíveis ao seu conhecimento. Sublinha ainda a criatividade artística do primitivo, referindo-se à produção de uma arte visual anterior à escrita, salvaguardando mesmo a existência de uma conceptualidade primordial, anterior mesmo ao Homo sapiens : tendência manifesta para a conceptualização. 380"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.123 381Idem, ibidem, p.124

114 Almada quis reafirmar a sua convicção na universalidade da arte, enquanto acto manifestatório de uma unidade genésica e promotora do humano, através da universalidade consignada, designadamente na arte popular — herdeira da genuinidade das artes primordiais e suas visualidades automáticas: elementos, sinais… A obsessão de Almada pela tese visual — prova da comunicação universal deliberada desde o início, princípio de comunhão entre os homens, conciliava-se no domínio psicanalítico ao conceito jungiano de "inconsciente colectivo", mais do que aos "resíduos arcaicos"382 a que Freud se referiu. Os símbolos que constituem o inconsciente colectivo aparecem em todo tipo de manifestações psíquicas muito distantes para o homem moderno, e têm uma origem que se perde efectivamente no tempo, o que explica que este tenha tanta dificuldade em os compreender, assimilar ou mesmo aceitar. Segundo um discípulo de Jung, Joseph L. Henderson o "inconsciente colectivo" é: "...parte da psique que retém e transmite a herança psicológica comum da humanidade." 383 Embora se verifique como facto, quase irrefutável, a sua anterioridade, que ascende aos primórdios do humano, os arquétipos persistem no humano, por toda a viagem da Humanidade desde que existe como tal. Correspondem a um tempo anterior, em que a percepção da realidade que o Homem podia, "continha um número indefinido de factores desconhecidos — acontecimentos psíquicos por exemplo." 384, que Jung considerou imprescindíveis para a compreensão dos movimentos do humano, em si cada caso e no todo da Humanidade. É constituído por inúmeras coisas que estão fora do alcance da compreensão humana — se radicada exclusivamente no consciente — que ultrapassam os limites da evidência lógica racional, das convicções mais convencionalizadas pelo consciente (individual) colectivo do Homem, obrigando a considerar um nível de existência que o conhecimento consciente não pode transpor. Entre os símbolos que pertencem ao humano desde os tempos da "Origem" — termo que Almada utiliza nesta acepção — há os de origem individual, mas igualmente a grande imanência do originado no colectivo — cultura e civilização implícitas: "Por isso o homem não dispõe só da memória, a qual, por si apenas, é negação; o que se pretende é trazer o homem comum através 382Os

"resíduos arcaicos" os elementos psíquicos que sobrevivem na mente humana há tempos imemoriais, e que, na perspectiva de Jung não servem para explicar esses "símbolos, cuja origem está soterrada nos mistérios do passado que não parece ter origem humana." Carl Gustav Jung, O Homem e seus Símbolos", p.55 383Joseph L. Henderson, "Os mitos antigos e o homem moderno" in Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos, p. 107 384Carl G. Jung, O Homem e seus Símbolos, p.23

115 dos tempos, e por isso o homem tem segunda faculdade nata, gémea da memória, a imaginação."385 Os arquétipos, segundo Jung, são conteúdos do inconsciente do homem actual, moderno, que se parecem com os produtos elaborados na mente do homem primitivo. "Quanto mais pesquisarmos as origens de uma "imagem colectiva" (= dogma) mais vamos descobrindo uma teia de esquemas de arquétipos aparentemente interminável que, antes dos tempos modernos, nunca haviam sido objecto de qualquer reflexão mais séria." 386 Quando Jung se refere aos arquétipos que representam por vezes sob forma de imagem simbólica, sublinha que, "A sua origem não é conhecida; eles repetem-se em qualquer época e em qualquer lugar do mundo — mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência directa ou por "fecundações cruzadas" resultantes da migração."387 Não são formas estáticas, mas factores dinâmicos que se manifestam através de impulsos, tão espontâneos quanto os instintos: "Os arquétipos criam mitos, religiões e filosofias que influenciaram e caracterizaram nações e épocas inteiras." 388 Jung considerou que os pensamentos foram uma descoberta relativamente tardia do homem, pois primeiro ele fora levado por factores inconscientes a agir; apenas muito tempo depois é que começara a reflectir sobre as causas que motivavam a sua acção.389 Afirmou que o conhecimento quanto mais originário era, tanto mais impregnador, dominando, na sua própria inexplicabilidade racional, usando de maior abrangência e extensão no humano. Próxima desta argumentação, Almada considerava que o aumento de conhecimento científico, provocava a diminuição do grau de humanização no mundo, pois o homem se sentia isolado no cosmos, perdido o seu envolvimento com a natureza, perdida também a sua "identificação emocional inconsciente" com os fenómenos naturais: "E os fenómenos naturais, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações simbólicas."390 O retorno da memória do arquetípico afigurava-se próprio ao humano, que é, permanentemente, a antinomia primeira: Memória-Esquecimento.391 Se o 385"Ver",

Ver, p.232 Jung, O Homem e os seus Símbolos, p. 81 387 Idem, ibidem, p.69 388Idem, ibidem, p.79 389Cf. Jung, op. cit., p.81 390"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.95 391"Somos a máquina estandartizada do organismo da Memória.", in "Galileu, Leonardo e eu", Teatro, p.237. Manifestamente, é relevante a contextualização no pensamento platónico, o qual, pretendia retomar 386

116 homem conseguisse recuperar a memória desse tempo paradigmático, tempo em que ocorreram os mitos, em que se sabe a sua origem, então possuiria a "força mágica-religiosa ainda superior à de quem apenas conhece a origem das coisas."392 Pela via poética, pois inspirado pelas Musas, o poeta poderia aceder à memória desse tempo das realidades originais. Nesse sentido o poeta estaria num além-tempo, presente em toda a humanidade, do princípio até ao fim do mundo. O poeta e o artista como Almada os coloca eram indivíduos privilegiados para celebrar esta condição transfinita, omnisciente do divino, do sagrado na criação humana. De acordo, ainda, com a teoria da metempsicose de Platão, ao poeta era conferido poder para se lembrar das suas existências pessoais anteriores. O Mundo da Memória era o das Ideias, o mundo inteligível, enquanto que a existência terrena era no Mundo do Esquecimento. Sem pretender restringir o pensamento de Almada a estes termos exclusivos, o facto oferece-se em termos de referenciação plausível, a uma "similitude de postura mítica no caso do A. propender a mistério sagrado do íntimo pessoal como fonte de conhecimento."393 Almada estabeleceu — no plano dir-se-ia analítico — a conciliação das influências platónicas com dois aspectos antitéticos dos pensamentos de Jung e Freud, quando pretendeu que competia à Arte realizar — pelo homem — o retorno a esse estádio anterior, pelo que procurou a fundamentação da ideia em Freud, citando-o através de René Huyghe, numa obra intitulada Visão do Artista: : "A arte faz o retorno, como o mostrou Freud, à mentalidade pré-lógica dos primitivos que se expressam por símbolos; n'esta mentalidade pré-lógica a arte recolhe uma força de comunicação, d'ascendente que revolve o mais profundo do homem e que ignora a linguagem racional; a inteligência ordenadora não intervém senão para pôr em obra os elementos d'este

"no exercício do Logos filosófico, a um tempo exemplar, paradigmático, anterior à história, atitude que Mircea Eliade chama de prestígio dos tempos antigos e que se prende, em suma, à mitologia da Memória e do Esquecimento." Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.32. Confronte-se Mircea Eliade, Images et Symboles quando refere: "Et dans la mesure où l'homme dépasse son moment historique et donne libre cours à son désir de revivre les archétypes, il se réalise comme un être intégral, universel. Dans la mesure où il s'oppose à l'histoire, l'homme moderne retrouve les positions archétypales." Cf. Op. cit., p.44. Segundo Eliade, o homem moderno encontraria uma nova dimensão existencial, totalmente ignorada, quer pelo existencialismo, quer pelo historicismo actuais: uma forma de ser mais autêntica e superior que parece integrar aspectos — em termos teleológicos — próximos aos objectivos supremos a realizar pela demanda de Almada Negreiros, privilegiada pela dimensão antropológica assumida e equacionadora das dimensões artística e estética. 392Duilio Colombini, Almada Negreiros, p.33, segundo enunciação do pensamento de Eliade. 393Idem, ibidem, p.34

117 modo recolhidos no inconsciente e cuja origem fica muitas vezes inexplicável para o próprio artista."394

Em Jung, a resposta à progressão até ao pensamento, como risco da perda da condição primordial apresentava-se obvia: a enorme perda era compensada pelos símbolos nos sonhos. No caso de Almada, a título pessoa, usou diferentes vias: a via da literária, poética e a via utopista do Futurismo. No exercício elaborativo do seu pensamento encontrou a fundamentação ao superar a crise pela recorrência à redenção da humanidade na sua própria origem. Origem simbólica e esteticamente centrada na pessoa individual humana, expressa na coincidência e unidade dos sinais visuais integradores da cronologia e da continuidade. Almada pretendeu confirmar a sua tese visual quanto à origem comum de uma linguagem anterior à escrita que reunisse a capacidade de compreensão dos sinais que a constituíam, precisamente porque constituída por sinais automáticos, simples, provenientes do instinto inicial e irrepetível. O automatismo e a simplicidade da antegrafia determinaram a remanescência do "único caminho sério" do homem, porque presença comum, em simultâneo, sendo de cada um; mesmo quando o acto, a obra e o pensamento parecem libertos do seu início automático, este persiste integralmente. 395 4.3. Ver — Percepção e Conhecimento 4.3.0. Preâmbulo O significado que ver possui em Almada Negreiros não se restringiu à percepção visual, simplesmente considerada. O ver de Almada ultrapassa a visibilidade do visível para extroverter, de forma simbólica (diga-se hermética), o invisível tornado visível, carregado das aportações

394René

Huyghe, Visão do Artista, citado por Almada Negreiros, "Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.254. Apesar dos esforços desenvolvidos, em termos de pesquisa bibliográfica, não foi possível encontrar na bibliografia de René Huyghe qualquer referência a este título como livro; eventualmente tratar-se-á de algum artigo, pelo que se desenvolvem ainda esforços tendentes a resolver esta questão. Todavia, procurando em outros livros de René Huyghe foi possível encontrar afirmações associáveis a estas, nomeadamente em Diálogo com o Visível: "Para o homem primitivo, o mais natural era abandonar-se ao curso da sua existência sensível pois que sensações e sentimentos tecem a sua própria substância da nossa vida interior (...) Irrompem como resposta involuntária às circunstâncias externas e internas que nos afectam. (...) Mas a necessidade de se adaptarem, para sobreviver, ao mundo que os rodeia, não tarda que os force a formar dele uma representação suficientemente nítida para nela fundarem a sua acção. (...) estas noções são a princípio, imagens, recordações de experiências, dotadas de uma coloração afectiva que lhes confere um sentido: atracção, temor, repulsa...(...) No teatro interior, o homem, forçadamente limitado aos cenários e aos actores que conhece, tenta organizar num drama inteligível o jogo infinito e obscuro das forças entre as quais se acha comprometido.(...) Natureza interior e natureza exterior confundem-se." Cf. na op. cit., "A Idade pré-lógica", pp.38 e ss. 395Cf. "Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.79

118 arquetípicas, agregadas desde os primórdios da humanidade, tradição e herança para quem a ver saiba aceder. O primado da vista no humano corresponde a um facto irrefutável cientificamente: "A diferencia de otros mamíferos, para los que el olfato o el oído ocupan un lugar más elevado en la jerarquía informativa de los sentidos, el ser humano es primordialmente un animal visual."396 À parte da valorização simbólica que lhe atribuiu, para "O Menino de Olhos de Gigante", a acuidade de ver como percepção visual era imprescindível, para além do domínio artístico, agregava dimensões mais complexas. Partindo de fenómenos e factos em que a primazia da vista se verificava, ao longo da história da humanidade, Almada elaborou a sua tese visual da antegrafia. Contrariou a cosmogonia hebraica, fundada na proposição de que "No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus." 397 Segundo este dogma, as palavras tinham precedido as imagens, os nomes preexistido às coisas, subvertendo os termos anteriormente mencionados quanto às evidências psicológicas, por intervenção do Ser Todopoderoso. Contrariamente, na Mitologia egípcia, tão mencionada por Almada, estava pressuposta a ideia de que era a condição de visibilidade que conferia ao real o seu estatuto. Todavia, na cosmogonia judaico-cristã dominava a excelência obsessiva acerca do olhar e seus poderes imanentes. Deus iniciou a Criação com a luz que tornava possível a visão, sendo requisito para a vida. Almada fundamentou-se na tradição antropológico-cultural398 — de directriz simbólica — que reconhece no olho como orgão da visão, símbolo portador de uma carga semântica inigualável, salvaguarda a comum importância consignada na linguagem mítica, nas efabulações e no pensamento préfilosófico para a essência e sobrevivência do humano nos primórdios da 396Ramón

Gubern, La mirada opulenta — exploración de la iconosfera contemporánea, p.1. Segundo Dodwell, 90% da informação de um ser humano normal procede dos seus canais ópticos. A predominância da visão como função humana é de tal forma fundamental que a linguagem integra formulações pragmáticas radicadas nesse sentido, de valor extrapolador: ver significa também ouvir, conhecer... 397Encontra-se em Paul Klee a expressão estética profunda da ideia quando este afirma: "Au commencement, il y a bien l'Acte; mais au-dessus il y a l'Idée. Et puisque l'infini n'a pas de commencement ni fin, on doit admettre la primauté de l'Idée. Au commencement était le Verbe, traduit Luther. "Théorie de l'Art Moderne, "Credo du Créateur", pp.36-37. 398Na cultura vulgar, actualmente, encontram-se inúmeros referências a este símbolo em adágios e refrães populares, pertença do património cultural imaterial que, afirmam um tipo de sabedoria de profunda penetração comunitária. O poder do olhar reserva a capacidade de aceder a elementos de saber, dificilmente traduzíveis pelas palavras; permite chegar a informações provenientes de outros sentidos do corpo, em complementaridade e/ou correlação, a nível das sensações exteroceptivas e a nível das sensações propioceptivas também. Vulgarmente, apenas quando a informação visual é ambígua, insuficiente ou precária, é que o indivíduo procura decifrá-la recorrendo à ajuda de outros sentidos, nomeadamente a audição e o tacto.

119 cronologia. Quase universalmente, o olho como orgão da percepção visual, é símbolo do conhecimento intelectual, transportando ainda a condição de percepção sobrenatural, subsumido no Sol — fonte de vida — nas mitologias bretã e gaélica, concepção que se estendeu também à franco-maçonaria. No plano físico é o Sol visível donde emana a Vida e a Luz; no plano intermédio (ou Astral), é o Verbo, o Logos, o Princípio Criador; finalmente, no plano espiritual ou divino, é o Grande Arquitecto.399

399Cf.

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Dictionnaire de Symboles, p.687

120 4.3.1. A perspectiva psicofisiológica de ver O sentido da visão é extremamente complexo, no processo visual humano, na perspectiva anatomofisiológica: a imagem retiniana apresenta-se com diferenças relativamente à percepção do sujeito, implicando processos elaboratórios específicos. A imagem retiniana é um fenómeno óptico, enquanto que a visão é um processo fisiológico que "desemboca en un percepto (vivencia), aunque este proceso, (...), no pueda desarrollarse sin el estímulo previo y necesario de aquel fenómeno óptico."400 A nível psicofisiológico, a percepção visual é um fenómeno dinâmico e instável, é uma vivência sensorial que evolui em termos ontogenéticos. Questiona-se quais os aspectos na percepção que são de ordem inata — naturais e permanentes —, e quais procedem da aquisição — empíricos e contingentes.401 A actividade perceptiva visual desenvolve-se e aperfeiçoa-se com a idade do indivíduo, ainda que na maturidade se verifiquem condicionamentos socioculturais que, simultaneamente, inibem certa disponibilidade mais instintiva, sendo promotores de estereotipizações na apreensão visual, motivados por hábitos e práticas relacionais. Como alertou René Huyghe: "O homem só vê o que está habituado a ver, a ouvir o eco dos seus pensamentos enraizados com os seus preconceitos, hábitos e crenças."402 Um dos posicionamentos teóricos, que apresenta notável afinidade com a teorização de Almada relativamente a ver, encontra-se em Rudolph Arnheim403, quando este considera que ver é um fenómeno não apenas sensorial, mas já é um acto da inteligência, não sendo dissociáveis a percepção e o pensamento, devendo falar-se de colaboração entre ambas funções. Todavia, a nível da Filosofia e da Psicologia, ainda persistem as atitudes de menosprezo e dissociação quanto ao primado (e valência) da percepção visual, sendo as próprias artes discriminadas, por pertencerem

400Ramón

Gubern, La mirada opulenta — exploración de la iconosfera contemporánea, p.9 Ramón Gubern, op. cit., "...la percepción es el fruto de una combinación entre las capacidades innatas, la maduración del sistema nervioso y el aprendizaje, siendo este último requesito más decisivo para el hombre que para los restantes animales, mejor equipados de facultades innatas y menos dependientes del aprendizaje."Cf. pp.15-16 402René Huyghe, Diálogo com o Visível, p.9 403Lima de Freitas aponta a afinidade entre a perspectiva com que Almada estuda o número e alguns aspectos relativos ao assunto em Rudolph Arnheim — veja-se Ver, nota da página 124 —; aqui não se posiciona este assunto, mas não deixa de ser curioso que a perspectiva gestaltista se possa conciliar com as considerações de Almada relacionadas com a índole de ver, como conceito que ultrapassa a percepção visual, implicativo de um acto de inteligência. 401Segundo

121 sobretudo ao âmbito do percepcional. 404 Arnheim parte da premissa de que "the cognitive operations called thinking are not the privilege of mental processes above and beyond perception but the essential ingredients of perception itself."405 A percepção visual é considerada como uma actividade que respeita à mente. O sentido da visão opera de forma selectiva, a percepção implica a resolução de problemas, pois os perceptos estão num fluxo, em constante modificação, e não seria suficiente uma percepção visual da qual estivesse ausente a inteligência.406 Almada não supôs — ou não lhe interessou — a necessidade deste tipo de abordagens que permitiriam uma substancial legitimidade das suas convicções, pois a ordem do seu pensamento sobre ver se orientava por vectores de transcendência, relativamente à ideia do sentido de visão que autores como Arnheim e Gombrich — acerca da percepção visual —, ou Merleau-Ponty — numa perspectiva fenomenológica — trabalharam, embora sejam importantes para contextualizar o Autor português, dadas as afinidades manifestas. O objectivo de Almada era outro, pois aquilo que pretendeu comunicar "mostra-se, em grande medida, de natureza a-lógica e consiste fundamentalmente numa gnose de acento visual, de expoente visionário, como que um fulgurante saber dos olhos, da visão, da luz, que nenhum discurso, a menos de ser de Poeta, poderá jamais diacronizar."407 Almada procurava a resposta para a reinvenção da Arte Moderna, a partir dos "preceitos" da arte primitiva, que perduraram na arte ao longo da cronologia na pintura dos mestres, elaborados em cânone. 408 A ordem da 404"The

arts are neglected because of they are based on perception, and perception is disdained because it is not assumed to involve thought." Rudolph Arnheim, Visual Thinking, p.3. À semelhança da posição de Almada relativamente à educação e seus princípios, Arnheim denuncia a atitude dos educadores quanto à negligência votada ao conhecimento visual e a urgência de uma mudança na actuação pedagógica que colmatasse esta situação, fruto nomeadamente da tradição filosófica do Ocidente, marcada pela dicotomia entre o sensível e o espiritual como irredutíveis. 405Rudolph Arnheim, op. cit., p.13.Cf. a clarificação que o Autor realiza quanto às operações a que se refere: "I am refering to such operations as active exploration, selection, grasping of essentials, simplification, abstraction, analysis and synthesis, completion, correction, comparison, problem solving, as well as combining, separating, putting in context." 406Cf. Arnheim, op. cit., Cap. "The Intelligence of Visual Perception", pp.37 a 53. Veja-se também Ramón Gubern, op. cit.: "La confrontación entre la teoría analítica de la visión, basada en puntos de fijación consecutivos, y la teoría sintética de la Gestalt encuentra su primer elemento de reconciliación cuando consideramos que las sucesivas imágenes retinianas, producidas por las trayectorias oculares, no están aisladas entre sí, como lo están las viñetas sucesivas de un cómic, sino que se superponen, traduciéndose así la exploración visual en un encadenamiento de centros de intéres, que son integrados por la memoria visual inmediata." (p.25) 407Lima de Freitas, "Prefácio" a Ver de Almada Negreiros, p.11 408Almada reconhecia nos pintores, cujo propósito fora renovar a pintura, afinidade à sua demanda do cânone, remetendo para Cézanne nomeadamente: "— Foi apresentar o exemplo que mais prova. Cézanne não fez outra coisa senão trabalhar no sentido do cânone. As formas que a natureza lhe apresentava reduziam-se a um certo número de figuras geométricas, essas figuras geométricas, quer ele tivesse ou não

122 visão em Almada direcciona-se para o seu fim (sentido) último, para o seu princípio absoluto: "A gnose do ver completa-se na fusão última daquele que vê e do que é visto, estando por isso além da ciência, que é renovação de projecto."409 A unidade pressuposta no acto de visão correspondia à verdade da própria visão em si, afecta a uma sabedoria perdida na cronologia, envolvendo a consciência arquetípica do indivíduo pessoal, numa dimensão ontológica, mesmo esotérica, substancializada no número. Almada foi o "anunciador de uma nova visão", que iria recuperar essa sabedoria perdida, jazente "no fundo do mesmo homem"410, ou seja, na memória (transcendedora) do humano —apesar da sua diversidade como constituído por indivíduos pessoais411 —, onde está precisamente o número, o cânone supremo. À semelhança de Paul Klee, quando este afirmava a autenticidade daqueles artistas, os eleitos que mergulharam até ao encontro da Lei original, Almada também subiu do Modelo até à Matriz, "à quelque proximité de la source secrète qui alimente toute evolution. Ce lieu où l'organe central de tout mouvement dans l'espace et le temps — qu'on l'appelle coeur ou cerveau de la création — anime toutes les fonctions, qui ne voudrait y établir son séjour comme artiste? Dans le sein de la nature, dans le fond primordial de la création ou gît enfouie la clef de toute chose?"412

consciência disso, correspondiam à relação que eu achei e que é a chave da arte de todos os grandes pintores da antiguidade." Almada em extracto de entrevista publicada in "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho 1955. 409Lima de Freitas, Almada e o Número, p.13 410Idem, ibidem, p.18. No "posfácio" da citada obra, Lima de Freitas escreve: "Almada foi o profeta de uma contra-cultura, de uma cultura-outra, anunciando o restabelecimento do esoterismo. Almada foi um iniciador, se não um iniciado."(...) Lima de Freitas referia-se "à verdadeira Tradição, do verdadeiro Esoterismo, capaz de englobar na unificação última a negatividade e o negrume, e que sob uma aparente diversidade constitui o âmago profundo da sabedoria humana onde quer que esta se manifestou, abrindo a via de um conhecimento não apenas intelectual mas integralmente vivido, ou o acesso a uma "psicologia" da supra-consciência (...), o mesmo é dizer, noutra linguagem, o entendimento de uma geometria secreta do ser, àqueles indivíduos chamados a ser os seus portadores — os "iniciados" — por essa razão incumbidos da missão sacrificial, quantas vezes anónima, de guiar, de harmonizar, de aliviar os males que atingem o homem e a sociedade quando estes se desviam das leis universais." Cf. p.194 411Almada afirma esta ideia recorrendo a um excerto de Henri Focillon que envolve uma postura afim relativamente ao assunto: "A origem da diversidade do homem não reside no acordo ou desacordo da raça, do meio e do momento, mas n'uma outra região da vida, talvez ela também afinidades e acordos mais subtis do que aqueles que presidem aos agrupamentos na história. Existe uma espécie de etnografia espiritual que se entrecruza através das "raças" melhor definidas, famílias d'espíritos unidas por laços secretos e que se reencontram com constância para lá dos tempos, para lá dos lugares. Talvez cada estilo e cada estado d'um estilo, talvez cada técnica requeiram de preferência tal natureza d'homem, tal família espiritual." Henri Focillon citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.250, Cf. La vie des Formes, p.22. 412Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "De l'Art Moderne", p.30. Almada afirmava a mesma ideia entrevista em 1955 que : "…o que torna angustiosa a situação da arte moderna é o facto deste cânone estar perdido.", Cf. "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho 1955.

123 Para Almada, os sentidos não revelavam ao indivíduo apenas o mundo na sua dimensão sensível, revelavam o próprio indivíduo a si mesmo, e aos outros, verdadeira revelação pela liberdade pessoal: "É assim mesmo que se estreia em incógnito o eu inconsciente do indivíduo. Essa prolongadíssima estreia secreta, metade sonho, metade realidade; a sua estreia sozinho, sem colaboradores."413 O mundo sensível não é a única realidade existente; é condição necessária à existência de qualquer realidade, facto que contribui para o reconhecimento da inseparabilidade, por natureza, à razão, em relação de exigência.414 Almada fez a apologia da conciliação entre termos antitéticos, princípio epistemológico que sustenta, invariavelmente, a sua obra teórica. 4.3.2. Ver na tradição simbólica 4.3.2.1. A primazia da visão e da audição Na sequência da tradição simbólica e teogónica sobre o primado da visão (seguido da audição), Almada atribui a primazia sensorial àqueles sentidos que melhor propiciam a percepção triádica, especificamente, o ver e o ouvir. Ver e ouvir, originariamente, foram considerados sentidos superiores, atendendo à colocação superior, a nível anatomofisiológico, no todo que é o corpo humano: correspondiam a uma opção na criação divina, quanto à organização natural, a mais conveniente, para a perfeição do corpo. Ambos sentidos estipulavam nos indivíduos, duas espécies diferenciadas entre si, consoante o predomínio da acuidade auditiva — os auditivos — e a acuidade do visual — os visuais. Ver e ouvir, em cada indivíduo, não respondem somente à funcionalidade natural; cumprem uma actividade socializadora, junto da colectividade, exigida pela própria natureza do humano. A sua responsabilidade de realização no domínio societário, obriga o indivíduo a flexibilizar a acuidade dos sentidos — relativamente à radicação estrita na natureza — de modo que contribua "para deduzir, para construir o seu lugar nos novos dias do mundo." 415 A diferenciação privilegiadora de ver ou ouvir, equilibra-se na natureza da humanidade, motivada pela inevitável concorrência — e completude — que acontece entre os indivíduos, permitindo a potencialização intrínseca de cada um no todo. Almada

413"Arte

e Artistas", Textos de Intervenção, p.72 a Ingenuidade", Ver, p.58 415"Arte Artistas", Textos de Intervenção, p.73 414"Reaver

124 empreendeu a procura incessante da visão do "eu" como pessoa individual, fundado nas complexificações profundas de Ver : — Ver: olhar as coisa >>> ver as coisas; — Ver: olhar os outros >>> ver os outros; — Ver: olhar o mundo >>> ver no mundo; — Ver: olhar o próprio >>> VER-se. 4.3.2.2. A Arte como visualidade Na Arte como visualidade, Almada reconheceu duas grandezas, duas visualidades, a visualidade geométrica e a visualidade naturalista. A Arte implica ambas visualidades porque é um Todo, em Absoluto, em Unidade, donde o ver na Arte englobar os planos anteriormente mencionados, para se constituir visualidade precisa. É um ver que obriga todo o indivíduo pessoal humano a ser unidade em si mesmo, convergindo toda a sua pluralidade existencial na revelação e desocultamento que caracteriza a essência imanentista da Arte e não apenas a sua natureza transcendentalista: Ver é como olhar, a conjugação natural perfeita dos cinco sentidos, porém, em ver, esta mesma harmonia é de sabedoria reflectida. Por conseguinte olhar é primeiro anterior a ver e depois posterior a este, ao passo que ver é primeiro posterior a olhar e passa logo a anterior deste.416

O objecto alvo, do visto e do olhado conciliam-se no indivíduo, convergindo para o conhecimento, diferindo embora no momento em que uma e outra acção ocorre, no indivíduo/sujeito que a vivencia. Olhar e ver são momentos distintos que correspondem a "idades distintas de um mesmo homem, ou, cada uma a idade única de um mesmo homem."417 O olhado após ter sido visto, denomina-se por natural, resultando da atitude vivida pelo indivíduo que o viu, "O natural é liberdade da Arte e da Ciência", salvaguardando que, por sua vez, natural e sobrenatural tampouco são distintos, não sofrem oposição, constituindo um todo único, "E há ligação porque são dois: natural e Natureza, ou, sobrenatural e Natureza."418 A Natureza é anterior ao natural e ao sobrenatural; ambos são elaborações denominadoras do homem, consequência de um acto de conhecimento, implícitas as respectivas conceptualizações. Nesse sentido, o natural e o 416"Ver

— I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.221 ibidem, 221 418Idem, ibidem, p.221. 417Idem,

125 sobrenatural consubstancializam-se depois de serem vistos, tornados "visível"; anteriormente era o invisível, eram natura naturata , sem acedência ao Homem, sem actualização realizada, na Natureza criada em perfeita Harmonia, porque fruto da Génese Divina. Faltando-lhe ser o natural e o sobrenatural do Homem, faltava-lhe cumprir a ingenuidade. 4.3.3. O visível e o invisível de Ver E foi tirado de dentro do próprio homem o visível, os olhos de ver para pôr como óculos, nos olhos de olhar. E o visível era a Natureza, quer dizer: o que estava dentro do homem e lhe foi tirado por ele mesmo e agora se via, era afinal a Natureza.419

A condição de ser visível, direito e dever da Natureza para o Homem, exigia o homem para ser; o invisível, afirme-se com Merleau-Ponty, exigia a condição de vir a ser, não apenas o invisível seria o não-visível, "...ce qui a été ou sera vu et ne l'est pas, ou ce qui est vu par autre que moi, non par moi), mais où son absence compte au monde (il est "derrière" le visible, visibilité imminente ou éminente, il est Urpraesentiert justement comme Nichturpräsentiertbar, comme autre dimension) où la lacune qui marque sa place est un point de passage du "monde"."420 Atendendo a Paul Klee, se "L'Art ne reproduit pas le visible; il rend visible",421 vê-se reflectida a ideia de Almada sobre o conceito de visível como Epifania do Ver no humano: pela mediação da Arte como acto do Homem, para possibilitar à Natureza tornar-se natural, pois visível é também o invisível tornado visível. Pela iluminação que o indivíduo realiza pela Arte, o visível expressa o estado de ingenuidade, exclusivo de cada um, competindo-lhe a "sabedoria reflectida [que] não é a de transformar ou substituir a ingenuidade pessoal e, pelo contrário, a de fazer incidir a Luz

