Futebol: Bases Científicas da Preparação de Força (E-Book)

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Descrição do Produto

FUTEBOL: Bases Científicas da Preparação de Força Adriano Vretaros

ADRIANO VRETAROS

FUTEBOL: Bases Científicas da Preparação de Força

São Paulo Edição do Autor 2015

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Autorizo a reprodução parcial desta obra para fins de ensino e pesquisa, desde que seja citada esta fonte originária (autor, título e ano). Este eBook não pode ser transmitido por qualquer meio e\ou mídia visando fins comerciais sem a devida autorização do autor.

Dados do ISBN VRETAROS, Adriano 146 páginas – 2015 FUTEBOL: Bases Científicas da Preparação de Força Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-920311-0-7

eBook

Futebol, Treinamento de Força, Bases Científicas São Paulo – BRASIL

PREFÁCIO

A intenção de escrever este livro emergiu das inquietações surgidas durante a minha carreira; tanto nas leituras sobre a teoria do treinamento desportivo e desenvolvimento de pesquisas científicas, quanto na prática da preparação de atletas. A paixão pelo futebol e preparação física me fizeram refletir acerca de qual seria um tema dentro da atualidade científica que ao mesmo tempo contribuiria para os profissionais envolvidos no meio futebolístico e, sanaria minhas dúvidas mais frequentes. Assim, iniciei ao longo do tempo, um manuscrito que considero do ponto de vista acadêmico interessante. Sempre acreditando que quanto mais se obtêm conhecimento pautado na ciência, melhores seriam os entendimentos sobre determinada prática profissional. Dentro das capacidades biomotoras envolvidas no futebol, a força motora representa uma ação capital determinante para o sucesso ou fracasso de um time. Uma base sólida da força em suas diferentes manifestações aprimoraria o desempenho dos jogadores, como também é considerada uma ferramenta útil na prevenção de lesões. Compreendendo como cada manifestação da força funciona e, entendendo os meios e métodos de aplicação mais eficazes, poderíamos auxiliar os preparadores físicos a embasarem suas filosofias de trabalho. Todavia, nos momentos finais da confecção e, ao partir para a publicação, senti que uma obra em papel encadernada e com fins comerciais não atingiria meus objetivos. Por isso, tomei a decisão de publicar em formato digital eBook, sem fins comerciais, para que possamos atingir um grande número de leitores. Detalhe adicional: parti da premissa do ¨menos é mais¨

SOBRE O AUTOR

Adriano Vretaros • Pós-Graduado em Bases Fisiológicas e Metodológicas do Treinamento Desportivo – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) • Graduado em Educação Física – Universidade do Grande ABC (UniABC) • Preparador Físico • Contato: [email protected]

SUMÁRIO

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Prefácio Sobre o autor Sumário Introdução 1.0 - Compreendendo a preparação de força no futebol 2.0 - A controversa abordagem ecológica 3.0 - Características gerais do futebol 4.0 - Controle motor e futebol 5.0 - Bioenergética e futebol 5.1 -Sistema anaeróbio alático 5.2 - Sistema anaeróbio lático 5.3 - Sistema aeróbio 6.0 - Princípios do treinamento desportivo 6.1 - Princípio da individualidade biológica 6.2 - Princípio da adaptação 6.3 - Princípio da sobrecarga 6.4 - Princípio da progressividade 6.5 - Princípio da interdependência volume-intensidade 6.6 - Princípio da especificidade 6.7 - Princípio da concorrência 6.8 - Princípio da treinabilidade 6.9 - Princípio da variabilidade 6.10 - Princípio da desadaptação 6.11 - Princípio da continuidade 7.0 - Fisiologia muscular e futebol 8.0 – Força 9.0 - Força motora no futebol 9.1 - Resistência muscular localizada 9.2 – Hipertrofia 9.3 - Força máxima 9.4 - Resistência de força rápida 9.5 - Força explosiva 10.0 - Treinamento funcional 11.0 - Avaliação da força 11.1 - Teste de 1 repetição máxima

04 05 06 08 09 11 14 17 19 19 20 21 23 23 23 24 24 24 25 25 26 26 27 27 29 32 34 35 38 42 45 51 59 66 66

◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦

11.2 - Impulsão horizontal 11.3 - Salto unipodal triplo horizontal 11.4 - Salto sêxtuplo 11.5 - Impulsão vertical 11.6 - Teste de força abdominal 11.7 - Functional movement screen 12.0 - Aquecimento no futebol 13.0 – Fadiga 14.0 – Fadiga no futebol 14.1 – Glicogênio 14.2 – Desidratação 14.3 – Propriocepção 14.4 - Fatores adicionais limitantes do desempenho no futebol 15.0 - Métodos de recuperação 16.0 - Recuperação no futebol 16.1 - Massagem 16.2 – Crioterapia 16.3 - Técnicas adicionais de recuperação 17.0 - Lesões no futebol 17.1 - Joelho no futebol 17.2 - Tornozelo no futebol 17.3 - Quadril no futebol 17.4 - Isquiotibiais no futebol 17.5 - Prevenção de lesões no futebol 18.0 – Periodização 19.0 - Periodização da força no futebol 20.0 - Controle das cargas 21.0 – Lista de abreviações 22.0 - Referências bibliográficas

67 67 68 68 68 69 71 75 77 78 78 80 81 83 85 85 86 87 90 92 93 94 97 98 103 106 112 116 118

INTRODUÇÃO O futebol é uma modalidade de desporto conhecida mundialmente pela sua beleza e plasticidade nas ações motoras durante uma partida. São encontradas uma diversidade de capacidades biomotoras que apóiam o desempenho futebolístico. Entre elas, a força motora. Considerada na atualidade como capacidade biomotora crucial em um grande rol de esportes, a força e suas diferentes manifestações se fazem existentes no futebol moderno. Não é apenas a citação de futebol-força que nos faz recordar de imediato a importância da força no futebol e, sim, o futebol de resultados. No futebol de resultados, os jogadores devem estar devidamente condicionados na força motora para suportar as cargas impostas pelas partidas que requerem efeitos de grande magnitude no desempenho. A execução de sprints curtos intermitentes, mudanças de direção, saltos, giros, carrinhos e demais movimentações acabam solicitando em variados graus da força. Em acréscimo, as habilidades motoras como os passes, dribles, fintas e distintos tipos de chutes podem ser considerados resultantes de vetores da força. O preparador físico ao vislumbrar este quadro, se sente na obrigação de incorporar em seus programas de treinamento a força motora e suas derivações. No entanto, mesmo o mais experiente dos profissionais se depara com questões inerentes acerca da prescrição do treino da força, levando-o a indagar: Qual o perfil das fibras musculares nos jogadores de futebol? Como elaborar um programa de treino da força baseado na concepção ecológica? Quais os principais princípios norteadores no desenvolvimento da força? Como a força se manifesta nas funções táticas? Como treinar a força no futebol? Quais os melhores testes de avaliação da força no futebol? Como realizar um aquecimento efetivo em futebolistas? Quais as formas de fadiga no futebol? Quais as lesões que mais acometem os futebolistas? Como periodizar a força no futebol? Como se realiza o controle das cargas de treino? Estas e outras perguntas podem ser respondidas com a leitura deste manuscrito, como também pode levar o leitor a refletir e buscar questões mais aprofundadas fundamentado nas pesquisas aqui apresentadas. Vale dizer que futebol tem se modernizado e, assim a ciência acompanha este progresso. Portanto, ao adentrarmos no universo científico voltado ao futebol, não espere todas as respostas, haja visto a ciência levantar um maior número de interrogações do que decifrar arquétipos. Desejo a todos uma boa leitura e compreensão!

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1.0 - COMPREENDENDO A PREPARAÇÃO DE FORÇA NO FUTEBOL A definição de esporte como entendemos hoje, pode ser considerada como uma atividade específica estruturada que envolve vigorosos esforços de caráter físico em conjunção com o uso de habilidades motoras complexas, direcionado por motivações externas e internas. A preparação de força no esporte consiste na edificação de um conjunto de sessões de ordem prática corporal e\ou intelectual visando por meio da somatória das mesmas, provocar alterações fisiológicas específicas (agudas e\ou crônicas) no organismo de um atleta. As variantes da força (resistência de força, força máxima, resistência de força rápida e força explosiva) são regidas por processos complexos de interação, cuja compreensão requer estudos contínuos afim de se encontrar a melhor solução de determinadas tarefas enfrentadas nas sessões de treino e competições. Segundo Barbanti et al (2004), as pesquisas com orientação para o treinamento das capacidades biomotoras apresentam uma grande variabilidade de resultados, com significados relevantes para os preparadores físicos. O futebol, visto na atualidade, reflete a evolução científica ao longo dos anos. Com isto, o antigo futebol-arte passou a ser conhecido como futebol-força. Não por acaso, os jogadores tornaram-se mais altos, mais fortes e mais rápidos. Alterou-se a dinâmica global do jogo. Nas partidas, os futebolistas realizam movimentos rápidos e repetitivos em distâncias curtas. A expressão destas ações motoras realizadas com e sem bola, representam prioritariamente a manifestação da força. As frenagens , arrancadas e constantes mudanças de direção exigem altos níveis da força e potência muscular para vencer a inércia da massa corporal nas solicitações durante a partida. Os métodos de preparação da força em futebolistas vem sendo estudados por inúmeros pesquisadores. Todavia, alguns preparadores físicos, continuam pautando seus treinamentos em meios e métodos ultrapassados, arraigados em filosofias de trabalho não muito bem compreendidas. Uma destas, reside no fato, que durante o período preparatório antecedente a temporada, deve-se criar uma base de sustentação aeróbia nos jogadores. Questiono: como uma base aeróbia irá melhorar o desempenho físico no futebol durante o longo período competitivo, regido por um componente físico determinante como a potência muscular? Basta observarmos as pesquisas, para concluir que níveis elevados de consumo máximo de oxigênio (VO2máx) não é mais um fator relevante para o sucesso no futebol moderno. O futebol não é uma modalidade de endurance como a maratona, triatlo, ciclismo de estrada e outras. Nestes esportes, o VO2máx é considerado uma variável importante. Porém, visto isoladamente, não é considerado elemento determinante. A conjunção do VO2máx com outros parâmetros é que ditarão a 9

