Gamificação na Educação Cristã: Transformando o ensino num jogo

May 22, 2017 | Autor: Abelmon Bastos | Categoria: Educação Infantil, Cristianismo, Gamificação
Share Embed


Descrição do Produto

CEAM – CENTRO DE ESTUDOS AVANÇADOS DE MISSÕES DA AMIDE

ABELMON DE OLIVEIRA BASTOS

GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ: TRANSFORMANDO O ENSINO NUM JOGO

Brasília - 2015

ABELMON DE OLIVEIRA BASTOS

GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ: TRANSFORMANDO O ENSINO NUM JOGO

Monografia apresentada ao CEAM como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Missiologia e Ministério Pastoral.

Orientador: Th.M. Valdeir de Souza Contaifer

Brasília-DF 2015

ABELMON DE OLIVEIRA BASTOS

GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ: TRANSFORMANDO O ENSINO NUM JOGO

Monografia apresentada ao CEAM como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Missiologia e Ministério Pastoral.

Data: 05/12/2015

_______________________________________________ Th.M. Valdeir de Souza Contaifer (Orientador) _______________________________________________ Prof. Reginaldo Corrêa de Carvalho

_______________________________________________ J.D. Ana Maria Castro Carneiro Costa

A Deus, Amor, Pai, Irmão, Amigo, Consolador, Refúgio, Redentor, Justificador, Advogado, Senhor e Salvador da minha vida e de todos que crêem. À minha mãe, in memorian, Rosa Maria (1946-2010), educadora nata, que me incentivou a aprender, a estudar, a enxergar arte e beleza ao redor, e, principalmente, a temer a Deus (este é o princípio da sabedoria), traduzindo tudo isto em Jesus Cristo, Nosso Senhor, que a nós “abriu o mar” em todos os sentidos. A todos os irmãos e irmãs que encarnaram a missão de fazer a vontade do Pai, aos quais desejo a imperecível coroa da justiça, a vitória incorruptível, na cruz, sobre a carne, o mundo e o diabo.

AGRADECIMENTOS A Deus que enviou seu Filho Amado para morrer em meu lugar por conta dos meus pecados, e, assim, preencheu-me consigo mesmo, com nova vida e uma “vida nova”; Ao meu pai, por seu incentivo desde a infância quando me mostrava empolgado as maravilhas de um PC; e sua família, aos quais oro e agradeço sempre que me recordo; Às minhas irmãs, Cândida e Rosângela, gamers casuais, pelo carinho, pela preocupação e auxílio sempre constantes, pelos telefonemas e “saudades”, as quais desejo compartilhar mais e mais da alegria do Senhor; e, neste desejo, incluo também Indira e Rebeca; A todos os demais familiares (avó, tios, primos, sobrinhos), sempre queridos e cada vez mais amados, aos quais desejo o “novo nascimento”, o crescimento e aconchego em Cristo, nesta vida e no “porvir”; À diretoria, missionários da AMIDE, corpo docente e discente do CEAM (seminário, EaD e mestrado) agradeço por tudo, pois é “impossível” resumir aqui o que significam em termos de crescimento, de capacitação e de vida nestes últimos anos; A Anita, gamer, nerd, colega em missões, redimida pelo Senhor Jesus, por me inspirar com seu TCC (o sal para a pipoca) e me ajudar a “gamificar” na UCB; Ao professor, pastor e amigo, Pr. Valdeir Contaifer, gamer, meu orientador, homem de grande coração que admiro, pois seu testemunho de servo de Cristo me trouxe ao CEAM; À IBAM, igreja, comunidade, pessoas que Jesus preparou para que eu pudesse ter a oportunidade de me entregar a Ele uma vez, duas... E aprendi a fazer isto com muita freqüência: a cada dia é preciso fazer isto; Aos amigos, colegas, irmãos de tantos outros lugares (BA, DF, GO, RN, PB, SP, RJ, MG, MS) e que vale a pena mencionar, pois este trabalho carrega um pouco de cada um: IBM-IBAM, Templo Batista no Vale do Amanhecer, Vinha-Rajadinha, IRT, CV-UNEB, InfoJr UFBA, Oriente-se... ありがとうございます。

“Não eduques  as crianças nas várias disciplinas recorrendo à força, mas como se fosse um jogo, para que também possas observar melhor qual a disposição natural de cada um.” (Platão, filósofo grego)

Ora, tudo faço por causa do evangelho, para dele tornar-me coparticipante. Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo aquele que luta, exerce domínio próprio em todas as coisas; ora, eles o fazem para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como indeciso; assim combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à submissão, para que, depois de pregar a outros, eu mesmo não venha a ficar reprovado. (Paulo de Tarso, o “apóstolo”, em sua primeira carta aos Coríntios, capítulo 9, versículos de 23 a 27, entre 55 a 57 d.C., cidade de Éfeso, tradução da Bíblia Almeida Recebida - “Textus Receptus”)

“Quem ama acredita no impossível.” (Elizabeth Barrett Browning, missionária e poetisa cristã)

RESUMO O ensino bíblico é de tal importância que demanda a utilização de meios criativos para atrair a atenção e permitir que as pessoas reflitam por mais tempo nos temas e assuntos bíblicos. Na sociedade contemporânea, imersa na cultura digital, as novas tecnologias apresentam-se ao uso educacional e pedagógico de maneira desafiadora, prometendo uma melhor eficiência dos processos e eficácia do ensino. Ao mesmo tempo, verifica-se que o ensino da Bíblia Sagrada precisa do atrativo comunicador, da manutenção da atenção crescente e continuada e também do alcance ensinador das palavras-chave e de suas doutrinas basilares. É próprio, portanto, que os recursos de nosso tempo, que estão em voga produzindo os melhores resultados, sejam utilizados neste esforço. A “gamificação” é um desses recursos que procura pela linguagem dos games (jogos eletrônicos) permitir a apreensão de conteúdos e estimular o relacionamento continuado e duradouro com os temas bíblicos. O presente trabalho busca definir e investigar a gamificação, avaliando sua aplicabilidade na área educacional, e em especial em diversos contextos do ensino bíblico. Na própria Bíblia, encontramos a utilização de recursos criativos de suas épocas (mensagens escritas, literatura diversificada, utilização de alegorias, ironias, representações, música, dança, parábolas...) para chamar a atenção para a mensagem e fazer pensar, refletir e posicionar-se diante do que realmente se faz importante. Os missionários de todas as épocas se empenharam usando os recursos criativos que tinham disponíveis. Há lugar para os games? Certamente que sim. E, em princípio, podese considerar que há, ao menos, espaço para o uso dos elementos lúdicos característicos dos jogos eletrônicos no ensino bíblico. O presente estudo visa auxiliar o preenchimento da lacuna sobre a aplicabilidade da gamificação na educação cristã das gerações Y e Z, seja no contexto eclesiástico ou fora dele - “no mundo”. Este trabalho finaliza com conclusões que apresentam desde sugestões e ideias para trabalhos futuros. Palavras-chaves: gamificação, jogos, educação cristã, ensino bíblico, aprendizagem.

ABSTRACT Biblical teaching is of such importance that requires the use of creative ways to attract attention and allow people to think longer on the themes and biblical subjects. In contemporary society, immersed in digital culture, new technologies are presented to the educational and pedagogical in a challenging way, promising a better, efficient and effective teaching process. At the same time, we see that the teaching of the Holy Bible lacks attractiveness, compromising the students' growth and continued attention, and also the transmission of keywords and its basic doctrines. Thus, it is expected that the current resources that produce the best results are used in this matter. The "gamification" is one of those resources that use the 'game language' (video games) and facilitates the learning of Biblical content and encourages continuous and lasting relationship with Biblical themes. This study aims to define and investigate the gamification, evaluating its applicability in education, especially in contexts of Biblical teaching. In the Bible itself, we find the use of creative ancient resources (written messages, diverse literature, use of allegory, irony, representations, music, dance, parables ...) to draw attention to the message and to make one think, reflect and challenge themselves in light of what really is important. The missionaries of all ages made sure to using the creative resources which were available. Is there room for games? Yes, definitely. And, first and foremost, it can be considered that there is at least room for the use of fundamental playful elements of electronic games in Biblical teaching. This study aims to help bridging the gap on the applicability of gamification in the Christian education of generations Y and Z, in the ecclesiastical context or outside it - "the world". This work ends with conclusions that brings suggestions and ideas for future works. Key words: gamification, games, christian education, biblical teaching, learning.

LISTA DE IMAGENS Índice de ilustrações Ilustração 1: Detalhe da capa do relatório da Timothy Partners (2008) alertando os pais e responsáveis sobre o conteúdo de alguns games........................................................................................................ 34 Ilustração 2: Cena do game "O Poderoso Chefão II", PC-DVD, EA, 2009..............................................39 Ilustração 3: Gamificação no contexto do jogo e da brincadeira............................................................46 Ilustração 4: Piramide dos elementos dos games (WERBACH e HUNTER apud FARDO, 2014, p. 60, tradução do autor)................................................................................................................................... 48 Ilustração 5: Diagrama do espectro com os tipos de motivação (WERBACH, 2014, ilustração adaptada, tradução minha)...................................................................................................................................... 50 Ilustração 6: Tipos básicos de jogadores (WERBACH, 2014).................................................................54 Ilustração 7: Quadro comparativo entre os ambientes de jogos e o de trabalho (VIANNA, 2013, p.48). 58 Ilustração 8: Tela do Zamzee e do dispositivo utilizado (WERBACH, 2014).. .............................................................................................................................. 60 Ilustração 9: Tela do Chore Wars (2007) aplicado no CEAM-AMIDE.....................................................62 Ilustração 10: Faixa etária dos participantes........................................................................................... 63 Ilustração 11: Gêneros de jogos eletrônicos jogados..............................................................................63 Ilustração 12: Diagrama da aprendizagem do jogador ao longo do tempo, por Kurt Squire (Ibid)..........67 Ilustração 13: Resultado da pesquisa sobre a leitura da Bíblia...............................................................76 Ilustração 14: Fotos dos tabuleiros e peças nas versões (b), (b) e (a)....................................................85 Ilustração 15: Gamificação na UCB, sessão 3........................................................................................88 Ilustração 16: Pesquisa sobre o tema de 1Co 13, após filtragem de respostas válidas..........................93 Ilustração 17: Auto-avaliação sobre a dinamica (gamificação)...............................................................94 Ilustração 18: Tabela sobre preferências por gênero e idade (VIANNA et al, 2013, p. 31).....................99 Ilustração 19: Definições alternativas para uma melhor adequação dos termos e possibilidades........108

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas AR – Almeida Recebida (Tradução do “Textus Receptus”) ARA – Almeida Revista e Atualizada BS – Bíblia Sagrada cp. – Capítulo cf. – conforme Id. – Idem: mesmo autor Ibid. – Ibidem: mesma obra loc. cit. – Loco citato: mesma página já citada MMOG – Massive Multiplayer Online Game MMORPG – Massive Multiplayer Online Role-Playing Game NPC – Non-Player Character (personagem não-jogável controlado pelo computador) NVI – Nova Versão Internacional op. cit. – Opus citatum: obra citada p. – página PC – Personal Computer (computador pessoal) RTS – Real Time Strategy v. – verso ou versículo

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13 OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS ............................................................ 15 JUSTIFICATIVA ................................................................................................ 16 METODOLOGIA ................................................................................................ 18 1 CONTEXTO CULTURAL .............................................................................. 19 1.1 Cultura “digital” ................................................................................................19 1.2 Cultura “gamer” ...............................................................................................21 1.3 Cultura “pós-moderna” ....................................................................................23 1.4 Gerações Y e Z ...............................................................................................25 1.5 Algumas considerações missiológicas ............................................................27

2 GAMES .......................................................................................................... 29 2.1 Não é hora de brincar! É de jogar! ..................................................................29 2.2 O lado obscuro dos games ............................................................................32 2.3 O potencial (positivo) dos games ....................................................................35 2.4 Este game é do Bem ou do Mal? ....................................................................37 2.5 Games e seus elementos ...............................................................................40

3 GAMIFICAÇÃO ............................................................................................. 44 3.1 Definindo a gamificação ..................................................................................44 3.2 Preparando o tabuleiro... .................................................................................46 3.3 O potencial de “gamificar” ...............................................................................47 3.4 Um framework .................................................................................................52

4 GAMIFICAÇÃO EM DIVERSAS ÁREAS ..................................................... 55 4.1 A gamificação nas empresas ..........................................................................55 4.2 A gamificação na área social ..........................................................................58 4.3 A gamificação na área governamental ............................................................60

4.4 Demo start! .....................................................................................................60

5 GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO ................................................................. 64 5.1 Contexto educacional ......................................................................................64 5.2 Aplicabilidade ..................................................................................................65 5.3 Casos de sucesso ...........................................................................................68 5.4 Advertências ...................................................................................................69

6 GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ .................................................. 71 6.1 A educação cristã ...........................................................................................71 6.2 O educador cristão ..........................................................................................73 6.3 Como vai a educação cristã? ..........................................................................74 6.4 “Gamificar” resolve? ........................................................................................76 6.5 Análise bíblica da gamificação ........................................................................77 6.6 Já se “gamifica”? .............................................................................................80

7 GAME START! .............................................................................................. 83 7.1 EBD ................................................................................................................ 83 7.2 Impacto! .......................................................................................................... 86 7.3 Lições aprendidas ...........................................................................................90 7.4 Considerações especiais ................................................................................94

8 HORA DE GAMIFICAR! ............................................................................... 96 8.1 Preparando-se! ...............................................................................................96 8.2 Go, go, go!!! ....................................................................................................96 8.3 O que evitar (e como fazer isto) ......................................................................102 8.4 Avaliando os resultados ..................................................................................104

CONCLUSÃO .................................................................................................... 105 Definições alternativas ...........................................................................................106 Trabalhos Futuros ..................................................................................................107 Observações “sic” ..................................................................................................108 Reflexão para a Igreja ............................................................................................108

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 109

INTRODUÇÃO O ensino bíblico é de tal importancia que demanda a utilização de meios criativos para atrair a atenção e permitir que as pessoas reflitam por mais tempo nos temas e assuntos bíblicos. Na sociedade contemporanea, imersa na cultura digital 1, as novas tecnologias apresentam-se ao uso educacional e pedagógico de maneira desafiadora, prometendo uma melhor eficiência dos processos e eficácia do ensino. O ensino da Bíblia Sagrada precisa do atrativo comunicador, da manutenção da atenção crescente e continuada e também do alcance ensinador das palavras-chave e de suas doutrinas basilares. É próprio, portanto, que os recursos de nosso tempo, que estão em voga produzindo os melhores resultados, sejam utilizados neste esforço. A gamificação2 é um desses recursos que procura pela linguagem dos games3 permitir a apreensão de conteúdos e estimular o relacionamento continuado e duradouro com os temas bíblicos. O uso da gamificação pode ser benéfico em diversos contextos do processo de evangelismo e discipulado. Na própria Bíblia, encontramos a utilização de recursos criativos ao transmitir profundas verdades de cunho teológico e ético. Foi o caso de Habacuque escrevendo a mensagem Divina em tábuas grandes que até o transeunte que passasse correndo teria sua atenção despertada para a leitura (Hc 2:2), também a utilização de alegorias (Jz 9:14; Gl 4:24-26), ironias (1Rs 18:27), representações (At 21:10,11), música e dança (Êx 15,20,21) e o magistral ensino de Jesus através de parábolas nos Evangelhos. Recursos criativos de suas épocas para chamar a atenção para a mensagem e fazer pensar, refletir e posicionarse diante do que realmente se faz importante. Os missionários de todas as épocas se empenharam usando os recursos criativos que tinham disponíveis. Foi assim com os versículos musicados, as histórias contadas ou 1 Cultura digital, à qual estamos imersos e que marca as gerações Y e Z (jovens, adolescentes e crianças hoje), será definida posteriormente. 2 A definição do conceito de gamificação faz parte deste presente trabalho, sendo construída ao longo dos próximos capítulos. Aqui, a priori, encaixa-se esta definição superficial. 3 Neste trabalho, o termo “game” não é sinômino ou tradução direta para a palavra “jogo”, mas é usado como sinônimo para “jogo eletrônico”, seja o jogo de computador ou de celular, enfim, um “jogo digital”. Esta distinção é comum na maioria das referências bibliográficas sobre o tema, principalmente as citadas aqui.

13

interpretadas como teatro ou esquetes rápidas, a utilização do flanelógrafo, do quadro e giz, das pinturas, gravuras e esculturas. Nas igrejas popularizou-se o retroprojetor, o filme super8 e o projetor de multimídia, Há lugar para os games? Certamente que sim. E, em princípio, pode-se considerar que há, ao menos, espaço para o uso dos elementos lúdicos característicos dos jogos eletrônicos no ensino bíblico. O presente estudo visa auxiliar o preenchimento da lacuna sobre a aplicabilidade da gamificação na educação cristã das gerações Y e Z, seja no contexto eclesiástico ou fora dele - “no mundo”. O capítulo 1 (p. 19) aborda o contexto cultural ao qual estão ligadas as gerações Y e Z, e

suas diversas facetas culturais, apresentando o cenário social, seus valores e

tendências. O capítulo 2 (p. 29) define a diferença básica entre brincadeira e jogo, abrindo a discussão sobre os games, a polêmica em torno deles, assim como seu potencial. A gamificação é introduzida no capítulo 3 (p. 44), onde são apresentados os resultados das pesquisas e levantamentos bibliográficos sobre o tema, abordando-o tanto historicamente quanto conceitualmente. O capítulo 4 (p. 55) apresenta várias aplicações da gamificação, exceto na área educacional, que é abordada no capítulo 5 (p. 64). Neste capítulo, são apresentados alguns resultados, observações e restrições encontradas nas principais pesquisas até o momento, sem esconder tanto seus benefícios quanto seus malefícios. O capítulo 6 (p. 71), serão introduzidas algumas definições sobre a educação cristã e seu possível “casamento” com a gamificação, além de uma investigação sobre a validade e aplicabilidade teológica da gamificação nesta área. A discussão é aprofundada em relação à gamificação na educação cristã, no capítulo 7 (p. 83) quando o “início” efetivo da pesquisa de campo exploratória sobre a gamificação na educação cristã de autoria própria, digamos, seu “game start” é apresentado. O capítulo 8 (p. 96) são apresentadas sumariamente algumas lições aprendidas e sugestões de aplicação da gamificação no contexto da educação cristã. Por fim, as conclusões que apresentam desde sugestões e ideias para trabalhos futuros até uma reflexão final para a Igreja... Então, aperte o “play” ;-) [>]

14

OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS GERAL: •

Avaliar a utilidade, eficácia e conformidade bíblica do uso de gamificação na educação cristã, especialmente no ensino bíblico orientado para jovens, adolescentes e crianças, gerações Y e Z respectivamente.

ESPECIFICOS: •

Investigar e definir o contexto cultural ao qual estão ligadas as gerações Y e Z;



Investigar e definir os conceitos de games e gamificação;



Investigar e aplicar casos de gamificação em áreas distintas da educação e avaliar seus resultados;



Investigar o uso de gamificação na educação e seus benefícios e malefícios nesta área;



Identificar e investigar o uso da gamificação na educação cristã;



Aplicar casos de gamificação na educação cristã no contexto do ensino bíblico e avaliar seus resultados;



Analisar a relevancia missiológica do preparo de educadores cristãos em relação a tendência da gamificação na educação no contexto da cultura digital.

15

JUSTIFICATIVA Há algumas décadas atrás, os jogos eletrônicos, ou simplesmente games, eram considerados sem importancia como algo negativo, irrelevante e até como “perda de tempo” (ALVES, 2007), porém eles têm atraído os holofotes dos pesquisadores acadêmicos por diversas razões, principalmente em relação por serem uma área de aplicação direta do “estado da arte” relacionado às diversas subáreas da ciência da computação (CLUA, 2005). Mercadologicamente, os games têm atraído olhares pelo seu potencial comercial promissor, que tem se concretizado, tornando-se a mídia mais poderosa do mundo, até mesmo em relação ao cinema e à música (BURGOS, 2014)(SAWYER, 2013)4. No Brasil, tem-se registros de que foi a partir do ano 2000 que os games passaram a ter interesse acadêmico, tornando-se objetos de pesquisas diversas (CLUA, 2005). De fato, é importante entender mais sobre este fenômeno e seu relacionamento com outras áreas, inclusive a educação. Atualmente, os jogos eletrônicos têm sido estudados intensamente e são considerados, por muitos pesquisadores5, potentes ferramentas para atingir objetivos “sérios” tanto empresarias como educacionais (FILHO et al, 2014). A tendência de se enxergar as relações entre games e outras áreas, e de se tentar usar a mesma “receita de sucesso” dos games nelas fez surgir o termo, “gamificação”, que trata-se da aplicação de elementos lúdicos, especificamente dos jogos eletrônicos, em contextos não-lúdicos (WERBACH, 2012). Em 2014, participei de um curso sobre Gamificação, cujo professor e pesquisador, Kevin Werbach (2014) disse ao final: Neste curso, dei muitos exemplos diferentes (de gamificação), alguns anedóticos, outros envolvendo pontos cruciais. Mas nós não temos ainda significativas pesquisas empíricas voltadas para diferentes formas de gamificação e os resultados que se pode aplicar nas empresas, no marketing externo, nas mudanças comportamentais. (grifo meu, tradução minha) 4 Este texto aponta que, em 2010, só nos EUA, a industria de games movimentou US$ 25,1 bilhões, ultrapassando tanto a indústria fonográfica (US$ 15 bilhões) quanto a cinematográfica (US$ 10,5 bilhões). 5 O autor deste trabalho é um destes pesquisadores, que buscará defender esta ideia nos próximos capítulos, incluindo a ideia de se atingir também objetivos espirituais através da educação cristã.

16

A gamificação na educação é um campo de aplicação recente e estudos e análises mais profundas são desejáveis (Id., 2014)(FARDO, 2014). Porém, quando se trata de sua aplicação no contexto da educação cristã, esta carência é ainda mais crítica e pode-se afirmar que não há nenhum estudo direcionado sobre o tema atualmente 6, evidenciando a necessidade de se avaliar sua aplicabilidade e validade teológicas. Segundo Timothy Keller (apud RIBEIRO, 2014), a igreja não pode mais ignorar a cultura, se ela o fizer – fechando os olhos para o que é bom, mau ou neutro segundo a Bíblia – seus membros serão engolidos pela cultura. “Cultura é complexa, sutil e inescapável”, por isso, se a igreja não raciocina intencionalmente sobre ela vai acabar se conformando (à cultura secular). O posicionamento da igreja em relação à cultura não é apenas uma questão eclesiástica, mas, antes. “uma combinação das convicções teológicas, dos dons espirituais e do clima social entre ela e a cultura” (Id., 2014, p.59). Paul G. Hielbert comenta (2010, p. 24): A tarefa missionária é, em primeiro lugar, trabalho de Deus, e devemos seguir sua liderança. Isso não elimina a necessidade de planejamentos ou estratégias. Mas significa que devemos fazê-lo em atitude de submissão a Deus, reconhecendo que Ele age quando quer, quase sempre de maneira que não podemos entender.

É importante que missionários, teólogos, líderes e educadores cristãos tenham uma visão crítica sobre as tendências da sociedade assim como os recursos disponíveis em seu tempo para usá-los de forma redentiva como meio, se for possível, para propagar o evangelho, e assim (Oshalá!7), alcançar e salvar alguns. O presente estudo visa auxiliar o preenchimento desta lacuna, focando na possível aplicação da gamificação na educação cristã de jovens e adolescentes, grupo identificado como gerações Y e Z atualmente.

6 Até a presente data, 28/10/2015, ao se pesquisar em sites como Google Scholar (http://scholar.google.com) e Academia.edu (http://academia.edu) usando diversas combinações com as palavras-chave deste trabalho. 7 Expressão hebraica algumas vezes grafada como “Oxalá” que traduzida quer dizer: Queira Deus!

17

METODOLOGIA O presente trabalho de pesquisa consiste nas seguintes etapas: 1. Pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de cultura digital, games, gamificação e de educação cristã, além da avaliação da validade e da viabilidade teológica/bíblica do uso da gamificação na educação cristã, e uma análise de como eles se relacionam. ▪ Vale ressaltar que a pesquisa bibliográfica vai muito além da revisão bibliográfica ou da análise crítica e, como método de pesquisa científica, pressupõe uma série de etapas metodológicas como: •

Elaboraçao do projeto de pesquisa: Escolha do tema, a formulação do problema de pesquisa e a elaboração de um plano que visa orientar o pesquisador em sua busca pelas respostas às questões formuladas. Essa fase envolveu a criação do Projeto de Pesquisa, que é requisito obrigatório do CEAM, na disciplina de Introdução à Metodologia Científica.



Investigaçao das soluções: levantamento bibliográfico e a identificação das informações neste material. Essa fase compreendeu a busca por material científico e geral sobre games, gamificação, gamificação aplicada aos processos de ensino e aprendizagem, cultura digital etc.



Analise explicativa das soluções: análise da bibliografia, i.e., análise crítica para explicar ou justificar as informações contidas na bibliografia selecionada de modo a construir a sua argumentação com base nos pressupostos epistemológicos explicitados.



Síntese integradora: produto final do processo de investigação, resultando na análise e reflexão sobre o tema proposto com o intuito de propor as soluções para o problema formulado.

2. Pesquisas exploratórias e participantes buscando levantamento bibliográfico, entrevistas e análises de experiências práticas de estudos de caso onde o pesquisador esteve integrado socialmente no campo de pesquisa. 3. Pesquisa aplicada com o objetivo de reunir os resultados e postular ações concretas para resolução ou minimização do problema. 18

1

CONTEXTO CULTURAL Cultura, para Hielbert (1999), são “sistemas mais ou menos integrados de ideias,

sentimentos, valores e padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz” numa dimensão cognitiva (conhecimento compartilhado entre membros de um grupo), afetiva (sentimentos e estética) e avaliadora (valores e fidelidade). O evangelho deve atuar nestas três dimensões: entendimento da verdade bíblica, sentimentos em relação a Deus (e sua condição própria de pecador), assim como seus valores. As três dimensões culturais são essenciais na conversão de um indivíduo. Hielbert completa (Ibid., p. 29): Os missionários enfrentam muitos dilemas, mas nenhum tão difícil quanto aqueles que tratam da relação do evangelho com as culturas humanas. Essas questões não são novas. No livro de Atos, várias questões surgiram [...]. O evangelho não pertence a nenhuma cultura.

Portanto, neste capítulo, tentaremos trazer uma luz sobre as faces da “cultura” que permeiam a sociedade contemporanea, influenciando hábitos e acelerando a difusão e a mudança de valores culturais: a “cultura digital”, a cultura “gamer”, a cultura “pós-moderna”... Estas faces geraram o contexto das gerações que circulam na sociedade.

1.1 Cultura “digital” O termo “digital” faz referência direta às novas tecnologias, especialmente as tecnologias digitais: computadores, internet, videogames, celulares, handhelds e similares8. Há ainda outros termos que podemos descrever a “cultura digital” como sinônimos ou características desta cultura: cibercultura, pós-modernidade, contemporaneidade. A cultura digital ou cibercultura “se constitui na cultura contemporanea, estruturada pela mediação das tecnologias digitais em rede nas esferas do ciberespaço e das cidades, conectando sujeitos que interagem com softwares e redes sociais, pela mobilidade e convergência de mídias, dos computadores e dispositivos portáteis e da telefonia móvel” (ALVES et al, 2014). 8 Subentende-se aqui os antecessores destes aparelhos citados como também seus sucessores: agendas eletrônicas, CD/DVD/Blue-ray players, palms, notebooks, netbooks, ultrabooks, smartphones, tablets, mp3 players e derivados...

