GÊNERO DIÁLOGO EM NARRATIVAS BÍBLICAS.docx

May 28, 2017 | Autor: Francikley Vito | Categoria: Bakhtin, LECTURA DE LA BIBLIA
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Formado em Teologia e Letras é Mestre em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP com estudos doutorais pela Universidade de São Paulo-USP. É participante do NUMEP, UPM/CNPq e do Grupo Diálogos, USP/CNPq.
Para saber mais sobre o grupo dos fariseus, sugerimos a leitura do Vocabulário teológico do evangelho de São João (MATEO; BARRETO, 1989, p. 146-156), bem como Introdução ao Novo Testamento I (KOESTER, 2005, p. 239-242).
Falando a respeito dos fariseus o texto diz: "Chegando, pois, à Galiléia, os galileus o receberam, vistas todas as coisas que fizera em Jerusalém, no dia da festa; porque também eles tinham ido à festa." O texto esclarece que para o grupo dos fariseus, bem como para as pessoas da região da Galileia, o que chama a atenção a respeito de Jesus não é o que ele diz, mas o que ele fez; os "sinais", no dizer de Nicodemos e "as coisas", nas palavras do narrador joanino.
Em João 3.3 e 7 o termo que aparece em grego anothen é traduzido na maioria das Bíblias como "nascer de novo" (ARC). Note-se, por exemplo, a tradução da Bíblia do Peregrino onde aparece "nascer de novo", bem como a Bíblia de Jerusalém que traz em sua tradução "nascer de novo". Como nos explica Eagleton (2009, p. 198), é difícil entender o porquê das versões cristãs preferirem a tradução como "nascer de novo" do que da tradução "nascer de cima", uma vez que esta parece ser a tradução que melhor se adéqua ao contexto. Dodd (2003, p. 397) parece concorda com este ideia, apesar de resaltar que "é provável que o evangelista estivesse bem cônscio da ambiguidade, e desejasse sugerir ambas as significações". (DODD, 2003, p. 397, nota 370).
O que se tinha aqui eram mais ou menos trinta e cinco quilos de uma mistura que era usada para perfumar e preparar um corpo, de acordo com o costume judaico, para seu sepultamento. O que mostra que Nicodemos tinha a preocupação de dar a Jesus um sepultamento digno de acordo com o costume do seu povo.
VITO, Francikley. Gênero Diálogo em Narrativas Bíblicas: Aproximações a partir da teoria bakhtiniana (In: MOSCA, Lineide do Lago Salvador. Discurso Religioso: Possibilidades retórico-argumentativas. São Paulo: Fonte Editora, 2016, p. 51-66)





VITO, Francikley. Gênero Diálogo em Narrativas Bíblicas: Aproximações a partir da teoria bakhtiniana (In: MOSCA, Lineide do Lago Salvador. Discurso Religioso: Possibilidades retórico-argumentativas. São Paulo: Fonte Editora, 2016, p. 51-66)
GÊNERO DIÁLOGO EM NARRATIVAS BÍBLICAS:
APROXIMAÇÃO A PARTIR DA TEORIA BAKHTINIANA

Francikley Vito

Os estudos sobre os gêneros ganharam novas perspectivas a partir dos trabalhos do filósofo da linguagem Mikhil Bakhtin (1895-1975). Em suas pesquisas, Bakhtin e o Círculo classificaram os gêneros em primários, aqueles que nascem e se desenvolvem nas relações do dia-a-dia, e secundários, aqueles que podem ser encontrados na criação estético-literária. O gênero diálogo, neste sentido, tem uma posição privilegiada na teoria do filósofo, pois se encontra em ambas as classificações, ele é tanto um gênero primário quanto secundário. Neste capítulo intenta-se trabalhar o diálogo e suas manifestações em textos literários, especificamente em textos literário de narrativas bíblicas; o que nos coloca diante do pressuposto de que os enunciados bíblicos podem ser considerados como criação estético-literário. O texto a seguir é um resumo de nossa dissertação de mestrado e terá como objetivos pensar na importância em tomar a Bíblia como obra literária, bem como revisitar as definições de gênero e de diálogo na teoria bakhtiniana e, em um segundo momento, observar como essa teoria pode servir de esteio para interpretação de narrativas bíblicas. Espera-se que este capítulo contribua para o uso das teorias de Mikhil Bakhtin e do Círculo nos estudos da Bíblia como literatura.