419Idem,

ibidem, p.222. A procura do cânone está ainda manifesta em reflexões de Paul Klee, acerca da conveniência das partes quanto à representação e exprimindo a relação necessária entre o visível — elementos da natureza —, e o invisível — estrutura invisível do visível, o cânone: "L'Art pur suppose la coïncidence visible de l'esprit du contenu avec l'expression des éléments de forme et celle de l'organisme formel. Et, dans un organisme, l'articulation des parties concourant à l'ensemble repose sur des rapprts manifestes, basés sur des nombres simples." Cf. Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "Le Credo du Créateur", p.34 420Merleau-Ponty, Le Visible et l'invisible , "Notes de travail", p.281. Encontra-se afinidade entre a posição do filósofo francês e Almada, quanto às implicações de ver , pois: "nous devons égaler par le savoir cette vision, en prendre possession , dire ce que c'est que nous et ce que c'est que voir, faire donc comme si nous n'en savions rien, comme si nous avions là-dessus tout à apreender." Cf., op.cit., p.18 421Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, "Le Credo du Créateur", p.34

126 sobre o nosso caso imprevisível como é imprevisível qualquer outro caso humano."422 Visível e invisível constituem um todo único, à semelhança do visto e olhado que mantêm a unidade na distinção. Na tradição hermética, o invisível é eterno, desvela tudo sem se mostrar, manifestando todas as coisas engendradas na sua aparência — a aparência é o próprio nascimento das coisas; manifestando-se nas coisas, revela-se através delas, àqueles a quem se quer revelar. O invisível é sempre, sem necessidade de manifestação: "Il est toujours et rend toutes choses visibles." 423 Apenas a inteligência pode ver o invisível, pois ela é invisível em si — exigia-se uma genuinidade única que alguns somente adquirem. Almada retomou a tradição do pensamento ocidental, conciliando-a com a abordagem estética, concebendo uma estética marcadamente esotérica, presente nalguns casos do pensamento moderno sobre arte como sucedeu em Paul Klee. Almada coloca a dimensão suprema de Ver , no desvelamento pessoal, simbolizado na revelação da Luz, numa perspectiva hermética. No plano filosófico, a possível aproximação ao pensamento fenomenológico de Merleau-Ponty afirmado em Le Visible et l’Invisible, a propósito do "desvelamento", compreende-se a necessidade — constitutiva — da visão inscrita na ordem do ser que se desvela; que aquele que olha não seja estrangeiro ao mundo que olha: sentido do homem no mundo. O olhar do próprio é olhar-se "de fora", ver-se desde perspectiva externa, enquanto inscrito no visível — próprio — exterior a si mesmo, desde um ponto de vista determinado.424 "...sendo a visão, apalpação pelo olhar, é necessário que se inscreva na ordem do ser que nos desvela, é necessário que aquele que olha, não seja um estrangeiro ao mundo que olha."425

No pensamento estético-esotérico de Almada Negreiros, a chave platónica determina o princípio de consciência pessoal da descoberta visibilizada pelo próprio, num tempo propiciado após a sua efectuação factual. O acontecer desvelador é apenas auto-conhecimento na vivência do tempo a posteriori, 422"Ver

— I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.223. Trismégiste, Le grand texte initiatique de la tradition occidentale, p. 33 424 Merleau-Ponty, op. cit., p.177 (A tradução é minha). 425 “ Desde que eu veja, é preciso que a visão seja secundada por uma visão complementar ou duma outra visão: eu próprio visto de fora, como me veria outrém, instalado no meio do visível, encarando-o desde determinado sítio”, Idem, ibidem, p.177 (A tradução é minha). 423Hermès

127 consciencializada a evidência da descoberta: "Saber é uma coisa, saber que se sabe é outra. Esta tem de ser mostrada.426 No Ménon, Platão afirmou esta ideia, procurando-a sólida, mediante as dúvidas que a rodeiam, quanto à possibilidade de possuir uma coisa que se sabe já ou não se sabe: Ménon: "E como hás-de encontrar uma coisa de que não sabes absolutamente nada? Na tua ignorância, que princípio tomarás para te guiar nesta investigação? E, se por acaso, encontrasses a virtude, como a reconhecerias, se não a conheceste?" Sócrates:"...Não é possível o homem procurar o que já sabe, nem que não sabe, porque não necessita de procurar aquilo que sabe, e, quanto ao que não sabe, não podia procurálo, visto não saber sequer o que havia de procurar."427

A posição platónica que impera no pensamento de Almada, respeita de forma bastante obvia à teoria das Ideias, cuja manifestação remanescentes permitem aceder a um saber que não se sabe possuir, mas que só é possível — cruzando com o diálogo de Ménon — precisamente porque já existente, embora não consciente. A ideia já tinha sido anteriormente revelada, quando afirma que "...de facto um conhecimento só nos serve depois de ter passado há bastante tempo para nós."428 A descoberta não pertence apenas a quem a faz, destina-se a todos aqueles que a não acharam inicialmente, donde a razão da arte, da comunicação: Estes hão-de dar provas de que também fariam a descoberta. Serão estes afinal os segundos a sabê-la, e talvez os primeiros a sabê-la repetir.429

O pensamento estético esotérico culmina na assunção da "Sabedoria reflectida porque nela a Luz é a Sabedoria mesma, a sagrada, esta que cada pessoa recebe inteira unicamente pela sua ingenuidade, precisamente a que tem olhos e não vê, a que tem ouvidos e não ouve."430 O homem — iniciado — quis a Luz para ver, ao não possuir a visão directa. Quando tudo foi já 426

“Galileu, Leonardo e Eu”, Teatro), p.234. Ao que segue a explicitação e extensão da afirmação quando Almada considera que a descoberta "também pertence aos que não a acharam. Estes hão-de dar todas as provas de que também fariam a descoberta. Serão estes afinal os segundos a sabê-la, e talvez os primeiros a sabê-la repetir." A mesma ideia apresenta-se em "O Mito de Psique" quando Ele afirma : "Não te ensino nada. Longe de mim que aprendas comigo. Tu sabes isto de nascença. Eu só to dou a ver: que sejas tu a vê-lo!" CF. op. cit., p. 221 427Platão, Ménon, pp.39-40 428“Elogio da Ingenuidade ou Esperteza Saloia”, Ensaios, [Estampa], p.121 429“Galileu, Leonardo e Eu”, Teatro, p.234 430“Ver — I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria”, Ver, p.223.

128 visto, paradigma da unidade de pensar e sentir, cujo princípio supremo, Almada reconheceu em Homero, existe o "paradoxo" da cegueira do absoluto: "Ver, conjugação dos cinco sentidos, é pensar. Visão é d'auditivos e de visuais. Homero era cego porque já tinha visto tudo."431 4.3.4. Ver e o Número — a tradição hermética 4.3.4.1. A tradição hermética para a Arte Moderna Almada partiu do estudo dos painéis de Nuno Gonçalves 432, ditos de S. Vicente, em demanda do sentido universal na Arte Moderna: "Foi enquanto prosseguia a solução do retábulo que tive a emoção mais compensadora nos meus estudos, pois que me recordei do meu primeiro passo: bater-me pela arte moderna."433. Obra paradigmática no caso português, Almada reconhecia-a concertada à tradição434 europeia e universal — manifesta a pertença de sabedoria e antiguidade; tradição que tinha transmitido — na perspectiva sagrada — o cânone à Arte, às diferentes civilizações da humanidade: "Não era absolutamente um resultado sobre os painéis a que eu me acometia, mas exactamente àquilo que buscava a arte moderna depois dos impressionistas. Isto é, ir ao encontro de um cânone."435 431"Mito-Alegoria-Símbolo",

Ver, p.257 Cf. Almada Negreiros in Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 de Junho de 1960. 433Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 7 de Julho 1960. A ideia é aprofundada nas entrevistas seguintes desta série, designadamente quando considera: "No momento em que surgiu o movimento do “Orpheu”, os responsáveis pela vida artística e intelectual de então saudaram-no com a mais vigorosa hostilidade. Segundo o seu parecer, aquelas manifestações estéticas não eram válidas. Naquela altura os painéis de S.Vicente ganhavam nos meios cultos do País vasta audiência e, como paradigma da arte legítima, apontaram-nos a facção plástica daquele grupo." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 28 de Julho 1960. 434Almada procurou a medida nos seis painéis conhecidos e foi encontrá-la nas dimensões de outro painel que não se pensava pertencer aos seis: o Ecce Homo, mas que pertencia na realidade: foi a descoberta de Almada. "Destas minhas anotações tomei testemunhas, á minha partida para Madrid, em 1926, de pessoas que as conheciam desde 1916, como o arquitecto Carlos Ramos, dos poucos ainda vivos. E segui para Espanha com a minha descoberta da perspectiva dos ladrilhos nos painéis. Entretanto o dr. José de Figueiredo pela pena do dr. Joaquim Manso dizia no “Diário de Lisboa”: “Almada foi o único que trouxe uma novidade para os painéis.” (...) “Através da reconstituição da obra-prima da pintura primitiva portuguesa, demonstra-se a existência de uma Escola Portuguesa de Pintura, a qual não se limitou a legar-nos testemunhos do seu tempo e reinados, mas, além disto, atingiu altura de cultura que estabelece mensagem desta para a continuidade das gentes. É sem par para a extraordinária cultura visual dos portugueses através dos seu quatro nomes: Fernão Lopes, Autoria dos Painéis, Pedro Nunes e Luís de Camões." Cf. toda esta entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 30 de Junho 1960. Foi uma pesquisa de vida inteira, como se confirma: "Será significativo revelar que, sendo de Janeiro de 1926 a minha descoberta da perspectiva dos ladrilhos, apenas em Fevereiro de 1950 a tenha podido registar mundialmente. Isto é, levei mais de vinte anos a encontrar finalmente as distâncias exactas entre os seis painéis." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 28 de Julho 1960. 435Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 Junho de 1960. Na sequência desta afirmação, encontra-se a explicitação da mesma ideia em Paul Klee, quando este afirma, a propósito dos cubistas: "Cette école de philosophes de la forme, qui rassemble les tempéraments spéculatifs parmi les 432

129 A assunção do primado do visual — na perspectiva simbólica e esotérica — no século XX, designadamente, em Paul Klee e Mondrian, redefiniu a descoberta do invisível tornado visível (Klee) e da consciência da "nova imagem da pintura" (Mondrian), posicionamentos relevantes para Almada, que reconhecia à extensão estética e artística da sua tese. Confrontava-a por afinidade complexificante às tendências de Malevitch, Kandinsky, Paul Klee, Mondrian, aos "cubistas, enfim, de todas as feições tomadas pela arte moderna depois da extraordinária revolução dos impressionistas." 436 Almada celebrava a imanência do cânone, gerador da Harmonia, expressão da unidade da Arte em si, na Arte moderna tão contestada, apreciação extemporânea, pois "Os abstractos, como os cubistas, o mais sério movimento da arte moderna no sentido que importa, são os representantes dessa tendência bem dos nossos dias, em que se traduz uma desorientação, em grande parte resultante de se ter tido o pressentimento daquilo que se não sabe. Na arte moderna há a consciência de se ter perdido qualquer coisa de fundamental".437 Posicionamentos artísticos e estéticos conciliados, na sua tese, às investigações desenvolvidas pelo geómetra Hambidge e pelos arquitectos Ernest Mossel e Lund, onde reconheceu igualmente a confirmação dos seus próprios estudos, "ambos dirigidos para o conhecimento antigo, imutável, ou melhor dito, ambos dirigidos para o secreto perpétuo da criação de arte, a obra do pintor Mondrian surgia no final estes meus estudos com a auréola de uma apoteose."438 Ao citar o pintor holandês, Almada estava ciente da sua fundamentação estética na tradição hermética. A composição pictural, em Mondrian, corresponde a investigações aprofundadas dos princípios pitagóricos, geometria sagrada, enfim, baseado no conhecimento dos textos iniciáticos. Almada tinha comprovado a existência da tradição hermética, na escola de Nuno Gonçalves439, na descoberta da "chave"440, presente nos traçados artistes, souffre d'une notable incompréhension de la part du public. Il n'est pourtant pas absolument nouveau de penser la forme en mesures précises susceptibles d'une expression numérique. Quel usage les maîtres de la Rennaissance n'ont-ils pas fait de la Section d'Or! La seule conséquence c'est que maintenant on tire du Nombre les conséquences ultimes jusqu'aux éléments de forme, tandis que les anciens maîtres se contentaient de déterminer métriquement les grandes lignes d'un schèma de composition..."Cf. Paul Klee, Théorie de l'Art Moderne, p.11. 436Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 9 Junho de 1960. 437Idem, ibidem, 21 de Julho 1955. 438Idem, ibidem, 9 Junho de 1960. 439Cf. A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , texto onde Almada expõe toda a argumentação acerca da sua descoberta da “chave” que permitia a autêntica

130 geométricos, propiciando-lhe "certa maneira de ver" os painéis 441. A tradição permitia unir os tempos antigos, aos tempos da modernidade; a ordem de ver na tradição implicava o conhecimento hermético, sabedoria restringida a determinados indivíduos, cuja via gnósica para aceder ao nível superior, pressupunha o ver de ordem percepcional até à sua superação na dimensão esotérica. Exigia, por outro lado, a acuidade de ver, afecta à arte moderna, exteriorizada nas pinturas de Mondrian e Malévitch, percursores da arte, "libertos depois do genial ponto final dos impressionistas." 442 Tendencialmente, a arte abstracta respondia à procura de unanimidade que Almada ansiava comprovar pelas suas argumentações estéticas. As soluções plásticas assumidas por abstraccionistas geométricos como as subjacentes no "suprematismo de Malévitch e o espectáculo nas telas finais de Mondrian apareceram-me constante e sucessivamente sobretudo enquanto ia dando por findos estes meus estudos sobre os painéis" 443, concertavam-se com as suas próprias opções picturais. A Arte moderna comprovava que era possível recuperar o cânone, recuperar a tradição, recuperar o grande sentido universal da Arte. 4.3.4.2. Ver e o Cânone — a Luz

acessibilidade ao conhecimento dos painéis, contrariando as teses anteriores. Cf. especialmente a p.8, quando Almada descreve a decifração geométrica para a constituição conjunta do políptico. 440“As distâncias matemáticas entre as seis tábuas são sempre a mesma, e como se a última se seguisse à primeira, a centésima parte do total das suas larguras mais cada distância entre as tábuas.” E é isto afinal que está contado no número de ladrilhos pintados no limite horizontal inferior das seis tábuas, e cada ladrilho igual à distância entre as tábuas, como se disse.” Esta distribuição consistia na aplicação do número perfeito ou téleon. Cf. A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.10 441René Huyghe in A Arte e a Alma, dedica especial atenção aos Painéis de S.Vicente, neles reconhecendo a expressão da "Hora de Portugal" e em Nuno Gonçalves, a "expressão da hora portuguesa". Daí se transcrevem breves excertos e significativos da afinidade ao pensamento de Almada, embora o historiador francês não faça menção directa à geometria sagrada, ao cânone. Quanto ao primeiro aspecto: "Cada povo, se é grande, tem a sua hora predestinada, o seu século predestinado. Passa, então, ao primeiro plano do palco da história. (...) Na arte de Nuno Gonçalves e da sua escola há mais, mesmo mais do que a contribuição do seu génio; há a realização de um novo estádio da alma ocidental largada à conquista de si mesma." Cf. op. cit., pp.273 e 274. Quanto ao segundo aspecto, Huyghe enfatiza a excelência da realização pictural, na assunção profunda do "realismo flamengo" que considera ter sido conseguido em plano superior: "O realismo português (...) ultrapassa a natureza e parece tender para aquilo a que chamarei a mais-do-que-natureza. Dir-se-ia que, inebriado pela sua conquistada ilusão de óptica, o artista já não se contenta com figurar fielmente as coisas, com dar a simulação da sua forma, do seu relevo, da sua matéria;..."Cf. p.282. 442Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 7 de Julho 1960 443Idem, ibidem, 7 de Julho 1960. Almada considerava que: “Nesta actual galáxia de arte abstracta, que assombrosamente cobriu o mundo e cada vez mais se aproxima de uma unanimidade, mas que, por enquanto apenas avassala a maioria, a libertação da incontinência impressionista faz-se dolorosamente, e apenas estes dois pintores assumiram o acto heróico desta libertação, delimitando hoje as barreiras ultrapassáveis do passo abstracto.”

131 Na Luz, onde existe a Medida — cânone da Ingenuidade — reside a anterioridade humana remota, denominada por Almada, Ingenuidade pessoal, à qual se seguia Ver — linguagem da Medida — depois do Número e, depois ainda, a "restituição à Medida da ingenuidade de cada destino pessoal como são individuais todos os berços na Natureza." 444 O cânone resultou do conhecimento/encontro com o Número, propriedade da primazia da vista que originou, de acordo com a Cosmologia platónica, a Ciência Matemática445, ideia retomada por Luca Pacioli na Divina Proportione quando afirmou: "…el saber tuvo su origen en la vista, tal y como afirma él mismo en otro lugar cuando dice nihil est in intellectus quin prius fuerit in sensu, es decir, que no hay nada en el intelecto que previamente no se haya ofrecido de alguna manera a los sentidos. Y los sabios concluyen que la vista es el más noble de nuestros sentidos." 446 Destaquem-se ainda as referências que Pacioli faz, tanto no Proemio, como no Cap. I, acerca das concepções antropomórficas e antropocêntricas das proporções e da arquitectura447, em conformidade, aliás, às especulações filosóficas e científicas desenvolvidas ao longo do Quatrocentto 448, e que Almada tomou por referência.

444"Dórico,

Cânone da Ingenuidade", Ver, p.200. Como escreve Antonio M. Gonzalez na Introdução a La Divina proporción de Luca Pacioli: "La Ciencia matematica se encuentra relacionada con el acto de ver. La visión constituye, pués, el elemento primordial que hace posible el conocimiento, de ahí que la vista sea el más noble de los sentidos: la puerta por la que el intelecto entiende y gusta." Op. cit., p.19 445A ideia provém de Platão, Timeu, quando se afirma que a visão está na origem da ciência matemática: "Resta-nos falar do ofício mais importante que eles [olhos] realizam, ofício para o qual Deus nos presenteou com eles. Parece-me que a vista é para nós a causa do maior bem, no sentido em que nenhuma das explicações actualmente propostas do universo poderia ter sido pronunciada se não tivéssemos visto os astros, nem o sol, nem o céu." Cf. Op. cit., p.273 446Luca Pacioli, La Divina Proporción, Cap. II - "Proemio del presente tratado llamado La Divina Proporción", p.32. A continuação afirma serem as matemáticas o "fundamento y la escala para llegar al conocimiento de cada una de las demás ciencias, por encontrarse en el primer grado de la certeza, como afirma el filósofo cuando dice Mathematicae enim scientiae sunt in primo grado certitudinis et naturales sequentur eas. Igualmente está escrito en la sabiduría que omnia consistunt in numero, pondere et mesura, es decir, que todo aquello que se encuentra distribuido por el universo inferior y superior se reduce necesariamente al número, peso y medida." Cf. p.33. O filósofo que cita é Aristóteles, indicação aliás presente, ao lado do texto, à altura da mesma citação. 447Antonio M. González continua esta ideia ao afirmar que "todas las medidas, afirma [Pacioli] se derivan del cuerpo humano y en él están señaladas por el dedo del Altísimo toda suerte de proporciones y proporcionalidades respecto a sus miembros." in "Introducción" a La Divina Proporción, p.26. Cf. também na op. cit., p.30, referência ao cânone segundo Leonardo da Vinci e p. 31 à dádiva do Altíssimo, pelo conhecimento a que ele, Pacioli, pôde aceder... Segundo Julius Schlosser in La Littérature Artistique, a mencionada obra de Pacioli é sobretudo constituída pela abordagem à problemática da "secção de ouro" da matemática antiga, impregnada de elementos místicoespeculativos, desenrolando-se a discussão na teoria dos cinco corpos regulares, fundamentais para os métodos de construção no século XV. De sublinhar que os rigorosos desenhos alusivos aos sólidos geométricos regulares são da autoria de Leonardo da Vinci. 448A propósito da necessidade do cânone, Almada afirmava que: "O segredo das corporações da Idade Média estava na posse desse cânone. Os artistas modernos — inclusivamente Picasso — têm-no procurado debalde. Que é, no fim de contas, a ingenuidade da arte de Picasso senão uma ingenuidade voluntária, esse

132 Almada elaborou a síntese de duas tradições estéticas predominantes no período medieval, ou seja, a estética da Luz 449 e a estética das proporções baseada no cânone, encontrando-lhes a conciliação, a unidade para constituição do seu próprio pensamento nesse âmbito. Na tradição de Robert de Grosseteste, essa conciliação subjaz, quando este afirma que a proporção no mundo implica a ordem matemática em que a luz se materializa, "logo, ou a corporeidade é a própria luz ou ela age desse modo e confere as dimensões à matéria, na medida em que participa da natureza da luz e age em virtude dela."450 Almada recuperou a ideia ao atribuir à ingenuidade metaforizada na Luz, simultaneamente, o sentido universal, a determinação do destino do indivíduo pessoal, suspenso no Universo pela sua própria existência, ou seja, na ingenuidade dos seus sentidos; designa-a por ingenuidade inicial, recuperada na via da Medida, ou seja, tornando-se ingenuidade reflectida. A luz significa a verdade, cabendo a cada um a revelação da sua verdade pela luz, porque possuidor da luz na unidade no humano; sentido assumido individualmente, fruto da poesia e do pensamento, consubstancializada nestes termos a sabedoria da ingenuidade.451 Almada considerava a Sabedoria reflectida e a sabedoria poética de naturezas afins, pois geradas pela Poesia, fonte e origem do saber transcendente que era a Metafísica, a "rainha das ciências da reflexão". 452 A distinção entre sabedoria reflectida e sabedoria poética consistia na procurar da chave que pode fazer regressar a arte à idade de ouro?"; Cf. Almada em excerto de entrevista publicada in "Almada — há 40 anos "ensina" arte moderna", Diário de Notícias, 21 de Julho de 1955. 449Segundo os princípios da estética medieval da Luz, a Luz é a origem de "todas las operaciones ocurridas en el mundo de la experiencia, incluidas las operaciones vitales, psíquicas y espirituales." A Luz é concebida esteticamente em termos metafísicos e teológicos, é a essência mais pura, a beleza mais sublime, aquela cuja presença gera a maior fruição (Robert Grosseteste); é princípio de energia actuante sobre a matéria, é cor e splendor; da luz provêem as cores das coisas e o brilho que delas emana (s. Boaventura), tornando-as belas. A Luz é causa eficiente da beleza, difundida pelo Sol, torna visível as cores, criando o esplendor estético (Ulrich de Strasbourg). Cf. Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, pp. 79-85. A concepção que melhor corresponde à intencionalidade de Almada parece também ser conveniente com a posição metafísica, segundo a qual, o homem tem uma imagem das ideias conformada em sombras frias e cinzentas ou aparências luminosas. "Si a los ojos del esteta de la proporción Dios es unidad, el esteta del color y del esplendor no puede representarse la divinidad más que como Luz."(...) "Puesto que Dios es lo bastante poderosos para multiplicar instantáneamente al ser e influir sobre la actuación del universo, Él es la Luz en estado puro." Cf. Edgar de Bruyne, op. cit., pp.83-84. 450Robert de Grosseteste citado por Umberto Eco, Arte e Beleza na Estética Medieval, p.63. Segundo Almada Negreiros em "O Mito de Psique", a concepção de Luz corresponde à de ideia que, por sua vez é "a simples", ou seja, toda a ideia é simples, "Toda a ideia é uma glosa da luz", da luz que é única, como cada glosa é única também, a glosa da luz. Cf. op. cit., p.217. 451A este propósito Almada considerava que nos primórdios da civilização grega, “Ao novo homem em Creta não são as conquistadas sabedorias poética e reflectida, só, que o podem mover, mas a mesma antiga substância "ingénua" que torna possíveis todas as sabedorias nos tempos.” , "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.247 452Idem, ibidem, p.249

133 "fronteira irredutível" do número. A sabedoria poética chegava ao número, enquanto que a sabedoria reflectida partia do número, ou seja, pelo acto de ver , encontrava o cânone, encontrava o número, porque o número é imanente ao mundo.453 O número imanente no universo é bi-presente, possui uma presença de dupla natureza, inteligível-sensível 454; enquanto inteligível é símbolo do Logos e, o sensível representa o Mito. Assim distinguiu entre duas definições de Harmonia, a que estava na relação numérica sensível ("domínio do peito"), e a radicada no inteligível, ou seja, a do domínio transcendente do mental. Enquanto a primeira corresponde a uma linguagem legível, a segunda é incompreensível ao sensível, é de ordem acusmática 455, constituidora da Tradição e que perdura no tempo, nas gerações da humanidade — idêntica por fundamento e base, embora tomando outras configurações. 456 A denominada bi-presença "inteligível-sensível"457 "tem o seu verificável ou demonstrativo ao mesmo tempo que o seu imponderável secreto de agir "458, no espaço da Harmonia em que são efectivamente. Almada apreendeu no número, ambas dimensões de unidade na sua própria natureza, o número concreto e o número abstracto, considerando-o binário. A antinomia subjacente na sua natureza era portanto geradora, à semelhança de 453"O

cânone não é obra do homem, é a captação que o homem pode da imanência. É o advento inicial da luz epistemológica. Por conseguinte, a Geometria é um, melhor, o sistema perfeito anterior ao desígnio do homem no conhecimento." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 16 de Junho 1960. 454"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.249. "O imanente no universo é o número, o sensível é-lhe posterior como o inteligível." Idem, ibidem, p.252. 455Acusmático ou acroamático é definido por Almada em epígrafe in A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , como: “(o que se escuta) ou esotérico, da doutrina secreta, transmitida, oralmente, só aos iniciados.” Confronte-se ainda in Orpheu 1915-1965 a explicitação do termo “acusmata” relativamente, e por confronto, com o de “homem de ciência” a ser necessária a conciliação entre ambos, o que evidencia maturamente — cronologicamente — a posição anteriormente manifesta: “Acusmata é uma limitação. Matemática ou Homem de Ciência é outra limitação. O modo de prosseguir conhecimento é ir estabelecendo binários de duas limitações, de duas grandezas...” Cf. p.23 456Almada confirma esta ideia, chamando a citação de Henri Focillon in La vie des Formes: "Um exame, mesmo rápido, das diversas concepções do espaço mostra-nos que a vida das formas, renovadas sem cessar, não se elabora segundo dados fixos, constantemente e universalmente inteligíveis, mas que ela engendra diversas geometrias, no interior da mesma geometria, como ela se cria as matérias de que tem necessidade." Henri Focillon, op. cit., citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.251, cf. Henri Focillon, LA vie des Formes, p. 35. 457Almada considerava que o conhecimento estava presente em cada pessoa logo desde o seu início vital, pelo facto de precisamente ser pessoa, pelo que "o instante mais unânime de toda a humanidade é logo depois e muito próximo da nascença de cada um. É neste instante onde o sensível e o inteligível ainda não se pronunciam que há unanimidade perfeita da humanidade, apesar das várias circunstâncias de cada pessoa. Estamos na primeira faculdade humana, o entendimento, por conseguinte, a faculdade sagrada, e todas as nossas outras faculdades não são afinal senão prosseguimentos da primeira, a legitimamente única. A teoria do conhecimento não só não pode deixar de iniciar-se no entendimento natal como pode ou deve limitar-se a ele." Almada Negreiros em entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 458"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.251

134 outras antinomias a que se referiu, cuja conciliação revelava a unidade sempre possível e condutora no Universo, designadamente, quando considera a antinomia existente entre a Geometria e "anterior-a-Geometria" — ordem de existência do cânone anterior ao cálculo, pois anterior ao conhecimento —, o mesmo acontecendo com a Matemática, ou seja, binómio cujos termos eram lógico e alógico.459 Almada consolidou a concepção de número perfeito — cânone460 — ao convocar Francisco de Holanda, cuja argumentação em Da Pintura Antiga afirmava nitidamente o princípio consignado por Almada, relativamente à universalidade do cânone. Holanda designou-o, por "preceitos" da pintura, comprovando a sua presença em vários povos, estendendo-se de "Levante e Asia, que direi eu? Que toda fumega á antiguidade; mas o que é mais de maravilhar que até o novo mundo da gente barbara do Brazil e Peru, que ategora forão inotos aos homens, ainda esses em muitos vasos d'ouro que eu vi, e nas suas feguras tinhão a mesma razão e desceplina dos antigos; que não é pouco argumento de ja aquellas gentes serem n'outro tempo conversadas, e de os preceitos da pintura antiga serem já semeados por todo o mundo, até os antipodas."461 A ideia da universalidade da Arte, em Almada, afirmava ambas universalidade e transcendência do cânone que "não está exclusivamente nos exemplos da Idade Média, não está só nos exemplos da Suméria, não está só nos de Creta, Gregos, Bizantinos, Árabes, Hebraicos, Românicos ou Góticos. Ele está sempre e é por isso mesmo que ele é cânone. E cada época tira do cânone as suas regras."462 O cânone era anterior ao conhecimento, fruto da