19

A cultura digital é caracterizada por sua conectividade, presença crescente das novas tecnologias (focaremos especialmente nos games) e imersa na pós-modernidade: estes três pontos serão destacados neste trabalho para descrevê-la. Uma das características da cultura digital é sua relação com o meio eletrônico, meio digital, pautada por “marcos históricos” relevantes. Segundo LEMOS (2005): O desenvolvimento da cibercultura se dá com o surgimento da microinformática nos anos 70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização da internet e a transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço, a substituição do PC pelo CC (Lemos 2003). Aqui, a rede é o computador e o computador uma máquina de conexão.

O surgimento da “rede mundial de computadores, a internet, provocou uma mudança muito profunda em todo o mundo, transformando os relacionamentos entre as pessoas nas mais diversas áreas, incluindo a economia e a educação, verificando-se a criação de termos como: e-mail, e-commerce, e-marketing, e-business, e-enterprise, e-learning... enfim, os “e-” de “eletronic” (eletrônico). Sobre a internet, a sociedade pôde usufruir de uma nova modalidade de ensino-aprendizagem mediada pelos suportes tecnológicos digitais e pela própria rede, o e-learning9, que foi inserido em sistemas de ensino presenciais (convencionais), mistos ou completamente realizados por meio da distancia física. O fato da cultura digital ser marcada pela presença da tecnologia traz também uma outra característica: a constante evolução tecnológica e a consequente “obsolência programada”10 de produtos com grande periodicidade. O lançamento de novos produtos inclui tanto o hardware (parte física de um aparelho eletrônico), como também o software (parte lógica), i.e., os sistemas e seus padrões. Desta forma, um recente exemplo emblemático é que, em 2011, foi constatado 11 que o número de usuários de redes sociais ultrapassava os usuários de e-mail.

9 E-learning, Ensino a Distância ou Educação a Distância (EaD) passaram a ser sinônimos, expandindo o conceito anteriormente usado apenas para os meios analógicos como correios, jornais ou revistas (fascículos) (ALVES, 2003). 10 “Obsolência Programada” é também o nome de um documentário (2003) que trata do plano “secreto” da indústria de eletrônicos em planejar a “obsolência” de seus produtos, ainda que estes estejam em boas condições de uso, incentivando o consumismo desenfreado. 11 Pesquisa realizada pela Comscore (junho, 2011). Disponível em . Último acesso em 9/9/2011.

20

Voltando a Lemos (2005), sua fala complementa esta ideia de constante evolução tecnológica: “Agora, em pleno século XXI, com o desenvolvimento da computação móvel e das novas tecnologias nômades (laptops, palms, celulares), o que está em marcha é a fase da computação ubíqua, pervasiva e senciente, insistindo na mobilidade”. E neste cenário de mobilidade, os smartphones despontam como os dispositivos preferidos da sociedade. Na cultura digital, “tudo parece estar em rede e a rede está em todos os lugares” (ALVES, 2014). Desta forma, as tecnologias digitais reconfiguram a mobilidade informacional num processo que envolve também alterações nas dinamicas sóciocomunicacionais, provocando até mesmo mudanças no currículo educacional. Há ainda muito a se abordado tanto em termos tecnológicos quanto sociológicos sobre as características desta cultura digital “conectada” (à rede / em rede). Porém, para os objetivos desta pesquisa, focaremos no fato desta cultura digital ser também “gamer”.

1.2 Cultura “gamer” O adjetivo “gamer”12 identifica um típico jogador de jogos eletrônicos. É impossível pensarmos na cultura digital sem os games, pois eles estão presentes nas gerações Y e Z desde o princípio. O s gamers (jogadores) estão inseridos na cultura digital, pois fazem parte de uma geração na qual os integrantes cresceram completamente familiarizados com o ambiente midiático, por isso desenvolveram habilidades para decodificá-lo (NEVES, 2011). Essa geração ganhou diferentes denominações ao longo dos últimos anos como, por exemplo: •

“Geraçao screenagers” (por Rushkoff, 1999): os jovens da época da tela da TV e do computador) nasceu na década de 80 e se constitui nos filhos da cultura da simulação, que interage com os controles remotos, joysticks, mouses, internet. Sua forma de pensar e aprender é diferenciada e descontínua, por isso são chamados de “filhos do caos” ou filhos da “cultura da simulação”.



“Geraçao Net” ou “geraçao digital” (por Tapscott, 1999,2010): constituída por crianças e jovens que surpreendem pela capacidade de estabelecer interação e imersão de modo simultaneo com diferentes mídias e cada vez mais rápido. É totalmente comum, para eles, utilizar as mídias, fazendo várias coisas ao mesmo tempo, pois, diferentemente, da geração de seus pais (“baby boomers”) que só tinha

12 Recomenda-se a obra “Game over: jogos eletrônicos e violência” da pesquisadora Dra. Lynn Alves, pela Editora Futura.

21

acesso a mídias como livro, jornal, rádio e televisão, caracterizados por um fluxo de comunicação em sentido único, monológico. ◦ Oito normas caracterizam essa geração da geração de seus pais e avós: 1) valorizam a liberdade individual; 2) investigam tudo no mundo online; 3) desejam customizar tudo; 4) céticos e analíticos ao que vêem e lêem na mídia; 5) valorizam a integridade nos compromissos, priorizam ser honesto, respeitoso, transparente e fiel; 6) colaboram e compartilham tudo com os amigos online e no trabalho; 7) vivem em alta velocidade; 8) adoram inovar. •

“Nativos digitais” (por Prensky, 2010): crianças, adolescentes e jovens que pensam e processam informações de uma maneira fundamentalmente diferente dos “Imigrantes digitais”13, por terem crescido convivendo com as novas mídias, por continuarem interagindo com elas em grande parte do seu tempo. Eles possuem uma experiência tecnológica adquirida e aperfeiçoada durante anos de interação e prática, possuindo diferentes atitudes em relação ao uso da tecnologia. Para esse autor, os Nativos digitais criaram sua maneira própria de agir, pensar e de se relacionarem socialmente. Como vimos, os jogos eletrônicos já influenciavam as gerações anteriores às

gerações Y e Z, através de títulos (de jogos eletrônicos) históricos que surgiram nos “arcades” como Pong (1972), Asteroids (1979), Pacman (1980), Tetris (1984), Street Fighter II (1991) dentre outros. Desta forma, os pais já se divertiam com os games e passaram este hábito à geração mais nova. Na década de 80, os consoles de videogames dominavam o mercado do entretenimento digital, porém após o surgimento de PCs com maior capacidade de processamento, foi possível ampliar a qualidade gráfica dos jogos eletrônicos, além de uma maior variedade de títulos. Games como Warcraft: Orcs & Humans (1994)14 já permitiam jogar online com um outro jogador através da conexão via modem, nos primórdios da internet. A partir de 1995, as políticas públicas ampliaram o acesso à internet, aumentando significativamente o número de pessoas conectadas. Este cenário incentivou ainda mais a produção de games que aproveitassem o uso da rede de forma criativa, seja em pequenas

13 “Imigrantes digitais” seriam os integrantes da era pré-digital, que, apesar de se adaptar ao novo ambiente digital, mantêm, em alguma medida, seu pé no passado (NEVES, 2011). 14 Informações disponíveis em . Acesso em: 1 nov. 2015.

22

partidas de dois jogadores até mesmo centenas de participantes online simultaneamente, nos conhecidos MMOGs15. Segundo pesquisa da Carnegie Mellon University (MCGONIGAL, 2010), em 2010, um jovem em um país com forte cultura “gamer” iria passar 10.000 horas jogando games online ao completar 21 anos de idade. Em 2005, a média de crescimento do mercado mundial de games era de 20,1% ao ano, superando as cifras de crescimento do cinema, enquanto o mercado brasileiro de games movimentava R$120 milhões ao ano. Tal demanda impulsionou o crescimento acentuado na comunidade de desenvolvimento de jogos brasileira e o surgimento de cursos acadêmicos focados em Game Design16 (BASTOS, 2005). Hoje, verifica-se que os games e a internet não eliminaram a interação social entre os indivíduos, mas transportaram-na para um ambiente virtual, criando uma geração de pessoas “conectadas”. Segundo Burgos (2014), “os games que fazem sucesso hoje são criados para nos fazer permanecer mais conectados a eles e à comunidade de jogadores”. Falaremos mais sobre os jogos eletrônicos, sua conceituação, seus aspectos positivos e negativos no próximo capítulo.

1.3 Cultura “pós-moderna” A cultura “pós-moderna” também identificada como “cultura pop” por Ana Paula Ribeiro (2014) tem influenciado a cosmovisão ocidental consideravelmente a ponto de propagar uma transformação social, a qual Durkheim chamaria de fato social 17. Segundo a pesquisadora: A cultura pop tem sido responsável por moldar o pensamento da sociedade, afirma Turnau18. Para exemplificar, o autor reflete sobre a mudança da percepção da sociedade sobre mulher, sexo e beleza desde que a Playboy entrou em circulação em 1953. Outro exemplo que ele propõe, é como a 15 MMOG é uma sigla para “Massive Multiplayer Online Game”, incluindo o famoso subgênero MMORPGs característico do World of Warcraft (2007). 16 “Game Design” pode designar tanto o projeto completo de um game quanto o próprio processo de projetá-lo, “design”. Num projeto de game, são descritas suas características principais como jogabilidade, controles, interfaces, personagens, armas, golpes, inimigos, fases e todos os aspectos gerais do projeto (enredo/roteiro, gênero, dinâmicas/mecânicas etc) (LEITE, 2013). 17 Fato social é uma “mudança na forma de agir, pensar, decidir, se relacionar, sentir, crer etc.,” (RIBEIRO, 2014, p. 46). 18 A obra de Ted Turnau referenciada e citada por Ribeiro (2014) é “Popologetics: popular culture in christian perspective”, P&R Publishing, 2012.

23

vida das celebridades alterou a noção global de sucesso material. Ou ainda, como o senso de humor se tornou mais debochado desde que Os Simpsons foram ao ar pela primeira vez em 1989. Para o autor, esse impacto da cultura pop na visão de mundo contemporanea beira a religião.

Rubens Muzio (2013) destaca a era atual, “pós-moderna”, como um tempo em constante mudança e ainda indefinido. Neste tempo, as funções eclesiásticas perderam o espaço e valor na sociedade contemporanea que só qualifica e considera títulos e formação acadêmica, dentro de funções sociais “aceitáveis” pela própria sociedade. Não se pretende aprofundar muito nesta descrição da cultura pós-moderna, por ela estar bem descrita no trabalho de Ribeiro (2014), e partindo dele, segue uma interpretação de algumas ideologias propagadas pela cultura pós-moderna, também identificada como “cultura pop”: hedonismo, individualismo, sincretismo, relativismo, misticismo, secularismo, pluralismo, racionalismo, utilitarismo e pragmatismo. O homem pós-moderno, segundo Henrique Rojas, seria “light”, sendo hedonista, insensível, vulnerável, contraditório e vazio de ideais (BARTH, 2007). Apesar do homem pós-moderno ter como aspecto positivo sua abertura e liberdade à novas experiências, ele se firma como o “centro do universo” e “mesmo percebendo a verdade de certas proposições éticas históricas e sociais, ele as rejeita, porque não provém de sua própria formulação ou experiência”. Tal cosmovisão gera uma moral cristã deturpada de diferentes formas (sem pecado, de situação, neutra, pragmática/utilitarista e hedonista) ou até mesmo afasta completamente este homem para uma abertura ao esotérico e até mesmo ao culto ao mal. O sincretismo ganha força ao passo que há uma ressignificação dos valores e verdades absolutas (já relativas). É imprescindível comentarmos sobre a arte contemporanea, na sociedade pósmoderna. Ela é fruto da cultura e influenciadora da mesma simultaneamente. A arte contemporanea é geradora de polêmicas dentro e fora do meio artístico, sendo, por vezes, comparada pelo senso comum e até pelo crítico de arte nova-iorquino James Gardner (1996) como “lixo”, diante de mecanismos sociais que possibilitaram um simples utensílio doméstico, um bule, ser vendido por US$ 24 mil no mercado paralelo de arte. “Como um bom número de escritores observou nos últimos anos, a arte que começou como condutor da religião agora se transformou no substituto dela. Mas ao contrário da religião tradicional que distinguia os meios dos fins e o processo de efetivação, a arte é, ao mesmo tempo, a inspiração para esse sentido religioso, seu condutor e seu objetivo.” (GARDNER, 1996, p. 21)

24

Durante a época de simbolistas como Gustave Moreau e Paul Gauguin, a arte passou a ser objeto de adoração por completo: a obra, seu autor, o processo criativo em si etc. Abriu-se espaço para “artistas” como Chris Burden que num “ato”, em 23 de abril de 1974, crucificou-se numa traseira de uma Volkswagen. Outro “artista” contemporaneo é o austríaco Herman Nitsch que executava um ato anual, em seu castelo, em Prinzendorf com sacrifícios de animais e rituais que pareciam vindos de uma seita satanica. Ao ser questionado por sua extravagancia, ele respondeu: “A liturgia concentrada do Teatro de Orgia e Mistério” pode se expandir num processo que dura uma vida inteira e acentuar seus valores e significados através de um ritual estético” (GARDNER, 1996, p. 22). É fato que os games também apresentam arte, em seus diversos componentes: música (trilha e efeitos sonoros), narrativas (textos, roteiro e diálogos), interfaces gráficas (ícones, ilustrações, modelos 2D/3D etc), animações, vídeos. Por sua vez, a cultura “pop” tem influenciado os games com suas ideologias também por meio das artes e vice-versa. Todo cuidado é pouco para se consumir cultura e não, lixo.

1.4 Gerações Y e Z Agora, que se descreveu o contexto geral das gerações Y e Z em relação à várias faces da cultura contemporanea, cabe ressaltar e definir melhor estas gerações em relação aos seus aspectos sociais resultantes deste cenário. Em resumo, podemos considerar as pessoas nascidas entre 1980 e 2000 como pertencentes à geração Y19, e aquelas a partir de 1995 como da geração Z. Ambas são caracterizadas como “nativos digitais” por já terem nascido com o contato direto com dispositivos eletrônicos, a internet, a velocidade da informação e as novas tecnologias em geral. A geração Y, também chamada de “Millennials” é uma geração que em pouco tempo de vida presenciou os maiores avanços na tecnologia e na comunicação eletrônica, cresceu em meio a um clima político global inconstante e com grande exposição à “cultura pop” e à diversidade (PRADO, 2015a). Geralmente, não respeitam modelos tradicionais e tem dificuldade de concentração em uma tarefa só. Hoje, seriam basicamente adolescentes, jovens e adultos até os 35 anos. Já a geração Z, hoje, é formada de crianças, adolescentes e jovens que encaram a hierarquia e a pontualidade de uma forma menos formal e mais questionável, por exemplo. 19 Há ainda falta de consenso nas literaturas pesquisada quanto ao período correto destas gerações, por exemplo em (PRADO, 2015a), considera-se os nascidos entre 1982 e 2002, como “geração Y”. Logo deve-se interpretar o intervalo entre estas gerações de maneira mais flexível, focando-se na diferença de comportamento entre elas.

25

Eles são críticos, dinamicos, pró-ativos, exigentes, “convictos”, autodidatas (com tendência generalista), criativos, “multitarefas”, hedonistas... além de se permitirem "pular etapas" para chegar a um objetivo (como ignorar informações secundárias ou intermediárias). Segundo a coordenadora de um colégio em São Paulo, Silvana Leporace: "Eles tem a necessidade de aprender a se auto-gerenciar". A jornalista Heloísa Mendonça (2015) destaca: Os nascidos neste milênio não querem abrir mão do seu tempo livre. Não consideram que trabalhar muito e ficar no escritório horas depois do fim do expediente seja gratificante.[...] A coach Marie-Josette ressalta, entretanto, que é importante que as companhias se perguntem se realmente estão prontas para a Geração Z. “Esses jovens podem dar muita dor de cabeça, e muito grave, se a empresa não atender às suas necessidades, tanto como clientes quanto como funcionários”, afirma.

No ano 2000, o projetista de sistemas, Steve Krug, lançou um livro cujo título reflete uma visão pragmática dos usuários da internet: “Não me faça pensar!” (2006). Segundo Krug, estava deve ser a principal regra na mente de um projetista para criar interfaces fáceis de usar para qualquer pessoa. Não se trata de chamar o usuário de “burro” (embora alguns designers pensem desta forma sobre o usuário), mas de evitar que ele perca tempo e demande muito esforço para entender onde está a informação que ele precisa num sistema. Na internet, despontam duas características - a objetividade e o pragmatismo: a primeira é positiva, já a segunda negativa, pois tende a minimizar o esforço das pessoas, incentivando, a impaciência, a preguiça e o comodismo. Sobre esta questão, a socióloga Sherry Turkle (apud MOURA, 2007) também completa: "O jovem não lê as instruções, não sabe e não quer saber do princípio que está sendo ensinado". A Geração Z tem acesso à muita informação por meio da rede e das novas tecnologias, “mas não se aprofundam em nada" diz Diogo Forghieri, da Randstad (apud MENDONÇA, 2015). "Um jovem hoje tem uma forma de pensar, de se organizar e de agir que é diferente da geração anterior", segundo a pedagoga Shirlei Resende (apud CATHO, 2009). Segundo Ribeiro (2014), esta forma de pensar diferente destas novas gerações foi inseminada artificialmente pelas ideologias propagadas pela cultura “pop”, pós-moderna, com a mesma eficiência de uma abelha que poliniza as flores. Entretanto, Isa Beatriz da Cruz Neves (2011, p. 55) alerta que os “Nativos digitais” estariam se tornando ultra-informados, ao mesmo tempo, em que estariam menos sensíveis a algo que lhes “acontecem” ou lhes “toquem”, uma vez que, para isso ocorrer é preciso um gesto de interrupção, no qual se possibilite parar para pensar mais devagar, olhar, escutar

26

aos outros, sentir, suspender a opinião, o automatismo da ação, cultivar a atenção, a delicadeza, enfim, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

1.5 Algumas considerações missiológicas As culturas aqui mencionadas influenciam mais do que se imagina tanto o contexto social em geral, quanto o contexto eclesiástico, que por mais “fechado” (em si mesmo) que seja, acaba sendo impregnado por suas ideologias que se transformam em paradigmas. Rubens Muzio (2013) analisou alguns destes paradigmas: •

Paradigma da tecnologia: tem fomentado uma cultura pragmática em todas as esferas da sociedade, incluindo a igreja que abraçou vários “movimentos” e áreas de conhecimento seculares, nos últimos 20 anos: transformacional, estudos em ciências sociais; identificação de padrões; reengenharia; teoria da gestão da qualidade local; gestão de sistemas... Assim, numa igreja, tem-se encontrada uma mentalidade problema-resposta, “pastores-técnicos” (onde não se é mais questionada sua espiritualidade, família, nem caráter), foco administrativo, redefinições da missão e visão da igreja, “cosmovisão burocrática” etc. Desta forma, “Orar, esperar no Senhor e buscar sua direção são utilizados somente na abertura de nossos encontros de planejamento ou relegadas ao idoso e ao marginalizado” (Id., 2013, p. 44).



Paradigma do entretenimento: a tendência ao prazer e divertimento da sociedade, hedonismo, tem influenciado os hábitos culturais em diversas áreas (teatro, cinema, games, música, religião...), fazendo surgir, no Brasil, os chamados “culto-espetáculo”, “shows gospel”, “pastor-mestre-de-cerimônias”... Alguns destes modelos vieram dos EUA, onde surgiram os “teleevangelistas”, a “igreja eletrônica”, espaços “evangélicos” na grande mídia (rádio, TV, internet etc)... Foram inseridos vários elementos ao culto, à sua “programação”: apresentações de bandas de rock/pop, coreografias, multimídia, música de fundo durante a mensagem, teatro etc, visando tornar o culto mais “celebrativo”. O púlpito muitas vezes virou lugar de piada, de comédia literalmente, um show... Durante o colonialismo, o Pe.Vieira comentou sobre as comédias de Portugal: 'Não se acabaram, mudaram-se; passaram do teatro ao púlpito' (Id., 2013, p. 60).

Para Muzio (2013, p. 63), “um dos graves problemas da cultura do espetáculo nas igrejas é a dificuldade de se reconhecer que o culto não se concentra apenas nas 27

necessidades e nos desejos das pessoas que dele participam: é um ato dedicado a Deus, sua glória e exaltação, e como gratidão por tudo o que ele é e faz.”. Há outros paradigmas, mas estes dois foram destacados neste trabalho para evidenciar que há momentos em que eles devem entrar, assim como há outros em que eles devem ser rejeitados. Acima de tudo o que se deve evitar é o exagero destes paradigmas e a motivação errada para as mudanças nas atividades da igreja, pois “o Senhor examina o coração sincero e sabe quando o líder é autêntico. (…) O entretenimento enfatiza o estético e despreza o ético. É mais fácil falar do que fazer; é mais simples cantar do que colocar em prática” (Id., 2013, p. 63). Deve-se tomar cuidado sempre, e buscar o orientação da Palavra com constante oração e humildade. Para Muzio (2013, p. 71), “[...] os paradigmas acabam deslocando o centro da identidade da igreja do Reino para as tendências da cultura circunvizinha.[...] Apesar de atraentes e prometerem sucesso, estes paradigmas tendem a aprofundar a crise de impotência e inutilidade pastoral”. Além das culturas mencionadas que integram a cultura contemporanea, há ainda uma outra face não mencionada: a cultura urbana. Muzio (2010) estimava que neste ano, 2015, haveria em torno de 28 cidades com mais de 10 milhões de habitantes, “megacidades”, sendo que em algumas espera-se até 20 milhões (Tóquio, Mumbai, Jacarta, Karachi, Lagos e São Paulo). Há ainda cidades que concentram poder de decisão econômica etc: cidade global. “As cidades são o principal campo missionário do século XXI” (Dr. Charles Van Engen apud MUZIO, 2010, p. 203). As cidades também crescem em termos de problemas (sociais, econômicos e políticos). Há, portanto, diferentes grupos culturais nos centros urbanos, e a cidade passou também a ser um conceito sociológico. Para alcançar seus habitantes é preciso um trabalho realizado com o Espírito Santo, em três pilares: intuição, experiência e pesquisa. Conhecer o contexto cultural ao qual se está inserido é um importante passo para alcançar as pessoas com uma mensagem contextualizada. A cultura “pós-moderna” traz suas próprias problemáticas e cabe ao missionário saber lidar com elas. O relativismo, por exemplo, traz o questionamento sobre Deus previsto na BS (2Ts 2:3,4), mas na própria Palavra há o questionamento sobre o questionamento (cf. Jó 17:12-15), de forma que nada é oculto aos olhos de Deus. O missionário que trabalhar sob a orientação do Senhor há de prosperar nos propósitos determinados por Ele.

28

2

GAMES Neste capítulo, são apresentadas definições iniciais importantes e resultados de

pesquisas e levantamentos bibliográficos sobre os games, os jogos eletrônicos. Mas, antes, faz-se necessário distinguir alguns conceitos e suas distinções.

2.1 Nao é hora de brincar! É de jogar! Segundo Johan Huizinga20 em sua obra clássica “Homo Ludens” (2001), o ato de brincar faz parte do ser humano de maneira quase “instintiva”, pois observa-se a presença de elementos lúdicos também no comportamento dos animais. O ato de brincar é descompromissado, fluindo como uma forma de experimentação do ser humano com o mundo, deve ser uma atividade livre, espontanea, é um reflexo psicológico, um fenômeno fisiológico. Desta forma, fica implícito que os jogos sempre fizeram parte da cultura humana desde os primórdios da civilização. Há importancia tanto para o papel da brincadeira no desenvolvimento social do ser humano quanto para o jogo. Porém quando Huizinga se refere à palavra “jogo”, ele está lidando com o ato de “jogar” em distinção ao ato de “brincar”. O jogo ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica, pois encerra um determinado sentido. Quando numa experiência de jogo, o ser humano desloca-se para um “círculo mágico” distante da realidade com novas regras que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação de jogar (HUIZINGA, 2001). Assim como o brincar, o jogar também é uma “atividade livre, conscientemente tomada como 'não-séria' e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras”. O jogo traz, em si, uma separação espacial da vida cotidiana, ao mesmo tempo que também “promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes” (Id. apud FARDO, 2014). Porém, o jogo se destaca por sempre conter regras, e dentre elas, uma regra é maior 20 Johan Huizinga é um dos principais teóricos sobre o ato de jogar, conceituando-o em termos de antropologia e filosofia com objetividade acadêmica na sua obra “Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura”, obra considerada uma “leitura obrigatória” para os pesquisadores da área.

29

e determina o objetivo do jogo, uma “condição de saída”, uma “saída quantificável” que determina quando o jogo termina. A visão pragmática e acrítica da sociedade em geral, não vê o ato de brincar como algo importante para o crescimento cognitivo da criança. Entretanto, educadores e missionários tem enxergado esta importancia e ajudaram a desmistificar a visão errônea e antiquada de que “brinquedos não são necessários, seriam supérfluos para crianças”21. Na Bíblia Sagrada, o ato de brincar é apresentado como um elemento cultural, sendo usado com sinônimo de “divertimento infantil” (cf. Jó 41:5; Is 11:8)(BOYER, 2006). Em especial, destaca-se o versículo Zc 8:522, pelo apelo escatológico que descreve um contexto de paz, esperança e justiça futuras: “E as ruas da cidade se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão.” Observa-se também outros versículos bíblicos que indicam o ato de brincar e o prazer: 1. Em Gênesis, o ambiente do “jardim” do Éden subentende-se um lugar lúdico de alegria, felicidade e harmonia entre o Criador e a criação, e entre a humanidade representada em Adão e Eva. 2. Provérbios 8:30,31, narra a sabedoria habitando desde o princípio da criação, em regozijo, alegria, delícias, folga, gozo principalmente com os “filhos dos homens”. 3. O prazer não é condenável se este estiver centrado em Deus e em Sua vontade. Por exemplo, em Provérbios 3:17,18: “Os seus caminhos são caminhos de delícias, e todas as suas veredas são paz. É árvore da vida para os que dela lançam mão, e bem-aventurado é todo aquele que a retém.”, podemos ver o paralelo criado entre os termos caminhos (do Senhor), delícias, paz, árvore da vida, vida. (cf. Sl 1:1,2; 28:7; 112:1; 119:24,77,92,174; Pv 10:23; 12:20; 16:13; 21:15,17; Ct 7:6; Ec 12:1; Is 54:1; Rm 15:13...). 4. Ec 11:8,9 indicam que o ser humano deve viver e aproveitar a vida, mas com a lembrança de que em tudo prestaremos contas a Deus. Por outro lado, o divertimento do insensato é o pecado, a prática da iniquidade; e a busca obstinada pelo prazer não é sábia. Ser sábio para o inteligente é que é divertido (cf. Pv 10:23). Já, em alguns trechos bíblicos, o ato de brincar apresenta um julgamento prévio quando esta atividade está ligada à insensatez, ao escárnio, depreciação em relação a outros, à inconsequência etc (cf. Pv 26:19). 21 Esta frase foi colhida a partir de material da APEC (Aliança Pró-Evangelização das Crianças) e de entrevista com a missionária, Satie Julia Mita, da instituição, no dia 30 ago. 2015. 22 Todos os versículos mencionados, preferencialmente estão na versão da BS AR.

30

Santo Agostinho, em seu livro “Confissões” (apud AVENDO, 1971, p. 419) chega a relatar a inconsistência na atitude dos adultos que punem crianças por jogarem: “… mas divertíamo-nos jogando e éramos punidos por eles, por homens que também jogavam. Entretanto, jogos de adultos eram conhecidos como 'negócios' e, além disto, jogos de garotos eram enfadonhos, as crianças eram punidas por jogá-los pelos idosos. Ninguém se arrependia, nem os garotos, nem os homens, apesar de que merecêssemos pena, pois eu não posso crer que um bom juiz aprovaria as surras que recebi como garoto baseadas que meus jogos atrasavam meu progresso em estudar assuntos que me permitiriam jogar um jogo menos honroso depois na vida... (tradução minha)23.