1. A Bíblia como obra estético-literária
Graças a uma abordagem interpretativa, uma aproximação para se chegar aos sentidos contidos no texto, que privilegiou apenas as suas características histórico-gramático-culturais, a leitura dos textos bíblicos se deu em grande medida pela preocupação em considerá-los apenas com um guia de fé e de prática; furtando a eles, assim, qualquer outra possibilidade de leitura que não fosse aquela de caráter religioso. Como consequência, temos na maioria das comunidades que leem a Bíblia com interesses de fortalecer a fé, uma abordagem unidirecional do texto bíblico; esta abordagem manteve-se até o surgimento dos estudos acadêmicos que olhavam para a Bíblia não mais como um sustentáculo para a fé, mas como literatura de alta qualidade estética e discursiva.
Para aqueles que trabalhavam com literatura, e principalmente para aqueles que começavam a ver a Bíblia como mais do que somente um livro para preservação e regramento da fé, isso se dá após as ideias iluministas e racionalistas, que influenciou os estudos exegéticos principalmente do século XIX até meados do século XX. Esta maneira de enxergar os relatos bíblicos tem como marco a divulgação do trabalho inovador do alemão Erich Auerbach (1892-1957), em seu livro Mimesis, publicado originalmente em 1946 e no Brasil em 1971. No primeiro e no segundo capítulo comparou-se e analisaram-se os relatos bíblicos em justaposição às narrativas homéricas. Abriu-se então para os exegetas uma nova possibilidade de aproximação daqueles textos que eram vistos como "livros religiosos". Daí se percebeu a necessidade de olhar com maior atenção as características literárias dos textos bíblicos que, por muitos séculos, foram considerados apenas como textos de cunho moral-religioso.
Mas foi só nos anos oitenta que a tomada da Bíblia como literatura ganharia força e notoriedade, graças, em grande medida, ao livro A arte da narrativa bíblica (2007 [1981]), do crítico Robert Alter. Nos dizeres do estudioso norte-americano (2007, p. 12):

As narrativas bíblicas me parecem plenamente comparáveis aos grandes clássicos da literatura, antigos e modernos. Elas refletem um senso insidioso de estrutura narrativa e de uso e sofisticados estilos de prosa. Elas nos dão vigorosas representações de caráter, frequentemente com grande profundidade psicológica [...] os personagens bíblicos desenvolvem-se no tempo, diferente dos personagens homéricos que são imutáveis, e isso os torna mais próximos dos personagens na grande tradição realística do romance.

Podemos, então, considerar que a Bíblia é uma obra literária, uma construção artística, que manifesta os pontos de vista de autores diferentes, em diferentes épocas da história; ela é, nas palavras de Alter (2007, p. 13), "uma antologia histórica de escritores hebreus". Na mesma esteira, o crítico literário Harold Bloom também argumente em favor das características literárias da Bíblia. Em entrevista concedida a uma revista brasileira, o crítico é perguntado se o enfoque literário da Bíblia é mais interessante do que o enfoque religioso, e responde:

Sem dúvida. O texto original do que hoje chamamos de Gênesis, Êxodo e Números é trabalho de um narrador magnífico, certamente um dos maiores contadores de história do mundo ocidental. Aliás, em O Livro de J, observo que o autor desses textos foi uma mulher que viveu 3.000 anos atrás, na corte do rei Salomão, um lugar de alta cultura, ceticismo e muita sofisticação psicológica. Pense em figuras como José, Jacó e Jeová. São todos personagens maravilhosos. E os efeitos poéticos do texto são extraordinários, comparáveis a Píndaro. Os profetas Isaías, Jeremias e Ezequiel também eram grandes escritores, assim como os autores do Evangelho de Marcos e do Livro de Jó. A Bíblia é uma vasta antologia da literatura de toda uma cultura.

Notemos que ao defender sua posição em relação ao texto Bíblico, de que ele é um magnífico compêndio literário ou "uma vasta antologia da literatura de toda uma cultura", Bloom faz sua leitura do texto a partir das terminologias advindas do campo da literatura. Ao falar sobre os escritores bíblicos, refere-se a eles como "narradores magníficos"; quando ao falar sobre figuras conhecidas da Bíblia como Jacó, José, Jeremias pensa neles como "personagens maravilhosos". Isso implica dizer que toda a abordagem feita por Bloom parte do princípio de que a Bíblia é uma obra literária artisticamente construída que retrata uma cultura.
Tal percepção impulsionou vários trabalhos em que o texto bíblico foi lido a partir da teoria literária. Para fazer essas leituras os estudiosos valiam-se dos chamados elementos narrativos, isto é, narrador, personagens, espaço, enredo, etc.
Quando se considerava, porém, a interação entre os personagens de narrativas, percebia-se uma espécie de incompletude dessas abordagens. Daí a necessidade de propor uma teoria que fosse adequada ou que, pelo menos, servisse como uma ajuda efetiva que contribuísse para a análise de diálogos em narrativas bíblicas. Encontramos na teoria do filósofo da linguagem Mikhil Bakhtin e seu "método sociológico" uma ferramenta teórica que, em nosso entendimento, adequava-se ao corpus com o qual trabalhávamos o Quarto Evangelho canônico, o evangelho de João.

