Gênero, Cinema e Histórias em Quadrinhos

May 31, 2017 | Autor: L. Santos Brandão | Categoria: Educação, Ensino Médio, Gênero E Sexualidade, Mídia; Mulheres; Gênero, Estágio Supervisionado
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Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas – Departamento de História Disciplina: Prática de Ensino 1 – 1º/2016 Turma: A Professora: Edlene Oliveira Aluno: Luiz Henrique Santos Brandão

Matrícula: 11/0016301

Relatório de Oficina Pedagógica. Tema: “Gênero, Cinema e Histórias em Quadrinhos”.

Esse trabalho foi realizado no dia 03/06/2016 com alunos de idade entre 14 e 16 anos da turma B de 1º ano do Ensino Médio, estudantes do Centro de Ensino Médio nº 01 (Centrão) de São Sebastião (DF) como parte das atividades exigidas para o cumprimento dos créditos da disciplina de Prática de Ensino 1. Constam neste relatório as atividades de 1. Reconhecimento da escola; 2. Escolha da turma; 3; Escolha do tema a ser trabalhado; 4. Aplicação do questionário; 5. Aplicação da oficina; 7. Feed-back dos alunos e 8. Considerações finais a cerca do período de estágio como um todo. 1. Reconhecimento da escola: Muito bem recebido tanto pela diretoria da escola como pela professora e pelos alunos, nos primeiros dias assisti às aulas de séries e turmas variadas a fim de me familiarizar com o ambiente escolar, a rotina dos alunos e identificar quais seriam as possibilidades de trabalho que poderiam ser exploradas de maneira mais produtiva. A professora Lídia foi extremamente receptiva, deixando sempre claro que eu dispunha do tempo que achasse necessário. Em conversas informais nos intervalos entre as aulas compartilhava sua experiência como professora, suas opiniões sobre a situação da escola e do sistema educacional. Essas conversas eram marcadas, geralmente, por certo ar de frustração em relação ao espaço insuficiente das salas, a falta de preparo do pessoal para lidar com alunos portadores de necessidades especiais e mesmo a resistência dos pais

desses alunos em incluí-los em programas especializados. Ao tomar conhecimento do tema que pretendia trabalhar (relações de gênero), ela recomendou repetidamente que eu assistisse às aulas da professora de sociologia (que, segundo ela, “trabalha mais com essas coisas”), além de passar a inserir comentários mais ou menos aleatórios sobre o assunto durante as aulas. Logo nas primeiras conversas que tive com os alunos, ficou claro que eles detestavam a disciplina, o que se devia principalmente, como pude perceber, à abordagem conteudista e postura disciplinadora adotados pela professora. Comentários como “você tem que assistir todas as aulas dela? Coitado!” ou “Essa professora é chata de mais, Ave Maria!” eram os mais frequentes. Todas as turmas tinham pouco mais de cinquenta alunos, o que naturalmente produzia um ambiente apertado e barulhento além de uma preocupação constante da professora em “controlar a sala”. As reações contra a autoridade que a professora procurava impor puderam ser observadas em mais de uma ocasião com piadinhas, ironia e até confronto direto. 2. Escolha da turma: Por um período de um pouco mais de duas semanas assisti as aulas das turmas A e B do 1º e do 3º ano, terças e sextas-feiras, pois eram os dias nos quais tive disponibilidade. Numa terça-feira, por conta de uma eventualidade infeliz, a professora teve que se ausentar repentinamente da sala logo no início da última aula, na turma de 1º ano A e ninguém foi informado se ela voltaria ou não. Assim, permanecemos todos na sala, os alunos e eu. Essa foi uma oportunidade que até então não tinha tido – já que meu convívio com os alunos se limitava, em grande medida, à sala de aula – para travar um contato mais próximo com eles. Os próprios alunos tiveram a iniciativa de se aproximar. Queriam saber que filmes eu assistia, de que musicas eu gostava, como era a UnB, se eu queria mesmo ser professor, se eu também detestava a professora... tentei ser o mais aberto possível e essa experiência produziu uma proximidade muito maior com eles do que com qualquer outra turma. Quando chegava na escola alguém sempre vinha conversar comigo, passaram a guardar o meu lugar no fundo da sala, sempre chegava alguém conversar comigo nos intervalos. Assim, tomei a decisão de acompanhá-los mais de perto, assistindo exclusivamente às aulas deles, e explorar essa proximidade que havia conseguido para encontrar um tema que