Lynn Alves (2007) concorda categoricamente sobre a importancia de brincar e jogar: “Para muitos, quando as crianças e adolescentes estão jogando, estão somente se divertindo, o que, muitas vezes, é visto como perda de tempo. Dessa forma, o fato de que brincar preenche as necessidades das crianças é constantemente esquecido”. Ela complementa: “Por intermédio das regras construídas nos jogos, as crianças aprendem a negociar, a renunciar à ação impulsiva, a postergar o prazer imediato, o que contribui para a concretização dos desejos, através da assimilação e acomodação. Esses são processos aqui compreendidos na perspectiva piagetiana. Onde, nos jogos, as crianças constroem o significado da cooperação e da competição entre os seus iguais.”

Para Lynn (2007), os adultos devem encarar com seriedade o brincar e o jogar, e até mesmo devem incentivá-las. Sobre os jogos, a pesquisadora também argumenta o seguinte: “Dentro desta perspectiva, podemos inferir que os jogos são tecnologias intelectuais, compreendidas por Lèvy (1993, 1998) como elementos que reorganizam e modificam a ecologia cognitiva dos indivíduos, o que promove a construção ou reorganização de funções cognitivas, como a memória, a atenção, a criatividade, a imaginação, e contribui para determinar o modo de percepção e intelecção pelo qual o sujeito conhece o objeto.” 23 “… but we enjoyed playing games and were punished for them by men who played games themselves. However, grown-up games are known as ‘business’ and even though boys' games are much the same, they are punished for them by their elders. No one pities either the boys or the men, though surely we deserved pity, for I cannot believe that a good judge would approve of the beatings I received as a boy on the ground that my games delayed my progress in studying subjects which would enable me to play a less creditable game later in life…” (Saint Augustine (A.D. 354-430), Confessions, Book 1:10)

31

Assim, verifica-se a importancia dos jogos de maneira geral. Já os jogos eletrônicos, também chamados de games, constituem a categoria de jogos em meio eletrônico, diferentemente dos jogos em meio analógico como os jogos de cartas ou de tabuleiro por exemplo. Há ainda outros termos que podem ser usados como sinônimo para a palavra “games”, embora seus significados sejam levemente diferentes: jogos digitais ou jogos jogos computadorizados e suas variações (jogos de/por/no computador) (CLUA, 2015). Até este ponto, foi levantada a diferença entre a brincadeira e o jogo. Porém, devemos questionar sobre a relevancia e contribuição dos jogos eletrônicos em nossas sociedade. Na próxima seção, avaliaremos os aspectos negativos e os positivos dos games, isto é, sua influência na geração “gamer”.

2.2 O lado obscuro dos games O papel positivo dos jogos defendido por muitos especialistas em educação sofre questionamentos quando o assunto são os jogos eletrônicos, pois é comum encontrarmos casos obscuros de violência e vício em que os jogos eletrônicos estiveram presentes na vida dos envolvidos. No Brasil, em 2005, estimavam-se cerca de 1% a 3% da população com dependência patológica aos jogos de azar (ZAVALA, 2005), mas ainda não foi possível mapear claramente a dependência em relação aos jogos eletrônicos, mas estima-se, na Suécia, que de 30 a 40 mil adolescentes encontravam-se, em 2008, sob risco de se tornarem dependentes de videogames (MULTIRIO, 2008). Diante da possibilidade de vício dos games, Meneses (2013) questionou em sua tese se os jogos eletrônicos poderiam ser considerados droga ou não. Um trecho de sua pesquisa diz: “[...] quando o usuário ou jogador retorna a este prazer ou experiencia o mesmo jogo diversas vezes, como a tensão gerada pelo cumprimento das metas dos jogos, a retórica da dependência entraria em jogo e uma lógica seria estabelecida pela qual seria possível referir-se ao usuário hardcore como um viciado”.

32

Ilustração 1: Detalhe da capa do relatório da Timothy Partners (2008) alertando os pais e responsáveis sobre o conteúdo de alguns games.

Como a grande pressão do mercado é pelo crescimento das vendas, a indústria de jogos tem buscado estratégias de venda “convencionais” à sociedade consumista, apelando para cenas de violência e sexo banalizado. Dentro desta inconseqüente tendência, das categorias de jogos citadas, apenas, nos jogos de simulação, não se encontram com freqüência cenas de violência ou apelo sexual como um dos ingredientes mercadológicos. Tal fato tem preocupado muitos psicólogos, pedagogos e pais, em geral. Em 2007, a Timothy Partners, uma ONG americana orientada por valores cristãos e familiares, divulgou uma análise de alguns jogos eletrônicos mais ofensivos lançados, com o objetivo de alertar os pais e instituições sobre o conteúdo moral ao qual as crianças estariam expostas. Entre os temas identificados ou incentivados nos jogos encontraram-se: sexo, nudez 24, homossexualismo, violência, drogas, alcoolismo, tabagismo, satanismo, palavras de baixo calão entre outros (TIMOTHY PARTNERS, 2007, 2008). Os dados da pesquisa da Tymothy Partners mostram subliminarmente a tendência de se criar jogos eletrônicos que mantenham as pessoas conectadas por mais tempo, isto é, com poder viciante. E cada vez investe-se mais para que um game tenha “sucesso” absoluto no mercado. Em setembro de 2014, foi lançado “Destiny”, um game MMORPG em estilo FPS que foi desenvolvido durante 7 anos pela produtora Bungie, consumindo “um dos orçamentos mais altos da história” além de contar com a promessa de receber US$ 500 24 É importante citar que temas como sexo e nudez estão presentes na Bíblia, porém, não se questiona a existência de tais temas nos jogos eletrônicos, mas como estes são tratados e qual a intenção. Um posicionamento cristão maduro não omite tais temas, pois eles fazem parte da vida comum, mas os trata com cautela e com abordagem bíblica.

33

milhões para se manter o game atualizado (com novos desafios, armas, conteúdos...) a cada quinzena durante os próximos 10 anos (BURGOS, 2014, p. 9). Além desta motivação “mercadológica”, existem também interesses políticos e muitas vezes religiosos por trás dos conteúdos nos jogos, como são os casos dos jogos America's Army e Muslim Massacre (TIMES ONLINE, 2008a). O primeiro é um jogo americano patrocinado pelo Pentágono no qual o jogador aprende técnicas de combate, simulando um verdadeiro campo de batalha; já o segundo incita a violência dos ingleses contra os muçulmanos. Por outro lado, existem também jogos contra os americanos, como é o caso de um jogo patrocinado pela União para o Desenvolvimento Intelectual da Juventude do Irã, cujo objetivo é libertar cientistas nucleares raptados pelos americanos e desarmar um ataque ao país. Jogos e política tem uma ligação tão forte que a ECA 25 (Associação de consumidores de entretenimento dos EUA) criou o site Game Politics26 para discutir o assunto. Uma matéria de 2008 da MultiRio, cuja fonte é a BBC (2008), cita detalhes de uma pesquisa sobre o uso de games violentos: “Além de observar os garotos enquanto eles jogavam os jogos (eletrônicos), os pesquisadores também monitoraram os meninos à noite, durante o sono. Eles constataram que os batimentos cardíacos irregulares continuaram durante a noite. O estudo indica que jogar jogos violentos exerce impacto sobre o sistema nervoso dos adolescentes, afetando potencialmente seus sistemas biológicos centrais.”

Os exemplos citados deixam evidente que deve-se levar em consideração os efeitos colaterais do conteúdo de alguns games inconseqüentes. Mas não se trata apenas do conteúdo dos jogos eletrônicos, mas também do tempo que se dedica a eles. A neurocientista britanica Susan Greenfield, autora do livro “The Private Life of the Brain” (A Vida Privada do Cérebro), alerta: "As crianças que estão crescendo agora nesse ambiente do ciberespaço, não vão aprender como olhar alguém nos olhos, não vão aprender a interpretar tons de voz ou a linguagem corporal" (ROSSI, 2012). Mark Joselli (2014) avalia a ética nos games e pontua: Os games fazem um bom trabalho de ensinar e colocar o jogador em conflitos morais, personificando o seu personagem, os jogadores engajam em conflitos morais e podem exercer o exercem o seu senso moral. Nesse caso, um aspecto ruim dos games, é que muitas vezes eles premiam os 25 Entertainment Consumers Association (ECA). Disponível em . 26 http://www.gamepolitics.com

34

jogadores por escolhas que seriam eticamente erradas, como assaltos, e assassinatos, criando um treinamento para a pratica de atos violentos.

Deve-se ter cuidado com o conteúdo dos jogos eletrônicos não apenas para o público infantil, mas para qualquer público. Há tipos de jogos que só produzem o mal, além de viciar e que são prejudiciais a qualquer pessoa de qualquer idade. Os jogos de azar são um exemplo desta categoria, pois são definidos como “arriscar dinheiro na tentativa de multiplicá-lo em algo que é contra as probabilidades” (GOT QUESTIONS, 2002) e alguns versículos nos alerta para que fiquemos longe do amor ao dinheiro (1Tm 6:10; Hb 13:5) e também nos encorajam a que fiquemos longe das tentativas de “enriquecimento fácil” (Pv 13:11; 23:5; Ec 5:10).

“Certamente o jogo gira em torno do amor ao dinheiro e

inegavelmente tenta as pessoas com a promessa de riqueza fácil e rápida” (Ibidem.). Outros versículos relacionados ao tema são: Pv 16:33; Mt 6:24; 1Co 6:12; Ef 5:5; 1Tm 6:9,10; Hb 13:5... (7GRAUS, 2009). A seguir, é abordada também a potencialidade dos jogos eletrônicos para diversos fins positivos, entre eles a educação.

2.3 O potencial (positivo) dos games Em 2010, Jane McGonigal (2010) divulgou sua tese sobre o motivo de sermos melhor nos jogos eletrônicos do que na “vida real”. Ela questionava sobre o melhor uso das 10.000 horas de game que um jovem passaria em média até os 21 anos de idade, pois segundo a “Teoria do Sucesso” de Malcon Galdwell no seu livro “Outliers”, esta seria a mesma quantidade de horas e a mesma faixa etária necessárias para dominar qualquer habilidade específica. Jane não defende que se pare de jogar, mas que seja possível usar os jogos eletrônicos para a resolução de problemas mundiais. O s gamers, segundo McGonigal (2010)(2011), apresentam características necessárias pra atingir os objetivos propostos num jogo: “urgent optimism” (auto-motivação extrema), “social fabric” (rede social ativa, forte e cooperativa), “blissful productivity” (produtividade bem-aventurada – forte e perseverante), “epic meaning” (amor por missões inspiradoras e relevantes)27.Infelizmente, os gamers acreditam que podem mudar o mundo virtual, mas não o real. Para McGonigal, é preciso e é possível mudar isto usando-se os próprios jogos eletrônicos. Em sua pesquisa, ela desenvolveu e aplicou games que pudessem auxiliar a resolução de problemas no mundo real. Em um dos games construídos,

27 As traduções neste parágrafo, em parênteses, foram feitas por este pesquisador.

35

8.000 pessoas jogaram durante 8 semanas e foi possível conseguir 500 ideias criativas nas áreas de energia, alimentos, saúde e segurança nas redes sociais. Silvia Fichmann da Escola do Futuro da USP (apud MENEZES, 2006), reforça que “o computador trouxe novas situações de aprendizagem que o professor deve gerenciar”. Desta forma, imagina-se que os jogos eletrônicos podem estimular o raciocínio lógico, mas não apenas isto, há resultados de diversas pesquisas realizadas pela Games & Learning Society em parceria com a Madison Wiscosin University que apontam melhorias em termos28 de: •

Visão de baixo nível: sensibilidade ao contraste, acuidade visual (capacidade de identificar pequenos detalhes visuais), atenção visual seletiva;



Capacidade cognitiva de alto nível: multi-tarefa, velocidade de processamento (que pode ajudar problemas de dislexia), flexibilidade cognitiva;



Socialização: interação, colaboração, resolução de problemas (em grupo);



Alfabetização: leitura, escrita, produção de textos (literatura) entre outras habilidades linguísticas.

Além das melhorias citadas acima, Online Colleges (2013) também publicou os benefícios dos games nas seguintes áreas: Resolução de problemas e negociação; julgamento, análise e pensamento estratégico; comunicação e networking (socialização); narrativa e navegação transmidiática; padrões de pensamento não-lineares; coordenação (mão-olho); reflexos; desenvolvimento de personagens; multi-tarefa; matemática; física e movimento; auto-didatismo; finanças; criatividade; trabalho em equipe… Segundo Kurt Squire (COURSERA, 2013), “Bons jogos são espaços de possibilidades nos quais ficamos bons em fazer coisas novas e nos tornamos novas pessoas.”29 (tradução minha). Há games que ajudam os jogadores a serem sociáveis e começarem a produzir informações, conhecimento e tornarem-se membros, grupos, guildas30, jogos produtivos e ativos. Este potencial dos games no ensino tem sido investigado por muitos pesquisadores. Drew Davidson (2011), por exemplo, cita que, nos jogos eletrônicos, as pessoas aprendem 28 Algumas melhorias são obtidas a partir de gêneros de jogos específicos. Por exemplo, as melhorias na visão de baixo nível foi percebida em games de ação FPS (First Person Shooter). 29 “Good games are possibility spaces in which we get good at doing new kinds of things and becoming new kinds of people.” 30 “Guilda”, “clã” ou “facção” identificam um grupo específico de jogadores que se reúnem para atingir um objetivo comum de forma cooperativa, possuindo suas próprias regras de conduta e ética.

36

mais facilmente por conta de alguns mecanismos, citando alguns. Por outro lado, James Paul Gee, pesquisador da Arizona State University identifica 13 princípios da aprendizagembaseada-em-jogos, sendo agrupados em 3 categorias: (1) “potencializar aprendizes”, (2) “games como aprendizagem-baseada-em-problemas”31, e (3) “criar entendimento específico e profundo”). Durante o desenvolvimento de um game para o ensino-aprendizagem, é desejável pensar nas categorias de (1) a (3) sequencialmente: primeiro, motivando a aprendizagem; segundo (e paralelamente), usar os games para a aprendizagem-baseadaem-problemas; e por fim, criar um profundo entendimento daquilo que se deseja ensinar. Abaixo, um resumo dos princípios de James Paul Gee (apud STEINKUEHLER e SQUIRE, 2013): 1. O s games permitem ao jogador: sentir-se co-autor do conteúdo (agente); aprender, progredir e agir de acordo com seu ritmo e estilo de aprendizagem; formular perguntas (auto-)reflexivas; manipular o ambiente e aprender de maneira incorporada. 2. Os games provêm a aprendizagem-baseada-em-problemas, pois eles: são problemas bem ordenados e definidos; permitem a frustração prazerosa; são “ciclos de expertise” onde permite às pessoas aprenderem de maneira recorrente; provêm informações em tempo e sob demanda; dividem problemas complexos em outros menores mais fáceis de compreender e resolver; permitem a exploração entre intervalos de progresso; permitem praticar habilidades e integrá-las em estratégias; são um sistema de pensamento (modelo baseado no raciocínio). 3. Os games permitem o entendimento do significado situado (localizado). Tal conhecimento é a base para se entender a resolução-de-problemas.

2.4 Este game é do Bem ou do Mal? Tanto a mídia impressa quanto a televisiva tratavam os jogos eletrônicos de maneira maniqueísta sem refletir profundamente a questão da violência e sua origem (ALVES, 2005). O jogo não é o único responsável pela violência da sociedade, apesar de não se isentar como meio influenciador na formação do caráter. Tal afirmativa é respaldada pela Associação Americana de Psicologia (APA)32, que após estudos concluiu que os jogos violentos impelem crianças e adolescentes a agir violentamente. "Mostrar atitudes violentas 31 Seria “enxergar os jogos encaixados numa aprendizagem construtivista”? (questionamento meu) 32 American Psychological Association (APA). Disponível em .

37

sem as devidas conseqüências é ensinar aos jovens que a violência é boa para resolver conflitos", acrescentou a psicóloga Elizabeth Carll, diretora do Comitê de Violência em Video Games e Mídia Interativa, da APA. Em 17 de agosto de 2007, a APA gerou um manifesto (APA, 2007) em prol da redução do conteúdo violento nos games e na mídia interativa33.

I lustração 2: Cena do game "O Poderoso Chefão II", PC-DVD, EA, 2009.

Para Raph Koster, autor de “A Theory of Fun”34, nós, seres humanos somos muito bons em identificar a ficção de modo distinto da realidade. Este seria o motivo dos jogadores desconsiderarem as implicações éticas nos jogos eletrônicos, sem imitar as ações dos personagens do game. Para Koster, os jogadores de “Gran Thief Auto III” não lêem a mensagem 'transe com uma prostituta, e depois a mate', e após fazerem isto no jogo, vão correndo fazer isto na vida real. Antes, os jogadores “lêem” a mensagem “power-up” ou “bônus”. Tal pensamento é precedido do argumento de Huizinga (2001) sobre o “círculo mágico” de fantasia ao qual o jogador está imerso, mas ao mesmo tempo consciente de que as regras que valem no jogo pertencem apenas ao “mundo do jogo”. Os argumentos de Koster e Huizinga explicam o motivo dos jogadores não imitarem exatamente tudo o que aprendem nos jogos, porém não dão liberdade aos games para apresentarem todo tipo de conteúdo. Embora exista uma ficção no game, a mente passa a trabalhar a sugestão, fantasiando até um ponto em que a pessoa busque extravasar este 33 Atualmente (2015), a pesquisa que gerou este manifesto, seu conteúdo e seus resultados estão sendo revistos pela APA em nota no site. Acesso em: 30 out. 2015. 34 E-book disponível para download aos alunos do MOOC “Video Games and Learning” no www.coursera.org, na turma de 10/2013.

38

desejo. Se uma pessoa aprende jogando que pegar uma prostituta é vantajoso no espaço virtual, ela poderá considerar esta hipótese como verdadeira no mundo real. Já foi comprovado que os games podem ser usados para ensinar (FILHO et al, 2014). A pergunta é: o que os games estão ensinando? O conteúdo de um game influencia o comportamento das mentes em formação, porém, o meio também pode ser danoso. Isto ocorre quando os jogos eletrônicos tornam-se objetos obsessivos. Um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, chama atenção para alguns traços de personalidade presentes em jogadores patológicos: alto grau de extravagancia (isto é, dificuldade em guardar dinheiro e facilidade em gastá-lo); menor prazer em vínculos sociais e afetivos; dificuldade de planejamento; e um alto grau de impulsividade, chegando a ficar fora de controle quando a pessoa começa a jogar, impedindo-a de interromper a atividade (ZAVALA, 2005). Entretanto, estes estudos não podem ser considerados isolados de outras pesquisas sobre os games. Pois, o jogo eletrônico é considerado uma nova mídia, e assim como uma mídia de massa, ela pode apresentar tanto aspectos positivos como negativos a depender das motivações e objetivos dos desenvolvedores e responsáveis pelo seu conteúdo: é como compararmos a TV Globo com a TV Cultura. Como vimos, não existem apenas aspectos negativos dos games, e a atividade de jogar é um elemento cultural da sociedade em todos os tempos. Como exemplo disto, numa das passagens bíblicas, encontra-se uma frase de Paulo na segunda carta à Timóteo que usa uma metáfora relacionada aos jogos: “[...] se um atleta lutar nos jogos públicos, não será coroado se não lutar legitimamente”35. O apóstolo Paulo usa os jogos para falar sobre a quebra de regras, uma “má conduta” que não é aceita neste contexto. De fato, Huizinga (2001) nos lembra que um dos benefícios dos jogos é o de ensinar regras e o treinamento do convívio social. É uma atividade tão prazerosa para as crianças e jovens que este aprendizado se concretiza desapercebido para eles. Além disto, Paul Schuytema (2011, p. 183), pontua que, em game realmente bons que envolvem o jogador, ocorre um estado de “hiperfoco”, também chamado de “flow”36, no qual a pessoa está altamente concentrada e só ocorre quando se está envolvido em uma tarefa interessante e difícil. Nem mesmo um filme ou livro consegue atingir tal estado. Segundo Mark Joselli (2014), há estudos psicológicos e comportamentais mostrando que games violentos aumentam a violência, ao mesmo tempo em que há outros estudos, 35 BS, AR, 2Tm 2:4. 36 Schuytema cita a pesquisa de Mihaly Csikszentmihalyi, autor do livro “Flow: The psychology of optimal experience”.

39

que vão de caminho contrário a estas afirmações, concluindo que eles fazem bem para sociedade em geral. Porém, tais estudos não se contradizem, mas revelam que

jogos

violentos podem causar dano psicológico aos jogadores, ainda que o conteúdo deles e suas mecanicas auxiliem o desenvolvimento cognitivo. Há perdas e ganhos. Ao se produzir games, deve-se buscar maximizar o lado positivo e neutralizar o lado negativo deles. Jogos ruins são produzidos porque eles são consumidos. Cabe ao próprio público fazer um “filtro” ao que consumir. O presente trabalho tenta abordar os jogos eletrônicos como qualquer outra mídia, assim como o filme, a música, as artes. Esta mídia apresenta-se de caráter neutro assim como a televisão. Porém o uso (ou o abuso) que se faz dos games é que pode gerar frutos indesejados na sociedade. Para se “gerar bons frutos” é preciso que a “boa árvore” os produza (cf. Mt 7:17,18). Não há como termos bons games sem o sal dos ensinamentos de Cristo. Desta forma, é possível apresentar novos usos dos jogos eletrônicos à uma sociedade “perdida”.

2.5 Games e seus elementos Antes de falarmos sobre gamificação, é preciso definir quais elementos compõem um game. Avedon (1971) defende que em todos os jogos é possível encontrar elementos estruturais invariantes que são responsáveis por identificar uma atividade como um "jogo". Isto é valido também para todos os tipos de jogos, incluindo os jogos eletrônicos. Portanto, os elementos de um game são como peças menores que o implementam (WERBACH, 2014). Tomemos como exemplo o jogo-da-velha, cujos elementos de jogo são: o desafio, 2 jogadores, tabuleiro, estratégia e regras lógicas, jogo-baseado-em-turnos, 2 símbolos (“X” ou “O”), 2 cores, sem progresso ou pontuação de forma que possui somente o estado final de vitória ou de empate. Uma compilação de pesquisas sobre o tema 37, indica que um jogo é formado pelos seguintes elementos básicos: •

Objetivo principal: é o propósito do jogo, uma espécie de regra que define uma “condição de saída” (objetivo ou "raison d'etre"), isto é, uma regra que se for satisfeita, indica o fim do jogo ou da partida. A existência deste objetivo é a principal diferença entre uma mera brincadeira e um jogo. O objetivo principal

37 Reunindo conceitos de Avedon e Sutton-Smith (1971), Huizinga (2001), Schuytema (2011), Fardo (2014), Werback (2012, 2014)...

40

p o d e ser dividido em objetivos menores, dando a possibilidade do jogador experimentar pequenas vitórias (“subvitórias”). •

Regras: há regra que governam as ações dentro de um jogo. Elas podem ser classificadas nos seguintes tipos: ◦ operacionais: procedimentos que indicam como os jogadores devem jogar (esquema de controle), como eles devem agir; e quais papéis cada jogador deve assumir; o número de jogadores necessários para a partida; ◦ constitutivas: são regras abstratas e conhecidas somente pelo game designer; elas estão sobre as ações e representam eventos, ações e condições que trazem causalidade, supresa etc; ◦ implícitas ou comportamentais: regras não-escritas, mas que geralmente fazem parte de um acordo social entre os jogadores; tratam-se de ações inter-relacionadas ou "padrões de interação", a interação social intrínseca ao jogo.



Conflito: tensão causada pelo objetivo do jogador em vencer um desafio específico ou um oponente (um NPC ou outro jogador). ◦ Um conflito pode ser de dois tipos: ▪ competiçao: a preocupação do jogador é com o próprio desempenho; ▪ cooperaçao: há trabalho em equipe para alcançar um objetivo em comum. ◦ Estas interações do conflito também correspondem a padrões identificados: ▪ intra-individual, extra-individual, agregada, inter-individual, unilateral, multi-lateral, intra-grupal e extra-grupal...



Sistema de recompensas: a cada “subvitória” que o jogador alcança, é importante que exista uma “recompensa” como incentivo pelo seu progresso. Um exemplo de sistema de recompensas é o “PBL”38 (pontos, emblemas e rankings). ◦ Pontos: simplesmente a pontuação do jogador dentro do jogo; podendo ser obtida por diversos meios que indicam o progresso, a habilidade e a “sorte”

38 “PBL” vem da sigla em inglês para “points, badgets and leaderboards”. Neste trabalho, optou-se pela tradução (pontos, emblemas e rankings) sem mudar a sigla. Apesar da palavra “ranking” também ter origem inglesa, ela já está incorporada à língua portuguesa (18.a), além disto o sinônimo português “classificação” pode ter significado ambíguo. (a) Segundo o resultado da consulta pelo vocábulo “ranking” ao site da Academia Brasileira de Letras: http://academia.org.br/nossa-lingua/busca-no-vocabulario

41

do jogador ao longo da partida (ao encontrar “objetos especiais” por exemplo); ◦ Emblemas: um “emblema” é um selo similar aqueles recebidos por militares ao completarem objetivos ou ao receberem algum reconhecimento. “A chave... é associar a ele uma conquista real, assim ele terá um valor significativo e propósito” (PALMER et al, 2012, tradução minha). Bussarello et al (2014, p. 29) traduz este elemento como “divisa”. ◦ Rankings: são componentes que informam a classificação de cada jogador em ordem decrescente de pontos ou em termos de pequenas “conquistas”, incentivando a competição. Este componente pode desmotivar os que estão muito abaixo das melhores posições de classificação, exceto se o ranking for reduzido a grupos pequenos de pessoas. •

Feedback: o jogador deve ser provido com um retorno de suas atitudes, indicando acerto ou erro, entre outras informações que o ajudem a se superar e alcançar o objetivo. Cada ação do jogador gera um tipo de resultado. O jogo tem que ter ao menos um resultado, ao final de cada partida.



Níveis: à medida que o jogador evolui no jogo, é preciso adequar sua habilidades ao desafio do jogo, isto é, os jogadores devem se sentir desafiados por problemas nem muito difíceis (para eles), nem muito fáceis. A todo este esquema de níveis e o relacionamento destes com o crescimento do jogador e a sequência da narrativa do game podemos chamar de “fluxo do jogo”, 'jornada do usuário” ou gameplay. ◦ O fluxo de um jogo é a passagem de uma seção do game para outra, seja ela um nível ou uma missão; e seu objetivo é assegurar um crescimento contínuo do jogo em termos de desafio, reagindo ao desempenho do jogador à medida que este se aprofunda cada vez mais no jogo (SCHUYTEMA, 2011, p. 383).



Pré-requisitos: alguns jogos podem ter pré-requisitos desde o seu “primeiro” (ou único) nível. Eles podem existir ou não, a depender do jogo, e podem ser do tipo: ◦ Individuais: habilidades e aptidões cognitiva, motora-sensorial e afetiva necessárias para a ação o jogo. ◦ Gerais: Requisitos físicos e ambientais, ou ainda equipamentos requeridos, isto é, artefatos empregados no curso da ação.

42



Diversao: é algo que se a atividade não tiver, dificilmente será reconhecida como um “jogo” por seus participantes. Para Goffman (apud AVENDO, 1971), a diversão, o entretenimento, a “euphoria” estão intrinsecamente ligados ao jogo. Na verdade, nem todo jogo é divertido, mas é um elemento altamente desejável para o seu sucesso. Paul Schuytema (2011) define um jogo divertido se ele conter os seguintes ingredientes: ◦ Receptividade: também chamada de “voluntariedade”. É preciso criar um clima “receptivo”, onde os jogadores se dispõem voluntariamente para jogar; ◦ Expectativas: um game deve criar boas expectativas nos jogadores. Depois ele deve atender ou superá-las. Pode-se incluir aqui também as “expectativas culturais” dos jogadores, aquelas que não foram geradas pelo jogo, mas são intrínsecas. ◦ “Ingrediente X”: é como Schuytema identifica uma combinação de fatores como surpresa (causalidade), coincidência (padrões reconhecíveis), criatividade (materializada em ideias geniais), emoção extrema (ligada aos sentimentos e aos desafios do game, permitindo “vitórias de virada” por exemplo) e transitoriedade.

