Gasto público federal com medicamentos em uma macrorregião de saúde

July 11, 2017 | Autor: Thereza Coelho | Categoria: Saúde Publica, Medicamentos, Financiamento
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Artigo Original

Gasto público federal com medicamentos em uma macrorregião de saúde Federal public drug expenditure in a health macro region Andrei Souza Teles1, Thereza Christina Bahia Coelho2

Resumo Os medicamentos constituem um insumo de vital importância para o cuidado com a saúde, sendo dotados de uma grande capacidade resolutiva. A Política Nacional de Medicamentos (PNM) foi regulamentada com o propósito maior de ampliar o acesso da população aos medicamentos tidos como essenciais. Este trabalho teve como objetivo analisar o Gasto Público Federal com Medicamentos (GPFM) nos Municípios da Macrorregião Centro Leste de Saúde da Bahia, no período de 2002 a 2006. Tratou-se de um estudo do tipo longitudinal, descritivo e retrospectivo. Os resultados da pesquisa mostraram uma evolução não linear dos gastos. O GPMF total foi de R$ 17,802 milhões nominais, sendo que cerca de 80% desse valor foram direcionados ao programa de Assistência Farmacêutica Básica. O GPFM per capta subiu de R$ 0,99, em 2002, para R$ 2,4, em 2006, ano de maior volume de recursos, graças à ampliação dos programas de medicamentos. As diferenças de gastos entre os municípios refletiram o critério populacional e capacidade instalada, mas também mostram desigualdades devido a fatores não bem compreendidos. Tendo em vista que os recursos são limitados, racionalizar seu uso levando-se em conta as necessidades das populações, faz-se imprescindível, de modo que se estabeleça uma alocação eficiente e equitativa. Palavras-chave: custos de medicamentos; alocação de recursos; gastos em saúde. Abstract Drug is an input of vital importance to the health care with great problem-solving capacity. The National Drug Policy (PNM) was legalized with the higher purpose of increasing the population’s access to drugs considered essential. This study aimed to analyze the Drug Federal Public Expenditure (MFPE) of the Central East Health Macro Region of the Bahia State, between 2002 and 2006. This was a longitudinal study, descriptive and retrospective. The results showed a non-linear evolution of the expenditures. The Total MFPE was R$ 17.802 million, in nominal values, with around 80% of this amount directed to the program of Basic Pharmaceutical Assistance. The MFPE per capita increased from R$ 0.99, in 2002, to R$ 2.4, in 2006, the most resource volume’s year, thanks the drug’s program ampliation. The differences of expenditures among the municipalities expressed the population distribution criterion and the installed capacity, but also showed inequality caused by unknown factors. Given that resources are limited, to rationalize its use, taking into account the real needs of populations is essential to establish an efficient and equality allocation. Keywords: drug costs; resource allocation; health expenditures.

¹ ²

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Feira de Santana – Feira de Santana (BA), Brasil. Graduando em Enfermagem pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) – Feira de Santana (BA), Brasil. Doutora em Saúde Pública; Professora Titular do Departamento de Saúde (DSAU) da UEFS – Feira de Santana (BA), Brasil. Endereço para correspondência: Andrei Souza Teles – Conjunto Habitacional Feira Vila Caminho 20, nº 13 – Campo Limpo – CEP 44021-000 – Feira de Santana (BA), Brasil – E-mail: [email protected]. Fonte de financiamento: nenhuma. Conflito de interesses: nada a declarar.