2. O diálogo na teoria bakhtiniana
O teórico espanhol Ciriaco Morón Arroyo (1973), em artigo em que discute o diálogo em suas várias apresentações, argumenta que (1) o diálogo é um fenômeno essencial da convivência humana; (2) é o elemento de onde a língua adquire sua realidade e que, (3) nas humanidades, o diálogo é o último resultado a que podemos chegar. Em continuação à sua argumentação, Arroyo defende que, quando colocado em narrativas, o diálogo surge como uma imitação de uma realidade em que um homem conversa com outro para expor suas ideias, mas a imitação, diz o teórico, nunca será a realidade, pois no diálogo de narrativas o que está sendo mostrado são pontos de vistas.
Temos então a ideia de que o diálogo é o movimento em que o discurso de um se encontra-se com o discurso do outro por meio das palavras. É para este fato que nos chama atenção o espanhol Juan Antonio Gonzales Iglesias (2001), em seu trabalho doutoral que posteriormente foi publicado em livro. Segundo ele:

[...] O diálogo é um gênero em que a relação de cada texto com seu gênero se procede por modulação hipertextual, isto é, por uma construção histórica progressiva. O diálogo é uma classe genealógica em que se procede um engendramento hipertextual. [...] Na medida em que determinadas formas narrativas se perpetuam mediante a modulação histórica de um texto a partir de outros [...] O gênero vai se configurando historicamente mediante a relação de um texto novo (hipertexto) em relação a outro precedente (hipotexto). (IGLESIAS, 2001, p. 17, tradução nossa)

Assim, o autor entende que o diálogo é um gênero que nasce de um hipotexto, um primeiro texto, e que se desenvolve historicamente até alcançar uma forma modernizada em outro texto posterior, o hipertexto. Neste sentido, o autor entende que o diálogo pode ser tanto um gênero literário quanto um gênero discursivo e que para diferenciar um e outro se coloca como elemento importante a materialidade, isto é, quando o diálogo é apresentado como texto, ele será um gênero literário; quando usado como elementos de fala, ou quando sua composição houver recorrência de certas propriedades discursivas ele será um gênero discursivo. São chamados de propriedades discursivas os traços que caracterizam a fala e que são transpostas para o texto, como acontece, por exemplo, com o sermão ou a disputa quando esses são transpostos para a forma escrita. Daí a afirmativa de que "nas línguas modernas o termo [diálogo] voltou a experimentar uma ampliação de seu alcance semântico, englobando de novo o gênero do discurso" (IGLESIAS, 2001, p. 33, tradução nossa). Ao fazer tais observações, o autor admite que elas só são possíveis quando nos voltamos para a teoria de Bakhtin sobre gênero, diálogo, dialogismo e outras.
Em Bakhtin (2011), todos os diversos campos da atividade humana estão ligados pela linguagem, mesmo que se compreenda que as formas de uso desta linguagem sejam multiformes e que essa multiformidade apresente-se em forma de enunciados, entendidos como atos em que o sujeito enuncia ou exprime seus sentimentos, pensamentos, etc. em palavras. Esses enunciados têm com fim refletir as condições específicas de cada campo da atividade humana, tanto por seu conteúdo, quanto por seu estilo – "seleção dos recursos lexicais" – e, acima de tudo, pela construção de sua composição. Ainda segundo Bakhtin, todos estes elementos, isto é, conteúdo, estilo e construção composicional estão ligados no todo do enunciado e essa ligação é indissolúvel. Assim, "cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados" (BAKHTIN, 2011, p. 262, grifo do autor); a estes tipos estáveis de enunciados Bakhtin irá chamar de gêneros do discurso.