fosse interessante e produtivo para ser trabalhado com eles. 3. Escolha do tema: A recomendação para a atuação na escola era de trabalharmos dentro do escopo “raça, gênero e diversidade”. Achei que fosse melhor observar a escola primeiro, identificar situações de tensão e conflito que tivessem relacionadas a algum desses assuntos, para então poder elaborar uma intervenção que tivesse mais efetividade sobre aspectos da realidade concreta dos alunos. O ponto chave para a escolha do meu tema foi uma situação criada pela escolha de um menino para fazer o papel da princesa numa peça teatral que estava sendo organizada pelos alunos. O aluno em questão estava indignado. Os colegas todos não paravam de fazer piadinhas, e quando confrontados “mas, qual é o problema?” eles adotavam uma espécie de postura conciliatória – “Ah, não tem problema nenhum. Eu mesmo já fui pra escola vestido de mulher no ano passado”, “Eu também já.”, ao que uma vez um dos alunos respondeu “Ah, mas isso é porque vocês são gay. Ele não. Por isso que ele tá puto”, num tom de provocação e deboche. Além disso, comentários como “Esse daí vai virar mocinha na cadeia” numa aula em que se comentou sobre estupro me apontaram a necessidade de trabalhar as representações sociais em torno do gênero. No dia desse primeiro contato mais próximo e também nos dias que se seguiram, notei que o assunto mais recorrente nas conversas que tinha com os alunos, talvez pela estreia do filme Batman versus Superman, era o universo das histórias em quadrinhos e a produção cinematográfica relativa a ele. Como percebi que esse era um assunto conhecido pela grande maioria dos alunos, achei poderia usá-lo para abordar a temática das representações sociais de gênero. Para me aproximar do tema e as questões relativas a ele, me utilizei largamente dos textos “Como a Falta de Mulheres em Hollywood Contribui para a Desigualdade de Gênero na Vida Real”, “6 Estereótipos Femininos que Hollywood Precisa Parar de Usar” e “Mulher-Troféu: A Mulher como Recompensa do Herói na Cultura Pop”, escritos por Lara Vascouto para o site Nó de Oito (endereço: http://nodeoito.com)

4. Aplicação do questionário: Para levantar informações acerca das opiniões dos alunos e produzir um material com o qual pudesse trabalhar na oficina, foi aplicado um questionário com 14 questões 'objetivas' e dissertativas com perguntas como “Você acha que homens são mostrados como superiores as mulheres nas histórias em quadrinhos?” e “Você acha que esses filmes exploram sexualmente o corpo da mulher?”. 41 questionários foram respondidos. Muitos alunos revelaram grandes dificuldades em ler e interpretar as perguntas relativamente simples. Um deles, sobre a pergunta “Qual a sua heroína preferida” respondeu que nunca tinha experimentado heroína. Ou em “Qual o seu herói preferido?” responderam “DEUS!!!” ou “Os policiais que nos protegem dos bandidos”. Perguntas como “Quais as semelhanças entre as mulheres retratadas nessas histórias e as mulheres da vida real?” tiveram como resposta, em larga maioria, coisas do tipo “São lindas e delicadas. Estão dispostas a tudo para salvar aqueles que amam.” De forma similar, nas perguntas sobre a representação masculina, os estereótipos se repetiram em larga escala. Não obstante, algumas respostas apresentavam críticas agudas e muito bem elaboradas a respeito da objetificação da mulher e das representações irrealistas de ambos os gêneros nessas produções e como isso refletia uma situação concreta e cotidiana. De um modo geral, os que responderam reproduzindo os estereótipos de gênero não viram nenhuma grande disparidade entre os personagens masculinos e femininos no que diz respeito a maior competência masculina ou a uma maior sexualização do corpo feminino. Já as respostas mais críticas quanto aos papéis de gênero representados, TODAS vinham acompanhadas de uma percepção mais aguçada e sensível a estas disparidades. 5. Aplicação da Oficina: Ao elaborar esta oficina, busquei travar algum diálogo com o conteúdo (história antiga). que estavam estudando normalmente com a professora Lídia. Foram-me concedidos dois horários consecutivos (90 min) para a aplicação da oficina. Tendo em vista o tempo disponível para tratar do assunto e o número grande de alunos, decidi fazer a oficina no modelo de uma “aula-debate”. Começando com uma introdução teórica e conceitual da problemática das relações de gênero, meu intuito foi apenas fomentar o debate e estimular a participação, principalmente das alunas, para que pudessem compartilhar e discutir situações concretas de opressão e violências sofridas

