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May 24, 2017 | Autor: Ana Cristina Palos | Categoria: Sociology of Education
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Descrição do Produto

2016, Associação Portuguesa de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho (APSIOT)

Atas do: XVI ENCONTRO NACIONAL DE SOCIOLOGIA INDUSTRIAL, DAS ORGANIZAÇÕES E DO TRABALHO Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa

Coordenação: Ana Paula Marques Paula Urze

Edição: Março de 2016 Editor: APSIOT Produção técnica/paginação: APSIOT Tiragem: Publicação online

ISBN: 978-989-95465-6-1

APSIOT Rua de Santa Marta, 47 - 5º Andar, Sala 509 1169-023 Lisboa Telf/Fax: 218 687 941 E-mail: [email protected] Página: www.apsiot.pt

XVI Encontro Nacional de Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva

COMISSÃO CIENTÍFICA/CONSELHO DE PROGRAMA · Paula Urze (Coord) - Presidente da APSIOT, (FCT-Universidade Nova de Lisboa) · Ana Paula Marques (CICS-Pólo da Universidade do Minho) · António Brandão Moniz (FCT-Universidade Nova de Lisboa) · António José Almeida (ESCE-Instituto Politécnico de Setúbal) · Arminda Neves (ISCSP-Universidade de Lisboa) · Bernardete Sequeira (Universidade do Algarve) · Catarina Sales Oliveira (Universidade da Beira Interior) · Célia Quintas (UAL; ESCE-Instituto Politécnico de Setúbal) · Cláudio Teixeira (ISCTE-Aposentado) · Cristina Parente (Faculdade de Letras-Universidade do Porto) · Domingos Afonso Braga (Universidade de Évora) · Emília Margarida Marques (FCSH-Universidade Nova de Lisboa) · Fátima Assunção (ISCSP-Universidade de Lisboa) · Fernando Jorge Diogo (Universidade dos Açores) · Ilona Kovács (ISEG-Universidade de Lisboa) · Ivo Dias (Universidade Europeia) · Ivo Domingues (Universidade do Minho) · João Bilhim (ISCSP-Universidade de Lisboa) · João Leitão (ESS-Instituto Politécnico da Guarda) · João Martins (Universidade do Algarve) · José Grosso Oliveira (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias) · José Manuel Saragoça (Universidade de Évora) · José Rebelo Santos (ESCE-Instituto Politécnico de Setúbal) · Leonor Torres (IEP-Universidade do Minho) · Licínio Tomás (Universidade dos Açores) · Luísa Veloso (CIES-ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa) · Manuel Carvalho da Silva (CES-Universidade de Coimbra; Universidade Lusófona) · Manuel Lisboa (FCSH-Universidade Nova de Lisboa) · Maria Amélia Marques (ESCE-Instituto Politécnico de Setúbal) · Maria Conceição Cerdeira (ISCSP-Universidade de Lisboa) · Maria Dores Guerreiro (ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa) · Maria João Santos (ISEG-Universidade de Lisboa) · Maria Leonor Pires (EST-Instituto Politécnico de Setúbal) · Maria Manuel Serrano (Universidade de Évora) · Maria Natália Alves (IE-Universidade de Lisboa) · Maria Teresa Rosa (ISCTE-Aposentada) · Paula Ferreira (ISSS-Universidade Lusíada Lisboa) · Paulo Alves (ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa) · Pedro Cunha (Universidade Fernando Pessoa) · Raquel Rego (SOCIUS-ISEG-Universidade de Lisboa) · Ricardo Fabrício Rodrigues (Universidade da Madeira) · Rolando Lalanda Gonçalves (Universidade dos Açores) · Rui Moura (Universidade Autónoma de Lisboa) · Sara Falcão Casaca (ISEG-Universidade de Lisboa) · Sofia Alexandra Cruz (FE-Universidade do Porto) · Teresa Maneca Lima (CES-Universidade de Coimbra) · Luís Baptista (Director do CICS.NOVA/ FCSH-Universidade Nova de Lisboa) · Helena Serra (CICS.NOVA/ FCSH-Universidade Nova de Lisboa) · João Carvalho (CICS.NOVA/ ISMAI-Instituto Universitário da Maia) · Miguel Chaves (CICS.NOVA/ FCSH-Universidade Nova de Lisboa) COMISSÃO ORGANIZADORA Ana Paula Marques, CICS-Pólo da Universidade do Minho (Presidente da CO) Paula Urze, FCT-Universidade Nova de Lisboa (Presidente da APSIOT) Ângela Matos, CICS.NOVA.UMinho/ Universidade do Minho Fátima Assunção, ISCSP-Universidade de Lisboa (Vice-Presidente da APSIOT) Helena Serra, CICS.NOVA/ FCSH- Universidade Nova de Lisboa João Carvalho, CICS.NOVA/ ISMAI – Instituto Universitário da Maia João Leitão, ESS-Instituto Politécnico da Guarda (Direcção da APSIOT) Manuel Cruz, APSIOT Maria Manuel Serrano, Universidade de Évora (Direcção da APSIOT) Miguel Chaves, CICS.NOVA/ FCSH- Universidade Nova de Lisboa Mónica Freitas, FCSH-Universidade Nova de Lisboa (Direcção da APSIOT) Paula Ferreira, ISSSL-Universidade Lusíada (Direcção da APSIOT)

Índice

Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva

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Editorial

Mesa Redonda - Repensar o Mundo do Trabalho: Políticas, Estratégias e Sujeitos 10

Os avanços tecnológicos e o futuro do trabalho: debates recentes Ilona Kovács – Universidade de Lisboa, SOCIUS-ISEG

Tema 1) Globalização, PME e Internacionalização Competitiva 24

Sinistralidade laboral na indústria metalomecânica: um estudo de caso (6) António José Simões Vieira – UBI; “M.V.B., Lda.” Consultoria e Formação Profissional

42

Qualidade de vida e bem-estar na reforma: uma análise à luz da realidade angolana (14) João Manuel Saveia - CIEPOT – Centro de Estudos e Pesquisas - Angola

56

Riscos psicossociais, stresse e sintomas de mal-estar: perceções dos trabalhadores e perfis de risco (53) Daniel Alves - Autoridade para as Condições de Trabalho e ISCTE-IUL; Sara Ramos e Helena Carvalho - ISCTE-IUL Tema 2) Mercados (Trans)nacionais de Emprego

77

Preparados para trabalhar? Itinerários imprevisíveis e desiguais de diplomados (07) Ana Paula Marques – CICS.NOVA-Universidade do Minho; Diana Vieira – Instituto Politécnico do Porto

92

A crise econômica no Brasil (2014-2015): Austeridade, Retirada de direitos e Terceirização (12) Dmitri Felix do Nascimento - ICS-Universidade de Lisboa; Isabelle Maria Mendes de Araújo - UFRN

105

“Estou a trabalhar e a fazer aquilo que gosto” - Perfil, condicionantes e motivações da emigração portuguesa de profissionais diplomados (21) Susana Amaral - CICS.NOVA - Pólo UMinho

Atas do XVI ENSIOT, 2016, pp. 3-5

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O desemprego dos licenciados e dos diplomados de 1º ciclo superior na Madeira (20062014) (24) Ricardo Fabrício Rodrigues - Universidade da Madeira & SOCIUS/ISEG/Universidade de Lisboa

141

Perfis de transição para o mundo do trabalho e precariedade entre os jovens (25) Fernando Diogo; Ana Cristina Palos e Osvaldo Silva - Universidade dos Açores, CICS.UAc/CICS.NOVA.UAc

161

O neodesenvolvimentismo e a nova morfologia do trabalho: intuições acerca da precarização do trabalho no Brasil (35) Juliana Nunes Pereira - Universidade Federal de Campina Grande e Universidade de Coimbra

177

Mudanças da estrutura do emprego no contexto da crise: igualização ou polarização? (45) Maria da Conceição Cerdeira - SOCIUS/ISEG, Universidade de Lisboa e João Dias UECE/ISEG, Universidade de Lisboa Tema 3) Educação e Formação em Contexto de Trabalho

190

O Trabalho Dos Formadores Da Educação Básica De Adultos À Prova Da Incerteza: Entre os constrangimentos societais e a produção de si (3) João Eduardo Martins - Universidade do Algarve

204

Ensino Médio e Educação Profissional Integrada para Jovens e Adultos: impasses entre a retórica e a prática (13) Natália Alves e Jessika Matos - Instituto de Educação e Psicologia da Universidade de Lisboa

217

Programa de Preparação para a Reforma: um relato da experiência de organizações angolanas (15) João Manuel Saveia - CIEPOT – Centro de Estudos e Pesquisas - Angola Tema 5) Diálogo Social e Desafios de Concertação Coletiva

233

A regulação do tempo de trabalho na administração pública no contexto da crise e da intervenção da Troika: entre negociação coletiva e unilateralismo estatal (18) Paulo Marques Alves - ISCTE-IUL e DINÂMIA’CET-IUL e Helena Pina - ISCTE-IUL

252

Os sindicatos no Brasil, a sindicalização e a concertação coletiva (41) Arnaldo José França Mazzei Nogueira - USP, PUCSP e CES-Universidade de Coimbra Tema 6) Desenvolvimento, Políticas e Parcerias

270

Formação de jovens para o trabalho precarizado: uma problematização da relação entre o estado e as organizações não governamentais no Brasil e em Portugal (2) Sônia Pereira – Universidade de Lisboa e UFC; Rosangela Gonçalves de Oliveira – IFPR e UTFPR

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XVI Encontro Nacional de Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva

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Empreendedoras do Polo de Confecções do Agreste Pernambucano/Brasil: um estudo sobre a implementação do Programa Empreendedor Individual e o trabalho faccionado das mulheres (33) Juliana Nunes Pereira - Universidade Federal de Campina Grande e Universidade de Coimbra

300

Organizações de cotrabalho e organizações de incubação: (dis)semelhanças entre dois contextos de trabalho em expansão (47) Gonçalo Marques Barbosa - Universidade do Porto

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XVI ENCONTRO NACIONAL DE SIOT Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 :: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-Universidade Nova de Lisboa

Editorial A Associação Portuguesa de Profissionais em Sociologia Industrial, das Organizações e do Trabalho (APSIOT) organizou, em 27 e 28 de novembro de 2015, o seu XVI Encontro Nacional de Profissionais em Sociologia subordinado ao tema Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva. Impõe-se refletir sobre os futuros do trabalho num contexto que em que todos os grupos sociais se encontram cada vez mais vulneráveis às políticas económicas e financeiras restritivas, em especial os jovens (com elevadas qualificações) que vivem “instalados” na precariedade laboral, submetem-se a empregos mal pagos e com más condições de trabalho e exteriorizam desânimo, incapacidade e desconfiança (inter)pessoal no futuro. Muitos detêm estatutos sociais e profissionais fragmentados (e.g., precários, temporários, formandos, bolseiros e desempregados) e condições de progressão profissional individualizadas, subjetivas e incertas. Muitos apresentam, por conseguinte, dificuldades em gerar atitudes e práticas de autoestima, solidariedade e identidade coletiva dado que são afetados pelo desemprego e/ou têm trabalhos/ empregos com durações curtas e intermitentes. A nível individual e pessoal, as consequências de ausência de horizontes de futuro e oportunidades profissionais conduzem a sentimentos de frustração, injustiça e rejeição social que equivalem a uma negação da cidadania económica e dá lugar ao desespero e ressentimento. As consequências destas marcas iniciais são, muitas vezes, duradouras e profundas. Podem manifestar-se não só pela diminuição de empregabilidade e rendimentos futuros, como pelas dificuldades de se instaurar uma (com)unidade de interesses entre os grupos sociais, o que torna as sociedades mais vulneráveis à desordem civil e à agitação política. Assim, a incorporação de um ethos precário e/ ou a vivência de experiências de desemprego, muitas vezes acompanhadas por identidades incertas e negativas, por parte dos jovens, remetem-nos para uma reflexão mais profunda da reconversão sociocultural na contemporaneidade patente na “sacralização” do mercado.

Atas do XVI ENSIOT, 2016, 2016, pp. 6-8

XVI Encontro Nacional de Sociologia Industrial, Organizações e Trabalho Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva

Neste contexto de crise e profundas adversidades económico-financeiras, bem como de regressão do Welfare State, visível na privatização e externalização de múltiplos serviços públicos (e.g., saúde, educação e ação social), assiste-se a importantes processos de ressimbolização do trabalho, designadamente pela: i) exaltação de uma “cultura de risco”; ii) exigência de compromisso constante por parte dos trabalhadores; iii) apropriação do controlo gestionário e administrativo cada vez mais transversal a todos os grupos profissionais pressionados pelas lógicas de produtividade e de custo/benefício; iv) intensificação e racionalização subtis dos modelos de organização do trabalho; v) não linearidade dos processos de profissionalização, marcados por reconversões contínuas, que tornam imprevisíveis as apostas formativas; vi) pressão para fluxos contínuos de mobilidade organizacional e profissional, instáveis e dificilmente integráveis; vii) dificuldades de auto e heteroreferenciação identitária perante experiências de desemprego e exclusão social de um número crescente de grupos sociais, com especial destaque para os jovens, mulheres, indivíduos desqualificados ou com baixas qualificações e trabalhadores mais idosos; viii) refluxo da regulação estatal na economia em geral e no trabalho (e emprego) em particular com efeitos na desproteção dos trabalhadores, em especial os mencionados no ponto anterior, e na dessindicalização de amplas faixas da população ativa. Em suma, os processos globais de mudança social têm vindo a implicar transformações significativas nas organizações, no trabalho, nos grupos profissionais e nos cidadãos em geral. Os contornos destas dinâmicas permanecem, no entanto, em larga medida, por conhecer, compelindo os cientistas sociais a confrontarem-se com questões a que urge dar resposta: que futuro é possível antecipar num quadro incerto? Em que medida se preserva ou se assegura formas de vinculação socioprofissional e o exercício pleno da cidadania num contexto marcado pela crise e pela precarização? Neste XVI Encontro Nacional de SIOT, foram sugeridos seis tópicos de debate, no âmbito dos quais os participantes foram convidados a apresentarem as suas comunicações, nomeadamente: 1) Globalização, PME e internacionalização competitiva; 2) Mercados (trans)nacionais de emprego; 3) Educação e formação em contexto de trabalho; 4) Profissão, Profissionalização e Profissionalismo; 5) Diálogo social e desafios de concertação coletiva; 6) Desenvolvimento, políticas e parcerias. Durante dois dias, mais de sessenta comunicações de Sociólogos/as e

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XVI Encontro Nacional de Sociologia Industrial, Organizações e Trabalho Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva

outros/as cientistas sociais animaram as sessões do presente encontro. Na Conferência de Inauguração, intitulada “Trabalho um Futuro Fragmentado?”, destaque-se a participação de Daniel Muzio (University of Newcastle, UK) e Elísio Estanque (Universidade de Coimbra). No segundo dia, na Mesa Redonda “Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva”, tivemos oportunidade de contar com as presenças de António Pêgo (Associação Empresarial de Portugal), Francisco Madelino (ISCTE), Ilona Kovács (ISEG) e Manuel Carvalho da Silva (CESLisboa). É pois com satisfação que publicamos as Atas deste Encontro, não obstante o reduzido número de textos, em face das dificuldades de muitos colegas apresentarem os textos escritos das suas comunicações finais. Para o sucesso alcançado neste XVI Encontro Nacional de SIOT, contribuíram várias pessoas e organizações, às quais é devido um agradecimento. À Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de lisboa, pelo acolhimento e pela cedência das suas instalações para a realização deste Encontro; ao CICS-NOVA, à Universidade Autónoma de Lisboa, ao Novo Banco e à FCT por se juntarem a esta iniciativa; aos conferencistas convidados por partilharem o seu conhecimento e promoverem a reflexão e o debate; aos moderadores e oradores dos vários painéis temáticos que alimentaram esses espaços de discussão ativa; aos membros do Conselho de Programa por prestigiarem este Encontro Nacional com a avaliação científica das comunicações; e aos membros que integraram a Comissão Organizadora que desde o primeiro momento levaram a bom porto este evento.