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. Cabe salientar em especial a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais ou escritos). (BAKHTIN, 2011, p. 262)

Para o filósofo da linguagem, o estudo do gênero em suas várias formas, bem como o estudo da natureza do enunciado é de enorme importância; e isso se dá porque toda investigação do material linguístico opera como enunciados concretos sejam eles orais ou escritos. Neste sentido, apesar de não ser uma diferença funcional, os gêneros são classificados em duas espécies diferentes: os gêneros primários e os gêneros secundários. Serão classificados como gêneros primários, também chamados de gêneros simples, aqueles que estão vinculados à comunicação do dia-a-dia e, portanto, em ligação imediata com a realidade em que os enunciados reais são proferidos. Os gêneros secundários, denominados também de complexos ou ideológicos, são aqueles que surgem de um convívio cultural mais complexo, organizado e relativamente mais desenvolvido; entram, portanto, nesta categoria as formas de produção artísticas, científicas e sociopolíticas, por exemplo.
Segundo Grillo (2006), esta tomada de posição de Bakhtin e do Círculo em relação aos elementos constitutivos da obra artística – entre eles o diálogo – eleva a ideia de que o significado de todo enunciado está mais em sua função construtiva e significativa do que em suas funções imitativas, pois a obra literária atende a um campo específico, o literário, e funciona como um primeiro nível da refratação da realidade (o segundo nível acontece no gênero do discurso).

A obra de arte é uma unidade fechada, na qual cada elemento recebe seu sentido, não em interação com algo exterior à obra (natureza, realidade, ideia), mas somente dentro da estrutura do todo, que possui sentido em si. Isto significa que cada elemento da obra artística tem primariamente um significado construtivo para a obra como construção fechada, auto-suficiente. (BAKHTIN 1991 apud GRILLO, 2006, p. 3)

Ainda segundo Bakhtin (1991 apud GRILLO, 2006), é próprio da literatura o controle de aspectos da realidade que são inacessíveis a outros tipos de ideologias – entendida neste contexto como gênero. É neste sentido que o diálogo ganha importância na obra do filósofo, pois ele é caracterizado como um gênero simples e que, quando reelaborado e retratado em uma obra literária, é configurado como um gênero ideológico; que ao mesmo tempo em que reflete a realidade a refrata, dando a ela novos significados. É assim que para Bakhtin:

Por sua precisão e simplicidade, o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva. Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui uma conclusividade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, em relação à qual se pode assumir uma posição responsiva. (BAKHTIN, 2011, p. 275)

E em outro lugar, diz o filósofo da linguagem:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra "diálogo" num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja.

É evidente que o diálogo constitui um caso particularmente evidente e ostensivo de contextos diversamente orientados. Pode-se, no entanto, dizer que toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou de um desacordo com alguma coisa. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, 111- 112, 127, grifo nosso)

Temos, então, que para Bakhtin o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva por conta de sua precisão e simplicidade; precisão esta que é demonstrada no momento em que cada réplica em um diálogo revela a posição do falante que exigirá do seu interlocutor uma resposta que, por sua vez, desvelará a posição ideológica deste interlocutor em relação a determinado fato. Mas o diálogo é entendido em dois sentidos: como a comunicação em voz alta entre dois indivíduos, que será denominado de o sentido restrito de diálogo; e em um sentido amplo, isto é, todo comunicação verbal que dialogue com outros tipos de manifestações.
Ainda para Bakhtin (2011), o diálogo constitui um caso evidente e ostensivo de contexto diversamente orientado, uma vez que todo enunciado, produto último da fala, contém sempre a indicação de um acordo ou desacordo por parte de seus enunciadores em relação a alguma coisa; isso se dá por conta do conteúdo ideológico que toda enunciação carrega consigo. Daí resulta que todo diálogo constitui-se uma "arena" em que ideias contrárias são postas em ambiente de luta na construção de sentidos resultantes do conflito entre posições discordantes. Ou como diz o próprio Bakhtin:

[...] Os contextos possíveis de uma única e mesma palavra são frequentemente opostos. As réplicas de um diálogo são um exemplo clássico disso. Ali, uma única e mesma palavra pode figurar em dois contextos mutuamente conflitantes. [...] Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, 110-111, grifo nosso)

Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como um produto da interação viva das forças sociais. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006, p. 67)

Assim temos que: quando da sua expressão a palavra se constitui em uma arena em que os significados são construídos em uma relação de conflito entre dois falantes em uma situação histórica viva, a enunciação, em que as posições ideológicas são trazidas à tona pelo ato de fala responsável que dá a palavra dita sentidos. E estes sentidos são construídos dependendo dos contextos em que elas são enunciadas. Portanto, como nos indica Marchezan (2012) o diálogo na teoria bakhtiniana é sempre visto como uma reação ao outro, um ponto de tensão entre eu e o outro, entre círculos de valores o entre forças sociais. Observemos como isso acontece em uma cena específica do Quarto Evangelho, o encontro entre Jesus e Nicodemos (João 3.1-12).