459Orpheu

1915-1965, pp.15-17 mundo grego só "encontra" o "seu" número do VI para o V século, primeiro na música e depois na arquitectura, e o Tesouro dos Atenienses em Delfos fica significativamente perpetuado roçando o número as arestas do rochedo da Sibila. Só no V século surgem na Grécia os monumentos símbolos em número grego, isto é "reduzidos a número perfeito, que os gregos chamavam théleon"." Francisco de Holanda citado por Almada Negreiros, "Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.246. Por sua vez, Holanda citava Vitrúvio, De Arquitectura e Luca Paccioli, De Divina Proportione, citando Vitrúvio o qual por sua vez cita Platão. A citação que Almada faz de Holanda encontra-se no Da Pintura Antiga, Cap. XVII — "Da Proporção do corpo humano", e desenvolve a ideia da representação idealizada do corpo humano de acordo com a razão perfeita antropomorfizada: "E assi mesmo a razão das medidas, que em todas as obras parecem ser necessarias, as colegerão dos membros do corpo, assi como dedo, palmo, pee, cubito, e destribuiram-nas em perfeito numero, que os gregos chamão theleon. E deixo de screver o que mais Vetruvio prosigue n'este capitolo de prefeito numero e as openiões que sobr'isso toca, porque não fazem proposito." p.105 461Cf. Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga, Cap. XIII — "Como os preceitos da pintura antiga forao por todo o mundo", ver nota 209, p.88. Almada cita este excerto de Holanda in A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.13. 462Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 16 de Junho 1960. “As leituras feitas de documentos antigos, e em aparte direi em documentos que foram desenterrados há trinta ou quarenta anos, como o vaso votivo proveniente de Suse na Suméria, confirmam o que eu digo. este vaso tem 460"O

135 ingenuidade natural, donde que a "leitura da linguagem do cânone num primitivo é mais afim ao da sua mesma circunstância geográfica." 463 O cânone — em si — é imutável e permanente em cada pessoa humana, sendo a interpretação [do cânone] sempre outra, sempre diferente, e antes do cânone não havia nada. As diferentes interpretações originaram regras, essas sim, perecíveis e caducas, válidas numa época, num estilo, numa civilização, às quais sucedem outras épocas, outros estilos, outras civilizações. O cânone tomou portanto diferentes denominações, consoante a cronologia do humano: "Cânone e a relação nove/dez são uma e a mesma coisa. A relação nove/dez é uma constante do cânone."464 A dupla acepção da Regra única, consistia em duas comunicações distintas: a regra única da cultura universal demonstrada comum a todos os povos, e por outro lado, a regra única existente em cada povo.465 Almada concluiu a grande Arte exigia o cânone para ser primitiva — veja-se genuína e ingénua — enquanto consubstancializada em qualidade que a reconhecia Universal e Absoluta: "Arte que não remete ao cânone não é primitiva."466 O cânone foi considerado por Almada de tal forma constitutivo, à necessidade cultural e artística, de todos e de cada povo, que o elevava aos propósitos superiores da U.N.E.S.C.O.: "O programa dos estudos culturais da U.N.E.S.C.O. tem por seu alvo e meta, a Regra Unica da cultura universal, o Téleon, ao qual aqui se chama a "chave", e se afirma pùblicamente ter sido já reencontrado e estar em mão portuguesa."467 A comunhão universal — salvaguardada a individualidade dos povos em si — manifesta na Regra Única significava a possibilidade da conciliação e paz entre os povos do um desenho gráfico cuja leitura feita por mim é nem mais nem menos do que uma declaração do cânone, ou seja, uma relação nove/dez, a relação nove/dez." 463Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960 464"Através da história do número e é do número que se trata, tem havido várias expressões, várias palavras que significam o cânone. Por exemplo, a começar pela primeira: número, década, théléon (na citação de Vitruvio quando diz: "o número perfeito a que os Gregos chamavam théleon"); e parece que foi Pitágoras quem primeiro usou os termos "número perfeito". E, ainda: “Outras expressões mais recentes também são significados da constante relação nove/dez. Por exemplo: “número de oiro”, que se pode considerar uma expressão do Renascimento. Simplesmente há aqui uma coisa que não podemos imediatamente comunicar e que é: a separação do número em duas grandes divisões - número em cálculo e número sem cálculo. Evidentemente o cânone é sem cálculo; as interpretações do cânone são invariavelmente cálculo ou nãocálculo. Mas “número de oiro” é cálculo a cavalgar o cânone mesmo. Glorioso equívoco este que fez eclipsar quase cinco séculos o cânone e estancar de súbito a Gloriosa Renascença de uma noite para uma manhã. Ora o número perfeito desconhece o “número de oiro”, e a inversa é impossível. São dois sistemas do mesmo número, paralelos entre si, e por sua vez paralelos ao número imanente. A este e a todos os sistemas do número, rege-os “a unidade, isto é, o ponto não-espacial” (Aristóteles)." Idem, ibidem. 465A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.13 466Almada Negreiros em Entrevista a António Valdemar, Diário de Notícias, 23 de Junho 1960. 467A Chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves , p.14

136 mundo, pois na cultura universal não havia espaço para conflitos entre continentes e povos, ideia de Almada que recuperava o ideal grego da paideia, paradigma para a humanidade. O Cânone — a "chave" — não foi apenas, um instrumento de investigação e de reconstituição, mas o mais legítimo instrumento de paz e cultura universais, entre nações e continentes."468 A presença no mundo, da pessoa individual humana, garantia que "A pintura não tem, senão começo", era sempre reinvenção469. A ideia de Holanda (citada por Almada) versada no pensamento estético de Almada, dirigido pela ingenuidade poética, pela origem arquetípica do indivíduo e colectividade, pela memória arcaica da humanidade, pela necessidade de desocultamento do indivíduo pessoal, enfim, sintetizou na epifania do sagrado presente no humano, a acuidade última de Ver. 5. Estética da criação 5.1. O domínio metafísico para a criação da obra humana Confrontando-se o modelo metafórico, de abordagem ao tema da identidade pessoal — auto-gnose — na "História Verde" e na Invenção do Dia Claro, com a enunciação metafísica de Almada acerca do conceito, fica evidente a complexidade de tratamento, a acuidade que lhe dedicou, ao longo de toda uma vida. A análise avançada em "Poesia e Criação", de 1962, fundamenta-se em Heidegger que, na Introdução à Metafísica , invocou o primeiro canto do Coro da Antígona de Sófocles. A incursão de Almada, no seio das fenomenologias da existência, expõe-se em três pontos, segundo Fernando Guimarães: "a desvelação da realidade, a fuga ao inautêntico, o desocultamento ontológico ou "em linguagem", a poesia como criação." 470 Na análise desenvolvida, encontrou três direcções 471 para a sua configuração. Uma, é de procedência vitalista — Nietzsche; a segunda, retoma o pensamento arcaico grego; a terceira direcção é, precisamente, de ordem existencial, e justifica-se, pois na obra almadiana, é constante a evocação — ou como sugere Guimarães, a invocação —, do "nosso íntimo pessoal", da

468Idem,

ibidem, p.13 de Holanda, Da Pintura Antiga, p.375 470Fernando Guimarães, "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio Almada, p.115 471Cf. "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio Almada, p.112. 469Francisco

137 "vida", da "humanidade", ao que acresce, a invocação da "existência", directamente designada como tal. Almada, apelando à condenação do homem, para criar, estabeleceu-lhe o seu próprio lugar.472 A condenação, de ordem imperativa, vinha, por herança mitológica, de Prometeu473. À semelhança do pensamento sobre a Humanidade ou sobre a pessoa, a estética e a poética — porque do homem — são no domínio e consignação do antropológico, na ordem de criação, realizável no humano, por roubo do "fogo "metafórico, para a obra de arte, para a obra de poesia. Na acepção metafísica, consignou o homem, como "o mais pavoroso, o que inspira terror pela sua violência"474, referindo-se a todos aqueles que "não se resignam a ficar dentro do já desoculto, do familiar e do ordinário."475 Nos comentários filosóficos de Almada, encontrase a justificação para a transcrição do 1º Canto do Coro de Antígona, cúmplice na abordagem de Heidegger: Escreve o tradutor: "Na Introdução à Metafísica, Heidegger encontra no primeiro coro de Antígona a concepção donde o homem é designado o mais pavoroso, o que inspira terror pela sua violência.476

Heidegger, como Almada, chegou à pergunta ontológica originária, embora um e outro agissem, por pensamento ou vocação, por meio de propósitos teóricos diferentes, quanto à funcionalidade da demanda metafísica — e hermética, no caso de Almada. Almada usou as considerações metafísicas, para justificar, de forma irrevogável, o acto de criação, a que chamou "acto vitalício do Poesia"477, conciliador do conhecer e da ingenuidade.478 472"Poesia

e Criação", Textos de Intervenção, p.167 em "Poesia e Criação" escreveu precisamente que o lugar que o homem passou a ter de encontrar, o "seu onde", decidiu-se inevitável porque "Tinha roubado o Fogo onde o Fogo estava no seu lugar." Leia-se aqui mais uma referência ao mito de Prometeu. Cf. op. cit., p.167 474"Poesia e Criação", Textos de Intervenção, p.166; Segundo indicação do próprio Almada neste texto, a versão que seguiu do livro de Heidegger, foi uma tradução para castelhano de Emílio Estiu. Para esta Tese consultou-se a tradução francesa de Introduction `a la Métaphysique, de Gilbert Kahn e a versão portuguesa de António Manuel Couto Viana, da Antígona de Sófocles. Constata-se algumas diferenças nas traduções relativamente ao qualificativo empregue para ajuizar sobre a qualidade quase substantiva do homem: na versão portuguesa a mesma frase surge na seguinte tradução: "Há coisas prodigiosas, mas nenhuma como o homem!" (p.21); a versão francesa é como segue: "Multiple l'inquiétant, rien cependant/ au-delà de l'homme, plus inquiétant, ne se soulève en s'élevant."(p.153) 475"Poesia e Criação", Textos de Intervenção, p.166 476"Poesia e Criação", Ensaios, p.166. Tendo-se consultado a versão castelhana mencionada por Almada Negreiros, transcreve-se o original castelhano da citação acima realizada: "En la Introducción a la metafisica, Heidegger encuentra esta concepción en el primer coro de Antígona, donde el hombre es designado(...), lo más pavoroso, el que inspira terror por su violencia." Emilío Estiu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafísica, p.29 477"Prefácio ao livro de qualquer poeta", Poesia, p.36 478Heidegger, ultrapassando numa das suas últimas obras, o estado de deliberação sobre as posições metafísicas anteriores sobre o ser. Como sucedeu em Almada, não realizou esse propósito de forma linear, 473Almada

138 A coincidência manifesta-se no encontro comum do arcaico, para chegar a "un retorno al pensamiento presocratico."479 O retorno à madrugada do pensamento filosófico, procurava repor, no caso de Heidegger, uma perspectiva de revisão das ideias tradicionais sobre o passado míticofilosófico dos gregos, tarefa que já fora tentada por Nietzsche. Havia que recuperar a autenticidade dos próprios conceitos, das palavras, desviados do seu sentido originário, nomeadamente, pelas traduções latinas do grego, ao tempo da sua introdução na cultura ocidental na era do Cristianismo. No capítulo "Limitação do ser" da Introdução à Metafísica, a transcrição do 1º Coro, é introduzida a propósito da cisão entre ser e pensar. Heidegger aprofundou a questão relativa aos termos em que o devir e a aparência — pensamento —, como oposto ao ser480, traçando os três percursos possíveis para a sua interpretação. O primeiro481 constituir-se-ia como a autêntica substância do poema, que o atravessa como todo. Consigna o violento, o prepotente, como carácter constitutivo, essencial da predominância de ser, constituindo a potência do ser. Por outro lado, o homem em si realiza a violência, vendo-se a sua razão exercida na violência, predomina o aspecto decisório do ser: "Ao homem é-lhe impossível uma atitude passiva radical, já que a prepotência do ser o arrebata do conformismo consigo mesmo, simples e directa, pois "esforzarse por llegar a las cosas mismas, la filosofia no las facilita, sino que las agrava con dificultades.(...) se substituyen las cosas por esquematismos abstractos, que alejan de la naturaleza de las mismas, dificultar significará, sobre todo, retornar a la originario." CF. Emílio Estíu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafisica, p.7 479Idem, ibidem, p.14 480Heidegger, Introduction à la Métaphysique, Chap. IV "La limitation de l'être", III — Être et penser, p.124. Considerando que a palavra "ser" tem uma significação bem delimitada, havia que enunciar os termos em que se devia compreender. Reconstitua-se então o percurso que levou Heidegger até Antígona: nos primórdios do pensamento filosófico grego estava a origem da determinação do ser, pelo que procurou em Heráclito —o origem da filosofia ocidental —, uma primeira interpretação, iluminada pela referência fundada na acepção veiculada na Antígona. "L'être est l'objectif, l'objet. Le penser est le subjectif, le sujet. Le rapport du penser à l'être est celui du sujet à l'objet."(Cf. p.143) Heidegger presume que nos primordios do pensamento grego não se evidenciava propriamente uma oposição ainda, pois não tinham recebido uma formação epistemológica suficiente, concebendo a relação de modo ainda bastante primitivo. Em Parmenídes, o ser é unificado em si mesmo — pensar e ser são a mesma coisa. O ser predomina e como aparece, é preciso que haja a sua apreensão; para que o homem esteja interessado no acontecimento dessa apreensão, exige-se que o próprio homem "seja", que pertença ao ser. (Cf. p.147) Heráclito ao questionar o que é o homem envolve como termo oposicional os deuses, deles provindo a irrupção do próprio ser. A questão, segundo Heidegger, nesta sequência, seria de ordem metafísica e não antropológica, pois deveria procurar a essência do ser, ao sendo do homem, e portanto ultimamente ao ser.(Cf. p.151) Necessariamente procurou então o esboço poético do ser-homem nos gregos, a partir da leitura precisamente do 1º Coro de Antígona. 481No primeiro percurso, o ser do homem como "inquietante" só podia ser descoberto pelo projecto de poesia e do pensamento: qualificá-lo como tal, é colocar o homem nos "limites extremos e abismos abruptos" do seu ser. Como notou Heidegger, se nos gregos não existia ainda a noção de personalidade, a delimitação do ser do homem tinha de ser realizada pela asserção extrema de suas acções e dos sentimentos. Inquietante é o assustador, o verdadeiramente terrível, não dos pequenos medos, mas a potencialização do prepotente, o que provoca o terror, o pânico, o violento. Cf. Heidegger, op.cit., p.156

139 evitando que seja como as coisas são."482 O inquietante, a prepotência projectam o homem para fora da sua quietude; afastam-no do íntimo, do habitual, do familiar, da segurança tranquila; adquirem uma impositividade decisiva, ordenadora de toda a sua vida.483 Actuando em termos de violência, os homens que assim procedem, destacam-se dos demais na polis, tornando-se homens solitários, eminentes na sua paradigmaticidade trágica, revelam-se criadores, homens de acção por excelência: "ils deviennent en même temps des hommes sans frontières, sans architecture ni ordre, parce que, comme créateurs, ils doivent toujours d'abbord fonder tout celà."484 2º percurso: Acompanhamento das estrofes, acompanha-se o sofrimento do homem no seu desvelamento, que consiste em revelar, pela actuação, o que há de mais inquietante. Enuncia-se o mar e a terra num sentido cosmogónico, mítico, de sentido matricial. A terra é a suprema deidade, predominância indestrutível. O homem exercendo sobre ela a sua violência, perturba a calma do crescimento, da germinação. Leva à maturação e prodigaliza, "com superioridade tranquila", o inesgotável para além de todo esforço. Como nos ciclos da vida na natureza, o ser do homem renova-se sempre em várias formas, mantendo-se na sua via única: enquanto vivo, insere-se na predominância do mar e da terra, impondo-lhes o seu jugo.485 O início da cronologia na história do Humano, aconteceu pelo mais primitivo e anterior, exactamente, o mais inquietante e violento. Neste facto reside a compreensão do carácter misterioso da origem, a autenticidade e grandiosidade do conhecimento histórico — a mitologia. No que, esta análise de Heidegger, coincide com a perspectiva de Almada. O ser descobre-se como o elemento primordial: como mar, como terra, como animal. Pelo entendimento, pela nomeação das coisas, pela linguagem, acrescenta-lhe força e consolida-se o domínio sobre tudo: a prepotência 482"Poesia

e Criação", Ensaios, p.166. Este excerto pertence ao "Estudio preliminar" de Emílio Estiu que segue: "Al hombre le es imposible una actitud pasiva radical, ya que la prepotencia del ser lo arrebata del conformismo consigo mismo, evitando que sea como las cosas son." Emilío Estiu, "Estudio preliminar", Introducción a la Metafísica, p.29 483""...être ce qu'il y a de plus inquiétant, c'est le trait fondamental de l'essence de l'homme, auquel les autres traits doivent toujours être rapportés." Heidegger, Introduction à la Métaphysique, p.158 484Idem, ibidem, p.159 485Ao enunciar, descrever e ilustrar os diferentes campos de actividade e de comportamento, próprios do homem, trata-se "en réalité d'un projet poétique de son être à partie de ses possibilités et de ses limites extrêmes." Cf. Idem, ibidem, p.161. Heidegger não segue a opinião daqueles que nestas estrofes encontram um canto que narraria a evolução da humanidade, desde o caçador selvagem, do construtor de pirogas até ao construtor de cidades, enfim, ao homem civilizado.

140 exerce-se, gerando a própria acção criadora, a fundação edificadora, enfim, no acto poético. O acto poético exige um saber realizador, no que se acha coincidência com o estudo sobre Prometeu, dádivas de Atena. Saber, significa "ser visto", como nota Emílio Estiu; significa também poder colocar em obra o ser, operacioná-lo como sendo algo determinado, realizar o ente especificamente em obra. Si les Grecs appellent tout particulièrement et au sens fort l'art proprement dit et l'oeuvre d'art, c'est parce que l'art est ce qui porte le plus immédiatement à stance en un adestant (en l'oeuvre) l'être, c'est-à-dire l'apparaître qui réside en soi-même.486

A obra de arte só é Obra, quando é feita, efectua o ser no sendo. Efectuar, significa operar, colocar em obra: a obra de arte, segundo Heidegger, é considerada como o ser sendo (das seiende Sein487), tudo o que aparece como outro, significante e inteligível. A arte é saber, mas um saber realizador, repita-se, que adquire forma de sendo , em si, que se ajusta a uma forma apreensível, inteligível. O 3º percurso, respeita ao enfrentamento realizado entre o Seiend prepotente, em totalidade, e o Dasein exercendo a violência do homem, levando-o à extrema delimitação, à ruína: "Or, l'homme est nécessité à un tel être-là, jeté dans la nécessité d'un tel être, parce que le prépotent comme tel, pour apparaître dans sa perdominance, a besoin pour soi du site de l'ouverture au prépotent. L'essence de l'homme ne s'ouvre à nous que lorsqu'elle est comprise à partir de cette nécessité par l'être même." 488 Nos termos em que o expõe Almada: Por necessidade está destinado ao desocultamento ontológico. Os poetas e os pensadores são os assinalados pelo signo da insatisfação: não se resignam a ficar dentro do já desoculto, do familiar e do ordinário.489

A essência do ser homem, experimentada no acto de criação poética, realizada na obra pela prepotência, exclui-o dos demais, da polis. Leva-o 486Idem,

ibidem, p.165 Heidegger, Op. cit., p.166. Veja-se igualmente, na versão castelhana o "Estudio preliminar" quando Estiu, citando Heidegger, faz notar que, "Entre los griegos el "ser mismo 488Idem, ibidem, pp.168-169 489"Poesia e Criação", Ensaios, p. 166, citando Emílio Estiu, op. cit., p.29: "Por necesidad está destinado al des-ocultamiento ontológico. Los poetas y los pensadores son los señalados por el signo de la insatisfacción: no se resignan a quedar dentro de lo ya des-oculto, de lo familiar y de lo ordinario." 487Cf.

141 para longe dos outros, pela expulsão, decisão que o Coro legitima, voltandose contra o inquietante: "Un tel être-Là ne peut pas être vu dans le train de vie ordinaire, dans un comportement quelconque." 490 Esta perspectiva heideggariana, para onde conflui a indiferenciação, reencontrada do dizer poético e do dizer filosófico, interessou as diligências de Almada, em torno ao conceito metafísico de ser homem/pessoal, naquilo que melhor exprime de primordial, de fundador e de institutivo no originário. Pela poesia, pelo pensamento, enfim, pela criação achava-se um povo, como escreveu Heidegger, precisamente o povo grego. Almada terá visto nesta obra do último Heidegger, sobretudo a intenção — pela menos na aparência — do que Emílio Estíu afirmou ser, no estudo preliminar à tradução castelhana, a "suposta contemporaneidade do arcaico"491 A acção violenta exercida pela palavra, expressa na linguagem poética, atingia a insatisfação pela passividade; exigindo o ser inquietante a acção, uma vez que "el ser de los entes se le revela al hombre en cuanto éste dice lo que son."492 O poeta, o pensador, os mais pavorosos — prepotentes ou inquietantes — acham a acção na obra que fazem. Decididamente não deixam "as coisas tais como são", nem estão. Por palavras de Fernando Guimarães: "o homem perde o essencial; pela poesia, procura reavê-lo."493, expressam-se as afirmações de Almada: "O homem perde-se e a linguagem faz-se."494 A poesia exige um ocultamento do já desoculto, acto estético que é individual, próprio do poeta, pois a condição para a criação é única, porque pessoal e intransmissível. Pela prepotência verificada no homem, e através do acto criador que induz, configura-se a individualidade do mesmo homem, nos limites extremos que o impedem de aquietar-se. 5.2. O acto, a obra e o pensamento 5.2.1. A origem da Arte Há milénios que o homem edifica a sua obra não importa onde em toda a parte desde o primeiro dia da antiguidade que é menos antiga que o homem.495 490Heidegger,

Introduction à la Métaphysique, p.170. Veja-se quando Almada cita ainda Estiu: "Por isso constituem um perigo para os amantes da estabilidade e eles — como dizem as últimas linhas do texto de Sófocles citado por Heidegger — não estão dispostos a conviver com semelhantes homens." "Poesia e Criação", Ensaios, p.166 491Emílio Estíu, "Estudio preliminar", Introducción à la Metafísica, p.14 492Idem, ibidem, p.29 493Fernando Guimarães, "Almada Negreiros, poeta", Almada — Actas do Colóquio, p.115. 494"Poesia e Criação", Ensaios, p.167 495Idem, ibidem, p.167

142 A tendência para criar, consubstancializa-se na possibilidade de acção "dinâmica", sem que o homem deseje vê-la concluída em absoluto, nomeadamente, essa que considera "a sua mais bela criação" — para preservar a condição pessoal de criar. Criar implica o acto, a decisão de agir por parte de quem vai agir; acto do humano sobre algo que vai ser originado — a obra a fazer. A posse e domínio da vontade para a acção são tema subjacente no pensamento europeu, simbolizado na célebre estruturação mítica de Fausto na versão de Goethe, símile da Acção Divina: "No princípio era o Verbo" vejo escrito, E aqui já tropeço! Quem me ajuda? Tão alto sublimar não posso o verbo, Devo doutra maneira traduzi-lo, Se me inspira o espírito. Está escrito Que "No princípio era o Pensamento". — Medita bem sobre a primeira linha, Apressada não seja a pena tua! Anima, cria tudo o pensamento? Devera estar — "Era ao princípio a Força!"— No momento porém em que isto escrevo Diz-me uma voz que aqui não pare. Inspira-me A final o espírito! alvitre, Solução enfim acho: satisfeito, "No princípio era a Acção!" — escrever devo."496

Almada como o Fausto de Goethe, considerava a exigência de proceder, o princípio de acção para criar obra, ordenada pelo primado do pensamento. A obra, produto da criação do homem, pela repetição do acto, demonstra a promessa de acção, via-se espelho da necessidade: "Natural ou não, toda a acção é fora da Obra" (...) "A obra é possibilidade de acção porque é adivinhação do caminho do próprio sem destruição da unidade sensível. Adivinhar não é agir, é tornar livre a acção."497 A criação da obra de arte, imitando a criação do mundo, é substância do pensamento simbólico e antropológico sobre o processo de personalização estética, viabiliza a própria estética como tal. Em termos míticos, a Criação, está simbolizada na vontade de concretizar o acto primeiro na relação par496Goethe,

Fausto, "Quarto de Estudo" (1250-1264), pp.60-61 Ver, pp. 45-46. Parece existir afinidade entre os termos em que Almada coloca esta tríade e a explicitação de três conceitos afins em Aristóteles: O acto é a plenitude ou concretização do ser; a existência é o actus primus , e acto de todos os actos; a acção é actus secundus , acto terminal antes de agir. Portanto, seguindo os termos aristotélicos, apenas em Deus, a essência do agente e o seu acto de existir coincidem na acção, para a Obra. Por analogia estes elementos ontológicos aplicam-se à obra poética, à obra artística — enquanto obra do espírito. Cf. Jacques Maritain, L'Intuition créatrice dans l'Art et dans la Poèsie, pp.343344. 497"Ver",

143 ímpar (Eva e Adão), na qual subjaz a alteridade de relação, tornada efectiva nos "outros e seus descendentes", condenou-os ao tempo no mundo. Mundo organizado em termos perfeitos, ordenados, harmoniosos, fruto da inteligência e deliberação divinas, herança para os homens imitarem: "Tudo o mais cá em baixo era dos outros e seus descendentes A Terra inteira E o mar E o ar Tudo medido Dividido tudo a régua e compasso Pelos outros e seus descendentes."498

Na linguagem hermética, Almada concebia os três poderes humanos — acção, obra e pensamento —, devidamente distintos no conhecimento comum denominado "Templo do Tesouro", sendo o "tesouro", a individualidade pessoal. A Obra é o conhecimento comum, o Acto e o Pensamento são pessoais e pertencem juntos, na obra comum, à personalidade individual constituindo uma unidade triádica.499 A harmonia da personalidade engloba os três poderes humanos, entre o universal e o individual; a presença do sensível fica entre as duas presenças do sagrado: "Quando a obra e o pensamento não estão uníssonos com a continuidade do acto universal teremos a arquitectura e o livro mas o Homem não esteve entretanto."500 Almada faz a apologia metafísica da unidade genésica, ao considerar a Obra comum a todos; o conhecimento sensível não sendo acto de ninguém, como acção que deve ser cumprida por cada um, portanto de todos, enquanto unidade do Todo. Obra e conhecimento sensível são uma e a mesma coisa, ou seja, são a possibilidade de acção; a obra é possível pela acção permitida pela liberdade pessoal, presente apenas na personalidade individual. O homem passa para a sua obra, mas a sua acção não fica nela, que é sua criação, pois é livre nele próprio como pessoa humana desocultada no acto, experiência estética. Na argumentação de tradição neoplatônica, Almada considerou que a Obra reflectia a imagem do Todo como perfeito e indivisível, mas não reflectia o 498"As

Quatro Manhãs - a 1ª manhã", Poesia, p.179 "Vêr e a personalidade de Homero I", Ver, p.79 500"A lira primazia da vista", Ver, p.133. Cf. Cap.II, 1ª Parte “Convocação da Humanidade”, pp.18 e ss., onde se realizou o aprofundamento deste aspecto na obra de Almada, de acordo com a perspectiva platónica. 499Cf.