Lisboa, Março de 2016 A Presidente da Comissão Organizadora Ana Paula Marques

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Comunicações Finais

XVI ENCONTRO NACIONAL DE SIOT Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 :: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-Universidade Nova de Lisboa Mesa Redonda) Repensar o Mundo do Trabalho: Políticas, Estratégias e Sujeitos

Os avanços tecnológicos e o futuro do trabalho: debates recentes Ilona Kovács [email protected] ULisboa, SOCIUS-CSG/ISEG

Resumo A primeira parte aborda o actual reforço do mito do empreendedorismo já muito divulgado nas décadas de 1980 e 1990 pelos teóricos do pós-emprego que anunciaram a abundância de freelancers em todas as actividades do futuro. Segundo os defensores actuais deste mito, o trabalho independente através de plataformas digitais é o trabalho do futuro na nova economia freelancer. A segunda parte analisa o debate em torno da relação entre as tecnologias digitais e o emprego. Enquanto uns anunciam uma nova era de crescimento, a criação de novos empregos, outros apontam a tendência para o aumento do desemprego, da polarização do emprego e para a dissociação entre o crescimento da riqueza e a evolução do emprego e dos rendimentos do trabalho provocada pela revolução digital. Esta visão determinista é posta em questão pelas perspectivas críticas que explicam o aumento das desigualdades e a redução dos rendimentos do trabalho com base na infraestrutura institucional e políticas seguidas. A parte final relativa a notas conclusivas incide sobre algumas propostas políticas subjacentes às perspectivas analisadas para a solução dos problemas do mundo do trabalho na era digital. Palavras chave: Revolução digital, Futuro do trabalho, Trabalho independente Polarização social, Políticas alternativas

Introdução Os debates actuais retomam muitas das questões que já foram discutidas nas décadas de 1970 e 1980. Confrontam-se a perspectiva de determinismo tecnológico (optimista e pessimista) e a perspectiva crítica. A primeira atribui um papel determinante às novas tecnologias no contexto do mercado global e, numa visão unidimensional, linear e simplificada, anuncia uma nova era, a era digital. Nesta óptica determinista, o futuro do trabalho está determinado pela evolução tecnológica e pela universalização da globalização do mercado. A questão central é a adaptação dos indivíduos, grupos, organizações, instituições e das políticas à evolução tecnológica inevitável. Por sua vez, a perspectiva não determinista sublinha a importância dos factores políticos e institucionais, a complexidade dos processos de transformação, a diversidade de tendências (de acordo com o modelo social, tipo de actividade, forma organizacional, etc.) e a existência de futuros alternativos. A questão central não é tanto a adaptação às mudanças inevitáveis, mas a moldagem das tecnologias de acordo com opções políticas, objectivos sociais e ambientais.

Atas do XVI ENSIOT, 2016, pp. 10-23

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Na abordagem determinista a evolução tecnológica recente engendra um novo tipo de economia que agora é designado como economia freelancer (economia de empreendedorismo), economia sob pedido (on-demand economy) ou ainda economia de partilha (sharing economy) simbolizada por empresas como Uber, Handy, etc. O trabalho do futuro será o trabalho independente desenvolvido através de plataformas digitais. O primeiro ponto aborda o reforço actual do mito do empreendedorismo já muito divulgado nas décadas de 1980 e 1990 pelos teóricos do pósemprego. O segundo ponto analisa o debate sobre a relação entre as tecnologias digitais e o emprego confrontando as perspectivas deterministas com as perspectivas críticas no que se refere ao aumento do desemprego, das desigualdades, da polarização do emprego e à redução dos rendimentos do trabalho. As notas conclusivas incidem sobre algumas propostas políticas subjacentes às perspectivas analisadas para a solução dos problemas do mundo do trabalho. 1. As plataformas digitais e o empreendedorismo Muitos livros e artigos publicados em revistas como Economist, Harvard Business Review reforçam o mito do empreendedorismo já muito divulgado nas décadas de 1980 e 1990 pelos teóricos do pós-emprego, nomeadamente por Handy e Bridges. O colapso da sociedade de pleno emprego assalariado e a transformação profunda do trabalho manifesta na divisão entre trabalhadores nucleares e periféricos, na difusão do trabalhador de portfólio, na ligação dos trabalhadores através das tecnologias de informação e comunicação e na consequente substituição da burocracia e da hierarquia por uma organização em rede, já foram prognosticados por Charles Handy (1984) no seu livro The Future of Work. Numa visão muito optimista agourou um novo mundo do trabalho inserido na economia do conhecimento que permite maior flexibilidade e mais oportunidades para os indivíduos terem uma vida mais livre dos constrangimentos organizacionais. Bridges dez anos mais tarde (1994) reforçou a tese do colapso do trabalho assalariado e anunciou a era pós-emprego na qual o trabalho passa a ser uma empresa individual. Cada um está por sua conta e em concorrência com uma multidão de empresas individuais. Para os teóricos do pós-emprego, o desaparecimento de empregos é inevitável, devido às mudanças nas tecnologias e nos processos produtivos e de gestão. Segundo estes autores na maioria das actividades do futuro, abundarão os freelancers. Esta evolução implica um grande desafio ao trabalhador que tem de se transformar de empregado em empreendedor e

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em gestor do seu negócio, da sua formação, da sua carreira e também da sua segurança. Os analistas actuais reforçam o mito do empreendedorismo. É a revolução digital, manifesta na difusão das plataformas digitais, que leva à expansão da economia freelancer. As plataformas tecnológicas e a computação na Nuvem empurram claramente em direção a uma economia com uma proporção muito maior de produtores independentes, ao invés de empregados (Zysman, Kenney, 2014). Na nova economia emergente, as TIC permitem a redução cada vez maior de custos de transacção, comunicação e de coordenação, permitem também a fragmentação das empresas em unidades cada vez mais pequenas, até aos prestadores de serviços individuais. Empresas baseadas em plataformas digitais são apresentadas como novas formas empresariais que fornecem a pedido dos clientes diversos serviços, tais como serviços de transporte, limpeza, refeições, médicos, jurídicos, consultoria e de gestão. (The Economist, 2015a, 2015b). O sucesso rápido de algumas empresas americanas baseadas em plataformas digitais é amplamente divulgado. O caso mais conhecido é o da Uber criada em 2009 que fornece serviços de transporte em 53 países e hoje é a startup multinacional mais valiosa do mundo. Esta e outras empresas (Handy fornece serviços de limpeza, Spoon Rocket refeições, Medicast serviços médicos) tornaram-se símbolos da nova economia. Esta economia requer uma força de trabalho móvel, empreendedor, disponível e capaz de lidar com mudanças constantes. Por conseguinte, as exigências colocadas aos trabalhadores implicam assumir riscos e a responsabilidade pelo trabalho, formação e segurança. Trata-se de se gerir a si próprio com se fosse uma empresa e, por conseguinte, de criar a sua própria “marca”. O ideal para estas empresas é a desregulamentação total. No entanto, têm de enfrentar cada vez mais os protestos originados pela regulação existente em diversos países do mundo, como acontece em torno da Uber. As vantagens evocadas deste modelo de trabalho são diversas. As pessoas fazem aquilo de que gostam, trabalham quando querem e podem ganhar muito. As plataformas digitais também permitem o acesso a ideias criativas por via de concursos e prémios. Apenas a melhor ideia é premiada. A redução de custos é enorme: não há necessidade de escritórios e de empregados contratados. Segundo os seus adeptos, o trabalho independente através de plataformas digitais é o trabalho do futuro. De acordo com Thomas Malone (2004) do MIT (Sloan Shool of Management) as pessoas

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não têm necessidade de trabalhar submetidas à hierarquia organizacional, porque as tecnologias de informação e comunicação levam ao maior uso do mercado para a coordenação das actividades económicas e ligam os trabalhadores em rede. Numerosas actividades industriais e de serviços podem ser subdivididas e fragmentadas em actividades rotineiras permitindo ganhos de eficiência. Nesta óptica, a informática está gerar uma época de hiperespecialização que é aplicada mesmo aos trabalhos mais sofisticados (Malone, Laubacher and Johns, 2011). É a redescoberta das maravilhas do taylorismo: a hiperespecialização leva à redução dramática dos custos. Não é por acaso que as empresas tecnológicas aplicam os princípios da hiperespecialização. As tarefas complexas podem ser fragmentadas e subcontratadas por tarefas simples e podem ser medidas e controladas centralmente. Segundo os defensores deste taylorismo digital renovado, os trabalhadores do conhecimento não devem realizar tarefas periféricas que podem ser distribuídas entre um exército de trabalhadores através de plataformas digitais. Os autores, ignorando completamente as críticas ao taylorismo, deixam apenas uma pequena nota sobre os seus efeitos negativos: tarefas minúsculas podem tornar-se maçadores e ter efeitos nocivos sobre as pessoas. Solução? Não há, porque isto não é um problema. A hiperespecialização é uma nova ferramenta para as empresas alcançarem vantagens competitivas. Surge a questão: estamos perante um novo tipo de economia com novo tipo de empresa e de trabalho? Na realidade estamos perante a continuação e aprofundamento da racionalização flexível orientada para a redução de custos por via da exteriorização e subcontratação que presidiu aos processos de reestruturação das empresas, sobretudo desde a década de 1990. O princípio de produzir mais, melhor e com menor custo é levado ao extremo. Um inquérito realizado junto a cerca 900 trabalhadores autónomos de empresas baseadas em plataformas digitais, cujos principais resultados foram divulgados no Washington Post (DePillis, 2015b) 1 , contraria a tese do “trabalho flexível bem pago”: uma parte substancial dos trabalhadores independentes (43 %) abandonou a empresa por causa do rendimento baixo e insuficiente para viver, uma outra parte substancial por não gostar do trabalho (37 %), e outros ainda por falta de flexibilidade (26 %). Estes trabalhadores desejam as regalias do emprego 1

O artigo é baseado no relatório divulgado pelo Grupo Request for Startups que pode ser comprado no site: http://www.requestsforstartups.com/survey.

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tradicional (seguro de saúde, férias pagas, reforma, etc.). É de acrescentar ainda que as empresas baseadas em plataformas digitais têm um elevado controlo sobre os trabalhadores que além de não terem autonomia no seu trabalho, não têm segurança e benefícios, não têm seguro de doença, de incapacidade ou de desemprego. Além de uma remuneração irregular e falta de perspectivas a longo prazo podem perder o emprego por causa da avaliação desfavorável feita pelos clientes (por exemplo na Uber quem fica abaixo de 4,6 numa escala de 1- 6) (DePillis, 2015 a, Weiner, 2015). Quanto à grande expansão do empreendedorismo nos EUA que é apontada como a principal força dinamizadora da economia dos EUA, trata-se mais de um mito do que da realidade. De facto, neste país a proporção dos trabalhadores independentes oscilou entre 10 - 12 % nos últimos anos. Ou seja, bastante longe, quer da proporção indicada para a actualidade (33%)2, quer da estimativa apontada (40%) para 2020 (The 2015 1099 Economy Workforce Report). Ao mesmo, tempo houve um declínio de criação de novas empresas nas últimas décadas (Haltiwanger 2012, Haltiwanger et al. 2014; Hathaway and Litan, 2014). 2. Tecnologias digitais e o emprego: o risco da polarização social Uma dos aspectos mais discutidos nos últimos anos diz respeito à relação entre tecnologias digitais e emprego. Numa visão optimista as tecnologias digitais permitem o acréscimo da produtividade, o aumento do crescimento da economia e a criação de novos empregos e de um novo mercado de trabalho (Zysman, Kenney, 2014). Este optimismo é posto em questão pelo número de empregos referentes a empresas baseadas em plataformas digitais. Por exemplo a Instagram (plataforma de partilha de fotos e vídeos) foi criada em 2010 por 14 pessoas, sem necessidade de trabalhadores ou de capital física. O seu produto digital teve grande sucesso e em 2012 foi vendida a Facebook a preço elevado (1 bilhão de dólares), poucos meses depois da falência da Kodak que empregou 145.000 trabalhadores e detinha bilhões de dólares em bens de capital (Brynjollfson, McAfee e Spence, 2014). Porém, uma parte substancial das análises indica uma tendência para a polarização das 2

A Freelancers Union indica 42 milhões de trabalhadores independentes nos EUA (cerca de um terço da força de trabalho) com base num relatório governamental Accountability Office 2006 que refere a cerca de 42,6 milhões de "trabalhadores contingentes", mas esta categoria não corresponde aos trabalhadores independentes, porque também inclui outras categorias, tais como os temporários, trabalhadores de agências, contratantes independentes, e trabalhadores a tempo parcial (Cf. Fox, 2014).

