GALERIA DE ARTE CELINA: espaço e ideário cultural de uma geração de artistas e intelectuais em Juiz de Fora (1960/1970)

June 14, 2017 | Autor: Cláudia Matos | Categoria: Art Theory, History of Art, Visual Arts, Fine Arts, Fine Art
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES ESCOLA DE BELAS ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS CLÁUDIA MATOS PEREIRA

GALERIA DE ARTE CELINA: espaço e ideário cultural de uma geração de artistas e intelectuais em Juiz de Fora (1960/1970)

RIO DE JANEIRO 2015

Cláudia Matos Pereira

GALERIA DE ARTE CELINA: espaço e ideário cultural de uma geração de artistas e intelectuais em Juiz de Fora (1960/1970)

Tese de doutorado, apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Artes Visuais. Linha de Pesquisa: Imagem e Cultura.

Orientador: Professor Dr. Rogério Bitarelli Medeiros

Rio de Janeiro Março de 2015 2

PEREIRA, Cláudia Matos. Galeria de Arte Celina: espaço e ideário cultural de uma geração de artistas e intelectuais em Juiz de Fora (1960/1970) / Cláudia Matos Pereira; orientação do Prof. Dr. Rogério Bitarelli Medeiros. Rio de Janeiro, Março, 2015. 330 f. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. 1. Família Bracher 2. Imagem e Cultura 3. Memória Coletiva 4. Galeria de Arte 5. Arte Brasileira

3

Cláudia Matos Pereira Galeria de Arte Celina: espaço e ideário cultural de uma geração de artistas e intelectuais em Juiz de Fora (1960/1970) Tese de doutorado, apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Artes Visuais.

Tese defendida e aprovada em 05 de março de 2015 pela banca examinadora constituída pelos professores:

____________________________________________ Prof. Dr. Rogério Bitarelli Medeiros – Orientador PPGAV-UFRJ

____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Helenise Monteiro Guimarães PPGAV-UFRJ

____________________________________________ Prof. Dr. Amaury Fernandes ECO-UFRJ

____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ilana Strozenberg PACC-UFRJ

____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Beatriz Vieira de Resende FL-UFRJ

4

Aos meus filhos, Daniel e Alice: verdadeiros tesouros eternos, parte da minha alma. Aos meus pais, Antônio Matos, in memoriam, e Maria Helena, por me ensinarem a ver o mundo e a descobrir o amor pelos estudos. Sempre incentivadores. Aos meus queridos Rejane e Eduardo, pelo otimismo e amizade, sempre. Aos meus avós Paulo e Iracema, in memoriam, por partilharem a paixão pelos livros, pela música e pela arte. Aos irmãos Bracher: Celina, Décio e Nívea in memoriam; Paulo e Carlos Bracher, pela profunda amizade na dimensão da arte. A quem me cativou, dedicou momentos de compreensão, apoio e incentivo: Luis Jorge.

5

AGRADECIMENTOS As primeiras palavras são dedicadas ao meu orientador, Professor Rogério Bitarelli Medeiros, dedicado e sempre presente, com suas preciosas sugestões e colocações pertinentes. Contribuiu para o meu amadurecimento acadêmico e foi incentivador no desenvolvimento desta tese. Agradeço aos meus professores das disciplinas de doutorado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ, que demonstraram grande competência em suas interlocuções nas aulas e favoreceram o meu enriquecimento cultural. Ao querido amigo Cesar Xavier Bastos, pelos diálogos e aulas de filosofia da arte, que tanto me inspiraram para o percurso da escolha deste doutorado. Agradeço-lhe também por ser a pessoa que me levou a conhecer a família Bracher e a frequentar o Castelinho, possibilitando meu ingresso nesta aldeia artística. Aos irmãos Bracher: Décio e Nívea, in memoriam, com carinho saudoso, pelas vivências partilhadas na amizade, diálogos no campo da arte e pela nomeação que recebi de “Anjo Acadêmico” do Castelinho. Ao Paulo e ao Carlos Bracher, pela amizade e confiança, pelo apoio a este estudo que, juntamente com Décio e Nívea, prestaram depoimentos, cederam documentos e materiais, e por abraçarem o projeto inicial desta pesquisa, que hoje se concretiza em tese e testemunho da atuação cultural da família na cidade de Juiz de Fora. À Lotus Lobo, pela simpatia, amizade e disponibilidade em conceder depoimentos e fornecer algumas documentações para a pesquisa. À Blima Bracher, pela contribuição com algumas fotografias e informações curriculares de familiares, cedidas no segundo semestre de 2014. À Larissa Bracher pela atenção e presença, prestigiando seus tios Décio e Nívea Bracher, em uma palestra que ministrei sobre eles, por ocasião do 18º Encontro de Alunos do PPGAVUFRJ, no Rio de Janeiro em 2011. À Lucas Bracher. A todas as pessoas da família Bracher que sempre me receberam tão bem e com quem convivi no Castelinho, desenvolvendo a coleta de dados para a pesquisa e que valorizaram este processo acadêmico. Aos participantes das rotinas cotidianas do Castelinho: Nicinha, Laurinha, Bombom, Almerinda e demais pessoas que partilharam desta convivência fraterna. A todos os entrevistados, que dedicaram seu tempo e suas memórias na composição dos depoimentos que foram fundamentais e nutriram, de forma decisiva, esta pesquisa. São eles: Décio e Nívea Bracher, in memoriam; Paulo e Carlos Bracher; Lotus Lobo; Rogério Bitarelli Medeiros; Hélio de Almeida Fernandes, in memoriam; Affonso Romano de Sant’Anna; Olívio Tavares de Araújo; Frederico Morais; Márcio Sampaio; Nilo Batista; Sueli Costa; Natálio Luz; Pierre Mérigoux; José Luiz Ribeiro; José Alberto Pinho Neves; Eugênio Malta; Walter Sebastião; Fuad Yazbeck, in memoriam; Neusa Dutra; Milton Dutra; Cesar Xavier Bastos; Sérgio Macedo; Roberto Vieira; Heloiza Matos e Lucas Amaral. À Nita, esposa taitiana do artista plástico Sérgio Macedo que gentilmente participou dos encontros para as entrevistas e depoimentos dele, sobre a Galeria de Arte Celina – GAC, com sua alegria esfuziante. À Fátima Pimenta, esposa do artista plástico Roberto Vieira, que colaborou com o acesso ao skype para que as entrevistas fossem realizadas com ele, sobre a GAC, assim como facilitou o envio de imagens de algumas de suas obras, da década de 1960, via e-mail para esta pesquisa. 6

Aos irmãos Fuad Yazbeck, in memoriam, e Ivanir Yazbeck, que gentilmente me receberam em suas residências, para fotografar o Jornal O Sete, para coleta de dados. Ao Museu Nacional de Belas Artes/IBRAM/MinC. do Rio de Janeiro pela autorização de utilização da obra Túmulos de Carlos Bracher, catalogada na coleção sob o registro n.º 319, para a utilização nesta tese de doutorado. Ao Arquivo Público Municipal da cidade de Juiz de Fora, e aos seus colaboradores, que me auxiliaram na pesquisa com os exemplares do Jornal Diário Mercantil. Aos colegas do Curso de Pós-Graduação em Artes Visuais do PPGAV da UFRJ, mestrado e doutorado, pela amizade, receptividade, colaborações, debates nas aulas e diálogos descontraídos nos momentos livres e intervalos. Às amigas e colegas do doutorado na UFRJ, Letícia Soares, Márcia Carnaval e Manu Vaccarini, pelo carinho, pelas caronas, hospitalidade e estadias em suas residências no Rio de Janeiro, nos períodos letivos do curso, quando sempre me deslocava Juiz de Fora-Rio, semanalmente. Ao Michelle Petrucelli, pelos táxis que dividimos indo para as aulas das manhãs de quintas-feiras na UFRJ, no Fundão. Ao Márcio Sampaio, que doou duas obras de sua autoria: Declaração de bens e Poesia além do verso, sobre artistas mineiros e brasileiros, ampliando o horizonte de compreensão da arte mineira. À Aída Célia de Andrade, viúva do artista Dnar Rocha que gentilmente ofertou o livro Simplesmente Dnar para a pesquisa. À Haydêe Arantes e à Christina Musse pela gentileza na doação e envio do livro Memórias do Cineclubismo, para que este chegasse às minhas mãos a tempo, durante a redação da pesquisa. Ao Gilberto Vaz de Melo, pelos diálogos sobre Juiz de Fora e sobre sua amizade com o artista Dnar Rocha, assim como, pelo livro História Recente da Música Popular em Juiz de Fora, que doou, contribuindo com esta pesquisa. Aos funcionários da Secretaria da Pós-Graduação - PPGAV, da Escola de Belas Artes da UFRJ, sempre dispostos a esclarecer as dúvidas, a me auxiliarem em questões administrativas, em especial, agradeço à Andreia, Vanessa, Thiago e Glória. À CAPES que viabilizou este trabalho, através do apoio com a bolsa de doutorado. Por fim, mas não por último, aos meus filhos Daniel e Alice, pelas minhas horas e dias de incansáveis ausências, imersa na pesquisa e em estudos, quando sempre colaboraram e me apoiaram, demonstrando compreensão e amor. Grandes amigos eternos. Ao meu pai Antônio Matos, in memoriam, fiel amigo – ausência sempre presente, uma saudade que não passa. À minha mãe, Maria Helena, grande incentivadora, com seu apoio, sempre com a palavra certa no momento de angústia, assim como agradeço à minha irmã Rejane, otimista, meu braço direito em todos os momentos da vida. A toda a minha família, ao meu sobrinho Eduardo, tios e primos que estão sempre na torcida pelo sucesso em meus projetos. Ao meu querido tio Luciano, in memoriam, pela confiança. Ao Luis Jorge, pela dedicação e companheirismo nos momentos em que precisei de concentração para a redação da tese: estava ele, sempre com uma palavra carinhosa de motivação. E palavras finais para Celina Bracher, em especial, para comprovar nesta lista de agradecimentos, que é valido o dito popular: “os últimos serão os primeiros”. Sem ela, a Galeria de Arte Celina não teria existido. E se, por acaso, ela tivesse tido a oportunidade de viver mais tempo entre nós, teria criado o Decálogo da Boa Galeria de Arte… 7

Pintai a sua aldeia que estará falando do mundo. Renato Stehling1

1

Frase dita pelo artista plástico Renato Stehling à Nívea Bracher. Ela relata, a este respeito, em entrevista concedida dia 18 de agosto de 2010, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

8

RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo investigar a presença e a atuação da Galeria de Arte Celina no contexto cultural de Juiz de Fora, cidade situada na Zona da Mata de Minas Gerais, nas décadas de 1960 e 1970. Tudo se passa em um período turbulento marcado profundamente por utopias e embates ideológicos vividos em conflito com o obscurantismo gerado pela ditadura militar. Esta reflexão delineia-se com perfil antropológico, capaz de tecer relações entre as narrativas decorrentes das memórias de vários sujeitos envolvidos. Esta memória coletiva permite trazer à superfície, a história viva que ainda se encontra imersa no universo desta geração de intelectuais e artistas. Trata-se de um espaço cultural que apresenta uma diferença em relação às demais galerias existentes no país, no período deste recorte temporal. Seu caráter de originalidade, criatividade e a aura que contagiou uma geração, em tempos de repressão política, favorece o conhecimento da trajetória da arte em Juiz de Fora e de alguns de seus atores sociais. A Galeria, fundada pela família Bracher, é um marco representativo para a cultura, de iniciativas concretas, oriundas de um idealismo fundamentado na visão e consciência desta família artística, em divulgar e promover a arte de forma conjunta: em comunidade. Tornou-se, imperiosa, a necessidade de trazer pintores internacionais, nacionais e locais, cursos, cinema, teatro, performances, música, debates, etc, que convergiu para a concretização do ideal de possibilitar, ao público variado, conhecer e respirar a arte. A Galeria de Arte Celina é um lugar de memória: uma Galeria utópica. Por isso, entendemos que a palavra ideário, que se encontra no título da tese, tem o seu sentido mais canônico: reúne os desejos, as aspirações, metas, objetivos e programas que fazem parte de uma época, de uma geração. Palavras-chave: Família Bracher; Imagem e cultura; Memória coletiva; Galeria de arte; Arte brasileira.

9

ABSTRACT

This research aims to investigate the presence and action of Galeria de Arte Celina in the cultural context of Juiz de Fora, a city in Zona da Mata, Minas Gerais State, in the 1960s untill 1970s. Everything happens in a turbulent period marked deeply for utopias and ideological clashes lived in conflict with obscurantism generated by the military dictatorship. This reflection outlines itself with anthropological profile, capable of establishing relations between the stemming narratives memories from the several subjects involved. This collective memory allow us to bring to the surface, the living history that is still being immersed in the universe of this generation of intellectuals and artists. It is about a cultural space that holds a difference in relation to other existing galleries in the country during the period of this temporal cut. Its character of originality, creativity and the aura that spread to a generation in political repression times, favors the knowledge of artistic trajectory in Juiz de Fora and some of their social actors. The Gallery, founded by Bracher family is a representative milestone in the culture of concrete initiatives, coming from a reasoned idealism of a vision and consciousness of this artistic family in disseminating and promoting the art of joint form: in community. It became imperative, the need to bring international, national and local painters, courses, cinema, theater, performances, music, debates, etc., that converged to the realization of the ideal to make possible for the varied audience to know and breathe art. The Galeria de Arte Celina is a place of memory: a utopian Gallery. That is why we understand that the word ideal which is in the title of the thesis, has its most canonical sense: gathers the desires, the aspirations, goals, objectives and programs that are part of a time, from one generation. Keywords: Bracher family; Image and culture; Collective memory; Art gallery; Brazilian art.

10

LISTA DE SIGLAS ACFB – Associação Cultural Franco Brasileira ALN – Ação Libertadora Nacional ANPAP – Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas CCBM – Centro Cultural Bernardo Mascarenhas CCDR – Centro Cultural Dnar Rocha CEC – Centro de Estudos Cinematográficos CEC/JF – Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora CEC/MG – Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais CIEBA – Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais CPC – Centro Popular de Cultura DA – Diretório Acadêmico DAT – Departamento Autônomo de Turismo. DCE – Diretório Central de Estudantes DM – Jornal Diário Mercantil,de Juiz de Fora DM JR – Jornal Diário Mercantil Júnior – Suplemento Semanal, de Juiz de Fora EBA – Escola de Belas Artes EUA – Estados Unidos da América FAFILE – Faculdade de Filosofia e Letras FBAUL – Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa FUNALFA – Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage FUNARTE – Fundação Nacional de Artes GAC – Galeria de Arte Celina HQ – Histórias em Quadrinhos IAB - MG – Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de Minas Gerais IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais JF – Juiz de Fora MAC – Museu de Arte Contemporânea MAMM – Museu de Arte Moderna Murilo Mendes MAM - RJ – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MFC – Movimento Familiar Cristão MG – Minas Gerais NUME – Núcleo Mineiro de Escritores PMJF – Prefeitura Municipal de Juiz de Fora PPGAV – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais PUC - MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais SBAAP – Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras SESI – Serviço Social da Indústria TU – Teatro Universitário UFF – Universidade Federal Fluminense UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UMA – Universidade Mineira de Arte UNB – Universidade de Brasília UNEF I – First United Nations Emergency Force UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro USA – United States of America USP – Universidade de São Paulo UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

11

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 1 JUIZ DE FORA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E COTIDIANO .......................................... 22 1.1 As revelações de uma cidade ........................................................................................................ 23 1.2 Panorama histórico-cultural ........................................................................................................ 25

1.2.1 Coração da cidade - a Rua Halfeld .................................................................................. 35 1.2.2 Uma cidade de várias faces ............................................................................................. 45 1.3. A atmosfera mundial dos anos 1960: repercussões no país e na cidade ..................... 53 1.3.1 Reflexos - contexto brasileiro .......................................................................................... 55 1.3.2 Juiz de Fora nos anos de 1960 ......................................................................................... 61 1.3.3 Face da ditadura ............................................................................................................... 66 2 ORIGENS E TRAJETÓRIA DAS ARTES PLÁSTICAS EM JUIZ DE FORA ........... 69 2.1 Sementes de um ideário cultural em Juiz de Fora: a voz de intelectuais e artistas .... 71 2.2 Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras - SBAAP................................................86 2.2.1 O período do Núcleo Antônio Parreiras até a Sociedade de Belas Artes em 1950 ........ 87 2.2.2 A Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras de 1950 a 1963 ...................................... 90 2.3 A formação de um Grupo – a “alma-grupo” na Casa Aberta ..................................... 94 2.4 O Grupo 57 ...................................................................................................................... 102 2.4.1 Artistas do Grupo 57 .................................................................................................................. 106 2.4.1.1 Dnar Rocha (1932 – 2006)....................................................................................... 107 2.4.1.2 Renato Stehling (1935-2003) ................................................................................... 110 2.4.1.3 Reydner Gonçalves (1935-1999) ............................................................................. 112 2.4.1.4 Roberto Gil (1901-1990) ......................................................................................... 114 2.4.1.5 Roberto Vieira (1939) .............................................................................................. 118 2.4.1.6 Ruy Merheb (1934-1994) ........................................................................................ 122 2.1.4.7 Wandyr Elydio Ramos (1935-1998) ........................................................................ 124 2.4.2 O Grupo – uma estrada comum a percorrer ............................................................................... 126

3 OS BRACHER: DA SUÍÇA AO CASTELINHO, UMA VOCAÇÃO ARTÍSTICA .. 129 3.1 Os Irmãos Bracher, uma comunidade de artistas ....................................................... 149 3.2 Décio Bracher (1932-2014): a escrita do cotidiano ...................................................... 152 3.3 Nívea Bracher (1939-2013): o universo da profundidade ........................................... 161 3.4 Carlos Bracher (1940): a dramática tempestade da cor ............................................. 168 12

3.4.1 “Túmulos” – o Prêmio de Viagem ao exterior em 1967............................................................. 174 3.4.2 Fani Bracher (1947): minério e pedras – raízes obstinadas da alma .......................................... 179

3.5 Paulo Bracher (1935): a música é a vida ..................................................................... 185 3.6 Celina Bracher (1934-1965): terna e eterna transgressora ......................................... 188 3.7 Castelinho dos Bracher: uma comunidade partilhada ............................................... 204 3.7.1 A Ordem da Torre ...................................................................................................................... 214 3.7.2 Missão cultural ………………………………………………………………………………..216

4 GALERIA DE ARTE CELINA: ESPAÇO DE CRIAÇÃO, AFETOS E UTOPIAS .. 219 4.1 A criação da Galeria de Arte Celina - GAC ................................................................. 224 4.2 Eventos na GAC ............................................................................................................. 230 4.2.1 Alguns eventos de grande repercussão....................................................................................... 234

4.2.1.1 Eventos nacionais e internacionais: pequena amostra simbólica ................. 235 4.2.1.2 Collage 66 .................................................................................................... 244 4.2.1.3 O Romanceiro da Inconfidência................................................................... 246 4.2.1.4 Liberdade, liberdade ..................................................................................... 249 4.2.1.5 O Zoo, de Edward Albee ............................................................................. 251 4.2.1.6 A GAC como ala da Escola de Samba Turunas do Riachuelo .................... 253 4.3 A GAC: suas utopias e campanhas ............................................................................... 255 4.4 GAC e CEC/JF – uma simbiose criativa ...................................................................... 256 4.5 Lugar de memória .......................................................................................................... 266 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 279 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 284 ÍNDICE DAS IMAGENS..................................................................................................... 297 ANEXO .................................................................................................................................. 310

13

INTRODUÇÃO Galeria de Arte Celina – GAC – é o tema desta pesquisa. A proposta é apresentar um relato etnográfico urbano do passado, onde a imagem surge através do discurso e de narrativas de uma geração de jovens intelectuais e artistas. Relatos que, aliados à pesquisa de documentos de época, são capazes de compor o ideário desta juventude. A Galeria como imagem, ainda presente na memória coletiva, é também parte do imaginário de Juiz de Fora. Há um caráter polifônico e visível, no desenvolvimento deste estudo, já que se buscou realizar uma leitura da cidade, da época e da Galeria, a partir de diversos olhares convergentes ao objeto de estudo. Para tal, constrói-se um cenário – uma imagem urbana melódica – a partir da multiplicidade narrativa de sons e vozes. Todo o desenvolvimento do trabalho buscou conceituar a Galeria como espaço utópico, de convivência, reciprocidades de afetos, criatividade em determinado período, dentro um recorte temporal – (1960/1970), porém o funcionamento da Galeria ocorreu nos anos de 1965 a 1975, período abordado, ainda dentro da contextualização das referidas décadas. A tônica fundamental concentrou-se em estabelecer a originalidade que esta Galeria apresentou em relação a conceitos pré-existentes para esta terminologia e qual o impacto cultural ocasionado por ela na sociedade juiz-forana. Tudo se passa em um período turbulento marcado profundamente por utopias e embates ideológicos vividos em conflito com o obscurantismo gerado pela ditadura militar. O tratamento do tema se fez principalmente através da conceituação de espaço de Michel de Certeau em sua obra A invenção do cotidiano; de tribalismo de Michel Maffesoli em O tempo das tribos, para estudo dos grupos frequentadores-personagens da Galeria; dos conceitos de memórias: individual e coletiva de Maurice Halbwachs, em seu livro A Memória Coletiva e do conceito de comunidade de Ferdinand Tönnies, na obra Comunidade e Sociedade, cuja abordagem é tão presente na família Bracher. A pesquisa bibliográfica desenvolveu-se por meio de leituras de outros autores que, contribuíram largamente, para o processo de investigação e de compreensão da complexidade do tema e da riqueza cultural da época. “As memórias biográficas elaboram mapas urbanos invisíveis”, afirma Massimo Canevacci (1993, p.22). Sob esta perspectiva, através de entrevistas, buscou-se a interpretação de possíveis códigos urbanos expressos por este grupo de artistas e intelectuais.

14

A pesquisa se desenvolveu dentro das abordagens contemporâneas sobre as culturas urbanas com um cenário de práticas simbólicas, elaborações de signos e de expressões de valores estéticos e ideológicos. Por se tratar de um Espaço Cultural que apresentava o caráter de inovação que contagiou uma geração naquela época, buscou se conhecer de, forma mais consistente, a trajetória da arte em Juiz de Fora e as repercussões da Galeria Celina como mola propulsora de vanguarda para a região, em relação às demais cidades mineiras que ainda mantinham valores mais tradicionais. As bases da pesquisa se aprofundaram no estudo da micro história cultural da região, visando o enriquecimento do universo da cultura brasileira. Desta forma, procura-se reconhecer o papel decisivo que esta geração teria na formação de gerações vindouras, ao representar uma contribuição original para o entendimento do passado recente da cidade. Ao se traçar um retrato de costumes desta comunidade de expressiva vocação artística, nos anos 60/70, busca-se resgatar um momento cultural regional com reflexos além-fronteiras. Os estudos sociológicos da cultura enfatizam a pesquisa de fenômenos nas comunidades, sociedades e seus aspectos socioculturais, políticos e artísticos, bem como suas práticas. Sob este prisma, a partir de autores como Néstor Canclini (1984), Pierre Bourdieu (2002), Renato Ortiz (1994) entre outros, percebeu-se a Galeria de Arte Celina como um ponto de partida para se entender uma época. Pode ser considerada uma lente de aumento onde estabeleceu o foco de análise para avaliar e compreender uma manifestação cultural regional. Ela foi um cenário multimidiático privilegiado a diversos tipos de eventos artísticos e culturais, como exposições de artes plásticas, performances, encenações de peças teatrais, música, cinema, amplos debates e cursos diversos. Tornou-se polo difusor de cultura, convergindo para o ideal de transmissão de conhecimento e divulgação da arte. Vale ressaltar, que a Galeria conseguiu, de uma forma inédita, com que aquela geração recebesse o eco cultural da França e de movimentos culturais que ocorriam por lá. Fato, este, incomum a outros municípios mineiros naquele recorte temporal. Abriu-se assim, a possibilidade de desenvolvimento da uma pesquisa acadêmica de utilidade também ao engrandecimento do horizonte de conhecimento da comunidade, de estudantes e demais pesquisadores nas áreas de arte e cultura. As questões primordiais da tese buscaram definir o perfil da Galeria de Arte Celina, suas características que a diferenciavam dos demais espaços culturais e galerias de arte nas décadas de 1960/1970, como também o significado, o sentido e o papel da GAC no cenário 15

da cidade de Juiz de Fora. A pesquisa se desenvolveu em torno da hipótese que pretendia verificar: se a Galeria de Arte Celina poderia ser considerada – imagem viva na cultura urbana – dentro da perspectiva da memória coletiva de um grupo. Os objetivos desta investigação trouxeram à luz as circunstâncias de fundação, funcionamento, realizações e contribuições da GAC à Juiz de Fora. Buscou-se aprofundar a pesquisa da história da cidade para caracterizar a 'aura' cultural que a envolvia. Fatos marcantes e pessoas que formaram o grupo de artistas e intelectuais foram analisados. Tratouse de organizar, analisar, catalogar e interpretar os documentos provenientes do acervo da família e das entrevistas com os sujeitos envolvidos com o objeto de estudo. Traçou-se um cenário de investigação sobre a vida e obra de Celina e Nívea Bracher, observando a atuação de ambas na sociedade, seus entrelaçamentos familiares e culturais, assim como, o papel dos irmãos Décio, Paulo e Carlos Bracher, onde se verificou fatos que delinearam o ideário decorrente da Galeria Celina e suas repercussões na cidade. É uma temática original no país e existem poucas referências à Galeria de Arte Celina em livros publicados. Encontramos cerca de uma a duas páginas, às vezes, em alguns livros relacionados à cidade, assinalando a importância deste espaço no contexto de época, porém, em abordagem superficial de alguns fatos históricos relacionados à cronologia, desde sua fundação até o seu fechamento. Utilizou-se o método biográfico, sob a perspectiva de Franco Ferrarotti (1983). As narrativas, memórias e descrições tiveram papel decisivo nos relatos e depoimentos das histórias de vida destes personagens que compunham o cenário imagético da Galeria de Arte Celina. O entrelaçamento destas memórias coletivas teceu o panejamento etnográfico, cujo olhar se faz, sob a perspectiva de Clifford Geertz (2008). Foi realizada a pesquisa bibliográfica e também uma pesquisa de campo, com coleta documental. A pesquisa de arquivos junto à família Bracher concentrou-se na busca por catálogos, fotos, filmes de VHS, artigos de jornal. O Diário Mercantil (dezembro de 1965 a 1975) foi consultado no Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora e o Jornal O Sete (ano de 1970), nas residências dos irmãos Ivanir e Fuad Yazbeck. A etapa de entrevistas fundamentou-se na análise documental e no pensamento dos autores de referência, para direcionamento das perguntas com pertinência ao objeto de estudo. Foram 27 pessoas entrevistadas, que participaram ativamente da Galeria, ou que foram seus frequentadores: críticos de arte e artistas, intelectuais e familiares de intelectuais ligados à GAC. Com os irmãos Bracher, em especial, durante os

16

quatro anos de pesquisa, foram inúmeras entrevistas e depoimentos, sendo somente alguns contemplados, por serem mais específicos dentro das temáticas abordadas. A pesquisa qualitativa, na perspectiva sócio-histórico-cultural, não significou procurar generalizações, leis ou princípios. Centrou-se o foco no individual, almejando entender o fenômeno em sua essência. Buscou-se uma relação entre sujeitos, numa perspectiva de diálogo, sendo a interação essencial para a compreensão dos fenômenos humanos. O sujeito, em sua singularidade, foi situado em relação ao contexto histórico-cultural. Após a pesquisa de campo, organização, análise documental e entrevistas, se iniciaram a apreensão e a análise das narrativas, com distanciamento do objeto de estudo. Logo a seguir, iniciou-se a redação dos capítulos. Algumas dificuldades foram encontradas para realização deste estudo, como falta de documentação e registros dos acontecimentos da Galeria Celina, em um período não registrado pela família Bracher, entre 1969 a 1975. Assim como ausência de imagens do espaço da Galeria de Arte e de seus eventos. São raras algumas imagens de jornal. No início da elaboração do anteprojeto em 2010, até 2014, houve uma verdadeira corrida contra o tempo para a realização de entrevistas e busca de depoimentos, pois muitos artistas e intelectuais que poderiam ser entrevistados, já haviam falecido e outros, com depoimentos cruciais, vieram a falecer algum tempo após seus depoimentos. Diante desta constatação, de uma memória que não poderia ser perdida, a coleta de dados e entrevistas foi acelerada. Outros desafios são descritos no próprio decorrer desta tese. Da etapa de pesquisa bibliográfica até a redação e análise dos depoimentos, houve uma interação neste percurso percorrido, com as leituras de diversos autores. Nem todos se apresentam neste breve relato, mas encontram-se nas referências bibliográficas. É importante ressaltar que em todos os capítulos da tese, encontram-se relatos e narrativas de intelectuais e artistas. Este ideário acompanha o percurso da GAC. Primeiramente realizou-se um breve estudo sobre a história de Juiz de Fora, para a composição de um panorama de época, que possibilitasse a imersão nas histórias de vida e nos relatos dos atores sociais envolvidos com a Galeria de Arte Celina. Nesta jornada inicial, autores como Albino Esteves (1915), Mauro Werkema (2010), Luiz Alberto Passaglia (1981), Wilson de Lima Bastos (1973), Maraliz Christo (1994), Mônica Ribeiro de Oliveira (1991) Simone Rocha (2003) foram alguns companheiros de muitas leituras que povoaram o imaginário e a compreensão da mineiridade juiz-forana, suas riquezas e contradições que a torna tão peculiar. 17

Desde o início, buscou-se seguir os sinais, as pistas, os vestígios que Maurice Halbwachs (2006) afirmava serem propiciadores de um acesso a outro tempo, e a outro passado. O estudo da memória individual, da memória coletiva foi uma tônica fundamental, juntamente com Jacques Le Goff (1990). Mapas foram percorridos, descrições orais registradas em inúmeros depoimentos e se delinearam assim, pouco a pouco, as sintaxes espaciais, na tentativa de alcançar aquele período dos anos de 1960-1970 e seus códigos. Suas linguagens tropicalistas, seus sons da bossa nova, suas performances hippies, repletas de uma alegria amedrontada, que buscava válvulas de escape para compensar a dura repressão, foram captadas. Para imaginar os passos da juventude, pela cidade naqueles “anos de chumbo”, os cruzamentos e caminhadas com Michel de Certeau (2005) para percorrer lugares e não lugares das experiências sociais, em uma busca dos cotidianos urbanos que caracterizassem a identidade simbólica da cidade, foram necessárias, e foram longas caminhadas. Com Kevin Lynch (1997) procurava-se as texturas especiais da cidade, os ritmos, suas singularidades, qualidades, sobretudo o esqueleto da imagem daquela cidade. Com Pedro Nava (1984) foi possível descer a Rua Halfeld como um rio, fluido e logo encontrar o edifício, onde existiu a Galeria de Arte Celina, antes de desaguarmos na Praça da Estação. Já, com Murilo Mendes (1994) foi possível realizar um footing simbólico, descendo o Calçadão da Rua Halfeld. Percorreu-se a arquitetura sensorial que guardava a elegância francesa, com Rachel Jardim (BARBOSA; TIMPONI, 2002). Encontrou-se a poesia e a inspiração que confirma o dito popular: “Juiz de Fora exporta talentos”, mas, durante a pesquisa foi plausível analisar que estes talentos da época, e os que estão surgindo, partilham da existência numa cidade, com real vocação para a arte. A cidade como contexto poderoso e falante e não apenas um pano de fundo, foi a perspectiva que se procurou abordar neste estudo, com Massimo Canevacci (1993), dentro do objetivo de observar Juiz de Fora, sob olhares diversos. Com Giulio Argan (2005) indagavase a cenografia urbana daquele recorte temporal, seu espaço figurativo. Com Cristina Musse (2008), tornou-se clara, a imagem de Juiz de Fora: histórica, cultural, dinâmica e sensível, assim como, a expansão dos meios de comunicação, principalmente da imprensa e todo o imaginário que formou o “caldeirão cultural” em que a cidade se tornou, no mesmo recorte temporal desta pesquisa. Os contextos vividos pelos intelectuais brasileiros naquele período foram percebidos com Alfredo Bosi (1992), Antônio Gramsci (1978) e Daniel Pécaut (1990), Renato Ortiz 18

(2001), Roberto Schwarz (1978), Heloisa Buarque de Holanda (2004) Zuenir Ventura (2006) e Maria Elizabeth Brêa (2001). Para tal, algumas pinceladas do que acontecia no país e também no exterior, os efeitos da ditadura no modus vivendi, vieram a completar uma fundamentação, capaz de facilitar a compreensão das colocações dos entrevistados. Suas boas recordações, sofrimentos e angústias revelados em depoimentos, sobre a GAC e a cidade, no período de repressão, foram analisados. A arte expressava a cidade. Os primeiros artistas e manifestações culturais foram acompanhados com Lucas Amaral (2004), buscando conhecer a história da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e seus artistas, assim como dialogar com Cesar Xavier Bastos (2004) sobre a terminologia Escola de Juiz de Fora, tornou-se tão significativa. Foi possível perceber o surgimento da classificação do Grupo 57 para a história da pintura em Juiz de Fora. Pouco a pouco, por meio dos depoimentos, alguns atores sociais – intelectuais e artistas, suas memórias, suas iniciativas culturais e artísticas, foram sendo reveladas. A cidade, como produto social, comparável a um organismo dinâmico, um organismo vivo e suas interações, como metáfora, foi acompanhada sob o prisma de Yankel Fijalkow (2002) para o objeto de estudo – Galeria e suas interações culturais e artísticas com a cidade. Com Stuart Hall (1992) compreendeu-se a identidade como uma celebração móvel, tanto a identidade de Juiz de Fora, como as identidades dos atores sociais – artistas e intelectuais que, com suas narrativas, reviveram um pouco de seus anos de juventude, em momentos de celebração de uma memória viva e coletiva. A partir das descrições dos espaços, principalmente da GAC foi possível captar, com Michel de Certeau (2005), que estas narrativas eram atos culturalmente criadores. As questões de espaço, tanto da cidade, quanto do Castelinho e da GAC também tiveram interações com os pensamentos de David Harvey (2004) e Yi-Fu Tuan (1983). Houve uma imersão no espaço de cinematográfico GACCEC/JF (ARANTES; MUSSE, 2014). Observou-se também o espaço Galeria como lugar de memória a partir de Pierre Nora (1997). Com Jean Duvignaud (1970) as diversas visões de mundo dos artistas e dos intelectuais, foram compreendidas como, não meramente condutas psicológicas ou afetivas, mas como criadoras da sociedade e pôde-se perceber a trama social daquela época, impressa no ideário e no imaginário juiz-forano. Ficou nítida a imagem de como o artista intervém na sociedade de forma efetiva. Em cooperação, um grupo de artistas foi observado sobre o ponto de vista de Howard Becker (1997), compreendendo a arte como uma ação coletiva. As

19

manifestações culturais e a contextualização das formas simbólicas, assim como os conceitos de cultura ponderados por John Thompson (2001) auxiliaram nesta compreensão. O trabalho de campo se concretizou em entrevistas, com um olhar etnográfico, de embasamento em Clifford Geertz (2008), para uma realidade urbana, seguindo rotinas, coletando dados dos artistas, vestígios, documentações da Galeria de Arte Celina, tentando construir uma leitura de tudo o que pudesse ser indício constitutivo de um conceito semiótico de cultura, em consonância com o espaço da Galeria de Arte Celina: ambiente produtor de cultura. Os grupos que se formaram na cidade, tanto de intelectuais, como de artistas, puderam ser analisados dentro das perspectivas do tribalismo de Michel Maffesoli (2010). Os depoimentos, biografias e histórias de vida foram balizados pelos estudos prévios de Franco Ferraroti (1983) utilizados como embasamento. Os estudos da memória coletiva neste momento, com Maurice Halbwachs (2010) foram imprescindíveis. Assim também, o sentido de comunidade, presente na família Bracher encontrou sintonia com o pensamento de Ferdinand Tönnies (1970). O percurso bibliográfico, o caminhar conjunto com as entrevistas, permitiu um diálogo e a interação dos autores com os protagonistas em todos os capítulos. No capítulo 1 procurou-se conhecer aspectos históricos, sociais e artísticos de Juiz de Fora, para analisar como surgiu este território propício à cultura e à arte, como também, buscou-se penetrar na atmosfera juiz-forana dos anos de 1960. O capítulo 2 debruçou-se sobre a compreensão da efervescência e do ideário intelectual da cidade, o início das artes plásticas no cenário cultural, procurou-se conhecer os artistas, a formação do Grupo 57 e alguns fatores facilitadores que vieram a originar a Galeria de Arte Celina. O capítulo 3 teve como propósito delinear um pouco da história da família Bracher, seus principais artistas – os irmãos Bracher, a envolvência destes, com outros artistas e intelectuais, a relação do Castelinho dos Bracher com a cidade, a família como agente de uma missão cultural e a culminância de tudo isso na concretização da GAC. No capítulo 4 apresentou-se a criação da Galeria de Arte Celina, como um locus antropológico, cenário ainda vivo na memória daqueles que participaram de suas iniciativas e que frequentaram o espaço, sua programação, eventos e repercussões culturais na cidade de Juiz de Fora. A importância da simbiose com o Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora – CEC/JF e a configuração da GAC como lugar de memória, foram expostos.

20

Nas considerações finais, buscou-se uma reflexão sobre as iniciativas dos Bracher na cidade de Juiz de Fora, suas interações, dinâmicas e as repercussões da Galeria de Arte Celina no panorama cultural. Procurou-se traçar e condensar o conceito de Galeria de Arte Celina assinalado por todos os atores sociais envolvidos, participantes desta pesquisa. Foi possível captar a aura simbólica deste espaço ainda vivo como imagem na memória coletiva da cidade. Enfim, gostaria de acrescentar minha experiência pessoal e de inevitável relacionamento afetivo com Nívea, Décio, Paulo, Carlos Bracher e seus familiares, como pesquisadora, ao longo dos quatro anos de elaboração deste trabalho. Tudo começou quando – em minha trajetória como artista plástica, Dr. Cesar Xavier Bastos me levou a conhecer duas pessoas maravilhosas: a Nívea e o Décio Bracher. Vi neles um grande magnetismo e também uma imensa necessidade contar todas as histórias que construíram as suas personalidades fortes e marcantes. Depois conheci o Carlos, o Paulinho e descobri a Celina, sempre presente nos pensamentos dos irmãos. Fui muito bem acolhida. Não era somente a pesquisadora, mas tornei-me a amiga com quem partilhavam histórias e parte de suas vidas. Fizeram questão de me inserir em suas festas, cursos, comemorações, como parte de sua tribo artística, de seu clã familiar. Estive envolvida naquele universo quotidiano do Castelinho – também fui parte dele. Isso não interferiu na pesquisa, pelo contrário, reforçou-a, porque as histórias se tornavam mais fluidas. Sem esta proximidade, talvez houvesse uma carência de dados, de vivências conjuntas e de relatos mais profundos. Esta pesquisa não se fecha em conclusões, ela é um primeiro degrau que se alcança para auxiliar as futuras investigações e abre espaço à possibilidade de retomada deste espírito da Galeria de Arte Celina, perpetuando-o na criação de um espaço cultural “Bracher Casa Museu”, no Castelinho dos Bracher – novamente seria, um espaço aberto à cidade.

21

1 JUIZ DE FORA: HISTÓRIA, MEMÓRIA E COTIDIANO Uma cidade para ser compreendida em toda sua complexidade deve ser observada através de seus contextos espaciais, históricos e sociais, através de sua efervescência cultural e demais características e reflexos que a envolvem. Para Massimo Canevacci (1993), a cidade é um “contexto poderoso e falante” e não apenas um “pano de fundo” ou panorama, onde o pesquisador ou antropólogo estende o seu olhar – mas sim, é contexto vivo que “veste” e o modela em seu exercício criador. Ele parafraseia Edgar Morin ao dizer que não apenas o sociólogo está na sociedade, mas o contrário também acontece: a sociedade está no sociólogo. Por conseguinte, “a cidade também está nele”. Sob a perspectiva do paradigma hologramático, com o qual – “não somente a parte está no todo, mas o todo está na parte” (CANEVACCI, 1993, p.81), a cidade não será observada por apenas pelo viés histórico, mas sob olhares diversos – de intelectuais, poetas e personalidades locais. Na obra História da arte como história da cidade Giulio Argan estabelece uma relação entre Cidade e sua arte, ou seja, considera possível a identificação de cada cidade com seus produtos artísticos. Para Argan, só se torna possível o reconhecimento de uma cidade por meio de suas manifestações artísticas uma vez que define - em seu livro La Storia Dell’arte de 1969 - a arte como uma manifestação típica de um meio urbano específico e constitutiva de uma cidade. O autor defende a ideia de que é preciso historicizar um objeto de arte para reconhecê-lo, pois o sujeito é relacional, ou seja, o sujeito se relaciona, simultaneamente, com a obra de arte e com sua cultura. Feito esse reconhecimento histórico do objeto de arte, podemos ler, por intermédio dele, a história da cultura que o constituiu. Giulio Argan, no capítulo Cidade Ideal e Cidade Real, mostra manifestações artísticas como resultado de uma sociedade em um contexto histórico. Desmistifica a ideia do artista ser uma personalidade única e possuidora de um dom divino que os não-artistas desconhecem. Para ele, um artista sozinho nada produz. O artista precisa de sua história, sua sociedade, suas tradições culturais, seus parentes, enfim, o artista precisa de toda uma conjuntura para que possa ser até mesmo considerado um artista. No último capítulo dessa parte, A Arte no Contexto da Cultura Moderna, o autor declara a importância em apresentar "uma precisa condição da arte e dos estudos sobre a arte numa determinada situação histórica" e afirma que por isso, não se pode discursar sobre a arte como um tema amplo e geral. Giulio Argan defende a ideia de que uma separação da arte do contexto das atividades que produzem cultura gera uma crise na arte, pois ela não sobrevive sem o seu pano de fundo. Desta forma, a pesquisa se desenvolve, ao colocar a cidade como foco destas manifestações culturais. Os 22

demais tópicos deste capítulo acrescentam outros autores aos já mencionados, assim como entrevistas e depoimentos de personalidades locais, que contribuem com a trajetória para o capítulo seguinte. 1.1 As revelações de uma cidade Olhar para uma cidade pode trazer um prazer especial, segundo Kevin Lynch (1997, p.05), por mais comum que possa ser o panorama observado. A cada momento surge um instante repentino em que o olho, ágil, mais rápido que o ouvido - talvez - capta alguma parte da cidade e, por entre as inúmeras imagens impregnadas nas lembranças, trazem significados particulares a cada cidadão. Para o referido autor, a forma de uma cidade se revela e se adapta aos objetivos e percepções dos cidadãos. A forma da cidade poderá expressar a circulação, os usos principais do espaço urbano, pontos focais, como também, as esperanças, anseios, senso comunitário, ambientações e relações repletas de significados construídos pelos indivíduos, que passam a refletir uma identidade, valores culturais e “a torna um verdadeiro lugar, notável e inconfundível” (LYNCH, 1997, p.102). A cidade é vista por Giulio Argan como epifania, fenomenização, espaço urbano que também é espaço de produção de objetos – produtos que resultam de uma techné similar ao processo de realização de uma obra de arte (ARGAN, 2005, pp.01-45). Há uma cidade ideal enquanto módulo: vai muito mais além que um mero modelo – transcende. O espaço urbano representa a situação, a circunstância de quem age: o imaginário e a projeção de seu ideário. Para tal esta pesquisa colocará holofotes ocasionais sobre atores que estiveram presentes na composição deste espaço urbano – artistas e intelectuais nos anos de 1960/1970, em Juiz de Fora. Para Yankel Fijalkow, a cidade pode ser comparada a uma máquina ou organismo vivo, como metáfora, ao exprimir a ideia de um sistema organizado, cuja estrutura global é formada pelas partes que se interagem e se influenciam, mediante funções específicas, rotinas e percursos que envolvem hábitos, moradia, trabalho e lazer. São os elementos, os vestígios, de uma cidade que a definem como um produto social (FIJALKOW, 2002, p.13). O autor cita a importância dos estudos de Maurice Halbwachs sobre a memória coletiva, ao ressaltar a questão do espaço na vida do grupo e nos quadros sociais da memória. Halbwachs sugere que a sociologia participe da previsão das necessidades coletivas, essenciais para a síntese pluri-

23

disciplinar urbana. A morfologia, os traços de uma cidade é que configuram as expressões de seus grupos sociais. Assim, quando em uma sociedade que se transformou subsistem vestígios do que primitivamente foi, os que a conheceram em seu estado primeiro também podem fixar sua atenção nos vestígios antigos que lhe proporcionam o acesso a um outro tempo e um outro passado. (HALBWACHS, 2006, p.152)

Walter Benjamin (1991), em seu texto Paris, Capital do século XIX, publicado na década de 1930, buscava compreender o século XIX a partir da França. Paris então se torna o foco – a cidade – objeto alegórico – sobre o qual Benjamin elabora um “mundo em miniatura”, ao privilegiar pequenos objetos (ORTIZ, 2000, pp.11-15), que surgem como vestígios do dinamismo urbano, em suas singularidades: O que lhe prende a atenção são o traçado e os nomes das ruas, as catacumbas, as edificações, como as pessoas se vestem, comem e vivem. Há algo de Simmel neste olhar posicionado ao lado dos indivíduos e da paisagem. As relações sociais são captadas no fluir do dia a dia. Pode-se entender o estilo de Benjamin como uma proposta de contraponto a uma forma mais abstrata de trabalhar os laços sociais, ponto de vista que privilegiaria o que muitos historiadores denominam atualmente de “vida cotidiana” (ORTIZ, 2000, pp.11-15).

O cotidiano se faz presente na existência. Jean Duvignaud (1970, p.53) afirma que as relações humanas, assim como as demais experiências coletivas e emoções se enraízam na criação artística e são reveladoras da intencionalidade de uma época, mediante a análise dos símbolos sociais que nela se encontram cristalizados. Pretende-se observar Juiz de Fora através de um olhar - ao mesmo tempo curioso e desarmado – para visualizar em um breve vôo, particularidades do contexto histórico e cultural que venham a construir o cenário de origem da Galeria de Arte Celina na dimensão da espacialidade antropológica de Michel de Certeau (2005, p.172). Para o autor, o olhar, o ato de ver o cotidiano urbano, os códigos, descrições orais de lugares, demarcações, percursos e mapas, comportamentos, todo este arsenal, em síntese traduzem: “as estruturas narrativas têm valor de sintaxes espaciais” (CERTEAU, 2005, p.199). Para David Harvey (2006, p.198), as ordenações simbólicas, espaciais e temporais fornecem estrutura e experiência com a qual se aprende quem ou o que somos na sociedade. A imagem da cidade, a imaginabilidade do ambiente urbano - este panorama físico fornece a matéria-prima para os símbolos e memórias coletivas da comunicação e narrativas de um grupo. O percurso histórico se faz necessário para esta compreensão. 24

É o olhar singular - sobre a cidade “transumante ou metafórica” - como aborda Michel de Certeau (2005, p.172) além da visibilidade geométrica e geográfica da cidade, que se espera provocar. Espera-se uma provocação, como um coro urbano proposto por Massimo Canevacci (1993, p.17) que traga “a multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se umas às outras, isolam-se ou se contrastam”. Um olhar para a polifonia da cidade. 1.2 Panorama histórico-cultural Minas Gerais carrega a aura e o espectro das montanhas – o emblema da mineiridade, a tradição, envolta à diversidade. “Minas geratriz”, de Guimarães Rosa, representada pelas cidades históricas, surgidas das primeiras ocupações territoriais geradas pela busca do ouro e pedras preciosas. Assim prossegue o historiador Mauro Guimarães Werkema (2010, pp.9192) ao descrever o chão de ferro, as pedras, lama, os rubros tons ferruginosos e córregos que percorrem a melancolia e os sentimentos que deflagram o contexto daquilo que é o ser mineiro – não apenas geograficamente, mas culturalmente. Riquezas: religiosas, musicais, gastronômicas, artesanais, literárias, artísticas, tão diversas, que se torna infindável enumerálas e classificá-las. Uma visão - destas Minas Gerais - abrangente e histórica, em sua amplitude variada, cuja potencialidade e tradição se faz conhecer por todo o nosso país deve se voltar para um foco de análise menor, mais sóbrio e restrito: a cidade de Juiz de Fora. Não se pode pensar nas “Minas” do ouro, do barroco, nos tradicionalismos, nos casarões brancos de janelas azuis e grandes lampiões, com suas ruas de pedras, nem tampouco nas igrejas similares às de Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes e demais cidades mineiras que povoam o imaginário do brasileiro quando se fala em Minas. Juiz de Fora se difere deste barroquismo, por uma série de fatores. Como também, longe está daquela imagem que alguns guardam a respeito das estações de águas como São Lourenço, Caxambu, Cambuquira, Poços de Caldas e Araxá. A Zona da Mata Mineira possui outras características: ficou à margem da dinâmica do ciclo da mineração. Fazia parte da condição geográfica estabelecida pela bacia do rio Paraíba do Sul; só a partir do início do século XVII, passou a funcionar como ponto de partida das bandeiras e passagem obrigatória para o território de Minas. “Com a abertura do então ‘Caminho Novo’, esta região foi parcelada e apropriada pelo sistema de concessão de terras através de sesmarias”. Juiz de Fora foi efetivamente ocupada na segunda década do século

25

XIX, período em que a minas, em seu processo de exploração, se apresentavam em fase de esgotamento, segundo o arquiteto Luiz Alberto do Prado Passaglia (1981, p.21). Surge então um caminho significativo por onde iriam fluir atividades produtivas e econômicas. “Santo Antônio do Paraibuna, que se chamou Juiz de Fora a partir de 1865, núcleo principal do Caminho Novo, beneficia-se igualmente desse fluxo de mercadorias para o Rio” (WERKEMA, 2010, p.189). Este nome dado à cidade - Juiz de Fora - gera muita polêmica e dúvida quanto à sua origem. Na realidade, o Juiz de Fora seria um magistrado, do tempo colonial, nomeado pela Coroa Portuguesa, para atuar onde não havia Juiz de Direito. Então, moradores diziam que desejavam ir ao sítio da vargem para visitar o Juiz de Fora, designando assim, a pessoa e a casa - local. Porém, alguns estudos afirmam que um Juiz de Fora esteve de passagem na região e hospedou-se por algum tempo numa fazenda e que, mais tarde, próximo a ela, surgiria o povoado de Santo Antônio do Paraibuna. Segundo a professora Christina Musse (2008), um artigo do jornalista Almir de Oliveira (1968, s/p.), publicado no Diário Mercantil, desmente esta versão, pois afirma que “o nome do lugar já era anterior à sua existência como cidade, vila ou arraial”. Ela comenta que o jornalista Douglas Fazolatto (2001, p.16) afirma ser o doutor Luis Forte Bustamante de Sá, “quem serviu de intermediário entre governo e forças corsárias francesas que invadiram o Rio de Janeiro” e que “após a sua substituição no cargo pelo Dr. Vital Casado Rothier, em 1713, estabeleceu-se nas ditas terras”. Há reproduções de carta de sesmaria, escritura de venda de terras, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico, envolvendo Bustamante de Sá, assim como fatos curiosos relatados por Douglas Fazolatto e documentos localizados pelo historiador Alexandre Miranda Delgado, publicados em 1985. Todas estas informações, contraditórias ou não - ressalta: “não são conhecidos pela maioria dos habitantes da cidade, que ainda ignoram sua verdadeira origem e continuam a especular sobre ela” (MUSSE, 2008, pp.63-70). Para o historiador Wilson de Lima Bastos (1973, p.15), ao longo deste “Caminho Novo” – “caminho histórico” – obras importantes, ranchos, acomodações para tropeiros e viajantes foram construídas por entre as encruzilhadas das estradas do Quilombo, Zona da Mata, Vila Rica e Rio de Janeiro. Com o esgotamento da exploração do ouro, a partir de 1817, sob influência de D. João VI, o entorno de Juiz de Fora começa a ganhar novas características com a introdução da cultura do café, cujo cultivo teve início na Fazenda São Mateus (BASTOS, 1987, p.72).

26

A região conhecida então como – Mata Mineira – polarizou-se por meio de rotas vicinais, como ligação entre a sede do Império à Ouro Preto e neste eixo, crescia a Juiz de Fora: ávida por usufruir da vida cultural propícia do Rio de Janeiro - centro de grande expressão. Houve a necessidade de se abrir caminhos e desenvolver transportes que facilitassem e permitissem o acesso e a organização de um crescimento sócio-econômico para a região (PASSAGLIA, 1981, p.22). Em 1836, o engenheiro militar Henrique Guilherme Fernando Halfeld foi contratado para realizar o projeto de abertura da estrada do Paraibuna que ligaria Ouro Preto à capital do Império – fato que modificou a face do povoado, já que o traçado desta estrada, por onde o centro urbano cresceu, é conhecido atualmente como uma das principais avenidas da cidade: a Avenida Barão do Rio Branco (BASTOS, 1987, p.18). Henrique Halfeld2, alemão, que adotou a nacionalidade brasileira, em 1840, fez parte de uma geração de pioneiros, cultuados até hoje, segundo o autor, pelo planejamento e organização espacial do núcleo urbano da cidade. No período ainda da década de 1850, inicia-se a construção da estrada União Indústria, cuja iniciativa parte de Mariano Procópio Ferreira Lage – inaugurada a 23 de junho de 1861. A viagem torna-se mais curta entre a Província de Minas e a Corte, ao facilitar o fluxo da produção cafeeira. A imigração alemã se faz marcante na cidade naquele momento. Luiz Passaglia (1981, pp.22-23) afirma que a construção da Estrada União Indústria foi uma das iniciativas de modernização da vida econômica brasileira, em uma fase onde a ferrovia era um meio de transporte, cujos investimentos e mão-de-obra exigiam demandas a médio e a longo prazos. Wilson de Lima Bastos (1973, p.28) declara ser notória a importância desta primeira via para transporte rodoviário que se construiu no Brasil, conforme os recursos técnicos disponíveis na época. Juiz de Fora se ligava a Petrópolis a 144 km de distância, sendo 96 km no Estado do Rio e 48 km no Estado de Minas Gerais. Vale ressaltar que naquela época Rio e Minas eram ainda Províncias.

2

“O engenheiro Halfeld recebeu o título de fundador da cidade no governo de Itamar Franco, como prefeito de Juiz de Fora, em 1973. “Instituído em 1973, através da Lei 4.496, o Mérito Comendador Henrique Halfeld tem como finalidade distinguir o cidadão que se notabilizar nos mais diversos campos da atividade humana por relevantes e comprovados serviços prestados à coletividade de Juiz de Fora. Nestas três décadas em que vem sendo entregue, a Medalha simboliza o reconhecimento de Juiz de Fora a pessoas que se destacaram na defesa dos interesses culturais, sociais, econômicos, políticos e humanitários da cidade”. MÉRITO Comendador Henrique Halfeld. Portal Prefeitura de Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/sg/premios/comenda.php>. Acesso em: 20 de novembro de 2012. 27

Segundo Luiz Passaglia (1981, pp.22-23), o imigrante alemão chega à cidade com a Companhia União & Indústria e Mariano Procópio, seu fundador, procura orientar seus empreendimentos a concretizar uma infra-estrutura que favorecesse a criação de uma colônia alemã. Em 12 de junho de 1858, chegam à cidade os primeiros colonos alemães por ele contratados para a construção da estrada. Surgem, a partir desta empreitada, o bairro Mariano Procópio, as ex-colônias de São Pedro e da Borboleta, conhecidas como a primitiva colônia de D. Pedro II. Conforme Wilson de Lima Bastos (1973, p.37) as oficinas da Companhia União & Indústria eram seções, cujas especializações dividiam-se em: serralheria, marcenaria, carpintaria, carroceria, oficinas de ferreiros, correeiros, torneiros, carpinteiros de machado. Mais de cento e cinquenta trabalhadores e mais de cem aprendizes completavam o quadro de operários. “Foi um dos núcleos pioneiros de contribuição estrangeira”. O objetivo inicial de instalar os alemães para formação de uma colônia não se concretizou com tanto sucesso devido a uma série de fatores como as dificuldades de idioma, costumes, religião e falta de incentivos ao plantio das primeiras roças. O governo alemão proibiu em 1859, a emigração para o Brasil após um ano do início da colonização em Juiz de Fora. Os motivos para tal iniciativa decorreram das temeridades vividas pelos emigrantes. A espera durante meses no porto de Hamburgo, a precariedade de condições, o número de óbitos, as diversidades encontradas nos navios, tanto em acomodações, quanto em más condições de higiene - epidemias, alimentação deficiente por cerca de três a quatro meses, provocando mortes durante o percurso - e ao chegar ao continente, o contágio por doenças tropicais, tudo contribuiu para este cenário. Em Juiz de Fora, as terras oferecidas para o plantio eram ácidas e secas, impróprias até para uma agricultura de subsistência. Houve frustração diante deste fato, após o investimento de tempo, trabalho, cultivo e sementes, sem colheita, trazendo a fome e uma sorte de desencantos. Agricultores e artesãos também faziam parte deste conjunto de imigrantes em Juiz de Fora. Seus hábitos e costumes influenciaram a tradição vigente e vieram a colaborar para que esta cidade, ainda interiorana, não se mantivesse totalmente absorta por uma sistemática patriarcal. Aspectos de urbanidade, hábitos mais ligados ao estilo de vida burguês, passam a formar novos costumes, até mesmo por influência do Rio de Janeiro (PASSAGLIA, 1981, pp.22-23). Emerge então uma mão-de-obra braçal, aliada à classe operária, que se fixa na cidade. Segundo a professora Mônica Ribeiro de Oliveira (1991, p.102), a cidade recebeu uma

28

parcela de imigrantes italianos que passaram em “caravanas de apresentações líricas, teatros e companhias ilusionistas italianas, tal como demonstram as propagandas através dos jornais”. A ferrovia D. Pedro II (conhecida como estrada de Ferro Central do Brasil) chega a Juiz de Fora em 1875, reforçando a condição do entreposto comercial. Não só a influência alemã incide sobre Juiz de Fora. Sua posição geográfica privilegiada, nas proximidades da então Capital da República, foi alvo de interesse dos libaneses, que ao chegarem ao Brasil, procedentes de Yabroud, se radicaram na “Princesa de Minas”, no período compreendido entre 1913 a 1937 principalmente. Há uma lista de 66 sírios yabroudenses; 31 vieram para Juiz de Fora e os demais 37 estiveram em municípios diversos antes de se fixarem definitivamente na cidade. A contribuição para o local foi notoriamente visível, tanto no comércio quanto na ação social comunitária. Participaram da construção da Igreja de São Jorge – Paróquia Melquita Católica de São Jorge – (fundada em 1958 e inaugurada em 1965), famosa por sua arquitetura admirada pelos turistas, pois lembra a imagem de um disco voador. Os libaneses, seus descendentes e brasileiros fundaram conjuntamente o Clube Sírio e Libanês e demonstraram desde então, mobilidade social e afetiva, efetiva permuta matrimonial com brasileiros e projeção social na cidade, em profissões de destaque como: médicos, advogados, dentistas, bancários, psicólogos, economistas, engenheiros, arquitetos, professores, políticos, industriais e tantas outras, que vieram a contribuir com o progresso através das décadas (BASTOS, 1988, pp.23-27). Desenvolve-se, assim, o crescimento urbano, industrial e comercial na cidade. Juiz de Fora se destaca em Minas Gerais. Aos fatores propícios já mencionados, acrescenta-se, segundo o professor Carlos Alberto Hargreaves Botti (1994, p.79), a oferta de serviços de comunicação rápida e eficiente disponibilizando: o telégrafo (1870), o telefone urbano (desde 1883) e os Correios (1885) – rede avançada para a época. O movimento bancário foi intenso. O primeiro banco criado na cidade foi o Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais (1887-1892, de curta duração devido à má gestão de negócios). O segundo banco criado em Juiz de Fora foi o Banco de Crédito Real, em 1888 conforme relatos históricos de José Tostes de Alvarenga Filho (1987 pp.38-39). De acordo com o historiador Almir Oliveira (1987, pp.83-85), o dinamismo econômico se faz presente mesmo neste momento em que Juiz de Fora, não contava ainda com iluminação - possuía cerca de dez estabelecimentos, industriais, quase uma centena de oficinas de artesanato e manufatura.

29

Não se pode deixar de ressaltar o ilustre jovem empreendedor Bernardo Mascarenhas um visionário – que em 1888, já incorporara a indústria Tecelagem Mascarenhas à economia de Juiz de Fora. Ele enfrentou inúmeras dificuldades, inclusive acusações de colocar em risco a vida das pessoas. Necessário foi, recorrer à imprensa em prol de sua defesa. Imensurável – a contribuição ao progresso do Estado e do país: “aqui instalou a primeira usina hidrelétrica da América Latina e fez com que a pacata Juiz de Fora substituísse os lampiões de gás pela iluminação elétrica, antes mesmo que a velha Europa” (MUSSE, 2008, p.85). A primeira experimentação com a iluminação pública na cidade ocorre a 22 de agosto de 1889: motivo de grande festa para a multidão. Na figura 01 pode-se observar o desenho de uma planta da cidade de Juiz de Fora, que data de 1884, traçado original, realizado pelo arquiteto Miguel Antonio Lallemond, com destaque para a Rua Halfeld, Avenida Getúlio Vargas e o Rio Paraibuna.

Fig.01. Parte da planta da cidade de Juiz de Fora e arrabaldes na província de Minas Gerais.

30

Segundo Mauro Werkema, (2010, pp.202-203), a Zona da Mata liga-se mais ao Rio de Janeiro e São Paulo - pólos econômicos e se dedica mais ao café e laticínios. A tecelagem torna-se a mais importante atividade industrial transformadora no século XIX, em Minas. Bernardo Mascarenhas formou-se como engenheiro elétrico na Inglaterra, e graças a estes conhecimentos desenvolvidos na Europa, foi capaz de implementar a referida fábrica de tecidos em Juiz de Fora (figura 02) e a usina hidrelétrica já mencionada que, pertencente hoje à Cemig. Na região circunvizinha à Juiz de Fora, como as cidades de Lima Duarte, Santos Dumont, Barbacena e demais distritos como Antônio Carlos e Oliveira Fortes, floresce o crescimento da bacia leiteira com destaque para o desenvolvimento das primeiras fábricas de queijos especiais e laticínios. Ressalta-se a implantação do Instituto Cândido Tostes (figura 03), dedicado ao ensino e ao desenvolvimento de novas tecnologias aos laticínios, na cidade juiz-forana. A produtividade é beneficiada por um mercado consumidor próximo e favorável: o Rio de Janeiro. Para o autor, o dinamismo industrial (figura 04) da Zona da Mata revela-se “bastante expressivo, especialmente em Juiz de Fora, que chegou a ser chamada de ‘Manchester mineira’” (WERKEMA, 2010, p.203).

Fig. 02. Vista panorâmica da Praça Antônio Carlos e Cia Têxtil Bernardo Mascarenhas

A imagem a seguir revela a inauguração do Fórum da cidade, por volta de 1878 (figura 05) na parte alta da Rua Halfeld, que anteriormente logo no início da cidade, era conhecida como Rua da Câmara e, a parte baixa, como Rua Califórnia. 31

Fig. 03. Instituto Cândido Tostes, em 1958.

Fig. 04. Germano Otto em 1920.

Fig.05. Fórum e Rua Halfeld em 20 de março de 1878.

32

A ampliação do número de casas comerciais, a criação da Escola de Comércio e da primeira casa bancária de Minas, para garantir e facilitar operações do fluxo financeiro, refletem a expansão econômica que abraça a cidade. A instalação da companhia de eletricidade contribuiu para que indústrias e oficinas formassem o escopo do núcleo urbano. “Aqui temos a formação de uma classe operária e empresarial na composição de sua população” afirma Luiz Passaglia (1981). Desta forma, o espaço urbano se organiza, assim como a formação de costumes se acentua, em meio às transformações promovidas pelas atividades industriais e serviços, a partir da década de 1880 (PASSAGLIA, 1981, p. 23). O desenvolvimento acelerado na região se deve às facilidades promovidas pela estrada. O objetivo principal da Companhia União & Indústria foi a construção desta via, sua manutenção, exploração dos serviços de transporte, entretanto outras obras se concretizaram a partir desta: as oficinas e colônia de imigrantes já mencionadas; o Hotel União e Indústria; o prédio residencial do diretor, conhecido como Museu Mariano Procópio (obra de seu filho Alfredo Ferreira Lage) doado à Prefeitura Municipal de Juiz de Fora; duas capelas – uma de culto católico e outra de culto luterano (para colonos e imigrantes); dois edifícios para colégios – um católico e outro protestante; e uma Escola Agrícola União Indústria, que tornou-se mais tarde a sede do Quartel do 10º Regimento de Infantaria, ao lado do Hospital Militar (BASTOS, 1973, p.74). A estrada antiga União Indústria, conhecida como BR-3, rota de minérios e combustíveis, dinâmica e movimentada, repleta de caminhões de aço – estrada de curvas e velocidade – torna-se inspiração para os versos da canção popular brasileira no Festival Internacional de 1970: “a gente corre/ agente morre/ na BR-3.../”. Em 1969, após a criação do Plano Nacional de Viação e de Decretos-Lei, passa a ser denominada como BR-135 (BASTOS, 1973, p.75). Esta condição geográfica de Juiz de Fora entre cidades – Rio de Janeiro e Belo Horizonte, posteriormente a capital de Minas – passagem – metade do percurso – receptáculo: de novidades de lugares outros, da agitação daqueles que imprimem na sociedade traços de realidades diversas. Tradição marcante que se molda, mescla e se refaz na apropriação da essência daqueles que se fixam na topografia deste caminhar. Berço originário de grandes poetas e artistas de renome internacional. Zona fronteiriça? Não, zona híbrida, de entrelaçamentos. Pode-se pensar sob a perspectiva de um locus de troca cultural ou espaço de interação entre culturas, sob o aspecto da integração com as cidades vizinhas. Internamente, há certas interseções e sobreposições entre as culturas mais predominantes: brasileira, alemã, 33

síria e libanesa. Os escravos, com certeza, têm a sua parcela na formação cultural da cidade. Um fato relevante a mencionar é o contraste entre os números de mão-de-obra escrava proveniente da exploração de café, em relação à quantidade de títulos de nobreza emblemáticos na cidade. Conforme Bastos (apud BASTOS, 1987, p.25) em 1876, a maior população escrava na Província de Minas Gerais registrava-se em Leopoldina com 15.253 cativos e a liderança em 1883 era de Juiz de Fora com 21.808, sendo que Leopoldina contava 16.001. Assim, os cafeicultores e empresários se organizaram em 1887, criando a Sociedade Promotora da Imigração, cujo objetivo maior era substituir esta mão-de-obra escrava. O autor ressalta a importância da Hospedaria Horta Barbosa, conhecida como a Hospedaria dos Imigrantes, única em todo o país, destinada a receber e abrigar todos os estrangeiros que chegassem ao Brasil (BASTOS, 1987, p.87). Cria-se um mito de que o estrangeiro chegaria pobre e no país faria fortuna. Fato é que o imigrante mudou a dinâmica cenográfica juiz-forana. Mônica Oliveira (1991, p.146) questiona o “mito do imigrante empreendedor”, que teria responsabilidade sobre a industrialização da cidade. A autora ainda complementa ao dizer que, em diversas pesquisas sobre esta temática é possível verificar que não há consenso sobre quais setores e períodos precisos se pode delimitar a contribuição e investimentos para a cidade, porém todos reconhecem a contribuição do imigrante na formação de Juiz de Fora. Metafórica e meteoricamente, o Rio de Janeiro foi também espaço de atração e assimilação de padrões dos cariocas, pelos juiz-foranos. O poeta Murilo Mendes menciona de uma forma alegre e até mesmo singelamente crítica, algo que se fazia comum em algumas pessoas na cidade e que, por vezes, tornava-se motivo de risadas: “Mamãe diz mas Sebastiana você mora em Minas Gerais, ué gente, eu pensava que eu morasse em Juiz de Fora [...]” (MENDES, 1994, p.901) Algumas pessoas se comportavam, hilariamente, como se a cidade fizesse parte do Rio, ou de outro lugar e Minas fosse um Estado muito longe. O escritor Ivanir Yazbeck3 (2005, pp.76-77) relembra em sua juventude uma provocação da época sobre a cidade, com dose de humor, ao dizer “na principal Avenida de JF há uma placa advertindo: ‘em caso de acidente, remova para o Miguel Couto’. E uma linha de ônibus: Parque Halfeld-Leblon”. O autor também se recorda que Fernando Gabeira dizia que em Belo Horizonte as pessoas se comunicavam por “sinais de fumaça ou por sons de 3

Ivanir José Yazbeck é jornalista, com passagens pelo Jornal do Brasil, O Globo, O Dia e Extra, exercendo a função de editor de Arte e, eventualmente, escrevendo artigos e críticas cinematográficas. Como escritor, pblicou alguns livros. Foi um dos fundadores e editores do semanário Jornal O Sete, que renovou a imprensa de Juiz de Fora, em 1970.

34

tambor” e comenta: “ele brincava assim com os amigos da redação: ‘bate um tambor pra mim’, quando queria dizer: ‘me telefone’. Isso na época em que trabalhou lá, no Correio de Minas e na revista Alterosa”. A população que nasce na cidade desde então, carrega consigo a “juzforaneidade” que seria o conjunto de hábitos e tradições que compõe a identidade deste mineiro. Vítima de brincadeiras diversas, o juiz-forano, parece estar à margem ‘de algo’ e é um “apêndice de Minas” – o “carioca do brejo”, conforme aborda Christina Musse (2008, p.23). Segundo a professora Simone Rocha (2003), o habitante desta cidade se preocupa em manter uma essência em meio a um processo dinâmico e múltiplo (ROCHA, 2003, p.48). É uma cidade atualmente, com grande concentração de cursos, faculdades, jovens – mais atrativa para o estudo que para oportunidades de emprego – configura-se como uma cidade de passagem, de contrastes. O que levaria uma cidade a ser polêmica em suas singularidades? Juiz de Fora então confirma o provérbio latino: “as águas fundam as cidades”. Em 1850 o pequeno vilarejo às margens do Paraibuna ganha status de Município. Uma cidade que nasceu com destino de ser polêmica: está situada em Minas Gerais e para muitos, não espelha a aura da mineiridade barroca que navega pelo imaginário das montanhas que compõem as “geraes”. A proximidade com o Rio de Janeiro fez com que ela respirasse ares do “carioquismo” que, para Pedro Nava, poderia ser mais uma “mineiragem” com um pouco de malandragem. Rota de percurso do Caminho Novo, no século XVIII, segundo Christina Musse (2008, pp.22-23), “a cidade parece sempre fugir de qualquer definição, e seu próprio nome nos prega uma peça desse jogo sutil entre o que está fora e o que está dentro, entre o que escapa e o que pertence”. Berço da primeira usina hidrelétrica da América do Sul, privilegiada pela primeira rodovia aberta no país, a Rio-Juiz de Fora, tornou-se ponto estratégico de instalação e desenvolvimento da indústria têxtil. Contraditoriamente, mantevese provinciana ao preservar as tradições das típicas famílias mineiras. Suas escolas e universidades atraíram a mocidade da região. Terreno fértil para a germinação do movimento militar de 1964 que resultou na ditadura e decorrentes embates que marcaram toda uma geração. Juiz de Fora, com suas geografias imaginárias foi cenário de eclosão de sementes histórico-culturais que ainda brotam em diferentes terrenos. 1.2.1 Coração da cidade - a Rua Halfeld Giulio Argan (2005, p.43) afirma que não se deve entender cidade apenas como um “traçado regular dentro de um espaço, uma distribuição ordenada de edifícios representativos 35

e utilitários”. Para ele, tanto o espaço arquitetónico externo, que detém o nosso olhar é significativo, como o espaço urbano com os seus interiores. Assim, as extensões internas urbanas, menos visíveis, como o interior das casas, das salas de estar, dos quartos de dormir, até mesmo as roupas com que as pessoas se vestem e adornos usados por aquelas que caminham representam a cenografia de uma cidade. O autor comenta: “o espaço figurativo, como demonstrou bem Francastel, não é feito apenas daquilo que se vê, mas de infinitas coisas que se sabem e se lembram, de notícias”. Desta forma, as imagens que surgem das palavras, os relatos e memórias formam a atmosfera destas ‘notícias’ que concretizam a cenografia urbana de uma época, a movimentar as ruas da cidade. “Caminhar é ter falta de lugar”, já dizia Certeau (2005, p.183). O tecido urbano é criado no entrelaçamento dos cruzamentos e na experiência social das deportações marcadas por deslocamentos e caminhadas, cujos signos compõem um lugar, apenas um nome – “a Cidade”. Para o autor, a identidade de um lugar é muito mais simbólica, é nomeada: “um universo de locações freqüentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados”. Lugares sonhados, vividos ou por onde se reportam as motricidades dos pedestres – ruas. Certamente as vias, rotas e rede de linhas de trajeto urbano são o meio mais eficiente pelo qual se organiza o todo. Desta forma, as vias principais de uma cidade devem possuir singularidades, qualidades ou atividades específicas que as distingam das demais. Deve haver em uma rua principal: “uma textura especial de pavimento ou fachada; um sistema particular de iluminação; um conjunto único de cheiros ou sons; um detalhe ou uma vegetação típicos [...] a regularidade pode ser rítmica, uma repetição de aberturas espaciais” (LYNCH, 1997, p.107). Assim, a unificação de elementos perceptíveis e contínuos forma a linha em movimento, a rua – o esqueleto da imagem de uma cidade. Pretende-se observar aspectos da rua Halfeld, considerada o coração da cidade de Juiz de Fora, onde ocorriam os principais eventos da cidade. Trata-se de relatar memórias e “notícias”, conforme mencionara anteriormente Giulio Argan (2005) e de transcrever traços e trajetórias densas e leves de mapas urbanos, por entre curvas e vazios, palavras e realidades daquilo que já passou (CERTEAU, 2005, p.176). Pedro Nava dividia a cidade em “dois mundos” e em duas direções, partindo da rua Halfeld, repleta de lojas, cafés, galerias, cinemas. Assim o poeta descreve: A rua Halfeld desce como um rio, do morro do Imperador, e vai desaguar na Praça da Estação. Entre sua margem direita e o Alto dos Passos estão a Câmara; o Fórum; a Academia de Comércio, com seus padres; o Stella Matutina, com suas freiras; a Matriz, com suas irmandades; a Santa Casa de

36

Misericórdia, com seus provedores; a Cadeia, com seus presos [...] Esses estabelecimentos tinham sido criados, com a cidade, por cidadãos prestantes que praticavam ostensivamente a virtude e amontoavam discretamente cabedais que as gerações sucessivas acresciam à custa do juro bancário e do casamento consangüíneo. A densa melancolia dessas instituições transmitiase aos que as mantinham- criação agindo poderosamente sobre os criadores e seus descendentes que levavam vida impenetrável nas suas casas trancadas, freqüentando-se só nos apostolados e nas empresas, não conhecendo as passeatas noturnas da Rua Halfeld, as cervejadas alegres do Foltran... o Cinema Farol, o Politeama e o Club Juiz de Fora (NAVA, 1984, pp.20-21).

Expressava o poeta não somente a arquitetura pétrea, religiosa, institucionalizada e funcional de uma cidade como também a sua arquitetura bucólica, suas engenharias psicológicas com válvulas de escape que se estendiam pelo Rio de Janeiro e assim complementava: “esses ricos homens traziam geralmente na fisionomia, um ar de fadiga, de contenção e de contraída tristeza que só não se via na face radiante daqueles que carregavam secretamente o remorso adquirido nas viagens freqüentes ao Rio de Janeiro – onde muito se podia” (NAVA, 1984, pp.20-21). Ao considerar a identidade do sujeito como uma “celebração móvel”, Stuart Hall (1987) afirma existir uma formação e transformação contínua pela qual o ser humano é interpelado nos sistemas culturais que os rodeia historicamente. Desta forma, há dentro do sujeito identidades contraditórias e à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, diante de inúmeras identidades possíveis, o sujeito pode se identificar com alguma, ao menos, momentaneamente. O autor comenta que “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 1992, p.13). O juiz-forano desde a formação da cidade, em seu contato contínuo com o Rio de Janeiro traz sutilezas comportamentais, imperceptíveis para muitos, mas visivelmente reconhecíveis pelo poeta. Ele prossegue então, a descrição da Rua Halfeld. No lado esquerdo sua abordagem é mais reluzente e traduz vivacidade, juventude, vibração, um despojamento aliado a certa rebeldia, em que o lazer se mesclava à boemia, ao trabalho, aos apitos frenéticos do convite às rotinas e à movimentação. Pedro Nava comenta: Já a margem esquerda da Rua Halfeld marcava o começo de uma cidade mais alegre, mais livre, mais despreocupada e mais revolucionária. O Juiz de Fora projetado no trecho da Rua Direita que se dirigia para as que conduziam a Mariano Procópio era, por força do que continha, naturalmente oposto e inconscientemente rebelde ao Alto dos Passos. Nele estavam o Parque Halfeld e o Largo do Riachuelo, onde a escuridão noturna e a solidão favoreciam a pouca vergonha. Esta era mais desoladora ainda nas vizinhanças da linha férrea, onde a Rua Hipólito Caron era o centro do deboche e um viveiro de treponemas. Havia fábricas, como a do Eugeninho Teixeira Leite e a Mecânica, onde homens opacos se entregavam a um

37

trabalho que começava cedo e acabava tarde no meio de apitos de máquinas e das palmadas dos couros nas polias (NAVA, 1984, pp.20-21).

Sobre os apitos é relevante mencionar acerca da sonoridade da cidade. Em entrevista com Wilson Cid, realizada por Christina Musse, em seu livro Memórias Possíveispersonagens da televisão em Juiz de Fora, há um depoimento sobre esta questão cultural. O jornalista afirma que os sons mudaram totalmente, principalmente no que diz respeito aos apitos das fábricas, pois eram “sete a oito grandes empresas de fiação que apitavam ao mesmo tempo: às quatro horas da tarde, quando terminava o expediente. Aquele barulho era o início, com todas as chaminés soltando fumaça e todas as sirenes acionadas às quatro horas”. Wilson Cid relata que esta era uma característica da cidade, principalmente nos anos 50 até que, posteriormente, passou este período do processo industrial e o que sobrou foi apenas o apito da Galeria Pio X (figura 06 - edifício onde funcionou a Galeria de Arte Celina). Prossegue ao comentar que foi membro do Conselho de Preservação do Patrimônio, representando o Instituto Histórico, com a oportunidade de propor e conseguir, “como relator, o tombamento do bem dentro da cidade, que é exatamente o apito da Galeria Pio X. Ficou como grande símbolo sonoro da cidade”. Criado por Arthur Vieira no ano de 1922, o apito servia de marco para anunciar grandes fatos e eventos na cidade, como por exemplo: a vinda do Presidente da República em Juiz de Fora e sua subida pela Rua Halfeld, então apitava; no dia da morte do Papa, soava o apito, ou também se houvesse algum caso de incêndio e não chegasse o bombeiro, soava o apito da galeria como sinal de socorro (MUSSE, 2012, p.45). Fato é que precisamente ao meio-dia a este símbolo na Galeria Pio X ainda apita diariamente. Exatamente neste local, no segundo andar, funcionou a Galeria de Arte Celina, na década de 60.

Fig.06. Galeria Pio X. Abril de 1963.

38

Em seu depoimento, Wilson Cid diz que as pessoas iam à praça e participavam diretamente dos eventos. Que marchas eram, por exemplo, tradição na cidade, relata que “Juiz de Fora sempre teve uma facilidade incrível de aderir às coisas novas [...] O açodamento da cidade neste ponto é incrível”. Ele complementa ao falar do footing que havia na rua Halfeld, aos sábados e domingos, em que as pessoas passavam, se olhavam, conversavam, subiam e desciam a rua e que este hábito foi se perdendo com o tempo. “era uma cidade famosa pelo bate-papo”. A cidade também se apresentava com fronteiras definidas, assim ele afirma que do Cine Palace para baixo, as pessoas negras faziam o footing e na parte acima, as pessoas brancas o faziam. Esta dinâmica ocorria naturalmente sem nenhuma determinação – fato curioso. Ele se espanta ainda atualmente quando passa pela Galeria Phintias Guimarães e vê as pessoas divididas em dois bares – um de negros e outro de brancos: considera um fenômeno interessante. Relembra que nos anos 50, quando a cidade sai da fase intensa de industrialização e transforma-se aos poucos em uma cidade de prestação de serviços, o operariado passa para uma classe em que não há uma distinção tão nítida quanto naquela época anterior (MUSSE, 2012, pp.43-44). Ivanir Yazbeck (2005, p.11) se lembra dos footings na Rua Halfeld. Comenta que a rua ficava fechada ao tráfego de 12h de sábado à zero hora de segunda-feira. “Aos domingos, de 19h às 21h 30min, as pessoas, grande parte jovens, desfilavam exibindo suas roupas mais chiques, subindo e descendo, em mão e contramão, mas só até a Rua Batista de Oliveira”. Na parte baixa da rua, o footing era da classe social baixa. Ele prossegue ao dizer que se lembra também do “footing alternativo na Avenida Rio Branco – entre Halfeld e Brás Bernardino – onde os carros estacionados em diagonal serviam à rapaziada para neles se recostar e admirar o desfile das garotas”. O footing era prática e hábito na Rua Halfeld - local de troca de olhares entre moças e rapazes, espaço em que as notícias circulavam e que a vida acontecia. Havia o burburinho, a sonoridade, a alegria e a agitação – o tempo para a conversa. Segundo Michel de Certeau (2005, p.176), as motricidades dos pedestres formam um desses “sistemas reais cuja existência faz efetivamente a cidade”. Ele compara o ato de falar com o ato de caminhar, dizendo: “o ato de caminhar está para o sistema urbano como a enunciação (o speech act) está para a língua ou para os enunciados proferidos”. Para tal, o ato de apropriação da topografia pelo pedestre é “uma realização espacial do lugar”. O poeta Murilo Mendes em “A Rua Halfeld” descreve notavelmente este espaço:

39

Faço footing na rua Halfeld da minha infância e adolescência, os fundadores da cidade são alemães, a música é muito conhecida aqui, ainda não é tempo de rádio, eu mesmo toco piano, pianinho, de ouvido: passam donas de olhos, bocas e outras delícias vedadas aos menores de 17 anos, inclusive uma certa dona ourodentada, quadris provocantes, pelo jeito de andar mostra que é mulherdama ou mulherdrama; [...] vejo um cachorro morrendo no meio dos vivos e um cego caminhando no meio dos videntes, [...] meu Deus, como gosto de ver gente e coisas; [...] eis outra dona que Belmiro Braga chama de vice-bel-adormecida porque é bonita-distraída; [...] assisto à passagem de D. Aurélia D., uma montanha de babados, cheira a biscoito azedo; em compensação vejo Ercília F., um espetáculo, segundo os portugueses uma pêssega; o prefeito O., untuoso, com gestos de prelado, tão enjoativo que parece auto-enjoar-se [...] o fazendeiro Júlio S., irônico, diz que vem à cidade “tomar férias dos bois e conversar com pessoas de destaque’; a professora Perpétua, mulheraça, usa enorme coque, riquíssima em pés-degalinha, carola [...] o industrial Veloso, pão-duro,[...] acha que deve economizar até a saliva, detesta o céu “que não produz” [...] Aristeu V..., funcionário público, merdoso, ex-homem, sempre roendo as unhas, contador de casos batidos, farejando anedotas de papagaio, turco e português, [...] Escrevo sobre a rua Halfeld sem situá-la no espaço, ocupando-me somente com as pessoas que a percorrem. Nada a fazer: assim sou eu, ponho sempre em primeiro lugar as pessoas. Direi entretanto que a rua Halfeld é uma reta muito comprida, começando às margens do Paraibuna e terminando na Academia do Comércio. Nos dois lados levantam-se casa, sobressaindo, pelo menos no meu tempo de menino, a Livraria Editora Dias Cardoso, uma das minhas delícias de então; e a Casa da América, sortida com uma infinidade de objetos e instrumentos de toda a espécie; delícia e terror, pois entre eles, torqueses, serrotes, martelos, tenazes, tesouras, alicates (MENDES, 1994, pp.957-961).

É possível construir uma imagem espacial a partir do trânsito discursivo destes processos caminhatórios dos passantes. Assim se toca a face de um lugar simbólico que, segundo Michel de Certeau (2005, p.183) se descobre na prática do espaço que é indissolúvel do lugar sonhado. Quando o poeta remete-se a termos como “no meu tempo de menino”, “uma das minhas delícias de então” e aos sentimentos de “delícia e terror” ligados aos objetos, percebe-se este vínculo entre a dimensão espacial e simbólica. Para o autor, “os relatos efetuam, portanto, um trabalho que incessantemente, transforma lugares em espaços e espaços em lugares” - estas descrições orais representam um “imenso corpus” (CERTEAU, 2005, p. 203). Para Rachel Jardim, em seu livro Os anos 40: a ficção e o real de uma época, a cidade se traduzia no olhar de menina que percorria a arquitetura sensorial em tempos diversos, suas ruas juiz-foranas são repletas de vivacidade: A Rua Halfeld, que era a rua principal, ficava em frente ao parque. Muito feia mas também típica deste gênero de cidade. Construções de cimento sem nenhum estilo. Sorveterias.

40

Da cidade o que eu gostava mesmo era a Av. Rio Branco, onde ficava o colégio. Disseram-me que também cortaram as árvores. Deve ter sido algum prefeito progressista, desses que devastam impunemente o interior e põem bustos nas praças [...] [O clube Juiz de Fora] Ficava na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Halfeld. O prédio era art-noveau francês, algo meio indefinido, mas muito especial. Talvez melhor dizer que não tinha nenhum estilo. Por dentro tinha. O salão era completamente francês [...] Eu era muito menina para entender de estilos, de modo que ficava tudo muito meio vago no meu espírito. A impressão que guardo é de extremo refinamento. Devia ser mesmo. A cidade naquele tempo tinha classe (JARDIM apud BARBOSA; TIMPONI, 2002, pp.165-166).

É nesta organização que o relato tem um papel decisivo para a construção do espaço. Para Michel de Certeau “toda descrição é mais que uma fixação, é um ato culturalmente criador”. A descrição, portanto, é fundadora de espaços e onde ela inexiste, o espaço passa a não mais existir (CERTEAU, 2005, p.209). Este espaço de afetividade representativo para a cidade sofreu a influência arquitetônica dos estilos neoclássico ao eclético, seguindo as influências européias e do Rio de Janeiro. Grandes personalidades do país e presidentes desfilaram pela rua Halfeld, em cortejos e eventos. Ao percorrer a rua, desde o início, se encontra um conjunto arquitetônico, com alguns destaques que merecem ser assinalados nesta ordem: parte baixa da rua, a partir da Avenida Getúlio Vargas – está a Praça da Estação, sede da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras; a seguir o edifício da Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, construído em 1941, projetado por Oscar Niemeyer. Ao caminhar para a parte alta se vê: o "Calçadão" (quarteirões entre avenidas Getúlio Vargas e Rio Branco); Museu do Crédito Real; o antigo Hotel Palace; o Cinearte Palace; o Cine-Theatro Central; o Edicífio Baependi, primeiro "arranha-céu" de Juiz de Fora; o Edifício Clube Juiz de Fora, projetado pelo arquiteto Francisco Bologna, com o painel Cavalinhos, de Cândido Portinari, como também um painel de azulejos deste artista que se encontra de frente para a avenida Rio Branco. É relevante mencionar a existência de treze galerias que cortam esse trecho da rua, configurando uma formação urbana peculiar na cidade, formando conexões entre ruas, como um “shopping a céu aberto”. Logo a seguir o Parque Halfeld constituído por uma praça reformada pela paisagista Rosa Grena Kliass; os edifícios das Repartições Municipais e Câmara dos Vereadores; o Fórum, a Igreja de Santo Antônio, do século XIX, e a Academia de Comércio, tradicional escola da cidade. Logo acima, elevando o olhar para as montanhas se pode ver o Morro do Cristo.

41

A Halfeld era o ponto-chave da cidade. Em 15 de novembro de 1975 foi inaugurada a principal alteração: O Calçadão – foi transformado em uma área somente para pedestres. Em 2008, houve remoção de jardineiras e colocação de postes e luminárias diferenciadas. Segundo Fuad Yazbeck4 (2012), escritor e economista, em seu depoimento, “a Rua Halfeld perdeu a pronúncia sonora do ‘H’– perdeu sua identidade. Hoje não é mais a Rua Halfeld, é um calçadão. É capaz de metade da cidade não saber aonde fica a rua Halfeld, mas toda a cidade sabe aonde é o calçadão”.5 Na sequência das figuras 07 a 12, a seguir, pode-se observar alterações na fisionomia da rua até tornar-se um calçadão (figura 12, em 1975). Christina Musse (2008) revela que, na pesquisa sobre Juiz de Fora - nos relatos de época, dos entrevistados com menos de 30 anos - havia uma estreita relação de intensidade romântica com a cidade e seu espaço público. Expressa a imagem de uma caminhada daqueles jovens juiz-foranos que repassam a vida e polemizam sobre o mundo, no final dos anos 50 até o fim da década de 70. A rua Halfeld perde aquela nostalgia. A autora complementa: Sem dúvida, a cidade dos anos 60/70 era uma cidade mais ocupada, e a rua Halfeld não era o lugar “fantasmagórico” ao qual se refere hoje, quase 40 anos depois, o professor Rogério Bitarelli Medeiros. Na geografia subjetiva da cidade, muitos lugares, principalmente aqueles do centro, perderam o sentido. Certamente, adquiriram novas significações, que têm mais a ver com a complexidade e a desordem, a fragmentação e novas mediações (MUSSE, 2008, p.167).

As diversas “visões de mundo”, a permanente busca de certo enquadramento social às transformações, traz a essas atitudes – sua validade sociológica. Não devem ser consideradas meramente condutas psicológicas, ou afetivas. Elas criam “sociedade”. “É através delas que o imaginário cumpre a sua missão existencial na trama da vida social” (DUVIGNAUD, 1970, p.55).

Fig. 07. Rua Halfeld, à direita, esquina de Avenida. Rio Branco. Década de 1960. 4

Fuad Yazbeck (1939-2013). Economista, professor da UFJF, desempenhou os cargos de auditor da Receita Federal, e secretário da Fazenda, no governo Tarcísio Delgado. Ele era membro do Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio e amante do jazz clássico. Foi um dos fundadores e editores do semanário Jornal O Sete, em Juiz de Fora, no ano 1970. 5 Entrevista com Fuad Yazbeck, em 14 de maio de 2012, em Juiz de Fora. Faleceu a 25 de janeiro de 2013.

42

Fig. 08. Rua Halfeld, esquina de Avenida Rio Branco, setembro de 1963.

Fig. 09. Rua Halfeld 1964.

43

Fig. 10. Rua Halfeld. Dezembro de 1964. Decoração de Natal.

Fig. 11. Rua Halfeld no final da década de 1960. À esquerda, o edifício do Cine Palace. .

44

Fig. 12. Montagem. Inauguração do Calçadão da Halfeld, em 15de novembro de 1975.

1.2.2 Uma cidade de várias faces Este breve panorama se apresenta acerca de particularidades mais relevantes de Juiz de fora, que contribuam para a compreensão da atmosfera espacial e local, desencadeadora da origem da Galeria de Arte Celina. Portanto o foco deste capítulo, desde seu princípio, não se detém a um aprofundamento historiográfico e cronológico sobre a cidade. No entanto, fatos relevantes merecem ser mencionados para compor um esboço do horizonte deste lugar. Que lugar é esse? “Juiz de Fora naquele tempo era um trecho de terra cercado de pianos por todos os lados”, já dizia o poeta Murilo Mendes na década de 60 – período em que redigia seu livro autobiográfico A idade do serrote, publicado em 1968 (MENDES, 1994, p.920). Esta cerca

45

imaginária – divisa – margem – contorno poético montanhoso musical – fronteira – diz muito da cidade: locus cultural. Juiz de Fora: cidade cuja história é intimamente entrelaçada à história da estrada. É lugar de passagem – de fronteira. Segundo Néstor Canclini, “hoje, todas as culturas são culturas de fronteira” (BURKE, 2003, pp.13-73). O intercâmbio econômico e cultural com o Rio de Janeiro proporcionou certo cosmopolitismo. Ao entrar em pleno século XX, a cidade, embora mantenha aspectos diversos que a diferem da cultura colonial e tradicional mineira é considerada local propício - centro cultural - do emergente estado de Minas Gerais. Segundo Maraliz Christo (1994, p.01) este fato se deve, até 1920, “pelo número de jornais e teatros, seja pela expressão de suas escolas e instituições culturais”. Somente a partir das duas últimas décadas, outras faces da cidade são alvos de investigação e por longos anos prevaleceu um “discurso triunfalista da industrialização” e da “trajetória mítica dos heróis”. Havia um “mito desenvolvimentista”, quando na realidade, outras fontes documentais encobertas revelavam a problemática da pobreza, dos crimes e das doenças (MUSSE, 2008, p.75). Surge mais uma face da cidade – face europeia francesa? – é considerada também a ‘Europa dos pobres’ – “expressão cunhada por Sylvio Romero em um texto que serviu de prefácio à obra de Albino Esteves, o Theatro em Juiz de Fora, publicada primeiramente em 34 capítulos, nos anos de 1910 e 1911, no jornal O Pharol” (MUSSE, 2008, p.95). Europa dos pobres é também título da obra da pesquisadora e professora Maraliz de Castro Vieira Christo (1994) onde contrastes da realidade desmistificadora da cidade são apresentados. Por exemplo, o teatro, mesmo crítico – imerso no estilo Belle Époque carioca – era utilizado como locus de culto à aparência externa – fator que reforça ainda mais a expressão inicialmente mencionada (CHRISTO, 1994, p.14). Aspectos da influência europeia, principalmente francesa, são relembrados pelo jornalista e artista plástico João Guimarães Vieira: Assim, ao lado dos prédios austeros das fábricas, inspirados em idêntica arquitetura inglesa, chalés residenciais ostentarão, como na Suíça e na Alemanha, telhados fortemente inclinados, mesmo sem o perigo da neve no inverno. E os palacetes mostrarão reminiscências de castelos antigos ou obedecerão, no começo do século, ao estilo art-noveau, que o arquiteto Rafael Arcuri divulgará na cidade, através de projetos elaborados com um desenho precioso e requintado (VIEIRA apud MUSSE, p.95).

O artista supracitado ainda complementa dizendo que somente um sobrado da Avenida Rio Branco e o prédio da Fazenda Velha - típicos da arquitetura mineira - ainda não haviam 46

sido demolidos na década de 40, devido a protestos de intelectuais da época. Em entrevista concedida pelo juiz-forano escritor e professor Hélio6 de Almeida Fernandes (2010)7, amigo de juventude da família Bracher, a face francesa da cidade foi um dos aspectos abordados: Agora... Interessante... A cidade tinha uma forte influência francesa. Muita gente, muita gente mesmo, falava francês. Meus amigos de 14 e 15 anos, todos nós - falávamos francês. A maior influência na época era dos Estados Unidos, mas curiosamente em Juiz de Fora, a influência era francesa. Aqui ficou um nicho europeu dentro da cidade. Havia o cineclubismo e o CEC promoveu o curso de cinema francês, junto à Galeria de Arte Celina (FERNANDES, H. A.*, 2010).