144 poder activo da Causa. A Obra decide o conhecimento, mas não decide a acção: inclui em si o logos e o sensível. Simbolicamente, a Obra, porque de radicação na imitação divina, é a circunferência, unidade e harmonia que responde à necessidade do imitador — o homem —, de modo que a Harmonia do Todo, passe para cada um dos humanos. O homem (unidade sensível) como artista, intérprete do Todo, imita a acção da Causa primeira; a Causa activa — única — que por necessidade gera uma causa segunda, por transposição da sua interpretação para um mundo imitado, que por sua vez servirá de intérprete à nova Causa activa (homem, unidade sensível como autor)501. Na obra que o homem cria — autor — ele é actor de si mesmo; domina a possibilidade de acção, na medida em que interpreta, como actor ou como autor.502 Toda a acção se realiza fora da Obra, realiza-se no próprio homem como possível, no sonho, no êxtase, naqueles estados em que no homem funciona a visão interior e involuntária, "tem sobre estes o poder de demorar a luz do que é involuntário e interior, a ponto de que não se apague antes de findar o momento."503 A verdadeira personalização constitui-se harmoniosamente na antagonia do individual e do universal, em modo sincrónico — unidade —, pela permanência da continuidade, garantida pela continuidade da criação, da obra e do pensamento. Segundo a cosmogonia estética, de índice nos elementos, o Homem é na Terra, na Água, no Ar. "Na Terra é o acto de presença do Homem, na Água a obra da ligação da unidade, e por isso está no meio, entre a Terra e o Ar; e o Ar é pensamento, o vigia da continuidade, o fecho da trinitária unidade."504 Almada estabeleceu como princípio argumentativo, o pressuposto de que a possibilidade de acção proposta pelo impulso primeiro para a Arte, revelou o homem em obra: "Não importa, o perfil do homem ficou traçado, para sempre, a obra."505 À semelhança da pergunta formulada por Heidegger no início de A origem da obra de arte: "Onde e como há Arte?" 506, Almada conciliava a origem da Arte, com a origem do homem, no artista como 501"Ver",

Ver, p.46. Distingue-se a Causa primeira, da causa imitadora, pois esta não é activa, apenas imita, sendo posterior ao homem, assim como este é posterior ao Todo indivisível e à Causa Activa. Gera-se assim um mundo imitado que é a Obra. 502"Na criação própria do homem, a obra, o autor continuará sempre a ser o intérprete do que lhe é originariamente anterior, como o actor é intérprete do autor, (...) pois toda criação do homem, a sua obra, não é de maneira nenhuma acção mas legítima possibilidade de acção." Idem, ibidem, p.46 503"Reaver a ingenuidade", Ver, p.63 504"A lira primazia da vista", Ver, p.136 505"Poesia e Criação", Ensaios, p.167 506Martin Heidegger, A origem da obra de arte , p.11

145 pessoa, mostrando-se próximo da posição de reversibilidade, do filósofo alemão, quanto à origem da obra, sendo a obra a origem do próprio artista, "Nenhum é sem o outro."507 A obra, necessidade do mundo sensível — por si necessidade —, é a única razão de existir a Obra. A Obra surgiu, quando nos primórdios da humanidade, os sinais dispersos foram unidos entre si, correspondendo à tendência do homem para configurar a unidade sensível que, quando perdida, deve ser sempre procurada. Criar é um acontecimento primordial permanente na humanidade, repetindo-se, reinventando-se em ingenuidade e perpetuidade em cada personalidade individual: "Criar não é apenas a "obra" ou o "pensamento", é também a "acção", a da personalidade individual."508 Almada aproximou-se da origem arquetípica da arte, evidenciando-a como acto e obra de comunicação dos homens para os homens, tornada realidade, pelo homem que é artista. Nesta perspectiva, a Arte é gerada pela acção do artista — palavra ou imagem materializadas no seu ser constitutivo. Este posicionamento concilia-se com o pensamento de Almada, quando este afirma que "A obra é posterior ao homem. É poder do homem. É criação humana."509 A Obra surge da necessidade humana de imitar o processo genésico da natureza, "e na imitação criar a possibilidade de acção voluntária do homem"510. Ao criar revela-se — a luz — a personalidade de cada personalidade individual, de cada ser vivente: cumprida na recuperação do dom ingénuo de "encontrar" que é o pensamento. A noção de Obra que Almada considera, é num sentido Absoluto, referida ao Todo, e não apenas no sentido de obra de arte; a Obra significa o dogma na Religião, a demonstração na Ciência e o cânone na Arte. O conceito de obra de arte que impôs, foi estabelecido pela sistematização metafísica dos termos, de origem arquetípica, possível no agir humano, pela via das descobertas sucessivas, através do desocultamento, do desvelamento, simbolizado pela Luz — a Luz numa leitura pessoal —, fonte subjectiva como espelho da Luz de sentido universalista.511

507Idem,

ibidem, p.11

508"Mito-alegoria-símbolo",

Ver, p.256 a Ingenuidade", Ver, p.59 510Idem, ibidem, p.59. "A Obra é serviço de conhecimento sensível. Religião, Arte e Ciência, numa palavra, Obra, é serviço do conhecimento sensível." Cf. também as mesmas ideias p.63. 511 "O único conhecimento de que o homem dispõe anterior e posterior a si é o sensível, e a Obra não é senão a luz de o ver, luz que imita a própria Luz." "Reaver a Ingenuidade", Ver, p.59 509"Reaver

146 5.2.2. A continuidade como princípio estético A obra como acto cumprido, impõe-se como presença do homem, por si, constituinte de acto na continuidade do humano. A "continuidade" fora o legado dos primeiros homens. A continuidade do conhecimento é permite pela especulação sendo possível, própria num tempo anterior ao conhecimento: O que investiga deduz de dados que lhe são fornecidos, mas que dados poderia oferecer o passado aos primeiros homens ? Era impossível a investigação. Mas especulação era possível. O único possível.512

Em "Galileu, Leonardo e Eu", Almada desocultou a condição humana da "continuidade", quando o protagonista, o Homem, demonstra a necessidade da especulação — pensamento — para salvaguarda da continuidade513: Homem: O principal, a continuidade. Mulher: Sem especulação não haveria continuidade? Homem: Não. Marcávamos o passo. Toda continuidade humana é a especulação que lha abre.514

A especulação estava no próprio destino do humano da relação homemmulher, par-ímpar, para afirmar a presença em perpetuidade, consistindo na movimentação das ideias, dos actos, das obras como partícipes na dialéctica — processo e dinamismo — para cumprir a cronologia da humanidade. Para o corroborar, o Homem cita Camões: "Que os nossos sábios magos encontraram Quando o tempo futuro especularam." 515

O arco do(s) tempo(s), traçado por Almada em 1921 para o "Comício dos "Novos" no Chiado Terrasse", fazia convergir no século XX, a projecção do conjunto de todas as divisões cronológicas constitutivas desde o início do tempo de Cristo, de todas as especulações permitidas pela modernidade. A ideia da continuidade do humano, associada ao conceito de eternidade, foram presenças nucleares no pensamento de Almada, obsessões mesmo:

512“Aqui

Cáucaso”, Teatro, p.234 referência à questão da continuidade na Humanidade, Cap. II, 1ª Parte — “Convocação da Humanidade”, 1.1. "Dimensão cosmológica de Humanidade". 514“Aqui Caúcaso”, Teatro, p.234 515 Almada cita Camões, Idem, ibidem, p.234 513Cf.

147 A continuidade humana sucedendo-se naturalmente pelas gerações é a noção perfeita da perpetuidade. A esta perpetuidade natural das gerações era necessário encontrar-lhe a paralela na luz quotidiana, na claridade. 516

A abordagem da questão reconhece as reflexões de Merleau-Ponty, em Phénoménologie de la Perception, sobre o "princípio de continuidade", inscrito na problemática totalizadora do "tempo"; na forma como o tempo é não só percepcionado, mas essencialmente vivido: o passado é ainda presente e o presente é já passado, deixa de existir presente e passado. 517 Todas as experiências da pessoa individual humana, antes ou depois, — emocional e intelectual —, pertencem ao tempo, porque a temporalidade é a forma mais íntima e o carácter mais geral dos "fenómenos psíquicos". E, "le mythe tient l’essence dans l’apparence, le phénomène mythique n’est pas une représentation, mais une véritable présence."518 Almada seguiu as ideias da tradição hermética quanto à unidade e essência da eternidade tomada da identidade: "...celle du monde est l’ordre, celle du temps est le changement, celle de la géneration est la vie et la mort."519 O Tempo, considerado no Todo, é unidade indivisível. "O Tempo é Acto contínuo o Todo."520 Almada considerou que passado, presente e futuro "era" no singular porque indivisível, sempre o mesmo Todo de tempo. Se representado o Todo do Tempo pelo Círculo, o mesmo círculo representa respectivamente os três tempos, sendo sempre o mesmo. À semelhança de Platão no Timeu521, ao afirmar a correspondência entre a alma do mundo e a alma do homem, entre o macrocosmos e o microcosmos, Almada concebe o homem no mundo, sendo unidade da Unidade, cumprindo o Tempo do Todo, pela continuidade imposta pela cronologia. Como unidade gerada pelo Tempo, a criação do homem é novidade, pois a verdadeira novidade é continuar.522 São diversos os aspectos da Existência divina e dispersam-se no espaço e no tempo. Ora dessa dispersão devemos sair, reunindo os membros de 516

"Ver e a personalidade de Homero I", Ver , p.93; Simbolicamente, a continuidade representa-se através da oliveira/ a Paz, carregando a união entre o sagrado e o sensível, pertença exclusiva de cada pessoa individual humana que tem o dom da Poesia, "única simultaneidade do simétrico e do transcendente no mundo." Cf. Idem, ibidem, p.90 517 Cf. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, 3ème. partie, II — “La Temporalité”, p.469 e ss. 518 Idem, ibidem, p.335 519Hermès Trismegiste, Le grand texte iniciatique de la tradition occidentale, p.54 520"Ver", Ver, p.55 521Cf. Platão, Timeu, pp.266-267. 522"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.133

148 Osíris de forma a estabelecermos uma síntese total feita de tudo o que passou e de tudo que existe ainda.523

O homem é variável como o próprio Tempo, o Grande Mestre, a que Almada se referia, mas o tempo cumpre a síntese do Passado e do Presente, formando tudo, formando o Infinito, ou melhor, criando o Infinito em unidade. E a eternidade obsessiva a que aludia, evocando Santo Agostinho em Invenção do Dia Claro: "A eternidade e um instante é a mesma coisa." 524 Refere-se Almada a uma espécie de absorção dos tempos no tempo, sendo o Tempo (com maiúscula), correspondente ao sentido de Eternidade em Santo Agostinho: "Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é todo presente." A ideia é explicitada, quando Almada afirmava que, "A mais alta personalidade humana será aquela que, em tudo o que cada um faça, sinta ou pense, ela estiver sempre presente a todo instante como se cada instante fosse toda a sua vida." 525 A eternidade também era consciência efectivada pela existência individual do sujeito que pressupõe a sua percepção: "A Eternidade existe mas não tão devagar!" 526 O ritmo do tempo, decorrente na continuidade era simultaneamente objectivo e mítico, incorporando-se ambas dimensões no Todo a que cada indivíduo pertence em humanidade, na unidade sensível-sagrada. O desígnio da criação, por um lado, o conhecimento e o livre arbítrio por outro, exigem, em complementaridade, o silêncio da memória. As mitologias apagam-se mas acendem o seu singular. E este refaz-se constantemente onde não são possíveis empirismos, nem conclusões. Nós somos permanentemente a antinomia primeira memóriaesquecimento. Somos a máquina estandartizada do organismo da Memória.527

Homero continha em si mesmo, na sua personalidade, o dito "génio da continuidade", simbolizava o legado cultural grego: a pátria, a religião, o estado, a ciência, o lar, a educação, os jogos, tudo aquilo quanto se referia ao espírito, tudo o que apenas se pode representar em símbolo, "absolutamente

523"Uma

reunião de artistas no banquete de homenagem ao distinto pintor João Vaz", Artigos do Diário de Lisboa, p.57 524Santo Agostinho citado por Almada Negreiros Invenção do Dia Claro , "Confidencias", p.38. Cf. Santo Agostinho, As Confissões, XI, 11, p.301. 525"Ver e a personalidade de Homero II"; Ver, p.148 526"K4 Quadrado Azul", epígrafe in Invenção do Dia Claro, p.30 527 Teatro, ibidem, p.237

149 tudo sem lá ter posto o nome comum Homero, e a sua função é também Homero."528 Como princípio estético, o princípio de continuidade, é confirmado na possibilidade pessoal da criação, actualiza a primordial condição — metafísica — que subjaz à criação poética, concebendo-a como pessoal e intransmissível, no que se refere, nomeadamente, à problemática da essência e substância da obra em si, reveladas simbolicamente pela Luz, pelo Fogo. Ambos significam a eclosão/desvelamento do conhecimento, a origem/fonte emanadora no caminho encontrado. 5.2.3. Cultura e a Civilização — acto de presença do Homem O acto de presença do Homem possui uma dupla afirmação para a humanidade: no plano individual pessoal é a Cultura, no universal é a Civilização. Nascido nos primórdios da humanidade, pelas manifestações visuais que o Homem deu ao Mundo, iniciou-se a sua afirmação, consolidada, superiormente, primeiro em Creta e depois na Grécia Antiga; prosseguindo com o Cristianismo: "A longuíssima incubação da cultura e da civilização faz-lhes caminhos paralelos, isto é, que nunca se encontrariam se o acto de civilização não viesse coroar o sentido que estava de facto na ordem da cultura mas por libertar em acto. Ora a cultura pode determinar factos, mas só a civilização pode realizar actos." 529 Acto e facto são de naturezas diferentes, o acto é sagrado e sensível, e só pode ser representado pela própria presença viva do Homem; o facto é apenas sensível, podendo ser representado pela obra ou pelo pensamento. A Obra é simultaneamente — na ordem do conhecimento — do [no] Mito e do [no] Logos, em unidade. Não há Mito sem Logos, as alegorias e símbolos separam o mundo de "criação de cultura"; no mundo da criação de arte domina a linguagem alegórica e a sabedoria poética e no da criação da ciência, a linguagem é simbólica e a sabedoria reflectida: "A linguagem das alegorias é a das personalidades, a dos símbolos é a linguagem do número: o universo e o homem."530 O número encontra-se no símbolo, mas o símbolo assegura, não cria, pois remete para um significado universal, ao passo que

528

"Ver", Ver, p.236; O único, marca indelével do espírito grego que entrou em pessoa no universal do Cristianismo, foi Cristo, que Almada designou "génio da continuidade", o sagrado. 529"A lira primazia da vista", Ver, p.129 530"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p. 246

150 "no mundo "ingénuo" a alegoria é metamorfose de criação da personalidade"531, portanto particular. Os símbolos constituem o percurso da Cultura, um a um são "marcos geodésicos na orografia d'uma civilização", constituindo a unidade do humano. Tudo é símbolo, ""tudo o que acontece não é senão símbolo", porque primeiro "acontece", depois o mito faz a fábula que vem pôr aqui o símbolo."532 O mito elabora-se de acordo com o pensamento sobre si mesmo, na forma como Almada o considera, cumplicidade e conveniência: "Mito e Logos são os domínios autónomos das duas criações da "Obra" maiúscula, a bipresença de um todo "Obra".533 A Obra é entendida como bipresença "arteciência", assim como pelo Todo se entenda bipresença "Obra-pensar"; pensar pressupõe obra, onde o Mito é centrípeto, vindo do infinito para uma vontade pessoal que por ele se deixa impregnar, germinando no seu próprio interior. O Logos é centrífugo, "um centro imana d'ele, cresce de dentro para fora como uma flor abre os sexos."534 Como no reino vegetal, na flor e fruto não coincidem na cronologia dos seus ciclos, e uma tem de dar lugar a outra, assim quando o Logos inteligível, matemático está, nasce a seguir o Logos sensível: "E então o ciclo Mito-alegoria-símbolo seria o Logosantropomorfismo-número se tivéssemos conveniência em seguir o sensível por este último."535 Almada considerava que o ciclo primordial de mito-alegoria-símbolo não era apenas a história de uma civilização ou mesmo do mundo humano, mas a história de toda a cultura (atitude de responsabilidade pessoal, para competência universal), pois sempre, perpetuamente, o Homem nascerá "ingénuo", repartindo-se no ingénuo os caminhos do Mito e do Logos. 531Idem,

ibidem, p.246 ibidem, pp. 247-248 Goethe citado por Almada Negreiros. Consultou-se a versão francesa dos textos sobre Arte de Goethe, tendo-se procurado situar a citação transcrita, o que não foi conseguido. Todavia saliente-se a relevância da distinção que Goethe afirma entre alegoria e símbolo, imprescindível para a compreensão deste aspecto em Almada: "...dans le symbole nous voyons l'universel dans le particulier, alors que dans l'allegorie le particulier n'est qu'un exemplum ilustrant l'universel." Nota de JeanMarie Schaeffer, Écrits sur l'Art, "Maximes et Réflexions", p.310, nota 4 à Máxima 17 que consta: "Dans le véritable symbole le particulier représente l'universel, non comme rêve ou ombre, mais comme révélation vivante et instantanée de l'inexplorable." A teoria do símbolo em Goethe é fundada na seguinte máxima articulada à anterior: "Le particulier et l'universel coïncident: le particulier est l'universel tel qu'il apparaît selon la diversité des conditions." Op. cit., "Maximes et Réflexions", nº 48, p.317. E ainda: "Le symbole transforme l'apparition en Idée, l'Idée en image, de telle manière que dans l'image l'Idée reste infiniment agissante, inacessible et inexprimable, fût-elle exprimée dans toutes les langues." Idem, ibidem, nº 109, p.324 533"Mito-Alegoria-Símbolo", Ver, p.253; a bipresença refere-se ao sensível e ao inteligível — ver texto supra — e portanto ao binómio Arte e Ciência. 534Idem, ibidem, p.253 535Idem, ibidem, p.253 532Idem,

151 Ingenuidade e perpetuidade eram dons, cujas realizações estavam, respectivamente, em encontrar e em ser encontrado, pelo indivíduo pessoal na humanidade. A Cultura é constituída pelos produtos dos criadores que exprimem três modalidades de realizações, consoante se trate de Arte, Filosofia ou Ciência, não sendo nenhuma erudição da obra, do pensamento ou do acto, antes posição respectiva, assumida pelos próprios criadores. Cada um deste tipo de criadores possui o seu universo, que é constitutivamente diferente dos outros dois; cada um percorre o seu ciclo usando os seus poderes próprios, ou seja, cada um dos universos possui a sua arte, a sua filosofia, a sua ciência, a sua obra e o seu pensamento, portanto exigida a sua acção própria, que lhe é específica. O encontro da Cultura faz-se do encontro das personalidades individuais — e não as suas especialidades intermédias —, porque "o encontro dos três criadores é-lhes exterior, fora das suas obras ou do pensamento, precisamente quando em cada um cessa a iminência da acção para dar lugar efectivamente à "acção". A Almada interessava confirmar, "no advento da civilização cristã a sua legítima antecedência universal, pois que é em pleno paganismo que a obra e o pensamento da cultura estabelecem os factos que hão-de determinar o acto da nossa civilização, por conseguinte a nossa própria presença individual no mundo."536 Era necessário que a cultura — facto pessoal — subsistisse ao acto universal, ao acto civilizado. Apresentava-se-lhe apenas uma solução: que a cultura passasse toda a circunstância para dentro do universal, o que poderia surgir quando fosse verdade no humano que "A criação de arte ou a de ciência são cada uma a "obra" na iminência da "acção". A criação de filosofia é "pensamento" na iminência da "acção", isto é, fora d'elas mesmas, na personalidade individual."537

5.3. O conceito de Beleza 5.3.1. Domínio mítico-filosófico — o apolíneo e o dionisíaco Manifesta a exigência de Almada Negreiros relativamente ao conceito de Arte, procurada a resolução no primado da vista, primado da Luz, recuperando o cânone, atenda-se à riqueza de definição do conceito de 536

"A lira primazia da vista", Ver, p.129 Ver, p.256

537"Mito-Alegoria-Símbolo",

152 Beleza, em concordância e consentaneidade com os antropológicos, cosmológicos e metafísicos fundamentadores.

princípios

A Arte é o puro espírito que não ultrapassa o terreno e o humano, e dentro das suas fronteiras cabe não só o que é Belo como também o que é nobre.538

Proceder-se respeitando os diferentes domínios em que o conceito foi abordado pelo Autor. No domínio mítico-filosófico, Almada localizou o conceito de Beleza de acordo com a conciliação dos dois símbolos — antitéticos — correspondentes à dominante apolínea e à dominante dionisíaca. 5.3.1.1. A estética apolínea e a estética dionisíaca em Nietzsche O primeiro período do pensamento estético em Nietzsche demonstra uma nítida influência de Schopenhauer539 e Wagner — embora já se manifeste uma postura crítica relativamente a ambos —, período impregnado pelo pensamento grego arcaico, o que estabelece uma concepção da arte como arte trágica, definida a partir da dualidade entre o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco, dois instintos impulsivos e profundos. É, pois, às suas duas divindades que se refere a nossa consciência do extraordinário antagonismo, tanto de origens como de fins, que existe no mundo grego entre a arte plástica ou apolínea e a arte sem formas ou musical, a arte dionisíaca.540

A sua metafísica da arte, apoiada nestes dois princípios antitéticos, desenvolveu-se no conceito de arte trágica, resultante da união inseparável dos princípios, ou seja, a união da luz de Apolo com as trevas de Dioniso 541; 538Almada

Negreiros, excerto de entrevista publicada in Novidades, 6 de Abril 1952. influência de Schopenhauer (que lia desde 1865) traduz-se no tratamento de questões relacionadas, por exemplo, com a perspectiva do pessimismo, desprezo pelo homem, ascetismo e ideia de austeridade, alusões ao pensamento hindu e sobretudo a ideia de redenção pela arte. Relativamente a Wagner, traduziu-se na proximidade de relação de amizade entre ambos (desde 1868), e pela admiração da sua obra musical. A diferença que o afasta da concepção da arte como superação do sofrimento e da morte de Schopenhauer reside no facto de que: "Mientras en Schopenhauer la función del arte reside en la negación de la voluntad de vivir, ya aquí Nietzsche se separa claramente de su maestro al otorgar al arte la función de afirmar la existencia aun en sus aspectos más dolorosos." Dolores Castrillo y Francisco José Martínez, "Las ideas estéticas de Nietzsche", Historia de las ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.343. 540Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.39 541Embora tenha iniciado a sua aproximação aos gregos, parecendo cumprir objectivos afecto à sua própria formação em Filologia, cedo usou essa aproximação obsessiva, para iniciar a critica do mundo moderno. A partir da Origem da Tragédia estabeleceu uma metafísica da arte que pretendia justificar a sua premissa de que a existência humana e o mundo apenas como fenómenos estéticos. 539A

153 sendo Apolo aquele que "divinisa o princípio de individuação, constrói a aparência"542 e Dioniso, como princípio de individuação perante o Caos, pode superá-lo ao recuperar a unidade primitiva através da arte. "São forças artísticas que brotam do seio da própria natureza, sem intermédio do artista humano, forças pelas quais os instintos naturais se aproximam e se satisfazem directamente."543 A Arte é o suplemento metafísico da realidade natural; as artes plásticas — visualização plástica apolínea — pretendem ultrapassar o sofrimento do indivíduo, graças à sua eternidade fenoménica, graças à beleza (aparência 544) que triunfa sobre o sofrimento inerente à própria vida, apagando-o de forma artificiosa, paradigma do sonho libertador. Em contrapartida, na arte dionisíaca — a música por excelência — a natureza fala pela sua própria voz, sem disfarces, permitindo que, por alguns e breves instantes (embriaguez545), o indivíduo se identifique com o ser original em si mesmo, sustentador das formas e fenómenos mutantes; permite ao indivíduo estar em comunidade, sem estar isolado, à semelhança do ser vivente único, de onde tudo provém, como engendrador. Dionísio e Apolo não se opõem, portanto, como os termos de uma contradição, mas antes como dois modos antitéticos de a resolver: Apolo, mediatamente, na contemplação da imagem plástica; DIonísio, imediatamente, na reprodução, no símbolo musical da vontade.546

Dioniso é o deus afirmativo, impositivo e afirmador, metamorfoseia-se em afirmações múltiplas que dissolve a individuação, procurando a impessoalidade que determinaria um ser superior à pessoa, o que suporia o fim da tragédia. Pelo retorno dionisíaco ao acto de culto primitivo, "O A concepção de espírito dionisíaco apresenta transformações de definição, ao longo da obra de Nietzsche; a definição subjacente ao último Nietzsche é diferente da abordagem desenvolvida na Origem da Tragédiaa. "El Dinonisos del Nacimiento de la Tragedia encarna más la verdad del horror de la existencia que necesita ser velado por la belleza apolínea, mientras que el Dionisos último es, al mismo tiempo, la fuerza trágica que se sobrepone al horror de la existencia y la existencia misma como permanente criación de ficciones intensificadoras de la vida." Dolores Castrillo y Francisco José Martínez, "Las ideas estéticas de Nietzsche", Historia de las ideas estéticas y de las teorías artísticas contemporáneas, vol I, p.341. 542Gilles Deleuze, Nietzsche e a Filosofia, p.20 543Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.45. 544Acerca do conceito de "aparência" confrontar A Origem da Tragédia, pp.40-41. 545Acerca da embriaguez como analogia ao estado dionisíaco confrontar A Origem da Tragédia, pp.43-44. 546Gilles Deleuze, Nietzsche e a Filosofia, p.21. Cf. Nietzsche quando se refere à embriaguez produzida pela música: "No ditirambo dionisíaco, o homem é arrebatado até à exaltação máxima de todas as suas faculdades simbólicas; experimenta e quer exprimir sentimentos até então desconhecidos (...) Depois só por símbolos poderá exprimir-se a essência da natureza; para esse novo mundo de símbolos é indispensável a simbólica dos lábios, das palavras, dos rostos, mas também todos os gestos e todas as atitudes da dança, ritmando os movimentos de todos os membros." A Origem da Tragédia, p.49

154 homem deixou de ser artista para ser obra de arte: o poderio estético de toda a natureza, agora ao serviço da mais alta beatitude e da mais nobre satisfação do Uno primordial, revela-se neste transe, sob o frémito da embrieguez."547 5.3.1.2. A conciliação das estéticas apolínea e dionisíaca Contextualizadas as suas especulações acerca deste tópico nas leituras de Nietzsche548 que aliás cita, conforme se constata, tendo em consideração as diferentes citações que Almada faz do filósofo alemão, ao longo da sua obra escrita, logo desde início admitindo a força da sua presença: Quando entrei em casa, a seguir ao comício intelectual, abri o Zaratrusta, Frederic Nietzsche tinha, entretanto, escrito com o próprio punho: "Tu deves ser o martelo, eu puz o martelo na tua mão!" Para quê, Zaratrusta? para quê, o martelo?! "Pour cesser d'être des hommes qui frient, pour devenir des hommes qui bénissent."549

Almada refere-se à trama estética de Nietzsche expressa na Origem da Tragédia, denominando-a "A genial descoberta de Nietzsche na oposição Apolo-Dionísio" que se prestara a "agora ser esclarecida e servir plenamente com a descoberta da personalidade de Homero feita neste livro que tem por título Ver e foi começado com a pretensão de dar ao estético o lugar principal nos poderes humanos que dirigem os povos."550 Almada afirmava responder através dos escritos de Ver, ao desafio que Nietzsche lançara em 1870 com a mencionada obra em que irradicava a cultura e arte baseadas nos princípios apolíneos dominantes na história europeia durante séculos. Não será alheia a esta celebração de Nietzsche, a comum relevância que ambos autores atribuíam a Homero, designando-o o filósofo alemão como o poeta ingénuo, menção aliás trazida por Almada, para consolidar a sua posição relativamente ao poeta grego. Homero foi, segundo Nietzsche, o monumento vencedor sobre a perfeita ilusão apolínea: "Homero, artista

547Idem,

ibidem, p.45. Almada, Nietzsche era o símbolo, o representante por excelência, da Ciência, como "seu último mais genial cultor o alemão Frederico Nietzsche...""Ver I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.238. 549"A Reunião dos Novos — uma carta de José de Almada Negreiros em que este artista explica a sua atitude no Comício do "Chiado Terrasse" e onde se refere ao incidente com Leal da Câmara", (publicado in Diário de Lisboa, 21 de Dezembro de 1921), Artigos no Diário de Lisboa, p.66; está igualmente publicado este texto in Textos de Intervenção, pp.49-51. 550"Ver I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.238. 548Para

155 ingénuo."551 Acompanhando-se o percurso de Apolo, segundo Almada em Ver, para definir a antitetia relativamente a Dioniso, verifica-se que procurando captar "relações e analogias no mais vasto do mundo sensível, o visual, e não é para que fiquemos pelo curioso das coincidências, mas para que se veja que estas relações, coincidências e analogias estão desde a Antiguidade estabelecidas como princípios, fundamentalmente elementares. Todos estes princípios estão íntegros na lira que Homero pôs nas mãos de Apolo."552 Apolo é uma divindade a que Almada recorreu, quando definiu o simbolismo do número (através da qualidade simbólica da cada um dos algarismos), reconhecendo-o no quatro, e no sete, associado, em união a Hermes 553: tratase da unidade sensível-sagrado, significando os algarismos, o Todo do Universo. Outra das menções que Almada desenvolve de Apolo, relaciona-o com Diana, enquanto significam respectivamente o Sol e a Lua. Apolo é possuidor do arco de oiro, Diana domina o arco de prata; ambos filhos de Zeus e de Letha, simbolizam a Luz e a Escuridão.554 A forma geométrica comum a ambos, em termos de representação visual, é a esférica; em Apolo a forma é luminosa e activa porque masculino, em Diana é luminosa e passiva, porque feminina. Ambos cumprem a unidade fraterna que está colocada nos dois sexos: o falos e a cista. Por sua vez, a cista, o orgão feminino, por excelência simbolizador da herança feminina, era transportado em lugar principal, nas procissões sagradas, no âmbito do culto a Dioniso, "tanto cai à mulher como ao homem, como a herança masculina tanto cai ao homem como à mulher. Cada ser engendrado herda igual dos seus dois engendradores, aparte isto, herda apenas um dos sexos." 555 Dos dois gémeos, Apolo e Diana, apenas um será engendrador na sua herança, e 551"Dórico,

o cânone da ingenuidade", Ver, p.201. Nietzsche na Origem da Tragédia refere-se a Homero nos termos que seguem, a propósito das pessoas que pensavam "ter encontrado em Homero um artista desta espécie, um Emílio educado em plena natureza. Quando encontrarmos a "ingenuidade" na arte, reconheceremos o apogeu da acção da cultura apolínea..."(...) "Quão raramente atinge o artista essa "ingenuidade", essa total absorção na beleza da aparência! Admiramos o sublime inefável de Homero, porque o poeta foi para esta cultura popular apolínea o que o artista do sonho é para o sonho do povo e da natureza em geral." Op. cit., pp.53-54. Almada torna a citar a expressão introduzindo uma pequena variante quando escreve: "Homero é o exemplo do artista ingénuo", in "Mito-alegoria-símbolo", Ver, p.246 Em "Ver", Ver, Almada comenta o facto de Nietzsche ter considerado que "a questão homérica era um juízo estético e não uma questão histórica", cf. p. 233. 552"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.145 553"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.97 554"E um e outro revezam-se na luta eterna que ambos sustentam da herança paterna e materna, na qual, a Luz e a Escuridão, ambas invencíveis, irão até ao fim do Mundo como duas partes inteiras da engendração, a do Pai e a da Mãe, os dois engendradores." Idem, ibidem, p.104 555Idem, ibidem, p.104

156 será Apolo556, pois Diana morre virgem. Apolo engendrará Orpheu e terá cada um o seu presente.557 Apolo e Diana significam a concreção mítica do ciclo diurno-nocturno, o ciclo do tempo solar-lunar, em que a vida do humano decorre, à mercê dos deuses que os engendraram. Apolo está sempre presente com o seu carro do Sol, puxado por quatro cavalos. Apolo e Diana são o mundo, pois relativamente à Terra o Sol é metade Luz, é o dia, e a outra metade é Escuridão, a noite, ao mesmo tempo. E a Lua é metade Luz, a noite, e a outra metade Escuridão, o dia. São a conciliação, a unidade dos oposicionais, complementares. A transposição no indivíduo humano significa o tempo biface em que está: o quotidiano e o contínuo, mediato e imediato; está sempre no tempo biface, a Luz e a Escuridão, significando a Luz, a Verdade (Aletheia = o que não está escondido), mas que tem a sua natureza, por contraposição à existência da Escuridão que lhe reconhece presença. "O oculto da Escuridão (Letho, a obscura mãe de Apolo e Diana) está exactamente aqui na Lua, numa das suas quatro fases, a primeira, a sempre nova, a invisível."558 O sinal visual de representação é a Lua com os "cornos" para baixo, uma posição da Lua nunca vista por olhos humanos. Este sinal simétrico, a que já se aludiu anteriormente é a labris. Apolo é o visível, o natural visto; é o visível da inseparabilidade entre o sagrado e o sensível, é a simetria, a quadratura do círculo correspondendolhe como síntese. A virtude de Apolo é a Graça, virtude sensível e sagrada "que representa a ausência de atrito com toda a circunstância"559, o seu símbolo visual é a lira, imitadora da Luz do Sol. Apolo tornou-se o símbolo, pela Graça 560, da Poesia, ficando à cabeça das Musas, perpetuando o acto poético criador, engendrador. Apolo surge, na linha para a continuidade do humano, como primeiro termo, a que se seguem, primeiro Homero, depois Ésquilo, e Aristóteles que vai ao Cristianismo, desenvolvida a unidade grega, constituída pela semente, pela cultura e pela germinação: "A mais alta 556A

herança de Apolo, como engendrador tem transposição para o artístico, estético, concordando com a perspectiva nietzscheniana como se pode constatar: "O mesmo instinto que está personificado em Apolo engendrou realmente todo o mundo olímpico, e assim, neste sentido, Apolo pode ser considerado como um deus pai. Que necessidade foi a de dar a luz esta sociedade de criaturas olímpicas?" Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.50. 557"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.164 558Idem, ibidem, p.106 559"Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.126 560A Poesia significará segundo é dado pela afirmação de Almada, o produto do acto de civilização, simbolizado em Ésquilo, "o apolíneo, o apóstolo do universal, é o profeta do acto da civilização. Ele sabe que circunstância e universal, ambos, querem a Forma. Ele sabe que Forma é comum a circunstância e universal. Mas também sabe que toda a circunstância que deixou de ter como luz única o universal, deixou de existir, ainda que importune." Almada Negreiros, "Ver e a personalidade de Homero II", Ver, p.130.

