GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA (GDE): RODAS, TRAJETOS E PONTES NA FORMAÇÃO COM EDUCADORES EM ITABORAÍ/RJ

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GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA (GDE): RODAS, TRAJETOS E PONTES NA FORMAÇÃO COM EDUCADORES EM ITABORAÍ/RJ

Luan Carpes Barros Cassal 1 Cristiano Brasil da Silva de Moraes 2 Resumo: O curso de extensão Gênero e Diversidade na Escola (GDE), da UFRJ, foi realizado em 2014 com 50 educadores de Itaboraí/RJ. Durante quatro meses, discutimos práticas pedagógicas e intervenções nas escolas sobre gênero, sexualidades, direitos humanos, violências e diferenças. O currículo baseou-se na Teoria Queer e na Pedagogia da Diferença, em especial Louro e Tomaz Silva. Apostamos em um espaço de análise das implicações, compartilhamento de angústias e experimentação de mudanças. Palavras-chave: Escola; Diferença; Gênero; Sexualidades.

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Psicólogo da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Itaboraí. Mestre em Psicologia. Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contato: [email protected] Professor I (Língua Portuguesa) da Secretaria Municipal de Educação de Magé. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Contato: [email protected]

Sábado, seis horas da manhã. O professor sai de casa com o nascer do sol. Pega um ônibus, aguarda a baldeação e segue para a escola. Cruza a Ponte Rio-Niterói, com seu nome de militar que tanto queremos esquecer. Atravessa mais dois municípios em uma rodovia movimentada, com barracos e deslizamentos às margens. As pessoas sobem e descem no caminho, até um agrupamento urbano, ponto de encontro de diversas rodovias. Muita quilometragem rodada em pouco tempo. O professor desce do ônibus e caminha apressado para a escola, pois tem pouco tempo. O ônibus demorou a passar. Havia trânsito no caminho. Ao chegar, a sala está trancada. Não há café. O equipamento está com problemas. A diretora parece cansada. Há muito o que fazer. Aos poucos, chegam alunas e alunos. Há atrasos, e também faltas. Já se sabe que isso vai acontecer; não é a primeira e nem a última aula. Após a longa semana de trabalho, insistem e persistem em um espaço de troca. Professoras e professores, educadoras e educadores interessados em um processo de formação continuada. Segunda-feira, cinco horas da tarde. O gestor guarda os documentos da Secretaria de Educação. Aquela ligação ficou pra amanhã. Os memorandos espalhados não refletem o peso de seus conteúdos: escolas que precisam de auxílio, instituições que negam pedidos, papéis que transformam vidas em letras e números. Com a mochila cheia em um ônibus urbano, começa o terceiro turno. Saem da escola as crianças da alfabetização, e os alunos da Educação de Jovens e Adultos chegam aos poucos. O jantar da merenda ajuda com energia. A sala de aula está trancada, e com mosquitos. O lanche chega mais tarde. Não há copos descartáveis. Corpos, talvez. Professoras e professores, educadoras e educadores chegam para o ensino noturno. Grande parte se dirige para as salas de aula comuns, para a secretaria escolar e a sala da coordenação. E outro grupo vai para o auditório. O gestor retoma o papel de professor com vários companheiros de profissão, para realizarem um curso de extensão. O presente texto apresenta a experiência de docência nas turmas Itaboraí 1 e 2 do curso de extensão Gênero e Diversidade na Escola (GDE), realizado pelo Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 3 no segundo semestre de 2014. Tal projeto surgiu em 2005, com o objetivo de realizar formações com profissionais da rede pública de educação sobre sexualidades, gênero, violência e educação. A partir de 2007, com financiamento do Ministério da Educação (MEC), iniciou uma série de cursos de extensão, bem como a produção de livros, vídeos, materiais de apoio e eventos acadêmicos. Desde então 4, o curso de extensão 3 4