O anseio da juventude em alcançar os moldes da intelectualidade carioca e europeia, em manter contato com a arte, música, teatro, cinema, literatura e demais áreas do conhecimento - era uma tônica na cidade - embora este acesso fosse restrito a uma parcela da população. “Para a aristocracia rural e os novos empreendedores urbanos, Juiz de Fora, acenava com muitas promessas, mas a grande massa de trabalhadores não partilhava dessa euforia civilizatória” (MUSSE, 2008, p.96). Segundo Maraliz Christo (1994, p.121) as crianças menores de 10 anos faziam parte da força de trabalho, principalmente na indústria têxtil. Longas jornadas de trabalho desviaram a força de trabalho do foco direcionado à educação. A face da educação - em Juiz de Fora - segundo Albino Esteves (1915, p.62), antes mesmo de ser considerada vila, Juiz de Fora dava início à vida cultural, com a criação da Escola De Instrução Primária de Primeiro Grau, a partir da lei governamental n.º 320, de 24 de maio de 1847. Em 1860 é citada a existência do Colégio Roussin, e em 1890 a instalação do Colégio Granbery (modelo liberal e pragmático observado nos Estado Unidos). A Academia do Comércio surge em 1891 como projeto inovador, de seu idealizador Francisco Batista de Oliveira. Conforme Carlos Botti (1994, p.110), os católicos mais conservadores não consideravam Juiz de Fora uma cidade muito presa a moralismos. A professora Lola Yazbeck (1999, p.56) afirma que os metodistas acreditavam que o catolicismo era responsável pelo atraso no país e que a religião protestante poderia conduzir ao progresso. O Colégio Santa Catarina de irmãs católicas foi fundado em 1900 e, logo em seguida, em 1902, o Colégio Stella Matutina (filhas de elite burguesa industrial, fazendo frente ao Granbery) 6

Entrevista com o professor Hélio de Almeida Fernandes, em 13 de Setembro de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Faleceu em abril de 2011.(Opositor à ditadura, foi preso na época da repressão)*abreviação proposital. 7 Hélio de Almeida Fernandes era professor da Universidade Federal Fluminense, Bacharel e Licenciado pela UFRJ. Professor de línguas e respectivas literaturas. Escritor com mais de 20 livros publicados.

47

(BOTTI, 1994, p.116). Em 1906 é criado o 1º Curso Superior Noturno do Brasil pela Congregação do Verbo Divino, que se mantém somente até 1910 e em 1909. O Instituto Politécnico foi fundado na cidade, oferecendo três áreas de conhecimento: arquitetura, agrimensura, eletricidade ou eletrotécnica, no ano de 1909. Já as primeiras escolas de nível superior de Juiz de Fora, cujas mantenedoras são congregações religiosas, acabam por se transformar em escolas laicas (MUSSE, 2008, p.92). A realidade escolar em Juiz de Fora se caracterizava por desafios - desde a implementação de novos cursos, exigências burocráticas para reconhecimento, até o desenvolvimento de currículos e conteúdos atrativos ao mercado, assim como a contínua dificuldade de cobrir os déficits entre despesas e receita. A cidade sempre foi um polo de atração educacional da região, mesmo diante destas dificuldades. Para as cidades circunvizinhas, Juiz de Fora sempre foi vista como um centro promissor de oportunidades para o investimento intelectual. A fundação da Universidade Federal de Juiz de Fora ocorre em 1960, quando o presidente Juscelino Kubitscheck assina em dezembro, “o decreto de criação da segunda universidade federal do interior do país, depois de Santa Maria no Rio Grande do Sul” (MUSSE, 2008, p.92). Vale ressaltar não somente em termos educacionais, mas principalmente em termos culturais, o ano de 1944, ocasião da criação da FAFILE (Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora). Em 1968 foi incorporada à Universidade Federal de Juiz de Fora e, segundo Lola Yazbeck, (1999, p.133) a FAFILE é resultado da ação de intelectuais ligados ao movimento católico, participantes da União dos Moços Católicos e do Centro D. Vidal. Esta juventude intelectualizada que repensava a cidade interessa a esta pesquisa, pois alguns estudantes da época da década de 60, colegas de turma de Celina Bracher nesta faculdade, são personagens importantes – frequentadores do Castelinho dos Bracher – e que irão fazer parte do cenário da Galeria de Arte Celina. Juiz de Fora sempre foi um lugar das possibilidades. A face cultural civilizatória - O jornalista Dormevilly Nóbrega (apud MUSSE, p.93) ressalta a tarefa civilizatória da cultura, desencadeada na cidade pelas elites, por meio de projetos e construções de vários teatros e casas de espetáculo, como por exemplo: o Barão de Bertioga, que construíra o Teatro da Misericórdia em 1862, depois se segue os demais: Teatro Perseverança; Teatro provisório; Teatro Juiz de Fora conhecido depois como Teatro Novelli; Teatro Polytheama;Cine-Teatro Paz; Cine-Teatro Ideal; Cine-Teatro Variedades; 48

Cine-Teatro Popular; Cine-Teatro Glória; Cine- Teatro Central e demais inúmeros salões adaptados para esta finalidade. O contato com diversas tournées teatrais que chegavam do Rio de Janeiro favorecia um intenso intercâmbio cultural (CHRISTO, 1994, p.14). O teatro na cidade se fortalece com o surgimento do Grupo Divulgação, fundado e liderado pelo professor José Luiz Ribeiro8, que cria a companhia de teatro em 1966. O Grupo nasceu da Faculdade de Filosofia e Letras, da Faculdade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e após seis anos de existência passa a funcionar no Fórum da Cultura que dispõe de uma galeria de arte, de um Museu de Cultura Popular e um coral. Neste contexto, o próprio professor José Luiz Ribeiro (2012), antes da inauguração de sua companhia, ressalta a importância do que representou para a cidade, a peça de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência, encenada na Galeria de Arte Celina, sob direção e atuação de Nilo Batista, com textos musicados por Sueli Costa, que se apresentou juntamente com suas irmãs Lisieux, Telma e o violão em punho – tema que receberá maior aprofundamento no capítulo 4. O grupo atualmente, além de participar de diversos festivais, desenvolve trabalhos teatrais em três esferas: universitários, adolescentes e terceira idade. O projeto de lei que registra o Grupo Divulgação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) como patrimônio imaterial do município foi sancionado no dia 26 de janeiro de 2012. A lei de número 12.484/20120 declara o Grupo Divulgação como bem de utilidade pública para fins de tombamento9. O cinema foi um formador cultural para toda uma geração – não somente como lazer, mas também como informação e ampliação do universo imagético. Juiz de Fora contava com salas de cinema – um total de nove – Cine-Theatro Central, Palace, Excelsior, São Luis, Popular, São Mateus, Rex, Paraíso e Auditorium – as sessões de sexta-feira e de fim de semana lotavam. Havia a “exibição dos cinejornais da companhia Carriço Filmes10, que apresentavam a versão local para os eventos de importância da cidade, da mesma forma que as Atualidades Atlântida mostravam o que acontecia no resto do mundo” (MUSSE, 2008, pp.121-122). O Centro de Estudos Cinematográficos - CEC - promovia cursos, projeções, 8

José Luiz Ribeiro dirige o grupo de teatro Divulgação desde a sua criação em 1966. Desde 1970, ele é professor da Faculdade de Comunicação da UFJF. No extinto Diário Mercantil, foi colunista de teatro, diagramador e também responsável por matérias culturais. 9 GRUPO Divulgação agora é patrimônio imaterial de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: Acesso em: 25 de novembro de 2012. 10 João Gonçalves Carriço (Juiz de Fora,1886 - 1959) foi um dos pioneiros do cinema brasileiro. Inaugurou na cidade de Juiz de Fora, em 1927, o Cine Teatro Popular, dotado de 500 lugares, cujo objetivo era promover diversão a preços populares. Fundou em 1934 a Carriço Film, passando a produzir cinejornais e documentários, as quais retratavam a vida social e política da cidade. JOÃO Carriço. Portal Prefeitura de Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=2952> Acesso em: 29 de novembro de 2012.

49

debates, juntamente à Galeria de Arte Celina em determinado período na década de 60 e devido ao seu grau de importância junto ao tema da Galeria, merecerá descrição e aprofundamento do tema no capítulo 4. A Academia Mineira de Letras, espaço de “autocultuação” dos literatos, como define Christo (1994, p.141), voltava a atenção dos homens ao ideário do litoral. Ao seguir o mesmo modelo a nível nacional, como cópia da Academia Brasileira de Letras, suprimiu de sua proposta inicial de regimento local, artigos importantes que sugeriam uma ortografia mais simples e a criação de uma escola de jornalismo. Fato é que esta Academia se manteve apenas por quatro anos em Juiz de Fora e foi transferida posteriormente para Belo Horizonte (MUSSE, 2008, p.96). Não se pode considerar que tenha exercido uma presença tão marcante na cidade. Já para o jornalista e intelectual Heitor Guimarães (apud MUSSE, pp. 98-99), “a imprensa foi a grande civilizadora de Juiz de Fora”. Desde o século XIX, já havia no país, publicações de almanaques e polianteias11 e, em Juiz de Fora, os primeiros almanaques datam de 1887 a 1916. A última polianteia foi publicada em 1941 em homenagem ao cinquentenário da Academia do Comércio. Albino Esteves (1915, pp. 317-333) afirma que O Constituinte foi provavelmente o primeiro jornal da cidade, desde o primeiro semestre de 1870 até 1900, dentre mais de cem almanaques, revistas e demais jornais que circularam no período. Alguns impressos de destaque: O Imparcial, A Bússola, Echo do Povo, O Democrático, A Regeneração, Minas livre, Commercial, O Progresso e Commercio de Juiz de Fora, A Cruz, O Lampadário, O Parafuso, A Tarde, Gazeta Comercial, O Metodista Católico, entre outros. Christina Musse (2008, pp.98-99) afirma que “os relatos contidos nestas publicações do final do século são fonte documental inesgotável para o resgate da identidade da cidade. Nestes jornais, pode-se perceber claramente a presença de um ideal de construção do lugar”. Foram surgindo outros jornais: O Pharol, Correio de Minas, Jornal do Commercio, O Dia, A Tarde, O Lar Católico. O jornal Diário Mercantil surge em 1912, com oficinas e redação na Avenida Rio Branco e, em 1931 é incorporado aos Diários Associados, segundo o historiador Paulino de Oliveira (1966, p.23). A partir de 1958, se produzia O Binômio, edição que circulava aos domingos – jornal com texto e fotografia fechados em Juiz de Fora, levados para Belo Horizonte para ser

11

Segundo Almir de Oliveira, “os almanaques, editados em forma de livro, continham informações úteis ao comércio, à lavoura e à indústria, curiosidades e colaboração literária [...] Já as polianteias eram publicadas a propósito de algum fato ou pessoa por motivo de comemoração ou homenagem” (MUSSE, 2008, p.99).

50

diagramados e enviados ao Rio de Janeiro, para impressão na oficina da Tribuna da Imprensa. O Binômio no Ar foi uma grande novidade implantada pela Rádio Industrial, ao levar aos ouvintes, as principais notícias do jornal. Vale ressaltar, que nos anos de 1950, o rádio era “o meio de comunicação por excelência”. A Rádio Jornal do Brasil, AM, tinha ótima recepção na cidade, que contava com três estações transmissoras: A Rádio Sociedade de Juiz de Fora, (PRB-3, antiga PRA-J) a mais antiga de Minas; a Rádio Industrial (ZYT-9), inaugurada em 1950, nos moldes da Rádio Nacional; e a Rádio Difusora, inaugurada em 1956, com programação exclusivamente musical. As emissoras locais realizavam programas de auditório que lotavam o Cine-Theatro Central (MUSSE, 2008, pp.125-129). Esta iniciativa RádioJornal em divulgar as informações do Binômio foi realmente inovadora para os juiz-foranos. Surgem Os Marginais – em plena ditadura, seis rapazes acreditaram ser possível mudar o mundo através das ideias – das palavras. Nadar contra a correnteza era a forma de lutar, de uma forma consciente, imaginativa, engajada, participativa. Uma resistência se fez presente aos padrões do sistema – e eles nadaram na contramão, em braçadas constantes com vigor crítico e doses de humor de quem percebe com olhos de águia a realidade e a coexistência de duas culturas na cidade: a “cultura oficial e a cultura marginal”. Seriam eles então intelectuais de frente, heróis marginais? Sob a liderança do professor João Guimarães Vieira12, o Guima, realizaram uma reviravolta irreverente nos suplementos de domingo, de Arte & Literatura, do Jornal Diário Mercantil - e a cultura - era o foco em questão. Eram eles: Rogério Bitarelli Medeiros, José Paulo Netto, Gilvan Procópio Ribeiro, Eugênio Malta, José Cláudio Botelho e Nilo Batista. No suplemento de Arte & Literatura de 11 e 12 de fevereiro de 1968, de autoria de Nilo Batista e José Paulo Netto, se encontra a publicação do Esboço para um manifesto marginal e a partir dele, surge a série de Palimpsestos Marginais, de agosto a novembro de 1968, no Diário Mercantil, escrita por este grupo de jovens (MUSSE, 2008, pp.195-241). Constituía-se em uma paródia da cidade de Juiz de Fora – denominada – Paraiburgo – em que a crítica buscava desconstruir a cidade, com humor, renomeando personagens que de certa forma faziam parte de um contexto sisudo e tradicionalmente oficial ou ultrapassado. Criava-se uma atmosfera “onírica” e debochada de uma cidade fictícia, porém perceptivelmente juiz-forana. Segundo Rogério Bitarelli Medeiros (apud MUSSE, p.240) a cidade ganhava “ares de uma cidade fantástica” com uma mescla de influências “do surrealismo, do dadaísmo, do cubismo e do realismo mágico latino-americano, e que tinha 12

João Guimarães Vieira editava o Suplemento Arte & Literatura do Diário Mercantil (publicado em todos os domingos). Residente no Rio de Janeiro, era professor de História da Arte na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.

51

afinidade com novas formas de representação e de narração, privilegiando a ruptura, a montagem e a colagem”. É bom notar, ainda, que as únicas informações referentes a Paraiburgo, fora os documentos encontrados, são extremamente reduzidas e se podem resumir no seguinte: Paraiburgo nasceu no dia da mentira, de parto segundo a técnica do Dr. Pero Alves Cabraulino. Teve lugar no calendário astrológico sob o signo de Áries, no ano cujo milhar no jogo-de-bicho representa o burro [...] Sem mais, a história começará a ser publicada no próximo domingo13.

No ano de 1970 circulava também o jornal O Sete na cidade, porém com breve existência. Por sua relevância cultural, ele se fará presente nos capítulos 2 e 4 em temas relacionados à Galeria de Arte Celina. O Diário Mercantil desenvolveu publicações de um suplemento, a partir de 1971, às quartas-feiras: O Júnior, com temáticas atrativas ao público jovem, ao utilizar o recurso da cor azul ou vermelha na primeira página – no título, desenho, foto ou letra de maior impacto visual. As exposições de artes plásticas da Galeria Arte Celina, ganhavam destaque nas primeiras páginas deste suplemento, como se pode observar na figura 13, a Exposição de Carlos Bracher e a Exposição de Albrecht Dürer – ambas em 1972. A cobertura das exposições e eventos da Galeria de Arte Celina em notícias e pequenas notas, do Diário Mercantil, se apresentam no capítulo 4 e em anexos. Os jornais, além de sedimentarem ideais, como presença contínua, condensam informações, criam espaços afetivos, alimentam o imaginário e colaboram com a formação cultural - configuram as diversas nuances urbanas. A cidade se configura e se constrói como um fio que parte de uma estrada - cresce como organismo vivo, ao longo de uma trama, em rede - recebe os imigrantes, desenvolve espacialidades, atmosferas afetivas, os diversos locus de pertencimentos, ecossistemas urbanos, forma escolas, universidades, ao mesmo tempo em que a cultura germina e frutifica em teatro, literatura, cinema, rádio, jornais, música, e artes plásticas. Como encontrar palavras para dizer nosso tempo? “É preciso descobrir as raízes para melhor apreciar o crescimento que elas permitem [...] São as próprias coisas que nos ensinam o que elas são. Da mesma forma, escavar para procurar as raízes demanda esforço” (MAFFESOLI, 2010, pp.03-20). Algumas raízes, assim como sementes podem estar além das montanhas de Juiz de Fora. É preciso observar a amplitude.

13

MEDEIROS, Rogério Bitarelli et al.Pequena introdução à história de Paraiburgo. Diário Mercantil, Juiz de Fora, ano LVII, Suplemento Arte & Literatura, 25 e 26 de agosto de 1968. p.3.

52

1.3. A atmosfera mundial dos anos 1960: repercussões no país e na cidade A década de 1960, no Brasil, foi marcada por intensas transformações mundiais desencadeadas por processos que agitaram a juventude intelectual - repercussões econômicas e políticas alteraram o curso da história. Que Brasil era este? Definir a brasilidade é uma tarefa inexprimível. Carlos Drummond já dizia em seu poema - Hino Nacional14: “Precisamos descobrir o Brasil/ Escondido atrás das florestas” e prossegue: “Nosso Brasil é no outro mundo/ Este não é o Brasil”. O mundo afeta o Brasil porosidades da realidade. Breves flashes pontuais do Brasil e o mundo são descritos a seguir, segundo dados organizados por Maria Elizabeth Brêa (2001) e publicados no livro Os presidentes e a ditadura militar, do Arquivo Nacional, trazendo um pouco a atmosfera dos anos de 1960 a 1970. A guerra fria marca os principais acontecimentos mundiais na década de 1960. Em 1961, os Estados Unidos rompem as relações com Cuba e Fidel Castro se une ao bloco comunista. Já no Brasil, em novembro do mesmo ano, o empresariado funda o IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais), que se torna um ponto de oposição ao governo Goulart. Em 1962, a Seleção Brasileira de Futebol ganha o bicampeonato mundial e o cinema é contemplado com o prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes, pelo filme O pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Em agosto de 1962, o Acre torna-se Estado no território nacional (BRÊA, 2001, pp.6-7) Jonh Kennedy é assassinado em 1963, em Dallas, Estados Unidos. Chega às salas de cinema o filme Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, baseado no romance de Graciliano Ramos, em 1963 e Paulo Freire torna-se notável como educador ao desenvolver no Nordeste o método de alfabetização em massa. Martin Luther King recebe o Prêmio Nobel da Paz em 1964 nos Estados Unidos. A inglesa Mary Quant lança a minissaia – um verdadeiro boom para a moda e os Beatles – febre musical - lançam o seu primeiro filme. Neste mesmo ano, o Aterro do Flamengo é inaugurado e destaca-se a estréia do show Opinião (BRÊA, 2001, pp.17-18). Em 1965 há grande repercussão de conflitos raciais nos Estados Unidos, na cidade de Los Angeles espacialmente; são assassinados o reverendo James Reeb e Malcom X. Ocorre o primeiro bombardeio americano ao Vietnã do Norte e os estudantes realizam grandes 14

ANDRADE, Carlos Drummond de. “Hino nacional” In: Brejo das almas. Rio de Janeiro: Record, 2001.

53

manifestações contrárias em Washington. A corrida espacial se acentua: a União Soviética lança a Voskhod II e os Estados Unidos a Gemini IV. Uma força interamericana invade a República Dominicana. No Brasil, neste mesmo ano é fundada a Rede Globo de Televisão; intelectuais são presos durante conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA) e é lançada a Revista Civilização Brasileira (BRÊA, 2001, p.16). Inicia-se na China, em 1966, a Revolução Cultural, com Mao Tsé-Tung. No Brasil, realizam-se os festivais de música popular pela TV Excelsior e TV Record. O programa Jovem guarda é lançado pelas emissoras. É fundado o Teatro Casa Grande e a Seleção Brasileira é eliminada da Copa do Mundo na Inglaterra. Três astronautas americanos da Apollo I morrem no início de 1967, em exercício na plataforma de lançamento de Cabo Kennedy. No mesmo ano, o escritor brasileiro Antônio Callado lançou Quarup no Brasil (BRÊA, 2001, p.19). Em 1967 árabes e israelenses iniciam a Guerra dos Seis Dias; Che Guevara morre na Bolívia, é realizado o primeiro transplante de coração, na África do Sul; o rei grego Constantino foi deposto por golpe militar; o filme Terra em transe é de Glauber Rocha é lançado e Plínio Marcos estréia duas peças teatrais: Dois perdidos numa noite suja e Navalha na carne (BRÊA, 2001, p.24). O ano de 1968 atravessa intensa mobilização popular e ondas de manifestações questionam a ordem política. Nos Estados Unidos, Martin Luther King e Robert Kennedy são assassinados; estudantes franceses iniciam uma rebelião que foi acompanhada por milhões de trabalhadores; em Portugal, Oliveira Salazar, afasta-se do governo por questões de saúde e é substituído por Marcelo Caetano; um golpe militar depôs o presidente peruano Belaúnde Terry; tanques soviéticos invadem a Tchecoslováquia, sufocam o processo de reformas conhecido - como “Primavera de Praga”. No Brasil, o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) depreda o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e agride o elenco da peça Roda viva; é ançada a revista Veja e um novo filme de Glauber Rocha, O dragão da maldade contra o santo guerreiro (BRÊA, 2001, pp.24-25). Em 1969, Yasser Arafat torna-se o líder da OLP; o presidente De Gaulle renuncia e é substituído por Georges Pompidou; o presidente Nixon inicia a retirada dos soldados americanos do Vietnã; o Festival de Woodstock reúne cerca de 500 mil jovens; Neil Armstrong, astronauta americano da Apollo XI, pisou pela primeira vez na Lua; na Irlanda do Norte católicos e protestantes entram em choque; fracassa a tentativa de golpe no Chile; na Líbia, o coronel Khadafi derruba a monarquia. No Brasil, o capitão do Exército Carlos Lamarca deserta para integrar a organização de esquerda Vanguarda Popular Revolucionária 54

(VPR), foi lançado o semanário O Pasquim e acontece a estréia do musical Hair. O final do ano de 1969 foi marcado pela morte do líder da ALN - Aliança Libertadora Nacional o exdeputado federal Carlos Marighela, em São Paulo (BRÊA, 2001, p.28). Em 1970 a minoria branca declara a independência da Rodésia; os Beatles anunciam o fim do grupo; o Chile elege o novo presidente, Salvador Allende; 43 países assinam o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares; e a Seleção Brasileira de Futebol torna-se tricampeã na Copa do Mundo realizada no México e traz em definitivo para o país, a Taça Jules Rimet (BRÊA, 2001, p.33) O modernismo é uma ideia fora do lugar que se expressa como objeto e como projeto. “Falar em cultura brasileira é discutir os destinos políticos de um país” (ORTIZ, 1994, p.13). Diante de todos estes acontecimentos que envolviam o mundo e o país, a cultura sofria seus reflexos. 1.3.1 Reflexos - contexto brasileiro

...louças, livros, sim e eu digo não e eu digo não ao não e eu digo é proibido proibir Caetano Veloso15

Livros sim e não à proibição – poucas palavras já são capazes de retratar fielmente a atmosfera que exalava da juventude nos anos 1960/70. A cultura de mãos dadas com a rebeldia germinava. Segundo Heloisa Buarque de Hollanda (2004, pp.20-21) o Brasil dos anos 1950 vivia um processo de industrialização, onde a “nova modernidade” se apresentava como mola propulsora desencadeada pelo capitalismo monopolista internacional. Surgem problemas para o país que, até então, acomodara-se com os moldes de uma estrutura econômica agrárioexportadora. No início dos anos 1960, o desfacelamento das alianças tradicionais e estruturas manipuladoras populistas colocam o Estado diante da perda real do controle das pressões das massas. As esquerdas ganham força – a produção cultural – amplamente controlada pela esquerda estará caracterizada pelo debate político, “forjando o mito do alcance revolucionário da palavra poética”. Trata-se de um período em que a arte surgia como uma ferramenta e um 15

É proibido proibir, é uma música de Caetano Veloso, criada em 1968.

55

instrumento de “tomada de poder”. O intelectual, o poeta e o escritor tentam uma aproximação com o povo, por meio de um aceite, mediante a despretensão e a simplicidadeindícios de um ideário ficcional. Por mais que um escritor tente estar ao lado do povo e queira ser seu companheiro, sentir a sua dor, compartilhar o seu sentimento solidariamente, permanece aí o distanciamento incontestável entre intelectual e povo, como já mencionara Walter Benjamin. O “artista revolucionário popular”, assim o era, por uma opção moral (HOLLANDA, 2004, pp.20-30). Pode-se perguntar então, o que houve em uma época para causar tanta ebulição cultural? A autora relembra que em 1962, o anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura (CPC) tentava sistematizar posições e perspectivas que apresentassem o verdadeiro ser – “homem brasileiro” – ao postular o engajamento do artista e do intelectual em sua criação. Os conformistas, os inconformistas e os que atuavam como artistas revolucionários eram as alternativas visíveis naquele período (HOLLANDA, 2004, pp.21-22). Certo é que neste cenário, a mobilização surge desta juventude idealista. Contudo, a autora afirma: A função desempenhada pela arte popular revolucionária correspondeu a uma demanda colocada pela efervescência político-cultural da época. Apesar de seu fracasso enquanto palavra política e poética, conseguiu, no contexto, um alto nível de mobilização das camadas mais jovens de artistas e intelectuais a ponto de seus efeitos poderem ser sentidos até hoje (HOLLANDA, 2004, p. 32).

O cineasta Arnaldo Jabour, ao rever seu trajeto intelectual publicado no Pasquim em 1972 (apud HOLLANDA, 2004, p.32) afirma que “o que ficou de maravilhoso no período de 1961-1964 da Cultura Brasiliensis foi justamente a doideira conscientizante que se apossou dos artistas”. Schwarz (apud HOLLANDA, 2004, p.34) revela que após os eventos de 1964, “apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país” – traço característico e visível que – segundo o autor, reflete o panorama cultural brasileiro entre 1964 e 1969. Assim, esta atmosfera que se expande, se concentra em grandes centros e capitais acaba por influenciar as cidades mais próximas. Pinceladas do que acontecia no país: conforme Ortiz (2001, pp.184-209), o Brasil, entre 1948 a 1953, vê decrescer o número de editoras de 280 para 144 – nível inferior a 1936. Importar livros era mais barato que imprimi-los no país. Esta problemática aliada às condições desfavoráveis estendeu-se também ao cinema que, apesar dos esforços vê a Vera Cruz falir em 1954. O rádio era o meio de comunicação mais popular no país, mas sua expansão, muito restrita. A “época de ouro” do rádio, entre 1940 a 1950 ainda contava com uma teia de comunicação muito fraca no território nacional - concentrada em algumas grandes 56

cidades e sem alcance para áreas rurais. A televisão surge no país em 1950 em São Paulo, em 1951 no Rio de Janeiro e em 1955, em Belo Horizonte. Silêncio – tema tratado por Renato Ortiz em seu livro Moderna tradição brasileira, debate pontos de vista da realidade brasileira. Ele afirma que há um silêncio sobre a cultura de massa até o final dos anos 60 no Brasil. O autor apresenta abordagens culturais que se diferem: Sílvio Romero e Gilberto Freire (mais conservadora); Mário e Oswald de Andrade (modernista); representantes do Estado Novo e da “Cultura Política” (estatal e autoritária), e aquela que chega com os movimentos culturais e estudantis (revolucionária). Relata que a tradição se faz assim, nesta permanência e diversidade. Porém o silêncio está presente na existência de uma cultura de massa e sobre a relação entre a produção cultural e mercado no país. O autor afirma que somente no final da década de 1960 é que se desenvolve um interesse maior sobre a cultura de massa – “o que marca e dá o tom dos artistas, é a questão nacional”. Ele afirma que as publicações como Anhembi (1950-1962), Revista Brasiliense (1955-1962), Revista Civilização Brasileira (1965-1968), Tempo Brasileiro (1962-1968) dificilmente abordam a temática da cultura de massa e que a Revista Brasiliense, por exemplo, em todo o seu tempo de existência não publicou texto algum a respeito da indústria cultural ou até mesmo sobre os meios de comunicação de massa. Renato Ortiz relata que a Anhembi, em 1956 insere uma coluna de crônicas – rádio e tv em 30 dias – que funciona mais como espaço de preconceito de intelectuais contra estes meios de comunicação do que a promoção de debates culturais. Em 1966, surge a publicação do primeiro artigo de Ferreira Gullar sobre estética – Problemas estéticos na sociedade de massa – em que a escola de Frankfurt é fundamento para suas reflexões culturais. Já a Revista de Civilização Brasileira publica em 1968, um artigo de Adorno e um de Benjamin, traduzidos por Fernando Peixoto e Nélson Coutinho, e a Tempo Brasileiro: um número especial sobre Comunicação e Cultura de Massa (ORTIZ, pp.13-15). Renato Ortiz (1994, pp.13-16) revela que no final dos anos 1960, “sugestivamente, é através da Escola de Frankfurt que a discussão sobre a sociedade e a cultura de massa se inicia nestas revistas”. É o momento em que alguns intelectuais no Brasil passam a sentir a necessidade de um leque teórico maior para compreensão da realidade brasileira. Nos debates ainda a questão nacional se faz preponderante, porém no final dos anos 1960-1970 – a luta contra o autoritarismo – se agrega. O momento era de luta – como adequar intelectualmente o ideário da Escola de Frankfurt ou o “pessimismo de Adorno” a uma realidade visceral de censura aos meios de comunicação? O autor responde: “onde o pessimismo frankfurtiano 57

fechava as portas, as análises gramscianas deixavam-nas abertas”. Ele complementa ao dizer que o instrumental teórico de Antônio Gramsci inspirou aquela geração de intelectuais:

É sintomático perceber que é nos anos 70 que o instrumental gramsciano se populariza como suporte para análises sobre cultura no Brasil. Suas ideias sobre guerra de posições, mas sobretudo sua concepção do Estado como campo de luta ideológica, permitiam aos intelectuais se autoconceberem como agentes políticos no embate contra o autoritarismo (ORTIZ, pp.13-16).

Antônio Gramsci (1978, pp.06-07) afirma que dentre as várias “categorias de intelectuais tradicionais”, os quais se consideram como formadores de um grupo autônomo, qualificado, independentes do grupo social dominante, podem estar acometidos por uma utopia, um “erro metodológico”, pois nem todo intelectual desempenha a função de intelectual na sociedade. O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato; da técnica-ciência e à concepção humanista histórica sem a qual se permanece “especialista” e não se chega a dirigente (especialista mais político) (GRAMSCI, 1978, p.08).

A questão dos partidos políticos e os intelectuais, por exemplo, segundo Antônio Gramsci (1978, p.14) se apresenta, para alguns grupos sociais, “como modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos”. Estes viviam com ideais e nervos à flor da pele. Segundo Daniel Pécaut (1990, pp.197-198), o golpe de 1964 trouxe uma grande desilusão para os intelectuais nacionalistas. Naquele momento poderia ser compreensível que a burguesia receosa optasse por certa face ilusória de ordem, mas houve espanto com a classe média e as massas que apoiaram os militares. O próprio posicionamento de algumas associações profissionais demonstrou claramente suas “simpatias”. O autor afirma que “em todas as profissões, a mudança dava lugar a ajuste de contas que nada tinham de glorioso. Isto ocorreu até nas universidades, onde nenhuma solidariedade profissional se interpôs para atenuar os desejos de desforra das maiorias silenciosas” (PÉCAUT, 1990, p.198). Ele afirma que a repressão se abateu sobre os intelectuais, mas que esta não pode ser comparada àquela que se abateu sobre os militantes populares e camponeses. E que após o primeiro momento de desorientação estes intelectuais nacionalistas tiveram a certeza que sua tarefa tornara-se algo de suma importância para a sociedade. 58

Repugnância e humilhação eram os sentimentos de muitos intelectuais intimados a responder aos interrogatórios militares; estes visavam, desordenadamente, às figuras intelectuais que, embora se inclinassem para o terreno nacionalista, jamais abdicaram de sua ética profissional (PÉCAUT, 1990, p.199).

Pressão psicológica, temor, perseguições, confrontos – verdades eram postas à prova. Que papel seria esse a assumir diante do obscurantismo que se apresentava na atmosfera política? O referido autor cita Carlos Heitor Cony, escritor da coluna do Correio da Manhã, que enfatiza em seus artigos o alerta aos intelectuais que atuem conforme o seu “papel social”. A publicação da Revista Civilização Brasileira em seu primeiro número propõe que a intelectualidade seja fiel à cultura brasileira e que cumpra uma tarefa dentro de uma linha independente e democrática (PÉCAUT, 1990, p.201). Leandro Konder (apud PÉCAUT, 1990 p. 202) afirma que os intelectuais não poderiam mais ser meros instrumentos à mercê do trabalho e interesses dos partidos políticos, como entendia o PCB. Conforme Daniel Pécaut (1990, p.202) os anos de 64-68 refletem maior autonomia intelectual que se impõe “com triunfo” no plano cultural. Num momento de forte repressão e ditadura, de onde surge a efervescência cultural neste país? Roberto Schwarz (1978 apud PÉCAUT, 1990, p.202) comenta que a presença cultural da esquerda não havia sido liquidada em 1964 e, contraditoriamente, cresceu extensivamente, “podendo ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio, cheias de marxismo, nas estréias teatrais, incrivelmente festivais e febris, às vezes ameaçadas de invasão policial [...]” Uma geração se faz em meio a livros, sonhos de liberdade e criatividade, ao vislumbrar imagens de um futuro mais justo e promissor para o país. Zuenir Ventura (2006) afirma: A geração 68 talvez tenha sido a última geração literária do Brasil – pelo menos no sentido em que seu aprendizado intelectual e sua percepção estética foram forjados pela leitura. Foi criada lendo, pode-se dizer, mais do que vendo. As moças e rapazes de então já começavam a preferir o cinema e o rock, mas as suas cabeças tinham sido feitas basicamente pelos livros (VENTURA, 2006, p.59).

O idealismo, cujo tom é dado pelos acordes da repressão e pela sonoridade artística, compõe a melodia da época. Zuenir Ventura (2006, p.63) comenta que a juventude lia como atualmente vê televisão, ou quem sabe, se possa dizer, usa a internet e redes sociais. Praticava-se a leitura dinâmica, devoravam manuais, cartilhas, em ânsias e perguntas entre amigos: “por quê? mas pra quê? você está lendo este livro?”. O autor prossegue ao relatar: “A obra aberta, de Umberto Eco, fornecia um excelente álibi para que se fizesse da leitura um 59

ato tão intencional quanto a escritura”. Desta forma, a leitura de um livro, filmes, exposições de quadros e toda a sorte de obras de arte possibilitariam a descoberta de códigos, significações e mensagens, até mesmo não percebidas pelo autor da obra. Segundo Zuenir Ventura (2006, p.63), independente da utilização que a juventude revolucionária fizesse de alguns autores, é óbvio que havia a curiosidade e o interesse no conhecimento e aprofundamento teórico. Isto só vem a comprovar o sucesso da Revista Civilização Brasileira, entre 1965 a 1969, sendo alvo de debates entre as duas esquerdas intelectuais: a revolucionária e a reformista. Ele cita autores importantes com os quais se tomou contato na época: “Walter Benjamin, Louis Althusser, Eric Hobsbawm, Adorno, Juliet Mitchell, entre outros”. Daniel Pécaut (1990, pp.254-255) afirma que o “antielitismo não está livre de certa soberba elitista” e revela que a criação cultural parecia estar sobre vigilância do próprio campo intelectual, ao dizer: “se não satisfizer os critérios da avaliação intelectual e não intervier a favor da revolução socialista, é facilmente suspeita de adesão às leis capitalistas, isto é, de consentir em se transfigurar em cultura dependente”. O autor diz que o cientista social, por sua vez, saía “de mãos limpas” sem deixar de forma alguma de ser prático, já que a sua práxis encontrava-se no campo intelectual. Segundo Heloísa Hollanda (1982, p.77) afirma que “a intervenção localizada, a valorização do corpo e a crítica ao intelectual literato” foram os elementos de maior destaque na produção cultural no período 1967-1968. A autora comenta as afinidades entre política e cultura: “envolvidas por um mesmo pathos, política e cultura pareciam expressar a mesma crise de uma ilusão”. Seria mesmo uma ilusão? Na década de 1960, o Brasil eclode em tropicália e contracultura. Contrastes entre grande produção cultural e literária, alegria e fé otimista precedentes ao golpe militar de 1964. Momento em que o autoritarismo não trouxe pessimismo e sim, uma reação debochada contra a repressão e a censura, jovens politizados, informados por movimentos similares nos Estados Unidos e Europa revelam uma duplicidade de atitudes: os da oposição de esquerda, que vestiram a camisa da luta armada e os politizados não-conformistas pacifistas, conhecidos pela adoção da política do “desbunde”. Silviano Santiago chama de uma reação “dionisíaca e nietzschiana” em resposta à imposição política (DUNN, 2007, p.71). Nesta atmosfera, Glauber Rocha afirma: “o europeu medita diante da vida e da morte. O americano vive a vida e a morte com objetividade, sem nuances. Por isto ri”. Hélio Oiticica diz: “o artista, não mais 60

como um criador para a contemplação, mas como um motivador para a criação” (SCHWARZ, 2007, pp.279-281). Protestos contra a guerra do Vietnã, em defesa da liberdade, prazer, igualdade entre os sexos e o sonho com uma nova sociedade, se disseminam nas relações entre poder e cultura e em Juiz de Fora, ocorre o mesmo: os jovens fazem da cultura uma arma de transformação política. Segundo Christina Musse (2008, p.26) são os “marginais” que, ao utilizarem a imprensa como arma, combatem “tudo aquilo que é oficial, burocrático, hierárquico, velho”. Desta forma Juiz de Fora recebe esta influência que acaba por contagiar o espírito daqueles jovens que desciam a Rua Halfeld, debatiam assuntos polêmicos em voga nos bares e “points” da cidade, ao mesmo tempo em que contestavam a realidade da época, viviam a riqueza e vigor entusiasta e imaginativo, ao elaborar planos futuros. 1.3.2 Juiz de Fora nos anos de 1960 Juiz de Fora, cidade contraditória: na tentativa de manter o tradicionalismo da família mineira, resguarda em seus lares as moças de família e padrões conservadores de uma aparente resistência cultural. Respira os ares cariocas por sua proximidade com o Rio de Janeiro e adquire a “mineiragem”, conforme aborda anteriormente Christina Musse (2008, p. 23). Assim, a cidade torna-se polifônica, polissêmica e abriga sonhos catalisadores da modernidade cultural francesa. Heloísa Hollanda relata que no período de 1961-1964 prevalece talvez a infantil crença da arte como poder de transformação política no mundo. O cinema nacional desponta como forma de conhecimento e expressão de um anseio à descolonização, ao deflagrar a fome, a temática nordestina, o povo marginalizado e excluído da dinâmica capitalista. A sensibilidade voltava-se para os problemas sociais brasileiros (HOLLANDA, 1982, pp.3243). Segundo Musse (2008, p.213), o cenário cultural dos anos 1960/70 classifica-se em três tendências assinaladas por Heloísa Buarque de Hollanda (1978) como: “participação engajada, explosão anárquica do tropicalismo e opção vitalista da produção alternativa”. Para Musse, o que caracteriza Juiz de Fora é a intelectualidade com anseios de transformação do mundo, por meio de um “engajamento populista”. Afirmara também haver certo “carioquismo” percebido nos juiz-foranos. Pelas ruas, bares e galerias da cidade, jovens, artistas e intelectuais nos anos de 1960/70 discutiam seus ideais e anseios de transformação da realidade. Sonhadores imbuídos 61

de grande espírito crítico buscavam, além de uma afirmação dos valores culturais brasileiros, um upgrade similar aos moldes europeus, o que resulta em uma influência francesa em Juiz de Fora. Sob a perspectiva de Gramsci Antônio (1978, p.14), pode-se dizer que estes jovens – intelectuais orgânicos – formaram um grupo social participativo, unidos pela visão ideológica, artística e filosófica, respeitando os diferentes posicionamentos políticos. Para Argan (2005, pp.234-235) “a cidade não se funda, se forma” e o que mantém e dissemina o “caráter de uma cidade” é o ímpeto, a pressão e a resistência existente no particular, em oposição à destruição do que tenha para um grupo, valor simbólico ou mítico. Há um consenso geral do grupo a este respeito, na multiplicação de ideais. O ideário da época começa a sofrer o impacto das imagens e de certo contato com a arte, facilitadas pelas mídias, cinema e televisão. Nas décadas de 60/70 há um boom visual com a televisão. Ela se impõe como “modelo dominante das mídias de massa”. Desta forma, a imagem surge com triunfo e forma de poder. A televisão se abre para a informação e o mundo, permitindo ângulos de visão inéditos e há um afastamento da “oralidade primitiva e da cultura escrita” (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, pp.73-78). Neste cenário, os intelectuais de Juiz de Fora passam por um processo de reflexão e valorização da cultura e anseiam por conhecimento, informação e arte. Giulio Argan (2005, p.74) afirma que a cidade real reflete as “dificuldades do fazer a arte” e as contradições circunstanciais. A cidade ideal, para ele, é um módulo em que se pode multiplicar ou dividir medidas, pois estas guardam uma proporção que possibilita a permanência de sua substância. Em busca da defesa e manutenção desta “substância” que preenche o imaginário local é que esta pesquisa se desenvolve. O dinamismo de uma geração de artistas e intelectuais cujas narrativas traduzem-se em uma seqüência espaço-temporal, combinam coordenadas capazes de expressar identidades localizadas em um espaço-tempo simbólicos. A influência européia na cidade era muito mais perceptível que a colonial. O estreito vínculo com o Rio de Janeiro trouxe anseios, aos jovens, de civilizar-se nos moldes dos centros europeus. “Seus teatros, cinemas e intensa atividade literária refletiam a vontade de criar uma nova imagem para a cidade16, fugindo à tradição escravista”. Conforme a professora Ana Mae Barbosa (2009) “não podemos entender a cultura de um país sem conhecer sua arte”. Sob este olhar, se aprofunda este estudo sobre a cultura, por meio da arte local.

16

HISTÓRIA de Juiz de Fora. Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/historia.php>. Acesso em: 15 de agosto de 2010.

62

Os anos de 1940 e 1950 se caracterizaram pela expansão cultural de essência modernista, que veio a culminar em atividades artísticas em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Surgia a conhecida Geração 45, de intelectuais no Rio e em São Paulo, composta, de certa forma contraditória, por artistas imbuídos em uma trajetória modernista e escritores que expressavam certo conformismo. Talvez fosse a resposta possível aos reflexos políticos dominantes naquele contexto. Mauro Werkema (2010, p.230) assinala esta fase apontando, mais à frente, o grande desabrochar cultural nos inícios dos anos 1960, bem como a repressão ao florescimento de um ideário reacionário que surgia na juventude questionadora daquela época. A condição geográfica de Juiz de Fora que a mantinha distante de Belo Horizonte, seja pelas dificuldades de acesso a estradas que deixavam muito a desejar, não favoreceu contatos suficientemente capazes de trazer repercussões culturais da capital mineira. Havia um fator de peso na mentalidade juiz-forana de decepção em relação à possibilidade de ser a capital, na condição de pólo indústria e cultural. Belo Horizonte foi planejada e construída para ser a capital do estado. Cria-se neste momento certo ressentimento. Em contrapartida, pela mesma condição geográfica peculiar de proximidade com o Rio de Janeiro, possibilitou certo intercâmbio cultural e artístico que, de maneira impensável, tornou a cidade um pólo cultural difusor de ecos e receptor das vibrações culturais disseminadas pela Europa. Apesar do distanciamento configurado entre as faculdades existentes na cidade, a rua Halfeld concentrava estudantes e personalidades diversas em grupos de amigos que comungavam ideais com reciprocidade. Havia a efervescência – uma verdadeira ebulição cultural. Estes encontros ocorriam continuamente em espaços específicos. A Livraria Sagarana, aberta em 1967, na Rua São João, a um quarteirão de distância da Halfeld, descreve Musse (2008, p.148), dispunha de um acervo ricamente variado e atualizado, fechado posteriormente pela ditadura. A autora comenta que Rogério Bitarelli Medeiros 17 relembra com saudades deste espaço considerado “antro subversivo”, cujo acervo invejavelmente fantástico mantinha-se por meio do intercâmbio com a Editora Civilização Brasileira e permitia o acesso a publicações de grande relevância dos “intelectuais de frente”. Outros locais de reunião como os bares Jota Chopp, Chanan, os cafés Salvaterra e Astória reuniam a juventude intelectualizada e participante do universo cultural em tempos de repressão. Giulio Argan (2005, p.73) afirma que uma cidade não é apenas “um invólucro ou 17

Rogério Bitarelli Medeiros. Doutor em sociologia da arte, pela Universidade de Paris VII, com tese sobre o Cinema Novo brasileiro. Professor titular de Teoria da Imagem da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi colaborador do Suplemento Arte & Literatura do Diário Mercantil e do Jornal O Sete. Foi um dos mais atuantes membros do Centro de Estudos Cinematográficos no período em que este cineclube funcionou agregado à Galeria de Arte Celina.

63

uma concentração de produtos artísticos, mas um produto artístico ela mesma”, ao explicitar a seguinte fala de Lewis Mumford: “A cidade favorece a arte, é a própria arte”. A Galeria de Arte Celina - GAC - era a cidade transmutada em arte. Em depoimento, Affonso Romano de Sant’Anna18, poeta e intelectual19 presente neste entrelaçamento de ilações e aspirações da época relembra: Quando aí vivi até 1957, convivi com a família Bracher. Sempre foram os animadores culturais da cidade através da música e da pintura. Cantei no coro regido pela Dona Hermengarda, mãe dos Bracher. Lembro-me ter criado o CEC Centro de Estudos Cinematográficos de onde saíram alguns críticos e jornalistas como o Geraldo Mayrink e o Flávio Marcio. A cidade estava se transformando [...] Eu já havia saído para Belo Horizonte em 1957 e lá fiquei até 1965 quando fui para os Estados Unidos, mas recebia sempre notícias de que a Galeria havia se transformado no point cultural da cidade. Ao que eu sei, a Galeria foi a primeira no gênero em Juiz de Fora: em outras partes do mundo estava ocorrendo uma mudança quanto ao espaço cultural. Eu estava na Califórnia, vendo surgir os hippies, tipos diferentes de lojas, roupas, contestações. Como dizia Bob Dylan: “…something is happening here, but you don't know what it is… Do you, Mister Jones?”(SANT’ANNA, 2011).

A artista plástica Nívea Bracher (2011a) e amiga Affonso Romano de Sant’Anna, sob este aspecto, responde: “o que havia de fantástico em Juiz de Fora era a conexão com a contemporaneidade – a sincronia com as manifestações artísticas internacionais da época: seja na arte, na música, no cinema, seja nos movimentos revolucionários estudantis, como os de 1968...” Seu irmão, artista e arquiteto, Décio Bracher, complementa: “aprendi mais arte nos cafés de Juiz de Fora do que na faculdade”. Carlos Bracher, artista e irmão caçula da família relembra com emoção: “Juiz de Fora anos 60 era um estado de êxtase – parecia que pairávamos pelos ares, onde os sonhos se tocavam e as belezas se expandiam”20. A sonoridade, assim como o sabor pela cultura é marcante em Juiz de Fora. É uma cidade polifônica; polissêmica – multicultural. Sonora não só pela memória dos antigos apitos de suas fábricas, ou pelo imaginário de Murilo Mendes com pianos a cercar a cidade por todos os lados, mas, sobretudo por certa propensão: diria ‘uma química – uma genética’, uma tendência real da juventude em conhecer, assimilar o novo e a criar. Há uma frase popular na

18

Entrevista de Affonso Romano de Sant’Anna, 21 de julho de 2011, Rio de Janeiro [via e-mail]. Affonso Romano de Sant' Anna. Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais, com tese sobre Carlos Drummond de Andrade. Publicou seu primeiro livro de poesia, Canto e Palavra, em 1964. Na época, já trabalhava como colaborador em periódicos como Estado de Minas Gerais, Diário de Minas, Tendência e Leitura. Foi professor na Universidade do Texas (Estados Unidos), na Universidade de Colônia (Alemanha) e na Universidade de Aix-en-Provence (França). Foi também professor do Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ (1970/1983). Entre 1990 e 1996 foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional. 20 Entrevista com os irmãos Bracher, Castelinho dos Bracher, 08 de fevereiro de 2011a, Juiz de Fora. 19

64

cidade que diz: “Juiz de Fora exporta talentos”. São muitos exemplos na literatura, no teatro, nas artes plásticas e na música, até os dias de hoje. Na década de 1960, a Galeria de Arte Celina funcionou como mola propulsora para alguns artistas e intelectuais, como um start em suas carreiras futuras. Esta abordagem será comentada no capítulo 4. A face musical da cidade é perceptível – marcante. Destacam-se os Festivais de Música Popular Brasileira de Juiz de Fora, realizados na cidade causando um grande frisson. Foram cinco Festivais, desde 1968 a 1972, divulgados pelas emissoras de televisão da época. Em 1970, Juiz de Fora vê surgir um de seus maiores expoentes artísticos: O Centro Cultural Pró- Música21. Inicialmente foi criado para a difusão da música, porém a entidade se solidificou e expandiu seu campo de atuação, se enveredando pelo campo das artes plásticas, da dança, do estudo de instrumentos antigos e da cultura musical moderna, distribuídos em 50 cursos oferecidos à cidade. Há 24 anos, a instituição demonstrou coragem e deu um passo significativo para o que é hoje o maior evento cultural de Juiz de Fora: o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga22. O Festival é conhecido em todo o país e reconhecido no exterior. A diretora da entidade, Maria Isabel Souza Santos, sempre esteve à frente da instituição e se orgulha de ser parte desta história. Segundo Nívea Bracher (2010c)23, O Centro Cultural Pró-Música, surge na cidade como espaço de cultura que decorre naturalmente das “sementes provenientes da Galeria de Arte Celina". As memórias individuais se complementam na dimensão da memória coletiva nestes anos de chumbo e estão vivas até hoje. Tempos de repressão – tempo de criatividade – tempo de resistência: a cor que sublima a dor. A arte, a literatura, o teatro, a dança e a música configuram-se como válvula de escape, buscando apaziguar, suplantar o medo e os fantasmas de algo que marca a cidade, a cultura e os sonhos de juventude: a ditadura.

21

Patrimônio imaterial de Juiz de Fora, o Festival é detentor do Troféu Guarany do Prêmio Carlos Gomes, do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do Ministério da Cultura, e da Ordem do Mérito Cultural, insígnia concedida pela Casa Civil da Presidência da República. Em sua primeira edição depois da incorporação do Centro Cultural Pró-Música pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o Festival amplia o espaço para sua vertente acadêmica. FESTIVAIS anteriores. Centro Cultural Pró-Música. UFJF. Disponível em: Acesso em: 04 de dezembro de 2012. 22 Os Festivais Internacionais de Música Colonial Brasileira e Música Antiga podem ser acessados, para maiores informações no site oficial. FESTIVAL Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga [23º].Centro Cultural Pró-Música. UFJF. Disponível em: Acesso em: 04 de dezembro de 2012. 23 Entrevista com Nívea Bracher, Castelinho dos Bracher, 26 de agosto de 2010c, Juiz de Fora.

65

1.3.3 Face da ditadura São estas dimensões históricas e as dimensões da memória que atravessam de forma dinâmica os espaços temporais. Conforme revela Halbwachs (2006, p.30) as lembranças permanecem coletivas e podem ser lembradas por outros, mesmo que ainda se trate de circunstâncias que somente nós presenciamos. Ele afirma: “não é preciso que os outros estejam presentes, materialmente distintos de nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não se confundem”. O historiador francês Henry Rousso24 (2002, p.95) revela que “a história da memória tem sido quase sempre uma história das feridas abertas pela memória”, e remover as camadas do passado nem sempre é uma tarefa prazerosa. Certo é que a cidade de Juiz de Fora sempre procurou ressaltar suas faces da industrialização e cultura e buscou ocultar a face dolorosa e repressora. Revela-se agora a face mais escondida – a face que a cidade sempre quis esquecer – a face da ditadura. O professor Hélio de Almeida Fernandes (2010)25,opositor à ditadura, disse que uma profunda característica da cidade de Juiz de Fora era a repressão – sempre. Ele ria ao propor que se imaginasse a liberação sexual em Juiz de Fora naquela década – cidade tão radical. Ele afirmava que a repressão aqui era terrível; talvez fosse muito maior que em outros lugares e que de repente as coisas mudaram... e as pessoas não compreendiam muito bem... Havia muito radicalismo. O ano de 1968 era tido na história como “o ano que não terminou” – ele relembrava: “até o Zuenir lançou o livro com este nome, explicando a sua visão a respeito. Na verdade, parece que 1968 foi o ápice da década de 1960, quando todo mundo começou a ter uma perspectiva de mudança. E essa, iria eclodir de 1968 até o ano de 1970”. Hélio Fernandes afirmava que os jovens da época apanhavam de todos os lados e que, esta cidade, era devedora deste país, porque essa “desgraça começou aqui” e complementa: Os anos 60 foram marcados também pelo movimento militar, que teve início real nesta cidade. É claro que o movimento não nasceu aqui – claro que não – mas aqui foi o primeiro ato concreto do golpe militar – “foi daqui” de Juiz de Fora. Aqui em Juiz de Fora já havia muita gente presa antes do 31 de março e o Brasil nem sabia que havia um golpe a caminho. O Rio de Janeiro não sabia disso. Nós conseguimos avisar muita gente no Rio de Janeiro sobre o que estava acontecendo. Historicamente esta cidade teve a triste sina de abrigar o princípio do movimento de 64 e isso daí ninguém conseguiu até hoje ter um distanciamento crítico para dizer o que é que foi aquele 24

É um historiador francês especializado na Segunda Guerra Mundial na França. Entre os trabalhos de Rousso está a obra sobre a França de Vichy. Em Le Syndrome de Vichy, de 1987, encontra-se a frase amplamente conhecida para descrever aquele período da história francesa: passé qui ne passe pas ("passado que não passa"). 25 Entrevista realizada no Castelinho dos Bracher, no dia 13 de setembro de 2010, Juiz de Fora.

66

movimento para nós. Aquilo acabou com a nossa vida. Terrível. Terrível. As forças antagônicas eram muitas, elas se aclararam – quem era quem – deu para saber quem estava de qual lado e até a que ponto estava. Este “golpe baixo” que eles chamam de revolução. Essa cidade é devedora do país, porque essa desgraça começou aqui. Então tem que ter algo para compensar isso que foi o golpe militar, entende? A cultura... isso aqui26, os Bracher, a arte... (FERNANDES, H.A, 2010)

O artista plástico27 Eugênio Malta

28

(2014a), que contribuiu literariamente com o

Suplemento de Arte & Literatura do DM, Diário Mercantil e para o Jornal O Sete, afirma que “não existe fato de maior peso significante, nos anos 1960 em Juiz de Fora, do que o golpe de 1964. Nem o assassinato do John Kennedy, no ano anterior, marcou tanto para Juiz de Fora e o Brasil, que o golpe militar nascido e desencadeado pelo golpista General Mourão Filho da 4ª Região Militar”. Ele relembra, inclusive, que a Galeria de Arte Celina abriu suas portas no ano seguinte, em 1965 e complementa: “sua existência é na segunda década dos anos 60, quando, após intensa atividade com palestras, cursos, exposições e debates livres, atinge o topo, nos anos seguintes, com o singular Prêmio de Viagem à Europa obtido pelo Carlinhos Bracher”. Segundo José Luiz Ribeiro29(2012), diretor do Grupo de Teatro Divulgação, o ano de 1964 foi um ano muito terrível para a classe estudantil, principalmente para os universitários, por ser o ano em que acontece o golpe de 1964, depois 1968 quando surge o AI 5 - mas considera ser também um período muito rico de efervescência. Ele comenta: “Vivíamos um tempo em que nós líamos muito. Para sermos aceitos em determinado grupo nós tínhamos que ler determinados autores”. Ele que relembra: “havia vários pontos: a Livraria João XXVIII, a Sagarana. Pontos em que as pessoas se reuniam, circulavam por ali e a Galeria de Arte Celina era um deles”. Então... Havia o grupo de intelectuais, o grupo de artistas, o grupo do cinema, o grupo do teatro e todos se interligavam muito, porque havia também o velho Chanan, onde as pessoas se reuniam. E lá estava a Sueli Costa tocando música, Caetano Veloso, Sidney Miller, principalmente em 1968, quando aconteciam grandes festivais, com pessoas muito importantes, como Maurício Tapajós... A década de 60 era um tempo de felicidade... em 26

“Isso aqui” – neste momento, o entrevistado se refere ao Castelinho dos Bracher, local da entrevista, como um ícone da cultura local. Ele mostra com um gesto. Lá foi local de reunião dos artistas, intelectuais, que depois passaram a freqüentar a Galeria de Arte Celina. 27 Eugênio Malta nasce em Juiz de Fora, em 1945. Artista plástico. Colaborou intensamente no Suplemento Arte & Literatura do Diário Mercantil (1968/1970) e no Jornal Sete (1970). Enturma-se ao Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora, CEC/JF e passa a frequentar a GAC, em seu período mais significativo e efervescente. Em 1985, muda-se para os EUA/New York e trabalha como desenhista de projetos. Recebeu a Medalha Prêmio Nobel da Paz 1988, por ter integrado as Forças de Manutenção de Paz das Nações Unidas, laureadas com este prêmio no referido ano. 28 Entrevista com o escritor Eugênio Malta, 16 de maio de 2014a, New York [via e-mail]. 29 Entrevista com José Luiz Ribeiro, 01 de outubro de 2012, Juiz de Fora.

67

que a gente podia ‘falar mal o tempo todo da ditadura’ - num certo sentido e discutia-se tudo (RIBEIRO, 2012).

As causas populares se misturavam aos anseios de liberdade. “Eu me lembro da propaganda de uma marca de Jeans que cantava na TV: ‘liberdade é uma calça velha desbotada’. E que isto irritava muito a esquerda na época da ditadura” (YAZBECK, I., 2005, p.16). Desbotada e sem cor – velha – por estar desgastada, cansada, sofrível, massacrada ou por ser despojada, desafiadora, desleixada? Não se pode afirmar com precisão. Há que se perceber nas entrelinhas, silêncios, narrativas, memórias coletivas e diálogos, nos documentos, que surgem no decorrer desta pesquisa. Os aspectos sociológicos – relatos etnográficos urbanos - que contextualizam realidades de um grupo social mineiro cujo locus é a cidade juiz-forana em 1960/70, trazem indícios que permitem verificar a mola desencadeadora que moveu intelectuais e artistas a criar uma Galeria de Arte: um marco para aquela geração. “A cada derrubada das provas, o poeta responde com uma salva de futuro”. René Char30

30

(CHAR, apud MAFFESOLI, 2010, p.1)

68

2 ORIGENS E TRAJETÓRIA DAS ARTES PLÁSTICAS EM JUIZ DE FORA

Segundo Alfredo Bosi (1992, pp.308-309), costuma-se falar em cultura brasileira como se houvesse uma unidade capaz de aglutinar todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Cultura bororo, cultura nhambiquara, cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças, cultura erudita, cultura popular, cultura criadora, cultura de massas, cultura de consumo e tantas outras denominações. Os critérios, nomenclaturas mudam, “podem e devem mudar. Pode-se passar da raça para a nação, e da nação para a classe social” – do singular ao plural, “o reconhecimento do plural é essencial”. Zonas de fronteira, como por exemplo, cidades cosmopolitas, não se tornam apenas locais de encontro – mas de “interculturas”31 – transformam-se em espaços de sobreposições ou interseções entre culturas. Cria-se algo novo (BURKE, 2003, p.73). Juiz de Fora não chega a ser propriamente uma cidade cosmopolita, mas pode-se dizer que é uma zona de fronteira/encontro, pela própria condição geográfica, facilitadora de intercâmbios, como também por sua gênese encadeada à constituição da estrada. Segundo Mauro Werkema, nas décadas de 1940 e 1950, com o decorrer natural do movimento modernista mineiro e dos governos de Milton Campos e Juscelino, floresce em Minas, em Belo Horizonte, e demais cidades mineiras, expressivas atividades intelectuais e de criação artísticas. O autor afirma: “essa movimentação se contrapunha ao que ocorreria no Rio e em São Paulo. Com a chamada Geração 45, que continha os ímpetos criadores do modernismo e passava a uma literatura conformista, condizente com a época de reconstrução econômica e ajuste político do pós-guerra”. Ele complementa ao dizer que já na década de 1960, como consequência dos movimentos populares que visavam reformas sociais de base no país e que mobilizaram, envolvendo diversos setores da sociedade, destacam-se aqui os – os Festivais de música – patrocinados pelas emissoras de TV e o – movimento estudantil – com o Centro de Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, “inicia-se novo ciclo de efervescência artística. Esse surto cultural será sufocado e interrompido pelo corte abrupto, reacionário e abrupto, reacionário e retrógrado imposto pelo golpe militar de 1964 a todo país” (WERKEMA, 2010, p.230). Clifford Geertz (2008, p. 20) em seu livro A interpretação das Culturas afirma que “as formas da sociedade são a substância da cultura” e assim como o autor argumenta com o 31

“Em ‘intercultures’, Anthony Pym, Method in Translation History (Manchester, 1998), pp.177-192” (BURKE, 2003, p.73).

69

exemplo de que “um recado numa garrafa” de aspecto tão inocente, é muito mais do que um retrato das estruturas de significado de diferentes povos, pode-se aplicar a metáfora a esta pesquisa, pois na interação e integração com as pessoas da época, ao buscar seus relatos, narrativas e memórias, estes “recados das garrafas” que foram surgindo, pequenos indícios, rastros, silêncios partilhados, experiências de grupo e seus códigos, que principalmente tornaram-se visíveis através da arte como uma marca, são as pinceladas deste quadro que se constrói a cada depoimento. Segundo o autor, “a etnografia é uma descrição densa”: O que o etnógrafo enfrenta, de fato — a não ser quando (como deve fazer, naturalmente) está seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados — é uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis de atividade do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traçar as linhas de propriedade, fazer o censo doméstico... escrever seu diário. Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de "construir uma leitura de") um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 2008, p.07).

Nesta pesquisa, as narrativas tornam-se documentos visuais – tornam-se textos visuais – que recompõem a imagem da Galeria de Arte Celina, perdida talvez individualmente, mas que agora se torna uma imagem visível a partir da memória coletiva da cultura local. Este espaço vai sendo reconfigurado, reconstruído como imagem. Esta perspectiva vem de encontro ao conceito de cultura defendido Clifford Geertz como puramente semiótico. Para o autor, o ponto global da abordagem semiótica da cultura é “auxiliar-nos a ganhar acesso ao mundo conceptual no qual vivem os nossos sujeitos, de forma a podermos, num sentido um tanto mais amplo, conversar com eles” (GEERTZ, 2008, pp.10-17). Busca-se captar a “paisagem incorpórea” daquela época, assim como a “paisagem incorpórea” da Galeria de Arte Celina, mediante uma análise e avaliação das conjecturas alcançadas. Diante deste cenário que veio influenciar a cidade de Juiz de Fora, seja pelas condições de proximidade com o Rio de Janeiro e distância da capital mineira, ou por questões culturais sedimentadas na formação da cidade, torna-se fundamental observar aspectos da cultura local. Deve-se analisar a ambientação, a atmosfera de pensamento da intelectualidade e os movimentos dos artistas – ou seja, os locus de formação, os “mapas” de percurso (CERTEAU, 2005, p.204). Trata-se, neste capítulo, de conhecer um espaço: a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e de alguns atores sociais – personagens - que 70

integram o corpo dos fenômenos culturais desta cidade – intelectuais e artistas. Juiz de Fora é uma cidade multicultural, uma cidade plural. Para Michel de Certeau (2005, p.209), “o relato tem um papel decisivo”, “toda descrição é mais que uma fixação, é um ato culturalmente criador”. John Thompson (2001, p.181) desenvolve uma concepção estrutural de cultura baseando-se na abordagem da concepção simbólica formulada por Geertz, que procura definir esta “análise cultural” como sendo o estudo das formas simbólicas, ou seja, “ações, objetos e expressões significativas de vários tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados, dentro dos quais e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas”. O autor distingue cinco características de formas simbólicas, em seus aspectos: intencionais, convencionais, estruturais, referenciais e contextuais, (não necessárias aqui, descrições detalhadas). Serão abordadas, ao longo do texto, as formas simbólicas: convencionais, referenciais e contextuais, à medida que se apresentarem os fenômenos culturais – percebidos como manifestações culturais. Portanto, para JonhThompson, “os fenômenos culturais devem ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados”. A análise cultural deve ser feita a partir do estudo da “constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas” (THOMPSON, 2001, p.181). Desta forma, as rotinas, atividades, cotidiano, o modus vivendi, recordações, memórias coletivas, espaços afetivos frequentados, habitus, deslocamentos destes atores sociais – artistas e intelectuais – são significativos na expressão das manifestações culturais de Juiz de Fora. São as narrativas - estes fragmentos, as “histórias biográficas, cujo espaço, fundamentam” (CERTEAU, 2005, p.211). 2.1 Sementes de um ideário cultural em Juiz de Fora: a voz de intelectuais e artistas “A vida é para ser vivida e para ser contada”, assim fala Décio Bracher 32 (2012b). São as narrativas que reconstroem artesanalmente, palavra por palavra, na expressividade de gesto após gesto, a configuração de imagens mentais que se internalizam em cada ser humano, e que proporcionam um viver e reviver espaços temporais que já se foram. A perspectiva de olhar que se debruça sobre um contexto não deve se prender apenas por fatos históricos, mas deve se adentrar pelos habitus, costumes e trajetos dos atores sociais (CERTEAU, 2005, pp.203-205) em Juiz de Fora: intelectuais e artistas. Atores sociais que se 32

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

71

inserem como peças fundamentais para a composição de um quadro, como uma tela que retrata a Galeria de Arte Celina - GAC. A partir destes múltiplos olhares e vozes, se pretende alcançar esta imagem ainda viva na memória coletiva local – a Galeria. Assim, num contraste entre figura e fundo, a figura principal irá se destacar, a partir deste pano de fundo: o terreno fértil que propiciou o ideário cultural e artístico. As memórias individuais irão compor o tecido e a atmosfera da época. Segundo Ferdinand Tönnies (1947, p.21) a comunidade é a vida em comum, duradoura e autêntica; já a sociedade é apenas a vida em comum, passageira e transitória. Ele afirma que a própria comunidade deve ser entendida como um organismo vivo, e a sociedade como um agregado, como um artefato mecânico. Compreender o universo de uma comunidade e os movimentos de suas constelações requer uma visão da realidade, mesmo que parcial, que estabeleça relações com o contexto geral da época, pois o espaço temporal de 54 anos, que distanciam esta pesquisa, agora em 2014 e a década de 1960, depara-se já com a ausência de várias pessoas importantes do cenário cultural de Juiz de Fora. O autor complementa ao afirmar que todo o real é orgânico, e só pode ser concebido em sua engrenagem com a realidade total, que determina sua condição e seus movimentos. (TÖNNIES, 1947, p.21) O que se busca é exatamente a autenticidade duradoura nos depoimentos possíveis, que permitam ainda alcançar essa dimensão da realidade orgânica que abrigou o surgimento da Galeria de Arte Celina e as dinâmicas que envolveram estes artistas e intelectuais. Em entrevista concedida em maio de 2012, o escritor Fuad Yazbeck33 descreve como seriam os intelectuais e a atmosfera daquela época na cidade, fazendo relato através de uma pequena anedota, de um grande amigo já falecido, o Daniel Ribeiro do Vale, advogado de bastante prestígio em Juiz de Fora, mas que era também um ‘grande gozador’. Ele dizia que ‘Juiz de Fora podia se dividir entre os dois bares, os mais populares da época: a Leiteria Astória, que ficava na esquina da Av. Rio Branco, onde hoje é a loja Arpel e o Café Salvaterra, onde atualmente é o Banco Bradesco, na esquina da Praça do Teatro Central’. Ele prossegue ao dizer que o Salvaterra possuía o ar mais parisiense, com cadeiras e mesas ao ar livre, sob a marquise... ‘E que a juventude de Juiz de Fora se dividia em dois grupos’: “os intelectuais e os frívolos”. “Os intelectuais frequentavam o Astória e os frívolos, frequentavam o Salvaterra”. (Fuad Yazbeck sorri neste momento - algumas risadas). Ele afirma: 33

Entrevista com Fuad Yazbeck, em 14 de maio de 2012, Juiz de Fora.

72

De fato, no Astória frequentavam: o Rogério, o Geninho, o Décio Bracher, o Helinho Fernandes, por algum tempo chegou a ser frequentado pelo Affonso Romano de Sant’Anna, e outros. Então essa juventude, chamada de intelectual, frequentava o Astória, claro que essa divisão é em função apenas da piada do Daniel, porque é claro que havia muita gente que não frequentava o Astória (YAZBECK, F., 2012).

Jean Duvignaud (1970, p. 83) afirma existir a “predominância dos Nós” nas relações com os outros, nas “relações tribais e clãnicas” e que estas comunicações resultam “do que Mauss chamou de 'troca generalizada' e de “circulação intensiva de substância social em todo o grupo”. Sobre a questão dos grupos e tribos que se formavam naquela década, Fuad Yazbeck (2012) relembra que havia a “patota”, não saberia dizer se isto seria uma característica brasileira ou uma questão universal - o “patotismo”. E disse:

Havia o grupo de intelectuais, havia o grupo de cinema, o grupo de teatro e isso não os impedia de se contatarem uns com os outros. O Rogério tinha lá o seu grupinho de cinema, assim como uma parte do pessoal da pintura, o Carlinhos, o Dnar, o Stehling, Jayme Aguiar, Renato de Almeida, e tantos outros que privilegiavam a pintura, e eu creio que isto é universal (YAZBECK, F., 2012).

Michell Maffesoli (2010, p.129) afirma que mesmo que seja banal dizer, não se deve ter receio de repetir que “a originalidade do procedimento sociológico reside no fato de que ele se apoia na materialidade do estar-junto – prevalece a ideia do acoplamento”. Segundo Fuad Yazbeck (2012), os iguais procuram os seus iguais. “Os pintores procuram os pintores, os escritores procuram os escritores, os poetas não querem conviver muito com quem não seja poeta”. Yazbeck (2012) relembra que em Juiz de Fora não havia animosidade ou rivalidade, do ponto de vista intelectual, pelo contrário. Revela que muitas vezes esses grupos se encontravam pra mesclar as ideias que pudessem ter em comum. E que não seria difícil encontrar alguma ideia em comum entre o cinema e a poesia, entre a literatura e a pintura. Haveria pontos de contato, então comenta: “e nesse aspecto – digamos, o pessoal da época, se entrosava e debatia e isso. A meu ver, se formou uma geração bastante diferente das gerações de hoje, que eram gerações multidisciplinares” – pessoas, com quem se podia debater cinema, pintura, literatura, poesia. Claro, sem a devida profundidade, quando fora da sua especialidade da área de interesse de cada um, mas ainda assim, alguém seria capaz de debater. “Um pintor que é capaz de falar de poesia. Hoje já não sei dizer como as coisas estão, pela minha idade. Se hoje houvesse o Café Astória eu não seria mais um frequentador assíduo... eu e os demais...” 73

Ao mesmo tempo em que a efervescência marcava sua presença na cidade, a repressão era ostensiva. A censura na época almejava cidadãos, profissionais e intelectuais que reproduzissem o sistema imposto. Uma juventude engajada em valores nacionais, com consciência crítica e organizada, era a mais temível pelos militares. Alfredo Bosi afirma: A instituição da censura é o signo ostensivo que mais preocupa os intelectuais. Esse pragmatismo de curto fôlego, que sacrifica Ciências Humanas e Sociais e os projetos científicos mais desinteressados nas suas várias áreas, é útil ao sistema imperialista quando conjugado com o Estado autocrático; para essa aliança nada mais incômodo do que o florescimento de uma cultura técnica nacional autossuficiente ou de uma cultura crítica organizada: uma e outra viriam pôr em risco o triunfo da tecnologia importada e da retórica vigente para uso interno (BOSI, 1992, p.340).

Segundo Duvignaud (1970, p.83), nas sociedades de fraca extensão ou em período “quando se constitui o que Durkheim chama de meio efervescente”, quer seja na calma ou no cotidiano, as formas artísticas recebem repentinamente “uma carga de emotividade e afetividade”. Não somente por concentrarem o “mana coletivo”, mas por constituírem “elétrons de significações imediatamente comunicáveis” – “figuras plásticas”. Estas se encontram “no ponto de interseção de significantes e de significados”. A realização efetiva desta síntese entre significantes e significados se dá na “adesão afetiva e presente de todos os participantes”. Sob esta perspectiva, o autor comenta sobre as sociedades tribais em que as figuras estéticas fazem circular a substância social. Para tal, isto será perceptível nas etapas ou “estações”, conforme aborda Duvignaud. Esta “substância social” se faz presente nos bares, nos debates e embates, nos shows, nos festivais de cinema, nos ateliês dos artistas, nas apresentações de teatro, nos corais, nos recitais de música, sarais, nas exposições, nas publicações dos jornais, nos cursos, nas performances, danças, programas de rádio, exposições e demais manifestações culturais. Sobre esta amálgama que torna possíveis, interseções simbólicas para alcançar um “mana coletivo”, a artista Nívea Bracher (2010a)34 relata: “Inegavelmente, como dizia muito bem a minha amiga Fayga Ostrower, somos influenciados - existem as famílias artísticas. No momento em que a gente se sintoniza com um tipo de arte, nos ligamos com aquela sintonia”. Para este fluxo, esta reciprocidade na arte, assim como para a emoção, não existe fronteiras e Nívea complementa ao dizer:

34

Entrevista realizada com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher Juiz de Fora.

74

Juiz de Fora é uma cidade muito interessante. Ao mesmo tempo em que existe um Municipal no Rio, constrói-se um Cine Teatro Central em Juiz de Fora, quer dizer, existe uma cultura de base nesta cidade. Nós tivemos muitos imigrantes, a miscigenação estava acontecendo aqui. Nós somos o resultado disso tudo. As óperas estavam acontecendo lá e cá. Quando a ópera acontece aqui nós temos a emoção verdadeira, não importando se é da Itália – a emoção é a emoção (BRACHER, N., 2010a).

Conforme depoimento do jurista35 Nilo Batista36, que na década de 1960, quando era estudante de Direito na UFJF, encenou peças de teatro na cidade, na GAC e depois no Rio de Janeiro, “havia em Juiz de Fora, uma atmosfera propícia à criatividade e o convívio com os Bracher foi um marco para a cidade e para todos nós”. Para o crítico de arte e curador37 Márcio Sampaio38 (2013), que conheceu a GAC, a cidade era (como crê que seja ainda hoje) o território mental de transição entre Belo Horizonte e Rio: “de Belo Horizonte a Juiz Fora, estamos indo para o Rio, de Juiz de Fora em diante, estamos chegando...” Com isso ele afirma que Juiz de Fora tinha um caráter de pré-metrópole, uma promessa. Mas na cidade propriamente dita, a atmosfera era diferente, menos provinciana, mais moderna que as cidades mais novas de Minas. “Exibia o encanto das edificações neoclássicas, a atmosfera do gosto italiano e alemão. Não a cidade colonial, mas a cidade imperial por excelência... apontando para a modernidade que lá havia se instalado”. O que o encantou mais, além do pessoal com quem teve contatos, foi o Museu Mariano Procópio: “me deixou extasiado na primeira vez que o visitei, ainda com uma museografia acadêmica. Mas registrava de maneira exemplar, um período áureo, em que homens e famílias voltavam-se para fora, para o litoral, com a promessa da travessia para a Europa (mesmo que uma travessia na imaginação)”. A partir daí ele acredita que o gosto e a mentalidade progressista moderna, já se ostentavam desde o início do século XX na cidade. Ele afirma que seria essa mentalidade, este gosto pelo novo, que haveria de mobilizar os artistas mais jovens (em contraposição aos modernos já de certa maneira assentados numa postura quase acadêmica, de estabilidade estilística e comportamental), para uma pequena revolução que veio a se efetivar ao final dos anos 1960, especialmente com a criação da Galeria Celina, núcleo do movimento de vanguarda que tão bons frutos iriam dar (SAMPAIO, 2013). 35

“Nilo Batista nasceu em 1944, em Natal. Foi promotor de Justiça do estado da Guanabara em 1970 e notabilizou-se por defender os presos políticos durante o regime militar. Em abril de 1994, assumiu o governo do estado em substituição a Brizola, que deixara o cargo para concorrer às eleições presidenciais de outubro”. BIOGRAFIAS. Nilo Batista. Disponível em: Acesso em: 03 de agosto de 2014. 36 Entrevista realizada com Nilo Batista, em 07 de novembro de 2012, Santa Tereza, Rio de Janeiro. 37 Márcio Sampaio nasceu em Santa Maria de Itabira, MG, em 1941. Crítico de arte, curador e jornalista. Escritor, pintor e professor. Vive e trabalha em Belo Horizonte. 38 Entrevista realizada com Marcio Sampaio, em 06 de agosto de 2013, Belo Horizonte, [via e-mail].

75

José Alberto Pinho Neves39(2013), artista plástico e professor40, frequentador da GAC, relata que Juiz de Fora nas décadas de 1960 e 1970 viveu sofríveis perdas e descaracterizações da urbe que podem ser constatadas, principalmente, na Avenida Barão do Rio Branco, no Parque Halfeld e na Rua Halfeld, referências históricas da terra de Pedro Nava e Murilo Mendes que, no inclinado rumo da modernidade, impuseram à cidade perda de identidade.“No que se refere à sua atmosfera cultural, vale ressaltar a inclusão da cidade na era dos festivais nacionais. Houve dois excelentes festivais: de cinema e de música; que desapareceram devido ao desinteresse do poder público embora os tivessem criados”. Ele afirma que, resistia ao tempo, a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, criada na década de 30 e até hoje funcionando, frequentada pelos Bracher nos anos 50. Já a Universidade Federal de Juiz de Fora contribuía com seu Festival de Arte que anualmente se dedicava às artes plásticas, poesia e música. Nos anos que se seguiram, também convém ressaltar a atuação da Capela Galeria de Arte que funcionava na antiga Capela do Colégio Stella Matutina, na esquina da Avenida Rio Branco com Avenida Presidente Itamar Franco. Ele complementa ao dizer: “como ícone maior desses tempos, destaca-se a Galeria de Arte Celina cujos objetivos lhe impuseram singularidade no universo cultural juiz-forano” (NEVES, 2013). O crítico de arte41 Frederico Morais42(2012), que ministrou cursos na GAC, ao relembrar Juiz de Fora, revela: “a minha primeira memória de Juiz de Fora é essa... a canja de galinha”. Em suas viagens contínuas a trabalho entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro – fica essa sensação – das viagens noturnas, do frio ao meio da neblina e da parada do ônibus em Juiz de Fora, quando a canja de galinha servida no estabelecimento o aquecia, trazendo um bem estar. Comenta que após esta fase em que a cidade se tornara para ele, passagem e parada circunstancial, começou a trabalhar efetivamente como colunista, realizando atividades com diferentes núcleos artísticos. Relembra um grupo substancial de gravadores de Belo Horizonte, o Grupo Oficina e da participação de Lotus Lobo, prima dos irmãos Bracher e

39

Entrevista realizada com José Alberto Pinho Neves, em12 de agosto de 2013, Juiz de Fora [via e-mail]. José Alberto Pinho Neves é artista plástico e professor do Instituto de Arte e Design da UFJF. Curador de diversas exposições de circulação nacional, foi Pró-reitor de Cultura da UFJF de 2006 a 2012 e um dos responsáveis pela implantação do Centro de Estudos Murilo Mendes hoje Museu de Arte Murilo Mendes. Atualmente trabalha na implantação do Memorial da República Presidente Itamar Franco. 41 Frederico Morais. Crítico de arte e professor. Frederico Morais é crítico de arte que teve grande importância na década de 70 para a arte de vanguarda brasileira. Surgiu neste momento, também, a “nova crítica” da qual Morais passou a fazer parte, sendo, talvez, o maior exemplo. Nesta nova fase o crítico não mais sustentava a imagem de juiz. Mas era um crítico atuante, que propunha novas possibilidades. Por isso, muitos o consideram um crítico criador. 42 Entrevista realizada com Frederico Morais, em 24 de outubro de 2012, Rio de Janeiro. 40

76

também dos demais integrantes como Eduardo Guimarães, Frei David, Klara Kraiser, Lúcio Weick e Paulo Laender. Outros núcleos foram surgindo dentro do Estado de Minas e no interior do Brasil. Disse que ao morar no Rio ou em São Paulo, procurou valorizar as diferentes províncias culturais brasileiras. Complementa ao dizer que naquele momento havia alguns núcleos com atividades artísticas como cidades do triângulo mineiro, Uberaba, Uberlândia, também Ouro Preto, Diamantina, Montes Claros, Lavras e outras, mas que um dos núcleos mais fortes era Juiz de Fora. É natural que nos anos de 1960 a 1970, Juiz de Fora dentre estes núcleos que se desenvolviam no interior de Minas tivesse mais força e prestígio, porque evidentemente temos que excluir Ouro Preto e Diamantina, por serem mais apegadas ao barroco, ao passado histórico, cultural, das igrejas, da arquitetura, etc. Juiz de fora era uma cidade de passagem, do frio, da noite, nevoeiro, sopa quente. Lembro-me de pessoas se sentindo meio afogadas e perdidas em um ambiente pobre, (ainda que a cidade fosse mais rica do que outras), e pensando uma série de coisas, esperando para sair e colocar o pé na estrada, conhecer o mundo. ‘Talvez essa coisa do mineiro que sai ficando e que fica saindo... uma coisa de mineiro gerundial’ (MORAIS, 2012).

Juiz de Fora estava mais distante do passado, não possuía a influência do barroco no que se fazia em termos de produção artística, detalha Frederico Morais. “Como núcleo importante, talvez seja um dos primeiros núcleos de industrialização de Minas. Isso tem certo peso, porque gera uma economia capaz de apoiar ou financiar a função artística, ainda que em nível precário. Não foi por acaso que foi chamada de Manchester Mineira”. Ele se lembra do Museu Mariano Procópio: “mal dirigido, muito rígido, muito pesado, mas que logo de início contou com a doação de homem que construiu a estrada. Lá há obras importantes do século XIX e algumas até estrangeiras”. Frederico Morais43 (2012) menciona a influência dos alemães na vivência musical da cidade. Nas artes plásticas, ressalta que não sabe se é possível falar de uma plástica local, entretanto havia certo peso do conjunto da cidade, no Estado. A artista plástica44 Lotus Lobo45(2010), prima em primeiro grau dos irmãos Bracher, e que ministrou curso de litogravura na GAC, comenta: “ontem mesmo o Décio Bracher me 43

Entrevista realizada com Frederico Morais, no dia 24 de outubro de 2012, Rio de Janeiro. Lotus Amanda Maria Lobo de Alvarenga (Belo Horizonte, MG, 1943). Gravadora, desenhista e pintora. Com esses trabalhos, ganha o Prêmio Itamaraty na 10ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1969. Recebe bolsa de estudo do governo francês e vive em Paris de 1971 a 1972, e estuda na École Supérieure des Arts et Industries Graphiques e na École d'Arts-Plastiques et Sciences de l'Art, da Universidade de Paris. Leciona gravura na Escola Guignard de 1966 a 1984, e depois se transfere para Tiradentes, Minas Gerais. É responsável pela montagem e direção da oficina litográfica Casa de Gravura Largo do Ó, e pela coordenação do projeto Memória da Litografia no Estado de Minas Gerais. 45 Entrevista com Lotus Lobo em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte. 44

77

falou ao telefone, que o Museu Mariano Procópio foi um marco, porque era um grande museu que possuía pintura, desenhos, gravuras e esculturas. Acho que aquilo já trouxe pra cidade um diferencial. A coisa começa lá. Na verdade, há assim um celeiro de pintores e artistas muito curiosos, que se juntaram ali”. Ela complementa ao dizer que quando os Bracher chegaram lá em Juiz de Fora, a cidade já possuía os seus expoentes, que eram da Sociedade Antônio Parreiras e relata: “era um núcleo de pintura e era uma escola, então em 1960, 1961, quando eu comecei a frequentar mais Juiz de Fora, o nosso polo era a Antônio Parreiras e as pessoas que tinham lá”. A seguir, Lotus Lobo (2010) relembra sobre a influência modernista de um pintor que chega à cidade e que mantém, por vários anos, uma ligação forte de amizade com a família Bracher:

Depois agrega a esse grupo, um carioca muito importante que era um grande pintor, o Roberto Gil. Ele tinha uma irmã em Juiz de Fora, fica viúvo no Rio e vem se transferir para a cidade. Ele era um artista modernista de suma importância. Eu acho que ele trouxe para Carlos e Nívea, um exemplo de pintura que foi muito benéfico a eles. Então juntou com aquela raiz própria de Juiz de Fora, mais o Gil – acho que isso foi criando um núcleo de uma pintura muito especial. A GAC só surgiu em 1965, mas muita história, já estava acontecendo desde os anos de 1940, 1950 em Juiz de Fora e a GAC, eu acho que foi importante, porque ela pegou estes novos artistas (LOBO, 2010).

Roberto Vieira46 (2013), artista plástico, amigo da família Bracher e que expôs na GAC, relembra Juiz de Fora: “pelo que me lembro a cidade tinha em torno de 50 mil habitantes, abrigou a Galeria de Arte Celina a partir de 1965 e possuía artistas da velha guarda (da Sociedade Antônio Parreiras). Era uma cidade próxima ao Rio de Janeiro. Havia um grupo de artistas, cujo relacionamento era mais forte, muito diferente de atualmente, em que prevalece a concorrência”. Comenta que como a cidade não era muito grande, possuía o centro muito definido, onde todos se encontravam – o local era a rua Halfeld. “Lá havia cinema, teatro, as lojas... depois surgiu a GAC,” a seguir, prossegue: “ veio o Sidivan, com a Capela Galeria de Arte, o Pró-Música, uma coisa puxando outra, que veio a criar um movimento interessante na cidade. Depois surge a Universidade Federal de Juiz de Fora, que foi algo de grande peso cultural. A cidade ganhou muito com isso”. Roberto Vieira se lembra de que na época só existia a UFJF no Morro do Cristo e que após uma fase de crescimento, a cidade toma outro aspecto. Assim, relata: “as pessoas de Belo Horizonte começaram a

46

Entrevista com Roberto Vieira, em 15 de abril de 2013, Fazenda em Nova Alagoa, Minas Gerais [via Skype]. Há referência à biografia deste artista no item 2.4.1.5, deste capítulo.

78

frequentar muito ali a cidade e a GAC. Até alunos meus vieram realizar projetos aí”. Toda essa movimentação só vem a enfatizar a ebulição que se desencadeava em Juiz de Fora. Seja de forma polêmica ou amena, alguns elos se apresentam nesta trajetória que vai da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras – SBAAP, em crescente movimentação artística, até chegar à Galeria de Arte Celina. Que elo poderia representar este deslocamento, de forma mais clara e evidente? Um destes elos é o artista Décio Bracher - exemplo de quem vivenciou o aprendizado na SBAAP, desde os 11 anos de idade e que percorreu este novo transcurso de forma natural, sempre reverenciando e admirando o aprendizado e fundamentação de seus antigos mestres. Ele pode estabelecer esta ponte para a compreensão da atmosfera cultural da cidade, um pouco do ambiente interno da SBAAP e a dimensão de sentido artístico que unificou de certa forma um grupo ao Castelinho dos Bracher para depois culminar na concretização da Galeria de Arte Celina. Segundo Décio Bracher (2010)47 ele foi verdadeiramente, o único dos irmãos que teve professor de pintura. Achava uma maravilha que nem Celina, nem Nívea e nem Carlinhos, tiveram professores de pintura. Acreditava que desta forma, não sofreram direcionamentos, não se submeteram a regras, nada disso. Desde o início, desenvolveram sua arte a partir de uma perspectiva criativamente pessoal. Para ele, sempre brincalhão em seus depoimentos, dizia que toda criança é um gênio até os sete anos, depois entra para a escola para se imbecilizar, e se engessar e assim, perde aquela sua criatividade original. Em um depoimento dado em entrevista no Museu de Arte Murilo Mendes – MAMM, Décio Bracher (2012b)48 foi em minha companhia, para ver uma Exposição em Homenagem à SBAAP – que recebeu Lugar de Honra, 2011-2012, com obras de seus artistas integrantes. Levou seus primeiros desenhos realizados lá, quando bem jovem, para mostrar e complementar as suas narrativas sobre a época, enquanto analisava, historicamente, os antigos quadros que representaram aquelas gerações de pintores. Décio achava importante naquele momento assinalar este cenário da cultura de Juiz de Fora, demonstrar com seus relatos e desenhos de época, como se formaram e desenvolveram as sementes das artes plásticas na cidade, desde as origens. Ele abriu seu caderno e disse: “a Antônio Parreiras deixou saudades. A longevidade da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras só perde, a meu ver, para a Sociedade Brasileira de Belas Artes do Rio de Janeiro. A história descrita nesta exposição está muito boa, vem desde César Turatti e também, o livro de Lucas Amaral sobre a Sociedade 47

Entrevista com Décio Bracher, em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora. 48

79

está muito bom nesta parte histórica, com a fundação em 1939, depois 1941[...]” (Detalhes sobre a história desta Sociedade estarão descritos no item a seguir). Décio Bracher 49 (2012b) comenta com emoção: “Estas pessoas tiveram uma importância muito grande”. Começou a folhear seus desenhos, ainda da adolescência, dizendo: “o Silvio Aragão aqui, fumando era uma figura muito folclórica, o Aragão era mesmo um pai (figuras 13 e 14). O Dnar falava bem dele como professor. O Gil, pintor amigo nosso, por exemplo, pegava o quadro e ao analisar, destruía a pessoa, dizendo que ‘isso não é uma pintura, isso não é arte... ’ Mas o Aragão chegava-nos num quadro e nos orientava”. Comenta que o artista Inimá de Paula, dizia a mesma coisa, que o Sílvio Aragão era “ótimo professor, de ótimo trabalho”. Décio Bracher (2012b) afirma: “eu acho que ali, uma grande figura era o Aragão”. Ele relembra que outra pessoa muito presente lá na SBAAP era o Jaime Aguiar, “que ficava lá sempre e fazia desenhos da gente”. Depois ele afirma que a família Bracher abriu a Galeria de Arte Celina e, juntamente com outros pintores, deixaram de frequentar a Antônio Parreiras: “o único da Parreiras que frequentava a GAC, todos os dias, era o Jayme Aguiar”.

Fig.13. Esboço de Sílvio Aragão, feito por Décio Bracher, ainda adolescente.

Fig.14. Caricatura de Sílvio Aragão fumando, feita por Décio Bracher, ainda adolescente.

49

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

80

Décio Bracher50 (2012b) dizia que ao analisar aqueles cadernos de desenhos, durante seu depoimento, podia-se verificar o entrosamento do pessoal jovem com os mais antigos da SBAAP. Vários retratos realizados entre os artistas e algumas caricaturas, além de desenhos da Antônio Parreiras e do interior da sala de aula/ateliê, foram vistos e há alguns exemplos nas figuras 15 e 16.

Fig.15. Esboços iniciais da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, feito por Décio Bracher.

Fig.16. Esboços de uma sala de pintura da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, feito por Décio Bracher. 50

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

81

Ele conta que Pedro Carriço, filho de João Carriço, do cinema popular, fez uma caricatura dele (figura 17) e que, em reconhecimento, fez um esboço, um estudo de um projeto de um monumento em homenagem ao Carriço, para ser feito no Parque Halfeld, em que no monumento, havia uma máquina de filmar (figura 18). Décio Bracher51 (2012b) revela: “achei meio bobinho este projeto, mas achei curioso, pelo afeto que nos ligava. O monumento não é nada, porque o que fica é o afeto”.

Fig.17. Caricatura feita por Pedro Carriço, retratando Décio Bracher.

Fig.18. Esboço de um projeto de monumento em homenagem ao Carriço, feito por Décio Bracher, idealizado para ser construído no Parque Halfeld. 51

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

82

O primeiro caderno de desenho de Carlos Bracher é de 1957, quando ele tinha 16 anos. Décio Bracher52 (2012b) relata: “nós fechamos a fábrica Louçarte em fevereiro e então em março ele começou a pintar... abril, maio, junho... três meses depois ele já estava fazendo a caricatura do Dnar, olha aqui (figura 19), depois veja o retrato de Pimpinela, o Clério (figura 20), o retrato do Reydner (figura 21), que depois fez também o busto, a seguir fez seu autorretrato com 16 anos (figura 22) e depois, ele de óculos (figura 23)”. Estes desenhos revelam o relacionamento estreito de amizade, que rapidamente se estabeleceu entre os artistas daquele contexto.

Fig.19. À esquerda, retrato de Dnar Rocha, feito por Carlos Bracher em 1957. Fig.20. À direita, retrato de Clério Pereira, o Pimpinela, feito por Carlos Bracher em 1957.

Fig. 21. À esquerda, retrato de Reydner Gonçalves, feito por Carlos Bracher em 1957. Fig. 22. À direita, autorretrato de Carlos Bracher em 1957, com 16 anos.

Fig. 23. Autorretrato de Carlos Bracher com óculos, em 1957. 52

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

83

Décio Bracher (2012b) agora descreve o quadro “Artistas da SBAAP”, de Ângelo Bigi, 1952, da esquerda para a direita, em uma reprodução feita em papel (figura 24), cuja imagem da tela original, se encontra no texto, mais à frente (figura 27). Ele revela curiosidades sobre a pintura deste quadro: O primeiro da esquerda era o Aragão, nosso grande amigo, depois o Heitor de Alencar, que era “o grande pintor”, a seguir, o Soranço, que era escultor, o Carlos Gonçalves, que foi um dos fundadores e tinha pouco contato com a gente, nunca o vi pintando. Esse aqui no centro é o Américo Rodrigues. Ele achava que era o ‘Cristo aqui no meio’. Aqui é a mesa de Cristo, ele se sentia o mandachuva, tanto que o Bigi o colocou no centro, com o quadro debaixo do braço porque ele era o ‘dourado’. Este logo à direita, mais atrás era o Marcos de Paula, que fazia painéis para a igreja, mais ao fundo o Lage das Neves, que fazia desenhos em cartão. Este à frente é o Ângelo Bigi, que realizou a pintura do Cine Theatro Central, fez a decoração do Banco de Crédito Real e há obras dele em Belo Horizonte. Mais à direita há o Armando, irmão do Américo Rodrigues, mais à direita Dr. Paulo Tasca e Mário Vieira, o último à direita (BRACHER, D., 2012b).

Este quadro possui uma história interessante. Segundo Décio Bracher (2012b), os três retratados na direita, foram pintados, na realidade, por Jayme Aguiar. Ele narra: “então chegou o Bigi e disse assim: Ah Jayme, coloca o Dr. Tasca lá em cima porque o Dr. Tasca é... blá bláblá... e foi o engambelando, para que ele fizesse essa alteração, e então o Jaime brigou com ele, não fez mais nada e por isso, ficou esse branco vazio em cima da tela”, conforme a seta amarela na figura 24.

Fig.24. Reprodução da tela “Artistas da SBAAP”, de Ângelo Bigi, 1952. Explicação de Décio Bracher sobre a tela, em 2012b.