157 personalidade humana será aquela que, em tudo o que cada um faça, sinta ou pense, ela estiver sempre presente a todo instante como se cada instante fosse toda a vida."561 A incógnita do futuro está na duração de dois cultos religiosos, respectivamente oferecidos a cada ano, a Apolo e a Dioniso: "Os mesmos dois cultos religiosos anuais a Apolo e a Dioniso, são a simetria e o transcendente.562 O transcendente é indubitavelmente o despertador dos longos letargos humanos, mas os marcos no caminho do Homem vão sendo postos em seguimento, pessoa a pessoa, pela simetria. Tudo o que se passou no mundo, se passa e se passará, é o desta dualidade humana da simetria e do transcendente."563 Apolo é "aquele que fere de longe", Dioniso é "o que não perde de vista nenhum caso humano".564 O culto a Apolo durava três trimestres e o de inverno pertencia a Dioniso. A contagem simétrica do tempo era composta pela paridade entre um e outro: a parte de Apolo no tempo era igual à de Dioniso. Apolo dispunha de três vezes da lira de três cordas — a lira do humano — e Dioniso outras três vezes da mesma lira. A diferença estava na presença eterna de Apolo que divergia da de Dioniso; ambos tinham o mesmo passado (ovo órfico), o futuro de ambos tampouco pode deixar de ser o mesmo, porque a inseparabilidade do sagrado e do sensível é a mesma e o único em ambos, de modo que divergem apenas no presente: o presente de Dioniso não é cumprido, embora exista (repetição de Orpheu e Euridice), enquanto o de Apolo será cumprido. "Daqui a serenidade de Apolo entre o passado e o futuro, e a fé presente de Dioniso no futuro. Orpheu perde o presente por olhar para trás, Dioniso perde-o por olhar para diante."565

561"Ver

e a personalidade de Homero II", Ver, p.146. Esta forma de conceber o início, continuidade e perpetuidade do humano, baseado nos termos míticos-antropomórficos leva a considerar o paradigma do humano como resultado da diversidade opositiva Apolo/Dioniso. 562Por transposição para o estético, esta ideia estava presente em Nietzsche quando este afirmava que; "a evolução progressiva da arte resulta do duplo carácter do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco , tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio das lutas que são perpétuas e por aproximações que são periódicas." A Origem da Tragédia, p.39. 563"Ver e a personalidade de Homero I", Ver, p.87. "Foi esta simultaneidade do simétrico e do transcendente na pessoa individual humana que ficou posta na pintura chamada cubista e renascida neste século, na metade sul do ocidente da Europa." 564Referindo-se aos quatro filhos mais queridos de Zeus, Almada qualifica-os segundo as suas características dominantes; relativamente aos outros dois, Atena é o autómato de ver e Hermes, aquele que liga o número. Cf. "Dórico, o cânone da ingenuidade", Ver, p.202. 565"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.176. Nas mãos dos humanos, a lira de 7 cordas, transforma-os ora em Orfeu, ora em Dioniso, mas raramente em Apolo: a lira sinal da continuidade do humano — passado, presente, futuro.

158 No facsímile de uma das folhas manuscritas de Ver, onde Almada anotou o "Trípode", sob o signo Sol surgem, Hercules, Apolo e Dioniso; 566também aí se constata que Almada atribuiu a Dioniso/Divino o algarismo 5, pertencendo o 4 a Apolo. Ao considerar o conhecimento acusmático, Almada continua a fazer corresponder a Apolo, o número 4, atribuindo o 8 a Dioniso, segundo a geração par. A esta diz respeito o Dionisismo e o Orfismo, correspondendo-lhes a ciência acusmática, precisamente; à geração do três, a do ímpar, pertence o Apolinismo e o Pitagorismo (Matemáticos ou homens da Ciência), sendo a criadora de Prometeu, a obra do homem. "A série dos números é o casamento do Céu e da Terra."567 Assim se estabelece o parímpar, resultando na unidade. A arte apolínea, a atitude de Apolo, majestática e desdenhosa, eternizou-se na arte grega, no seu modelo dórico (arte dórica e Estado dórico) 568 que Nietzsche apenas aceita como explicável enquanto resistência e reacção do espírito apolíneo, pois era uma arte de "tanta dureza e de tanta altivez, uma fortificação tão maciça, uma educação tão guerreira, um princípio governativo tão cruel e tão brutal."569 A arte apolínea foi concebida em consentaneidade com a figura de Apolo, a imagem divinizada do princípio de individuação570 que implicava a medida, "exigindo aos seus fiéis o respeito pela medida, e, para que conservem a medida, a autognose." 571 Segundo Nietzsche, o espírito apolíneo, celebrando as suas obras na aparência, que não é mais do que símbolo, não podia nunca exprimir perfeitamente a profunda intimidade do ser, pois era uma linguagem — símbolos. A arte apolínea demonstrava uma vontade, o que contrariava a concepção de sentimento estético, "que é puramente contemplativo e destituído de vontade" — perspectiva próxima da ideia de desinteresse estético em Kant; a vontade era precisamente o inverso do estético, era o inestético. 566Cf.

Idem, ibidem, p.168. Nietzsche, a propósito de Apolo e a sua ascendência substancializadora solar escreve que: "Em conformidade com a sua origem, o seu olhar deve ser "radiante como o sol"; ainda quando exprima o cuidado e a cólera, não deve desaparecer do seu rosto o reflexo sagrado da visão de beleza." A Origem da Tragédia, p.42. 567Cf. "Ver", Ver, p.216. A ideia do antropomorfismo divino a que correspondem a geração par e a geração ímpar, estabelecem o par-ímpar que não é sinónimo de fêmea-macho, pertencendo, segundo a abordagem desenvolvida in "Mito-alegoria.símbolo", quer Apolo, quer Dioniso à geração par. Cf. p.270. 568Esta concepção do dórico é absolutamente oposta à de Almada, quando considera o dórico, como o primado do cânone da ingenuidade. Confronte-se "Dórico — cânone da Ingenuidade", Ver, pp.189-200. 569Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.58 570O princípio de individuação era "o princípio pelo qual se cumprem os eternos desígnios do Uno primordial, a sua libertação pela luz, pela aparência, pela visão..."Cf. Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.56. A acepção conceptual deste princípio cumpre termos exigidos em Almada, mas não ultrapassa a sua limitação, na perspectiva nietzscheniana pois não ascende à concepção de visão com a dimensão que tomou em Almada, em que a visão encontra o cânone, a medida, não como disfarce, mas como verdade. 571Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.57

159 A arte dionisíaca, titânica e bárbara correspondia ao estado arcaico nos gregos, cujo paradigma da luta foi Prometeu: o herói teve de ser punido porque tinha ultrapassado a medida, a imposição. O castigo trouxe-lhe a revelação do espírito dionisíaco: "Ele devia ressentir algo mais: toda a sua existência, com tal beleza e medida, estava sobre o abismo escondido do sofrimento e do conhecimento, e o espírito dionisíaco vinha agora mostrarlhe o fundo do abismo. Mas vede: Apolo não podia viver sem Dionísios!"572 A partir dessa afirmação, o homem passou a esquecer-se de todas as suas medidas e dos seus limites, esqueceu-se de si próprio, "e caiu em pleno êxtase dionisíaco". A arte dionisíaca por excelência, a música, inebriava e "então oferece-se aos nossos olhares a obra de arte sublime e gloriosa da tragédia ática e do ditirambo dramático, como alvo comum de ambos instintos, cuja união misteriosa, depois de longo antagonismo, se manifestou dando à luz ao mesmo tempo Antígona e Cassandra."573 É a conciliação do pensamento de Almada e de Nietzsche, através da figura simbólica de Prometeu: "O Prometeu de Ésquilo é, (...), uma máscara dionisíaca, ao passo que, pelo sentimento, profundo de equidade (...), Ésquilo deixa perceber que é descendente atávico de Apolo, o deus clarividente, o deus da individuação e dos limites pelo espírito de justiça." 574 A tragédia grega significava a possibilidade de transcender o tempo, significava atingir o estádio estético, precisamente enquanto este, o fenómeno estético justificam o facto do próprio mundo existir eternamente. Prometeu como herói, protagonista directo da tragédia grega, estabeleceu a conciliação, pois possuía dupla natureza, a sua essência, apolínea e dionisíaca... O fenómeno estético, o estádio estético enquanto garantes da eternidade do mundo correspondem ao significado simbólico, quer da tese visual — antegrafia — de Almada, quer da persistência no humano do cânone, ou seja, entendidos como constituindo a linha de continuidade do humano, a eternidade do mundo, absorvido no Uno primordial, ou como diria Almada, na unidade do Todo. O homem só tem consciência dessa eternidade, dessa continuidade, "no acto de produção artística, e na medida em que se identifica com o artista primordial do mundo, é que o génio poderá saber

572Idem,

ibidem, p.57 ibidem, p.59 574Idem, ibidem, p.93. Quem libertou Prometeu do seu abutre foi precisamente a raça dionisíaca " e transformou o mito em arauto de sabedoria dionisíaca..."(p.96). Prometeu tornou-se no símbolo do conhecimento, aspecto privilegiado na interpretação que Almada tomou para o mito. Cf. Cap. II, 1ª Parte — “A convocação da Humanidade”, 2. "Prometeu - síntese da humanidade". 573Idem,

160 algo da essência eterna da arte; (...) o génio será então objecto e sujeito ao mesmo tempo, será simultaneamente poeta, actor e espectador."575 Tomando o conceito kantiano de sublime como ponto de referência, Nietzsche considerava que a arte tinha poder para transformar o "aborrecimento" do que de horrível e absurdo a existência possui, elaborando-o em imagens ideais de ordem sublime; o que acontece quando a arte mostra o domínio sobre o horrível. Os gregos tinham sentido o horror da existência, reagindo com esse instinto de viver, o mesmo instinto que era necessário para a arte, "o mesmo instinto gerou também o mundo olímpico que foi, para a "Vontade" helénica, o espelho onde ela via a sua imagem transfigurada."576 A ideia é expressa em Almada, quando este afirma que "para viver é necessário deixar viver: como se não acontecesse existência"577; quando impositivamente afirma que "Tu nunca serás o teu próprio advento. Por conseguinte não percas tempo: vive — deixa tudo pronto para que o teu advento se faça."578 O que permitiria cumprir este desígnio era realizar o instinto mais forte do homem, o da continuidade, através da obra. Se não fosse o castigo da cronologia, se não fosse a história, o homem estaria na conveniência da existência, a continuidade estaria cumprida por um eterno presente; assim, tendo-lhe atirado à cara com a existência, houve que transcendê-la pela arte trágica.579 O drama era, segundo Nietzsche, a "representação apolínea de noções e de influências dionisíacas…" 580 Na arte trágica, Dioniso surgiu sob diferentes máscaras, numa pluralidade de figuras de heróis, ficando enredado simultaneamente nas "malhas da vontade"; manifestando-se através de palavras e actos, estava exposto ao sofrimento e ao erro, sujeito também ao desejo, e foi Apolo, com precisão e clarividência, "intérprete dos sonhos, que revela ao coro o seu estado 575Idem,

ibidem, p.66 ibidem, p.52 577"Didacticon", Ver, p.68. Almada destinava ainda a acção irrefutável do homem: "O gesto da existência, apaga-o..."Cf. p.68. 578Idem, ibidem, p.67 579CF. Idem, ibidem, p.69. Nietzsche, acerca da força do estético afirmava: "quanto mais observo que na natureza os instintos estéticos são omnipotentes e que é irresistível a força que os obriga a objectivarem-se na aparência, tanto mais me sinto inclinado a admitir a hipótese metafísica de que o Uno primordial e verdadeiro Existente, eternamente sofrendo as suas íntimas contradições, necessita, para sua perpétua libertação, tanto da visão encantadora como da aparência jubilosa; e admito também que, completamente integrados nesta aparência de que somos dependentes, devemos concebê-la como absoluta Inexistência, quer dizer, como perpétuo devir no tempo, no espaço e na causalidade, ou, por outras palavras, na realidade empírica." Cf. Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.55 580Nietzsche, A Origem da Tragédia, p.83 576Idem,

161 dionisíaco por esta aparência simbólica.(...) Do sorriso deste Diónisos nasceram os deuses olímpicos; de suas lágrimas os homens."581 Tomando emprestados os termos de reflexão pessoanos, entender-se-ia o princípio apolíneo como definidor de uma estética de radicação aristotélica e o dionisíaco de consignação não-aristotélica, de acordo com o posicionamento teórico de Álvaro de Campos. A primeira fundada no conceito de beleza, a segundo no conceito de força.582 Almada conciliou — em unidade — os dois fundamentos, o apolíneo e o dionisíaco (o aristotélico e o não-aristotélico), reconstituindo o Todo da Arte, na medida em que recorre a elementos afectos a um e outro princípios, gerindo a sua dicotomização em prol dessa mesma unidade; a Beleza conciliada de ambos princípios está no número, no retorno fundamentador à estética esotérica da escola pitagórica. 5.3.2. Domínio estético-metafísico O Belo como categoria estética é na ordem do ideal, do absolutamente perfectível, dominando uma perspectiva aristotélica 583, que Almada radica, necessariamente, na "imitação da natureza", não como análise da natureza, não como cópia da natureza, mas como síntese, perfeição ideal tendendo para a exactidão, sinónimo de "perfeição oposta à natureza". O exacto e o perfeito convergem um para o outro, entre ambos estando o belo, o belo que é o perfectível. O belo, sendo exacto e perfeito, cria o novo, cria o simples, despindo a natureza, pois "a nudez na natureza é o simples no belo. A natureza e o seu oposto que a "imita" só criam nus e simples." 584 Na natureza tudo nasce apenas individualmente, pelo que tudo nasce nu, trazendo a sua própria florescência individual. O belo não se limita ao estético, que corresponde apenas a uma quarta parte do belo, com as outras três: o ético, o lógico e o religioso. O belo não se limita ao estético, nem o sagrado ao religioso. Implicam-se as quatro partes. Visualmente, o belo corresponde ao número formado pelos quatro ângulos rectos no círculo perfeito: o bom, o 581Idem,

ibidem, pp.94-95. poder formular uma estética baseada, não na ideia de beleza, mas na de força — tomando, é claro, a palavra força no seu sentido abstracto e científico; porque se fosse no vulgar, tratar-se-ia, de certa maneira, apenas de uma forma disfarçada de beleza." Álvaro de Campos, "Apontamentos para uma estética nãoaristotélica", Obras de Prosa, p.240. A força entendida por Campos nesta acepção cumpre um princípio vitalista, de energia, de força vital relacionada com o factor de actividade inerente à acção do artista, o que se articula com a perspectiva almadiana como se afirmou anteriormente. 583Cf. supra, neste mesmo cap., alínea respeitante à Arte e Natureza. 584Cf. "A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.181 582"Creio

162 verdadeiro, o formoso e o santo. Os quatro são de dois modos, cognoscível, exacto, e incognoscível, perfeito.585 Os quatro formam a unidade no belo que é indivisível, conciliação do quadrado e do círculo, justapondo-se ao uno "as divisões do quadrado e as do círculo, o que não é o mesmo que dividir o uno. Para entendimento do que seja antropomorfismo é necessária esta ficção, a legítima ficção (humana ou divina): a prévia justaposição do que é intangível."586 O intangível é representado visualmente pelo ponto e pelo círculo, alfa e ômega, abrangendo tudo o que lhe seja intermédio: define o sagrado. "O Belo é o caminho próprio da personalidade humana individual e de mais ninguém. Não ignoram que só em mãos individuais cabe o Belo e que só no Belo cabe a invencível Simplicidade."587 O Belo como qualidade do Todo é o verdadeiramente profundo, por sua vez o profundo é o mais simples. Na obra criada pelo homem, sujeita ao seu desejo de criação, perfeito e simples588 são a mesma coisa, "um único que tem estas duas faces e três idades: exacta, bela e perfeita. Estas duas faces e estas três idades são as da unidade sensível."589 O simples em si também é belo, na medida em que é belo exacto e perfeito, portanto é útil 590, o que pode verificar mediante a sua transposição — simbólica — visual: "A diferença que o quadrado faz do círculo onde está inscrito é a mesma que faz o exacto do belo, sendo o quadrado o exacto e o círculo o belo; e a diferença que o círculo faz do círculo e do quadrado juntos, é a mesma que o belo (o círculo) faz do perfeito (o quadrado e o círculo circunscrito). De modo que o quadrado é o

585

Cf. Idem, ibidem, pp.182-183 para a visualização do mencionado acima. lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.184. Almada considerava que, numa perspectiva ontoantropológica: "O belo é, ultrapassado o cognoscível, o ideal perfeito que traz consigo o símbolo da vida e da harmonia na saúde, hoje, no presente, na actualidade da inseparabilidade eterna do sagrado e do sensível." 587Idem, ibidem, p.172. "É todo este estratagema invisível da Graça e do Génio , do Belo e da Simplicidade , o que torna possível à personalidade humana individual vencer o salto visível do abismo, estabelecer continuidade vital do finito para o infinito, do seu ser engendrado para a criação da sua própria personalidade humana individual, a criação da presença da sua própria liberdade pessoal. a única a Liberdade." 588Relativamente à qualidade de "simples", relacione-se com o âmbito que Edgar de Bruyne lhe reconhece ao tratar a questão no quadro da estética medieva, e que se pode transpor para a perspectiva de Almada, quando o filósofo refere que "la percepción da las relaciones más simples explica los placeres más profundos de la belleza: los primeros números son los que, reunidos en relaciones fundamentales que se proyectan en el tiempo y el mundo de los movimientos o en el espacio y en el mundo visible, crean todo aquello que llamamos consonancia, orden, coadaptación, concordia, acorde, armonía, belleza." Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, p.71 A simplicidade é a profundidade, é a medida, é portanto qualidade constitutiva do próprio número. 589"Ver", Ver, p.43 590Ideia consentânea aos princípios da estética socrática. 586"A

163 exacto, o círculo o belo e o quadrado inscrito sendo, estes dois, os dois primeiros Todos."591 Na estética hermética, a representação geométrica do Belo é o círculo — símbolo da perfeição, do Todo. O quadrado inscrito, como se sabe, representa o domínio do sensível, faz parte do sagrado, mas não o abrange na totalidade, não cobre o círculo, embora sensível e sagrado sejam de essência comum, na sua inseparabilidade permitida a distinção de cada um. O sensível embora da mesma essência, não tem o idêntico poder dentro da mesma essência: distingue-se o que é cognoscível592 ( o quadrado) e o que é incognoscível (o círculo que excede o quadrado) está dentro do inteligível e inseparável do cognoscível no uno. O círculo é, simultaneamente, o Todo, o logos e o sensível, representando-se as três ocasiões do logos (o Bem, o Belo e o Justo) através: do quadrado inscrito no círculo; da diferença que o quadrado faz do círculo; do círculo — portanto cada uma das ocasiões está representada pelo círculo, pelo que são quatro vezes o mesmo círculo: o Todo e os três momentos diferentes do logos. O Todo é a unidade comum, sendo anterior a cada uma das unidades constitutivas da unidade. Por sua vez, estes elementos representam respectivamente: — O conhecimento que está seguro no quadrado em referência ao Todo; — O conhecimento que sobre o seguro do quadrado se adivinha já no Todo; — O conhecimento do Todo.593 Em termos de representação, passando das figuras planas às sólidas, Almada considera apenas a única figura simbolizadora do belo em unidade, ou seja, a esfera que circunscreve um cubo, sendo a parte visível — no plano visual — o círculo. Num único sólido estão contidos, o Belo e o Simples 594, o Profundo e o Perfeito, e o Exacto, Belo e Perfeito, ao que corresponde na Filosofia, respectivamente, o Bem, Belo e Justo. O Bem, Belo e Justo são conhecimento sensível. O Bem é anterior ao Belo, o Belo é anterior ao Justo, e anterior ao Todo, apenas a Causa. A quinta unidade universal é cada caso

591"Ver",

Ver, p.43 cognoscível é a aprendizagem, o andaime da obra, é o homem; o incognoscível é onde a obra está pronta, é o homem livre. No cognoscível está o exacto e no incognoscível, está o perfeito. Cf. Almada Negreiros, "A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.186. 593Cf. "Ver", Ver, p.55 594"Chamamos Simples o que é visível na esfera e Profundo o que na esfera nos fica invisível. As ocasiões do logos , Bem, Belo e Justo, representado cada um pela esfera, tomando nesta cada momento retrospectivo, e considerando o que cada um a uma simultaneidade do Simples e do Profundo. O Bem, o Belo e o Justo é cada um simultaneamente Simples e Profundo." Almada Negreiros, "Ver", Ver, p.56. 592O

164 pessoal — a Ocasião. A "Ocasião dá entrada no conhecimento sensível à acção, portanto pessoal."595 Com este modo de tomar a parte visível da esfera e a visível mais a invisível, se estabelece a reciprocidade do Simples e do Profundo, exoteria e esoteria, e bem evidente fica ser o visível a única maneira de ir dominar o invisível.596

O belo é um terceiro momento do inteligível, sendo o primeiro o saber — património comum do conhecimento do homem; o segundo é o conhecimento propriamente dito — saber comum captado por cada personalidade individual; o terceiro é o belo, vivido o saber e o conhecimento, cumpre a catarsis. A catarsis do belo acontece é à terceira vez que o homem nasce, por analogia veja-se o caso de Antunes, a primeira vez, nasce pela mulher, a segunda vez, nasce graças à intervenção da maiêutica (Sócrates) e finalmente, a terceira vez, dá-se ele próprio à luz, vivencia-se em experiência estética. É a vez do nascimento sagrado. Por conseguinte, o lógico (verdadeiro), o ético (bom), o estético (formoso) e o religioso (santo) são os universais da personalidade humana, iguais no sagrado, no sensível e no belo.597

Na unidade dos quatro, surge um quinto, que é o perfeito, concretizado pela unidade dos oposicionais constitutivos: o sujeito e o objecto contrabalançamse em igualdade simétrica. O bom é igual ao mau; o verdadeiro é igual ao falso; o formoso é igual ao feio; e o santo é o contrário exclusivo do herege. De modo que, respectivamente, o ético, o lógico, o estético e o religioso têm cada um quatro iguais — opostos —, três que vão completar a sua personalidade no Uno e aquele que no Uno joga a sua própria personalidade — o domínio do belo, o achado do belo. O Uno é a integridade do objecto e a personalidade do sujeito; a integridade é precisamente "a diferença que

595"Ver", 596Idem,

Ver, p.55 ibidem, p.44. Almada apresenta a enunciação dos termos mencionados, segundo a visualização que

segue: "A leitura sensível da esfera fica: A parte visível da esfera..................................Simples A esfera.......................................................Profundo O cubo invisível inscrito na esfera....................Exacto A parte visível da esfera..................................Belo A esfera........................................................Perfeito" 597"A lira, primado da Luz, primado da vista", Ver, p.188

165 cada um faz do outro, de outros e de todos os objectos ou de outro, de outros e de todos os sujeitos."598 A Beleza é a forma, é a multiplicidade unificada que o Todo exige. A concepção de Beleza concordante com a postura estética de Almada tem de ser uma Beleza assumidamente idealizada, baseada na aplicação do cânone, configurando-se na superação formal das próprias coisas existentes que transcende. A Beleza — em termos conceptuais reguladores da praxis artística — implica a harmoniosa relação entre os elementos que se encontram em relação, essa relação simples, exacta e perfeita, proveniente dos primeiros números: a partir da relação estabelecida entre par-ímpar. Os números ímpares são derivados da unidade, "son el princípio de la identidad, de la indivisibilidad, de la simplicidad, de la igualdad, de la constancia, de lo total y de lo viril, la dualidad y los números pares que de ella resultan, son el principio de la multiplicidad, de la divisibilidad, de la composición, de la variedad indefinida, de la fluidez, de la ligereza móvil, de lo feminino." 599 A quantidade subsumia-se na qualidade, e as formas belas são aquelas em que esta ordem e harmonia se exigem em justa proporção e simples assunção dos termos antitéticos para a unidade. As relações imutáveis que Almada tanto procurou na demanda do seu pitagorismo remanescente, garantiam-lhe a constância, a permanência do sentido da relação que constituía a Beleza, na medida em que, esta Beleza se fundava no mundo imaterial dos Números, mundo esse, cujos princípios são da maior simplicidade e pureza, inundando tudo, de uma forma que depende do facto do homem ter dupla dimensão sensível e sagrada — unidade estética. A Beleza artística ultrapassa o mundo da beleza natural, da beleza corporal, transcende igualmente a beleza moral, pois é beleza expressiva do indivíduo pessoal humano, nascendo da sua vontade e através do acto deliberado para criar. A Beleza é de ordem sensível, de ordem lógica e na ordem estética que lhe conforma a unidade. Almada não procurou estabelecer uma linha de anterioridade entre a estética, relativamente ao lógico; em vez de estética ele afirmou o sensível como anterior, em universalidade, criticando a pretensão do lógico pretender ter antecedido a estética. "É claro, por conseguinte que se separa o "sensível" do "estético", fazendo entre estas duas palavras a mesma distinção que fazem 598Idem,

ibidem, p.187. A igualdade, segundo Almada a entendia era a oposição, oposição realizada entre iguais, que exige que não sejam contrários, mas opostos possíveis de estabelecer essa igualdade. 599Edgar de Bruyne, La Estetica de la Edad Media, p.72

166 alma do espírito. O "sensível" a alma, o "estético" o espírito. Ora a alma pode viver sem espírito; o espírito é que não pode existir sem alma." 600 Manifesta a concatenação entre os termos, antes do estético já existia o sensível, pois "A Estética (em grego: sentir) já é uma ciência, a ciência do sensível."601 Em Ciência não era necessário haver precedência, ou prioridade de uma sobre outra, pelo que não se pode afirmar a prioridade do conhecimento sensível relativamente ao lógico, coincidentes na tese primado do visual, na história da humanidade, anterior à conceptualização da história.

600"Ver

I o sensível e o sagrado II o estético ou a teoria", Ver, p.224 ibidem, p.224

601Idem,

167 6. Conclusão I Na actualidade perdem-se na disparidade conceptual as definições de Arte e Estética; quase aguentam qualquer especulação, parcial e comprometida, sem que a sua existência ou legitimidade sejam afectadas. Após quase um século em que se inventaram princípios subjectivistas e se anularam dogmas e ortodoxias — na theoreia e na praxis — sobre os discursos da Estética e das Teorias sobre a Arte, a presente sistematização das ideias almadianas sobre esta disciplina e sobre esta realidade, não soluciona de forma restritiva, tudo o que, de outro modo, e por outra pessoa, poderia ser uma sistematização alternativa, fundamentada, por sua vez, noutras convicções ou princípios. As reflexões de Almada constituem um pensamento original, devidamente consistente, de acordo com os parâmetros em que assimilou a diversidade de explanações sistemáticas de outrém, conciliadas na confirmação da sua tese basilar e rentabilizando todos os elementos que contribuem para a enunciação da sua doutrina. A organização dos elementos substanciais do pensamento de Almada sobre Estética e Arte focam-se sempre na pessoa individual humana como princípio estético; incidem em Ver como categoria estética. A sua Estética é uma estética de predominância antropológica, edificada sobre uma fundamentação filosófica complexa, herdeira legítima da tradição históricofilosófica europeia, a cujos autores Almada apreendeu o fundamento dos fundamentos, designadamente, a tradição hermética ocidental. Na fase de juventude, a Arte, segundo Almada Negreiros, pretendeu ser um valor absoluto; personificou a manifestação e acto de ruptura, adequadas às circunstâncias da época; entendeu-se meio de acção sobre a colectividade; foi exercício privilegiado da elite intelectual. Almada ele-próprio protagonizou o fenómeno artístico, realizou a performance pessoal como acto artístico e a sua criação significou vivência estética subjectiva. À intenção interventiva nos planos cultural e artístico, cedo agregou a consciência ético-social de promover uma missão civilizadora, recuperadora do sentido de colectividade nacional, do retorno ideológico à Pátria em ascensão — que se efectuaria no reencontro do caso tópico português ao tempo do século na Europa do Mundo. À semelhança da utopia futurista,

168 Almada ele-mesmo simbolizou na sua praxis assunção revitalizadora da Pátria mítica.

poética e escatológica, a

Depois, a Arte continuou a desempenhar a recuperação da identidade nacional que a maturidade exigia de profunda e simbólica incorporação na identidade pessoal, decorrente da presença do colectivo no universal. A Arte foi convocada com um sentido de responsabilidade acrescido pelo desencanto das movimentações artísticas específicas que, afinal, viam exaurida competência e arrojo. À Arte pertencia a missão social que não podia confundir-se com a submissão a valores e imposições alheias, designadamente, por parte de convencionalismos intelectualistas ou compromissos políticos que a afectassem. Para que a acção do artista pudesse corresponder à nobreza da intenção, Almada esclareceu o fundamento da sua própria actuação, enunciou-lhe os termos do seu relacionamento à colectividade, impôs-lhe a consciência cívica e virtuosa que a paideia implementara como directriz imprescindível à valorização do homem na polis. Os círculos concêntricos expandiam-se e retraiam-se, em sístole e diástole, entre a projecção para todos e o retorno a si mesmo, em demanda da pessoa genuína — pelo acto e experiência estética, geradora da obra —, capaz de concentrar esforço unânime na criação. Depois ainda, tendo a Arte recuperou a consciência do domínio universal — tal como na cosmogonia — pela demanda da Criação como Todo, Ordem e Número, consignando-os princípios para o tempo presente, numa modernidade que se vivificava no arcaico. Assim se explica que a Arte possuísse o genuíno sentido do individuado no colectivo, assumisse um significado estético perpetuado na comunhão visual — visível e invisível. Possuia um significado universal baseado no princípio de continuidade do humano que era e é da humanidade, permitindo o entendimento a todos. O significado da continuidade no humano, sendo da competência de cada um, revelado pela cegueira mítica de Homero depois de ter visto tudo — equivalente à assunção e/ou desocultamento ontológico — apropriou-se e fixou-se no estado de ingenuidade. O conceito de individual/pessoal implicando o conceito de humanidade/universal, incluía o conceito de nacionalidade radicado, por sua vez, no significado da história. Corresponde esta concatenação, numa perspectiva sistémica, não apenas à leitura diacrónica da definição de Arte como Todo em Almada, mas igualmente à pragmática da própria definição, à consentaneidade do artista-criador e do pensador sobre Arte e Estética.