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qualificações e dos salários. Desde os anos de 1980, os empregos de nível médio tendem a desaparecer. Ao mesmo tempo, houve aumento simultâneo de empregos altamente qualificados e bem pagos e de empregos de serviço pouco qualificados. Para Autor (Autor, 2010; Autor and Dorn, 2013), economista do MIT, esta mudança no sentido da polarização da força de trabalho deve-se à mudança tecnológica. É a tecnologia baseada nas qualificações que leva à polarização. A automação abrange cada vez mais não apenas as tarefas rotineiras, mas também as tarefas abstractas, embora esteja longe ainda de substituir as pessoas em actividades que implicam criatividade, intuição, imaginação. A economia continua a criar bons empregos. Os empregos ligados a actividades rotineiras tendem a desaparecer, mas surgem novas actividades não rotineiras que exigem trabalhadores com alto nível de qualificação (nível universitário). Por sua vez, os trabalhadores com nível de formação/qualificação não superior tendem a concentrar-se em empregos pouco qualificados e com baixos salários. Até 2000 houve aumento paralelo da polarização dos empregos e dos salários, mas depois de 2000, o aumento de empregos limitou-se à base, enquanto o aumento de salários limitou-se ao topo. Outros investigadores, nomeadamente Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee (2014) cofundadores da Digital Economy do MIT, autores do bestseller The Second Machine Age: Work, Progress and Prosperity in Time of Brilliante Tecnologies, também consideram que o aumento da desigualdade e a crescente concentração da riqueza e do poder resultam da natureza da mudança tecnológica. A produção da riqueza aumenta cada vez mais graças ao progresso tecnológico, mas o aumento do emprego e dos rendimentos do trabalho não acompanham este aumento. A proporção do trabalho no rendimento nacional tende a decrescer cada vez mais. A causa apontada desta grande dissociação é a tecnologia. A tecnologia digital substitui cada vez mais o trabalho humano nas tarefas rotineiras, tanto físicas, como cognitivas – razão que explica a queda dos salários dos trabalhadores com menor escolaridade. Trata-se da 2ª etapa da Segunda Era da Máquina: a 1ª refere à programação tradicional, a 2ª refere às máquinas que aprendem por conta própria desenvolvendo conhecimentos e habilidade. Por conseguinte, as máquinas começam a entrar em áreas que envolvem criatividade, destreza e percepção emocional. Por exemplo, a computação cognitiva desenvolvida pelo IBM (“sistema Watson”), nomeadamente para utilização na medicina ajuda no diagnóstico e avaliação do paciente, bem como na prescrição do tratamento. A IBM também começou a vender sistemas automatizados de apoio aos clientes. A

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capacidade de processar a linguagem natural e a habilidade de lidar com uma grande quantidade de dados, sugere que este sistema realiza as tarefas antes realizadas por operadores de call centre (falar com os clientes, prestar informação ou dar conselhos mesmo em questões técnicas complexas (Rotman, 2013). Segundo estimativas nos EUA quase metade dos empregos (47 %) corre o risco de automação nos próximos 20 anos (Frei e Osborne, 2013). Apesar da visão optimista segundo a qual a revolução digital leva ao mundo da abundância e à expansão das escolhas, Brynjolfsson e McAfee consideram que a revolução digital não beneficia toda a gente. Os ganhadores não são os fornecedores de trabalho ou os detentores de capital, porque ambos vão ser ameaçados pela automação. Os ganhadores são aqueles que inovam e criam novos produtos, serviços e modelos de negócios. São estes ganhadores que criam valor e capturam a maior parte do rendimento, porque as suas competências não são substituíveis por máquinas e são eles que garantem a prosperidade. As tecnologias digitais criam o vencedor que leva todos ou quase todos os mercados. Os autores falam da economia superstar, na qual aqueles que estão no topo (executivos, estrelas de rock, empresários, investidores) levam tudo ou quase tudo. O funcionamento em rede e a economia de escala criam condições de sobrevivência apenas para as maiores empresas que podem fragmentar tarefas complexas e subcontratar por tarefas simples. A produtividade atinge níveis cada vez mais elevados, a inovação é cada vez mais acelerada, mas ao mesmo tempo, o progresso tecnológico elimina muitos empregos e o trabalhador típico vive pior do que antes - eis o grande paradoxo da nossa era (Brynjollfson, McAfee e Spence, 2014). Segundo estes autores, a tecnologia inteligente substitui cada vez mais mesmo os trabalhadores com qualificações elevadas. Os grandes avanços na inteligência artificial, veículos guiados por computador, robótica, nanotecnologia podem provocar desemprego e levar a uma ruptura em larga escala. Trata-se de uma evolução inevitável derivada da revolução tecnológica permanente. Numa outra perspectiva, não é a tecnologia, mas são os factores institucionais e as políticas (macroeconómicas, fiscal, de mercado de trabalho) que levam à polarização e ao aumento das desigualdades. Análises críticas elaboradas na década de 1990 sobre a sociedade da informação/conhecimento já puseram em evidência que esta sociedade submetida à lógica do mercado e da globalização

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competitiva leva à concentração do poder de decisão e de influência sobre o destino da humanidade em cadeias mundiais de empresas financeiras e industriais; ao aumento das desigualdades entre blocos económicos, regiões, países, empresas e indivíduos; bem como à polarização crescente entre uma pequena elite influente composta pelos ganhadores da globalização (detentores do capital activo à escala global, gestores de topo e a classe do saber) e a massa crescente de trabalhadores periféricos com condições de trabalho precárias e sujeita à insegurança. A precariedade não é consequência latente de uma fatalidade económica, mas resulta de opções políticas e estratégias de flexibilização e de redução de custos (Grupo de Lisboa, 1994; Castel 1995; Gorz: 1997; Bourdieu, 1998; Boltanski e Chiapello, 1999; Castells 1998; Beck, 2000). Está subjacente que a tecnologia em interacção com outros factores, tais como a globalização da economia, a desregulação do mercado de trabalho e a preponderância do sector financeiro, modelam o mundo do trabalho. As tecnologias digitais permitem e estimulam a reorganização do trabalho e das empresas, mas essa reorganização constitui uma opção. A desvalorização do trabalho, é facilitada pela tecnologia, mas ao mesmo tempo, resulta de uma opção política. Vários aspectos dessas análises são retomados pelas abordagens críticas actuais, sobretudo na área da economia, que encaram o aumento das desigualdades como base nas mudanças na estrutura institucional. Muitos dos suportes institucionais para os salários dos trabalhadores relativos ao nível médio e inferior da hierarquia dos rendimentos foram eliminados ou enfraquecidos, a parcela de trabalhadores representados por sindicatos caiu acentuadamente desde o início da década de 1980. A desregulamentação e a financeirização da economia, procura excessiva do lucro, bem como a exposição dos trabalhadores da indústria à concorrência com trabalhadores dos países com baixos salários são consideradas como factores importantes da redução dos salários nos países desenvolvidos. Além disso, as políticas que protegem os altos rendimentos e os lucros das empresas pela redução da carga fiscal, bem como a política de emprego orientada para a manutenção de níveis elevados de desemprego também contribuíram a redistribuição da renda a favor dos mais ricos (Stiglitz, 2013; Piketty, 2014). O nível de desemprego nesta perspectiva é uma decisão política. O enfraquecimento das instituições do mercado de trabalho, dos sindicatos, a desregulação da economia contribuíram para o declínio dos salários (Baker, 2014; Mishel et al. 2012, 2013). O desinvestimento em infraestruturas de

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educação, saúde e segurança social também leva ao aumento das desigualdades. Isto é, como afirma Stiglitz, a desigualdade é uma opção política. A inovação resulta das regras, regulações e políticas que guiam os investimentos. As políticas correntes encorajam a inovação orientada para a destruição do emprego, redução de custos de trabalho, mas é possível outra política que encoraja investimentos que preservam postos de trabalho e poupam os recursos naturais (Stiglitz, 2013). 3. Notas finais: algumas propostas de políticas para a solução dos problemas do mundo do trabalho na era digital As propostas variam em função das perspectivas sobre a relação entre as tecnologias digitais e trabalho. Para o determinismo tecnológico a solução para os problemas consiste na adaptação às rápidas mudanças tecnológicas por via do investimento em infraestruturas e da reforma da educação em todos os níveis com vista ao desenvolvimento de competências nas quais os computadores não são tão bons (criatividade, competências interpessoais e competências para solução de problemas). O estímulo ao empreendedorismo é crucial para inventar novos produtos, serviços e negócios que criam novos empregos. Esta proposta ignora o declínio da criação de startups e ignora também o efeito da rede, apontada pelos próprios autores, para a geração de vencedores que tomam todo ou quase todo o mercado e apenas as maiores sobrevivem. (Brynjollson, McAfee e Spence, 2014). As políticas que beneficiam apenas quem está no topo e levam ao aumento das desigualdades, não são questionadas pelos analistas que atribuem um papel determinante à revolução digital. Para que as novas oportunidades criadas pelas plataformas de trabalho baseadas na Internet não sirvam apenas para reduzir os custos de trabalho e enriquecer os poucos ganhadores, são necessárias novas políticas e mecanismos de regulação. Aqueles que dão ênfase aos factores político e institucional, rejeitam as políticas neoliberais. Por exemplo, Stiglitz (2013) propõe uma série de medidas, entre elas a contenção do sector financeiro, designadamente pela imposição de limites à tomada de riscos e às instituições financeiras “demasiado grandes para falhar”; a contenção do bónus que encoraja os comportamentos de excessivos riscos; a limitação do poder dos directores executivos; a eliminação da assistência (subvenções) às grandes empresas; a promoção de um sistema tributário mais progressivo sobre os rendimentos individuais e sobre os

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lucros das empresas, a aplicação de um sistema fiscal às empresas para estimular a criação de empregos e o investimento (aumentar o imposto sobre empresas que não investem e baixar os impostos às que investem e criam postos de trabalho); o aumento substancial do investimento na educação, saúde, etc.. Também é necessária controlar e remodelar a globalização para travar o nivelamento por baixo (a globalização assimétrica é gerida em benefício dos interesses económicos dos mais poderosos), promover direitos e melhores condições trabalho (o trabalho decente), melhores regulações financeiras e melhores condições ambientais, bem como reorientar a inovação para preservar postas de trabalho e o ambiente (atribuir créditos aos investimentos que criam postos de tralho e poupam recursos). Um avanço na concretização de propostas para reformar as instituições de regulação internacional existentes e criar novas instituições globais seria muito importante, uma vez que os graves problemas sociais, económicos e ambientais que enfrentamos não podem ser resolvidos no âmbito de instituições nacionais (Kovács, 2015). Para travar a dinâmica insustentável da desigualdade Piketty (2014) também recomenda a tributação progressiva do capital que permitiria evitar uma espiral de desigualdade sem fim à vista e regular eficazmente a dinâmica preocupante da concentração mundial de riquezas. Este economista também chama a atenção para a necessidade da reorientação do sistema tributário no sentido de privilegiar as actividades produtivas e penalizar as actividades especulativas (Piketty, 2014). Rendimento de base ou de cidadania para todos é a proposta dos defensores da tese do fim da sociedade do trabalho ou do emprego (Gorz, Beck). Por outras palavras a cidadania deixa de ter por base o emprego. As potenciais fontes deste rendimento incondicional seriam a taxa Tobin, taxa sobre as transacções financeiras e bolsistas, ecotaxas, etc. É de notar que a introdução de um rendimento adequado já foi recomendado ao Presidente Johnson e ao governo americano por uma comissão nos EUA nos anos 60 como direito com o objectivo de melhorar a situação daqueles que ficam na situação de desemprego e de pobreza causada pela revolução cibernética (combinação do computador e da máquina automatizada) (The Ad Hoc Committee on the Triple Revolution, 1964). Segundo os autores deste memorando, numa economia abundante, o direito absoluto a um rendimento tomaria o lugar da manta de retalhos de medidas de bem-estar e seguro de desemprego. Quando a norma tende a ser o não-emprego, podem ser implementadas condições para que as pessoas que já não são necessárias para a produção de bens e serviços,

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possam encontrar o caminho para uma variedade de ocupações que permitem a sua autorealização e são socialmente úteis. É de notar que na proposta de Gorz (1997), relativa à uma sociedade de “tempos escolhidos” e de multi-actividades centrada não no trabalho mas em actividades alternativas, são retomadas as ideias centrais das recomendações feitas nos anos 1960 nos EUA, tanto no que se refere a um rendimento estável e suficiente não dependente do emprego, como ao novo tipo de sociedade. O repensar o trabalho tem de estar inserido numa reflexão sobre o modelo de sociedade, crescimento económico, modo de vida e desenvolvimento sustentável. Para uma parte dos defensores da tese do fim do trabalho, a alternativa é o desenvolvimento do terceiro sector ou economia social que é portador de um novo paradigma pós-mercado (Rifkin, 1995). Para outros, a alternativa é desenvolver uma sociedade centrada não no trabalho mas em actividades alternativas (autónomas, voluntárias, participação activa na sociedade civil e nos assuntos colectivos, na esfera política). Mas é possível prosseguir com políticas no sentido da renovação da sociedade de trabalho assente na ideia de que o trabalho continuará a estruturar e dar coerência a vida dos indivíduos. A renovação passa pela redistribuição do trabalho socialmente útil, redução do tempo de trabalho, flexibilização sem precariedade, articulando os objectivos sociais e económicos através do diálogo, negociação e participação. O trabalho reorganizado e revalorizado pode coexistir com actividades e formas de participação social alternativas (Kovács, 2002). Interessa reflectir que tipo de crescimento a seguir. Mesmo quando a riqueza cresce, segmentos crescentes de trabalhadores podem ser atirados para a margem da sociedade, no trabalho precário, no desemprego ou na economia informal e os problemas ambientais podem ser agravados (Kovács, 2015). “O crescimento onde a maioria das pessoas fica pior, onde a qualidade do nosso ambiente decresce, onde as pessoas vivem ansiosas e alienadas, esse não é o tipo de crescimento que devemos procurar “ (Stiglitz, 2013: 373). Eu diria que devemos procurar um desenvolvimento económico e social orientado não apenas para objectivos quantitativos (crescimento económico, crescimento do emprego), mas também para aspectos qualitativos, nomeadamente tornar o trabalho numa actividade com interesse e significado capaz de proporcionar às pessoas auto-realização, satisfação e integração social. As novas tecnologias digitais podem promover o aumento simultâneo da produtividade e da qualidade de vida desde