A diversão é um dos principais elementos de um bom game. Durante as diversas investigações dos pesquisadores em se produzir jogos com fins educativos, houveram muitas falhas, porque os desenvolvedores preocuparam-se muito mais com o conteúdo e lastimavelmente esqueceram-se deste fator primordial para o sucesso de um game. Sobre estes tipos de jogos, Isa Beatriz Neves (2011, p. 130) comenta: Muitas vezes, ao invés de promoverem aprendizagem, esses jogos desestimulam e cansam os jogadores que, ao perceberem a tentativa de transposição dos conteúdos dos livros didáticos por via do mesmo formato utilizado no dia-a-dia da sala de aula, acabam desistindo de jogar por achálos chatos, enfadonhos e sem ludicidade. Ainda mais se já tiverem experiências com outros tipos de jogos que lançam mão de outras estratégias mais sedutoras e essenciais na constituição de qualquer tipo de jogo: o entretenimento, o desafio e a diversão.

43

3

GAMIFICAÇÃO Neste capítulo, são apresentados os resultados das pesquisas e levantamentos

bibliográficos sobre o tema. Iniciaremos, introduzindo o termo “gamificação” mais detalhadamente tanto historicamente quanto conceitualmente.

3.1 Definindo a gamificaçao “Gamificação” é a tradução direta para português brasileiro do termo em inglês “gamification” criado em 2003 pelo programador britanico Nick Pelling para descrever o uso de mecanicas, elementos, dinamicas e técnicas dos games com o objetivo de incrementar a participação, gerar engajamento, comprometimento e enriquecer contextos diversos normalmente não relacionados a jogos” (ALVES et al, 2014). Barbalho (2013) define gamificação como sinônimo de “ludificação”, usando a descrição dada por Pinheiro: “a aplicação das dinamicas de jogos a situações cotidianas”. Uma das conceituações mais simples de gamificação é “o uso de elementos de design de jogos em contextos não-jogo... (Ibidem.). Tal conceito é similar ao usado por Werbach, porém ele inclui a base conceitual da gamificação: “é uma forma de aprender com os jogos (e usar os elementos dos jogos em contextos não-jogos 39)” (Id., 2014, tradução minha). A conceituação da gamificação é recente e ainda está se consolidando, há ainda variações que incluem a justificativa (e a área de aplicação) para se “gamificar”, i.e., o trabalho de Lynn Alves et al (2014) e o de Fardo (2014, p.13) citam algumas definições que apresentam as seguintes justificativas como “motivar a ação, promover a aprendizagem”, “para envolver o público e resolver problemas”, e “contribuir para a resolução de algum problema”. Nota-se que esta última justificativa generaliza todas as outras. Para este trabalho, buscou-se tomar a definição de Nick Pelling e expandí-la com sua base conceitual e as justificativas para se gamificar. Logo, temos uma definição intermediária: Gamificação é o uso de mecanicas, dinamicas, estética, linguagem e técnicas dos games com o objetivo de contribuir para a resolução de algum problema em contextos 39 Um sinônimo possível para este termo é contextos “sérios”, visto que o jogo é caracterizado por Huizinga (2001) como uma atividade livre conscientemente tomada como "não-séria" de caráter lúdica. Este termo foi traduzido como “contextos fora de jogo” por Bussarello et al (2014, p. 15).

44

não-jogos. Desta forma, se considerarmos o conceito de design de games, temos a seguinte definição de gamificação, mais próxima do que foi discutido: Gamificaçao é o uso de elementos de games e de conhecimentos de design de 40

games para a resoluçao de problemas em contextos nao-jogos. Ysmar Vianna et al (2013, p. 9,10) usa o termo em inglês “gamification” sem estabelecer um equivalente em português, apesar de se referir à gamificação segundo a definição acima. A contribuição de Vianna refere-se a tratar a gamificação como uma ciência aplicada. De fato, a definição escolhida também aproxima-se desta consideração. Os “problemas em contextos não-jogos” mencionados nesta definição podem estar relacionados ao envolvimento dos participantes (desmotivação, desconhecimento), seu engajamento, comprometimento ou qualquer outro em contextos diversos normalmente não relacionados diretamente a jogos (área social, governamental, empresarial, educacional etc).

Ilustração 3: Gamificação no contexto do jogo e da brincadeira.

Desta forma, gamificaçao nao é: •

transformar tudo num jogo (ou num ambiente virtual imersivo). Isto seria “joguificaçao” e não gamificação;



qualquer jogo no trabalho, na escola ou em qualquer contexto não-jogo;



qualquer “jogo sério” (jogos com temáticas e objetivos relevantes);

40 Design de games é o projeto criativo de um game em termos de estética e de sua produção técnica. O designer de games é o projetista do game com habilidades técnicas, artísticas e de escrita.

45



apenas meras aplicações de PBL (pontos, emblemas e rankings);



um método que usa obrigatoriamente tecnologias digitais; “Teoria dos Jogos”41...

O diagrama, acima, usado por Deterning et al (apud FARDO, 2014) ajuda a definir as diferenças conceituais, em termos de uso de elementos lúdicos e da aproximação entre um jogo (com regras) ou uma brincadeira (atividade livre). Antes de continuarmos, é importante entendermos bem quais relacionamentos entre os elementos de um game e como um designer de games os usaria.

3.2 Preparando o tabuleiro... No capítulo anterior, identificamos os principais elementos de um game. Agora é o momento de entendermos melhor como eles podem ser encontrados em um jogo e os relacionamentos entre eles, e o resultado disto tudo. Primeiro, pense em cada elemento como uma pequena peça que formará junto com outras um jogo. Os elementos identificados por Kevin Werback (2012, 2014) podem ser usados num projeto de gamificação como “game patterns”, isto é, “padrões de jogos”. Eles são divididos em três tipos principais. •

Dinamicas: aspectos principais de um game; como se fosse uma “gramática” usada em uma frase: restrições (regras), emoções (diversão), senso de narrativa (enredo, história), progressão (fluxo do jogo, o desenvolvimento do jogador), relacionamentos sociais (interações sociais, afetividade).



Mecanicas: processos que movimentam a ação para a frente; seriam como os “verbos” em uma frase: desafios, chances (“sorte”, causalidade), competição, cooperação, feedback, recompensas (sistema de recompensas), transações (escambo, compra/venda), turnos e estados de vitória (vitória, derrota, empate).



Componentes: instancias específicas das mecanicas e dinamicas do jogo; como os “substantivos” em uma frase: conquistas (objetivos atingidos), avatares, emblemas, chefões (maior desafio ao final de um nível), coleções, combate (conflitos), “destravamento” (desbloqueio de conteúdo), presentes/doações (altruísmo), rankings, níveis, pontuação, quests (missões), rede social, times (clãs), bens virtuais (itens com algum valor associado).

Esta lista foi uma síntese de elementos dos games da qual a gamificação pode fazer uso, segundo Werbach e Hunter (2012). Apesar de termos listados todos estes elementos,

41 Teoria administrativa que usa jogos para o ensino, aprendizagem e treinamento.

46

“a melhor gamificação não é aquela que usa a maioria dos elementos, mas a que os usa mais efetivamente” (WERBACK, 2014, tradução minha). Em cada situação, pode-se utilizar um número diferente de elementos, mas, para isso, deve-se conhecê-los, suas funções, e como irão interagir dentro do sistema que será proposto. Estes relacionamentos estão representados na piramide abaixo. Pense nela como se fosse uma “caixa de ferramentas” disponível para se montar o projeto de gamificação.

Ilustração 4: Piramide dos elementos dos games (WERBACH e HUNTER apud FARDO, 2014, p. 60, tradução do autor).

Na próxima seção, abordaremos mais uma parte importante do referencial teórico que sustenta a gamificação, abordando sua utilidade prática na aplicação em contextos gerais.

3.3 O potencial de “gamificar” A brincadeira e o jogo possuem elementos que fazem parte da vida social. Logo é de se esperar que tanto a escola quanto o trabalho podem ser vistos como uma sequência de desafios, missões e níveis com um emblema de recompensa ao final, seja na forma de diploma, promoção no trabalho, algum status diferenciado, ou um bônus financeiro de um

47

ano (PALMER et al, 2012). Há intrinsecamente na vida humana, a noção de um jogo e o potencial de atividades diversas serem “gamificadas” conscientemente e de maneira plena. O principal potencial de um jogo está relacionado à motivação que ele cria em seus participantes. A motivaçao pode ser descrita como “o fator que faz uma pessoa fazer algo de maneira preferencial, ela está associada a razões e fatores, e suas inter-relações” (WERBACH, 2014, tradução minha). Há dois tipos principais de motivação: intrínseca e extrínseca. Jogos podem ser “uma poderosa ferramenta motivacional” (Id., 2012). Há duas linhas da psicologia relacionadas ao comportamento humano, aplicando-se diretamente à motivação que podem ser usadas na gamificação e estão inter-relacionadas: •

Behaviorismo: ela foca em como as pessoas se comportam, agem. Para Werbach (2014), esta linha estuda o indivíduo como uma caixa preta de entradas (estímulos) e saídas (comportamento), sem analisar o processo mental interno e seus detalhes. Desta linha, surgem algumas ações práticos: 1. Observe as pessoas para entender mais seus comportamentos: é possível fazer isto muito bem em “beta tests”42; 2. “Loops de feedback” podem ajudar uma pessoa a ter um retorno sobre seu comportamento e mudá-lo ou reforçá-lo; 3. Reforço: games pode criar associações mais fortes, em termos de conexões neurais, retendo melhor determinado conhecimento; 4. Jogadores podem aprender a executar determinada ação para disparar um determinado evento – trata-se de “condições operantes” (“condições através de consequências”); 5. Reforço através de um sistema de recompensas. •

Cognitivismo: foca os processos internos da mente. Trata-se de uma alternativa da psicologia ao “Behaviorismo”, focando em “abrir” a caixa preta do indivíduo, descobrindo o que realmente motiva as pessoas a se comportarem de maneira específica. Para esta abordagem, é necessário considerar diferentes tipos de motivação e recompensa: 1. Motivaçao intrínseca: quando uma pessoa escolhe algo a despeito de qualquer recompensa externa, porque ela prefere aquilo;

42 São os primeiros testes de um produto, serviço ou processo. Seu significado literal é o de um “segundo teste”, “beta”, com o provável público-alvo. O primeiro teste, “alfa” geralmente é feito no local onde o produto é criado, com a equipe de desenvolvimento.

48

▪ Sobre o comportamento intrínseco eles estão baseados em relações mecanicas, dinamicas e estéticas, segundo Zichermann e Cunningham (apud BUSSARELLO et al, 2014, p. 18): •

As relações “estéticas” dizem respeito às emoções do jogador durante a interação com o jogo. Essa relação resulta das relações anteriores entre as mecanicas e as dinamicas, que levam à criação das emoções do jogador.

2. Motivaçao extrínseca: quando uma pessoa escolhe algo por causa de um estímulo externo a despeito da própria coisa/ação escolhida. ▪ Zichermann lista as seguintes categorias para as recompensas extrínsecas (apud WERBACH, 2014): status, acesso o u desbloqueio de conteúdo (oportunidades exclusivas conseguidas através de recompensas específicas), poder (como autoridade ou papéis específicos) e brindes (recompensas tangíveis). No início de 1970, Ed Deci e Richard Ryan, dois psicólogos da Universidade de Rochester desenvolveram a base para o que chamamos de “Self-Determination Theory”, Teoria da auto-determinação (tradução minha). Uma teoria compreensiva da motivação humana, em que através de muitos estudos foi capaz de mostrar que as pessoas não são necessariamente motivadas pela recompensa. E, na verdade, a motivação intrínseca é a maneira mais poderosa e efetiva de encorajar pessoas a agirem de certas formas. Sobre a teoria da auto-determinação, há um espectro de tipos de motivação:

Ilustração 5: Diagrama do espectro com os tipos de motivação (WERBACH, 2014, ilustração adaptada, tradução minha)

(A) Desmotivado: completa falta de motivação para executar uma tarefa; (B) Regulação externa: a execução da tarefa é mediante uma solicitação por exemplo; 49

(C) Introjeção: interiorização (absorção interna) da tarefa baseada no que as pessoas pensam (valores) ou fazem; (D) Identificação: a tarefa se identifica com os objetivos pessoais, identidade, necessidades... (E) Integração: há um completo alinhamento entre a tarefa e os objetivos pessoais, mas a pessoa ainda precisa de um reforço para fazê-la; (F) Intrínseca: há uma motivação plena para se fazer a tarefa a despeito de recompensas, porque ela tem valor intrínseco para a pessoa. Há 3 características deste estado que revelam o que a pessoa sente: competência (capacidade de de fazer a tarefa e de alcançar algo com isto), autonomia (controle, domínio, livrearbítrio), contribuição43 (ligação da tarefa com um propósito ou significado maiores do que a própria pessoa), segundo Deci e Ryan (apud WERBACH, 2014). Um bom exemplo de aplicação deste teoria (da Auto-determinação) é o site Fitocracy.com, que usa gamificação e alcançou as 3 características da motivação intrínseca: competência, autonomia e contribuição. No caso dos jogos, as motivações intrínsecas são baseadas nas mecanicas, dinamicas e estéticas dos ambientes e sistemas. Saber utilizar as mecanicas dos jogos em ambiente de gamificação é o principal fator para o sucesso da utilização de seu conceito. Através das mecanicas é possível favorecer a funcionalidade do sistema, e a partir disso influenciar tanto na dinamica e principalmente na estética, que envolve diretamente o fator motivacional do indivíduo (BUSSARELLO et al, 2014, p. 34) 44

Um outro exemplo clássico de uso de elementos lúdicos para se motivar pessoas a fazerem tarefas que estão desmotivadas, foi exibida no filme Mary Poppins (1964), quando a babá ajudava as crianças a arrumar o quarto, com truques e cantando a frase: “uma colher cheia de açúcar ajuda o remédio a descer” (tradução minha). Este exemplo lembra Provérbios 16:24: “Palavras suaves são como favos de mel, doçura para a alma e saúde para o corpo”45.

43 O termo original é “relatedness”, mas optou-se por esta tradução interpretativa. 44 É importante lembrar que o termo “estética” citado aqui não é o equivalente à “visual” ou “aparência”, mas ele faz referência direta ao conceito das relações dado por Zichermann e Cunningham, na página 49. 45 BS, AR, Pv 16:24.

50

Nota-se que os jogos eletrônicos tem inspirado os educadores a refletirem sobre a educação e buscado aplicar as dinamicas e mecanicas dos jogos no ensino. Drew Davidson (2011) também lista algumas lições extraídas dos jogos, que podem ser aplicadas à gamificação: •

O s erros do aluno devem ser projetados como um importante mecanismo de aprendizagem e feedback. “Tente de novo, falhe de novo, falhe melhor”.



A s dúvidas do aluno devem ser tratadas como um desafio, devem ser instigadas. E o desafio gerado por elas deve ser imprevisível e gerar desconforto.



A curiosidade do aluno deve ser incentivados, pois eles levam o jogador a se engajar, a buscar a solução de problemas.



O aluno deve ser desafiado a se desenvolver, articulando o conhecimento. O game deve apresentar um conteúdo que contenha sistemas, conexões, afirmações, relações, transferência (de conhecimento) e interdisciplinaridade.

Um bom game apresenta muitos pequenos desafios ao jogador, com oportunidades de sub-vitórias (“vitórias aninhadas”), que contribuem com o sentimento de realização e prazer (descarga de adrenalina e liberação de endorfina) muitas vezes durante a partida. É essencial para a diversão game permitir ao jogador observar suas próprias jogadas e obter diversas vitórias em direção a um objetivo mais amplo de todo o jogo (cf. SCHUYTEMA, 2011, p. 165-166). Até aqui, os resultados da área de gamificação são (WERBACH, 2014): •

Ouvir o que os games podem nos ensinar (e usar isto sabiamente):



Aprender da área de game design (e da psicologia, administração, marketing, economia) e de entretenimento;

Os resultados potenciais da área de gamificação são (Id., 2012, 2014): •

Análise de dados (característica do E-Business 2.0, onde rastreamos todos os dados de interação do usuário, como nos games do Facebook da Zinga);



Redes e mídias sociais (games podem usar técnicas de games sociais);



Uso de pesquisas de programas de fidelidade, administração e marketing;



Ferramentas avançadas de aprendizagem, treinamento e recrutamento;



Novas oportunidades de negócios como o mercado de bens virtuais, como em WoW (World of Warcraft), onde um grupo chinês empregou pessoas para jogarem e coletarem itens raros no game, vendendo por dinheiro real a outros jogadores.

51



Mudança comportamental, especialmente em relação aos “maus hábitos”, fomentando novos e melhores hábitos. Algumas destas mudanças abaixo, segundo Sunami Chun (apud KULLOCK, 2014): ◦ Consolidação de autoconfiança (orgulho de si mesma - quando ganha, em especial) adquirida durante um jogo nos momentos que sucedem a prática; ◦ Resistência à frustração desenvolvida de tanto ganhar, perder, recomeçar para bater recordes e subir de níveis.

Os resultados da área de gamificação citados anteriormente são reais, porém o potencial desta área é uma expectativa positiva (e até otimista!) do futuro da gamificação e do uso que as pessoas possam fazer dele. Infelizmente, já há casos ruins de gamificação. Abordaremos ambos os casos (bons e ruins) ao longo dos próximos capítulos.

3.4 Um framework Kevin Werbach (2012, 2014) planejou um framework46 para projetos de gamificação baseado em Design Thinking47. Sua pesquisa focou na gamificação no contexto empresarial, mas, abaixo, segue uma adaptação do seu roteiro com diretrizes gerais que pode ser aplicada em diversos outros contextos. 1 Defina os objetivos da gamificaçao: Defina as metas desejadas e delimite os comportamentos esperados com a aplicação: liste e posicione os objetivos possíveis, selecionando e traçando os objetivos concretos; elimine algumas opções, lembrando-se que os elementos do jogo são meios para se alcançar objetivos e não podem ser o objetivo; justifique os objetivos, explicando o motivo deles serem um objetivo para a situação que você está “gamificando”. 2 Delineie os comportamentos esperados: coisas que você deseja que os jogadores (usuários) façam (ou obtenham como hábito). Seja específico, meça (com métricas de sucesso, com “estados de vitória”), análise de dados (volume de atividades é uma maneira de medir o engajamento, por exemplo). 3 Descreva seus jogadores: as pessoas por trás dos avatares (motivações, valores, interesses), demograficamente e baseado em métricas úteis para os objetivos da gamificação. No modelo de jogador de Bartle (1996), no diagrama a seguir, os eixos jogador/mundo x ação/interação foram baseados no comportamento dos jogadores, 46 Um framework é como uma estrutura (modelo), um roteiro a ser seguido. 47 Kevin Werbach define Design como “um processo para atacar (resolver) um problema”. Para ele, o Design Thinking é uma abordagem geral para solucionar um problemas.

52

descrevendo 4 tipos básicos de jogador (uma pessoa pode manifestar vários ao mesmo tempo), veja a Ilustração 7abaixo baseado nos psicotipos de jogadores por Bartle(1996)48: 3.1

Conquistadores: gostam de agir com o ambiente - mundo virtual;

3.2

Exploradores: gostam de interagir com o ambiente;

3.3

Socializadores: gostam de interagir com os jogadores;

3.4

Predadores: só gostam de agir com os jogadores. Este tipo de jogador é

frequentemente o mais intenso e agressivo, age matando, curando ou fazendo qualquer outra coisa com os jogadores.

Ilustração 6: Tipos básicos de jogadores (WERBACH, 2014).

4 Divida os loops49 de atividade: há dois tipos de ciclos numa gamificação: loops de engajamento (operam em micro níveis, nas ações do usuário. É quando o jogo oferece pequenos objetivos para o jogador, e logo depois outro, de forma a motivá-lo constantemente) e loops de progressão (operam em nível macro, sempre oferecendo desafios que fazem o jogador avançar no jogo).

48 Segundo Richard Bartle (1996), quatro psicotipos básicos de jogadores são identificados a partir da análise do inter-relacionamentos entre suas ações ou interações do jogador com o ambiente do jogo (mundo) e com os demais jogadores, assim como suas ações. 49 O termo “loop” usado aqui vem do mesmo conceito de computação que define uma estrutura repetitiva, um ciclo.

53

5 Não esqueça a diversao! Sistemas PBL não são fundamentalmente divertidos, é preciso incrementá-los com uma narrativa diferenciada, estética, rede social envolvente etc. 6 Use as ferramentas apropriadas: Há muitos outros mecanismos e elementos de jogos além do sistema PBL que podem ser usados (dinamicas, mecanicas e componentes), analise e projete a diversão, mecanica do jogo, objetivos etc...

54

4

GAMIFICAÇÃO EM DIVERSAS ÁREAS Este capítulo tem como objetivo mostrar casos de aplicação de gamificação em

diversas áreas (empresarial, social, governamental) e alguns detalhes da teoria por trás destas aplicações que poderão ser úteis no tema deste trabalho. Já, o próximo capítulo abordará exclusivamente a gamificação na educação.

4.1 A gamificaçao nas empresas Segundo Sunami Chun, diretor de uma empresa brasileira de soluções de aprendizado baseadas em jogos (apud KULLOCK, 2014): São essencialmente as pessoas mais jovens que compram a ideia [da gamificação]. Para eles, o ritmo com o qual a empresa realiza as coisas é lento e chato. São os jovens da geração Y, que cresceram com os games e entendem sua lógica e utilidade que o levam para o ambiente de trabalho. Eles acreditam que tornar esse universo mais divertido pode gerar benefícios para todos, desde melhorar o clima interno até aumentar o faturamento da empresa.

Em uma empresa, a gamificação pode ser usada tanto interna como externamente. •

Exemplos de aplicações de gamificaçao empresarial interna: motivar o uso e engajamento da intranet, usando uma abordagem PBL; aumentar a produtividade; melhorar a eficiência; gestão do conhecimento; recursos humanos (contratação, aculturação, treinamento, análise de performance, reconhecimento etc); inovação...



É preciso entender o que motiva as pessoas no ambiente de trabalho, tanto as motivações extrínsecas (recompensas – salário, bônus, promoções, opções, reconhecimentos, responsabilidade...) quanto as intrínsecas (desenvolvimento de habilidades, conhecimento, cidadania corporativa, diversão)... ◦ É possível despertar os trabalhadores para focarem em coisas além do trabalho como o comportamento de cidadania: altruísmo, consciência coletiva, cortesia, espírito esportivo...

55

No ambiente empresarial, há uma divisão entre trabalho e jogo bem-definida por influência da nossa cultura ocidental cristã que interpreta Gn 3:19a50 como um “condenação” de que todo trabalho além de árduo deve ser sem diversão (COSTA, 2012). Esta dicotomia pode gerar controvérsias que podem ser evitadas, se tomadas algumas medidas. Por exemplo, a gamificação precisa se ajustar aos objetivos da empresa o máximo possível. Um jogo precisa da voluntariedade para funcionar bem. No trabalho, nem sempre se vê desta forma. Apesar de não ser encarada com tão grande radicalismo, esta noção de que trabalho e divertimento não se podem misturar está, como já referimos, enraizada em todas as culturas de matriz cultural judaico-cristã, o que inclui praticamente todo o mundo ocidental. Está expresso na Bíblia, desde o Genesis, que o sofrimento ao trabalhar é um castigo que o Homem tem de cumprir por ter cometido o pecado original e provado o fruto proibido. E esse peso do sacrifício é intimamente sentido até hoje e plasmado na cultura popular. (Idid., p. 46)

Abaixo, um quadro comparativo que deixa evidente os motivos que tornam um game mais atrativo do que o ambiente de trabalho:

50 “Do suor do teu rosto comerás o teu pão” (BS, AR, Gn 3:19a)

56

Ilustração 7: Quadro comparativo entre os ambientes de jogos e o de trabalho (VIANNA, 2013, p.48).

Werbach (2014) define o conceito de “playbor”, junção das palavras “play” (jogar) com “labor” (trabalho). Há aspectos éticos envolvidos, onde a gamificação passa a oprimir o funcionário, como foi um caso ocorrido numa aplicação específica na Disney, cujos funcionários perceberam como um “relógio de ponto eletrônico” associado a um ranking e não foi nada divertido, segundo uma reportagem (LOPEZ, 2011): “Eu fiquei nervoso... e sentia que estava sendo controlado ainda mais.”, disse um funcionário [da Disney]. Desta forma, o resultado foi oposto ao esperado, e os empregados tiveram uma performance pior depois disto [da gamificação]. A competição cresceu, a maioria dos funcionários pensaram que manter a performance não satisfaria o empregador (chefe) e começaram a evitar até mesmo as idas ao banheiro. (tradução minha)

Já um outro caso de gamificação que deu certo, foi o da startup “Rypple”, que criaram uma gamificação para uma empresa de vendas (salesforce.com), focando não na gamificação em si, mas nas pessoas (usuários) e no negócio. Foi-se adicionando elementos de games de acordo com a necessidade real e o propósito, ao mesmo tempo em que houve pesquisa aplicada sobre o comportamento das pessoas, feedback, recompensas, rankings, 57

motivação intrínseca etc. Para Daniel Debow, vice-presidente da Salesforce da Rypple, há métodos e técnicas que podem ajudar a evitar uma competição agressiva na gamificação: •

Abordagem empírica: tente e veja se funciona;



Envolva game designers profissionais no processo de gamificação;



Raciocine sobre as ferramentas de amplificação (potencialização) que o próprio processo de gamificação possui, planejando bem qual o seu principal objetivo cuidadosamente.

Infelizmente, é preciso citar mais um caso de gamificação que “deu certo” do ponto de vista mercadológico, mas deu muito errado do ponto de vista humano. O site de varejo e e-commerce), woot.com, que apresenta apenas uma oferta de produto diária, ainda assim, disponível em quantidades limitadas. Os itens são renovados sempre à meia-noite em ponto, portanto isso significa dizer que, caso queiram de fato ter uma chance de adquirir as mercadorias do site, seus frequentadores precisam se submeter à rigidez das regras estabelecidas. A disponibilidade limitada do produto assim como o fator “surpresa” (sobre qual o produto a ser vendido até o instante da publicação da oferta) potencializam a impulsividade dos potenciais compradores. Após submeterem-se ao processo por algumas noites, a maioria dos frequentadores acaba trocando seu real interesse pelo produto ofertado pela sensação de finalmente conseguirem adquirir o que quer que seja. Neste caso, há uma super-valorização da oferta, aproveitamento da impulsividade dos consumidores e incentivo à competitividade, pois para alguns dos clientes do Woot.com, o que importa de fato é vencer a disputa contra os demais “competidores”, e não o que estão levando para casa (VIANNA et al, 2013, p. 21,22).

4.2 A gamificaçao na area social A gamificação pode ser útil para questões sociais, tendo impacto social, motivando usuários para um comportamento melhor, seja em termos de saúde, felicidade, propósito, satisfação etc. Quando se trata da gamificação com fins sociais, há algumas peculiaridades: •

Pode-se usar conscientemente o senso de “parentesco”, de pertencimento a uma família, grupo ou comunidade que cada indivíduo possui, segundo Rolland Muller (2012). Este pode ser um item motivador que gere engajamento nas atividades, e é mais evidente em sociedades tribais ou aquelas com alto senso de comunidade.



Há situações em que substituir benefícios reais (aprender algo útil ou fazer o bem) por recompensas não é uma boa ideia, mas deve ser evitado. 58



Para um impacto social significativo, em muitos casos será necessária uma mudança de comportamento, seja a formação de novos hábitos ou mudança de antigos.