169 Almada fez a síntese das "suas" referências da história da estética, situando o seu paradigma na proximidade da estética platónica — e suas revisitações neoplatônicas — que incorpora a estética do número (pitagorismo), a estética da luz (teofania estética) e a estética do símbolo (mitificação estruturada). Partindo deste pressuposto há que contrariar a vinculação dogmática, pois se verifica que cada uma das três vertentes em Almada possui uma circunstância inclusiva específica e capaz de autonomia, designadamente, devido à superação dos símbolos para aceder ao sinal que se lhe apresentava como a presença verdadeiramente constante na humanidade. A categorização estética do Belo dirigia-se em Almada para a aceitação nítida da concepção idealizada, superadora do Belo natural, pelo primado do cânone como sinónimo de perfeição ideal. O Belo assim concebido, implicava a consciência da unidade prevalecente, caracterizando a obra como Todo. A conciliação manifesta na sua obra, traduziu-se na resolução de diferentes termos antitéticos, por analogias sucessivas: par-ímpar, homemmulher, sagrado-sensível, religioso-estético…, resultando sempre na apologia da unidade, perspectivando-se no domínio teleológico da Arte em si. A Arte foi terreno fértil, porque sensível e sagrada, para manifestar a conciliação das oposicionalidades existentes — em termos conceptuais e praxísticos também — paradigma para a conciliação na pessoa, e pela conciliação da pessoa, a conciliação do Humano. O conceito de pessoa culmina no acto estético do desocultamento, propiciado pela Poesia como Criação. A obra criada — constituidora da Arte — pertence ao Todo, realiza a Unidade que é a Vida. A compreensão que Almada promoveu acerca da Estética como disciplina independente e una, incide na responsabilidade ética do artista para com o público, promovendo-lhe a capacidade de experenciar-se no sentido estético, quer do objecto artístico, quer pelas especulações teorizadoras. As considerações mais exigentes, as que se lhe afiguravam imprescindíveis, dirigiam-se a pessoas, ao público denominado que solicitava a sua recepção estética. A ideia fundamental baseava-se, ao nível de uma semiótica visual, na possibilidade de propiciar a interpretação do conhecimento e da informação, a assunção de opiniões, latentes nas suas produções. Implicada a dimensão sagrada em cumplicidade com a dimensão sensível, a produção da obra de arte — icónica ou verbal — significava a continuidade e persistência do acto; traduziu-se na primazia da acção sobre a passividade do humano, em aparência e normatividade matriciais.

170 II A reinvenção na contemporaneidade do século XX de ideias e utopias, — crise humanista e contaminação estética —, aparentemente distanciadas da factualidade mediática exacerbada pelos artistas mais avançados, veio confirmar Almada como visionário no cenário português neste fim de século, quando a tendência de pluralizar o entendimento geral e abranger em acto de comunicação genuíno o Universo foi reencarnada em Mito, não apenas como procedência, mas como impacto no contexto em que é vivificado no presente. A análise cíclica da História que Almada retomou para de ímpeto optimista superar a crise da nacionalidade, garantia a comunicação entre as gerações — a herança grega sedimentada pela vontade e intencionalidade invocadora de deuses, heróis, números ou regras comuns da visão utopista do homem a transcender-se na criação, na poesia. Almada, na plena vivência do saber genuíno dos gregos, procedeu na conformidade às suas estratégias e especulações, fundamentando-as em autores paradigmáticos e convenientes: a ideia motriz que cumpriu à sua maneira, pela obra e pelo acto coincidia no tempo presente com a Memória do Esquecimento. A topografia dos paradoxos em Almada resolvia as asserções especulativas, recriando a atitude do grego que "depois de descoberta a verdade vestia-a de símbolo, brincava-a em enigma, e levava, genialmente este enigma com toda a Arte até ficar com uma aparência oposta à evidência."602 Almada foi um decifrador de enigmas, e nos casos em que a evidência era inquestionável, transformou-a em mistério, para lhe encontrar sinal comum de entendimento. Daí a necessidade psicoafectiva do mito, a empatia com a via iniciática que, do solipsismo convencional, se estendia à universalidade da comunhão do artista como educador informal, desbravador de ideias para os outros descobrirem. O seu empenhamento ético articulou as disciplinas convocadas para a elucidação dos seus dogmas pessoais com a missão educacional, porventura pedagógica constante. Concretizou a sua actuação em asserções aforísticas, fragmentárias e recorrentes. A natureza do seu discurso adequava-se mais à gestualidade da comunicação pública da sua presença no social, do que o 602““Quem era

Homero?”, Diário de Notícias, 16 Janeiro 1944

171 rigor e progressividade epistemológica, a racionalidade discursiva para a expressão escrita sistematizadora.603 A impetuosidade e convicção das suas teses, a reconversão do pensamento em função de uma pragmática estéticoantropológica movimentou-o numa construção permanente e interminável, à semelhança da constância e continuidade que anunciava persistir na humanidade de todos os tempos. Nesse caminho, que disse ter percorrido quase toda a vida por símbolos, esgotou-se e esgotou-os. Precisou experimentar a estabilidade da "perpétua actualidade"; quis a constância que os símbolos, enquanto produtos epocais, não garantem. A sua necessidade de fixação cronológica, universal, transcendeu as restrições de época ou de história restrita; ou seja, interessava-lhe a Humanidade, convocação unânime da Vida, interessava-lhe o sinal, porque constante, porque transcendendo tempo, espaço e gente. O sinal que encontrou, desvelado pela genuinidade, mais do que pela ingenuidade, tinha expressão escrita e visual. Enquanto escrita, foi enunciado de acordo com o Esquecimento e com a Memória, na doutrina esotérica da Estética em ver. Enquanto visual, foi gravado, intocável nos traçados geométricos, no número, que, segundo Kant — evocado por Almada em Começar , por sua vez citado de Alain — cada um tem de conceber por si mesmo para todos. Os procedimentos investigativos a que recorreu para legitimar as suas suspeitas, intenções ou certezas, não foram pacíficos em termos metodológicos para os academicismos ortodoxos. O próprio Almada se orgulhava — parece-me — de ser "o pior dos investigadores. E se eu tenho algum mérito, é este: fiz uma "especulação"! Uma única!" 604 A especulação, como se sabe. fazia movimentar o conhecimento e a própria Humanidade no Conhecimento — iniciático, hermético, preensivo ou ingénuo. Movimento que não impedia a fixação deliberada, a instauração duma dimensão, de uma ordem desocultadora da identidade que torna premente a criação: criação múltipla que não se esgotou, numa ou outra forma de Arte, mas que via a Arte como Todo, porque "o que me interessa é o espectáculo! Espectáculo quer dizer Ver!"605

603O

formato estilístico, de confronto com a textualidade plural, engendradora de uma lógica muito pessoal, manifesta na recursividade assumida, impregnava a emissão para outrém, incorporava-se no pensamento pelo excesso, pelos movimentos de retorno, pela progressão subvertida das ideias em processo. 604Almada citado por Manuel Varella in “O que me interessa é ver”, J.L., 6 Abril 1993 605Idem, ibidem

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179 COELHO, Nelly Novaes — Linguagem e ambiguidade na ficção portuguesa contemporânea", Colóquio (Letras), nº12, 1973, pp. 68-74 COLÓQUIO (Letras) — Modernismo e Vanguarda, Cadernos nº 2, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 CRUZ, Liberto — "Viragem no romance português", Arquivos do Centro Cultural Português , vol. III, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, pp.616-632 GARCIA, Mário — "A Arte de ser português de Teixeira de Pascoaes", Brotéria, vol.119, nº23, 1984, pp. 164-180 JÚDICE, Nuno — "Entre o Modernismo e a Modernidade", Expresso, 6 Fevereiro 1993 LISTOPAD, Jorge — "Futurismo Póstumo", J.L., 17 a 23 Julho 1984 LOPES, Teresa Rita — "Pessoa, Sá-Carneiro e as três dimensões do Sensacionismo", Colóquio (Letras), nº 4, 1971 PICCHIO, Luciana Stegano — "Marinetti et le Futurisme mental des portugais", La Méthode Philologique - I - La Poèsie, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, pp.305-331 RODRIGUES, Angela Varela — "O poema em prosa na literatura portuguesa", Colóquio (Letras), nº56, 1980, pp. 23-34 SÁ, Cristina Manuela — "Modernismo, Orpheu, Presença e outros...", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 SANTOS, Carlos Oliveira — "Petrus: por dentro do século", J.L., ano IV, nº90 - 27.03. a 02.04. 1984 SARAIVA, Arnaldo — Encontro dos encontros, Porto, Paisagem ed., 1973 (artigo publicado no Jornal do Fundão)

3.2. Livros e Catálogos ACTAS do Colóquio Fernando Pessoa e a Europa do séc. XX, Porto, Fundação de Serralves, 1991 ACTAS do 1º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos e Brasília ed., 1979 ACTAS do 2º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, Centro de Estudos Pessoanos e Brasília ed., 1985 ACTAS do IV Congresso Internacional de Estudos Pessoanos - secção brasileira, I e II vols., Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1990 ALMEIDA, Bernardo Pinto de — Pintura Portuguesa no século XX, Porto, Lello&Irmãos, 1993 ALVARENGA, Fernando — A Arte Visual Futurista em Fernando Pessoa, Lisboa, Ed. Notícias, 1984 — A Socialização da Arte em Fernando Pessoa, Porto, Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 1984 ALVES, José da Felicidade — Introdução ao Estudo da Obra de Francisco de Holanda, Lisboa, Livros Horizonte, 1986

180 ALVES das NEVES, João — O movimento Futurista em Portugal, Porto, Divulgação, 1966 AMARANTE, Eduardo — Portugal Simbólico, Lisboa, Nova Acrópole, 1991 BALTÉ, Teresa — Hein Semke - A coragem de ser Rosto, Lisboa, INCM, 1989 BARATA, José Oliveira — História do Teatro Português, Lisboa, Universidade Aberta, 1991 BLANCO, José — Fernando Pessoa, esboço de uma Bibliografia, Lisboa, INCM e CEP, 1983 CHAVES, Joaquim Matos — Santa-Rita - Vida e Obra, Lisboa, Quimera, 1989 COSTA BARRETO (Ed.) — Estrada Larga, 3 vols., Porto, Porto Ed., s/d. CRUZ, Duarte Ivo — Introdução ao Teatro Português, Lisboa, Guimarães Ed., 1983 — Introdução ao Teatro Português do século XX, Lisboa, Espiral, s/d FERNANDES, José Manuel — Arquitectura Modernista em Portugal, Lisboa, 1993 FRANÇA, José-Augusto — António Pedro, Lisboa, Artis, 1970 —A Arte em Portugal no século XX, Lisboa, Bertrand, 1985 — A Arte e a sociedade portuguesa no séc. XX, Lisboa, Livros Horizonte, 1980 — Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Ed. Inquérito, 1972 — Amadeo de Sousa-Cardoso, Lisboa, Artis, 1960 — Cem Exposições, Lisboa, INCM, 1982 — Da Pintura Portuguesa, Lisboa, Ática, 1960 — Eduardo Viana, Lisboa, Artis, 1969 — O Modernismo na arte portuguesa, Lisboa, INCM, 1980 — Oito Ensaios sobre Arte Contemporânea, Lisboa, Europa-América, 1967 — Os Anos vinte em Portugal, Lisboa, Presença, 1993 — Os quadros da Brasileira, Lisboa, Artis, 1973 — Pintura Portuguesa Abstracta em 1960, Lisboa, Artis, 1960 — O retrato na Arte Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1981 — Situação da pintura portuguesa, Lisboa, Ática, s/d. GARCIA, Mário — Teixeira de Pascoaes, Braga, Livraria Cruz, 1976 GOMES, A.Sousa — O Simbolismo no Políptico de Nuno Gonçalves, Lisboa, Imprensa Moderna, 1932

181 GONÇALVES, Rui Mário — Arte Portuguesa 1992, Köln, Vista Point Verlag, 1992 — 100 Pintores Portugueses do século XX, Lisboa, Pub. ALfa, 1986 — Pintura e Escultura em Portugal, Lisboa, INCM, 1983 GUIMARÃES, Fernando — Conhecimento e Poesia, Porto, Oficina Musical, 1992 — Linguagem e Ideologia, Porto, — Os Problemas da Modernidade, Lisboa, Presença, 1993 — Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, Lisboa, INCM, 1982 LAMBERT, Mª de Fátima — Acerca das tendências da Escultura portuguesa actual, Stª Mª da Feira, Museu Municipal, 1996 LOPES, Óscar e SIMÕES, João Gaspar — História da Literatura Portuguesa III, Lisboa, Estúdios Côr, 1973 LOURENÇO, Eduardo — Fernando Pessoa revisitado, Lisboa, Moraes ed., 1981 MACEDO, Diogo de — Amadeo Modigliani e Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Panorama, 1959 MARINHO, Mª de Fátima — O Surrealismo em Portugal, Lisboa, INCM, 1987 MENDES, João — Literatura Portuguesa IV, Lisboa, Verbo, 1979 MENDES, Manuel — Francisco Smith, Lisboa, Artis, 1962 — Jorge Barradas, Lisboa, Artis, 1962 NEVES, João Alves das — O movimento futurista em Portugal, Lisboa, Livraria Divulgação, 1966 PAES, Sellés — Da Arte moderna em Portugal, Lisboa, Panorama., 1962 PAMPLONA, Fernando — A Chave da Pintura de Amadeo de SouzaCardoso, ideias estéticas de Amadeo de Souza-Cardoso através das suas Cartas inéditas, Lisboa, Guimarães Ed., 1983 PEREIRA, Paulo — História da Arte Portuguesa, vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995 PERNES, Fernando — Emmérico Nunes, Lisboa, Galeria Espaço, 1973 PESSOA, Fernando — Livro do Desassossego, 2 vols., Lisboa, Ática, 1982 — Obras em Prosa, Rio de Janeiro, Ed. Aguilar, 1982 — Páginas de Doutrina Estética, Lisboa, Ed. Inquérito, 2ªedição, s/d. — Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária, Lisboa, Ática, 1973 — Páginas Íntimas e de auto-interpretação, Lisboa, Ática, 1966 — Textos de Crítica e de Intervenção, Lisboa, Ática, 1980

182 — Textos Filosóficos, 2 vols., Lisboa, Ática, 1968 PINA COELHO, António — Os Fundamentos Filosóficos na Obra de Fernando Pessoa, 2 vols., Lisboa, Verbo, 1971 PORTELA, Artur — Salazarismo e artes plásticas, Lisboa, INCM, 1982 REBELO, Luiz Francisco — História do Teatro Português, Lisboa, EuropaAmérica, — O Teatro Simbolista e Modernista, Lisboa, ICP, 1979 RÉGIO, José — Páginas de doutrina e crítica da "Presença", Porto, Brasília Ed., 1977 — Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, Porto, Brasília Ed., 1976 RIVAS, Pierre et allie — Pessoa, Poète Pluriel, Paris, Centre Georges Pompidou, 1985 ROCHA, Clara — Revistas Literárias em Portugal, Lisboa, INCM, 1985 SÁ-CARNEIRO, Mário de — Cartas a Fernando Pessoa, 2 vols., Lisboa, Ática, 1978 SAIAL, Joaquim — Estatuária portuguesa dos anos 30 (1926-1940), Lisboa, Bertrand, 1991 SASPORTES, José — História da Dança em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 — Pensar a dança - a reflexão estética de Mallarmé a Cocteau, Lisboa, INCM, 1983 SEABRA, José-Augusto — Le Retour des Dieux - Manifestes du Modernisme Portugais - Fernando Pessoa, Paris, Ed. Champs Libre, 1973 SENA, Jorge de — Régio, Casais e a Presença e outros afins, 1977 SIMÕES, João Gaspar — História da Poesia Portuguesa do século XX, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1959 — José Régio e a História do movimento da "Presença", Porto, Brasília Ed., 1977 — Retratos de poetas que conheci, Porto, Brasília Ed., 1974 SUMMA ARTIS — Arte Portugués (José-Augusto França), vol. XXIII, Madrid, Espasa-Calpe, 1991 TABUCCHI, António — Pessoana Mínima, Lisboa, INCM, 1984 TEIXEIRA, F.A.Garcez — "O Significado dos Painéis de S.Vicente", Lisboa, ed. "Amigos do Museu", s/d. VV. — Cruzeiro Seixas, Lisboa, Soctip, 1989 VV. — Os Modernistas Portugueses - Escritos públicos, proclamações e manifestos - Textos Universais, Porto, CEP, s/d. VV. — Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917), prefácio de Nuno Júdice, Lisboa, A Regra do Jogo, 1981

3.3. Catálogos

183 — Alternativa Zero, Lisboa, 1977 — Amadeo de Sousa-Cardoso, Catálogo da Exposição, Porto, Fundação de Serralves, 5 Março/19 Abril 1992 — Amadeo de Souza-Cardoso - "A 1ª Descoberta de Portugal na Europa do século XX", Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, C.A.M., 1983 — Anos de ruptura - uma perspectiva da arte portuguesa nos anos 60, (Vol. Artes Plásticas), Lisboa, Livros Horizonte, 1994 — António Dacosta, Porto, Fundação de Serralves, 1989 — Arte Portuguesa Anos Quarenta, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Arte Portuguesa dos Anos 50, Beja, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992 — Art Portugais - Peinture et Sculpture du naturalisme à nos Jours, Paris, Centre Culturel de la Fondation Calouste Gulbenkian, 1968 — 15 Desenhos, Porto, Galeria Alvarez, 1973 — Domingos Alvarez, Lisboa, INCM, — Eduardo Viana - exposição retrospectiva da obra, Lisboa, SNI, 1968 — Eduardo Viana, Catálogo da Exposição, Porto, Fundação de Serralves, 5 Março/19 Abril 1992 — Ernesto de Sousa - Itinerários, Porto, Casa de Serralves, 1987 — Jorge Vieira, Lisboa, Museu do Chiado, 1995 — Jorge Vieira, Porto, Galeria Nasoni, 1986 — Modernismo in Portogallo 1910-1940 - Arte e società nel tempo di Fernando Pessoa, Firenze, Leo S. Olschki Editore, 1997 — Os XX Dessins, Osvaldo de Sousa, Comissão Regional de Turismo da Serra do Marão, 1983 — Portuguese Art since 1910, London, Royal Academy of Arts, 1978 — Sonia e Robert Delaunay em Portugal e seus amigos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1972 — Um ano de desenho - 4 poetas no Metropolitano de Lisboa - Pomar, Lisboa, C.A.M., 1984 — XX Dessins por Amadeo de Souza-Cardoso, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983

3.4. Revistas Portuguesas da Modernidade — Athena, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1983 — Contemporânea, Ed. Facsimilada, vol. I, nºs. 1,2,3 e vol. II, nºs. 4,5,6, Lisboa, Contexto Ed., 1984-85 - vol. III, nºs. 7,8,9, Lisboa, Contexto Ed., 1986 - vol.IV, nº 10, Lisboa, Contexto Ed., 1992 — Centauro, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982 — Exílio, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982 — Orpheu 1 - Reedição, Lisboa, Ática, s/d. — Orpheu 2 - Reedição, Lisboa, Ática, s/d. — Orpheu 3 - Lisboa, Ática, 1984

184 — Orpheu 3 - Porto, Ed. Nova Renascença, 1984 — Presença, 3 vols., Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1993 — Portugal Futurista, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1981 — Revista Portuguesa, 2 vols., Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1983

II . José de Almada Negreiros 1. Bibliografia activa 1.1. Obras Completas — Artigos no Diário de Lisboa, Obras Completas, vol. III, Lisboa, INCM, 1988 — Contos e Novelas, Obras Completas, vol.1, Lisboa, Estampa, 1970 — Contos e Novelas, Obras Completas, vol. IV, Lisboa, INCM, 1989 — Ensaios, Obras Completas, vol.5, Lisboa, Estampa, 1971 — Ensaios, Obras Completas, vol. V, Lisboa, INCM, 1990 — Nome de Guerra, Lisboa, INCM, 1986 — Poesia, Obras Completas, vol.4, Lisboa, Estampa, 1971 — Poesia, Obras Completas, vol. I, Lisboa, INCM, 1984 — Romance - Nome de Guerra, vol. 2, Obras Completas, Lisboa, Estampa, 1971 — Teatro , Obras Completas, vol.3, Lisboa, Estampa, 1971 — Teatro, Obras Completas, vol. VII, Lisboa, INCM, 1993 — Textos de Intervenção, Obras Completas, vol.6, Lisboa, Estampa, 1972 — Textos de Intervenção, Obras Completas, vol.VI, Lisboa, INCM, 1993

1.2. Livros, Artigos, Catálogos Antologia de Vanguarda - 4 Autores da novela portuguesa contemporânea (Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Manuel Lima, Luís Pacheco), s/l., Ed. Afrodite, s/d. — A Chave diz: Faltam 2 tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, Lisboa, Livraria Sá da Costa, s/d. — A Engomadeira - novela vulgar lisboeta, Lisboa, Ed. autor, 1917 — "Amadeo de Souza-Cardoso", Lisboa, Catálogo da Exposição S.N.I., 1959 — Antes de Começar, Lisboa, Centro Universitário de Lisboa, 1965 (sob orientação do Fernando Amado) — Antes de Começar, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — "Assim fala Geometria", Lisboa, Diário de Notícias, 9.6.; 16.6.;23.6.;30.6.;7.7.; 14.7.; 21.7.; 28.7.1960 — "Aveiro - 1ªs impressões", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993

185 — "As 10 primeiras gravuras riscadas em vidros acrílicos", Lisboa, Coop. Gravura, 1952 — Deseja-se Mulher, Lisboa, Verbo, 1959 — "Deseja-se Mulher" - último acto, Tempo Presente, nº3, Julho 1959, pp. 57-68 — Direcção Única, Lisboa, UP, 1932 — "Elogio da Ingenuidade ou as desventuras da Esperteza Saloia", Revista de Portugal, nº 5, Coimbra, Out. 1938 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Europa, 1936 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Livros RTP, 1972 — Nome de Guerra, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 1987 — "O Salão de Arte Moderna - Resposta aos Críticos", Lisboa, Diário de Lisboa, 24.12.1932 — "O Tio", Revista de Portugal, nº 1, Coimbra, Out. 1937 — Orpheu 1915-1965, Lisboa, Ática, 1965 — Pierrot e Arlequim, Lisboa, Portugália, 1924 — "Presença", Bicórnio, Abril 1952 — Ver, Lisboa, Arcádia, 1982 — 12 Desenhos de Almada Negreiros, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/C.A.M., 1984 — Ilustrações de Primavera da Lenda de Joaquim Manso, Lisboa, Ática, 1938 — Ilustrações de O Pórtico e a Nave, Lisboa, Ática, s/d — "O Jardim de Pierrette", Lisboa, ed. de Autor, 1918 — Os desenhos de Almada no Diário de Lisboa, (Coord. António Rodrigues), Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1993 — Os desenhos de Almada n'O Sempre Fixe, (Prefácio de José-Augusto França) Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Prefácio a Um Homem de Barbas de Manuel de Lima, Lisboa, s/ed., 1944 — Sudoeste, Cadernos de Almada Negreiros, Ed. Facsimilada, Lisboa, Contexto Ed., 1982

1.3. Inéditos — "História Verde (autentica)", manuscrito datado de Lisboa, 5 Maio de1921 — "O Pierrot que nunca ninguém soube que houve", manuscrito datado de Lisboa, 22 Março 1922

2. Bibliografia Passiva 2.1. Universitária 2.1.1. Dissertações de Licenciatura

186 PEREIRA PORTAS, Mª do Carmo — A Obra literária de Almada Negreiros - Esboço de um Estudo; Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1965 SILVA, Mª Manuela E. Ferraz da — José de Almada Negreiros - sua posição histórico-literária, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1967 2.1.2. Dissertações de Mestrado SILVA, Celina — Da Histoire du Portugal par Coeur - ao encontro da Ingenuidade, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986 2.1.3. Dissertações de Doutoramento COLOMBINI, Duílio — Almada Negreiros (síntese da tese de doutoramento), F.F.L.C.H. da Universidade de S.Paulo, 1978 QUADROS FERREIRA, António — Painéis das gares Marítimas de Lisboa - Análise e recepção da Modernidade em Almada Negreiros, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1993 SAPEGA, Ellen W. — Ficções Modernistas - Um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, Lisboa, INCM, 1992 SILVA, Celina — Almada Negreiros - a busca duma poética da ingenuidade, Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1993

2. 2. Outra 2.2.1. Periódicos ACCIAUOLI, Margarida — "Almada Negreiros, sem mestre e sem discípulo", D.N., 19 Julho 1984 ALBINO, Gaspar — "Em Aveiro ainda temos "Almada", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993 AMADO, Fernando — "Os desenhos de Almada", Variante, nº2, Lisboa, 1943 AMARAL, Ana Luísa — "A Cena do Ódio de Almada Negreiros e The Waste Land de T.S. Eliot", Colóquio (Letras), nºs.113-114, 1990, pp. 145156 ANDRADE, João Pedro — "Nome de Guerra por Almada Negreiros colecção dos Escritores Modernos Portugueses", Sol Nascente, Porto, Ano II, nº 30, 1 de Julho 1938, p.12. AZEVEDO, Fernando de — "Um espírito que se figura", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Out. 1984 BAPTISTA, Inês Barros — "Almada, meu pai", O Semanário ,8 abril 1993

187 — "Cem anos de solidão", O Semanário, 8 abril 1993 BARRENTO, João — "Nova edição da Poesia de Almada Negreiros", Colóquio (Letras) nºs.117-118, Setembro-Dezembro 1990, pp.225-226 BATOREO, Manuel Luís — "Os portugueses tiveram uma Cultura essencialmente visual", Lisboa, Diário de Lisboa, 14.7.1960 BIGOTTE-CHORÃO, João — "Almada Negreiros", Lisboa, Brotéria, 1994, vol. 138, pp. 237-247 BRAGA, Isabel — "Almada pum!", Diário de Notícias, 14 Setembro 1993 CAÇÃO, Idalécio — "Uma leitura de Cena do Ódio", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993 CAMPOS, Duarte — "Almada Negreiros, escritor e poeta", Lisboa, Brotéria, 1970, vol. 91, pp.196-200 CANDEIAS, Mª de Fátima — " "Nome de Guerra" ou a subversão irónica do romance", Cadernos do Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, nº 1, 1985, pp.42-52 CAPELA, Carlos Schmidt — "Novas Considerações acerca d'"O Cágado" de Almada negreiros ou a respeito da mola propulsora", EPA, Estudos Portugueses e Africanos, Universidade Estadual de Campinas, nº 5, 1985, pp. 85-88 — "Uma trajectória: Almada Negreiros ou Almada Negreiros: uma trajectória ou vice-versa", EPA, Estudos Portugueses e Africanos, Universidade Estadual de Campinas, nº 4, 1984, pp. 169-199 CARLOS, António — "Escândalo na Sociedade Nacional de Belas-Artes", Lisboa, Diário de Notícias, 16 Janeiro 1958 CARVALHO, Paula Torres — "Lourdes Castro: "Com Almada todos os dias se começa"", J.L., 17 a 23 Julho 1984 COIMBRA, Rosa Lídia — "Revistando as revistas ... à procura de Almada Negreiros", Porto, Letras & Letras, 7 abril 1993 CORREIA, Natália — "Almada: Arqueólogo do Futuro", Contravento, nº4, 1971 — "Almada e a contestação", Diário de Notícias, 30 Setembro 1971 CRUZ, Duarte Ivo — "Almada - Estética e dramaturgia", Espiral , nºs. 6/7, Verão 1965, pp. 118-123 DACOSTA, Fernando — "Almada e Dantas a Nu", Caderno do Público , 4.4. 1993 ESPINA, Antonio — "Almada Negreiros", La Gaceta Literaria, nº 3, Madrid, 1 Julho 1927 FALCÃO, Vitor — "A obra de Almada Negreiros a propósito do Salão de Outono", D.L., 26 Janeiro 1925 FERNANDES, Mª João — "Almada: o grito claro", .JL. , ano IV, nº119, 1622 Out. 1984 FERREIRA, Serafim — "Almada Negreiros (1893-1970)", Diário, 22 Outubro 1988