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que prevaleça uma orientação antropocêntrica nas opções tecnológicas e organizacionais e uma outra lógica de globalização orientada para a redução das desigualdades económicas e sociais e dos desequilíbrios ambientais. As novas formas de trabalho e a redução do tempo de trabalho podem permitir um maior controlo dos indivíduos sobre o tempo, melhor conciliação do trabalho com outras actividades (cívicas, voluntárias, etc.) e com vida privada. Trata-se de desenvolver uma sociedade cuja economia está ao serviço das pessoas e do equilíbrio ecológico. A aplicação de plataformas digitais aos transportes públicos em Helsínquia constitui um bom exemplo qua há alternativa ao modelo Uber declarado pelo discurso dominante como o modelo do futuro. Qualquer pessoa na cidade com um telemóvel (já nem tem de ser smartphone, pode ser também por SMS) pode chamar a rede para ser transportado em qualquer meio de transporte público. Uma empresa startup, em cooperação com o governo desenvolveu um programa para a gestão dos meios de transporte que está a funcionar há dois anos. Este programa permite aos motoristas escolher rotas, aos utentes chamar um mini autocarro com 9 lugares, partilhar os custos e o pagamento de tarifas. Não há trajectos fixos, é um sistema personalizado de transportes, não é preciso ter smartphone, o transporte é mais caro do que no autocarro normal, mas é mais barato do que utilizar táxi. A opção pelo transporte público e o empenhamento dos poderes públicos na aplicação de novas tecnologias visa tornar mais eficaz a gestão de transportes na cidade e dos transportes públicos em particular e permitir, ao mesmo tempo, a melhoria da qualidade do serviço e da qualidade de vida e do ambiente.

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XVI ENCONTRO NACIONAL DE SIOT Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 :: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-Universidade Nova de Lisboa Tema 1) Globalização, PME e Internacionalização Competitiva

Sinistralidade laboral na indústria metalomecânica: um estudo de caso António José Ferreira Simões Vieira [email protected] (U.B.I.:doutorando) “M.V.B., Lda.” Consultoria e Formação Profissional

Resumo A presente abordagem sociológica da temática da sinistralidade laboral em ambiente de trabalho industrial tem como objectivo efectuar um estudo da mesma que se verifica neste sector, focalizada no seu sub-universo das pequenas e micro empresas, e centrada na enumeração das envolventes de diversa natureza que estão associadas aos acidentes de trabalho correlativos, entendidos nas suas complexidade, multidisciplinaridade e diversos campos de análise, a considerar: - Especificidades de natureza técnica e tecnológica, concorrentes decisivos para a sua genealogia, e importantes para a sua “incubação” tomando em consideração as causas de acidentes mais comuns neste domínio que são, em termos unicamente tecnológicos, as que decorrem dos trabalhos de soldadura e das operações de corte e seccionação de chapa (incluindo algumas tarefas subsidiárias designadas por preparação da matéria). - Elencagem dum conjunto de posturas individuais dos protagonistas envolvidos, determinantes da ocorrência sob análise. - Elementos ambientais, tais como o modelo de organização do trabalho, os índices de segurança dos equipamentos e utensílios em uso corrente, os mecanismos de prevenção acoplados aos mesmos, bem como seu nível de operacionalidade. Nesta linha, procede-se ao desenvolvimento dum acidente de trabalho ocorrido numa unidade metalomecânica de pequena dimensão, que pode ser considerado típico dentro do sector, tanto pelos meios técnicos envolvidos, como pelas características do trabalho levado a cabo e que resultaram no mesmo, assim como pelo padrão de atitudes pessoais detectados nos actores envolvidos, estando estas variáveis integradas num conjunto coerente de factores de intercausalidade que importa descrever detalhadamente, a fim de se conseguir uma compreensão cabal deste fenómeno. Palavras-chave: acidente, atmosfera de trabalho, adequação ao posto de trabalho, organização do trabalho,- risco, factores de risco,- segurança de equipamentos, taylorismo

Introdução Importa catalogar algumas características do trabalho metalomecânico e metalúrgico que o tornam vulnerável à emergência de lesões entre os activos de execução directa, assim como algumas causas prováveis dos acidentes que no mesmo se produzem. Nos quadros seguintes começa-se por se fazer uma apresentação dos tipos de lesões associados ao trabalho do sector, complementada com uma síntese da evolução histórica das técnicas de soldadura, fonte duma percentagem significativa de acidentes de trabalho metalomecânico, associadas aos modelos de organização do trabalho correlacionados.

Atas do XVI ENSIOT, 2016, pp. 24-41

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TIPOS DE LESÕES

%

TIPOS DE LESÕES

%

LESÕES OCULARES

30,1%

DISTENSÃO MUSCULAR (lombalgia, etc.)

2,6%

CORTE

29,9%

ENTALAMENTO

1,8%

CONTUSÃO (genericamente)

11,8%

FRACTURA DE MEMBROS

1,1%

FERIDA (s/ especificação)

10,2%

ESMAGAMENTO/DECEPAMENTO

0,9%

QUEIMADURA

5,1%

LUXAÇÃO

0,8%

ENTORSE

5,1%

Outros tipos de lesões

0,6%

Fonte: (I.S.H.S.T.; 2009)

FASES HISTÓRICAS

EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS DE SOLDADURA

1ª Fase (desde o início S Soldadura simples, manual, utilizando estanho, de baixo grau de perfeição. do Séc. XX até à 2ª Guerra)

O ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E ESTRUTURA DAS EMPRESAS

Trabalho unitário e individualiza do. Controle completo do operador. Estruturas simples.

S Soldadura mecânica, oxi-acetilénica e Trabalho em série. Estruturas p por arco voltaico,utilizando tungsténio simples (P.M.E.´s) II Início das soldaduras a árgon (T.I.G.), 2ª Fase (desde a 2ª à mão. GuGuerra até finais da década Algumas estruturas “burocráticode 60) mecânicas”, já.

Equipamentos “C.N.C.”e início de Estruturas simples, próprias das operações de soldadura por meio de P.M.E.que continuam a formar a raios laser e por bombardeamento grande maioria do sector. electrónico (Robótica). 3ª Fase (desde início da dédécada de 70 até ao início da do séc. XXI)

Estruturas“burocrático-mecânicas”e início das estruturas“adhocráticas”, em alguns sub-sectores, dotados de tecnologia de ponta.

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Os principais modelos teóricos explicativos do acidente de trabalho em ambiente industrial A sua abordagem teórica tem-se gizado de acordo com diferentes enfoques, distribuídos segundo dois grandes eixos conceptuais: o das concepções bicausais e o das concepções multicausais deste fenómeno, dualidade esta que importa especificar. A interpretação do acidente de trabalho recorreu durante bastante tempo ao simbolismo do “efeito de dominó”- o “dominó de Heinrich” (Monteau e Pham, 1987: 711 in. Leboyer e Sperandio), que prevaleceu durante um período significativo do século transacto – compreendido entre a década de 40 (quando se começou a evidenciar a contestação do modelo tayloriano, em algumas das suas premissas mais evidentes) e o período do pós-guerra, em que novos modelos organizacionais emergiram -, e caracterizou-se basicamente por entender as causas possíveis dos acidentes como o epílogo dum fenómeno de convergência, entre uma causa material e uma causa humana, seguindo o princípio segundo o qual a ocorrência duma lesão corporal, na sequência dum acidente de trabalho, constitui o resultado duma série de factores em cadeia (em que a própria ocorrência do sinistro se insere, estando ambos englobados dentro daqueles dois factores causais), sugerindo que bastaria a ausência dum deles para que o acidente e a subsequente lesão não se chegassem a produzir, em correspondência com a simbologia do dominó. De acordo com este modelo do “dominó de Heinrich” o acidente de trabalho representa” o resultado dum conjunto de actos pessoais demonstrativos de insegurança, integrados num determinado número de perigos físicos e mecânicos, a cuja influência o operador não consegue furtar-se, por estar integrado uma cadeia de fabricação, na qual constitui somente um elo de uma engrenagem, tornando-se-lhe impossível agir sobre o ambiente social (constituído por um determinado conjunto de factores externos à empresa) e laboral que o envolvem” (I.S.H.S.T.., 2009: 70), estando a sua genealogia assenta na enumeração duma sequência de cinco factores causais, em que cada um deles actua sobre o seguinte: a)- Antecedentes (organizacionais / ambientais) que emolduram o posto de trabalho do operário vítima de acidente. b)- Falha do trabalhador (em termos prioritariamente psicológicos) e comportamentais. c) - Acto inseguro, associado a um risco mecânico ou tecnológico.

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d)- Acidente, propriamente dito. e)- Lesão (física, de graus diversos de contundência) ou dano pessoal simples, consequente.

O binómio “ambiente inseguro - actos inseguros” (I.S.H.S.T., 2006), sobre o qual se baseia em grande medida, mais não faz do que traduzir uma relação baseada no cuidado (ou falta dele) com que o operador directo manuseia as ferramentas e máquinas que lhe estão confiadas, independentemente do enquadramento organizacional envolvente. Idealizando um ambiente de trabalho industrial modelado em termos taylorianos, no que diz respeito à organização do trabalho corrente e à disposição dos postos de trabalho na execução directa, tornar-se-ia possível idealizar as consequências duma falha mecânica e/ou técnica ocasionadas por desgaste de máquinas e ferramentas, sobretudo se referentes a operações de corte e deformação de metais, devido a insuficiente nível de manutenção de equipamentos, ou devido a motivos “paralelos” (falhas na corrente eléctrica, electricidades estáticas e atmosféricas momentâneas, por exemplo), com influência no trabalho corrente e que vitimam algum operador que não poderia, de forma alguma, prever semelhantes eventualidades (I.S.Q., 2007). Este modelo assenta igualmente sobre o pressuposto, segundo o qual o acidente de trabalho constitui a resultante dum conjunto específico e “sui-generis” de factores estruturais e organizacionais que se identificam com a empresa em que o mesmo se deu, o mesmo é dizer: não pode ocorrer um acidente de trabalho rigorosamente igual a outro, apenas podendo manter-se inalteradas as envolventes, diversas, que facilitaram a sua eclosão. Trata-se dum modelo interpretativo de natureza mecanicista, assente no pressuposto da falta de interferência (em termos decisionais, basicamente) do operador sobre o conteúdo do seu trabalho, de acordo com a princípio, propugnado pelo mesmo, da separação absoluta entre as tarefas de concepção e idealização e as de execução, de cariz tayloriano que não toma em devida linha de conta, contudo, o extenso leque de factores de outras naturezas que poderão concorrer para a emergência do acidente. A substituição gradual do sistema tayloriano por outros modelos teóricos providos duma consideração mais visível dos factores humanos associados ao processo de trabalho industrial

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(integrados numa concepção multicausal), tornou inadequada a “teoria do dominó”, como paradigma explicativo integral do acidente de trabalho, em virtude da necessidade da consideração de todos os aspectos envolventes do processo de trabalho e determinantes do acidente, ao invés duma explicação “em circuito fechado” e circunscrita a um conjunto de causas meramente mecânicas, centradas exclusivamente no processo de trabalho, apesar de coerentemente interligadas (I.S.H.S.T., 2009). Este “ambiente” conceptual pós-tayloriano, integrado numa perspectiva sócio-técnica começou a incidir sobre alguns pormenores considerados, até meados dos anos 30 do século XX, como irrelevantes, se não mesmo, dispiciendos, tais como (Pereira, 2003: 23): a)

- A preocupação com as condições físicas, materiais e organizacionais, sobretudo, do

trabalho globalmente considerado e a consideração da adaptação do operário ao mesmo. b)

- As primeiras percepções da necessidade de adopção de medidas tendentes à criação de

condições materiais e culturais concretas para a participação dos trabalhadores nas decisões a tomar relativamente aos processos produtivos relativos aos mesmos. c)

- A necessidade de definição de vias de comunicação práticas e funcionais facilitando a

ligação entre tarefas anteriormente exclusivas de patamares, por tradição hermeticamente separados: execução / concepção / gestão. Causas de origem estritamente mecânica directamente associadas aos acidentes de trabalho sectorial Estas causas devem ser reportadas a diversos factores e tipos de risco, bem como os processos técnicos mais frequentemente usados, visualizados nos quadros seguintes:

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FACTORES DE RISCO

TIPOS DE RISCO

Movimentação mecânica de cargas

- Risco de queda de materiais, durante a operação de transporte em empilhador e/ou ponte rolante, causado por instabilidade do material (mau acondicionamento da carga, lingagem deficiente, carga deficientemente centrada) e desrespeito por normas de condução em segurança (choque contra outros objectos e partes de instalações, contusão indiferenciada, velocidade em excesso, etc.) - Risco de choque contra outros equipamentos em movimento. - Risco de atropelamento de pessoas, com o empilhador. - Risco de capotamemto /basculamento do empilhador.

Movimentação manual de cargas

- Riscos associados à inobservância de atitudes ergonómicas adequadas (incorrecto / excessivo manuseamento de cargas). - Posturas inadequadas no trabalho (mais frequentemente, excesso de tempo de laboração em pé).

Manuseamento com materiais, ferramentas e equipamentos de trabalho.