Há bons exemplo de aplicações sociais de gamificação nas áreas energéticas, ambientais, educacionais, governamentais, de saúde e bem-estar (Zamzee, Fitocracy.com, Nike+, SuberBetter)... Werback (2014) cita pelo menos duas gamificações na área ambiental: Opower para reduzir o consumo de energia, com elementos de interação social, competição com seus vizinhos, ranking etc; Recycle Bank, um programa que incentiva a reciclagem, premiando com recompensas ou “bônus” de acordo com o engajamento do jogador, motivando uma atitude pró-reciclagem. Zamzee é uma gamificação com a finalidade de ajudar pessoas a recuperarem sua forma física após um tratamento contra o cancer. O sistema usa um dispositivo (acelerômetro) que rastreia os passos e atividades do usuário, e baseia-se em pontos (pontuação), missões, emblemas, recompensas, redes sociais, interação etc. Zamzee também funcionou entre adolescentes americanos obesos, cujas atividades físicas aumentaram em 30%.

Ilustração 8: Tela do Zamzee e do dispositivo utilizado (WERBACH, 2014)..

4.3 A gamificaçao na area governamental 59

O governo americano tem apresentado interesse pelo uso de jogos na educação, e tem usado também a prática da gamificação. Alguns projetos foram liderados por Constance Steinkuehler Squire, professora da Universidade de Wisconsin reconhecida por sua pesquisa na área de games na educação, que trabalhou com diferentes agências governamentais para investigar como os games e seus elementos poderia promover os objetivos políticos do governo. Abaixo, uma transcrição de um post do blog da Casa Branca, onde Steinkuehler (SQUIRE, 2011) defende a viabilidade de usar elementos dos games na resolução de problemas: No último mês, um grupo de mais de 70 funcionários do governo se reuniram no Centro de Convenções da Casa Branca para discutir os games como uma ferramenta na resolução de problemas nacionais – baseado não em especulação mas em pesquisas e projetos bastante tangíveis gerenciados pelos palestrantes. Vinte e três agências estiveram representadas incluindo o Instituto Nacional de Saúde, o Departamento de Energia, NASA, o Escritório do Parque Nacional, o Exército, e o Legado National pelas Artes. (tradução minha)

4.4 Demo start! Demo51 é uma palavra conhecida para identificar um “game de demonstração”, onde o jogador se diverte nas primeiras fases para aprender a dinamica do jogo, suas regras, seu enredo... Assim como um demo, esta seção apresenta um estudo de caso de gamificação em contexto não-educacional que foi aplicado com fins de pesquisa e experimentação sobre a validade do conceito e suas potencialidades. Jane McGonigal (2010), uma das principais pesquisadoras sobre games e responsável por disseminador o termo “gamificação”52, comentou sobre o game Chore Wars (2007) em seu livro. Ele é um jogo de realidade alternativa (ARG 53) disputado na vida real e sistematizado num ambiente virtual. Nele, todas as missões online correspondem com atividades de limpeza do mundo-real, e ao invés de jogá-lo com estranhos ou amigos online distantes, você o joga com seus colegas de quarto, familiares ou colegas de trabalho. O 51 O termo “demo” é de origem inglesa, vindo da palavra “demonstration”, designando geralmente um produto com “amostra grátis”. No contexto dos games, demo é uma versão de um jogo eletrônico que pode ser jogável, mas não é completa em si mesma. 52 Jane McGonigal conseguiu disseminar o termo a partir da publicação do seu livro “Reality is Bronken” (2011) e principalmente da palestra “Gaming can make a better world” dada ao TED Talks, sobre o tema (2010). 53 Alternate Reality Game (ARG).

60

criador, Kevan Davis o descreve como um “sistema gerenciador de tarefas”. Ele pretende te ajudar a rastrear o quanto de trabalho doméstico as pessoas estão fazendo - e a inspirar todos a fazerem mais trabalhos domésticos, mais alegremente, do que fariam de outra forma (p.120). Uma mãe no Texas, descreveu a experiência com o game (p. 121): “Nós temos três crianças, com nove, oito e sete anos. Eu me sentei com os garotos, mostrei a eles seus personagens e as aventuras, e eles literalmente pularam e correram para completar as tarefas escolhidas. Eu nunca tinha visto meu garoto de oito anos fazer sua cama! E eu quase infartei quando meu marido limpou a torradeira.” (tradução minha)

Ilustração 9: Tela do Chore Wars (2007) aplicado no CEAM-AMIDE

Chore Wars foi o sistema gamificado escolhido para ser testado, enquanto estive como líder da limpeza, em 2014.1, no seminário CEAM-AMIDE. Os principais objetivos deste experimento de gamificação foram: motivar as pessoas em suas tarefas e usar um mecanismo de acompanhamento automatizado das tarefas para colher dados para análise, além de tornar as tarefas mais divertidas. Abaixo, as etapas para o teste, a metodologia e os resultados: 1. Etapa 1: Pesquisa sobre o conceito de “gamificação”, apresentação do conceito. Realizada basicamente entre os dias 16/11/2013 a 29/03/2014. 2. Etapa 2: Teste-piloto de uma aplicação de gamificação, Chore Wars. Realizada entre os dias 16/11/2013 a 22/03/2014. 3. Etapa 3: Coleta e análise dos resultados. 61

10% 40%

30%

18 a 29 30 a 39 40 a 49 50 ou mais

20%

Ilustração 10: Faixa etária dos participantes

Pela faixa etária, verifica-se que os participantes são “baby boomers” (10%) e da geração X (50%) e Y (40%). Logo, 90% já nasceram com contato com a cultura digital. De fato, foi verificado que 80% já jogaram algum tipo de game, segundo a preferência a seguir: jogos de cartas (23,00%), jogos de celular (23,00%), jogos de tabuleiro (17,00%), jogos de ação (17,00%), RPG (6,00%), MMORPG (6,00%), jogos de Facebook (3,00%) e outros (6,00%). Verifica-se a tendência dos jogos de celular, presente na vida de 100% dos gamers.

jogos de Facebook Outros MMORPG RPG jogos de ação jogos de tabuleiro jogos de celular jogos de cartas 0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ilustração 11: Gêneros de jogos eletrônicos jogados

Dos entrevistados, 60% nunca tinham ouvido falar no termo “gamificação”, o outros 40% alegaram não era a primeira vez que ouviram o termo, mas que ainda não sabiam exatamente do que se tratava. Após uma definição curta sobre gamificação, cada participante foi convidado a participar de um projeto de gamificação (experimento). 60% tinham o perfil para a participar da gamificação das tarefas de limpeza da AMIDE, isto é, 62

poderiam se integrar ao “The Brave Adventures of Yahweh Shamah”54. Após este corte, 33% dos candidatos revelaram interesse em participar do experimento, enquanto 67% indicaram que talvez participassem. Efetivamente, 50% participaram da gamificação e deram um feedback final sobre suas impressões, a seguir: •

O ambiente local não facilitou o acesso ao sistema gamificado, por causa da baixa conectividade. Alem disto, o sistema (Chore Wars) não possui uma versão mobile dificultando o registro das aventuras (tarefas concluídas).



Ao final, verificou-se o engajamento efetivo de apenas 33,33% do total de participantes. Os não-engajados deram os seguintes motivos: ◦ O tipo de trabalho já é feito independentemente do sistema gamificado, que não se apresentou atrativo, mas até mesmo revelou-se como “mais uma tarefa” a ser feita, que até mesmo “atrapalha”. É possível executar suas atividades sem usar o sistema gamificado, logo foi possível ignorá-lo. ◦ A interface não está localizada (está em inglês ao invés de português). ◦ Faltou maior interação social no game, no sistema gamificado principalmente.



Quanto à estética, seria desejável que o jogador pudesse ter mais opções de customização para seu avatar.



Falta uma narrativa para sustentar a história, e uma maior interação social.

Como lições aprendidas, nota-se: 1. A falta de um sistema de recompensas real poderia ter criado uma motivação extra para o engajamento no game. Crie um sistema de recompensas real e consistente com as necessidades dos jogadores. 2. O fato da atividade ser intrínseca para alguns e para outra ser extrínseca para outros não é um problema, mas uma oportunidade para motivar aqueles que precisam, usando a motivação dos outros jogadores. Use a criatividade para isto! Talvez permitir comentários e ações variadas e customizadas pelo jogador pode inserir dinamismo ao game. 3. Para um sistema gamificado online, é desejável recursos que facilitem a conectividade como acesso às redes sem fio livres, e também uma versão mobile que facilite o acesso e interação com o sistema.

54 No game Chore Wars, cada local recebe um nome fictício que serve também para agrupar os competidores.

63

5

GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO Este capítulo aborda a gamificação na educação dentro de uma investigação sobre

sua aplicabilidade. Também serão abordados exemplos de gamificação na área educacional com alguns resultados, observações e restrições encontradas nas principais pesquisas até o momento.

5.1 Contexto educacional Marcelo Fardo (2014, p. 27) cita, que para que a educação do século XXI esteja de acordo com os anseios globais, ela precisa estar fundamentada em quatro pilares: aprender a aprender/conhecer (autodidatismo); aprender a fazer (capacitação e aptidão); aprender a conviver (como grupo diversidades em si mesmo); e aprender a ser (posicionamento crítico e autônomo). Um recente relatório da ONG Innovation Unit, através do GELP (Programa de Líderes da Educação Global) divulgou uma estratégia de tecnologia para estimular e apoiar a aprendizagem do século XXI, que contém as seguintes ações sugeridas (INNOVATION UNIT, 2013, p. 125): •

Apoiar atividades de aprendizagem engajadoras: apoiar alunos e professores no planejamento e condução de atividades de aprendizagem, incluindo recursos de informação: ensino, jogos, simulações.



Projetar e executar colaborativamente: codesenvolver, com os principais atores envolvidos, os processos educacionais e as “regras de negócio” para a especificação da arquitetura técnica.



Apoiar avaliação formativa em tempo real: a construção de portfólio e perfil dos alunos; a tomada de decisões apoiada em dados sobre estudantes, sobre lições e sobre a escola.



Desenvolver capacidades para utilizar a tecnologia: desenvolver habilidades e fluência digital para estudantes e para educadores.

Diante destes pilares e destas estratégias (autodidatismo e autonomia), a educação passa a ser organizada pela própria comunidade, onde a primeira pergunta deve ser: “O que você, como comunidade, quer alcançar?”. Segundo Constance Steinkuehler (2013), o papel 64

do educador será o de gerenciar seus recursos educacionais (ferramentas e conteúdo) de forma que se alcance os objetivos traçados e se consiga uma aprendizagem significativa para toda uma vida. Neste contexto, verifica-se um anseio pelo uso das novas tecnologias e de soluções que auxiliem as mudanças almejadas na educação para a cultura contemporanea, uma cultura digital.

5.2 Aplicabilidade Um bom game deve causar a sensação de satisfação pela realização de atividades, e uma aprendizagem “fluída” relacionada ao fluxo do próprio jogo, a “jornada do jogador”55. Ela é conseguida se três conceitos que possuem total relacionamento com métodos de ensino e aprendizagem (WERBACH, 2014) são bem aplicados no jogo: •

Tutoria (“onboarding”): resolve o problema de como o jogador pode entrar no game o mais rápido possível, aprendendo a mecanica e a dinamica básica do jogo;



Treinamento (“scaffolding”): soluciona como o jogador pode ser facilmente treinado, através de trechos do jogo que permitem este aprendizado facilitado e supere a complexidade que de outra forma “travaria” o progresso do jogador; este recurso pode ser usado para criar hábitos e rotinas no jogo;



Especializaçao (“paths to mastery”): resolve como o jogador se tornar um expert, dominando as mecanicas e as dinamicas do jogo; aqui a pessoa passa a naturalmente criar desafios e ensinar outros jogadores.

De fato, os games podem ser vistos como experiências projetadas de trajetórias de aprendizagem, levando jogadores “novatos” a se tornarem jogadores competentes, conhecendo o básico do sistema gamificado. Em um game: •

os jogadores tendem a adquirir um conhecimento específico bem-definido quando eles dominam o jogo e suas regras, aprendendo de forma sistemática e desenvolvendo uma habilidades e conhecimento sistemáticos;



as regras são abstrações do conhecimento do mundo real. Em suas pesquisas, Kurt Squire descobriu que alguns jogadores ficam tão interessados pelo sistema do game que buscam manipular as regras e modificá-lo (jogador modificador ou “tinkerer”). Outros vão além e criam novos conteúdos para o jogo (jogador designer).

55 Tradução minha (literal) para “Player Journey” que é o caminho conceitual que o jogador segue através do jogo. No design de games, é esperado que o jogador comece de um início, passando por um meio até chegar a um estado final (WERBACH, 2014).

65

O gráfico a seguir resume a trajetória de aprendizagem de um jogador. Jogadores que chegaram ao nível de “designer” usam a linguagem do game para dar vazão à criatividade, criando (“customizando”) outros tipos de jogos baseados no jogo principal. Normalmente, a maioria dos jogadores que se tornaram experts (ou além disto) estão agindo socialmente, aprendendo com outros e também ensinando-os como mentores. No contexto social de um “fandom”56, os próprios jogadores criam uma robusta ecologia de recursos diferentes com o propósito de para ensinar outros a aprenderem. Para Kurt Squire (STEINKUEHLER e SQUIRE, 2014), “é realmente importante que entendamos que, quando pensamos sobre jogos para a aprendizagem, precisamos pensar não somente numa única pessoa, mas a pessoa num contexto social robusto”.

Ilustração 12: Diagrama da aprendizagem do jogador ao longo do tempo, por Kurt Squire (Ibid).

Para Werbach (2014), “a Educação é, de muitas formas, feita para a gamificação” (tradução minha). A motivação do aluno é um grande desafio, ao mesmo tempo, em que o contexto educacional já há um sistema de pontuação, de recompensas, de credenciais57 etc. “O problema é que, na maioria das vezes, a criança que está nessa sala de aula não está lá por vontade ou interesse próprio, sentindo-se motivada, [com uma] necessidade básica para 56 Termo análogo a “kingdom”, porém trata-se de uma comunidade de fãs de um jogo específico, com uma subcultura e hierarquia próprias. 57 Um sistema de credencial, no contexto educacional, é aquele que provê uma confirmação das habilidades e conhecimentos adquiridos ou inatos a uma pessoa, através de diplomas, certificados, certificações etc (Ibidem.).

66

mergulhar, de fato, no "círculo mágico" (FILHO et al, 2014). “O desafio para a gamificação é fazer um sistema melhor e não pior”, evitando o foco nas recompensas, mas potencializando a motivação intrínseca e autêntica pela aprendizagem. Os jogos envolvem experimentação repetitiva, consequentemente, envolvem erros repetitivos, permitindo ao jogador um ciclo de feedback, onde é possível melhorar e também se tornar resiliente frente às falhas. A gamificação também oferece este cenário, tornando o erro como necessário à aprendizagem e incentivando a participação de todos. A gamificação pode encurtar os ciclos de feedback, dando aos aprendizes pequenas trilhas para avaliarem suas próprias capacidades, e criando um ambiente cujo esforço, e não a maestria, é recompensado. Os estudantes, por sua vez, podem ver as falhas como uma oportunidade, ao invés de se tornarem dependentes, medrosos ou desmotivados (LEE e HAMMER, 2011, tradução minha).

Para Bussarello, Ulbritch e Fadel (2013, p. 16), no processo de aprendizagem a gamificação contribui tanto para a motivação como para o desenvolvimento cognitivo do estudante, além de criar um ambiente de aprendizagem eficaz na retenção da atenção. Por estes e outros motivos, a gamificação tem o potencial de gerar engajamento e dedicação que estudiosos acreditam que pode ser aplicada inclusive na educação. Porém, Mario Herger (apud VIANNA et al, 2013, p. 19) disse que gamificar um aplicativo ruim apenas faz com que ele se torne um aplicativo ainda pior. De maneira análoga, gamificar uma aula ruim apenas a tornará uma aula ainda pior. Portanto, é preciso gamificar aulas bem preparadas, para se ter o resultado correto, quando apenas o que falta é o envolvimento dos alunos ou uma ferramenta para a mudança comportamental. Vianna et al (2013, p. 108) previram a aplicação da gamificação na educação: Talvez seja a educação uma das áreas em que se tem maior expectativa com relação à extensão de benefícios passíveis de serem alcançados com a gamificação. Segundo a opinião de renomados especialistas no tema, trata-se apenas de uma questão de tempo até que as escolas passem a incluir aspectos dos jogos no aprendizado, flexibilizado currículos de ensino universais em prol de uma maior adaptação à individualidade de cada aluno.

Fardo (2014, p. 78), conclui um capítulo sobre “os estudos de Lev Semenovich Vygotsky sobre os processos de ensino e aprendizagem, sob uma perspectiva sóciohistórica do desenvolvimento psicológico humano”, com a seguinte frase: “Dessa forma, a gamificação parece ser justificada a partir do atual momento histórico e do contexto social e cultura presentes. Utilizar essas

67

estratégias de modo a aproveitá-las em ambientes de aprendizagem, com o intuito de potencializar o ensino e a aprendizagem, parece ser uma alternativa viável […]”.

5.3 Casos de sucesso De forma motivadora, há alguns casos de sucesso na gamificação na educação, demonstrando alguns benefícios da sua aplicação: •

“Quest to Learn”: Escolas inteiramente gamificadas localizadas em Nova Iorque e em Chicago, com o currículo fundamentado sobre games e suas estruturas, lideradas por Katie Sahlen, designer, pesquisadora e educadora de games (WERBACH, 2014).



Lee Sheldon incorporou estruturas de games num currículo acadêmico existentes, na Universidade de Indiana e na Escola Politécnica Rensselaer, registrando seus experimentos no livro “The Multiplayer Classroom”. Este caso é descrito em detalhes também na dissertação de Marcelo Fardo (2014), evidenciando os resultados do método que conseguiu aumentar a frequência dos alunos nas suas aulas, potencializar suas notas e resultados, entre os outros benefícios.



Werback (2014) cita também o projeto da Mozilla, “Open Badge framework” que substitui o currículo convencional ou o complementa, através de um sistema de credenciais próprio com emblemas e distintivos.



Ana Prado (2015b, p. 9) destaca que há “inúmeros aplicativos e redes sociais que se baseiam nessa dinamica [gamificação], dando pontos aos usuários de acordo com […] a quantidade de livros que leem[…]”, sugerindo o uso da gamificação na escola, pois “o aprendizado fica, então, natural e divertido. Em vez de competir com os jogos, os educadores podem aliar-se a eles. Mas não é preciso parar por aí [pode-se ir além].”.

Lee e Hammer (2011) apontam um benefício interessante de um sistema gamificado para a educação, que pode ser uma útil reflexão para qualquer contexto educacional: Um sistema gamificado bem-projetado pode ajudar os jogadores a assumirem papéis significativos que sejam frutíferos para a aprendizagem. A o d e se n v o l ve re m u m a n o va i d e n t i d a d e l u d i c a m e n t e , e a o recompensarmos isto apropriadamente, podemos ajudar os estudantes a pensarem de maneira diferente sobre seu próprio potencial na escola e o que ela significa para eles.

68

Filho et al (2014) afirma que o objetivo de utilizar a gamificação na educação não é o de transformar a sala de aula em uma lan house, mas o de ensinar conteúdos, desenvolver senso crítico, ajudar na tomada de decisões, desenvolver o senso de cooperação e de colaboração, criatividade, dentre outras habilidades que compõem o que, comumente, se entende por aprendizagem significativa.

5.4 Advertências Por ser um método recente, os casos de fracasso sobre a aplicação de gamificação na educação são muito escassos. Mas há de se citar algumas advertências: •

É importante frisar que “nos games os jogadores aprendem porque querem aprender. E também porque constroem uma relação com o erro muito diferente daquela que normalmente existe nas escolas” (FARDO, 2014. p. 80). Portanto, é necessário que o aluno tenha a disposição de aprender e a abertura para participar. O game pode ajudar na motivação inicial, mas não resolverá todas as situações.



Filho et al (2014) afirmam que para se implementar a gamificação nas práticas pedagógicas, os professores precisam conhecer e entender a lógica dos jogos eletrônicos e como são seus elementos de trabalho. Entretanto, como este conhecimento faz parte do perfil de um designer de games, é possível que um professor possa trabalhar em conjunto com este profissional, buscando compreender as dinamicas, mecanismos, estética e elementos dos games que potencializam a aprendizagem.



Devemos considerar o estado caído da humanidade, estado de “queda”, a condição pecadora do ser humano que é evidente pela sua natureza (Sl 51:5; Ef 2:3) de acordo com o conceito calvinista de “depravação total” do ser humano, e o que Wayne Grudem chama de “corrupção herdada” (CHEUNG). Neste estado, o homem cai facilmente na vaidade (Ec 2:17). Pessoas mal-intencionadas poderão usar o apelo à vaidade para motivar as pessoas a agirem num processo de gamificação de forma a trocarem hábitos bons por maus hábitos. Além disto as pessoas poderão ficar presas a “círculos hedônicos”58. ◦ “Círculo hedônico”: As pessoas tendem a esperar melhores desafios e maiores recompensas com o tempo. Caso, estas condições sejam satisfeitas, elas poderão ficar presas neste círculo por tempo indeterminado. Quando as

58 Tradução literal para “Hedonic Treadmill” (WERBACH , 2014).

69

pessoas se familiarizam e ficam entendiadas com recompensas específicas, o seu comportamento deixa de mudar. •

A gamificação pode agir na mudança comportamental, o que atribui toda responsabilidade ao game designer do sistema gamificado. Isto é um risco em potencial.



Deve-se evitar o que a recompensa substitua a motivaçao intrínseca. Muitos estudos confirmam isto. Quando o jogador pensa que a recompensa para se fazer determinada atividade é o objetivo, então ele não cria uma motivação intrínseca. Por isto, as recompensas tem que ser bem planejadas (ou evitadas em determinados casos).

Fardo (2014, p. 80) declara que “os objetivos educacionais de qualquer instituição não precisam ser mudados, o que muda com a introdução desse método [gamificação] é apenas o caminho percorrido para alcançá-los”.

70

6

GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO CRISTÃ Neste capítulo, serão introduzidas algumas definições sobre a educação cristã e seu

possível “casamento” com a gamificação, além de uma investigação sobre a validade e aplicabilidade teológica da gamificação nesta área.

6.1 A educaçao crista São muitos os outros versículos que apontam a importancia da educação cristã, do ensino da Palavra de Deus e do seus objetivos. Somente no livro de Provérbios, encontramse mais de 45 versículos59 sobre este tema. Há ainda vários outros versículos em vários outros livros com a mesma temática, enfatizando até mesmo o modo como se deve aprender, praticar e ensinar: 2Tm 3:14-17; Mt 22:29; 28:18-20; Êx 12:26,27; Dt 4:9,10; 6:4-7; 11:18,19... A palavra “discípulo”, que significa aluno ou aprendiz, é empregada 245 vezes para referir-se aos seguidores de Jesus. A mensagem de Jesus é identificada com o termo “ensino” 39 vezes; e sabedoria 6 vezes, não dando a ideia de preleção ou sermão (PRICE, 1980, p. 9-11). Segundo Leno e Raquel Franco (2010), a palavra educação possui vários sentidos e interpretações, mas é baseada primordialmente no desenvolvimento do indivíduo, sendo algo que conduz, direciona, discerne, e também externa/aflora [algo interno ao próprio indivíduo] ao mesmo tempo que transmite valores e cultura. Eles arriscam um conceito do termo, num contexto missiológico, que será usado neste trabalho daqui em diante como o conceito adotado de educação cristã (Ibid., p. 22): Educação [cristã] é um processo de transformação, partindo do próprio indivíduo, tendo como objetivo desenvolver a personalidade de Cristo na pessoa integralmente (em todos os sentidos: físico, emocional, social e espiritual), para que ela possa vivenciar isto em todo o tempo, e em todo lugar, tendo como objetivo final a transformação da sociedade onde ela esta (sic) interatuando.

O próprio Jesus teve um ministério baseado no ensino. Segundo J. A. Marquis (apud PRICE, 1980, p. 9), “a principal ocupação de Jesus foi o ensino”. Nos evangelhos, Jesus é 59 Pv 16:20; 1:8; 2:6-10; 3:1,2; 4:1-7,10-15; 5:22,23; 6:23; 8:1-5,11,19, 30-33; 9:9; 10:8,17; 12:1; 13:1,14,18,24; 14; 18; 19:8,18... em pesquisa realizada na BS AR.

71

chamado mestre 45 vezes (e somando-se aos termos equivalentes, o total é de 61 vezes), e nunca se fala nele como “pregador”. “Mestre” é usado, na Bíblia KJV, 66 vezes, sendo que 54 é derivado da palavra grega que significa professor ou mestre (Ibidem.). Assim como Jesus e as Sagradas Escrituras, diversas figuras históricas defenderam a importancia da educação cristã. Destaca-se entre estes, a opinião de João Calvino que defendia não apenas uma educação voltada para o ensino da Palavra de Deus, mas de maneira integral para abranger todo o intelecto do indivíduo e sua vida civil: Mas desde que tais lições (teológicas) não são úteis exceto se a pessoa for educada em línguas e ciências humanas, e também porque sementes devem ser plantadas para o futuro, para não deixar para as crianças uma Igreja estéril, um Colégio deve ser criado para educá-las e prepará-las para o ministério e governo civil". (tradução do pesquisador) 60

Um “Colégio”, de fato, foi construído de 1559 a 1562, quando Calvino pôde vê-lo finalizado antes de sua morte (1564). “Colégio” ou “Academia”, a terminologia é um pouco fluída, e, em latim, é chamado de “Leges Academiea Genevensis” - as leis da academia. Uma instituição constituída de 2 departamentos: (1) “Scola Privata”: escola elementar para garotos e adolescentes que eram educados, em 7 anos, em francês, latim, grego, dialética, retórica etc; (2) “Scola Publica”: a academia propriamente, o “ancestral” do que é hoje a Universidade de Genebra, que esteve inclusive em reforma, em 2013, em Genebra. A Bíblia é a fonte de qualquer ensino cristão autêntico. Ela é luz para o caminho, fiel (Sl 111:7-10), reta, prazeirosa (Sl 112), benigna, maravilhosa, verdadeira, eterna, sábia, justa (Sl 119); “divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra”61... Para Rubens Muzio (2013, p. 205), “A Bíblia deve ser o ponto inicial para qualquer modelo de liderança missional no Brasil”. Tomando a Bíblia como fonte do ensino cristão e o compromisso pessoal com Jesus Cristo, Rolland Muller (2012, p. 56) definiu os seis estágios do crescimento espiritual de uma pessoa62 baseando-se na experiência de vários evangelistas: 1. Desinteressado, talvez hostil (DI) 2. Mais ou menos interessado (MI) 3. Alguém à procura (AP) 60 CALVINO, João: Ordenanças Eclesiásticas. 20/nov/1541, p.382, texte modernisé. Fonte citada a partir de (2013). 61 BS, AR, 2Tm 3:16,17. 62 Estas siglas serão usadas posteriormente quando se descrever alguns grupos.

72

4. Convertido (CV) 5. Discípulo (DC) 6. Líder (LD) A educação cristã também busca levar a pessoa a um crescimento. Como objetivos da educação cristã com o aluno, podemos destacar (JÚNIOR, 1997): conduzi-lo ao conhecimento dos fatos e ensinos das Sagradas Escrituras; guiá-lo à aplicação efetiva das suas verdades fundamentais para a redenção de toda sua vida; impulsioná-lo à prática dos princípios bíblicos fundamentais para um caráter cristão; e inspirá-lo a reconhecer a suficiência das Escrituras.

