GÊNERO: O que o cristianismo precisa saber

May 31, 2017 | Autor: Rodrigo Nascimento | Categoria: História e Cultura da Religião, Teoría Queer, Gênero E Sexualidade
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GÊNERO: O que o cristianismo precisa saber? Rodrigo Henrique de Jesus Nascimento Graduando em Serviço Social1 Pontifícia Universidade Católica do Paraná [email protected] 22- Educação, religião e direitos humanos: diálogos interdisciplinares sobre a diversidade sexual e de gênero

Resumo A partir de um levantamento de artigos que tenham como temas gênero e sexualidade na área da ciência da religião, pretendemos apresentar elementos discutidos sobre o ser mulher. A história produzida para construir uma feminilidade submetida aos interesses patriarcais. A partir de onde começamos a construir a igualdade de gênero nas religiões? Sabendo as relações de poder que se (inter)relacionam com gênero. O processo sócio-histórico e as fases de desenvolvimento da moral religiosa a partir das lutas sociais, feminista. E apontar de que maneira a defesa pelos/por Direitos Humanos faz-se urgente, necessária e possível. Palavras-chave: diversidade; sexualidade; religião; gênero; educação; direitos humanos.

Introdução O caminho que se percorreu foi uma pesquisa em instituições de ensino com área de ciência da religião e seus respectivos periódicos, assim, neste, identificar a partir dos títulos quais tratavam sobre os temas de gênero. Entre as muitas coisas encontradas, reunimos uma síntese que elenca os papéis sociais de gênero, e as im(a)plicações na religião à partir de conceitos como; corpo, aborto, feminismo, teologia da libertação. Suscitaremos reflexão do ensino religioso, o que aprendemos? O que sabemos? É importante pautar os desafios pedagógicos do ensino religioso e, concomitantemente, das de ser homem e ser mulher com as sexualidades. Assim,

identificar nos discursos, particularmente nos religiosos, os aspectos que promovam a vida e a valorização de todos os seres, bem como reconhecer suas limitações e intrincados jogos de poder que evidenciem discursos de superioridade de uns sobre outros, é função da Educação como um todo e do Ensino Religioso especialmente. (JUNQUEIRA, Sérgio; SCHLOGL, Emerli; KLUK, Claudia Regina, 2013, p.151) 1

Pesquisador do Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GEPER), desta mesma instituição.

Gênero, Religião e Sociedade Particularmente no ocidente há maior incidência do cristianismo, considerando também a colonização portuguesa que trouxe toda a sua “inquisição” e discursos padrões de “civilidade” conseguimos compreender a influência que tivemos a um pensamento “colonializado”. No imaginário e santificado temos Eva e Maria, aquelas que, enquanto mulheres, representaram a feminilidade da sociedade. Eva quem comeu o fruto proibido e Maria quem teve os pecados2 da criação redimidos ao ser escolhida para a maternidade daquele que era o messias. Neste sentido, somos culpabilizadas principalmente através dos nossos corpos. Ele é considerado santuário do desejo e do pecado. Somos acusadas da origem do mal no mundo. Responsáveis pelo sofrimento humano e pelo juízo final, também! Como se não bastasse todas as atrocidades ditas e cometidas pela posição misógina, inventaram a Maria, mãe de Jesus, como modelo perfeito de mulher: calada, submissa, obediente, pura e virgem. Seu papel? Redimir a culpa de Eva!! Esta mulher está no imaginário feminino católico até hoje. E também no imaginário dos homens, que a criaram. Mas, esta Maria “santa” criada para submeter às mulheres já não é o único modelo de fé que prevalece no meio popular As mulheres e homens populares libertários/as compreenderam a vida de Maria de Nazaré através do Magnificat (Lc 1), resignificando sua fé numa mulher libertada, profética e corporalmente mulher como outra de sua época. (JARSCHE. Haidi l, 1994, p. 40)