3. Jesus e Nicodemos, um diálogo na noite
Tomando como ponto de partida o fato de que o narrador do Quarto Evangelhos usou de vários artifícios literários na composição de sua narrativa, e de que, a exemplo dos narradores do Antigo Testamento, empregou muitos elementos retóricos na composição do seu texto, duas coisas podem ser percebidas: (1) que entre aqueles que compuseram as narrativas a respeito de Jesus, o Cristo, "havia bastante espaço para o exercício de referência pessoal e talento individual" (KERMODE, 1997, p. 407) e se somarmos a isto o fato de que, segundo Eco (2012, p.122), um objeto só pode ser considerado uma obra de arte quando "conseguimos imaginar por trás dele a estratégia de um autor", podemos dizer que (2) o Quarto Evangelho pode ser classificado, assim, acertadamente como uma obra de arte de cunho literário aos moldes – mas não como cópia – das biografias do mundo helênico.
Para fazer nossas análises das narrativas acima mencionadas, faremos uso das teorias que estudam a Bíblia como literatura, entenda-se Robert Alter (2007), bem como a do filósofo russo Mikhail Bakhtin (2006) em especial sua teoria de que todo diálogo é uma "arena" em que os sentidos são produzidos pelo confronto, como está exposto no livro Marxismo e filosofia da linguagem (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006). Analisaremos o diálogo entre Jesus e um homem chamado Nicodemos, um mestre religioso dentre o povo de Israel.
No primeiro bloco (João 2.23 - 3.1) o narrador situa o leitor no ambiente em que se dará o diálogo entre Jesus e um dos chefes, ou príncipe, dos fariseus, grupo político-religioso que eram conhecidos por sua autoridade e prestígio entre as pessoas do seu tempo. O primeiro bloco coloca o contexto em que o diálogo irá se desenrolar; aquilo que o crítico Robert Alter irá chamar de "sumário" (ALTER, 2007, p. 102), isto é, uma forma de narração usada pelos narradores bíblicos para ligar um acontecimento da narrativa a outro.
O segundo bloco (João 3.2-12) é o diálogo propriamente dito, ou o evento da narrativa. O sumário tem a função de preparar o leitor para o "evento" narrativo que virá logo depois dele, uma cena em que acontecerá algo especial na narrativa e que o narrador quer deixar a mostra. Ainda segundo Alter (2007, p.102), "um evento narrativo propriamente dito ocorre quando o ritmo da narração se desacelera o suficiente para que captemos uma cena singular". Não há recurso narrativo em que a desaceleração da narrativa é mais percebida do que no diálogo, pois no diálogo o tempo narrativo e o tempo narrada entram em sincronia (ECO, 2012, p. 55,56). É neste sentido que o diálogo narrado no segundo bloco se insere. Ele é o evento chave que dá sentido a toda a narrativa, tanto aquelas palavras que aparecem antes dele, quantos aquelas que aparecem depois dele. O diálogo apresentado a nós pelo narrador do Quarto Evangelho será analisado mais adiante neste trabalho.
O terceiro e último bloco (João 3.13-21) parece se encaixar mais em uma reflexão que o narrador do evangelho faz a respeito do amor de Deus e de como esse amor é manifesto através da doação do filho que é luz e que foi rejeitado pelos homens. A hipótese de o versículo 13 insere na narrativa uma reflexão teológica do narrador a respeito do Cristo parece ficar clara no momento em que ele deixa o artifício do diálogo e passa a utilizar uma espécie de sermão para confirmar aquilo que foi mostrado no diálogo, ou seja, que Jesus é a luz que brilhou nas trevas e que é capaz de iluminar a vida de todos os homens.
Ao comentar sobre este texto, Léon-Dufour (1996, p. 230-232) argumenta que o trecho pode ser considerado como uma reflexão do narrador. Uma marca textual que fortalece essa hipótese é que no início do sermão o narrador não se refere a Cristo como Jesus, um personagem que está em um diálogo com seu interlocutor, Nicodemos, como acontece em toda descrição do diálogo. Ao se referir a Cristo em suas reflexões teológicas ele passa a chamá-lo de o "Filho" e dá a esse filho não mais a voz de um ensinador que condiz o seu aluno, mas de "luz" que tem o poder de iluminar a todos os homens e de juiz que tem o poder de julgar a todos os homens, por sua recusa em receber a luz verdadeira. A partir de agora nos concentraremos mais detidamente no segundo bloco, ou naquilo que chamamos, num primeiro momento, de evento.