84

Décio Bracher53 (2012b) finalmente resolve conversar sobre o tema ‘saída do grupo’ de artistas mais novos da SBAAP e afirma: “esse pessoal aqui que eu venero, chegou à década de 1950 e teve um problema na administração, então o Pimpinela foi candidato com o nosso apoio, ou seja, com o apoio dos novos”. Segundo seu depoimento, “nove, dez ou onze pessoas, novas ali, votaram no Pimpinela e com isso, o resto do pessoal se afastou da Sociedade de Belas Artes”, o que ele considerou uma lástima. Para ele, a vantagem do Pimpinela é que “ele havia conseguido uma verba para continuar e colocar a Sociedade na Galeria Sirimarco, na Avenida rio Branco, um pouco antes da Rua Marechal Deodoro. Mas as pessoas se rebelaram e fizeram uma nova Sociedade no terreno defronte o Faisão Dourado, lá embaixo na Rua Halfeld”. Artistas como o Reydner, o Renato Stehling, o Jayme Soares, o Roberto Gil, o Wandyr Ramos, o Dnar Rocha, o Carlinhos, e outros, mantinham uma turma, mas nem todos apareciam. “Então o que houve foi uma competição administrativa, o que é uma pena, porque nós fomos perdendo o contato com eles”. Ele faz uma menção especial ao Aragão, que considera ser um grande líder na época. E embora tenha ocorrido esta problemática, tem em grande consideração também os artistas mais antigos, que são um marco na história das artes visuais em Juiz de Fora. Segundo Lucas Amaral (2004, p.21) embora houvesse um conservadorismo na SBAAP, que abrigava artistas mais tradicionais, “a maioria de seus artistas se considerava filiada a tendências modernas, mesmo que de um modernismo mitigado”. Tal fato se verifica curioso, pois Sílvio Aragão, considerado “um dos pintores mais típicos dentre os pioneiros” e que participava do Salão Nacional de Belas Artes, considerado pelos radicais modernistas como “baluarte do conservadorismo”, teve seu quadro “No ateliê” selecionado neste Salão em 1948 e posteriormente em 1951, a mesma tela vem a integrar a Bienal de 1951, em São Paulo. Ele afirma que “da mesma forma, a pintura de outro influente pioneiro, Heitor de Alencar, tomava feição cada vez mais moderna”. Estes depoimentos e memórias contribuem para se alcançar uma espécie de amostra daquele ambiente cultural e artístico da época, já que “a memória é um fenômeno construído” (POLLACK, 1989, p.204). Assim, os modos de construção individual que podem ser tanto conscientes, como inconscientes, se evidenciam “em um verdadeiro trabalho de organização”, em que “a memória individual grava, recalca, exclui e relembra”. Para Michael Pollack (1989), seja memória individual ou coletiva, na constituição de uma identidade, ela é fator crucial para o “sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo, em 53

Entrevista com Décio Bracher, em 16 de fevereiro de 2012b, no MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

85

reconstrução de si”. Ressalta-se a importância do método biográfico neste estudo, tendo em vista, como assinala Franco Ferraroti (1983, pp.55-65), que o indivíduo é uma síntese complexa de elementos sociais e os relatos biográficos mostram-se como uma prática humana significativa. Portanto, as memórias que surgem nos relatos são capazes de compor todo um contexto de época, levando-se em conta simultaneamente estas narrativas em interação com as documentações históricas. Para tal, é importante o conhecimento de um pouco da historicidade da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, para a construção desta perspectiva que antecedeu à Galeria de Arte Celina. 2.2 Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras - SBAAP A importância da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras em Juiz de Fora diz respeito ao movimento inicial da pintura, desenho e das artes visuais na cidade de Juiz de Fora. A Parreiras e seus Artistas54 é temática desenvolvida pelo professor Lucas Marques do Amaral que procura concentrar dados que tornem vivos, registros biográficos de artistas da cidade, em forma de livro e CD-ROM com imagens das pinturas. Projeto este, realizado graças o apoio da FUNALFA no ano de 2004, ocasião em que se comemoravam os 70 anos de Fundação do Núcleo Antônio Parreiras. Esta é uma importante iniciativa de se preservar a memória dessa instituição, que foi pilar fundamental de cultura e artes plásticas em Juiz de Fora e que originou a (SBAAP) Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, em 1941. Todos os dados históricos referentes à SBAAP, nestes itens que condensam a temática específica, têm como referência de estudo, o livro supracitado de Lucas Amaral (2004, pp. 06-30). O autor relembra que a inauguração da Galeria Antônio Parreiras ocorreu em 1999 no prédio da antiga Estação Rodoviária da Central do Brasil, por empréstimo da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, momento em que foi planejada uma série de exposições sobre a história da referida Sociedade, na busca de um olhar significativo para o passado capaz de vislumbrar e incentivar olhares futuros. Esta história foi dividida ‘didaticamente’ 55 em quatro períodos, a saber: Primórdios (1934-1950) Hegemonia (1950-1963) Consolidação (1963-1985) Persistência (1985 até 2001) 54

AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus Artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004. 1 CD-ROM. 55 Grifo da pesquisadora.

86

Primeiramente, o recorte de olhar utilizado nesta pesquisa irá se ater aos períodos: Hegemonia (1950-1963) e Consolidação (1963 – até a década de 1970). 2.2.1 O período do Núcleo Antônio Parreiras até a Sociedade de Belas Artes em 1950 Em Juiz de Fora havia um núcleo de artistas – Núcleo Antônio Parreiras – criado em seis de setembro 1934, que posteriormente fundou a SBAAP, em 22 de setembro de 1941. Alguns artistas participaram também da Exposição da Arte em Comemoração ao Centenário de Juiz de Fora (maio 1950) que acabou por originar o Salão Oficial Municipal de Belas Artes. O Núcleo Antônio Parreiras (1934-1941) – formado por seguidores do artista César Turatti e liderados por Carlos Gonçalves a Américo Rodrigues, buscava congregar artistas locais, divulgar os trabalhos artísticos por meio de exposições, mediante apoio de órgãos governamentais e apoio da comunidade. Inicialmente, o Núcleo se instalou à Avenida 15 de Novembro (figura 25 - atual Avenida Getúlio Vargas, na convergência com Avenida Rio Branco).

Fig. 25. Prédio onde funcionou o Núcleo Antônio Parreiras na década de 1930.

A primeira exposição ocorreu na antiga Casa Ribeiro em 1935, promovida pelo fotógrafo e pintor Ari Santos. Outras se seguiram na própria sede, em lojas emprestadas e em salões do Palace Hotel. A primeira mulher, artista plástica, a participar da SBAAP foi Wanda Turatti, esposa de César Turatti. Os associados geralmente frequentavam a Sociedade à noite, quando realizavam desenhos, pintura e desenho de modelo vivo. Também participavam os artistas, acrescentando aos já mencionados: Ângelo Bigi, Inimá de Paula, Américo Rodrigues, 87

Silvio Aragão, Randolfo Barbosa e Carlos Gonçalves. Nos fins de semana, saíam em grupos pequenos a pintar nos arredores da cidade, próximo ao Rio Paraibuna, no Parque do Museu Mariano Procópio e demais lugares. Posteriormente teciam comentários e análises de suas pinturas realizadas ao ar livre. Deste período, Inimá de Paula chegou a se destacar em âmbito nacional. Em 1939 o Núcleo perdeu a sua sede, porém continuou a se reunir em cafés e bares. Discutiam temas sobre pintura, consideravam-se modernos e atualizados – diferentes de outros pintores locais, que realizavam cópias, já que eles pintavam observando o natural. O Núcleo, aos poucos, foi se tornando desmembrado, desarticulado. Aníbal de Mattos, pintor radicado em Belo Horizonte, dotado de influência, convocou o grupo a realizar uma exposição no Palace Hotel e a reativá-lo. Para tal, “Aníbal de Mattos sugeriu dar caráter jurídico à instituição que, passando a ser denominada Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras (SBAAP), deu continuidade ao antigo Núcleo”. O patrono – Antônio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) – foi um pintor homenageado pelos artistas da cidade, lembrado com admiração e como inspiração para a criação do nome do Núcleo e posteriormente, da Sociedade. Nasceu em Niterói, foi aluno de Georg Grimm e abandonou a Academia Imperial de Belas Artes, para realizar a pintura ao ar livre, para seguir seu mestre nas aulas, ao ar livre, na praia da Boa Viagem em Niterói. Viveu na Itália entre 1888 e 1890. Ao retornar ao Brasil, lecionou por um tempo na Escola Nacional de Belas Artes, que deixou de ser chamada de Academia Imperial de Belas Artes, pela recémproclamada República. Após um período, deixou esta escola e abriu o seu próprio curso. Sua temática preferencial era a paisagem, embora seja reconhecido pelas pinturas de nus femininos e motivos históricos. Obteve fama em sua carreira como artista e em 1924, foi eleito o pintor brasileiro mais popular no país. Em 1927, inaugurou seu monumento em Niterói, homenagem de sua terra ao seu filho mais ilustre. A fundação da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras – ocorre em 21 de junho de 1941, com a primeira reunião no Palace Hotel, promovida por Aníbal de Mattos. Lucienne Parreiras, viúva de Antônio Parreiras, esteve presente e todos decidiram reativar o Núcleo, ao eleger como presidente (cargo honorífico) Américo Repeto e vice-presidente Heitor de Alencar, quem, de fato, assumiu os encargos administrativos. Em 22 de setembro de 1941, dando continuidade aos processos, se realiza uma segunda reunião e criam-se efetivamente os estatutos – aprovados e assinados. Foram considerados os fundadores da SBAAP, os seguintes participantes: Antônio Cândido, Antônio Praxedes, Américo Repeto, Arlindo Mauler, Carlos Gonçalves, Edson Motta, Heitor de Alencar, José Mauler Filho, José Rosa, 88

José Alves Damasceno, João Lage Bretãs, Mário Lowesteim, Odília Olinda Moreira, Randolfo Barbosa e Sílvio Aragão. Os Estatutos foram registrados em seis de agosto de 1942. Todos os fundadores, com exceção de Odília Moreira, assinaram o livro referido. A data considerada a data oficial de comemoração da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras é 22 de setembro. A SBAAP até 1950 – desde as reuniões acima mencionadas, esteve à frente da Sociedade, o pintor Heitor de Alencar, enquanto Carlos Gonçalves coordenava a parte didática. Em 1942, Carlos Gonçalves assume e Edson Motta, recém-chegado da Europa assume as atividades didáticas e para tal, faz uma reestruturação no ensino. A presidência foi exercida também por Besnier José de Oliveira e João Guimarães Vieira até 1944, no entanto, a grande liderança foi de Edson Motta que realizava suas aulas no estilo de ateliê livre, com funcionamento da sede na Avenida Rio Branco n.º 2.173, nos fundos (figura 26). Lecionava pela manhã, à tarde e à noite e suas aulas eram repletas de alunos. Orientava cerca de cinquenta alunos, de diversas classes sociais. Dentre eles: Mário Paulo Tasca, Maurício de Magalhães Carvalho, Heitor de Alencar, José Corrêa Lima, Jayme Aguiar, Arthur Arcury, João Guimarães Vieira, e – Décio Bracher – ainda adolescente (AMARAL, 2004, pp.09-15).

Fig. 26. Beco da Parreiras. Obra de Décio Bracher, óleo sobre tela, 1957. Coleção do artista.

Edson Motta além de ensinar desenho, pintura em técnicas diversas, também afresco, ministrou palestras, conferências, debates, intercâmbios com artistas de outras cidades e de polos culturais. Organizou exposições e juntamente com o professor Henrique Hargreaves, 89

promoveu diversos encontros de Filosofia da Arte para os interessados, para os artistas, contribuindo assim, para a formação, aprimoramento intelectual e artístico na cidade. Vale ressaltar que Edson Motta influenciou muito a pintura de Décio Bracher em alguns aspectos, sob a formação de seu olhar estético. Em 1944, a Sociedade Antônio Parreiras entra em crise, com a ida de Edson Motta para o Rio de Janeiro. Os pintores antigos abandonaram a Sociedade, por se sentirem discriminados pelos mais intelectualizados da turma. Em março de 1947 uma diretoria de consenso teve como presidente Dormevilly Nóbrega e em agosto como presidente, Armando de Lima. Desfez-se um pouco a fragilidade com uma tendência à velha guarda, porém a desorganização administrativa impediu uma eleição para o período de 1948/49, ameaçando a Sociedade, “embora os cursos permanecessem orientados pelos mais experientes”, Lucas Amaral revela a importância da criação dos Salões Oficiais que até hoje ainda são uma tônica para a SBAAP:

Em 1949, contudo, um fator aglutinou as forças de todas as tendências e conseguiram eleger nova diretoria, sob a presidência de Carlos Gonçalves. É provável que essa força aglutinadora tenha sido a preparação para as comemorações do centenário de Juiz de Fora que empolgava os diversos setores da cidade, inclusive a SBAAP. De fato, em maio de 1950, a instituição promoveu a “Exposição de Arte em Comemoração do Centenário de Juiz de Fora”, com a participação de artistas de todas as tendências. Essa exposição inspirou a criação do Salão Oficial Municipal de Belas Artes da SBAAP, que teve sua primeira versão em 1951 e que, até hoje, constitui referência fundamental para a SBAAP (AMARAL, 2004, pp.16-17).

Segundo o referido autor, (2004, p.17) os artistas que ingressaram na SBAAP entre 1934 e 1950 eram: Américo Rodrigues; Ângelo Bigi; Aníbal Mattos; Armando de Lima; Carlos Gonçalves; César Turatti, Décio Bracher; Dormevilly Nóbrega; Edson Motta; Guima (João Guimarães Vieira); Heitor de Alencar; Inimá de Paula; Jayme Aguiar; José Corrêa Lima; José Julio Lage das Neves; José Natividade; José Rosa; Lenie Salvi Almeida; Luiz Soranço; Manoel Carriço; Marcos de Paula; Mário Löwestein; Mário Paulo Tasca; Mário Vieira; Maurício de Magalhães Carvalho; Rodolfo Turatti; Rodrigo Aragão; Sílvio Aragão; Wanda Turatti e Wilson Beraldo. 2.2.2 A Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras de 1950 a 1963 A fase denominada - Hegemonia – (1950-1963) – neste período, a SBAAP congregou artistas precedentes além de outros e demais recém-chegados que iniciavam a trilha no 90

caminho da pintura. Desta forma, ao receber acolher uma nova geração, contribuiu para a modernização da pintura em Juiz de Fora. Um importante registro da época é o quadro “Artistas da SBAAP”, de Ângelo Bigi, de 1952, que retrata os participantes da “velha guarda” (figura 27). A década de 50 inicia-se com a transferência de Frederico Bracher Jr. para Belo Horizonte, deixando para trás seu ateliê na Galeria Pio X e as aulas de pintura que realizava naquela época. Com a ausência deste importante mestre na cidade, a SBAAP reforçou sua hegemonia no ensino e prática das artes plásticas na cidade. Os professores que estavam fora da referida Sociedade restringiam suas aulas a meras cópias. Já na SBAAP, a pintura acontecia a partir da observação do natural, incluindo a utilização de modelo vivo para a realização de trabalhos que expressassem a figura humana. Este aprendizado lá fornecido seguia duas metodologias diferenciadas: uma menos formal e outra mais formal. A metodologia formal, similar à que Edson Motta praticara na década de 40, consistia em iniciar o desenho primeiramente, de maneira rigorosa, para que depois o aluno estivesse com aptidões necessárias para o desenvolvimento da pintura. Os conteúdos seguiam a seguinte ordem: natureza morta, flores, paisagem e por último, o retrato. A professora Katarina Zelentzeff, formou-se pela Escola Imperial do Desenvolvimento de Belas Artes de São Petersburgo e seguia este método formal, recebendo homenagens de louvor na década de 50, inclusive o título de Sócia Honorária da SBAAP pela contribuição prestada em sua atuação no ensino de artes. (AMARAL, 2006, p.20).

Fig.27. Artistas da SBAAP, Ângelo Bigi, 1952. Além do próprio artista, que faleceu em 1953, aparecem retratados: Silvio Aragão, Heitor de Alencar, Luiz Soranço, Carlos Gonçalves, Américo Rodrigues, Marcos de Paula, Lage das Neves, Ângelo Bigi, Armando de Lima, Mário Paulo Tasca e Mário Vieira.

Conforme relata Amaral (2004, pp.24-25), as diretorias da SBAAP eram eleitas no início do segundo semestre, para o mandato anual, com possibilidade de reeleição e no recorte 91

temporal referente a esta pesquisa, a presidência da Sociedade assim ocorreu: Clério Pereira de Souza (1956 a 1961), Jaime Soares Costa (1961 a 1963) e novamente Clério Pereira de Souza (1963 a 1985), sendo este último, o ano final de sua vida. A manutenção da sede, bem como, dos ateliês, controle financeiro relativo a atividades da tesouraria e organização anual dos Salões oficiais Municipais faziam parte das atividades administrativas. As polêmicas que surgiam para se coordenar os Salões consistiam em indicar os jurados e alterar normas a cada evento. As eleições eram outro ponto nevrálgico, pois alguns consideravam o direito a voto, privilégio somente dos pintores premiados nos salões – e o que prevaleceu foi o direito de voto aos associados e sócios-alunos. A partir de 1955 a situação financeira tornou-se cada vez mais deficitária, agravada aos anos consecutivos, chegando ao ponto de, em 1963, a Sociedade praticamente ter perdido em duas instâncias, a sua tradicional sede. A situação era crítica e a Sociedade fecharia as suas portas. O antigo presidente Jaime Soares não era um homem rico e pagou com seus próprios recursos todas as dívidas da SBAAP, recebendo em troca dois vales a serem pagos por ela, quando possível fosse. Silvio Aragão, Clério Pereira de Souza e Jaime Soares Costa se dispuseram a cotizar valores para manter o Beco da Parreiras, ao apelar da sentença de despejo. Após este período a Sociedade tomou outros caminhos. Artistas que ingressaram na SBAAP entre 1950 a 1963: Carlos Bracher (figura 28), Celina Bracher, Claro de Campos, Clério Pereira de Souza, Dnar Rocha, Elpídio de Menezes, Franz Holchleitner, Geraldo Sybertz, Jaime Soares Costa, Joaquim Medeiros, José Monteiro Viana, Katarina S. Zelentzeff, Lauro Cataldi, Luiz Coelho, Maria de Lourdes Costa, Maria Elizabeth Petzold, Maria José Furtado de Mendonça, Mauri de Oliveira, Nazira Zaiden, Nívea Bracher, Norma Gonzo Lachelle, Renato de Almeida, Renato Stehling, Reydner Gonçalves (figura 29), Roberto Gil, Roberto Vieira, Ruy Merheb, Wandyr Ramos e Wilson de Lima Bastos.

Fig. 28. Estudo de Carlos Bracher para a escultura Retrato de Reydner, à esquerda. Fig.29. Carlos Bracher, à direita, modelando escultura de Reydner.

92

Segundo o autor já referido, a metodologia mais informal seguia tradicionalmente o Núcleo Antônio Parreiras que originou a Sociedade em 1934. As aulas respiravam ares de maior abertura, nesta modalidade de ensino, por possibilitar o encontro de vários artistas no ateliê para que trabalhassem juntos, trocando ideias, experiências, ideais, durante suas práticas. Nos anos subsequentes, em finais de semana, alguns artistas saíam para pintar paisagens, o que muitas vezes, era objeto de crítica e análise dos demais artistas considerados mais experientes, como Silvio Aragão ou Heitor de Alencar. No ano de 1950, a referida Sociedade organizou a “Exposição de Arte Comemorativa do Centenário de Juiz de Fora” a qual distribuiu cinco prêmios aquisitivos, instituindo o Salão Oficial Municipal que poderia ser considerado a versão local do Salão Nacional de Belas Artes realizado anualmente na cidade de Rio de Janeiro, ainda capital Federal (AMARAL, 2004, pp.20-26). Não havia mercado de arte em Juiz de Fora. A cidade não dispunha de espaços culturais específicos para exposições. No entanto, jovens artistas de aspiração mais modernista, sedentos de cultura e de eventos de arte, formaram naturalmente um grupo de destaque na sociedade. Eram eles, dentre outros: Renato Stehling, Dnar Rocha, Wandyr Ramos, Nívea Bracher, Carlos Bracher, Ruy Merheb, Reydner Gonçalves, Roberto Gil, Celina Bracher, Roberto Vieira e Décio Bracher. Houve um período em que a Parreiras não contava com mestres de pintura, e este grupo lá se reunia no ateliê para realizarem seus trabalhos, local em que discutiam as mais variadas temáticas intelectuais e artísticas. Em uma entrevista, Nívea Bracher (2010a) afirma: “Nós nos aprendíamos”56. Pintavam juntos e, em alguns fins de semana, parte do grupo dirigia-se para fora do ateliê a registrar cenas da cidade em suas telas. Após um período de tempo, a família Bracher construiu um ateliê no Castelinho à Rua Antônio Dias 300, no Bairro Granbery, local em que eles e demais intelectuais, astrônomos e amigos de Celina, estudantes da Faculdade de Filosofia e Letras - FAFILE, reuniam-se diariamente em enriquecedoras e constantes interlocuções e entrelaçamentos de ideais. Anteriormente, a Parreiras era um ponto de centralização dos artistas. Posteriormente, o Castelinho dos Bracher tornou-se um ateliê vivo, uma residência onde se respirava arte por todos os cômodos da casa, sempre de portas abertas às inovações. Tornou-se um centro aglutinador de ideais. Segundo Dnar “Os verdadeiros valores da pintura nunca saíram de nossas vidas. Nenhum de nós prostituiu seu próprio trabalho ou seu talento. Jamais nos afastamos dos ideais que tínhamos nos anos 50, principalmente aqueles da Geração de 1957”. 56

Entrevista com Nívea, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

93

(DNAR apud NEVES, 2007, pp.31-33) O artista comenta que eles abandonaram a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras devido “à asfixia cultural” que a “mediocridade lá instalada” os impunha. Ele continua seu depoimento: “Logo após, fomos todos abrigados pela Galeria de Arte Celina, criada pela família Bracher, que respirou, até seu último dia, padrão de qualidade intelectual e cultural”. 2.3 A formação de um Grupo – a “alma-grupo” na Casa Aberta “É preciso uma aldeia para se fazer um homem”. Ditado africano Este ditado africano escrito a carvão em um painel na varanda, à entrada do Castelinho dos Bracher é a síntese que marca o espírito de grupo, de comunidade e de tribo (MAFFESOLI, 2010), presente na família Bracher, uma casa sempre de portas abertas, nos anos de 1960 a 1970 - uma Casa Aberta. Para Ferdinand Tönnies (1947, p.33), onde quer que se encontrem seres humanos ligados entre si de uma forma orgânica, por sua legítima vontade e afirmando-se reciprocamente, existe uma comunidade. Dentro desta perspectiva, pode se observar o comportamento e os fatores que naturalmente foram desencadeadores e aglutinadores desta comunidade cultural espontânea, desta “aldeia artística” que vai se formando em Juiz de Fora. Segundo Nívea Bracher 57(2010a) havia um sentido de grupo, de comunidade na arte e no pensamento. Ela explica: “a gente frequentava a Parreiras, que era um lugar assim, um beco, porque meus irmãos todos iam, a Celina ia, todos os amigos nossos frequentavam lá e aqui. Então a nossa casa era extensão da Parreiras e a Parreiras era extensão da nossa casa, por isso a importância do Décio, porque o Décio nos emendava nisso tudo. Ele foi o primeiro de nós na Parreiras”. Décio Bracher foi aluno de Edson Motta, convivia com os pintores desde criança, com o seu tio Lico (Frederico Bracher Júnior), que era o principal pintor da família. Nívea complementa: “essa convivência natural do Décio com os pintores, e agente com a pintura, em convivência com o meu tio, tudo isso foi sempre uma coisa muito normal”. Quando constroem um ateliê no Castelinho, alteram rotas anteriores e um novo habitus se forma: A gente se frequentava muito na Parreiras e pintávamos. Aqui no Castelinho ficava tudo entulhado... Pintávamos na Parreiras e aqui. Aí nós construímos um ateliê ali fora e então o Dnar falou... Ihh, agora isso vai esvaziar a Parreiras! De certa maneira, depois que fizemos este ateliê, o pessoal veio muito mais aqui. Nós pintávamos, conversávamos e ninguém ensinava 57

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

94

ninguém. Lá na Parreiras, quando era lá num beco em frente ao Parque Halfeld, e que até o Décio fez um quadro, pintávamos juntos e ali trocávamos ideias sobre os quadros. Como ninguém ensinava a ninguém, era uma confraternização! (BRACHER, N., 2010a)

“O cotidiano da gente era só arte”, dizia Nívea Bracher58 (2010a) em seu depoimento, a procurar no jornal, na sala do Castelinho, uma frase de Ferreira Gullar que resume sua perspectiva. Ela lê então: “a arte existe porque a vida não basta” e complementa: “sem arte a gente não seria nada, não teríamos o que fazer, nem o que dizer”. Para Nívea Bracher (2010a) o grupo mesmo que eles formaram naturalmente, não era só de pintores, havia: “o astrônomo Nelson Travnik, o professor Franz Hochleitner”, que era pesquisador da cultura maia e professor na Faculdade de Filosofia e Letras - FAFILE, o professor e diretor da aliança Francesa Pierre Merigoux, “pintores como Dnar Rocha, Wandyr Ramos, Rui Merheb, Reydner Gonçalves, o Roberto Gil, Roberto Vieira, Renato Stehling, tinha o Avanir, também abstrato, a gente o chamava de abstrato. Isso era o tempo todo, Celina, Carlinhos, eu, Décio, Paulinho meu irmão”, e relembra: “os amigos de Celina, sempre presentes, porque ela era presença muito carismática, os amigos de meus pais, os alunos de coral de minha mãe também frequentavam nossa casa”. Não era só pintura, e ela prossegue dizendo: “havia também nossos grandes amigos da literatura, o escritor Affonso Romano de Sant’Anna, o professor Hélio de AlmeidaFernandes, a Ymah Théres, a poeta maravilhosa que morreu agora – ela era da gente aqui o tempo todo, era muito querida... e tantos outros”! Nívea Bracher (2010a) revela que andavam também em bando: “então, em uma das vezes, até com o Hélio de Almeida Fernandes, nós fizemos o subazar, subida ao Morro do Cristo pelas pedras, ali pela pedreira. Caminho do Tostão, como era chamado, se escorregasse, caia mesmo! Íamos frequentemente para a casa do professor Franz, eram grandes momentos. A esposa dele, a D. Eva fazia coisas maravilhosas, muito gostosas para nós. Brincava-se de tudo e com tudo”! Ela afirma também o convívio com as escolas de idiomas: “a gente vivia com o pessoal da Aliança Francesa, quanto também com o pessoal da Cultura Inglesa, que era alí do lado”. Na dimensão da pintura, realmente o grupo se fortaleceu mais e Nívea Bracher (2010a) comenta: “eu já pintava espontaneamente assim, eu embarcava nestas águas: o Décio pintava, o Carlinhos começou a frequentar a Parreiras, aí foi que eu comecei a pintar”. Uma rica convivência foi se estabelecendo. “O Dnar é que conta que um dia o pessoal queria pintar flores, aí eu sumi e voltei cheia de flores. Perguntaram-me aonde eu as achei e eu disse: ah... 58

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

95

peguei ali no Parque Halfeld, aí todos nós pintamos as flores. Era uma convivência muito amiga”. Sobre o grupo da pintura, Nívea afirma que “Carlinhos falou uma coisa interessante: parecia que nós tínhamos uma alma-grupo, era uma alma só que nos regia, mas cada um assim, com seu estilo”59. Conforme o depoimento de Nívea Bracher60 (2010a) sobre os pintores do grupo, cada um tinha sua personalidade própria, seu jeito, seu talento. Ela achava todos muito talentosos. Talvez o mais talentoso para ela, fosse o Wandyr, pela obra dele. Ele e o Dnar eram muito amigos. Nívea Bracher (2010a) descreve o que disse Rui Merheb, no Castelinho, em um dos encontros: Cada encontro da gente acabava virando uma festa, então o Rui falou que estava se sentindo assim como se estivesse num encontro com os impressionistas, como se nós fôssemos. Então a gente se sentia! Aí aquele era o Van Gogh, aquele era o Gauguin, o outro era o Degas. O Wandyr já era mais o Van Gogh, o outro pintor da turma, o Jaime Soares, aquele era o Gauguin. O Ruy Merheb já era o mais moderno, possuía uma síntese de arte fantástica. Ninguém era ninguém, mas a gente se sentia, ligado um no outro, com quem sentia mais afinidade. O Reydner, depois já estava entrando na linha mais abstracionista, de um requinte e de um bom gosto como eu nunca vi. Ele era um esteta, até pra se vestir, ele se compunha, era uma maravilha, talvez o mais talentoso. Tínhamos também um gênio na turma – que eu acho um gênio que era o Roberto Vieira. Naquela época ele já fazia a arte do século XXI, tinha muito do impressionista, dos pós-impressionistas, dos modernos, dos abstratos, e o Roberto Vieira já era assim uma cabeça voltada para as instalações. Roberto Vieira é fantástico, fantástico. È um grande artista (BRACHER, N., 2010a).

“Era uma época muito gostosa e eu fico pensando, como é que a gente vivia assim, ninguém tinha dinheiro não”, afirma Nívea Bracher (2010a): “o Décio conta que na época, o bar Astória, ali na Avenida Rio Branco, com Halfeld, onde o pessoal ficava ali dia ou, noite a dentro, ninguém bebia nada, bebia só um café. O Décio conta que até o garçon, às vezes, pagava a conta para ele...” E o curioso era que “a gente se sentia muito francês, aliás, o Pierre Mérigoux61 falou uma coisa que nos impressionou muito: que ele aprendeu arte aqui em Juiz de Fora, na convivência com a gente. Ele também foi muito amigo do Reydner. Nós não vivíamos só a pintura, a gente vivia muito o cinema, a nouvelle-vague tudo dessa época”.

59

Grifo da pesquisadora. Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 61 Pierre Mérigoux é um francês que foi grande amigo de Nívea Bracher e da família Bracher. Foi professor e diretor da Aliança Francesa e atuava como um representante, similar a um embaixador da França em Juiz de Fora. Seu papel na cultura da cidade se destaca no período em que, como diretor, a Aliança Francesa emprestava as máquinas de projeção e colaborava trazendo filmes da Embaixada Francesa, com exibições em suas salas – instalações. 60

96

Pierre Mérigoux disse à Nívea Bracher (2010a) que ele punha na vida dele, como importância artística: “em primeiro lugar, Juiz de Fora. Em quarto lugar, na época em que ele fez esse depoimento é que ele colocou Paris, em quarto lugar... imagina!”, disse Nívea. “Outra coisa que ele dizia é que nós éramos mais franceses no sentido de efervescência – a gente tinha mais o sentido da arte e o respeito à França naquela época, do que a própria França”. Sentíam-se assim mesmo “como ele falava... Montmartre, Montparnasse, e então vivíamos isso normalmente, mas sem perder a cultura brasileira”. Sobre os valores de brasilidade, Nívea Bracher (2010a) afirma que a sua visão acerca desta importância se estendeu pela Galeria de Arte Celina, pois a GAC participou do carnaval como ala da Escola de Samba Turunas do Riachuelo. Ela relembra: “a gente emendou a arte popular, com a arte erudita, nós começamos a fazer um trabalho assim”. Na opinião de Nívea, a década de 1960 foi uma década importante, desde o final de 1950, porque se herdou muito daquela beleza de vida e de descoberta do Brasil. Assim ela descreve: “vencemos o complexo de vira-latas, como dizia o Nelson Rodrigues, com a beleza que foi o governo de Juscelino Kubitscheck, porque houve uma descoberta de nós mesmos, de que nós éramos brasileiros, tanto que surgiu a bossa nova, o cinema novo”. Essa época no Brasil foi de grande efervescência cultural, redescoberta de valores e raízes, além das repercussões do mundo. Diante destas circunstâncias, o grupo de pintores que frequentava o Castelinho, segundo Nívea Bracher62 (2010a) não tinha muito esse intuito de: “ah... vamos pintar assim pra ser brasileiro - não, a gente fazia a arte que tinha que ser, no sentido quase que universal. Não havia uma coisa assim de xenofobia, não havia isso. Cada uma era simplesmente o que era, algo assim: pintai a sua aldeia que estará falando do mundo... era uma coisa que o Stehling revelava muito bem”. O cinema foi um fator fundamental na formação artística e estética dos pintores deste grupo. Influência neste grupo houve sim, conforme relata Nívea Bracher (2010a): “um fator muito importante, por exemplo, foi o filme que Vincent Minnelli, fez sobre Van Gogh, protagonizado pelo ator Kirk Douglas. Nós assistimos ao filme e Van Gogh permeou muito esta nossa geração. Houve a influência dos impressionistas, mas a influência de Van Gogh foi mais forte”. Ela relembra também de um filme de John Huston, sobre Toulouse-Lautrec, o Moulin Rouge, que foi importante, e revela como o cinema era crucial para eles: “até porque naquela época nós não tínhamos muitos livros de arte, não tínhamos acesso”. O cinema

62

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

97

preencheu durante um tempo a vida destes artistas, povoando, reformulando e ampliando o imaginário, assim como a expressividade de suas obras. Nívea Bracher63 (2010a) descreve como aprendeu sozinha sobre o impressionismo na adolescência, intuitivamente, e que esta intuição e criatividade eram uma tônica presente no grupo de artistas. Quando ela era estudante, na Escola Normal, após cursar o ginásio, nesta escola havia um pátio repleto de vidraças, mas com vidros que refletiam a cidade. Nívea Bracher (2010a) relembra: “eu gostava muito de olhar para a cidade, não olhando pra cidade, eu olhava a cidade refletida nos vidros”. Ela gostava de ver as nuances da cidade, refletidas nos vidros, suas partes multicoloridas, e prossegue dizendo: “porque existe aquela parte prismática do vidro, então eu olhava assim, mas que bacana... o vermelho era mais intenso, o amarelo... e eu ficava olhando aquilo. A cidade assim refletida não se apresentava com os contornos certos não”. Naquela época, dizia Nívea: “a cidade nos inspirava à arte – hoje não é mais assim não, mas antigamente era. Quando eu tomei conhecimento dos impressionistas eu logo me identifiquei e já havia aprendido o impressionismo através das vidraças da escola normal”. Ela afirma que a emoção que teve ao ver as imagens assim como viu nos vidros, outros pintores franceses devem ter tido, lá onde estavam, na época do impressionismo. Dizia que a sensibilidade do olhar é assim se desenvolve na observação. Comenta que o Monet, seguia muito o Turner, e que ele ia aos lugares onde o Turner pintava, só para observar. E prossegue dizendo: “então quando eu tomei conhecimento do impressionismo, que a mistura do verde era feita na retina, no olho, estando o amarelo ao lado do azul, eu já sabia. Na hora de pintar a gente não vai pensando nada, a não ser aquela turma do pontilhismo, que fazia mesmo como se fosse um offset”. Os artistas que pintavam junto com Nívea Bracher (2010a) utilizavam os recursos e materiais que haviam no momento, independente de regras. Ela complementa: “pintávamos simplesmente com aquilo que estava ali na palheta. Se não havia o branco, usava-se o amarelo... Um dia eu estava pintando com o Rui Merheb e ele me perguntou se eu tinha o branco. Eu disse que não, que só tinha o amarelo, e então ele disse: ah! Então serve! A gente pintava com a cor que se tinha”. Ela acreditava que havia uma coisa instintiva e que o instinto é uma coisa universal, dizia, “tanto aqui em Juiz de Fora, quanto em qualquer parte do mundo. Gente é gente em qualquer lugar”.

63

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

98

Instinto e intuição eram presentes em cada circunstância. Um dia saíram para pintar ao ar livre: Nívea, Celina e Wandyr Ramos. Era a primeira vez que Celina Bracher iria realizar um quadro: Aconteceu uma coisa tão engraçada, saímos pra pintar só nos três – eu, ela e o Wandyr. O Wandyr era grande, grande pintor! Pegamos os cavaletes e descemos até a Praça da Estação, entramos num beco alí. O Wandyr ficou mais na frente, Celina um pouco mais atrás e eu na entrada. Cada um no seu ponto, pintando o seu quadro. De repente eu escuto o Wandyr... Nívea olha isso... Eu nem sei, o Wandyr jogou o quadro dele fora, eu também nem sei do meu. Ele falou: vem ver o primeiro quadro da Celina! Infelizmente esse quadro desapareceu... A Celina me faz o favor de pintar em seu primeiro quadro – uma obra-prima – que desbancou a mim, ao Wandyr e a todo mundo. Nossa, mas foi um quadro assim ‘tão especial’...! Aí ela passou a pintar. Pintou pouco, porque ela faleceu, logo em seguida, mas a Celina era quem encantava. A Celina é quem fazia a liga do conjunto, das pessoas, dos artistas (BRACHER, N., 2010a).

Celina foi o núcleo de uma movimentação, desencadeadora deste sentido de agregação do grupo, desde o início. Carlos Bracher64(2011b), em um depoimento, relembra o quanto todos eram jovens, em uma ânsia de viver e a cidade também tinha essa ânsia de viver. Em termos de arte, naquela época, ele se recorda de que a Prefeitura não fazia quase nada, talvez um ou dois eventos por ano e a Universidade nem existia no início, depois estava apenas começando. Ele afirma que tudo é uma invenção, a arte é uma invenção, a vida é uma invenção. São formas inventivas de se consignar as coisas. Existem códigos, muitas vezes, difíceis de ser alterados e revela: Aqui no Castelinho havia a Celina. A Celina era tudo isto. E nós éramos a Celina. A Celina era um código entre nós – ela era uma imanência entre nós. Era um permear entre nós. Era a nossa vida. Quando existe isso, que é a interação, a irmandade, quando há todas estas formas de afeto, tudo aí, existe. Passa a existir uma dinâmica, uma propulsão inevitável de todas as coisas: as coisas funcionam. Isso é a vida: o ato de sentir puramente as coisas, quando isso é verdadeiro, isso é fatal. Nada se perde, quando existe isso, tudo se integra e se inteira (BRACHER, C., 2011).

Carlos Bracher (2011b) complementa: “são as inteirações, são os cânticos vastos e fundos, abrangentes e comoventes entre os seres e as pessoas. Estes movimentos se tornam fortes”. Ele se pergunta: “por que às vezes um grupo dá certo? Às vezes por uma pessoa, às vezes pela coletividade”. Responde então, enfaticamente: “aqui foi pela coletividade, seja pela GAC, seja por esta casa aqui”.

64

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

99

O espírito de coletividade, de comunidade, segundo Carlos Bracher (2011b) permitiu uma identidade de grupo, que teve início na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras: “naquele grupo maravilhoso da Antônio Parreiras, nos tornamos irmãos. Este grupo foi substancial nesta agregação e circunstância de nós crescermos conjuntamente”. Para ele, esta disponibilidade que ali houve, “de ter verdadeiramente um grupo, homogêneo, no sentido da amizade, da harmonia, e de uma grande possibilidade de nós nos afeiçoarmos artisticamente, humanamente, esse grupo foi determinante e muito forte para todos nós”. Para Carlos Bracher (2011b), todos do grupo tiveram esta conjuntura, de se apropriarem coletivamente dos mesmos dados, dos mesmos dons, e considera que foi muito importante esta questão coletiva ali na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras. A esta força se uniram outras, conforme sua descrição: “tivemos mais esta força que foi daqui da nossa casa, do Décio, da Nívea e também muito importante, foi a força que representou o incentivo dos nossos pais. Isto foi sempre um fator si ne qua non na nossa estrutura. Este sentido grupal foi o que nos deu essa grande cara, essa identidade”. Julga que este coletivismo, este senso de comunidade, foi fundamental para ele, para Nívea, Celina e Décio, assim como para os demais artistas que partilhavam desta integração. Carlos Bracher65 (2011b) relembra: “então os outros pintores, cada um foi sendo o que era, cada um foi fazendo o que tinha que fazer. O Wandyr foi uma coisa, o Dnar era outra, o Ruy Merheb era outra, o Reydner, o Stehling, o Roberto Gil, depois o Roberto Vieira, cada um tinha a sua linha, mas havia uma consignação meio univalente, que surge como ponto original”. Ele conclui que este espírito coletivo, foi o que os afirmou em suas individualidades e comenta: “essa nossa individualidade vinha de um espírito coletivo. É uma coisa interessante, não éramos tantos, mas cada um tinha uma linha diferente. Às vezes um se sobrepunha um pouco mais ao outro. O Dnar era com quem eu mais conversava, talvez fosse aquele com quem eu tinha mais afinidade depois da Nívea”. Em seu processo de trabalho, ele relata que “a Nívea e eu éramos uma mesma coisa, uma coisa extraordinária, era quase uma mesma pessoa em duas vozes”. Sobre o grupo de pintores que partilhavam os momentos de produção artística e de convívio com os Bracher, o professor Hélio de Almeida Fernandes66 (2010) afirma: “a não ser a Sociedade Antônio Parreiras e esta família aqui, dos Bracher, com estes caras que eram os satélites desta casa: o Ruy, o Wandyr, o Dnar, o Stehling e mais outros, poucos, que aqui 65

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com o professor Hélio de Almeida Fernandes, em 13 de setembro de 2010, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 66

100

frequentavam, fora disso, pode-se se dizer que não existia pintura aqui em Juiz de Fora”. Para ele, esta casa, o Castelinho, era o centro gravitacional dos artistas. Segundo Howard Becker (1977, p.209), “o artista trabalha no centro de uma ampla rede de pessoas em cooperação, cujo trabalho é essencial para o resultado final. Onde quer que ele dependa de outros, existe um elo cooperativo”. Sob este prisma, o grupo de artistas além de realizarem conjuntamente suas obras, debatendo ideias, partilhando materiais e sonhos, realizavam projetos em conjunto, onde todos colaboravam para a sua divulgação na cidade. Nívea Bracher67 (2013a) relata uma destas circunstâncias ao dizer que o grupo usava todos os recursos que tinham em mãos para anunciar qualquer show, qualquer evento. Às vezes o evento acontecia de uma maneira meio urgente. Então o grupo usou o recurso de pintar o chão da Avenida Rio Branco e iam depois descendo e pintando a Rua Halfeld, com caiação sobre o asfalto. Ela afirma: “nós fomos precursores das pichações que existem hoje nos muros, só que a gente fazia no asfalto. Fazíamos setas, anunciávamos, pintávamos flores e como a gente fazia isso de madrugada, a gente desejava bom dia pra cada passante, que passava, um bom café da manhã... mas que não se esquecessem que teria um show naquele dia ou no Teatro Central, ou não sei aonde...” Ela se lembra de um show que o grupo organizou, dos Novos Baianos e que “foi muito bonito, no pátio do Colégio Academia, chovia muito naquela época, mas naquele dia deu uma lua linda, uma lua cheia maravilhosa e o show foi lindo, lindo. Eu me lembro que época nós pintamos esta caiação nas ruas e é lógico que o Prefeito veio e nos chamou a atenção. Éramos meio ingênuos”. Nívea Bracher (2013a) comenta que ao ler uma entrevista de Chico Buarque falando sobre Vinícius de Moraes, havia uma coisa importante naquele período entre as décadas de 1960 e 1970, que era “a camaradagem”. Na época, ela afirma: “éramos todos por todos, e então não havia assim o padrão de dinheiro, o pragmatismo não existia, Havia sim, um compartilhar, um viver, um viver junto, e nós éramos todos ingênuos, ou seja, se até o Vinicius de Moraes – na tal entrevista – era considerado ingênuo, imagine nós aqui, em Juiz de Fora”. Sobre o show dos Novos Baianos, Nívea se lembra que algum repórter publicou assim: “a branca sujeira dos Novos Baianos” e uma pessoa deu uma resposta tão bonita, que ela diz não saber se foi publicada: “no Abaeté tem uma lagoa escura, mas é rodeada de areias brancas”, ou seja, Nívea relata que “aquela brancura da nossa caiação, remetia à areia branca de Abaeté”. O que ela acha incrível é que se lembra de que ninguém tinha dinheiro e as coisas aconteciam, mesmo assim. 67

Entrevista com Nívea Bracher, em 21 de abril de 2013a, Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora.

101

Ainda sobre a entrevista que Nivea Bracher (2013a) leu e gostou tanto, que era de Chico Buarque sobre Vinicius de Moraes, ela relata: “ele disse que na casa do Vinicius é que se inaugura este sistema de Casa Aberta, aonde as pessoas chegavam sem dinheiro, iam entrando e ficavam como acontecia em nossa casa também. O Castelinho também foi uma Casa Aberta em Juiz de Fora”68. Ela ressalta que as pessoas que lá chegavam, ficavam, dormiam, comiam, iam ficando, no sentido de estar junto – não no sentido de namorar, como é hoje. Sobre o grupo de artistas, Nívea Bracher (2013a) conclui: “a gente só vivia porque estávamos juntos. Éramos uma tribo, todos nós. Éramos o mesmo bando juntos”. 2.4 O Grupo 57 Um grupo – uma tribo – se constitui espontaneamente em Juiz de Fora. Alguns membros originam-se da participação na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, outros se agregam, mas certo é que houve uma confluência, uma convergência de ideais e aspirações que se condensaram na partilha entre pensamentos, música, tintas, pincéis, lápis e palavras, unidos a longas conversas cotidianas em torno da mesa do Castelinho dos Bracher traçando, a partir daí, percursos de vida. Rotas que se direcionam ao ateliê construído no Castelinho: primeiro centro gravitacional que ainda contava com a presença carismática de Celina Bracher e que depois se deslocam para a Galeria de Arte Celina, em uma dinâmica mais expansiva, de intercâmbio com a cidade. Através deste espaço, o Grupo dialoga com a sociedade através da arte. Em todos os relatos anteriores sobre o grupo da Parreiras, um grupo maior que se reunia no Castelinho, com várias personalidades e que continha também os artistas, nenhum recebeu classificação ou nomenclatura, por parte dos Bracher, nem dos demais artistas. Porém, parte de um colecionador, curador e grande amigo da família Bracher, Cézar Xavier Bastos, esta iniciativa. Em convivência com os artistas locais, ao realizar um estudo mais profundo sobre a pintura em Juiz de Fora, nomeia o grupo dos artistas mais modernos naquela época, como Grupo 57, como poderá ser visto a seguir. Vale ressaltar que os artistas que foram incluídos naturalmente nesta classificação, não fizeram objeção alguma e concordaram por já estarem integrados anteriormente, por suas afinidades artísticas e convivência, como uma tribo, conforme já dizia Nívea Bracher. O “tempo das tribos”, segundo Maffesoli, apresenta “a lição do ‘arcaísmo’ pósmoderno: tornar-se a representar, em todos os domínios, a paixão comunitária”. Revela-se em uma tendência que imanta pessoas como o magnetismo de um ímã. Não há como ser 68

Grifo da pesquisadora.

102

imparcial ou inerte neste contexto. Uma força maior é capaz de impelir um indivíduo em direção ao outro, induzindo-o a copiá-lo. Desta forma ele é pensado - onde crê que pensa - e sofre a ação - onde crê que é o autor de tal ação. Surge um “narcisismo de grupo” e o estarjunto é a pedra fundamental: a base. “Este é o ponto nodal filosófico do tribalismo”. (MAFFESOLI, 2010, p.15) Nas artes plásticas, sobretudo na pintura, a cidade não teve uma Geração 45 em destaque, mas produziu, ao longo do tempo, mentalidades à frente de seu tempo, que em constante ebulição, formaram o chamado Grupo 57, pintores que marcaram a cultura da cidade com o “emblema da qualidade”. Grupo assim definido pelo engenheiro e colecionador de arte Cesar Xavier Bastos (2006, p.1). O autor apresenta em seu texto como Escola de Juiz de Fora, reflete anos de pesquisa, contato com artistas da cidade e curadoria de exposições. Esta terminologia, segundo o autor, diz respeito a uma escola de pintura, definida por ele como sendo um grupo de pintores que se encontram por acaso, em circunstâncias quaisquer, geográficas ou não, intencionais ou casuais. Elabora a comparação com o grupo “O Cavaleiro Azul” fundado por Kandinsky em Munique, em que pintores trocavam ideias, pensamentos sobre arte, sobre o que pretendiam realizar, como também sobre o “como fazer”. Não considera o grupo de pintores juiz-foranos de 1957, como homogêneo, temporariamente poderia sair um, ou entrar outro. Desentendimentos poderiam ocorrer... Afirma que o gênio não fica muito tempo em um grupo, acaba por trabalhar sozinho, como ocorreu com Cézanne. Comenta que a aproximação entre os componentes do grupo, em seus ideais, assim como a classificação, análises e denominações vem posteriormente no transcurso histórico e pela crítica. Exemplifica sua abordagem ao citar a Escola de Barbizon, os Impressionistas, etc. Para ele, uma escola só funciona durante um espaço de tempo e para tal, está convicto de que hoje não se pode chamar nenhum pintor de impressionista, pois para ele, “impressionistas foram aqueles”. Diante destas reflexões, descreve o Grupo de 57 historicamente: Historicamente, vamos apresentar a Escola de Juiz de Fora em largas pinceladas, considerando apenas as décadas. Existiu de 40 a 70. Edson Motta, chegando da Europa e dos Estados Unidos da América em 1941 (ganhou o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro do Salão Nacional de Belas Artes), realiza seu sonho de dar um curso de pintura em Juiz de Fora, o que faz na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, já existente nessa época. Foram seus alunos: Mario Tasca, Maurício Magalhães Carvalho, J. Guimarães Vieira, Jayme Aguiar. E, com onze anos de idade, incentivado por seu tio Frederico Bracher, Décio Bracher. Fundadores da Antônio Parreiras e já atuantes: Ângelo Bigi, Sylvio Aragão, Américo Rodrigues, Carlos Gonçalves, Heitor de Alencar. Ainda na década de 40 surge Renato de Almeida. Nos anos 50, Ruy Merheb, Renato Stehling, Roberto Vieira,

103

Dnar Rocha constituiriam o que se pode chamar de grupo de 57, pintores com uma visão de arte semelhante, embora com resultados diferentes. Na década de 60 é preciso destacar a atuação da Galeria de Arte Celina, com Décio, Nívea, Carlos e Fani Bracher. Entre os anos 70 e 80 aparece no mundo o fenômeno do assim chamado pós-moderno que se caracteriza, entre outros aspectos, por uma grande pulverização das coisas. Pois foi o que aconteceu com a pintura em Juiz de Fora, onde hoje há de tudo e mais alguma coisa69… (BASTOS, 2006)

Cesar Xavier Bastos (2006, p.2) comenta que há a possibilidade de faltar o nome de algum artista, mas que esta, é apenas uma pequena amostragem de um período. Propõe considerar primeiramente os “antecedentes” à referida Escola de Juiz de Fora, artistas de grande importância como Hipólito Caron e César Turatti. Os demais supracitados, como “participantes” e entre estes, os denominados “remanescentes”, ainda em atuação, como Nívea e Décio Bracher, Dnar Rocha, Jayme Aguiar, ou atuantes esporádicos, atuantes contínuos que produzem até o fim da vida, como Dnar. Os “conseqüentes”70 como Cláudia Matos, Cláudio de Landa, Cristina Aragão, Henrique Lott, Janice Lopes, para o autor, são aqueles pintores teimosos “em trafegar por esta larga Avenida Barão do Rio Branco das Artes, que é a Pintura”. Sobre esta descrição feita por Xavier Bastos, em relação ao desenrolar da pintura em Juiz de Fora, cabe ressaltar que em depoimento em agosto de 2013 71, ele esclarece que “aos artistas que menciona como formadores do Grupo 57, se deve acrescentar: Celina, Décio, Nívea e Carlos Bracher”. Já os irmãos Bracher72 incluem neste grupo também, os artistas Roberto Gil, Wandyr Ramos e Reydner Gonçalves. Assim, os artistas mencionados anteriormente: Renato Stehling, Dnar Rocha, Wandyr Ramos, Nívea Bracher, Carlos Bracher, Ruy Merheb, Reydner Gonçalves, Décio Bracher, Roberto Gil, Celina Bracher e Roberto Vieira formam esta “tribo”, um grupo que buscou expressar, através da arte, seu olhar para o mundo, fora dos domínios do academicismo. Os irmãos Bracher, em depoimento no Castelinho, confirmam que este foi um grupo não proposital ou intencional, formou-se pelo convívio natural e pelas afinidades artísticas. 69

BASTOS, Cesar Xavier. Pintores de Juiz de Fora. Texto escrito pelo autor em 20/06/2004 e cedido para esta pesquisa em agosto de 2010. Há fragmentos deste texto no livro NEVES, José Alberto Pinho. Dnar, o silêncio das Imagens. Juiz de Fora: [s.n.], 2007. 180p. il. ISBN 978-85-907788-0-6. 70 Cesar Xavier Bastos, como curador, organizou, além de outras mostras importantes na cidade, uma exposição “Pintores de Juiz de Fora” na Galeria Renato de Almeida, no Centro Cultural Pró-Música, de 05 a 31 de dezembro de 2002, com seu acervo composto por obras de todos os artistas considerados por ele como representativos da pintura de Juiz de Fora. A reportagem está disponível no site oficial do Centro Cultural PróMúsica: Acesso em: 01 de junho de 2014. 71 Entrevista realizada com Cesar Xavier Bastos, no dia 20 de agosto de 2013. 72 Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

104

Um tempo de tribos, de um grupo que realmente fez a diferença no rumo cultural de Juiz de Fora. A Galeria de Arte Celina reflete a imagem desta relação de convívio e participação atuantes, cujos questionamentos permitiram e facilitaram o desenvolvimento de uma formação de um olhar crítico e estético até então ainda não existente na cidade de forma efetiva.

O grupo se fecha no contexto que construiu. A imagem do meio exterior e das relações estáveis que mantém com este passa ao primeiro plano da ideia que tem de si mesmo. Essa imagem penetra em todos os elementos de sua consciência, deixa mais lenta e regula sua evolução. Não é o indivíduo isolado, é o indivíduo enquanto membro do grupo. É o grupo em si que, dessa maneira, permanece sujeito à influência da natureza material e participa de seu equilíbrio [...] o lugar ocupado por um grupo não é como um quadro-negro no qual se escreve e depois se apaga números e figuras. [...] Todas as ações do grupo podem ser traduzidas em termos espaciais, o lugar por ele ocupado é apenas reunião de todos os termos. Cada aspecto, cada detalhe desse lugar tem um sentido que só é inteligível para os membros do grupo, porque todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outros tantos aspectos diferentes da estrutura e da vida de sua sociedade, pelo menos o que nele havia de mais estável” (HALBWACHS, 2006, pp.159-160).

Existiu nesta tribo o sentimento de pertencimento, um entrelaçamento de redes, cujos fios foram responsáveis pela tessitura cultural em Juiz de Fora. Uma pergunta poderá surgir: neste estar-junto, no contexto coletivo deste grupo, como se dá esta atmosfera cultural partilhada? Segundo Durand (1983, pp.09-11), há dois níveis de inconsciente: um nível fundador, denominado por Yung como inconsciente coletivo e o outro, que seria o inconsciente coletivo culturalizado, já que o ser humano traz consigo a sua cultura desde o ventre, desde o berço e carrega internamente uma “paisagem cultural mínima”. Esta “impregnação cultural” constitutiva do nível fundador permite estabelecer relações com os mitos, gerados sempre a partir dos dilemas - “onde o por e o contra são afirmados sem que possa haver decisão”. Na sociedade surgem as funções e os papéis que vêm por diferenciar-se em dois pólos: que o autor assim classifica como positivos, de acordo com as ideologias do poder, cujas funções de desmistificação e recuperação são consideradas as “mais veneradas”. Já o pólo das funções negativas se constitui pelos papéis marginalizados. Para Durand, (1983, p.11): [...] através desses papéis marginalizados que, então o mito de numa sociedade se empobrece, e uma mitologia nova, contestatária, se vai formar. Vai-se formar, e são geralmente dissidências, movimentos de desmistificação em relação à sociedade estabelecida, que ireis encontrar nessas atribuições (DURAND, 1983, p.11).

105

Em um esquema proposto pelo autor, sobre a sociedade “decadente e simbolista (1880-1920) na França” – esquema dois – encontra-se papéis considerados positivos como: o inventor, o professor primário, o colono, o defensor da pátria, o caixeiro-viajante. Em oposição neste esquema são identificados os descontentes, com funções mais desvalorizadas pela sociedade. Temos aí o artista maldito, o dandy que é provocador, o anarquista, o artesão ameaçado pela indústria, o aristocrata, o místico e a mulher emancipada. (DURAND, 1983, pp.14-21). Para este autor, seu conjunto proposto, que seria para a França de 1920 do primeiro pós-guerra “a 1980, o nosso pós-guerra agora”, prevalece o mesmo esquema, porém com outras indicações, modificam-se os papéis. Assim, o “superego dos anos 1920-80” é marcado pelo contexto dos mass-media e meios de comunicação mais sofisticados, que permitem a institucionalização de Dionísos, personalidades difundidas nas médias que encorajam a sociedade. Conforme o autor há uma nova mitologisação dionisíaca, como também aqueles que ficam à sombra de Dionísio – acabam por perder a força contestatária inicial. No Brasil, sob a influência dos modelos e padrões culturais europeus, como também sob a influência da França, mais tardiamente, estes papéis se reproduzem. Os esquemas propostos são complexos, mas Durand diz que “a sociedade vive sobre dois mitos: um mito ascendente que se esgota e, ao contrário, uma corrente mitológica que vai beber às profundezas do isso, do inconsciente social. Mas na realidade, os mitos não se apagam na memória social”. Sob esta perspectiva a Galeria de Arte Celina, torna-se mito decorrente de um grupo de intelectuais e artistas, cujas ações e vivências na cidade de Juiz de Fora se encontram presentes no imaginário, na memória – individual – social – coletiva. 2.4.1 Artistas do Grupo 57 É interessante perceber, ao menos superficialmente, parte do universo destes artistas já mencionados, considerados componentes do Grupo 57. Trata-se de se conhecer os atores sociais que produziram esta nova concepção artística na cidade de Juiz de Fora. Segundo Cesar Xavier Bastos73 (2013), que além de ter convivido com vários destes artistas e de ter promovido exposições deles em Juiz de Fora, faz uma breve descrição sobre o conjunto de obras mais conhecidas. Esteticamente, percebeu que “há uma característica comum a todos eles, em determinado período, que é a presença dos contornos pretos na pintura destes artistas – contornos pretos, como filetes – em torno das formas representadas nas telas, que anunciam certo estilo”. Ele complementa ao dizer que provavelmente 73

Entrevista realizada com Cesar Xavier Bastos, em 20 de agosto de 2013, Juiz de Fora.

106

receberam influência na época, a partir do conhecimento de imagens das obras de Georges Rouault (1871-1958) pintor francês expressionista, cuja pintura se caracterizava pelos contornos fortes em preto, em contraste com as massas de cores e que, foi muito conhecido também por seus vitrais. Ao se observar a obra dos artistas do Grupo 57, percebe-se que esta característica comum, assinalada por Xavier Bastos é pertinente. Mas há também a vertente da influência de Van Gogh, mencionada por alguns dos artistas, que também é relevante. Certo é que o início desta movimentação dos artistas mais novos, desde os anos finais da década de 1950, a partir de 1957; o convívio entre eles na cozinha do Castelinho dos Bracher; os momentos de pintura ao ar livre; posteriormente o convívio mais efetivo no ateliê do Castelinho e a seguir, a ruptura com a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, para em 1965 se inaugurar a Galeria de Arte Celina, assinalam a força deste Grupo – deflagra-se o exercício de um ‘modernismo’ – tardio ou não – porém não planejado, não projetado, puramente intuitivo. Os artistas: Dnar Rocha, Renato Stehling, Reydner Gonçalves, Roberto Gil, Roberto Vieira, Ruy Merheb e Wandyr Ramos terão, a seguir, uma breve sinopse. Já os irmãos Bracher: Carlos, Celina, Décio e Nívea, não farão parte da sinopse, pois estarão representados no capítulo 3. 2.4.1.1 Dnar Rocha (1932 – 2006) “Meu ateliê é na minha cabeça”, disse Dnar Rocha à Nívea Bracher74. Assim se revela o caráter introspectivo e reflexivo do artista em seu cotidiano, como processo criativo. Nasce na cidade de Tabuleiro do Pomba e chega a Juiz de Fora em 1951, o artista que traduziu sua vida em um percurso poético das cores e formas, cujas pinceladas ainda percorrem o imaginário presente nas visualidades juiz-foranas (figura 30). Inicialmente na juventude, exerceu diferentes atividades profissionais, mas duas delas tornaram-se um divisor de águas em sua vida: o momento em que se tornou aluno de desenho de Katarina Zelentzeff, tendo ingressado na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras –SBAAP, e o período em que se dedicou à pintura artística de porcelanas da Louçarte, uma fábrica de louças da família Bracher. Na SBAAP começou o convívio com os artistas mais acadêmicos e com os Bracher, teve a oportunidade de conviver e de se congregar com outros artistas de maior afinidade estética – o Grupo 57 – sua família artística. 74

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

107

Tive a oportunidade de conhecê-lo ainda em vida e de participar de exposições coletivas com Dnar Rocha, no ateliê/Galeria Janice Lopes e na Galeria do Centro Cultural Pró-Música, com curadoria de Cesar Xavier Bastos. Nos contatos com suas obras, conheci sua fase branca na pintura que, a meu ver, se faz presente inconscientemente, pelo exercício de pintura sobre o branco das porcelanas da Louçarte, que de certa forma, vieram a impregnar de uma forma expressiva e sintética, a sua marca na pintura. Na fábrica, o ofício de criar os desenhos e pintá-los com as cores sobre o branco da louça, sobrepondo-o, acabou - por oposição - em desencadear este processo: diante da variedade de cores e da liberdade de criação em outro suporte, trazer o branco à superfície, com pujança, tornou-se uma tônica. As cores estariam ali, em poucas áreas para realçar a vida do branco nas telas. O branco seria um silêncio, com muito a dizer. Estas obras fizeram parte de uma exposição de grande projeção para o artista, na Galeria de Arte Celina em 1970 (figuras 30 e 31).

Fig. 30. Autorretrato de Dnar Rocha. Fig.31. Imagem de uma obra de Dnar Rocha.

Carlos Bracher (1972) apresenta um texto no convite/folder da Exposição Stheling e Dnar (realizada na Galeria de Arte Celina de 15 de julho a 15 de agosto de 1972), em que descreve um pouco sobre esta sua fase da pintura: “Dnar é o solitário dos cinzas. O intimista, que recolhe a natureza e a sublima em brancos. Sua atual ‘fase branca’ é o fruto de longo amadurecimento centrado em sólidas pesquisas técnicas e formais. Sua arte, acúmulo de muito amor, coincide com sua individualidade dócil”. Após a fase branca, sua expressividade cria uma voz mais forte, onde as cores puras e vibrantes se contrastam com os contornos pretos, tão constantes em sua obra, por toda a vida. 108

Sua personalidade simples e afável se revela na simplificação das formas e de elementos presentes tanto em naturezas mortas, quanto nas paisagens. Participou na SBAAP na parte administrativa, nos cargos de tesoureiro e no Conselho Fiscal. Realizou diversas exposições em Juiz de Fora e em outras cidades, tanto coletivas quanto individuais, recebeu vários prêmios e possui suas obras em acervos como: Museu Mariano Procópio, Prefeitura de Juiz de Fora, Secretaria da Indústria e Comércio - MG, Universidades Federais de Juiz de Fora e Viçosa, Bancos do Brasil e do estado de São Paulo, Caixa Econômica Federal, Petrobrás, Rede Ferroviária Federal e Embaixada do Senegal (AMARAL, 2004, pp.58-59). Dnar Rocha ainda se faz presente pelos corredores da Galeria Pio X, que abrigou a Galeria de Arte Celina, iluminando com suas cores e formas, o design da cobertura transparente do teto de placas de acrílico, que trazem personalidade à Galeria, na combinação dos traços arquitetônicos da primeira metade do século XX, com os novos olhares de outras gerações (figuras 32, 33 e 34).

Fig.32, fig. 33 e fig.34. Detalhes do teto transparente em acrílico da Galeria Pio X, que abrigou a Galeria de Arte Celina. Desenhos de Dnar Rocha, Juiz de Fora.

Houve iniciativas de reconhecimento de sua obra em Juiz de Fora, como por exemplo, a Exposição Retrospectiva 47 anos de Carreira, em fevereiro de 2000, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), com curadoria do Prof. Afonso Rodrigues e promoção da

109

FUNALFA (AMARAL, 2004, p.59). Após sua morte, o livro Dnar, o silêncio das imagens75, foi lançado no Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), em 17 de dezembro de 2007, pelo Pró-Reitor de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), José Alberto Pinho Neves, juntamente com uma exposição de oito telas do artista na Galeria Poliedro no MAMM. O documentário Dnar Rocha - pelos caminhos da arte foi realizado por Éveli Xavier, com o artista ainda em vivo. Dnar teve conhecimento das duas iniciativas: do livro supracitado e do documentário, embora não tenha tido tempo de vê-los concluídos, estava feliz em saber da concretização destes dois projetos que se desenvolviam na cidade. No dia 05 de julho de 2012, foi inaugurado o Centro Cultural Dnar Rocha (CCDR - na rua Mariano Procópio s/n.º, no bairro de mesmo nome), na antiga Estação Mariano Procópio, ocupando três prédios da Estação, que abrangem oficinas gratuitas, de diversas modalidades artísticas e cursos direcionados a crianças, adolescentes e jovens de 06 a 22 anos. Em 06 de novembro de 2012, a exposição de pinturas e desenhos do artista Dnar Rocha 80 anos, com curadoria de Daniel Rodrigues e Tamires Fortuna, homenageou o artista simultaneamente com o lançamento do livro Simplesmente Dnar76 organizado por sua esposa Aída Célia de Andrade na Galeria Arlindo Daibert, no CCBM77. Carlos Bracher (2012) afirma: “Dnar é irmão nosso, da família”, e assim designa palavras à coletânea dedicada ao livro supracitado. “E a história dele confunde-se com a nossa própria no tempo, no paralelismo de vivermos as mesmas instâncias, as mesmas sondas e louças, as sendas e artes de um trajeto uníssono em evocações comuns. [...] Crescemos coligados uns aos outros numa espécie de sociedade de vivência a múltiplas mãos”78 (BRACHER, C. apud ANDRADE, 2012). 2.4.1.2 Renato Stehling (1935-2003) “A compulsão me leva a pintar”, assim revela o artista. A rebeldia da emoção e a explosão das cores tornavam-se controladas nos espaços delineados por seus traços expressivos, em pinceladas de cor preta – o filetado, característico em toda a sua obra (figuras 35 e 36). 75

LIVRO sobre Dnar Rocha, um sonho realizado [publicada em: 18 de dezembro de 2007]. Disponível em: < http://www.ufjf.br/secom/2007/12/18/livro-sobre-dnar-rocha-um-sonho-realizado/> Acesso em: 01 de agosto de 2014. 76 ANDRADE, Aída Célia de. Simplesmente Dnar. Juiz de Fora: Editora Templo, 2012. 77 DNAR Rocha. Mostra e livro marcam os 80 anos do artista plástico. Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=36169> Acesso em: 01 de agosto de 2014. 78 DELAGE, Renata. Minas imune ao tempo [publicado em: 08 de novembro de 2012]. Disponível em: < http://www.tribunademinas.com.br/minas-imune-ao-tempo-1.1182400 > Acesso em: 02 de agosto de 2014.

110

Renato Stehling, Letreiro e Mural79é uma reportagem de outubro de 1970, do Jornal O Sete, dedicada ao artista, que descreve o pintor como alguém que “vive em sua época, integrado nas matizes do mundo e nas evoluções dos momentos. Em seu dia-a-dia, permanecem em torno da imaginação, as dimensões humanas de Van Gogh, Gauguin, Chagall, Matisse, Duffy, Portinari, Di Cavalcanti, Picasso e Pancetti”. Stehling era autodidata e seus quadros, considerados como expressionistas, tendendo ao surrealismo. Conforme a reportagem, ele não trabalhava somente com a pintura artística. A sobrevivência o levou a trabalhar em letreiros de firmas comerciais, realizando pinturas em muros, faixas e caminhões. Mas não desanimava, pois acreditava que a situação poderia mudar. Lembrava-se sempre da “sua obra gigantesca, em mural de seis por dois metros no Hotel Casablanca, em Araruama. Um ano e meio de trabalho ininterrupto”. Ingressou na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras em 1950, onde frequentou o ateliê livre e conviveu com os pintores mais antigos da Sociedade. Segundo Lucas Amaral (2004, p.108), dentro da SBAAP, foi “cronologicamente, o primeiro de uma geração de pintores que se pode chamar de vanguarda estética da Sociedade no período”. Participou de Salões Oficiais, recebendo várias medalhas e prêmios a partir de 1954, sendo depois jurado destes Salões em 1963 e 1968. Lecionou desenho e pintura no Centro Cultural Pró-Música e sempre se dedicou com paixão às artes plásticas. Suas inúmeras exposições individuais e coletivas em Juiz de Fora e em outras cidades do país demonstraram seu talento, que foi reconhecido e agraciado pela Universidade Federal de Juiz de Fora com o Prêmio Dr. Antônio Procópio Teixeira (1980) e pela Prefeitura Municipal de Juiz de fora com a Comenda Henrique Guilherme Halfeld (1993). Suas obras integram acervos e coleções particulares no Brasil e exterior, como também em entidades públicas e galerias (AMARAL, 2004, pp.108109). Carlos Bracher80 (1972) apresenta um texto no convite/folder da já mencionada Exposição Stehling & Dnar (realizada na Galeria de Arte Celina de 15 de julho a 15 de agosto de 1972) e comenta sobre a obra do artista: “Stehling, pintor violento dos vermelhos e amarelos, pinceladas rudes, certas, das grandes superfícies, paisagens vivenciadas, transpostas com vigor”.

79

RENATO Stehling, Letreiro e Mural. Jornal O Sete, Juiz de Fora, Ano 1, n.º 19 – Juiz de Fora, 10 a 16 de outubro de 1970, p.5. 80 BRACHER, Carlos; LOPES, Décio. Stehling & Dnar: convite/folder. Juiz de Fora: Galeria Celina, 1972.

111

Neste mesmo convite, há um texto de Décio Lopes81 (1972), curador da exposição, que assim descreve o artista:

Stehling é da estirpe dos artistas temperamentais [...] Sua obra não deve ser separada de sua pessoa: reflete-se todo em seus quadros: rebelde, patético e poderoso [...] É ‘expressionista’ por natural necessidade. Sua rebelião de formas e cores (fortes e gritantes), e escolha de seus temas, a desordenação mesmo de suas múltiplas e rápidas fases, e até a diversidade de tamanho de suas telas e materiais utilizados, nos revelam um mundo obstinado, convicto, mas conturbado [...] O talento é evidente e às vezes plenamente realizado em quadros diversos (LOPES, 1972).

Fig.35 e fig.36. Renato Stehling, ao lado de sua obra. Imagens do Catálogo da Exposição Coletiva de Artistas Mineiros.

Em seu depoimento dado ao Jornal O Sete, Renato Stehling (1970) afirma: “eu talvez não pretenda nada. Mas talvez pretenda tudo. Mas uma compulsão me leva a pintar, a pintar sempre, até um momento que não sei quando virá, quando alguma coisa será definida”. Suas telas exploram naturezas mortas, mas privilegiam as paisagens urbanas, com suas dinâmicas e as paisagens rurais, através da rebeldia das pinceladas e cores vibrantes. Sua espátula ainda risca o brilho da noite. 2.4.1.3 Reydner Gonçalves (1935-1999) “Elegância e perfeccionismo aliados ao talento e à criatividade”, segundo Nívea Bracher82 (2010b), muito amiga do artista, assim como Carlos Bracher. 81

Décio Lopes (1942- 2012) nasceu em Juiz de Fora, MG. Escritor, jornalista e crítico de arte foi um intelectual atuante na cidade de Juiz de Fora, muito amigo da família Bracher. Foi presidente do CEC – Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora, nos anos de 1965 a 1968. Em 1970 e inicia um trabalho de curadoria no CECGAC e promove várias exposições dos artistas na Galeria de Arte Celina.

112

Reydner, nasceu em Juiz de Fora, e desde criança já trazia o dom de desenhar. Aos sete anos foi incentivado por seu pai a caminhar por esta vereda. A originalidade e a criatividade foram a sua tônica como produção artística. Segundo Lucas Amaral (2004, p. 101), o artista iniciou muito cedo, era um autodidata, talvez um dos mais talentosos de sua geração, “reverenciado por todos os colegas”, porém a sua autocrítica era tão forte que o impedia de expor suas obras e de divulgá-las. Participou em alguns Salões da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, no período de meados de 1950 a 1960. Exercia também a profissão de bancário e atuou como tesoureiro diversas vezes na SBAAP. Recebeu alguns prêmios nos Salões, nas modalidades de escultura e pintura. Em 1963 foi jurado do Salão Oficial. Após este período mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no Banco Nacional, até meados da década de 1980 – momento em que regressou a Juiz de Fora, já aposentado, devido a complicações cardíacas (AMARAL, 2004, p.102).

Fig. 37. Retrato de Azureia. (sem registros de técnica, dimensões e data). Fig, 38. Forma n.º1. Obra de Reydner Gonçalves, técnica mista sobre cartão, 1960 (obra sem registro de dimensões).

Sua produção artística revelava domínio espontâneo de várias técnicas e personalidade na expressão do desenho, óleo (figura 37), aquarela, pastel e colagem. Seus trabalhos passaram pelo expressionismo, surrealismo, abstracionismo (figura 38), chegando à linguagem da pop-art. Realizava pesquisas com diferentes materiais e em especial, iniciou uma técnica pessoal que não revelava a ninguém, também utilizando recursos como a fotografia e o xerox (fotocópias). “Como era avesso à comercialização de suas obras, poucas 82

Entrevista com Nívea Bracher, em 24 de agosto de 2010b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

113

estão em mãos de colecionadores. Desses, quase todos foram seus amigos que as receberam de presente. Seus familiares, contudo, preservam, com carinho, o pouco que sua autocrítica, que beirava a neurose, deixou escapar” (AMARAL, 2004, p.102). Reydner Gonçalves é relembrado com grande admiração por suas obras de “requinte e bom gosto”, como já definira Nívea Bracher83 (2010b) e foi um dos artistas mais originais daquela época em Juiz de Fora. 2.4.1.4 Roberto Gil (1901-1990) “Minha paixão é a visão interior”, revela Roberto Gil (1968). Nasce no Rio de Janeiro e chega a Juiz de Fora em 1950. Artista, escritor de crônicas e poemas dramáticos, logo inicia a amizade com Nívea Bracher. Havia uma simbiose – a pintura os unia em amizade fraterna, de respeito mútuo pelas individualidades artísticas. Segundo Nívea, o olhar para a arte partilhava-se na pintura de ambos (figuras 39 a 41).

Fig. 39. Retrato de Gil, à esquerda e fig. 40. Autorretrato em aquarela, à direita, dedicado à Nívea Bracher.

Fig. 41. Detalhe da dedicatória de Roberto Gil à Nívea Bracher, da referida aquarela anterior. 83

Entrevista com Nívea Bracher, em 24 de agosto de 2010b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

114

Nívea Bracher e Roberto Gil foram muito amigos e ele foi tema de várias telas realizadas por ela. A artista fez uma série de cerca de 30 retratos, aproximadamente, de Robert Gil, durante os longos anos de amizade. Nívea afirmava: “uma pessoa apresenta ‘diversas facetas’. Um retrato apenas poderá não captar a ‘verdade completa’. O conjunto revela o ser por inteiro. Pela riqueza interior de Gil, um retrato só não o alcançaria”. Segundo Peter Burke84 (2004, p.237), “uma série de imagens oferece testemunho mais confiável do que imagens individuais”. Cada retrato reflete o contexto do modelo. Nívea traduzia nas imagens as verdades mais íntimas das pessoas (BRACHER, N. apud PEREIRA, 2012a, pp.136-146)85. A convivência entre eles se inicia na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, assim como ocorreu com alguns dos demais artistas do Grupo 57 e se prolonga no ateliê do Castelinho dos Bracher, onde Roberto Gil também pintava. Sua personalidade dramática se revelava nos poemas, nas cores escuras, na alma – algo que povoava seu processo criativo artístico e literário como – as dualidades entre a noite e o abismo; entre a vida e o abismo. Temas que Nívea Bracher (2012) comentou ter lido em alguns de seus poemas ou textos. Roberto Gil pintava diariamente no Castelinho dos Bracher e influenciou a pintura de Nívea. Muitos de seus trabalhos habitam as diversas paredes, como registro desta presença no Grupo 57.

. Fig. 42. Retrato de Roberto Gil. Obra de Nívea Bracher. Acrílica sobre tela, 61 X 46 cm, 1987. Fig. 43. Verso da tela anterior, com a escrita de Gil na parte posterior da obra de Nívea Bracher.

84

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. PEREIRA, Cláudia Matos. Enigmas: os “retratos-sequência” da artista brasileira Nívea Bracher. In: Atas do III Congresso Internacional CSO'2012 Criadores sobre outras obras. Artes em torno do Atlântico. Lisboa, v.1,. pp.136 - 146, CIEBA, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: 2012a . ISBN: 978-989-830032-4. Disponível em: < http://www.cso.fba.ul.pt/congresso/edição/2012#cso'2012 > Acesso em: 18 de agosto de 2014. 85

115

“Então o Gil ia lá em casa todos os dias, almoçava, dava uma recostada e depois ele tinha uma mesinha só para ele pintar. Um dia eu pintei este retrato do Gil. Ele teve uma emoção muito forte porque ele tinha saído recentemente do hospital e quando viu o retrato, ele escreveu a seguinte frase, quando pegou a tela em sua mão, e escreveu atrás do meu quadro – os retratos que os outros fazem, se lancetados, verteriam água; os de Nívea verteriam sangue” (figuras 42 e 43). No ano de 1953. O artista participou do Conselho Fiscal na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e em 1955, foi eleito bibliotecário na SBAAP. Retornou ao cargo do Conselho Fiscal em 1961 e depois demitiu-se devido a divergências. Participou de vários Salões de Arte na cidade e em outros Salões de renome, como os Salões Nacionais de Belas Artes e os de Arte Moderna, ambos no Rio de Janeiro, onde recebeu medalhas e premiações. Participou de exposições individuais e coletivas importantes em Minas Gerais, em Juiz de Fora, Belo Horizonte, Rio de Janeiro (AMARAL, 2004, p.62). Em 1968, Roberto Gil86 realizou uma exposição individual em Belo Horizonte, na Galeria Moldurarte e segundo o texto de apresentação de Ruy Flores Lopes, a pintura de Roberto Gil era a expressão cromática, fiel e obsedante dos sentimentos que animava sua poesia. “O clima comum é criado pelo Expressionismo de tonalidades baixas, soturnas, de céus iluminados por clarões que aumentam ainda o aspecto fantástico das paisagens desertas, entregues a si mesmas, introspectivas e silenciosas... Uma projeção da alma! [...] ele consegue mergulhar nos próprios afetos sem transformá-los em simples documento psicológico” (LOPES, R., 1968). A artista plástica Maria Helena Andrés, juntamente com o curador Palhano Júnior87 apresentam o texto do convite/folder da exposição de Roberto Gil na Galeria Guignard, em 1970: “visitamos Roberto Gil em seu ateliê. Preferimos a fim de melhor documentar a apresentação, escutar o depoimento do próprio artista, suas reflexões e experiências”. Roberto Gil começou a pintar com 50 anos e assim o artista afirma: “procuro transmitir na pintura o efeito que a natureza produz dentro de mim. A música das florestas, o zumbido dos insetos, a quietude dos campos. Minha paixão é a visão interior. Ao artista é uma antena para captar as vibrações da natureza”.

86

LOPES, Ruy F. Roberto Gil – Pintura: Convite de exposição individual. Dia 27 de maio de 1968, às 20h. Galeria Moldurarte, Rua São Paulo n.º 1515. Belo Horizonte, Minas Gerais. Texto de apresentação de Ruy Flores Lopes. 87 ANDRÉS, Maria Helena; PALHANO JÚNIOR. Óleos - Roberto Gil: Convite de exposição individual. [Texto de apresentação] Belo Horizonte: Galeria Guignard, 1970.

116

Ao escutar o depoimento do artista, Maria Helena Andrés (1970) passa à análise de seus quadros: As paisagens são motivadas pela presença da paisagem mineira, arredores de Belo Horizonte e de Juiz de Fora, mas os traços de um expressionismo amadurecido revelam o artista que, vivendo sozinho, despojado de qualquer conforto, prefere criar seu mundo naquele barracão entre telas, livros e música. Nos quadros de Roberto Gil, os traços vigorosos, decisivos, as árvores retorcidas, criam um movimento em profundidade, desvendando os caminhos do inconsciente (ANDRÉS, 1970).

Fig. 44. Ponte nova. Obra de Roberto Gil, óleo sobre tela, 1968. Coleção de José Luiz Ribeiro (s/dimensões).

Maria Helena Andrés afirma que Roberto Gil era também poeta, e que, através da palavra, revelava “a mesma nostalgia do pintor, a mesma procura de luz, de um oásis para a solidão” (figura 44). Naquela época, aos 70 anos declarava com simplicidade que ainda tinha muita coisa a dizer dentro da arte, mas que tudo viria a seu tempo, sem pressa. Afastado de convivências sociais, o artista deixa em paisagens noturnas, onde a figura humana jamais aparece, o testemunho de grande vida interior e o permanente diálogo travado com a natureza (ANDRÉS, 1970)88. Palhano Júnior (1970) revela: “Roberto Gil transfigura alma torturada em telas e poemas. A vocação pictórica, latente em seu espírito, eclodiria somente depois dos 50 anos, revelando hoje – no simpático jovem de 70 anos – uma dos melhores expressionistas da atualidade brasileira”.

88

ANDRÉS, Maria Helena; PALHANO JÚNIOR. Óleos - Roberto Gil: Convite de exposição individual. [Texto de apresentação] Belo Horizonte: Galeria Guignard, 1970.

117

2.4.1.5 Roberto Vieira (1939) O artista nasceu em 1939, em Juiz de Fora, em uma atmosfera repleta de música e arte – entre tintas, pincéis, telas e o som do violino. Seu pai era Mário Vieira, violinista e também artista plástico. Desde criança, assistia a vários ensaios da Orquestra Sinfônica Brasileira. Em 1946, iniciou seus estudos musicais, também com o violino. Seu pai pintava e participou de vários salões de arte como os Salões Nacionais no Rio de Janeiro, desde 1948. Ambos saíam muito juntos e por esta razão, Roberto Vieira (figura 45) desde cedo eu já se encontrava em contato com a arte.

Fig. 45. Retrato de Roberto Vieira. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 50 cm X 40 cm, 1964. Fig. 46. Roberto Vieira em foto tirada no interior da Galeria de Arte Celina, em sua exposição individual, em 1973.

Em 1955 entrou para a Orquestra Filarmônica de Juiz de Fora e em 1957, na Fundação da Orquestra de Câmara do Conservatório Estadual de Juiz de Fora, da qual foi um de seus fundadores. No período entre 1958 a 1963, frequentou a cadeira de violino da Universidade Mineira de Artes - UMA – Belo Horizonte. Participa pela primeira vez em 1958, do Salão Oficial de Belas Artes “Antônio Parreiras”- Juiz de Fora com Menção Honrosa, na SBAAP. Dá continuidade aos seus estudos e em 1960, diplomou-se no Curso Técnico de Pontes e Estradas pela Escola de Engenharia de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Decide ir para Belo Horizonte em 1962 para iniciar seu curso na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Cada vez mais, com a sua sensibilidade e criatividade, sentia o chamado da arte e assim, começa a executar, com maior intensidade, a sua produção artística. Em 1964 faz parte da fundação da “Oficina de Arte”, em conjunto com outros artistas como: Lotus Lobo, Klara Kaiser, Paulo Laender, Lúcio Weik, Nívea Bracher. Realizou uma 118

série de experiências minimal/concretistas: esculturas e desenhos concebidos a partir de unidades de operação, tais como: ponto, reta, curva, cor, volume textura, etc. – (princípio gerador) – Belo Horizonte – MG. Em 1965 participa da Exposição Coletiva Grupo Oficina. Diploma-se no curso de Arquitetura pela UFMG, em 1968 e em 1972, transfere-se para Juiz de Fora onde inicia os trabalhos de pintura – atividade exerce até os dias atuais. No mesmo ano de 1972 participa da Exposição Coletiva Artistas Mineiros – Galeria de Arte Celina, GAC e depois em 1973, realiza a sua Exposição Individual – GAC (figura 46). Em entrevista concedida por Roberto Vieira (2014)89, o artista relembra que na exposição Mineiros na Galeria Celina, além das paisagens em óleo sobre tela (figuras 48), ele também expôs uma folha de bananeira com uma interferência em pintura com tinta vermelha, dentro de um plástico, pendurada no espaço da Galeria. Era algo original naquela exposição. O artista relata: “eu pintava paisagens – a natureza. Então naquela época, meu trabalho apresentava uma discussão entre a cultura e a natureza. Eu até tenho quase a certeza de ter utilizado as três cores primárias, porque em cima de uma folha eu não usaria cores secundárias ou terciárias, já que privilegiava as cores fundamentais”. Ele diz inclusive que tem desenvolvido esta perspectiva sobre as cores, até hoje. Na década de 1970, ele já fazia as suas pesquisas e começava a usar a terra em seus trabalhos. Depois por volta de 1977 a 1979, começou a realizar umas caixas com terra. Sobre a sua Exposição Individual, em 1973 na GAC, (figura 47) ele relembra: “foi exposta uma série de pinturas. O que havia de diferente como proposta era um cacho de bananas pintado de azul e vermelho. A partir daí é que iniciei minhas investigações com elementos da natureza”.

Fig. 47. Bananas. Obra de Roberto Vieira, ano de 1973, exposta na GAC.

89

Entrevista com Roberto Vieira, em 13 de agosto de 2014, fazenda em Alagoa, Minas Gerais [via Skype].

119

Em reportagem do Jornal Diário Mercantil, no dia 14 de maio de 1973, “Roberto Vieira na GAC”, registra-se que a sua exposição individual começou no dia 05 deste mesmo mês, inaugurada com muitas pessoas, alegria e muita música. Os quadros do artista, com cores intensas e vivas foram alvo de elogios. “A Galeria foi cuidadosamente decorada com motivos tropicais, flores e frutas que foram servidas aos convidados no decorrer da festa”. A exposição ficou até o dia 17 deste mês. Em um depoimento, Roberto Vieira (2014)90 relembra que “a exposição foi realmente muito animada! Foram servidas, ao convidados, mexericas pintadas de azul, com tintas comestíveis e para acompanhar, torresmos também pintados feitos pelo Bar do Seu Geraldo, (que ficava na Galeria Juiz de Fora)...imagine só...torresmos azuis. E para beber, cachaça...e da boa!” Carlos Bracher, ao apresentar o artista, afirmou: “Roberto Vieira é verdadeiramente um criador. Criar, naquele sentido pleno. Inventar, estar permanentemente insatisfeito, ter aquela dimensão intrínseca de construir [...] Roberto é um desses que permanentemente se mata, se destrói se inquire, duvida”. Ele comenta que o artista estava sempre chegando um novo resultado e que isto tem sido a dinâmica de sua obra e complementa ao dizer: “isso que se leva longos anos de amadurecimento, ele já trouxe consigo nos primeiros trabalhos”.

Fig, 48. Série Paisagem. Obra de Roberto Vieira, óleo em tela sobre eucatex, 90 cm X 90 cm, final dos anos 1960 e início dos anos de 1970.

Roberto Vieira no mesmo ano participou do I Salão Global de Inverno no Museu de Arte Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, MG, com Prêmio de Aquisição e no V Salão Nacional de Arte, também no Museu de Arte da Pampulha. Com estas atuações, 90

Entrevista com Roberto Vieira, em dia 18 de agosto 2014, Alagoa, Minas Gerais [entrevista via Skype].

120

participa dos Selecionados de Minas e Goiás para a XII Bienal de São Paulo, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, MG e da XII Bienal de São Paulo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo – SP. Na XII Bienal de São Paulo ele mostrou de 06 a 07 paisagens, em óleo sobre Eucatex e comenta: “quando eu selecionei estes trabalhos, a crítica dizia que eu estava inaugurando uma nova fase da pintura em Minas e, quem disse isso, foi o crítico Frederico Morais. Havia um comentário geral, na época, dizendo que em Belo Horizonte existiam os seguidores de Guignard. Eram ‘os filhotes do Guignard’”. Ele revela que a pintura dele, assim como a pintura realizada em Juiz de Fora não tinha nada a ver com Guignard, e nem os pintores que surgiram no Grupo 57, não tiveram nenhuma influência de Guignard. Roberto Vieira91 (2014) relata: “O Frederico Morais disse então, que a minha pintura era uma forma de se questionar a pintura que existia, baseada em Guignard”. Ainda no mesmo ano de 1973, participa como Artista Convidado na Exposição Coletiva – Image du Brésil, na Feira Internacional de Bruxelas da Bélgica. Sua carreira como artista plástico se desenvolveu ativamente, até os dias atuais. Ele participou de inúmeros Salões, exposições coletivas e individuais, em galerias e museus, no país e também no exterior e possui obras em muitas coleções, como por exemplo, na Coleção Gilberto Chateaubriand. Suas obras trafegam pelo desenho, pintura, gravura e escultura. Sua última exposição em 2013 foi uma Exposição Coletiva – Galeria Errol Flynn, em Belo Horizonte, MG, juntamente com os artistas Eymard Brandão, Jayme Reis, Paulo Laender, Jorge dos Anjos. Ele descreve seu processo: “fui caminhando da pintura para o objeto, para a escultura, porque antes eu representava a natureza e depois eu comecei a criar as caixas, eu usei a própria terra e também o minério de ferro. Eu não representava mais, eu exprimia através do próprio material, que era a natureza”. Atualmente ele está trabalhando na produção de um livro sobre suas obras, com uma equipe da editora. Realiza um trabalho com uma série de objetos do cotidiano, como enceradeira, garrafa térmica, etc, todos com terra e depois, estes objetos são inseridos dentro de barrancos. Ele afirma inclusive que uma imagem destas será a capa do livro. Mora em Alagoa, numa fazenda, onde seu estúdio/ateliê permite que sua produção artística se mantenha integrada à natureza. Sobre a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e sobre o Grupo 57, Roberto Vieira (2014) declara: 91

Entrevista com Roberto Vieira, dia 18 de agosto 2014, Alagoa, Minas Gerais [via Skype].

121

Eu, de vez em quando, ia à Sociedade Antônio Parreiras, mas não pintava nada lá não. O meu pai frequentava lá como artista, encontrávamos com o Mário Tasca, mas eu era muito jovem nesta época. Na década de 1960, comecei a pintar com um Grupo – pintava ao ar livre – pintava no Castelinho dos Bracher. Meus amigos, artistas, mais chegados eram o Carlinhos, a Nívea, o Wandyr, o Dnar, o Stehling, o Ruy Merheb, o Reydner... Cada um fazia seu trabalho, com sua linha... Me lembro que o Reydner tinha um trabalho muito interessante em que usava materiais diferentes. Vimos todos juntos o filme do Van Gogh. Isso influenciou o Grupo, mas quando comecei a pintar, com 14 ou 16 anos, não me lembro ao certo, eu já tinha contato com livros do Van Gogh. Ficava muito entusiasmado pela pintura! Isso foi muito antes da Galeria Celina. Outro pintor que eu gostava demais era o El Greco, que me influenciou. No Grupo, a gente não se preocupava muito em definir nossos trabalhos, não pensávamos em nada. Saíamos para pintar e a maioria era assim, ninguém esquentava a cabeça muito não. Era uma união! Nós éramos muito livres, muito espontâneos (VIEIRA, 2014).

Ao final de seu depoimento, Roberto Vieira92 (2014), com muita emoção relembra aqueles tempos de ditadura e a rara amizade profunda que existia entre os artistas de seu Grupo, posteriormente denominado como Grupo 57 e afirma: “a pintura em grupo que fazíamos era um exercício da liberdade”93. 2.4.1.6 Ruy Merheb (1934-1994) “Sou um visceral”, afirma o artista (1975)94. Ruy Guilherme Merheb nasce em Ipameri, Goiás e chega a Juiz de Fora na década de 1950 (figura 49). Permanece por longos anos em Juiz de Fora e, embora tenha se transferido para outras localidades, devido ao seu emprego de funcionário do Banco do Brasil, retorna à cidade, ao final de sua carreira e ali permanece até seu falecimento. Inicia sua carreira artística, em pintura, no ano de 1955 e um ano após, ingressa na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, SBAAP (figura 50). Os pintores mais antigos com quem ele sentia maior afinidade eram Sílvio Aragão e Heitor de Alencar e logo começa a conviver com o grupo de jovens artistas da Sociedade e se integra a eles (AMARAL, 2004, p.85). Em 1957 e em 1958, participa da SBAAP como secretário da área administrativa. Em 1961, integra o Conselho Fiscal e, devido à crise, pede demissão. Logo a seguir, no ano seguinte assume o cargo de tesoureiro e acaba por sair pelo mesmo motivo, sendo substituído por Carlos Bracher. Participou de diversos Salões Oficiais, com premiações a partir de 1957 e

92

Entrevista com Roberto Vieira, em 18 de agosto 2014, Alagoa, Minas Gerais [via Skype]. Grifo da pesquisadora. 94 MERHEB, Ruy apud PRATES, Frederico. A sombra e a luz nas veredas de um visceral: Ruy Merheb. Revista Momento. Juiz de Fora, abril/1975, pp.10 -12. Reportagem sobre o artista, que contém seus depoimentos. 93

122

em 1962 recebeu o 1º Prêmio Municipal com a tela “Flagelação”. Este trabalho já revelava suas inquietações e questionamentos religiosos, período em que ele frequentava a Ação Católica. Já apresentava uma preocupação social, pois sua primeira exposição individual na Casa de Itália, em Juiz de Fora, teve como tema – a fome. Em 1963, participa do Salão como jurado.

Fig. 49. Ruy Merheb. Revista Momento, 1975. Fig. 50. Estação ferroviária. Obra de Ruy Merheb, óleo sobre Eucatex, 1957. Coleção Leila Amaral.

Fig.51. Retrato de Celina Bracher. Obra de Ruy Merheb, óleo sobre tela, 69 cm X 54 cm, 1961. Fig.52. Obra de Ruy Merheb. (s/ficha técnica).Ambas, da Coleção da família Bracher

Este retrato de Celina Bracher (figura 51), feito por Merheb é um ícone para a família Bracher, que guarda esta obra em sua coleção. O artista captou um momento introspectivo de Celina, que raramente se via no cotidiano. Seu universo expansivo, alegre e contagiante 123

ocultava este lado reflexivo, meditativo, que Merheb captou tão bem através de suas pinceladas reveladoras. O estilo de Ruy Merheb foi, desde o início, o expressionismo figurativo, e a partir de 1981, chega ao abstracionismo: às vezes lírico, em outros momentos, um abstracionismo mais formal, mas permanecia sempre um vínculo com a realidade figurativa (AMARAL, 2004, p. 86). “Estive na sombra, na indecisão, entre dúvidas conceituais e formais, perdido e quase desesperado durante muito tempo, cinco, seis anos. Minha pintura tomava um caminho que nada tinha a ver comigo” afirma o artista, em depoimento para a Revista Momento (MERHEB apud PRATES, 1975, p.10-12). Ruy Merheb segue um percurso a partir destas inquietações, rumo à abstração, em uma pesquisa da plasticidade através da cor, dos efeitos obtidos pela sugestão de formas e dos contrastes obtidos com as texturas, como elementos expressivos. Pode-se observar esta tendência a partir de trabalhos realizados, como este a seguir, que faz parte do acervo da família Bracher e que acena para esta transição entre o figurativo e o abstrato (figura 52). O artista participou de diversas exposições coletivas e individuais em várias cidades brasileiras. Em sua obra, dicotomias povoam o seu imaginário, como elementos presentes – luz e sombra – textura e cor – angústia e isolamento – silêncio e pintura, eis a dimensão de um visceral. 2.1.4.7 Wandyr Elydio Ramos (1935-1998) “A amarga poesia, no espírito inquieto e criador”, segundo o escritor e curador Décio Lopes (1970)95 da Galeria de Arte Celina, (no período dos anos finais da década de 1960 e principio da década de 1970), em um texto redigido para o convite da exposição do artista. O artista juiz-forano nasce em um ambiente modesto, mas isso não impede que seu talento se desenvolva e que tenha destaque entre os artistas daquela geração de novos pintores na cidade (figuras 53 e 54). Décio Lopes (1970) em um texto sobre o artista no folder/convite da exposição do artista, realizada na Galeria de Arte Celina, relata que na infância, Wandyr Ramos tornou-se aprendiz de marceneiro e lustrador. Trabalhou como entalhador e, em decorrência desta função, “fazia Arte”. Um amigo, que presenciou seu talento, enquanto exercia a atividade de aprendiz de sapateiro, incentivou-o a ingressar na Sociedade de Belas

95

LOPES, Décio. Exposição Individual Wandyr Ramos: convite/folder. Juiz de Fora: Galeria de Arte Celina, 1970.

124

Artes Antônio Parreiras, em 1954. “A partir daí, já surgem resultados positivos de seus trabalhos artísticos, prêmios que se sucedem”.

Fig. 53. Wandyr Ramos ao lado de sua pintura.