Exposição a substâncias perigosas

Exposição a agentes físicos

Outros factores

-Risco de corte por rebarbas metálicas, no decurso da operação manual de peças e superfícies metálicas e no processo de acesso a ferramentas de corte específicas. - Risco de golpeamento / decepamento / esmagamento de partes do corpo (ou do seu todo, caso menos frequente), no decurso da alimentação manual de peças a determinadas máquinas. -Risco de projecção de aparas metálicas, provenientes de operações de corte e rebarba, para os orgãos visuais e para o rosto. -Risco de agarramento e arrastamento induzido pelo acesso dos membros superiores às partes internas de transmissão de movimentos de ferramentas de corte, quinagem e perfuração. - Risco de perfuração (em múltiplas situações e utilizando sobretudo tornos de todos os tipos). -Risco de queda de objectos sobre os membros dos operadores, durante a colocação e retirada de peças em movimento. - Risco de abrasão, por contacto com substâncias abrasivas. - Risco de impacto por movimento de rotação de braços mecânicos ou mesas rotativas. - Risco de projecção de peças e partículas incandescentes. - Risco de ejecção de fluídos a elevada pressão. - Risco de escorregamento e queda ao mesmo nível. -Risco térmico causado pelo contacto com superfícies quentes. - Riscos associados à corrente eléctrica (electrocussão, etc.) -Risco de contacto com materiais e substâncias inertes por inalação de poeiras resultantes de procedimentos técnicos. -Risco de contacto com materiais e substâncias por inalação de gases e fumos libertados pela fusão de materiais (soldaduras). -Risco de contacto com substâncias poluentes (vapores, etc.) -Risco de projecção de substâncias químicas para os olhos. -Risco de exposição prolongada a contaminantes por inalação de substâncias derivadas de processos químicos (vapores, etc.) - Risco de exposição a - Risco de exposição a - Risco de exposição mão). -Risco de exposição térmico).

radiações (ionizantes / não-ionizantes). níveis de ruído exagerados. a vibrações (com particular incidência no sistema braçoprolongada a temperaturas ambientais elevadas (stress

- Risco de incêndio motivado por causas diversas. - Interacção de diversos factores de risco (de múltiplas causas dificilmente discrimináveis com precisão)

Fonte: ( I.S.H.S.T.; 2009)

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PROCESSOS TÉCNICOS RESPONSÁVEIS POR ACIDENTES

%

PROCESSOS TÉCNICOS RESPONSÁVEIS POR ACIDENTES

%

CORTE MECÂNICO

20,2%

LIXAGEM

2,8%

REBARBAGEM

18,3%

POLIMENTO MECÂNICO

2,1%

TORNEAMENTO

12,3%

QUINAGEM

2,6%

PRENSAGEM /LAMINAGEM

8,2%

RECTIFICAÇÃO

2,1%

FRESAGEM

5,3%

SOLDADURA POR ELÉCTRODO

1,9%

ESTAMPAGEM

4,5%

ESMERILAGEM

1,9%

OUTROS PROCESSOS DE CORTE

3,9%

ENROLAMENTO

1,6%

OUTRAS OPERAÇÕES SEM ARRANQUE DE APARA

3,6%

OUTROS PROCESSOS DE TRATAMENTO TÉCNICO

1,5%

FURAÇÃO

3,6%

CUNHAGEM

1,2%

ZINCAGEM

1,0%

INDIFERENCIADOS

1,4%

Fonte: (I.S.H.S.T.; 2009)

Estes dados estatísticos reportam - na sua mais elevada percentagem - a um vasto conjunto extremamente atomizado de médias e pequenas unidades industriais (numa percentagem significativa, micro-empresas de matriz familiar) laborando em condições de dura luta diária pela sobrevivência, frequentemente no limbo da respectiva viabilidade, integradas num sistema capitalista vincadamente concorrencial, específico duma economia de características semiperiféricas (Pereira; 2003), que as remete para uma situação de grande dependência face às unidades de maiores dimensões - aqui se incluindo as empresas multinacionais, com destaque para as do sector de montagem de veículos automóveis, construções de equipamentos diversos, estaleiros navais (de construção e reparação) e das construções electromecânicas, as quais estabelecem as “regras do jogo”: preços dos serviços encomendados (na maior parte das vezes, impostos quase unilateralmente e sem deixar margem de negociação para as primeiras), prazos estipulados para a sua ultimação e especificação dos trabalhos sub-empreitados (via de regra

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aqueles que maiores níveis de risco apresentam, esquivando-se as segundas, deliberadamente, aos mesmos) incluindo a obrigatoriedade do pagamento de compensações em caso de incumprimento, como os seus principais factores, os quais não podem deixar de exercer uma incidência directa sobre os índices de segurança em que essas pequenas unidades laboram. A realidade industrial portuguesa – constituída, em cerca de 95% por micro, pequenas e médias empresas com um quadro humano não excedendo o total duma dúzia de activos (sem especificação de funções) – só muito pontualmente se enquadra nos cenários práticos para os quais os referidos modelos teóricos foram desenvolvidos. Sendo que muitas das mesmas apresentam um modelo de organização do trabalho que não pode ser catalogado sequer como tayloriano - quando muito uma qualquer sub-modalidade do mesmo - sem contornos precisos, atendendo a factores diversos, tais como a ausência frequente de especificação de tarefas (exigindo muitas vezes uma adaptação empírica em função exclusiva das exigências determinadas pela carteira regular de encomendas, uma incorporação ainda bem visível de improvisação individual, motivada frequentemente pelo uso de equipamentos já tecnologicamente desfasados), uma ausência, ainda frequente, de separação funcional entre as tarefas de concepção e de execução (embora concedendo uma margem significativa, ainda, ao impacto do cunho individual do operador), a ausência dum verdadeiro planeamento da produção, digno desse nome (DIAS; 2003), que possibilite uma adopção atempada das medidas de organização do trabalho adequadas, com um impacto positivo e visível, directo, sobre os índices de segurança do mesmo. Metodologia utilizada A presente investigação teve como principal recurso metodológico a observação de campo, duma forma detalhada, tanto dos meios técnicos utilizados, como de algumas características pessoais de diversos operários, facilitada por uma longa proximidade profissional. No entanto, este processo deparou-se com dificuldades de vária ordem, tais como o “black-out” comunicacional por parte dos responsáveis – o que é frequente em outras ocorrências similares – dada a confidencialidade e reserva total praticadas, em virtude de estarem em causa

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indemnizações a atribuir e a gestão de processos em contencioso com seguradoras e tribunais, para além da necessidade da preservação a todo o custo a imagem da empresa. De igual modo, os operários (principalmente) e demais trabalhadores esquivam-se sempre a prestarem depoimentos, dada a necessidade prioritária de não colocarem em risco os seus postos de trabalho, nem mesmo quando solicitados a fazerem-no “off the record”. Sintomaticamente, o pedido de vir a conhecer a carta de riscos do equipamento causador do sinistro, feito sob um determinado pretexto, foi indeferido, sob alegação de interferência no trabalho da equipa da A.C.T. que procedeu a vistorias e monitorizações deste processo. Por outro lado, os métodos de análise de acidentes de trabalho em ambiente industrial mais conhecidos (não somente para o caso em questão) adaptam-se prioritariamente a empresas de maiores dimensões, por regra, denotando índices de departamentalização bem definidos. Trata-se, por exemplo, dos Modelos de Reason, Modelo TRIPOD, baseado no método G.F.T.(General Failure Types) e assente na identificação e catalogação de diversas falhas (11 no seu número máximo) conducentes ao sinistro e, mais recentemente, o Método PRISMA (Prevention and Recovery Information System) focalizado mais na adopção de medidas preventivas (ao invés de se centrar na despistagem das causas do acidente) o que o remete para uma perspectiva gestionária, fora do contexto presente. Todas estas ferramentas de análise são direccionadas para uma interpretação desta temática de acordo com a perspectiva sócio-técnica, não se afigurando, por isso mesmo, como as mais indicadas para uma utilização para estruturas de cariz tayloriano (ou com o mesmo correlacionado), o mais aproximado do caso da presente empresa. No entanto, através de contacto com um Delegado Sindical (Sindicato dos Metalúrgicos AveiroNorte) ficou o dado de que o acidente que vitimou o operário “não constituiu, para ele, uma grande surpresa” (palavras textuais), em virtude do seu conhecimento àcerca dos métodos de trabalho adoptados, decorrente de “contactos desde há já longa data” (de igual modo também palavras textuais), não querendo adiantar mais nenhuns pormenores.

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O desenvolvimento dum acidente de trabalho ocorrido numa unidade metalomecânica de pequena dimensão Importa proceder, agora, ao estudo dum acidente de trabalho que deve ser considerado típico dentro do sector, tanto pelos meios técnicos envolvidos, como pelas características do trabalho levado a cabo e que resultaram no mesmo, assim como pelo padrão de atitudes pessoais detectados nos actores envolvidos, estando estas variáveis integradas num conjunto coerente de factores de intercausalidade que importaria descrever com maior detalhe, tendo em vista o objectivo de se conseguir adquirir uma compreensão cabal do fenómeno. O acidente aconteceu em 28 de Janeiro de 2010 (sensivelmente a meio da manhã), dentro das instalações duma empresa de fabricação de equipamentos de descarga de efluentes líquidos, acessórios em inox, peças de pichelaria e tubulações de diversos calibres, sediada na Zona Industrial de Aveiro-Sul (Mamodeiro), freguesia de Santa Joana, e produziu-se quando o operador da guilhotina procedia à maquinação completa duma série de peças, destinadas a serem integradas em artigos de pichelaria para expedição para Itália. Enquanto este operário (com a categoria de torneiro mecânico de segunda) esteve ocupado com as operações de furação, torneamento e acabamento final das peças de série (todas iguais) feitas ao torno e à máquina de abrir roscas, nada de especial aconteceu: tratava-se de tarefas rotineiras, simples e desprovidas de qualquer perigo, o que permitia que o operador em questão conservasse vestido o seu “kispo”, debaixo da bata de serviço, dado o frio ambiental intenso que se fazia sentir. Quando teve de proceder, num determinado instante, à maquinação duma peça fora da série referida (um veio helicoidal, acoplado a um suporte de secção cónica e de maiores dimensões) passou para uma máquina diferente das outras, pouco habitual, e de uso mais restrito. Esta operação revelou-se mais complexa, em virtude de exigir um esforço físico mais considerável, facto que foi afectado pelos movimentos braçais mais difíceis de realizar devido ao volume excessivo de roupa que o operário trazia vestido e agravado pelo facto de o operador titular do equipamento em questão se encontrar de baixa médica naquele dia.

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Quando a manga da bata que envergava, já bastante desgasta e esfiapada se encravou na superfície de corte da referida máquina, o operário foi arrastado pelo braço e trucidado pela mesma, falecendo simultaneamente. Conclusões, consideradas como base válida para estudos ulteriores. O acidente sob análise deve incluir-se num universo estatístico que se salda entre as 120 e 150 ocorrências sinistrais fatais anuais verificadas globalmente, em todos os ramos de actividade económica portugueses, com preponderância para os trabalhos relacionados com a construção civil, nas suas diversas vertentes e especialidades – apresentando uma incidência particular no que diz respeito às empreitadas efectuadas em regime de sub-contratação (ISMAI; 2010) – e abrangendo de igual modo, se bem que com menor grau de contundência, todos os sectores da indústria transformadora em que a metalomecânica (incluindo o sub-sector da metalurgia) surge numa posição de destaque. Por outro lado, a análise de acidentes também começou a tomar em consideração, gradualmente, alguns dados (e eventualmente, algumas conclusões) provenientes de outros domínios científicos, tais como a Sociologia do Trabalho (incluindo a sua vertente da Sociologia Industrial) e a Psicossociologia do Trabalho e das Organizações e a recorrer, em simultâneo, a algumas disciplinas do campo das Ciências Exactas, como a Física (Electromecânica, Termodinâmica, Resistência de Materiais, etc.), em virtude de os dados mencionados terem sido concebidos, monitorizados na prática, reformulados e aplicados em meios industriais diversos do universo industrial português. A evolução dos quantitativos deste fenómeno desde o início do presente século até ao último ano em que foram recolhidos os dados respectivos está no quadro que se segue, com uma menção destacada para os que se referem ao sector da metalomecânica e afins:

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ANO EM ANÁLISE

2000

ACIDENTES MORTAIS - TOTAL -

ACIDENTES MORTAIS - CONSTRUÇÃO CIVIL -

249

139

ACIDENTES MORTAIS - IND. METALOMECÂNICA, METALÚRGICA E AFINS -

Fabric.prod.metá licos /mater. Eléctrico 7 Agregado

2001

280

185

2002

209

103

181

88

2004

197

101

Ind.metalúrgica de base 3

8

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 5 Agregado

Ind.metalúrgica de base 8

15

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 5 Agregado

2003

11

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 7 Agregado

Ind.metalúrgica de base 4

Ind.metalúrgica de base 8

13

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 4

Ind.metalúrgica de base n/ indicado

Agregado -s / número averiguado2005

169

86

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 7 Agregado

2006

157

71

2007

144

67

144

71

2009

155

56

Ind.metalúrgica de base 4

11

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 4 Agregado

Ind.metalúrgica de base 4

10

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 7 Agregado

Ind.metalúrgica de base 1

8

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 6 Agregado

2008

7

Fabric.prod.metá licos /mater eléctrico 7 Agregado

Ind.metalúrgica de base s / ocorrências

Ind.metalúrgica de base 5

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Fonte: Pesquisa após consulta do “site” da I.G.T..(A.C.T.)