6.2 O educador cristao O educador cristão deve buscar atitudes e princípios que agradem a Deus. Dentre eles, podemos citar: temor a Deus (Pv 1:2); confiança em Deus (Cl 2:7); caráter transformado por Deus (Rm 12:2); maturidade cristã (Ef 4:14,15); mente e coração cristãos (Ef 4:23,24); santificação (Jo 17:17); perseverança (2Co 4:16-18); disponibilidade e serviço a Deus (Ef 2:10; Mc 10:43,44). O educador cristão deve desejar, decidir e esforçar-se para “crescer” diante de Deus. O missionário também é um educador e deve agir como tal. Para Franco (2010), os missionários são agentes ativos dentro deste processo de transformação, inseridos no campo tanto para aprender quanto para ensinar. Paulo Freire (apud Ibid., p. 22) diz que “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos”. O conceito de educação interativa de Franco (Ibid., p. 27) conscientiza a todos de que “estamos educando e educando-se ao mesmo tempo, ou seja, ensinando e aprendendo numa mesma esfera e num mesmo instante”. Larry J. Pate (1987) também concorda com este posicionamento que o missionário precisa ter frente à uma cultura: assumindo a atitude de aprendiz. Pate (1987) ainda cita outras atitudes necessárias ao missionário que deseja aprender a cultura do povo como a de servo humilde, a exemplo de Jesus Cristo, e de narrador, passando a se comunicar com o povo de acordo com o método que eles estão familiarizados. O missionário deve se despir de toda arrogancia e “esvaziar-se” de si mesmo e do prestígio que estava acostumado a ter no seu grupo social anterior (cf. Mt 23:1-12; Ef 6:6) Tais recomendações são válidas mesmo para um missionário inserido em seu próprio 73

povo, pois é necessário enxergar as diferentes gerações como grupos a serem alcançados, e buscar aprender sua cultura (seja ela a cultura digital, gamer) e se comunicar de maneira mais efetiva.

6.3 Como vai a educaçao crista? Gabriele Greggersen, doutora em filosofia pela USP, (2002, p. 190) questiona: “Como esperar que eles [jovens e adolescentes] leiam a Bíblia, se passam a maior parte do seu tempo grudados ao videogame ou à televisão/cinema. Como estimular a leitura da Bíblia, usando isso o dom que Deus nos deu, da criatividade e da literatura?” Greggersen elaborou uma pesquisa com (1) pré-adolescentes, (2) adolescentes e (3) jovens63 de uma igreja cristã paulistana, em

torno de 2002, sobre os hábitos de leitura

deles. Conforme o gráfico a seguir, verifica-se que 95% dos pré-adolescentes nunca leram a Bíblia toda, assim como 70% dos adolescentes e 67% dos jovens. Já 70% dos préadolescentes disseram que costumam ler a Bíblia regularmente, até mesmo 7 dias por semana. Entre os adolescentes, 20% leem regularmente e 36% dos jovens afirmaram ler de 3 a 4 vezes por semana. A pesquisadora se questiona (Ibid., p. 194,195): “Como pode alguém ler a Bíblia todos os dias e não conseguir dar conta de lê-la uma única vez inteira? […] A consequência é uma visão bíblica e doutrinária fragmentária e incompleta”. Ela completa (Ibid., p. 195): Mas de uma maneira geral, podemos constatar o analfabetismo funcional [destaque do autor] (até sabem ler, mas não entendem e muito menos interpretam e aplicam em profundidade) geral e em particular em relação à Bíblia. O fato estranho de que a maioria alega que lê a Bíblia todos os dias, nos faz suspeitar ainda da falta de método ou, no mínimo, da falta de profundidade e sistematicidade nessa leitura.

63 A autora identificou os grupos de acordo com a faixa etária: 9 a 13 anos (64 pré-adolescentes), 13 a 19 (84 adolescentes) e 15 a 27 (45 jovens), incluindo uma pessoa de 52 anos neste último grupo pesquisado (MUZIO, 2008, p. 191).

74

Ilustração 13: Resultado da pesquisa sobre a leitura da Bíblia

Na pesquisa, foi perguntado aos participantes sobre o que poderia estimulá-los na leitura da Bíblia. Muitos responderam sobre tempo, disciplina e incentivo; outros chegaram a falar que não se lembram, que falta planejamento, seriedade, incentivo de amigos e familiares, dos pequenos grupos etc. Greggersen suspeita que as igrejas não estão educando valores e ética adequadamente de forma que mude a escala de prioridades dos jovens na leitura da Bíblia. Ela completa (Ibid., p. 196): “Por um lado, temos que rever nossos modelos de estudo bíblico, com o intuito de fazer com que eles sejam mais prazerosos para o participante”. O formato da educação cristã tem sido o mesmo por anos, o tradicional “cuspe & giz” muitas vezes foi apenas substituído pelo “cuspe & datashow”. Sobre este ponto, Greggersen diz “a educação é relegada muitas vezes a voluntários que mal se dão conta da complexidade e abrangência dessa palavra. As aulas em geral são expositivas, com uso de um ou outro recurso visual” (Ibid., p. 205). Porém, no ensino, foi verificado que um aluno consegue reter 10% do conteúdo quando ele apenas ouve (ensino tradicional), 50% quando presencia e 90% quando ouve, vê e pratica. Além disto, os alunos precisam ser adequadamente motivados, isto é, não se devem usar os motivos errados como o medo ou a obrigação para se criar “motivação”.64

64 Fontes desconhecidas. Fruto de anotações de palestras diversas.

75

6.4 “Gamificar” resolve? Quando Gabriele Greggersen (2002) pesquisou sobre os hábitos de leitura dos préadolescentes, adolescentes e jovens, ela sugeriu que o ensino Bíblico buscasse ressaltar o gênero que estes grupos gostam, como estratégia, para “tornar a própria leitura bíblica uma aventura [grifo da autora] para eles” (p. 195). De forma análoga, hoje entendemos as gerações Y e Z como pertencentes a uma cultura gamer que é preciso se comunicar e atrair usando alguns dos seus próprios elementos de interesse, porém voltando o foco para a Palavra. Greggersen crê que “com melhor planejamento, também é possível aproveitar melhor os momentos de ficção e aventura inerente à própria Bíblia (parábolas, visões alegóricas, provérbios de sabedoria e alegorias); bem como as suas partes romanticas, no sentido literário”. Ela também traz a seguinte reflexão (p. 199): Não é totalmente sem razão que os jogos eletrônicos, heróis de desenhos animados japoneses e histórias que envolvam magia, seres fantásticos e feitiçaria geram desconfianças e rugas de preocupação aos pais e educadores mais conservadores. Muitos estão conscientes dos perigos da cultura de massa, aquela produzida em série para o consumo imediato e descartável. Mas diante da realidade que nos cerca, o que é melhor: envolver nosso filhos em redomas hermeticamente fechadas ou ir descobrindo esse mesmo mundo ameaçador junto com eles?

A preocupação apontada por Greggersen é válida, porém ela mesma alerta que deve-se evitar uma atitude repressiva em demasia por partes dos pais, assim a igreja fez erroneamente com hábitos culturais diversos65 que não eram pecado (nem são), mas eram vistos através de um juízo religioso. Deve-se analisar a gamificação e evitar que se repitam tais erros. Um dos problemas citados na educação cristã é a motivação. BUSSARELLO, R.I., ULBRICHT, V.R. e FADEL (2014) destacam elementos encontrados nos jogos que podem favorecer a motivação do jogador. Abaixo, listamos e comentamos alguns destes elementos e alguns exemplos de como eles se aplicam à gamificação no contexto da educação cristã: •

Situações fictícias tornam a experiência do indivíduo mais emocionante, uma vez que são incorporados no ambiente objetos e situações não presentes extrinsecamente, o que estimula o imaginário do jogador. Neste sentido pode-se reviver histórias do passado narradas pela Bíblia, enriquecendo a experiência;

65 Só para citar alguns destes exemplos conhecidos de proibição (repressão demasiada) na história recente da igreja cristã evangélica: prática esportiva do futebol, aquisição de um aparelho de televisão, uso feminino da calça etc.

76



Objetivos claros possibilitam o envolvimento do sujeito ao sistema, na medida em que o jogador entende, de forma objetiva, o que deve ter que ser feito no ambiente do jogo. Além disto, o uso de objetivos e regras claras ajudam a treinar os participantes em conceitos éticos sobre certo e errado, assim como conceitos morais sobre honra e vergonha66, e até mesmo sobre medo e poder – estas duplas de conceitos permeiam toda as culturas;



O crescimento contínuo de habilidades define que o jogo deve favorecer o aumento progressivo de conhecimento do usuário. Tal estratégia é válida especialmente para o ensino bíblico que apresenta um conteúdo muito vasto (e até mesmo inesgotável). Incentivar o estudo e a prática contínuos é desejável;



Tempo e pressão ajudam a estabelecer metas claras e desafiadoras aos jogadores. Atualmente, os períodos para estudos bíblicos geralmente é marcado por uma forte restrição no tempo, todo método que busque aproveitar bem o tempo é precioso e útil.

6.5 Analise bíblica da gamificaçao Nesta seção, será avaliada a validade e aplicabilidade teológica da gamificação na Educação Cristã. De maneira geral, podemos considerarmos a gamificação um método criativo que pode ser usado para se comunicar uma mensagem. No contexto da educação cristã, esta mensagem é a própria Palavra de Deus. No capítulo de introdução, foram citados vários exemplos em que Deus usou profetas com recursos criativos de sua época para comunicar sua mensagem. De fato, Deus antigamente falou muitas vezes, e de muitas maneiras, pelos profetas (cf. Hb 1:1). Temos vários exemplos, um deles é o alerta de Deus ao povo de Judá e Jerusalém, usando profetas diferentes com recursos criativos diversos. Por exemplo, Ezequiel é instruído a fazer uma “maquete” de Jerusalém e mostrar ao povo que ela seria sitiada (cf. Ez 4:1-3). Já Habacuque é instruído por Deus para escrever uma visão numa placa bem grande (talvez o primeiro “outdoor”) para que mesmo aquele que passasse correndo poderia lê-la (cf. Hc 2:2). Antes de prosseguirmos é importante lermos o Pacto de Lausanne (1974, p. 4), no item “Evangelização e Cultura”:

66 Roland Muller (2012) define as cosmovisões de um ancestral comum, deixando evidente os três maiores resultados sobre a humanidade a partir da queda: culpa, medo e vergonha.

77

O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. Desta forma, uma avaliação crítica sobre as culturas e as metodologias se faz necessária. Os elementos de jogos são similares à cultura, porque parte deles apresentam uma beleza da mente Divina, e outra, uma mancha feia do pecado. Iremos abordar um pouco sobre ambas: 1. Competição x cooperação: o jogos apresentam os dois lados. “[...] da mesma maneira que estimulam a competição, os jogos também se revelam como um eficiente estímulo ao trabalho colaborativo.” (VIANNE et al, 2013, p. 51). 2. Um projeto de gamificação pode conter a causalidade (a “sorte”) dentre alguns elementos. Se formos avaliar este item biblicamente, podemos entender que a Bíblia não fala contra tirar “sorte”, mas antes cita alguns exemplo. Por outro lado, a Bíblia fala contra o amor ao dinheiro que é próprio de “jogos de azar” que não são o foco deste trabalho, antes são repugnados por este autor: […] em Levítico, Arão lançou sortes sobre dois bodes: uma pelo Senhor e outra por Azazel. Josué lançou sorte para determinar a porção de terra para várias tribos. Neemias lançou sorte para determinar quem viveria ou não dentro das muralhas de Jerusalém. Os apóstolos lançaram sorte para determinar o substituto de Judas. Provérbios 16:33 diz: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a determinação.” (GOT QUESTIONS, 2002)

3. As recompensas aplicadas numa gamificação podem não corresponder a uma atitude coerente com a Palavra, gerando até mesmo desmotivação entre os participantes. Num destes casos, a recompensa substitui a motivação intrínseca, fazendo o jogador pensar que a recompensa para se fazer determinada atividade já é o objetivo em si, então a gamificação não cria uma motivação intrínseca. Tal efeito é conhecido como “Over-Justification Effect” e ocorre na maioria das vezes quando o jogador está fazendo uma tarefa criativa (ou interessante) ou que já

78

possua a motivação intrínseca para fazê-la. Kevin Werback (2014) lista os tipos de recompensas que se podem usar nestes casos para se evitar este problema: ◦ Tangível: é o tipo de recompensa que mais apresenta o efeito “ OverJustification”, porque o risco dela substituir a motivação intrínseca é maior; ◦ Inesperada: parecem não ter este tipo de problema (e pode incentivar aqueles que não possuem a motivação intrínseca ainda); ◦ Condicionada à performance: pode ser desmotivante se a recompensa estiver associada a um ponto final (alguma pontuação específica ou algum marco no jogo), mas se o feedback é fornecido como uma simples frase de performance como “Bem feito!”, então pode ser usada. Tanto falou-se sobre cultura e subculturas (digital, gamer) que há de se considerar o uso da linguagem dos games no ensino bíblico como uma forma de contextualização 67 da mensagem do evangelho. Para Leno e Raquel Franco (2010, p. 85), a contextualização “é mostrar,[sic] [ênfase do autor] a Palavra de Deus, num sentido prático para os nosso dias. É trazer [ênfase do autor] uma identificação com as pessoas de hoje, sem perder a Sua essência”. Ao considerarmos a gamificação como um método específico para auxiliar à contextualização para uma cultura digital, deve-se considerar igualmente que esta aplicação não cabe em todos os contextos e culturas. Nestes casos, deve-se buscar outros métodos. A gamificação também pode ser vista como uma criação humana, porém nem por isto deva ser rejeitada. Em suas “Institutas”, João Calvino (1559, Vol. 2, p. 43) escreveu que as obras de pensadores seculares nunca devem ser desprezadas, pois na prática da ciência, eles são testemunhas da verdade e que toda a verdade vem de Deus... […] a mente do homem, quanto possível decaída e pervertida de sua integridade, no entanto é ainda agora vestida e adornada de excelentes dons divinos. Se reputarmos ser o Espírito de Deus a fonte única da verdade, a própria verdade, onde quer que ela apareça, não a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus.

Caso ainda assim, haja objeção por algum irmão ou líder para se aplicar a gamificação no ensino bíblico, deve-se seguir o princípio ensinado pelo apóstolo Paulo que, embora fosse livre pelos ensinamentos de Cristo, admitia que nem todos os crentes 67 O termo “contextualizar” já é aplicado na pedagogia, mas, neste trabalho, este termo é usado em seu sentido missiológico, usando-se (FRANCO, 2010, p. 85).

79

gozavam de semelhante liberdade. Ter consideração por estes cristãos (i.e., andar segundo o amor fraternal) significava evitar um comportamento que pudesse magoá-los (cf. comentários de Romanos 14:13-15:4, Bíblia de Estudo de Genebra, 2009, p. 1499). “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nada é de si mesmo imundo a não ser para aquele que assim o considera; para esse é imundo.”68 A Bíblia traz um conselho interessante: “[...] ponde tudo à prova. Retende o que é bom”69. Este trecho aplica-se às profecias, mas seu princípio aplica-se a tudo o que ouvimos ou vemos. Devemos avaliar tudo por nós mesmos à luz das Escrituras para saber discernir, com “nobreza”, assim como os bereianos (cf. Atos 17:10,11). Isto também vale para games e para a gamificação.

6.6 Ja se “gamifica”? Antes de respondermos esta pergunta, é preciso relembrar a definição de gamificação adotada neste trabalho: “Gamificacao é o uso de elementos de games e de conhecimentos de design de games para a resolução de problemas em contextos nãojogos”. Logo, um texto bíblico em si não pode ser gamificado, mas um objetivo específico como uma ação, uma tarefa ou uma mudança de comportamento é que podem ser o alvo da gamificação. Portanto, a seguir são fornecidos dois exemplos de gamificação: 1. Permitir que um grupo de pessoas leiam a Bíblia sistematicamente durante um mês, criando um sistema de pontuação para quem ler mais, além de adicionar prêmios para quem leu e entendeu bem o texto e o contexto do que leu; 2. Ensinar a uma classe a complexidade histórica do período da conquista da Terra prometida, através da simulação das batalhas entre os diferentes povos da região e suas fronteiras. Nos dois exemplos acima, nota-se o uso de elementos de games num contexto que anteriormente não era um jogo como uma mudança de hábito (atitude) ou o ensino. A seguir, serão abordados alguns estudos de caso que são prováveis evidências do uso da gamificação na educação cristã de forma consciente e inconsciente; e o histórico e evolução desta abordagem nesta área. O foco principal desta seção é o de avaliar se há indícios de uma gamificação plena até hoje na educação cristã, no contexto brasileiro, especialmente no DF.

68 BS, AR, Rm 14:14. 69 BS, AR, 1Ts 5:21.

80

“É preciso ter bem claro que uma atividade gamificada não é simplesmente uma atividade animada, lúdica ou de gincana.“ (FILHO et al, 2014). É muito comum ver “gincanas” nas igrejas evangélicas brasileiras como um recurso para animar e envolver crianças, adolescentes e jovens. Mas, será que a gincana já não seria um jogo? Uma gincana tem um objetivo principal, regras, conflito, sistema de recompensas, feedback, diversão pontos etc. De fato, a gincana é um jogo, porém a gamificação não se trata apenas de colocar os alunos para jogar, mas de usar elementos de games e de conhecimentos de design de games para a resolução de problemas em contextos nãojogos. Para que uma gincana específica, por exemplo, seja enquadrada como uma gamificação, seria necessário que ela estivesse resolvendo um problema educativo (um problema num contexto não-jogo ou fora do jogo) como o ensino sobre algum tema bíblico. Desta forma verifica-se que mais do que jogar, é preciso pensar na atividade de maneira planejada, nos objetivos e usar a “linguagem” dos games. A APEC (Aliança Pró-Evangelização das Crianças) tem trabalhado há anos com educação e evangelização de crianças, usando elementos lúdicos em suas abordagens de evangelismo e discipulado dos “pequeninos”. Ela produz alguns brinquedos e jogos diversos, porém verificou-se, em seu acervo, apenas a existência de jogos de memória. Tal atividade não é um sistema gamificado, mas representa apenas uma atividade lúdica. Em 2011, fiz um experimento de transformar a abordagem evangelística do livro sem palavras em um jogo, foi uma tentativa de resolver o problema (desafio) do evangelismo usando elementos dos games. O jogo passou a ter um objetivo principal, regras, conflito, itens especiais, pressão, tempo, pontuação, recompensas, causalidade, feedback etc... Porém faltou mais dinamicidade, usar mais elementos de games, encurtar o jogo, torná-lo “mais curto”, balancear os desafios... enfim, faltou o item “diversão” que é fundamental. Tal tentativa serviu como aprendizagem de que um jogo precisa ser divertido. Entretanto, será que é possível fazer desaparecer a tensão do evangelismo para que a diversão do jogo seja maior ou mais evidente? Este questionamento sobre a gamificação evangelística é bem específico e não pretendo abordar este assunto neste trabalho. Falarei sobre isto posteriormente, em “Trabalhos Futuros”, nas “Conclusões”. Desde sua fundação, em meados de 2011, o Templo Batista no Vale do Amanhecer (TBVA) implementou o chamado Clube Bíblico para ensinar ludicamente temas bíblicos aos seus membros. Tratava-se de um ensino dividido em duas partes: (1) tempo de ministração em formato de pregação; (2) momento de perguntas e respostas com prêmios. Tal atividade apresenta um objetivo principal, regras, conflito (todos disputam com todos e com o ministrante), sistema de recompensas, feedback, diversão pontos etc... Trata81

se de gamificação, ainda que o primeiro momento não pareça, ele é feito como forma de se possibilitar à pessoa entrar no jogo. Nesta gamificação, pode-se pensar em adicionar mais elementos para se enriquecer a experiência do usuário, adicionar um enredo, power-ups, itens especiais, criar-se níveis para tratar cada pessoa de maneira diferente e dar oportunidade aos que não participam de participarem etc. Nos próximos capítulos, outras opções de elementos de games, que poderiam ser adicionados neste caso, serão listadas. Em 2013 e 2014, também na TBVA foi aplicado o material Detetive Júnior para préadolescentes e adolescentes da Editora da Igreja Cristã Evangélica. O nome do material caracteriza um jogo, onde se motiva um dos alunos por vez a se tornar um “detetive” que deve descobrir a pergunta-chave, o “mistério”, da lição. Para se entrar na sala, é solicitada a “senha”, um versículo que deve ser decorado de uma semana para a outra. As pistas do mistério são textos bíblicos que precisam ser descobertos e lidos. O material instrui os professores a executarem diversas brincadeiras, jogos e dinamicas ao longo de cada “investigação” (aula). Trata-se de uma gamificação usando até mesmo um enredo e um personagem principal, o detetive. Entretanto, por se tratar de um “pacote fechado”, não se adequou 100% ao tempo disponível para a atividade, nem aos temas disponíveis. Mas não deixa de ser um material muito bom e que pode ainda evoluir ao se aplicar mais elementos de games nele. Há boas expectativas para a evolução deste material.

82

7

GAME START! “Game start” é a frase que anuncia o início de um game... Estivemos investigando a

aplicação da gamificação na educação focando mais na teoria. Aqui, neste capítulo, pretende-se abordar o “início” efetivo da pesquisa de campo exploratória, digamos, seu “game start”, abordando alguns estudos de caso de gamificação na educação cristã de autoria própria. A gamificação pressupõe a presença dos elementos de game, com uma estrutura narrativa com começo, meio e fim, para manter o jogador dentro do círculo mágico e motivado a aprender mais e mais. Portanto, conclui-se que uma gamificação parcial já tem sido aplicada por educadores cristãos, conforme citamos no capítulo anterior, sem terem plena consciência do termo. Porém, neste estudo, ao se analisar a base científica e metodológica do conceito, verificou-se uma melhor apropriação desta ferramenta. Como fruto desta maior consciência ao se aplicar a gamificação na educação cristã, observa-se que os resultados podem ser melhor estimados, direcionados e avaliados. Esta seção traz descrições e resultados de algumas aplicações de gamificação na educação cristã, focadas no ensino bíblico. Este objetivo foi buscado devido à necessidade de se buscar uma solução à desmotivação pelo estudo da Bíblia nas igrejas em geral. Não é por acaso que Gabriele Greggersen (2002, p. 207) afirmou que “[...] tanto as igrejas quanto as famílias estão fazendo pouco ou menos do que poderiam para incentivar a leitura em geral e particularmente a da Bíblia”. Em cada caso, serão sumariamente descritas as etapas executadas e os resultados.

7.1 EBD No Templo Batista no Vale do Amanhecer (TBVA), localizado na zona administrativa de Planaltina-DF, era utilizado um material para os juniores e adolescentes, chamado Mega Teen70, uma revista Bíblica que tinha temas relevantes para os adolescentes e bem selecionados. Mas havia algumas questões a serem resolvidas e necessidades: 1. Pequenas divergências teológicas no material didático; 70 OLIVEIRA, J.H. de (Ed.), 2008. Mega Teen, 2008. Revista Bíblica Nº 9. Ed. Cristã Evangélica, 4ª reimpressão. São José dos Campos, SP, 2012.

83

2. Igreja recente com dois anos no máximo de plantação, na época, Os adolescentes e juniores ainda precisavam de fundamentos sobre Deus e a obra de Jesus Cristo, no qual o material didático não cobria, pois tratava de temas mais “avançados” para crianças com mais fundamentos bíblicos; 3. Adolescentes e juniores ainda sem terem tomado uma decisão por Cristo. Havia a necessidade de foco no Plano da Salvação e uma abordagem evangelística; 4. Adolescentes e juniores que tinham tomado decisão, mas precisavam de discipulado. Necessidade de incentivo à leitura da Bíblia e à oração; 5. Necessidade de se mudar maus hábitos como chegar atrasado ou faltar à EBD. Por conta do cenário exposto acima, optou-se pela gamificação com conteúdo bíblico voltado para o evangelismo, mesclando-se métodos do Plano da Salvação como o uso de versículos-chave associados às cores e significados do Livro Sem Palavras. Foram feitas várias aplicações iterativas e melhorias ao longo do processo que mudaram as regras, a dinâmica e mecânica do jogo. Resumidamente, foram três grandes mudanças, em datas distintas, onde cada mudança gerou uma versão da gamificação:

(a) 23/02/2014; (b)

16/03/2014 e (c) 23/03/2014, respectivamente. As experiências foram compiladas e resumidas, abaixo. Segue uma descriçao da gamificaçao:

Ilustração 14: Fotos dos tabuleiros e peças nas versões (b), (b) e (a).



Desafio: (a),(b) e (c): fazer o maior número de pontos para vencer a disputa.



Objetivo(s): ◦ (a) e (b): apresentar o plano da salvação, provocando reflexões sobre a condição espiritual de cada participante; incentivar a leitura da Bíblia e a obediência às regras de convivência da EBD, motivando a participação, a atenção e assim a aprendizagem. ◦ (c): reforçar o ensinamento bíblico em busca dos princípios revelados no texto. 84



Regras: ◦ (a), (b) e (c): um feedback sobre cada ação era fornecido imediatamente a resposta do jogador ou da equipe. ◦ (a) e (b): jogo individual; 1 tabuleiro com um trajeto formado por casas de um ponto inicial ao final; cada peça representa um jogador; jogo em turnos, a cada vez o jogador usa o(s) dados(s) para saber quantas casa avançará; cada casa representada por uma cor e um símbolo pode indicar uma ação que o jogador deve fazer para ficar nesta casa (recitar um versículo associado à cor no livro sem palavras, explicar o significado da cor ou procurar e ler um versículo bíblico sobre o assunto); os assuntos das casas cobrem o conteúdo do Livro sem palavras. ◦ (b): cada casa também indica uma punição (i.e., voltar 2 casas) ou recompensa extra (i.e., avançar mais 2 casas); os assuntos das casas cobrem temas relacionados a Deus e ao Espírito Santo. ◦ (c): jogo em equipe (2 equipes); jogo em turnos; a partir de um texto bíblico apresentado a todos, cada equipe elaborará uma pergunta para desafiar a equipe adversária; cada resposta correta pode valer 1, 2 ou 3 pontos, dependendo da dificuldade; há perguntas são feitas pelos próprios professores sobre o conteúdo.



Recompensas: ◦ (a) e (b): quem chegar ao final recebe um prêmio especial (CD, DVD, doces...); há casas com bônus onde o jogador poderá avançar mais de uma casa ou jogar o dado novamente. ◦ (c): recompensas intangíveis (parabenização); ou algumas recompensas tangíveis como a equipe vencedora receber o lanche primeiro ou poder iniciar a próxima partida. Há pontuação extra ao se responder corretamente perguntas mais complexas.



Estado de vitória: ◦ (a) e (b): aquele que chegar primeiro ao ponto final no tabuleiro é o vencedor. ◦ (c): o tempo da EBD limita cada partida/lição, e a equipe vencedora é a que fez a maior pontuação.

85

7.2 Impacto! O evento evangelístico “Impacto!” entre universitários (UCB), foi o primeiro evento deste tipo a ocorrer no local, no dia 21/10/2015, criando uma oportunidade em que vários grupos cristãos puderam participar, trocar informações e buscar alcançar outros universitários (e o público da faculdade em geral), através de palestras, abordagens evangelísticas criativas, peças, música, dança etc. Neste cenário, a proposta de ter temas cristãos chamou-me a atenção, tanto pelo público quanto pelo tipo de abordagem que poderia ser experimentada no local. Diante do cenário proposto, haviam características e necessidades específicas como: •

Concentração de universitários das gerações Y e Z principalmente;



Contexto laico e academicista;



Oportunidade de aplicar a gamificação ao ensino Bíblico;



Necessidade de se incentivar as pessoas a lerem mais a Bíblia; criando a oportunidade de quebrar preconceitos sobre quem lê e estuda a Bíblia.



Oportunidade de alcançar pessoas com evangelismo criativo e despertar interesse em Cristo e na Palavra.