Mais informações em www.diversidade.pr5.ufrj.br Em 2011, o MEC não ofereceu editais para cursos de capacitação de professores em Gênero e

formou cerca de 1000 profissionais da educação de diversos municípios. Itaboraí é um município a aproximadamente 50 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, com mais de 200.000 habitantes. Conta com 88 unidades escolares da prefeitura, além de escolas do Estado e da rede privada. Recebeu ações do Projeto Diversidade Sexual na Escola em 2010 – oficinas, cursos de extensão e distribuição de materiais de apoio. Em 2014, através de uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, tivemos mais duas turmas do curso GDE. A formação continuada teve

um caráter facultativo, fora do horário de

expediente dos profissionais. O curso teve 120 horas de duração, sendo 60 horas de encontros presenciais durante 15 semanas e outras 60 horas de atividades pedagógicas desenvolvidas pelos cursistas em seu cotidiano de trabalho. A divulgação do curso foi feita através da internet e de materiais impressos, enquanto a inscrição aconteceu pela internet. Tivemos mais de 150 inscritos, dos quais foram chamados 90 participantes (prioritariamente profissionais da rede pública de educação, entre professoras e professores, psicólogas e psicólogos e profissionais de apoio). Os formadores do curso – autores deste texto – são profissionais da rede pública de educação e militantes em questões de diversidade sexual e de gênero e direitos humanos. Também tivemos suporte de estudantes da graduação em psicologia da UFRJ, que atuaram como monitoras e tutores do curso, com função de facilitar contato, organização e realização das atividades. O planejamento pedagógico do curso se deu com suporte da equipe de coordenação do Projeto, bem como reuniões semanais com formadoras e formadores das outras seis turmas realizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro. O curso teve os seguintes temas geradores: Gênero; Sexualidades; Relações Étnico-Raciais. Tais propostas eram básicas no financiamento do Ministério da Educação; entretanto, a equipe teve autonomia nos percursos para construção do conhecimento. Assim, a partir das reuniões de planjeamento, as diferentes turmas do curso tomaram um ponto de partida em comum: a discussão de identidades e diferenças. Para Diversidade Sexual (GDS), pois executou em parceria com diversas organizações nacionais e internacionais o Projeto Escola Sem Homofobia, uma política pública nacional para pesquisas, produção de materiais educativos e processos formativos de profissionais. Porém, durante a elaboração dos materiais, o Projeto sofreu duras críticas de setores políticos conservadores, e foi pejorativamente chamado de ‘kit gay’. Apesar das manifestações favoráveis feitas por universidades, movimentos sociais, Conselho Federal de Psicologia e instituições governamentais, o Projeto foi oficialmente suspenso pela Presidência da República em 25/05/2011. Assim, o MEC retomou os editais de formação continuada pontual direcionados às universidades do país. Saiba mais sobre o projeto e a susepensão em: http://www.ecos.org.br/projetos/esh/notaoficial.pdf, http://www.ecos.org.br/projetos/esh/esh_kit.asp e http://www.cartacapital.com.br/sociedade/movimento-gay-reage-a-suspensao-de-kit-anti-homofobia.

o início, era fundamental a construção de vínculo e a identificação das principais demandas de educadoras e educadores. Entendemos que as questões sobre gênero e diversidade na educação não são trabalhadas pela aquisição de conteúdos, conhecimentos ou ferramentas práticas. A aposta é em uma pedagogia da diferença, conforme discutida especialmente por Guacira Lopes Louro (2004). Ou seja, caminhos de aprendizagens que se movem na perturbação das estruturas instituídas, no desejo de conhecer as experiências que nos estranham e fazem diferir. Nesse sentido, “A diferença não pede tolerância, respeito ou boa-vontade. A diferença, desrespeitosamente, simplesmente difere” (SILVA, 2002, p. 66). O primeiro encontro nas duas turmas foi uma aula inaugural, com representantes da Secretaria de Educação e da coordenação do Curso de Extensão. Além da apresentação da proposta pedagógica e dos principais eixos temáticos, foi o momento de conhecer o grupo de cursistas. Pudemos trocar um pouco sobre as histórias, a construção de desejo pelo curso e as expectativas. Ao mesmo tempo, nos surpreendemos com o não comparecimento de parte considerável dos cursistas convocados. A partir da aula seguinte, cada formador desenhou seu próprio modo de trabalho. Houve uma significativa diferença no tamanho das turmas (segundas a noite ou sábados de manhã), o que implicou em várias dinâmicas e estratégias distintas. Não obstante, além da reunião geral dos cursos de extensão, as turmas de Itaboraí puderam experimentar reuniões específicas para troca de suas experiências e planejamento das ações. Um elemento fundamental no curso foi a construção de rodas. Grandes círculos com todo o grupo de cursistas ou pequenos conjuntos de profissionais para discussão de temas e experiências. Em jogo, a circulação de forças, histórias e desejos. Em cada aula, os cursistas receberam uma tarefa para realização durante a semana e envio do registro por correio eletrônico. As atividades tiveram início com diagnóstico, tanto a identificação de questões no cotidiano da instituição, quanto o levantamento de recursos técnicos em legislações e textos complementares. Seguimos com histórias vividas no cotidiano de trabalho. Através dos debates, construímos uma situação-problema, que foi analisada por todos os cursistas. Para a história, foi necessário produzir estratégias de modificação do contexto e, em seguida, planejar e executar ações pedagógicas para mudança da situação-problema identificada em sua própria escola. A partir daí, o circuito de práticas pedagógicas no cotidiano escolar reiniciou, com a mesma proposta: diagnóstico de situação, levantamento de recursos,