188 FERRO, António — "José de Almada Negreiros: O Imaginário na Terra dos Cegos" (Conferência de apresentação d' Invenção do Dia Claro, na Liga Naval), O Século (ed. da noite),Lisboa, 10 Março 1922 — "O Condenado.: a peça do escritor Sr. Afonso Gaio no Cinema", D.L., 3 Maio 1921 FRANÇA, José-Augusto — "Alma, Almada", J.L. , 3 Janeiro 1993 — "Almada antes e depois - ou não", Expresso, 14 Julho 1984 — "No limiar da Exposição do Mundo português", Colóquio (Artes) , nº 87, Dezembro 1990, pp.5-12 — "Nota de releitura de "A Confissão de Lúcio" e de "Nome de Guerra", Comércio do Porto, 10 de Abril 1956 — "Introdução ao Nome de Guerra ", Lisboa, Círculo de Leitores, 1987 — "O tempo de Pessoa no retrato de Almada", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963 — "Sudoeste-Europa-Portugal", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 GALHOZ, Mª Aliete — "À Margem das "Obras Completas" de José de Almada Negreiros", Colóquio (Letras) , nº3, 1971, pp. 97-99 GOMES, Alexandra Reis — "Almada: a ocupação de um espaço", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 GOMES, Paulo Varela — "Modernismo e Guerra", J.L., 17 a 23 Julho 1984 GOMEZ de la SERNA, Ramón — "Como Ramón Gomez de la Serna aprecia a Almada Negreiros", D.L. , 15.02, 1927 GONÇALVES, Mª Augusta - ""Por Alma de Negreiros", cem anos depois do seu nascimento - Poeta d'Orpheu, futurista e tudo", Público, 27. Novembro 1993 GONÇALVES, Rui Mário — "Para uma nova mentalidade" (inaug. C.A.M.), J.L., ano III, nº63 - 19.07 a 1.08. 1983 GONÇALVES, Rui Mário — "A importância de ser Almada", J.L., ano IV, nº 113 - 04-10. Setembro 1984 GUIMARÃES, Ana Paula — "A ler o "Cágado" de Almada Negreiros", J.L. , ano IV, nº116, 25 Set. -01. Outubro 1984 GUIMARÃES, Fernando — "A vanguarda como alegoria", J.L., 26 Outubro 1993 — "Almada à vista", J.L., 1 Junho 1993 — "Modernismo e vanguarda", J.L., 2 Março 1993 LIMA de FREITAS — "O Ver de Almada Negreiros", Porto, Nova Renascença, nº 10, Primavera de 1983, pp.169-178 LISTOPAD, Jorge — "Almada Negreiros no Acarte, Portugal interrogado", J.L., 15 Junho 1993 LOBO, Paula — "Almada poeta, futurista e tudo no Centro Cultural de Belém", Porto, Jornal de Notícias, 4 Novembro 1993

189 LOURENÇO, Eduardo — "Almada ou a indiferença", Expresso, 14 Julho 1984 LOURO, Regina — "Palhaço e génio", Caderno do Público , 4.4. 1993 MANCELOS, João de — "Nasci antes de mim: avant-lettrismo em Almada & outras meditações", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 MAGALHÃES, Isabel Allegro de — "Almada Mima-Fataxa em dois tempos", Colóquio (Letras), nº95, 1987, pp.49-59 MARGARIDO, Alfredo — "A Engomadeira ou o sentido da vulgaridade", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963 MARQUES, António Salvador — "O Enigma dos Painéis", D.N., 5 Maio 1994 MARTINS, Fernando Cabral — "A poesia incompleta", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 — "O modernista como actor", Público, 29 Outubro 1993 MC NAB, Gregory — "Sobre duas "intervenções" de Almada Negreiros", Colóquio (Letras), nº 35, 1977, pp. 32-40 MELO, Alexandre — "Algumas datas para Almada Negreiros", Expresso, 14 Julho 1984 MELO E CASTRO, E.M. — "K4 Quadrado Azul", J.L., 16 Novembro 1993 — "Ver: em três tempos", J.L., 7 Setembro 1993 MOURÃO-FERREIRA, David — "Almada Negreiros", Lisboa, VELBC, 1º vol., 1963 — "Almada ou a alegria da totalidade", Lâmpadas no Escuro, Lisboa, s/ed., s/d., pp.166-172. — "Evocação de Almada Negreiros", Terraço Aberto, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, pp.204-227 — "Saudação a Almada Negreiros", Hospital das Letras, Lisboa, INCM, 1981, pp.139-142 NEGREIROS, Mª José de Almada — "Ainda não o conseguem engolir", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 NEMÉSIO, Victorino — "Romance e Novela: ...Nome de Guerra , por José de Almada Negreiros...", Revista de Portugal, vol. I, Coimbra, 1937-38 NOGUEIRA, Albano — "Almada Negreiros", Imagens em Espelho Concâvo - (Ensaios), s/Ed., Coimbra, 1940 (Os Modernistas Portugueses, vol.V, Ed. Petrus, s/d) NOVAIS, José António — "Homenagem de Madrid a Almada Negreiros", D.N., 8 Dezembro 1983 OLIVEIRA, A. Lopes de — "Almada Negreiros e a polimorfidade artística", Novidades , 6 Abril 1952 OLIVEIRA, Mário de — "Almada Negreiros e o seu mundo sensível", Comércio do Porto, Porto, 12 Janeiro 1954 PEDROSA, Inês — "Almada até à Alma", J.L., 17 a 23 Julho 1984 PEDRO, António — "Almada - um dos artistas mais importantes do meu tempo", Fundão, Jornal do Fundão, 28.4.1963

190 —"Pequena informação a propósito de Almada Negreiros", Estrada Larga, vol. I, Porto, 1957, p.219 PERNES, Fernando — "Almada Negreiros", Colóquio Artes e Letras, nº 27 Fevereiro 1964, pp.60-62 PIMENTA, Alberto — "Almada Negreiros e a Medicina das Cores", Colóquio (Letras) , nº 79, 1984, pp.23-29 PINHARANDA, João — "Almada - uma imagem pública", Público, 29 Outubro 1993 — "Almada: tempos de arlequim", J.L., 17 a 23 Julho 1984 — "... E também pintor", Caderno do Público , 4 Abril 1993 PINTO, António Cerveira — "Almada - futuro imperfeito", O Independente, 8 Abril 1993 — "À espera dos serviços da história", Expresso, 14 Julho 1984 — "Almada pum!", O Independente, 7 Fevereiro 1992 POMAR, Alexandre — "Ensaio geral para 1993", Expresso, 14 Julho 1984 PORFÍRIO, José Luís — "O triunfo" (C.C.B.), Expresso, 6 Novembro 1993 — "As gares: o melhor do séc. XX em Portugal", Expresso, 14 Julho 1984 PRÍNCIPE, Cesar — "Faz hoje cem anos que nasceu José de Almada Negreiros (da fazenda da saudade)", Porto, Jornal de Notícias, 7 Abril 1993 QUADROS FERREIRA, António — "Almada e o Portugal do séc. XX", J.L., 7 Setembro 1993 — "Almada e a Pátria portuguesa do século XX", J.L., 21 Dezembro 1993 REBELLO, Luís Francisco — "A tragédia da Unidade", J.L. , ano IV, nº117, 02-08 Outubro 1984 ROCHA DE SOUSA — "Arte portuguesa dos anos 50 - testemunho necessário", J.L., 2 Fevereiro 1993 RODRIGUES da SILVA — "Exposição de Almada no Museu do Teatro - O Grande Saltimbanco", J.L., 21 Dezembro 1993 — "Almada: Obra em vídeo e itinerário em guia", J.L., 29 Janeiro 1993 RODRIGUES, António — "O Menino d'olhos de gigante", Expresso, 14 Julho 1984 SAPEGA, Ellen — "Contos e Novelas de Almada Negreiros: testemunho de uma evolução estética", Colóquio (Letras) , nºs.117-118, SetembroDezembro 1990, pp.256-257 — "Fernando Pessoa e José de Almada Negreiros: reavaliação de uma amizade estética", Colóquio (Letras), nºs.113-114, Janeiro-Abril 1990, pp.169-174

191 SASPORTES, José Estevão — "Encontro com Almada ou Almada - ele próprio", Diário de Lisboa, 2 Junho 1960 — "É preciso ler Almada", Jornal do Fundão, 28 Abril 1963 SEGURADO, Jorge — "Almada em Madrid", D.N., 9 Setembro 1982 SEPÚLVEDA, Torcato — "Um homem com qualidades", Caderno do Público , 4.4. 1993 — "Centro Nacional de Cultura apresenta Pacheko", Caderno do Público , 4.4. 1993 SENA, Jorge de — "Almada Negreiros Poeta", Nova Renascença, nº7, vol.IX, 1982, pp.231-234 SERRALLER, Francisco Calvo — "El montaje equivocado de una buena iniciativa", Madrid, El País, 10 Diciembre 1983 SILVA, Celina — "Almada: do crepúsculo apoteótico à plenitude auroral", O Escritor, nº1, Lisboa, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, s/d. — "Almada: sob o signo da pluralidade ou Metamorfoses da Vanguarda", Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, nº 2, 1985, pp.31-42 — "Como Mnemósina vence Crónos: as metamorfoses de Odysseus, o Herói", Braccara Augusta, (separata) vol. XXXIX - Fasc. 86-87, Janeiro-Dezembro 1985 — "A Ficção da Pátria em Almada Negreiros", Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literaturas - II Série, vol. IV, 1987, pp.341-349 — "Mnémon: (re)fabulando uma pátria querida", Colóquio (Letras), nº120, 1991, pp. 65-78 — "Nótulas para o estudo do primitivismo em Almada Negreiros - um anti-saudosismo?", Nova Renascença, nº18 - Primavera 1985, pp.161-166 — " "Orpheu": le chant envoûtant de trois Narcisses (Quelques réfléxions-divagations axées sur des textes-souvenirs)", Revista da Faculdade de Letras - Línguas e Literaturas, II Série, vol X, 1993, pp.119-132 — "Rotas e posturas em Almada Negreiros da Ingenuidade - do poético como poética", Revista da Faculdade de Letras Línguas e Literaturas, II série vol. IX, 1992 SIMÕES, João Gaspar — "A alternativa órfica do modernismo português 1. Almada Negreiros", Diário de Notícias, 8 Abril 1971 SOUSA, Ernesto de — "Invariante: a geometria poética", Expresso, 14 Julho 1984 TAVARES, Cristina Azevedo — "Almada - A cena do ódio: a exposição não merecida", J.L., 16 Novembro 1993 — "Outra faceta de Almada: o escritor e o ilustrador", J.L., 28 Dezembro 1993

192 TORRES, Laura Luzes — "José de Almada Negreiros: Reaver a inocência", Máxima, Abril, 1993 TRIBUZZI, Ana Paula Cabrita Dias — "A aventura literária de Almada Negreiros", Porto, Letras & Letras, 7 Abril 1993 VARELLA, Manuel — "O que me interessa é Ver", J.L., 6. Abril 1993 VASCONCELOS, Flórido de — "Introdução a um estudo sobre geometria", Tempo Presente, nº14 , Lisboa, JUNHO, 1960 VASQUES, Eugénia — "A tragédia da des-unidade", Expresso, 1 Maio 1993 VENÂNCIO, Fernando — "Nome de Guerra : O encontro marcado", J.L., 26 Out. 1993 VIANA, António Couto — "Notas e Comentários - "Deseja-se Mulher", Tempo Presente, nº3, Julho 1959, pp. 71-72 VOUGA, Vera Lúcia — "Almada Negreiros, "Saltimbancos": de outro texto, outra leitura", Actas I Simpósio de Alteridade nas Culturas de língua portuguesa - o Outro, Lisboa, s/d. — " "K4 O Quadrado Azul" — Pôr-se a nascer outra vez", Centro de Estudos Semióticos e Literários, INIC, 1, 1985, pp.32-41 2.2.2. Artigos em periódicos (sem assinatura) — "A Ideia Modernista na Ribalta - Carta de Almada Negreiros", A Capital, ano 7, nº 2399, 20 Abril 1917, p.2 — "A morte de Almada Negreiros foi muito sentida em todo o país", Lisboa, Diário Popular, 16 Junho1970 — "A Questão dos Painéis - História ao acaso de uma importante descoberta e do seu autor", Lisboa, Diário de Notícias, 20, 21 e 22 de Março 1926 — "Almada concluiu os painéis da Faculdade de Ciências de Coimbra", Diário de Notícias, 24 Agosto 1969 — "Almada em Utreque", Lisboa, J.L., 12-18 Outubro 1993 — "Almada: há 40 anos "ensina" arte moderna" (entrevista) , Lisboa, Diário de Notícias, 21 Julho 1955 — "Almada Negreiros e Ângelo de Sousa", Lisboa, Público, 28 Maio 1993 — "Almada regressa de Paris e fala-nos do que são ali as modernas expressões da Arte", Diário de Lisboa, 22 Junho 1949 — "Almada - do Génesis a Fernando Pessoa", Diário de Lisboa, 27 de Julho de 1961 — "Almada Negreiros e Fernando Amado vão aparecer de braço dado no próximo espectáculo do Salitre", Diário de Lisboa, 15 Janeiro 1949 — "Artistas falam de Arte - Almada Negreiros", Diário de Notícias, 25 Fevereiro 1967 — "Cartas Inéditas", J.L., 06. abril 1993 — "Como trabalham os artistas plásticos: fala Almada Negreiros", Lisboa, Diário de Notícias, 1 Abril 1943 — "Descobri a personalidade de Homero", Lisboa, Diário de Notícias, 6 Janeiro 1944

193 — "Diálogo entre Almada Negreiros e Fernando Amado", separata dos nºs.56 de Cidade Nova, Coimbra, 1951 — "Dois minutos com Almada Negreiros", Sempre Fixe, 27 Fevereiro 1936 — "Epistolografia: José de Almada Negreiros", O Escritor, Lisboa, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, nº 2, 1993 — " "Homero" de Almada Negreiros", Vida Mundial, 20 Janeiro 1944 — "Inédito de Almada, de 1924 - "Portugal", em estreia no Acarte", Lisboa, J.L., 1 Junho 1993 — "O Elogio da Loucura - reportagem da 1ª Conferência Futurista", Lisboa, A Capital, ano 7, nº2394, 15.Abril 1917 — "Pacheco, Almada e Contemporânea", Lisboa, J.L., Fevereiro 1994 — "Painéis de Almada apodrecem em moradia degradada no Restelo", Lisboa, D.N., 17 Março 1990 — "Peça de Almada em Lyon", Lisboa, J.L., 8 Junho 1993 — "Porto celebra Almada", Lisboa, Expresso, 20 Novembro 1993 — "Uma entrevista com Almada Negreiros", Revolução, 5 Janeiro 1933 — "Quem era Homero?", Lisboa, Diário de Notícias, 16.1.1944 — "Querem fazer-me um filme porque sabem que vou morrer", Lisboa, Diário Popular, 16-6-1970 — "Vamos ouvir Almada Negreiros no Teatro Nacional", Lisboa, Diário de Lisboa, 7.1.1932 2.2.3. Livros e realizações mediáticas ACTAS — Compilação das Comunicações apresentadas no Colóquio sobre Almada Negreiros; Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985 AMBRÓSIO, António — Almada Negreiros Africano, Lisboa, Estampa, 1979 BARREIRA, Cecília — Nacionalismo e Modernismo - de Homem Cristo Filho a Almada Negreiros, Lisboa, Assírio & Alvim, 1981 D'ORS, Eugeni - Arte Vivo, Madrid, Espasa-Calpe, 1976, "Almada Negreiros", pp. FERREIRA, Paulo — Correspondance de 4 artistes portugais: Almada Negreiros, José Pacheco, Souza-Cardoso, Eduardo Viana avec Robert et Sonia Delaunay, Paris, P.U.F., 1972 FRANÇA, José-Augusto — Almada, Português sem Mestre, Lisboa, Estúdios Côr, s/d — Amadeo e Almada, Lisboa, Bertrand, 1985 — Almada, português sem Mestre, Lisboa, Ed. Côr, s/d — Amadeo & Almada, Lisboa, Bertrand, 1986 — Os desenhos de Almada no Sempre Fixe - 19261935, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, CAM, 1984 — Almada, Lisboa, Artis, 1963 LIMA DE FREITAS — Almada e o Número, Lisboa, Arcádia, 1979

194 — Pintar o sete - Ensaios sobre Almada Negreiros, o pitagorismo e a Geometria Sagrada, Lisboa, INCM, 1990 MAIA, Mª Augusta - Almada - um percurso possível, Lisboa, IPPAR/INCM, 1993 NEGREIROS, Mª José de Almada — Conversas com Sarah Affonso, Lisboa, Arcádia, 1982 SOBRAL, Augusto — Almada, Dia Claro, (teatro), Lisboa, C.A.M., 1984 SOUSA, Ernesto de — Para o estudo da Escultura portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1973 — Recomeçar, Almada em Madrid, Lisboa, INCM, 1983 — Almada Negreiros Maternidade - 26 desenhos, Lisboa, INCM, s/d — Um Nome de Guerra (multimedia), Lisboa, C.A.M., 1984 2.2.4. Nºs Revistas e Jornais especiais — "O Mundo de Almada" - nºs 1 e 2 (Jornais da Exposição retrospectiva Almada Negreiros) Lisboa, CAM, 1984 — "Almada Inédito e polémico", (nº dedicado) Espaço T Magazine, nº 3, Set. 1980 — Colóquio (Artes), dedicado a Almada Negreiros, nº 60, Outubro 1970 — Colóquio (Artes ), dedicado a Almada Negreiros, nº 96, Março 1993 — Colóquio (Artes), dedicado a Almada Negreiros, nº 100, Março 1994 — Todo Almada, Lisboa, Ed. Contexto, 1994 (Tradução portuguesa do nº especial da Revista Poesia dedicado a Almada Negreiros, Madrid, Ministerio de Cultura, 1994) 2.2.5. Catálogos — Almada, a Cena do Corpo, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 1993 — Almada, a Obra Gráfica, Lisboa, Palácio Galveias, 1993 — Almada e o Espectáculo , Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984 — Almada e as origens do Modernismo - Representação Portuguesa à XI Bienal de S.Paulo, S.Paulo, 1971 — Almada, o Escritor e o Ilustrador, Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993 — Almada, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/CAM, 1984 — Almada, Madrid, Fundación Juan March, 1983 — Almada, Barcelona, Fundación Joan Miró, 1984 — Centenaire de la Naissance d'Almada Negreiros 1893-1993, Paris, Fondation Calouste Gulbenkian, Octobre 1993 — O Escaparate de todas as Artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros, Lisboa, Museu Nacional do Teatro, Setembro 1993

195 — Pacheko, Almada e a "Contemporânea", Lisboa, Centro Nacional de Cultura/Bertrand ed., 1993 — Sarah Affonso e Almada Negreiros — exposição conjunta em Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 1996

196

ÍNDICE

VOLUME I 0. Introdução........................................................................................................................5

Cap. I "Manifestações de Modernidade em Almada Negreiros" 1ª Parte — Modernidade e Modernismo em Almada Negreiros 1. A exigência e noção de Modernidade ............................................................................9 1.1. As reminiscências históricas do "moderno" ..............................................................11 1.2. A noção de Modernidade no século XIX ...................................................................14 1.3. A noção de Modernidade e a Vanguarda ...................................................................18 1.3.1. Da modernidade às vanguardas ............................................................18 1.3.2. A Vanguarda — conceptualização e pragmática ..................................22 1.3.3. O sentido estético e artístico de Vanguarda..........................................24 1.4. Implicações de Modernidade e Vanguarda em Almada .............................................29 1.4.1. Acerca do "Novo" e do "Moderno" — como categorias estéticas ........29 1.4.2. Acerca da modernidade — pressupostos antropológicos .....................35 2. Almada — síntese histórica do Modernismo ................................................................43 2.1. A época modernista ....................................................................................................43 2.2. Modernismo — o movimento e a ideia .....................................................................44 2.2.1. Almada na Geração de Orpheu.............................................................49 2.2.1.1. O significado de Orpheu ..........................................................49 2.2.1.2. Almada Negreiros em Orpheu — conciliação do icónico e do verbal .............................................................................................................54 2.2.1.2.1. Almada "desenhador" em Orpheu 1 .....................................57 2.2.1.2.2. A colaboração prevista para Orpheu 3 ..................................59 2.2.2. Almada em Portugal Futurista ............................................................60 2.2.2.1. "Os Ballets Russes em Lisboa" ...............................................62 2.2.2.2. "Saltimbancos" .........................................................................66 2.2.2.3. "Mima-Fataxa Sinfonia Cosmopolita e Apologia do Triângulo Feminino" .......................................................................................................70 2.2.2.4. "Ultimatum Futurista às Gerações portuguesas do século

197 XX" ..............................................................................................................73 2.2.3. A colaboração de Almada na Contemporânea ....................................78 2.2.4. A colaboração de Almada na Revista Portuguesa ................................81 2.2.5.A colaboração de Almada em Athena ..................................................82 2.2.6. Almada, Sudoeste e tudo .....................................................................84 2.3. O rescaldo da vanguarda modernista..........................................................................85 2ª Parte — A Nacionalidade Mítica de Portugal 0. Preâmbulo

..............................................................................................................89

1. Almada e o Saudosismo — a mitologização da nacionalidade .....................................91 1.1. Teixeira de Pascoaes — a alma lusíada .....................................................................92 1.2. Fernando Pessoa e o "Quinto Império" ......................................................................97 2. A definição da nacionalidade e da Pátria em Almada .................................................100 2.1. No "Ultimatum Futurista às Gerações portuguesas do século XX" .........................100 2.2. N’ "A Cena do Ódio" ...............................................................................................104 3. Remitologização da nacionalidade ..............................................................................109 3.1. A História de Portugal escrita por Almada ..............................................................109 3.1.1. "Histoire du Portugal par Coeur" ........................................................110 3.1.2. Iconografia da História de Portugal ....................................................111 3.1.2.1. Figuras históricas da Pátria ....................................................113 3.1.2.2. Os mitos históricos fantasmáticos..........................................115 3.1.2.3. Topografia mítica da História ................................................116 3.2. A modernidade nacional pelo retorno ao mito .........................................................118 3.3. A ficção dramática de Portugal — a utopia da pátria...............................................122 4. Portugal no século XX — a constatação da crise ........................................................126 4.1. A definição da colectividade relativamente à inscrição no espaço ..........................127 4.2. A definição da colectividade relativamente à situação no tempo ............................130 4.3. A Europa de Almada para a nacionalidade mítica ...................................................135 5. A herança e o destino da nacionalidade — cultura e educação ...................................142 5.1. A situação cultural e artística da nacionalidade .......................................................142 5.2. O Portugal verdadeiro — cultura e educação ...........................................................149

Cap. II "A Humanidade e a pessoa — conceitos nucleares em Almada Negreiros" 0. Preâmbulo

............................................................................................................155 1ª Parte — Convocação da Humanidade

198 1. A definição de Humanidade ........................................................................................155 1.1. Dimensão cosmológica de Humanidade ..................................................................155 1.1.1. O número — origem e imanência do Universo ..................................157 1.1.2. Os elementos — origem e substância da Humanidade.......................166 1.2. A perspectiva histórica da Humanidade — Mito e Filosofia ...................................173 1.2.1. Concepção mítico-histórica da Humanidade ......................................173 1.2.2. Concepção cíclica da História ............................................................174 1.3. O acto de civilização para a Humanidade — a Europa ............................................179 1.4. A mitologia bíblica da génese do Humano ..............................................................182 1.5. Metáforas ironistas da Humanidade .........................................................................185 1.6. Os casos paradigmáticos — os "génios" na Humanidade ........................................187 2. Prometeu — síntese da Humanidade, síntese da cultura europeia ..............................192 2.1. A história do Mito segundo Almada ........................................................................192 2.1.1. A síntese mitográfica de Prometeu .....................................................193 2.1.2. Prometeu criador do humano ............................................................197 2.1.3. Prometeu e Athena ............................................................................198 2.1.4. A condenação eterna ...........................................................................200 2.1.5. Prometeu e Tântalo ...........................................................................202 2.1.6. Prometeu e Jesus Cristo.....................................................................204 2.2. Prometeu e a Civilização.........................................................................................206 2.2.1. Prometeu, figura mítica do conhecimento ..........................................206 2.2.2. Prometeu , símbolo histórico para a Europa.......................................210 2.3. A sedução estética e poética do mito .......................................................................214 2.3.1. Prometeu , revelador da unidade do Homem .....................................215 2.3.2. Prometeu, obra de arte ........................................................................216 3. Dimensão antropológico-filosófica da noção de Humanidade....................................218 3.1. A multidão — desindividuação pessoal ...................................................................218 3.2. Humanidade — mística e pagã.................................................................................220 3.3. Destino do Homem na Humanidade ........................................................................222

2ª Parte — Convocação da pessoa individual humana 1. Dimensão antropológica do conceito de pessoa ..........................................................225 1.0. Preâmbulo ............................................................................................................225 1.1. A história do corpo — a propósito da consciencialização do "eu" ..........................225 1.2. Antropologia do corpo na obra de ficção de Almada ...............................................230 1.2.1. Contextualização da temática .............................................................230 1.2.2. O corpo imaginário e o corpo simbólico ............................................231

199 1.2.2.1. "Frisos"...................................................................................231 1.2.2.2. O corpo imaginário em "K4 Quadrado Azul" ........................238 1.2.2.3. O corpo imaginário [fantasmático] n’ "A Engomadeira" ......240 1.2.3. A visualidade do corpo feminino idealizado e simbólico em Nome de Guerra ..........................................................................................................243 1.2.4. O corpo idealizado através da relação primordial ..............................244 1.2.5. O corpo no mundo — realidade e idealização ....................................247 1.3. A emergência ontológica da pessoa humana individual ..........................................251 1.3.1. Os auto-retratos — eu como corpo real idealizado ............................251 1.3.1.1. Corpo real próprio — eu idealizado.......................................252 1.3.1.2. Auto-retrato — via de existência ...........................................255 1.3.1.3. O eu em processo ...................................................................260 1.3.1.4. A construção definitiva do eu — revelação e encontro .........263 2. A representação plástica da pessoa em Almada ..........................................................264 2.1. Influência da estética grega na representação do corpo............................................265 2.1.1. A Beleza idealizada ............................................................................265 2.1.2. A representação do corpo nas mitologias de Almada .........................267 2.2. Intersubjectividade e identidade própria ..................................................................268 2.2.1. O binómio corpo-alma ........................................................................268 2.2.2. Evocação e representação na relação eu-tu.........................................273 2.2.2.1.Pares mundanos nos primeiros desenhos ................................273 2.2.2.2. Pierrot e Arlequim..................................................................273 2.2.2.3. Pares de Namorados/Amantes ...............................................281 2.3. Figura feminina — retrato de corpo inteiro..............................................................282 2.4. Figura masculina ...................................................................................................284 2.5. Cabeças — retratos femininos e masculinos ............................................................284 2.6. Bailarina(os), artistas e figuras de Circo ..................................................................285 2.7. Maternidade 285 3. A definição do "eu" como unidade — a personalidade ...............................................286 3.1. A dimensão sensível e sagrada da pessoa individual humana..................................286 3.2. A descoberta estética da personalidade ....................................................................289 3.2.1. A invenção do eu pelo maravilhoso ...................................................290 3.2.2. Antunes — paradigma da descoberta.................................................294 3.2.2.1. Os nascimentos de Lúcio n’ O Asno de Ouro ........................295 3.2.2.2. Afinidades cartesianas ...........................................................296 3.2.2.3. Afinidades nietzschenianas ....................................................297 3.2.3. Os nascimentos de Antunes ................................................................298 3.3. A consciência pessoal do eu e a crise da Humanidade.............................................301 3.3.1. A consciência de si mesmo .................................................................301 3.3.2. O homem no mundo ...........................................................................301

200 3.3.3. A crise da pessoa na Humanidade ......................................................305 Índice do Volume I ..........................................................................................................305

201

VOLUME II

Cap. III "Doutrina Estética em Almada Negreiros" 0. Preâmbulo ................................................................................................................2 1. A ingenuidade — categoria estética privilegiadora do humano ......................................4 1.1. Definição etimológica da ingenuidade .........................................................................4 1.2. Aproximação literária à noção de ingenuidade em Voltaire ........................................6 1.3. Pragmática da ingenuidade — presença e ficções modernistas ...................................8 1.3.1. "Histoire du Portugal par Coeur" ............................................................9 1.3.2. Contos breves .......................................................................................10 1.3.3. "História Verde" ...................................................................................13 1.3.4. Invenção do Dia Claro .........................................................................15 1.4. A emergência poética e estética de ingenuidade ........................................................19 1.5. Afinidades entre o pensamento schilleriano e almadiano ..........................................20 1.5.1. A definição de ingenuidade ..................................................................20 1.5.2. A ingenuidade como princípio estético ................................................22 1.5.3. O estádio estético e o estado de ingenuidade........................................28 1.5.4. Conclusão .............................................................................................33 2. Estética Artística……………………………………………………………………… 35 2.0. Introdução…………...................................................................................................35 2.1. A definição de Arte — vida e criação ........................................................................42 2.1.1. Arte como Todo ....................................................................................42 2.1.2. A unidade da(s) Arte(s) ........................................................................44 2.2. Arte e Tekné, Arte e Ciência ......................................................................................48 2.2.1. Arte e Tekné ..........................................................................................48 2.2.2. Arte e Ciência .......................................................................................52 2.3. Arte e Realidade .....................................................................................................55 2.4. Arte e Natureza 60 2.5. Arte e Poesia .....................................................................................................66 3. Teorizações Estéticas — utopia, pessoalidade e educação ...........................................69 3.0. Preâmbulo 69 3.1. Estética Utopista …....................................................................................................70 3.2. A utopia ideológica — Arte e Política .......................................................................72 3.2.1. A ideologização da Estética ..................................................................72 3.2.2. A utopia nacionalista — o compromisso..............................................74 3.2.3. Utopia estética do social .......................................................................77

202 3.3. Recepção estética — paradigma e exigências ............................................................80 3.3.1. A concepção romântica de artista .........................................................80 3.3.2. O artista, o autor e os públicos .............................................................82 3.4. A educação estética — a formação do gosto ..............................................................84 3.4.1. Enunciação da problemática do gosto ..................................................84 3.4.2. A tradição estética na argumentação almadiana ...................................88 3.5. A educação do Artista ................................................................................................91 3.5.1. A situação do artista .............................................................................91 3.5.2. O ensino artístico ..................................................................................95 3.5.3. A educação do artista ............................................................................99 3.5.4. O Desenho ..........................................................................................100 3.5.5. Os Mestres de cada caso pessoal ........................................................104 4. Estética Esotérica — A primazia de Ver ....................................................................109 4.1. Os sinais primordiais da Humanidade......................................................................109 4.2. A universalidade da Arte ..........................................................................................114 4.3. Ver — Percepção e Conhecimento ......................................................................118 4.3.0. Preâmbulo ...........................................................................................118 4.3.1. A perspectiva psicofisiológica de ver .................................................120 4.3.2. Ver na tradição simbólica ..................................................................123 4.3.2.1. A Primazia da visão e da audição ..........................................123 4.3.2.2. A Arte como visualidade .......................................................124 4.3.3. O Visível e Invisível de Ver ...............................................................125 4.3.4. Ver e o Número — a tradição hermética ...........................................128 4.3.4.1. A tradição hermética para a Arte Moderna ............................128 4.3.4.2. Ver e o Cânone — a Luz .......................................................130 5. Estética da Criação… ..................................................................................................136 5.1. O domínio metafísico para a criação da obra humana .............................................136 5.2. O acto, a obra e o pensamento..................................................................................141 5.2.1. A origem da Arte ................................................................................141 5.2.2. A continuidade como princípio estético .............................................146 5.2.3. Cultura e Civilização — acto da presença do Homem .......................149 5.3. O conceito de Beleza ................................................................................................151 5.3.1. Domínio mítico-filosófico — o apolíneo e o dionisíaco ....................151 5.3.1.1. A estética apolínea e a estética dionisíaca em Nietzsche .......152 5.3.1.2. A conciliação das estéticas apolínea e dionisíaca ..................154 5.3.2. Domínio estético-metafísico ...............................................................161 6. Conclusão ....................................................................................................................166