Dentro do evento, entre as 14:00 às 17:00, aplicou-se 3 partidas de um sistema gamificado, com o preenchimento de um questionário dividido em 3 partes: cabeçalho, “Etapa 1” e “Etapa 3”. O jogo foi dividido em três etapas: 1, 2 e 3, descritas posteriormente. Durante o planejamento da gamificação em questão, admitiu-se uma situação em que todos os envolvidos nela estejam inseridos no universo dos games e conseguiriam entender a sua linguagem, o que é, para Marcelo Fardo (2014, p. 23) é uma premissa para um aproveitamento satisfatório da gamificação. Porém, deve-se almejar uma maior inclusão dos participantes e planejar em outros perfis de pessoas que não sejam gamers.

86

Ilustração 15: Gamificação na UCB, sessão 3.

Abaixo, uma resumida descriçao da gamificaçao: •

Desafio: conseguir o maior número e tipos de doces possível.



Objetivo: ◦ Incentivar a leitura da Bíblia de maneira prática, sua interpretação e valorização, assim como quebrar alguns preconceitos. ◦ Apresentar a cada participante ao menos um ponto evangelístico sobre Jesus Cristo para reflexão.



Regras: ◦ Todos devem sentar no chão, em círculo, com os “recursos” (diversas traduções da Bíblia, Bíblias de estudo com comentários, dicionário bíblico, livro de exegese, entre outros livros com conteúdo relacionado à Bíblia) ao centro. ◦ O jogo começa com uma apresentação do sistema gamificação, informando aos participantes serem sujeitos dentro de um processo de pesquisa (de fato, era uma pesquisa também). Cada participante preenche os dados iniciais: nome ou apelido e horário. ◦ Cada jogador recebe 1 bala no início com uma cor vermelha ou azul. 87

◦ Jogo dividido em 3 etapas: ▪ Etapa 1: individual, no formato de um “tutorial”. Foram apresentadas as regras do jogo, algumas instruções iniciais gerais. Cada um preencheria a parte “Etapa 1” do formulário. O objetivo é o de familirializá-lo com a leitura da Bíblia, manuseá-la pela primeira vez (se for o caso), verificandose a capacidade de leitura e interpretação de textos do jogador. Pede-se que cada um leia 1Co 13, e contabilize o número de palavras desconhecidas, assim como aquelas que são conhecidas, mas que ele não soube identificar o significado dentro do contexto. Uma contabilização positiva dará direito a uma ou duas balas. ▪ Etapa 2: coletivo, jogo de perguntas e respostas em equipes (vermelha x azul – a partir da cor da bala recebida no início), em turnos, cada equipe responde uma pergunta por vez, depois cada time elabora uma pergunta para o outro responder, e por fim, aqueles que se manifestarem mais rápido, podem responder Há um tempo fixo para a criação das perguntas e para respondê-las também, inserindo pressão e adrenalina. •

A partir da 2ª aplicação da gamificação, esta sequência foi modificada, preferindo-se perguntar primeiro aos times para que eles verificassem o nível das perguntas e assim pudessem pensar em boas perguntas, usando os recursos disponíveis. Cada pergunta tinha uma ou mais cores que indicavam quais recursos poderiam ajudar a respondê-la. Por exemplo, a pergunta sobre “quantas línguas a Bíblia foi escrita originalmente” indicava a cor vermelha, que era a cor na capa dos livros que falavam sobre a Bíblia. Este era um tipo de feedback que foi explicado nesta etapa. As perguntas mais difíceis valem pirulitos.



As respostas erradas causam punições variadas: a equipe que errou deve ceder uma ou mais balas para a outra equipe; ou a equipe que formulou a pergunta recebe cada integrante, uma bala a mais.

▪ Etapa 3: coletivo, todos poderiam se ajudar, mas a distribuição do prêmio estava relacionada ainda segundo um critério oculto, mas conhecido pelo facilitador. Em geral, o prêmio foi para todos ao final, eliminando-se o senso de competição entre eles.

88



Caso alguma pergunta tenha sido respondido errada por ambas as equipes, esta pergunta volta ao jogo (“pergunta perdida e encontrada”) valendo mais pontos (um pirulito).



É feita uma pergunta especial de cunho evangelístico valendo um dindin! Para pressionar os participantes, eles são avisados que devem responder a pergunta ou perdem a chance.

◦ Alguns tipos de feedback foram fornecidos: ▪ O facilitador fornecia feedback direto imediatamente após a resposta de um jogador ou da equipe. ▪ Cores nas perguntas e nos recursos indicando o relacionamento entre eles. ◦ Cada participante é instruído a preencher o formulário (Etapa 3) antes de receber o dindin. •

Recompensas: ◦ Doces em geral: balas, pirulitos, dindin. O prêmio extra foi um bolo com cobertura de chocolate. ◦ Chance de responder a pergunta para ganhar mais doces.



Estado de vitória: ◦ Ao final das 3 etapas, é feita uma breve ministração sobre o tema, usando-se um versículo destacado do evangelho de João: Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome71.

◦ Ao final, cada jogador contabiliza seus pontos a partir regras básicas fornecidas no formulário. ▪ 1 bala = 1 ponto; 1 dindin = 3 pontos; 1 pirulito = 2 pontos; ▪ Cada participante pode ter feito mais pontos do que outro. ◦ Este jogo foi feito para que todos tenham o sentimento de vitória uma ou mais vezes. Ao final, a mudança da dinamica para uma interação coletiva visa incentivar o sentimento de coletividade e de satisfação na vitória.

71 BS, AR, João 20:30,31.

89

7.3 Lições aprendidas Queremos destacar algumas lições aprendidas destas gamificações, tanto aquilo que funcionou tanto em termos bíblicos quanto pragmáticos quanto o que não funcionou, em ambos os casos relatados. Quanto à EBD no TBVA, destacamos algumas dificuldades e como elas foram contornadas ou como espera-se contorná-las: •

A aplicação da gamificação pode trazer motivação, mas também euforia; ou ainda alguns alunos podem não manifestar a concentração necessária nem mesmo para participar de um jogo por alguma questão específica. Cada aluno pode ser um caso específico de TDAH 72 ou pode-se considerar tais comportamentos à batalha espiritual. Considere orar mais e jejuar. ◦ Nos casos (a) e (b) no TBVA, nenhum aluno do grupo foi detectado pela psicóloga com TDAH, e após períodos de oração e jejum, houve melhora no comportamento da turma em geral (cf. Esdras 8:23). Também foram modificadas algumas regras do jogo, incluindo punição (em pontos) para aqueles que não se comportavam. Houve uma aprendizagem das regras de conduta de maneira exemplar! Nunca mais se precisou ensinar isto na EBD.



A partir de uma análise prévia pude identificar alguns perfis entre os adolescentes como o perfil “predador” (que disputa de forma competitiva e agressiva) e posso traçar parametros bíblicos como resposta e tratamento de acordo, nos casos em que algum comportamento seja verdadeiramente “pecado” ou inadequado aos valores bíblicos do amor cristão.



Nas ações do jogo que precisa-se ler, escrever ou interpretar textos é importante observar quais alunos tem mais dificuldade, e buscar trabalhar isto fora da sala de aula, em momentos de reforço escolar, sempre motivando o aluno. ◦ Para a atenuação deste problema durante a aplicação da gamificação, sugere-se que se equilibre os times, intercalando os jogadores com mais habilidade com outros de menos habilidade. Naturalmente, espera-se que um jogador busque ajudar o outro, ensinando uns aos outros. ◦ Deve-se ajudar os participantes na leitura da Bíblia. O contexto exige que se ajude na aprendizagem, na leitura e na interpretação de textos.

72 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.

90



Quando a necessidade for de salvação, de conversão, deve-se buscar um maior foco na Palavra, mais oração.



Não se incentiva a orar, falando sobre oração apenas, mas, principalmente, orando. Fora da gamificação, promova vigílias e cultos com momentos de ministração, oração e adoração.



Deve-se falar todas as regras no início, deixando o jogo claro para todos os participantes. Apenas as surpresas do game e as regras constitutivas podem ficar ocultas, sob o conhecimento do facilitador da gamificação.

Quanto à gamificação no evento Impacto! na UCB, destacamos algumas dificuldades e como elas foram contornadas ou como espera-se contorná-las: •

Diante da batalha espiritual inerente à atividade de ensino bíblico e de cunho evangelístico, buscou-se orar, antes da execução da gamificação, tanto no período de dias anterior, quanto alguns minutos antes mesmo do momento.



Não se incentiva a ler a Bíblia, apenas falando sobre ela, mas lendo-a.



Planejar bem o formulário, pensando-se nos dados que se deseja analisar e coletar, podem alterar e até mesmo melhorar o fluxo do game. ◦ Faça um pré-teste antes de se prosseguir com a aplicação de fato, incluindo a execução de todos os procedimentos e o uso do formulário da pesquisa para se verificar se os resultados do experimento estão sendo coletados corretamente e quais mudanças prévias devem ser feitas.



O sistema gamificado ajuda a elaborar pesquisas e verificar o conhecimento dos alunos de maneira prática, objetiva e não-invasiva. Os jogadores preenchem o formulário sem notar que estão sendo avaliados, principalmente se há uma parte em que eles mesmos se auto-avaliam. A própria pontuação é contabilizada por cada um.



Houve resistência de alguns grupos de descrentes em participar da gamificação, recusando o convite a participarem, mesmo que o jogo tivesse prêmios. Talvez porque estava inserido num evento cristão com foco evangelístico. ◦ Infelizmente, não se verificou a religião dos participantes, mas estima-se que a maioria deles eram cristãos evangélicos (75%), enquanto que os demais (25%) eram católicos ou e outras religiões.



Muitos dados extras puderam ser coletados desta aplicação da gamificação. Abaixo, alguns dados úteis coletados: 91

◦ Ao menos, 31,25% das pessoas que participaram poderiam se beneficiar com a leitura da Bíblia em termos de vocabulário. Além disto, 28,13% delas também poderiam se beneficiar com a leitura da Bíblia, melhorando sua interpretação de textos em nível de alfabetização funcional. ◦ 93,75% de pessoas informaram que entenderam o tema do texto, de 1Co 13. Porém, buscou-se analisar aqueles entrevistados que não entenderam mais de três (3) palavras no texto, por não conhecerem as palavras ou por não discernirem seu significado no contexto do texto: •

Considerou-se, então que apenas 66,7% conseguiram descobrir o tema do texto com clareza, sendo que as respostas destes variaram.

Qual o tipo de Amor em 1Co 13?

66,7% 33,3%

Do Amor de Deus

Ilustração 16: Pesquisa sobre o tema de 1Co 13, após filtragem de respostas válidas.



Supõe-se que 37,50% dos participantes fizeram uso direto da perícope para identificar o tema do texto, pela cópia “ipsis litteris” do texto73.



A explicação sobre este resultado final, é porque o texto refere-se ao Amor Divino (ao próprio Deus, cf. 1Co 13:12), porém definindo também o Amor em sentido universal (1Co 13:13). Segundo o Léxico de Grego74,

avga,ph

= amor que é afeição ou benevolência;

especialmente (plural) uma celebração amorosa (de caridade) dos primeiros cristãos (tradução minha). 73 As respostas coincidiram com as perícopes das versões da BS AR, ARA e NVI principalmente. 74 Strong's Greek Dictionary of Bible Words, version 2.1. Dictionaries of Hebrew and Greek Words taken from Strong's Exhaustive Concordance by James Strong, S.T.D., LL.D. 1890. Disponível em , através do Software Eloquent para Mac OS X, versão 2.4.4/2295.

92

▪ Foi possível verificar a pontuação máxima (10), a geral (7,92) e quais tiveram mais dificuldades (41,7%) com média 6 pontos. •

Na sessão 2 da gamificação na UCB, participaram 4 pessoas, sendo 2 com mais de 50 anos. Entretanto o jogo foi projetado pensando-se na geração gamer, e elas tiveram dificuldades em entender regras, limitações e modos de interação, necessitando de mais tempo para responder às questões. Entretanto, uma delas demonstrou bastante conhecimento bíblico e sua participação contribuiu para o ensino e aprendizagem dos demais participantes. Fica a dica de se almejar uma maior inclusão dos participantes e executar o planejamento incluindo outros perfis de pessoas que não sejam gamers.



Foi perguntado a cada um, o que ele aprendeu ou melhorou com a atividade (percepção pessoal)? As respostas variaram: Senso de observação (66,7%); Interpretação de textos (41,7%); Como encontrar textos Bíblicos (8,3%); mais sobre Deus (25,0%); mais sobre Jesus (33,3%).

O que aprendeu ou melhorou com a atividade? (Percepção pessoal) mais sobre Jesus mais sobre Deus Como encontrar textos Bíblicos Interpretação de textos Senso de observação 0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ilustração 17: Auto-avaliação sobre a dinamica (gamificação)

De fato, com a gamificação, é possível conseguir a retenção da atenção por todo o período, chegando-se a fazer sessões de quase 1 hora de duração. As manifestações explícitas de aceitação da gamificação foram em torno de 53,13%. Não houve nenhuma manifestação de rejeição aos que participaram, exceto um comentário de que seria necessário mais tempo para algumas tarefas, mas com indicação positiva em geral. Alguns 93

comentários: “Top!”; “Achei muito interessante, dinamica. Parabéns!”; “Muito legal o jogo. Obrigado por participar”... Uma suspeita sobre a gamificação no Impacto! é que ela atraiu muitos por conta das recompensas. De fato, a última sessão conseguiu voluntários mais rapidamente, porém as respostas foram mais dispersas, e notou-se que não foram tão atenciosas quanto o primeiro grupo. Entretanto, ao mesmo tempo, estes últimos participantes notaram mais o seu crescimento e em que a gamificação pôde ajudá-los, expressando mais motivação a aceitação ao final do jogo. Desta forma, pode-se considerar que as recompensas e o próprio formato da gamificação atraíram as pessoas, porém espera-se que o resultado da aprendizagem tenha sido alcançado e isto aparenta ter sido alcançado. O foco de Jesus sempre foi o ensino, apesar do “pão” e das “curas” terem atraído as multidões. Jesus não perdeu o foco. Se a gamificação virar o principal, pare tudo e não faça. O foco da gamificação deve ser a aprendizagem e não o jogo em si ou as recompensas. Deve-se evitar a criação de “círculos hedônicos” e incentivar o pecado.

7.4 Considerações especiais Sem dúvidas, o ensino da Bíblia deve ser considerado no mais alto grau de estima por um cristão. Basta lembrarmos de como éramos sem o entendimento das Escrituras Sagradas e da realidade e grandeza da Verdade que se iluminou após nossos olhos serem abertos pelo Espírito Santo. Para Calvino: A Bíblia não nos é dada para satisfazer nossa curiosidade fútil, ou para servir nossas ambições. Ela é útil, disse São Paulo; como? Ela nos instrui uma doutrina clara, ela nos consola, exorta-nos e nos torna perfeitos em toda boa obra. Vamos usá-la, então, para este propósito. Se você se perguntar em que toda esta edificação, que estamos a receber, consiste; nestes termos em uma palavra, é uma questão de aprender a depositar nossa confiança em Deus e andar no temor do Senhor (tradução minha).

Segundo Bernard Rordorf75: O Espírito Santo, ou providência se você preferir, expressa a ação universal (ou operação) de Deus. Tudo que toma lugar na criação é inspirado pelo Espírito Santo. Qualquer coisa boa produzida – criações humanas na esfera ética, política, artística, mas também em toda sorte de negócios e profissões – relaciona-se, ou resulta-se da agência e inspiração do Espírito Santo (tradução minha). 75 RORDORF, Bernard & CHALAMET, Christophe: L’Esprit sanctificateur. 2013.

94

Para Calvino, a ação do Espírito Santo não se limitava à Igreja, e ele tinha esta noção ampla de atuação do Espírito. Mas, na Igreja, Ele atua diretamente nos corações e mentes dos crentes. O Espírito Santo é como uma união, uma conexão entre Deus e os homens (Ele desempenha este papel). Ele nos capacita a viver de acordo com Cristo, tornando-nos participantes da obra de Deus.

95

8

HORA DE GAMIFICAR! Neste capítulo, são apresentadas sumariamente algumas lições aprendidas e

sugestões de aplicação da gamificação no contexto da educação cristã.

8.1 Preparando-se! É possível que futuramente os educadores venham a ter em seus currículos acadêmicos a disciplina de educação baseada em jogos, incluindo a gamificação como método. Não apenas é possível, mas é bem provável. Então, cabe ao professor de educação cristã também ter a vontade e iniciativa de se adequar ao contexto que requeira este tipo de capacitação. De fato, é cada vez mais frequente que em muitos campos missionarios urbanos, seja imprescindível que o educador esteja alfabetizado digitalmente. Como educador, mas atuando como “designer de games”, é importante ouvir algumas recomendações feitas especialmente para estes profissionais, como o conselho de Schuytema (2011, p. 44): […] você precisa ler muito e ser capaz de ler de forma eficaz. Você deve desenvolver o seu cérebro em algum conhecimento específico profundo antes de pensar em mergulhar em seu primeiro documento de design. Também terá que saber como ler de modo rápido e eficaz, com o objetivo de expandir seu arsenal de conhecimento – isso, por sua vez, lhe dará material para ser ainda mais criativo em seus esforços cotidianos.

Dentre as indicações de leitura para um game designer, tem-se áreas diversas como história da indústria de games, redação, jornalismo, design de games, psicologia, marketing... Tal recomendação também é dada por Richard Garriot, criador do Ultima, numa entrevista76: “como desenvolvedores, devemos conhecer muito mais sobre ciência e filosofia, linguagem e história do que realmente acabará entrando no jogo. Grande parte do meu trabalho no jogo é exatamente isso: ter uma grande biblioteca de pesquisa".

8.2 Go, go, go!!!77 76 Entrevista à Revista Digital GameCulture (CYBER, 2009).

96

Em primeiro lugar, durante o planejamento e a aplicação da gamificação, deve-se lembrar que todo o processo (assim como seus resultados) devem ser deixados nas mãos do Espírito Santo. É óbvio que toda a gamificação deve ser temperada com “sal”, deixando evidente o amor de Deus atuante através da igreja, que “deve modelar, aqui e agora, a verdade e o propósito de Deus, mesmo que de forma imperfeita. A igreja demonstra uma nova ordem social, uma cultura alternativa em sua maneira de viver” (MUZIO, 2013, p. 185). Heather Maxwell Chandler (2012, p. 3) afirma que o processo de desenvolvimento de um games difere de um projeto para o outro, e “essa é uma das razões pelas quais a produção de jogos pode ser difícil de gerenciar”, mas, em geral, existe uma estrutura básica de projetos: pré-produção, produção, testes e pós-produção”. Da mesma forma, uma gamificação irá variar bastante em vários sentidos (gênero inspirado, elementos de games usados, enredo/roteiro, fluxo, personagens etc), mas pode-se subentender etapas gerais que são comuns à maioria dos projetos de gamificação na educação cristã. Abaixo, buscouse identificar e listar estas etapas e dicas gerais. 1) Defina os objetivos da gamificaçao. A partir de conselhos de Kevin Werback (2014), temos que o primeiro passo é definir as metas desejadas e delimitar os comportamentos esperados com a aplicação: liste e posicione os objetivos possíveis, selecionando e traçando os objetivos concretos; elimine algumas opções, lembrando-se que os elementos do jogo são meios para se alcançar objetivos e não podem ser o objetivo; justifique os objetivos, explicando o motivo deles serem um objetivo para a situação que você está “gamificando”. 2) Delineie os comportamentos esperados. Delineie os comportamentos esperados: coisas que você deseja que os jogadores (alunos) façam (ou obtenham como hábito). Seja específico, meça (com métricas de sucesso, com “estados de vitória”), análise de dados (volume de atividades é uma maneira de medir o engajamento, por exemplo). Nesta caso, Neste caso, Simões (apud FILHO et al, 2014) também recomenda: Adaptar as tarefas ao nível de habilidade dos alunos ou de grupos de alunos, por exemplo: subdividindo tarefas difíceis em várias menores ou permitindo diferentes caminhos para atingir o sucesso.

77 ïGo, go, go!” era a frase dita pelos soldados marines chamando sua tropa para a batalha no clássico game RTS Starcraft Broodwar (versão predileta deste autor, apesar de ter jogado a versão 2).

97

3) Identifique seu público. Segundo Vianna et al (2013, p. 31), quando o objetivo é definir uma estratégia de jogo envolvente é preciso pensar no público-alvo em termos de gênero, idade e geração, pois esses seriam os três fatores mais significativos. Devemos incluir também se são cristãos ou não, qual a religião deles, enfim... no caso da educação cristã e da comunicação da mensagem do evangelho, deve-se considerar a cosmovisão da comunidade. A mera consideração de tais aspectos já fornece subsídios suficientes para a criação e a ambientação de uma narrativa, uma vez que, com esses fatores, torna-se possível realizar o levantamento de importantes hipóteses, como tempo provável de dedicação, nível de interesse pelo tema ou suposto domínio da plataforma na qual o jogo será disponibilizado.

Ilustração 18: Tabela sobre preferências por gênero e idade (VIANNA et al, 2013, p. 31)

Constance Steinkuehler e Kurt Squire (2013) fazem uma sugestão sobre o pensamento científico (focado na cultura científica) para jogos com fins educacionais (para a aprendizagem) que pode ser aplicada à gamificação na educação cristã: Além de pensar no 98

jogador em si, busque pensar na comunidade. Pense não somente no design do game, mas em como é possível fazer com que a cultura cristã possa emergir. Pense na comunidade ao redor da sua gamificação. Jogadores podem trabalhar em modelos sofisticados como seu próprio estilo de gameplay. A criatividade é o limite? 4) Divida os loops de atividade Há dois tipos de ciclos numa gamificação: loops de engajamento (operam em micro níveis, nas ações do usuário. É quando o jogo oferece pequenos objetivos para o jogador, e logo depois outro, de forma a motivá-lo constantemente) e loops de progressao (operam em nível macro, sempre oferecendo desafios que fazem o jogador avançar no jogo). Neste caso, Simões (apud FILHO et al, 2014) recomenda criar uma forma de dar feedback rápido e eficiente, quebrando a ideia de se ter um retorno nos finais dos bimestres (como nas aulas escolares convencionais). Isso não só pode ser tarde demais para corrigir os erros, como também é, muitas vezes, bem desestimulante. 5) Lembre-se da diversao! Colocar a diversão e o prazer como parte integrada à atividade (mas tendo a consciência de que o interesse e o sentido da atividade para o aluno é que promovem a real motivação) para que seja algo mais motivacional para o aprendizado. Como sugestão Simões (Ibidem.) sugere: •

Pensar e projetar a atividade, ou seja, “jogar” no papel tudo aquilo que possa descrever a estratégia e depois procurar ideias de como usar os elementos do game nela. Dentre os elementos de um game, Vianna et al (2013, p. 93) lista algumas mecanicas que merecem destaque, por não terem sido mencionados ainda neste trabalho: ◦ Comentários, seguidores, avaliações (ratings); ◦ Compromisso dinamico: o jogador precisa voltar a tal hora para realizar tal ação (por exemplo, no jogo do Facebook “Fazendinha”, Farmville); ◦ Evitar punição (jogador precisa realizar a ação para não receber punição) ◦ “Produtividade” feliz78: participar de um jogo é uma atividade tão prazerosa que faz com que você se sinta mais feliz se dedicando ao jogo do estar ocioso;

78 Em jogos simples com conteúdo “despretencioso”, acredita-se que o melhor termo seria “ociosidade feliz”. No caso de jogos sérios, jogos educativos ou gamificação com fins educacionais, o tempo seria melhor gasto.

99

◦ Contagem regressiva; ◦ Desincentivos: perder pontos como punição para estimular mudança de comportamento; ◦ Resultados significativos (epic meaning): motivação advinda da percepção de que se está trabalhando para conseguir algo importante, significativo; ◦ Modificadores: itens que influenciam outras ações (por exemplo, poder multiplicar seus pontos na próxima ação); ◦ Progressão dinamica: barra de progresso; ◦ Programação de recompensas: ganha x quando fizer ação y em tempo z; ◦ Mecanica viral: elemento do jogo que requer várias pessoas jogando. (por exemplo, Farmville: você se torna mais popular se tiver mais gente jogando). Este item é interessante quando se deseja um engajamento de todo o grupo; ◦ Itens virtuais, moeda virtual. •

Trabalhar sempre com a possibilidade de experimentações. Como no game, em que o jogador aprende muita coisa na relação tentativa-erro, numa atividade gamificada é interessante que se tenha essa liberdade.

Abaixo algumas dicas de como melhorar a diversão de um jogo que podem ser úteis à qualquer gamificação Schuytema (2012, p. 204-212): O objetivo claro de qualquer game é superar um obstáculo. Chamamos isso 'ser desafiado', já que é necessária alguma habilidade ou sorte ou uma combinação das duas para superar o obstáculo. Um game é uma progressão de obstáculos, do início ao final, entrelaçados na tapeçaria de um contexto que permite que tudo faça sentido para o jogador.



Desafios crescentes e variados: “Ninguém deseja repetir infinitamente um desafio que já dominou por completo”.



Risco e recompensa: “[...] conquistar uma recompensa envolve um sentimento maior de realização” (do que simplesmente encontrar um troféu na rua, por exemplo).



Desafio adaptável: “Uma das abordagens mais interessantes à criação de uma experiência de jogo desafiadora para um jogador é criar um sistema que permite que o game se adapte à capacidade do jogador.”



Chefes de fases (bosses): ao final de cada gameplay, “é um oponente que se destaca da grande maioria dos oponentes dentro do game, em termos de escala, capacidade e comportamento” (209). Ele deve: 100

◦ se encaixar no contexto do mundo do game; ◦ encontro mais longo do que com um inimigo-padrão (clima, tensão, atmosfera); ◦ deve dominar a atenção do jogador; ◦ exige informações contínuas do jogador; ◦ dispara um golpe ofensivo substancial contra o jogador; ◦ deve haver oportunidade para o jogador reconquistar a vantagem durante o encontro; ◦ forma de comportamento complexa, mas baseada em padrões (reconhecível ao jogador); ◦ normalmente oferece diversos alvos ao jogador; ◦ a vitória deve proporcionar um momento de repouso para o jogador; ◦ o caminho para reencontrar o chefe não deve ser excessivamente longo; ◦ cuidado com a frustração do jogador (não pode ser muito difícil... faça testes). Recomenda-se a leitura do cp. 7 do livro “Design de Games: uma abordagem prática” de Paul Schuytema para aqueles que desejam se aprofundar nas técnicas de design de games para aplicar em projetos de gamificação. 6) Use as ferramentas apropriadas: Há muitos outros mecanismos e elementos de jogos além do sistema PBL que podem ser usados (dinamicas, mecanicas e componentes), analise e projete a diversão, mecanica do jogo, objetivos etc... Além disto é possível usar ou não a tecnologia. Um sistema gamificado pode ser implementado com ajuda de um simples tabuleiro ou através de uma aplicativo móvel. Em cada ocasião é possível escolher a ferramenta adequada aos seus objetivos e recursos disponíveis. 7) Teste e avalie o que fez! Não há atalhos para se fazer um boa gamificação! É preciso testar e corrigir, se você realmente pensa em produzir sistema gamificados de sucesso! Aplique sua gamificação como teste a um grupo de pessoas. É importante que o educador (designer de games) receber este feedback, porque podem existir mecanismos que não funcionem ou que deixaram de funcionar. Deve-se tomar cuidado com isto para se evitar resultados indesejados! A próxima sessão abordará as principais coisas a serem evitadas. E na última sessão deste capítulo, este assunto será reforçado. 101

8.3 O que evitar (e como fazer isto) Em primeiro lugar, é importante destacar que nunca, em nenhum momento, a aplicação do método de gamificação deve ser mais importante do que o conteúdo bíblico a ser ensinado. Rubens Muzio (2013, p. 169) alerta que o grande desafio dos líderes missionais é “fazer que o evangelho atue dentro da cultura sem que seja distorcido por ela. O desafio é encarnar o evangelho dentro de um contexto histórico e social específico, com tradições, regras e valores, sem perder a identidade e a essência”. O que deve-se buscar é a contextualização sem perder a essência do evangelho. Abaixo, algumas preocupações comuns sobre a gamificação citadas por Palmer, Lunceford e Patton (2012), adaptadas para o contexto do ensino cristão. São preocupações bem fundamentadas sobre a gamificação, seguidas de sugestões para resolvê-las: •

Focar apenas nos gamers: isto é, focar só nas pessoas acostumadas a jogar. Esta preocupação é uma questão de consciência e educação. Gamificação deve ser encarada como uma nova forma de emitir feedback, posicionar desafios e dirigir experiências para um maior engajamento e entregar resultados significativos. Apesar de todo esforço, Kevin Werback (2014, tradução minha) adverte que a “Gamificação não se aplica a toda situação e não é para todos”.