desenvolvimento de metodologias, realização e avaliação do trabalho. Tais registros compuseram o material para avaliação do cursista. É muito rica a experiência de partilhar com demais educadoras e educadores vivências e práticas para combater a exclusão de grupos sociais ao ambiente escolar. Em um constante exercício de repensar o mundo e desconstruir fatos naturalizados, provocamos cada cursista a realizar pequenas intervenções em seus ambientes de trabalho, ou seja, as escolas onde lecionam, ou são parte da equipe diretiva ou de apoio. Apontaram, ainda, algumas dificuldades que estes profissionais de educação encontravam tanto para falar sobre os temas, quanto para efetivamente intervir de alguma forma em seus locais de trabalho. A principal queixa era de que as escolas estavam “engessadas”, se não pela direção, por parte dos próprios alunos que se prendiam as regras que a ordem cis-heteronormativa5 impõe. Em um dos exercícios, os professores precisavam fazer uma pequena inversão de papel de gênero. Uma professora relata: A intervenção que eu usei pra desconstruir ou inverter uma regra de gênero foi o “da fila”. Pedi aos alunos que formassem por ordem de tamanho e que fizessem apenas uma fila, ou seja, meninos e meninas juntos. Esta atividade eu fiz com uma turma de 2o ano do ensino fundamental I, no princípio houve algumas reclamações e confusões,mas no final deu tudo certo. Claro que eles perguntaram o porquê daquilo. Apenas disse que queria fazer uma fila diferente. (Ficha de registro de cursista)

De maneira bem sutil, a cursista enfrentou a norma. Desafiou a lógica binária que separa gêneros e reforça que meninos e meninas estão em constante estado de negação, ou se é um, ou outro e negar a diferença é afirmar a identidade. Quando observamos as fichas de avaliação do curso, vemos bons resultados dessa prática de treinar o olhar. Este foi o primeiro “exercício” planejado para o andamento das aulas, que se olhassem para todas as instituições dadas e repensassem como aquilo se dava, e que não fora sempre assim. Pegando o “feedback” de uma das fichas de avaliação, observamos um cursista relatando que “(...) coisas pequenas que passavam por mim desapercebidas, hoje já consigo ver com outros olhos, como a divisão de gêneros que se 5

Compreendemos Cis-Heteronormatividade como “a ordem sexual e de gênero vigente, que se impõe por meio de violências físicas, simbólicas e discursivas contra todo sujeito que escapa do binarismo de gênero homem-mulher, assim como aqueles que não se enquadram em um modelo predefinido de heterossexualidade reprodutiva. Opera por meio de discursos médicos, social e jurídico que invisibilizam pessoas trans* e buscam a adequação dos corpos e das performances desviantes para a norma heterossexual, familiar e de gênero binário.” (BRASIL; HELMHOLTZ, 2014, p.20)

dá desde o jardim de Infância, a necessidade de rotular uma criança por gênero (...)”. Esta é uma forma de desconstruir a naturalização das relações de poder e das instituições que moldam os corpos dos sujeitos. Isso não significa o caos, ou desfazer as relações existentes, mas ainda: Trabalhamos com a desmontagem para decompor o que foi atualizado e fixado. Operamos com remontagem para fabricar outros sentidos e com a recomposição para encontrar virtuais. Em síntese, operamos com a multiplicação para fazer o ‘e’ da multiplicidade funcionar; para produzir e estimular a diferença e a invenção de outros significados e/ou de outras imagens de pensamentos para a educação. (PARAÍSO, 2012).