performance nestas modalidades. Ao analisarmos resultados de avaliações físicas, constatamos que o VO2máx dos jogadores sofre flutuações ao longo temporada. Mesmo em condições de VO2máx reduzido, os futebolistas conseguem sustentar seu patamar de desempenho nas partidas (Silva et al, 2015). Está bem elucidado na literatura que o futebol contemporâneo deve ser visto como modalidade de força-velocidade-potência. Neste sentido, iremos explanar acerca da preparação de força no futebol, tentando demonstrar que a força, por si só, é um requesito essencial e de maior relevância que as demais capacidades biomotoras para a performance dos futebolistas. Nosso entendimento da palavra preparação é sinônimo do ato de preparar-se, disposição, manipulação, etc. Portanto, em vez de utilizarmos termos como: treinamento de força, musculação, treino com pesos e afins, preferimos usar no título desta obra a macrodenominação: preparação de força. A preparação de força parte do pressuposto de preparar o atleta para algo, no caso, a força, e mais especificamente voltada ao futebol. Assim, neste texto, a preparação de força no futebol englobará os exercícios de musculação, treino com aparelhos, treino com pesos, calistênia, treinamento funcional, técnicas de levantamento olímpico, pliometria, entre outros. Resumindo, este livro visa apresentar os fundamentos para a elaboração da preparação de força no futebol baseados em pesquisas científicas e experiências práticas vivenciadas, reconhecidas como determinantes para a obtenção de um alto nível de desempenho esportivo.

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2.0 - A CONTROVERSA ABORDAGEM ECOLÓGICA A ecologia é um ramo fragmentado da ciência que estuda a interatividade dos seres vivos com o meio ambiente. Na teoria do treinamento desportivo, uma abordagem ecológica, significa uma aproximação dos meios e métodos de preparação ao habitat natural da respectiva modalidade. O habitat natural refere-se ao local, espaço físico e condições ambientais onde se desenvolvem as ações motoras pertinentes ao esporte. Não é uma simples alocação da aparelhagem e equipamentos da sala de treinamento para o campo de jogo. Baseia-se no princípio da especificidade, ao qual apregoa, que os meios e métodos de treinamento empregados, para serem efetivos, devem propiciar uma transferência positiva para a ação motora da modalidade. Essa transferência se dará pela utilização de modelos de treino que respeitem a especificidade bioenergética, neuromuscular, biomecânica e recursos metodológicos mais próximos da realidade presente na arena competitiva. Como exemplo, podemos citar, o conceito de periodização tática criado pelo professor português Vitor Frade, no qual relaciona a complexidade do treinamento técnico-tático a um modelo de jogo. Para operacionalizar a preparação de força no futebol baseado numa concepção ecológica, devemos nos atentar a fugir de meios analíticos de interpretação no treinamento. Em vez de nos restringirmos à treinarmos preparação de força isoladamente nas suas manifestações, devemos incorporar elementos presentes nas habilidades motoras inerentes ao futebol (por exemplo, a bola durante os exercícios físicos). Araújo et al (2006) e Duarte et al (2010) discorrem que métodos de treinamento orientados sobre uma dinâmica ecológica, nas ações motoras desempenhadas pelos atletas, os mesmos expressam a integração comportamental no contexto real da atividade competitiva. Entendendo que, a variabilidade e dinâmica de ações que caracterizam o jogo de futebol são de ordem complexas, devido às decisões individuais e estratégias coletivas, não podemos desintegrar o treino da preparação de força das atividades específicas ocorridas no terreno de jogo (Vaz et al, 2014). A intenção seria preparar o futebolista como um todo, não os seus diferentes componentes de maneira isolada. Carravetta (2012) acentua que após a década de 90, surge a concepção científica sistêmico-ecológica no futebol. Na concepção sistêmico-ecológica, a abordagem transdisciplinar globalizada rege as situações-problemas que surgem nos programas de treinamento e enfatizam a espontaneidade e autonomia dos atletas aperfeiçoando os componentes psicofísico-motores. O vitorioso treinador português José Mourinho diz em suas entrevistas que 11