Por este motivo, os movimentos feministas tencionaram novos elementos para perceber o mundo, mas principalmente a religião para as mulheres. No discurso e no corpo3, a resistência4 ao poder, [...] também aparece relacionado à sexualidade. Sofrimento e repressão, caracterizados por uma situação de pecado, são experimentados por muitas mulheres ao nível da sexualidade. É nesta área que, de maneira especial e massiva, as mulheres

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JARSCHE. Haidi l. A versão mítica da mulher como origem do mal (sofrimento), do conhecimento e do pecado é o cerne da tradição patriarcal. Se tiramos a serpente, a árvore e a mulher da cena, não teremos pecado, nem inferno, nem castigo eterno e nem necessidade de salvador! (1994, p. 34) 3 HUNT, Mary. Creio que o corpo é um instrumento de conhecimento a partir do momento em que ele se torna um mecanismo para conhecer o mundo que nos cerca. Ter um corpo bonito, perfeito, é diferente de ter um corpo deficiente ou enfermo, porque temos que superar nossas limitações para compreendermos o lugar de nosso corpo no mundo. Assim, também, quando nosso corpo envelhece, nossa relação com o mundo vai se transformando, pois novos limites nos são colocados. O corpo, secularmente manipulado, é o primeiro lugar de opressão das mulheres. Pode-se dizer que ele é o locus no qual o patriarcado é encenado. (2007, p. 49) 4 HUNT, Mary. Desde que Eva foi culpabilizada pelo mal da humanidade, nosso pecado está impresso em nossa alma e o nosso corpo é o reflexo desse pecado, por isso sempre sedutor, tentador. Significativamente, aquilo que deveria ser qualidade do ser humano (sedução) é visto ao reverso, como sinal de inferioridade e maldição. (2007, p. 50)

experimentam nos seus corpos o efeito de uma ideologia patriarcal. (JARSCHE. Haidi l, 1994, p. 29)

A principal forma de enfrentamento a cultura patriarcal, portanto, está à partir do (re)conhecimento da identidade mulher, do corpo para resistir e a ideologia qual funda à partir do feminismo. Uma das principais lutas enquanto direito reprodutivo e o mais cerceado pelo religioso é o aborto e [...] se, por um lado, a utilização da noção dos direitos reprodutivos trouxe alguns problemas de ambiguidade, por outro, ela ampliou a noção de cidadania das mulheres para além da reprodução e como um direito que permitiu cruzar, do ponto de vista do exercício da política, os direitos individuais com a retomada do enunciado “meu corpo me pertence” (para reafirmar o direito à interrupção de uma gravidez indesejada, ou à escolha do método contraceptivo e ao uso de tecnologias), e com a noção dos direitos sociais que dizem respeito a toda a sociedade. (OLIVEIRA, Eleonora. 1994, p. 3)

O direito de abortar como direito de quem aborta5; como direito de mulher, combate o proibicionismo advindo de uma instituição patriarcal como igreja6. Sampaio apresenta a ideia de que “a sociedade é por si só abortiva. O princípio da vida tão reclamado pela igreja, está sendo abortado na miserabilidade. E nós, ainda discutindo as suas picuinhas dogmáticas” (SAMPAIO, T. M. V, 1994, p. 65). A impressão até aqui é que “na solidão da luta pela despenalização do aborto que as mulheres têm enfrentado esse princípio carregado de uma “lógica” construí da na ética do egoísmo, da moral e do patriarcado” (OLIVEIRA, Eleonora. 1994, p. 7). Baseamos os direitos sexuais e reprodutivos como uma das reivindicações que abarca uma séria de mudanças necessárias para a mulher hoje, evidente que na subjetividade de cada sujeito está os interesses de como vive lá, mas cabe ressaltar que a politização e a empatia para o que acontecem cotidianamente as mulheres são relevantes a uma ética humana. O principio da vida pública, dos interesses públicos, das obrigações do Estado de direito, do reconhecimento da dignidade7 e tudo que é pertinente/processual/sintomático as relações de