Permitimos, então, outros pensamentos para a educação por gênero, desconstruindo a lógica que opera na separação dos meninos e das meninas, e seu antagonismo no espaço de sala de aula. Rompemos as fronteiras para ressignificar outras divisões: altura, vontade de estar em algum lugar, desejo de união ou separação. Trazer esses conceitos para as análises das entrevistas realizadas permitirá rever outras lógicas, que insinuam diversas “verdades” como a opressão dos professores e professoras na sala de aula, o despreparo e a separação hierárquica entre alunado e professorado. Este processo de escuta dos sujeitos e de desconstrução é uma saída para não mais termos histórias únicas sobre educação e diferenças. Outro momento potente do curso foi a exibição do filmes, tendo dois momentos marcantes de sensibilização e ressignificação. Primeiro, o argentino “XXY”, de Lucia Puenzo, contando a história de uma adolescente identificada até então como menina, mas que seria intersexual. Trazer aquela história até os sujeitos do curso parece ter movido com algo dentro de suas certezas sobre gênero e sexualidade. A cena de sexo em que Alex, a adolescente protagonista, penetra o também adolescente filho dos hóspedes em sua casa foi ponto alto do debate, com as pessoas em roda demonstrando talvez não choque, mas surpresa pela expansão de possibilidades de relação entre sexo e gênero que transbordem os limites entre homo-hetero-bissexual e homem-mulher. Nesta aula, todas e todos observaram como a escola, nesta história, passa apenas como local de constrangimento, sendo sequer retratada como locação de filmagem e passando sempre como paralela às questões da história, tanto em ações como na construção de Alex. O debate mostrou como a ideia de travestilidade, transexualidade e intersexualidade estavam confusas entre os alunos e alunas, além de ajudar a demarcar as questões que envolvem gênero, das que envolvem sexualidade. O discurso médico,

representado em um personagem, também foi amplamente criticado por suas cursistas, o que foi surpreendente. Elas não aceitavam a então hegemônica opinião, e consequente ordem, da medicina sobre aquele corpo, e acreditavam que só o próprio sujeito poderia decidir como existir, inclusive optando pela existência na fronteira. Uma vez mais, acompanhar histórias – mesmo que em ficção – sobre um grupo de pessoas até então inexistente transbordou em relatos de experiências pessoais, embora não profissionais, entre alguns cursistas. A sensação após a exibição do filme era de peso, aqueles corpos agora pesavam com sua história, angústia e dilemas junto da história dos professores e professoras que acomapnhavam o filme e discutiam repensando suas próprias práticas. Outra produção cinematográfica que afetou cursistas foi “Orações para Bobby”, filme norte-americano de 2009. O longa retrata o processo de identificação de um jovem de família muito cristã como homossexual, e foca principalmente na conturbada e trágica relação dele com sua mãe, gerando exclusão, tentativas de coerção de sua orientação sexual, o distanciamento físico entre os dois e finalmente o suicido do jovem e a tardia aceitação da mãe com seu posterior ingresso à militância em favor dos direitos homossexuais e a manutenção da vida dessas pessoas. É notável como as questões da religiosidade, da família e da morte atingiram os cursistas. Em um momento quase íntimo, e ainda assim pedagógico, monitoras, tutores e cursistas choravam a morte de um jovem – real, que baseou o filme – cuja história tinham conhecido. Muito se disse, neste momento, sobre a importância de se conhecer histórias e de se humanizar dados, como de suicidas, de violência e de evasão escolar. Em uma turma com professores de ensino religioso (embora a rede de Itaboraí não tenha ensino religioso confessional), a revisão da fé e da aceitação moveu as rodas que prendiam alguns desses cursistas em certezas das quais, talvez, não tivessem efetivamente acreditado, mas apenas assentido. Afirmar que os processos educativos são atos políticos cotidianos envolveu diferentes tensões. A interrupção do pagamento de formadores, apoio e coordenação do curso por problemas administrativos no Ministério da Educação, sem previsão de retorno, levou à discussões entre a equipe e com cursistas sobre a possibilidade de suspensão das atividades do curso. Após debates e a produção de abaixo-assinados, bem como pequenos avanços nas negociações entre trabalhadores, Universidade e MEC, decidiu-se pela continuidade do curso até sua conclusão conforme o calendário inicial. Esta situação precária se repetiu em diferentes edições do Curso de Extensão realizado pela UFRJ com financiamento do MEC. De alguma maneira, parece que a extensão universitária e a formação continuada para profissionais padecem de fragilidades