Décio Lopes96 (1970) prossegue, a dizer que o artista em 1958, trabalhou em pintura de louças em Duque de Caxias, transferindo-se depois para a Guanabara, local em que exerceu a mesma atividade. Os conflitos íntimos entre a necessidade de sobrevivência e o forte ímpeto em exercer sua pintura, se exacerbam. “É nesta época, longe de casa, que seus nervos sensíveis ressentem-se pela primeira vez. Resultado das opressões de uma vida intensa, repleta de adversidades, meio ambiente hostil, absurdo e frio, sobretudo para quem a sensibilidade reservou um canto de musa maior”. Segundo Décio Lopes (1970), este estado depressivo veio a ser repetitivo, fator impeditivo a um trabalho constante de produção artística, mas complementa, sobre aquele ano de 1970, em que se realiza a exposição na GAC: “Wandyr Ramos, atualmente, encontra-se reestabelecido, em plena fase de criação, e expõe pela primeira vez, individualmente. Sua pintura é de uma extrema beleza plástica. Suas fases se sucederam dentro da escola impressionista, de maneira sobremodo original”. Neste mesmo ano recebe o 1º prêmio oficial municipal de Belas Artes, da SBAAP. No período de 1957/1958, o artista foi secretário na gestão da SBAAP, recebeu vários prêmios em pintura e em 1964, foi membro do corpo de jurados do Salão Oficial Municipal (AMARAL, 2004, p.100). Praticava a pintura ao ar livre (figura 54), com cenas de Juiz de

96

LOPES, Décio. Exposição Individual Wandyr Ramos: convite/folder. Juiz de Fora: Galeria de Arte Celina, 1970.

125

Fora, juntamente com seus amigos jovens artistas do Grupo 57, como Nívea Bracher que fez o seu retrato em 1959. Com o passar dos anos, estes problemas emocionais de Wandyr Ramos foram se agravando e ele necessitou ser internado em uma clínica psiquiátrica, em um tratamento que se manteve até o fim de sua vida. Nesta clínica, foi montado, posteriormente, um ateliê de pintura com finalidades terapêuticas e assim, o artista encontrou um espaço para realizar suas atividades e para orientar outros companheiros que sofriam das mesmas circunstâncias.

Fig. 54. Paisagem. Wandyr Ramos. Óleo sobre madeira, 1960. Coleção Iran Martins da Silva.

Décio Lopes (1970) afirma: “talento raro, insólito dentro do real [...] é sem dúvida um pintor de grande personalidade artística, um mago das cores e formas, um pincel que nos devolve com fidelidade visual e imenso impacto emocional, as impressões que o meio ambiente natural e humano, cruel e belo ao mesmo tempo, qual uma amarga poesia, se lhe fixam no espírito, inquieto e criador”. 2.4.2 O Grupo – uma estrada comum a percorrer A amizade, para Ferdinand Tönnies (1947, p.34), surge independentemente do parentesco ou da vizinhança, como condição e efeito, de atuações das pessoas envolvidas e de suas concepções, que venham a coincidir. Assim, o autor afirma que a “amizade se produz mais facilmente”, se a sua base pertencer a um ofício ou arte, igual ou semelhante, entre os 126

seres humanos. Porém, este vínculo deve se contrair e se conservar por meio de frequentes reuniões. Desta forma, companheiros de trabalho, de arte ou de condição social, que se conhecem mutuamente e que na realidade são “correligionários, se sentem unidos muito mais por um vínculo espiritual” e participam em um mesmo trabalho comum. Este é um fundamento que se observa no Grupo 57, entretanto, esta amizade do Grupo vai mais além do que o simples exercício de um ofício comum entre eles, porque se desenvolve na cumplicidade, na partilha espiritual e emotiva de ideais e olhares para a vida que superam, ao longo do tempo, os rotineiros encontros e convívios que sedimentaram este conclave. Para estes artistas, a arte não era um ofício ou trabalho em comum, mas a arte era a própria vida – a vida era o exercício da arte.

Fig.55. Estrada. Obra de Nívea Bracher. (Pintada em Grupo – com Nívea, Celina e também com Roberto Vieira), 37 cm X 45 cm, 1961. Coleção da artista.

Uma representação simbólica para revelar a amizade entre os artistas, as convivências deste Grupo nos momentos de pintura ao ar livre e, posteriormente no ateliê do Castelinho dos Bracher, é a tela Estrada, de Nívea Bracher, realizada em Grupo, em 1961, com Nívea, Celina e Roberto Vieira (figura 55). É esta a estrada em comum que começavam a trilhar para percorrer a vida artística. 127

Para Ferdinand Tönnies (1947, p.34) a amizade espiritual forma uma espécie de localidade invisível, uma cidade, uma assembleia mística, como se fosse animada por uma intuição artística – é uma vontade criadora viva. Conclui-se que, se considerarmos ‘o espiritual’ – não sob a óptica religiosa – mas sim, na perspectiva de uma essência imaterial da dimensão artística, capaz de unir os ideais e aspirações das pessoas envolvidas, pode-se dizer que os artistas do Grupo 57 viveram esta ‘amizade espiritual’. A ‘localidade invisível, mística’ animada pela ‘intuição artística’ pode ser comparada à aldeia invisível, ao “ateliê vivo”97 (PEREIRA, 2011a, p.1566) que se originou no Castelinho dos Bracher. Para se conhecer a trajetória, o percurso – a estrada destes atores sociais é preciso compreender um pouco sobre a família Bracher, que marcou profundamente a história cultural e artística na cidade de Juiz de Fora.

97

PEREIRA, Cláudia Matos. Galeria de Arte Celina: lugar de memória e realização. In: 20º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP. Rio de Janeiro, 2011a, pp. 1560-1574. ISSN 2175-8212. Disponível em: < http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/chtca/claudia_matos_pereira.pdf > Acesso em: 23 de agosto de 2011.

128

3 OS BRACHER: DA SUÍÇA AO CASTELINHO, UMA VOCAÇÃO ARTÍSTICA

A emoção estética pode ser analisada em seu caráter societal. Sob este viés, Michel Maffesoli98 (2005, p.15) aborda “a emoção como estrutura antropológica”, cujos efeitos podem ser pesquisados, não apenas pelo aspecto psicológico ou espiritual, mas ele considera “a ideia obsessiva do estar-junto” como sendo uma “religação mística, sem objeto particular”. Ao traçar um paralelo entre a arte e a sociedade, o autor afirma que “a emoção pode servir de cimento” para a capacidade de agregação existente na sociedade. Para tal, Michel Maffesoli (2005) propõe que se considere a arte como forma pura e se imagine a sociedade simplesmente como capacidade desta agregação. A legitimação deste ato de “cimentar” ocorre através de elementos objetivos como: “trabalho, ação militante, festas grupais, uso de uniformes, ações de caridade, etc”. Estes seriam “pretextos” para se “legitimar a relação com o outro” – uma “matéria-prima necessária, mas insuficiente”. Desta forma, o autor coloca esta matéria-prima como alicerce para a efervescência contemporânea e assinala o “gregarismo” como proveniente de uma atmosfera afetiva. Ao salientar as visões proféticas de Nietzche acerca da potência e a arte que se expressam em nosso tempo, cita o pensamento do sociólogo muito admirado por Nietzche, Jean Marie Guyau, que em seu livro A arte do ponto de vista sociológico, destaca a ligação existente entre a emoção estética, a solidariedade e a complexidade, onde ressalta o “princípio da simpatia social”, em que as “faculdades simpáticas e ativas fundamentam toda a forma de socialidade”. Assim, “revela-se a importância do imaterial no material” (MAFFESOLI, 2005b, pp.16-17). Ao se observar os apontamentos de Michel Maffesoli, pode-se delinear uma ponte para a questão da sociedade – a “ambiência”99 da época – as relações da família Bracher com a sociedade e suas iniciativas em Juiz de Fora. Os Bracher revelam ser uma família de artistas que se perpetua, de geração a geração, em diferentes modalidades do ser e do fazer artístico. Quando Nívea Bracher100 (2013b) afirma “o que é mais importante na vida é estabelecer as conexões”, expressa – em síntese e precisão – todo o alicerce que vem a compor sua família: o “espírito de congregação, de congraçamento”, que só torna-se possível através da afetividade e da emoção que aqui se coloca como estrutura antropológica. Este elemento primordial para os Bracher que é – a emoção estética – configura-se como “o cimento”, que 98

MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e socialidade. Porto Alegre: Sulina, 2005b. 99 Michel Maffesoli emprega o termo “ambiência” para descrever o “espírito do tempo” (MAFFESOLI, 2005b, p.17) 100 Entrevista com Nívea Bracher, em 27 de agosto de 2013b, no Hospital Albert Sabin, Juiz de Fora.

129

une e reflete a tônica de estar no mundo, na forma de um “gregarismo”: uma união comum, uma comunidade. Comunidade essa, um clã original e primordial que vem para Juiz de Fora a exercer a dinâmica do estar-junto, trazendo a “matéria-prima” essencial de legitimação para se relacionar com o outro: a arte. Esta maneira de ser e de se apresentar ao mundo revela-se no cotidiano, no trabalho, nas reuniões que a família promove no Castelinho dos Bracher. Este núcleo que se estabelece originariamente em família, se amplia para a sociedade naturalmente, por meio do carisma e da “simpatia social” formando tribos, como por exemplo, o Grupo 57. É preciso salientar que não somente este grupo, mas outros segmentos da sociedade, com os quais os Bracher estabeleceram convivência, de uma forma ou de outra, foram influenciados por esta família, na maneira de olhar para o mundo. A potência da arte é o que permanece e a vocação artística dos Bracher se desloca da Suíça para o Castelinho – delineia-se um marco para a sociedade local.

Fig.56. Família de Christiano e Elizabeth Bracher com seus filhos: Germano, Emílio, Godofredo, Frederico, Mathilde, Emma e Adolfo. São Paulo, 1890.

130

Sob a perpectiva de Franco Ferraroti (1983, pp.15-58) será possível analisar os relatos biográficos do cotidiano dos Bracher, suas práticas de vida, a história familiar, as memórias do grupo de artistas e intelectuais, que irão se conectar e configurar a imagem de uma época propiciadora da formação da Galeria de Arte Celina. Para tal, os relatos do cotidiano levantarão este véu que encobre o conclave familiar deste berço artístico. Os Bracher101 são provenientes de Berna, Suíça. Christiano Jorge Bracher, floricultor, casa-se com Elizabeth Maier Maria Madalena e desta união nascem os filhos suíços: Germano e Emílio. O casal e filhos (figura 56) se mudam para o Brasil por volta de 1880, para a cidade de Curitiba, no Paraná, onde nascem os filhos Godofredo (1880/...?), Frederico (1882/1968) e Mathilde (1884/...?). Posteriormente se transferem definitivamente para São Paulo, cidade onde nascem ainda os outros filhos Emma, Elisa, Adolfo e Olga. Em 1902, Frederico Bracher casa-se em São Paulo com Amanda Reüssner (1982/1960), nascida em Joinville, em Santa Catarina, mas de origem alemã. Deste casamento nascem nove filhos paulistas, exceto o filho caçula, que veio a ser carioca, nasceu no Rio de Janeiro. São eles: Lídia (1902/1986), Elisa (1904/ 1906), Oscar (1906/1941), Eugênia (1908/1984), Waldemar (1910/1988), Bertha (1913/...?), Roberto (1915/...?), Elvira (1918/2011) e Frederico Jr. (1920/1984). Segundo Décio Bracher102 (2010) em 1927, seu avô, Frederico, saiu do Rio de Janeiro, foi viver na cidade de Belo Horizonte para auxiliar o Dr. Alberto Cavalcanti, que era o genro, casado com sua tia Lídia Bracher, para administrar um sanatório na capital mineira, à Rua Carandaí 902. Seu tio Alberto era médico e havia feito medicina na Suíça. Dentre outras atividades, Décio Bracher relata que seu avô Frederico, também criou uma pequena tipografia. A família sempre apresentou expressiva vocação artística e acreditam ser talvez um talento herdado do pai, tipógrafo e violinista, que possuía uma orquestra de cinema mudo. Roberto Bracher relata que um de um de seus filhos, chorava simplesmente ao ouvir o som de seu violino “Steiner”, “quando executado à noite em nossa casa, o seu som se casava de maneira perfeita com o cheiro de jasmim que flutuava no ar”. Roberto, em depoimento sobre

101

Informações cedidas em forma de texto e imagens fornecidas, por Carlos e Nívea Bracher, para a realização desta pesquisa, em 2011. A história da família havia sido previamente organizada por Carlos Bracher. BRACHER Carlos; BRACHER, Décio et al. Textos da família Bracher. [Informações sobre a história da família] cedidas para esta pesquisa, em 2011a. 102 Entrevista com Décio Bracher, em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

131

sua mãe Amanda afirma: “criatura extremamente sensível e intuitiva, a grande fonte inspiradora de todos nós”103. Uma família de dezoito membros, só nas artes plásticas. Dos nove filhos de Frederico e Amanda, cinco revelam talento para a música, pintura, literatura e teatro: Eugênia, Waldemar, Roberto, Elvira e Frederico Jr. As gerações seguintes e seus descendentes continuam a percorrer as trilhas artísticas na quarta geração. Em 1927, o casal Frederico e Amanda vai para Belo Horizonte com seus filhos, local em que quase todos eles se casam, incluindo Waldemar, que em 28 de fevereiro de 1931 – se casa na Igreja Presbiteriana104 com Hermengarda Aguiar (1911/2003), nascida em Diamantina, Minas Gerais (figura 57). Décio Bracher105 (2010), o primogênito, relata como os seus pais se conheceram: Papai tocava órgão na igreja presbiteriana. Mamãe tinha vindo de uma igreja católica e viveu em um internato da igreja católica. Então uma amiga sua disse-lhe para irem lá naquela igreja, pois havia um moço tocando órgão e, embora minha mãe não quisesse muito, elas foram lá. Quando ela entrou na igreja e meu pai a viu pela primeira vez, disse a si próprio que seria com ela que ele iria se casar. E assim foi depois, um casamento muito bom! (BRACHER, D., 2010)

Deste matrimônio nascem cinco filhos (figura 58), sendo os quatro primeiros em Belo Horizonte: Décio (1932/2014), Celina (1934/1965), Paulo (1935) e Nívea (1939/2013). Em 7 de janeiro de 1940, Waldemar, Hermengarda e filhos mudam definitivamente para Juiz de Fora (figura 59), onde nasce Carlos, em 1940.

Fig.57. Casamento de Waldemar e Hermengarda em Belo Horizonte, 1931106.

103

BRACHER, Carlos; BRACHER, Nívea. Depoimento. [Retirado de informações - texto cedido por Carlos e Nívea Bracher, para esta pesquisa] em 2011c. 104 Segundo relata Décio Bracher, a Igreja Presbiteriana era na esquina da Rua Ceará, com Avenida Afonso Pena, em Belo Horizonte. 105 Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher , Juiz de Fora. 106 Esta foto, da figura 57, foi cedida a mim por Nívea Bracher em 2011, para esta pesquisa e também se encontra no livro: ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.77.

132

Fig.58. Os irmãos Bracher – atrás, da esquerda para a direita, Paulo; Décio ao centro; Celina à direita. Nívea à frente e à esquerda; Carlos à frente e à direita107.

Todos os filhos do casal nasceram em casa, em Belo Horizonte, exceto Carlos, que nasceu em Juiz de Fora. Décio nasceu na casa da Rua Ceará, próximo ao Colégio Arnaldo e Nívea nasceu na casa em que viveram na Rua Piauí (figura 59), ambas na capital mineira (BRACHER, D., 2010). Décio Bracher108 (2012a) guarda com apreço, o caderno de desenhos de seus sete anos de idade, de 1939, época que intuitivamente já fazia levantamentos de arquitetura das casas de sua rua, com noções de perspectiva. Ele julga que o “desenho fundamental” da sua vida inteira – o desenho que lhe traz maior emoção – é o da figura 59, em que ele retrata a casa em que sua irmã Nívea nasceu, em Belo Horizonte. Para ele, este é o desenho mais importante do caderno. Logo à esquerda e abaixo, está a casa em que Nívea nasceu; ao lado desta, na parte central do desenho, está a casa de sua tia avó Corina. A casa menor à direita, era a casa de Ilda, prima de sua mãe. Décio Bracher (2012a) relata: “eu notei que as casas iam diminuindo de tamanho, pela perspectiva, mas eu não sabia ainda explicar o fenômeno, eu só coloquei cada uma num quadrinho, um pouco menor”. Ele menciona ser curioso o fato de ter colocado na fachada da primeira casa da esquerda, uma entrada e ao fundo, torna visível uma ‘meia água’. “A ‘meia água’ é essa aqui, em primeiro plano (parte do desenho à direita e acima) que

107

Esta foto, da fig. 58, foi cedida a mim por Nívea Bracher em 2011, para esta pesquisa. Também se encontra no livro: ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.77. 108 Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

133

possui o tanque e demais detalhes. Eu fiz um registro de arquiteto, ainda criança, e você pode recompor esta casa pelo desenho que fiz” (BRACHER, D., 2012a).

Fig. 59. Desenho de Décio Bracher, realizado com 07 anos, em 1939, da casa da Rua Ceará, em Belo Horizonte, onde nasceu Nívea Bracher.

“Meu pai109 não possuía uma profissão definida: entrou na força pública para tocar na banda, com aquele instrumento, acho que – o ‘trombone’. Teve uma oficina mecânica, depois passou a consertar máquinas fotográficas, aparelhos alemães exóticos”. Muito jovem ainda, foi chamado “para consertar uma máquina de radioterapia e raio x, do Hospital Militar e contratado como técnico de raio x lá, sem ter feito curso específico”. Segundo Décio Bracher (2010), o ex-presidente Juscelino Kubitschek era médico deste hospital naquela época. Logo a seguir, “meu pai montou a primeira fábrica no Brasil de massa de rolos para imprensa. Aqueles rolos que passavam em cima dos tipos, tinham que ser importados e então ele viu a dificuldade de meu avô na tipografia e inventou isso” (BRACHER, D., 2010). “Depois meu pai teve um pequeno curtume, próximo à nossa casa”, em Belo Horizonte. Décio Bracher (2010) comenta que no local havia um cheiro extremamente desagradável, pois lá se retirava o couro do boi e produziam cola, sabão e gelatina. “Nascemos vendo aquele curtume, com um cheiro horrível ali, perto de casa”. Como não havia apoio financeiro, Waldemar Bracher acabou vendendo a fábrica para Pedro Krambeck, que exigiu que ele viesse montar a fábrica em Juiz de Fora. Primeiramente foram morar na rua 109

Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

134

Frederico Lage n.º 37, onde nasceu o Carlos Bracher, em 19 de dezembro de 1940, dia em que onde houve a maior enchente de Juiz de Fora. Ele prossegue: “a rua foi toda alagada, evacuada e nós fomos os únicos que ficamos na casa. O Carlinhos ‘nasceu nas águas’ e contraiu uma asma terrível. No ano seguinte tivemos que ir a Belo Horizonte para tratar a asma do Carlinhos”. Décio Bracher110 (2010) relata que seu irmão melhorou de saúde e, passado um período, todos foram morar à Rua Bernardo Mascarenhas n.º 1603, que para ele, era um lugar muito agradável.

Fig. 60. Rascunho de texto preparado pela família Bracher sobre a chegada em Juiz de Fora.

Em Juiz de Fora (figura 60), os Bracher trazem uma nova perspectiva para o campo da arte. Inicialmente, no período entre 1941 a 1951, quando viveram à Rua Bernardo Mascarenhas n.º 1603, no bairro Fábrica, iniciam as atividades culturais e artísticas na cidade. Nívea Bracher111 (2010a) afirma: “na Rua Bernardo Mascarenhas nós fazíamos o congraçamento universal e comunitário. Nossa casa era o polo, desde as festas até o futebol, tudo era ali”. Ela relata que as pessoas aprenderam com a família Bracher (figura 61), a comemorar a Festa de Páscoa, a Festa de Natal, Festa de São João e a fazer teatrinho, fogueira e brincadeiras de salão que sua mãe realizava. Como na época não havia televisão, as brincadeiras de salão, entre outras atividades encantadoras promovidas por Dona Hermengarda, eram atrativas, contempladas com assiduidade, além de possibilitar expressiva participação da comunidade do bairro em que viviam. Após as 16h da tarde, o curtume apitava e todos tinham que tomar banho. Nívea Bracher (2010a) prossegue ao dizer: “então colocávamos cadeiras do lado de fora para conversar, brincávamos de pique, e também havia, 110 111

Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Nívea Bracher em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

135

dentro de casa, as brincadeiras de salão, porque nem sempre era calor e aí tínhamos que ficar dentro de casa. A luminosidade era meio fraca”. As circunstâncias motivavam a ambiência de integração. Hermengarda era muito inventiva e a Celina também, além de liderarem o grupo – ambas eram muito festeiras, comenta Nívea Bracher (2010a). “Qualquer grupo que houvesse, Celina inspirava, guiava porque ela tinha um magnetismo próprio e era muito inteligente”. Em nossa casa na Bernardo Mascarenhas havia o congraçamento natural, do bairro, a ponto de um amigo do bairro daquela época que encontrei, após 40 anos, o Roberto, dizer – que a minha casa era o local onde a gente tinha o nosso telefone. Então eu falei: o telefone era público, né? Ele disse: público não – era o nosso telefone particular. E ainda lembrava o número: 2774. Na realidade, nosso telefone era o telefone oficial do bairro. Lá em casa a porta nunca se fechava112 (BRACHER, N., 2010a).

Fig. 61. Os Bracher em Juiz de Fora. O casal Waldermar e Hermengarda e seus filhos: da esquerda, para a direita, em ordem estão: Nívea, Paulo, Celina, Décio e Carlos Bracher.

Todas as brincadeiras, prendas e folguedos realizados na casa dos Bracher, promoviam maior convivência e partilha com a comunidade – formavam um ‘mix’ festivo. Qualquer acontecimento era motivo de festa. Hermengarda e Celina, grandes mentoras festivas lideravam tudo, com participação relevante de Décio, Nívea e Paulinho também sempre 112

O grifo em parte do texto se deve à ênfase na fala da entrevistada.

136

presentes. Carlos ainda era bem pequeno. “Olha que coisa bonita: nós morávamos numa casa, e ao lado moravam uns amigos de vida inteira, que se tornaram a nossa segunda família” (BRACHER, N., 2010a). “A família sempre esteve voltada para ações coletivas”, afirma Décio Bracher113 (2010). Os familiares mais próximos, ou seja, os tios, foram os primeiros mentores dos irmãos Bracher: Meu tio Roberto, era escritor e escrevia romances. O tio Waldomiro Lobo, que se casou com minha tia Eugênia, ele era um cômico tipo Chico Anísio, fazia tipos caricatos, fazia mágicas no palco, quando se casou. Posteriormente foi radialista, depois vereador e deputado estadual em Belo Horizonte. Criou a Fundação Waldomiro Lobo, de amparo aos tuberculosos e pobres e dois Sanatórios Maria I e Maria II. Então a família era assim, vocacionada a realizar grandes coisas. Tia Lídia, irmã de meu pai, começou com a pintura, em seus quadros de flor, muito ingênuos, e a seguir, criou uma entidade assistencial Mater Cristhi, para atender aos sacerdotes carentes. Tia Elvira trabalhava com teatro, música, piano; era cantora, atriz, diretora e roteirista de televisão: foi uma das pioneiras no ato de escrever novelas. Tia Eugênia Bracher Lobo foi cantora lírica, pianista, concertista e professora da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (BRACHER, D., 2010).

Décio Bracher (2010) julga ter aprimorado o aspecto da funcionalidade em sua forma de trabalhar a arquitetura, devido ao fato de que todos eles tiveram “uma pluralidade de informações em família”. “A gente nunca teve dinheiro, mas temos o sentido do não ter dinheiro”, disse Nívea Bracher114 (2010a). Para ela, isto não possuía importância alguma porque havia a riqueza das convivências e que, só agora, após tantos anos, ela podia ver nitidamente – “a convivência rica dos saberes humanos – da parte cultural da família que naturalmente surgiu sem imposição de ninguém, como algo inato”. Ela narra que seu ‘tio Lico’, Frederico Bracher Junior, por exemplo, instintivamente, fez um violino de caixote de madeira que estava na rua: era uma madeira especial. Ele pegou aquela matéria-prima e fez um violino artesanal que, por sua vez, tinha um som peculiar, não comparável ao Stradivarius, mas que, uma pessoa conhecedora, perceberia que isso foi algo genial (BRACHER, N., 2010a). Décio Bracher115 (2012a) declara: ‘tio Lico’ “era meu tio muito querido, meu mestre, meu amigo, meu par, não era só o meu parente. Era um pintor acadêmico, muito perfeccionista. Eu tinha que fazer as dobras do pano, o brilho do metal, era tudo muito perfeccionista, e ele não admitia nada que não fosse ótimo”. Décio Bracher foi influenciado 113

Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Nívea Bracher em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 115 Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 114

137

por este tio em sua maneira de desenhar, de realizar composições, de pintar e de analisar obras de arte. Ele relata que seu ‘tio Lico’ possuía o lado campestre dentro de si próprio e que era um romântico. Comenta que um dia seu tio disse para seu pai: “Waldemar! O Décio é mais artista do que eu. Só compreendi depois, pois eu já tinha o urbano dentro de mim e nos meus trabalhos: a visão de arquiteto e ele tinha mais este lado campestre” (BRACHER, D., 2012a). Nívea Bracher (2010a) afirma que “não havia muitas universidades na época, então o saber decorria da convivência com outras pessoas e da vivência da leitura, que é muito importante – então, o grande livro da vida desse pessoal da nossa família, é o livro da própria vida”. Nívea Bracher e seus irmãos conviveram com sua tia Eugênia, que lecionava canto e de piano, com sua tia Elvira, que influenciou os sobrinhos e com sua tia Lídia, também na área da música – todas passaram, de geração a geração naturalmente, o amor pela arte e todos assim, sempre foram muito idealistas (BRACHER, N., 2010a). Segundo Nívea Bracher116 (2010a) “nós também vivemos aqui todas essas correntes religiosas, desde o catolicismo profundo, por causa da minha tia Lídia que fez essa instituição de apoio aos sacerdotes pobres, até tia Berta que foi missionária. Foi uma coisa profunda na família, não foi algo en passant não”. Da parte de seu pai, as irmãs eram católicas ao extremo, ao mesmo tempo, havia 2 irmãos que eram mais universalistas, 3 estudantes do mecanismo mental do pensamento – algo considerado muito interessante. Havia a corrente protestante e na família de sua mãe, todos protestantes eram à moda antiga, e seriam considerados pentecostais atualmente. Ela relata que eles conviveram com tudo isso. “Então eu e o Carlinhos, que somos os mais novos, não fomos batizados quando nascemos. Deixaram que a gente optasse quando a gente crescesse. Nós vivemos a característica de plena liberdade aqui em casa, nada foi imposto, nunca houve fanatismo de nada”. Waldemar Bracher, seu pai, durante um período de vida em Juiz de Fora, pertenceu à Rosa Cruz e foi estudioso da logosofia. Ela prossegue ao dizer: “tia Berta, irmã do papai, possuía uma formação evangélica. Quando criança revelou o desejo em ser freira e acabou vivendo 27 anos como missionária na China”. Sabe-se pela família que naquela época, uma criança lá na China foi batizada com o nome de Celina, devido à sua influência. Na década de 1940 até início de 1950117, a irmã de Waldemar, Eugênia, professora de canto no Conservatório de Música de Belo Horizonte vai promover concertos permanentes de

116

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. BRACHER, Carlos; BRACHER, Décio; BRACHER, Nívea. Textos da família Bracher. [Informações sobre a história da família] cedidas para esta pesquisa, em 2011a. 117

138

seus alunos no Palace Hotel de Juiz de Fora, local em que também se apresenta sua irmã Elvira, com pseudônimo de Léa Delba. No período de 1946 a 1952118, o irmão de Waldemar, Frederico Bracher Jr. vai residir em Juiz de Fora e torna-se um dos fundadores da Orquestra Filarmônica, em que atua como “spalla”. Monta, na mesma época, uma academia de arte na Galeria Pio X – 2º piso, onde leciona pintura, música e promove exposições individuais e de seus alunos – algo raríssimo na cidade, até então. Ninguém poderia supor ao menos imaginar que, anos depois em 1965, neste mesmo local viesse a funcionar, a Galeria de Arte Celina. Em 10 de abril de 1952, Waldemar, Hermengarda e filhos mudam para o “Castelinho” da Rua Antônio Dias, n.º 300 (figura 62), onde Hermengarda cria um coral na própria Casa – que veio a se tornar o “embrião do futuro Coral universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora”. Entre seus cantores encontravam-se Affonso Romano de Sant’Anna e Maria Isabel de Souza Santos, ainda jovem, futura pianista e fundadora, em 1971, do importante Centro Cultural Pró-Música de Juiz de Fora.

Fig. 62. Foto antiga do Castelinho dos Bracher.

Sobre a mudança da família para o Castelinho dos Bracher, Nívea Bracher119 (2010a) relata que seu pai comprou este imóvel um ano antes de se mudarem da Rua Bernardo

118

Informações cedidas em forma de texto e imagens fornecidas, por Carlos e Nívea Bracher, para a realização desta pesquisa, em 2011. 119 Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

139

Mascarenhas, para lá, porque ninguém queria sair daquele lugar em que já estavam habituados à vizinhança e aos relacionamentos com a comunidade: Parece uma incoerência não ter dinheiro e comprar essa casa – o Castelinho, mas não era, porque naquela época, não havia correção monetária e quando papai comprou essa casa era para pagá-la em 35 anos. Nas primeiras prestações, chegamos até a passar fome, porque não sobrava nada, foi muito pesado. Mas com o tempo, o fato é que nos últimos dez anos, o valor que papai tinha ainda que pagar mensalmente, correspondia a um maço de cigarros, porque não existia inflação na correção. Houve uma época em que ele resgatou 10 anos e quitou a casa. Eu tinha 10 anos... Ficamos um ano ainda na Bernardo Mascarenhas, antes de ir definitivamente para o Castelinho, porque não queríamos sair de lá, tínhamos os nossos amigos, nosso cachorro Peri, que também tinha sua namorada lá. Quando veio o último caminhão trazendo a gente aqui para o Castelinho, viemos todos chorando, e também o Peri. Quando eu cheguei chorando, o meu pai queria consolar-me e então dizia: oh, minha filha aqui é tão bonito, olha esse ladrilho ali, e eu chorando, olhei e pensei: um...que bonito mesmo...daí continuei chorando. Eu e o Carlinhos ainda éramos crianças e tivemos que nos virar aqui, porque lá na Bernardo Mascarenhas brincávamos direto, era tudo de terra e aqui era tudo de cimento – e não era a mesma coisa, né? (BRACHER, N., 2010a).

Conforme relembra Nívea Bracher120 (2010a), quando se mudaram para o Castelinho, em um tempo a seguir, “a salvação foi o Décio”, por ele já possuir uma convivência com os artistas da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e pela iniciativa em trazê-los para o Castelinho, possibilitando a integração destes, com os demais irmãos e familiares. Ela se recorda inclusive de um dia em que chegou da escola, do Curso Normal, o artista Dnar Rocha estava no Castelinho e havia feito o retrato dela, em pintura. Além da iniciativa integradora de Décio Bracher, somam-se as iniciativas motivadoras fundamentais para a congregação de pessoas da comunidade: Hermengarda com a música e Celina, com pessoas amigas da Igreja Metodista e da Faculdade de Filosofia e Letras, a FAFILE. Nívea Bracher (2010a) relembra:

E a mamãe já tinha um piano desde a Rua Bernardo Mascarenhas e fazia um coral com o pessoal todo de lá. Quando veio para o Castelinho, conforme um depoimento de Wanda Brandão, foi a primeira vez que houve separação de vozes no canto coral, porque antigamente só havia o canto orfeônico. Então aqui tinha assim, de 30 a 40 pessoas do coral aqui nesta cozinha e eu era criança, me lembro de uma vez, essa mesa aqui, cheia de pipoca, aquilo para mim era uma maravilha, uma montanha de pipoca! (BRACHER, N., 2010a)

120

Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

140

Nívea Bracher (2010a) reflete e afirma que é notório, o ‘sentido comunitário’ já existente, desde a Rua Bernardo Mascarenhas, que migra para o Castelinho dos Bracher e que depois permanece – se transmuta em forma de Galeria – a Galeria de Arte Celina, que será apresentada do capítulo 4. Ao retomar a chegada da família Bracher a Juiz de Fora, pode-se compreender um pouco do cotidiano em suas residências, principalmente o ‘sentido comunitário’ permanente, em paralelo às atividades empreendedoras iniciais, que assinalam o pioneirismo de certas atividades realizadas pelo patriarca da família. Waldemar Bracher, então foi chamado a trabalhar no Curtume Krambeck, em Juiz de Fora, por ser um profissional talentoso, tanto na área da engenharia, quanto na área da química – era um pioneiro em diversos aspectos. Além do dom nato para consertar vários tipos de máquinas, segundo seu filho Décio Bracher121 (2010), ele sempre utilizava seu tempo para elaborar e criar objetos ou equipamentos que viessem a facilitar o cotidiano das pessoas. Era um visionário. Na figura 63, está um desenho da chaminé do Curtume Krambeck, realizado por Décio Bracher, quando ainda muito jovem, e que ele demonstrava durante o seu relato, em 2012a. À esquerda uma Fábrica de Gasogênio de seu pai, na parte central da imagem, uma parte de uma Churrascaria, e mais à direita, um casarão onde funcionava a Cervejaria José Weiss.

Fig. 63. No desenho, à esquerda, Fábrica de Gasogênio de Waldemar Bracher, atrás, chaminé do Curtume Krambeck, onde Waldemar Bracher trabalhou. À frente, no centro, uma parte do casarão que era uma Churrascaria e mais à direita a Cervejaria José Weiss. Desenho de Décio Bracher.

121

Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

141

Décio Bracher122 (2010) se lembra de que tinha cerca dez anos e Paulo, seu irmão, devia ter uns sete anos e que, aquela atmosfera do curtume não tinha nada a ver com eles, ou seja, com a mentalidade artística deles, mas seu pai conjugava o espírito empreendedor, do labor, aliado à capacidade de criar e inovar. Afirma que seu pai era muito precoce e inventivo123. Paulo Bracher124 (2013) relata que naquela época em Juiz de Fora, quando chegou a guerra, além das dificuldades pelas quais já passava o curtume, surgiram outros problemas, como a falta de gasolina, que estava sendo racionada, assim como o açúcar e outros produtos. Ele afirma: “meu pai então criou um álcool para movimentar as máquinas, os motores dos caminhões e automóveis do Curtume Krambeck e da transportadora Picorelli, no início da década de 1940” (BRACHER, P., 2013). Décio Bracher (2010), sob este aspecto, complementa ao dizer: “papai foi um dos que fez álcool, etanol para veículos do Krambeck e da Picorelli. Não havia açúcar, nem cana e então ele começou a fazer com rapadura. Quando acabou a rapadura, ele começou a fazer de amido de mandioca” (BRACHER, D., 2010). Décio Bracher125 (2013a) relembra que seu pai implementou uma pequena fábrica de carvão para gasogênio. Comenta que a única vantagem é que a partir disso ele criou um subproduto do carvão, que registrou e com isso, foi convidado a lecionar na Universidade Federal de Juiz de Fora e assim, descreve: Havia uma pequena caldeira que se colocava atrás no carro e você tinha que alimentar aquilo com carvão. Aquele bafo do carvão queimado, é que movia o motor dos carros, chamado gasogênio. Então ele montou uma fábrica desse carvão vegetal e aproveitou os subprodutos: o piche, a acetona, o acetato de etilo. Fizeram tanto sucesso, os produtos químicos que ele estava fazendo, que o diretor da escola de engenharia, Dr. Josué Lage, convidou-o para ele ser professor da Escola de Engenharia. Então o papai, que tinha feito meramente o curso técnico, que era um curso técnico de eletricidade, foi alçado para o cargo de engenheiro e saiu-se muito bem! Então ele terminou sendo engenheiro da Universidade; ajudou na construção do campus da Universidade na Cidade Universitária, todo o sistema de captação das águas, das águas para efeito de uso doméstico, ele fez isso aqui na Universidade. 122

Entrevista com Décio Bracher, em 18 de agosto de 2010. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. “Papai era muito precoce, muito criativo, imaginativo, então... a minha avó tinha mania – e agora seria processada pela nova lei – tinha mania de dar uns tapinhas nas crianças, diariamente. Todos apanhavam… e por que? Para os outros não ficarem debochando... Então colocava todos numa fila. Em uma mão, um chicote, na outra, um currião, ou uma vara de marmelo. Dava uma batidinha em cada um, e então o meu pai inventou uma máquina de bater em crianças. Tinha uma correia, uma manivela, ligava na eletricidade, e então marcava – tantas palmadas – e a máquina ia... pá, pá, pá... Meu pai não me revelou maiores detalhes da máquina, mas esta façanha era algo muito interessante. ” Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 124 Depoimento de Paulo Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013. 125 Depoimento de Décio Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013a. 123

142

Fez o Bairro Bom Pastor como engenheiro, abriu aquela Garganta do Dilermando126 e realizou o levantamento topográfico (BRACHER, D., 2013a).

Em 1951, Waldemar Bracher começa a lecionar química na Escola de Engenharia de Juiz de Fora e posteriormente no Curso Técnico da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF, local onde foi professor durante quase 40 anos. Nesta atividade “descortinou sua inata vocação, fazendo da sala de aula um amplo exercício de conhecimento e sabedoria”, segundo Carlos Bracher. Entre alguns de seus alunos, destacam-se: Itamar Franco (Governador de Minas, Senador e presidente da República), Djalma Morais (ex-diretor da Petrobrás, diretor da CEMIG), Marcelo Siqueira (ex-deputado Federal e diretor da COPASA), José Pedro Rodrigues de Oliveira (ex-diretor da Eletrobrás), Carlos Carneiro Costa (presidente da construtora Líder, de Belo Horizonte) e Fernando Queiroz (presidente da Via Engenharia, de Brasília). Trabalhou como engenheiro na construção do campus da UFJF. Projetou e implantou vários bairros na cidade de Juiz de Fora: Bom Pastor, Bairú, Grajaú e Santa Terezinha. Como cientista, Waldemar Bracher127 conceituou o ousado e revolucionário “elemento zero”, em química, que existiria anteriormente ao hidrogênio (elemento um). Atualmente a Ciência investe nesta área de investigação. Apresentou trabalhos em congressos anuais da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência (SBPC). Foi um dos pioneiros no Brasil, na criação do Biocombustível, ainda no início dos anos 40.

Fig. 64. Algumas palestras públicas de Waldemar Bracher. 126

A parte final norte da Avenida Rio Branco, em Juiz de Fora, recebeu, por lei, a denominação de Garganta do Dilermando, em homenagem ao prefeito da cidade de (1947 a 1950), Dilermando Martins da Costa Cruz Filho (1907-1971). A CIDADE. Prefeitos de Juiz de Fora (1931-2013). Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/prefeitos.php > Acesso em: 04 de agosto de 2014. 127 BRACHER, Carlos; BRACHER, Décio; BRACHER, Nívea. Textos da família Bracher. [Informações sobre a história da família] cedidas para esta pesquisa, em 2011a.

143

Diretor da orquestra Filarmônica de Juiz de Fora, Waldemar Bracher também foi membro do Coral da UFJF. Possuía formação religiosa, luterana, enveredou-se pelos campos de estudos da logosofia, maçonaria e chegou a ser grão-mestre da Rosacruz. Ministrava palestras públicas de temas variados. Na figura 64 há a imagem de um folder de algumas palestras de Waldemar Bracher no auditório do Centro Cultural Pró-Música. Alguns temas das palestras: “Harmonia da Criação”; “Origem e Transmigração da Matéria”; “Equivalência Matéria-Energia”; “O Homem Objetivo e Subjetivo”; “O Plano Físico e Metafísico”; “Catalisadores das Reações Psicológicas”. A fábrica Louçarte, empreendimento marcante para a família, foi outra iniciativa que teve início em 1953128, quando Waldemar Bracher foi solucionar um problema técnico da fábrica Vistal, no bairro Fábrica e encantou-se pelo processo de produção. Ao estabelecer a aliança com três portugueses, fundaram a Louçarte na Avenida Sete de Setembro n.º 307, bairro Cerâmica, em Juiz de Fora. Os irmãos Décio, Celina, e Nívea Bracher, foram contratados como pintores da Louçarte, ao lado dos artistas Dnar Rocha, Wandyr Ramos, e se acrescentam os artistas: Nilton Martelli, Nazira Zeiden e José Exaltério (VANINI, 2011, p.5). Décio Bracher129 (2013a) relembra mais dois grandes artistas que lá trabalharam, os portugueses Manuel Marques e o José Marques”. Segundo Paulo Bracher130 (2013) sua família importava as tintas da Inglaterra, através de Portugal, mas naquela época, “o dólar começou a ficar muito caro, e estava muito difícil a importação destas tintas. Então meu pai com o conhecimento dele de química, criou tintas para pintar as louças que até hoje nós vemos aí, que são as louças da Louçarte”. Décio Bracher131 (2013a) relata que um problema que eles não conseguiam resolver, era a falta de energia elétrica. Havia um forno que precisava trabalhar pelo menos uma semana ininterruptamente. “E então naquela época, de três em três dias, de dois em dois dias, cortavam a energia elétrica, tantas horas por dia, aí, estragava tudo”.

128

VANINI, Eduardo. Legado artístico dos Bracher. Jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora, Caderno Dois, 04 de setembro de 2011, p.5. 129 Depoimento de Décio Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013a. 130 Depoimento de Paulo Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013. 131 Depoimento de Décio Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013a.

144

Na fábrica da Louçarte, a família se envolveu com empenho (figuras 65 a 70). Paulo Bracher132 (2013) afirma: “na fábrica de louças, todos nós tivemos algum tipo de participação: eu me lembro que o Carlinhos, era um molequinho na época, ele ficava lá, às vezes a semana toda sem vir em casa, porque a louça, era queimada em fornos de lenha, que meu pai mesmo criou”. Ele complementa ao dizer: “eu era auxiliar de modelagem, então eu fazia aquelas formas de gesso, aquelas coisas que onde se fazia um molde para as louças depois”.

Fig. 65. Algumas peças de louça da Louçarte. Fotografia realizada na Exposição Louçarte, em setembro de 2011, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora.

Fig. 66. Peças da Louçarte. Fotografia realizada no ateliê do Castelinho dos Bracher, em 2012.

132

Depoimento de Paulo Bracher no Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013.

145

Fig. 67 e fig. 68. Pratos da Louçarte. Fotografia realizada na sala do Castelinho dos Bracher, em 2012.

Fig. 69 e fig. 70. Pratos da Louçarte. Fotografia realizada na sala do Castelinho dos Bracher, em 2012.

Após o fechamento da Louçarte, Waldemar Bracher foi administrar a Cervejaria José Weiss, que já estava em pré-falência, sem veículos de transporte e com uma série de problemas que demandavam muito investimento em dinheiro. Segundo Décio Bracher (2010) isto causou certo problema para a família naquela época e revela que seu pai era um idealista e não os ensinou a ganhar dinheiro. “Ele achava que dinheiro era besteira e que a gente tinha de fazer as coisas de graça porque a missão nossa na vida era servir, não era ganhar, era servir”. Para Carlos Bracher (2014), sua mãe Hermengarda, era a “sabedoria da casa”, era a “voz do silêncio”. Servir, receber, integrar e congregar eram os princípios norteadores, sob os quais a família Bracher fundou seus alicerces em Juiz de Fora. De espírito receptivo e hospitaleiro, os Bracher mantinham os portões do Castelinho abertos aos amigos e conhecidos. Há o portão principal de entrada no Castelinho, o “Ramsés”, assim denominado pela família (figura 71). Logo a seguir, após as escadas, o portão “Rapunzel” (figura 72). Na parte posterior do Castelinho, em direção ao jardim inferior e garagem, há o portão “Napoleão” (figura 73). A varanda, a sala, a cozinha, eram espaços dinâmicos, abertos a confraternizações e diálogos, 146

sintonizados aos acontecimentos da cidade. Gastronomicamente musicais, os bate-papos entre amigos só tinham hora para começar e nesta atmosfera criativa surgiam as mais diversas ideias culturais.

. Fig. 71. Portão Ramsés. Observa-se o n.º 300 da residência, situada à Rua Antônio Dias, bairro Granbery.

Fig. 72. Portão Rapunzel, à esquerda. Fig. 73. Portão Napoleão, à direita.

147

Por estes portões abertos, trafegou a liberdade e se instaurou o espírito de partilha, de comunidade – uma comunidade de artistas – uma tribo que nos anos de 1960 a 1970 é um emblema da liberdade e criatividade em oposição à ditadura. A comunidade artística inicialmente formada pelos pais Waldemar e Hermengarda (figura 74) e seus filhos, na casa da Rua Bernardo Mascarenhas, posteriormente se desloca e se solidifica no Castelinho dos Bracher, local em que – os irmãos Bracher – dão os seus primeiros passos na construção de um ideário cultural que contribuiu para a arte na cidade mineira de Juiz de Fora.

Fig.74. Díptico. O casal Waldemar e Hermengarda Bracher. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela.

Segundo Nívea Bracher133 (2010a), aquele espírito de confraternização que a família possuía na Rua Bernardo Mascarenhas, “veio de lá para cá, sem preconceito algum, sem preconceito religioso, nem de raça, nem político, ou de futebol, ou de esportes, valia tudo. Tudo, tudo, tudo. E isso é muito bom! Hoje eu acho que a melhor coisa chama-se liberdade”. Ela complementa ao dizer: “liberdade: é a melhor forma da gente ir em frente, porque aí as coisas brotam naturalmente, nada é esquematizado”. Assim surgiu a Galeria de Arte Celina: brotou naturalmente do Castelinho, sem esquemas ou planejamentos prévios. Nívea Bracher (2010a) conclui todo o processo foi um desenrolar da formação de “grupos ou tribos, de suas conexões e integrações”: o grupo da Rua Bernardo Mascarenhas; o grupo da família em Belo Horizonte; um grupo de amigos de Belo Horizonte do Centro de Estudo Cinematográficos de Belo Horizonte (CEC-BH); também o grupo de artistas da

133

Entrevista com Nívea Bracher em 18 de agosto de 2010a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

148

Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras de Juiz de Fora (cuja convivência foi originada por Décio) e o grupo da faculdade de filosofia – FAFILE (que Celina também levava ao Castelinho). Em relação ao período de vida “Naquela época não havia campus universitário em Juiz de Fora e então era aqui em casa que se reunia toda a fauna universitária” (BRACHER, N., 2010a). Pode-se observar ao longo dos depoimentos que esta prática, este modus vivendi comunitário, se desenvolve no seio da família desde seu início em Belo Horizonte, toma um corpus prático no período de vida na Rua Bernardo Mascarenhas, no Castelinho dos Bracher, adquire um corpus consistente-teórico-prático e finalmente se transporta para um corpus efetivo-cultural, marcante para a sociedade em Juiz de Fora, em forma de Galeria de Arte Celina – a GAC. 3.1 Os Irmãos Bracher, uma comunidade de artistas Poucas são as famílias que mantêm gerações e gerações de artistas através dos tempos. Os Bracher trazem esta carga artística ancestral e permanente, diante das diversas expressões artísticas pertinentes a cada época. Para se penetrar no sentido de comunidade enquanto família, depois comunidade enquanto grupo de artistas, para depois se perceber os processos desta comunidade artística que se formou e suas relações com a sociedade, através das dinâmicas que surgem da criação da Galeria de Arte Celina, a GAC, pretende-se abordar brevemente a perspectiva de Ferdinand Tönnies (1947, pp.19-110) acerca de comunidade e sociedade. Para o referido autor, a teoria da comunidade parte da unidade perfeita da vontade humana, considerando-a em seu estado primitivo, que se desenvolve de diversas maneiras, conforme a necessidade natural e as relações entre os indivíduos diversamente condicionados. A raiz geral destas relações é “o nexo da vida vegetativa desde o nascimento”. O fato de que as vontades humanas, (enquanto cada uma delas corresponda a uma constituição corporal), permaneçam unidas entre si por sua ascendência ou linhagem, ou cheguem a unir-se por necessidade, esta união se apresenta com a máxima intensidade, como afirmação recíproca e direta, através de três classes de relações: 1- a relação entre mãe e seu filho; 2 - a relação entre homem e mulher, sendo cônjuges; 3 - a relação entre irmãos, que se reconhecem como gerados de um mesmo corpo materno. A “comunidade de sangue”, como uma comunidade de essência, se desenvolve na “comunidade de lugar”, que tem sua imediata expressão na convivência local, e essa comunidade, passa por sua vez, a ser a “comunidade de espírito”, como resultado da mera atuação e administração recíproca, na mesma direção e no mesmo 149

sentido. A “comunidade de lugar” pode conceber-se como vínculo da vida animal e a “comunidade do espírito” como vínculo da vida mental. A relação entre esta última comunidade e a primeira, estabelece que a “comunidade de espírito” deva ser considerada “a propriamente humana e o tipo mais elevado de comunidade”. Estas três classes de comunidade estão intimamente entrelaçadas, tanto em tempo, quanto no espaço, em cada fenômeno, no desenvolvimento da cultura humana e de sua história. Das três espécies originárias da comunidade, destacam-se três designações decorrentes: 1ª – parentesco; 2ª – vizinhança e 3ª – amizade. O parentesco tem a casa como morada e como se esta fosse o seu corpo: neste tipo há convivência debaixo de um único teto protetor, a desfrutar a posse, os bens comuns, especialmente a alimentação fornecida pelas mesmas provisões e o fato de sentarem-se juntos ao redor da mesma mesa. Quando os parentes não estão próximos, podem nutrir-se das recordações e imaginação conjunta. A vizinhança é o caráter geral da convivência no povoado, nos campos, nas residências das aldeias, que determinam contatos e conhecimentos mútuos. A 3ª classe - as relações de amizade, a título de amigos e companheiros, são as menos orgânicas ou instintivas. Não são determinadas pelo costume ou vizinhança, são eletivas e de natureza mental (TÖNNIES, 1947, pp.19-110). A teoria proposta pelo autor, cuja obra Comunidade e Sociedade, foi originariamente publicada em 1887, revela que esses padrões observados nas relações comunitárias existiriam nos espaços essenciais, como a casa, a vila ou aldeia, e a cidade. As relações essenciais de comunidade na casa ou aldeia estariam postas pelo autor, como elementos formadores sociais em uma primeira fase, de uma maneira mais primitiva e a sociedade, num momento decorrente, em maior escala como a cidade, o Estado e a nação. Na comunidade haveria a vontade essencial como expressão, fundada na colaboração, solidariedade, afetividade, costumes e religião; já na sociedade, a vontade seria arbitrária, com fundamento em interesses particulares, nas leis de mercado, nas leis estabelecidas e na opinião pública. Assim, quanto maior o desenvolvimento das cidades, a vida rural deslocava-se cada vez mais para a submissão aos padrões da vida urbana, e mais frágeis se tornavam os elos de parentesco, vizinhança, que nutriam por motivos de afetividade, o senso da partilha comunitária. Segundo Ferdinand Tönnies (1947, p. 65) a teoria da sociedade constrói um círculo de homens que, como na comunidade, convivem pacificamente, porém não estão essencialmente unidos, mas essencialmente separados; enquanto na comunidade permanecem unidos apesar de todas as separações, na sociedade permanecem separados apesar de todas as uniões.

150

Pode-se dizer que os Bracher, sob a perspectiva assinalada por Ferdinand Tönnies (1947), representam as três classes de relações: a “comunidade de sangue”, enquanto família, clã ou conclave familiar dos Bracher, assim como também representam uma “comunidade de lugar”, como atores sociais que atuam intervindo e influenciando o habitus das vizinhanças da Rua Bernardo Mascarenhas e do Castelinho. Representam ainda uma “comunidade de espírito” de grande relevância para a cultura da cidade, que se sedimenta e se fortalece no Castelinho dos Bracher, local onde foram capazes de congregar artistas, atrair e promover um círculo afetivo de pessoas com afinidades de pensamento, de ideais, de sonhos e de projetos. Para tal, pode-se dizer que a gênese da Galeria de Arte Celina surge desta “comunidade de espírito”, sedimentada alí, onde todas as diferenças, diversidades e adversidades que separam os indivíduos na sociedade, promovem a união, a conexão, enquanto comunidade artística – uma união na dimensão da arte.

Fig. 75. Foto do cartão de convite da Exposição dos irmãos Bracher: Nívea, Celina, Décio e Carlos, de 08 a 23 de setembro de 1963. Fig. 76. Nívea, Carlos e Décio134 em sua primeira exposição em 1960.

Esta “comunidade de espírito” que se formou a partir dos familiares e principalmente pela atuação dos irmãos Bracher pode ser mais bem conhecida a partir da compreensão destes atores sociais. Vale ressaltar que os irmãos Décio, Nívea, Celina e Carlos Bracher (figura 75 e figura 76), cujas vidas na atmosfera da arte são brevemente relatadas nos itens que se

134

Esta foto da fig.75, foi cedida por Nívea Bracher em 2011, para esta pesquisa e também se encontra no livro: ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.80.

151

desenvolvem a seguir, são os artistas da família Bracher que participaram do Grupo 57, juntamente com os demais artistas já destacados no capítulo 2, no item 2.4. Paulo Bracher é um irmão importante nestes processos, por ser um forte elo entre os outros quatro irmãos e por ter convivido na cumplicidade afetiva deste ambiente criativo. Embora ele tenha se dedicado exclusivamente à música, não era pintor, mas sua alma de artista esteve sempre envolvida nestas conexões artísticas da família. As breves biografias destes irmãos não alcançarão a extensão de seus currículos artísticos laureados de premiações, exposições, participações em salões, documentários e publicações, pois o foco direciona-se ao conhecimento da aura afetiva, criativa e de pensamento, que desencadeou o processo para a criação da Galeria de Arte Celina. Será possível perceber a tônica fundamental de cada um deles naquele período das décadas de 1960 a 1970, com algumas iniciativas posteriores, mas o intuito é decifrar esta melodia familiar. 3.2 Décio Bracher (1932-2014): a escrita do cotidiano O primogênito da família – Décio135 – sempre percebeu a natureza com um olhar estético (figuras 77 e 78), assim como as casas e edifícios: como natureza criada pelo homem. Sempre de olhar atento, registrava seus desenhos, como se fossem anotações da realidade, uma escrita do cotidiano.

Fig.77. À esquerda, Décio Bracher ainda na adolescência. Fig. 78. À direita, Retrato de Décio Bracher. Obra de Nívea Bracher em acrílica e fusain sobre tela, 61cm X 46 cm, 1993.

135

“Casou-se com Schirley Bueno com quem teve dois filhos, Daniel (1971 – programador de informática e funcionário da Assembleia Legislativa do Rio); e André (1974 – músico e professor de música da rede municipal da Sec. Educação do Rio, e da Fundação Xuxa Meneguel)”. (BRACHER, B., 2014). Dados biográficos fornecidos em um texto (Currículo de Décio Bracher), por Blima Bracher: jornalista, documentarista e sobrinha, em 22 de julho de 2014 [via e-mail].

152

Décio Bracher136 (2012a) afirma: “desde criança eu já era encantado com a arquitetura, sempre desenhava casas”. Iniciou suas aulas de desenho e pintura na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, SBAAP, entre 1943 a 1945, momento em que foi aluno de Edson Motta. Em 1946, começa a frequentar o ateliê de seu tio Frederico Bracher Júnior, ‘tio Lico’, na Galeria Pio X, depois retorna à SBAAP. Em 1957, bacharelou-se em História e Geografia pela Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora, a FAFILE e em 1965, concluiu o curso de Arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG. Aperfeiçoou-se com vários cursos em artes plásticas, história, música, arquitetura e urbanismo (AMARAL, 2004, p.45). Sofreu a influência marcante de seu tio Frederico, em sua expressividade artística. No período em esteve junto a seu tio no ateliê, o auxiliava também no ofício de colocação de molduras em quadros. Décio Bracher (2012a) relata que o desenho de móveis foi sempre uma constante em sua vida (figura 79). Chegou a trabalhar para a empresa Renascença Móveis e com desenhos por encomenda. Este tema também já fez parte de aulas que ministrou na faculdade: era algo prazeroso para ele, como atividade. Assim como realizar o registro arquitetônico das cidades era uma dinâmica que expressava o seu ser e as transformações cotidianas de uma realidade que o cercava, o desenho de móveis, a criação e recriação de ambientes, alterava de certa forma, o cotidiano das pessoas, de uma maneira mais intimista.

Fig. 79. Desenho de mobiliário. Imagem retirada do vídeo de depoimento de Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a.

136

Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a, no Castelinho dos Bracher. Juiz de Fora, MG.

153

A arquitetura tornava-se uma fonte de constante percepção do cotidiano comunitário e social, sobretudo da constatação da mudança cíclica da vida e da necessidade de se preservar a memória e a história. Para Décio Bracher, a arte, a música e a arquitetura se entrelaçam. Criar para ele, é traduzir e expressar as formas, os espaços, os volumes através da música. Isto se torna visível em seu depoimento sobre o projeto de arquitetura que realizou no início da década de 1960, para a construção da Reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora: edifício que abriga atualmente o Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, o MAMM, desde 1996. Esta edificação foi inaugurada em 1966 e durante trinta anos foi o local onde a Reitoria da UFJF desenvolveu suas atividades. “O projeto arquitetônico foi realizado pelos engenheiros Nicolau Kleinsorge e Waldemar Bracher e pelo arquiteto Décio Bracher, já na época de sua construção considerado um marco na arquitetura moderna de Juiz de Fora” 137. Décio Bracher 138 (2011c) relata, defronte ao edifício do MAMM (figuras 80 e 81):

A arquitetura aqui é uma arquitetura simples, sem nenhum enfeite. Se você notar em cima, ali na fachada, há uma valsa: ‘tum... ta ta tum...ta ta tum...ta ta tum... é um módulo sim e dois não. Um dois, um dois, um dois em cima na fachada’. E embaixo, é o módulo seis, pesado, um contraponto. Você tem estes envidraçados embaixo em três módulos à esquerda e do outro lado, três módulos de janela, com tijolinhos embaixo, à direita. Há então o desenvolvimento de fachada, sem nenhum enfeite desnecessário. O único enfeite que há é dedicado às solenidades do Reitor, que é aquela sacada lá em cima, onde colocaram os banners das exposições. Então deixei o terreno ao lado, com espaço para construções futuras, como por exemplo, para a construção do Memorial Itamar Franco (BRACHER, D., 2011c).

Fig.80. Explicações em depoimento de Décio Bracher em 30/07/2011 sobre o projeto arquitetônico do MAMM. Fig.81 À direita, detalhe da sacada do edifício do MAMM, com três banners pendurados. Nívea Bracher encontra-se em frente ao edifício.

137

PLANO museológico. Museu de Arte Murilo Mendes. Universidade Federal de Juiz de Fora. 2011. Disponível em: Acesso em: 03 de setembro de 2014. 138 Entrevista com Décio (2011 c), Nívea ( 2011e) e Carlos Bracher (2011d), em 30 de julho de (2011), no MAMM, Juiz de Fora, MG.

154

Décio Bracher (2011c) continua seu depoimento: “observe os jardins: nele há três palmeiras de um lado (figura 82), compondo com os três mastros para bandeiras, do outro lado” (figura 83). Ele comenta que deveria haver um mastro só “porque aqui é a nação brasileira, mas eu coloquei três para combinar na composição. Isso, quando se faz um curso de fachada, você entende. Essas árvores do jardim fecharam o espaço, tornando-o muito agradável e geometrizado”.

Fig.82. À esquerda, detalhe dos três coqueiros do jardim do MAMM. Fig.83. À direita, detalhe dos três mastros do jardim do MAMM.

Preocupado com o acesso livre ao edifício, complementa: “interessante é que o caminho para a entrada é direto, não há escadaria para entrar”. Outro detalhe foi a escolha de esquadrias de metalon, com baquete de alumínio ali, para evitar a ferrugem - elementos que foram bem estudados, de acordo com materiais disponíveis na época. O pé direito possui 3,5 m, ele diz que 3 m seria baixo, poderia ter 4 m, mas pra dar certa unidade, escolheu 3,5 m em cada um dos três pisos. Décio Bracher (2011c) afirma: “era um prédio meramente administrativo e de repente tornou-se monumental. Quando se faz arquitetura, não se faz monumento, se faz arquitetura. O tempo é que vai dizer se isso é monumento ou não”. Décio Bracher (2011c) complementa: Quando o projeto foi feito, não havia nem elevador, depois é que ele foi feito atrás da escada139. Se houvesse na época, um pouco mais de tempo hábil para realização e um pouco mais de verba, poderia se ter feito qualquer coisa bem mais elaborada. Tudo foi realizado dentro de uma limitação muito grande de programa. Eu forcei a barra para ter um terceiro pavimento, porque eram, a 139

Décio Bracher explica detalhes da escada do MAMM, que está na figura 107: “Este edifício tem um problema, só tem uma escada, não possui uma escada de serviço, porque houve, dentro de uma premência, a urgência em se realizar uma coisa rápida e direta. Pensou-se em L para esta parte nobre aqui do saguão e a parte de serviço ali no L, para os banheiros e tudo mais. Poderia ter estendido um pouco mais e isso não foi feito e não vem ao caso discutir. Mas a escada é suspensa por aquelas duas vigas ali, grandes demais, deveriam ser um pouco mais delgadas. Isso não importa porque, criou-se um espaço incrível aqui embaixo, que é o chão direto. Então o Zé Alberto Pinho Neves mandou colocar ali pedrinhas, esculturas... então se volta a terra. Igual àqueles mastros de bandeiras que estão ali no jardim, que tinham que sair do chão direto, não podiam ter pedestal”. Entrevista com Décio Bracher, em 30 de julho de 2011c, no MAMM, Juiz de Fora, MG.

155

princípio, só dois. Forcei, então tive que inventar o auditório no terceiro pavimento, inventei umas coisas inúteis, para dar um pouco mais de pompa ao prédio, e é só isso... (BRACHER, D., 2011c).

Neste mesmo momento, Nívea Bracher (2011e) intervém dizendo que queria dar um depoimento fundamental (figura 84), pois nesta data de 30 de julho de 2011, estava diante de duas pessoas, dentre outras, responsáveis pela construção deste prédio – Décio e Carlos – e que faltava uma terceira pessoa que era o seu pai Waldemar, já falecido. Ela assim continua o seu relato: Então o Décio fez os projetos, Carlinhos fez os desenhos. Estamos num momento muito importante da nossa história de Juiz de Fora, de saber que uma semente foi bem semeada: que produziu este prédio, este ambiente de cultura. Se não fosse o Décio, este ambiente não existiria, não teríamos MAMM, não teríamos nada (BRACHER, N., 2011e).

Fig.84. Depoimento de Nívea Bracher, com os irmãos Décio e Carlos no MAMM.

Ela narra que na época, as autoridades queriam fazer apenas um galpão provisório, para o funcionamento da Reitoria até a sua ida definitiva para o Campus Universitário. Ela relembra que Décio havia dito que, como somos um país de pobres, não poderíamos fazer coisas provisórias, porque o provisório se tornaria permanente. Ele foi incisivo naquele momento dizendo: “vamos fazer uma coisa bem feita, decente, porque quando a Reitoria subir para o Campus, isso aqui se transforma em um Centro Cultural”. Nívea Bracher (2011e) prossegue ao afirmar: “este é o primeiro espaço oficial elaborado em Juiz de Fora, com um espaço para exposições... isso foi em 1963, 1964. Estamos num momento muito maravilhoso, os três irmãos aqui podendo refletir sobre isso, juntos”.

156

Hoje o Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, MAMM, é um órgão suplementar140 da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao final da década de 1960, após ter realizado o projeto já mencionado, Décio Bracher muda-se para o Rio de Janeiro. Em 1969, Décio Bracher (2011) inicia sua vida acadêmica como professor de História da Arquitetura na Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, até se aposentar (PEREIRA141, 2011c, p.50).

Fig.85. Demolição de Juiz de Fora. Obra de Décio Bracher, 1957, óleo sobre tela. Fig.86. Salvai o Azul da Asfixia do Concreto142. Díptico. Obra de Décio Bracher. Óleo sobre tela, coleção do artista.

Anteriormente143 à sua ida para o Rio de Janeiro, tinha o hábito de pintar telas de edifícios e casas que seriam posteriormente demolidos, como também pintava a cena durante

140

O MAMM é órgão suplementar da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) vinculado à Pró-reitoria de Cultura da UFJF e cadastrado no Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). PLANO museológico. MAMM, UFJF, 2011. Disponível em: http://www.museudeartemurilomendes.com.br/arquivos/plano.pdf > Acesso em: 03/09/2014. 141 Sobre Décio, Nívea, Carlos e Celina Bracher, há trechos transcritos neste capítulo, a partir de artigo publicado pela pesquisadora: PEREIRA, Cláudia Matos. O pioneirismo de Celina e Nívea Bracher no cenário artísticocultural de Juiz de Fora. In: 18º Encontro de Alunos do PPGAV – UFRJ, Rio de Janeiro, 2011c, pp.41-60. ISBN 978-85-87145-44-4. Versão impressa e digital. Disponível em: < https://docs.google.com/file/d/0BW1HbfZy1PxYjgwNDQ3NzEtMTY5Mi00ZWZiLWJjYmMtYjg3ZGUyOTdiZjE0/edit?pli=1 > Acesso em: 01de setembro 2011. 142 Em 1978, Décio Bracher participou do I Salão Nacional de Belas Artes, ocasião em que houve a abertura e fusão do Acadêmico e do Moderno, com o apoio da FUNARTE – evento de grande relevância na época. Seus trabalhos selecionados em pintura a óleo sobre tela foram: “Proteja-nos do Patrimônio”, “São Sebastião Demolido” e “Salvai o Azul da Asfixia do Concreto”. Fani e Nívea Bracher também foram selecionadas neste Salão com suas propostas. (PEREIRA, 2011c, p.53).

157

o processo de demolição em Juiz de Fora. Assim, ele poderia ser chamado, com dizem na família: “o pintor das demolições”. Na figura 85, o quadro de Décio, realizado em 1957, óleo sobre tela, (51 cm X 40 cm), intitulada Demolição de Juiz de Fora retrata exatamente o momento em que ela acontecia. Este é apenas um exemplo de tantas outras telas que realizou imbuído pelo mesmo sentimento de denunciar a derrubada da história e da memória que fazem parte do patrimônio sensível de uma comunidade. Ao morar no Rio de Janeiro, a partir de 1966, saía em conjunto com vários pintores de rua e teve a oportunidade de retratar a Rua do Ouvidor e também vários casarios antigos da cidade (figura 86), que já não existem mais (PEREIRA, 2011c, pp.51-52). Por volta de 1970 inicia-se o movimento de preservação do patrimônio histórico no Rio de Janeiro e vários pedidos foram feitos ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, pelo tombamento de edifícios na Avenida Rio Branco, todos negados, inclusive o pedido de proteção arquitetônica do Palácio Monroe (figura 87), que acabou por ser demolido. Arquitetos modernistas como Lúcio Costa que fizeram a mobilização pródemolição acreditavam ser antiquado o estilo decó, alegando que este tipo de arquitetura pejorativamente chamada de “bolo de noiva” deveria ceder espaço para novos empreendimentos. O presidente Ernesto Geisel autorizou a derrubada e havia a justificativa de que o Palácio prejudicava a visão do Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, localizado no Aterro do Flamengo, como também atrapalhava o trânsito. Houve também a alegação imprópria de que a construção do metrô seria o motivo da demolição. Segundo Argan (2005, p.25), a obra de arte de um artista não tem o mesmo valor para ele, para as pessoas de sua época e para nós. “A obra é sempre a mesma, mas a consciência muda”. Neste caso a obra do arquiteto Francisco de Sousa Aguiar, que representou o Brasil em 1904 na Exposição Internacional de Saint Louis e ganhou o grande primeiro prêmio, foi derrubada. Comoveu o país e não permaneceu a mesma, foi destruída por falta de consciência – uma consciência que não mudou, simplesmente inexistia (PEREIRA, 2011c, p.52).

143

“Em Belo Horizonte, Décio Bracher conviveu com Guignard na Escola do Parque, trabalhou no setor de cenografia da TV Itacolomi (na fase pioneira do teleteatro brasileiro, 1958). Participou dos projetos de arquitetura para Secretaria de Saúde de Minas Gerais. Lecionou no Colégio Anchieta e o Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da UFMG”(BRACHER, B., 2014). Dados biográficos fornecidos em um texto (Currículo de Décio Bracher), por Blima Bracher: jornalista, documentarista e sobrinha do artista, em 22 de julho de 2014 [via e-mail].

158

A fonte não devolve o Palácio

Fig.87. A fonte não devolve o Palácio. À direita, o Palácio Monroe. Montagem. Duas obras de Décio Bracher, em óleo sobre tela.

Décio Bracher ficou transtornado com isso e antes que o Palácio fosse destruído, retratou-o em uma pintura a óleo sobre tela. Logo após, realizou outro quadro da fonte, construída no local após a demolição. Nesta tela, em especial, o Palácio aparece acima da fonte, como se flutuasse se desfazendo em uma transparência. O título desta pintura em óleo é: “A fonte não nos devolve o Palácio” (figura 87). Com esta pintura Décio ganhou o 1º Prêmio do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura do Rio de Janeiro, em que concorreram mais de 200 pintores, cuja temática foi a fonte, construída no local. Ele afirma que o prêmio foi o resultado de ter feito a “transubstanciação do Palácio” em forma de pintura (PEREIRA, 2011c, pp.52-53). Após mostrar seus desenhos que classifica como sendo “de puro lirismo e leveza” realizados em Ouro Preto, São João Del Rey e Mariana, Décio Bracher 144 (2012a) durante outro depoimento se depara com uma série de desenhos realizados no Rio de Janeiro, (figuras 88 e 89) sobre as demolições e dentre eles, relembra aquele que registra o início da construção do Elevado da Perimetral, construído em etapas nos anos de 1950 a 1970 (figura 88): Ali eu inicio os desenhos da construção da Perimetral e o desenho é duro. Eu saí do barroquismo leve de Minas, para entrar na dureza do concreto, você vê as vigas de sustentação da Perimetral, perto do Mercado da Praça Quinze. O caminhão que chega não é mais o anjo do barroco mineiro (BRACHER, D., 2012a).

144

Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

159

Fig.88. Perimetral145. Obra de Décio Bracher.

O olhar estético de Décio Bracher sobre os conjuntos arquitetônicos das cidades é uma constante leitura que se traduz em rápidas anotações, que representam sua narrativa visual. As figuras são exemplos desta prática.

Fig.89. Desenho de registro - Demolição na Praça XV de Novembro, Rio de Janeiro. Obra de Décio Bracher.

145

O elevado da Perimetral, uma via elevada de 5,5 km de extensão foi construído, em etapas entre os anos 1950 e 1970. Atualmente sua derrubada faz parte de um projeto de reurbanização da zona portuária da capital carioca e tem entre os objetivos melhorar o tráfego na região no Rio de Janeiro. BANDEIRA, Olívia. Derrubada da Perimetral reformulará sistema viário do centro do Rio. Infraestrutura urbana. Disponível em: Acesso em: 28 de agosto de 2014.

160

Em 1999, Décio Bracher realizou 355 aquarelas, registrando, em sua maioria, paisagens urbanas de diversas cidades da Europa e do Brasil, durante suas viagens. Participou de diversas exposições individuais, coletivas, salões de arte, com premiações. Ambos irmãos Décio e Nívea caminharam nesta trajetória de conscientização em benefício da preservação do patrimônio histórico. Segundo Décio 146 (2011b), aquilo que somos é o somatório de todas as nossas influências. Ele relembra o quanto aprendeu com seu tio Frederico Bracher, o ‘tio Lico’, e afirma: “cada um é um quadro com pinceladas de diferentes pessoas” (PEREIRA, 2011c, p.53). Ao apresentar seus cadernos, pastas de desenhos e registros, reflete e conclui, em termos de artes visuais, como se mostra a essência de cada um dos três irmãos: “eu sou singelo, eu não sou dramático”, afirma Décio Bracher147 (2012a), “o Carlinhos é o dramático e a Nívea é a profundidade”. 3.3 Nívea Bracher (1939-2013): o universo da profundidade O ventre gerava uma flor. Hermengarda aguardava as pinceladas das horas. Waldemar despertara de um sonho e relata: “sonhei com um jardim e uma única linda rosa branca – nossa filha se chamará Nívea Rosa Bracher” 148 (figuras 90 e 91).

Fig. 90 e fig. 91. Nívea Bracher em sua juventude.

146

Entrevista com Décio Bracher, em 10 de julho de 2011b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Décio Bracher, em 12 de fevereiro de 2012a, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 148 Entrevista com Nívea Bracher, em 10 de julho de 2011c, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 147

161

Aristóteles (2006, p.119) já dizia: “para a alma capaz de pensar, as imagens subsistem como sensações percebidas [...] Por isso, a alma jamais pensa sem imagem.” Esta artista (figura 92), nascida na capital do Estado de Minas Gerais a 06 de agosto de 1939, na cidade de Belo Horizonte, condensa hoje a maturidade de longos anos de pintura. Em uma família de artistas plásticos, alguns ligados à música desde a infância, respirou a atmosfera imagética. Para Barthes (2005, p.102), “tudo é já imagem e toda imagem remete imediatamente para além – ou aquém – de seu referente, para aquilo que se deve chamar imaginário” (PEREIRA149, 2012a, p.135). Nívea Bracher sempre manteve um forte e estreito elo com seus irmãos – uma cumplicidade na arte e na vida. Com Celina (figura 93) ela partilhava além da admiração pela criatividade e espontaneidade, os sonhos e projetos culturais: debatia-se a vida, celebrava-se a existência no cotidiano.

Fig. 92. Montagem realizada com vários Autorretratos de Nívea Bracher, das décadas de 1960-1970. 149

Alguns trechos foram escritos pela pesquisadora e transcritos neste capítulo. Podem ser consultados em: PEREIRA, Cláudia Matos. Enigmas: os “retratos-sequência” da artista brasileira Nívea Bracher. In: Atas do III Congresso Internacional CSO'2012 Criadores sobre outras obras. Artes em torno do Atlântico. Lisboa, v.1, pp.136-146, CIEBA, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: 2012a. ISBN: 978-989-8300-324. Disponível em: < http://www.cso.fba.ul.pt/congresso/edição/2012#cso'2012 > Acesso em: 18 de agosto de 2014.

162

Fig. 93. Uma reunião de amigas. Da esquerda para a direita, Nívea Bracher é a segunda pessoa retratada e Celina Bracher é a última, à direita.

Nívea Bracher: artista que traduz o brilho dos objetos, paisagens e espaços, em suas telas com liberdade, leveza, ao mesmo tempo, dramaticidade entre pinceladas pastosas e fases aquareladas que atravessam dimensões do imaginário (figuras 94 e 95).

Fig. 94. Estação. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 40 cm X 53 cm, 1961. Coleção da artista. Fig. 95. Casa da Lili - Rua das Lages. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 45 cm X 60 cm, 1964. Coleção da artista.

A artista teve papel fundamental na formação do artista Carlos Bracher – expoente na arte brasileira – irmão cujos caminhos na expressão artística sempre estiveram entrelaçados aos de Nívea. Carlos Bracher (2011b)150 relata: “pintávamos juntos nas ruas, trabalhávamos os mesmos temas, os mesmos momentos, as mesmas coisas, em uma espécie de simbiose, um canto uníssono – um único som com duas vozes”. Ele complementa ao dizer que ela foi a sua grande professora: “isto foi a minha história: esta severidade, sensibilidade, conteúdo 150

Entrevista com Carlos Bracher realizada em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, MG.

163

transcendente, meio que da substância da verdade, provinda dela. Possui uma visão contemporânea desta perspectiva do que seja o eterno das coisas”. Nívea Bracher é célebre em retratos, capaz de, em poucas linhas, capturar a personalidade das pessoas retratadas, em sínteses de vigorosa emoção. Realizou várias exposições e os retratos são a sua marca (figura 96).

Fig. 96. Parede de retratos da Exposição Nívea Bracher no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, MAMM, Juiz de Fora, 2011. Fonte: foto própria realizada no local.

Nívea Bracher, em 1940 conforme já mencionado, passa a residir em Juiz de Fora com a família. Frequenta a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e nos anos 1958 a 1964 recebe prêmios de pintura em salões regionais. Ela participou conjuntamente na época do surgimento de toda uma geração de artistas dedicados à litografia, quando esteve ao lado da artista e prima Lotus Lobo em Belo Horizonte, na fundação do Grupo Oficina em 1964, com Paulo Laender, Lúcio Weick, Klara Kaiser e Roberto Vieira. Com a morte de Celina, decide permanecer definitivamente em Juiz de Fora em 1965 e inaugura a Galeria de Arte Celina, espaço cultural pioneiro na região. Ela realizou exposições individuais e coletivas, sempre se dedicando à pintura, como também às causas culturais em Juiz de Fora. Segundo Pereira151 (2013, p.167), em 1969, Nívea Bracher recebe do Governo da França uma bolsa de estudos e em 1971 realiza viagem de estudos para New York e Canadá. Nos anos de 1969 e 1970, a artista esteve morando em Paris como bolsista do governo francês. Neste período presenciou toda a turbulência em torno da polêmica demolição dos Les 151

Textos transcritos da pesquisadora que podem ser consultados em: PEREIRA, Cláudia Matos. Centro Cultural Bernardo Mascarenhas: de ícone industrial a Espaço de Cultura. Revista VOX MUSEI arte e patrimônio. Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, v. 1, n.1, janeiro-junho, pp.159-172, 2013. Disponível em: < http://www.fba.ul.pt/publicacoes/vox-musei-1/ >Acesso em: 02 de setembro de 2013.

164

Halles. Ela principalmente vivenciou a angústia da população e, paralelamente, a conscientização da preservação da Estação Orsay, que veio depois a se tornar futuramente no Museé d’Orsay. Guy Cogeval152 (2012, p. 24) relata que havia naquela década uma comoção, um movimento em prol da criação de um museu do século XIX, principalmente pelo fato devastador que foi a destruição dos Halles, de Victor Baltard. Este foi um prenúncio do que poderia ocorrer a partir do florescimento da arquitetura moderna. O autor comenta que “apesar do escândalo internacional, no final dos anos 60, esta funesta barbárie salvou a Estação Orsay.” Com esta visão sobre a preservação do patrimônio cultural é que Nívea Bracher, ao retornar de viagem de estudos que havia feito, logo a seguir em 1971, aos Estados Unidos e Canadá, chega a Juiz de Fora e ‘levanta bandeiras’ em prol da preservação dos valores humanos e artísticos da cidade. Esta foi uma influência fundamental em sua vida. Conforme Pereira, (2011c, p. 54), logo que a artista retornou a Juiz de Fora, das viagens supracitadas, sofreu um choque ao ver que diversos edifícios e casarões haviam sido demolidos. Nívea Bracher então lamenta: “eu não me reconhecia nas ruas, não me reconhecia mais nas minhas esquinas... era como se eu fosse perdendo a minha identidade...” Dentro desta perspectiva, Maurice Halbwacks (2004) comenta: Augusto Comte observou que o equilíbrio mental resulta em boa parte e antes de mais nada, do fato de que os objetos materiais com os quais estamos em contato diário não mudam ou mudam muito pouco e nos oferecem uma imagem de permanência e estabilidade. Eles são uma espécie de companhia silenciosa e imóvel [...] e nos dão a sensação de ordem e tranquilidade (HALBWACKS, 2004, p.157).

Para Maurice Halbwacks (2004, p.157), quando algum acontecimento modifica o ambiente ou promove a incapacidade de reconhecê-lo, seja por meio de uma destruição, incêndio ou evento que force a saída da pessoa daquele ambiente organizadamente conhecido, faz com que se experimente a circunstância da incerteza, uma sensação de não pertencimento ao local, ou até de inadaptação (PEREIRA, 2011c, p.54). Nívea Bracher então inicia uma militância na defesa do patrimônio histórico em Juiz de Fora. Em seu depoimento emocionado, Nívea Bracher (2011d) fala sobre a perda da irmã Celina em 1965, sobre a luta na realização dos eventos da galeria de arte: espaço cultural em que os gastos eram cobertos pela “prata da casa”. Ela prossegue ao relatar mais outro grande choque em sua vida: “quando presenciei a derrubada do Colégio Stella Matutina, a ação das picaretas, a quebra dos arcos, as paredes ruindo, vitrais, os detalhes lindos do piso... senti que 152

COGEVAL, Guy. Impressionismo: Paris e a modernidade. Rio de Janeiro: CCBB, 2012.

165

minhas células estavam sendo derrubadas”. Acompanhou fotografando esta demolição, criou painéis de protesto, com partes recolhidas do prédio, cacos de piso, realizou montagens e colagens, com fotos e pinturas sobre a cidade. Entrevistava as pessoas que passavam na rua, os pedreiros demolidores... Estes já a conheciam. Fez o que pôde para alertar as pessoas contra a especulação imobiliária que se instaurava na cidade. Indignada, teve sua saúde abalada, mas seguiu em frente na luta pela preservação de outros edifícios na cidade, juntamente com vários artistas e intelectuais, realizando protestos. Ela afirma: “a derrubada do Colégio Stella Matutina foi um crime contra a sociedade”. Nos anos de 1980, Décio e Nívea atuaram fortemente nas campanhas em defesa do patrimônio histórico da cidade que foram em vão. Assistiram à destruição da capela do Colégio já mencionado, com seus vitrais belgas, como também à derrubada da Casa do Bispo (PEREIRA, 2011c, p. 54). Conforme aborda Halbwacks (2004, p.157), o lugar que um grupo ocupa “não é como um quadro no qual se escreve e se apaga números e figuras”. A atuação e iniciativas de intelectuais e artistas em Juiz de Fora não foram em vão e contribuíram com o desenvolvimento cultural da cidade, de forma ímpar. Pode-se comprovar que, por exemplo, este painel, da figura 97, realizado por Nívea como protesto em 1978, foi selecionado para participar do I Salão Nacional de Belas Artes – evento ligado à FUNARTE, de grande relevância cultural.

Fig. 97. Parte de um painel – Rebrincando a paisagem, obra de Nívea Bracher.

Seus trabalhos foram selecionados juntamente com os de Décio Bracher já mencionados, e com os trabalhos de Fani Bracher, também selecionada com trabalhos em pintura: Díptico das Árvores I, Políptico das Árvores e Díptico das Árvores II. As propostas 166

aceitas de Nívea Bracher foram: Rebrincando a paisagem, conforme figura 97 – eram painéis de denúncia contra a destruição do patrimônio histórico, realizado com óleo, telas, fotos, textos, fragmentos de demolição em técnica mista – colagem, de dimensão horizontal de 2,95 m e área total 9,20 m² (parede + chão). Rebrincando a paisagem, não ficou esquecido, reverbera como um grito e poderá ser reconhecido, talvez como documento/monumento. A Universidade Federal de Juiz de Fora, Pró-reitoria de Cultura e Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) anunciaram no Jornal Cultural O palco, Ano IV, n.º 22, p.4, que seria conferido à Nívea Bracher uma homenagem no hall do museu, pelo pró-reitor de Cultura, José Alberto Pinho Neves, junto aos convidados, o “Mérito Lugar de Honra”, pelo painel que ela realizou sobre o antigo prédio e a capela do Colégio Stella Matutina. Compreende-se que de acordo com Jean Duvignaud (1970, pp.2122), a ação do artista é uma investigação perpétua de uma função indefinível, de evolução contínua em que “nem a primitividade nem o sagrado poderiam explicar”. Infelizmente, por questões da fragilidade da saúde de Nívea, essa homenagem foi sendo adiada e não aconteceu efetivamente até seu falecimento em dezembro de 2013. Certo é que o sentimento de Nívea Bracher em relação à perda do Colégio Stella, foi o mesmo de parte da sociedade – este impacto veio como um marco histórico para que a cidade não permitisse a repetição de novas perdas de memória e identidade. Segundo Nívea Bracher153 (2011d) “sensibilidade não se ensina”. Ela afirma que graças ao Décio Bracher, que tinha o olhar mais avançado para época, se desenvolveu na família um olhar amoroso em relação às construções ecléticas, e “ele foi o mentor de tudo isso, a luz de todos nós”. Ele ia contra a correnteza daqueles modernistas que viam, com maus olhos, as construções antigas e que eram defensores da demolição de tudo que havia para a construção do novo. A meiguice brejeira desta artista guarda em segredo uma imensa força interior através de décadas. Em seus altos voos na dimensão da arte, os obstáculos para ela sempre foram degraus de uma escada que ela vem construindo ao lado de amigos e familiares, com a consciência do valor arte para o desenvolvimento a cultura e do ser humano (PEREIRA, 2011c, p.54). Nívea afirma que a arte é “essencial, atemporal, transcendente – infinita”. A verdade da pintura torna visível a face de um enigma. Algumas de suas obras parecem inacabadas, mas ela enfatiza: “o quadro se pinta, se constrói”. O olhar do espectador também é enigma. 153

Entrevista com Nívea Bracher em 10 de julho de 2011d, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

167

Merleau-Ponty (2006, p.447) comenta: “é essencial à coisa e ao mundo apresentarem-se como ‘abertos’, reenviar-nos para além de suas manifestações determinadas, prometer-nos sempre ‘outra coisa para ver’” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.447). A obra de Nívea Bracher apresenta-se como obra aberta, transcende ao modelo (PEREIRA, 2012a, pp.139-140). As ações de Nívea Bracher não se restringiram apenas ao âmbito da produção artística em ateliê e galeria, mas principalmente na intervenção social, na tentativa de conscientização da comunidade. 3.4 Carlos Bracher (1940): a dramática tempestade da cor Em 1940 nasce em Juiz de Fora, Minas Gerais, o artista Carlos Bracher (figura 98). Carrega em suas veias a alma repleta de sons, cores e fragores oriundos deste berço – seio de uma família que, há tantas gerações, percorre a trajetória da arte, seja através da música ou das artes plásticas. Nesta atmosfera propícia, cercada de influências plurais, cresce o menino, em um ambiente aberto às inventividades expressas pela capacidade visionária de seu pai Waldemar. Um lar onde a musicalidade fluía através da sensibilidade de sua mãe Hermengarda e dos aromas libertários desta casa – um núcleo de convergências, sempre de portas abertas às mais diversas pessoas.Ele julga-se fruto de toda esta progressão humana, dos tios, pais, irmãos e comenta em seu depoimento154:

Esta inclusão de pessoas substanciais na minha vida, na origem de ser, anunciou muito a verdade de quem eu sou. Sou fragmento desta desproporção, ou desta proporção de conteúdos e seres que me fizeram e afirmaram o meu próprio destino como homem, como pessoa e como pintor. Nunca tive outra saída, senão praticar este exercício da alma. A grande centelha foi o Tio Frederico – artista plástico. Ele foi o homem que anunciou este fato determinante em minha vida. Marcante sempre a presença de Décio, meu irmão mais velho, artista e arquiteto e de uma terceira pessoa: Nívea minha irmã, um ano mais nova. Eu e ela éramos como uma mesma pessoa, no sentir, no fazer artístico. Fomos formando entrecruzamentos e alongamentos de nossos sentidos, desde os primeiros quadros. Algo indescritível. Trabalhamos muito como numa sequência subliminar. Para mim – isto foi a minha história – esta severidade, sensibilidade, conteúdo transcendente, meio que da substância da verdade, provinda dela. (BRACHER, C., 2011b).

Segundo Carlos Bracher (2011b), os momentos de convívio na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras foram cruciais e, ao mesmo tempo, proveitosos para o horizonte da cultura, por promoverem o crescimento conjunto de jovens artistas em circunstâncias 154

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

168

criadoras de um grupo verdadeiramente harmônico, que se afeiçoou artisticamente e humanamente. Esta consignação meio que univalente prevaleceu determinante para a origem e o nascimento artístico pessoal. “A gente é muito este start. Nós somos a nossa infância” (BRACHER, C., 2011b).

Fig. 98. Carlinhos, irmão querido. Obra de Nívea Bracher. Óleo sobre tela. 73cm X 54 cm.

Ele crê que todos os artistas e intelectuais daquele grupo de convivência, são aquilo que foram na infância. Não uma infância temporal, mensurável em anos específicos, contáveis e identificáveis, mas uma infância onírica – a infância da permanência. “Nós tivemos isso: uma infância atemporal: um sobressaltar que vem como um nascimento da força transcendente de ser e de viver a vida” (BRACHER, C., 2011b). O artista assinala que as pessoas são muito a sua origem, significado daquilo que vieram realizar aqui na terra como dado, como sucção de mistérios verdadeiros e definidos a compreender e a realizar. Complementa ainda: “Há aí um acontecimento nisso: um verbo do grito de ser” (BRACHER, C., 2011b). Carlos Bracher155 (2011b) percebe dicotomias entre o sentir e o fazer e há o reflexo dramático em sua expressividade na pintura (figura 99). Segundo o artista, a anuência desses vetores não é tão fácil de acontecer sincronicamente. Há nesta dinâmica uma dificuldade de conexão entre estes dois tempos. Ele afirma: A forma de sentir, de amar, de ser derradeiro nas coisas, no sentido da sublimidade e no ato de fazer pode criar, às vezes, um hiato muito complexo, uma dissociação das coisas, no próprio senso da criação. Estas conexões são muito difíceis – algo meio dramático (BRACHER, C., 2011b).

155

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

169

Fig. 99. Rua do Aleijadinho. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 53 cm X 72 cm, 1967. Coleção de Cézar Xavier Bastos. Fig. 100. Autorretrato. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 46 cm X 33 cm, 1963. Coleção da família Bracher.

O drama, a teatralidade, o mistério percebido nos embates da cor são visivelmente eloquentes em sua pintura, em contraste com tranquilidade contemplativa que se percebe na postura do artista diante da vida. O curador de arte Ângelo Oswaldo de Araújo Santos156 expressa fidedignamente o ato de pintar de Carlos, em depoimento, dizendo: [...] Pintar é, para ele, fenômeno existencial. Bracher pulsa em cada pincelada. Respira com a pintura. Sente-se em transe, transportado para o espaço pictórico, ofegante, o suor úmido como a tinta jorrando sobre o campo em que a vida se ilumina. Assistir a realização de um quadro de Bracher é acompanhar uma epifania [...] (SANTOS 2005).

O ato de pintar deste artista é performático – é único. É um momento lírico de transe decorrente de uma tempestade interior: similar a uma forte ventania que deixa suas marcas avassaladoras através das camadas de tintas. Ao terminar, quando passa esta dinâmica febril, surge a atmosfera apaziguadora, de silêncio, quietude e recolhimento (figura 100). Ao voltar seu olhar para anos anteriores, Carlos Bracher157 (2011b) comenta a sua trajetória dizendo que hoje sim, ele pode dizer que tinha uma força de pintar majestosa. Ele fala de seu início como belo, afoito e extremamente selvagem. Define como uma “selvageria

156

SANTOS, Ângelo Oswaldo de A. Depoimentos de 2005. [arquivos da família Bracher, em textos, cedidos por Carlos e Nívea Bracher para a pesquisa] Juiz de Fora, 2011. 157 Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

170

sublime” este início de belo encantamento plenamente vivido na esfera da arte. Diz então que “a coisa mais sublime, mais linda, que eu nem sei dizer com palavras foi esse meu início... aprendi tudo o que podia e me parece que depois não aprendi mais nada”. Porém quem o viu pintando em décadas anteriores e o vê atualmente no enfrentamento com o branco de suas telas percebe nitidamente a mesma força voluntariosa e impetuosa de sua pintura, com o vigor das pinceladas abruptamente emocionais, passionais, carregadas da matéria pura e trabalhada austeramente em uma velocidade feroz e ao mesmo tempo envolta pela quietude da sabedoria conquistada pela maturidade. Barthes (1980) aprecia a vida como uma força motriz rumo ao esquecimento, ao dizer: Há uma idade em que se ensina o que se sabe: mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe [...] Vem talvez agora a idade de uma experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível [...] Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível (BARTHES, 1980, p.47).

Este – “não aprendi mais nada” – que Carlos menciona pode se traduzir em um nível mais elevado de compreensão sobre sua própria jornada como pintor, já que a imprevisibilidade é tangível em seu fazer artístico e o sabor, este sim, desdobra-se em inúmeros sabores aromáticos que se deflagram em cores. Ele refere-se à vida como invenção, em que “tudo é invenção”. Afirma: “a arte é uma invenção: são formas inventivas de se consignar qualquer coisa. É lógico que há códigos difíceis de alterar, mas quando olhar para trás, verá que a vida terá sido um tempo de oportunidades de se inventar coisas, nada mais que isso”. Manguel (2001, p.315) enuncia que “vivemos com a ilusão de sermos criaturas de ação” ao assinalar a possibilidade de maior mais sabedoria sugerida pela filosofia hinduísta de Samkhya, em que o homem seria um mero espectador de “uma exposição eterna de imagens”. Pode-se inferir que o processo existencial de Carlos Bracher se contrapõe a esta possibilidade de ilusão, já que ele exerce o ato da arte com arrebatamento de contundente carga de ação que ultrapassa o seu mero querer. Ele é um homem de ação e de criação. Nívea Bracher 158 (2010c) afirma: “Carlinhos é um operário da arte. Trabalha incessantemente de acordo com o chamado de sua alma. Produz diariamente, como um operário em seu ofício”. Assim como no Brasil, “o barroco criou raízes quase sem história: adquiriu as suas próprias proporções, desenvolveu-se em todas as direções, refletiu cores e adotou texturas que os artistas europeus não podiam ter previsto” (MANGUEL, 2001, p.237), a ‘alma barroca’

158

Entrevista com Nívea Bracher, em 26 de agosto de 2010c, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

171

que Carlos afirma possuir, apropriou-se de Ouro Preto ou Ouro Preto apropriou-se dele (figura 101), para expressar todos estes contrastes e ambiguidades, mistérios, curvas, linhas tortuosamente sinuosas de suas pedras, que deflagram com grande propriedade toda esta inquietude de superposições impensáveis de tintas, ao narrar camadas e mais camadas de seus enigmas mais íntimos.

Fig. 101. Desenho – esboço de Ouro Preto, de 1964, encontrado em arquivos. Obra de Carlos Bracher, Coleção da família Bracher.

Há neste artista uma grande sede de viver, como o marcante filme sobre Van Gogh que definitivamente influenciou-o em sua juventude. Há um Van Gogh barroco dentro dele, em sua forma mais febril da expressividade da cor (figuras 99 e 102), ao mesmo passo em que há todo um mistério de indecifráveis relevos de um Bispo do Rosário na dimensão do seu imaginário, como também a sabedoria visionária da multiplicidade de olhares de um Marcier para além das montanhas de sua vida. Coexistem múltiplos Carlos - em apenas duas mãos que esfregam energicamente a textura branca das telas, previamente aos traços e gestos intempestivos do carvão, a anunciar a dimensão criadora de suas obras. Ele derradeiramente obedece ao chamado da cor. “A arte acontece”, como James McNeill Whistler resume seu ofício em poucas palavras (MANGUEL, 2001, pp.32-33). Toda esta tempestade subversiva que eclode e se revela em contraste com a candura de seu ser no silêncio dos relevos e dos enlevos, vem de encontro ao pensamento de Manguel (2001, p.316), que diz: “nada mais somos do que uma multiplicidade de espirais infinitesimais em cujas moléculas - assim nos dizem - estão contidas em cada um de nossos traços e tremores”.

172

Fig. 102. Privada Inglesa do Castelinho. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 1967.

Sobre este quadro (figura 102), Décio Bracher159 (2011b) relata que Carlinhos queria concorrer ao Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1967 e que naquela semana, não havia ainda se inspirado acerca do tema que deveria pintar para esta participação. Faltavam poucos dias para a inscrição.Selecionou uma tela, colocou-se defronte à porta do banheiro, no corredor do Castelinho e começou a pintar este quadro para enviar ao Salão. Décio não estava em Juiz de Fora, e no trânsito entre viagens do Rio de Janeiro para Belo Horizonte, chegou ao Castelinho e presenciou Carlos Bracher pintando esta tela. Ele relembra que Carlos dizia: “não pintei nada e preciso pintar um quadro grande, para o Salão Nacional – de impacto!” Décio Bracher (2011b) relata: “quando vi que Carlinhos pretendia mandar a tela com a privada do banheiro para o Salão Nacional... eu disse que ele não fizesse isso! Que era um absurdo, ele seria mal interpretado! Disse-lhe que fizesse outro trabalho qualquer”. Depois quando chegou a Belo Horizonte, na tarde do dia seguinte, preocupado, telefonou para Carlos Bracher e disse-lhe: “estive pensando, Carlinhos... pode então mandar aquele quadro da privada”... E Carlos respondeu: “ não Décio, não precisa... estive no cemitério da Glória e me inspirei nos túmulos”. Pintou outro quadro que foi aquele que lhe conferiu o prêmio de arte mais cobiçado país, naquela época. Assim, sua vida mudou de rota e ele foi exercer aquilo a que estava destinado – atender ao chamado da arte definitivamente.