cotidianamente. O meu esforço foi para que a oficina não ficasse restrita a uma relação unidirecional de poder em que eu fosse lhes “explicar” o que era o machismo, a misoginia e suas violências. Começando com uma reflexão sobre tempo particular da história e a existência de permanências históricas, fiz um breve comentário sobre o surgimento e manutenção de estruturas de organização social e relações de dominação introduzindo a teoria defendida por Engels em A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de que a mulher teria sido a primeira propriedade privada do homem. Tendo finalmente chegado no meu foco principal, que eram as relações de gênero, busquei mostrar como a exploração referente a essas relações constituíam um exemplo de permanência histórica e constituem um fator estruturante da nossa sociedade até hoje. Aqui consegui fazer um diálogo relativamente produtivo com o conteúdo que já tinham visto até então. Minha ideia foi mostrar que existem outras formas de se abordar a história e que a mesma pode ser útil para compreender problemas cotidianos, concretos das nossas vidas. Terminada essa etapa mais dedicada a uma contextualização e introdução dos conceitos de gênero, patriarcado, machismo e misoginia assim como as violências ligadas aos comportamentos descritos por esses conceitos, fiz uma reflexão sobre a maneira como tais estruturas de opressão e objetificação se expressam nos vários âmbitos de nossa cultura e sociedade, já fazendo o link com o tema da representação das mulheres no cinema e nas histórias em quadrinhos – como as personagens femininas são retratadas, a exploração de poses sensuais e vestimentas sexualizantes, em contraste com o caráter operacional da construção dos personagens masculinos. Utilizei o exemplo da Arlequina, personagem da história do Batman que, a pesar de ser uma psiquiatra excepcional, tanto nos quadrinhos quanto no novo filme “Esquadrão Suicida” tem todas as suas qualidades resumidas ao seu apelo erótico (conseguia boas notas na universidade porque seduzia os professores, conseguiu emprego no Hospital Psiquiátrico porque era bonita etc) além de desempenhar um papel periférico/coadjuvante na construção personagem do Curinga. A grande maioria da sala se mostrou curiosa e participativa. O meu objetivo principal foi criar um ambiente em que os alunos e, principalmente, as alunas se sentissem a vontade para participar e compartilhar suas próprias experiências e opiniões sobre o assunto. Minhas únicas intervenções a partir daqui foram esporadicamente ilustrar as situações concretas compartilhadas por elas com paralelos possíveis com a temática que

escolhi abordar, ou seja: produção cinematográfica sobre histórias em quadrinhos. O debate começou naturalmente, com intervenções sucessivas vindas, na maioria das vezes por parte das alunas, logo quando comecei a conceituar gênero como uma construção de papéis a serem desempenhados socialmente. Grande parte das alunas revelaram uma consciência política bastante madura em relação ao assunto e as discussões foram de um nível excelente, de modo que nos dois últimos terços da aula eu cumpri uma função mais de mediador do que de expositor. Listo aqui algumas das colocações feitas por alunas e alunos: •

“Todos os dias, no caminho da escola, tem uns caras que mechem comigo. Um dia pedi pro meu pai me acompanhar, mas disse pra ele ficar atrás de mim, pra perceber o que acontecia. Passei, os caras mexeram comigo, daí fui pra junto do meu pai. Quando eles perceberam, foram pedir desculpas PRA ELE.”