comuns à educação – contratações precárias, atraso em repasses, extrema burocratização e infraestrutura insuficiente. A avaliação foi mais um momento que causou desconforto. Em um sistema educacional, com certificação da universidade, quais critérios utilizar para a aprovação ou não de um cursista? Como pensar uma pedagogia da diferença que não repita modelos classificatórios e punitivos? Não é possível falar em uma resposta definitiva, ou mesmo contar uma história de sucesso. Mas experimentamos a possibilidade de movimento como um modo de avaliar. Os cursistas eram convocados para as aulas presenciais, semanais, e também a realização e o registro de atividades no cotidiano escolar. Além disso, solicitamos a produção de um portifólio, com a memória das vivências ligadas ao curso. Não seria interessante analisar uma simples produtividade, com a quantidade de registros, de presenças ou de conceitos listados. Nas duas turmas do curso, pudemos ler os registros, pensar na presença e nas falas de cada profissional, observar o portifólio e sua apresentação. Foi possível pensar nos caminhos e nas experiências vividas, e nas conexões do curso com o discurso sobre sua própria prática profissional. Havia uma transformação de qualidade (não no sentido de consumo, mas quase como uma alquimia): a diferença ganhava corpo nos cursistas. Algumas falas puderam abrir dúvidas e possibilidades, ou seja, diferir. O curso deixava marcas para cursistas e formadores. Assim, formaram-se no curso aqueles que persistiram às dificuldades de mais uma atividade profissional. O mesmo ocorreu com cursistas que registraram a si próprios e traduziram em palavras ou imagens as reverberações do trabalho. Alguns abandonaram o processo: interrupção da presença ou dos registros 6, com a afirmação de que não poderia dar conta e seguir, mas que o espaço foi muito importante, para além de qualquer certificação. Este ponto deve ser considerado na experiência do GDE: a avaliação para certificação não pode se transformar em um fetiche. Cursos muito longos para tentar uma progressão funcional correm o risco de perder a qualidade e a adesão. Ao mesmo tempo, o que significaria avaliar criteriosamente? Ser rigoroso, numa perspectiva disciplinadora? Realizar exames que, como diz Foucault (1987), colocam os indivíduos em série comparada e tentam extrair a verdade de seus discursos e pensamentos? Com essas pistas, é possível relatar as mudanças nas trajetórias destes 6

O curso encerrou com cinquenta participantes, divididos em duas turmas.

formadores após o curso. Mudança de lotação no trabalho, construção de pesquisa de pós-graduação, retorno à universidade, produção de textos, costura de afetos, novas amizades e também inimizades. Os ônibus não são mais os mesmos, e a travessia da ponte ganhou sentidos diferentes. A experiência educativa não foi unilateral. Educar, aqui, constituiu-se na marcação da diferença e no exercício de diferir. Referências Bibliográficas BRASIL, C. M. S.; HELMHOLTZ, I. Uma dúzia de incertezas sobre a pedagogia da diferença. In: BICALHO, P. P. G.; CIDADE, M. L. R.; CUNHA, T. C.; MATOS, A. A. (orgs). Gênero e Diversidade na Escola: práticas transversais, polifônicas, compartilhadas, inquietas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2014, p. 18-31. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. PARAÍSO, M. A. Metodologias de pesquisa pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas. In: MEYER, D. E.; PARAÍSO, M. A.(orgs.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012, p.23-46. SILVA, T. T. Identidade e diferença: impertinências. Educação e Sociedade, vol.23, n.79, 2002, p. 65-66.

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