acredita no trabalho de força executado somente na área de reabilitação. Rui Faria, o preparador físico que acompanha Mourinho não é adepto das corridas em torno campo, como também no trabalho de força executado no ginásio. Todavia, aceita o uso da bola em seus treinos físicos. Sua filosofia de trabalho é pautada em um processo natural complexo, segundo ele de difícil execução para outros que tentarem imitar ou copiar. Em outras palavras, somente quem criou saberia operacionalizar (Vieira, 2010). Deveríamos pautar as nossas linhas metodológicas de treinamento em abordagens de sucesso? Sim e não! Ou por acaso algum sério preparador de atletas que obedece aos princípios científicos acreditaria em seguir cegamente um modelo de treino só pelo fato dos resultados apresentados...Sem uma análise rigorosa e crítica...Não! Então, onde se encaixa o sim? O sim viria (ou não!) com uma série de estudos direcionados a avaliar tais métodos a longo prazo. Scaglia (2015) analisou a filosofia de Mourinho na ótica da pedagogia do treino, alegando que abordagens de entendimento analíticas, fragmentam o futebol e são exploradas de forma desconexas diante das reais exigências e ocorrências de uma partida. A programação dos treinos, segundo ele, só teria validade quando possibilitasse aos jogadores vivenciarem situações mais utilizadas nos jogos. Tais ideias metodológicas, se distanciam dos modelos reducionistas (Medina, 1996) que apregoam interpretações do saber científico assinaladas em subdivisões especializadas. Com essas afirmações, fico imaginando se não estamos regredindo a um estágio do passado onde os métodos de treinamento eram fundamentados no improviso, carentes de bases científicas mais apuradas. Quando, por exemplo, os métodos de treinamento dos atletas no atletismo da prova de 100 metros eram apenas a reprodução fiel da distância. Questiono: Estamos regredindo ou progredindo? Difícil resposta...Porém, uma frase que tem norteado a filosofia de trabalho dos preparadores físicos adeptos da linha ecológica merece análise: • Frase : ¨O atleta treina como compete ou joga¨ Esta frase no qual afirma que o jogador deve treinar como compete, tem duas vertentes: a primeira, no qual quanto mais próximo estiver o estímulo e os métodos de treino da atividade motora da partida, está correta. Entretanto, analisando pela segunda vertente, verificamos que não é adequado treinarmos diariamente reproduções fiéis da atividade orgânico-fisiológica-motora futebolística nos treinos, pois as cargas devem sofrer flutuações e variações nos métodos (princípio da interdependência volume\intensidade e princípio da variabilidade) nas unidades de treinamento. Em determinados momentos, como por exemplo, em um microciclo de choque, as cargas empregadas são suficientemente elevadas e ultrapassam as exigências de esforços requeridas nas partidas. Também, por outro lado, normalmente 12