264 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 264-70

Gasto publico federal com medicamentos

INTRODUÇÃO A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90)¹ determina como campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a execução de ações de assistência farmacêutica, esta concebida como um conjunto de atividades direcionadas à proteção e recuperação da saúde da população. Os produtos farmacêuticos se constituem, por excelência, em insumo estratégico de vital importância, dotado de uma grande capacidade resolutiva². Entretanto, o financiamento do consumo de medicamentos tem preocupado todo o mundo, dado que os gastos com fármacos têm aumentado mais rápido do que o produto interno bruto dos países³. No Canadá, por exemplo, o gasto com medicamentos representava, em 2006, 17% do Gasto Total em Saúde (GTS), tendo aumentado, de 2005, para 2006, em 6%4. O Brasil instituiu em 1998, através da Portaria GM nº  3916, sua Política Nacional de Medicamentos5,6 (PNM), cujas principais preocupações têm sido no sentido de: 1) garantir o acesso, principalmente, a medicamentos essenciais que satisfazem as necessidades prioritárias da população7; 2) racionalizar as ações da assistência farmacêutica; 3) auxiliar os prescritores na escolha da melhor terapêutica; 4) orientar e regular o abastecimento de medicamentos no país; 5) otimizar os recursos financeiros com o uso da economia de escala8. Para assegurar o alcance dos objetivos da PNM foi adotado a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename, com permanente revisão9. Embora nem todos os medicamentos da Rename sejam financiáveis, ela serve de parâmetro para que os gestores estaduais e municipais elaborem suas próprias listas e tem papel indutor sobre o mercado10. Ainda em 1999, a Portaria nº 176 estabeleceu critérios e requisitos para a qualificação dos municípios e estados ao incentivo à Assistência Farmacêutica Básica11. Para o estado da Bahia ficou definido o valor de R$ 12.709.744,00, tanto para teto federal, quanto para a soma mínima da contrapartida estadual e municipal, totalizando R$ 25.419.488,00, em recursos anuais. A Portaria GM/MS nº 204 de 200712 organizou e categorizou os recursos para a aquisição de medicamentos em três componentes: 1) Componente Básico da Assistência Farmacêutica – medicamentos e insumos no âmbito da atenção básica e programas como Asma e Rinite, Hipertensão e Diabetes, Saúde Mental, entre outros; 2) Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica – controle de endemias como Tuberculose e outros; antiretrovirais do programa DST/AIDS; sangue, hemoderivados e imunubiológicos; 3) Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Em dezembro de 2007, a portaria GM/MS nº 323713 aprovou as normas para execução e financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica; definiu o Elenco de Referência de medicamentos e insumos complementares; regulamentou

o Componente Básico do Bloco de Financiamento da Assistência Farmacêutica; fixou e definiu valores mínimos para o Elenco de Referência nos três níveis de gestão. Essas medidas impactaram no gasto federal com medicamentos. De acordo com Vieira14, o gasto do Ministério da Saúde (MS) com medicamentos, em 2007 foi 3,2 vezes maior que o de 2002, sendo que esse componente passou a ser responsável por 10,7% do total de gastos, em relação a 2002, quando representava 5,4%. É inegável que os elevados custos e a carência de medicamentos nas unidades básicas repercutem seriamente no campo da saúde pública. Fatores como o envelhecimento da população e prescrições inadequadas também contribuem para o aumento dos gastos públicos. Mas Rios15 chama à atenção para o fato que 51,0% da população brasileira possuem renda mensal de zero a quatro salários e, com isto, apresentam dificuldades no acesso e/ou manutenção do tratamento. A desigualdade social e econômica e suas repercussões na saúde das famílias pode ser melhor visualizada em uma pesquisa16 utilizando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002/2003 que mostra grandes diferenças de gasto mensal médio familiar (GMMF) entre regiões e extratos sociais brasileiros. Nesse estudo, o GMMF das famílias baianas situou-se em torno de R$ 34,00, quase 50,0% do total do gasto médio familiar com saúde que, para essas mesmas famílias, ficava em cerca de R$ 71,00. Para o mesmo período, os autores encontraram o maior GMMF localizado no Rio de Janeiro, aproximadamente R$ 49,00 (36,0%) de um total de R$ 136,00, gasto pelas famílias com saúde. Comparando-se a distribuição dos gastos por decil de renda, no primeiro decil, onde a renda média mensal era de R$ 239,40, o gasto com medicamentos girava em torno de R$ 13,40, representando 79,4% do gasto com saúde. Enquanto no último decil, onde as famílias tinham renda média de R$ 6.323,20, os R$ 80,30, do GMMF representaram apenas 26,7% do gasto com saúde, pois para esse extrato o peso maior é com planos de saúde. Daí a importância de se estudar o financiamento dentro de uma perspectiva comparada e voltada para as iniquidades sociais. Visando, então, reduzir os gastos das famílias com medicamentos de alto custo, a Portaria GM 2.981 de 2009 regulamentou e aprovou o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) em substituição ao Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional17. Mas, quais foram as repercussões destes programas nos espaços da gestão microrregional? É preciso se aproximar da realidade dos municípios onde vivem e adoecem as populações para saber quanto, onde e como são gastos os recursos públicos de saúde. Esta pesquisa, ao indagar sobre as diferenças na distribuição dos recursos para com medicamentos no espaço regional, obCad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 264-70 265