No sumário que serve de preparação para o evento (v.1), é dito que "havia entre os fariseus um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus". O narrador ao colocar as últimas informações sobre as quais o seu diálogo será construído, deixa transparecer informações importantes sobre o personagem que será o interlocutor do diálogo. Ele era um homem que se encontrava entre aqueles que eram chamados de fariseus, um grupo religioso que construía todo seu arcabouço discursivo em torno de uma santidade que, segundo eles, era herança de seus antepassados que serviram fielmente a Deus. Nicodemos estava não apenas entre os fariseus, mas era um dos seus príncipes, ou seja, ele fazia parte da mais alta corte religiosa do seu tempo, o Sinédrio, tribunal judaico em que eram julgados os crimes contra a religião judaica. Por essa informações se entende que ele era alguém que gozava do respeito de sua comunidade por ter construído, durante quase que uma vida toda uma reputação e uma educação que o fizera galgar o posto de "príncipe". Nicodemos era alguém que tinha em seu campo de atuação – a religião judaica – um nível de respeito não facilmente alcançável.
Por esta condição religiosa tão elevada, ele não tinha nenhuma necessidade de ir à procura de Jesus; mas foram os milagres que Jesus fazia e não sua educação religiosa (v. 2) que fizeram com que o fariseu e conhecedor de toda a cultura de seu tempo fosse procurar aquele a que ele chama de "Mestre".
Uma frase deste primeiro trecho tem despertado a atenção de vários daqueles que estudam este texto. O narrador diz que: "Este [Nicodemos] foi ter com Jesus, de noite" (v. 2). Ao comentar sobre a frase, Hendriksen (2014, p. 154-155) aponta três motivos pelos quais Nicodemos veio durante a noite procurar por Jesus: Um primeiro grupo (1) tem entendido que a visita ocorreu durante a noite por conta do medo que Nicodemos sentiu de ser criticado por seus companheiros de Sinédrio; em oposição, estudiosos têm defendido que nesse momento do ministério de Jesus, o momento inicial, a oposição não seria tão forte para causar medo em um chefe do povo; outros dizem que (2) o medo que sentia Nicodemos era fruto da iminente morte de Cristo, este grupo defende também que esse relato não é do início do evangelho, mas do fim do ministério de Cristo; outros ainda argumentam que (3) o motivo da procura durante a noite foi simplesmente pelo fato de que Jesus estava sempre muito ocupado durante o dia para uma conversa tão demorada com quem quer que fosse.
É preciso lembrar, porém, que a narrativa joanina é magistralmente construída por um narrador que usa de muitos e variados recursos literários para dar brilho a sua narrativa (cf. 2.3), além de usar termos habilmente escolhidos para que os efeitos de sentidos sejam percebidos pelo seu leitor. Assim, podemos dizer que o uso da palavra "noite" no contexto da narrativa do Quarto Evangelho é não apenas uma marcação temporal, mas um termo cuidadosamente usado para demonstrar o estado de interno da personagem que vai ao encontro de Jesus na noite de sua existência. Este ponto pode ser colocado a partir do momento em que olhamos a narrativa que antecede o diálogo entre Jesus e Nicodemos quando o narrador parece trabalhar a questão da luz que brilhou nas trevas e que os homens não haviam percebido (Jo 1.4-5), bem como o fato de que em toda a sua narrativa o narrador trabalha com dualismos, dentre eles a luz e as trevas. Portanto as trevas que "cobriam" o diálogo eram as trevas de Nicodemos que serão dissipadas pela luz advinda das palavras de Jesus.
Como indicam Fabris e Maggioni (2006, p. 309), se se quiser penetrar na poesia construída pelo narrador do Quarto Evangelho, é preciso admitir que "é como sobre um fundo vazio e negro (como é escura a noite) que se destacam as duas figuras": Jesus representando a luz em sua pessoa e ensinamento e Nicodemos representando as trevas em sua existência e incompreensão. A partir deste momento (Jo 3.2) temos o diálogo propriamente dito:

[2] Este foi ter com Jesus, de noite, e disse-lhe:
Rabi, sabemos que és Mestre, vindo de Deus; pois ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele.
[3] Respondeu-lhe Jesus:
Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.

A primeira parte do diálogo coloca em foco a percepção que Nicodemos tinha a respeito de Jesus e como esta percepção havia sido adquirida. Ao iniciar o diálogo com Jesus, o chefe dos judeus coloca em prática um plano arquitetado por ele para confirmar suas certezas a respeito daquilo que ele pensava que Jesus era, isto é, um profeta enviado de Deus para mostrar Deus aos homens através dos sinais que fazia (Jo 3.2). Esta mesma percepção parece ter sido compartilhada pelo grupo social e religioso do qual pertencia Nicodemos, os fariseus (Jo 1.21), analisado brevemente neste trabalho no capítulo três (3.2.3). O que demonstra que uma cultura discursiva estava sendo construída a respeito da identidade de Jesus. E é com essa certeza sócio-ideologica, alimentada pela percepção dos milagres que Jesus fazia (cf. Jo 3.2; Jo 4.45) que Nicodemos abre o diálogo com Jesus, entendendo que ele é grande por ser um profeta, um representante de Deus, e Mestre, alguém que merece ser ouvido.
Ao elevar Jesus à posição de rabi e mestre em suas palavras iniciais, o interlocutor do diálogo mostra que sua percepção a respeito de Jesus é resultante de uma percepção discursiva, aquilo que tinha ouvido, e de uma percepção pessoal, aquilo que tinha visto. A junção dessas duas percepções reveladas na fala inicial de Nicodemos corrobora a ideia de que o seu discurso é perpassado pelos discursos de sua comunidade de fé, uma variedade de vozes que acabou por fazer com que ele construísse uma imagem identitária de Jesus que logo seria desafiada e superada na arena do diálogo.
Neste primeiro momento salta à vista o esforço em fazer com que a imagem que nele fora criada discursivamente sobre Jesus seja confirmada pelo seu falar em relação ao "Mestre". Mas Jesus, conhecendo o que estava no íntimo de Nicodemos (Jo 2.25), rebateu sua fala inicial desafiando-o a uma compreensão nova da identidade de Cristo. Começa assim a luta entre duas vozes discursivas que vão se digladiar na arena da enunciação. Coloca-se de um lado as vozes que deram origem à fala de Nicodemos, as coisas que são de cima, e de outros o discurso de Jesus que incorpora à enunciação um novo modo de compreender as verdades "de cima" (Jo 3.12). Vejamos a fala de Jesus:

[3] Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.
[4] Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?

Neste segundo trecho do diálogo, o narrador coloca na boca de Jesus, personagem principal do diálogo, não apenas um aparente "mal-entendido", mas acima de tudo um novo paradigma com o qual Nicodemos deveria lhe dá, ou seja, o fato de que um doutor da lei estava totalmente na escuridão da ignorância quanto a uma verdade que ele passou toda a vida estudando para entender, a realidade da (1) existência de uma verdade, (2) uma verdade a respeito de um reino de Deus e (3) uma verdade que traz à luz a realidade de uma ignorância que apesar de não ser percebida era existente. Nicodemos foi forçado a reavaliar suas verdades e reconhecer sua ignorância.
Falando especificamente do termo usado por Jesus para contrapor a afirmação de Nicodemos de que ele era um mestre-profeta vindo da parte de Deus pelos sinais que fazia, o teórico e crítico literário Terry Eagleton, ressalta a engenhosidade narrativa do narrador do Quarto Evangelho quando diz que "João tem grande entusiasmo por duplos sentidos, que não podem ser traduzidos do grego original sem perder o significado. Aqui está o exemplo mais famoso. Em grego, a palavra anothen tanto pode significar 'nascido de cima' quanto 'nascido outra vez'[...]. Esta é uma clássica brincadeira de João" (EAGLETON, 2009, p. 198). Apesar de entendermos que o narrador do Quarto Evangelho utiliza-se de sofisticados artifícios para enriquecer sua narrativa, não nos parece exequível a afirmativa do crítico de que aqui se trate de uma "brincadeira" do narrador com o intuito de entreter seus leitores, mas de um recurso muito bem utilizado para mostrar a limitação de entendimento do doutor da Lei em relação à identidade e mensagem de Jesus.
O intuito primordial deste trecho parece ser mostrar que as vozes discursivas que deram origem à imagem de Jesus no interior de Nicodemos estavam absolutamente equivocadas em relação à revelação apresentada por Jesus de um nascimento do alto. Daí a necessidade de repensarmos não apenas a compreensão que Nicodemos teve em relação às palavras de Jesus na arena da enunciação, mas também o intuito de Jesus em colocar em luta as verdades judaicas em relação às verdades de um novo discurso, o discurso de cima. Para tanto, é preciso que observemos os outros trechos do diálogo.

[5-6] Jesus respondeu: Em verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.
[7-8] Não te admires de eu te haver dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.
[9] Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode ser isto?
[10-12] Respondeu-lhe Jesus: Tu és mestre em Israel, e não entendes estas coisas? Em verdade, em verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testemunhamos o que temos visto; e não aceitais o nosso testemunho! Se vos falei de coisas terrestres, e não credes, como crereis, se vos falar das celestiais?