após as partidas e, em diferentes ocasiões do micro\mesociclo o treinamento denominado regenerativo envolve cargas extremamente leves com intensidades menores do que os jogadores suportam nos jogos e\ou treinos. Em particular, devemos nos ater ao fato de que existem décadas de pesquisas desenvolvidas na área de treino da força que aprovam seus benefícios no desempenho e, não será uma abordagem com estas características que determinará o não uso do ginásio de pesos para os atletas. Assim, com base nas premissas levantadas, devemos nos indagar se a abordagem ecológica seria um modismo passageiro no futebol, ou quais argumentos fidedignos justificariam a continuidade dessa abordagem a longo prazo? Definitivamente, esse excesso de especificidade no pensamento ecológico poderia resultar em efeitos deletérios na preparação corporal global dos jogadores, devido principalmente a unilateralidade das ações (uso predominante do membro dominante). Entre os efeitos, podemos citar: problemas de ordem postural, assimetrias de membros, desequilíbrios musculares, entre outros. Acreditando que o rendimento no futebol é fruto do domínio motor automatizado somado a magnitude dos componentes físicos, Carravettta (2012) profere acerca da complexidade de processos motores e perceptivos que estão envolvidos: tomadas de decisões, controle, regulação e execução. Neste contexto, podemos supor que a linha ecológica propiciaria uma aproximação com os componentes reais envolvidos na partida. Em contraste, na preparação de força, o preparador físico precisa estar ciente que nem todos os meios e métodos de treino poderão ser adaptados ao pensamento ecológico. Os postulados dessa concepção ¨moderna¨ nos remete a uma postura crítica e aberta por parte do preparador físico, que deverá interagir mais profundamente com o técnico da equipe, conhecendo seu modelo de jogo e configurando adequadamente os esforços específicos dos jogadores na unidade de treino. A dita ¨periodização tática¨ seria bem-vindo nos treinos integrados que envolveriam aspectos técnicos-físicos, técnicos-táticos e técnicos-táticos-físicos. Além dessas três esferas, criar expectativas adicionais em relação a singular linha ecológica nos parece muito precoce no presente momento. Portanto, no transcorrer deste livro, não existirá ¨receita de bolo¨ como desenhos de exercícios para preparação de força tão comuns em outras literaturas sobre o tema. Haverá sim, exemplos de exercícios, porém os mesmos não passam de meras amostras para uma melhor compreensão. A nossa real intenção seria solicitar da criatividade dos conhecimentos técnicos-científicos aqui apresentados, para que o preparador físico desafie a si próprio na construção de seus programas de treinamento.

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3.0 - CARACTERÍSTICAS GERAIS DO FUTEBOL O futebol é considerado um esporte coletivo de invasão, onde duas equipes compostas de onze jogadores cada uma se confrontam em uma arena de 100-110 metros de comprimento por 64-75 metros de largura com superfície de grama. O objeto de jogo é uma bola esférica, cuja circunferência pode oscilar entre 68-70 centímetros e com uma massa de 410-450 gramas. O objetivo do jogo é marcar gols entre os travessões dispostos longitudinalmente de lados opostos do campo. As ações motoras predominantes dos jogadores são realizadas com os pés, porém em algumas ocasiões se empregam o joelho, o peito e a cabeça. O goleiro é a única função que pode se utilizar das mãos em suas ações. A disposição dos atletas no campo de jogo segue desenhos táticos estratégicamente determinados pelo treinador da equipe. Entre os sistemas táticos mais perfilhados tem sido utilizado o 4-3-3, o 5-3-2, o 4-4-2 e o 4-5-1. Essas variações táticas acontecem por meio de marcações individuais, por zona ou mista. Para entender melhor as características de movimentação e demanda fisiológica no futebol, a maioria dos pesquisadores tem calculado as distâncias percorridas nas partidas através de rastreamento da filmagem acoplados à recursos tecnológicos como softwares e o GPS. No entanto, pesquisadores como Soares & Rebelo (2013) reportam que os estudos que empregam mensurações das distâncias no futebol possuem limitações. Tal fato se deve a não observação dos esquemas táticos adotados pelas equipes. Citam, como exemplo, em um time que privilegie ações defensivas, os laterais atuariam mais recuados e, portanto, cumpririam menores distâncias. Ao contrário, quando o treinador dá ênfase aos esquemas ofensivos, os laterais, em tese, percorreriam maiores distâncias. A solução para isto seria a mensuração de um numerário (n) maior de partidas, como também a identificação do modelo de jogo. D´Ortavio & Tranquilli (1993) citam os tipos de movimentação de um meiocampista correlacionando com as velocidades: parado, andando (5Km\h), corrida lenta (11Km\h), corrida média (15Km\h), corrida larga (18Km\h), corrida rápida (21Km\h), sprint (24Km\h), sprint máxima velocidade (27Km\h), corridas de costas (3 a 21Km\h), corridas laterias (0 a 21 Km\h). O quadro 01 mostra um mapeamento das movimentações entre as diversas funções táticas no futebol.