“Eu comecei a fazer muay thai e minha mãe ficou indignada. Dizia que isso não era coisa de menina. Ela insistiu muito mas eu não queria desistir. Um dia ela me perguntou se eu não queria fazer inglês, que ela pagava e tudo, mas o único horário que eu tinha livre era o da aula muay thai, daí eu parei.”



“Mas e se você tivesse que contratar uma pessoa pra cuidar da sua filha, quem você contrataria: um cara ou uma mulher?”



“Ah, mas é tão bom. Quer dizer, não estupro né. Mas o sexo e talz.”



“Mas eu não acho que seja assim pra todo mundo.”



“Lá em casa só eu que tenho que fazer o serviço e meu irmão não faz nada. Só joga video-game.”



“Será que se fosse um homem falando agora vocês iam tá fazendo tanto barulho?” Considerando que a turma em questão é uma das que, normalmente, dão mais

trabalho para a professora em termos de conversas etc, fiquei surpreso com a forma como a maioria cooperou bastante para o andamento da aula. Quando surgiam as ondas de murmúrio, as próprias alunas pediam que colegas fizessem silêncio. Ao final, fiz algumas considerações acerca da maneira como esses temas estão presentes nos mais variados âmbitos das vidas individuais e em sociedade e sobre como muitas das colocações feitas pelas alunas ia de encontro com o que estava sendo discutido em círculos acadêmicos.

7. Feed-back: Retornei na semana seguinte para que a professora assinasse os documentos e tive um momento muito bonito com a turma. Várias alunas vieram me agradecer por trazer a discussão para a sala. Muitos alunos perguntaram se eu não iria voltar dar uma outra aula. Um deles, com quem a professora mais tem problemas, disse que havia passado a semana pensando no que foi dito por mim e pelas colegas. Penso que seja difícil auferir em que medida a aprovação deles em relação a oficina se deveu a qualidade da mesma ou a aversão que a grande maioria tem pela professora mas, de um modo geral, acho que os temas que propus discutir foram muito bem abordados não por mim, mas pelas alunas que foram as grandes responsáveis pelas reflexões mais interessantes que tiveram lugar nesse dia. 8. Considerações finais: A absoluta maioria das alunas e alunos com quem trabalhei não encontram as condições mais propícias de aprendizado – de fato, o que acontece tanto no ambiente escolar quanto em casa é bem o oposto –. Não obstante, principalmente no caso das alunas, a participação e a qualidade do debate foi muitas vezes maior do que a que muitas vezes observo, em ocasiões parecidas, partindo de colegas meus e de mim mesmo, na universidade. Penso que a postura inerte ou meramente reativa que observei nelas e neles durante o estágio pode se extinguir naturalmente apenas dando a estas alunas e alunos um espaço para se expressarem e refletirem sobre suas realidades concretas, buscando responder questões que lhes dizem respeito.

Referências Bibliográficas: ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Centauro. São Paulo, 2006. VASCOUTO, Lara. Como a Falta de Mulheres em Hollywood Contribui para a Desigualdade

de

Gênero

na

Vida

Real.

05

fev

2016.

Dísponível

em:

http://www.nodeoito.com/mulheres-em-hollywood/ (acessado em 24 junho 2016) _______________. 6 Estereótipos Femininos que Hollywood Precisa Parar de Usar” e http://www.nodeoito.com/6-estereotipos-femininos-que-hollywood-precisa-parar-de-usar/ (acessado em 24 junho 2016) _______________. “Mulher-Troféu: A Mulher como Recompensa do Herói na Cultura Pop”http://www.nodeoito.com/mulher-trofeu-do-heroi-na-cultura-pop/ (acessado em 24 junho 2016)

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