Andrei Souza Teles, Thereza Christina Bahia Coelho

jetivou descrever e analisar o Gasto Público Federal com Medicamentos (GPFM) nos municípios na Macrorregião Centro Leste da Bahia (MCL-BA), no período de 2002 a 2006.

MÉTODOS Este estudo foi do tipo longitudinal, descritivo e retrospectivo. Os dados foram de natureza quantitativa - valores financeiros relativos aos gastos públicos federais com medicamentos na MCL-BA, no período entre 2002 e 2006. Entendese aqui como gastos os recursos despendidos por determinado agente, no caso, o MS, com determinada finalidade: o financiamento de ações de saúde (aquisição de medicamentos). O que é gasto do MS se constitui em receita dos municípios que recebem as transferências fundo a fundo. Utilizou-se o referencial das Contas Nacionais de Saúde, proposto pela organização Mundial de Saúde (OMS), adaptado para a realidade do financiamento e dos sistemas de informação brasileiros e já utilizado em estudos empíricos sobre contas municipais18. O manual do Tesouro Nacional19 define Receitas Públicas como ingressos de recursos financeiros nos fundos do Estado e fornece as noções comuns adotadas pelo orçamento público, permitindo o diálogo entre sistemas (linkage), desde que se observe a comparabilidade dos conceitos e as limitações de cada base de dados. Esse estudo tem como premissa a ideia de que não é possível aos municípios exercer a função de meros coletores de informação a ser processada centralmente. É preciso mudar o foco da gestão que deve passar a se interessar mais pelos eventos dos microespaços e aprender a analisar os dados que gera, pois seu uso em nível menor de agregação pode ser de grande utilidade. A tendência para a centralização do governo brasileiro fere, muitas vezes, a autonomia e as necessidades municipais, principalmente quando se sujeita à racionalidade econômica que privilegia ações voltadas para aquisição de meios e não execução dos fins20. Por esses motivos, a informação segue sendo um nó ainda não inteiramente desatado do SUS, embora seja preciso reconhecer os avanços significativos alcançados na última década, fruto de sucessivos ajustes21. Com esse entendimento, tomou-se como objeto o financiamento federal de medicamentos na MCL-BA, composto de acordo com o Plano Diretor de Regionalização da Bahia (PDR)22 de 2007, por 73 municípios dispostos em quatro microrregiões: Feira de Santana, Itaberaba, Seabra e Serrinha, totalizando uma população de 2.036.978 habitantes, em 2006. Os dados foram coletados nas seguintes bases: sistema de informação mantido pelo Fundo Nacional de Saúde 266 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 264-70