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Variáveis do jogo

Quadro 01 – Demandas de movimentação no futebol Defensores Zagueiros MeioMeiocentrais campistas campistas avançados

Atacantes

Distância percorrida Total (m)

9885+\-555 10710+\-589 11450+\-608 11535+\-933

Corrida em alta 1834+\-256 intensidade (m) Corrida em muito alta intensidade (m) Sprint (m)

10314+\1175

2605+\-387

2825+\-473

3138+\-565 2341+\-575

603+\-132

984+\-195

927+\-245

1214+\-251

955+\-239

152+\-50

287+\-98

204+\-89

346+\-115

264+\-87

7,74+\-0,24

7,52+\-0,32

74+\-23

62+\-19

Outras variáveis Corrida em máxima velocidade 7,31+\-0,30 (metros x segundo) Tempo de recuperação (segundos)

101+\-15

7,93+\-0,31 7,76+\-0,28

51+\-16

73+\-22

(Adaptado de Bradley et al, 2009) Em média, nas equipes profissionais, as distâncias percorridas flutuam entre 9 a 12 Km com variações dependentes da função tática desempenhada pelos jogadores. Aparentemente, os meios-campistas são os que percorrem maiores distâncias entre os jogadores de linha. O goleiro, em média, perfaz 4km por jogo. Na interpretação de Santi Maria et al (2013) existem alguns fatores que influenciam nos valores de distâncias percorridas pelos jogadores de futebol, assim dispostos: posição de jogo, estilo da equipe, nível de competição, condicionamento físico dos jogadores, espaço competitivo, evolução da modalidade, momento da temporada, metodologia de análise, condições climáticas e dinâmica da partida. 15

Observando as distâncias percorridas e suas respectivas velocidades, nota-se que as ações motoras futebolísticas são de caráter acíclico intermitente regidas pela imprevisibilidade dos esquemas táticos praticados pelas equipes. Isoladamente, os componentes físicos não determinam o sucesso no futebol moderno. Deve-se dar atenção também as habilidades motoras técnicas atreladas ao entendimento tático por parte dos jogadores (Silva Neto, 2013). Por mais habilidoso e condicionado fisicamente que seja o jogador, as estatísticas demonstram que a bola só ficará nos seus pés (para realização de passes e\ou variados chutes) em apenas 1-2% do tempo total da partida (Anderson & Sally, 2013). Garganta apud Freitas Silva et al (2015) observam que a lógica futebolística consiste em intercalações dos estados de ordem\desordem, estabilidade\instabilidade, uniformidade e variedade. São comportamentos que envolvem habilidades complexas e interdependentes, com dinâmicas próprias. No vingente futebol de resultados, as equipes de ponta amadureceram para um jogo mais equilibrado nos sistemas de defesa e ataque. Nas palavras de Anderson & Sally (2013), ditas de outra forma, o futebol tático atual tenta evitar erros, punindo os erros da equipe adversária. Ainda segundo os autores, com as informações estatísticas compartilhadas, os times tornaram-se mais parecidos e, com acesso a jogadores talentosos, o número de gols apresentou queda significativa ao longo dos anos. No alto nível existe um grau elevado de uniformidade na natureza do jogo.

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4.0- CONTROLE MOTOR E FUTEBOL Toda conduta motora, entendida a nível neurofisiológico, se inicia no cérebro (área pré-motora, córtex motor primário, córtex pré-frontal dorsolateral e córtex parietal posterior). São processos cognitivos distintos formados em circuitos com diferentes tipos de organização para prática e aprendizagem de habilidades (Lage et al, 2015). O planejamento de uma tarefa motora é gerida por um conjunto complexo de atividades neurais. A célula nervosa é o neurônio. Os neurônios motores exercem funções eferentes, e ao contrário, os neurônios sensoriais costumam realizar ações aferentes. Proporcionalmente, segundo Magill (2011), a relação entre neurônios é de dez neurônios motores para cada um sensorial e 200 mil interneurônios. Os motoneurônios sofrem uma divisão, a saber: alfa (medula espinhal –> ramificações nas fibras músculo esqueléticas) e gama (músculo esquelético –> fibras intrafusais). Ambos motoneurônios, exercem o papel de transmissão bidirecional da informação. O controle do movimento voluntário é baseado em respostas neurofisiológicas moduladoras da atividade neural em conjunção com uma sequências de eventos. O sistema nervoso central (SNC) como orgão-presidente, atua sobre o cérebro e medula espinhal integrando e organizando as informações sensoriais e motoras no controle do movimento. Por meio do córtex motor que envia sinais pelos axônios, os músculos conseguem controlar a coordenação dos movimentos e da postura. A ativação da unidade motora sobre a influência de impulsos nervosos que conduzem os motoneurônios alfa, cujo determinado grau de recrutamento contrairá a fibra muscular. A velocidade de contração muscular, por meio do sistema neuromotor, ajusta os reflexos de proteção durante a coordenação e o equilíbrio. Almeida (1999) argumenta que o SNC se utiliza de múltiplas possibilidades na execução do movimento em busca de uma única solução. Na visão deste autor, a biomecânica, contribui metodologicamente para uma descrição cinemática e\ou cinética do ângulo, velocidade, aceleração e torque muscular nas ações motoras. Conforme a tarefa motora, ocorrem invariabilidades de ordem cinemática, controlando amplitudes articulares e alternâncias nas mudanças espaço-temporais dos alvos-finais. Ao estudar a existência de um sistema sensório-motor integrado, Medeiros (2007) retrata uma necessidade de respostas adaptativas às circunstâncias do meio ambiente, decorrentes de processos cognitivos que estariam presentes em estágios de vida extremamente precoces, como dos recém-nascidos. Os proprioceptores (receptores localizados músculos, articulações e tendões) retransmitem a informação acerca da dinâmica da atividade motora para o SNC. 17