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A evolução da abordagem deste fenómeno para a consideração do impacto trazido por diversos outros campos científicos, no sentido da sua compreensão mais abrangente, já acima referida, fica indicada no quadro que se segue:

RAMO CIENTÍFICO APLICAÇÃO AO FENÓMENO “SINISTRALIDADE LABORAL” EM AMBIENTE DE TRABALHO INDUSTRIAL (INDÚSTRIA METALOMECÂNICA / METALÚRGICA) QÚIMICA

CIÊNCIAS EXACTAS

CIÊNCIAS SOCIAIS

TEORIAS DA GESTÃO / ADMINISTRAÇÃO

(adaptação )

PSICOLOGIA

ETNOLOGIA/ FILOSOFIA

F Fenómenos de reacções químicas violentas (explosões, inflamações de líquidos, etc.) Termodinâmica- Rupturas de condutas de calor, por excesso incontrolado de temperatura. FÍSICA Efeitos de abrasão, choque, sobre-carga, sobre-esforço e torção de materiais na base de acidentes. (Base original do conceito de “stress”). Efeito de desgaste (“fadiga de materiais”, corrosão por efeito ENG. DOS MATERIAIS de agentes exteriores, erosão causada por agentes atmosféricos) na origem de acidentes - Organização Científica do Trabalho (F.W. Taylor) SOCIOLOGIA DO incluindo o “Modelo de gestão de riscos” respectivo. TRABALHO / - Análise Estratégica das Organizações (M. Crozier). PPSICOSSOCIOLOGIA DAS - Teoria do Equilíbrio dos Sistemas (T. Parsons). ORGANIZAÇÕES - Sociologia dos conflitos (Reynaud). (aplicações teóricas ao campo da sinistralidade - Teoria do “Efeito de dominó” (Heinrich) laboral) - Teoria da “Pirâmide Sócio-Técnica). -T.Ger.da Administração(H.Mintzberg) -T.dos Sistemas (K. Lewin)- T. da Contingencialidade (s/ paradigma teórico específico)

- Na base do modelo de “Gestão Participativa”. - Na base do modelo de “ Gestão por Objectivos” - Referência à ”Gestão Patriarcal” (adaptação circunstancial, adequada à realidade empresarial portuguesa).

-Psicologia Industrial (Lahy, Korngold, H. de Mann) - Psicologia Diferencial (Burckhardt)

Influência dos factores “cansaço”, “fadiga”, “monotonia” no trabalho industrial. Desenvolvimento do conceito “Work Environment” (F. Fukuyama). -Noções de “Satisfação no trabalho”, “ Equilíbrio/ Desequilíbrio emocional”. - Factores comportamentais associados à eclosão de acidentes: “laxismo”, “facilitismo”, “imprevidência”.

Conceito de “CULTURA

-Noções de“Cultura de Empresa” -“Corporate Culture”(Schein), “Heterogeneidade Cultural”( Sansaulieu) e “Clima Organizacional” (Chiavenato), com relação directa e causal com a eclosão de acidentes laborais.

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Os principais modelos teóricos elegíveis para a temática da sinistralidade em meio laboral (especificamente a que reporta aos acidentes de trabalho ocorridos em unidades industriais) foram desenvolvidos em empresas de grande e muito grande dimensão, nos E.U.A. prioritariamente e, em menor escala, na França e na Grã-Bretanha, sintomaticamente em determinados sectores industriais estratégicos, incluindo os que se acham devotados à fabricação e modificação de produtos em metal - à cabeça, o aço (produzido em módulos laminados em unidades siderúrgicas), o ferro (principalmente em chapa e em verga, conquanto de importância decrescente em virtude de as suas aplicações terem vindo a serem substituídas por diversos produtos alternativos, mais económicos e exigindo um menor grau de incorporação de mão-deobra, nomeadamente aplicações com fins múltiplos, fabricadas por síntese química, como condutas, tubuladuras, etc. em PVC) e o alumínio (na formas de perfil, cantoneira e verga) - e tendo de lidar com problemas muito complexos relacionados com a gestão dos seus recursos humanos, com a organização do trabalho e a adopção dos métodos mais convenientes e, naturalmente, com as preocupações com a segurança do trabalho e subsequente adopção de medidas rigorosas de prevenção de acidentes. A partir duma análise pormenorizada deste acidente de trabalho, centrada nas vertentes tecnológica, ambiental, sociológica / organizacional e psicossociológica / comportamental, tornou-se possível constatar que o mesmo se ficou a dever a uma desestruturação parcelar dum sistema produtivo, associada à concorrência de algumas disfuncionalidades com base nas referidas vertentes, as quais vieram a colocar a descoberto a inevitabilidade de rupturas funcionais que colocam em risco, frequentemente, a saúde dos trabalhadores, com maior incidência aqueles que se encontram devotados aos trabalhos de execução directa. Além do mais, este sinistro deve ser catalogado como típico dentro do seu sector industrial, tomando em consideração os seguintes parâmetros de análise: - Os elementos técnicos e tecnológicos envolvidos acham-se totalmente integrados dentro dos padrões do trabalho sectorial regular. - A descoordenação de movimentos, por parte do operador - e que se afigurou fatal – foi induzida pela não-titularidade do equipamento em questão causada, pela sua vez, pela adopção duma prática de rotatividade de pessoal visivelmente empírica (quase se podendo dizer, casuística),

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sem um autêntico critério de racionalidade e adequação tecnológicas, em linha com um posicionamento do modelo de organização do trabalho numa vagamente indefinida modalidade “sub-tayloriana”, visível com frequência em muitas outras empresas. - As condições ambientais revelaram-se de nível insuficiente, por forma a poder condições de comodidade e segurança do trabalho compatíveis. A análise destas envolventes deve ser integrada num conjunto mais vasto de preocupações com a qualidade de vida no trabalho – daí se justificando a sua inclusão no eixo temático “Globalização, PME e internacionalização competitiva”, mais especificamente dentro do seu item “ Qualidade de vida e condições de trabalho”. Se o universo estatístico apresentado não tem denotado uma tendência para o acréscimo em termos quantitativos, tal facto fica a dever-se, sintomaticamente, não tanto propriamente a um aumento dos níveis de eficácia e na assumpção de atitudes e posturas comportamentais directamente relacionadas com a segurança no trabalho e com a adopção de medidas eficazes de prevenção, mas sim à retracção das actividades económicas em geral, com uma particular acutilância no que se refere à construção civil, fonte de mais de metade dos acidentes registados, mortais e não mortais (A.E.C.C.O.P.S; 2010), assim como por via da diminuição do nível de emprego na indústria, em termos gerais (idem). No campo concreto do trabalho metalomecânico, o recurso crescente aos equipamentos “C.N.C.”, sobretudo na sua aplicação a trabalhos de tornearia, quinagem, corte / seccionação /maquinação, fresagem, rectificação e outros, assim como o uso de microprocessadores programáveis, electroerodidores e outros implementos de grande precisão, sem dúvida que teve como consequência directa o decréscimo dos níveis de sinistralidade associados ao trabalho que nele se processa (I.S.H.S.T., 2009). No entanto, uma percentagem considerável da laboração em muitas empresas ainda se processa mediante o recurso a ferramental e maquinaria tecnologicamente já desfasadas, em virtude do preço/hora do trabalho que as mesmas proporcionam ser substancialmente inferior ao que os equipamentos de última geração determinam (com uma incidência imediata nos orçamentos dados), o que se compreende por razões de sobrevivência das mesmas, mas que não pode deixar

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de ter uma influência directa sobre os índices de segurança do trabalho, mormente nas tarefas de execução directa, as que são eivadas de índices de risco mais elevados. Como exemplo paradigmático desta utilização de equipamentos antiquados, embora ainda viáveis, por razões de natureza económica, pode dar-se o de alguns trabalhos de tornearia, roscagem e furação utilizando ainda tornos ”Colchester”, de meados da década de 60 do século transacto, tanto na empresa palco do sinistro analisado (um caso único, embora só para pequenos trabalhos subsidiários), como em diversas outras de menores dimensões. Bibliografia Adam, G; Reynaud, J (1987), “Sociologia do Trabalho – os conflitos” - Presses Universitaires de France. A.E.C.C.O.P.S. (2010), “A Organização de Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho - Análise crítica”- Edição da A.E.C.O.P.S. Aguiar, Q. (2004), “O peso das micro e pequenas empresas” – Suplemento temático do Semanário “O Expresso” de 27/3/04. A.I.M.M.A.P. (1999), Revista “Metal- Boletim informativo da Indústria Metalomecânica e Metalúrgica”; números 3 e 4. A.I.M.M.A.P. (2004), “Evolução positiva dos Sectores da Metalurgia e da Metalomecânica (decénio 1992-2002)”Suplemento “D.N.Empresas”,“Diário de Notícias”, 9 /5/2004. Araújo, S. (2001), “ Reciclagem e tecnologias limpas para o Sector da Metalomecânica” –Revista “Tecnometal”-nº 137, Nov./Dez. de 2001, (Edição da A.I.M.M.A.P.). Cardim, J. (1996), “P.M.E.´S e Inovação” – Edições I.E.F.P. Carvalho, J; Gomes, M.; Barbosa, A.; Fonseca, M. (1992), “As condições de saúde higiene e segurança nos trabalhos de empreitada” - Organizações & Trabalho, nº7/8. Conceição, Apelles. (2000), “Acidentes de Trabalho, Acidentes em Serviço e Doenças Profissionais – Sectores Privado e Público” – Editora Rei dos Livros. Crispim, L. (1995), “Higiene e Segurança nas P.M.E.´s- Quadro legal” -Revista “Dirigir”, nº 40, Dezembro de 1995. Dias, J. (2003), “Indústria Metalomecânica e padrões de qualidade”- Boletim da A.I.M.M.P., Outubro de 2003. Directiva 89/656 /CEE, de 30/11- “Prescrição das condições mínimas de segurança e saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de protecção individual no trabalho”. Directiva 90/270 /CEE, de 29/05- “Prescrição das condições mínimas de segurança e saúde respeitantes ao trabalho com equipamentos dotados de visor”. EN 693 (1996), “Normas prescritas para a segurança com ferramentas de máquinas (“Machine tools safety”) (C.E.N / TC)”. Fernandes, E. (1991), “Psicossociologia das Organizações”- Editora Eccla, Porto. Fernandes, V. (1998), “Saúde Ocupacional: um nova filosofia” – Edições E.D.P. Ferreira, A. (2004), “Operações de Fusão na Metalurgia”- Suplemento temático dedicado à A.I.M.M.P., do Semanário “O Expresso”, de 20/3/2004.

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XVI ENCONTRO NACIONAL DE SIOT Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 :: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-Universidade Nova de Lisboa Tema 1) Globalização, PME e Internacionalização Competitiva

Qualidade de vida e bem-estar na reforma: uma análise à luz da realidade angolana João Manuel Saveia [email protected] CIEPOT – Centro de Estudos e Pesquisas - Angola

Resumo A qualidade de vida e o bem-estar são temas que vêm ocupando o interesse de vários profissionais. Não obstante, a análise mais atenta da literatura sobre o assunto evidencia que esse campo de estudos ainda é marcado por inconsistências teórico-conceituais que têm interferido no progresso da área, o que denota a necessidade de realização de estudos e análises que se mostrem capazes de elencar os principais fatores que impactam a qualidade de vida e o bem-estar em diferentes contextos. Este artigo procura analisar o que é fundamental para o bem-estar e os aspectos que podem impactar a qualidade de vida daqueles que estão a passar para a reforma. O artigo difere dos vários que têm sido escritos sobre o tema, pois enfoca a qualidade de vida e o bem-estar não apenas no trabalho, mas principalmente no desligamento dele. Tomou-se como objeto de estudo a realidade angolana. Trata-se de um texto que resulta da análise da realidade do país, com base em pesquisa e na experiência do autor na condução de programas de preparação para a reforma. Entre as várias conclusões destaca-se que a qualidade de vida na reforma tem como um dos pilares centrais o equilíbrio obtido pela pessoa que consegue dar atenção às diferentes dimensões da sua vida. Destaca-se também que é necessário que o governo e a classe empresarial proponham políticas e programas de “envelhecimento ativo” que melhorem a saúde, a participação e a segurança dos cidadãos mais velhos. Finalmente, destaca-se o fato de que a qualidade de vida na reforma não deve ser definida apenas por critérios conceituais e técnicos, mas deve considerar indicadores políticos, económicos, sociais, culturais e ambientais. Palavras chave:

Qualidade de vida, bem-estar, reforma, Angola.

Introdução A população mundial está a envelhecer, quer seja nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Dados da OMS (2005) indicam que em 2002, quase 400 milhões de pessoas com 60 anos ou mais viviam no mundo em desenvolvimento. No entanto, até 2025, este número terá aumentado para aproximadamente 840 milhões, o que representará 70% das pessoas na 3ª idade em todo o mundo. Esta mudança, porém, traz uma grande preocupação. Na maior parte do mundo desenvolvido, o envelhecimento da população foi um processo gradual acompanhado de crescimento social e económico constante durante muitas décadas e gerações. Já nos países em desenvolvimento, este processo de envelhecimento está a ser reduzido há duas ou três décadas. Assim, enquanto os países desenvolvidos tornaram-se ricos antes de envelhecerem, os países em desenvolvimento

Atas do XVI ENSIOT, 2016, pp. 42-55

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estão a envelhecer antes de obterem um aumento substancial em sua riqueza (Kalache & Keller, 2000). É no grupo dos países em desenvolvimento que inserimos Angola. Logo, tem-se aqui uma preocupação que deve merecer a atenção de pesquisadores e especialistas angolanos, das diversas áreas do conhecimento, especialmente aqueles que têm como temática de atuação o envelhecimento e a reforma, de tal sorte que se possa garantir qualidade de vida e bem-estar para os trabalhadores reformados. Este trabalho procura analisar o que é fundamental para o bem-estar e os aspectos que podem impactar a qualidade de vida dos trabalhadores reformados. Por outro lado, espera-se despertar o interesse para esta temática e proporcionar subsídios para a reflexão de tais questões na realidade angolana. Qualidade de vida e bem-estar Os conceitos de qualidade de vida e de bem-estar estão de tal forma relacionados que torna difícil distingui-los de maneira clara e objetiva. Em relação à qualidade de vida a Organização Mundial da Saúde (OMS) define-a como a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro do contexto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Trata-se de um conceito amplo que incorpora de uma maneira complexa a saúde física de uma pessoa, seu estado psicológico, seu nível de dependência, suas relações sociais, suas crenças e sua relação com características proeminentes no ambiente (OMS, 1994). Na mesma direção, Mendonça, Ferreira, Porto e Zanini (2012), consideram que qualidade de vida é um constructo multifacetado, que envolve quatro dimensões superiores, a saber: 1) aspectos individuais – físicos, mentais, psicológicos e emocionais; 2) aspectos relacionais – família, amigos, escola; 3) aspectos sociais - saúde, educação, poder de compra; 4) aspectos culturais – sistemas de valores em que se vive, objetivos, expectativas, padrões e concepções relacionadas às diferentes circunstâncias da vida.