(FNS), Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos (SIOPS) e Departamento de Informática do SUS (DATASUS)23. Observando-se as especificidades das bases, optou-se pela utilização dos dados do FNS, em função de apenas este sistema apresentar coletas de todos os municípios da região em estudo. Entretanto, certos cuidados foram adotados. O mais importante diz respeito ao uso do critério de valores correspondentes ao ano contábil, e não ao ano de competência. Embora o FNS seja a fonte utilizada para os cálculos comparativos, as informações do SIOPS foram utilizadas de forma complementar, ou para esclarecimentos de particularidades apresentadas por municípios. Os valores coletados foram tabulados em planilhas e transformados em frequências simples, médias e percentagens, que permitiram a análise e interpretação com base na elaboração de indicadores consagrados pelo uso na literatura da área, de fácil entendimento do seu significado: GPFM e GPFM per capita. Este último representa o GPMF da macro, micro ou município, dividido pelo número de habitantes, no ano estudado. Para que a comparação entre os anos pudesse se dar através de valores reais, os valores nominais foram deflacionados em algumas Tabelas em que se objetivava visualizar a evolução dos gastos. Nos casos em que o interesse estava na distribuição de recursos entre municípios e microrregiões, manteve-se o valor nominal das receitas.

RESULTADOS A Macrorregião Centro Leste da Bahia recebeu um volume de recursos federais destinados à Assistência farmacêutica, no período de 2002 a 2006, de aproximadamente, R$ 17,8 milhões de reais, em valores nominais. Corrigindose a inflação do período tem-se que o aumento do gasto do MS com medicamentos para a MCL-BA foi, em 2006, 2,8 vezes maior que em 2002. Esse aumento é compatível com o apresentado por Vieira14, para todo o Brasil, de 3,2%, entre 2002 e 2007, ainda que o autor utilize metodologia bastante distinta. Esse estudo utiliza as receitas descentralizadas de recursos do MS que entraram na conta dos municípios, de 01 de janeiro a 31 de dezembro, de cada ano, mais fáceis de calcular. O resultado foi que o gasto saiu de R$ 1.982.149,23, em 2002, para R$ 5.628.990,05, em valores reais (R$ 7.138.910,35, em valores nominais), em 2006. O Gasto Público Federal com Medicamentos (GPFM) nos municípios dessa macrorregião evoluiu consideravelmente, embora não de forma linear (Figura 1).

Gasto publico federal com medicamentos

R$ 5.628.990,05

6.000.000,00 5.000.000,00 4.000.000,00 3.000.000,00 2.000.000,00

R$ 2.948.845,20 R$ 2.559.124,35 R$ 1.982.149,23 R$ 1.846.711,02

1.000.000,00 0,00 2002

2003

2004

2005

2006

Fontes: Fundo Nacional de Saúde (FNS); Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos para a Saúde (SIOPS) e Fundação Getúlio Vargas (Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna).

Figura 1. Evolução do gasto público federal com medicamentos na Macrorregião Centro Leste, no período de 2002 a 2006

De 2002 para 2003 houve pequena queda dos valores reais (-6,83%), e a partir de 2004, o volume de recursos ganha impulso, com o aumento dos valores repassados pela Assistência Farmacêutica Básica (Tabela 1), chegando a obter, de 2005 para 2006, um aumento de 91,0%, graças à entrada das novas fontes dos que passam a representar 53,0% do total dos recursos. Em 2004, através do Decreto 5.090 foi criada a Farmácia Popular do Brasil (FPB)24, simultaneamente nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia, mas apenas em 2005 estes recursos se somam aos demais. Cabe ressaltar que o programa FPB só se encontrava implantado em poucos municípios da MCL-BA, segundo dados do SIOPS. Isso faz refletir sobre o que pode representar a inclusão de mais municípios, principalmente que menos recebem e que são, em geral, os que mais precisam de apoio financeiro. O GPFM anual é mostrado na Tabela 2, ao longo do período evidenciado, em relação com a população de toda a MCL-BA e com o gasto per capita. Este, enquanto média, pode ocultar desigualdades na distribuição, entretanto, é uma medida de grande valia, já que consegue controlar o fator população na análise dos diferenciais de gasto. O GPFM per capita foi originado da divisão do gasto total anual com medicamentos pela população de toda Macrorregião Centro Leste respectiva de cada ano. Nota-se que o GPFM per capita aumentou de R$ 0,99, em 2002, para R$ 1,45 em 2006, média que ainda pode ser considerada baixa. A Tabela 2 mostra ainda que a população da macro manteve-se praticamente constante nesse período.