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TOMITA, Luiza Eskito. A misoginia e a dominação/opressão sobre as mulheres é claramente perceptível nos documentos da igreja que procuram normatizar e controlar o corpo da mulher. E a forma mais poderosa de se controlar o corpo da mulher é normatizar seu poder de fecundar e procriar. Aborto significa o domínio que a mulher pode ter sobre seu corpo e sexualidade para procriar no momento que lhe convém. (1994, p. 28) 6 CARNEIRO, Fernanda. As proibições doutrinárias acerca deste ato revelam atitudes de poder temporal, motivadas por uma subjetividade construí da com valores que subordinam a mulher e não a respeitam como ser autônomo e maduro e que impregnam as estruturas de poder das igrejas. (1994, p. 11) 7 CARNEIRO, Fernanda. É a vitalidade de uma mulher, como direito originário de existência digna, que se afirma no exercício de sua liberdade. E liberdade, aqui, é a capacidade de incluir-se no domínio da história e fazer escolhas imersas no meio ambiente concreto, cotidiano, íntimo, pessoal. Trata-se de um ato pessoal, sem

gênero no sistema do patriarcado. Há em comum, [...] à idéia de que vivemos em um mundo violento. Confere-se à violência um certo status ontológico, como se fosse universal e essencial à dinâmica social. Ela, a violência, deixa o acanhado lugar de adjetivo para se transformar em um destacado substantivo. É “senso comum” que a violência é parte integrante da sociedade. Senso comum, como se isso fosse um dado natural. Mas o senso comum é ele mesmo um dado cultural. (SOUZA, Sandra Duarte, 2007, p. 15)

Nada aqui isenta o homem, particularmente, a construção da masculinidade, muito pelo contrário. Falar violência de gênero responsabiliza o masculino, o patriarcado. As representações socioculturais de homens e mulheres, que evocam a desigualdade social baseada na diferença sexual, são sacramentadas pela religião, naturalizando, dessa forma, a violência de gênero. A própria representação da divindade cristã como masculina é um indicador do lugar privilegiado de poder do homem em nossa sociedade. (SOUZA, Sandra Duarte, 2007, p. 18)

“A religião, seja qual for a origem, sempre foi decisiva na definição de padrões comportamentais femininos.” (ALMEIDA, Jane Soares.2007 p. 60). (Re)forçando a cultura a partir dos seus discursos de sagrado e profano, publico e privado. E Almeida fundamenta, Para as mulheres, a situação de inferioridade em que viviam no espaço privado estendeu-se ao espaço público, tendo como agravante as dificuldades oriundas do meio familiar representadas pela dupla jornada de trabalho e o cuidado com a família. Esculpia-se, assim, uma ambigüidade em relação ao sexo feminino: se, por um lado, existia o desejo de serem esposas e mães, por outro lado o anseio de fazer parte da população economicamente ativa significava deixar o primeiro espaço ao abandono. (ALMEIDA, Jane Soares.2007 p. 55).

Portanto, “o casamento e a maternidade eram a salvação feminina; honesta era a esposa mãe de família; desonrada era a mulher transgressora que desse livre curso à sexualidade ou tivesse comportamentos em desacordo com a moral cristã.” (ALMEIDA, Jane Soares.2007 p. 59). E na política é usada exatamente destas formas. Elevando a família ao patamar de estruturação natural, santificado e reconhecido, e problemas (re)correntes era responsabilidade da mulher por suas ações. Com isso, “[...] por meio da pressão da Igreja Católica tinha como alvo principal a sexualidade feminina que, ao ultrapassar o permitido, ameaçaria o equilíbrio da família e do grupo social. (2007, p. 59).