McArdle et al (2011) lembram o papel importante dos proprioceptores no monitoramento contínuo de qualquer estratégia de movimento, conseguindo criar modulações para o comportamento motor objetivado. Na atividade esportiva, Platonov (2008) salienta acerca da eficácia da atividade motora específica competitiva. O controle motor por meio dos mecanismos neurológicos, psicológicos e fisiológicos regulam a construção hierárquica das ações especializadas que constituem o arcabouço técnico\tático da modalidade. Em geral, resumidamente, as principais habilidades executadas pelos futebolistas em sua diversidade motora incluem: o passe, o drible, o chute, o cabeceio (ofensivo e defensivo), o controle de bola, controle de corpo e o desarme. As habilidades motoras executadas no futebol são de análise complexa. Segundo Shan & Westerhoff (2015), uma análise mais detalhada das ações do futebolista requerem o uso de imagem tridimensional. Os autores reportam que o chute é um dos movimentos mais estudados. Na pesquisa, sobre a eficácia do chute, ficou evidenciado que a execução do chute é dependente de toda uma coordenação multi-articular. O movimento rotacional do tronco em concordância com os membros superiores, propiciam uma condição para gerar a contração muscular explosiva, através do pré-alongamento, resultando em um chute mais potente. Ao comparar o movimento do chute em duas condições experimentais distintas (bola parada ou bola em movimento), Egan et al (2007) citam que jogadores mais experientes utilizam a flexão rápida do joelho como uma estratégia de exploração dinâmica na busca pela precisão. Segundo Teixeira et al (1998) as habilidades complexas no futebol de condução de bola, chute de precisão e chute de potência efetuados com as pernas dominante e não dominante, denotam assimetrias laterais específicas a tarefa motora devido principalmente ao caráter dinâmico das ações. Os movimentos balísticos na diversidade de chutes empregados possuem uma relação existente entre a velocidade do movimento e a precisão. Na propulsão da bola, as ações balísticas tem a intenção de projetá-la em determinado local (jogador, gol, etc). Assim, a área-alvo virtualmente projetada requer da precisão para se atingir o alvo real. São as alterações que podem ocorrer no perfil cinemático do chute (força inercial e força muscular) que irão afetar o controle dos movimentos (Teixeira, 2000). Nos esportes coletivos, como o futebol, devido a imprevisibilidade que norteia as ações durante a partida, ocorre uma grande variabilidade dinâmica e mutabilidade para solucionar as tarefas motoras nestas condições instáveis, afetando diretamente os padrões neuromusculares coordenativos e requerendo um alto grau de neuroplasticidade.

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5.0 - BIOENERGÉTICA E FUTEBOL As diferentes formas de trabalho biológico se utilizam da energia de reações químicas derivada dos alimentos, para uma cíclica conversão ao trabalho mecânico do músculo esquelético. Para MacArdle et al (2011), a definição de bioenergética retrata o fluxo e a permuta de energia no aporte de um sistema vivo. Os autores advogam que no corpo, a energia química derivada dos macronutrientes, inicialmente segue para o sistema muscular para ser convertida em trabalho mecânico, e posteriormente, dispersa-se em energia térmica sob a forma de calor. O entendimento da bioenergética permite solucionar questões de como a maquinaria humana responde ao estresse fisiológico imposto pela atividade motora. O fornecimento de energia para o trabalho muscular durante o exercício é regido por três macrosistemas interligados e sobrepostos: sistema anaeróbio alático, sistema anaeróbio lático e sistema aeróbio.