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Tomadas em conjunto, essas dimensões estão estruturadas de modo a apresentar aspectos subjetivos, relacionados à percepção do indivíduo sobre a sua qualidade de vida, e objetivos, ligados à própria condição de vida. Quanto ao bem-estar, a OMS concebe-o como condição de saúde coletiva das pessoas e entendeo numa perspectiva biopsicossocial, abrangendo, consequentemente, diferentes domínios da vida, como o trabalho, a família, o lazer, as finanças e o próprio self. Tal entendimento resulta da definição de saúde da OMS, concebida como o completo bem-estar biopsicossocial e não somente a ausência de afecções ou enfermidades (Decreto-Lei nº 36406, 1946). Diante de tais concepções, Mendonça, Ferreira, Porto e Zanini (2012) procuram demarcar estes dois conceitos. Assim, segundo os autores, no que se refere à qualidade de vida, existe um foco prioritário nas perspectivas situacionais, focadas nas percepções das pessoas sobre diversos aspectos de sua vida. Por sua vez, o bem-estar caracteriza-se como a representação das pessoas sobre as avaliações feitas acerca de seu estado biopsicossocial e, consequentemente, está relacionado às vivências afetivas positivas e à avaliação da satisfação com a vida de modo geral. Nos últimos anos, qualidade de vida e bem-estar vêm preocupando pesquisadores e especialistas da área da saúde, especialmente os que trabalham com pessoas idosas. A grande preocupação tem sido a de procurar manter a autonomia e a independência do indivíduo que envelhece, por acreditarem que a qualidade de vida e o bem-estar na velhice são fortemente determinados por estes dois aspectos. Na próxima seção, serão apresentadas variáveis que podem exercer uma influência positiva ou negativa para a qualidade de vida e o bem-estar na reforma, tendo como referência a realidade angolana, analisada com base em levantamento feito pelo autor na condução de programas de preparação para a reforma. Certamente, não há intenção de esgotar o tema, mas apenas fornecer uma ideia dos prováveis fatores que impactam a qualidade de vida e o bem-estar na reforma em Angola. Qualidade e vida e bem-estar na reforma Que aspectos podem garantir a qualidade de vida e o bem-estar na reforma? Esta preocupação ganhou destaque nas últimas décadas, em função do cenário de envelhecimento da população

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mundial, de tal forma que a OMS lançou e difundiu na Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Madrid (2002), o conceito de “envelhecimento ativo”. Segundo a OMS (2005), o envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. O conceito de envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Permite que as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades. Ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessários. A palavra “ativo”, para a OMS, refere-se à participação contínua nas questões sociais, económicas, culturais, espirituais e civis, e não somente à capacidade de estar fisicamente ativo ou de fazer parte da força de trabalho. Dessa forma, as pessoas mais velhas que se reformam e aquelas que apresentam alguma doença ou vivem com alguma necessidade especial podem continuar a contribuir ativamente para seus familiares, companheiros, comunidades e países. Desta forma, as políticas destinadas aos idosos devem ter como um dos principais objetivos a promoção da saúde e a preservação da capacidade funcional. As políticas devem estar focadas na promoção do envelhecimento saudável, com manutenção e melhoria cada vez maiores da capacidade funcional dos idosos, com a prevenção de doenças, recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter sua capacidade funcional restringida. Uma política de saúde do idoso deve, portanto, ter como objetivo maior a manutenção da máxima capacidade funcional do indivíduo que envelhece, pelo maior tempo possível. Isso significa a valorização da autonomia ou determinação e a manutenção da independência física e mental do idoso. Segundo Caldas (2012), a independência ou capacidade funcional de uma pessoa é avaliada com base na capacidade de execução das atividades da vida diária (AVD), que por sua vez dividem-se em: Atividades básicas da vida diária – tarefas próprias do autocuidado, como alimentar-se, vestir-se, controlar os esfíncteres, tomar banho, locomover-se, etc.

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Atividades instrumentais da vida diária – capacidade para levar uma vida independente na comunidade, como realizar as tarefas domésticas, compras, administrar as próprias medicações, manusear dinheiro, etc. Atividades avançadas da vida diária – são marcadoras de atos mais complexos e, em grande parte, ligados à automotivação, como trabalho, atividades de lazer, contatos sociais, exercícios, etc. Ainda segundo a autora, uma pessoa independente é aquela que é capaz de realizar todas as atividades listadas acima, além de participar da vida económica e social da sua comunidade e decidir o que fazer com seus recursos sem ajuda de terceiros. À noção de pessoa independente, Caldas (2012) acresce a noção de pessoa autónoma, entendendo como aquela que é capaz de autogovernar-se. Nesse conceito a autora inclui o exercício da liberdade individual, da privacidade, de fazer escolhas livremente e ser independente moralmente, tendo harmonia com os próprios sentimentos e necessidades. De acordo com a OMS (2005), uma abordagem de envelhecimento ativo para o desenvolvimento de políticas e programas tem o potencial de reunir muitos dos desafios inerentes ao envelhecimento individual e populacional. Quando políticas sociais de saúde, mercado de trabalho, emprego e educação apoiarem o envelhecimento ativo, teremos muito provavelmente: menos mortes prematuras em estágios da vida altamente produtivos; menos deficiências associadas às doenças crónicas na terceira idade; mais pessoas com uma melhor qualidade de vida à medida que envelhecem; à medida que envelhecem, mais indivíduos a participar ativamente nos aspectos sociais, culturais, económicos e políticos da sociedade, em atividades remuneradas ou não, e na vida doméstica, familiar e comunitária; menos gastos com tratamentos médicos e serviços de assistência médica. Em resumo, o objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de bem-estar e de qualidade de vida para todas as pessoas que estão a envelhecer, inclusive as que são frágeis, fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados. Desta forma, segundo a OMS (2005), políticas e programas de envelhecimento ativo são necessários para permitir que as pessoas continuem a trabalhar de acordo com suas capacidades e

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preferências à medida que envelhecem, e para prevenir e retardar incapacidades e doenças crónicas que são caras para os indivíduos, para as famílias e para os sistemas de saúde. Por outro lado, França (2012) realça o fato de nos últimos anos vários profissionais, em vários países, terem desenvolvido estudos sobre preditores de qualidade de vida e bem-estar na reforma. Em Angola, por não existirem estudos a respeito, procurou-se identificar, a partir de participantes de Programas de Preparação para a Reforma, os aspectos que podem influenciar a qualidade de vida e o bem-estar na reforma. Tais aspectos foram mapeados em atividades grupais (essencialmente dinâmicas de grupo), com trezentos trabalhadores em fase de reforma ou já reformados. Apear das atividades grupais não terem sido voltadas apenas para a qualidade de vida e o bemestar na reforma, ainda assim, foi possível identificar aspectos que podem impactar tais vivências. Foram descritos vários aspectos, agrupados em dez grandes categorias: 1) escassez de recursos financeiros; 2) sistema precário de saúde pública; 3) doença adquirida antes da reforma; 4) habitação inadequada; 5) sistema precário de transporte público; 6) insuficientes estruturas e programas para o lazer; 7) maus tratos e desestruturação familiar; 8) baixa qualificação académica; 9) fragilidade das políticas para o idoso; 10) ausência de projeto de vida. O que leva os mais velhos em Angola a identificarem estes aspectos como aqueles que mais podem afetar a qualidade de vida e o bem-estar na reforma? Nas próximas linhas procurar-se-á fazer uma análise de tais aspectos. Fatores que impactam a qualidade de vida e o bem-estar na reforma O Decreto Presidencial nº 174/14 de 24 de Julho, que aprova o Estatuto Orgânico do Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) estabelece que compete a este órgão da Administração Central do Estado, conceber, propor e executar a política social relativa aos grupos mais vulneráveis da população, nomeadamente da criança, da pessoa idosa e da pessoa com deficiência, garantindo os seus direitos e a promoção do seu desenvolvimento por meio de medidas que reportam a implementação de políticas sociais básicas de assistência e reinserção social.

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Neste sentido, são atribuições do MINARS garantir a assistência e definir políticas de proteção e promoção social do idoso não abrangido pelo sistema de segurança social, propor e coordenar políticas de integração social e formação profissional dos ex-militares, em articulação com outros órgãos do Estado. Pode-se perceber que existe, em termos legais, uma consideração para com o idoso como merecedor da atenção do Estado. Assim, e diante da situação socioeconómica dos idosos, o Governo de Angola concebeu instrumentos legais que compreendem a política da pessoa idosa e a respetiva estratégia de implementação, sendo que a assistência social e acesso à saúde têm predominado nos eixos interventivos do Governo, em prol dos idosos, especialmente os institucionalizados em lares de terceira idade (Universidade Católica de Angola – UCAN, 2014). Segundo dados da UCAN, aumentaram os lares de idosos nos últimos anos, havendo em 2014 dezassete deles (em 2010 eram 15 lares com um universo de 1283 idosos), localizados em onze províncias, porém, acolhendo um número inferior de idosos em comparação com 2010, a saber, 910 idosos numa faixa etária dos 60 aos 105 anos. Ainda segundo a UCAN (2014), o Governo tem tido sérias dificuldades em cumprir as metas estabelecidas em relação aos idosos, tendo sido executadas menos 50% das ações previstas, não se sabendo se este défice deve-se à escassez de recursos financeiros disponibilizados ou, na pior das hipóteses, à pouca atenção prestada a esta franja populacional.

No tocante ao sistema de segurança social em Angola, o Decreto nº 40/08 de 2 de Julho, do Conselho de Ministros, regulamenta a proteção na velhice concretizada através da atribuição da pensão de reforma por velhice, pensão de reforma antecipada e abono de velhice. Têm direito à reforma por velhice todo o segurado (que esteja inscrito na Segurança Social e tenha as contribuições em dia) que atinja 60 anos de idade ou complete 420 meses de entrada de contribuição. As mães trabalhadoras têm direito a que lhes seja reduzida a idade acima referida, à razão de um ano por cada filho que tenha dado à luz até ao máximo de cinco anos de redução. Tem direito à pensão de reforma antecipada, o segurado que tenha completado 50 anos de idade e exercido atividade profissional penosa e desgastante, nos termos previstos por Lei. Já o abono de velhice é garantido ao segurado que cesse toda a atividade remunerada, tenha completado 60 48

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anos de idade e 120 meses de entrada de contribuições. O valor a receber pelo segurado não pode ser superior a 35 e nem inferior a um salário mínimo. Estando garantidas as prestações, o que tem preocupado os trabalhadores é o valor a receber, que é muito baixo, pelo fato do salário mínimo nacional ser baixo, aproximadamente 12.000,00 Kwanzas (67,00 Euros), num país considerado dos mais caros para se viver. Por outro lado, um número considerável de instituições, e muitas delas grandes instituições, apesar de fazerem o respetivo desconto no salário do trabalhador, não fazem o depósito destes valores no cofre do Estado, sendo que muitas destas nem sequer inscrevem os trabalhadores no sistema de segurança social. Logo, muitos trabalhadores estão completamente desprotegidos. Em 2014 estavam inscritos no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) apenas 95.895 contribuintes. Diante desta realidade, os idosos tendem a confiar na ajuda da família ou em serviços informais. São poucos os que conseguiram juntar economias pessoais. Segundo a OMS (2005), em todo o mundo, as famílias providenciam a maior parte do auxílio para idosos que precisam de ajuda. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência entre as gerações no mesmo ambiente começa a mudar, os países são cada vez mais chamados a desenvolverem mecanismos que deem proteção social a idosos incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhos e vulneráveis. Assim, apesar de Angola não possuir um número expressivo de idosos, situado aproximadamente em 3% (Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População – IBEP, 2011), paradoxalmente a situação social de muitos deles é deplorável, como se pode verificar pela quantidade de idosos que vagueiam pelas ruas da cidade, principalmente Luanda, na condição de pedintes, sendo este um indicador da sua vulnerabilidade, pois presume-se não terem lar nem gozarem da proteção da família (UCAN, 2014). Outra preocupação dos idosos prende-se com o sistema de saúde, considerado deficiente. Segundo o IBEP (2011), nas zonas rurais apenas 24% da população acede a postos ou centros de saúde públicos num raio até 2 Km em comparação com 63% nas áreas urbanas. Mas 22% dos agregados nas áreas rurais declara não existir qualquer serviço de saúde nas proximidades da sua residência e 36% declara não haver disponibilidade regular de medicamentos nos postos ou centros de saúde próximos das suas residências. A situação de acesso, segundo o IBEP, pode ser

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ainda mais grave pelo facto de não registar-se serviços de saúde de outros níveis fora das sedes comunais ou municipais, a quase inexistência de transportes rodoviários regulares e/ou de emergência e o estado degradado das estradas. Moradia e vizinhança seguras e apropriadas são essenciais para o bem-estar do jovem e do idoso. Para este, a localização, incluindo a proximidade de membros da família, serviços e transporte pode significar a diferença entre uma interação social positiva e o isolamento (OMS, 2005). Além disso, os padrões de construção devem levar em conta as necessidades de saúde e de segurança das pessoas idosas, como os obstáculos nas residências que aumentam o risco de quedas e que precisam ser corrigidos ou removidos. Em muitos países em desenvolvimento, segundo a ONU, a proporção de idosos a viver em condições precárias está a aumentar rapidamente, pois muitos que se mudaram para as cidades há tempos tornaram-se moradores de favelas, enquanto outras pessoas idosas migram para as cidades a fim de unir-se a membros mais jovens da família que mudaram antes. As pessoas idosas que vivem nesses lugares correm um risco maior de isolamento social e saúde precária. Angola debate-se com estes problemas. Segundo o IBEP (2011), a nível nacional, 88% dos agregados viviam em habitações inadequadas, sendo a proporção menor nas áreas urbanas (79%) comparativamente com as rurais, onde é praticamente total a percentagem de agregados a viver em habitações não apropriadas (99%). São habitações construídas com material não apropriado. Além disso, a nível nacional, menos de metade da população usa uma fonte apropriada de água para beber, sendo que 66% da população não dá qualquer tratamento à água para beber. Por outro lado, apenas 53% dos agregados tem algum tipo de instalação sanitária em casa. A energia elétrica da rede é beneficiada por apenas 62,5% da população da área urbana, enquanto na zona rural o candeeiro a petróleo ocupa esse mesmo lugar com 63,4%. O sistema precário de transporte público também foi apontado como uma das preocupações dos idosos, tanto nas zonas rurais, quanto nas cidades. É papel do Estado garantir serviços de transporte público acessíveis e baratos nas áreas rurais e urbanas para que os idosos, especialmente aqueles com mobilidade comprometida, possam participar integralmente da vida familiar e comunitária. Em Angola, o transporte público é uma grande preocupação. Transportes públicos não se fazem presentes nas áreas rurais, e nas urbanas funcionam de forma precária,