Associar recompensas extrínsecas para conquistas “artificiais”: alguns poderão se empenhar apenas para conseguir a recompensa. Focar nas recompensas pode funcionar apenas em curto prazo, mas deve estar em consistência com a estratégia inteira. Uma opção é propor desafios e recompensas mais significativas aos participantes e aos objetivos, e permitir q eles estejam livres para ser criativos.



Cheating79: Assim como os games, uma gamificação está sujeita ao cheating. Durante o processo de design (projeto), deve-se pensar como um jogador que deseja vencer à qualquer custo. Se for identificado algum abuso, crie um processo que permita identificar a situação e remediá-la. Num jogo, as regras implícitas são claras, aproveite para deixar clara as regras e a dinamica do jogo, caso contrário o cheating e a insatisfação crescerão.

79 “Cheating” é uma palavra comum entre os gamers para identificar um desvio dentro do jogo para alcançar o objetivo, sem quebrar as regras principais do jogo, mas de maneira próxima ao que se chama de “trapaça”.

102



“Camuflar” um processo falho: a gamificação não consertará um processo falho. Isto é especialmente importante se, numa EBD, o ensino é deficiente por conta do material ou da preparação do professor.



Usar apenas um dos elemento de jogos: a gamificação é um processo de design que inclui centenas de considerações, mecanicas e teorias. Focar em apenas um elemento significa empobrecer o processo e estragá-lo.



Criar sistemas de dependência ou fadiga: não se deve gamificar tudo para não desmotivar as pessoas, nem também criar sistemas de dependência. Aja com uma boa estratégia de inovação e de iteração desde o princípio, isto permitirá até mesmo que uma classe de EBD possa deixar de ser gamificada com o tempo sem desmotivar as pessoas que foram envolvidas inicialmente ao processo.



Evite uma “super ênfase” em status: segundo Werbach (2014), o Behaviorismo foca bastante nas recompensas. Estas recompensas significam “status”, e as pessoas procuram por isto, por causa da vaidade. “Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade”80 . Mas as pessoas gostam também de coisas que não estão diretamente ligadas à vaidade como motivos tangíveis ou sociais e altruístas.

Filho et al (2014) também adverte: Mas há de se ter muito cuidado para não usar a nova estratégia como “o principal aspecto da experiência de aprendizagem dos alunos” (Massarolo e Mesquita, 2013, p. 41) e recair praticamente no mesmo erro que já vivemos, destacando a estratégia ou o conteúdo no lugar da aprendizagem. Como advertência final, devo lembrar que cada caso é um caso. Como designer de games, Schuytema (2011, p. 10) ensina sabiamente: Uma lição da qual devemos nos lembrar é que, por mais fantástico que seja o games que você cria, ele não será divertido para todos – os jogadores chegam à experiência de game com sua própria bagagem, e você, no papel de designer, tem que aceitar isso.

Este ensinamento de Schuytema é análogo ao do ensino: numa sala de aula, nem todos aprendem. Ou ainda à proclamação do evangelho: “Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos”81. Há de se buscar o melhor, mas conviver em paz com os resultados, deixando o resultado final nas mãos de Deus, sempre.

80 BS, AR, Eclesiastes 1:2. 81 BS, AR, Mt 22:14.

103

8.4 Avaliando os resultados A avaliação dos resultados de um processo de gamificação na educação cristã deve ser o padrão para cada projeto. É uma reflexão necessária para a melhoria contínua para se conseguir trilhar o caminho proposto por Jesus e assim poder ser instrumento para o crescimento dos outros. Vianna et al (2013, p. 37) cita: “Adequar missões, monitorar a motivação dos jogadores e mensurar as métricas por eles geradas são, portanto, as três iniciativas indispensáveis à assertiva avaliação do grau de sucesso alcançado pela proposição”. No caso da educação cristã, as métricas devem estar ligadas estritamente aos padrões bíblicos, e ao resultado esperado por Deus, um resultado de aprendizagem e prática de sua Palavra.

104

CONCLUSÃO Nesta capítulo, são registradas as conclusões finais deste trabalho, considerando-se todos os levantamentos bibliográficos, análise dos estudos de caso e resultados das pesquisas. “Quando temos uma boa informação e avaliamos com sabedoria nossa situação, o risco de tomar decisões erradas será menor. Na maioria das vezes, a igreja está simplesmente desinformada” (MUZIO, 2010, p. iii, Conclusão). Acima de tudo, deve-se lembrar: “O verdadeiro sucesso não está nas dimensões de nossos projetos, mas na vinda do reino.” (Id., 2013, p. 137). “Glorificamos a Deus quando focalizamos nossos sonhos e projetos na sua vontade e o amamos com todo o coração, alma, forças e entendimento. Sem amor, nada que fizermos terá qualquer significado.” (Id., 2010, p. iii, Conclusão). O educador cristão que deseja usar a gamificação para valer, é desafiado a se capacitar tecnologicamente e também experimentar o mundo dos games. Ele precisará conhecer mais as pessoas para quem está levando a mensagem, assim como o seu contexto, aprender e ensinar. De fato, o educador que planeja usar os games como instrumento, também precisa aprender com eles. “Para se fazer uma boa gamificação a melhor forma é jogar muitos jogos e refletir sobre seus elementos para se expandir seu próprio 'kit de elementos de games'” (Werbach, 2014, tradução minha). A adaptação do indivíduo em relação à tecnologia é inevitável. Ocorre a mudança do meio pelo homem e vice-versa. É preciso acompanhar as mudanças desde que elas não mudem nossos valores e princípios bíblicos. O senso comum já nos diz há algum tempo, e a academia reflete isso através de inúmeros estudos e pesquisas, que após a introdução das tecnologias digitais para atender anseios humanos (mudança do meio pelo homem), as tecnologias modificaram o modo como o homem se relaciona com o conhecimento, consigo mesmo, com os outros e com o mundo (mudança do homem pelo meio). (FARDO, 2014, p. 76).

Neste ponto é preciso sondar o próprio coração a todo o momento. É uma questão das ciências sociais e comportamentais perguntar-se como somos simultaneamente condicionados socialmente, auto-enganados e responsáveis pelo nosso comportamento, 105

porém elas falham em não ver a necessidade de Deus, nem o considerarem e buscarem (cf. POWLISON, 2004). De fato, as novas tecnologias têm modificado a forma dos relacionamentos humanos, mas uma frase de Paulo Freire (apud NEVES, 2011) ainda continua sendo bem atual: “Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”. John Stott (2003) também defende que se escute o Espírito Santo em primeiro lugar, mas sem deixar de também escutar o mundo de forma a se contextualizar, e alcançar as pessoas, sem mudar a Palavra de Deus, mas apenas a forma que ela sai da boca para os corações.

Definições alternativas Como fruto desta pesquisa, notou-se que os termos ludificação, joguificação e gamificação são usados como sinônimos em diversas fontes82. Aparentemente, ao se observar a etimologia superficial destes termos, eles não parecem ser sinônimos, mas cada um conteria uma definição própria: •

Ludificação: processo para tornar uma atividade em uma prática lúdica, adicionando elementos de ludicidade; seria como uma aplicação “incompleta” da “gamificação”, e também um sinônimo de “pontificação”83 de acordo com a definição de Marcelo Fardo (2014, p. 65) a este último termo.



Joguificação: processo para tornar uma atividade em jogo (analógico ou digital), focando mais no jogo do que na atividade que o originou, mas ainda mantendo a referência à atividade como uma metáfora no jogo.

Quanto à gamificação, optaria-se em usar a definição identificada neste trabalho: •

Gamificação é o uso de elementos de games (i.e., jogos eletrônicos) e de conhecimentos de design de games para a resolução de problemas em contextos não-jogos.

Além disto, ao considerarmos a posição de Filho et al (2014) de que “uma atividade gamificada não é simplesmente uma atividade animada, lúdica ou de gincana“. Chegamos a uma proposta alternativa para se (re)definir e enquadrar estes termos, aproximando-os mais à sua etimologia, resumindo-se no seguinte diagrama:

82 (BARBALHO et al, 2013), (FARDO, 2014), (FILHO et al, 2014)... 83 Pontificação é a aplicação básica das mecânicas básicas dos games, ou seja, as recompensas extrínsecas, através de pontos e medalhas (emblemas), por exemplo (FARDO, 2014, p. 65).

106

Ilustração 19: Definições alternativas para uma melhor adequação dos termos e possibilidades

Propõe-se também o termo “laborificação” apenas para identificar o nível de execução de atividades sem nenhum elemento lúdico. Isto é: •

Laborificação: processo para tornar uma atividade em uma prática não-lúdica, eliminando-se seus elementos de ludicidade, focando mais na atividade de maneira pragmática.

Trabalhos Futuros Nesta seção, são apresentados os possíveis trabalhos futuros, que venham a contribuir e continuar a presente pesquisa, sinalizando quais assuntos faltaram ser abordados ou melhor investigados e argumentados. •

Como busca de contribuir para a pesquisa na área, pretende-se divulgar os resultados desta pesquisa, buscando-se a publicação de artigos científicos;



Pretende-se também dar continuidade e aprofundamento ao tema, no mestrado em missiologia do CEAM/AMIDE, especialmente nas questões relativas à gamificação na educação cristã em áreas como o discipulado e evangelismo, investigando-se sua aplicabilidade, eficiência e seu potencial transcultural. Um ponto a se destacar sobre esta aplicabilidade é que há uma tensão intrínseca do evangelismo sobre o evangelizado, pois é preciso comunicar que Jesus ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e crêem, sem esconder o custo de seguir a Cristo que é negar a si mesmo. Tal tensão gera um conflito com a necessidade de se criar, no jogo, um ambiente de diversão, descontraído para o jogador.



Há também a possibilidade de expansão e experimentação no uso de games para a educação, especialmente com valores cristãos.

Observações “sic” 107

Antes de finalizar este trabalho, creio que cabe aqui uma observação importante que refletem minhas impressões pessoais: durante a pesquisa, deparei-me com trabalhos acadêmicos aprovados em eventos reconhecidos, mas que não tinham o tal “rigor científico”, foram encontrados erros grosseiros de tradução até postulações teóricas falsas sem nenhuma base que as comprovasse. Nenhum “nome” ou exemplo serão citados. Fica a reflexão, para buscarmos a melhoria na produção acadêmica. Eu mesmo poderia cometer tais erros citados (se já não os cometi pessoalmente), mas cabe um rigor maior em prol da construção do conhecimento.

Reflexao para a Igreja Espera-se que este trabalho contribua verdadeiramente com a educação cristã, com sua evolução, qualidade e alcance nas igrejas. Espera-se que a essência da Palavra seja sempre o mais importante e não um método. No cenário atual, a constatação do Devocional Explorer (RODRIGUEZ, 2014, p. 330) do dia 5 de novembro é muito séria e preocupante, mas serve-nos para reflexão (para não sermos assim): Pelo fato da Igreja ter um olhar tão egoísta, olhar apenas para seus próprios problemas, necessidades, estruturas, quase se transforma em algo natural dizer que o “lote” dos novos cristãos não está interessado na obra do Senhor. Por isso surgiram modelos eclesiásticos para manter a Igreja em movimento; mas quando estes movimentos passam, a Igreja começa a estancar de novo. Seu motor está no novo que se levanta para fazer com que os cristãos estejam contentes e felizes em uma linda comunidade. […] Que diferença com a Igreja Primitiva!

108

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7GRAUS, 2009. Versículos de Jogos de azar - Bíblia. Bíblia Online. Disponível em . Acesso em: 26 fev. 2014. ALMEIDA, João Ferreira de (Comp.); Sociedade Bíblica Trinitária do Brasil (Org.). Bíblia de Evangelismo: contendo o velho e o novo testamento. São Caetano do Sul, SP: Fiel, 2008. ALVES, Lynn e NOVA, Cristina. 2003. Educaçao a distancia: uma nova concepçao de aprendizagem e interatividade. São Paulo, SP: Futura. ______, Lynn, 2005. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo-SP: Futura. ______, Lynn R.G.; BASTOS, A.de O., NEVES e I.B.C.N, 2007. Registros da produçao de um RPG para o ensino-aprendizagem de História. In Proceedings of SBGames 2007: Art & Design Track, Sociedade Brasileira de Computação, São Leopoldo, RS, Brasil. ______, Lynn R.G. et al, 2014. Dispositivos móveis e gamificaçao: interfaces lúdicas em novas praticas educativas. In Proceedings of X Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação. UNEB, Salvador, BA, Brasil. ______, Lynn R.G.; NEVES, I.B.C.N. e PAZ, T.S., 2014. PUC-SP (Ed.). Constituição do Currículo Multirreferencial na Cultura da Mobilidade. Programa de Pós-graduação Educação: Currículo (Revista e-Curriculum), São Paulo, n.12, v.02, p.1248-1269, maio/out. 2014. Disponível em . APA, 2007. APA Calls for Reduction of Violence in Interactive Media Used by Children and Adolescents. American Psychological Association, 17 ago. 2005. Disponível em . Acesso em: 30 out. 2015.

109

AVEDON, E.M. e SUTTON-SMITH, B., 1971. (Eds.): The Study of Games. New York: John Wiley & Sons, Inc., p.419-42684, 1971. BARBALHO, L. M. et al. 2013. Gaminception: ferramenta de ludificaçao no processo de design de jogos. In Proceedings of SBGames 2013: Art & Design Track, Sociedade Brasileira de Computação, São Paulo, SP, Brasil. BARTH, W.L.. Editora Abril (Ed.). O Homem Pós-Moderno, Religião e Ética. PUC/RS (Teocomunicaçao), Porto Alegre, v.37, n.155, p.89-108, mar. 2007. BARTLE, Richard, 1996. Hearts, Clubs, Diamonds, Spades: Players Who Suit Muds. MUSE Ltd, Colchester, Essex. Disponível em . Acesso em 16 dez. 2016. BASTOS, Abelmon de O. Mapeamento do Processo de Modelagem em Extreme Programming no Domínio de Jogos (games). Departamento de Ciência da Computação, UFBA, p. 76, 2005. Monografia de final de curso. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo, Cultura Cristã, 2009. BOYER, Orlando S.: Pequena enciclopédia bíblica. São Paulo, Vida, 2006. BURGOS, Pedro (Sp). Editora Abril (Ed.). Os jogos que estão mudando tudo. Games: presente / passado / futuro (Dôssie Superinteressante), São Paulo, Edição 341-A, p.8-11, dez. 2014. BUSSARELLO, R.I., ULBRICHT, V.R. e FADEL, L.M., 2014. A Gamificação e a Sistemática de Jogo: conceitos sobre a gamificação como recurso motivacional. In: FADEL, L.M. et al (Org.) Gamificaçao na educaçao. São Paulo: Pimenta Cultural, 2014. p. 11-37. CALVINO, João, 1559. Institutio christianae religionis. 1559. Publicado originalmente em 1559. Tradução para língua portuguesa: As Institutas ou Tratado da Religiao Crista. Edição clássica (latim). Ed. Cultura Cristã, Vol 2., 2003, p. 43. Disponível em . Acesso em 16 dez. 2016.

84 Acesso restrito à obra, somente ao capítulo “The Structural Elements of Games” (p.419-426) em formato digital.

110

CATHO, 2009. Conheça a Geraçao Z. Catho - Portal Carreira & Sucesso. Disponível em . Acesso em: 27 out. 2015. CHANDLER, H.M., 2012, Livro Manual de Produçao de Jogos Digitais. Ed. Bookman, 2012. ISBN: 9788540701830. CHEUNG, Vicent: Teologia Sistematica. CLUA, Esteban W.G. e BITTENCOURT, J.R.. 2005. Desenvolvimento de Jogos 3D: Concepçao, Design e Programaçao. In Proceedings of SBGames 2005, Sociedade Brasileira de Computação, Florianópolis, SC, Brasil. COSTA, Raquel L.P.de A.F., 2012. Ludificaçao: O Futuro do Trabalho Sera um Jogo? Reflexao sobre o trabalho no século XXI a partir de casos de plataformas de recrutamento e seleçao de jovens. Dissertação (mestrado) - Universidade Católica Portuguesa, Portugal, 27 set. 2012. Disponível em . CYBER, Kao, 2009. Design Insight: O Primeiro Ultima. Gamecultura: o game como forma de cultura. Disponível em . Acesso em: 06 jun. 2009. DAVIDSON, Drew, 2011. Microtalks: Fun and Frustration = Learning and Games. Palestra concedida no evento 8th Annual Games for Change Festival. New York, USA, 22 jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2011. FILHO, J.N. et al., 2014. A Gamificaçao de conteúdos escolares: uma experiência a partir da diversidade cultural brasileira. In Proceedings of X Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação. UNEB, Salvador, BA, Brasil. FARDO, Marcelo L. A Gamificaçao como Método: Estudo de Elementos dos Games Aplicados em Processos de Ensino e Aprendizagem. Dissertação (Mestrado) Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2013. FOLHA ONLINE. Ira lança jogo eletrônico que simula guerra contra EUA e Israel, São Paulo. Disponível em . Acesso em: 10 out. 2008. 111

FRANCO, Leno e Raquel, 2010. Missões Transculturais: uma perspectiva interativa. Dist. Cidade Musical, Curitiba, PR, 2010. GARDNER, James. Cultura ou Lixo? Rio de Janeiro, RJ. Civilização Brasileira, 1996. GOT QUESTIONS, 2002. O que diz a Bíblia a respeito do jogo? Jogar é pecado? Got Questions Ministries. Disponível em . Acesso em: 26 fev. 2014.

GREGGERSEN, Gabriele, 2002. Literatura e educação cristã: a importancia da educação para a igreja e o espaço da literatura, bíblia e imaginação dentro dessa grande área de conhecimento. In: MUZIO, Rubens R. (Org.) Revoluçao Silenciosa III. Brasília, DF: Palavra, 2008. p. 189-210. HIEBERT, Paul G.: O Evangelho e a Diversidade de Culturas: um guia de antropologia missionaria. 1999. Ed. Vida Nova. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: Versuch einer bestimmung des spielelements der kultur.1938. Publicado originalmente em 1944. Tradução para língua portuguesa: Homo Ludens: O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo, SP. Perspectiva, 2001. INNOVATION UNIT, 2013. Recriando a educaçao: Transformando sistemas educacionais. EUA, Seattle. CABRAL, Vera (Trad.). Fundação Telefônica, São Paulo, 2014. JOSELLI, Mark, 2014. A ética e os games: “morais, imorais ou amorais?”. Um estudo sobre a ética em games segundo Aristóteles, Santo Agostinho e Kant. Proceedings of SBGames 2014: Culture Track. 12 nov. 2014, Porto Alegre, RS. JÚNIOR, Angelo Gagliardi, 1997. Você acredita na Escola Dominical?, 1997, ABEC. KOSTER, Raph: A Theory of Fun for Game Design. USA, Paraglyph Press, 2004. KRUG, Steve. Nao me faça pensar! 2000. Ed. Alta Books. Rio de Janeiro.

112

KULLOCK, Eline, 2014. Gamificaçao: o negócio é entrar no jogo. Foco em Gerações, 21 jan. 2014. Disponível em . Acesso em: 30/10/2015.

LAUSANNE, Moviment, 1974. The Lausanne Covenant. 1974. Publicado originalmente em 1974. Tradução para língua portuguesa: Pacto de Lausanne. Monergismo, p. 4. Disponível em . Acesso em 16 dez. 2016. LEE, J. J. e HAMMER, J., 2011. Gamification in Education: What, How, Why Bother? Academic Exchange Quarterly, 15(2). LEITE, P.da S. e MENDONÇA, V.G.de, 2013. Diretrizes para Game Design de Jogos Educacionais. In Proceedings of SBGames 2013, Sociedade Brasileira de Computação: Art & Design Track, São Paulo, SP, Brasil. LEMOS, A., 2005. Cibercultura e Mobilidade. A Era da Conexao. In Proceedings of XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. LIDÓRIO, Ronaldo: Novas Fronteiras: Repensando a dinamica missionaria da Igreja. São Paulo, SP, APMT, 2001. LOPEZ, Steve, 2011. Disneyland workers answer to 'electronic whip’. Los Angeles Times, 19 out. 2011. Disponível em . Acesso em: 12 mar. 2014.

MARY POPPINS. Direção: Robert Stevenson. Produção: Bill Wash e Walt Disney. Intérpretes: Julie Andrews; Dick Van Dyke. Roteiro: P.L. Travers (based on); Bill Walsh e Don DaGradi (screenplay). Música: Irwin Kostal. Estados Unidos da América: Walt Disney, c1964. 1 DVD (139MIN), Color. Produzido Walt Disney Production. MCGONIGAL, Jane. Gaming can make a better world. Palestra concedida no TED2010. Long Beach, Califórnia, 2010. Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2012.

113

______, Jane, 2011. Reality Is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change The World. Nova Iorque: The Penguin Press, 2011. MCNAIR, S.E., A Bíblia explicada. Rio de Janeiro, CPAD, 1983. MENDONÇA, Heloísa. 2015. Conheça a Geraçao Z: nativos digitais que impõem desafios às empresas. Ediciones El País, S.L., São Paulo, 23 fev. 2015. Disponível em . Acesso em: 27 out. 2015. MENESES, G.P. 2013. Videogame é droga? Controvérsias em torno da dependência de jogos eletrônicos. In Proceedings of SBGames 2013, Sociedade Brasileira de Computação: Doctoral Consortium – Full Papers, São Paulo, SP, Brasil. MENEZES, J. R. de B., 2004. Um Framework para Criaçao de Jogos Computadorizados Multiplataforma. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. MOURA, C.de C.. Sociedade interativa. Revista Veja, São Paulo, SP. Ed. 25/07, jul. 2007. MULTIRIO, 2008. Suécia - Adolescente exagera no videogame e passa mal. MULTIRIO, 2008. Disponível em . Acesso em: 19 nov. 2008. MULLER, Rolland, 2012. O Mensageiro, A Mensagem e a Comunidade. SIEGAL, M.A. (Trad.). Ed. Pregue a Palavra, Brasil, Atibaia, SP, 2012. MUZIO, Rubens, 2013. O DNA da liderança crista. Arapongas, PR; Ed. Aleluia, 2013. ______, Rubens, 2010. O DNA da Igreja: comunidades cristas transformando a naçao. Curitiba-PR; Ed. Esperança, 2010. NEVES, Isa B.da C., 2011. Jogos digitais e potencialidades para o Ensino de História: Um estudo de caso sobre o history game Tríade – Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia: Faculdade De Educação, Salvador, BA, 2011.

114

ONLINE COLLEGES, 2013. How video games are changing Education. Disponível em . Acesso em: 11 nov. 2013. PALMER, D., LUNCEFORD, S. e PATTON, A.J, 2012. Deloitte Developmente LLC. The engamente economy: how gamification is reshaping businesses. Complimentary article reprint (Deloitte Review), UK, n.11, p.51-69, 2012. Disponível em . PATE, Larry D., 1987. Missiologia: a missao transcultural da igreja. BATISTA, J.B. (Trad.). Ed. Vida, Miami, FL, EUA, 1987. POWLISON, D., 2004. Ídolos do Coraçao & Feira das Vaidades, Brasília-DF, Ed. Refúgio, 2004. PRADO, Ana, 2015a. Entendendo o Aluno do Século 21: e como ensinar a essa nova geraçao. Geekie, 2015. Disponível em . ______, Ana, 2015b. Por que os educadores precisam ir além do data show - e como fazer isso. Geekie, fev. 2015. Disponível em . PRICE, J.M., 1980. A Pedagogia de Jesus: o mestre por excelência. WEY, W.W. (Trad.). 3ª Edição. JUERP, Rio de Janeiro, RJ, 1980. RIBEIRO, Ana P. Freire. Coloque Sal nessa Pipoca: O Papel da Igreja como Agente Transformador através da Cultura Pop. Centro de Estudos Avançados de Missões, AMIDE, p. 101, 2014. Monografia de final de curso. RODRIGUEZ, Maria de (Ed.), 2014. Explorer: uma conexao diaria com Deus... um link para as nações. BURT, J. e MOREIRA, P. (Trad.). Ed. Esperança, Curitiba, PR, 2014. ROSSI, Jones, 2012. ”O ambiente digital esta alterando nosso cérebro de forma inédita", diz neurologista britanica. Veja: Ciência, 30 set. 2012. Disponível em . Acesso em: 29 out. 2015.

SAWYER, Keith (Ed.), 2013. Cambridge Handbook of the Learning Sciences, Second Edition. New York, NY: Cambridge University Press.85 85 Livro com data de publicação desconhecida. Não tive acesso ao livro completo, mas somente a um capítulo dele em formato digital, “Videogames and Learning”, especialmente cedido pelos

115

SCHUYTEMA, P., 2011. Design de games: uma abordagem pratica. Ed. Cengage Learning, São Paulo, 2011. ISBN: 978-85-221-0615-8. SILVA, Miguel Adailton da (Org.): Preparando Missionarios para o Século XXI. São Paulo, SP, KAIRÓS, 1998. SQUIRE, C.S., 2011. Games for Grand Challenge. USA, Office of Science and Technology Policy, 23 nov. 2011. Disponível em . Acesso em: 2014.

STEINKUEHLER, C. e SQUIRE, K., 2013. Video Games and Learning. Madison Wiscosin & Game & Learning Society (Org.). Curso oferecido na plataforma Coursera. Wiscosin, USA. Disponível em . Acesso em: 24 nov. 2013. STOTT, John, 2003. Eu creio na pregaçao. Gordon Chown (Trad.), São Paulo: Ed. Vida, 2003. TAVARES, R., 2005. Fundamentos de game design para educadores. In: I Seminário Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação - construindo novas trilhas, no GT – Desenvolvimento de Games. UNEB, Salvador, BA, out. 2005. TENNEY, Merril C., Enciclopédia da Bíblia. Cultura Cristã, 2008. TIMES ONLINE, 2008a. 'Muslim Massacre' computer game condemned as tasteless by British Muslims. Disponível em . Acesso em: 10 dez. 2008. ______, 2008b. Violent Christian video game set to be Christmas bestseller. Disponível em . Acesso em: 10 dez. 2008. TIMOTHY PARTNERS, 2007. Video Games: do you know what your kids are playing? Maitland, Florida, USA, 2007. Timothy Partners, Ltd.. Disponível em . Acesso em: 10 dez. 2008. autores (Constance Steinkuehler e Kurt Squire) aos alunos do MOOC “Video Games and Learning” no www.coursera.org, na turma de 10/2013.

116

______, 2008. An Inside Look Into: Video Games. Maitland, Florida, USA, dez. 2008. Timothy Partners, Ltd.. VIANNA, Ysmar et al, 2013. Gamification, Inc: Como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de Janeiro, MJV Press, 2013. WERBACH, Kevin e HUNTER, Dan, 2012: For the Win: How Game Thinking Can Revolutionize Your Business (Unabridged). Audio-book. USA, Audible.com, 2012. ______, Kevin, 2014. Gamification. University of Pennsylvania (Org.). Curso oferecido na plataforma Coursera. Pennsylvania, USA. Disponível em . Acesso em: 15 abr. 2014. ZAVALA, R., 2006. UOL Aprendiz. Psiquiatria da USP identifica e trata de jogadores patológicos. Disponível em . Acesso em: 01 dez. 2007.

117

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.