Para que se tenha ideia dos diferenciais de gasto, Carias et al.25 encontrou um gasto média anual per capta do MS, apenas com os medicamentos de dispensação excepcional de R$ 4,01, em 2002, e R$ 7,55 em 2006. Se forem levadas em conta as diferenças entre municípios de grande porte e maior concentração tecnológica, a situação se agrava. Em São Paulo, a média per capita chegou a R$ 15,50, enquanto a média de toda a região Sudeste foi, em 2007, de R$ 11,00 per capita, e a média do Nordeste, R$ 4,40 per capita. Esse fenômeno na distribuição dos gastos com medicamentos, entretanto, não é só local. Estimativas de consumo per capita de medicamentos mostram variação de cerca de US$ 400,00/ano em países desenvolvidos a US$ 4,00/ano, em países em desenvolvimento26. As desigualdades existentes no plano macro das regiões planetárias se reproduzem internamente nos países, afetando em seu efeito dominó, as macrorrregiões nacionais, estaduais e as microrregiões de saúde. A Figura 2 expressa a composição do GPFM nessas quatro Microrregiões da MCL-BA no período. Nele, pode-se identificar a composição do GPFM nas quatro microrregiões que a compõem. A Microrregião de Feira de Santana foi, logicamente, a que apresentou a maior participação na composição do GPFM Total, da ordem de 48,0%, o equivalente a, no período do estudo, R$ 8,287 milhões, em valores nominais. Esta microrregião, por sua vez, é composta por 28 municípios, os quais apresentaram os mais expressivos valores: Feira de Santana, que por si só representou cerca de 47,0% do valor total, com R$ 3,867 milhões; seguido de Ipirá, com R$  622.863,11 (8,0%), e Santo Estêvão, com R$ 393.822,51 (5,0%). Os menores valores foram observados em Gavião, Ichu e Tanquinho, respectivamente com R$ 38.738,01, R$ 44.473,24 e R$ 62.319,99. Ao observarmos a distribuição dos aportes federais para medicamentos na microrregião de Feira identificamos uma situação interessante. Em 2002, a diferença de valores entre os municípios era relativamente pequena e não muito proporcional às populações. No ano seguinte, 2003, os repasses sofrem poucas alterações. Então, em 2004, a maioria dos municípios dessa micro (20) aumenta consideravelmente, entre 70,0% a quase 100%, seus aportes, enquanto 8 municípios, e dentre eles, Feira de Santana, permanecem recendo valores quase iguais, ou até menores, do que os dos anos anteriores. Esse fenômeno só foi observado nesta microrregião. É possível que o observado em 2004, se explique pela contabilização dos recursos de um ano, no outro, que em geral ocorre com valores recebidos nos meses de transição do ano, dezembro, janeiro e fevereiro. Ou pode dever-se a atrasos no repasse dos recursos, o que não foi possível, no âmbito deste estudo, investigar. De qualquer forma, em 2005, alguns muCad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 264-70 267

Andrei Souza Teles, Thereza Christina Bahia Coelho

Tabela 1. Tipos de receitas por ano de competência, no período de 2002 a 2006

Programa de Assistência Farmacêutica Básica (R$)

Medicamentos do Grupo de Asma e Rinite (R$)

Medicamentos do Grupo de Hipertensão e Diabetes (R$)

Farmácia Popular do Brasil (R$)

Total (R$)

Total deflacionado (R$)

2002

1.982.149,23

-

-

-

1.982.149,23

1.982.149,23

2003

1.988.353,76

-

-

-

1.988.353,76

1.846.711,02

2004

3.089.374,92

-

-

-

3.089.374,92

2.559.124,35

2005

3.503.283,42

-

-

100.000,00

3.603.283,42

2.948.845,20

2006

3.813.773,55

1.245.319,60

1.568.087,12

511.730,08

7.138.910,35

5.628.990,05

Total

14.376.934,88

1.245.319,60

1.568.087,12

611.730,08

17.802.071,68

14.965.819,85

Anos

Fontes: Fundo Nacional de Saúde (FNS); Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos para a Saúde (SIOPS) e Fundação Getúlio Vargas (Índice Geral de Preços -disponibilidade interna). Nota: Sinal convencional utilizado: (-) Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.