Quando pensamos na interrogativa de Nicodemos no versículo quarto acima ("Como?"), podemos depreender que o chefe dos fariseus não apenas reconhece a limitação de seu conhecimento em relação a Jesus e os seus ensinos, mas percebemos que ele esperava que Jesus lhe desse outras explicações a respeito da afirmativa de o que seria esse "nascer do alto". Para surpresa do interlocutor, porém, Jesus não o responde com explicações didáticas, aos moldes rabínicos, mas coloca a sua incompreensão na berlinda das incertezas por meio de outra afirmação que não se encaixa na gama de discursos antes ouvidos por Nicodemos. Coloca diante dele a realidade de dois nascimentos – o da carne e o do espírito – e ainda instiga o velho homem a viver em uma nova forma de liberdade, a liberdade experimentada por aqueles que ao nascer do espírito, tornam-se livres como o vento.
Algumas observações são importantes neste momento: O diálogo entre Jesus e Nicodemos é em todos os aspectos uma mostra da genialidade do narrador do Quarto Evangelho. Na primeira menção que se faz a Nicodemos ele é apresentado com "um homem" (Jo 3.1) para ligar a narrativa que está prestes a se iniciar à narrativa anterior que diz que Jesus "não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem" (Jo 2.25). Assim, todo o diálogo é emoldurado por narrativas curtas que confirma tudo aquilo que é apresentado no diálogo, seja antes ou depois dele. No caso deste diálogo, porém, algo parece fugir deste padrão no sentido de que, no caso de Nicodemos, ele aparece como interlocutor do diálogo, mas logo depois da reflexão do narrador a respeito de Jesus (Jo 3.13-21), ele some da narrativa imediata para reaparecer capítulos depois no relato joanino.
A segunda vez em que Nicodemos vai aparecer na narrativa joanina. Segundo o narrador do Quarto Evangelho (João 7), por motivo de uma festa dos judeus, a festa das cabanas, Jesus vai a Jerusalém para ensinar em público e, mesmo admitindo que o modo de Jesus ensinar era singularmente especial (Jo 7.15), os judeus procuravam um motivo para prendê-lo e matá-lo. É nesse momento de grande tensão entre Jesus e os chefes dos judeus que reaparece Nicodemos na narrativa. No momento em que a multidão admite em Jesus um profeta pelos sinais que fazia e reconhece que as motivações daqueles que procuravam matá-lo não eram boas (Jo 7.20), surge uma pergunta intrigante: "Creu nele porventura algum dos principais ou dos fariseus?" (Jo 7.48). A pergunta é endereçada a um grupo de soldados e Nicodemos então se manifesta: "Porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?" (Jo 7.51). Os chefes dos judeus entendem a objeção de Nicodemos não como uma mostra de que ele já havia tido algum contato com Jesus, mas como uma questão de regionalismo usada como tom irônico. Até aqui temos indícios dos resultados daquele diálogo, mas não temos certeza dos seus resultados sobre o homem Nicodemos.
A terceira e última cena da narrativa joanina em que Nicodemos aparece é no sepultamento de Jesus (João 19). Após ter sido crucificado, o corpo de Jesus permaneceu na cruz até o final da tarde, mas por conta da festa da páscoa que estava se aproximando e diante da certeza de que Jesus estava morto "José de Arimatéia (o que era discípulo de Jesus, mas oculto, por medo dos judeus) rogou a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. E Pilatos lho permitiu. Então foi e tirou o corpo de Jesus" (Jo 19.38). É nesse momento da narrativa que aparece pela última vez a figura de Nicodemos. Segundo o narrador do Quarto Evangelho, junto a José de Arimatéia "foi também Nicodemos (aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus), levando quase cem arráteis de um composto de mirra e aloés" (Jo 19.39). Os dois personagens sepultaram o corpo de Jesus de acordo com os costumes judaicos e o fizeram em um sepulcro novo que estava vazio e "por estar perto" (Jo 19.42).


4. Considerações finais
Não se sabe muito bem o que acontece com o chefe dos fariseus Nicodemos, mas uma coisa parece certa é que as palavras de Jesus o impressionaram profundamente e causaram em sua existência marcas indeléveis; não se pode dizer também que em seu caso houve uma radical mudança em sua perspectiva religiosa, mas não podemos negar que nele há uma constante preocupação em ficar perto daquele que ele tinha reconhecido como um mestre. Analisar o diálogo entre Jesus e Nicodemos, nos faz entender como as ideologias são construídas e como a figura de Cristo foi construída no Quarto Evangelho, ou seja, por diálogos artificialmente ali colocados para esse fim.

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