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registando-se a presença apenas de autocarros. A locomoção das pessoas é feita principalmente por via de “candongueiros” sem as condições mínimas e a segurança desejada para pessoas idosas. A qualidade das estradas e os engarrafamentos constantes, principalmente em Luanda, são alguns dos agravantes da situação preocupante dos transportes coletivos. Numa visão positiva, a reforma representa maior disponibilidade de tempo físico e psíquico para desfrutar de lazer e para práticas desportivas, de tal forma que possam ser garantidos maiores dinamismos e atividades ao indivíduo. Não obstante, a quase totalidade os idosos que passaram pelo Programa de Preparação para a Reforma leva uma vida sedentária, podendo ser considerados inativos. No entanto, têm noção dos benefícios que o lazer e a prática desportiva podem proporcionar e clamam por políticas e programas que estimulem as pessoas a tornarem-se mais ativas à medida que envelhecem, e garantir oportunidade para tal. Para tanto, é fundamental a criação de áreas seguras para caminhadas e o apoio à atividades comunitárias culturalmente apropriadas que incentivem a atividade física. Segundo a OMS (2005), a participação em atividades físicas regulares e moderadas pode retardar declínios funcionais, além de diminuir o aparecimento de doenças crônicas em idosos saudáveis ou doentes crônicos. Por outro lado, uma vida ativa melhora a saúde mental e frequentemente promove contatos sociais, aspecto bastante importante para evitar o isolamento nesta fase da vida. Em algumas civilizações que valorizam as atividades intelectuais ser idoso é sinónimo de sabedoria e experiência e, por isso, os indivíduos, ao chegarem nessa etapa da vida, não perdem o seu papel ativo (Santos, 1990). Na cultura tradicional africana o idoso é visto com respeito e admiração, símbolo de experiência de vida, representante da prudência, do saber acumulado e da reflexão. Na atualidade, porém, especificamente na realidade angolana, esta realidade vem mudando, de tal forma que o idoso hoje é apenas o velho, no sentido pejorativo de ser ultrapassado e descartável. Ser idoso na nossa sociedade significa deixar de ser economicamente produtivo e, portanto, condição para ser desconsiderado e abandonado. É também desta forma que o idoso passa a ser tratado em muitas famílias. São frequentes os relatos de abuso do idoso, cometidos por membros da família ou pessoas bem próximas da vítima. Os abusos vêm ocorrendo em famílias de todos os níveis socioeconómicos e

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sua frequência tende a aumentar nesta época em que o país vem vivendo problemas económicos, desestruturação e desorganização social, com o aumento assustador da criminalidade. Por outro lado, a preocupação dos idosos em Angola agrava-se em função dos baixos níveis de instrução ou mesmo de analfabetismo, sendo que estes estão associados a maiores riscos de deficiência e morte durante o processo de envelhecimento, assim como os altos índices de desemprego (OMS, 2005). A educação, combinada com oportunidades de aprendizagem permanente, pode ajudar as pessoas a desenvolverem as habilidades e a confiança que precisam para adaptar-se e permanecer independentes à medida que envelhecem. De acordo com o IBEP (2011), a proporção de analfabetos em Angola em 2011 era de 34% a nível nacional, agravandose nas áreas rurais onde aproximadamente 70% da população era analfabeta. Finalmente, a ausência de projeto de vida também foi citado como podendo impactar a qualidade de vida e o bem-estar na reforma. Nas atividades de grupo, em que era solicitado aos participantes do PPR imaginarem-se no futuro, poucos eram os que conseguiam sonhar, o que reforça a constatação de Saveia (2009), que afirma que um dos traços da cultura angolana é a “orientação de curto prazo”, caracterizada pela pouca preocupação com o futuro. Considerações finais Qualidade de vida e bem-estar são conceitos interligados e constituem aspectos fundamentais da vida humana, englobando a vida no trabalho, pois é nele que as pessoas passam a maior parte de seus dias e as horas mais produtivas de suas vidas (Mendonça, Ferreira, Porto & Zanini, 2012). No entanto, em que pese a importância da qualidade de vida e do bem-estar, os estudiosos do assunto ainda divergem acerca dos limites conceituais desses construtos. Assim é que, por vezes, tais conceitos são adotados como sinónimos e, por vezes, como conceitos que se complementam. Neste trabalho, procuramos trazer uma reflexão sobre estes dois conceitos, mas abordando-os na perspectiva da reforma, isto é, de pessoas idosas, e tendo como referência a realidade angolana. Assim, após termos discutidos os vários aspectos que podem impactar a qualidade de vida e o bem-estar na reforma, nos é possível tecer as considerações finais que se seguem, com vista a aclarar a temática e minimizar os constrangimentos para uma reforma mais saudável e ativa.

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Em primeiro lugar ficou claro que a qualidade de vida e o bem-estar não devem ser definidos apenas por critérios científicos ou técnicos, mas no âmbito político, em que haja espaço para intervenções, debates e consensos mínimos. No que diz respeito às ações específicas, advogamos a necessidade do Governo, em parceria com os órgãos de comunicação social, mobilizar cada vez mais as organizações e os trabalhadores para a adesão ao sistema de Segurança Social e ao desenvolvimento de hábitos de poupança para o futuro. Importa referir que o idoso de hoje é o reflexo do jovem e do adulto que foi, pois é na idade mais avançada que o ser humano depara-se com as consequências do que foi construído ao longo da sua história social, profissional, física e afetiva. É necessário incentivar o desenvolvimento de atitudes de autocuidado, para que se tenha uma velhice saudável, por meio de hábitos saudáveis. Os adultos maduros que se preparam para o envelhecimento devem dar especial atenção ao autocuidado, à prevenção e ao controlo de doenças crónicas. Entre as atitudes de autocuidado destacam-se o controlo do peso, atividade física, alimentação, saúde bucal (saúde oral), uso adequado de medicamentos e outras substâncias químicas, prevenção de quedas, otimização da capacidade mental, vacinação e cuidados com a pele. Ainda em relação à saúde, ressalta-se a necessidade do Governo priorizar uma rede de serviços básicos de saúde para a população, de modo geral, com serviços específicos para os idosos. A incidência de doenças crónicas em Angola tende a aumentar, exigindo cuidados especiais e um novo modelo de atenção à saúde para a população que está a envelhecer. Outro tópico importante a considerar é a educação ao longo da vida, especialmente sob o ponto de vista do estímulo cognitivo que ele oferece, como coadjuvante no bem-estar na reforma. Entretanto, a educação ao longo da vida também pode representar um novo começo, na medida em que as pessoas necessitam atualizar-se para continuarem no mercado de trabalho ou retornar a ele. Sem dúvidas, educação é um dos aspectos responsáveis pelo bem-estar subjetivo e está correlacionado a uma série de outros índices de qualidade de vida, como a manutenção da saúde (França, 2012). Ressalta-se também o papel relevante que pode ser desempenhado pelos órgãos de comunicação social, pelas agências de turismo e pelos promotores culturais. Ao incluir, nas suas agendas,

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conteúdos, informações ou até mesmo programas voltados para pessoas em fase de reforma ou já reformados, os órgãos de comunicação estarão a contribuir para uma melhor qualidade de vida e bem-estar dessa população. Por outro lado, a mídia pode desempenhar o papel de quebrar preconceitos sobre a velhice e o reformado, muito presente na sociedade, de modo geral, e nas organizações de forma específica. As agências de viagem, os promotores culturais e ginásios, também têm um papel crucial, principalmente na ocupação dos tempos livres dos trabalhadores reformados. Assim como os aspectos financeiros, saúde e relacionamento familiar, a distribuição do tempo entre atividades diversificadas, é um dos preditores mais importantes para atitudes positivas frente ao envelhecimento. Assim, é necessário que sejam criados pacotes turísticos, com bonificações, assim como eventos culturais que promovam o lazer, e programas de educação física que promovam a saúde. Em relação à família, torna-se necessário refletir sobre a inserção do idoso na esfera familiar e as relações de suporte e fluxo de recursos ali existentes, pois ela tem um papel determinante enquanto esfera para a maximização ou para a limitação de um envelhecimento saudável e com qualidade de vida. Interdependência e solidariedade entre gerações são princípios relevantes para o envelhecimento ativo. A criança de ontem é o adulto de hoje e o idoso de amanhã. Desta forma, a qualidade de vida e o bem-estar que as pessoas terão quando idosos depende não só dos riscos e oportunidades que experimentarem durante a vida, mas também da maneira como as gerações posteriores irão oferecer ajuda e apoio mútuos, quando necessário. Em relação às políticas para o idoso, destaca-se a necessidade de programas e serviços que capacitem as pessoas a permanecerem em casa durante a velhice, com ou sem outros familiares, de acordo com as circunstâncias e preferências. Para o efeito, devem ser garantidos apoios às famílias que incluem idosos e que precisam de cuidados em seu lar. Finalmente, chama-se atenção para a recomendação da OMS, segundo a qual os países podem custear o envelhecimento se os governos, as organizações internacionais e a sociedade civil implementarem políticas e programas de “envelhecimento ativo” que melhorem a saúde, a participação e a segurança dos cidadãos mais velhos. As políticas e programas acima referidos devem ser baseados nos direitos, necessidades, preferências e habilidades das pessoas mais

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velhas. Devem incluir, também, uma perspectiva de curso de vida que reconheça a importante influência das experiências de vida para a maneira como os indivíduos envelhecem. Bibliografia Caldas, C. (2012), Promoção de saúde na aposentadoria. In: França, L; Stepansky, D. Propostas multidisciplinares para o bem-estar na aposentadoria. Rio de Janeiro, Quartet, Faperj. Decreto-Lei nº 36406 (1947, 10 de Julho). Constituição da Organização Mundial da Saúde, de 22 de Julho de 1946. Genebra: OMS. Diário da República, Iª série nº 136, de 24 de Julho de 2014. Aprova o Estatuto Orgânico do Ministério da Assistência e Reinserção Social. França, L. (2009), A longevidade e suas consequências para o mundo do trabalho. Sinais Sociais, 10 (4), 98-121. França, L. (2012), Bem-estar e qualidade de vida na aposentadoria. In: Ferreira, M; Mendonça, H. Saúde e bemestar no trabalho: dimensões individuais e culturais. São Paulo, Casa do Psicólogo. IBEP, Instituto Nacional de Estatística (2011), Inquérito integrado sobre o bem-estar da população – IBEP. Luanda, INE. Kalache, A. & Keller, I. (2000), “The greying world: a challenge for the 21st century”. Science Progress 83 (1), 3354. Mendonça, H., Ferreira, M., Porto, J. & Zanini, D. (2012), Saúde, qualidade de vida e bem-estar: limites e interfaces teórico-metodológicas. In: Ferreira, M; Mendonça, H. Saúde e bem-estar no trabalho: dimensões individuais e culturais. São Paulo, Casa do Psicólogo. OMS. (2005), Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Trad. Suzana Gontijo. Brasília: Organização PanAmericana da Saúde. OMS (1994), Declaração elaborada pelo Grupo de Trabalho da Qualidade de Vida da OMS. Publicada no glossário de Promoção da Saúde da OMS de 1998. OMS/HPR/HEP/ 98.1 Genebra: Organização Mundial da Saúde Santos, M. F. S. (1990), Identidade e aposentadoria. São Paulo, EPU. Saveia, J. (2009), Psicologia organizacional e do trabalho: leituras em saúde mental, qualidade de vida e cultura nas organizações. Belo Horizonte, Armazém de Ideias. Solinge, H. (2007), A longitudinal study among older workers in the Netherlands. Reserch on Aging, 29 (3), 225256. Universidade Católica de Angola (2014), Relatório social de Angola 2014. Luanda: UCAN/CEIC.

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XVI ENCONTRO NACIONAL DE SIOT Futuros do Trabalho: Políticas, Estratégias e Prospetiva 27 e 28 de Novembro de 2015 :: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas-Universidade Nova de Lisboa Tema 1) Globalização, PME e Internacionalização Competitiva

Riscos psicossociais, stresse e sintomas de mal-estar: perceções dos trabalhadores e perfis de risco Daniel Alves [email protected] Autoridade para as Condições de Trabalho e ISCTE-IUL Sara Ramos [email protected] ISCTE-IUL Helena Carvalho [email protected] ISCTE-IUL

Resumo Conhecer os riscos psicossociais que coabitam na organização, sobretudo através das perceções dos trabalhadores, tem vindo a ser reconhecido como elemento-chave do sucesso dos projetos em matéria de saúde e segurança no trabalho. Este artigo visa analisar as perceções dos trabalhadores sobre riscos psicossociais, stresse e sintomas de mal-estar físico e psicológico. Procuramos, em complemento, diagnosticar as fontes de risco psicossocial a que os trabalhadores se encontram mais expostos; identificar os fatores de ordem individual diferenciadores das perceções e, por último, definir perfis de risco com base em indicadores de mal-estar. A investigação baseia-se na análise estatística de uma amostra (n =117) de trabalhadores de uma empresa portuguesa de grande dimensão e do setor dos serviços. A recolha dos dados foi realizada através da aplicação de um questionário de avaliação de riscos psicossociais. Aproximadamente 98% dos inquiridos considera que o trabalho afeta diretamente a sua saúde. O trabalho no subsolo surge como a fonte de risco a que estão mais expostos. As perceções de exposição aos riscos psicossociais, de stresse e de sintomas de malestar variam significativamente segundo a idade e a sua antiguidade na empresa. As diferenças significativas verificam-se entre: (i) os mais jovens e os que que se encontram na faixa etária dos 46 e 55 anos e (ii) os trabalhadores com menos anos na empresa (
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