Função

Quadro 02 – Distribuição energética no futebol Anaeróbio Alático Anaeróbio Lático

Aeróbio

Goleiro

80,00%

20,00%

0,00%

Meio-Campo

60,00%

20,00%

20,00%

Atacante

80,00%

20,00%

0,00%

Ponta

80,00% 20,00% (Adaptado de Bompa & Haff, 2012)

0,00%

5.1 - Sistema Anaeróbio Alático A moeda corrente resultante da conversão dos elementos químicos celulares e moleculares para a atividade mecânica da musculatura esquelética é conhecida como adenosina trifosfato (ATP). A contração muscular se dá pela quebra da ATP em adenosina difosfato (ADP) e um íon de fosfato. Pelo fato de existir uma pequena quantidade de ATP nos músculos, suficiente para aproximadamente dois segundos de trabalho em alta intensidade, a garantia de um trabalho mais prolongado se dará pela ressíntese de ATP. Essa ressíntese é obtida pelas reações anaeróbias, como também pelas vias aeróbias (Platonov, 2008). O sistema anaeróbio alático é caracterizado por uma elevada potência na liberação de energia e curta duração. Neste sistema, a fosfocreatina (PCr) é a substância precursora para recompor o ATP. Para MacArdle et al (2011), a energia 19

imediata gerada pelo sistema anaeróbio alático em atividades motoras de curta duração e altíssima intensidade, como por exemplo, na prova de 100 metros do atletismo, provém quase que de forma exclusiva do trinômio fosfagênio-ATP-PCr. Este processo que não necessita da presença do oxigênio para ser acionado, e também pelo fato de não necessitar de uma série de reações químicas funcionais, costuma esgotar as reservas de fosfocreatina em até aproximadamente 10 segundos de exercício máximo de curta duração no desempenho. De acordo com Goulart et al (2007), no decorrer de uma partida do futebol, em média a cada 90 segundos, é realizado um sprint com duração de dois a quatro segundos. As movimentações que incluem: trote, corrida em intensidade média, sprints de curta duração, saltos intercalados por períodos andando ou parados, geram tempo suficiente para ressíntese dos fosfagênios. Neste sentido, o metabolismo anaeróbio alático se faz presente nos jogadores de linha. Todavia, vale lembrar que a capacidade de ressintetizar rapidamente o ATP está relacionado com a capacidade aeróbia, ou seja, quanto melhor a aptidão aeróbia do jogador, mais efetiva será sua recuperação dos esforços intermitentes intensos (Soares & Rebelo, 2013). O goleiro é outro jogador que se utiliza das vias aláticas durante as suas ações motoras. Porém, diferente dos jogadores de linha, a atividade motora do goleiro de futebol está relacionada a potência anaeróbia alática, resultando em redução pequena do ATP-CP (Gallo et al, 2010). 5.2 - Sistema Anaeróbio Lático No sistema anaeróbio lático, o fosfagênio dará prosseguimento num ritmo mais acelerado para suprir as demandas energéticas exigidas pelo exercício de curta duração. Esse processo também é conhecido com glicolítico. Este termo é atribuído por envolver a degradação incompleta do carboidrato em ácido lático. A conversão do carboidrato em glicose com parte deste em utilização imediata, e outra parte convertida em glicogênio muscular e hepático para futuro aproveitamento (Foss & Keteyian, 2000). Neste sistema que é movido sem a presença do oxigênio, a glicose, principal fonte de energia, participa ativamente em exercícios de intensidade alta, mas não máxima. Na premissa de Tubino apud Larangeira & Leal (2011), o metabolismo lático se origina na decomposição das reservas de glicogênio muscular e hepático e por consequência, produz ácido lático. Azevedo et al (2009) ao revisarem aspectos bioenergéticos, chamam a atenção para as fibras de contração rápida, que possuem um maior concentração da isoforma lactato desidrogenase (LDH), causando a conversão de piruvato em lactato, resultando em aumento na sua concentração muscular e sanguínea. Isso se dá no exercício intenso, a partir de quando o hidrogênio não suporta o ritmo de sua oxidação, o piruvato acaba criando uma união temporária com o hidrogênio para formar o lactato (McArdle et al, 2011). 20

As atividades motoras de intensidade máxima com 1-3 minutos de duração, que caracterizam esse sistema, levam ao rápido acúmulo de lactato (McArdle et al, 2011 ; Platonov, 2008). Os valores de lactato na prática futebolista representam a participação do sistema anaeróbio lático. A flutuação de valores do lactato em partidas tem sido menores no final do segundo tempo, quando comparado com o final do primeiro período do jogo. Sobre este aspecto, Silva et al (2000) encontraram médias de lactato na ordem de 7,1+\-0,6 mM no fim do primeiro período e 5,7+\-1,3mM (p
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