Tabela 2. Gasto Federal per capita com medicamentos na Macrorregião Centro Leste da Bahia, no período de 2002 a 2006

  Gasto total (R$)

2002 1.982.149,23

2003 1.846.711,02

2004 2.559.124,35

2005 2.948.845,20

2006 5.628.990,05

População (hab)

1.992.381

1.999.414

2.007.922

2.027.137

2.036.978

Gasto per capita (hab/ano)

0, 99486

0, 92363

1, 27451

1, 45468

2, 7634

Fontes: Departamento de Informática do SUS (DATASUS); Fundo Nacional de Saúde (FNS); Sistema de Informações e Orçamentos para a Saúde (SIOPS) e Fundação Getúlio Vargas (Índice Geral de Preços - disponibilidade interna).

nicípios recuperaram a proporção da distribuição dos anos iniciais (2002 e 2003), mas não completamente. Sendo que Feira, só em 2006 consegue recuperar os valores compatíveis com o seu porte. Esse descompasso distributivo pode ser melhor avaliado quando se acompanha a evolução dos valores per capita entre os municípios, ano a ano. Pegando-se, por exemplo, a evolução do GPM a cada ano, de um município pequeno, da mesma microrregião, Antônio Cardoso, que possuía em 2003 uma população de 11.684 hab, e em 2006, estava com 11.837, temos a sequência de valores per capta: R$ 0,99, R$ 0,99, R$ 1,91, R$ 1,98 e R$ 4,59. Já Feira de Santana, com população de 496.625, em 2003 e 536.013, em 2006, obteve a seguinte sequência de médias: R$ 0,99, R$ 0,98, R$ 0,97, R$ 1,36 e R$ 3,11. Outra situação identificada foi o aumento desproporcional de receita per capita decorrente da involução de alguns municípios que diminuíram sua população, ano a ano, como no caso de Capela do Alto Alegre, que caiu de 10.796, para 8.026 hab. Embora não se tenha investigado a razão pela qual esses municípios involuíram, nesse período, pode-se especular sobre as perdas significativas de parte das suas populações ativas para grandes centros, e as consequências da mudança da pirâmide populacional, com aumento proporcional de mulheres, crianças e idosos, nas redes de serviços de saúde. Ao tornar essa realidade mais visível, estudos voltados para o comportamento do financiamento em pequenos con268 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (3): 264-70

Microrregião Serrinha 32%

Microrregião Feira de Santana 48%

Microrregião Seabra 8% Microrregião Itaberaba 12% Fontes: Fundo Nacional de Saúde (FNS); Sistema de Informações Sobre Orçamentos Públicos para a Saúde (SIOPS).

Figura 2. Distribuição do gasto federal com medicamentos nas Microrregiões da Macrorregião Centro Leste da Bahia, de 2002 a 2006

glomerados podem contribuir para explicar problemas de acesso e de organização de serviços que são originários da falta de resolutividade das redes menores, e do inchamento das que possuem melhor oferta de medicamentos, mas que não conseguem atender a contento nem a sua própria demanda interna, quer porque os recursos são insuficientes, quer pelos diversos estratagemas que as populações circunvizinhas utilizam para remediar seus males.