159

Entrevista om Décio Bracher em 10 de julho de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

173

3.4.1 “Túmulos” – o Prêmio de Viagem ao exterior em 1967 “Túmulos” – obra assinada por Carlos Bracher em 1967, em óleo sobre tela, (dimensões 100 x 72,5 cm) que faz parte do acervo: Coleção Museu Nacional de Belas Artes/IBRAM/MinC. do Rio de Janeiro, catalogada sob o registro n.º 319, cuja imagem foi gentilmente cedida para a realização desta pesquisa (figura 103).

Figura 103. Túmulos. Obra de Carlos Bracher em óleo sobre tela, 1967, (100 x 72,5 cm). Fonte: acervo da Coleção Museu Nacional de Belas Artes/IBRAM/MinC. do Rio de Janeiro, catalogada sob o registro n.º 319.

A palavra túmulo origina-se do latim Tumulus que significa “altura, elevação, monte de terra”. É como um monte de terra que se destaca após uma escavação e sempre se percebe um relevo sobreposto ao local, similar a um inchaço. Segundo Carlos Bracher 160 (2011b), sua pintura surge não intencional e naquele momento específico, não havia nenhum sentimento mórbido ou lúgubre no ato de pintar. “Túmulo seria uma serenidade, uma candura, atmosfera da tranquilidade silenciosa”. Que aura seria esta, que uma obra de arte é capaz de irradiar e imantar pessoas para uma sensibilidade maior e percepção de que, dentre tantas outras em exposição, ser exatamente aquela - a obra digna de premiação? E de um prêmio deste porte, com esta representatividade no país, na década de 1960? Traria consigo talvez um mistério, uma face 160

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

174

mítica – indecifrável? Para Barthes (2003, p.199), “todo mito é uma fala”: não é definido pela mensagem que traz em si próprio, mas, sobretudo “pela maneira como a profere: o mito tem limites formais, contudo não substanciais”. A não substância, o inefável, o inalcançável pelo entendimento terreno seria a motivação instigante que este quadro “Túmulos” de Carlos Bracher condensa em expressividade imagética? Qual seria a motivação para o desenvolvimento desta temática ligada à morte - prenúncio de uma vida além? Talvez, conscientemente nem mesmo o próprio artista possa dizer sobre o visível, aquilo que é indizível. A imagem desta tela de Bracher parece muito mais revelar seu universo interior repleto de dramaticidade, propenso às metamorfoses, que a atmosfera de candura a que se referiu anteriormente. Segundo Décio Bracher161 (2011b), seu irmão mais velho, “Carlos não tem absolutamente consciência de nada quando está pintando, é algo similar a dizer que seria como um Cristo ao proferir o Sermão da Montanha sem se recordar de nada após este feito”. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar uma mensagem própria, mas historiadores não raramente ignoram essa mensagem a fim de ler as pinturas nas ‘entrelinhas’ e aprender algo que os artistas desconheciam estar ensinando. (BURKE, 2004, p.18)

Nas “entrelinhas” das pinceladas, uma face aparente da obra apresenta o silêncio da morte. Há uma simbologia, um imaginário coletivo, mitológico e icônico em torno desta temática. Segundo Carvalho (1990, pp.10-11), estes elementos difusos tornam-se poderosos, quando alcançam o imaginário, ao possibilitar interesses, “aspirações e medos coletivos”, que influenciam comportamentos e “visões de mundo”. Para o autor: “o imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas também – e é o que aqui me interessa – por símbolos, alegorias, rituais, mitos”. A morte abrange este espectro similar ao ícone. Gruzinsky (2006, pp.14-17) menciona que a “teologia do ícone ocupou lugar eminente no pensamento teológico” ao exercer uma avassaladora influência de aculturação de povos. Compara a o texto e a imagem - sendo esta -“veículo de todos os poderes e de todas as resistências”. Privilegia “o imaginário na sua globalidade”, como mobilidade de experiência vivida. Esta pintura de Bracher condensa em si própria a dramaticidade da vivência. A importância desta obra está na representatividade de um fim – que seria a morte – a inaugurar um novo começo, cujo marco inicial é o Prêmio de Viagem que o artista conquista. Este quadro possui um caráter atemporal e ao mesmo tempo presente, mas há uma realidade obscura, velada por detrás desta pintura, realizada em 1967. Carlos Bracher e sua família 161

Entrevista com Décio Bracher em 10 de julho de 2011b, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

175

viviam a morte – a presença da ausência – de sua irmã Celina, que faleceu em março de 1965, aos trinta anos de idade. A dor familiar tentou ser suplantada pelo incansável trabalho dos irmãos Décio, Nívea e Carlos, juntamente com a dedicação de seus pais e amigos, no empreendimento idealista da criação da Galeria de Arte Celina (GAC) em dezembro de 1965, que depois trornou-se um Espaço Cultural. O trabalho contínuo a favor da arte, música, teatro, cinema, cursos e toda a sorte de eventos que sobrecarregavam a todos neste período de grande ebulição cultural, teve como mola propulsora a tentativa de se manter vivo o espírito artístico, libertário, transgressor, agregador de Celina Bracher. A Galeria era a continuidade deste imenso desejo de manter viva aquela chama que se apagara de forma tão fugaz e marcante para toda aquela geração de intelectuais e artistas de Juiz de Fora. Inconscientemente, esta tela retrata algum tempo depois, a emoção ainda sofrida pelo artista, por mais contraditórias que sejam as suas palavras de que o tema estaria a expressar a candura, a tranquilidade – a morte e a dor são visíveis. A sincronia entre o sentir e o fazer artístico pode não surgir como forças simultâneas para o artista, conforme Carlos Bracher162 (2011b) acrescenta: A pessoa pode sentir profundamente uma coisa e não realizá-la, não fazer nada naquele momento. Não necessariamente no mesmo tempo ocorre esta conexão do sentir e do fazer. Isto poderá vir depois. Eu tinha uma forma visceral, orgânica e desorganizada de sentir, era uma confusão – era um caos interior, uma coisa dramática (BRACHER, 2011b).

Pode-se dizer que a dramaticidade vivida pela perda da irmã se refletiu não de forma sincrônica com o ato de fazer, mas em uma conexão mais futura e inconsciente, impregnada em sua alma. Neste período não houve uma série de telas com esta temática – apenas mais dois quadros com túmulos. Um deles, ainda no acervo da família. Túmulos: momento presente de um grito silencioso do artista, fixo em sua torre, mas aberto à luminosidade superior do futuro que estaria por vir. O Prêmio de Viagem ao Estrangeiro conferido pelo Museu Nacional de Belas Artes, por meio de seleção criteriosa de um júri gabaritado, era uma “honra”, o prêmio máximo, um divisor de águas na vida de um artista da época. Ir ao exterior não era algo tão comum como atualmente. Este prêmio permitia dois anos de intensa atividade e reconhecimento no campo da arte. Era o sonho de ouro almejado pelos artistas. Em um texto escrito pelo artista: “A cidade dos meus amores ou quase memórias”, em 2007, para a realização de uma exposição Bracher-Brasília e do documentário Âncoras aos Céus, de Blima Bracher, Carlos Bracher 162

Entrevista com Carlos Bracher, em 02 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

176

relembra o seu Prêmio de Viagem: “este prêmio colocou-me o desafio de deparar-me frente a mim mesmo, diante de novo patamar artístico [...]” e complementa ao dizer: “o prêmio anunciou-me a luz inesperada de um futuro eletrizante – o de poder defrontar-me com as obras dos grandes mestres universais. Isso alucinou-me o espírito”. Em arquivos pessoais cedidos pelo artista em 2011b, para este estudo, observa-se a relevância de tal acontecimento para a carreira de um pintor brasileiro na década de 60. Roberto Pontual, crítico de arte, ressalta no ano de 1976, em Arte Brasileira Contemporânea (Coleção Gilberto Chateaubriand): Na linhagem de paisagens e retratistas como Emeric Marcier e Inimá de Paula, Carlos Bracher aproxima-se mais do último, pelo adensamento da constante expressionística. Há 10 ou 12 anos, vêm-se voltando para certas características específicas da paisagem mineira, sobretudo a de montanha, nela destacando a arquitetura religiosa colonial, pesquisada durante viagens às cidades históricas do ciclo do ouro, entre 1963 e 1964. Mesmo o período de estada na Europa, em gozo do Prêmio de Viagem conquistado em 1967, não conseguiu modificar substancialmente suas propensões naturais dos primeiros tempos. Manteve-se até hoje fiel à pintura de alguns retratos de perquirição psicológica e de muitas paisagens densamente dramatizadas no seu expressionismo de fonte germânica [...] (PONTUAL, 1976).

Assim, em sua atemporalidade, sua pintura reflete um passado em sintonia e sincronia com o presente e o futuro, já delineados e traçados para este artista, nas pinceladas premiadas de 1967. Esta é a sua impressão digital no cenário da arte. O Prêmio alterou a dinâmica de sua vida, afastando-o da organização e envolvimento contínuo que o mantinha entrelaçado aos ideais da Galeria de Arte Celina, para dedicar-se com intensa exclusividade ao seu fazer artístico, até a ida para a Europa. Carlos Bracher, já com a confirmação do Prêmio, realiza uma exposição individual na Galeria de Arte Celina, em 18 de dezembro de 1967, antes de sua ida para a Europa. O convite da exposição (figuras 104 a 106), possui um texto do então diretor de Divisão de Educação e Cultura, Murílio de Avellar Hingel (1967), que salienta: [...] a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora se orgulha em apresentar ao nosso povo, sob os seus auspícios, a presente exposição de Carlos Bracher, que, único representante da cidade e mesmo de Minas Gerais, conseguiu levantar, em 1967, o maior prêmio das artes plásticas brasileiras: o “Prêmio de Viagem ao estrangeiro” (HINGEL, 1967).

177

Fig. 104, fig. 105 e fig. 106. Convite Bracher 1967. Exposição Galeria de Arte Celina.

Naquele período, o prefeito da cidade era Itamar Franco que, mais tarde, tornou-se presidente da república de 1992 a 1995. “Esse prêmio todo mundo queria. Era um salão muito difícil, muito concorrido. Quem já havia ganhado era Pancetti, Victor Meirelles, Pedro Américo. Portinari, ou seja, grandes pintores”, comenta Carlos Bracher163 (2014). A notícia do Prêmio de Viagem tornou-se o assunto do momento em Juiz de Fora. A cidade sentia orgulho com a conquista do artista e a Galeria de Arte Celina passa a ser vista sob outro espectro – não só um local de conhecimento, debate e de intensas atividades artísticas, mas também um espaço de seriedade estética capaz de projetar os artistas locais. Há uma ampliação do que representava esta Galeria para a cultura local.

163

Depoimento de Carlos Bracher em reportagem de jornal. BRACHER, Carlos In: MORAIS, Mauro. Bracher – a família e a cidade. Jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora, Caderno 2. 04 de maio de 2014. p.1.

178

Carlos Bracher (2011b) relata que a família mantinha a Galeria de Arte Celina, local em que todos eles debruçavam-se em um “idealismo desvairado e profundo”. Assim descreve:

1968 foi meu grande ano da pintura. Como só viajara em dezembro daquele ano, resolvi pintar desenfreadamente o ano inteiro. A pintar e a expor. Havíamos nos casado em março e a Fani ia fazendo contatos com galerias de várias cidades, programando exposições e eu ia trabalhando com paixão descomunal sobre a paisagem de Ouro Preto. Os quadros saíam na força bendita de alguém possuído de tal verdade, como em mim não houvera antes, numa espécie de louvação ao sangue que se escorria de mim em forma de arte (BRACHER, 2011b).

Carlos Bracher aparece em um convite de exposição realizada de 03 a 16 de dezembro de 1968, no Instituto Cultural Brasil – Itália, São Paulo. Foi um período de intensa atividade do pintor, antes de partir para a Europa. Carlos Bracher164, no Brasil, fez exposições individuais em importantes galerias de arte e museus, como Museu de Arte de São Paulo (MASP), Museu Nacional de Belas Artes do Rio, Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, Palácio das Artes de Belo Horizonte e Museu Nacional de Brasília. Expôs individualmente no exterior em galerias conceituadas, museus e espaços culturais, nas cidades de Paris, Roma, Madri, Londres, Haia, Rotterdam, Lisboa, Miami, Assunção, Santiago e Bogotá. Em 1990 pintou a série “Homenagem a Van Gogh”, com cerca de 100 telas. Esta exposição ocorreu no Brasil e diversos países da Europa, como também, no Japão e China. Não há como registrar nesta pesquisa a extensão merecida de seu currículo. Carlos Bracher, em sua seriedade no ato de pintar, através do exercício e compromisso diário com a missão de artista, foi um ‘mentor’, um ser que inspirou, incentivou e que propiciou o desabrochar artístico de uma pessoa fundamental em sua vida – sua cúmplice, companheira das horas entre palhetas, cores, cavaletes, projetos, sonhos e pincéis – sua esposa e artista plástica, Fani Bracher. 3.4.2 Fani Bracher (1947): minério e pedras – raízes obstinadas da alma Fani Bracher (figuras 107 e 108) nasceu na Fazenda Experimental em Coronel Pacheco, Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1947. Viveu sua infância em Piau, uma cidade

164

BRACHER, Carlos. Katalog Carlos Bracher. (20.09.2012 - 22.11.2012). Stiftung Brasilea, Basel, Schweiz, 2012. Disponível em: < http://www.brasilea.com/img/ausstellungen/201203_Carlos_Bracher/Katalog_Carlos_Bracher.pdf > Acesso em 22 de setembro de 2013.

179

próxima. Bacharel em Jornalismo pela UFJF, em 1965 funda com a família Bracher a Galeria de Arte Celina. Casou-se com o artista Carlos Bracher em 1968.

Fig. 107. À esquerda, Fani Bracher, fotografia de Germano Neto165. Fig. 108. Fani Bracher, à direita, fotografia do Jornal Diário da Tarde, de 1977.

De 1968 a 1971, realiza uma viagem de estudos em países da Europa e nos Estados Unidos fixando-se principalmente em Paris. “Em Portugal, onde nasceram seus avós paternos, ela fez um curso de História da Arte com o crítico Mário Gonçalves e José Augusto França. Frequentou o ateliê do pintor Almada Negreiros e, na cidade do Porto, conheceu a obra de Amadeu de Souza Cardoso”. Vive com seu marido Carlos Bracher em Ouro Preto, onde começou a pintar em 1973. Suas filhas Blima, nascida em 1972, jornalista, e Larissa, nascida em 1976, atriz, são fruto de um cotidiano do casal no ateliê, compactuando de uma permanente vivência artística. Suas três primeiras telas foram pintadas em 1967, num primeiro contato com as tintas e pincéis166. Em 1975, a artista, em início de carreira, prestou um depoimento para a Revista Momento: Comecei a pintar mesmo faz um ano. Tinha tentado alguma coisa antes, mas parei. Agora, vivendo aqui em Ouro Preto, me deu vontade de recomeçar. O Carlinhos está gostando e fui incentivada por elogios de Augusto Rodrigues, Lilli167, Scliar. Já fiz uns quarenta quadros. Você sabe, com Carlos, a viagem pela Europa, e os bons tempos de Galeria Celina, isso tinha que me tocar também. Me dá muita alegria. Não quero provar nada, não complico, não proponho. Nem procuro. Vou só sentindo e encontrando, fazendo as coisas como as vejo, só isso (BRACHER, F., In: SILVESTRE JR.168,1975, p.23).

165

BRACHER, Fani. Vida. Fotografia: Germano Neto.Disponível em: < http://www.fanibracher.com.br/ > Acesso em: 17 de agosto de 2014. 166 BRACHER, Fani. Vida. Responsabilidade Editorial de Júlio Azevedo e Germano Neto. Disponível em: < http://www.fanibracher.com.br/ > Acesso em: 17 de agosto de 2014. 167 Lilli Correia de Araújo. 168 SILVESTRE JR, H. Bracher. Revista Momento, Juiz de Fora, abril, pp.21-23, 1975.

180

O silêncio, a noite, os cinzas, as pedras, o deserto na alma, as raízes do solo que exalam minério, são os elementos que compõem o halo que envolve e emana das telas da artista – a atmosfera da mineiridade. Fani Bracher169 (1994) em seu texto Minhas Cores, revela: A primavera é colorida, mas minhas cores são os negros e os cinzas obstinados. E hoje percebo que minhas raízes se entrelaçaram tão bem ao minério e às pedras que o óxido de ferro passou a ser meu alimento. Sonho com o deserto. A diária tela branca – a pintura, mistura de tudo isso – o elo com minha alma e o mundo, o olhar pra dentro, o arrancar lembranças, o reviver fazendo (BRACHER, F., In: MORAES, F., 1994, p.6).

Fig.109. Paisagem. Obra de Fani Bracher, óleo sobre tela, s/dimensões, s/data, década de 1960.

Fig. 110. Paisagem. Obra de Fani Bracher, óleo sobre tela, s/dimensões, s/data, década de 1960.

169

BRACHER, Fani. Minhas cores. In: MORAIS, Frederico e POLITO, Ronald. Fani Bracher, Rio de Janeiro: Salamandra, 1994. p.6.

181

As pinceladas da artista revelam o olhar de quem expressa paixão pela paisagem introspectiva das montanhas de Minas, saboreada, às vezes, pela forte intimidade com a terra, com os vazios espaços que brotam destas geografias imaginárias (figura 109). Mineira de alma é alma de mineira que espreita o porvir, por detrás das perplexas nuvens em suspenso, das árvores contidas (figura 110), das pedras que se transmutam em ossos. Dinâmica e encantada pelo ideário dos Bracher, por ocasião da criação da Galeria de Arte Celina em 1965, foi uma das pessoas que, segundo Carlos Bracher 170 (2014a) foi “de fundamental importância nos primeiros tempos de GAC. Fani ajudava na organização de alguns eventos, era participante; também trabalhava na administração e naquilo que surgisse naquela época na Galeria Celina”. Em uma das páginas de um Relatório de Atividades da Galeria de Arte Celina, de julho de 1967, aparecem como responsáveis pelo relatório: Carlos Bracher – presidente; Fani Maria de Castro Gomes – administração; Nívea Bracher – promoções e secretária. Raízes são seus laços, seus abraços – com a terra onde nasceu e com o Castelinho – onde Fani despertou para a arte (figura 111). O casal teve duas filhas: Blima e Larissa Bracher (figura 112).

Fig.111. O casal Carlos e Fani Bracher, com a filha Blima, na Torre do Castelinho dos Bracher.

170

Entrevista com Carlos Bracher, em 18 de outubro de 2014a, Ouro Preto, Minas Gerais.

182

Fig.112. O casal Carlos e Fani Bracher, com a filha Blima, à esquerda e à direita a filha Larissa, ainda bebê.

Conforme o Jornal Diário da Tarde, em 26 de dezembro de 1977, página 3171, Fani Bracher recebeu um prêmio inesperado na categoria de pintura, no IX Salão de Arte Moderna, em Belo Horizonte, no Museu da Pampulha, logo que retornou da Europa. Já residindo em Ouro Preto, participou também na exposição “150 anos de Paisagem Mineira”, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte e, a partir daí, dedicou-se à vida artística, fiel à sua linguagem pictórica, em uma comunhão de ideais com Carlos Bracher. Desenvolveu uma carreira própria, repleta de exposições individuais e coletivas, premiações, documentários, livros, dentre os quais se destaca o livro de Frederico Morais e Ronald Polito – Fani Bracher – editora Salamandra, que recebeu o prêmio Jabuti em 1995, de melhor livro de arte. Para o crítico de arte Frederico Morais (1994), no texto Fani Bracher, Minas: o dentro no dentro172 a artista revela o talento de quem se propõe a: Emoldurar, delimitar, restringir, fechar. Com Fani Bracher foi sempre assim: ela tem uma visão uterina do universo. Busca o âmago, a essência, o que está dentro das coisas, inteiriço o que e esconde dentro de si, no tempo. No seu modo espartano de ser, descarta o fácil e o dócil da arte – fútil da vida. Quer o difícil, o dúctil. Repete sempre: gosto das coisas que se bastam, autossuficientes, que não deixam sobras nem se perdem em excessos retóricos e ornamentais. Na paisagem quer o pétreo. Ou a nuvem, mas imobilizada, contida em seu movimento. Entre as cores prefere, de saída, o preto – tão limpo quanto o branco (MORAIS, 1994).

Em 2014, nas comemorações dos 164 anos de Juiz de Fora, foi organizada uma exposição Os Bracher, homenageando os quatro pintores da família (Décio e Nívea, in 171 172

O QUE fazem estes artistas? Jornal Diário da Tarde, Juiz de Fora, 26 de dezembro de 1977, p.3. MORAIS, Frederico ; POLITO, Ronald. Fani Bracher, Rio de Janeiro: Salamandra, 1994.

183

memoriam; Carlos e Fani) com curadoria do jornalista Jorge Sanglard. A inauguração foi dia 05 de maio de 2014, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas - CCBM. Décio e Nívea Bracher tiveram seus trabalhos expostos na Galeria Heitor de Alencar; já Carlos e Fani, expuseram suas obras na Galeria Celina, (Galeria existente no CCBM, que homenageia a memória de Celina Bracher). Em seu depoimento, para o Jornal Tribuna de Minas, de 04 de maio de 2014, Fani Bracher (2014) relembra a década de 1960-1970 e elabora sua reflexão: A minha grande digital no trabalho é não ter a ver com o trabalho do Carlinhos. É uma influência diária, convivemos 24 horas por dia, tenho meu ateliê, e ele vai lá ver – ele dá palpites, e eu acato, porque sei que é o olhar de um amigo e de um artista-, mas o trabalho dele e da família não me influenciou no que faço. Isso para mim é muito bom, porque eu não gostaria de ter sido uma cópia [...] Eles são muito ligados à Europa, e a minha vertente de pintura são os Estados Unidos e o Canadá. Gosto muito de uma pintora norte-americana chamada Georgia O’Keeffe, que trabalhou durante muitos anos com ossos. Também trabalhei com os ossos influenciada por ela, mas as fazendas, onde têm a cabeça de boi nas porteiras, para espantar os maus espíritos, sempre me atraíram. Nunca tive os ossos como algo ligado à morte, acho o osso uma escultura maravilhosa. E isso tenho dentro de mim (BRACHER, F., apud MORAIS, 2014, p.3).

Na mesma reportagem do Jornal Tribuna de Minas, Fani Bracher (2014) se recorda de ter pintado seu primeiro quadro, pouco antes de se casar com Carlos Bracher: Fui fazer o vestibular da Faculdade de Filosofia para o curso de comunicação social, e o Décio é quem dava aula no cursinho. Ao mesmo tempo, faziam a prova comigo o Paulinho e a Celina, que escolheram história. Depois fiquei amiga dela, e vinha com constância ao Castelinho. No dia da morte dela, estranhamente, fiquei conversando com o Carlinhos e começamos a namorar dessa data em diante. Eu não tinha absolutamente nada a ver com ele, nem com a família dele, que era de pessoas ligadas à cultura e às artes. Venho de uma família de fazendeiros de Piau. Sou de fazenda, de roça. Estudei em escola rural. Quando comecei a namorar o Carlinhos, um novo universo se abriu na minha vida (BRACHER, F., apud MORAIS, 2014, p.6).

Segundo Carlos Bracher173 (apud MORAIS, 2014, p.06), na mesma reportagem supracitada, “a arte de Fani revela a vida que ela é. Ela teve uma emoção espiritual nesta casa, mas fez o próprio caminho. O fácil seria ela ser uma seguidora de nós”. Ferreira Gullar174 (1985) afirma que “de fato, essa busca do permanente é também, em Fani, a busca da própria linguagem pictórica, ou seja, ela procura eliminar de seus objetos 173

Os depoimentos de Carlos Bracher e Fani Bracher, desta página, encontram-se na reportagem: MORAIS, Mauro. Bracher, a família e a cidade. Jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora, 04 de maio de 2014, pp.3-6. 174 GULLAR, Ferreira. Catálogo da Exposição na Galeria Bonino, Rio de Janeiro, 1985. Material fornecido pela jornalista e documentalista Blima Bracher, em 2014 [via e-mail].

184

temáticos o que é circunstancial e particular, a fim de por à mostra o que é permanente e universal”. “Quando me casei com a Fani, veio um complemento. Ela veio me renovar uma casa que eu não tinha. Fizemos, então, um novo centro em Ouro Preto” (BRACHER, C., apud MORAIS, 2014, p.6). Fani Bracher (apud MORAIS, 2014, p. 06) revela: “a importância do Carlinhos na minha vida é total. Se não fosse ele, talvez eu nunca mexesse com pintura. O Carlinhos é artista, eles são artistas. Eu não sou artista. Digo que quando você não consegue viver sem aquela coisa, você é aquela coisa”. Ela complementa ao dizer: “eles não conseguem viver sem arte, eu não, eu faço arte. Consigo viver sem, mas hoje já estou entranhada disso tudo”. “Não tenho o sangue, mas tenho a cumplicidade”. Fani Bracher, maio de 2014.

3.5 Paulo Bracher (1935): a música é a vida Em 1935, Belo Horizonte, nasce no seio familiar, uma criança cuja alma recebeu o selo da música. Entre o som do violino e piano, entre o canto, apresentações de coral e os momentos em casa – em que a música era o aroma que permeava os ares e brisas do criativo cotidiano da família Bracher, estava lá – com toda a pureza da simplicidade, da admiração infinita pelos irmãos, o filho que representa a mescla de certa timidez com a sensibilidade estética e musical. Nasce ali, naquele conclave familiar, sob a influência da musicalidade de sua mãe Hermengarda, o importante elo que une as pinceladas, as cores, os sons e as vozes (figura 113). Paulo Bracher175 (2013) afirma: “a música e a vida são uma coisa só”. “Como sempre gostei muito dos meus irmãos e não queria atrapalhar a carreira artística deles, decidi não pintar, porque pinto melhor que o Leonardo Da Vinci...” Entre risos e gargalhadas, repletas de bom humor, Paulo Bracher176 (2012) complementa: “... então segui a carreira da música”. Paulo Bracher (2013), (figuras 114 e 115), relata que fez o curso de História na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora e que, por influência de seu pai, frequentou a Fundação Logosófica, das décadas de 1940 a 1980. Trabalhou na fábrica de louças “Louçarte”, de 1953 a 1957.

175 176

Entrevista com Paulo Bracher, em 22 de agosto de 2013, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Paulo Bracher, em 12 de fevereiro de 2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

185

Fig.113. Paulo Bracher, primeiro à esquerda, junto aos demais amigos. A última moça à direita, de saia branca é sua irmã, Celina Bracher. Foto da década de 1960.

Em 1957, Décio Bracher fez um esboço rápido de seu irmão Paulo, que ainda dormia (figura 116). Estes desenhos de época, estavam arquivados com zelo e apreço, entre os cadernos de desenho de Décio Bracher. Em 1958, Paulo Bracher foi diretor cultural do DCE (BRACHER, B., 2014). Sobre suas atividades profissionais, conforme dados biográficos fornecidos pela jornalista Blima Bracher177 (2014), entre 1959 a 1963, trabalhou na Câmara Municipal de Juiz de Fora. Foi funcionário do Banco do Brasil, de 1963 a 1990. De 1972 a 1977 participou do Coral Universitário de Juiz de Fora. Durante três meses, em 1990 fez viagem cultural a Amsterdam, Haia, Bruxelas, Gand, Colônia, Paris, Lion, Milão, Florença e Roma (BRACHER, Blima, 2014e). De 1976 até hoje, é integrante, tenor e presidente honorário do Coral do Centro Cultural Pró-Música de Juiz de Fora. No jornal eletrônico do Pró-Música, Paulo Bracher (s/data) dá o seu depoimento: Acompanho o coral desde o início, mas só entrei definitivamente em 1976. Nestes 30 anos, o coral teve vários regentes o que, às vezes, atrapalha. Isso porque há variações de repertório, qualidade, variedade. Outra coisa que sempre muda são os coralistas. Mas isso não atrapalha porque há aqueles que estão firmes, são pau para toda obra. Os que entram e saem não fazem mesmo parte do grupo. De modo geral, o coral tem crescido e feito grandes apresentações. Para mim, o ponto alto foi em 1988 quando apresentamos a 'Paixão Segundo São Mateus' de Bach. O coral do Pró-Música é um momento de prazer, de alegria, de emoção. Um momento de ligação com Deus (BRACHER, P., s/data).

177

Dados biográficos fornecidos por Blima Bracher, jornalista, documentalista e sobrinha de Paulo Bracher, em 22 de julho de 2014e [via e-mail].

186

Fig. 114. Meu irmão. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre madeira, 44 cm X 35 cm, 1958. Fig. 115. Paulo Bracher ao lado de seu retrato pintado pela irmã Nívea Bracher.

Fig. 116. Paulo dormindo. Desenho. Obra de Décio Bracher,1957.

Dedicação, persistência e amor à arte são os três pilares que norteiam a vida de Paulo Bracher. Sempre fiel à música, manteve-se em sua trilha. Representa a confiabilidade, apoio, serenidade e verdadeira amizade na pauta musical, na melodia conjunta escrita a várias mãos, que é a família Bracher.Paulo Bracher178 (2013) afirma: “A música é tudo para mim. É a minha vida, afinal”!

178

Entrevista com Paulo Bracher, em 22 de agosto de 2013, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

187

3.6 Celina Bracher (1934-1965): terna e eterna transgressora “Mulher é a memória do mundo” afirma Nélida Piñon (2007). Segue em frente uma brasileira... Celina. Um marco, um mito.

Fig.117.Celina Bracher.Fig.118. Décio Bracher, ao lado Schirley e à direita, Celina Bracher.

Nasceu em Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais e mudou-se com a família para Juiz de Fora aos seis anos de idade. Não se importava com as convenções sociais, não gostava de censuras (figuras 117 e 118). Criava suas roupas – Celina ditava a moda. Com poucos recursos, sentava-se à máquina de costura e transformava os panos de prato em blusas de estilos diversos (figura 119).

Fig.119. Celina Bracher entre um grupo de amigos. Observa-se na imagem, que ela é a única mulher de calças compridas.

188

Vale ressaltar, que para tal comportamento, nasceu em um ambiente propício, em uma família de artistas, onde cada um teve a liberdade de ser - aquilo que veio para ser - no mundo (figura 120).

Fig.120. Celina Bracher.

Um retrato pode representar algo para além da própria imagem, como um símbolo, um símbolo que se torna realidade, segundo Gartner179 (2009, p.149). Celina condensava muitas mulheres em uma só: uma líder nata, influenciadora e inspiradora Isto se observa nas fotografias de Celina, em suas faces diversas, múltiplas Celinas (figura 121). Símbolo de criatividade – ao escrever poemas e textos passava para esboços e desenhos ao som da música de piano, tocada por seus pais. Da sua máquina de costura saiam roupas de estilo inovador que vestia para ir aos bares, locais considerados ambientes impróprios para as “moças de família” da época. Frequentava palestras, teatro, cinema, serenatas, participava de Festivais de Arte e Salões Universitários em Belo Horizonte e em Juiz de Fora, tinha sede de viver.Conforme relembra Nívea Bracher180 (2011b) Celina Bracher era realmente uma pessoa muito carismática: Tudo virava um acontecimento inesperado e grandioso se a Celina estivesse por perto. Se a gente tomasse um chá, virava um acontecimento, se a gente fosse passear, virava outro acontecimento. Porque a Celina tinha um carisma, um jeito de, a cada momento, conseguir transformar (BRACHER, N., 2011b).

179

GARTNER, M. A imagem como pesadelo. In: Manguel, A.: Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp.139-172. 180 Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher.

189

Fig.121. Montagem com várias faces de Celina Bracher. As duas imagens superiores, ela aparece entre um grupo de amigos, é sempre a pessoa que está à direita.

Segundo sua irmã Nívea Bracher181 (2011b), a possibilidade de Celina alcançar a educação universitária veio tardiamente, porque ela morreu dois anos após seu ingresso à faculdade, de uma doença muito rara que, conforme assinala Nívea: “acontece mais em época de guerra, em épocas de grandes comoções, chamada porfiria”. Ela prossegue a dizer que: “já pela própria vida dela, pela impossibilidade de colocar, para fora, aquela essência maravilhosa que ela tinha, veio aquilo - a doença da comoção. Agora ela continua viva, como diz um amigo meu: virou purpurina! Virou lenda”. Nívea Bracher (2011b) relata não ser da geração da Celina: ela era mais da geração do Décio, uns seis, sete anos a mais, fato que fazia muita diferença em termos de tradição e costumes. Ela relembra: “eu funcionava como um bebezinho da Celina, porque ela deve ter cuidado muito de mim. Foi a geração da Celina que rompeu com as limitações de acesso ao

181

Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher.

190

conhecimento. À mulher não era facultada a possibilidade de estudo. O homem é quem ia estudar”. Lembra-se da Celina com uns 15 ou 16 anos, a bordar o enxoval e ela, com uns 8 a 9 anos, ainda ajudando a bordar uns paninhos, junto com outras meninas. “Naquela época achavam que a mulher não precisava estudar. Celina era mais velha e dizia que queria estudar, mas que não podia. Mulher não precisava estudar, mulher tinha que se casar. A geração dela foi a que rompeu com isso”. “A Celina em primeiro lugar, foi profundamente feminina”. Dentro de sua feminilidade gostava muito de crianças. Nívea Bracher (2011b) afirma: “nós, mulheres, temos este instinto, a feminilidade nossa é muito forte, as mulheres sem bastam mais, porque nós temos a possibilidade do filho. E o filho é uma coisa eterna”. Assim ela revela uma lembrança muito bonita da irmã. Quando Celina Bracher já estava internada no hospital, deslocada de um hospital para outro, ficou doente um pouco mais de 20 dias e faleceu. “Ela previu isso quando estava de cama, sentia-se como uma das personagens daqueles romances, em que a moça ficava doente e ia definhando, definhando até morrer...” E Nívea Bracher (2011b) disselhe: “que isso Celina? Mas foi o que acabou acontecendo...” E prossegue o seu relato: “no hospital, estávamos num andar da Santa Casa e a Maternidade era em outro andar. Então a gente pedia às enfermeiras, de vez em quando, para pegar um bebezinho e levávamos para ela ver. Celina se transformava, porque um bebê transforma a gente”! Segundo Nívea Bracher (2011b), a dor que ela sentia, se confundia com uma apendicite, inclusive ela foi operada disto. Posteriormente, foi descoberto que esta cirurgia de apendicite nunca poderia ser feita em quem possui esta doença. “O Doutor Bara foi quem descobriu o que Celina tinha. Depois que ela faleceu, ele colheu o material e mandou para o Rio, para a Universidade lá no Fundão, que era o único lugar que se fazia um estudo, uma pesquisa sobre a porfiria”. Ela menciona que o Dr. Bara conhecia um caso desses no Hospital das Clínicas de São Paulo, então ele supôs que pudesse ser a mesma doença. Mandou o material e quando chegou a resposta, já havia uns 15 a 20 dias que Celina havia falecido. Foi aí que a família soube o motivo da morte - que foi a porfiria (ver nota 193). Sobre a questão dos estudos, Nívea Bracher182 (2011b) expõe que na época, os estudos básicos iniciavam com primário, depois ginásio, e afirma: “a gente não teve acesso ao científico (atual ensino Médio). Ou a gente fazia o Normal (curso para professoras) que no caso eu fiz – queria ter feito o científico – mas só pude fazer o Normal. Celina, coitada... fez contabilidade”. Comenta que se a irmã, ao menos tivesse feito o curso Normal, teria se 182

Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher.

191

equilibrado, porque após terminar o curso de contabilidade, foi um desastre: “Celina não tinha nada a ver com aquilo, aí ela quis fazer o Normal... mas como? Então Décio foi pra FAFILE, estudar História e Geografia e chamou a Celina, no entanto ela já estava noiva”. Seu noivo disse-lhe: “não, não, não precisa... Para quê estudar? Ela o amava muito, tudo o que ela queria era casar com ele”. Na época em que Celina Bracher devia ter estudado o nível superior, na década de 1950, o que seria seu percurso natural, ela não o pôde fazer. Quando iniciou a faculdade FAFILE, em 1963, já estava noiva, mas aí já era outro tempo. Nívea Bracher183 (2011b) relata: Porque eu, de uma geração mais nova, pude fazer o percurso de estudo até o Normal, depois entrei no curso de história da FAFILE, levada pelo Décio – porque o Décio punha todo mundo para frente! Quando ela foi fazer a faculdade, eu já havia feito. Ela ficou com aquele tempo, aquela brecha. E eu já não estava morando aqui, estava já em Ouro Preto, e me deu uma vontade imensa, me deu tanta saudade de vir aqui... A gente sente as coisas... Então eu vim a Juiz de Fora para estar com a Celina, e eu tive um encanto tão grande... Encontrei com a Celina, ela dando aula, para uma turma que ia fazer vestibular, cursinho. A Celina estava tão bonita, porque a Celina, a cada época ela tinha um semblante, que o Luiz Affonso Pedreira falava que a Celina, eram várias Celinas. Mas esta seria a última Celina, porque eu a vi assim, ela estava tão bonita, tão iluminada, eu senti a Celina no pleno estado de si mesma, desabrochando tudo aquilo que ela tinha dentro dela, que ela não podia fazer antes, isso foi uma coisa muito bonita! E ela já era uma pessoa maravilhosa, e estava num esplendor fulgurante (BRACHER, N., 2011b).

“O encanto feminino é uma coisa que agrega. Como Celina Bracher era muito criativa e inventiva, as pessoas se agregavam, em torno dela. Era como um ímã, então o próprio estarjunto de Celina, puxava das pessoas, o melhor que cada um tinha de si”. Nívea Bracher (2011b) explica que isso ocorria naturalmente, numa brincadeira, “aquela molecagem da gente com as pessoas na Rua Bernardo Mascarenhas, veio pra cá, para o Castelinho, com outras pessoas”. Ela relembra que seu o pai, Waldemar Bracher dizia: “a criança brinca, o brinquedo da criança é o trabalho da criança, para quando se tornar um adulto, o trabalho do adulto se tornar um brinquedo deste adulto. É tudo uma coisa natural, entende”? Nívea Bracher (2011b) comenta que seu irmão Décio Bracher vivia nessa época, ainda nas décadas de 1950 a 1960, em Belo Horizonte, “e a gente vivia muito bem, mas misteriosamente sem dinheiro nenhum, porém circulavam as nossas ideias. Nós éramos o botão, antes do botão existir. Tínhamos a energia da felicidade, juntos, e as coisas aconteciam – o dinheiro era uma decorrência”. 183

Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher.

192

“Eu me lembro de Celina assim, ela era muito engraçada, sentava na máquina de escrever dela e zum... num minuto, coisa que se leva dois ou três dias para se escrever uma coisa”. Nívea Bracher (2011b) prossegue seu relato ao dizer: “ela bolava peças, jornais, compunha jornais, peças de teatro, com os textos para cada um, o que cada um devia fazer, tudo muito rápido. Escrevia assim, como uma cachoeira: ela era uma cachoeira”! “Aí um dia ela disse assim: Ah... o Van Gogh tinha um irmão... e ele escrevia cartas... Eu também tenho um irmão que está em Belo Horizonte, que é o Décio, eu vou escrever cartas para ele! Aí começou a escrever as cartas, descrevendo isso”, relembra Nívea Bracher184 (2011b) dizendo que parecia ter ainda, guardadas em seus pertences, umas duas ou três cartas destas de Celina... E que “ao ler que você morre de rir”! E para exemplificar um pouco desta rapidez e criatividade bem-humorada de Celina, em sua escrita, Nívea assinala o “Decálogo do Bom Visitante (figura 122), que ela fez num minuto, para os visitantes do Castelinho dos Bracher”.

Fig.122. Decálogo do Bom Visitante. 184

Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher.

193

“Celina tinha um magnetismo natural, em que todas as coisas aconteciam em torno dela, em todas as faixas etárias – isto é muito importante dizer – desde a criança ao mais velho, em todas as faixas sociais, porque há uma coisa impressionante”, afirma Nívea Bracher185 (2011b). “Na nossa casa, não tínhamos essa diferenciação de homem, mulher. Nós – homens e mulheres – estávamos sempre juntos e nossos pais é que facultavam a nós, a nossa casa, que congregava a todos”. Nívea Bracher (2011b) sentia isso, quando criança, e revela que achava estranho: “as minhas amiguinhas de 8, 9 e 10 anos, tinham que pedir aos pais para irem ao cinema... e eu nunca precisei pedir a pai ou mãe para ir ao cinema. Desde criança nós podíamos fazer de tudo”. Ela se recorda de que havia realmente a família tradicional mineira. “Havia o pai e a última palavra era dele, isso eu ouvi uma pessoa nos contando, e que deixava a filha sair só se fosse com a Celina... Imagina, mal ele sabia que a Celina era a agitadora”186! Quando houve a morte de Celina Bracher, as pessoas não conseguiam mais ir ao Castelinho. A dor, a tristeza – o choque – foram muito grandes para todos. Um tempo foi necessário para que as circunstâncias se acomodassem. Nívea Bracher (2011b) declara que antes “havia a circulação de umas 90 pessoas, porque ainda não existia o Campus Universitário... O Campus Universitário era aqui em casa. Vinham pessoas de todos os cursos, da faculdade de filosofia, de economia, de direito, vinha todo mundo pra cá, ficava um grupinho ali, outro aqui”. Sobre Celina Bracher, a artista Lotus Lobo187 (2010), sua prima, guarda muitas recordações, pois sua mãe, Eugênia Bracher Lobo, irmã de Waldemar Bracher, ia frequentemente a Juiz de Fora, desde os anos de 1940, para concertos, não somente os dela, mas também como professora, levando alunas. Fazia “aqueles congraçamentos com Hermengarda” e seu coral. “Tudo era uma tônica que depois vem em direção à concretização da Galeria de Arte Celina – GAC. Celina começa a pintar por influência dos irmãos, principalmente do Décio, desde criança, então a Nívea e o Carlos, entram nesta confluência da arte”. Ela prossegue: A minha mãe tinha fortes ligações com Celina, como eles moraram em Belo Horizonte um grande tempo antes de irem para Juiz de Fora, depois ela mesma, Celina, voltou para Belo Horizonte com uns 11 ou 12 anos, para morar durante um ano em nossa casa. Mamãe, queria que ela ficasse aqui um pouco, que fizesse um bom colégio, todo mundo sempre lutou com muita dificuldade financeira naquela época. Meu tio Waldemar tinha 19 anos 185

Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de maio de 2011b, no Castelinho dos Bracher. Grifo da pesquisadora, devido à ênfase na fala da entrevistada. 187 Entrevista com Lotus Lobo, em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte. 186

194

quando se casou e depois foi pra Juiz de Fora com vinte e poucos anos. Estudar em Juiz de Fora, com 5 filhos, você não imagina o que foi a vida do meu tio Waldemar… de estudo, de trabalho. Na verdade, os meninos passaram por circunstâncias financeiras muito difíceis (LOBO, 2010).

Conforme Lotus Lobo (2010) relata, Celina Bracher tinha fortes relações com sua mãe, por achá-la moderna. Celina se encantava pelo fato da tia ser “professora de música, ter a casa muito viva, cheia de alunos. A ligação afetiva dela com a nossa casa e com a minha mãe pode ser percebida neste Decálogo da Boa Tia, escrito com a letra dela mesmo”(figura 123).

Fig. 123. Decálogo da Boa Tia. Decálogo da Boa Tia 12345678910-

Ter uma experiência de no mínimo 30 anos deste estado civil. Pesar mais de 70 kg. Possuir um sítio em local aprazível. Ter espírito esportivo, recebendo os sobrinhos com calorosas manifestações de afeto, mesmo de madrugada. Manter sob seu teto, no mínimo um sobrinho. Adquirir três filhos adoráveis, a fim de fornecer aos sobrinhos, primos da melhor qualidade. Morar em Belo Horizonte, em uma casa formidável. Patrocinar visitas dos sobrinhos a locais encantadores, como Mário Campos, Lagoa Santa e outros. Visitar os sobrinhos frequentemente. Não perder as promoções do Saiazar. Celina Bracher, Juiz de Fora, 23 de junho de 1960.

Segundo Lotus Lobo188 (2010) relembra, Celina sentia-se atraída pela forma de vida das tias, além da influência de sua mãe Hermengarda Bracher – mulher muito ativa, que possuía um coral e diversos alunos no Castelinho dos Bracher. Suas tias Eugênia Bracher 188

Entrevista com Lotus Lobo, em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte.

195

Lobo e Elvira Bracher Prates (nome artístico - Léa Delba) eram muito independentes. Quando vieram para Belo Horizonte, conviveram com grandes poetas e escritores, que depois saíram de Belo Horizonte como Drummond e Pedro Nava. “Era o grupo cultural-artístico que existia em Belo Horizonte na década de 1920. Conviviam também com Fernando Sabino, eram vizinhas dele. Consideradas moças muito bonitas, avançadas”. A mais nova, Elvira, foi para o teatro, professora também de piano, era uma grande atriz, conhecida nacionalmente e internacionalmente nas décadas de 1940, 1950. “Depois com a televisão, ela era a Janete Clair de Minas, era uma grande escritora de teatro. Então ambas eram mulheres modernas para a época delas. E isso, em certo sentido, atraía a Celina”. Em seu relato, Lotus Lobo189 (2010) continua a dizer que, quando Celina Bracher ia a Decálogo da Boa Tia Belo Horizonte, ficava sempre na casa de sua mãe, mas que ela também gostava muito de ir à casa da tia Elvira, para ver se havia uma roupa diferente, um xale, um sapato. “Aqui com minha mãe Eugênia, também cantora, pianista e professora, ela sofreu forte influência, gostava muito de usar umas echarpes, como os de minha mãe. Eugênia e Elvira eram como ídolos para ela, tanto que ela fez um diploma de honra para estas tias”. Lotus Lobo (2010) disse que admiração e encantamento que Celina tinha por elas e também pela mãe Hermengarda, traduziu-se nesta postura e forma de viver, de querer sempre alçar novos voos, como também herdou a irreverência delas. Lotus comenta que sua mãe era vegetariana e budista, o que as outras tias não influenciaram tanto, pois uma tornou-se freira e outra, casada com um médico muito famoso, era muito tradicional. As grandes tias inspiradoras de Celina Bracher foram mesmo a Eugênia e Elvira. Pode-se perceber isto, tanto no (figura 123), quanto no Diploma de Honra. Celina Bracher criou ainda no ano de 1960, um diploma que sua prima Lotus Lobo (2010) mostrou, ao realizar uma leitura, (dedicado a Eugênia sua mãe e à Elvira, sua tia), com os seguintes dizeres: DIPLOMA DE HONRA A Congregação Universal de Sobrinhos, de acordo com o parágrafo 3º, letra z, do regulamento do coração, a provar pelos ditames da razão, confere o presente diploma às senhoras Eugênia e Elvira, por eleição unânime de todos os seus membros o título de: “TIA DAS TIAS” Título este, jamais conferido a outras quaisquer personalidades físicas ou jurídicas. Assinados, Celina Bracher, Paulo Bracher, Nívea Bracher, Carlos Bracher, Décio Daniel Bracher e Waldemar. 23 de junho de 1960 (LOBO, 2010).

189

Entrevista com Lotus Lobo em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte.

196

Na última frase do Decálogo da Boa Tia, item de n.º 10: “Não perder as promoções do Saiazar”. Poderia-se se perguntar, afinal o que seria o Saiazar? Segundo os irmãos Carlos, Nívea e Décio Bracher190 (2011), antes que o Halloween fosse importado do calendário norte-americano para o calendário de festas brasileiras, Celina criou o Saiazar: uma festa à fantasia no Castelinho dos Bracher, que durava três dias, entre o final de outubro e início de novembro. Nas figuras 124 a 127, a seguir, cenas da festa, com Celina e alguns participantes. Lotus Lobo191 (2010) descreve como era este evento: “o Saiazar é uma das criações artísticas mais importantes de Celina”. Havia vários artistas participantes naquela época, por exemplo o Reydner, muito amigo da Celina, o Max Dutra, o Pimpinela também, conforme seu depoimento, relembra: “O aniversário da Hermengardinha, era dia 31 de outubro, dia das bruxas. Então para comemorar o aniversário dela, e calcada naquelas festas dos Estados Unidos, das abóboras, das bruxas, do Hallowen, a Celina criou uma festa lá em Juiz de Fora – o Saiazar”. “Nos anos de 1950, era uma festa muito curiosa porque agregava todos os artistas da cidade, que faziam pinturas, desenhos, verdadeiras instalações. A Casa inteira era uma grande instalação” (LOBO, 2010). Ao se recordar destas festas, Lotus Lobo (2010) lamenta que naquela época as pessoas não possuíam os recursos tecnológicos para filmagens, para que houvesse o registro destes eventos no Castelinho e complementa ao dizer: “a Hermengardinha também produzia várias instalações e vários acontecimentos, atividades nos dias de Saiazar”. Relembra também que “o reitor, o diretor de um Colégio importante em Juiz de Fora, o Granbery, a família Panisset, faziam parte do Saiazar, além de literatos, como Affonso Romano de Sant’Anna, grandes artistas brasileiros hoje conhecidos internacionalmente”. Além da reunião, do evento festivo, das instalações, havia também muitas brincadeiras nestes dias que se prolongavam em celebração. Lotus Lobo (2010) relata sobre uma das brincadeiras, dizendo que “costumava até ter um caixão do enterro do dia dos mortos, e gente ia andando com correntes nas pernas, com tudo apagado, e chapéus de bruxa e desenhos de bruxa... o Saiazar da década de 1950, seria hoje uma grande instalação contemporânea da melhor qualidade”.

190

Entrevista com Carlos (2011e), Décio (2011d) e Nívea Bracher (2011f), em 10 de agosto de 2011, no Castelinho dos Bracher. 191 Entrevista com Lotus Lobo, em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte.

197

Fig.124. Saiazar. Pôster realizado pela família Bracher. Fig.125. “Heribaldo, Lotus, ?, o anjo Paulinho (de braços abertos), Dona Eva, Ymah Théres, atrás do Ruy Merheb”. Saiazar.

Fig 126.Reydner e Celina e no Saiazar. Fig. 127.Celina e Professor Franz no Saiazar. Fonte: Fotos cedidas por Nívea Bracher em agosto de 2011.

Emoção e comoção sempre fizeram parte da vida de Celina Bracher. Ser uma mulher como Celina, na sociedade tradicionalista e machista da época era algo raro, autêntico, mas também difícil para uma alma como a dela. Todo o turbilhão de comoções vividas 198

desencadeou sua morte prematura pela porfiria192. Falar da perda de Celina é algo doloroso para a família e pessoas que a conheceram, perceptível em seus depoimentos. Conforme Halbwachs (2006, p.113-156) “o tempo que o grupo viveu é um ambiente meio despersonalizado, em que podemos atribuir o lugar de mais de um acontecimento passado, porque cada um deles tem um significado em relação ao conjunto”. O professor Pierre Mérigoux193(2013) relata que foi muito amigo de Nívea e de Celina, frequentava o Castelinho dos Bracher e relembra: Celina era muito elegante e muito direta. Ela não criticava nunca. Eu a via, todo dia, independentemente de estar com a família. Do grupo de rapazes e moças, ela era a primeira – congregava muitas pessoas, convidava-nos para encontrar no Castelinho. Nós debatíamos muito, discutíamos diversos assuntos com ela, que gostava muito de estudar o francês, porque muita gente falava o francês naquela época. Conversávamos sobre problemas da política, da vida comum, dos filmes, era uma coisa permanente. A gente bebia, comia, falava sempre na cozinha de lá. Depois me afastei um pouco do Castelinho, porque conheci minha esposa, me casei e mudei de cidade. Ao retornar, foram os Bracher que fizeram uma festinha para nos receber em Juiz de Fora: eu e a minha esposa Juju (MÉRIGOUX, 2013).

Uma grande amiga de juventude, Heloiza Matos (2012)194, em entrevista dá seu depoimento emocionado e revela que Celina e Nívea eram mulheres de destaque para a época: Celina e Nívea eram mulheres muito interessantes e à frente de seu tempo, mas de uma forma diferenciada. Estavam sempre preocupadas em preservar e divulgar a arte e a cultura, independente dos rótulos - arte, cinema, teatro e literatura e música. O castelinho era um ponto de encontro dos intelectuais orgânicos e não-orgânicos. Elas não se importavam com os rótulos para definir as pessoas presentes na vida delas ou a serem integradas. Eram liberadas, mas não faziam disto uma bandeira com palavras de ordem. Celina partiu muito cedo com uma enfermidade que parecia ter vindo do espaço (ainda não explorado, pelo menos a lua) e Nívea passou um tempo procurando captar o olhar da irmã em tudo que via e fazia. Fez vários quadros me retratando, buscando recuperar a Celina (alguma coisa em mim trazia a Celina pra ela). Depois de algum tempo, consegui recuperar 192

Segundo Bichara (2010), apesar dos vários tipos de porfirias, apenas a Porfiria Aguda Intermitente pode ter consequências muito graves com risco à vida. A maioria dos indivíduos permanece assintomática durante a vida, caracterizando a fase latente da doença. Entretanto, todos os pacientes porfíricos, principalmente mulheres adultas, são propensos à crise aguda se expostos alguns fatores desencadeadores: exposição a certos tipos de medicamentos, processos infecciosos, ingestão calórica insuficiente, fatores hormonais e outros. As crises agudas variam e podem apresentar dor abdominal grave, vômitos, constipação como sintomas mais comuns. O sistema nervoso central pode ser envolvido quando o paciente apresenta distúrbio mental com agitação, depressão, alucinações visuais ou auditivas, etc. BICHARA, D. S. J. et al.: Porfiria: uma causa rara de abdômen agudo. Revista Médica de Minas Gerais - RMMG, (N. Esp.), v. 20., pp.450- 452, 2010. Disponível em: < file:///C:/Users/Luis%20Jorge%20Gon%C3%A7alves/Downloads/296-879-1-PB.pdf > Acesso em: 03 de janeiro de 2014. 193 Entrevista com Pierre Mérigoux, em 19 de abril de 2013, Juiz de Fora. 194 Entrevista com Heloiza Matos, em 14de outubro de 2012, São Paulo [via telefone e-mail].

199

apenas dois quadros dos quais, literalmente, me apropriei, e os tenho em minha casa (MATOS, 2012).

Em seu breve tempo de vida, Celina Bracher pintou apenas cinco telas em óleo sobre tela, que fazem parte do acervo familiar. Dentre elas, três encontram-se representadas nas figuras 128 a 130.

Fig.128. Sem título. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 33 cm X 41 cm, 1962. Fig.129. Paisagem. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 33 cm X 41 cm, 1963.

Juntamente com Décio, Nívea e Carlos, Celina Bracher participou ativamente da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras- SBAAP, onde foi 2ª secretária por diversas vezes em 1958, 1959, 1962 e 1963 (AMARAL, 2004, p.44).

Fig.130. Natureza morta. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 1963. Fonte: arquivo próprio, imagem cedida por Nívea Bracher em 2011.

200

A família guardou os catálogos preservando esta memória. No catálogo de 1964, Celina Bracher aparece com secretária em 1964 também na SBAAP. Esteve sempre que possível, em contato com o meio artístico. Celina vivia entrelaçada na convivência com os irmãos, por isso, quando se fala dela, os irmãos sempre aparecem nas mesmas jornadas. Seria impossível abordar um dos irmãos, sem falar nos demais. Eram extremamente unidos e, os anos 1962 a 1965, foram os três últimos anos juntos, no campo da arte. Em 1962, o secretário da SBAAP era Carlos Bracher. Celina Bracher participou com seus irmãos no XII Salão Oficial Municipal de Belas Artes promovido pela SBAAP, na modalidade pintura, com o quadro Casario; Carlos recebeu o prêmio Medalha de Bronze, participando com os quadros Máquina e Autorretrato; Nívea recebeu também Medalha de Bronze com seu Autorretrato e Décio, Medalha de Bronze com o quadro Beira do rio. Na modalidade escultura, Carlos recebeu Medalha de Bronze, com o trabalho Silvinha. Na área de desenho, Carlos participou com 1 desenho e Nívea, com 3 desenhos (figura 131).

Fig.131. Catálogo do XII Salão Oficial Municipal de Belas Artes, 1962, Juiz de Fora. .

Na exposição de 1963, Irmãos Bracher – Nívea, Celina, Décio e Carlos, conforme a relação de obras do convite, (figura 132) Nívea expôs: 16 obras em pintura e 03 em desenho; Celina: 04 obras em pintura; Décio: 03 obras em desenho; Carlos: 03 obras em desenho e 32 obras em pintura. 201

Fig. 132. Convite - Irmãos Bracher – Nívea, Celina, Décio e Carlos. Exposição de 08 a 23 de setembro de 1963, à Avenida Rio Branco, 2181.

Ainda no mesmo ano de 1963, por ocasião do XVIII Salão Oficial Municipal de Belas Artes, promovido pela Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, os irmãos trabalhavam na SBAAP: Nívea Bracher era secretária, Celina Bracher era vice-secretária, e Carlos Bracher era tesoureiro. Ao se inscreverem para o referido Salão, como artistas, Celina obteve o prêmio de Menção Honrosa com a pintura Paisagem e Carlos Bracher conquistou o prêmio de Medalha de Prata, com o quadro Autorretrato. Nívea recebeu o “1º grande Prêmio Antônio Parreiras” com o quadro Casas Velhas. Décio e Carlos, na modalidade desenho, participam também com 2 trabalhos cada um. Em 1964, Celina Bracher é a 2ª secretária na SBAAP e não envia trabalhos para o 14º Salão Oficial Municipal de Belas Artes. Seus irmãos participam com quadros em pintura: Carlos, com os quadros Autorretrato, Igreja de Santo Antônio e Paisagem (ambos de Tiradentes) e Nívea, com as pinturas de retratos Roberto Gil e Lotus. No catálogo, Carlos aparece com a Medalha de Prata e Nívea com o 1º Prêmio Municipal. Celina Bracher fez curso de História na Faculdade de Filosofia e Letras FAFILE, depois incorporada à UFJF. Líder estudantil que se tornou uma referência nos costumes e meios culturais de Juiz de Fora (figura 133). Atualmente é denominação de uma das galerias de arte do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. É uma das cinco personagens do filme As Princesas de Minas, de 2002, direção de Marcos Pimentel. A cidade de Juiz de Fora a homenageia com uma rua, no bairro Linhares (BRACHER195, B., 2014b).

195

Dados biográficos fornecidos pela jornalista e documentarista Blima Bracher em 22 de julho de 2014b [via e-mail].

202

Fig. 133. Da esquerda para a direita, Carlos Bracher, Nelson Travnick, Rose, Celina Bracher ao centro. A seguir, Cleusa, Rachel, Lotus Lobo à direita (prima dos irmãos Bracher) e à frente, inclinada, Nívea Bracher.

Celina Bracher habita o universo das personalidades inefáveis e enigmáticas. As palavras de Nélida Piñon (2007) expressam parte desta essência de Celina: “Lá vai ela, a ensinar a nascer, a viver, a morrer. A transmitir o que sabe e o tanto que ignora [...] E avança, embora tenha muito a caminhar. Sua voz, que reverbera, fala agora com Deus e os homens, com o próprio destino” (figura 134).

Fig. 134. Celina Bracher.

203

3.7 Castelinho dos Bracher: uma comunidade partilhada A Casa – Castelinho (figura 135), segundo Carlos Bracher, “é uma síntese poético/artística, tornando-se metalinguagem existencial da Família Bracher” e complementa ao dizer que, em sua natureza e destino, é uma “obra coletiva, aberta e em mutação, alterandose permanentemente de significados ao longo do tempo”196.

Fig.135. Castelinho dos Bracher. Rua Antônio Dias 300. Bairro Granbery, Juiz de Fora. No Documentário “Carlos Bracher: retrato intenso”, de Olívio Tavares de Araújo (1989b) crítico de arte e produtor, relata: “em 1950, nem um pouco mais rico e sempre poeta e aventureiro, ‘Seu’ Waldemar conseguiu um longo financiamento e comprou um belo casarão, no alto de uma colina, visível de toda cidade”. Ele relembra ao dizer que por volta dos anos de 1963 ou 1964, esteve pela primeira vez nesta casa, período em que era muito amigo de Lotus Lobo, prima de Carlos Bracher e que, naquela época, a família era muito ativa na cidade. Ele prossegue dizendo: “só sei o quanto cada um viveu, pessoalmente, aqui dentro. Eu me lembro de que nós tínhamos um exercício de absoluta liberdade, que a casa era também a casa de cada um de nós. ‘Seu’ Waldemar e Dona Hermengarda nos apadrinhavam [...] a Casa Bracher era um ponto de refúgio”.

196

Textos sobre a Casa Bracher, escritos por Carlos Bracher e entregues pessoalmente como fonte de estudo e arquivo para desenvolvimento desta pesquisa, em 2010.

204

Os Bracher e os amigos fizeram do Castelinho um locus atípico, não-convencional de “encontros, trocas e discussões, não se submetendo aos severos rigores impostos pela arquitetura clássica do prédio em si, ao contrário, recriaram um estilo próprio de ser, viver e conviver, numa lúdica intercessão entre os seres e as faces habitadas”. Olívio Tavares de Araújo197 (1989b), no supracitado documentário, comenta sobre as mutações que ocorrem na Casa, sempre em processo, quase um “organismo vivo”:

Eu acho engraçado ver o quanto a Casa Bracher continua hoje uma obra em processo. O quanto Nívea e alguns amigos continuam trabalhando aqui dentro, fazendo um permanente reajuste na casa. A casa vive sendo pintada, a casa vive sendo coberta, a casa vive sendo adaptada. Nívea, hoje, inclui aqui e ali reproduções de obras de terceiros. De repente, temos uma citação de Matisse, uma citação de Delaunay, uma brincadeira em cima da fachada. Esta coisa de uma criação permanente faz com que, de certa forma, a Casa Bracher seja quase um organismo vivo (ARAÚJO, 1989b).

Castelinho dos Bracher: organismo em constantes transmutações e metamorfoses, decorrentes das interferências de Nívea Bracher198 (2012) ao longo do tempo. A começar pela torre da casa, que era toda fechada em ardósia, com uma passarela em torno, protegida por uma grade simples e arcos de treliças brancas em madeira – tudo foi alterado por Nívea, conforme relata Carlos Bracher199 (2014a). “Foi derrubada a pequena laje anterior, sobre as quatro paredes foi feita uma viga contínua, com uma laje de 70 cm para fora, contornando toda a torre, para circulação de pessoas”. A parte de engenharia foi de Waldemar Bracher, mas toda a parte de criação deste “mirante do Castelinho”, “foi obra de criação de Nívea (figuras 136 e 137), todo o design do novo gradil e o belíssimo desenho da torre em grade e em vidro (figuras 138 e 139), com transparência para a luz, o céu e a paisagem”, afirma Carlos Bracher200 (2014a).

Fig.136 À esquerda, esboços rápidos de Nívea Bracher para a torre. Fig.137. À direita, parte interna da torre. 197

ARAÚJO, Olívio Tavares de. Carlos Bracher: retrato intenso, São Paulo: Métron Editora, 1989b. 1DVD. Entrevista com Nívea Bracher, em 14 de dezembro de 2012, no Castelinho dos Bracher. 199 Entrevista com Carlos Bracher, em 18 de outubro de 2014a, Ouro Preto [via telefone]. 200 Entrevista com Carlos Bracher, em 26 de outubro de 2014b, Ouro Perto [via e-mail]. 198

205

Fig.138. Imagem à esquerda, detalhe da torre. Fig. 139. Imagem à direita, torre do Castelinho.

“Espaços de convivência” e de diálogo com a atmosfera da arte são reflexos da criação de Nívea Bracher, em seus desenhos e projetos, assim como nas “revisitações” feitas, homenageando alguns artistas, presentes nas paredes do Castelinho. Na cozinha estão pinturas dedicadas à Delaunay (figuras 160 e 161), e à Magritte (figuras 158 e 159), um convite à mesa com estes artistas. O banheiro social apresenta a enigmática moça sobre o cavalo, (revisitação à obra Carta Branca de Magritte, 1965) em sua porta. (figuras 140 e 141), O teto da sala do piso superior é uma saudação à Mondrian (figuras 142 e 143).

Fig.140 e fig.141. Homenagem à Magritte, por Nívea Bracher. Banheiro social do Castelinho dos Bracher.

Fig.142 e fig.143. Homenagem à Mondrian, por Nívea Bracher. Teto do piso superior do Castelinho dos Bracher.

206

Ainda no piso superior da casa, os tetos do corredor (figura 144), quarto verde (figura 145), quarto lilás/amarelo (figura 146), banheiro social (figura 147), são brincadeiras pelos ares, com Frank Stella.

Fig. 144. Imagem superior á esquerda, teto do corredor do Castelinho dos Bracher. Brincadeira com Frank Stella. Fig. 145. Imagem superior à direita, do teto do quarto verde. Brincadeira com Frank Stella.

Fig.146. Imagem inferior à esquerda, quarto amarelo/lilás. Brincadeira com Frank Stella. Fig.147. Imagem inferior à esquerda, teto do banheiro social do piso superior. Brincadeira com Frank Stella.

Fig.148. À esquerda, homenagem a Matisse, por Nívea Bracher. Banheiro social do piso superior do Castelinho. Fig. 149. Ao centro, coluna com motivos egípcios, por Nívea Bracher. Banheiro social do piso superior do Castelinho. Fig. 150. À direita, xícara, uma brincadeira com Frank Stella, por Nívea Bracher.

207

O banheiro social do piso superior é um deleite para quem lá se adentra – a dança de Matisse ao estilo Nívea – (figura 148) convive com uma xícara à la Frank Stella que exala aromas de um convite ao chá ou café (figura 150). A coluna neste banheiro (figura 149) retrata motivos egípcios que, ao conjugar estes elementos com a dança, e com esboço de uma “boca de Man Ray” ainda por pintar em outra parede, dão um caráter de festa, despojamento e confraternização ao local. Diversos gradis foram criados por Nívea Bracher, espalhados pelas alas externas do Castelinho, portões e lotes anexados à Casa (figuras 151 e 152). Em várias partes das fachadas, há interferências com pinturas e criação de vidraças. Em alguns anexos à Casa, há composições geométricas com jogos de cores e formando grandes mosaicos do imaginário de Nívea Bracher (figuras 153 e 154).

Fig. 151 e fig. 152. Detalhes de um dos gradis de Nívea Bracher, da área de convivência - parte posterior do Castelinho dos Bracher.

Fig.153 e fig.154. Detalhes de um dos anexos do Castelinho, com a composição geométrica e vidraças criadas por Nívea Bracher.

A casa transformou-se em centro de convergência decorrente da ausência de espaços culturais específicos para tal congraçamento, mas principalmente pela visão deste casal Waldemar e Hermengarda - mentores de espírito libertário, inovador e hospitaleiro, que

208

mantinham sempre abertos a todos, os portões de sua residência - Castelinho dos Bracher, à Rua Antônio Dias n.º 300, Bairro Granbery. Carlos Bracher201 assim afirma: No amplo espectro de experiências, a Casa tornou-se uma entidade dual, orgânica pelo lado físico (as paredes, os pisos, tetos, a torre, os pátios e as árvores) e imaterial em seu conteúdo irrevelável, ao traduzir o sentimento de um grupamento de seres e a história viva deste contexto familiar e dos seus amigos, retratando muito bem uma época áurea da cidade, a segunda metade do século XX e início do século XXI (BRACHER, C., 2010, s/p.).

Diariamente lá circulavam intelectuais, astrônomos, amigos de Celina, estudantes da Faculdade de Filosofia e Letras, FAFILE, que se reuniam para constantes diálogos e concretização de ideais. Muitos destes frequentadores do Castelinho eram músicos, escritores, jornalistas, estudiosos de diversas áreas do conhecimento que encontravam lá espaço para o pensamento, a reflexão e o debate. Após um período, a família construiu neste local um ateliê (figuras 155 e 156) que possibilitou aos jovens artistas de aspiração mais modernista a formação natural de grupos de destaque na sociedade, como o como o Grupo 57, mencionado no capítulo 2.

Fig. 155. Porta de entrada do ateliê dos Bracher no Castelinho – vista da varanda. Fig. 156. Vista parcial da parte interna do ateliê dos Bracher no Castelinho.

Um dos frequentadores assíduos era o professor Pierre Mérigoux 202(2013) que em depoimento, afirma que Juiz de Fora era uma cidade sui generis, ele nunca tinha visto nada igual. A juventude exercia uma grande influência na cidade e promovia diversas reuniões, conforme se recorda. Quando chegou ao Brasil não falava o português, somente o francês e, no convívio com as pessoas, desenvolveu maior fluência na língua portuguesa. Logo que chegou à cidade de Juiz de Fora, ele soube que: “lá havia um clube, uma coisa 201 202

BRACHER, Carlos. Textos - Casa Bracher. Juiz de Fora, cedido para pesquisa em 2010 Entrevista com Pierre Mérigoux, em 19 de abril de 2013, em Juiz de Fora.

209

completamente maluca, diferente de tudo, e que eu, como francês, deveria ir lá. Diziam que naquele local, havia outros modos de viver e tudo mais – mas para mim, pensei que isto deveria ser uma coisa maravilhosa!”. Levou um tempo até que ele conhecesse o Castelinho. Pierre Mérigoux203 (2013) ainda comenta que várias ideias, projetos e atividades que surgiam, tinham sua origem na cozinha do Castelinho e revela que a palavra tribalismo é boa forma de traduzir o que se passou em Juiz de Fora com os Bracher. Para ele, na cidade, a abertura veio como um fenômeno da novidade, da cultura, da leitura, do cinema, da efervescência que se construiu de maneira espontânea e importante - pelo impacto no desenvolvimento da mentalidade jovem. Ele foi professor de literatura francesa, trabalhou para a Aliança Francesa, conhecida também como Maison de France naquela época, e também trabalhou para as Nações Unidas: sempre professor e mudando de cidades pelo mundo, mas retornando a Juiz de Fora. Após longos anos, afirma com emoção: “a parte da minha vida que mais conta é aqui, em Juiz de Fora. O que mais marcou a minha vida foi os Bracher. Agora eu posso dizer isso. Eu sou muito amigo deles e falamos muito tempo, mesmo à distância. Eu fico um pouco atormentado por isso e gostava muito deles”. Percebe-se que há uma energia, um amálgama que interligou um Grupo, primeiramente em torno do Castelinho dos Bracher. De acordo com Michel Maffesoli (2010, p. 106-107), grandes acontecimentos históricos e políticos ocorrem nas massas, (como ele cita os estudos a este respeito, de Walter Benjamin e de Gustave Le Bon): “podem existir processos de aceleração, personalidades que podem ser consideradas como vetores necessários, com toda a certeza existem causas objetivas que não deixam de influir, mas nada disso é suficiente. São apenas ingredientes, que, para se reunir, necessitam de uma energia específica”. O autor afirma que essa energia, presente e um pouco descrita já em diversos depoimentos desta pesquisa, “pode tomar diversos nomes como ‘efervescência’ (Durkheim) ou ‘Virtù’ (Maquiavel)” e complementa ao dizer que “é esse ‘não-sei-o-quê’ que funciona como cimento”. Michel Maffesoli (2010, p.106) conclui ser observável que no calor de uma emoção conjunta, se solda um bloco maciço e consistente; todos se unem em um conjunto, cuja dinâmica e autonomia lhes são muito próprios. Ao fazer uma transposição desta perspectiva para o Grupo em torno do Castelinho, os personagens vetores seriam os Bracher; a cultura, a arte, a música, cinema, poesia, literatura seriam alguns dos ingredientes, que compunham as reuniões. A energia, o cimento deste Grupo, a motivação provém deste sentido que já falara Nívea Bracher, no capítulo 2, da “alma-grupo”, que Carlinhos 203

Entrevista com Pierre Mérigoux, em 19 de abril de 2013, em Juiz de Fora.

210

denominara também como “irmandade”. Michel Maffesoli (2010, p.138) acha interessante ressaltar que Maurice Halbwachs, analisa sob a perspectiva da consciência coletiva, e daquilo que pode ultrapassar a comunidade, é que a “permanência do grupo” como algo maior do que “uma reunião de indivíduos”. Segundo Michel Maffesoli (2010, p.11) diante da “anemia existencial” provocada por um social racionalismo em demasia, as tribos urbanas evidenciam a emergência de uma “socialidade empática”, onde emoções e afetos são compartilhados. O autor relembra que o “comércio”, como fundamento “de todo estar junto”, não é meramente uma troca de bens – ele é também um “comércio de ideias”, um “comércio amoroso”. O ideal comunitário que surge, ou seja, “a dimensão comunitária da socialidade”, é considerada por Michel Maffesoli como “a chave” – “o caráter essencial” – do chamado “neotribalismo pós-moderno". Evidencia-se na historicidade deste Grupo, desta tribo urbana, que se nutria da atmosfera do “estar junto”, uma simbiose afetiva de ideais proporcionada pela receptividade da Casa, onde os Bracher e os membros deste clã criaram a aura do Castelinho – uma dimensão comunitária maior, um centro magnético, cujo eixo primordial estava ali, naquela mesa da cozinha. Para Michel Maffesoli204 (2005b, pp. 93-95), a mesa é um lugar de comunicação. Estar à mesa, seja como ritual no ato de comer junto para enfrentar a morte; seja em jantares e almoços pagãos ou cristãos, de ritualísticas locais ou folclóricas, com suas maratonas gastronômicas; seja nas aldeias ou comunidades com seus desafios culinários e festivos; é um “fato social” que relembra a todos os participantes que “a chamada sociedade é uma ordem fundada sobre a diferença”. Ao mesmo tempo em que o encontro à mesa promove a comunicação, é também um ato provocativo, “um ato social fundamental”205 à medida que fixa solidamente a coesão, estabelece a integração, as relações sociais e promove momentaneamente o desaparecimento de certos constrangimentos, limites e desníveis, porém simultaneamente exacerba estes mesmos constrangimentos, limites e desníveis. Nesta perspectiva, Michel Maffesoli (2005b) conclui que “os rituais da mesa são paradigmáticos de toda a ritualização social” e complementa, ao dizer que “a mesa é o trono ambíguo e perturbador de Dionísio”.

204

MAFFESOLI, Michel. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e sociabilidade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005b. 205 Michel Maffesoli comenta esta citação do encontro à mesa como “ato social”, baseado em um comentarista especializado no fenômeno culinário e menciona em nota de rodapé, a seguinte fonte bibliográfica de sua pesquisa: LANGE, F. Manger ou les jeux et les creus du plat. Paris: Seuil, 1975, p.39 e pp.45-70.

211

Segundo Décio Bracher206 (2013b) “a boa arquitetura consiste na criação e realização de um local em que o indivíduo se sinta bem. Esta cozinha do Castelinho foi considerada um bom espaço. Quase todos os principais projetos, eventos culturais e artísticos em que estivemos envolvidos com críticos de arte, cineastas, artistas, escritores, músicos, foram idealizados e esboçados nesta mesa aqui” (figura 157). Ele complementa sua afirmativa dizendo que ali havia os “nossos equipamentos tribais”: esboços, diversos livros, jornais, revistas, projetos, anotações em pastas que foram ferramentas de criatividade, durante as longas conversas do Grupo. As testemunhas oculares, permanentes, eram alguns quadros de Décio Bracher que compunham duas paredes. Estes objetos, os “equipamentos tribais” em uma estante próxima à mesa, dialogavam harmonicamente com o arsenal de utensílios domésticos de uma cozinha repleta de panelas, copos, louças, talheres, pães, legumes, temperos e frutas, cujas cores complementavam outras duas paredes pintadas por Nívea, em homenagem a Delaunay (figura 161) e Magritte (figura 158). Neste conjunto destaca-se “a gaveta folclórica de Nivea”, situada nesta mesma mesa, repleta de papeizinhos anotados durante as conversas, agendas bem pequenas com todas as informações que alguém pudesse precisar, recortes de jornais atualizados com temas de arte, além de vestígios da memória, estrelas, flores e suspiros que voavam através daqueles seus sorrisos brejeiros que emanavam, ao abrir a gaveta. Havia naquele espaço uma alquimia no ar.

Fig. 157. Celina Bracher à esquerda, na mesa da cozinha do Castelinho dos Bracher, com amigos. 206

Entrevista com Décio Bracher, em 27 de agosto de 2013b, Juiz de Fora.

212

Fig. 158. Pintura de Nívea Bracher – homenagem à Magritte - na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher. Fig. 159. Pintura de Nívea Bracher – homenagem às bandeirinhas de São João – na cozinha do Castelinho dos Bracher.

Fig.160. Esboço prévio em papel para a pintura de Nívea Bracher – homenagem à Delaunay- na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher. Fig. 161. Pintura de Nívea Bracher – homenagem à Delaunay - na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher.

“O termo Zeitgeist, espírito do tempo, tem pertinência, pois faz pensar no ar que se respira”, conforme aborda Michel Maffesoli207 (2005a, pp.105-106), O autor afirma que “a ambiência é condição sine qua non de toda vida em sociedade”. E este ar é constituído da multiplicidade de pequenas coisas que se relacionam com estruturas macroscópicas. A cadência da “respiração social” provém da congregação e da reversibilidade, que definem a 207

MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005a.

213

maneira de viver de cada pessoa. Desta forma, conclui-se que este ar, esta atmosfera, ‘essa ambiência’ proporcionada pelas reuniões no Castelinho em torno da mesa, constituiu a alquimia que influenciou aquele Grupo – proporcionou uma unicidade dentro da multiplicidade – em que cada personalidade manteve sua singularidade nesta partilha criativa e produtora de cultura. Assim, quando Carlos Bracher208diz: “é na cozinha que se realiza a Festa de Babette-Tupiniquim”, ele transporta o imaginário daqueles banquetes de encantamento e magia do filme, para o cotidiano brasileiro de sua Casa, em que celebravam “os fluidos do bem e da amizade, do alheamento e do amor” para expressar o efeito daquelas refeições conjuntas realizadas no filme; onde a alquimia daqueles eventos promovia a união de pessoas das mais diversas contradições e desajustes, em uma grande roda, de mãos dadas, felizes como crianças, alterando o contexto daquela aldeia. É nesta atmosfera da espontaneidade da celebração, da alegria e da amizade – uma constante na família – que Carlos Bracher cria a “Ordem da Torre”, com seus ritos próprios. 3.7.1 A Ordem da Torre A “Ordem da Torre” é uma forma de evidenciar a existência de um clã que pode ultrapassar o tempo, como uma existência e permanência de uma tradição da desordem, da felicidade, do “desbunde” e da celebração à vida (figuras 162 e 163).

Fig. 162. Ordem da Torre, logomarca de Carlos Bracher. 208

Citação baseada em texto de Carlos Bracher sobre a Ordem da Torre, cedido por ele e Nívea Bracher , em 2011.

214

Fig.163. Ordem da Torre, texto de Carlos Bracher.

A Casa Bracher, conforme afirma Carlos Bracher, “sempre teve um sentido próprio de ser, uma vocação inata pela alegria, cultura e congraçamento”, na aceitação dos valores humanísticos - em assuntos sérios, como também, nos mais diversos assuntos “inusitados”, relevantes e deliciosamente felizes. Desta forma, se reproduz a logomarca (figura 162) e os documentos da “Ordem da Torre” 209, (figuras 163 a 166) criados pelo irmão caçula da Casa e que expressam, com pertinência, a atmosfera do Castelinho. Há nas (figuras 164 a 166), imagens das listas de pessoas que receberam as “insígnias ritualísticas” e as demais que estariam ainda por receber. E é evidente que a lista daqueles indicados a receber não termina aí, são apresentadas as imagens de pequena amostragem.

209

Documentos – textos entregues como material para utilização na pesquisa, por Carlos e Nívea Bracher, 2011.

215

Fig.164, fig. 165 e fig.166. Imagens dos documentos – “Ordem da Torre”. Pessoas que receberam Ordem da Torre e outras ainda a receberem, de Carlos Bracher. Fonte: arquivo doado por Carlos e Nívea Bracher, em 2011.

3.7.2 Missão cultural Observa-se que as reuniões do Castelinho dos Bracher tornaram-se um vórtice aglutinador do pensamento, da criatividade, do sonho, da arte e da alquimia gastronômica. Em torno da mesa da cozinha do Castelinho, os intelectuais e artistas experimentaram a alquimia de “uma alma coletiva, de uma matriz fundamental que engloba e anima o conjunto da vida quotidiana” (MAFFESOLI, 2010, p.139). Integrar as concepções e diferentes ideais ao sabor das refeições, partilhar a alegria, os devaneios, as preocupações, as circunstâncias imprevisíveis, as tristezas, os projetos, os sonhos, os silêncios, os olhares, os aromas e sabores em conjunto, cria um “sentimento partilhado”, uma “lógica de despersonalização bastante mística”. Cria-se uma comunidade orgânica, inscrita em uma perspectiva holística, onde prevalece o fundamento desta “substância impessoal dos grupos duráveis” que se instaura nesta dinâmica (MAFFESOLI, 2010, p.138). Pode-se afirmar que este extrato, de origem no espírito de congregação da família Bracher no Castelinho, esta substância social que surge a partir daí – cria o fato cultural. A cozinha do Castelinho é um locus antropológico formador de um fato cultural210 na cidade, capaz de ser propagador, à medida 210

Michel Maffesoli refere-se a uma dinâmica, onde a individualidade se relativiza em detrimento do grupo. Portanto, “esta superação ou relativização do individualismo pode ser reencontrada na sociologia alemã (em Tönnies, naturalmente, mas também em M. Weber, ou K. Mannhein) Isso é evidente no caso de G. Simmel que, a partir das sociedades secretas, demonstrou, ao mesmo tempo, a dimensão afetiva e sensível das relações sociais e seu desenvolvimento nos pequenos grupos contemporâneos. Trata-se de um fato cultural que pode ser do maior interesse para a compreensão do devir comunicacional de nossas sociedades” (MAFFESOLI, 2010, pp.138-139). Utilizo o termo fato cultural sob esta perspectiva.

216

que as dimensões afetivas e sensíveis que se estabelecem nas relações sociais deste Grupo, se desenvolvem a ponto de torná-lo maior. Este locus, desenvolve-se em um crescente de integração à sociedade, em um devir comunicacional – origina a criação de um fato cultural maior para a cidade – a Galeria de Arte Celina. Coloca-se ênfase no aspecto da dinâmica da cozinha do Castelinho dos Bracher, exatamente para que se compreenda que: da imantação e congregação de pessoas para este espaço, realizada principalmente por Celina Bracher e seu irmão Décio, além dos demais da família, é que surge o cerne, a substância, a essência, o espírito de comunidade que é transmutado e transposto posteriormente em forma de Galeria de Arte. É este espírito comunitário tribalista, o agente gerador e a mola mestra que irá nutrir o entusiasmo e a motivação daqueles jovens para a criação de outro espaço afetivo mais próximo à sociedade local, no coração da cidade. É esse ímpeto, esta chama que alimenta o desígnio de uma missão cultural para estes atores sociais. Artistas e intelectuais de uma geração reuniam-se para pintar (figura 167), debater, conversar sobre as tendências da época, questionar os padrões. Queriam transpor os parâmetros da cultura pasteurizada, em busca de uma identidade coletiva – nova – desafiadora. Queriam o espetáculo da vida real, em contraste com a superficialidade e consumo direcionados pelo sistema.

Fig.167. Pintura ao ar livre. Celina Bracher em pé e à esquerda, ao cavalete está Nívea; ao chão seu irmão Décio Bracher com a esposa Schirley, em pé, mais ao fundo.

Aspiravam por uma simultaneidade de saber cultural – por tudo de mais contundente e inovador que ocorresse em termos de cinema, música, teatro, literatura e artes em geral. Peter 217

Gay (2009) diz que o modernismo, desde sua origem, foi se tornando um “fenômeno cosmopolita”. Conforme o autor, “as principais palavras utilizadas pelos modernistas sejam elas explícitas ou implícitas era alma, símbolo, consciência e liberdade. Os artistas, poetas, intelectuais encontravam-se imbuídos de suas devidas missões culturais” (GAY, 2009, p.64). A família Bracher assim abrigou e incentivou todo este ideário com o espírito de missão cultural na cidade de Juiz de Fora, mas não como um projeto pensado e criado de forma racional com objetivos traçados e planejados criteriosamente – mas com ações impetuosas, corajosas e afetivas, pelo simples ideal de disseminação da cultura e valorização da arte. Foram abrindo as frestas para o pensar, à medida que deixaram abertas as portas do Castelinho à todos aqueles que lá chegassem. Posteriormente, criaram uma fresta maior na comunidade - para o encontro, o debate e a divulgação da arte, no momento em que inauguraram a Galeria de Arte Celina – “uma brecha”, um espaço no centro da cidade aberto às metáforas, encontros, debates e questionamentos. Local onde toda sugestão poderia ser aceita e concretizada: “sem lenço e sem documento...” A crescente articulação institucional da cultura, pela via da empresa ou das agências estatais e o controle político imposto pela censura estimulam a busca de novas alternativas, seja a nível da produção – ali onde seria mais acessível à iniciativa ‘marginal’ como no caso da imprensa, da literatura, de certo teatro-, seja em relação à linguagem. Aqui, toda uma retórica de alusões através de truques e metáforas é desenvolvida, notadamente na música popular [...] Como notou Gilberto Vasconcelos, a cultura passa a ficar de “olho na fresta”, procurando as brechas, o espaço descuidado que permite a malandragem da crítica metaforizada (HOLLANDA,1982, p.96).

Pode-se perguntar então: de onde vem toda esta motivação dos Bracher para a iniciativa da criação da Galeria de Arte Celina? Qual é o ponto de partida para a criação de um espaço de questionamento, debate, reflexão, provocação e liberdade? A inspiração vem da “musa transgressora” – Celina Bracher. A GAC é extensão viva do clima de congregação e de inovação criado por Celina no Castelinho. Após a sua morte, a concretização e continuidade deste espírito acaba por transcender ao próprio espaço – cria-se a galeria, outro espaço “metaforizado”.

218

4 GALERIA DE ARTE CELINA: ESPAÇO DE CRIAÇÃO, AFETOS E UTOPIAS

“Nada escapa à ambiência de uma época, nem mesmo os que creem ser completamente independentes”, assim afirma Michel Maffesoli (2005a, p.105). Ao se aprofundar na história de um lugar, nas memórias partilhadas, nos vestígios encontrados, é possível reconstituir a sensibilidade, a atmosfera daquele ambiente. “A ambiência do tempo e do lugar determinará a atividade e a criação de qualquer artista ou homem: seja a criação de um Bernini ou a microscópica da vida de todos os dias”. O autor, portanto, assinala: “não esqueçamos, o ‘óbvio’ faz a comunidade. A ambiência é de fato matricial” (MAFFESOLI, 2005a, p. 109). A cidade de Juiz de Fora, assim como todo o aparato histórico, político e social do país e do mundo formam elementos constitutivos do celeiro onde germinou a Galeria de Arte Celina. A Galeria em si, também foi propiciadora de uma ambiência na cidade. Desenvolveu-se como um clima cultural em interação com a sociedade local. Michel Maffesoli (2005) complementa: Existem, portanto “climas culturais” aos quais se ajustaram a sombra e a luz, a estática e a dinâmica, para constituir a música específica que banha a atividade e a vida, inexplicáveis sem isso, de cada um. A palavra música permite compreender o aspecto lancinante que tem por vezes esse “espírito do tempo” [...] Assim, numerosas são as situações em que a excitação se espalha passando de um a outro (MAFFESOLI, 2005a, p.110).

Nesta perspectiva, Michel Maffesoli (2005a, p.111) exemplifica a moda enquanto vestuário, imitação, ideologia, linguagem, etc, como tradução do termo “inflação do sentimento” (de Georg Simmel) “suscitada pela atmosfera dominante”. É importante ressaltar que neste contexto dos atores sociais que promoveram e participaram da GAC, houve sim – esta excitação que se espalhou, contagiou e fez vibrar os ânimos para a motivação artística, mas, “a inflação de sentimento” deste grupo desenvolveu-se na ambiência e atmosfera da resistência, da contracultura, de uma rebeldia ingênua e velada, em contraposição ao contexto repressor dominante. Porém, esta atmosfera da rebeldia, é também tradução decorrente do “espírito do tempo”. Pode-se perguntar: que ambiente contagiante seria aquele criado pela Galeria de Arte Celina? As narrativas e os relatos irão compor este universo cultural. Todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço (CERTEAU, 2005, pp. 200-201). São as narrativas que descrevem os percursos e criam vida a espaços relembrados e

219

revisitados nas geografias, em que a fala é capaz de traduzir e trazer à tona, comportamentos “organizadores de territórios”. A GAC pode ser considerada um território artístico-afetivo. Uma galeria, enquanto simples conceituação pode ser descrita por espaço repleto corredores internos ou externos de edifícios que se comunicam, ou até mesmo passagens, passeio, assim como locais onde são expostos objetos de arte com finalidades comerciais ou não. Poderia ser talvez um local no teatro, situado acima, com maior visibilidade, varanda em salas de espetáculo, ou em navios, ou até mesmo comunicações ou conjuntos subterrâneos de ductos e canos para de distribuição de águas, etc. Interessante é observar que a palavra pode significar independente de seu contexto, tanto uma passagem – deslocamento, quanto um local onde concentram pessoas, como no caso das exposições de obras de arte ou teatro, mas de certa forma, haverá mesmo assim - a movimentação e o fluxo contínuo entre elas. É um território de intercâmbios. Estes territórios encontrados, construídos, vivenciados, que se formam afetivamente, decorrentes dos comportamentos e afinidades conjuntas, delimitam um lugar, um espaço afetivo – como célula de um organismo vivo. Uma célula atuante na vida de Juiz de Fora. A Galeria de Arte Celina, em seu pleno exercício de atividades é esta célula dinâmica, pertencente ao organismo interativo da comunidade juiz-forana, nos anos de 1965 a 1974. Célula, esta, que nutriu o ideário cultural e artístico, produziu energia, conhecimento: produziu arte. Espaço de resistência – onde a efervescência e a ebulição da juventude trazem uma verdadeira oxigenação, um novo ânimo, à atmosfera repressiva daqueles anos de chumbo. Acham uma brecha para reagir, mesmo que de uma forma artística. Os fluxos, a movimentação de pessoas e de ideias, a congregação e a espontaneidade, longe de preconceitos, são provenientes da célula-mater: o Castelinho dos Bracher. A capacidade criativa, de idealização, de ação e implementação é proveniente da família Bracher. A inspiração para o surgimento deste espaço, deste território vivo na memória da cidade, vem de Celina Bracher. “Quem sabe faz a hora/Não espera acontecer”211. Os Bracher não esperaram juntos a amigos, a grupos de artistas e intelectuais – juntos à comunidade – fizeram acontecer. A GAC aconteceu e foi “geradora de acontecimentos”. O intercâmbio entre Galeria e comunidade, entre Galeria e cidade, pode ser pensado enquanto sistema em uma teia evolutiva, com dinâmicas próprias, entre organismos vivos que se complementam e interagem: interferem e se influenciam em uma rede cultural. Pode-se 211

Trecho da música de Geraldo Vandré: “Pra não Dizer que não Falei das Flores” de 1968, que participou do III Festival Internacional da Canção. A composição se tornou um hino de resistência, em oposição à ditadura durante o governo militar, e foi censurada.

220

situar a Galeria de Arte Celina como um ecossistema-estético-artístico capaz de nutrir, “como elemento alimentício”, o contexto cultural, como também ser um “devorador nesta tessitura sistêmica” (ANPAP212, 2013): Ecossistemas são produtos de uma longa, lenta, laboriosa e delicada maturação que nunca está finalizada. Ecossistemas artísticos podem ser pensados como processos, dinâmicas, mobilidades, equilíbrios precários, organicidades tênues; inteligências em constante estado de adaptabilidade, conluios do aleatório com o intencional, demo/grafias artísticas, eco artísticas (ANPAP, 2013).

Essa perspectiva permite uma reflexão sobre diversos “modos camaleônicos do ser e do estar das artes visuais em seu campo ampliado ou emancipado” (ANPAP, 2013). Possibilita pensar um espaço como um lugar-organismo em plena coexistência com demais espaços, cujos fluxos criativos e interações são capazes transformar e de produzir cultura. “Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar” (TUAN, 1983, p.83). A GAC se configura como uma pequena aldeia: lugar de encontro da multiplicidade de pontos de vista sociais, artísticos e políticos – como espaço de liberdade de pensamento, de criação e expressão – um centro de imanências. Ali houve o exercício do debate: o exercício da resistência, em tempos difíceis da ditadura. O encantamento com as exposições, as exibições de cinema e de teatro, os cursos, promoveram o despertar de olhares para a arte, também para aqueles jovens ainda circunscritos aos seus cotidianos regionais, e que não possuíam a possibilidade de participar de uma vida cultural nas capitais do país. Houve um “culto” à liberdade e à criatividade artística em comunidade. Segundo Nívea Bracher (2012), a “Galeria de Arte Celina era o nosso Santuário”. Pode-se dizer que esta Galeria foi para aquele público, para aquela juventude, um Santuário Cultural. Michel Maffesoli (2005a, pp.117-120) afirma que na prática cotidiana do estar-junto e seus ritos sociais, Émile Durkheim compreendera a existência de “ritos sem deuses”, que expressam o “divino social”, a partir da constatação fundamentada em investigação histórica, que o leva a reforçar que as “relações culturais” são fundamento de toda a vida em sociedade. Sob esta perspectiva. A GAC pode ser pensada como Santuário Cultural, cuja ritualística simples do cotidiano, da comunicação proxêmica, capaz de fortalecer elos, de “recentrar a atenção no próximo” e em si mesmos, serviu para “revigorar as consciências” – produzir e disseminar cultura. 212

APRESENTAÇÃO. 22º Encontro Nacional da ANPAP. Belém – PA, 2013. Disponível em: Acesso em: 02 de outubro de 2014.

221

Conforme Décio Bracher213 (2010), a GAC poderia ser chamada de “Centro Cultural Espontâneo”, espaço de congraçamento, convergência cultural e artística. Havia valorização e incentivo a todas as linguagens e demais artistas da época, sem restrições. Neste depoimento ele comenta: “era um espaço não excludente, e sim de congregação”. Quando Michel Maffesoli (2005a, pp.113-114) considera o clã como grupo de base de toda a sociedade e cita Durkheim, que ressalta o clã como “comunhão de consciências” favorecida por elementos imateriais, mas que pela – perspectiva institucional – apresenta-se com falta de “consistência”, pode-se afirmar que a GAC expressa os atributos de referência a este tipo de clã. Para tal, o autor descreve que a autoridade é pouco centralizada (tônica percebida na gestão da Galeria), e através do nomadismo, o território, torna-se pouco delimitado. Sob esta perspectiva pode-se relembrar a trajetória e movimentação dos Bracher por alguns territórios: com o grupo inicial constituído na Rua Bernardo Mascarenhas; depois com o grupo maior e mais consolidado, formado no Castelinho, que se expandia ao sair às ruas para pintar; e que logo a seguir, se desloca para o espaço da GAC propriamente dito. Esta Galeria também se configurou como espaço pouco delimitado – suas margens interagiam simultaneamente, por períodos, com o Centro de Estudos Cinematográficos – CEC/JF, com o Núcleo Mineiro de Escritores – NUME, com a Orquestra Filarmônica e o Coral Pio XII. Houve uma conformação natural e espontânea de pessoas e, sobretudo, a “comunhão destas consciências” na ambiência da arte. “O tribalismo só pode (re) nascer quando a ambiência impõe-se à razão. Por favorecer o imaginário, o lúdico, o onírico coletivo, ela reforça os microagrupamentos. Funciona, enfim como moldura que os protege e realça” (MAFFESOLI, 2005a, p.112). A GAC proporcionou todos estes aspectos que reforçaram os grupos, ou seja, os “microagrupamentos” da cidade de Juiz de Fora que partilhavam da arte, de suas discussões e de um imaginário coletivo, em uma atmosfera de receptividade. Era um espaço onde as pessoas sentiam-se bem, como em sua segunda casa. A GAC funcionou como refúgio lúdico para uma almejada liberdade sonhada. A Galeria atuou não só, como uma moldura de realce, mas como uma moldura aberta, de um quadro completamente dinâmico, cuja paisagem delineava a cada instante, uma aldeia interativa em transformação. Como este espaço mítico pode ser analisado, naquele período, em termos de visão de mercado?