nenhum efeito danoso sobre a humanidade, a não ser se realizado nas condições atuais de negligência) indiferença, desamor e ausência de solidariedade. Aí, sim, um desastre ecológico indefensável e que atinge somente as mulheres em sua saúde e dignidade. (1994, p. 10)

Feminismo Em contrapartida a isto tudo, há dentro da própria igreja católica, movimentos que disputam a subversão desta lógica, há várias tendências deste processo, mas indico particularmente a teologia feminista. Tomita apresenta, A teologia feminista da libertação, com seu berço na teologia da libertação latinoamericana, busca ser uma reflexão feita por mulheres no contexto sociopolítico dos excluídos na América Latina, a partir de uma perspectiva de gênero. Neste sentido, a teologia feminista da libertação quer refletir sobre os temas atuais que provocam e desafiam as mulheres na vida cotidiana em busca de sua autonomia enquanto seres de plenos direitos. (TOMITA, Luiza Eskito, 2007, p. 50)

Há sim, histórias para acontecer/acontecendo dado o engajamento e as conquistas até então. “Acrescente-se a isso a variedade de situações de vida das mulheres – economia, idade, raça, nacionalidade – e ficará óbvio que as escolhas são mais condicionadas às atuais diferenças de qualidade do que de quantidade para mulheres em todo o mundo”, afirma Hunt (2007, p. 40). A mudança é, segundo Boff, mensagem e a prática de Jesus significam uma ruptura com a situação imperante e a introdução de um novo tipo de relação fundado, não na ordem patriarcal da subordinação, mas no amor indiscriminado que inclui a igualdade entre o homem e a mulher. A mulher irrompe como pessoa, filha de Deus, destinatária do sonho de Jesus e convidada a ser, como os homens, também.

Considerações Finais A contribuição teologia feminista toca principalmente a luta por Direitos Humanos. Esta luta tem caráter pedagógico de desconstruir ao mesmo tempo em que constrói uma nova sociedade e novas sociabilidades, pautadas na igualdade, equidade e justiça social. Tirar da religião todo o pecado, todas as fogueira, todas as inquisições para anunciar a transformação. Não nos deixar prender aos discursos religiosos duvidosos, culposos e criminalizante para permitir a liberdade do pensamento, conhecimento e, fundamentalmente da vida. Os Direitos Humanos precisa do Estado Laico! Referências ALMEIDA, Jane S. Mulheres, educação e religião: as interfaces do poder numa perspectiva histórica. Mandrágora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 52-63 BOFF, Leonardo. A porção feminina de Jesus. Mandrágora. Vol. 20, No 20. 2014. p. 129145 HUNT, Mary. O direito humano à justiça reprodutiva: uma perspectiva feminista teo-

ética. Mandrágora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 39-44 JARSCHE, Haidi I. Corpo de mulher, corpo culpabilizado. Mandrágora. Vol. 1, No 1. 1994. p. 29-42 JUNQUEIRA, Sérgio; SCHLOGL, Emerli; KLUK, Claudia Regina. Ensino religioso: um estudo sobre sua relação com gênero e orientação sexual Religare 10 (2), 142-151, setembro de 2013 OLIVEIRA, Eleonora M. Aborto / Cidadania: tecendo a democracia. Mandrágora. Vol. 1, No 1. 1994. p. 1-8 SAMPAIO. Tânia M. O corpo excluído de sua dignidade - uma proposta de leitura feminista da profecia. Mandrágora. Vol. 1, No 1. 1994. p.42-52 SOUZA, Sandra Duarte. Violência de gênero e religião: alguns questionamentos que podem orientar a discussão sobre a elaboração de políticas públicas. Mandrágora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 15-21 TOMITA, Luiza E. Aborto no Brasil colonial - uma resenha. Mandrágora. Vol. 1, No 1. 1994. p. 25-28 TOMITA. Luiza E. Da exclusão a objeto de prazer: o corpo das mulheres oferece notas para uma reflexão teológica feminista. Mandrágora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 45-51

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