Gasto publico federal com medicamentos

A segunda maior microrregião, a de Serrinha recebeu do FNS cerca de 32,0% (R$ 5,655 milhões) do gasto total, sendo que 3 dos seus 20 municípios, Monte Santo, Conceição do Coité e Serrinha, foram responsáveis por 33,0% desse valor, respectivamente, R$ 807.896,75, R$ 534.743,23 e R$  529.863,47. Os menores valores foram percebidos por São Domingos (R$ 74.976,34), Lamarão (R$ 86.811,06) e Retirolândia (R$ 100.479,77). Itaberaba, a terceira microrregião em porte populacional e de recursos, possuía 14 municípios e apresentou, de 2002 a 2006, um percentual de participação do GPFM Total, na macro, da ordem de 12,0%, o que equivale a R$ 2,315 milhões nominais. Os municípios que obtiveram os mais expressivos valores foram Itaberaba (R$ 622.275,61), Iaçu (R$ 271.641,14) e Ruy Barbosa (R$ 267.731,81), e os que revelaram os menores gastos foram Lajedinho (R$ 35.781,78), Ibiquera (R$ 38.467,57) e Nova Redenção (R$ 76.109,91). Por fim, a Microrregião Seabra apresentava o menor número de municípios (11) e a participação menos expressiva na composição dos recursos alocados para medicamentos, cerca de 9,0%, o equivalente a R$ 1,535 milhões. Seabra, Piatã e Iraquara foram os municípios que mais se destacaram com R$ 359.700,52, R$ 178.509,64 e R$ 174.179,57, e Palmeiras (R$ 70.243,03), Novo Horizonte (R$ 74.886,95) e Abaíra (R$ 85.281,87), apresentaram os menores valores. Esses resultados apontam para as discrepâncias no GPFM intermicrorregiões, bem como entre alguns municípios, como no caso de Monte Santo, cuja população obteve crescimento normal, e que saiu de um per capita de R$ 0,99, no ano de 2002, para R$ 8,45 (valores nominais), no ano de 2006, bem acima do segundo maior per capita municipal, o de Baixa Grande, no valor de R$ 4,75, e mais ainda da média dos municípios da macrorregião, que foi de R$ 3,56, para o mesmo ano de 2006. Já em 1985, Castiel e Rivera27 questionavam a racionalidade no processo de planejamento em saúde no Brasil, que se encontrava “divorciado” das necessidades de saúde ao sobrepor interesses políticos e econômicos aos argumentos técnicos.

Tratando da evolução do GPFM per capita das microrregiões, entretanto, a grosso modo, a variação entre as quatro micros é muito pouca. Nos anos de 2002 e 2003, as médias dos gastos per capita são muito próximas, em torno de R$ 1,00 por habitante. Em 2004, a menor microrregião, Seabra, possui o maior valor nominal per capita (R$ 1,87), enquanto a maior micro possui o menor valor (R$ 1,63). Em 2006, inverte-se essa relação, passando a microrregião de Feira de Santana a ter um GPFM per capita de R$ 3,62, enquanto Seabra aparece com R$ 3,48, o que demonstra a atuação de mecanismos compensatórios atuando no repasse dos recursos federais para medicamentos.

CONCLUSÃO O GPMF na Macrorregião Centro Leste revela características importantes sobre sua evolução. Cerca de 80,0% dos quase R$ 18 milhões, gastos ente 2002 e 2006, foi direcionada ao programa de Assistência Farmacêutica Básica, demonstrando sua relevância. Entretanto, em 2006 ampliou-se consideravelmente o número de programas e o volume de repasse de recursos federais, sendo a PNM a grande indutora desse evento. O GPFM parece guardar importante relação com a população dos municípios; entretanto, outros aspectos parecem estar implicados na distribuição dos recursos, de modo que, ao final, a distribuição termina se dando de forma desigual, penalizando certos municípios por razões ainda não inteiramente compreendidas. Se os pacientes de um município são referenciados para atendimento em outro, o acesso aos medicamentos precisa também ser garantido. Isso implica em discutir mecanismos de financiamento fundamentados em fluxos assistenciais e não apenas com base na população adstrita a determinado território. Mostra-se imprescindível, portanto, discutir um modelo de financiamento e organização da assistência farmacêutica que se oriente pela lógica da regionalização da atenção à saúde, sem deixar de atentar para as repercussões em cada microrregião. Monitorar e avaliar a Política Nacional de Medicamentos é um dos passos para se atingir suas diretrizes.

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Andrei Souza Teles, Thereza Christina Bahia Coelho

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