213

Entrevista com Décio Bracher em 18 de agosto de 2010, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

222

Conforme Diva Benevides Pinho (1989, pp.135-137) ao se abordar a temática do mercado brasileiro de arte, a tendência expansionista que houve em diversas capitais do país apresentam como destaque, o eixo São Paulo-Rio de Janeiro, principalmente no investimento em pintura. O fluxo de oferta e procura de obras de arte se diluía entre os marchands estabelecidos em galerias; os freelancers; o número considerável de artistas que vendiam suas obras diretamente aos interessados e investidores; as feiras; os salões de arte, em regiões interioranas no país; os salões nacionais e os leilões. Esta dinâmica mercadológica distinguia as “galerias de arte, ao contrário dos salões”, como um “mercado contínuo em local permanente”. Esta visão de mercado não se aplica à Galeria de Arte Celina, que foi concebida primeiramente como prolongamento do idealismo de se instaurar um espaço de convivência, de exposição e de manifestação da arte para a cidade. O desencadeamento das atividades, a ebulição que houve foi tanta, que ultrapassou por completo, um mero sonho singelo dos irmãos Bracher, para ser uma Galeria utópica. As relações de uma galeria com o espaço não são fruto do acaso. O projeto arquitetônico e a sua localização no espaço urbano, tendem a separar fisicamente o profano – e o – sagrado (VELTHUIS, 2005 apud MOREAU; SAGOT-DUVAROUX, p.47). A arquitetura interior de uma galeria procura conciliar estes antagonismos entre os espaços. Enquanto o espaço principal da galeria é dedicado ao discurso artístico e legitimação das obras, o espaço posterior é reservado aos negócios (MOREAU; SAGOT-DUVAROUX, p.47). Na Galeria de Arte Celina, não houve esta separação: todos os eventos que lá ocorriam eram integrados em um único espaço multimidiático. A configuração do espaço, de certa forma improvisada, permitia a convivência entre as exposições de artes plásticas, com o cinema, o teatro, cursos, poesia e música em um mesmo ambiente. Para os irmãos Bracher, ali se expressava o caráter genuinamente – sagrado – da criação e expressão artística. “O galerista trabalha na intersecção entre dois mundos: o mundo da inspiração e o mundo comercial” (CHIAPELLO, 1998 apud MOREAU; SAGOT-DUVAROUX, p.47). Na GAC não existia a figura do galerista, nem do marchand, sob o aspecto comercial. Este não era o objetivo. Fundamentalmente, o espaço aberto pelos artistas da família Bracher, tornouos “promotores e produtores de cultura” em Juiz de Fora. Este espaço mítico foi utópico também por se manter durante quase 10 anos de atividades, financiados com muitas dificuldades, pela família Bracher. A dedicação dos pais, Waldemar e Hermengarda, foi fundamental. Dias e dias, Hermengarda mantinha aberta a Galeria, em momentos que se alternavam com os filhos, outros artistas e amigos. Esta foi a concretização natural, voluntária 223

e espontânea de uma comunidade – uma verdadeira família artística – não composta somente por artistas, mas principalmente por idealistas apaixonados pela arte. Os Bracher trabalharam unicamente no mundo da inspiração, iluminados pela atmosfera cultural. 4.1 A criação da Galeria de Arte Celina - GAC A Galeria de Arte Celina torna-se marco cultural para Juiz de Fora, fundada em 18 de dezembro de 1965 pela família Bracher (figura 168). Os irmãos artistas Décio, Nívea e Carlos Bracher, com o apoio de seus pais Waldemar e Hermengarda inauguram a primeira Galeria de Arte da região. O nome escolhido para o espaço homenageia a irmã e filha mais velha entre os irmãos, Celina, falecida em 07 de março daquele mesmo ano. Considerada um centro aglutinador de ideário mais moderno e contestador, proporcionou a formação de um olhar estético diferenciado para um público, cujo interesse abria-se às artes plásticas, cinema, música, literatura, teatro, happenings, debates e cursos.

Fig. 168. Convite de inauguração da GAC.

A criação da GAC (figura 169) faz com que Juiz de Fora respire os ares da modernidade. Situada no segundo andar da Galeria Pio X, em um edifício construído na década de 30, (tombado pelo Patrimônio Histórico), a Galeria de Arte Celina ocupava cerca de 109 m². A localização era privilegiada: esquina com a parte central da Rua Halfeld, local em que os eventos ganhavam grande repercussão. Criara-se na cidade um vórtice cultural com ares da modernidade. A ideia de moderno pode ser compreendida como “ideia fora do lugar”, segundo Eduardo Jardim - estudioso do Modernismo brasileiro. Ele aborda dois períodos para o Modernismo: no primeiro “é uma ideia fora do lugar expressa como projeto”, posteriormente, 224

no segundo período, o “modernismo-meta” chega como uma “mentalidade cultural que percebe o modernismo como vontade de construção nacional” (ORTIZ, 2006, pp.34-35).

Fig 169. Montagem feita com fotos do edifício, da Galeria Pio X, que abrigou a GAC. As setas verdes indicam as janelas da Galeria de Arte.

Renato Ortiz (2006, p.32) assinala que esta “noção de modernidade está ‘fora do lugar’ na medida em que o Modernismo ocorre no Brasil sem modernização”. Para Néstor Canclini (2006) há sim, o peso de uma herança colonial em que o moderno se agrega a “valores como progresso e civilização”. Surge inevitavelmente um ponto de vista que valoriza a preocupação constante do brasileiro em relação aos estrangeiros, sobre o que eles estariam pensando a nosso respeito. Claro reflexo de “uma dependência aos valores europeus, mas revela o esforço de se esculpir um retrato do Brasil condizente com o imaginário civilizado”. Desta forma, Néstor Canclini (2006, pp.67-87) complementa ao dizer que o que nos diferencia do modernismo europeu é o “acriticismo”, oscilante entre o conservadorismo e o sentimento nacionalista, permissivos a uma modernização assumida sem questionamento. Diz ou autor: A hipótese mais reiterada na literatura sobre a modernidade latino-americana pode ser resumida assim: tivemos um modernismo exuberante com uma modernização deficiente [...] Praticamente a única dinâmica social que se tenta entender na literatura crítica sobre a arte e a cultura dos anos 60 e início dos anos 70, é a da dependência. A reorganização que estava sendo produzida desde duas ou três décadas antes nos campos culturais e em suas relações com a sociedade foi relegada (CANCLINI, 2006, pp.67-87).

225

Abre-se um “sol de dezembro”214 no ideário dos intelectuais e artistas - em que é proibido proibir. Jovens que vivenciam um “tempo das tribos”, conceito utilizado por Michel Maffesoli (2010). Fase de rebeldia, questionamentos, a favor de uma cultura ou de uma contracultura que condensasse os anseios de nadar contra a correnteza da ditadura, observando as pequenas frestas que surgissem. O depoimento do professor Héliode Almeida Fernandes215 (2010) que manteve contato com a família Bracher até abril de 2011, revela claramente a motivação do ideário da época, configurado em forma de Galeria: A Galeria Celina foi uma decorrência natural de quatro fatores simultâneos: a) a agitação cultural em que vivia um pequeno grupo de jovens da cidade; b) uma resposta inconsciente contra os desmandos da ditadura militar, ou seja, uma forma superior de confrontar valores; c) um reflexo das transformações culturais da década de 1960, em curso no mundo inteiro; d) uma espécie de facilitador para a assimilação da incompreensível e prematura morte da Celina [...] a Galeria Celina não se limitou a promover exposições, sua função natural. O teatro também foi contemplado – como, por exemplo, a produção do Coronel de Macambira, o Romanceiro da Inconfidência (FERNANDES, H. A., 2010).

Este espaço agregou a sede da Orquestra Filarmônica, o Núcleo Mineiro de Escritores e o Centro de Estudos Cinematográficos – CEC/JF – que promovia a exibição de filmes recém-lançados na Europa. Estas iniciativas possibilitaram à cidade, de maneira impensável, que esta se tornasse um polo difusor e receptor das vibrações culturais disseminadas pela Europa, graças ao pioneirismo destes jovens artistas. Olívio Tavares de Araújo216, crítico de arte, curador, esteve presente em alguns eventos e palestras da GAC e comenta em entrevista: O fato mais relevante relacionado à Galeria Celina é a própria existência dela - uma coisa tão surpreendente e significativa que todo o resto empalidece. Naquela época, não havia espaço nem em cidades como Belo Horizonte para iniciativas culturais desse tipo, imagine só em Juiz de Fora. Mercado de arte propriamente dito era coisa incipiente em todo o país. Não se vendia obra fora do Rio e São Paulo. Aliás, a Galeria Celina não se propunha vender coisa nenhuma e, sim, ser um ambiente de exposição, conversa e proveito intelectual, e com certeza deu despesas e não lucro aos Bracher. Claro que foi um polo difusor de cultura, não só o único na cidade, mas um dos pouquíssimos em Minas. Também em Belo Horizonte, com perfil semelhante, só posso lembrar a Galeria Guignard, criada na mesma época, ou até pouco depois (ARAÚJO, 2011).

214

Termo retirado da música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso. Entrevista com o professor Hélio de Almeida Fernandes, em 13 de setembro de 2010, Juiz de Fora. 216 Entrevista com Olívio Tavares de Araújo, em julho de 2011, São Paulo [via e-mail]. 215

226

Este é o diferencial que se percebe em relação às demais galerias de arte existentes. Sobre o envolvimento da família nesta concretização, Olívio Tavares (2011) complementa: Toda a família era igualmente “louca” e contribuía para o sucesso da Galeria Celina, inclusive os pais de Carlinhos e Nívea, que - por exemplo hospedavam os “conferencistas”. Por ser o mais novo, Carlinhos talvez fosse o mais visível e engajado, mas acho que Nívea estava igualmente no coração do movimento. A Fani Bracher que já era namorada do Carlinhos dava a maior força (ARAÚJO, 2011).

A Galeria Celina (figura 170) era uma associação civil, sem fins lucrativos. Considerada uma entidade cultural de divulgação das artes plásticas, cinema, teatro, música e literatura, foi reconhecida como Utilidade Pública no Estado, conforme Lei n.º 4 497/67, no Município, sob a Lei n.º 2 633/66 e registrada no Conselho Nacional de Serviço Social, sob o n.º 7 042/67.

Fig 170. Logomarca da GAC – letras iniciais, em ferro fundido. Idealização e concretização de Waldemar Bracher.

Nívea Bracher em 21 de abril de 2013, realizou um esboço rápido em um guardanapo de papel, (figura 171 e 172) demonstrando a formatação do espaço que, apesar de pequeno, foi muito bem aproveitado e permitia diversas transformações. A GAC era um espaço que possibilitava cursos, palestras, exposições, performances, instalações, cinema (com telão móvel), teatro de arena (com tablado móvel), considerado por ela como um “Multi Espaço”. Ela prosseguia com a descrição dizendo que, ao subir a escada de acesso ao 2º andar para chegar à GAC, existia uma escada em caracol. Havia um corredor pequeno, denominado por ela de “coxia”, que dava acesso ao salão de exposições, onde tudo acontecia (do lado esquerdo) e também a uma pequena portinha o “guarda-móveis” (onde eram guardas as cadeiras e outros materiais, também à esquerda). Este corredor pequeno, “coxia” dava acesso também ao banheiro. Caminhando por esta “coxia”, mais à direita havia um espaço utilizado 227

como biblioteca (onde o público poderia ver alguns livros e revistas) e escritório. Neste local, havia um “espaço menor e perfeito”, segundo ela, que cabia a máquina de projeção, em um ângulo que permitia mais à frente, projetar os filmes, através da “coxia”, atravessando a abertura que havia na outra parede do salão principal de exposições e que – de uma forma precisa, a projeção acontecia com perfeição no telão móvel à distância – logo à frente, na parede ao fundo deste salão.

Fig.171. Esboço da planta baixa da GAC em guardanapo feito por Nívea Bracher, 21/04/2013.

Fig. 172. Esquema baseado em esboço de memória de Nívea Bracher-GAC, realizado por Cláudia Matos Pereira, 2014.

228

O telão móvel, por sua vez, idealizado por Décio, Carlos e ela, era móvel, projetado com uma armação, um pano preto ao fundo da tela branca - subia e descia com facilidade, na parede onde ficava a janela para a Rua Halfeld. Nívea Bracher217 descreve, inclusive, que havia uma abertura na parede que facilitava toda esta mobilização ágil. A tela desceria em momentos de projeção de filmes, de slides, de projeção de imagens com slides para cenários de teatro, assim como para performances como, os eventos Collage 66. Tiveram, curiosamente, uma ideia pioneira em certa ocasião, de realizar projeções de dentro da Galeria para fora, de forma que as pessoas que passassem no Calçadão da Rua Halfeld vissem os efeitos visuais, acompanhados de som bem alto. Na GAC, a cada momento, com uma exposição acontecendo, poderia haver uma encenação de teatro, com tablado móvel e cadeiras a volta, ou poderia haver um curso, ou projeção de filmes e debates; ou poderia haver show de música, exposição e lançamentos de livros – tudo poderia acontecer. Para aquela juventude, incentivada pelos Bracher, tudo se tornava possível de realizar em termos culturais – naquela época. Este espaço, pela maleabilidade e proximidade que possibilitava às pessoas de interagir, além de sua dinâmica de constantes mudanças, era um espaço de metamorfose e criatividade. Esteve em pleno funcionamento desde 1965 a 1974 e seu encerramento ocorre em 1975, conforme lauda218 encontrada no acervo da família, datilografada e assinada por Décio Lopes no ano de 1977 (ver Anexo). Os irmãos Bracher e parentes não se recordavam com precisão, a data de encerramento, porém este documento revela apenas o ano em que as atividades tiveram fim. Vale ressaltar que foi realizada uma busca no Jornal Diário Mercantil, em todo o ano de 1975, por notícias ou notas que evidenciassem alguma atividade da Galeria ou que anunciassem seu fechamento, porém nada foi encontrado. Como dizia Nívea Bracher219 (2010d), a GAC não acabou, “virou purpurina”. Com a determinação comparável à de Glauber Rocha cujo lema era “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, este grupo imbuído de intenso vigor partia para a produção cultural, com os mínimos recursos disponíveis. Assim, uma lata de Neston transformava-se em spot de luz para iluminar quadros e obras (figura 173). 217

É importante ressaltar que o esboço que Nívea Bracher fez da GAC, em seu leito no Hospital Albert Sabin, poderá não estar preciso. Não foi feito dentro das proporções corretas de uma planta baixa realizada com medidas reais, assim como a figura seguinte, de esquema baseado neste esboço de guardanapo (realizado pela pesquisadora), também faz alusão ao esboço, sem compromisso algum com as medidas e divisórias reais. O local do banheiro foi descrito, porém não escrito por ela dentro do espaço, por isso aparece com uma interrogação.Esta é uma planta simbólica de um espaço vivo na memória dos Bracher. 218 Documento que faz parte do acervo da família Bracher, encontrado em 2013 e cedido para esta pesquisa. 219 Entrevista com Nívea Bracher, em 28 de agosto de 2010d, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

229

Fig. 173. Um exemplar de spot feito com lata de Neston e que foi usado na GAC.

Uma ideia na cabeça, algumas latas de Neston e um espaço – assim criava-se uma Galeria de Arte. 4.2 Eventos na GAC Conforme o Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina220 organizado e redigido por Carlos Bracher, de janeiro de 1966 a julho de 1967, naquela época, Juiz de Fora era a segunda cidade de Minas, com cerca de 220 mil habitantes, centro industrial, comercial e estudantil de grande evidência que servia a ampla região do Estado. Possuía já uma Universidade Federal, a UFJF, e um dos mais importantes acervos históricos culturais do país: o do Museu Mariano Procópio.Integrada na vida da cidade, como dinâmico centro cultural, a Galeria de Arte Celina, GAC, desenvolvia um movimento abrangendo as Artes Plásticas, Cinema, Teatro, e colaborava no setor literário e musical da comunidade com excelente participação do público. “Em um ano e meio realizou 228 promoções de ‘elevado gabarito’, desde exposições internacionais, de Picasso, Morandi, Chagall, aos grandes nomes nacionais: Di Cavalcanti, Guignard, Pancetti, Scliar, além de valores locais” (BRACHER, C., 1967). Promoveu dois Cursos de Arte com: o crítico Frederico Morais e com o diretor do Museu de Ouro Preto, Orlandino Seitas Fernandes. Um completo Curso de Cinema, com a parceria do Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC/MG) e de Juiz de Fora (CEC/JF), com participação de 18 professores, sociólogos, críticos, cineastas, como: 220

O Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina, redigido por Carlos Bracher (1966 a 1968), foi entregue em mãos, à pesquisadora, para desenvolvimento de estudos e realização desta tese, por Nívea Bracher em 28 de agosto de 2010, em Juiz de Fora, no Castelinho dos Bracher.

230

Luciano Gusmão, Salvyano Cavalcanti Paiva, Alex Viany, Gustavo Dahl, num total de 168 aulas ilustradas por 1.800 slides. Foram vistas 164 películas da evolução cinematográfica, desde as primeiras experiências de 1895 aos nossos dias, com filmes da importância dos clássicos americanos. A Turba, Lírio Partido; do raro Lousiana Story; Une Partie de Campagne; os expressionistas alemães; A Terra, A Mãe e Que Viva o México, de Eisenstein. Foram realizadas 48 apresentações teatrais em Juiz de Fora, 11 em cidades do “ciclo do ouro” e Estado do Rio. Apresentou Liberdade, Liberdade, espetáculo de Paulo Autran para 3.200 pessoas. Realizou conferências de arte, Festivais de Cinema, Americano, Francês, Buster Keaton, além de 119 sessões de 2.354 filmes de vários países e filmes nacionais. A GAC foi laureada com a “Dúzia de Ouro” como uma das entidades que mais se destacaram no setor de Arte e Cultura, em Juiz de Fora. Pleiteava a transformação em Fundação Cultural: forma adequada à multiplicidade das atividades que realizava. Segundo Carlos Bracher, ainda neste relatório, a GAC tinha por planos: manter o alto gabarito de promoções; adquirir terreno e construir sede própria; criar o Museu de Arte da Cidade; ampliar a Biblioteca, Discoteca e Acervo; incentivar as artes locais e dinamizar o intercâmbio cultural com outras cidades – contribuindo, desta forma, na difusão da cultura. Apresenta-se, a seguir, uma visão panorâmica da Galeria de Arte Celina, de sua aura simbólica, com alguns eventos de maior repercussão. Há também no Anexo desta pesquisa, uma visão esquemática, mais quantitativa, com todas as atividades realizadas na GAC, (que se tem conhecimento), a partir de sua primeira exposição inaugural (de 18 de dezembro de 1965) e de janeiro de 1966, até 1974-1975. Desta forma, será possível realizar uma breve imersão em toda aquela dinâmica acirrada e perceptível, logo nos primeiros anos de funcionamento da Galeria (figura 174). Sua cronologia de eventos está descrita detalhadamente no referido Anexo. Não se trata de expor uma simples e cansativa lista de atividades, mas de possibilitar a visão de tudo que permeou o pensamento intelectual e artístico daquela geração e de apresentar este celeiro propiciador do start nas carreiras de vários brasileiros, como também, revelar o magnetismo e carisma da Galeria em ter atraído e congregado, para a realização de seus eventos, importantes figuras de expressão cultural de nosso país. O Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina, de janeiro de 1966 a dezembro de 1968, foi redigido por Carlos Bracher e cedido por ele, em colaboração com esta pesquisa. Embora este relatório tenha sido utilizado, por ser mais completo, a pesquisa destes três anos

231

mencionados, desde 18 de dezembro de 1965 a dezembro de 1968, também foi realizada nos exemplares do Jornal Diário Mercantil, para busca de imagens e dados específicos. Para realizar a investigação dos eventos de 1969 a 1975, foi necessário pesquisar o Jornal O Sete (com breve edição somente em 1970) e o Jornal Diário Mercantil – DM, não só para verificar a dinâmica das atividades, mas também com o intuito de se obter imagens das exposições e do espaço da Galeria, pois a família, infelizmente, não possuía fotografias da GAC, nem de seus episódios. Foi uma longa pesquisa de eventos da GAC, por 10 anos no Jornal Diário Mercantil, até 1975, sendo que neste período da investigação, este Jornal não havia sido microfilmado. Parte do acervo da família, a que tive acesso, possui alguns jornais, convites de exposições, cartazes, folders, catálogos e imagens que auxiliam a recuperação desta memória. Houve também uma intensa busca aos ‘livros de assinatura da GAC’, em que seria possível verificar os eventos, com as datas precisas e assinaturas dos frequentadores. Isto seria extremamente enriquecedor, pois possibilitaria identificar pessoas ainda vivas para entrevistas, como também verificar o fluxo dos eventos, número de participantes e demais dados da época. Infelizmente estes livros não foram encontrados durante os 5 anos desta pesquisa, 2010 a 2015. Dadas as dificuldades de acesso a um depósito espalhado, aos problemas de saúde e de idade avançada de Décio e Nívea Bracher, isso não foi possível. É importante ressaltar que ambos os irmãos, assim como Paulo e Carlos Bracher foram muito ativos na colaboração e no fornecimento de dados para esta pesquisa.

Fig. 174. Interior da GAC. Exposição de Carlos Bracher, janeiro de 1968.

232

A partir de dezembro de1968, a familia Bracher não registrou mais nenhuma atividade da GAC em relatório, até seu fechamento. Carlos Bracher foi para a Europa, devido a seu Prêmio de Viagem, logo após Nívea Bracher recebe a bolsa para a França em 1969 e também viaja. Décio Bracher muda-se para o Rio de Janeiro para lecionar na UFRJ no mesmo ano. A GAC fica “um pouco órfã” destes irmãos, mas os pais Waldemar e Hermengarda Bracher, dão continuidade aos projetos e vão mantendo Galeria, nutrindo aquele sonho dos filhos, aguardando seu retorno, mas também tinham a consciência de que aquele Espaço devia permanecer reavivando a cultura da cidade. Contaram com a ajuda de vários amigos e apaixonados pela arte, a quem eram muito gratos e que, assim como eles, trabalharam por amor. Neusa Dutra221é uma destas pessoas e, em depoimento, relata que realizou um trabalho conjunto com seu marido, Décio Lopes na GAC, atuando como secretária, em um período em que ele geriu a GAC como curador, sob a supervisão de Waldemar Bracher. A participação de ambos teve início em junho de 1970, aproximadamente, até maio de 1973, período em que estiveram à frente na Galeria. O interesse do casal pela GAC surge a partir do conhecimento da efervescência cultural provocada pelo espaço, desde a década de 1960, como também pela localização tão próxima ao CEC/JF, onde Décio Lopes foi presidente e pelos laços de afetividade com os Bracher. Ela afirma: Trouxemos uma mostra de xilo e reproduções de importantes artistas não só da França, mas de toda a Europa. Um nome que me vem à cabeça é do Dürer, entre tantos outros do mesmo nível. Junto a estas mostras exibíamos curtas sobre estes mesmo artistas – sua vida e obra (DUTRA, 2014).

Foram estas mostras, complementa Neusa Dutra (2014), que trouxeram um renovado público jovem de estudantes e artistas que andavam meio perdidos. A reunião destes artistas plásticos (ainda iniciantes) com os pintores mais velhos e experientes – “trouxe novamente às salas da GAC uma fusão de cabeças pensantes juiz-foranas que lá se reuniam e discutiam a estética política-cultural da cidade, do Brasil e do mundo”. Estas reuniões eram informais e provocadas pelas exibições dos tais curtas e filmes europeus que tinham a assinatura de grandes cineastas e, conforme Neusa Dutra relembra, o resultado destes debates foi uma nova explosão cultural na cidade onde “os frequentadores eram alunos e professores da UFJF reunidos a pessoas simples, mas antenadas”. Era um público variado. Ela revela: “devo ressaltar – com orgulho – que este trabalho ajudou a formar culturalmente muitos professores de hoje da UFJF; médicos importantes de nossa sociedade, engenheiros com outra visão de 221

Entrevista com Neusa Dutra Pereira, (mais conhecida na cidade como Neusa Dutra), em 17 de novembro de 2014, [via e-mail].

233

suas técnicas, etc, etc...” A GAC, a partir deste momento, toma novo fôlego. Neusa Dutra reflete sobre o trabalho realizado: Com esta ebulição nas salas da GAC, eu e Décio Lopes começamos a promover exposições individuais dos artistas plásticos de JF, que nunca haviam tido a oportunidade de mostrar os seus trabalhos ao público. Foram assim as primeiras exposições de pintores – hoje consagrados nacional e internacionalmente – como Dnar Rocha, Wandyr Ramos, Renato Stehling, Arlindo Daibert, Sérgio Macedo (O Transpa), Markus Kamil, Fernando Pitta, etc, etc... Foi este trabalho que contribuiu com formação de um mercado comprador juiz-forano: os colecionadores das obras. Este é um trabalho que eu debito como muito importante, porque também divulgador das mesmas obras (DUTRA, 2014).

Assim, Neusa Dutra (2014) considera que Galeria de Arte Celina, representou para a cidade a importantíssima fusão de todas as artes e conhecimentos, como teatro, música, cinema, literatura, o que “gerou a ‘explosão’ cultural, repercutida em toda a cidade e na UFJF, e que transformou uma Galeria em Centro Cultural de fomentação e exposição”. Ela ressalta que toda esta “agitação” com jovens, intelectuais barbudos, onde as “moças” ficavam até tarde discutindo cultura e política, “numa cidade provinciana como a nossa, despertava suspeitas entre as ‘autoridades’ e mães de família. Estávamos em plena Era do Chumbo”. Ela crê que o respeito que a família Bracher conquistara, ao longo dos anos, impediu uma possível ação policial e relembra que a polícia nunca apareceu por lá. Ao final de seu relato, revela: “a Galeria Celina era tão entranhada em nossas vidas que o nosso casamento foi realizado em uma de suas salas”. Rogério Bitarelli Medeiros, que era presidente do CEC nesta ocasião, também manteve intensa parceria cotidiana com a GAC, promovendo exibições de filmes, palestras e debates sobre cinema na Galeria, ajudando a manter viva a chama da juventude cinéfila, no período de 1968 a 1971. Em 1970, redigia no Jornal O Sete, as novidades e notícias da GAC. Toda esta engrenagem promovida pela GAC é uma parte da história cultural e artística, ainda não escrita, e que merece ser saboreada, em um caminhar “sem lenço e sem documento”222 com “nada no bolso ou nas mãos”, mas com “os olhos cheios de cores”. 4.2.1 Alguns eventos de grande repercussão Nívea Bracher, em seus diversos depoimentos, assinalava alguns eventos com maior ênfase como: o Collage 66, as peças: Romanceiro da Inconfidência, Liberdade, Liberdade e 222

Trechos da música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso.

234

O Zoo, assim como entrelaçamento da Galeria com cultura popular, através de sua participação como ala da Escola de Samba Turunas do Riachuelo, que serão abordados nos próximos itens. Diversas exposições nacionais, cursos e exposições internacionais, de grande relevância, eram também relembradas, porém só alguns eventos, cujas imagens são mais simbólicas, que foram encontradas em jornais ou no acervo familiar, servirão como rápidos flashes para se ter uma visualização da Galeria de Arte Celina naquele período, como uma pequena amostragem de acontecimentos. A totalidade de eventos ocorridos na GAC, encontram-se relacionados no Anexo. 4.2.1.1 Eventos nacionais e internacionais: pequena amostra simbólica Neste item, poucos são os cursos e exposições apresentadas, mas trata-se de demonstrar a aura significativa deste espaço naquela época. Um Curso de Barroco foi realizado na GAC, com 20 aulas ilustradas por slides, filmes e pesquisas realizadas com os alunos nas cidades históricas em maio e junho de 1966, com o crítico Frederico Morais (figura 175). O Curso de Arte Moderna: do Impressionismo à Arte de Vanguarda, com o crítico Pierre Santos, contava com 100 alunos, para 6 palestras/módulos elaboradas (figura 176). Ele também ministrou outro curso na GAC, com dois módulos temáticos: Dürer, sua pintura e pintores de seu tempo; Dürer e sua gravura. Ambos os cursos conferiram certificados aos alunos.

Fig 175. À esquerda, Curso de Barroco na GAC, com Frederico Morais, crítico de arte, em maio de 1966. Fig.176. À direita: Curso de Arte Moderna: do Impressionismo à Arte de Vanguarda, com o crítico Pierre Santos, em junho/julho de 1972.

A Exposição de Afrescos e Ícones medievais da Iugoslávia na GAC, em julho de 1966, contou com público interessado e com as presenças do Adido Cultural e secretário da

235

Embaixada, com o Reitor da UFJF e do Diretor do Departamento de Educação e Cultura da Universidade (figuras 177 e 178). Como anfitriões: o casal Fani e Carlos Bracher.

Fig.177. Inauguração da mostra Afrescos e Ícones medievais da Iugoslávia, em julho de 1966. Figura 178. GAC traz arte iugoslava a Juiz de Fora, 1966.

A Exposição de 40 gravuras nacionais e estrangeiras do MAC da USP realizou-se na GAC, em agosto de 67, conforme folder na página seguinte (figura 180). Dentre as gravuras de artistas internacionais, ressalta-se a participação de Picasso, Chagal e Morandi. A inauguração contou com um grande público na Galeria (figura 179). Destaca-se na primeira foto superior da GAC, à esquerda, a presença de Hermengarda Bracher, sentada ao lado de dois convidados.

Fig.179. Montagem - Exposição de 40 gravuras nacionais e estrangeiras do MAC da USP e imagens da GAC, julho de 1967.

236

Fig.180. Exposição de 40 gravuras nacionais e estrangeiras do MAC da USP, em agosto de 1967. Texto de Walter Zanini, Diretor do MAC.

O folder da exposição Di Cavalcanti (figura 181) anuncia a mostra do artista na GAC, com 50 desenhos e guaches, de 04 a 15 de setembro de 1967; assim como outros eventos, esta foi uma exposição de destaque para a cidade.

Fig.181. Exposição Di Cavalcanti na GAC.

237

É importante ressaltar que no ano de 1967, Carlos Bracher, após ganhar o Prêmio de Viagem, realizou uma grande exposição na GAC, que aqui não se encontra em destaque, pois está descrita no item 3.4, dedicado ao artista (figuras 104 a 106 e 174). A Exposição de miniaturas na GAC, do artista Michel Confort, em novembro de 1968, despertou curiosidade no público da Galeria, por ter uma expressividade muito singular (figura 182).

Fig. 182. Exposição de miniaturas de Michel Confort na GAC, novembro de 1968.

GAC mostra Gravuras Holandesas – era notícia o Jornal DM de 09 de maio de 1969, com texto de José Luiz Ribeiro, que comentava dados biográficos de Rembrandt e a seguir convidava o público para a mostra na Galeria até dia 31 de maio daquele ano. O convite para a exposição (figura 183) foi encontrado e faz parte do acervo dos Bracher.

Fig.183. Montagem. À esquerda, GAC mostra Gravuras Holandesas. À direita, convite de exposição das Gravuras Holandesas dos séculos XVI, XVII e XVIII.

238

O Jornal O Sete estava sempre atento às atividades culturais e promoções da GAC e em junho de 1970, divulgou a vernissage de uma Exposição de 50 artistas locais (figura 184).

Fig.184. Vernissage na GAC. 50 pintores locais. Jornal O Sete, JF, 06/12 de Junho. 1970. n.º 2. Ano I.

Carlos Bracher retornou ao Brasil, após seu período na Europa, devido ao Prêmio de Viagem, com grande exposição na GAC, cuja vernissage ocorreu em 22 de maio de 1971 (figuras 185 e 186). Nesta ocasião, o artista homenageou Juiz de Fora, sua cidade natal, em seu 121º aniversário. A exposição apresentou trabalhos de dois anos de pintura pela Europa.

Fig.185. Bracher: impacto outra vez. Fig. 186. Bracher em exposição na GAC, em maio de 1971.

Em uma promoção do DCE e GAC,no mês de novembro de 1971, realizou-se a Exposição Quarteto: Arlindo Daibert, Álvaro Lobo, Carlos Miranda e Fernando Pitta, (figuras 187 e 188), que foi considerada uma exposição de vanguarda.

239

~ Fig.187. Exposição Quarteto, novembro de 1971.

Fig. 188. Os 4 jovens artistas: Fernando Pitta e Álvaro Lobo, à frente; Arlindo Daibert e Carlos Miranda, ao fundo, aparecem na GAC, em sua exposição Quarteto, novembro de 1971.

A Exposição de Picasso foi aberta ao público na GAC, de 13 a 28 de novembro de 1971. Esta mostra representou uma paretrospectiva de reproduções de trabalhos de Pablo 240

Picasso, com cerca de 115 documentos, mais uma série de slides projetados durante a exposição (figura 189). Uma homenagem aos 90 anos de Picasso, que contou com a promoção da GAC, sob os auspícios da ACFB e do DAT e material cedido pelo Serviço Cultural da Embaixada da França.

Fig. 189. Exposição de Picasso na GAC, novembro de 1971.

A GAC iniciou no dia 05 março de 1972, uma Exposição 100 obras-primas de Arte francesa: Escultura e Arquitetura (figura 190). A Galeria exibiu filmes franceses, em promoção conjunta com a Aliança Francesa. A Exposição Mineiros em Galeria comemorou o 7º ano de funcionamento da GAC. Na figura 191 se vê o cartaz de divulgação de exposição, realizado pelos Bracher, artesanalmente, sobre jornal/colagem e serigrafia.

Fig. 190. À esquerda, Exposição 100 obras-primas de Arte francesa, abril de 1972. Fig. 191. À direita, Exposição Mineiros em Galeria, 1972.

A Exposição Dnar & Stehling é uma das mostras muito relembradas por vários entrevistados. Durou cerca de um mês, no período de 05 de julho a 15 de agosto de 1972 e 241

contou com grande público (figura 192). A GAC realizou um cartaz de divulgação para este evento (figura 193).

Fig.192. À esquerda Exposição Dnar e Stehling, julho de 1972. Fig.193. À direita, cartaz realizado pela GAC para divulgação da exposição, 1972.

A Exposição de Delacroix na GAC apresentou duas centenas de ‘foto-documentos’ do tempo, vida e obra do artista, expostas ao público, diariamente, em setembro de 1972. Esta foi uma promoção conjunta da GAC, Aliança Francesa de Juiz de Fora e Maison de France do Rio de Janeiro (figura 194).

Fig. 194. Delacroix na GAC, setembro de 1972.

No dia 11 de julho de 1969, houve a abertura da Exposição de Pintura e Cerâmica: Ione Fonseca e Ana Quirino, unindo duas expressões artísticas em uma só mostra, aberta ao 242

público até o final daquele mês (figuras 195). Durante o mês seguinte, de agosto, a Exposição de Carlos Wolney, jovem gravador e desenhista, apresentou seus trabalhos, elogiados pela crítica (figura 196).

Fig. 195. Catálogo de Exposição de Carlos Wolney e fig. 196. Catálogo de Exposição de Pintura e Cerâmica: Ione Fonseca e Ana Quirino, em 1969.

Elegias, Casas e Gente na GAC., foi um evento duplo, unindo pintura e literatura. Houve o lançamento do primeiro livro da poetisa Ymah Théres, com ilustrações de Guimarães Vieira, artista plastico que também expôs suas pinturas na GAC (figuras 197 e 198).

Fig.197 e fig. 198. Elegias, Casas e Gente na GAC, junho de 1973.

243

Fig.199. Samba na Galeria, abril de 1973. Fig 200. GAC Mostra Baiano, abril de 1973.

Samba na Galeria: a GAC encerrou no dia 04 de abril de 1973, a Exposição de fantasias, bandeiras e troféus das escolas de samba de Juiz de Fora. A mostra foi realizada com o objetivo de homenagear os sambistas da cidade (figura 199). Já no dia dia 14 de abril, houve a abertura da exposição do escultor baiano, Alfredo Francisco Santos, com peças em pedra sabão, mármore, em GAC Mostra Baiano (figura 200). 4.2.1.2 Collage 66 Eventos performáticos sobrepunham, em uma atmosfera estética inovadora e midiática, diálogos conscientes ao abordar a plateia num jogo de encenações simultâneas às projeções de slides com acontecimentos de época: nas paredes, teto, piso e nos atores. Segundo Júlio Mackenzie223, diretor e intérprete dos poemas contextualizados, as apresentações eram “colagem de palavra x cor x expressão” apresentadas em estilo pop – “uma nova maneira de dizer as coisas”, em teatro de arena. Realizaram-se na GAC (figura 202), em um período de 3 meses, 26 apresentações, de agosto ao outubro de 1966, com textos de Vinícius de Morais, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Affonso Romano de Sant’Anna. As sessões/exibições eram intensas, marcadas às 16h, às 18h e às 20h30min. No primeiro Collage 66, com estreia a 27 de agosto, segundo o Diário Mercantil de 04 e 05 de setembro 1966, um encontro com Vinícius de Moraes foi vivido por Júlio Mackenzie: sua voz, gestos e as palavras encantaram o público. Foi considerado “um arauto da sensibilidade”. Ouvia-se também a voz de Aline, que vibrava ao som do violão e contrabaixo, 223

Cartaz Collage 66: arquivo fornecido por Nívea Bracher, que contém o texto de Júlio Mackenzie.

244

que marcavam o compasso: Hélcio Costa e Marcelo Mattos participaram deste momento artístico. O DM de 30 de agosto de 1966 descreve a participação de cerca de 100 pessoas nestes eventos. O segundo, terceiro e quarto Collage 66, com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Manuel Bandeira, também foram sucesso de plateia. Destaca-se aqui o terceiro Collage 66, que se realizou no mesmo estilo dos anteriores, porém a segunda parte foi dedicada ao poema épico O Romanceiro da Inconfidência, com estreia dia 10 de setembro, conforme DM de mesma data. A primeira parte do espetáculo era em estilo expressionista, com a valorização da palavra, a poesia pela poesia. A segunda parte – épica, remontava a Inconfidência Mineira com música ao vivo. Ballet expressionista, música concreta e jazz compunham o primeiro ato. Já no segundo ato, o espírito do barroco mineiro se expressava acompanhado ao som das modinhas do século XVIII e do congado. Sete artistas do teatro de Belo Horizonte participavam desta apresentação: Eliana Elza e Júlio Mackenzie (atores), Joaquim Ribeiro de Oliveira Filho (participação especial), Ivan Dairell, Paulo Augusto, Carlos Henrique e Antônio Guedes. Os figurinos eram de Walfrido Hermany e adereços cênicos da equipe da GAC. Os slides eram de Horácio Vasconcelos, fotografados para este espetáculo, em especial. Na quinta Collage 66, Mackenzie vivenciou o encontro com Affonso Romano de Sant’Anna e afirmava que temas como Vietnã, Hiroshima, Alabama, Marlyn Monroe e diversas catástrofes do século XX, “são lamentadas em poemas de Affonso [...] tentando um protesto, ainda que tímido, sem denúncias, pois estas são de estrita competência dos juízes: aos atores cabe o seu papel e interpretá-los até o fim”. Em entrevista, Affonso Romano de Sant’Anna224(2011) revela que a questão do Vietnã, o marcou profundamente: “enquanto nos EUA eu acompanhei mais de perto esse drama, alunos que iam para guerra, cemitério de soldados na frente da minha casa, manifestações nas ruas…” Toda esta carga emocional espelha-se intensamente nas palavras e silêncios do poeta. O Alabama – expõe a chaga aberta nos sonhos da época, provocada pelo assassinato de um dos pioneiros na luta pelos direitos humanos: o negro Medgar Evers. Participaram deste espetáculo: Júlio Mackenzie, Aline, Eliana, Regina, Vera, Ivan, C. Henique, Léo, Paulo Augusto, Ricardo. Figurinos e adereços: Olivier, Nívea Bracher e Carlos Bracher, conforme dados do cartaz (figura 201). As sessões, que também estiveram lotadas, ocorreram dias 15 e 16 de outubro, às 20h30 min e nos dias 17, 18 e 19 de outubro de 1966, às 19h30min. 224

Entrevista com Affonso Romano de Sant’Anna, em 21 de julho de 2011, Rio de Janeiro [via e-mail].

245

Fig.201. Cartaz Collage 66 com imagem de Affonso Romano de Sant’Anna e fig.202. Cartaz de divulgação do evento Collage 66.

José Luiz Ribeiro225 (2012) relata que na ocasião dos ensaios na GAC, para o Romanceiro da Inconfidência, (outra peça que estreou em dezembro na GAC, no mesmo ano – descrita a seguir), também lá estava o Júlio Mackenzie: “que fez muito sucesso e era um ator de Belo Horizonte. Ele fazia um espetáculo chamado Collage e, a cada semana, era um tema diferente. A Galeria Celina era um espaço de todos estes elementos funcionando”. Com esse grupo que circulava por lá, “nós tínhamos ali um ponto de encontro desta intelectualidade toda: do pessoal que gostava de cinema, do pessoal que gostava de artes e daqueles que gostavam de teatro”. José Luiz Ribeiro (2014) complementa dizendo que “o espetáculo Collage, de Júlio Mackenzie, por exemplo, tinha uma fila que descia a Galeria, até a rua, todo mundo queria ver”! Segundo Nívea Bracher226 (2010a), estes espetáculos provocavam a interatividade com o público e relata que em um deles, talvez sob a égide de sentirem-se em uma atmosfera transgressora, a emoção elevou-se a tal ponto, que “as pessoas gritavam como se fosse um grito de guerra”. 4.2.1.3 O Romanceiro da Inconfidência O presidente do Teatro Universitário de Juiz de Fora – T.U., Luis Carlos Silva, no dia 01 de dezembro de 1966, Jornal Diário Mercantil, confirmava para o dia 10 de dezembro a estreia nacional do Romanceiro da Inconfidência, baseada em um poema de Cecília Meireles, 225 226

Entrevista com José Luiz Ribeiro, em 01 de outubro de 2012, Juiz de Fora. Entrevista com Nívea Bracher, em 18 de agosto de 2010a, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora

246

após mais de 04 meses de ensaios, a peça – “uma das mais belas páginas da literatura brasileira seria apresentada na Galeria de Arte Celina”. O elenco era composto por: Lindaura Machado, Sheyla Brasileiro, Maria Helena Carvalho, Maria Lúcia Rocha, José Luiz Ribeiro, Roberto Guedes, Alceu Rodrigues e Ítalo Della Garza. A direção era de Nilo Batista e música de Sueli Costa. Segundo informações da notícia, a GAC estava inteiramente transformada para a apresentação da peça. Sobre a peça Romanceiro da Inconfidência encenada na GAC, são muitas as recordações, tanto das ideias iniciais de sua montagem, quanto de sua execução. A compositora Sueli Costa227 (2013) relembra que em 1964, em seu primeiro ano da Faculdade de Direito, ganhou um concurso de poesia, e o prêmio era: 3 livros à sua escolha. Ela relata: Nilo Batista, meu amigo, disse que achava que meus versos tinham um estilo da Cecília Meireles. Como conhecia da Cecilia pouca coisa, escolhi os três livros dela, e um deles era o Romanceiro da Inconfidência. Comecei a ler, e logo vi que era pura música e comecei a musicar. Já tinha uns poemas musicados, quando o Nilo me pediu para musicar o Romanceiro para o Teatro Universitário. Respondi a ele: Já comecei! E daí foi um pulo para musicar outras peças montadas pelo José Luiz Ribeiro: Cancioneiro de Lampião, de Nertan Macedo, Bodas de Sangue de Lorca. Eu e minhas irmãs, Telma e Lisieux cantávamos as músicas só com meu violão, e tinha que dar certo. Não havia patrocínio, era tudo pelo amor (COSTA, 2013).

A compositora comenta que sua turma da faculdade entrou em 1964 e se formou em 1968. Anos difíceis, “mas éramos jovens ávidos de cultura, e amor à arte. Na Galeria havia espaço para nós”. Afirma que havia filmes, cursos, exposições e que fez um Curso de Arte Barroca, ministrada pelo crítico Frederico Morais. “Ao final do curso, fui a uma viagem a Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Sabará, uma maravilha. Já conhecia Paulo e Décio Bracher, meus companheiros do coral da minha mãe, que era professora de Canto Coral no Conservatório de Música”. Na Galeria de Arte Celina ela conheceu Carlos e Nivea Bracher. Se lembra muito de D. Hermengarda, principalmente de uma exposição de Ícones Medievais. “Conheci pouco a Celina, acho que não deu tempo... Uma noite estava lá tocando violão com amigos, quando apareceu o grande ator Paulo Autran, de passagem pela cidade. Só o encontrei desta vez, mas é uma lembrança para toda a vida”! Ela se refere ao período de Liberdade, Liberdade, quando Paulo Autran esteve em Juiz de Fora, a convite da GAC. O jurista Nilo Batista228 (2012) recorda-se, com emoção, a realização daquela peça de teatro. O espaço era pequeno, mas inspirava a juventude a criar e por ser pequeno, favorecia 227 228

Entrevista com Sueli Costa em 18 de agosto de 2013, Rio de Janeiro [via e-mail]. Entrevista com Nilo Batista em 07 de novembro de 2012, Santa Tereza, Rio de Janeiro.

247

uma integração com o público. “O Romanceiro da Inconfidência decorreu de um grande empenho nos ensaios e a peça foi um sucesso, mesmo com a simplicidade de sua montagem”. Havia a qualidade dos textos, a qualidade musical, como também, a qualidade do elenco. Prevalecia o laço afetivo com o espaço, como motivação – com os Bracher, um laço afetivo que perdura. Ele revela: Eu iria deixar Juiz de Fora no final de 1966229, logo após me formar; nos planos, apenas para fazer uma pós-graduação e regressar, mas os ventos sopraram em outra direção. Na Galeria Celina, todos os estudantes dispunham de crédito ilimitado, e consegui levar comigo, como síntese das Minas em que vivi dos três aos vinte e dois, o quadro do Paço do Rosário. Ao longo de toda a minha vida, nunca este quadro ficou tão longe de meus olhos, e à sua bela serenidade recorri frequentemente, às vezes o compartilhei, na sala de visitas, outras, avaro, tive-o só para mim, ao lado da mesa de trabalho (BATISTA, 2012).

José Luiz Ribeiro230 (2012), diretor do Grupo de Teatro Divulgação, relembra que em 1966, o Divulgação estava começando. “Nós fizemos lá na Galeria Celina, o Romanceiro da Inconfidência. A gente ensaiou lá e também apresentou lá, com a direção de Nilo Batista. Era um tablado, praticamente, a Galeria era muito pequenininha e não cabia lá mais do que 50, 60 pessoas”. Ele recorda que fez muitos slides todos pintados, que lhe foram encomendados para projeção. “Lá havia uma cabine de projeção e os slides eram projetados na parede do fundo. Eu me lembro da gente fazendo o espetáculo, havia também shows de música na Galeria. Eu era também um frequentador, aliás, todo mundo era frequentador”. Ele comenta que quando havia um vernissage enchia a Galeria Celina – “era uma época em que você ia às coisas culturais. Porque hoje você vê nas galerias uns grupos que são comensais de vernissage, mas naquela época, as pessoas iam para ver, para conhecer, para debater, iam também pessoas importantes, que tinham uma ligação com os Bracher”. José Luiz Ribeiro (2012) complementa: A Galeria de Arte Celina foi um marco cultural na cidade porque ela conseguiu unir as pessoas em torno de cultura no sentido geral e não só nas artes plásticas. Ela era um ponto de encontro: as pessoas iam lá para discutir, para conversar. Ela estava aberta. Atualmente não existe isso aqui em Juiz de Fora, você não vê ninguém dizer assim: ah... Vamos à Galeria dos Correios, para sentar e conversar? Não se vê isso, a pessoa vai até lá, vê a exposição e vai embora. Lá era um ponto de ligação, um espaço intelectual de discussão, aonde as pessoas iam lá pra se reunir. Havia muito o laço afetivo (RIBEIRO, 2012). 229

Sobre o Paço do Rosário, de Nívea Bracher - Texto redigido por Nilo Batista, dedicado a Carlos e à Nívea Bracher, sem data, e fornecido para esta pesquisa na data de realização de sua entrevista, 07 de novembro de 2012, Santa Tereza, Rio de Janeiro. 230 Entrevista com José Luiz Ribeiro, em 01 de outubro de 2012, Juiz de Fora.

248

Dentro da simplicidade da época, mas com muita criatividade, Lucas Amaral231 (2013) foi o responsável pelo figurino e iluminação da peça e relata: A escolha do texto seguia o mesmo esquema do Teatro Universitário: tema nacional, defesa da liberdade, superando a possível censura da época, e texto de qualidade. Além disto, nesta época, entraram em moda os espetáculos teatrais baseados em poesias. Alguns eram poesias dramatizadas. No Romanceiro da Inconfidência, o figurino, escolhido por mim, era bastante neutro: calças pretas e camisas brancas, com alguns adereços, como bengalas, leques e coisas do gênero. O cenário era praticante suprido por tablados pretos e iluminação direcionada, acompanhada por alguns slides. Quanto ao público, as apresentações estiveram sempre lotadas (AMARAL, 2013).

Na opinião de Lucas Amaral (2013), a Galeria de Arte Celina foi, e seria ainda hoje, um espaço cultural, mais que uma simples galeria. Ele afirma que as atividades culturais eram relevantes pela qualidade do que se fazia. “O cuidado com o que era feito, mesmo improvisando equipamentos, como a iluminação, mas acima de tudo, em função da empatia que provocava, em especial, os jovens – ali encontraram um espaço sem preconceitos”. 4.2.1.4 Liberdade, liberdade Peça de teatro que segundo Nívea Bracher232 (2011c), foi um dos espetáculos de maior relevância naquele período de ditadura. Grande espetáculo com Paulo Autran e Teresa Rachel, era peça de Millôr Fernandes do Grupo Opinião - assistida por Nívea Bracher em Belo Horizonte. Ela relata, em seu depoimento, ter dito ao gerente que seria ideal trazê-la para apresentação em Juiz de Fora. Semanas após, este gerente chega à sua porta e diz que dali a três dias estaria chegando com os atores para a realização do espetáculo na cidade. Nívea Bracher (2011c), perplexa, teve que assumir sua palavra e com poucas pessoas, houve a multiplicação de esforços para a realização. Complementa dizendo: “acho que a parte da tecnologia mais fundamental encontra-se inserida dentro do próprio ser humano, na sua energia, capacidade de realizar e de multiplicar as habilidades”. Nívea, Carlos, Fani, Ricardo e Paulo Augusto criaram um teatro de arena no último andar do edifício Clube Juiz de Fora. Os espaços Casa de Itália, Círculo Militar e Cine Teatro Central estavam indisponíveis para esta realização. Carlos Bracher foi para a serraria 231 232

Entrevista com Lucas Amaral, em 07 de agosto de 2013, Juiz de Fora [via e-mail]. Entrevista com Nívea Bracher , em 30 de maio de 2011c, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

249

fazer vários tablados de diferentes alturas em madeira. Paulo Augusto criou spots com lâmpadas pisca-pisca, para um painel luminoso de divulgação, em plena rua. Nívea buscou slides antigos em casa, tipo fotogramas, rasurou-os e raspou-os com estilete escrevendo Liberdade, Liberdade, espetáculo a realizar-se nos dias 20, 21 e 22 de Novembro, de 1966, às 21h, no local já acima mencionado (figura 203). Assim, ela realizou uma “verdadeira maratona publicitária”. Percorria todas as sessões de cinema da cidade para colocar seus slides artesanais no início da sessão, com suas próprias mãos à frente do projetor – momento que em que havia propagandas e noticiários antes da projeção dos filmes. Os funcionários dos cines: Palace, Festival e Central permitiam que assim ela o fizesse, de forma manual, projetando até mesmo os seus dedos nesta divulgação. Fato que se repetiu em todos os cinemas nas três sessões da tarde e na noturna também. Como os jornais divulgavam notícias da cidade nos cadernos de domingo (figura 204), não haveria tempo hábil para disseminar esta notícia com tamanha urgência. “Tivemos que utilizar uma argumentação inteligente para driblar a censura na cidade”, comenta. Usaram recursos de mídia da época: carros com autofalantes, como também, em equipe, fizeram impressões artesanais com tinta em “papéis de venda”, (comuns e coloridos) para realizarem inúmeros cartazes. Em casa fizeram grude e saíram juntos pela madrugada com as trinchas para colá-los em todos os espaços possíveis do centro da cidade - uma realização de grandes mosaicos em cores diversas. Dois dias - era o tempo para toda a concretização: cenário, espaço e publicidade.

Fig. 203, fig. 204 e fig. 205. Peças de teatro de Paulo Autran realizadas em Juiz de Fora pela iniciativa da Galeria de Arte Celina. A fig. 204 ao centro, imagem do DM, de 21de novembro de 1966.

250

Nívea relata que Paulo Autran, se hospedou no Hotel Imperial e se espantou, pela manhã, ao ver toda aquela divulgação emocionante, pois seu gerente só havia enviado meia dúzia de pequenos cartazes prontos (figura 203) e aqueles jovens realizaram tudo aquilo de uma forma incrivelmente veloz e criativa. Com os esforços das pessoas da Galeria de Arte Celina, o espetáculo contou com um público de 3.200 pessoas. O ator sentiu-se gratificado com tamanha audiência e fervor, que retornou à Juiz de Fora somente para realizar o espetáculo “Paulo Autran – Prosa – Poesia – Teatro” no dia 30 de novembro de 1966, às 21h no Círculo Militar, promovido com a colaboração da Galeria de Arte Celina. Realmente um sucesso (figura 205). 4.2.1.5 O Zoo, de Edward Albee Natálio Luz233 (2013), ator e artista plástico conhecido, por suas pinturas assinadas como Chianello, relembra o dia em que se encontrou com Décio Lopes, a quem considerava um amante das artes. Ele narra como surgiu a ideia de se encenar esta peça na GAC. Décio Lopes sabia que Natálio fazia teatro e então propôs: Natálio, você não quer levar uma peça de teatro na Galeria de Arte Celina? Eu disse: tem teatro lá? Ele respondeu: nós fazemos um teatro só para a Galeria de Arte Celina. E então montamos! Ensaiamos na Galeria, cerca de dois meses e, montamos a peça. Em todos os dias a sala estava cheia, com cerca de 100 espectadores mais ou menos. Foi a peça O Zoo, de Edward Albee, de grande sucesso (LUZ, 2013).

Natálio Luz (2013), explica que as peças de Edward Albee propagaram seu nome como um dramaturgo genial, pois há uma grande capacidade neste autor, em perceber as mazelas da vida humana, principalmente nesta peça. São dois personagens, em um conteúdo muito denso. Como Natálio Luz tinha experiência em atuar e dirigir várias peças, já encenadas em palcos variados pela cidade, foi-lhe perguntado qual seria a diferença entre apresentar uma peça em um palco de teatro propriamente dito, e apresentar a peça na Galeria de Arte Celina: A diferença não existe assim, tão evidentemente, sabe como é que é? Há uma distância razoável de tempo, de um texto levado para a Galeria de Arte Celina e um texto levado no palco do SESI, por exemplo. O público do teatro SESI era diferente daquele da Galeria de Arte Celina. Eu até me lembro de uma colega nossa, que era ainda uma menina, e me pediu um copo de água durante a exibição da peça lá na Galeria de Arte Celina e aí eu fui buscar a água para ela. Veja que impressionante acontecer isso durante

233

Entrevista com Natálio Luz, dia 12 de abril de 2013, em Juiz de Fora.

251

uma peça de teatro... Na Galeria a proximidade facilitava a interação maior com o público. Era muito dinâmico (LUZ, 2013).

O Zoo, ou também citada, em algumas notícias de jornal, como A História do Jardim Zoológico esteve em exibição de 01 a 10 de agosto de 1971 na GAC. A peça de Edward Albee, com texto traduzido por Luiz Carlos Maciel, contou com a direção de Natálio Luz e no elenco, Jayme Ribeiro e Paulo Canabrava. Foi um grande sucesso de público. No Jornal Diário Mercantil, DM JR, suplemento de 28 de julho a 03 de agosto de 1971, uma notícia com texto de Rogério Bitarelli Medeiros, aborda a temática da peça e capta um pouco do clima das contradições da sociedade, expresso por Edward Albee: Albee representa o protótipo da cultura norte-americana contemporânea. Vindo da análise social de Theodore Dreiser (An American Tragedy) faz do realismo desencantado que abarcou a “lost generation” de Heminhgway & Fitzgerald e encruzilhada psicológica (sem o psicologismo anômalo de Tennessee Willians) do indivíduo em busca da auto-definição do “american way of life”[...] Dois homens, dois temperamentos duas vidas contraditórias; uma cidade inteira agitando conflitos nas espirais caleidoscópicas do consumo e da humilhação. Um domingo poluído de desencontros, uma tarde selvagem, enfim (BITARELLI, DM JR, 28/07 a 03/08, 1971, p.12)

Este domingo, no qual se passa a tensão entre os dois personagens, é descrito por Natálio Luz234 (2013), de acordo com suas reminiscências (figura 206).

Fig 206. O Zoo. A peça de teatro foi ensaiada e encenada da GAC, em 1971.

A peça era a história de dois personagens: “um marginal e o outro sujeito bem acomodado na vida”. Passa-se no Central Park. “O burguês estava usufruindo das belezas do parque e aí passa esse marginal, que começa a atiçar: eu pobre, eu marginal: você rico, eu 234

Entrevista com Natálio Luz, em 12 de abril de 2013, em Juiz de Fora.

252

quero o seu dinheiro. Aí ele conta a história da vida dele, da família, da filha e no final, eles brigam, o marginal arranja um meio…” Ele refere-se a uma arma que surge na trama, e prossegue: “de repente aparece um punhal na briga entre os dois… o marginal arranja um meio ser ferido mortalmente e propositalmente, porque estava cansado de viver. Esta é a história da peça”. Natálio Luz (2013) revela que trata-se de uma tragédia pesada, só dois personagens, numa apresentação densa e tensa e por isso, é preciso um trabalho maduro, um ensaio persistente, um trabalho dioturno sobre a peça. “Quando o dramaturgo é denso, o diretor tem que se virar”, conclui. O figurino era um guarda-roupa comum, de um “burguesão”, e a roupa amassada, do marginal. Natálio Luz (2013) descreve: “O marginal parece que foi lá para ser morto, ele estava provocando um suicídio, um ‘auto-sucídio’ e encontrou este ‘burguesão’. Este, sem querer, mata o marginal que diz: obrigado, era o que eu queria… e acaba morrendo”. É uma peça que levava a muitas reflexões, assim como leva Natálio a ter ótimas lembranças do convívio “maravilhoso do teatro com as artes plásticas e o cinema, com o público altamente receptivo e atento, além dos Bracher – pessoas incrivelmente sensíveis e amigas, que marcaram profundamente a minha vida”. 4.2.1.6 A GAC como ala da Escola de Samba Turunas do Riachuelo Em 1973, a Escola de Samba Turunas do Riachuelo convida a Galeria de Arte Celina a participar, sendo responsável por uma ala da Escola de Samba, no desfile oficial de carnaval da cidade de Juiz de Fora (figuras 208 e 209). O enredo escolhido foi “Arte em Juiz de Fora”, de Dormevilly Nóbrega e o samba, de autoria de Manoel Quirino. O tema estreitou os laços entre arte e cultura popular na cidade, promovendo uma interação ainda não vista neste âmbito (MOSTARO, C. et al., 1977, p.32). O samba de Manoel Quirino chamava-se Epopeia das Artes. Nívea Bracher havia participado em 1972, da equipe que executou o projeto de Carlos Miranda – o Cami – para a decoração oficial da cidade, no carnaval, cujo tema era Amor é tentação no Carnaval. Já no carnaval de 1973, assumiu a ala da GAC, na Turunas, ao lado de Alceu Rodrigues dos Santos. Ela relata a primeira experiência: Formamos uma ala com cerca de setenta figurantes, representativa das artes plásticas – setor de sua principal atuação em JF. Carinhosamente era chamada de pelos próprios participantes de Ala do Balacobaco. Como na época a GAC também englobasse outras áreas além da pintura, cinema, teatro, etc, ficou estabelecido que uma parte da ala permaneceria fixa, em evolução no seu próprio lugar, e outra chamada “ala móvel” – sairia a

253

percorrer toda a Escola durante todo o desfile, homenageando, com sua passagem, cada setor de Arte da cidade, representado nas diversas alas da Escola. O efeito “ala móvel” na avenida foi de surpresa, tendo dado uma nota de alegria colorida, entusiasmo, recebendo aplausos por onde passava. Os adereços de mão, da ala fixa, foram pintados por Roberto Vieira em plástico transparente, como bandeiras de colorido diverso, bem como o abre alas da Escola (BRACHER, N. apud MOSTARO, C. et al., 1977, p.32). .

As coreografias da ala fixa eram comandadas por Carlos Cunha e Edgar Ribeiro e a ala móvel, por Alceu Rodrigues dos Santos, com o estandarte da ala a cargo de Neuza Batista Lopes e Ely Rosa Machado. Segundo Nívea Bracher235 (2011c), “cada figurante pintou sua própria fantasia com cores e motivos diferentes, de acordo com o gosto pessoal”. Assim a fantasia de pintor, constituía-se de gorro, laço no pescoço, bata, calças e sapatilhas. Como os componentes tinham dificuldades financeiras, foram eliminadas da fantasia, as calças e sapatilhas, tornando-se mais descontraída (MOSTARO, C. et al., 1977, p.32). .

A volta do músico Ministrinho foi a grande surpresa que a GAC preparou para o

público no momento do desfile, inclusive para a Escola Turunas. Ministrinho cantava “Jairo” em seu cavaquinho no palanque, em homenagem à arte popular de Juiz de Fora. A GAC também trouxe para a Turunas, Silvandiro Frateschi que é um dos sustentáculos da “Azul e branco” e pisou pela primeira vez na avenida, com eles desfile. Décio Bracher e sua esposa Schirley Bueno Bracher ajudaram nas alegorias (desenhos e slides) e cineasta Décio Lopes filmou a evolução da ala (MOSTARO, C.et al., 1977, p.33). A pintura de Roberto Vieira para o abre-alas está na figura 207.

Fig.207. Faixa Abre Alas estilo pop, pintada por Roberto Vieira para o desfile da Turunas em 1973. Fig. 208. e fig. 209. Documentos sobre a Ala da GAC, Ala 13 da Turunas.

Nívea Bracher

236

(2010c) recorda-se do carro alegórico que acompanhou a ala da

GAC. Nele estava o artista Pimpinela, com o figurino específico para tal, sentado defronte ao 235 236

Entrevista com Nívea Bracher, em 30 de maio de 2011c, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Nívea Bracher, em 26 de agosto de 2010c, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora.

254

cavalete, pintando em público, em plena Avenida, durante o samba. Simultaneamente havia a projeção de slides para complementar o caráter performático desta participação que integrava a música, a luz, a dança, o samba, o povo, em uma confraternização da Galeria de Arte Celina com a arte popular. Segundo Nívea, um caso único com uma Galeria de Arte. Segundo Carlos Mostaro (1977, p.33), deve-se registrar que, no Brasil, foi o primeiro caso de comunhão real entre uma Galeria de Arte e uma Escola de Samba (figuras 208 e 209). Entrelaçamento da arte erudita com a arte popular. Em 1977 ele relata: “a GAC não está mais em atividades, mas permanece viva como alas do Turunas”. Nota-se que havia um caráter de descontração e flexibilidade da GAC com a comunidade, dada a perspectiva consciente dos Bracher em visualizar a importância de todas as manifestações culturais, sem preconceitos ou restrições. Talvez seja este, um dos motivos que tanto os Bracher, quanto a GAC, tivessem tanto carisma, boa receptividade e atraíssem tantas pessoas como público, em suas promoções. 4.3 A GAC: suas utopias e campanhas Os Bracher pretendiam concretizar um sonho de criar um Museu de Arte da Cidade e para tal, desejavam promover e mobilizar a população, além de autoridades locais, em campanhas para aquisição de obras representativas de Arte Brasileira, desde as legítimas manifestações da cultura popular, aos artistas contemporâneos de renome, assim como receber e organizar a documentação de valores regionais aos movimentos de vanguarda, para registro e acervo. Eram utopias de juventude, que se encontram registradas no Relatório Oficial da GAC, como Atividades Colaterais, mas que não se efetivaram. Observa-se a seguir, mais um trecho do Relatório: SEDE PRÓPRIA A Galeria fará campanha pra aquisição de terreno e sede própria para atender á multiplicidade de atividades que realiza (sala de exposições, museu, salão de conferências, projeções, apresentações musicais e teatrais, administração, ateliers). Atendendo á sua expansão atual, utilizará auditório anexo, em convênio com a Prefeitura Municipal. APARELHAGEM TÉCNICA E VEÍCULO Campanha para aquisição de aparelhamento técnico e didático (projetor de filmes, slides, gravador, mimeógrafo), cadeiras especiais para cursos. Veículo próprio de transporte e difusão (BRACHER, C., 1968)

Estes anseios em obter recursos para exercerem as atividades culturais de uma forma mais adequada e menos sacrificada para a família – que mantinha tudo com os próprios

255

recursos – revelam a escassez de espaço (local pequeno e alugado) e ausência de aparelhagens tecnológicas necessárias, geralmente utilizadas mediante empréstimos solicitados. Mesmo diante destas dificuldades, um público assíduo e específico se formou na GAC, desde o princípio: foi um grupo de cinéfilos que convivia com artistas de diversas modalidades de expressão, mediante a convivência criativa entre GAC e CEC/JF. 4.4 GAC e CEC/JF – uma simbiose criativa O Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora foi uma das iniciativas mais emblemáticas da época. Seus principais líderes, apaixonados cinéfilos, conseguiram exibir filmes inéditos, raramente vistos em outras cidades. O ponto alto foi o encerramento do Curso de Cinema, que contou com a projeção de um único filme – Un Couer Battant, com Jean Louis Trintignant, que jamais foi exibido em qualquer outro lugar do país e chegou ao CEC/JF apenas alguns dias após ser finalizado. O acesso a esta película ocorreu sem visto de entrada e de censura no Brasil, o que causou alguns problemas para exibição (FERNANDES237, H.A., 2010). Fato que permite observar a medida da “eficiência e do prestígio” que o CEC/JF gozava na época. Esta foi a sua primeira exibição no mundo. Desde o início da Galeria, a simbiose GAC – CEC/JF se fez presente. As centenas de aulas ministradas, projeção slides, cursos e alguns de seus conteúdos, participações em festivais de cinema e filmes exibidos, já expostos pelo Relatório Oficial da GAC (janeiro de 1966 a dezembro 1968), se somam às demais exibições, promoções e iniciativas do CEC/JF na GAC, nos anos que se seguiram. Foi realizada a busca no Jornal Diário Mercantil com o objetivo de registar pequenas notas diárias sobre as exibições de cinema que aconteciam na GAC, a partir de 1969. É evidente que nem todas as exibições do CEC/JF na GAC devam ter chegado ao alcance de publicação para o jornal. Porém, o foco desta pesquisa concentrou-se mais no registro de uma ambiência cotidiana e na dinâmica efervescente dos eventos da GAC – seus entrelaçamentos e intercâmbios. Os eventos simultâneos entre artes plásticas e cinema são observáveis, dentre outros, nas descrições expostas no Anexo, ao final desta pesquisa. Não se pretende abordar e aprofundar em dados históricos do CEC/JF, pois perceber a interação entre os espaços é o objetivo. Alguns relatos, a seguir, irão colaborar para a composição da recuperação de uma

237

Entrevista com o professor Hélio de Almeida Fernandes, em 13 de setembro de 2010, em Juiz de Fora, Castelinho dos Bracher.

256

memória que ultrapassa os dados encontrados: a memória coletiva de um espaço afetivo de criatividade e imagem. Nívea Bracher (2010b) diz em uma entrevista238: “Rogério Bitarelli foi um dos pilares no momento certo na Galeria Celina, cujo movimento cultural tem uma importância a ser revelada socialmente, porque tudo que houve depois, em termos de arte, tem a semente oriunda da Galeria de Arte Celina”. Sobre a questão do cinema, Nívea revela: Os filmes, para ilustrar o curso de História do Cinema, eram rolos que nós trouxemos em sacolas, do Rio de Janeiro. José Sanz havia conseguido estes filmes emprestados na cinemateca de Paris. Langlois era o diretor. E isso é interessante: ele os emprestou sem recibo, nem nada. Que bonito, ser digno de confiança. Da mesma forma nós trouxemos as gravuras de Picasso, do Museu de São Paulo. Estes filmes nós trouxemos e devolvemos. O José Sanz os não devolveu à Cinemateca de Paris, o que foi ótimo para os brasileiros. Hoje estes filmes compõem o acervo da cinemateca do MAM do Rio. Ríamos todos e virávamos a madrugada vendo os filmes franceses em uma época que os demais brasileiros não tiveram este acesso (BRACHER, N. 2010b).

Em depoimento dado por Nívea Bracher à Haydêe Arantes em 2011, e que se encontra em seu livro Memórias do Cineclubismo, Nívea complementa a narrativa anterior, revelando quem a acompanhava na busca dos filmes. Ela e Décio Lopes conseguiram todos os filmes da História do Cinema: desde os primeiros até aqueles da década de 1970. Ela se recordava também que o Milton Dutra os acompanhava e foi quem os “ajudou a carregar todos os filmes que compunham a história da Cinemateca Francesa”. Nívea Bracher ainda ressalta que eles tiveram, em mãos, mais de 50 filmes e que só perderam um (ARANTES; MUSSE, 2014, pp60-61). O CEC/JF teve três fases, segundo Haydêe Arantes e Christina Musse (2014) no livro já supracitado, Memórias do Cineclubismo. A primeira, a partir de sua fundação, em 1957, vai até 1964; a segunda fase é a do CEC atuando com a GAC. Começa com a fundação da galeria, em dezembro de 1965, e termina nos finais de 1971, ou seja, teve duração de seis anos; a terceira fase se estende de 1972, em diante, até o encerramento definitivo das atividades do cineclube em 1977. Nesta pesquisa, a atenção se voltará somente à segunda fase do cineclube, que corresponde ao período de estudo sobre a GAC. Esta fase de atividades teve duas gestões: a do Décio Lopes (1965-1968) e do Rogério Bitarelli Medeiros239 (1968-1971).

238 239

Entrevista com Nívea Bracher no dia 24 de agosto de 2010b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. Entrevista com Rogério Bitarelli Medeiros, em 19 de novembro de 2014, Rio de Janeiro.

257

Na primeira fase, ocorreram o I e o II Festival de Cinema Brasileiro (1966 e 1967, respectivamente), o Festival de Clássicos do Cinema Francês (1966) e o Curso Intensivo de Cinema na Galeria de Arte Celina, com duração de três meses (1967). Na segunda, ocorreram: o Mini Curso de Cinema no Colégio Cristo Redentor (1968), a participação do CEC no I Festival do Cinema Brasileiro de Belo Horizonte, (1968) o Curso Intensivo de Cinema no salão nobre da Faculdade de Direito (1969), o Curso de Cinema na Universidade Federal de Viçosa (1969), o Curso de Cinema na Faculdade de Medicina (1970), o Festival de Filmes Clássicos Franceses (1970), com exibições alternadas na GAC e no salão nobre da Faculdade de Direito, e as sessões especiais no Cinema Palace (1971) (MEDEIROS, 2014). Para se perceber o cotidiano daquela fusão de atmosferas culturais: GAC – CEC/JF não poderia faltar o depoimento fundamental de quem atuou diretamente e, diariamente, com afinco e dedicação nas atividades cinematográficas da GAC. Assim, o professor e jornalista Rogério Bitarelli Medeiros (2014), relata que os anos de atividades do CEC em parceria com a GAC tiveram uma longa duração, entre 1966 e 1971: Podemos dividir esta fase em dois períodos. No primeiro, entre 1966 e 1968, o CEC foi presidido por Décio Lopes, contou com o apoio do Diretório Central de Estudantes da UFJF e realizou dois festivais de cinema brasileiro, um festival de clássicos do cinema francês e um curso de cinema de longa duração. Nos festivais de cinema, realizados em 1966 e 1967, tivemos o impacto da descoberta dos filmes paradigmáticos do Cinema Novo, como Menino de Engenho, de Walter Lima Jr., e Terra em Transe, de Glauber Rocha; no festival de clássicos franceses, descobrimos a poética transgressora das vanguardas dos anos 1920 nas obras de Luís Buñuel, Jean Epstein, Abel Gance, Germaine Dulac e Fernand Léger; no curso de cinema, que durou três meses, com aulas em dois turnos diariamente, mergulhamos nas obras mais representativas da cinematografia mundial (MEDEIROS, 2014).

Sobre o período em esteve, à frente no CEC/JF, Rogério Bitarelli Medeiros (2014) relembra: “na gestão presidida por mim, de 1968 a 1971, promovi durante todos esses anos, as sessões semanais de filmes franceses clássicos e modernos, que exibiram obras significativas”. De sua memória, surgem algumas obras inesquecíveis, que foram exibidas nas sessões, como: Zazie dans le Metro, de Lous Malle, Os Carabineiros, de Jean-Luc Godard, 14 de Julho, de René Clair, e Le Bas-fonds, de Jean Renoir, Zero de Conduite, de Jean Vigo e Les Parents Terribles, de Jean Cocteau. Conforme o modelo consagrado do cineclubismo, Foi uma realização que, mais uma vez, contou com o apoio da Aliança Francesa de Juiz de Fora e a Maison de France – Consulado da França do Rio de Janeiro. Essas atividades contaram com a imprescindível colaboração e a amizade de Daniel Sarazin, que foi diretor da Aliança Francesa entre 1968 e 1971 As sessões sempre eram

258

seguidas por debates. E foram realizadas alternadamente no auditório da Faculdade de Direito da UFJF e na Galeria de Arte Celina (MEDEIROS, 2014).

Rogério Bitarelli (2014) ainda se lembra de uma atividade muito enriquecedora quando, no primeiro semestre de 1971, organizou as Sessões especiais no Cine Palace, com a exibição de algumas das mais expressivas obras do cinema moderno, como Gaviões e Passarinhos, de Pier-Paolo Pasolini, A Grande Testemunha, de Roberto Bresson, Week-end à Francesa, de Jean-Luc Godard e Heroica, de Andrzej Wajda. Ele, então, complementa: Além dos debates, em junho de 1968 organizamos um Mini Curso de Cinema no Colégio Cristo Redentor, com aulas ministradas por mim, Reuder Rezende, Eugenio Malta e José Paulo Netto; em outubro do ano seguinte, realizamos um Curso Intensivo de Cinema na Faculdade de Direito, com o apoio do DCE da UFJF. Com essas atividades, a aquisição de novos cinéfilos e a renovação do quadro do CEC tornavam-se cada vez mais intensas (MEDEIROS, 2014).

“Lembro também dos acalorados e amigáveis debates, que atravessavam as noites, muitas vezes friorentas. Eu, Décio Lopes, Milton Dutra, Reuder Rezende e Ivan Merhy, costumávamos sair da GAC e levávamos nossas discussões para as esquinas da Rua Halfeld e os bares das adjacências”, dizia Rogério Bitarelli (2014) em seu relato. Poderia se dizer que estas narrativas são uma viagem no tempo repleta de imagens. Ele relembra os temas dos debates, das discussões e revela: Nossas conversas giravam em torno dos processos de criação nas obras de Eisenstein, Jean Renoir, Orson Welles e Rossellini, das inovações da linguagem geradas a partir do Neorrealismo Italiano, dos discursos estéticos e ideológicos da Nouvelle-Vague francesa e do Cinema Novo brasileiro. Naqueles tempos, as exibições nas salas locais de um Visconti ou Fellini, de um Antonioni ou Bergman tornavam-se, para nós, acontecimentos celebrativos. Tínhamos uma crença muito grande no Cinema Novo, aquela possibilidade dadivosa de construir obras, leituras e indagações sobre a realidade brasileira. Muito do que se buscava estava no imaginário de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos e de outros cineastas que adotavam, através de uma nova linguagem audiovisual, uma visão etnográfica e sociológica do homem brasileiro e uma discussão mais ampla da situação política e cultural da América Latina (MEDEIROS, 2014).

Os cursos, debates e festivais organizados pelo CEC também os possibilitaram “a uma constante atualização de aprendizado dos temas, que não se esgotavam nas fruições dos filmes, pois se prolongavam nos contatos e convivências com cineastas, críticos e historiadores de cinema”. Esta influência se fez presente nas atividades profissionais das

259

pessoas envolvidas nestes grupos de convívio e discussão. Rogério Bitarelli Medeiros (2014) revela: O CEC também nos impulsionou a percorrer o ensaísmo e a crítica de cinema na imprensa alternativa local. Foi assim que eu escrevi textos tanto no Suplemento Arte & Literatura do Diário Mercantil (1968/1970) como nos semanários Jornal Sete (1970) e DM-Junior (1971). Pode-se dizer que esses espaços de reflexão representavam uma extensão pública dos debates sobre os filmes que realizávamos no cineclube (MEDEIROS, 2014).

Sua experiência como participante e dirigente do CEC leva-o a observar alguns aspectos que podem contribuir para capturar o papel da GAC naquele período. Rogério Bitarelli (2014) afirma que “numa definição de nossos dias, a Galeria de Arte Celina teria um perfil de um centro cultural” e descreve os motivos: Neste sentido, ela poderia ser considerada um espaço-projeto pluridisciplinar, destinado à apresentação de manifestações culturais das mais diversas modalidades, um verdadeiro laboratório de reflexões, estudos e criação, que também refletia utopias e visões de mundo. A Galeria sempre atuou com meios limitados. Mantido durante uma década através do altruísmo e da abnegação da família Bracher, que era constituída por artistas plásticos visionários como Décio, Carlos e Nívea, este espaço acolheu a jovem criação e apoiou as mais diferentes experiências e reflexões nos domínios das artes plásticas, do cinema e do teatro (MEDEIROS, 2014).

A GAC, segundo Rogério Bitarelli (2014) era, ao mesmo tempo, “um lugar de grande riqueza e de grande diversidade de experiências fecundadas na difusão de saberes, nos cursos, nos modos de produção inventivos, nas novas práticas, nas trocas individuais com estudiosos de diversos domínios”. Ele ressalta a questão de laços afetuosos decorrentes daquele espaço ‘congregador’: “a Galeria era também cenário impulsionador de amizades e relações de intensas e duradouras interatividades afetivas que, amiúde, acabaram se refletindo ao longo de muitas vidas”. “A GAC foi uma entidade intensamente renovadora em Juiz de Fora, em um momento de graves apreensões políticas no Brasil, pois ela foi criada pouco mais de um ano após o golpe militar de 1964”, assim reflete Rogério Bitarelli (2014) dizendo também, que os seus frequentadores eram, em sua maioria, jovens recém-chegados aos vinte anos e que, ali, puderam compartilhar a descoberta dos “novos valores expressivos revelados pelo imaginário da modernidade”. Ele complementa, ao dizer: “de certa forma, minha experiência pessoal na Galeria, entre 1966 e 1971, não se extinguiria ou se tornariam apenas lembranças fragmentárias nas épocas seguintes, quando já estava morando no Rio. Para mim, ela representou um prazeroso rito de passagem”. 260

Rogério Bitarelli (2014) acredita que as buscas e indagações daquele período iniciático seriam amadurecidas e se desdobrariam nas suas críticas de cinema no Jornal do Brasil, no Curso de Mestrado em Filosofia da Arte no IFCS/UFRJ, no Curso de Doutorado em Sociologia da Arte na Universidade de Paris VII e, durante mais de 30 anos, nas suas atividades de ensino e pesquisa na Escola de Belas da UFRJ. O produtor cultural Milton Dutra240 (2014), companheiro destas jornadas cinematográficas, relembra com prazer do “espaço, uma atmosfera tão profícua artisticamente, estimulante e em certos momentos até mágica como foi a Galeria de Arte Celina, pelo menos no meu modo ver e sentir as coisas naquele tempo”, e relata: A primeira e mais clara importância da GAC é ter se transformado, sem que isto fosse planejado, num inovador centro cultural, no sentido de espaço agregador e produtor de diversas manifestações artísticas, em JF, na época uma cidade que ainda não atingira duzentos mil habitantes. Não havia então nada que se pudesse chamar de centro cultural e esta ideia nem estava formulada para a maioria das pessoas. Eu era um jovem de pouco mais de vinte anos, sem muitos contatos, inquieto e muito interessado em arte especialmente cinema, quando conheci Décio Lopes que tentava reerguer o CEC então em recesso. Os Bracher colocaram o espaço da GAC à disposição e, nós dois, mais o Rogério Bitarelli Medeiros, recolocamos o cineclube em funcionamento (DUTRA, M., 2014).

No princípio, segundo Milton Dutra (2014), além das atividades internas de exibição e discussão de filmes, eles eram convidados a programar a parte de cinema em eventos culturais promovidos pelos DAs das faculdades, “para isto alugando curtas e longas-metragens em 16 mm em distribuidoras que existiam na cidade, coisa impensável hoje. Estas exibições aconteciam na Galeria com um projetor de 16 mm do cineclube”. Neste momento, Milton declara: “é aí que começa a integração CEC-GAC principalmente pela participação informal, mas efetiva de Nívea e Carlinhos Bracher”. Sobre as exibições cinematográficas, Milton Dutra (2014) se recorda que elas evoluíram para a organização de ciclos dedicados ao cinema de países como França, Itália, mais alguns do leste europeu como Polônia, Iugoslávia, Hungria e da própria União Soviética. Ele acrescenta: “para isto, íamos aos consulados no Rio que cediam os filmes. O público para estes eventos era formado além de estudantes das faculdades, por convidados a partir do cadastro de frequentadores das exposições de artes plásticas realizadas pela GAC”. Milton Dutra (2014) ao buscar na memória as atividades realizadas, de maior impacto para ele, em sua juventude, comenta que “além destes ciclos, vale mencionar palestras e 240

Entrevista com Milton Dutra, em 28 de outubro de 2014, Juiz de Fora [via e-mail].

261

cursos, inclusive o mais ambicioso deles um Curso de Formação Cinematográfica que englobava toda a história do cinema”, desde a sua fundação e o desenvolvimento de sua linguagem “com a exibição de centenas de filmes desde os mudos até a mais moderna cinematografia europeia da época. O curso ministrado pelos mais importantes professores, críticos e estudiosos da sétima arte do Rio, São Paulo e Belo Horizonte teve a duração de meses” (figura 210). Neste momento, ele revela como os Bracher contribuíram, enquanto GAC, dando sua parcela para os sonhos conjuntos com o CEC: Aí se evidencia mais uma vez a participação da GAC, pois o curso, apesar de ser estruturado pelo CEC, teve a adesão total dos Bracher com Carlinhos, Fani, e Nivea mergulhando de cabeça. Tudo isto tinha um custo com hospedagem e transporte de dezenas de professores e centenas de filmes. Apesar de nós do CEC conseguirmos algum patrocínio de entidades e faculdades, isto não era o bastante. Os Bracher não tinham meios próprios para financiar tudo isto, mas tinham uma grande capacidade de levantar apoio tanto público quanto privado. E aí é que entra um aspecto impressionante deste trabalho tão importante: é que não éramos pagos por esta dedicação e trabalheira toda. Nem nós do CEC nem os Bracher pela GAC241. Era puro entusiasmo pela realização e satisfação com os resultados (DUTRA 2014).

Fig. 210. 04 Cartazes de Festivais e Curso de Cinema, com participação, ou envolvimento da Galeria de Arte Celina. Para Milton Dutra (2014), a GAC tinha uma atuação como galeria de arte, promotora de exposições, tanto trazidas de grandes centros como de artistas locais, criando tanto quanto possível um mercado de arte na cidade, mas sem dúvida extrapolava esta função. “Além das atividades de cinema que descrevi, até peças do que se poderia chamar de teatro de bolso (para usar uma expressão da época) aconteceram lá”. Ele prossegue, ao dizer que este ambiente “atraia além dos artistas e produtores culturais diretamente envolvidos nos projetos, 241

Grifo da pesquisadora pela ênfase da fala do entrevistado.

262

toda uma fauna de gente sensível, criativa e loucos de todas as galáxias que compunham a atmosfera mágica que falei no princípio deste depoimento”. Ele pondera dizendo que não se pode esquecer que isto ocorre em meados dos anos 60, época de liberação de costumes e quebra de comportamentos padronizados e assinala a importância da GAC como este espaço sem preconceitos: A GAC era também uma ilha de liberdade e admissão sem preconceitos para mulheres que faziam ou se interessavam por arte e assumiam uma vida independente e livre de repressão sexual, inclusive. O mesmo se dá com gays aceitos naturalmente sem preconceitos, algo nada desprezível para a época. Havia um toque cosmopolita e sofisticado num espaço, numa cidade que às vezes me parece menos provinciana do que hoje (DUTRA, M., 2014).

Toda esta movimentação GAC-CEC se deve “essencialmente à criatividade e visão pioneira” de Décio Lopes e de Rogério Bitarelli Medeiros, assim como dos demais companheiros que colaboraram – parceiros desta viagem cinematográfica – e, conforme Milton Dutra (2014) ressalta, se deve também “ao incondicional apoio da Família Bracher, sem o qual, nem 10% do que foi realizado na GAC teria sido possível”. Mais um cinéfilo, nesta viagem imagética, compartilha memórias ainda vivas sobre a GAC-CEC/JF. É Eugênio Malta242 (2014c), que declara: “minha envolvência com a GAC era orgânica. No convívio que tive na GAC cresci, aprendi, virei indivíduo social, abri portas e janelas para o mundo cosmopolita na minha mente, naturalmente semi-provinciana”. Recorda que os seus vinte iniciais anos de vida, apesar de outras significativas experiências obtidas em lugares diferentes, encontrou, na convivência na GAC e no CEC: “a primeira resposta para o ser social que eu me tornei”. Ele então relata: Vamos colocar assim: na GAC, não havia uma presença dominante. Nem o “brachão” (Waldemar, o pai), nem o Décio (filho mais velho), nem o Carlinhos (o pintor mergulhado em sua arte) nenhum deles era extremamente administrativo no cotidiano do espaço oferecido. A Nivea era a mais envolvida com os eventos. Quando um evento entrava em cena então a efervescência acendia todas as luzes: a GAC acontecia no cenário cinza juiz-forano. Quem não ia pra lá, perdia. Sempre que possível ajudei na montagem, de uma forma ou outra, dos acontecimentos da GAC. Passei a participar da GAC um ano depois da sua inauguração. Estava fora do país, nos anos de 1965-66, só quando voltei foi que me entrosei, então, ainda peguei o crescente da GAC e continuei frequentando-a até seus últimos dias, com pequenos espaços de interrupção (MALTA, 2014c).

O mais importante fato, segundo Eugênio Malta (2014c), relativo à GAC foi: “a ‘inclusão’, nas suas propostas iniciais, do CEC (eu prefiro dizer do Rogerio Bitarelli, Décio 242

Entrevista com Eugênio Malta, em 18 de maio de 2014c, New York [via e-mail].

263

Lopes, Milton Dutra, ai me incluo, e outros). O CEC, com o cinema – mostra, debate, pesquisa, abriu uma nova e larga panorâmica às possibilidades oferecidas pela GAC”. Ele relembra o impacto na cidade que foi “um estupendo curso de cinema; dois festivais de cinema de nível nacional e incansáveis mostras de filmes clássicos, ainda que sem legenda que o público atendia em largo número”. Ele lamenta o encerramento da GAC243 e assinala a importância da GAC – CEC/JF: Para o pessoal que frequentava a GAC, no seu período de declínio, cabe ressaltar o critério amador de suas atividades. Se a falta de dinheiro serve de conforto ao “livre pensar e criar” ela é mortal para a sobrevivência de uma organização. As muitas atividades, tanto da GAC quanto do CEC, foram de uma fertilidade sui generis para um número enorme de gente. Pode-se dizer que há uma geração em Juiz de Fora que conviveu, aprendeu, subverteu e cresceu humanamente com o que naquela atmosfera se deu (MALTA, 2014c).

“O CEC tinha um arquivo de críticas publicadas pela imprensa, até internacional, e continha várias revistas sobre cinema”, declara Eugênio Malta (2014b), que descreve: “era um móvel tipo cômoda organizado, inicialmente, pelo Murilo Hinguel, nos anos de 1950. Com a aglutinação do CEC com a GAC este arquivo ficava exposto ao uso do público no espaço da GAC”. Segundo Rogério Bitarelli (2014), na década de 1990, este arquivo foi doado ao Arquivo Central - Setor de Memória Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. A documentação apresenta as seguintes informações:

O CEC era uma entidade com fins culturais, que buscava o incentivo ao estudo do cinema, através de cursos, debates, palestras, mostras de filmes, dentre outras atividades. Mantinha uma sede social com uma biblioteca especializada em cinema, além de informações sobre diversos filmes e diretores mundiais. Teve grande atuação nas décadas de 1950, 1960 e 1970, envolvendo grande número de intelectuais, artistas e estudantes. O fundo foi arranjado e descrito, inicialmente, em 1996, pela seguinte equipe: Coordenador: Galba Ribeiro Di Mambro Estagiária: Nilma Ferreira de Sá. O arquivo foi doado pelo Professor Rogério Bitarelli Medeiros, ex-diretor do CEC, através de José Antônio Orlando Neto, graduado em Comunicação pela UFJF e autor de uma monografia de Bacharelado sobre o CEC244.

243

Entrevista com Eugênio Malta, em 17 de maio de 2014b, New York [via e-mail]. CENTRO de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora – CEC [s-fpar_cec_n1_120606.doc].Universidade Federal de Juiz de Fora - Arquivo Central UFJF. Coordenação de Arquivos Permanentes, Setor de Memória Social. Última revisão: 24 de julho de 2008. 244

264

O crítico de arte Walter Sebastião245 (2013), também relembra os bons momentos de GAC-CEC/JF. Ele afirma que “A GAC pode ser o começo do moderno, ou seja, ‘ela formalizou o que seria uma galeria moderna’, mas ela vem de lutas modernistas dos anos de 1950”. A fisionomia física dela, era “uma projeção despojada, eficiente, prática, sem frescura, maleável, com telas que subiam e desciam para exibição de filmes”. Mas principalmente, ele ressalta: “a GAC tornou-se um ponto de sociabilidade. Passávamos lá independente de ter uma programação, e ficávamos lá conversando com o Dnar Rocha, e aos poucos, com o Décio Lopes que conversava com a gente sobre cinema, e passamos a gostar, muito mesmo, de cinema”. Ele se lembra com detalhes da dinâmica de funcionamento do espaço físico da GAC, e das exposições em que esteve presente: a mostra de gravuras holandesas, (em que ocorria simultaneamente a projeção de um filme impactante de Pollock, que pintava sobre um vidro); a exposição de Sérgio Macedo, de Dnar Rocha, Stehling, de Roberto Vieira, Cláudio Martins, Eliardo França, Carlos Miranda – o Cami, Markus Kamil e a exposição de Arlindo Daibert. Assistiu também à peça O Zoo, dirigida pelo Natálio Luz, mas desenvolveu ali, na Galeria, o gosto pelo cinema. Assim, Walter Sebastião (2013) explica um dos motivos que fazia com que os jovens voltassem mais vezes a essa confluência de espaços GAC – CEC/JF: O atendimento do pessoal era muito cordial. Também me lembro do Décio Lopes e da Neusa, esposa dele, muito interessados em gente nova. Lá era um local onde não se sentia mal, em nenhum momento. Quase que, em seguida, continuamos a voltar lá, não só pelos amigos, por que lá era um local que tinha uma cara nova, uma cara jovem. Encontrei, algumas vezes, a Nívea Bracher e a Roseli. O staff era muito cordial. Mostravam tudo, davam várias informações, falavam para a gente voltar (SEBASTIÃO, 2013).

“Depois houve mais um fechamento do CEC/JF e também o fechamento da GAC, não me lembro quando”, relata Walter Sebastião (2013), que complementa dizendo que – para se compreender a presença que a Galeria de Arte Celina deixou na cidade, alguém pediu as chaves de duas salas no mesmo andar, um pouco mais à frente. “Nós fizemos uma programação inteira: exposição, lançamento de livro – evidentemente não era a Galeria de Arte Celina – mas só aconteceu na Galeria Pio X, considerando este espaço, devido à forte referência que a GAC deixou ali”. Ele evidencia o papel da GAC no cenário da cidade: A Galeria de Arte Celina era o “porto seguro da cidade”, um lugar que era o contrário de uma imagem conservadora em termos políticos, mas os Bracher

245

Entrevista com Walter Sebastião, em 23 de abril de abril de 2013, em Belo Horizonte.

265

mantinham relações amigáveis com aqueles que eram de direita, mas ao mesmo tempo, eram contra a ditadura. Não podemos considerar as coisas encerradas. A GAC continua sendo “a principal referência de arte na cidade”. Você sempre me verá falando que é a principal. Algum estudioso mais light vai querer talvez, incorporar mais coisas, mas no meu caso não, acho que ela é a principal porque produziu a arte de melhor qualidade, a arte inovadora – a arte que tinha algum compromisso com a inovação. Isso a Galeria foi capaz de estruturar (SEBASTIÃO, 2013).

O caráter inovador da Galeria de Arte Celina, sua participação em cursos e festivais de cinema (figura 210), sua sintonia e simbiose com o CEC/JF – essa confluência entre o pensar, o fazer artístico, a possibilidade de transpor os limites da cidade, favorecida pelo conhecimento de outras visões de mundo através do cinema – para aqueles jovens mineiros, que andavam literalmente, “com nada no bolso ou nas mãos”, para muitos deles, foi uma oportunidade única de formação cultural, naquele período de repressão política. A Galeria de Arte Celina tornou-se, assim, um lugar de memória simbólica para Juiz de Fora. 4.5 Lugar de memória Para Pierre Nora246 (1997, pp.37-38) “os lugares de memória são aqueles compostos por três sentidos da palavra: o material, o simbólico e o funcional, simultaneamente, somente em graus diversos”. Desta forma, mesmo um lugar, cuja aparência seja puramente material, como um depósito de arquivos, por exemplo, só será um lugar de memória se a imaginação o investir de uma aura simbólica. Portanto, pretende-se compreender que a Galeria de Arte Celina é um lugar que irá, dentro desta análise, se configurar como um lugar de memória, pois é um espaço que congrega estes três sentidos mencionados. O autor supracitado prossegue afirmando que um lugar de memória será material por seu “conteúdo demográfico”; “funcional por hipótese”, pois irá garantir, ao mesmo tempo, a “cristalização da lembrança e sua transmissão”; mas “simbólica por definição” uma vez que “se caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por um pequeno número, uma maioria que deles não participou”. Na Galeria de Arte Celina, estes três elementos coexistem, em uma relação intrínseca. O espaço existe vivo ainda na memória coletiva daqueles atores sociais envolvidos, que partilham de um imaginário comum, de vivências em comunidade, recordam os rituais simbólicos, que a própria arte se utiliza como meio de expressão e de existência e participaram de diversos acontecimentos marcantes em suas vidas. 246

NORA, Pierre (dir.) Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1997.v.1., pp.37-38, encontra-se traduzida para o português, por Yara Aun Khoury em: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, dez.1993, pp.21-22.

266

Nesta perspectiva, o método biográfico de Franco Ferraroti (1983), que inspirou e norteu esta pesquisa e as narrativas decorrentes das entrevistas realizadas permitem a recomposição da imagem ainda viva da GAC, configurando-a como lugar de memória simbólico, que pode se materializar. A GAC recebeu grandes personalidades que se encantaram por sua atmosfera cultural. Uma destas, dentre outras, que por lá deixaram registros de admiração pelas iniciativas dos Bracher, foi o ensaísta, crítico literário e jornalista Otto Maria Carpeaux, cujo agradecimento consta no Relatório Oficial da Galeria, como parte de sua memória: Agradeço muito a oportunidade de visitar a Galeria de Arte Celina, onde fui recebido por obras de arte moderna, música de Vivaldi e por bons amigos. Acho verdadeiro milagre o que os amigos realizam: manter certamente com sacrifícios incomensuráveis uma instituição cultural de tão alto nível, inspirados por um idealismo sem limites. Otto Maria Carpeaux

A aura simbólica que um espaço pode carregar através do tempo, a ponto de ser considerado um lugar de memória, pode ser captada por um vestígio, por um sinal. Assim, o trecho de um texto redigido pelo jurista Nilo Batista247 (2012), dedicado aos irmãos Carlos e Nívea Bracher, é capaz de transmitir a atmosfera do lugar: Sobre o Paço do Rosário, de Nívea Bracher Nilo Batista A Galeria Celina era um lugar especial. Situava-se num edifício cortado por uma passagem que unia a rua Halfeld à Marechal Deodoro. Neste mesmo edifício, do outro lado, estava a sede do Diretório Central dos Estudantes, cujas gavetas limpáramos apressadamente em 1º de abril de 1964. No ambiente de temor que a ditadura instalara, a resistência que apenas se esboçava tinha que falar baixo. A Galeria Celina não era apenas um lugar de arte, era também um lugar de resistência. Antes de mais nada, a arteresistência dos anfitriões, daquela família de artistas deslumbrantes, das louças de Seu Waldemar à pintura dos filhos. Foi na Galeria Celina que, pela primeira vez, em 1966, o poema de Cecília Meireles sobre a inconfidência mineira foi dramatizado, com requinte de diversos “romances” musicados por Sueli Costa [...] (BATISTA, 2012).