203 Bibliografia I. Bibliografia Teórica…………… .................................................................................171 1. Bibliografia Geral… ............................................................................................171 1.1. Livros 171 1.2. Catálogos 173 2. Fundamentação em/de Almada Negreiros .................................................................174 2.1. Artigos 174 2.2. Livros 174 3. Bibliografia sobre Arte e Literatura portuguesas no século XX .................................177 3.1. Artigos 177 3.2. Livros e Catálogos 178 3.3. Catálogos 182 3.4. Revistas portuguesas da Modernidade 182 II. José de Almada Negreiros ....................................................................................... 183 1. Bibliografia Activa… ..................................................................................................183 1.1. Obras Completas 183 1.2. Livros, Artigos, Catálogos 183 1.3. Inéditos 184 2. Bibliografia Passiva….................................................................................................185 2.1. Universitária 185 2.1.1. Dissertações de licenciatura 185 2.1.2. Dissertações de Mestrado 185 2.1.3. Dissertações de Doutoramento 185 2.2. Outra 185 2.2.1. Periódicos 185 2.2.2. Artigos em periódicos (sem assinatura) 191 2.2.3. Livros e realizações mediáticas 192 2.2.4. Nºs Revistas e Jornais especiais 193 2.2.5. Catálogos............................................................................................................193 Índice Volume I……………………………………………………………………….....194 Índice Volume II…………………………………………………………………………200 Anexos I a X ....................................................................................................................203 Lista Anexos...... ............................................................................................................221

204

ANEXO I

Lista dos Auto-Retratos de Almada Negreiros 1912 — Auto-caricatura: jornal A Briosa 1913 — Auto-retrato : Catálogo da "Exposição de caricaturas" 1915 — Auto-caricatura: publicada em O Jornal, 13.4. 1919 — Auto-retrato, desenho realizado em Paris e publicado na Contemporânea, nº 1, Abril de 1922 1921 — Auto-retrato, desenho integrado na Invenção do Dia Claro; 1923 — Auto-retrato, (com chapéu e bengala), desenho a lápis sobre papel; 1924 — Auto-retrato, desenho, datado de 1924 e Madrid, 20.05.28 — Auto-retrato, (com gravata), lápis sobre papel, publicado em Athena 2; 1925 — Auto-retrato num grupo, painel para o Café "A Brasileira", óleo sobre tela; 1926 — Auto-retrato, desenho com a legenda: "pouco importa que eles não me compreendam; o importante é que eu os compreenda"; — Auto-retrato, desenho com a legenda: "os olhos são para ver e o que os olhos vêem só o desenho o sabe"; 1927 — Auto-retrato, (com boné, réplica de desenho idêntico de 1926), óleo; 1928 — Auto-retrato, desenho em que segura numa das mãos uma prancheta e noutra uma pena; 1930 — Auto-retrato, desenho; 1934 — Duplo Retrato , óleo - 1934-1936; 1938 — Auto-retrato, desenho; — Auto-retrato, (como escriba, com dedicatória); 1940 — Auto-retrato, desenho; 1940 — Auto-retrato, arame e tinta-da-china sobre cartão; 1942 — Auto-retrato, desenho; 1943 — Auto-retrato, desenho tendo por fundo inscritas inúmeras citações de: Delacroix: "Homero é nos antigos a nascente d'onde tudo saiu."; Braque: "A arte é feita para perturbar, a ciência assegura."; Picasso: "Não procuro, encontro."; Arquitas de Tarento: "Aquele que sabe tem que ter aprendido de outro ou achado ele só o que sabe; a ciência que se aprende de outro é, por assim dizê-lo, o exterior: o que nós mesmos encontramos a nós pertence e em propriedade. Encontrar sem buscar é coisa difícil e rara; achar aquilo que se busca é cómodo e fácil; ignorar e buscar (aquilo que se ignora) é impossível"; Aristóteles, Metafísica: "Parece que a década é o número perfeito."; Platão: "Redução a número perfeito, Théleon.", citado por

205 Vitúrvio e este por Luca Paccioli e por Francisco de Holanda, Da Pintura Antiga. c.1944 — Auto-retrato em família, aguarela sobre cartão; — Auto-retrato em família, aguarela e lápis, não datado; 1949 — Auto reminiscência (auto-retrato), desenho feito em Paris; — Auto-retrato, (olhos como mascarilha), tinta-da-china sobre papel; 1950 — Auto-retrato, desenho a lápis, datado de 30.10.1950; — Auto-retrato, desenho não datado, em que se representa sentado a uma mesa de café e a ler; — Auto-retrato, (com raquette), desenho a esferográfica, não datado; — Auto-retrato, desenho a lápis, não datado; — Auto-retrato, (grego), desenho a lápis sobre papel, não datado; — Auto-retrato, (olhos como óculos), tinta-da-china sobre papel, não datado; — Auto-retrato, tinta-da-china, não datado; — Auto-retrato, tinta-da-china, não datado; — Auto-retrato com Sarah Affonso, desenho a lápis, não datado;

206

ANEXO II Lista de Retratos de Arlequim, Pierrot e Columbina — Arlequim, desenho a lápis, não datado; — Arlequim, desenho a lápis colorido sobre papel, não datado; — Arlequim, Pierrot e Bailarina, ilustração para cartaz da Companhia Lucília Simões; — Arlequim e Bailarina a cavalo, desenho a lápis, não datado; — Arlequim e Bailarina, (com cavalo), lápis sobre papel, não datado; — Arlequim e Bailarina, tinta da china e aguarela sobre papel, não datado; — Arlequim e Bailarina a cavalo, 500X325 mm, lápis sobre papel, n/dat. — Arlequim e Bailarina, óleo, não datado; — Arlequim e Bailarina, (traços mecano-geometrizantes), desenho a lápis, não datado; — Cabeça de Arlequim, (traços geometrizantes), desenho a lápis não datado; — Cabeça de Arlequim, óleo sobre tela, não datado; — Arlequim e Pierrette, aguarela, não datado; — Arlequim e Bailarina, têmpera sobre papel, não datado; — Arlequim, (com mascarilha na mão), tinta-da-china sobre papel, Paris, 1920; — Arlequim, (desmultilicação de mãos e gestos), desenho a tinta-da-china, 1921; — Arlequim, (sentado com guitarra na mão), tinta-da-china sobre papel, 1921; — Arlequim , (sentado a uma mesa de café com livro, cabeça apoiada na mão), desenho de 1922; — Arlequim, (sentado), de 1923; — Arlequim, (sentado a tocar guitarra), aguarela sobre cartolina, 1923; — Arlequim sentado a uma mesa, desenho, datado de1924; — Arlequim, desenho a lápis, 1925; — Arlequim de mãos postas, desenho a tinta-da-china, 1926; — Pierrette e Arlequim, desenho a lápis, 1928; — Arlequim e Columbina, aguada, Madrid, 1929; — Arlequim e Columbina , desenho para a capa da Ilustração, nº 79, 16 de Fevereiro de 1929; — Arlequim sentado (to be or not to be), tinta-da-china, 1931; — Arlequim, óleo, datado de 1937; — Arlequim e Mulher, aguarela, 1938; — Arlequim e Columbina, aguarela, tinta-da-china e lápis sobre papel, 1938;

207 — Arlequim, desenho, c. 1940; — Arlequim e Bailarina, tinta-da-china, 1940; — Arlequim e mulher, (Arlequim sentado e a mulher em pé abraçada a ele, com tambor e chapéu no chão), desenho de 1940; — Arlequim e Columbina, (ambos sentados num sofá, frente a um biombo, tendo por trás uma janela aberta), desenho de 1940 — Arlequim e mulher tendo por fundo uma tela vista no verso e uma figura que espreita, desenho datado de 1940; — Retrato Clássico de Arlequim, óleo, datado de 1941; — Arlequim, tinta-da-china e aguarela, 1952; — Pierrot sentado, desenho a lápis, 1923;

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ANEXO III Lista dos Retratos de Pares 1

— Vendedeira de Flores e homem, têmpera sobre papel, 1915; — Par sentado com sombrinha, tinta-da-china sobre papel, 1921 — Par à mesa, lápis sobre papel, 1924; — Par sentado a uma mesa, lápis sobre papel, 1925; — Mulher e marinheiro, tinta-da-china sobre papel, 1926; — A "Soirée", lápis sobre papel, 1927 — Marinheiro e Rapariga, lápis sobre papel, 1928 — Briga, lápis e tinta-da-china sobre papel, 1929; — Par (à mesa - mundano); tinta-da-china e aguada sobre papel, 1929; — Casal, lápis sobre papel, 1929 — Par jogando cartas, tinta-da-china sobre papel, 1931; — Repouso (ceifeiros), tinta-da-china sobre papel, 1932; — Casal sentado num banco, lápis sobre papel, 1933; — Repouso (ceifeiros e árvore), lápis sobre papel, 1937; — A Sesta, lápis sobre papel, 1939; — Par num banco de jardim, tinta-da-china e lápis, 1941 — Duas Figuras, lápis sobre papel, 1944; — Par (mulher com monóculo), tinta-da-china sobre papel, não datado; — Repouso (com casa no horizonte), lápis sobre papel, não datado; — Par embriegado, esferográfica sobre papel, não datado; — Par de Banhistas, lápis sobre papel, não datado; — Par sentado (de fato de banho), lápis sobre papel, não datado; — Casal sentado, tinta-da-china, não datado

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ANEXO IV Lista de Pares 2

— Gémeos (estudo para o fresco do Diário de Notícias), desenho, 1937 — Par Nu (grades de telas e desenho na parede da habitação), lápis sobre cartão, 1939; — Par Nu (agachado, ajoelhada), lápis sobre papel, 1939; — Par abraçado (agachados), tinta-da-china sobre papel, 1945; — Par brigando (contorção de corpos), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par Nu (linguagem gráfica simplificante), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par Nu (linguagem gráfica simplificante/homem sentado), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par brigando (homem cravando punhal), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (mulher gesticulando e homem sentado a uma mesa), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (dançando), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (sentados, conversando), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (acariciando-se), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par beijando-se , tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par abraçado, tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (corpo contorcionado, ameaça), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (homem chorando sobre corpo de mulher), tinta-da-china castanha sobre papel, 1948; — Par (três figuras nuas), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (homem esganando mulher), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par (homem chorando a mulher), tinta-da-china sobre papel, 1948; — Par abraçado , lápis sobre papel, 1948; — Par Nu (linhas ondulantes), lápis de cera e tinta-da-china, 1948; — Homem com mulher às costas, (post-picassiano), 1948;* — Par, (post-picassiano), lápis sobre papel, não datado;* — Par abraçado (beijando-se), tinta-da-china sobre cartão, 1948; — Casal abraçado, lápis sobre papel, 1948 — Par (figuras esguias, mulher em pé, homem sentado), desenho à pena, 1952; — Par (mulher acariciando homem), desenho à pena, 1952;

210 — "Les persones sont tres etrangement diferentes" (abstracto), guache sobre cartolina, 1957; — Centauro e Mulher, lápis e guache sobre cartão, não datado

211

ANEXO V Lista Nus femininos — Catálogo da Exposição de Caricaturas: Nu feminino com paleta na mão, 1913; — Nu feminino sentado, aguarela sobre papel, 1915; — Nu feminino de costas (em pé), lápis sobre papel, 1918; — Homenagem a Amadeo de Souza-Cardoso, lápis de cor sobre papel, 1918; — Nu (com cabelos de serpente, contorção corpo), lápis, 1923 — Nu feminino, (mulher debruçada com mãos pousadas nos joelhos), lápis sobre papel, 1925; — Nus femininos , tinta-da-china castanha sobre papel, 1926; — Nu feminino com gato, tinta-da-china castanha sobre papel, 1926; — Nu feminino de costas (sentada), lápis sobre papel, 1926; —Mulher dormindo, tinta-da-china castanha sobre papel, 1926; — Nu feminino sentado, (cabeça a 3/4, no chão), lápis sobre papel, 1926; — Nu sentado, (com movimento de braço e mão), tinta-da-china sobre papel, 1926; — Nu feminino, lápis sobre papel, 1930 — Nu feminino sentado, (com as mão cruzadas sobre um dos joelhos), lápis sobre papel, 1931; — Nu feminino com criança (em pé), lápis sobre papel, 1933; — Mulher despindo-se, lápis sobre papel, 1933 — Mulher de braços cruzados no ar (lábios pintados), lápis e lápis de cor sobre papel, 1936; — Nu ao espelho, (com drapejamento), lápis sobre papel, 1937; — Nu feminino sentado (retrato de Sarah Affonso?), lápis sobre papel, 1938; — Torso de mulher , técnica mista sobre cartão, 1938; — Nu feminino sentado (rosto de perfil, olhos abertos, forma geometrizante), sanguínea sobre papel, c. 1940; — Nu (sentado com rosto de perfil e olhos fechados), lápis, c.1940 — Mulher nua sentada, óleo sobre tela, c.1940 — Nu (mulher sentada com rosto a 3/4 e mão no cabelo), lápis, 1941 — Homenagem a Luca Signorelli, óleo sobre tela, 1942; — Mulher deitada , guache, 1943 — Nu feminino de costas, lápis sobre papel, 1946;

212 — Nu feminino de costas (cabeça encostada ao bordo de uma mesa), lápis sobre papel, 1946; — Figura de mulher (nu), guache, e aguarela sobre cartão 1947 — Figura, aguada e tinta-da-china, 1947 — Mulher nua a uma mesa, , tinta-da-china sobre papel, 1948; — Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948; — Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948; — Nu feminino, tinta-da-china sobre papel, 1948; — Menina sentada à janela (laranja), aguada, lápis e tinta-da-china, 1948; — Figura feminina sentada (post-picassiano), guache e lápis sobre papel, 1948; — Duas mulheres abraçadas , tinta-da-china sobre cartão, 1948; — Nu feminino com espelho (figura muito esguia), desenho à pena, 1952; — Nu feminino (com a mão na cabeça), desenho à pena, 1952; — Nu feminino (olhando o joelho), lápis sobre papel, 1952; — Três figuras (duas a preto, uma a vermelho), esferográfica sobre papel, 1952; — Desenho (Nu feminino geométrico-abstracto), lápis, 1957 — Escorço, (nu feminino deitado visto em diagonal - linguagem geométrica), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino, (mulher com perna levantada, mão segurando o pé), lápis sobre papel, não datado; — Nus femininos (duas figuras: uma em pé, outra sentada), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino de costas , esferográfica, guache e aguarela sobre cartão, não datado; — Mulher sentada penteando-se (numa cadeira), lápis sobre papel, não datado; — Mulher sentada penteando-se (no solo), lápis sobre papel, não datado; — Mulher sentada penteando-se (écharpe nos joelhos), lápis sobre papel, não datado; — Mulher sentada penteando-se (numa cadeira, rosto a 3/4), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino (com movimento torção pescoço e braços, sentada no solo), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino sentado (num cadeirão), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino sentado (num cadeirão com braço para trás), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino sentado (com fundo azul), lápis e aguarela sobre cartão, não datado;

213 — Nu feminino sentado (mão apoiando a cabeça), lápis de cor sobre papel (granate), não datado; — Nu feminino sentado (com fundo vermelhão), lápis de cera, aguarela e guache sobre cartão, não datado; — Nu feminino de costas lendo, lápis e lápis de cera sobre papel, não datado; — Mulher sentada escrevendo (dobrada sobre uma mesa), lápis sobre papel, não datado; — Mulher debruçada lendo (cabelo como cortina), lápis sobre papel, não datado; — Nu feminino (despindo uma camisola), tinta-da-china sobre papel, não datado; — Vela (figuras sentadas), (figura nua/figura vestida), guache e lápis de cera, não datado;* — Mulher nua e mulher vestida, têmpera sobre papel, não datado* — Figura feminina deitada (post-picassiano), guache, aguarela e tinta-dachina, não datado; — Figuras com véus, tinta-da-china, não datado — Mulher nua sentada à janela, aguarela e tinta-da-china sobre cartão prensado, não datado — Mulher sentada, aguarela sobre cartão, não datado

214

ANEXO VI Lista Figuras Femininas — Retrato Corpo Inteiro — Figuras femininas, guache, 1911 — Mulher , guache, 1916 — Mulher sentada a ler (sentada no chão), lápis sobre papel, 1918; — Mulher sentada (num cadeirão), tinta sobre papel, 1919; — Menina sentada (numa cadeira e de perfil), lápis sobre papel, 1919; — Mulher sentada , aguarela sobre papel, 1920; — Figura de mulher (vestido de folhos), lápis sobre papel, 1920; — Desenho (mulher com galgo), lápis sobre papel, 1920 — Senhora sentada , lápis sobre papel, 1921; — Figura feminina sentada (de pernas cruzadas), tinta-da-china sobre papel, 1921; — Desfolhando o malmequer, lápis sobre papel, 1922* — Desfolhando um malmequer, aguarela, não datado * — Senhora sentada (com fundo de cortinado), aguarela e lápis sobre papel, 1922; — Mulher sentada fumando (xaile e fundo azul), aguarela sobre papel, 1922; — Senhora sentada com leque, aguarela sobre papel, 1922; — Desenho (Varinas a dançar), 1922 — Tenista (Suzanne Liengler) , grafite sobre papel, 1923 — Senhora encostada à balaustrada, aguada sobre papel, 1923; — Senhoras sentadas conversando, lápis sobre papel, 1923 — Rapariga sentada, lápis sobre papel, 1925 — La Argentinita , guache, 1925 — La Jota, lápis sobre papel, 1926 — Mulher sentada à mesa, tinta-da-china, 1926; — Amadoras, lápis sobre papel, 1927 — Mulher sentada, tinta-da-china e aguada, 1928; — Figura feminina, lápis sobre papel, 1928; — Desenho (mulher sentada com chapéu), 1928 — Espanhola, tinta de água sobre tela, 1928 — Peixeira, lápis sobre papel, 1928 — Mulher vestida de homem, tinta-da-china sobre papel, 1929 — Desenho (mulher deitada a ler), 1930 — Banhista (com boné de marujo), lápis sobre papel, 1932; — Mulher à varanda (ângulo aproximado), tinta-da-china sobre papel, 1933;

215 — Peixeira, lápis sobre papel, 1933 — Mulher sentada lendo (mesa redonda e livro aberto), lápis sobre papel, 1934; — Mulher lendo (traço linear), lápis de cor sobre papel, 1936; — Mulher num animal marinho, guache sobre cartão, 1937 — Peixeira e miúdo, lápis sobre papel, 1937 — Figura de mulher e pandeireta, guache e aguarela sobre papel, 1938; — Mulher escrevendo (sentada no chão), lápis sobre papel, 1940; — Figuras femininas, lápis sobre papel, 1940; — Mulher tocando flautas (vestida com estrelas), tinta-da-china e lápis, 1940; — Menina de chapéu (de flores e mãos tocando-se), lápis de cor sobre papel, 1940; — Menina de chapéu (de flores), lápis sobre papel, 1940; — Mulher deitada escrevendo (estudo para a decoração a fresco dos Correios de Aveiro), lápis sobre papel, 1940; — Mulher deitada lendo (estudo para a decoração a fresco da Estação dos Correios de Aveiro), lápis sobre papel, 1940; — Composição com escultura alada, tinta-da-china e lápis, 1941 — Sereia (em cima de rochedo), tinta-da-china e lápis, 1941 — Três figuras femininas , tinta-da-china e lápis sobre papel, 1941; — Três figuras femininas , tinta-da-china, aguarela e lápis sobre papel, 1941; — Duas senhoras com saia de xadrez , tinta-da-china e lápis sobre papel, 1941; — Figura feminina deitada, dedicado e incluindo verso de Fernando Pessoa. "A Europa jaz, posta nos cotovelos: o rosto com que fita é Portugal" (Mensagem) , lápis sobre papel, 1943; — Mulher deitada (patamar de escadas), lápis sobre papel, não datado (1943?) — Duas mulheres e cão (luz de fundo), guache sobre cartolina, 1945; — Mulher (à beira rio), lápis de cor sobre papel, 1946; — Jogo de Cartas, têmpera sobre papel, 1947 — Meninas jogando às 5 pedrinhas, tinta-da-china e aguarela sobre papel, 1951 — Figura feminina, tinta-da-china e aguarela, 1952; — Senhora sentada a uma mesa (com chapéu), aguarela sobre papel, não datado; — Meninas sentadas lendo , óleo sobre tela, não datado; — Mulher à varanda (com cruzamento de eixos), guache sobre papel, não datado;

216 — Rapariga desenhando (sentada no chão e de lado), lápis sobre papel, não datado; — Figuras femininas (post-picassiano), lápis e guache sobre cartão, não datado; — Três mulheres dançando , tinta-da-china e aguarela sobre papel, não datado; — Três figuras femininas (duas de frente e uma de costas), guache sobre cartão, não datado; — Senhora enfiando agulha, tinta-da-china sobre papel, não datado; — Mulher e pássaro , guache sobre cartão, não datado; — Mulher com compras e marçano, guache e lápis de cera sobre cartão, não datado; — Figura de mulher, (com fundo verde), tinta-da-china e aguada, não datado; — Retrato de três mulheres, (uma delas sentada), lápis sobre papel, não datado; — Duas mulheres, (uma delas lendo e de óculos), lápis sobre papel, não datado; — Figura de mulher, (movimentos de braços), tinta-da-china sobre papel, não datado; — Três figuras femininas (sequência de gestos individuais), lápis sobre papel, não datado; — Rapariga lendo, óleo sobre tela, não datado — Rapariga cruzando os braços, óleo sobre tela, não datado — Mulher e pássaro, guache sobre cartão, não datado — Lendo o Orpheu 2 - estudo, guache, não datado — Sevilhanas, lápis sobre papel, não datado — Rapariga desenhando, lápis sobre papel, não datado — Duas mulheres do povo, lápis sobre papel, não datado — Varina, lápis sobre papel, não datado — Menina tocando guitarra, lápis sobre papel, não datado — Rapariga a dormir, óleo sobre tela, não datado — Mulher a pentear-se, óleo sobre tela, não datado — Cama do Gato, pastel sobre cartão, não datado

217

ANEXO VII Lista de Figuras Masculinas

— Toureiro, sanguínea, 1919 — Homem tocando guitarra, lápis sobre papel, 1919 — Homem com bengala sentado, lápis sobre papel, 1921 — Homem sentado a uma mesa, lápis sobre papel, 1922 — Senhor a uma mesa, lápis sobre papel, 1923 — Marinheiro tocando guitarra, lápis sobre papel, 1923; — Guitarrista (com perna apoiada), tinta-da-china sobre papel, 1926; — Marinheiro tocando guitarra , tinta-da-china e aguada, 1927; — Marinheiro e raparigas, tinta-da-china e aguada, 1928 — Marinheiro (sentado na borda de uma barco), tinta-da-china sobre papel, 1931; — Campino, lápis sobre papel, 1933 — Três Jovens, lápis sobre papel, 1935 — Picador, Toureiro e Futebolista, tinta-da-china e lápis, 1941 — Homem com pé apoiado num banco, tinta-da-china, 1946 — O pescador, tapeçaria de lã realizada em 1985 a partir de desenho — Rapaz sentado à janela, lápis sobre papel, não datado — Figura de Homem, (perna apoiada em banco), lápis sobre papel, não datado — Homem sentado com barrete, aguarela e lápis sobre cartão, não datado — Tenista, tinta-da-china sobre papel, não datado — Figura masculina sentada (banco de jardim), lápis sobre papel, não datado; — Guitarrista, lápis sobre papel, não datado; — Rapaz sentado à janela, lápis sobre papel, não datado; — Figura de homem (queixo apoiado na mão), lápis sobre papel, não datado; — Rapazes brincando (desporto), lápis sobre papel, não datado;

218

ANEXO VIII Lista de Cabeças/Retratos femininos e masculinos

— Retrato da 4ª Duquesa de Palmela, lápis sobre papel, 1921 — Cabeça de mulher, aguarela sobre papel, 1922; — Retrato de mulher (com brincos e colar - mundana), aguarela sobre papel, 1925; — Figura dormindo, lápis sobre papel, 1929 — Retrato de senhora (com rede no cabelo) lápis sobre papel, 1930; — Desenho (retrato com mão na cabeça), 1930 — Rosto de mulher, lápis sobre papel, 1932 — Cabeça de mulher, lápis sobre papel, 1932; — Rosto de mulher (velatura), lápis sobre papel, 1933; — Cabeça de mulher, (olhar velado), lápis sobre papel, 1933; — Cabeças, lápis sobre papel, 1934 — Rosto de mulher (com boina), lápis sobre papel, 1935; — Varina (cabeça), óleo sobre tela, 1939; — Milonga, desenho a lápis, 1940 — Rapariga com bivaque, lápis sobre papel, 1942 — Busto de mulher, lápis sobre papel, 1963 — Cabeça de mulher (com brinco), lápis sobre papel, não datado; — Retrato de Sarah Affonso, lápis sobre papel, não datado; — Retrato de Sarah Affonso, lápis sobre papel, não datado; — Retrato de Sarah Affonso, óleo sobre tela, não datado; — Retrato da mãe de Almada Negreiros, lápis sobre papel, não datado — Cabeça feminina (mãos em prece), lápis sobre papel, não datado; — Retrato de senhora, (blusa vermelha), guache sobre papel, não datado; — Cabeça de rapaz, lápis e aguarela, 1920 — Retrato de Alfredo Cortez , lápis sobre papel, 1926 — D.Rufino Blanco Fomlona, lápis sobre papel, 1927 — Retrato de Fernando Pessoa, tinta-da-china sobre papel, 1935 — Retrato masculino, lápis sobre papel, 1937; — Retrato do Arqt.º José de Almada Negreiros, lápis sobre papel, 1938; — Retrato de Euetzer Martins, lápis sobre papel, 1948; — Retrato de pintor Altberg, lápis sobre papel, não datado;

219 — Retrato de Gago Coutinho, lápis sobre papel, não datado; — Rosto de Homem, lápis sobre papel, não datado — Cabeça de velho com cachimbo, lápis sobre papel, não datado; — Mousinho de Albuquerque, desenho, não datado

220

ANEXO IX Lista de Bailarinos, artistas e figuras de Circo — Bailarina (grand jeté), lápis sobre papel, 1933; — Bailarinos , (dança rotacional), lápis e aguarela sobre papel, 1943; — Bailarinas (com sabatinas), guache, 1945 — Bailarinos , gravura, não datada; — Bailarinas (vestidas de cores), lápis de cera sobre papel, não datado; — Bailarina (branco sobre preto), tinta-da-china e lápis sobre papel, não datado; — Par de bailarinos (branco sobre preto), tinta-da-china e lápis sobre papel, não datado; — Repouso da bailarina, lápis sobre papel, não datado; Artistas e Figuras de Circo — Acrobata, lápis sobre papel, 1920 — Uma Actriz, lápis sobre papel, 1922 — O Contorcionista, desenho, 1929 — Figuras de Circo (com cavalo), lápis de cera sobre cartão, 1933; — Homem de Circo (equilibrista), tinta-da-china sobre papel, 1933; — Saltimbancos, lápis sobre papel, 1938 — Figura de circo com cavalo, aguarela, 1939 — Meninas e cavalos, aguarela sobre cartão, 1942; — Acrobatas (deitados), guache sobre papel, 1947; — Acrobatas, guache sobre papel, 1947 — Figuras de circo, desenho à pena, 1952; — Figuras de circo, (mulher com bola), tinta-da-china sobre papel, não datado; — Figuras de Circo (com camarote e público), lápis de cor sobre papel, não datado; — Acrobata, têmpera e lápis de cera sobre cartolina, não datado; — Figuras e cavalo (com criança), lápis sobre papel, não datado; — Atleta, lápis sobre papel, não datado; — Fadistas, lápis sobre papel, não datado; — Casal de artistas de circo, óleo sobre madeira, não datado

221

ANEXO X Lista de "Maternidades"

— Mãe e Filho, tinta-da-china sobre papel, 1926 — Sarah Affonso e filho, lápis sobre papel, 14.12.34; — Maternidade, óleo sobre tela, 1935; — Mulher e criança de perfil, lápis sobre papel, 1943; — Maternidade (post-picassiano), óleo sobre madeira, 1948; — Maternidade (amamentando), lápis sobre papel, não datado; — Maternidade : série de 27 desenhos a tinta-da-china sobre papel, 8.1948; — Homem, mulher e criança, lápis e aguada sobre papel, não datado; — Família, guache e aguarela, 1940 — Família, lápis de cor e lápis de cera, 1968; — Mulher e criança na praia, lápis sobre papel, não datado

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Lista de Anexos

Anexo I

Lista dos Auto-Retratos de Almada Negreiros ____________

Anexo II

Lista de Retratos de Arlequim, Pierrot e Columbina ______

Anexo III

Lista dos Retratos de Pares 1 ____________________________

Anexo IV

Lista de Pares 2 ________________________________________

Anexo V

Lista Nus femininos _____________________________________

Anexo VI

Lista Figuras Femininas — Retrato Corpo Inteiro __________

Anexo VII

Lista de Figuras Masculinas _____________________________

Anexo VIII

Lista de Cabeças/Retratos femininos e masculinos _______

Anexo IX

Lista de Bailarinos, artistas e figuras de Circo _____________

Anexo X

Lista de "Maternidades" ________________________________

Anexo XI

Manuscrito “O Pierrot que nunca soube” ________________

Anexo XII

Manuscrito “História Verde (a autêntica)” _______________

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