Segundo Pierre Nora248 (1997, pp.37-38) é verdade que a razão primordial de ser de um lugar de memória “é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um 247

“Sobre o Paço do Rosário, de Nívea Bracher”- Texto redigido por Nilo Batista, dedicado a Carlos e à Nívea Bracher, sem data, e fornecido para esta pesquisa na data de realização de sua entrevista, 07 de novembro de 2012, Santa Tereza, Rio de Janeiro. 248 NORA, Pierre (dir.) Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1997.v.1., pp.37-38, encontra-se traduzida para o português, por Yara Aun Khoury em: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, dez.1993, pp.21-22.

267

estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial” e, assim estaria se prendendo “o máximo de sentido num mínimo de sinais”. O autor conclui que é “isso que os torna apaixonantes: que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações”. Pode-se dizer que a Galeria de Arte Celina, ao ser rememorada pela comunidade, ao ser revivida com emoção por algumas pessoas envolvidas, cujas trajetórias de vida cumpriram um destino que foi marcado por ela, consegue materializar uma parte da história como lugar de memória. Para tal, os relatos são preciosos e vão pincelando o quadro que compõe este lugar. O crítico de arte Frederico Morais249 (2012) se lembra da GAC, quando dava aulas no Curso de Barroco e de seu interesse pelo barroco, por mais de 10 anos: um tema que ele trabalhou intensamente na época. O curso que deu na GAC “abordou as teorias sobre o barroco, mas também a produção em algumas cidades-chave, indo com os alunos em ‘aulas peripatéticas’, andando pelas cidades Congonhas, Sabará, Ouro Preto e Mariana”. Ele assinala que “não dá para ficar só numa discussão teórica com livros, o aluno tem que aprender a ler as obras em contato direto”. Sua metodologia previa também a prática artística e então, descreve: “assim, eles poderiam dar respostas à leitura da obra, não só com textos, mas também com a realização de trabalhos, criando objetos, ou outras coisas. Nas aulas eu utilizava slides, filmes de arte, além dos conteúdos e durante 10 anos produzi meus próprios audiovisuais”. Dava-se, assim um colorido diferente às aulas na GAC. O que mais o impressionou em seu funcionamento, ressalta: “foi o volume de eventos que a Galeria de Arte Celina realizou em seu primeiro ano. A Galeria de Arte Celina cumpriu um papel de polo difusor de cultura, até porque ela tinha uma programação variada”. Ele reconhece o papel da GAC na disseminação cultural dos ideais artísticos e revela: Se hoje você somar todos estes artistas originários de lá ou que fizeram de Juiz de Fora um lugar de afirmação de um trabalho pessoal, de afirmação da arte como instrumento fundamental no processo de humanização, de dar à vida um sentido maior, de colocar a sensibilidade e a intuição a serviço da criação artística, em grupo, poderá ver que a Galeria Celina é o somatório destes ideais (MORAIS, 2012).

Em sua entrevista, Frederico Morais (2012) conclui: “hoje eu posso dizer que é possível pensar na Galeria de Arte Celina como um embrião e como um ponto de partida, ou que ela teve um mérito de ampliar essa onda que começava a se formar, no sentido de se criar uma presença cultural”. Complementa sua reflexão ao dizer que: “a Galeria de Arte Celina é 249

Entrevista com Frederico Morais, em 24 de outubro de 2012, Rio de Janeiro.

268

pioneira, é fundadora de um espaço múltiplo ou multimídia, em um tempo em que a tecnologia não é como a de hoje”. Ele relembra aquela década de 1960, onde “tudo era difícil, projetar um filme era difícil, quando eu projetava slides, eu tinha que levar os projetores, mas por tudo ser mais difícil, era também mais estimulante”. Em Juiz de Fora e neste sentido amplo, ele afirma ter conhecido “só a Galeria de Arte Celina, com este esforço conjunto”. Relata que na época havia poucas galerias em Belo Horizonte, “se me lembro, mas eram apenas galerias com o intuito só de vender. A Galeria de Arte Celina se insere nesta dimensão de ser uma Galeria Cultural, um Espaço Cultural”. “Enfim... Há Galerias e Galerias”, pondera o crítico de arte Márcio Sampaio250 (2013). Ele comenta que antigamente, as Galerias tinham uma agenda de exposições bem armadas e davam o toque para o encontro do público – comprador ou não – com os artistas, naturalmente criando prestígios para alguns. Hoje, essas galerias já não investem em exposições, ou quando as apresentam, cobram tudo do artista. Raramente correm riscos econômicos e sociais. É um tempo diferente, outro sistema e que ele considera lamentável. E questiona: “mas ainda há exceções, não é mesmo? Ao que sei, a Galeria Celina pecava por ser essencialmente cultural”. Ele se recorda de como a GAC funcionava em relação às exposições dos artistas: ganhava “pouco ou nada do que vendia – o artista recebia quase que integralmente o valor da venda – e com isso a sobrevivência do espaço e de suas atividades, era fruto do trabalho do pessoal, do idealismo e da ‘falta de visão econômica’ dos diretores, porque esse não era o seu foco”. Mas este foi um idealismo admirável: “se não havia lucro financeiro, havia o lucro cultural – uma coisa bonita, mas que, ao fim, não pagava a energia elétrica... Essa saudável incompetência administrativa rendeu tão bons frutos que a Galeria de Arte Celina se tornou emblemática” Márcio Sampaio (2013) revela que a Galeria de Arte Celina, enfrentando a atitude conservadora, “chacoalhou o ambiente”. Não sabe dizer qual a extensão dessa sua “revolução”, mas sabe que “a partir daí, coincidência ou não, contando com outros fatores de influência, surgiu nos anos de 1970, um grupo fortíssimo de artistas situados mais à vanguarda”. Daqueles ligados à Galeria de Arte Celina, ele evidencia alguns artistas como: “Nívea e Carlos Bracher, que mantiveram uma qualidade exemplar; Roberto Vieira, Lotus Lobo que acionaram um modo de operação artística originalíssimo, depois deles, outros grandes artistas de duas ou três gerações estão aí com a força de suas expressões, trazendo os ecos” daquele momento tão singular da cultura juiz-forana.

250

Entrevista com Márcio Sampaio, em 06 de agosto de 2013, Belo Horizonte [via e-mail].

269

O professor e artista plástico José Alberto Pinho Neves251 (2013) afirma ter conhecido os Bracher na Galeria de Arte Celina: local que frequentava buscando saciar a sua curiosidade e promover sua formação cultural. Considera a Galeria “única”. Relembra que àquela época não teve contato com o Castelinho dos Bracher. Só anos mais tarde passou a visitá-lo. “Liderados pelo Dr. Waldemar e Dona Hermengada, os Bracher eram grandes incentivadores da cultura. Atuavam na música e nas artes plásticas, mas, também, estimulavam o teatro, o cinema e a arquitetura locais”. Ele complementa ao dizer que “sob o apoio do casal e orientação surgiram na cidade grupos de criadores nas mais diversas áreas cujas contribuições são históricas para a cultura não só da cidade, mas também nacional”. Ele relembra que na Galeria de Arte Celina assistiu à compositora Sueli Costa apresentar, pela primeira vez, “sua excelente musicalização dos poemas do Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles”; viu exposições que colocavam a cidade em contato com as vanguardas nacionais; ouviu palestras e cursos memoráveis; viu mostras de cinema inesquecíveis, entre tantos outros eventos. “A Galeria de Arte Celina era ponto de referência e obrigatório na formação de jovens artistas” e complementa: A Galeria de Arte Celina, totalmente subsidiada pelos Bracher, era um polo irradiador de ideias renovadas da cultura local, engajado com as questões de relevância nacional. Era foco de resistência e abrigo das contestações políticas. Sustentada com recursos escassos dos Bracher, a Galeria de Arte Celina usava de muita criatividade para se manter nos anos que existiu. Era o espaço de convergência da intelectualidade juiz-forana e nacional que visitava a cidade. A Galeria de Arte Celina respirava vanguarda, coragem e liberdade que marcou toda uma geração e resultou em grande referência para gerações futuras. No governo do prefeito Tarcísio Delgado (1997-2004), à frente da FUNALFA, tive como desafio, que recuperar o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, (cuja conquista ocorreu através de uma grande campanha Mascarenhas, meu amor, que contou com intelectuais nacionais e com a participação dos Bracher). Em especial, no setor das artes visuais, atribuímos a uma das suas três galerias o nome de Galeria Celina Bracher. Assim, tentamos perpetuar, através de Celina, a contribuição dos Bracher a cultura da cidade (NEVES, 2013).

José Alberto Pinho Neves (2013) declara que essa é “a homenagem à família Bracher, que escreveu com a Galeria de Arte Celina, uma das páginas mais brilhantes da cultura da juiz-forana, colocando-a na cena cultural brasileira”.

251

Entrevista com José Alberto Pinho Neves, em 12 de agosto de 2013 [via e-mail].

270

A Galeria de Arte Celina, quando foi aberta, segundo o professor Fuad Yazbeck252 (2012), se tornou “um centro de referência intelectual, até então inexistente em Juiz de Fora”. Um centro, não só pelo que ela promovia, como exibições filmes e coisas dessa natureza. “Foi o lugar onde, por exemplo, tive o primeiro contato com Mclaren: através de uma série de desenhos feitos no Canadá evidentemente, desenhos feitos – à mão – na própria película, quadro a quadro. Senão me engano, ele fez isso na década de 1960, 1950 talvez”. Ele se lembra do impacto de um destes desenhos, assim como de um livro, recém-publicado, de Marshall Mcluhan “que tinha um título muito instigante, dúbio sobre ‘mass’ e ‘message’ e na ocasião se exibiram alguns desenhos canadenses”. Fuad Yazbeck (2012) pondera sobre a dificuldade que os Bracher e seus amigos, tiveram em conseguir o que havia de mais novo acontecendo fora do país e afirma: A Galeria de Arte Celina tinha certo caráter de pioneirismo no sentido de trazer para Juiz de Fora aquilo que acontecia no mundo, em termos intelectuais. Fosse no plano das artes, no plano do cinema, no plano da literatura, da poesia, do teatro e de outras formas de arte. Claro que tudo dentro daquelas limitações, porque era um espaço de arte sustentado por uma família. Que tão pouco era uma família que se possa dizer abastada e que pudesse dar sustentação a uma iniciativa dessa natureza. A Galeria de Arte Celina era importante, ela marcou uma época da intelectualidade de Juiz de Fora, pena que foi tão breve. E foi tão breve exatamente por falta de condições materiais de dar prosseguimento àquela iniciativa, creio eu. Isso numa época em que não se falava o que se fala hoje, não se buscava o que se busca hoje, o chamado: patrocínio (YAZBECK, F., 2012).

O artista plástico Eugênio Malta253 (2014d) visualiza a GAC “como extensão dos entrelaçamentos culturais que já ocorriam no Castelinho da Antônio Dias, uma espécie de preâmbulo para um despertar mais amplo dos iniciantes”. Em seu depoimento254 ele declara: “não acredito que o propósito inicial da GAC tenha sido um projeto para um patamar de lançamento exclusivo da arte então praticada pelos Bracher, sobretudo os quatro filhos, como já ouvi de quem pensa assim”. Ele entende que tenha sido um “espaço aberto para colocar a arte deles em contato com um público mais variado, juntamente com os que frequentavam a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, e também com pintores já consagrados até universalmente”. Neste aspecto, ele complementa ao dizer que “a relação próxima dos Bracher com o que rolava de arte em Belo Horizonte, por exemplo, o Grupo Oficina, foi fundamental para o subsídio de um entrelaçamento cultural mais significativo”. Pode ser que

252

Entrevista com Fuad Yazbeck, em 14 de maio de 2012, Juiz de Fora. Entrevista com Eugênio Malta, em 22 de maio de 2014d, New York [via e-mail]. 254 Entrevista com Eugênio Malta, em 18 de maio de 2014c, New York [via e-mail]. 253

271

“a ideia de usar um espaço, que o pai Waldemar Bracher já possuía, alugado no segundo andar da Galeria Pio X, no centro da cidade, seja o fruto de uma somatória de vetores”, conforme sua opinião. Eugênio Malta comenta que além da experiência que Waldemar tinha com o irmão Frederico Bracher Júnior e com a Louçarte, além de tudo o que já ocorria na residência deles – no Castelinho, em termos de arte e cultura, “tudo isso somado tenha ido muito mais longe do que o esperado inicialmente”. Ele então, conclui: De fato, as atividades oferecidas pela GAC extrapolaram e desabrocharam com largueza, muito devido à liberdade no modo de interagir a cultura e a informação. Assim a convivência humana pôde experimentar um espaço mais próximo de sabedoria e criação sem medo. Sem duvida, Nivea, Carlos e Décio Bracher foram de importância vital para que a GAC ousasse e realizasse tanta abertura cultural e artística, dentro de um tempo em que, não só Juiz de Fora, mas o país todo entrava a passos largos no fechamento desses valores (MALTA, 2014c).

Enquanto a GAC acontecia no centro da cidade, Eugênio Malta (2014c) revela: “de um modo ou de outro, todos os Bracher participavam, senão, até socialmente, mas, sempre presentes”. Heloiza Matos255 (2012), professora, amiga de Celina Bracher e também da família, relembra: “como resultado da aproximação com a família Bracher, também passei a frequentar a Galeria de Arte Celina, e os eventos que aconteciam dentro e fora dela. A Galeria era uma inovação naquele período (e posso falar apenas do período de 1965-67)”. Ela relata que Nivea, Carlinhos e Décio Bracher eram os agitadores, e tudo se transformava em exposições e eventos de grande peso na pequena Juiz de Fora. Ela colaborou com a inauguração da GAC e descreve: No início, participei e ajudei a organizar alguns eventos que foram muito marcantes. No segundo semestre de 1965 (novembro/dezembro), ajudei a preparar a inauguração da Galeria de Arte Celina, divulgando o evento na imprensa local, na distribuição de convites, recepção dos convidados e artistas presentes na inauguração. Foi um acontecimento importante e trouxe para a Galeria vários artistas e intelectuais do Rio de Janeiro e São Paulo (MATOS, 2012).

“O ano de 1966 foi um ano bem impactante, em termos de promoções culturais” afirma Heloiza Matos (2012) dizendo que na GAC foram feitas “várias exposições individuais, coletivas e vernissages de artistas nacionais e estrangeiros e então expões: “o que me impressionou muito foi um Curso de Barroco ministrado pelo crítico e Prof. Frederico de

255

Entrevista com Heloiza Matos, em 14 de outubro de 2012, São Paulo [via e-mail].

272

Morais, com viagens de pesquisa a museus e cidades históricas”. Este curso foi um marco importante para os intelectuais da época, e atraiu muitos pesquisadores e artistas, pois, mesmo com toda ausência de recursos (comparados aos tempos atuais), se lembra de “momentos de admiração e alegria por estar conhecendo o barroco mineiro de uma forma nunca antes experimentada”. Nesses instantes “entendi a importância de ser mineira”, e de viver numa cidade como Juiz de Fora, tão próxima da cidade do Rio de Janeiro e “tão avançada, em termos de vida cultural”. Sobre os eventos da GAC, Heloíza Matos (2012) comenta eles atraíam os intelectuais e artistas, já reconhecidos e ou em processo de reconhecimento, assim como os estudantes da Universidade que “viviam um momento importante: faziam da aquisição de conhecimentos científicos e artísticos, um meio de participar da luta contra a ditadura, a censura e a insensatez e, a favor da cultura nacional”. Lembra-se da peça encenada da GAC com um tema de Cecilia Meireles e também relata que A GAC organizou uma peça de teatro com poesia, música e dança para homenagear a poetisa (Collage 66). “Em 1967, de janeiro a abril, a GAC organizou um Curso de Cinema que também foi um acontecimento importante para a cidade. Antes, a Galeria fez contato com várias Embaixadas para conseguir filmes importantes e inéditos no Brasil”. Do curso, ela se recorda de ter assistido a diversos filmes, dentre eles: As duas faces da felicidade, de Agnès Varda, e lembra-se também de Domingos de Oliveira lançando o filme Todas as mulheres do mundo, com Leila Diniz, mulher corajosa e liberada.” Todas as mulheres do Brasil morriam de inveja da beleza e da espontaneidade dela”. A Galeria de Arte Celina era um lugar especial: “mesmo que o evento cultural estivesse acontecendo fora da Galeria, era de lá que emanavam as ideias, inovações e viabilidades” (MATOS, 2012). O artista plástico Sérgio Macedo256 (2012a) define a Galeria de Arte Celina como “um farol cultural na sombria atmosfera social de Juiz de Fora”. No nível psíquico, para ele, a cidade era “extremamente fechada sobre si mesma, com pouquíssima abertura vertical (espiritual)

e

horizontal

(racional,

cultural,

etc.),

o

que causava

nas

pessoas

uma tendência ‘suicidária’ da alma”. Ele relata que só começou a ter relações com outras galerias, quando saiu de Juiz de Fora em 1970. “Lembro-me bem do lado amistoso e descontraído da relação ‘artistas-Galeria de Arte Celina”. Sérgio Macedo (2012a) se recorda daquela época e comenta que, em sua opinião, apesar de toda a boa vontade, o mundo artístico-intelectual era extremamente limitado, pois o 256

Entrevista com Sérgio Macedo, em 23 de fevereiro de 2012a, Juiz de Fora [via e-mail].

273

ambiente juiz-forano carecia de informação internacional. “Mas a galera artístico-intelectual era descontraída e boa-praça, de predominância jovem e com o entusiasmo característico da idade. Na cidade havia a típica caretice provinciana mineira, mas sempre havia gente de certa qualidade”. Lembra-me da gentileza e amabilidade do pintor Dnar Rocha, “da amizade que curtiu com o criativo pintor-escritor e, mais tarde, músico e cantor pernambucano Lula Côrtes, que vivia então em JF, do amigo Álvaro Lobo, que começou expondo na Galeria Celina e outros”, dentre os quais alguns nomes lhe escapam. Sobre o seu trabalho artístico e a GAC, ele relata: Em 1969, eu desenhava numa agência de publicidade, fazia ilustrações para o Jornal de Juiz de Fora e outros. Ganhei o primeiro prêmio de desenho do Salão de Arte da Reitoria de JF e aprendi litogravura com a Lotus Lobo na casa da família Bracher e GAC. Foi a partir daí que, sob influência desse ambiente, passei a me considerar ''artista''. Felizmente isso não durou muito. Em 1974-75, na Europa, deixei de lado o ''artista'' e voltei simplesmente a desenhar... Tornei-me um cara que comunica ideias e ideais por meio dos quadrinhos. Aprendi que arte é saber viver, viver a vida verdadeira, o estado de ser (MACEDO, 2012a).

Sérgio Macedo é um artista no desenho, na pintura e nos quadrinhos, mesmo não se considerando como tal, dentro de uma visão específica e particular do que seja um “artista” para ele. Sua vida é dedicada à arte e, a partir destas experiências de desenhos, prêmio, curso na GAC e exposições, sua ida para São Paulo, desenvolveu sua carreira como um “start”257, a partir da Galeria de Arte Celina. Este “start” também aconteceu com tantos outros artistas e intelectuais que passaram pela GAC, no início de seus percursos profissionais e artísticos. E Sérgio Macedo (2012) prossegue dizendo: “Eu via exposições, projeções de filmes, eventos, etc, e tinha ótimas relações com os artistas e com a turma que frequentava a Galeria de Arte Celina”. Lembra-se do Décio Lopes, Rogério Bitarelli Medeiros, Ivan, Carlos Miranda (Cami), Alceu, Paulo Pinto, Ronaldo Couri e muitos outros, cujos nomes ainda lhe escapam. Sobre sua exposição ele descreve: Creio que minha exposição na GAC foi em 1970, pouco antes que eu deixasse a cidade, rumo a São Paulo. Eram desenhos (bicos de pena, aquarela, ecoline e guache, além de pinturas a óleo). A tendência era popsurrealista-quadrinhos, com temática de predominância social. Eram muitas 257

Após a temporada de exposição na GAC, foi para São Paulo e fez em 1972 uma HQ: O Karma de Gaargot. Passou a publicar mensalmente um capítulo da HQ, tornando-se o primeiro autor brasileiro a publicar na Revista Grilo. Em 1974, foi para a França e depois viveu por 25 anos no Taiti. Nos EUA, seu livro Lakota: An Illustrated History, foi premiado com o Benjamin Franklin Award como a melhor obra multicultural de 1997. Em 2007, recebeu no Brasil o troféu HQ Mix, categoria Grande Mestre e lançou em 2008 o álbum HQ Xingu!. Em 2012 lançou o livro: Povos Indígenas em Quadrinhos, em Juiz de Fora, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes – MAMM –JF.

274

obras, pois as paredes da galeria ficaram repletas. Eu tinha muitos amigos, e o público lotou a Galeria Celina. Creio que participei também de uma exposição coletiva (MACEDO, 2012a).

Sérgio Macedo (2012a) conclui: “a Galeria Celina promovia exposições, exibia filmes de arte, era “um ponto de encontro entre criadores e pesquisadores” no plano artístico e cultural, uma luz na escuridão da cultura local”. A artista e gravadora Lotus Lobo258 (2010), prima dos irmãos Bracher, mas considerada como uma irmã, sempre esteve presente aos momentos cruciais da família e como tal, se lembra de todas as turbulências positivas que surgiram nos dias que antecederam a abertura da GAC. Ela se recorda que: “quando a Galeria de Arte Celina foi criada, o Carlinhos foi quem pintou a sala toda, criou o sistema de iluminação. Ali começou um movimento muito forte, não só ligado à pintura, ou à arte de Juiz de Fora, foi uma coisa mais ampla, do Brasil”. Ela justifica esta afirmativa dizendo que eles levaram grandes mostras de cinema internacionais, mostras internacionais de gravura que vieram da Europa, promoviam cursos, não só ligados às artes plásticas, mas ligados ao teatro, filosofia e cinema. Sobre o curso que ministrou na GAC, Lotus Lobo (2010) relata: Fui chamada para dar um curso de litografia na Galeria de Arte Celina, em 1969. A Nívea estava na França e o Carlinhos também, casado com a Fani. Todo o meu material de litogravura vem de Juiz de Fora, na época a gente tinha uma prensa lá em JF e então eles falaram para se fazer um curso de litografia. A parte prática foi no ateliê dos Bracher, na Rua Antônio Dias, no Castelinho, e a parte teórica foi na Galeria de Arte Celina. O público inscrito no curso era muito interessado e faziam perguntas. Algumas pessoas que dirigiam o Museu Mariano Procópio e também aqueles da família Arcuri, participaram. O curso foi um acontecimento bem prazeroso. Os Bracher e a Galeria de Arte Celina tinham o dom de promover estes encontros (LOBO,

2010). Lotus Lobo (2010) afirma que a Galeria de Arte Celina foi importante porque “os novos artistas que foram surgindo estavam já beneficiados por este ambiente que era a Galeria” e comenta sobre o seu diferencial enquanto Galeria: Quando em Juiz de Fora se fez a Galeria de Arte Celina em 1965, pode-se dizer que a GAC era um marco de vanguarda, como outras acontecendo pelo Brasil a fora. O diferencial dela, a meu ver, é que as outras galerias não se interessavam em oferecer cursos. E a Galeria Celina não estava somente restrita às artes plásticas, estava ligada a cursos. Ela seria hoje um destes Espaços Multimídia que existem: que exibem cinema, que apresentam teatro e que promovem exposições de artes plásticas (LOBO, 2010). 258

Entrevista com Lotus Lobo, em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte.

275

“Acho que o diferencial da GAC é, exatamente, ter abraçado as diversas áreas. A Galeria nunca teve interesse comercial,” declara Lotus Lobo (2010), que complementa ao dizer: “a Galeria de Arte Celina, embora fosse uma sala pequena em um prédio antigo de Juiz de Fora, ela era essa célula viva”. “A Galeria de Arte Celina era a segunda família”. Quem faria tal afirmativa? Em sua entrevista, Lotus Lobo (2010) encontra um cartão de Natal, que lhe foi enviado por sua tia Hermengarda, em 1971. Desta forma, a matriarca da família Bracher de Juiz de Fora, também contribui aqui, com um mini relato momentâneo, lido por Lotus, com alguns dos dizeres do cartão: Waldemar, grande luta! Agora arranjou mais outro trabalho para defender os ‘tutus’ que andam curtos “à cause de la GAC”, que é segunda família. Felizmente, ainda que cansado, ainda está muito bem de espírito. Juiz de Fora, dezembro de 1971 Hermengarda Bracher

Lotus Lobo259 (2010) achou interessante o fato de sua tia colocar a sigla GAC: “ela fazia uma coisa que se usa muito hoje, que é uma sigla. Aí pode se ver que a Galeria de Arte Celina estava sempre presente, até em felicitações de Natal, aí em1971”. O artista Roberto Vieira260 (2013) afirma que a “Galeria de Arte Celina veio a contribuir e a agregar este movimento de arte e cultura em Juiz de Fora, é uma pena que acabou”... Ele relembra com emoção: “muitos de nós começamos lá. A minha primeira exposição que considero ‘oficial’ foi na GAC. Foi aí que comecei a pintar profissionalmente e então eu nunca mais parei... nem o Dnar Rocha, nem o Stehling, nem o Rui Merheb... nós todos continuamos com a pintura”! Sobre as galerias da época, ele pondera: “não se pode comparar a Galeria de Arte Celina com a Galeria Bonino no Rio, por exemplo, que era mais comercial. Naquela época também as galerias de arte em Belo Horizonte eram muito fracas”. Não havia a figura do ‘galerista’ nem do ‘colecionador’ na Galeria de Arte Celina. A GAC foi muito importante, segundo o artista, “simplesmente porque vinham pessoas de São Paulo e do Rio, para dar palestras, o Olívio Tavares de Araújo, vários estudiosos, pessoas que agora não consigo me lembrar, vários críticos de arte, que inclusive ficavam hospedados lá na casa da Nívea, no Castelinho”. Roberto Vieira (2013) relata que isso fazia da casa também um centro de reunião. A Galeria passa a ter uma importância para a cidade, como também se projeta: “pois a partir do momento em que eu e os outros artistas começamos a transitar ‘Rio259 260

Entrevista com Lotus Lobo, em 28 de dezembro de 2010, em Belo Horizonte. Entrevista com Roberto Vieira, em 15 de abril de 2013 [via skype].

276

São Paulo-Belo Horizonte’, para outras galerias, a GAC passou a ter mais importância também, de uma forma, ou de outra, por causa da gente, não é”? Ele se recorda da dinâmica dos eventos, dos debates e de como a Galeria era “o ‘Lugar’ de encontro”: Comercial a Galeria não era não, e a gente fazia o que tinha que fazer como artista e não esquentava a cabeça com dinheiro não. A gente tinha a Galeria de Arte Celina mais como um Centro Cultural e um lugar de encontro. A partir das 5h da tarde estava todo mundo lá. A gente conversava, debatia, às vezes saia de lá para ir a um restaurante. Pessoas do teatro também vinham, me lembro aqui em Juiz de Fora, do Paulo Autran, que foi lá também e a turma dele. A Galeria na época era famosa, todo mundo da cidade conhecia. Várias pessoas se encontravam na Rua Halfeld e depois iam lá para a Galeria de Arte Celina. Então a Galeria tinha um peso muito grande na cidade, em termos de artes em geral e de artes plásticas. A Nívea era muito dinâmica em viajar para o Rio e trazer pessoas de vários lugares para cá (VIEIRA, 2013).

Roberto Vieira (2013) conclui: “não posso deixar de dizer que no fundo, no fundo, a Galeria de Arte Celina foi um Ponto de Agregação Eu posso definir a Galeria Celina com uma palavra: fraternidade”. Um espaço - um lugar de fraternidade, mas também de liberdade, expressividade e espírito de comunidade: elementos fundamentais que geraram este embrião de ideais e atividades da GAC. Segundo Nívea Bracher261 (2010b), quem começou como um embrião, na cidade, foi a Galeria Arte Celina. Ela se lembra de que fizeram uma exposição ontológica na Galeria: “Artistas Nacionais em Coleções Particulares, então o que nós fizemos? Nós buscamos quadros de artistas importantes destas coleções e fizemos uma exposição deles, junto com os pintores de Juiz de Fora. A gente foi formando um público”. Para Nívea Bracher (2010b), a Galeria de Arte Celina “é aquela lenda, ela não começou como uma entidade instituída: ela era um Espaço de Acontecimentos com todo mundo, todos fazendo o que tinham de fazer, tudo fluindo naturalmente, como uma pulsação sanguínea no corpo, sem uma estrutura administrativa”. Ela descreve o que significaria a GAC: A Galeria de Arte Celina não foi comercial, ela foi um Movimento Cultural, um Espaço de Acontecimentos. Se ela existisse antes, poderia ter funcionado na Semana de Arte Moderna de 1922, por exemplo, ela era um Espaço Macunaíma, onde tudo acontecia, tudo o que você possa imaginar. O nosso objetivo com a Galeria, desde o início, era um criar um Espaço de Acontecimentos de arte, de pulsação artística, uma coisa sem limite, indefinida, infinita (BRACHER, 2010b). 261

Entrevista com Nívea Bracher, em 24 de agosto de 2010b, no Castelinho dos Bracher, Juiz de fora.

277

Em suas viagens e contatos com outros espaços e galerias nacionais e internacionais, Nívea Bracher (2010b) afirma não ter encontrado nenhum espaço com o mesmo espírito da Galeria de Arte Celina porque a “GAC era realmente um Espaço Democrático, onde tudo podia acontecer”. As pessoas podiam ter ideias e as ideias se concretizavam. “A Galeria era um Espaço de Concretização das ideias”. Em outros espaços, havia que se seguir toda uma linha burocrática. “Lá não havia burocracia, mas isso era uma coisa menor aqui, não é? Um Espaço de Manifestação Momentânea como a Galeria de Arte Celina, não conheci nenhum lugar assim...” “Lugares, portanto, mas lugares mistos, híbridos e mutantes, intimamente enlaçados de vida e morte, de tempo e de eternidade; numa espiral do coletivo e do individual, do prosaico e do sagrado, do imóvel e do móvel”, conforme aborda Pierre Nora262 (1997, pp.37-38), são lugares míticos, transcendentes ao tempo, como a Galeria de Arte Celina. Sobre a criação da GAC, Carlos Bracher263 (2011c) revela: “havia uma integração em todos nós”. Com a falta da Celina, houve uma grande falta e uma coisa que ficou – como um ser... Fizemos a Galeria de Arte Celina, que era para expor os quadros, os nossos e os dos demais, em princípio os nossos, mas imediatamente aquilo deixou de ter função, passou a ser um “Campo Cultural”, porque nós não somos vendedores de quadros, nós somos produtores de arte, é totalmente diferente. Não existe esta coisa de vender, nós nunca vendemos nada. Isso não é e nem nunca foi – a motivação da Galeria Celina. Ali se tornou assim, “O Local” da cidade (BRACHER, 2011c).

O imaginário deste espaço – Galeria de Arte Celina – vem compor a identidade cultural da cidade: a substância permanente na memória coletiva, os rituais simbólicos da arte que edificaram uma parcela da cultura, se condensa nas afetividades e utopias deste verdadeiro lugar de memória. O dever de memória faz de cada um, o historiador de si mesmo. Pierre Nora264

262

NORA, Pierre (dir.) Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1997.v.1., pp.37-38, encontra-se traduzida para o português, por Yara Aun Khoury em: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, dez.1993, pp.21-22. 263 Entrevista com Carlos Bracher, em 05 de maio de 2011c, Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 264 NORA, Pierre (dir.) Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1997. v.1., p.32, encontra-se traduzida para o português, por Yara Aun Khoury em: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, dez.1993, p.17.

278

CONSIDERAÇÕES FINAIS A morfologia, os traços de uma cidade configuram as expressões de seus grupos sociais. A fisionomia pioneira e industrial dos tempos áureos de Juiz de Fora, foi se diluindo nas águas do Rio Paraibuna, através das metamorfoses do tempo: transformações econômicas, políticas e sociais, que alteraram rotas, planos, sonhos. A cidade não parou. Manteve-se em constantes mutações, intercâmbios que revelam sua capacidade de inovação. Sua condição geográfica entre as cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, permitiu que ela se tornasse uma passagem aberta, um locus receptivo à hibridação cultural, em constantes interseções com as cidades vizinhas, assim como, com as capitais mencionadas. Esta aptidão para a efervescência decorre dos principais traços ainda que compõem a sua fisionomia: traços que, ao invés de terem se diluído com o tempo, perduram. São marcantes testemunhos de seu caráter e identidade que não se apagaram, ganharam peso, força e dinamismo. O rosto de Juiz de Fora, ainda descansa sobre este mar de montanhas, cercado de “pianos por todos os lados” – estas montanhas saudosas de Murilo Mendes. A fisionomia da cidade espelha estes visíveis traços, ainda marcados pelo tempo, que são os três pilares – o pioneirismo, a vocação para a cultura e a abertura à inovação – que configuram também, a personalidade de Juiz de Fora. A química composta por estes elementos, os três traços provenientes da fisionomia e personalidade de Juiz de Fora, acabou por atrair e acolher a família Bracher, recém-chegada de Belo Horizonte. As dificuldades iniciais da família na cidade foram muitas e os Bracher poderiam ter retornado à capital ou buscado novas oportunidades em outras regiões, mas permaneceram. Houve uma coincidência, uma combinação, uma confluência de ideais da família com a cidade. A coincidência é que a mola mestra que rege toda a história da família, geração à geração, e que os move, desde então, é composta pelos mesmos três elementos identitários de Juiz de Fora – os três pilares que sustentam a família Bracher: o pioneirismo, a vocação para a cultura e a abertura à inovação. Desencadeou-se, então, uma química perfeita entre a família e a cidade. Juiz de Fora se tornou o celeiro artístico e cultural para os Bracher: este foi o encantamento, o enlace que deu origem a tudo que proporcionou criação da Galeria de Arte Celina, alguns anos após. A casa dos Bracher na Rua Bernardo Mascarenhas e o congraçamento com aquela comunidade; a Sociedade Antônio Parreiras; o coral de Hermengarda Bracher no Castelinho; a Louçarte; as reuniões em torno da mesa da cozinha do Castelinho e seus banquetes de Babete-Tupiniquim; o clã, o tribalismo que se formou em torno de Celina Bracher com artistas e intelectuais; as reuniões de Saiazar; a alma-grupo que se fez presente no Grupo 57, 279

na Casa sempre de portas abertas à cidade, que era o Castelinho; todos estes ingredientes se somaram em um crescente, que se frutificou no terreno ‘fertilmente’ cultural de Juiz de Fora. O embrião que resultou desta dinâmica foi a Galeria de Arte Celina. Ao subir as escadas para o interior do Castelinho dos Bracher, em 2010, naquele exato momento, iniciou-se esta pesquisa. Expectativas, várias. Perguntas, inúmeras. Certezas, nenhuma. Apenas um olhar atento: uma ansiedade em conhecer e desvendar um universo cultural e artístico, e as pessoas. Não se imaginaria que, em um momento deste, o simples ato de subir os degraus de uma casa, com a expectativa de se realizar uma pesquisa científica de 04 anos, que as inúmeras perguntas, hipóteses, tensões, horas de dedicação à escrita, leituras, entrevistas e depoimentos, incansáveis buscas por material e imagens, pudessem se condensar em uma pequena frase lida – a primeira mensagem lida por mim, escrita na parede da varanda. Estava ali a resposta profunda a todas as questões ligadas à Galeria de Arte Celina. “É preciso uma aldeia para se fazer um homem - ditado africano”. Juiz de Fora, em sua amplitude, é uma aldeia cultural e artística. A família Bracher é uma aldeia artística e cultural. O Castelinho dos Bracher é uma aldeia artística fraterna, humana e cultural. Ali se fizeram vários homens – se formaram vários intelectuais, artistas, no convívio exponencial. A Galeria de Arte Celina é a aldeia utópica, mítica, afetiva – extensão das atribuições da aldeia-Castelinho, que ganha corpo e força maior, de irradiação artística e cultural, por ter se deslocado ao coração da cidade de Juiz de Fora, o que permitiu um trânsito livre e maior acesso ao convívio de uma comunidade participativa, em interação constante com o cotidiano, com o habitus do juiz-forano. Tornou-se um locus antropológico irradiador de cultura para a cidade em seu breve período de funcionamento, demonstrando o seu perfil de vanguarda como Galeria de Arte para aquela geração. Sua imagem está explicitamente viva na cultura urbana – dentro da perspectiva da memória coletiva de um grupo de Juiz de Fora, conforme as revelações de tantos depoimentos significativos. Mas o seu grande sucesso foi o fator humano, o senso de comunidade, de fraternidade, da vivência conjunta – do ideário conjunto – do ato empreendedor coletivo, por amor à arte, que houve por parte de todos os envolvidos. Este é o diferencial em relação às demais galerias daquele contexto abordado. Procurou-se delimitar um conceito para a Galeria de Arte Celina e, durante a pesquisa, foi realizada uma listagem das terminologias empregadas por diversos entrevistados, e também algumas terminologias redigidas nos capítulos, como pesquisadora. Os conceitos encontrados foram: ‘Centro Cultural Espontâneo’; ‘espaço não excludente, e sim de congregação’; ‘marco cultural na cidade’; ‘Movimento Cultural’; ‘centro aglutinador de 280

ideário mais moderno e contestador’; território artístico-afetivo’; ‘geradora de acontecimentos’;

‘ecossistema-estético-artístico’;

‘um

lugar-organismo

em

plena

coexistência com demais espaços’; ‘uma pequena aldeia: lugar de encontro da multiplicidade’; Santuário Cultural de ritos sem deuses’; ‘refúgio lúdico’; ‘ espaço mítico’; ‘comunhão de consciências na ambiência da arte’; ‘espaço multimidiático’; ‘espaço utópico’; ‘espaço de metamorfose e criatividade’; ‘ponto de ligação’; ‘espaço intelectual de discussão’; ‘espaço sem preconceitos’; ‘espaço afetivo de criatividade e imagem’; ‘espaçoprojeto pluridisciplinar’; ‘espaço de experiências como rito de passagem’; ‘ilha de liberdade’; ‘espaço que pode ser o começo do moderno’; ‘galeria moderna’; ‘porto seguro da cidade’; ‘lugar especial’; ‘lugar de arte’; ‘lugar de resistência’; ‘Espaço Cultural’; ‘espaço de somatório destes ideais’; ‘embrião e um ponto de partida’; ‘espaço múltiplo ou multimídia’; ‘Multi Espaço’; ‘galeria emblemática’; ‘ponto de encontro dos jovens’; ‘chacoalhadora do ambiente’; ‘ponto de referência e obrigatório na formação de jovens artistas’; ‘polo irradiador de ideias renovadas da cultura local’; ‘ centro de referência intelectual’; ‘ centro de vivência intelectual ímpar’; ‘um farol cultural’; ‘ ponto de encontro entre criadores e pesquisadores’; ‘O Lugar’ dos debates – dos alumbramentos; ‘uma luz na escuridão da cultura local’; ‘O Lugar’ da des-repressão; ‘marco de vanguarda’; ‘Espaço Multimídia’; ‘célula viva’; ‘segunda família’; “o ‘Lugar’ de encontro”, ‘lugar de encontro’; ‘Ponto de Agregação’; ‘extensão do Castelinho’; ‘lugar de fraternidade, ‘lugar de liberdade, expressividade e espírito de comunidade’; ‘embrião na cidade’; A ‘sequência natural e familiar’; ‘campo da nossa casa para a comunidade’; ‘uma Aleluia’; ‘ aquela lenda’; ‘Espaço de Acontecimentos’; ‘Espaço Democrático’; ‘Espaço de Concretização das ideias’; ‘Espaço de Manifestação Momentânea’; ‘Campo cultural’; “‘o local’ da cidade”; ‘lugar de memória’; ‘Centro Cultural de fomentação e exposição’; ‘ela veio a ser o que nós éramos’. Muitas foram as conceituações e seria um exercício complexo, tentar condensar todas estas multiplicidades, em um único conceito definidor, sem haver a perda desta substância. Esta Galeria de Arte foi não só um Centro Cultural, um Espaço Multimidiático original, inovador, contemporâneo, um locus antropológico irradiador de cultura para a cidade. Tornou-se uma mediadora cultural, estabelecendo também um diálogo com a cultura popular, à medida em que se entrelaçou com a Escola de Samba Turunas do Riachuelo. A Galeria de Arte Celina continua ainda sendo desafiadora. A GAC é um lugar de memória simbólico e imaterialmente vivo, que poderá renascer e se concretizar novamente. Os irmãos Nívea e Décio Bracher viviam um grande sonho de 281

realização, acalentado há décadas, expressos em desenhos, depoimentos e que necessita de apoio: a criação do Espaço Cultural “Bracher Casa Museu”265, no Castelinho dos Bracher e no terreno ao lado, que seria a perpetuação da Galeria de Arte Celina. Sonho idealizado e planejado em conjunto com seus irmãos Carlos e Paulo Bracher (figura 211), desde a época em que a GAC terminara. Assim, trariam para Juiz de Fora e região, um espaço aberto a novos horizontes de incentivo ao conhecimento, à produção cultural e artística em nosso país. Acredita-se que durante esta pesquisa e ao final dela, as questões primordiais e iniciais que motivaram este estudo encontrem-se atendidas, de acordo com o material encontrado e analisado, embora as respostas nunca sejam imutáveis e fixas. Sempre haverá alguma verdade ou fato novo, ainda por ser revelado e desvelado para um pesquisador. Este trabalho é um primeiro passo – o primeiro degrau – na escada desta temática. O interesse por este estudo permitirá que outras pesquisas se aprofundem e alarguem mais os horizontes sobre a Galeria de Arte Celina, até porque, não foi possível acessar a todos os documentos, obras e arquivos, existentes ou não, que possam ainda estar no seio da família e que, até mesmo eles, não tenham conhecimento ou, nem se recordem se algum dia existiram. Ao findá-lo, tenho a compreensão e a certeza de que as certezas não existem. Está aí, sempre o desafio que vem motivar a pesquisa científica – a procura constante pelo saber e o sabor em investigar. Galeria de Arte Celina: ‘O Lugar’ dos debates – dos alumbramentos ‘O Lugar’ da des-repressão, um lugar de você ser des-reprimido. ‘O Lugar’ de você jogar para fora suas dúvidas, seus anseios, suas gravidades, suas necessidades íntimas de dizer, de gritar, de solenizar. Ali era ‘O Lugar’, por isso ela foi importante.

A Galeria de Arte Celina se tornou uma Aleluia, ela veio a ser o que nós éramos: ali foi a grande coisa dessa cidade. Carlos Bracher, 05 de maio de 2011.

265

BRACHER, Carlos. Textos - Casa Bracher. Juiz de Fora, cedido para pesquisa em 2010.

282

Fig. 211. “Bracher Casa Museu” – Alguns dos inúmeros esboços do Bloco de Desenhos de Décio Bracher.

283

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In: Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002. AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004. 1 CD-ROM. ANDRADE, Aída Célia de. Simplesmente Dnar. Juiz de Fora: Editora Templo, 2012. ANDRADE, Carlos Drummond de. Hino nacional. In: Brejo das almas. Rio de Janeiro: Record, 2001. ARANTES, Haydêe S.; MUSSE, Christina. Memórias do Cineclubismo: a trajetória do CEC – Centro de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora. Juiz de Fora: FUNALFA, 2014. ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989a. ______. Carlos Bracher: retrato intenso. São Paulo: Métron Editora, 1989b. 1DVD. ARGAN, Giulio. História da arte como história da cidade. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. ARISTÓTELES. De anima, Livro III, 424b22 – 435b19. São Paulo: 34, 2006. pp.103-131. ARNHEIM, Rudolf. El pensamiento visual. Buenos Aires: EUDEBA, 1973. ______. Intuição e intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 2004. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão (org.) Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009. BARBOSA, Leila M. Fonseca; TIMPONI, Marisa. Letras da Cidade. Juiz de Fora: FUNALFA, 2002. BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1977. ______. Aula. São Paulo: Cultrix, 1980. pp. 07-47. ______. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. ______. Mitologias. Rio de Janeiro: Difel, 2003. 284

______. Inéditos. vol. 3: Imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BASTOS, Cesar Xavier. Pintores de Juiz de Fora. [Texto escrito pelo autor em 20 de junho de 2004 e cedido para esta pesquisa em agosto de 2010]. Juiz de Fora, 2004. ______. Pintores de Juiz de Fora. 2004.[Fragmentos deste texto] In: NEVES, José Alberto Pinho. Dnar, o silêncio das Imagens. Juiz de Fora: [s.n.], 2007. 180 p. il. ISBN 978-85907788-0-6. BASTOS, Wilson de Lima. Do Caminho Novo dos Campos Gerais à atual BR-135. Juiz de Fora, Serrano: 1973. ______. Wilson de Lima. et al. História Econômica de Juiz de Fora (subsídios). Juiz de Fora: Juiz de Fora: Instituto Histórico e Geográfico, 1987. ______. Os sírios em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Edições Paraibuna, 1988. BATISTA, Nilo. Sobre o Paço do Rosário, de Nívea Bracher (s/ data) [Texto dedicado a Carlos e à Nívea Bracher, cedido pelo autor, para esta pesquisa]. Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2012. BECKER, Howard. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1977. ______. A história de vida e o mosaico científico. In: Métodos de pesquisa em ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1994. BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: KOTHE, Flávio R. Walter Benjamin: Sociologia. São Paulo: Ática, 1991. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. BOTTI, Carlos Alberto Hargreaves. Companhia Mineira de Eletricidade In: Companhia Energética de Minas Gerais. Belo Horizonte:CEMIG/ Projeto Memória 1994. BOURDIEU, Pierre. O Amor Pela Arte. São Paulo: EDUSP, 2002. BRACHER, Fani. Minhas cores. In: MORAIS, Frederico e POLITO, Ronald. Fani Bracher, Rio de Janeiro: Salamandra, 1994. p.6. BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. BRÊA, Maria Elizabeth (Coord.). Os presidentes e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001. BURKE, Peter. Hibridismo cultural. Porto Alegre: Unisinos, 2003. ______. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. 285

______. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. CANCLINI, Néstor Garcia. A socialização da arte. São Paulo: Cultrix, 1984. ______. Culturas Hibridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4ª ed. 1ª reimpr. São Paulo: EDUSP, 2006. CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Nobel, 1993. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CENTRO de Estudos Cinematográficos de Juiz de Fora (CEC) [s-fpar_cec_n1_120606.doc] Universidade Federal de Juiz de Fora - Arquivo Central UFJF. Coordenação de Arquivos Permanentes, Setor de Memória Social. Última revisão: 24 de julho de 2008. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Morar, cozinhar. v.2. Petrópolis: Vozes, 2002. ______. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. v.1. Petrópolis: Vozes, 2005. CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A Europa dos pobres: Juiz de Fora na Belle-Époque mineira. Juiz de Fora: EDUFJF, 1994. COGEVAL, Guy. Impressionismo: Paris e a modernidade. Rio de Janeiro: CCBB, 2012. COSTA LIMA, Luiz. O controle do imaginário e a afirmação do romance: Dom Quixote, As relações perigosas, Moll Flanders, Tristam Shandy. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. DARRAS, Bernard. As várias concepções da cultura e seus efeitos sobre os processos de mediação cultural. Parte I. Cap. 2 pp. 23-51. In: BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão (org.) Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009. DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. DUNN, Christopher. Tropicália: modernidade, alegoria e contracultura. In: BASUALDO, Carlos. (org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira [1967-1972]. São Paulo: Cosac Naif, 2007. DURAND, Gilbert. Mito e sociedade: a mitanálise e a sociologia das profundezas. Ensaios n° 7. Lisboa: A regra do Jogo, 1983. ______. O imaginário. São Paulo: Difel, 1999. ______. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DURAND, José Carlos. Mercado de Arte e Mecenato: Brasil, Europa, Estados Unidos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 1, n.2, p. 55-67, 1986. ISSN 0102-6909. 286

DUVIGNAUD, Jean. Sociologia da arte. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1970. ESTEVES, Albino. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915. [Reedição feita, em 1989, pela prefeitura de Juiz de Fora; edição fac-similar pela Esdeva Empresa Gráfica de Juiz de Fora]. FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar edições, 2003. FERRAROTI, Franco. Histoire et histoires de vie: La méthode biographique dans les sciences sociales. Paris : Méridiens, 1983. ______. Franco. Sociologia. Lisboa: Teorema, 1986. FIJALKOW, Yankel. Sociologie de la ville. Paris: Editions La Decouverte, 2002. FLEURY, Laurent. Sociologia da cultura e das práticas culturais. São Paulo: Editora SENAC, 2010. FREITAS, M. T. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. In: Cadernos de Pesquisa, n. 116, pp. 20-30, jul. 2002. ______. et al. Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003. GARTNER, M.: A imagem como pesadelo. In: Manguel, A.: Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp.139-172. GAY, Peter. 1. Marginais por profissão. In: Modernismo: o fascínio da heresia de Baudelaire a Beckett e mais um pouco. São Paulo: Cia. Das Letras, 2009. GEERTZ, Clifford. A Arte como um sistema cultural. In: O Saber Local. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. ______. Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ______. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

e

a

organização

da

cultura.

Rio

de

GRUZINSKI, Serge. A guerra das imagens: de Cristóvão Colombo a Blade Runner (14922019). São Paulo : Companhia das Letras, 2006. GUYAU, Jean-Marie. A arte do ponto de vista sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2009. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2004.

287

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003. HARVEY, David. A experiência do espaço e do tempo. In: A condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2004. HAUSER, Arnold. Fundamentos de la sociología del arte. Madrid: Guadarrama, 1975. HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de viagem, CPC, vanguarda e desbunde. São Paulo: Brasiliense, 1981. ______.Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1982. JAMESON, Fredric. Espaço e imagem: teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Ed. 70, 2007. KAHNWEILER, Daniel-Henry. Minhas galerias e meus pintores: depoimento à Francis Crémieux. Porto Alegre: L&PM, 1989. KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. KAZ, Leonel; LODDI, Nigge (orgs.). Século XX: a mulher conquista o Brasil. Rio de Janeiro: Aprazível Edições, 2006/2007. KOTHE, Flávio. (org). Walter Benjamin: Sociologia. São Paulo: Ed. Ática, 1991. LANGE, F. Manger ou les jeux et les creus du plat. Paris: Seuil, 1975, pp. 39 -70. LAPLANTINE, François; TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense, 2011. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1990. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005a. ______. O mistério da conjunção: ensaios sobre comunicação, corpo e sociabilidade. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005b. ______. O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. MARTINS, José de Souza. Sociologia da fotografia e da imagem. São Paulo: Contexto, 2008. 288

______. BICUDO, M.A. Pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Educ, 1988. MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa, volume único: Murilo Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. MEDEIROS, Rogério et al. Pequena introdução à história de Paraiburgo. Diário Mercantil, Juiz de Fora, ano LVII, Suplemento. Arte & Literatura, 25 e 26 de agosto, 1968. p.3. ______. Estética e ideologia do cinema novo brasileiro. Congresso Internacional de Cultura e Literatura Hispano-americanas. Universidade Federal de Juiz de Fora, 23 de setembro de 1993. ______. Os labirintos do imaginário: influências estéticas de Glauber Rocha. Arte & Ensaio (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 7, pp. 72-83, 2000. ______. A Peregrinação de Watteau à Ilha do Amor. Arte & Ensaio (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 12, pp. 203-204, 2005. ______. Etnografia e Ficção: o documentário de Jean Rouch e o Cinema Brasileiro. Arte & Ensaio (UFRJ), v. 1, pp. 80-91, 2010. . MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. Belo Horizonte: Interlivros, 1975. ______. O primado da percepção e suas consequências filosóficas. São Paulo: Papirus, 1989. ______. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ______. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003. METZ, C. A Significação no Cinema. São Paulo: Perspectiva; 2004. MORAIS, Frederico; POLITO, Ronald. Fani Bracher, Rio de Janeiro: Salamandra, 1994. MORAIS, Mauro. Bracher: a família e a cidade. Jornal Tribuna de Minas, 04 de maio de 2014. p. 6. MORIN, E. Para Sair do Século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1986. MOSTARO, Carlos D. et al. História Recente da Música Popular em Juiz de Fora. 1º tomo. Juiz de Fora: Edição dos autores, particular, 1977. MOULIN, Raymonde. Le marché de l’art : mondialisation et nouvelles tecnologies. Paris: Flammarion, 1999. MOUREAU, Nathalie; SAGOUT-DUVAUROUX, Dominique. Le marché del’art contemporain. Paris: la Découverte, 2006. 289

MUSSE, Christina Ferraz. Imprensa, cultura e imaginário urbano: exercício de memória sobre os anos 60-70 em Juiz de Fora. São Paulo: Nanquin, 2008. ______. RODRIGUES, Cristiano J. Memórias Possíveis: personagens da televisão em Juiz de Fora: FUNALFA, 2012. NAVA. Pedro. Baú de ossos. 7. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984. NEVES, José Alberto Pinho (org.). Baú de letras. Juiz de Fora: FUNALFA, 2000. ______. Dnar, o silêncio das imagens. Juiz de Fora: [s.n.], 2007. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, n.10, dez.1993, pp.21-22. ______. Les Lieux de mémoire. Paris: Gallimard, 1997. OLIVEIRA, Almir de. O advento da energia elétrica em Juiz de Fora. In: Bastos, Wilson de Lima. et al. História econômica de Juiz de Fora (subsídios). Juiz de Fora: Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, 1987. OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Imigração e industrialização: os alemães e os italianos em Juiz de Fora (1854-1920). 1991. 192p. (Dissertação de mestrado) – Programa de PósGraduação em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro: 1991. OLIVEIRA, Paulino de. História de Juiz de Fora. 2.ed. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria de Juiz de Fora, 1996. O QUE fazem estes artistas? Jornal Diário da Tarde, Juiz de Fora, 26 de dezembro de 1977, p.3. ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. ______. Renato. O silêncio. In: A moderna tradição brasileira; cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 2006. ______. Renato. Sociedade e Cultura In: SACHS, Ignacy; WILHEIM, Jorge e PINHEIRO, Paulo Sergio (orgs.). Brasil um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. ______. Renato. Walter Benjamin e Paris - individualidade e trabalho intelectual. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 12 (1): 11-28, maio de 2000. PASSAGLIA, Luiz Alberto. Preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora da Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. PÉCAUT, Daniel. Intelectuais e Política no Brasil. São Paulo: Ática, 1990.

290

PEREIRA, Cláudia Matos. Celina Y Nívea Bracher: una mirada artística trasgresora - In: Bioética, Género y Diversidad Cultural.1ª ed. v.1. Capellades, Barcelona, Editorial Proteus: 2012b. pp.491-505 ISBN 9788415047810. ______. Entre o sibilar das granadas e a saudade dos minuetos: travessias entre a estética de Vieira da Silva e o olhar conaisseur-poético de Murilo Mendes In: MALTA, Marize; NETO, Maria João (eds.). Coleções de arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX: perfis e trânsitos. Lisboa: Edição Caleidoscópio, 2014a. pp.539-554. ISBN. 978-989-658-256-2. PINHO, Diva Benevides. A arte como investimento: a dimensão econômica da pintura. São Paulo: Nobel, 1989. POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. vol. 2. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, 1989. ROCHA, Simone Maria. A mineiridade em questão: do discurso mítico ao discurso midiático. 2003. 305p. (Tese de doutorado) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2003. ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de memórias em terras de história: problemáticas atuais. In: BRESCINI, Stella; NAXARA, Márcia (org.). Memória e (res) sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Unicamp, 2004. SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. SAMPAIO, Márcio. Declaração de bens. Belo Horizonte: Edição do autor, 2008. ______. Poesia além do verso: catálogo de exposição. Belo Horizonte: Centro Cultural CEMIG, 2010. SANGLARD, Jorge (org.). Poesia em movimento: antologia. Juiz de Fora: EDUFJF, 2002. SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política – 1964-1968. In: O Pai de Família e outros Estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. SILVA, U.R. A linguagem muda e o pensamento falante: sobre a filosofia de linguagem em Merleau-Ponty. Porto Alegre: EDIPUCRS; 1994. SILVESTRE JR, H. Bracher. Revista Momento, Juiz de Fora, abril, pp.21-23, 1975. THÉRES, Ymah. Anelo de lua nova: poemas e prosa poética. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2003. TÖNNIES, Ferdinand. Comunidad y Sociedad. Buenos Aires: Editorial Losada S. A.,1947. ______. Comunidade e sociedade como entidades típico-sociais. In: FERNANDES, Florestan (org.). Comunidade e Sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Editora da Universidade de São Paulo. pp 97-116. 291

THOMPSON, John B. O conceito de cultura: para uma teoria social da comunicação de massa. In: Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes, 2001. TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar: a perspectivda da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983. VANINI, Eduardo. Legado artístico dos Bracher. Jornal Tribuna de Minas, Juiz de Fora, Caderno Dois, 04 de setembro de 2011. p.5. VELHO, Gilberto. Observando o familiar. In: NUNES, E. O. (org.) A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. ______. Gilberto; KUSCHNIR, Karina.(orgs.) Mediação, cultura e política. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001. VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. WERKEMA, Mauro Guimarães. História, arte e sonho na formação de Minas. Belo Horizonte: DUO Editorial, 2010. YAZBECK, Ivanir. Eu me lembro: 350 fatos, curiosidades, e personagens, que marcaram as últimas décadas da História de Juiz de Fora: Templo, 2005. YAZBECK, Lola. As origens da Universidade de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora UFJF, 1999. MATERIAL DE CONSULTA EM ACERVO DA FAMÍLIA BRACHER ANDRÉS, Maria Helena; PALHANO JÚNIOR. Óleos - Roberto Gil: Convite de exposição individual. [Texto de apresentação] Belo Horizonte: Galeria Guignard, 1970. BRACHER, Blima. Dados biográficos: currículo de Carlos Bracher. [via e-mail], 22 de julho de 2014a. ______. Dados biográficos: currículo de Celina Bracher. [via e-mail], 22 de julho de 2014b. ______. Dados biográficos: currículo de Décio Bracher. [via e-mail], 22 de julho de 2014c. ______. Dados biográficos: currículo de Fani Bracher. [via e-mail], 22 de julho de 2014d. ______. Dados biográficos: currículo de Paulo Bracher. [via e-mail], 22 de julho de 2014e. ______. Algumas imagens de obras dos Bracher 1960-1970 e do Castelinho [via e-mail]. Belo Horizonte, 20 de agosto de 2014f. BRACHER, Carlos. Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina (1966 a 1968) [arquivo da família Bracher, cedido em 2010]. Juiz de Fora: 1968. ______.; LOPES, Décio. Stehling & Dnar: convite/folder. Juiz de Fora: Galeria Celina, 1972. 292

______.; BRACHER, Fani. In: O que fazem estes artistas? Jornal Diário da Tarde, Juiz de Fora, 26 de dezembro de 1977, p.3. ______. Textos - Casa Bracher. Juiz de Fora, cedido para pesquisa em 2010. ______.; BRACHER, Décio; BRACHER, Nívea. Textos da família Bracher. [Informações sobre a história da família] cedidas para esta pesquisa, em 2011a. ______. Texto - Ordem da Torre. Juiz de Fora, cedido em 2011b. ______.; BRACHER, Nívea. Depoimento. [Retirado de informações - texto cedido por Carlos e Nívea Bracher, para esta pesquisa] em 2011c. BRACHER, Décio. Depoimento. Programa Mosaico n.º 82. Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013a. BRACHER, Nívea. Documento do acervo da família Bracher. Juiz de Fora, cedido para pesquisa em 2013a. BRACHER, Paulo. Depoimento. Programa Mosaico n.º 82, Especial Família Bracher. Juiz de Fora: Produtora de Multimeios da Faculdade de Comunicação da UFJF. 05 de agosto de 2013. GIL, Roberto. Óleos - Roberto Gil: Convite de exposição individual. [Texto de apresentação da Maria Helena Andrés e de Palhano Júnior]. Belo Horizonte: Galeria Guignard, 1970. GULLAR, Ferreira. Catálogo da Exposição na Galeria Bonino. Rio de Janeiro, 1985. [Material cedido por Blima Bracher, via e-mail], 2014. LOPES, Décio. Exposição Individual Wandyr Ramos: convite/folder. [Texto de apresentação] Juiz de Fora: Galeria de Arte Celina, 1970. LOPES, Ruy F. Roberto Gil – Pintura: Convite de exposição individual. Belo Horizonte: Galeria Moldurarte, 27 de maio de 1968. MACKENZIE, Júlio. Cartaz Collage 66. [texto] 1966, cedido por Nívea Bracher em 2011. PONTUAL, Roberto. Arte Brasileira Contemporânea. (Coleção Gilberto Chateaubriand), 1976. In: Opiniões Críticas. Suplemento Literário - Carlos Bracher /Epifania do ser (30 anos de pintura) Minas Gerais. Edição especial. Virgínia de Paula (org.). Publicação semanal do MINAS GERAIS, Órgão Oficial dos Poderes do Estado, Belo Horizonte, Ano XXII, n.º 1.078, 20 de junho de 1987. 12p. PRATES, Frederico. A sombra e a luz nas veredas de um visceral: Ruy Merheb. Revista Momento. Juiz de Fora, abril/1975, pp.10-12. Reportagem sobre o artista, que contém seus depoimentos.

293

RAMOS, Wandyr. Exposição Individual Wandyr Ramos: convite/folder. [Texto de apresentação de Décio Lopes] Galeria de Arte Celina. Juiz de Fora:1970. RENATO Stehling, Letreiro e Mural. Jornal O Sete, Juiz de Fora, Ano 1, n.º 19 – 10 a 16 de outubro de 1970. p.5. SANTOS, Ângelo Oswaldo de A. Depoimentos de 2005 [arquivos da família Bracher, em textos, cedidos por Carlos e Nívea Bracher para a pesquisa]. Juiz de Fora, 2011. MATERIAL EM SUPORTE ELETRÔNICO A CIDADE. Prefeitos de Juiz de Fora (1931-2013). Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/prefeitos.php > Acesso em: 04 de agosto de 2014. AFFONSO Romano de Sant'Anna. Biografia. Disponível em: < http://www.escritas.org/pt/biografia/affonso-romano-de-santanna> Acesso em: 21 de agosto de 2014. APRESENTAÇÃO. 22º Encontro Nacional da ANPAP. Belém – PA, 2013. Disponível em: Acesso em: 02 de outubro de 2014. BANDEIRA, Olívia. Derrubada da Perimetral reformulará sistema viário do centro do Rio. Infraestrutura urbana. Disponível em: Acesso em: 28 de agosto de 2014. BICHARA, D. S. J. et al.: Porfiria: uma causa rara de abdômen agudo. Revista Médica de Minas Gerais - RMMG, (N. Esp.), v. 20., pp. 450- 452, 2010. Disponível em: Acesso em: 03 de janeiro de 2014. BIOGRAFIAS. Nilo Batista. Disponível em: Acesso em: 03 de agosto de 2014. BRACHER, Carlos. Katalog Carlos Bracher. (20.09.2012 - 22.11.2012). Stiftung Brasilea, Basel, Schweiz, 2012. Disponível em: < http://www.brasilea.com/img/ausstellungen/201203_Carlos_Bracher/Katalog_Carlos_Bracher.pdf > Acesso em 22 de setembro de 2013. BRACHER, Fani. Vida. Responsabilidade Editorial de Júlio Azevedo e Germano Neto. Disponível em: < http://www.fanibracher.com.br/ > Acesso em: 17 de agosto de 2014. DELAGE, Renata. Minas imune ao tempo [publicado em: 08 de novembro de 2012]. Disponível em: < http://www.tribunademinas.com.br/minas-imune-ao-tempo-1.1182400 > Acesso em: 02 de agosto de 2014. DNAR Rocha. Mostra e livro marcam os 80 anos do artista plástico. Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: 294

< http://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=36169> Acesso em: 01 de agosto de 2014. FESTIVAIS anteriores. Centro Cultural Pró-Música. UFJF. Disponível em: Acesso em: 04 de dezembro de 2012. FESTIVAL Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga [23º].Centro Cultural Pró-Música. UFJF. Disponível em: Acesso em: 04 de dezembro de 2012. GRUPO Divulgação agora é patrimônio imaterial de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.ufjf.br/secom/2012/01/31/grupo-divulgacaoagora-e-patrimonio-imaterial-de-juiz-de-fora > Acesso em: 25 de novembro de 2012. HISTÓRIA de Juiz de Fora. Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/cidade/historia.php>. Acesso em: 15 de agosto de 2010. JOÃO Carriço. Portal Prefeitura Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/noticias/view.php?modo=link2&idnoticia2=2952> Acesso em: 29 de novembro de 2012. JORNALISTA Ivanir Yazbeck lança biografia de Itamar Franco na Academia Mineira de Letras. Pluricom. Comunicação Integrada. Disponível em: Acesso em: 10 de agosto de 2014. LIVRO sobre Dnar Rocha, um sonho realizado Universidade Federal de Juiz de Fora [publicado em: 18 de dezembro de 2007]. Disponível em: Acesso em: 01 de agosto de 2014. MARIA do Resguardo. Fotos Antigas de Juiz de Fora. Disponível em: http://mariadoresguardo.blogspot.com.br/search?q=juiz+de+fora Acesso em: 05 de fevereiro de 2013. MÉRITO Comendador Henrique Halfeld. Portal Prefeitura de Juiz de Fora. Disponível em: < http://www.pjf.mg.gov.br/sg/premios/comenda.php>. Acesso em: 20 de novembro de 2012. PEREIRA, Cláudia Matos. Arte-educação: o despertar de olhares para a valorização do patrimônio histórico. In: Revista Matéria-Prima: práticas artísticas no ensino básico e secundário. Lisboa: CIEBA-FBAUL, n.º 3, janeiro-junho, pp.146-155, 2014b. ISSN 21829756/ e- ISSN2182-9829. Versão impressa e digital. Disponível em: < http://www.fba.ul.pt/publicacoes/materia-prima-3/ > Acesso em: 23 de julho de 2014. ______. Centro Cultural Bernardo Mascarenhas: de ícone industrial a Espaço de Cultura. Revista VOX MUSEI arte e patrimônio. Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, v. 1, n.1, janeiro-junho, pp.159-172, 2013. Disponível em: 295

< http://www.fba.ul.pt/publicacoes/vox-musei-1/ > Acesso em: 02 de setembro de 2013. ______. Galeria de Arte Celina: centro cultural de Juiz de Fora pioneiro em arte e tecnologia na década de 60. In: #10. ART 10º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, UNB – Universidade de Brasília. Anais do Encontro de Arte e Tecnologia, Brasília, 2011b. ISSN: 2238-0272. Disponível em : Acesso em: 21 de dezembro de 2011. ______. Galeria de Arte Celina: lugar de memória e realização. In: 20º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP. Rio de Janeiro, 2011a, pp.1560-1574. ISSN 2175-8212. Disponível em: < http://www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/chtca/claudia_matos_pereira.pdf > Acesso em: 23 de agosto de 2011. ______. Détournement: até que ponto o desvio pode ser o caminho da essência da arte? In: Cadernos Mateus Doc. Desvio – Detour. Programa Mateus Doc. Instituto Internacional Casa de Mateus e autores individuais. vol. 7. Portugal, Vila Real, IICM: 2014f. pp.71-93. ISBN978-989-97281-1-0; ISSN 2182-1569 (impresso) ISSN 2182-1577 (digital). Disponível em: < http://www.iicm.pt/pt/wpcontent/uploads/2014/12/IICM_013_CadernoMateusVII_Dinamico-1.pdf> Acesso em: 02 de dezembro de 2014. ______. Enigmas: os “retratos–sequência” da artista brasileira Nívea Bracher. In: Atas do III Congresso Internacional CSO'2012 Criadores sobre outras obras. Artes em torno do Atlântico. Lisboa, v.1,. pp.136-146, CIEBA, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa: 2012a . ISBN: 978-989-8300-32-4. Disponível em: < http://www.cso.fba.ul.pt/congresso/edição/2012#cso'2012 > Acesso em: 18 de agosto de 2014. ______. O pioneirismo de Celina e Nívea Bracher no cenário artístico-cultural de Juiz de Fora. In: 18º Encontro de Alunos do PPGAV – UFRJ, Rio de Janeiro, 2011c, pp.41-60. ISBN 978-85-87145-44-4. Versão impressa e digital. Disponível em: Acesso em: 01de setembro 2011. ______. Portal do Professor do Ministério da Educação e Cultura, MEC, Brasil: aulas e experiências de arte-educação partilhadas pela internet. In: Revista Matéria-Prima: práticas artísticas no ensino básico e secundário. Lisboa, CIEBA-FBAUL, n.º4, julho-dezembro, pp.244-254, 2014c. ISSN 2182-9756/ e- ISSN 2182-9829. Versão impressa e digital. Disponível em: < http://issuu.com/fbaul/docs/materiaprima4?e=0/8704092 > Acesso em: 28 de julho de 2014. ______. Povos Indígenas em Quadrinhos: narrativas visuais do artista brasileiro Sérgio Macedo, em defesa da preservação do Patrimônio Cultural Indígena. In: Revista Alter Ibi. Lisboa, CIEBA – FBAUL – UTAD, vol.1, n.º 1, pp.45-61, 2014e. ISSN 2183-2927; ISBN 978-989-8300-97-3. Disponível em: < http://www.fba.ul.pt/publicacoes/alter-ibi-1/> Acesso em: 25 de setembro de 2014. ______. Povos Indígenas em Quadrinhos: o olhar etnográfico-semiótico do artista brasileiro Sérgio Macedo. In: Revista Estúdio n.º 9. Artistas sobre outras obras, janeiro-junho, 296

semestral. Lisboa, CIEBA-FBAUL, pp.79-84, 2014d. ISSN 1647-6158 (impresso) eISSN1647-7316 (digital). Disponível em: < http://www.fba.ul.pt/publicacoes/estudio-9 > Acesso em: 22 de julho de 2014. PINTORES de JF na Galeria Renato de Almeida. Centro Cultural Pró-Música. Disponível em: Acesso em: 01 de junho de 2014. PLANO museológico. Museu de Arte Murilo Mendes. Universidade Federal de Juiz de Fora. 2011.Disponível em: Acesso em: 03 de setembro de 2014. SÉRIE Memórias da ditadura. MGTV Integração. Disponível em:< http://xxxdnn0743.locaweb.com.br/2012/07/02/serie-memorias-da-ditadurafotos-e-documentos-registram-a-passagem-de-dilma-rousseff-por-juiz-de-fora> Acesso em 12 de outubro de 2012. ENTREVISTAS Entrevistadora: Cláudia Matos Pereira AMARAL, Lucas. Entrevista [via e-mail]. Juiz de Fora, 07 de agosto de 2013. ARAÚJO, Olívio Tavares de. Entrevista [via e-mail]. São Paulo, 20 de julho de 2011. BASTOS, Cesar Xavier. Entrevista. Juiz de Fora, 20 de agosto de 2013. BATISTA, Nilo. Entrevista. Rio de Janeiro, 07 de Novembro de 2012. BRACHER, Carlos. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 08 de fevereiro de 2011a. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 02 de maio de 2011b. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 05 de maio de 2011c. ______. Entrevista. MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora, 30 de julho de 2011d. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 10 de agosto de 2011e. ______. Entrevista [via telefone]. Ouro Preto, 18 de outubro de 2014a. ______. Entrevista [via e-mail]. Ouro Preto, 26 de outubro de 2014b. BRACHER, Décio. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 18 de agosto de 2010. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 08 de fevereiro de 2011a. 297

______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora,10 de julho de 2011b. ______. Entrevista. MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora, 30 de julho de 2011c. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 10 de agosto de 2011d. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 13 de agosto de 2011e. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 12 de fevereiro de 2012a. ______. Entrevista. MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora, 16 de fevereiro de 2012b. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora. 27 de agosto de 2013b. BRACHER, Nívea. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 18 de agosto de 2010a. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 24 de agosto de 2010b. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 26 de agosto de 2010c. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora,em 28 de agosto de 2010d. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 08 de fevereiro de 2011a. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora 28 de maio de 2011b. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora 30 de maio de 2011c. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 10 de julho de 2011d. ______. Entrevista. MAMM, Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora, 30 de julho de 2011e. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 10 de agosto de 2011f. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 13 de agosto de 2011g. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 14 de dezembro de 2012. ______. Entrevista. Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, 21 de abril de 2013b. ______. Entrevista. Hospital Albert Sabin, Juiz de Fora, 27 de agosto de 2013c. BRACHER, Paulo. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 12 de fevereiro de 2012. ______. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, 22 de agosto de 2013. COSTA, Sueli. Entrevista [via e-mail]. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2013. 298

DUTRA, Milton. Entrevista [via e-mail]. Juiz de Fora, 28 de outubro de 2014. DUTRA, Neusa [Pereira]. Entrevista [via e-mail] Juiz de Fora, 17 de novembro de 2014. FERNANDES, Hélio de Almeida. Entrevista. Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora,13 de setembro de 2010. LOBO, Lotus. Entrevista. Belo Horizonte, 28 de dezembro de 2010. LUZ, Natálio. Entrevista. Juiz de Fora, 12 de abril de 2013. MACEDO, Sérgio. Entrevista [via e-mail]. Juiz de Fora, 23 de fevereiro de 2012a. ______. Entrevista. Juiz de Fora, 01 de julho de 2012. ______. Entrevista. Juiz de Fora, 17 de março de 2013. MALTA, Eugênio. Entrevista [via e-mail]. New York, 16 de maio de 2014a. ______. Entrevista [via e-mail]. New York, em 17 de maio de 2014b. ______. Entrevista [via e-mail]. New York, 18 de maio de 2014c. ______. Entrevista [via e-mail]. New York, 22 de maio de 2014d. MATOS, Heloiza. Entrevista [via e-mail]. São Paulo, 14 de outubro de 2012. MEDEIROS, Rogério Bitarelli. Entrevista [via e-mail]. Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2014. MÉRIGOUX, Pierre. Entrevista. Juiz de Fora, 19 de abril de 2013. MORAIS, Frederico. Entrevista. Rio de Janeiro, dia 24 de outubro de 2012. NEVES, José Alberto Pinho. Entrevista [via e-mail]. Juiz de Fora, 12 de agosto de 2013. RIBEIRO, José Luiz. Entrevista. Juiz de Fora, 01 de outubro de 2012. SAMPAIO, Márcio. Entrevista [via e-mail]. Belo Horizonte, 06 de agosto de 2013. SANT’ANNA, Affonso. Entrevista [via e-mail]. Rio de Janeiro, 21 de julho de 2011. SEBASTIÃO, Walter. Entrevista. Belo Horizonte, 23 de abril de abril de 2013. VIEIRA, Roberto. Entrevista [via Skype]. Fazenda em Nova Alagoa, Minas Gerais, 15 de abril de 2013. ______. Entrevista [via Skype]. Fazenda em Alagoa, Minas Gerais, 18 de agosto 2014. YAZBECK, Fuad. Entrevista. Juiz de Fora, 14 de maio de 2012. 299

ÍNDICE DAS IMAGENS Figura 1. “Parte da Planta da cidade de Juiz de Fora e arrabaldes na província de Minas Gerais”. Fonte: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento da Prefeitura de Juiz de Fora, 1981……………………..30 Figura 2.Vista panorâmica da Praça Antônio Carlos e Cia Têxtil Bernardo Mascarenhas (arquivo H. Ferreira) data provável 1900. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 10/11/2012………..31 Figura 3. Instituto Cândido Tostes, em 1958. Da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros de 31/01/59 (arquivo de Ramon Brandão). Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 10/11/2012………..32 Figura 4. Germano Otto em 1920 (Arquivo de Ramon Brandão). Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 10/11/2012………………………………………………………………………………...32 Figura 5. Fórum e Rua Halfeld em 20 de março de 1878, do Álbum do Município de Juiz de Fora; de Albino de Oliveira Esteves de 1915. Arquivo de Marcelo Lemos doado à Maria do Resguardo.Fonte: Disponível em: Acesso em: 10/11/2012……………………………………………………………………………………………..32 Figura 6. Galeria Pio X. Abril de 1963. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 10/11/2012……...38 Figura 7. Rua Halfeld, à direita - esquina de Avenida. Rio Branco. Década de 1960. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 24/10/2012……………………………………………………………………………………………..42 Figura 8. Rua Halfeld, esquina de Avenida Rio Branco, setembro de 1963. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 24/10/2012………………………………………………………………………………...43 Figura 9. Rua Halfeld 1964. Arquivo de Ramon Brandão, doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 24/10/2012……………………………………………………………………………………………..43 Figura 10. Rua Halfeld. Dezembro de 1964. Decoração de Natal. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fonte: Disponível em: Acesso em: 24/10/2012…………………………………………………………………………..….44 Figura 11. Rua Halfeld no final da década de 1960. À esquerda, o edifício do Cine Palace. Foto de Roberto Dornellas, doação à Maria do Resguardo Fonte: Disponível em: Acesso em: 24/10/2012…………………………………………………………………………………………..…44 Figura 12. Montagem – Inauguração do Calçadão da Halfeld, em 15/11/1975. Arquivo doado à Maria do Resguardo. Fotos de João Batista de Araújo. Disponível em: Acesso em: 24/10/2012……………………………………………………………………………………..….45 Figura 13. Esboço de Sílvio Aragão, feito por Décio Bracher, ainda adolescente. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…..80

300

Figura 14. Caricatura de Sílvio Aragão fumando, feita por Décio Bracher, ainda adolescente. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora………………………………………………………………………………………………....80 Figura 15. Esboços iniciais da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, feito por Décio Bracher. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…………………………………………………………………………………………….81 Figura 16. Esboços de uma sala de pintura da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras, feito por Décio Bracher. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora………….……………………………………………………...81 Figura 17. Caricatura feita por Pedro Carriço, retratando Décio Bracher. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora……………82 Figura 18. Esboço de um projeto de monumento em homenagem ao Carriço, feito por Décio Bracher, idealizado para ser construído no Parque Halfeld. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…………………………..…82 Figura 19. À esquerda, retrato de Dnar Rocha, feito por Carlos Bracher em 1957. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…..83 Figura 20. À direita, retrato de Clério Pereira, o Pimpinela, feito por Carlos Bracher em 1957. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora………………………………………………………………………………………………....83 Figura 21. À esquerda, retrato de Reydner Gonçalves, feito por Carlos Bracher em 1957. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora………………………………………………………………………………………………….....83 Figura 22. À direita, autorretrato de Carlos Bracher em 1957, com 16 anos. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…..83 Figura 23. Autorretrato de Carlos Bracher com óculos, em 1957. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora……………....83 Figura 24. Reprodução da tela “Artistas da SBAAP”, de Ângelo Bigi, 1952. Explicação de Décio Bracher sobre a tela, em 2012. Fonte: foto própria retirada de filmagem da entrevista com Décio Bracher em 12/02/2012, no MAMM, Juiz de Fora…………………………………………………….84 Figura 25. Prédio onde funcionou o Núcleo Antônio Parreiras na década de 1930. Fonte: AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004.p.10……..87 Figura 26. Beco da Parreiras. Obra de Décio Bracher, óleo sobre tela, 1957. Coleção do artista. Fonte: foto própria de imagem cedida pelo artista em 2011………………………………………...…89 Figura 27. Artistas da SBAAP. Obra de Ângelo Bigi, 1952. Além do próprio artista, que faleceu em 1953, aparecem retratados: Silvio Aragão, Heitor de Alencar, Luiz Soranço, Carlos Gonçalves, Américo Rodrigues, Marcos de Paula, Lage das Neves, Ângelo Bigi, Armando de Lima, Mário Paulo Tasca e Mário Vieira. Fonte: Disponível em: < http://www.abaap.com.br > Acesso em: 06/09/2012..91 Figura 28. Estudo de Carlos Bracher para a escultura Retrato de Reydner, à esquerda. Figura 29. Carlos Bracher, à direita, modelando escultura de Reydner.Fonte de ambas : AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004. p.22………………...92 Figura 30. Autorretrato de Dnar Rocha. Imagem do convite da Exposição Stehling &Dnar, na GAC, em 1972. Fonte: foto própria, imagem cedida por Nívea Bracher em 2012………………………….108 Figura 31. Imagem de uma obra de Dnar Rocha, do Catálogo da Exposição Coletiva de Artistas Mineiros, realizada em Belo Horizonte. Fonte: foto própria, imagem cedida por Nívea Bracher em 2012………………………………………………………………………………………………..…108

301

Figura 32, Figura 33 e Figura 34. Detalhes do teto transparente em acrílico da Galeria Pio X, que abrigou a Galeria de Arte Celina. Detalhes dos desenhos de Dnar Rocha, Juiz de Fora. Fonte: foto própria no local……………………………………………………………………………………….109 Figura 35 e Figura 36. Renato Stehling, ao lado de sua obra. Imagens do Catálogo da Exposição Coletiva de Artistas Mineiros. Fonte: foto própria, de imagem cedida por Décio e Nívea Bracher em 2012…………………………………………………………………………………………………..112 Figura 37. Retrato de Azureia. Obra de Reydner Gonçalves, (s/ registros de técnica, dimensões e data). Figura 38. Forma n.º1. Obra de Reydner Gonçalves, técnica mista sobre cartão, 1960 (obra sem registro de dimensões). Acervo SBAAP. Fonte de ambas imagens: CD-ROM que compõe o livro AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004..113 Figura 39. Retrato de Gil, à esquerda. Figura 40. Autorretrato em aquarela, à direita, dedicado à Nívea Bracher. Coleção da artista. Figura 41. Detalhe da dedicatória de Roberto Gil à Nívea Bracher, da referida aquarela anterior. Fonte das três imagens: fotos próprias, de imagens cedidas por Nívea Bracher em 2011……………………………………………………………………………………...114 Figura 42. Retrato de Roberto Gil. Obra de Nívea Bracher. Acrílica sobre tela, 61 X 46 cm, 1987. Figura 43. Verso da tela anterior, com a escrita de Gil na parte posterior da obra de Nívea Bracher. Fonte: foto própria, imagens cedidas por Nívea Bracher em 2011…………………………………..115 Figura 44. Ponte nova. Obra de Roberto Gil, óleo sobre tela, 1968. Coleção de José Luiz Ribeiro (sem registro de dimensões). Fonte: CD-ROM que compõe o livro AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004………………………………...117 Figura 45. Retrato de Roberto Vieira. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 50 cm X 40 cm, 1964.Coleção da artista. Fonte: foto própria, imagem cedida por Nívea Bracher em 2011………….118 Figura 46. Roberto Vieira em foto tirada no interior da Galeria de Arte Celina, em sua exposição individual, em 1973. Foto: imagem cedida pelo artista em 2014…………………………………….118 Figura 47. Bananas. Obra de Roberto Vieira, ano de 1973, exposta na GAC. Foto: imagem cedida pelo artista em 2014…………………………………………………………………………………..119 Figura 48. Série Paisagem. Obra de Roberto Vieira, óleo em tela sobre eucatex, 90 cm X 90 cm, final dos anos 1960 e início dos anos de 1970. Foto: imagem cedida pelo artista em 2014……………….120 Figura 49. Ruy Merheb. Foto de Frederico Prates Fonte: foto própria de imagem da Revista Momento, 1975.p.11……………………………………………………………………………………………..123 Figura 50. Estação ferroviária. Obra de Ruy Merheb, óleo sobre Eucatex, 1957. Coleção Leila Amaral. Fonte: CD-ROM que compõe o livro AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004…………………………………………………….123 Figura 51. Retrato de Celina Bracher. Obra de Ruy Merheb, óleo sobre tela, 69 cm X 54 cm, 1961.Coleção da família Bracher. Fonte: foto de Blima Bracher, cedida por ela em 2014………….123 Figura 52. Obra de Ruy Merheb, pertencente à coleção da família Bracher (s/ficha técnica). Fonte: foto própria, de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011………………………………………...123 Figura 53. Wandyr Ramos ao lado de sua pintura. Fonte: foto própria de imagem cedia por Nívea Bacher em 2012, do convite: LOPES, Décio. da Exposição Individual Wandyr Ramos: Convite/folder na Galeria de Arte Celina. Juiz de Fora, 1970.......…………………………………...125 Figura 54. Paisagem. Wandyr Ramos. Óleo sobre madeira, 1960. Coleção Iran Martins da Silva. Fonte: CD-ROM do livro AMARAL, Lucas Marques do. A Parreiras e seus artistas: crônica da Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras e dicionário biográfico de seus artistas. Juiz de Fora: FUNALFA Edições, 2004……………………………………………………………………………126

302

Figura 55. Estrada. Obra de Nívea Bracher. (Pintada em Grupo – com Nívea, Celina e também com Roberto Vieira), 37 cm X 45 cm, 1961. Coleção da artista. Fonte: foto de Blima Bracher, cedida por ela em 2014…………………………………………………………………………………………...127 Figura 56. Família de Christiano e Elizabeth Bracher com seus filhos: Germano, Emílio, Godofredo, Frederico, Mathilde, Emma e Adolfo. São Paulo, 1890. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011………………………………………………………………………………130 Figura 57. Casamento de Waldemar e Hermengarda em Belo Horizonte, 1931. Fonte: foto cedida por Nívea Bracher em 2011, que também se encontra no livro ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.77……………………………………………………………………………132 Figura 58. Os irmãos Bracher – atrás, da esquerda para a direita, Paulo; Décio ao centro; Celina à direita. Nívea à frente e à esquerda; Carlos à frente e à direita. Fonte: foto cedida por Nívea Bracher em 2011, que também se encontra no livro ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.77…………………………………………………………………………………………….133 Figura 59. Desenho de Décio Bracher, realizado com 7 anos, em 1939, da casa da Rua Ceará, em Belo Horizonte, onde nasceu Nívea Bracher. Fonte: foto própria, retirada de depoimento filmado em 12/02/2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora………………………………………………..134 Figura 60. Rascunho de texto preparado pela família Bracher sobre a chegada em Juiz de Fora. Fonte: foto própria, imagem cedida por Décio e Nívea Bracher, em 2011………………………………….135 Figura 61. Os Bracher em Juiz de Fora. O casal Waldermar e Hermengarda e seus filhos: da esquerda, para a direita, em ordem estão: Nívea, Paulo, Celina, Décio e Carlos Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Carlos Bracher em 2013………..………………………………………………..136 Figura 62. Foto antiga do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Carlos Bracher em 2013……………………………………………………………………………………...139 Figura 63. No desenho, à esquerda, Fábrica de Gasogênio de Waldemar Bracher, atrás, chaminé do Curtume Krambeck, onde Waldemar Bracher trabalhou. À frente, no centro, uma parte do casarão que era uma Churrascaria e mais à direita a Cervejaria José Weiss. Desenho de Décio Bracher, Fonte: foto própria, retirada de depoimento filmado 12/02/2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora…….141 Figura 64. Algumas palestras públicas de Waldemar Bracher. Fonte: foto própria, de material cedido por Nívea Bracher em 2012…………………………………………………………………………..143 Figura 65. Algumas peças de louça da Louçarte. Fonte: foto própria, realizada na Exposição Louçarte, em setembro de 2011, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, Juiz de Fora………..145 Figura 66. Peças da Louçarte. Fonte: foto própria, realizada no ateliê do Castelinho dos Bracher, em 2012…………………………………………………………………………………………………..145 Figura 67 e Figura 68. Pratos da Louçarte. Fonte: foto própria, realizada na sala do Castelinho dos Bracher, em 2012……………………………………………………………………………………..146 Figura 69 e Figura 70. Pratos da Louçarte. Fonte: foto própria, realizada na sala do Castelinho dos Bracher, em 2012. ……………………………………………………………………………………146 Figura 71. Portão Ramsés. Observa-se o n.º 300 da residência, situada à Rua Antônio Dias, bairro Granbery. Fonte: foto própria, realizada no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, em 2012………..147 Figura 72. Portão Napoleão. Fonte: foto própria, realizada no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, em 2012……………………………………………………………………………………………….147 Figura 73. Portão Rapunzel. Fonte: foto própria, realizada no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora, em 2012……………………………………………………………………………………………….147 Figura 74. Díptico. O casal Waldemar e Hermengarda Bracher. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela. Fonte: foto própria, imagens cedidas por Nívea Bracher, em 2011……………………………..148

303

Figura 75. Foto do cartão de convite da Exposição dos irmãos Bracher: Nívea, Celina, Décio e Carlos, de 08 a 23 de setembro de 1963. Fonte: foto própria, imagem cedida por Décio e Nívea Bracher em 2012…………………………………………………………………………………………………..151 Figura 76. Nívea, Carlos e Décio em sua primeira exposição em 1960. Fonte: foto cedida por Nívea Bracher em 2011, que também se encontra no livro: ARAÚJO, Olívio Tavares de. Bracher. São Paulo: Métron, 1989, p.80……………………………………………………………………………151 Figura 77. À esquerda, Décio Bracher ainda na adolescência. Fonte: foto própria de imagem cedida por sua prima Lotus Lobo, em 2011………………………………………………………………….152 Figura 78. À direita, Retrato de Décio Bracher. Obra de Nívea Bracher em acrílica e fusain sobre tela, 61cm X 46 cm, 1993. Fonte: foto própria, realizada em exposição da artista no MAMM de Juiz de Fora, em 2011………………………………………………………………………………………...152 Figura 79. Desenho de mobiliário. Fonte: foto própria, retirada do vídeo de depoimento de Décio Bracher em 12/02/2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora…………………………………...153 Figura 80. Explicações em depoimento de Décio Bracher em 30/07/2011 sobre o projeto arquitetônico do MAMM. Fonte: foto própria, imagem retirada da filmagem, na data mencionada, no MAMM, Juiz de Fora………………………………………………………………………………………………..154 Figura 81. À direita, detalhe da sacada do edifício do MAMM, com três banners pendurados. Nívea Bracher encontra-se em frente ao edifício. Fonte: foto própria, imagem retirada desta filmagem de 30/07/2011, MAMM, Juiz de Fora…………………………………………………………………...154 Figura 82. À esquerda, detalhe dos três coqueiros do jardim do MAMM. Fonte: foto própria, imagem retirada da filmagem de 30/07/2011, MAMM, Juiz de Fora…………………………………………155 Figura 83. À direita, detalhe dos três mastros do jardim do MAMM. Fonte: foto própria, imagem retirada da filmagem de 30/07/2011, MAMM, Juiz de Fora………………………………………....155 Figura 84. Depoimento de Nívea Bracher, com os irmãos Décio e Carlos no MAMM. Fonte: foto própria, imagem retirada da filmagem de 30/07/2011, MAMM, Juiz de Fora……………………….156 Figura 85. Demolição de Juiz de Fora. Obra de Décio Bracher, 1957, óleo sobre tela. Coleção do artista. Fonte: foto própria, imagem cedida pelo artista em 2011…………………………………….157 Figura 86. Salvai o Azul da Asfixia do Concreto. Díptico. Obra de Décio Bracher. Óleo sobre tela, coleção do artista. Fonte: foto própria, imagem cedida por Décio Bracher em 2011………………..157 Figura 87. A fonte não devolve o Palácio. À direita, o Palácio Monroe. Montagem. Duas obras de Décio Bracher, em óleo sobre tela. Fonte: arquivo próprio, imagens cedidas por Décio Bracher em 2011…………………………………………………………………………………………………..159 Figura 88. Perimetral. Obra de Décio Bracher. Fonte: foto própria, retirada de filmagem de depoimento de Décio Bracher em 12/02/2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora……………160 Figura 89. Desenho de registro - Demolição na Praça XV de Novembro, Rio de Janeiro. Obra de Décio Bracher. Fonte: foto própria, retirada de filmagem de depoimento de Décio Bracher em 12/02/2012, no Castelinho dos Bracher, Juiz de Fora………………………………………………..160 Figura 90 e Figura 91. Nívea Bracher em sua juventude. Fonte: fotos próprias, imagens cedidas pela artista em 2012………………………………………………………………………………………..161 Figura 92. Montagem realizada com vários Autorretratos de Nívea Bracher, das décadas de 19601970. Fonte: fotos próprias, imagens cedidas pela artista em 2012………………………………….162 Figura 93. Uma reunião de amigas. Da esquerda para a direita, Nívea Bracher é a segunda pessoa retratada e Celina Bracher é a última, à direita. Fonte: foto própria de imagem cedida por Carlos Bracher em 2013……………………………………………………………………………………...163 Figura 94. Estação. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 40 cm X 53 cm, 1961. Coleção da artista. Fonte: foto própria, realizada na exposição da artista no MAMM, em 2011. Figura 95. Casa da Lili -

304

Rua das Lages. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre tela, 45 cm X 60 cm, 1964. Coleção da artista. Fonte: foto própria, realizada na exposição da artista no MAMM, em 2011. …………………….....163 Figura 96. Parede de retratos da Exposição Nívea Bracher no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, MAMM, Juiz de Fora, 2011. Fonte: foto própria realizada no local……………………….164 Figura 97. Parte de um painel – Rebrincando a paisagem, obra de Nívea Bracher. Fonte: foto própria, realizada com a artista, no Castelinho dos Bracher, 2011……………………………………………166 Figura 98. Carlinhos, irmão querido. Obra de Nívea Bracher. Óleo sobre tela. 73cm X 54 cm. Fonte: própria, fotografia realizada no MAMM, 2011………………………………………………………169 Figura 99. Rua do Aleijadinho. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 53 cm X 72 cm, 1967. Coleção de Cesar Xavier Bastos. Fonte: foto própria, de imagem cedida pelo colecionador, 2011…170 Figura 100. Autorretrato. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 46 cm X 33 cm, 1963. Coleção da família Bracher. Fonte: foto própria, realizada em exposição no MAMM, em 21/08/2013, JF……..170 Figura 101. Desenho – esboço de Ouro Preto, de 1964, encontrado em arquivos. Obra de Carlos Bracher, Coleção da família Bracher. Fonte: foto própria, imagem cedida por Nívea Bracher, 2012…………………………………………………………………………………………………..172 Figura 102. Privada Inglesa do Castelinho. Obra de Carlos Bracher, óleo sobre tela, 1967. Fonte: foto própria em 2011 e ficha técnica do quadro, fornecida por Blima Bracher em 2014…………………173 Figura 103. Túmulos. Obra de Carlos Bracher em óleo sobre tela, 1967, (100 x 72,5 cm). Fonte: acervo da Coleção Museu Nacional de Belas Artes/IBRAM/MinC. do Rio de Janeiro, catalogada sob o registro n.º 319………...……………………………………………………………………………...174 Figura 104, Figura 105 e Figura 106. Convite Bracher 1967. Exposição Galeria de Arte Celina. Fonte: fotos próprias de imagens cedidas por Nívea e Décio Bracher em 2012……………………..178 Figura 107. À esquerda, Fani Bracher. Fotografia: Germano Neto. Fonte: imagem do site da artista: BRACHER, Fani. Vida. Disponível em: < http://www.fanibracher.com.br/ > Acesso em: 17/08/2014……………………………………………………………………………………………180 Figura 108. Fani Bracher, à direita. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário da Tarde, JF, 26/12/1977………………………………………………………………………………………........180 Figura 109. Paisagem. Obra de Fani Bracher, óleo sobre tela, s/dimensões, s/data, década de 1960. Fonte: foto cedida por Blima Bracher, em 2014……………………………………………………...181 Figura 110. Paisagem. Obra de Fani Bracher, óleo sobre tela, s/dimensões, s/data, década de 1960. Fonte: foto cedida por Blima Bracher, em 2014……………………………………………………...181 Figura 111. O casal Carlos e Fani Bracher, com a filha Blima, na Torre do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria de imagem publicada pela Revista Momento, 1975, p.22……………………….182 Figura 112. O casal Carlos e Fani Bracher, com a filha Blima, à esquerda e à direita a filha Larissa, ainda bebê. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário da Tarde, JF, em 26 de dezembro de 1977, página 3, material cedido por Nívea Bracher em 2011………………………………………...183 Figura 113. Paulo Bracher, primeiro à esquerda, junto aos demais amigos. A última moça à direita, de saia branca é sua irmã, Celina Bracher. Foto da década de 1960. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea e Carlos Bracher em 2013………………………………………………………………....186 Figura 114. Meu irmão. Obra de Nívea Bracher, óleo sobre madeira, 44 cm X 35 cm, 1958. Fonte: foto própria, realizada em exposição da artista no MAMM, Juiz de Fora, 2011…………………….187 Figura 115. Paulo Bracher ao lado de seu retrato pintado pela irmã Nívea Bracher. Fonte: foto própria, realizada em exposição de Nívea Bracher no MAMM, Juiz de fora, 2011…………………187 Figura 116. Paulo dormindo. Desenho de Décio Bracher, 1957. Fonte: foto própria, retirada de filmagem de depoimento de Décio Bracher em 12/02/2012…………………………………………187

305

Figura 117. Celina Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…..188 Figura 118. Décio Bracher, ao lado Schirley e à direita, Celina Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011………………………………………………………….188 Figura 119. Celina Bracher entre um grupo de amigos. Observa-se na imagem, que ela é a única mulher de calças compridas. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…..188 Figura 120. Celina Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…..189 Figura 121. Montagem com várias faces de Celina Bracher. As duas imagens superiores, ela aparece entre um grupo de amigos, é sempre a pessoa que está à direita. Fonte: fotos e montagem próprias, de imagens cedidas por Carlos e Nívea Bracher, em 2011 e 2012………………………………………190 Figura 122. Decálogo do Bom Visitante. Fonte: arquivo próprio, imagem cedida por Nivea Bracher em 2011…………………………………………………………………………………………….....193 Figura 123. Decálogo da Boa Tia. Fonte: foto própria, imagem cedida por Lotus Lobo, dia 28 de dezembro de 2010…………………………………………………………………………………….195 Figura 124. Saiazar. Pôster realizado pela família Bracher. Fonte: foto própria, de imagens cedidas por Nívea Bracher em agosto de 2011………………………………………………………………..198 Figura 125. “Heribaldo, Lotus, ?, o anjo Paulinho (de braços abertos), Dona Eva, Ymah Théres, atrás do Ruy Merheb”. Fonte: Saiazar. Foto próprias, de imagens cedidas por Nívea Bracher em agosto de 2011……………………………………………………………………….………………………….198 Figura 126. Reydner e Celina e no Saiazar. Figura 127. Celina e Professor Franz no Saiazar. Fonte de ambas: fotos próprias, de imagens cedidas por Nívea Bracher em agosto de 2011………………198 Figura 128. Sem título. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 33 cm X 41 cm,1962. Fonte: foto e ficha técnica cedidas por Blima Bracher, em 2014…………………………………………………..200 Figura 129. Paisagem. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 33 cm X 41 cm, 1963. Fonte: foto e ficha técnica cedidas por Blima Bracher, em 2014…………………………………………………..200 Figura 130. Natureza morta. Obra de Celina Bracher. Óleo sobre tela, 1963. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011………………………………………………….………200 Figura 131. Catálogo do XII Salão Oficial Municipal de Belas Artes, 1962, Juiz de Fora. Fonte: própria, material cedido por Nívea Bracher em 2012………………………………………………...201 Figura 132. Convite - Irmãos Bracher – Nívea, Celina, Décio e Carlos. Exposição de 8 a 23 de setembro de 1963, à Avenida Rio Branco, 2181. Fonte: foto própria, material cedido por Nívea Bracher em 2012……………………………………………………………………………………...202 Figura 133. Da esquerda para a direita, Carlos Bracher, Nelson Travnick, Rose, Celina Bracher ao centro. A seguir, Cleusa, Rachel, Lotus Lobo à direita (prima dos irmãos Bracher) e à frente, inclinada, Nívea Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea e Carlos Bracher em 2013……….203 Figura. 134. Celina Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea e Carlos Bracher em 2013…………………………………………………………………………………………………..203 Figura 135. Castelinho dos Bracher. Rua Antônio Dias 300. Bairro Granbery, Juiz de Fora. Fonte: foto própria, realizada no local……………………………………………………………………….204 Figura 136. À esquerda, esboços rápidos de Nívea Bracher para a torre. Fonte: foto própria, imagem cedida pela artista Nívea Bracher, em 2012………………………………………………………….205 Figura 137. À direita, parte interna da torre. Fonte: foto cedida por Blima Bracher em outubro de 2014…………………………………………………………………………………………………..205 Figura 138. Imagem à esquerda, detalhe da torre. Fonte: foto cedida por Blima Bracher em outubro de 2014…………………………………………………………………………………………………..206 Figura 139. Imagem à direita, torre do Castelinho. Fonte: foto própria, tirada em 2012, no local….206

306

Figura 140 e Figura 141. Homenagem à Magritte, por Nívea Bracher. Banheiro social do Castelinho dos Bracher. Fonte: fotos próprias de imagens cedidas pela artista Nívea Bracher, em 2012…….....206 Figura 142 e Figura 143. Homenagem à Mondrian, por Nívea Bracher. Teto do piso superior do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto da esquerda cedida por Blima Bracher em 2014. Foto da direita, própria, tirada em 2013, no local……………………………………………………………………..206 Figura 144. Imagem superior á esquerda, teto do corredor do Castelinho dos Bracher. Brincadeira com Frank Stella. Fonte: foto própria tirada em 2012, no local……………………………………...207 Figura 145. Imagem superior à direita, do teto do quarto verde. Brincadeira com Frank Stella. Fonte: foto cedida por Blima Bracher em 2014……………………………………………………………...207 Figura 146. Imagem inferior à esquerda, quarto amarelo/lilás. Brincadeira com Frank Stella. Fonte: foto própria tirada em 2012, no local…………………………………………………………………207 Figura 147. Imagem inferior à esquerda, teto do banheiro social do piso superior. Brincadeira com Frank Stella. Fonte: foto própria tirada em 2012, no local…………………………………………...207 Figura 148. À esquerda, homenagem a Matisse, por Nívea Bracher. Banheiro social do piso superior do Castelinho. Figura 149. Ao centro, coluna com motivos egípcios, por Nívea Bracher. Banheiro social do piso superior do Castelinho. Figura 150. À direita, xícara: uma brincadeira com Frank Stella, por Nívea Bracher. Fonte: fotos próprias realizadas no local…………………………………207 Figura 151 e Figura 152. Detalhes de um dos gradis de Nívea Bracher, da área de convivência - parte posterior do Castelinho dos Bracher. Fonte: fotos próprias realizadas em 2012, no local…………...208 Figura 153 e Figura 154. Detalhes de um dos anexos do Castelinho, com a composição geométrica e vidraças criadas por Nívea Bracher. Fonte: fotos próprias realizadas em 2012, no local……………208 Figura 155. Porta de entrada do ateliê dos Bracher no Castelinho – vista da varanda. Fonte: foto própria realizada em 2012, no local…………………………………………………………………..209 Figura 156. Vista parcial da parte interna do ateliê dos Bracher no Castelinho. Fonte: foto própria realizada em 2012, no local…………………………………………………………………………..209 Figura 157. Celina Bracher à esquerda, na mesa da cozinha do Castelinho dos Bracher, com amigos. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2013………………………………….212 Figura 158. Pintura de Nívea Bracher – homenagem à Magritte - na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher, em 2012…………………..213 Figura 159. Pintura de Nívea Bracher – homenagem às bandeirinhas de São João – na cozinha do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2012…….…213 Figura 160. Esboço prévio em papel para a pintura de Nívea Bracher – homenagem à Delaunay- na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria, realizada no local, de desenho cedido por Nívea Bracher em 2012…………………………………………………………………..213 Figura 161. Pintura de Nívea Bracher – homenagem à Delaunay - na parede da cozinha do Castelinho dos Bracher. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2012…………………...213 Figura 162. Ordem da Torre, logomarca de Carlos Bracher. Fonte: foto própria, de arquivo cedido por Carlos e Nívea Bracher em 2011……………………………………………………………………..214 Figura 163. Ordem da Torre, texto de Carlos Bracher. Fonte: foto própria, de arquivo cedido por Carlos e Nívea Bracher, em 2011…………………………………………………………………….215 Figura 164, Figura 165 e Figura 166. Imagens dos documentos – “Ordem da Torre”. Pessoas que receberam Ordem da Torre e outras ainda a receberem, de Carlos Bracher. Fonte: foto própria, de arquivo cedido por Carlos e Nívea Bracher, em 2011………………………………………………..216

307

Figura 167. Pintura ao ar livre. Celina Bracher em pé e à esquerda, ao cavalete está Nívea; ao chão seu irmão Décio Bracher com a esposa Schirley, em pé, mais ao fundo. Fonte: foto própria, de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…………………………………………………………………...217 Figura 168. Convite de inauguração da GAC. Fonte: foto própria de imagem cedida por Décio e Nívea Bracher em 2012………………………………………………………………………………224 Figura 169. Montagem feita com fotos do edifício, Galeria Pio X, que abrigou a GAC. As setas verdes indicam as janelas da Galeria de Arte. Fonte: imagens do site, disponíveis em : < http://www.mariadoresguardo.com.br/ > Acesso em 02/12/2012…………………………………....225 Figura 170. Logomarca da GAC – iniciais, em ferro fundido. Idealização e concretização de Waldemar Bracher. Fonte: foto própria, do objeto que faz parte do acervo da família, apresentado por Nívea Bracher, 2010………………………………………………………………………………….227 Figura 171. Esboço da planta baixa da GAC em guardanapo feito por Nívea Bracher, 21/04/2013. Fonte: foto própria, realizada do guardanapo, que se encontra em arquivo pessoal…………………228 Figura 172. Esquema baseado em esboço de memória de Nívea Bracher-GAC, feito por Cláudia Matos Pereira, 2014. Fonte: arquivo pessoal……………………………………………………....…228 Figura 173. Um exemplar de spot feito com lata de Neston e que foi usado na GAC. Fonte: foto própria de objeto, que faz parte do acervo da família, apresentado por Nívea Bracher, em 26 de agosto de 2010………………………………………………………………………………………………..230 Figura 174. Interior da GAC. Exposição de Carlos Bracher. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, dia 19 de janeiro de 1968…………………………………………………….232 Figura 175. À esquerda, Curso de Barroco na GAC, com Frederico Morais, crítico de arte, em maio de 1966. Foto: própria, de imagem cedida por Carlos Bracher em 2011…………………………….235 Figura 176. À direita: Curso de Arte Moderna: do Impressionismo à Arte de Vanguarda, com o crítico Pierre Santos, em junho/julho de 1972. Fonte: foto própria, de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 21 a 28 de junho de 1972…….………………………………………………235 Figura 177. Inauguração da mostra Afrescos e Ícones medievais da Iugoslávia, em julho de 1966. Fonte: foto própria de imagem cedida por Carlos Bracher em 2011…………………………………236 Figura 178. GAC traz arte iugoslava a Juiz de Fora. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, 26 e 27 de julho de 1966. ……………………………………………….......................…236 Figura 179. Montagem - Exposição e imagens da GAC Exposição de 40 gravuras nacionais e estrangeiras do MAC da USP. Fonte: fotos próprias de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, 30 e 31 de julho de 1967…………………………………………………………………………………...236 Figura 180. Exposição de 40 gravuras nacionais e estrangeiras do MAC da USP, em agosto de 1967. Fonte: foto própria, de catálogo cedido por Décio e Nívea Bracher em 2011……………………….237 Figura 181. Exposição Di Cavalcanti na GAC. Fonte: foto própria, de catálogo cedido por Décio e Nívea Bracher em 2011………………………………………………………………………………237 Figura 182. Exposição de miniaturas de Michel Confort na GAC. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, dia 24 e 25 de novembro de 1968……………………………………238 Figura 183. Montagem. À esquerda, GAC mostra Gravuras Holandesas. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, 09 de maio de 1969. À direita: Convite de Exposição das Gravuras Holandesas dos séculos XVI, XVII e XVIII. Fonte: foto própria, catálogo cedido por Décio e Nívea Bracher, em 2011……………………………………………………………………………...238 Figura 184. Vernissage na GAC. 50 pintores locais. Fonte: Jornal O Sete, JF, 06/12 de Junho. 1970. n.º 2. Ano I. Foto própria, de Jornal cedido por Fuad Yazbeck……………………………………....239

308

Figura 185. Bracher: impacto outra vez. Figura 186. Bracher em exposição na GAC. Fonte de ambas: fotos próprias de imagem Jornal Diário Mercantil, JF, 25 de maio de 1971 e Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 19 a 25 de maio de 1971……………………………………….…………….239 Figura 187. Exposição Quarteto. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 10 a 16 de novembro de 1971…………………………………………………………………….240 Figura 188. Os 4 jovens artistas: Fernando Pitta e Álvaro Lobo, à frente; Arlindo Daibert e Carlos Miranda, ao fundo, aparecem na GAC, em sua exposição Quarteto. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 10 a 16 de novembro de 1971………………………………..240 Figura 189. Exposição de Picasso na GAC. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF; 24 a 30 de novembro de 1971……………………………………………….241 Figura 190. À esquerda, Exposição 100 obras-primas de Arte francesa. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 29 de março a 04 de abril de 1972. Figura 191. À direita, Exposição Mineiros em Galeria. Fonte: foto própria de imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…………………………………………………………………………………………………..241 Figura 192. À esquerda Exposição Dnar & Stehling. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 05 a 11 de julho de 1972. Figura.193. À direita, cartaz realizado pela GAC para divulgação da exposição. Fonte: foto própria, imagem cedida por Nívea Bracher em 2011…...242 Figura 194. Delacroix na GAC. Fonte: foto de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR, JF, 20 a 26 de setembro de 1972………………………………………………………………………………242 Figura 195. Catálogo de Exposição de Carlos Wolney. e Figura 196. Catálogo de Exposição de Pintura e Cerâmica: Ione Fonseca e Ana Quirino. Fonte: fotos próprias, de imagens cedidas por Nívea Bracher em 2011………………………………………………………………………………243 Figura 197 e Figura 198. Elegias, Casas e Gente na GAC. Fonte: fotos próprias de imagens dos Jornais Diário Mercantil, JF, de 02 de junho de 1973, e o exemplar de 3 e 4 de junho de 1973, respectivamente………………………………………………………………………………………243 Figura 199. Samba na Galeria. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, 03 de abril de 1973………………………………………………………………………………………….244 Figura 200. GAC Mostra Baiano. Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, 15 e 16 de abril de 1973………………………………………………………………………………….244 Figura 201.Cartaz Collage 66 com imagem de Affonso Romano de Sant’Anna e Figura 202. Cartaz de divulgação do evento Collage 66. Fonte: fotos próprias, de cartazes cedidos por Nívea Bracher em 2011…………………………………………………………………………………………………..246 Figura 203, Figura 204 e Figura 205. Peças de teatro de Paulo Autran realizadas em Juiz de Fora pela iniciativa da Galeria de Arte Celina. Fonte: fotos próprias de cartazes cedidos por Nívea Bracher em 2011. A Figura 204, ao centro, Fonte: foto própria, de imagem do Jornal Diário Mercantil, JF, 21 de novembro de 1966……………………………………………………………………………...250 Figura 206. O Zoo. A peça de teatro foi ensaiada e encenada da GAC, em 1971.Fonte: foto própria de imagem do Jornal Diário Mercantil DM JR,JF, 04 a 10 de agosto de 1971……………………….252 Figura 207. Faixa Abre Alas estilo pop, pintada por Roberto Vieira para o desfile da Turunas em 1973. Fonte: foto própria, de faixa cedida por Nívea Bracher em 2011. Figura 208. e Figura 209. Documentos sobre a Ala da GAC, Ala 13 da Turunas. Fonte: fotos próprias, dos documentos cedidos por Nívea Bracher, em 2011………………………………………………………………………….254 Figura 210. 4 cartazes de Festivais e Curso de Cinema, com participação, ou envolvimento da Galeria de Arte Celina. Fonte: fotos próprias, de cartazes cedidos por Nívea Bracher, 2010………………..262 Figura 211. “Bracher Casa Museu” – Alguns dos inúmeros esboços do Bloco de Desenhos de Décio Bracher. Desenhos. Fonte: Fotos próprias, de desenhos cedidos por Décio Bracher em 2011 e em julho de 2013………………………………………………………………………………………………..283

309

ANEXO CRONOLOGIA DA GALERIA DE ARTE CELINA – GAC (1965-1975) I Exposição Inaugural, dia 18 de dezembro de 1965: os irmãos Bracher: Nívea, Décio e Carlos Bracher, na GAC, às 20h, com participação do Coral do PioXII. II A GAC, de janeiro de 1966 a agosto de 1967 Conforme o Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina266 organizado e redigido por Carlos Bracher, de janeiro de 1966 a julho de 1967, naquela época, Juiz de Fora era a segunda cidade de Minas, com cerca de 220 mil habitantes, centro industrial, comercial e estudantil de grande evidência que servia a ampla região do Estado. Possuía já uma Universidade Federal, a UFJF, e um dos mais importantes acervos históricos culturais do país: o do Museu Mariano Procópio. Integrada na vida da cidade, como dinâmico centro cultural, a Galeria de Arte Celina, GAC, desenvolvia um movimento abrangendo as Artes Plásticas, Cinema, Teatro, e colaborava no setor literário e musical da comunidade com excelente participação do público. “Em um ano e meio realizou 228 promoções de ‘elevado gabarito’, desde exposições internacionais, de Picasso, Morandi, Chagall, aos grandes nomes nacionais: Di Cavalcanti, Guignard, Pancetti, Scliar, além de valores locais” (BRACHER, C., 1967). Promoveu dois Cursos de Arte com: o crítico Frederico Morais e com o diretor do Museu de Ouro Preto, Orlandino Seitas Fernandes. Um completo Curso de Cinema, com a parceria do Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais (CEC/MG) e de Juiz de Fora (CEC/JF), com participação de 18 professores, sociólogos, críticos, cineastas, como: Luciano Gusmão, Salvyano Cavalcanti Paiva, Alex Viany, Gustavo Dahl, num total de 168 aulas ilustradas por 1.800 slides. Foram vistas 164 películas da evolução cinematográfica, desde as primeiras experiências de 1895 aos nossos dias, com filmes da importância dos clássicos americanos. A Turba, Lírio Partido; do raro Lousiana Story; Une Partie de Campagne; os expressionistas alemães; A Terra, A Mãe e Que Viva o México, de Eisenstein. Foram realizadas 48 apresentações teatrais em Juiz de Fora, 11 em cidades do “ciclo do ouro” e Estado do Rio. Apresentou Liberdade, Liberdade, espetáculo de Paulo Autran para 3.200 pessoas. Realizou conferências de arte, Festivais de Cinema, Americano, Francês, Buster Keaton, além de 119 sessões de 2.354 filmes de vários países e filmes nacionais. A GAC foi laureada com a “Dúzia de Ouro” como uma das entidades que mais se destacaram no setor de Arte e Cultura, em Juiz de Fora. Pleiteava a transformação em Fundação Cultural: forma adequada à multiplicidade das atividades que realizava. Segundo Carlos Bracher, ainda neste relatório, a GAC tinha por planos: manter o alto gabarito de promoções; adquirir terreno e construir sede própria; criar o Museu de Arte da Cidade; ampliar a Biblioteca, Discoteca e Acervo; incentivar as artes locais e dinamizar o intercâmbio cultural com outras cidades – contribuindo, desta forma, na difusão da cultura. Artes plásticas - foram realizadas 18 exposições: individuais e coletivas de 106 artistas nacionais e estrangeiros; exposições didáticas de reproduções fotográficas e concursos; 2 cursos de artes, com viagens-pesquisa a museus e cidades histórias; 20 conferências, palestras e apresentações; 26 sessões de 39 filmes e documentários ilustrativos de arte, em curtas e longas metragens.

266

O Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina, redigido por Carlos Bracher (1966 a 1968), foi entregue em mãos, à pesquisadora, para desenvolvimento de estudos e realização desta tese, por Nívea Bracher em 28 de agosto de 2010, em Juiz de Fora, no Castelinho dos Bracher.

310

Cinema - a GAC realizou, conjuntamente com o CEC: 1 Curso de Cinema, com 168 aulas ilustradas com slides e 164 filmes; 44 sessões com 67 filmes de curtas e longas metragens; 3 festivais: do Cinema Americano, Francês e Buster Keaton; I Festival do Cinema Brasileiro em Juiz de Fora (debate); I Festival do Cinema de Arte Francês (co-promoção com o Cine Palace). Foi exibido na Galeria um total de 235 filmes, em um total de 119 sessões. Teatro – o público da GAC e de algumas cidades foi contemplado com 48 apresentações teatrais, de 10 peças distintas; 11 apresentações em cidades de Minas e Estado do Rio; 1 palestra com o diretor Paulo Afonso Grisolli; 2 sessões com 4 filmes sobre Teatro. Música e literatura – destacam-se nestas áreas: a conferência de Alfredo Mello; apresentações musicais informais diversas; 7 sessões de 12 filmes; lançamentos de livros. A GAC foi também local de ensaio do ex-Coral Pio XII (atual Coral Universitário) e funcionou como sede eventual e de fundação de entidades musicais e literárias. Intercâmbio, participação e divulgação – durante seu funcionamento, a GAC celebrou: convênio com o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, MAC- USP; intercâmbio com museus, embaixadas, cinematecas, editoras e galerias. Realizou promoções em conjunto com a Reitoria da UFJF, Governo de Minas, Faculdade de Filosofia da UFJF, DAT, Prefeitura Municipal, NUME, CEC/MG, CEC/JF, Teatro Universitário, Clube Sírio Libanês e outras entidades. Exposições individuais e coletivas de 108 artistas: Artistas estrangeiros: Picasso; Morandi; Chagall; Bissière; Schimidt Rotluff: Hayter; Hamaguchi; Ben Shan; Maccari; Kenneth Martin; Baskin; Music; Makuo; Goerg; Citron; Fisher; Ceri Richards; John Piper; Gear; Mihelic; Alenchinsky; Bartolini; Perez de Sanctir; Adam; Eduardo Paolozi. Artistas Nacionais: Di Cavalcanti; Guinard; Pancetti; Goeldi; Scliar; Grassmann; Marcier; Darel; Fayga Ostrower; Izabel Pons; Piza; Quaglia; Edith Bhering; Maria Bononi; Inimá de Paula; Lívio Abramo; Raul Porto; Anna Letycia; Roberto Magalhães; Estevão; Edson Motta; Sílvia Cháreo; Marília Rodrigues; Nívea Bracher; Roberto Gil; Samico; Pietrina Checcacci; Wilma Martins; Carlos Bracher; Lotus Lobo; Ana Bela Geiger; Zorávia Bettiol; Miriam Chiaverini; Sgreccia; Guimarães Vieira; Emmanoel Araújo; Reydner; Renato de Almeida; Tasca; Vera Barcellos; Regina Silveira; Suzuky; Sônia Castro; Célia Shalders; Marina Bartholo; Bellucci; Heitor de Alencar; Leo Fhuro; Celso Barbosa; Bernardo Caro; Guidacci; Ruy Merheb; Míriam Monteiro; Décio Bracher; Georgete Melhem; Décio Gerhard; Édson Luz; Evandro Jardim; Ângelo Lenson; Frederico Bracher Jr.; Gutierrez Alcântara; Trindade Leal; Henrique Lacerda; Américo Rodrigues; Celina Bracher; Silvio Aragão; Monteiro Viana; Dnar Rocha; Clério P. Souza; Franz Hochleitner; Lourdes Costa; Ângelo Bigi; Lenine; Wandyr Ramos; Katarina Zelentzeff; Mário Vieira; Luís Coelho. Exposições de Gravuras, reproduções, fotografias e concursos II Exposição da Jovem Gravura Nacional, do MAC da USP; 40 Gravuras Nacionais e Estrangeiras, do MAC da USP; Ícones e Afrescos Medievais da Iugoslávia; - Fotografias de Evandro Santiago sobre o Barroco Mineiro; 3 exposições de Concursos infantis e juvenis Contraponto; Cristo Inacabado – exposição inédita de obra em escultura, de autor desconhecido, provavelmente do século XVIII; Exposição de Arquitetura Francesa, sob o auspício da embaixada da França. Foram realizadas visitas-guiadas para estudantes de diversos estabelecimentos de ensino, inclusive Faculdade de Filosofia e Letras. *Inclui-se neste relatório de Carlos Bracher um Curso de Arte Contemporânea, ministrado pelo crítico Frederico Morais, na GAC, por ocasião da referida exposição de 40 Gravuras Nacionais e Internacionais, julho/agosto de 1967. Dois cursos ministrados: A) Curso de Barroco: 20 aulas ilustradas por slides, filmes e pesquisas realizadas com os alunos nas cidades históricas mineiras de Sabará, Ouro Preto, Mariana e Congonhas do 311

Campo, em maio/junho de 1966. Curso ministrado pelo crítico de arte Frederico Morais (na época, professor no MAM/Rio, membro de Júri comissionado da IX Bienal de Tóquio e pesquisador do Barroco). Conteúdo do curso: 1) Teorias do Barroco. As teorias genético-formais (Worringer; Henri Focillon; Heinrich Wolfflin; Eugênio D’ors); as teorias genético-sociais (Leo Ballet; Arnold Hauser; Wener Weisbach; Victor Lucien-Tapíé); 2) O Barroco na Europa (época, características, sentido, barroco do Norte e do Sul; pintura, escultura, arquitetura, etc); 3) Antecedentes (Idade Média; Gótico); 4) Antecedentes (Renascimento; Maneirismo – Hauser; Dvorak; Venturi); 5) Rococó (a época, absolutismo, predomínio da mulher, a ótica teatral, o sentido de festa, pintura, arquitetura, escultura, etc); 6) Barroco no Brasil (características do Barroco litorâneo – Recife, Bahia; Rio/São Paulo – três eixos principais e suas ligações com a cultura da cana-de-açúcar, com a Igreja e a administração portuguesa; a importância de modelos portugueses; Barroco jesuítico); 7) Barroco em Minas (coroamento do Barroco luso-brasileiro; o ouro e o Barroco, a estrutura socioeconômica e política da exploração do ouro; o sentido dinâmico da sociedade mineira dos séculos XVII e XVIII; Mulatismo; ouro, Barroco e independência); 8) Situação religiosa e cultural (as irmandades, a crise religiosa, fausto e decadência; além das artes plásticas, a poesia –Movimento Arcadista, o teatro, a música; o comportamento Barroco e a civilização mineira; o homem de Minas); 9) As peculiaridades do Barroco mineiro (aplicação das teorias do barroco em Minas, especialmente – Ballet, Worringer, Tapié; um Barroco diferente de Portugal e do resto do Brasil). 10) Aulas práticas: viagens - Congonhas (Aleijadinho); Sabará (urbanização; Aleijadinho; arquitetura religiosa; pintura imaginária e Museu do Ouro); Ouro Preto (Aleijadinho; Ataíde; pintura, urbanismo e arquitetura); Mariana (urbanismo e Ataíde). B) Curso de Mobiliário e Estilos: 12 aulas ilustradas por slides, filmes e visita ao Museu Mariano Procópio de Juiz de Fora, com o professor Orlandino Seitas Fernandes, (diretor do Museu da Inconfidência de Ouro Preto), em novembro/dezembro de 1966. Conteúdo do curso: 1) Conceito de mobiliário; conceito de suntuário; correlação entre o mobiliário e as demais artes; 2) Origem e correlação dos tipos de móveis; materiais e técnicas; 3) A história do móvel (Pré-história e Antiguidade; Idade Média e Renascimento; Idade Moderna e Contemporânea); 4) Estilos e características históricas correlacionáveis aos estilos; 5) O móvel no Brasil (identificação da época e região em que foi feito o móvel; o problema de móvel falso); 6) Terminologia referente aos problemas do mobiliário; 7) O mobiliário moderno – palestra do Professor Arcuri. Filmes de Arte e documentários exibidos: 26 sessões de 39 filmes sobre a obra de: Leonardo da Vinci, Rembrandt, Albert Dürer, Franz Hals, La Tour, Delacroix, Van Gogh, Gauguin, Roault, Rousseau, Rodin, Léger, Karel Apell, Aleijadinho. Outros: Mont Saint Michel (França); Palais de Versailles; Art Rhenan; Catedrais da Idade Média; Le Mystère de la Lycorne (tapeçaria); Fêtes Galantes (Watteau, o pintor); Rococó na Europa; Val de Loire; Paris: Musée d’ Albi; La France Romane; Les Iles de France; A Propos d’Arquitecture; Escultura Medieval Holandesa-Holanda; Rembrandt. O 312

Pintor do Homem; Franz Hals; Van Gogh; A Realidade de Karel Apell; A Casa; Evolução da Arquitetura (Canadá); Blinkity Blank (McLaren); Hen Hop (McLaren); Neighbours (McLaren); Begame Dull Care (McLaren); Aquarelas (Estados Unidos); A Arte no Mundo Ocidental (Estados Unidos); Vestígios da Cultura Romena (Romênia); Forma e Fantasia (Alemanha); Paixão do Aleijadinho (Brasil); A Técnica da Gravura. Conferências e palestras Conferência do crítico Pierre Santos, da UFMG, O Tema na Arte; palestra do Professor Arthur Arcuri, sobre O mobiliário moderno; palestra do historiados Alexandre Delgado sobre Portugal; palestra do arquiteto Décio Bracher sobre Arquitetura Francesa. Apresentações - Exposição inaugural: Dr. Albertino Gonçalves Vieira, Jaime Soares e Clério Pereira de Souza (Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras); - Ícones Medievais Iugoslavos: Franco Bacik, adido cultural da Embaixada da Iugoslávia; Dr. Moacir Borges de Mattos, Reitor da UFJF e Dr. Fábio Nery, Vice-Prefeito de Juiz de Fora; - Artistas Nacionais: Prefeito Adhemar de Andrade e Carlos Bracher. - Fotos de Evandro Santiago e Desenhos de Wilma Martins: apresentação do crítico Frederico Morais; - Desenhos de Jaime Soares: apresentação de Carlos Bracher; - Pietrina Checacci: apresentação de Dormevilly Nóbrega, presidente do NUME (Núcleo Mineiro de Escritores); - Concursos de Contraponto: apresentação de Dr. José Carlos de Lery Guimarães; - Hugo Perez Santis: apresentação de Carlos Bracher; - 40 Gravuras Nacionais e Estrangeiras: apresentação de Nívea Bracher; - Curso de Barroco: apresentação de Murílio Hingel, diretor da Faculdade de Filosofia de Juiz de Fora; - Curso de Mobiliário e Estilos: apresentação de Fani de Castro Gomes. Curso Intensivo de Cinema Carlos Bracher descreve no Relatório Oficial da Galeria de Arte Celina, que as 168 aulas ministradas, 1.800 slides, 164 filmes, assim como todos os dados a respeito do Curso de Cinema e filmes projetados, dizem respeito ao período de janeiro a abril de 1967. As unidades de curso foram estudadas e elaboradas dentro de um contexto não meramente histórico, mas relacionadas às implicações teóricas, estéticas e específicas da linguagem cinematográfica. Foram equacionadas as íntimas relações entre cinema, artes plásticas, literatura e teatro; os fenômenos socioeconômicos que condicionavam a cultura de cada povo, o estilo de cada escola, objetivando uma cultura essencialmente dinâmica, não de simples acúmulo da informação. O curso foi promovido pela Galeria de Artes Celina - GAC, com CEC/MG e CEC/JF, sob os auspícios da Reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Este curso foi constituído das seguintes unidades: 1) Para uma definição de cinema. (noções de linguagem; cinema e linguística; a imagem fílmica; estrutura e estética da imagem; tempo e ritmo cinematográficos); 2) Sociologia e cinema; 3) Cinema e psicologia social; 4) Lumière e Meliès (a posição do documentário e poesia. Primeiras conquistas técnicas e tentativas de narração; nascimento de uma linguagem); 5) Nascimento do Cinema Americano (o desenvolvimento fílmico – Porter; a teatralização do real e desenvolvimento psicológico – Ince; a descoberta do cinema: Grifith); 6) A Comédia Americana do Cinema Mudo (antecedentes; sociologia do riso; forma burlesca: estrutura, espaço e tempo do ‘gag’; estilo e autores; contraposição ao cinema atual; a possível decadência do gênero); 313

7) A Primeira Guerra Mundial (acontecimentos e consequências: França, Alemanha e União Soviética); 8) Expressionismo Alemão (simbologia expressionista; Weltanschauung; pintura, literatura e teatro; Caligarismo; Kammerspi’; Lang, Murnau e Pabst; Brecht; Cinema Sueco; o expressionismo de Orson Welles; Bergman); 9) Impressionismo Francês (primeiras posições teóricas; aproximação com a pintura; uso de deformações óticas; super impressões e ‘flou’; polivisão; Epstein); 10) Cinema Soviético (literatura; teatro: Stanislavsky e Meyerhold; cine-olho e montagem das ideias; experiência Kuleschov; cine-dialética; teatro das massas e montagem das atrações – Eisenstein; montagem reflexa Dovjenko); 11) Avant-garde (a pintura em movimento; teorias; experiências: Eggeling, Tuttmann e Richter; ritmo visual puro; Léger e Murphy; Chomette e Man Ray; problemas da aproximação do ritmo cinematográfico ao ritmo musical); 12) Surrealismo (antecedentes em pintura; manifesto de Breton; a simbologia; estética - ética surrealista; Clair; Man Ray; Dulac; surrealismo como uma estética revolucionária; surrealismo de Jean Cocteau; Buñuel); 13) Cinema Americano - de 1919 a 1925 (evolução de Hollywood; a comédia; Stroheim e o realismo; Sternberg ; King Vidor ; Murnau ; Cecil B. de Mille) ; 14) Introdução ao sonoro (atitude do ‘cinema-língua’; problemas: som x imagem; manifesto do contraponto orquestral; cinematurgia de Pagnol e Guitry); 15) Realismo poético (França; conteúdo psicológico; ruptura com o teatro; aproximação ao real; importância do argumento: Spaak - dramático, Prévert -poético, Jeanson - satírico. Clair. Feyder. Renoir. Carné. Duvivier); 16) Documentarismo (instrumento de conhecimento; estética - ética; o curta metragem; a Escola Inglesa; Flaherty; Vigo; o Documentário Social – Ivens; Documentário Científico; Reportagem jornalística; Cinema Verdade) 17) Segunda Grande Guerra (acontecimentos; implicações sociais, políticas e econômicas e a criação artística); 18) Cinema Inglês (Jennings e Watt - documentário; Korda; Lean; Lawrence Olivier; Read); 19) Cinema Americano – Star System e indústria cinematográfica (a cultura americana; gênese e metamorfose das estrelas; o fan- problema de transferência e identificação; instituição capitalista; o mito: criação e mercantilização; trusts; crises; superprodução; sistema de distribuição; produções independentes); 20) Cinema Americano – Filme Policial (definição; ambiguidade psicológica e ambivalência moral; estilo; suspense: psicologia e sociologia; decadência e transformação; a obra de Hitchcock). 21) Cinema Americano – o Western (elementos de história e literatura; sociologia: Ford; William Wiler ou psicologia; Hawk ou a ironia; Wellman – tese; Daves; Peckinpah; Penn); 22) Cinema Americano – Comédia Musical (antecedentes; Revista e Teatro Musical; New Deal e tema; o Filme musical; problemas: da dança-ritmo, da representação e do representado; problemas da utilização da cor e da música; de Mamoulian a Wise); 23) Néo-realismo (influências; o após guerra e temática; argumento, tratamento e interpretação; teoria; roteiro e crítica social; autores); 24) Cinema Italiano após o neorrealismo (Antonioni; Fellini; Visconti; o cinema jovem: Pasolini, Risi, Rossi); 25) Cinema Francês – período da Guerra (Lara ou amargura; Cayatte; Becker; Clement; Bresson; Clouzot); 26) Cinema Francês – da Nouvelle-Vague a novos autores (movimento renovador: produção e técnica de narração; importância da crítica; conceito de autor; Resnais – cinema e o nouveauroman; Godard; os novos autores: possível direção do cinema francês); 314

27) Cinema Inglês atual (Free cinema; Richardson ; Clayton ; Lambert ; Lester ; Clive Donner) ; 28) Cinema Sueco (Bergman: evolução do natural ao metafísico; Sjoberg; Zetterling) 29) Cinema atual – Polonês , Tcheco, Argentino e de outros países (introdução histórica; retrospecto; Skolimowski; Wadja; Polanski - polonês; Kadar e Klos; Jiri Weiss, Forman, Bolan - tcheco-; Torre Nilson - argentino - e outros); 30) Cinema Japonês (histórico: Kurosawa, Yamamura, Kinoshita, Mozoguchi, Imai e outros); 31) Cinema de Animação (formação; bases gráficas e técnicas; psicologia infantil; estética; estilos: americano, tcheco, francês, canadense, polonês, etc). 32) Cinema Brasileiro (história; Cinema Novo; a temática: urbana e rural – informações antropológicas, sociológicas e psicológicas; o diretor – autor - e ator; relações com o público; produção e distribuição; problemas gerais). Considerações sobre o Curso de Cinema: Se deverá à Galeria de Arte Celina e realização do Curso de Cinema mais completo - dentro ou fora dos currículos universitários de cinema - de que se teve notícia, até hoje, no país. Ronaldo Brandão Um curso de cinema, cada vez mais, surge como uma necessidade. A inexistência de um currículo normal nos cursos de ensino médio exigem a formação de cursos extra curriculares. A aproximação com o cinema é um fato que se impõe. Um curso é uma decorrência lógica. Juiz de Fora é realista. Ronald Monteiro O curso, em sua estrutura, é um dos maiores, fora dos cursos universitários, que conheço. Padre Massoti Este curso intensivo, indicar um caminho. Legítimo. Digno. Núcleo inicial de um movimento que poderá enriquecer a cultura brasileira, para dentro da Universidade o estudo sistematizado da mais completa manifestação artística. Salvyano Cavalcanti Paiva Considero relevante as funções de um curso de cinema, nos moldes do ministrado pela Galeria de Arte Celina e o CEC. Creio mesmo ser um privilégio a oportunidade do evento que vem de encontro às necessidades de conhecimento e divulgação da arte mais completa e dinâmica. Roberto Mattos 267 Professores do Curso de Cinema : Luciano Gusmão (coordenador do curso. Chefe do Setor de Planejamento do CEC/MG)268; Salvyano Cavalcanti de Paiva (crítico de cinema); Alex Viany (historiador, crítico e cineasta); 267

É importante ressaltar que as atribuições profissionais dos professores do Curso de Cinema são condizentes com as atividades exercidas por eles, naquele período do curso. 268 CEC/MG. Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais.

315

Gustavo Dahl (crítico e cineasta); Frederico Morais (crítico de arte); Ronald Monteiro (professor de cinema do MAM - RJ); Ronaldo Brandão (crítico de cinema, diretor de teatro e presidente do CEC/MG); Olívio Tavares de Araújo (crítico de arte); Padre Edeimar Massote (diretor da Escola Superior de Cinema da PUC- MG); Geraldo Velloso (cineasta e crítico de cinema); Roberto Mattos (professor e membro da comissão de cinema da UFMG); Fernando Corrêa Dias (sociólogo e professor da UFMG); Lauro Machado Coelho (professor e membro do CEC/JF); Décio Bracher (arquiteto e artista plástico); Geraldo Lopes Magalhães (crítico de cinema); Maura Reis (crítica de cinema); Décio Lopes (presidente do CEC/ JF); Adriano da Fonseca Chaves (psicólogo e professor da UFMG). Filmes exibidos no Curso de Cinema Cinema Francês: houve a projeção de ‘Filmes Primitivos’, de 1895 a 1910, em uma seleção de 10 Primitivos e também o ‘Programa Lumière’, que contou com 40 películas dos primeiros cinejornais. Os participantes do curso também assistiram: Uma casa bem lavada, de Ferdinand Zecca; Desenho animado, de Émile Cohl (1908); Max Pèdicure, de Max Linder; Victime de l'Alcool, de Ferdinand Zecca ; filmes de Méliès : Le Magicien, Barbe Bleue, Hallucination Baron Munchausen, Au Royame des Fés, Palais de Mille et une Nuit, L'Homme a la Tête en Caoutchouc, Hidrotherapie Fantastique, Merveilleux Eventail Vivent, Tunnel sous la Manche. Os ‘Filmes após 1910’ assistidos foram: Naissance du Cinéma ; Napoleon, de Abel Gance ; Fièvres, de Germaine Dulac; Cinc Minutes de Cinema Pur, de René Clair ; Faits Divers, de Autant Lara ; Entr’Acte, de René Clair Une Partie de Campagne, de Renoir ; Nana, de Jean Renoir; Brinquedo Proibido, de René Clément. Cinema Americano: as ‘Primitivas películas Norte-Americanas’ foram apresentadas na coletânea dos primeiros filmes cinematográficos produzidos nos Estados Unidos (material fotografado da Coleção de filmes de papel da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, pela Primorse Production, 1953, para os arquivos da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas. Narração de Heitor Studart Montenegro para o Festival Cinematográfico de São Paulo). Filmes: Metralhadora Gattling (Edson, 1897); Petotão (idem); Modelo de espartilho (Biograph, 1903); Como vender espartilhos (idem, 1904); Ex-condenados (8 episódios – Edson, 1904: Deixando o lar, A procura de emprego, O salvamento, Afinal um amigo, Desespero, Demitido, Decepção, O Roubo); A garota na janela (Biograph, 1903), A viagem de um Inglês (idem, 1904); Incêndio em Baltimore (idem, 1906); Latina, a contorcionista (idem, 1905); Luta de Boxe em disputa do Campeonato Mundial de Peso-pesado: Squire versus Burns (Miles Bros., 1907); Corrida de automóveis em disputa ‘Troféu Vanderbilt’ (Biograph, 1904); A pensão onde os hóspedes não tinham sossego (1903). Uma sequência de comédias do passado - slapstick, do tipo ‘pastelão’, coloriu as aulas do curso, com os cômicos de maior evidência como: Chases, Moty Bnks, Arbuckle, Samon, Clyde e outros. Bill Rogers e as reminiscências de sua agitada carreira, desde os ‘rodeios’ e espetáculos de variedades, até o acidente que o vitimou em 1930, foi tema abordado, assim como o filme Yankee clipper com William Boyd. O tema das ‘origens do cinema’, foi uma tônica no curso, a partir do filme The great train robbery, de Porter: primeiro filme de 1 bobina rodado nos Estados Unidos, em 1902, nascendo assim a primeira narrativa cinematográfica. Outros filmes exibidos: Simple Charite, de Griffith (1909) – fragmentos; Intolerance, de Griffith; O homem-mosca, de Harold Lloyd; Selection of Early Films; Yesterday Lives Again (jornal cinematográfico de 1929); The Knokout, de Charle Chaplin; The Making of a Movie (registro das filmagens de Joana Darc, de Preminger) ‘Os grandes clássicos do Cinema Americano’ exibidos foram: Broken blossons (O lírio partido) de Griffith; The iron horse (O cavalo de ferro) John Ford; The Docks of New York (Docas de Nova York), de Sternberg; Male and female (Macho e fêmea), de Cecil B. de 316

Mille, Greed, (Ouro e maldição), de Eric Von Strohein; Sunrise (Aurora) de Murnau; The crowd (A turba) de King Vidor e também o clássico de Flaherty: Lousiana story. A ‘Retrospectiva Buster Keaton’ foi realizada com exibição dos seguintes filmes: Les rois ages; Battling buttler; Seven chances; The cameraman; The navigator; Our hospitalist; College; Cadet D’Eau (Steam Boat Vill Jr.); Ma vache et moi (Go West). Os ‘Desenhos Educativos de Walt Disney’: Limpeza traz saúde; Defesa contra invasão; Flagelo Alado fizeram parte das exibições durante as aulas. Cinema Alemão: Das Kabinet des Dr.Caligari, de Wiene; Metropolis, de Fritz Lang; Nosferatu, de Murnau; Fausto, de Murnau. Cinema Russo: A Terra, de Dovjenko; Que viva o México, de Eisenstein. Cinema Dinamarquês: Vampyr, de Carl; La Quatrieme Alliance de Dame; Marguerite, de Dreyr. Cinema Italiano: O Inferno de Dante (1912); Bandido Giuliano, de F. Rossi; No Insistiamo, de Giani Amico; Ladrão de Bicicletas, de De Sica. Cinema Inglês: Drifters; Night Mail. Cinema Argentino: La Ciudad en La Playa. Cinema Canadense: filmes de McLaren: Blinkety Blank, Canon Multi e Hen Hop. Cinema verdade e cinema documentário: Back breaking leaf; Kinedercarteau; Saquetteure; Bientôt Noel; Glenn could off; Glenn could on; Rose et Laudry; La Lutte; Corral; Círculo do Sol; Paul Anka; Bucherone dela Mammane; Dimanche d’Amerique. Cinema Holandês: Espelho da Holanda; E o mar já não era; Delta fase I; Zoo; Vidro; Pan. Cinema Brasileiro: O pátio, de Glauber Rocha; A aldeia, de Sanz; Rio 40º, de Nelson P. dos Santos; Olho por olho, de Andréia Tonacci; Produto de exportação, S. Ferreira. Festivais de Cinema Sessões normais e festivais públicos de cinema Foram realizadas 44 sessões com 67 filmes de curta e longa metragem. Além de filmes já relacionados acima (Curso de Cinema), inclui-se o Festival de Clássicos do Cinema Americano e Festival Buster Keaton. Outras exibições realizadas: Europa 51, de Rosselini; Os 7 Samurais, de A. Kurosawa; Acossado, de J. Luc Godard. Também foram exibidos filmes de Desenhos Yugoslavos: Sons Mágicos e Picolo. Segundo o Relatório Oficial da GAC, foram exibidos muitos filmes não relacionados, não só de Embaixadas, mas também uma seleção de filmes de aspectos arquitetônicos, modalidades artesanais, aspectos folclóricos de diversas nações, da Cinemateca do MAM/Rio. Festival de Clássicos do Cinema Francês Este festival realizou-se na Galeria de Arte Celina, de 22 de setembro a 07 de outubro de 1966, simultaneamente com a Exposição de Obras-Primas da Arquitetura e Escultura Francesa. Em parceria com a Cultura Francesa, estas iniciativas se concretizaram mediante a colaboração da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, em combinação com o CEC/JF. Foi realizada a exibição desta ‘ Seleção de Primitivos’: - Le Fils du Diable Fait las Noce a Paris, de Lépine, 1906 ; Boireau Bonhomme en Pain d'Epices, de Albert Cappelani, 1907 ; Drame Chez les Fantoches, de Émile Cohl, 1909 ; Max et la Quinquina, de Max Linder, 1912 ; Retour a la Raison, de Man Ray, 1923 ; Ballet Mecanique, de Fernand Léger, 1923 ; La Souriante Mme. Beudet, de Germaine Dulac, 1923 ; La P'tite Lili, de Alberto Cavalcanti, 1927; La Chute de la Maison Usher, de Jean Epstein e Buñuel ; Un Chien Andalou, de Buñel ; Napoleón (Vu par Abel Gance), de Abel Gance ; Le Main du Diable" (A mão do Diabo), de Tourneur ; Les Dames du Bois de Boulogne, de Robert Bresson ; Quai des Orfêvres (Crime em Paris), de Georges Clouzot ; Voyage Surprise (Viagem Surpresa), de Pierre Prevert ; Jeux Interdits (Brinquedo Proibido), de René Clement. 317

Festival de Cinema de Arte Francês A GAC realizou, em co-promoção, com o Cine Palace, este Festival em maio de 1967, com as seguintes exibições: As Criaturas, de Agnès Varda; Tempo de Guerra, de Godard; A Velha Dama indigna, de René Allio; Cléo de 5 a 7, de Agnés Varda; O Pequeno Soldado, de Godard; 317º Seção - Batalhão de Assalto, de Schoendorffer; Breve Encontro em Paris, de Pierre Deferre. Teatro Em Juiz de Fora realizaram-se 48 apresentações de 10 peças de teatro distintas: -Liberdade, Liberdade: com o Grupo Opinião. Atores: Paulo Autran, Tereza Raquel, Luiza Maranhão e Jairo Arco e Flexa. A GAC realizou 04 apresentações desta peça no Clube Juiz de Fora, para 3.200 pessoas aproximadamente, dias 20 a 23 de novembro de 1966. -Espetáculo Paulo Autran: em combinação com o Clube Sírio e Libanês de Juiz de Fora, dia 30 de novembro de 1966, houve a realização da peça nos salões do Clube Círculo Militar. - Collage 66: Espetáculo performático na GAC, com poesia, música, slides, audiovisual. A GAC promoveu uma temporada de 03 meses, em sua própria sede, totalizando 26 apresentações, de agosto a outubro de 1966, com textos dos poetas e escritores: Vinícius de Morais, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Affonso Romano de Sant’Anna. - Drummond, Santo Primeiro: foram 4 apresentações, na sede própria da GAC, dias 26 e 27 de julho de 1966, em coparticipação como Teatro Universitário de Juiz de Fora. - Liberdade, Liberdade: foi realizada uma apresentação da peça adaptada de Millôr Fernandes, na sede da GAC, dia 14 de outubro de 1966, pelos alunos do Colégio Machado Sobrinho. - Romanceiro da Inconfidência: a peça foi realizada em uma temporada com 12 apresentações dirigidas por Nilo Batista, na sede da GAC, encenada pelo elenco do Teatro Universitário, em dezembro de 1966. Palestra sobre teatro Problemas do Teatro – palestra realizada na GAC, ministrada pelo diretor Paulo Afonso Grisolli, com os componentes de grupos teatrais da cidade, dia 24 de setembro de 1966. Exibição de filmes sobre teatro: Teatro nacional popular da França; Ensaios de Molière; Estréia de Machbeth, em Avignon; Le prince d’Hambourg. Música e Literatura A GAC promoveu a conferência de Alfredo Mello, diretor Musical do Museu Nacional de Belas Artes, sobre Origens da Música, no auditório do SESI, 15/7/66. Em sua sede, possibilitou uma série de apresentações musicais informais para grande público interessado. Incentivadora de talentos a GAC foi local de ensaios do antigo Coral Pio XII, atual Coral Universitário, foi também local de fundação do Clube do Jazz, em agosto de 1966. A Galeria abrigou a sede administrativa da Orquestra Filarmônica de Juiz de Fora e sediou a instalação da União Brasileira dos Trovadores, com a presença de Luís Otávio de Araújo, Aparício Fernandes e trovadores locais, dia 26 de março de1967, em colaboração com o Núcleo Mineiro de Escritores – NUME. Ocorreram lançamentos nacionais de livros na GAC, como por exemplo, do livro A Quatro Mãos, de Deusiana Lavasseur Rocha e Marcos Cremonesi, dia 14 de julho 1966, em colaboração com o NUME, como também, o lançamento de Poemas, de Antônio Savino, dia 21 de novembro de 1966, com apresentação do autor, por Lívia Maria Duarte do Amaral. Local de entrega de prêmios dos concursos radiofônicos do programa Contraponto, de José Carlos de Lery Guimarães, a GAC só vem a demonstrar seu caráter aglutinador das diversas áreas culturais, promovendo também a exibição de filmes não somente para os cinéfilos apaixonados, para os inscritos em cursos ou para aqueles que não perdiam os festivais. Havia também a exibição de filmes de música e literatura, para atingir, assim, todo o tipo de público: 318

desde o leitor atento, o jovem escritor e poeta, como também aqueles que, em torno de um violão, de uma flauta, violino, pandeiro, ou de um piano, sonhavam com novos rumos e ares de promissora liberdade. Filmes relacionados à música exibidos, foram: Passacaille (Bach); Revèrie de Claude Debussy; História de Piano; Sons Mágicos; Chansons de France; Orchestre Symphonique e Paul Anka. Filmes exibidos sobre literatura: Balzac; André Gide; Toda memória do mundo (Resnais, sobre a Biblioteca de Paris) e Jean Jacques Rousseau. Intercâmbio, Participação e Divulgação: As iniciativas da GAC, dentro e fora de sua sede foram muitas, o que revela seu dinamismo com outras entidades de interesses culturais da cidade, e seu caráter maleável nestas colaborações: - Com o Governo de Minas - no I Festival de Arte de Ouro Preto, organizando o Salão dos Artistas Mineiros, juntamente com a Galeria Guignard, de Belo Horizonte, em abril de 1966. - Com a Reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora - no Curso de Cinema, auspiciado pela Reitoria, de janeiro a abril de 1967. No IV Festival de Arte da UFJF a Galeria foi convidada a integrar o Júri de Seleção e Premiação, do Salão de Artes Plásticas, e júri do Concurso de Cartazes, do mesmo festival, em setembro de 1966. - Com a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora – PMJF, contribuiu: na Exposição de Artistas Nacionais, organizada pela Galeria, em colaboração, fazendo parte oficial das festividades de aniversário da cidade, em maio de 1966; na II Exposição da Jovem Gravura Nacional, organizada pela Galeria, em colaboração com a Prefeitura, fazendo parte oficial das festividades de aniversário da cidade, nos meses de maio e junho de 1967; no I Seminário integrado da Zona da Mata, em junho de 1967; no I Festival do Cinema Brasileiro de Juiz de Fora, em Colaboração com o CEC e PMJF, em maio e junho 1966; no I Concurso de Vitrines da cidade, promovido pelo Departamento Autônomo de Turismo da PMJF, no Júri do mesmo. Dezembro de 1966. - Com a Faculdade de Filosofia da UFJF: a GAC realizou o Curso de Barroco, organizado pela Galeria, em colaboração com a Faculdade de Filosofia, em maio e junho de 1966; colaborando também com a III Semana de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, em novembro 1966. - Outras entidades: Escola de Minas de Ouro Preto, com o Salão de Artes da Escola de Minas, em novembro de 1966; Cine Palace, de Juiz de Fora, com o I Festival de Cinema de Arte Francês, em Maio 1967; Lions Clube de Juiz de Fora, no II Salão de Desenho Infantil em outubro de 1966; Movimento Familiar Cristão, com o III Encontro Estadual do MFC, em julho de 1967; colaboração com Colégios Diversos em exposições de Pintura e Desenho; com o já mencionado Programa Contraponto, da Rádio Industrial, considerado o melhor programa radiofônico cultural da cidade, na época e de maior audiência. A GAC foi júri dos 3 Concursos Juvenis e na Exposição dos Premiados, na própria Galeria, em junho e julho 66. Suas atividades eram normalmente divulgadas pela imprensa, rádio e televisão, jornais do Rio, São Paulo e Belo Horizonte e de outras cidades. Citações em revistas do exterior, como “Deutsh Brasilianische Hefte”, de fevereiro de 1967, conforme o Relatório Oficial da GAC. III A GAC, de agosto de 1967 a dezembro de 1968 A GAC promovia, neste período, diversas expressões artísticas e culturais, com o ímpeto inicial e realizou significativas exposições, totalizando mais um ano e meio de atividades.

319

Artes plásticas - Exposições coletivas e individuais Realizaram-se 26 exposições no total: Di Cavalcanti (desenhos e guaches); Fayga Ostrower (gravura); Burle Marx (pintura); Carlos Scliar (pintura); 50 Anos de Arte Contemporânea (pintura); Coletiva artistas nacionais (pintura e desenho); Premiação do IAB MG (arquitetura); Kennedy (tapeçaria); Coletiva da Escola Guignard (pintura e desenho); Luis Solari (colagem); Carlos Bracher (pintura e desenho); Ivan Serpa (desenho); Coletiva de Artistas locais (pintura); Lotus Lobo (gravura); Niemeyer (arquitetura); Wilma Martins (gravura); Ivan Marquetti (pintura); Nívea Bracher (pintura); Sala Especial do Canadá (IX Bienal de São Paulo); Sala Especial do Peru ( IX Bienal de São Paulo); Tasca e Heitor de Alencar (pintura); Estevão (pintura); Ataíde (pintura); Katarina Zellentzeff (pintura); Ruy Merheb (pintura); Salão de Artes Plásticas (pintura, desenho e gravura) Exposições Itinerantes: estas 11 exposições realizadas na GAC trouxeram ao público reproduções que foram montadas, visando manter intercâmbio com entidades culturais e estabelecimentos de ensino de outras cidades. O objetivo era enriquecer o conhecimento e a apreciação visual dos espectadores, colocando-os em contato com exposições que ocorriam longe do universo juiz-forano. Foram elas: Do impressionismo à arte atual; Manoel Bandeira e os poemas da morte; Panorama da pintura moderna brasileira; Arte jovem nacional; Brasil - do colonial a Brasília; Arte pré-colombiana; Calder - desenhos e móbiles; A pintura americana; Pintores célebres contemporâneos; Di Cavalcanti, Portinari, Pancetti e Guignard; O Barroco Mineiro. Cursos - foram oferecidos 05 cursos que contaram com grande e assídua participação do público: 1- História da Arte com o crítico Frederico Morais; 2- Composição artística com a artista e professora Fayga Ostrower; 3- Técnicas de pintura com o artista e professor Edson Motta; 4- Filosofia da Arte com o professor de filosofia Henrique Hargreaves – UFJF; 5- Pesquisa: Arte e Publicidade com a coordenação de Luciano Gusmão e arquitetos. Conferências e Debates A partir destas 12 conferências, seguiam-se os debates com os espectadores. Houve o exercício do diálogo com personagens relevantes da cultura nacional. Observa-se, com esta prática, que a GAC preocupava-se em transpor os limites da cidade para conectar-se com as vanguardas da época. Foram realizadas com as seguintes temáticas: Arquitetura, com Jorge Dantas, arquiteto e diretor do Museu BH; Pintura, com Carlos Scliar, pintor; Fotografia, com Wilson Beraldo, catedrático da UFJF; Urbanismo, com Murílio do Amaral, professor da UFJF; Arte Maia, com Franz Hochleitner, pesquisador da UFJF; Artes Plásticas, com Walter Zanini, diretor do MAC- SP; Filosofia da Arte, com Henrique Hargreaves, professor; História da Arte, com Artur Arcuri, professor e arquiteto; História e Cultura, com Murílio Avelar Hingel, professor e diretor da FAFILE; Cultura Contemporânea, com Márcio Antônio Oliveira, professor da FAFILE; Paisagismo, com Burle Marx, arquiteto e urbanista; A Gravura, com Fayga Ostrower, artista e professora. Cinema A GAC realizou a exibição de filmes, em convênio com cinematecas, embaixadas e distribuidores comerciais; promoveu sessões de estudos e debates com críticos e cineastas; Festival JB - Jornal do Brasil de 1967; Festival de animação do cinema canadense e de outros países; manteve também colaboração em movimentos cinematográficos da cidade. Teatro A GAC realizou apresentações de espetáculos, como: Édipo Rei, Dois perdidos numa noite suja, Espetáculo Paulo Autran e outros, em colaboração com a Prefeitura Municipal e grupos teatrais locais. Foram feitas conferências e debates com diretores, críticos e atores, assim como intercâmbio com movimentos teatrais locais. 320

Música A GAC promoveu audições musicais eruditas, populares e folclóricas, como por exemplo, no Curso de Música e Arte Contemporânea com Olívio Tavares de Araújo, professor e assessor da Fundação Cultural de Brasília. Realizou conferências e debates, além de intercâmbio com movimentos musicais locais. Literatura O Curso de Literatura Brasileira foi realizado com Affonso Romano de Sant'Anna, poeta e professor convidado, de Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia, USA. A GAC, neste período, até completar seus 3 anos de existência, promoveu uma série de conferências e debates, lançamento de livros e manteve intercâmbio com movimentos literários da cidade. Para realizar a busca dos eventos de 1969 a 1975, foi necessário pesquisar o Jornal O Sete (com breve edição somente em 1970) e o Jornal Diário Mercantil – DM, não só para verificar a dinâmica das atividades, mas também com o intuito de se obter imagens das exposições e do espaço da Galeria. Embora o Relatório Oficial da GAC tenha sido utilizado como fonte de pesquisa para anos anteriores, de 1966 a 1968, por estar mais completo, a pesquisa destes três anos mencionados, também foi realizada nos exemplares do Jornal Diário Mercantil, para busca de imagens e dados específicos. Foi uma longa pesquisa de 10 anos no Jornal Diário Mercantil, sendo que neste período ele não havia sido microfilmado. A abordagem de eventos da GAC, de 1969 a 1974, se faz na sequência cronológica. Como as exposições de artes plásticas, muitas vezes encontram-se mescladas em eventos simultâneos com o cinema – CEC/JF decidiu-se assinalar os cursos, teatros e palestras no decorrer do texto, a fim de facilitar a visualização neste contexto. IV A GAC em 1969 Diário Mercantil - DM, 01 de janeiro de 1969. No sábado, dia 04 de janeiro, às 20h, a Galeria de Arte Celina inaugurava a Exposição de Carlos Bracher – sem a presença dele, que partiu para Europa devido ao Prêmio de Viagem, primeiramente para Lisboa em 07 de dezembro de 1968 e lá faria uma exposição convite de Oto Lara Rezende. Com esta exposição, a Galeria de Arte Celina comemora seus terceiro ano de fundação. DM, 15 de janeiro de 1969. A GAC organizava para este ano, novos planos no setor artístico. A nova fase contava com a direção de Marcus Segundo, que pretendia promover sessões de arte, cursos, exposições. DM, 01 de fevereiro de 1969. Exposição de Frederico Bracher Júnior. A GAC expôs obras de Frederico Bracher Júnior. A exposição foi inaugurada na quinta-feira anterior, 30 de janeiro. Todas as noites, o pintor que também era violinista, dava recitais aos presentes. DM de 03 e DM de 10 de maio de 1969. Exposição de gravuras holandesas dos séculos XV, XVII e XVIII e Paisagens Holandesas do Século de Ouro. A mostra aconteceu de 10 a 30 de maio e expôs trabalhos dos seguintes artistas: Hercules Seghers, Saftleven, Cuyf, Van de Velde (Esaias e Jan) e Rembrandt. Foi uma promoção da GAC, em conjunto com a embaixada da Holanda, parte integrante da programação do 119º aniversário da cidade. Esta mostra compreendeu um total 53 três valiosas reproduções de desenhos e gravuras. Uma exposição de impacto para o público. DM 10 de julho de 1969. Exposição de Pintura e Cerâmica: Ione Fonseca e Ana Quirino. No dia seguinte, dia 11, aconteceria o vernissage da exposição da pintora Ione Fonseca e da ceramista Ana Quirino. DM 26 de julho de 1969. Ione Fonseca e Ana Quirino na GAC. A matéria descreveu em detalhes o trabalho de cada artista, trajetória profissional e opinião de críticos como Frederico Morais. DM, 05 de agosto de 1969. Exposição de Carlos Wolney. Jovem gravador e desenhista expôs seus trabalhos até 15 de agosto. No DM, 16 de agosto de 1969, havia uma descrição 321

curricular do artista, com crítica de Márcio Sampaio. No DM, de 27 de agosto, a exposição do artista ainda se estendia para além da data prevista e estava aberta ao público. DM, 18 de outubro de 1969. A GAC anunciava para o dia seguinte, 19 de outubro, a abertura da Exposição de Cartazes Poloneses. Esta foi uma exposição de grande relevância. DM, 31 de outubro de 1969. O artista Waldemar Swierzy, detentor do Prêmio Internacional da X Bienal de São Paulo, foi um dos artistas cujas obras estavam presentes a atual exposição da Galeria de Arte Celina, de Cartazes Poloneses. DM, de 12 e 13 de novembro de 1969. Exposição de Katarina Zelentzeff na GAC. Ela era uma pintora russa, radicada em Juiz de Fora. A GAC tinha à frente Marcus Segundo, que estava em fase final de organização da exposição. No DM, 18 de novembro de 1969, A Coluna Das Artes anunciava que a pintora estava expondo na GAC até o dia 15 de dezembro. Curso DM, 01 de janeiro de 1970. Registrava-se na notícia a promoção na GAC, do Curso de Gravura com a artista Lotus Lobo, nome conhecido no país, com participação na última Bienal de São Paulo. Estas foram algumas das iniciativas da Galeria de Arte Celina em 1969. Não se encontrou documentação a respeito do referido curso, que foi de litografia. Segundo os Bracher, nem tudo o que acontecia na GAC saía nos jornais, embora estes, sempre colocassem a Galeria em evidência. Com a rapidez e quantidade de atividades, muitas vezes alguns eventos ficavam sem divulgação. V A GAC em 1970 DM, 01 de janeiro de 1971. A matéria de título Artes Plásticas, cuja autoria não aparecia, descreveu o grande número de exposições promovidas pela Galeria de Arte Celina no ano de 1970. Este foi um ano marcante de retorno do artista Carlos Bracher, da Europa. - 25 de abril a 25 de maio de 1970. Exposição de José Carlos Falci Rodrigues, abriu a temporada de artes plásticas na GAC com sua primeira exposição de pintura. Em comemoração ao aniversário da cidade, ocorreu na GAC: - 31 de maio a 15 de junho de 1970. Mostra Coletiva dos Artistas Plásticos de Juiz de Fora. Artistas participantes: Carlos Bracher, Celina Bracher, Décio Bracher, Nívea Bracher, Mathilde Franco, Renato de Almeida, Dnar Rocha, Jorge Mockdeci, Dr. Tasca, Wandyr Ramos, Roberto Gil, Leny Tristão, Heitor de Alencar, Renato Stehlling, Carlos Gonçalves, Claro de Campos, Luis Coelho, Neuza David, Américo Rodrigues, Ely Braga, Sérgio Macedo, Ângelo Biggi, Edson Motta, Roberto Vieira e outros. - 20 de junho a 05 de julho de 1970. Exposição de Álvaro Lobo – sua primeira mostra individual. Segundo a reportagem, Rubens Metelho definiu a obra do artista como um trabalho cuja matéria-prima era a comunicação, “a vivência pré-lógica do contato com as coisas no seu estado nativo; trabalha com as matrizes pré-culturais”. O Jornal O Sete – Ano 1 , n.º 4 – 20 a 26 de junho de 1970, publicou na época e matéria: A jovem pintura de contestação. Relatava sobre três jovens pintores, Álvaro Lobo, José Carlos Falci e Sérgio Macedo, que se manifestavam contra a situação que as artes plásticas se encontravam em Juiz de Fora. Eles procuravam novas concepções e materiais no campo da pintura. Acreditavam que a turma jovem de artistas era marginalizada por aqueles considerados consagrados e que se recusavam a evoluir. Afirmavam que os júris das mostras oficiais deslocaram-se das novas tendências das artes plásticas mundiais. Eles diziam que o incentivo aos artistas premiados deveria ser financeiro e não medalhas. A dinâmica normativa dos salões deveria ser revista. “Eles julgavam a Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras como obsoleta e conivente com um ‘gagaísmo pictórico’, como se ainda não tivesse sido informada da Semana de Arte Moderna de 1922”. 322

Estes três jovens artistas tiveram espaço e incentivo para expor da GAC e obtiveram sucesso de público. DM, 01 de janeiro de 1971, (continuação das exposições): - 27 de junho a 05 de julho de 1970. Mostra de Pintores Impressionistas – promoção da GAC e da Embaixada da França. A exposição apresentou reproduções de Van Gogh, Cézanne, Monet, Seurat, Toulouse Lautrec, Manet, Pissaro, Renoir, Sisley, Lebourg, Gauguin, Signac e outros. - 09 a 15 de julho de 1970. Exposição de Michel Confort – mostra de pinturas em miniatura. - 18 a 29 de julho de 1970. Exposição de Segregio – a noite foi o tema dos trabalhos do artista. “Impressiona sobremodo a multiplicidade diáfana e fugidia das luzes e cores noturnas”. - 01 a 08 de agosto de 1970. Xilogravuras de Domingos Guimarães– artista de Juiz de Fora, radicado em São Paulo, considerado de grande importância como gravador na época. - 09 a 23 de agosto de 1970. Exposição de Wandyr Ramos– o jornalista Décio Lopes assim descrevia a obra do artista: “Wandyr Ramos é sem dúvida, um pintor de grande personalidade artística, um mago das cores e formas, um pincel que nos devolve com fidelidade visual o imenso impacto emocional”. -19 a 30 de setembro de 1970. Exposição de Claro de Campos – retratava as paisagens mineiras. Aluno, por alguns meses, de Frederico Bracher iniciou seus trabalhos de figuração pictórica da paisagem, através das técnicas da aquarela – sua marca – assim como óleo, guache e bico de pena. -11 a 25 de outubro de 1970. Exposição de Sérgio Macedo – artista com 19 anos, de talento explosivo. Seguindo a reportagem, suas pinturas e desenhos realizaram-se dentro de uma estética surrealista. “Sérgio Macedo percorre o caminho das estrelas distantes e das monstruosidades que assolam sua (nossa) vida e sensibilidade, sua nova e já magnífica obra. Dentre todas as exposições já realizadas pela GAC, a de Sérgio Macedo foi a que mais público levou. Cerca de 2 mil pessoas a visitaram durante o período de 11/10 a 25/10”. Jornal O Sete – Ano 1 , n.º 20 – 17 a 23 de outubro de 1970. A matéria Artista (Sérgio Macedo) dizia que “O Sérgio transparente estava demais. Primeiro colocado na categoria desenho na Exposição de artes Plásticas do VIII Festival de Arte da UFJF revelava através de seu surrealismo cósmico e tropicalista, uma extremada preocupação com as relações humanas atuais”. Ele precisaria ir mais longe e sabia disso. “São Paulo & Comunicação & desenho industrial” seria a próxima etapa de Sérgio Macedo. Teatro DM, 25 e 26 de outubro de 1970. Décio Lopes revelou que a peça Mas tem cascavel em Juiz de Fora teria estreia na Galeria Celina. “Uma boa pedida, palmas pro Natálio que ele merece”. DM, 21 de dezembro de 1970. Dnar na GAC. O pintor Dnar Rocha realizava a sua primeira individual na Galeria de Arte Celina, organizada por Décio Lopes. A mostra foi inaugurada dia 20 às 20:30h na GAC. A Galeria de Arte Celina planejava também uma exposição de Carlos Bracher, que retornaria dia 23 com um grande número de obras realizadas na Europa. DM, 25 de dezembro de 1970. Volta ao Lar de Carlos Bracher. A exposição do artista iniciaria com o término da exposição de Dnar Rocha. As pinturas realizadas na Europa, decorrentes de seu premio de viagem, traziam grande interesse do público para esta mostra. DM, 31 de dezembro de 1970. Bracher voltou contente com nova visão da Europa. Esta reportagem narrava experiências de Carlos Bracher na Europa e sua visão de arte, a partir deste período em que esteve por lá envolvido em exposições, cursos e museus. O artista 323

aguardava 50 quadros que pintou na Europa, chegarem a um prazo de vinte dias, para realizar sua exposição. VI A GAC em 1971 DM, 08 de janeiro de 1971. Dnar Rocha em exposição na GAC, até 15 de janeiro. DM, 05 de março de 1971. A GAC iria inaugurar a exposição Arte Gráfica na Holanda, dia 07 de março às 20 horas, com a presença do Audido Cultural da Embaixada da Holanda no Brasil, Sr. Van Den Muysenberg. A exposição realizou-se sob os auspícios do Departamento de Cultura e Promoções da Prefeitura e contou com 68 trabalhos originais: litografias, relevos em metal, silkscreen, água forte, água-tinta e outras técnicas. O período previsto para a exposição era de 07 a 21 de março de 1971. Esta mostra percorreu quase todos os países da Europa e no Brasil esteve no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e de Juiz de Fora foi para os Estados Unidos. A GAC projetou filmes sobre a arte holandesa na semana seguinte. DM JR, 17 a 23 de março de 1971. Sucesso holandês na GAC foi uma reportagem assinada por Décio Lopes, que comentava a exposição e as obras. A projeção de filmes na GAC ocorria as quintas e sextas-feiras, às 20h e aos sábados e domingos às 15h e 20h, com entrada franca. Foram exibidos os seguintes filmes de arte: Um domingo da Ilha Grande Jatte; E lhe chamaram Holanda; A realidade de Karel Appel (famosos pintor e gravurista contemporâneo); Rembrandt – pintor do homem (vida e obra do importante artista) e Vincent Van Gogh (vida e obra). DM, 28 e 29 de março de 1971. Caderno de domingo. A GAC, o Centro de Estudos Cinematográficos – CEC de Juiz de Fora e a Associação de Cultura Franco Brasileira exibiram semanalmente - a partir de abril – clássicos do cinema francês, que obedeceram à seguinte programação: Cadet Roussele, de André Hunebelle; Zazie dans le metro, de Louiz Malle ; Orfeu Negro, de Marceu Camus ; Le rouge et le noir, de Claud Autant Lara; Sons le toits de Paris, de Rene Clair; Touchez pas an grisbi, de Jacques Becker; Zero de conduite, de Jean Vigo ; L’Atalante, de Jean Vigo ; Orphé, de Jean Cocteau. Havia a informação de que Carlos Bracher iniciaria sua exposição na GAC, com data de abertura agendada para o dia 22 de maio. DM, 06 de abril de 1971. O filme Zazie no metrô foi apresentado no domingo na GAC. Por ter contado com grande público foi exibido, novamente, na quinta-feira às 20h, com entrada franca. DM JR, 07 a 13 de abril de 1971. Coluna Galeria de Arte, de Décio Lopes: A coluna anunciava a Exposição de Marcus Kamil, sua primeira individual, dia 21 de abril, às 19h no saguão do Fórum novo, com patrocínio da Galeria de Arte Celina e do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e término dia 02 de maio. Décio Lopes relatou que a GAC promoveu o interesse colegial pela arte na cidade. A pintora e professora de artes plásticas Vilcar levou o 3º e 4º anos ginasiais do Colégio Luis Gama à mostra Arte Gráfica na Holanda que esteve na GAC. O mesmo ocorreu com as professoras e alunos da Escola Profissional Don Orione, levados pela diretora, Srª Marli de Barros Teixeira. Assistiram lá também a filmes de arte. Assim, crescia simultaneamente nos colégios locais, inclusive nos currículos, o interesse pela arte. DM JR, 21 a 27 de abril de 1971. A matéria Carlos Bracher – Marcus Kamil – Stendhal anunciava para o dia 22 de maio a exposição de Carlos Bracher, dentro das programações do aniversário da cidade, seu retorno e contribuições culturais para a cidade através da GAC, juntamente com os irmãos Décio e Nívea. A notícia reafirmava o sucesso da Exposição de Marcus Kamil, no Palácio da Justiça, sob o patrocínio da GAC e do DCE e anunciava uma programação de cinema, a partir de 22 de abril, que seria exibida na sede da 324

GAC, na quinta-feira, sábado e domingo. A exibição gratuita contava com as iniciativas da GAC, do CEC-JF, da ACFB (Associação Cultural Franco-Brasileira) e do DCE. Seriam exibidos: O vermelho e o negro, de Claude Autant-Lara, seguindo a programação dos Clássicos do Cinema francês para a semana seguinte: Sobre os telhados de Paris, de René Clair. DM JR, 28 de abril a 04 de maio de 1971. A matéria Bracher, a paixão desta pindorama, assinada por Décio Lopes, abordava a entrevista feita com o artista e as características de sua pintura, além de anunciar a vernissage para 22 de maio. DM, 29 de abril de 1971. O jornal anunciava, nesta data, a exibição de: Sobre os telhados de Paris, de René Clair, na GAC. DM, 01 e 02 de maio de 1971. Saiu a notícia de confirmação da Exposição de Carlos Bracher para 22 de maio. DM, 14 de maio de 1971. Nova confirmação da Exposição de Carlos Bracher para 22 de maio. Vale ressaltar que o artista iria apresentar a fase europeia e sua nova fase brasileira. DM JR, 19 a 25 de maio de 1971. Bracher. Matéria de Décio Lopes, em que relembra a abertura da exposição para o dia 22, ocasião em que o artista homenageia Juiz de Fora, sua cidade natal, em seu 121º aniversário. DM, 25 de maio de 1971. Bracher. O artista era notícia na cidade e sua exposição, um sucesso. Suas cores, mais contidas e as pinceladas, mais disciplinadas. Notava-se maior rigor e amadurecimento em sua pintura, após a temporada na Europa. DM JR, 23 a 29 de junho de 1971- Bracher Bracher. Uma matéria redigida por J.C. de Lery Guimarães informava o encerramento da exposição de Carlos Bracher na GAC, afirmando que poucos artistas tiveram a cobertura que este jovem pintor recebera da imprensa local. No mesmo jornal, uma matéria de Décio Lopes informava que no dia 24, dia seguinte, na GAC, seria inaugurada a Exposição Retrospectiva de Jean Cocteau. A mostra foi organizada pelo Centro de Documentação do Serviço Cultural da Embaixada da França, com 80 fotos-documentos sobre aspectos variados da obra do artista: pintor, desenhista, teatrólogo, cineasta e poeta. Nos dias 25, 26 e 27 às 20h seria exibido gratuitamente, seu filme Orphée, grande obra-prima. A mostra e a exposição eram uma promoção conjunta da Galeria de Arte Celina com a Associação Cultural Franco-Brasileira, sob os auspícios da Maison de France e colaboração do CEC/JF. Palestras DM, 9 de julho de 1971. A GAC, ao encerrar a Retrospectiva de Jean Cocteau, prometia um bate papo informal de Norma Lachelle, brasileira de Juiz de Fora, radicada nos Estados Unidos, sobre o magistério de desenho e francês, além de outros temas. Na mesma ocasião, Eliardo França e sua esposa Mary França mostrariam suas ilustrações e seus textos de estórias infantis. Teatro DM JR, 28 de julho a 3 de agosto de 1971. O Zoo. Notícia redigida por Rogério Bitarelli, que narrava: “estive nos ensaios da peça A História do Jardim Zoológico, de Edward Albee. Sob o texto traduzido por Luiz Carlos Maciel, Jayme Ribeiro e Paulo Canabrava estavam se desenvolvendo bem, absorvendo as raízes dramáticas de dois personagens legítimos de nossos tempos”. Complementou dizendo que Albee representava o protótipo da cultura norte-americana contemporânea. A temporada estava acontecendo de 01 a 10 de agosto, na GAC. DM JR, 04 a 10 de agosto de 1971. A peça de teatro O Zoo, com direção de Natálio Luz era sucesso todas as noites na GAC. DM, 10 de agosto de 1971. Segundo Natálio Luz, a obra de Eduardo Albee era uma obra-prima realista, “úmida e elástica, que dava a impressão de estar inacabada”, para 325

diretores mais inexperientes. Albee não admitia “mágica”, portanto os diretores que levassem sua obra ao palco, “acabavam por realizar as pretensões do autor”. DM, 15 e 16 de agosto de 1971. Caderno de domingo. A GAC estava realizando duas promoções de gabarito: o teatro de Natálio Luz, com a peça “A História do Zoológico” às 21h e o filme Coronel Durand, às 16:30h, fazendo parte do Festival de Clássicos do Cinema Francês, em promoção conjunta da Galeria, com o CEC/JF e a Aliança Francesa. DM, 20 de agosto de 1971. A GAC, em parceria com a Aliança Francesa estava realizando uma Exposição Didática sobre Napoleão, sua vida e seu tempo. Eram cerca de 100 fotografias expostas. Filmes e slides seriam exibidos no decorrer da exposição, que tem previsão de encerramento no dia 30 de agosto. DM, 14 de setembro de 1971. Uma exposição de Arte Infantil estava acontecendo na GAC, com promoção do Movimento Artístico Educativo. Lúcia Freire e Elzira Vilela Carneiro (Vilcar) eram as responsáveis pelo trabalho das crianças. DM, 18 de setembro de 1971. Acontecia na GAC o coquetel de abertura da Exposição de Gravuras de Clássicos Franceses: A França vista por seus pintores. Exposição diária, aberta ao público. DM, 19 e 20 de setembro de 1971. Caderno de domingo. Uma pequena nota: na GAC iria acontecer, naquele dia, a exibição de um clássico do cinema, de René Clair, às 20h. DM, 22 de setembro de 1971. Além da Exposição A França vista por seus pintores, foram exibidos muitos filmes de curta-metragem dando a visão do jazz autêntico americano. As apresentações foram feitas no domingo e outros gêneros também exibidos, como: Carlitos, Tarzan, Super-homem, Partes da vida de Cristo, Gordo e Magro, a sequência de um filme estrelado por Edmond O’Brien, e muitos outros. DM, 24 de setembro de 1971. Havia uma pequena nota que anunciava a exibição de filmes de curta-metragem do cinema americano, ou cenas importantes de alguns filmes, neste dia, na GAC, às 20h. DM, 03 e 04 de outubro de 1971. Caderno de domingo. Exposição de desenhos de Eliardo França foi inaugurada nesta data, na GAC, com coquetel e mostra das ilustrações de Eliardo e textos de Mary França, sua esposa. Foi a primeira exposição individual do artista. DM, 15 de outubro de 1971. Na GAC, acontecia a Exposição de desenhos Eliardo França e anunciava a abertura, para o dia 13 de novembro, da Exposição de reproduções de Picasso, com colaboração da Cultura Francesa. Nos dias 21, 22 e 24 de outubro, estavam previstas exibições do filme “Paris vista por...” dos diretores Truffout, Chabrol, Godard e Molinaro. DM JR, 10 a 16 de novembro de 1971. Em uma promoção do DCE e GAC, Exposição Quarteto: Arlindo Daibert, Álvaro Lobo, Carlos Miranda e Fernando Pitta. Matéria de página inteira com fotos dos artistas e suas obras, do coquetel de abertura exposição dentro da GAC. Foi considerada uma exposição de vanguarda. DM JR, 24 a 30 de novembro de 1971. Exposição de Picasso. Foi aberta ao público, na GAC, uma mostra retrospectiva de reproduções de trabalhos de Pablo Picasso. Constava de 115 documentos, mais uma série de slides coloridos de quadros do artista, que foram projetados durante a exposição. Era uma homenagem aos 90 anos de Picasso, que contou com a promoção da GAC, sob os auspícios da ACFB e do DAT e material cedido pelo Serviço Cultural da Embaixada da França. A mostra aberta dia 13 de novembro tinha previsão de duração de 15 dias. VII A GAC em 1972 DM, 02 de fevereiro e DM, 05 de fevereiro de 1972. Nívea Bracher realizava o projeto de criação para a Decoração de Carnaval da cidade de Juiz de Fora conjuntamente, com o 326

também artista Carlos Miranda, a ser inaugurado no dia 10 de fevereiro. O design criado para as peças que mudaram a paisagem urbana expressavam uma linguagem visual que remetia a pombas, flores, serpentes e maçãs, com o tem Amor e tentação. Estavam a todo vapor com esta iniciativa. Todas as peças de materiais recortados e plastificados iriam iluminar e decorar a Avenida Rio Branco. Este trabalho, segundo os artistas, só foi possível com a ajuda de duas equipes (do Rio de Janeiro, composta por David Ribeiro, Adir Sampaio e Fernando Santoro; de Wilma Cortez e das melhores plastificadoras: Creusa Pereira e Isaltina Lopes dos Santos; de Juiz de Fora, na decoração, montagem e pintura das peças: Lélis da Silva, Dilza Silva e Edson Silva). DM JR, 29 de março a 04 de abril de 1972. A GAC iniciaria dia 05 uma Exposição 100 obras-primas de Arte francesa: Escultura e Arquitetura. No sábado e no domingo, a Galeria exibiu dois filmes franceses, em promoção conjunta com a Aliança Francesa. Na página especial Jr6, Décio Lopes apresenta um texto, anunciando a referida exposição, de duração de 10 dias, a partir de 05 de março, após um recesso da GAC em janeiro e fevereiro. Ele preparava uma programação completa para aquele ano que incluía muitas exposições, palestras, filmes e demais atividades. Sobre cinema, Décio Lopes, descrevia que a programação cinematográfica da GAC era extensa: 40 filmes longa-metragem, 50 filmes de curta-metragem, com temáticas artísticas, culturais e didáticas. Para continuar o ciclo iniciado no ano anterior, 33 clássicos do Cinema Francês foram exibidos. Mensalmente, o ciclo se faria assim por ‘Diretor’ (1 filme por semana, às quintas, sábados e domingos, 20h, entrada franca). O primeiro dos cineastas a ser apresentado seria René Clair, com o filme Les Belles de nuit, que completaria o ciclo do ‘Diretor’ de A nós a Liberdade, exibido na semana anterior na GAC. Décio Lopes afirmava, ao final: “É tempo de voltar a frequentar a GAC”. DM JR, 20 a 25 de abril de 1972. Suplemento excepcionalmente na quinta-feira, página Jr2. A Galeria de Arte Celina, no domingo anterior, apresentou dois filmes de Renoir: Festa no campo e Regra do jogo. Na semana seguinte, novas promoções. Curso DM, 25 de abril de 1972, pág.3, em pequena nota, A Galeria de Arte Celina iria promover um Curso de Pintura e Desenho, no mês de maio e maiores detalhes, na GAC. Palestra DM, 28 de abril de 1972, pág. 2. O anúncio de uma palestra na GAC: Uma inflexão ao romance, com José Paulo Netto. Dias 29 e 30 de abril a chamada para a exibição do filme A carroça de ouro, de Jean Renoir às 20:30 h, com entrada franca. DM JR, 03 a 09 de maio de 1972. A GAC realizava este mês o Curso de Pintura e Desenho. Iniciava-se o Ciclo ‘Claude Autant-Lara’, em que a GAC exibiria os filmes Asilo Vermelho, nas sessões de quinta-feira, sábado e domingo e os próximos filmes a serem exibidos seriam Le Rouge et le Noir, Le Blé em Herbe e Le Bois des Amants. DM, 31 de maio de 1972. Coluna extra, de Decio Cataldi. O Departamento de Cultura e Promoções da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora e a Sociedade Teuto-Brasileira, Goethe Institut de Belo Horizonte e Galeria de Arte Celina, convidavam para a exposição de reproduções da obra completa de gravura em madeira de Albrecht Dürer, comemorativa dos 500º aniversário de seu nascimento, na GAC, inaugurada dia 30 de maio, com duração até 30 de junho. (Matéria completa no DM Junior, de 14 a 20 de junho de 1972). DM, 08 de junho de 1972. Simultaneamente à exposição referida, A GAC anunciava a promoção de um Curso de Arte Moderna, com o crítico e ensaísta Pierre Santos, professor de História da arte da UFMG. Do impressionismo a até a arte de vanguarda, com um mês de duração, aulas semanais às sextas e sábados às 20: 30h. Inscrições na GAC. 327

Conferência - No mesmo jornal supracitado, na Coluna Agenda, há o anúncio de a GAC, em combinação com a Aliança Francesa, teria programada para aquele mês uma Exposição acerca da vida e obra de Charles Baudelaire. Além de gravuras, fotos e slides, haveria também uma conferência dia 18, às 20h, com o professor da UFJF, Gilvan P. Ribeiro, com o tema: Baudelaire, um herói da decadência. DM JR, 14 a 20 de junho de 1972. Exposição de Albrecht Dürer. Exposição de reproduções da obra completa de gravura em madeira de Albrecht Dürer. A exposição contou com grande público durante todo o período da mostra. Cursos DM JR, 21 a 28 de junho de 1972. A matéria Cursos de Arte na GAC, com colaboração do DCE-UFJF, descrevia o Curso de Arte Moderna: do Impressionismo à Arte de Vanguarda, com Pierre Santos, que contava com 100 alunos, para estas 6 palestras/módulos elaboradas com projeções de filmes e slides que compunham toda a temática. Assim também ele iniciou na GAC, no sábado, com cerca de 70 alunos inscritos, mais outro, com grande repercussão: Curso sobre Albrecht Dürer, com apoio da Prefeitura, através do Departamento de Cultura e Promoções da Secretaria de Educação e Cultura, com dois módulos temáticos: Dürer, sua pintura e pintores de seu tempo; Dürer e sua gravura. Ambos os cursos conferiram certificados aos alunos. DM JR, 05 a 11 de julho de 1972. Exposição Dnar e Stehling Matéria de página inteira. A mostra iria decorrer no período de 5 de julho a 15 de agosto. Uma exposição de muito sucesso, onde Dnar Rocha expandia o branco sobre a pintura e revelava a sua marca. Stehling expressava o impacto da cor no virtuosismo das pinceladas em filetes pretos: espelho de personalidade. Foi uma das exposições mais relembradas em depoimentos realizados nesta pesquisa. DM JR, 20 a 26 de setembro de 1972. Delacroix na GAC. Duas centenas de fotodocumentos do tempo, vida e obra de Eugène Delacroix estavam expostos ao público, diariamente, de 15 às 23h na GAC. Esta foi uma promoção conjunta da GAC, Aliança Francesa de Juiz de Fora e Maison de France do Rio de Janeiro. Com entrada franca, ainda prosseguiam na GAC todas as noites, projeções de filmes clássicos franceses, com seleções de obras mais importantes de um ‘Diretor’, cada mês. Quem havia perdido Jean Cocteau em agosto, (A águia de duas cabeças, Orfeu, O testamento de Orfeu, A bela e a fera) deveria ficar mais atento e aproveitar a exibição, em setembro, de filmes de Marcel Carné. Estavam previstas as projeções de: Drama engraçado, Hotel do Norte, As portas da noite e Os visitantes noturnos. DM, 23 de dezembro de 1972. Exposição Mineiros em Galeria. A GAC, em convênio com o Departamento de Cultura e promoção da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal, inaugurou esta exposição coletiva de artistas plásticos mineiros, comemorando o seu 7º ano de funcionamento. A abertura contou com grande público e a mostra apresentava obras de artistas de Juiz de Fora e de Belo Horizonte, com sucesso anunciado pela crítica especializada. A exposição estava prevista para visitação até 31 de janeiro do ano a seguir. VII A GAC em 1973 DM, 22 de fevereiro de 1973. Turunas, o título é nosso. A notícia revelava o sambaenredo vencedor foi Epopeia das Artes, com letra de Luiz Quirino e que a Galeria de Arte Celina iria participar do desfile na avenida, com uma apresentação de Nívea Bracher. A GAC iria desfilar em uma ala da Escola de Samba, pois a letra era uma homenagem às artes, buscando exaltar a música, o teatro, a pintura, o cinema e a literatura. 328

DM, 01 e 02 de abril de 1973. Uma matéria longa: Galeria de Arte Celina - O difícil caminho da arte na cidade. Apresentava o percurso dos Bracher, desde a criação da Galeria e os esforços que exauriam os dirigentes para a sua manutenção e promoção de eventos contínuos para nutrir um pouco, as aspirações culturais da cidade. O depoimento de Guimarães Vieira revela: “o mérito e a coragem de se manter aberta e atuante a Galeria de Arte Celina excedem os limites do bom senso: seus responsáveis não cuidam de vender, embora precisem subsistir, mas de mostrar, e quando mostram, querem fazê-lo com o que há de melhor e mais representativo da arte contemporânea”. A luta de Nívea Bracher para traçar um plano e buscar apoio e subvenções do Estado, não foi esquecida. DM, 03 de abril de 1973. Samba na Galeria. A GAC encerraria no dia seguinte, 04 de abril, a Exposição de fantasias, bandeiras e troféus das escolas de samba de Juiz de Fora. A exposição foi realizada com o objetivo de homenagear os sambistas da cidade. Nesta data, às 20:30h, haveria apresentação de Ministrinho e seu conjunto e no dia seguinte, no encerramento da exposição, se apresentaria a bateria da escola Juventude Imperial e o Batuque Afro-brasileiro. DM, 08 e 09 de abril de 1973. Caderno de domingo. GAC Mostra Mineiros na Galeria. No dia 07 de abril, foi inaugurada a exposição dos 07 artistas mineiros: Thalma Sarmento de Oliveira, José Avelino Paula, Chico Ferreira, Sanzio Menezes, Virgínia de Paula, Fernando Veloso e Marcelo Brandão. Foi um somatório de diferentes estilos, técnicas e tendências. A GAC contava neste período com a colaboração de Delma Rocha que demonstrava dinamismo em organizar e realizar as promoções no campo das artes plásticas na GAC. A mostra dos 7 mineiros era um exemplo de sua iniciativa e logo a seguir, haveria uma exposição de esculturas. DM, 15 e 16 de abril de 1973. Caderno de domingo. GAC Mostra Baiano. A exposição do escultor baiano, Alfredo Francisco Santos, teve sua abertura no dia 14 de abril. Eram peças realizadas também em mármore e pedra sabão. Os títulos de suas obras Árvore da vida, A mão da humanidade e outras, revelavam uma sugestão para o “fantástico e o paranormal”. DM, 13 e 14 de maio de 1973. Caderno de domingo. Roberto Vieira na GAC, dia 05 de maio foi inaugurada a exposição Paisagens/Vibrações/Cosmos, de Roberto Vieira, na Galeria de Arte Celina, “com muita música, muita gente e muita alegria”. A Galeria foi decorada por ele, com temática tropical e seu vernissage - inusitado, conforme a descrição feita pelo próprio artista em depoimento no capítulo 2, no item do Grupo 57, ao qual ele pertenceu. A exposição se realizou de 05 a 17 de maio e foi um grande sucesso de público, principalmente pelo artista condensar um raciocínio e processo criativo de vanguarda para a época: fator que o projetou para a Bienal de São Paulo. DM, 20 e 21 de maio de 1973, Caderno de domingo. Nova Exposição na GAC. A galeria se preparou para nova apresentação da Exposição Artistas Locais. Começou no dia anterior, 19 de maio, com iniciativa do D. A. de Engenharia da UFJF. Era uma coletiva com seis artistas: Suely Castellani (óleo sobre tela); Mauro Lamas (desenhos a nanquim e guache); Carlos Cunha (nanquim sobre papel); René Adyrcon (técnicas diversas); Adramos (que expões pela 2ª vez) e Marleni (crayon, guache e nanquim). A exposição ficaria até 26 de maio. DM, 03 e 04 de junho de 1973. Caderno de domingo. Matéria de página inteira: Elegias, Casa e Gente na GAC. Com a presença do pintor Guimarães Vieira, a GAC iniciou dia 30 de maio, uma exposição deste artista plástico, o “Guima”, naquela época, diretor do Museu do Banco do Brasil e escritor responsável pela página Arte & Literatura, de domingo, deste referido Jornal. Em um acontecimento duplo entre pintura e literatura, a poetisa Ymah Théres, lançava seu primeiro livro, Elegias, com ilustrações de Guimarães Vieira, onde ela enveredava um caminho novo dentro da trajetória como escritora. Vale ressaltar que Guima, 329

em seus quadros, ia do desenho em cartão, à pintura em fórmica, explorando as possibilidades e diversidade dos materiais. DM, 30 e 31 de dezembro de 1973. Caderno de domingo. Dornellas – a exposição de quadros do pintor juiz-forano Roberto Dornelas, na GAC, aberta dia 8 de dezembro, encerrou hoje com muito sucesso, pois segundo a nota de jornal, o artista conseguiu vender alguns de seus quadros. VIII A GAC em 1974 DM, 10 de janeiro de 1974. Uma nota dizia que o artista Dornellas reabriria sua exposição no dia 14 de janeiro. DM, 22 de junho de 1974. Uma notícia sobre a GAC neste ano: Dornellas: dos casarões às marinhas. Após realizar duas mostras individuais, uma na Galeria de Arte Celina e outra no Palácio da Justiça, em Juiz de Fora e outras em Brasília, Ouro Preto, Tiradentes, Teresópolis, Dornellas não escondia a surpresa de ter tido um quadro adquirido num Salão Oficial. A exposição deste artista, iniciada a 8 de dezembro do ano anterior, foi prolongada pelo ano de 1974, a partir de 14 de janeiro, mas sem data de término registrada. Foi a última exposição realizada na Galeria de Arte Celina, conforme a pesquisa no Jornal Diário Mercantil. IX Encerramento da GAC em 1975 Como já foi mencionado anteriormente, em 1975, não há registros de atividades na GAC, restando somente o documento redigido por Décio Lopes, anunciando o término de suas atividades em 1975. O documento é um abaixo assinado em prol da utilização de um espaço da Galeria Pio X para ser gerida a Cooperativa Áudio-Visual de Juiz de Fora, mas que contém a informação do fechamento da GAC.

330

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.