Género sem fronteiras: a transnacionalidade transgénero como condição e possibilidade

May 26, 2017 | Autor: Sara Merlini | Categoria: Gender Studies, Transgender, Diaspora and transnationalism
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TL Network e-Working Paper Series

Nº 10/2016

EDIÇÃO ESPECIAL Vidas Transnacionais, Mobilidade e Migração Autores: Sara Merlini, Tatiana Souza, Emerson Pessoa, Maria Cecília Gomes

Edição - Marzia Grassi Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, UID/SOC/5013/2013

TL Network e-Working Papers (ISSN 2182-5718)

Avª Prof. Aníbal de Bettencourt, Nº9 1600-189 Lisboa, Portugal Tel:351-21-7804700 Fax:351-21-7940274/e-mail: [email protected] URL: http://www.tlnetwork.ics.ul.pt

Nota do editor Os artigos reunidos nesta edição especial são o resultado da avaliação final da disciplina do programa doutoral OpenSoc, “Vidas transnacionais, mobilidade e migração” que coordenei durante o ano letivo 2015/2016 no ICS-ULisboa. Os autores (todos eles alunos do programa de doutoramento OpenSoc) apresentam nesta edição os seus projetos de doutoramento tomando em conta o enquadramento teórico da disciplina acima referida. Excecionalmente este número é publicado em português.

Índice Género sem fronteiras: a transnacionalidade transgénero como condição e possibilidade, Sara Merlini ................................................................................................................................ 3 Reflexos da mobilidade informacional na mobilidade espacial: a influência da mobilidade comunicacional e informacional na cultura backpacker, Tatiana Souza ............................ 19 Mobilidades transgêneras: investigações sobre trans brasileiras no mercado sexual Europeu, Emerson Pessoa ....................................................................................................... 34 Invisibilidades na Experiência Migratória de Brasileiras em Lisboa, Maria Cecília Gomes .................................................................................................................................................. 51

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Género sem fronteiras: a transnacionalidade transgénero como condição e possibilidade, Sara Merlini1 Sumário Com este ensaio procuramos demonstrar a necessidade de uma abordagem transnacional para o estudo do fenómeno transgénero.2 Centramo-nos particularmente na análise do papel que a massificação e globalização da internet tem tido no desenvolvimento da comunidade trans. Além de ter permitido aproximar pessoas frequentemente isoladas e estigmatizadas, os novos meios de comunicação e informação contribuíram para transformar os modos como as comunidades transgénero se organizam, marcando profundamente a sua expansão. Não é possível quantificar ainda até que ponto estas transformações foram realmente revolucionárias, mas existe um consenso generalizado que a mudança paradigmática, que tem vindo a marcar os desenvolvimentos mais recentes do fenómeno, não teria sido tão expressiva sem o recurso ao ciberespaço. Estará a internet a possibilitar a criação de novos espaços sem fronteiras de género? Procuramos avançar neste debate através da análise de entrevistas compreensivas a pessoas transgénero realizadas no âmbito do projeto TRANSRIGHTS.3

Sara Merlini é bolseira de doutoramento no Projeto TRANSRIGHTS – Gender citizenship and sexual rights in Europe: Transgender lives from a transnational perspective (2014-2019) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa desde 2015. Licenciada em Sociologia e Mestre em Sociologia da Família, Educação e Política Social pelo ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, interessa-se por diferentes áreas e abordagens, estando atualmente centrada nas questões de género, identidade e transgressão. 1

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Uma identidade de género diz respeito ao sentido subjetivo de ajustamento a uma categoria de género particular (Stryker 2008). Não existe um consenso quanto à definição do termo transgénero ou trans. Além de ser uma categoria identitária relativamente recente, coexistem diferentes definições (com maior ou menor abrangência de situações), bem como variações terminológicas distintas, nomeadamente trans; trans+; trans*; transgénero, etc. Para efeitos deste estudo consideramos que transgénero é uma pessoa que não se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença, podendo assumir uma categoria de género binária (homem/mulher) ou considerar que não tem um género definitivo (agender, genderfluid, genderqueer, etc.). Transgénero e trans serão usados como sinónimos. 3 Este artigo foi desenvolvido com o apoio do projecto de investigação TRANSRIGHTS: Gender citizenship and sexual rights in Europe (transrightseurope.wordpress.com/), financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) da União Europeia, no âmbito do Seventh Framework Programme (FP7/2007-2013) / ERC grant agreement n° 615594. O projecto reflecte apenas as perspectivas dos autores e a União Europeia não pode ser considerada responsável por qualquer uso da informação veiculada. Até ao momento foram realizadas 20 entrevistas compreensivas a pessoas portuguesas ou imigrantes em Portugal que se auto identificam como transgénero. Os dados apresentados são resultados preliminares da pesquisa de doutoramento em curso no âmbito do projeto TRANSRIGHTS: “(Des)fazer o género: Identidades de género em Portugal e Reino Unido”.

Introdução Vários têm sido os autores a sublinhar a importância da globalização dos meios de informação e comunicação para o empoderamento de grupos minoritários, particularmente visível no caso das pessoas transgénero (Shapiro 2004; Stryker 2008; Ekins e King 2010; Marciano 2014). A mudança paradigmática que marcou a fase mais recente do desenvolvimento das comunidades transgénero não teria sido tão profunda ou transformadora sem o recurso à internet (Ekins e King 2010). O ciberespaço tornou-se o meio privilegiado para a formação de relações entre pessoas transgénero numa escala transnacional. Emergiu uma nova massa crítica num ciberespaço em que se fala e vive o género sem fronteiras. Estes desenvolvimentos acompanham as diversas transformações que têm vindo a ocorrer nas sociedades contemporâneas, sobretudo no ocidente. A complexificação da realidade social, de um mundo cada vez mais interrelacionado cujas fronteiras se esbatem é, claramente, um aspeto marcante desde o final do século XX. No entanto, a produção e manutenção de formações sociais transnacionais permanece ancorada às suas condições contextuais, às oportunidades e constrangimentos que a contextualização impõe (Guarnizo e Smith 1998). Precisamente porque se tratam de práticas e processos que estão territorialmente dispersos (transterritorializados), a sua análise requer uma abordagem transnacional que permita cruzar as diversas fronteiras (nacionais, culturais e institucionais) em que os indivíduos se posicionam. Esta perspetiva permite olhar para os processos de diferenciação social sem os mascarar ou reificar em função de categorias discretas como “nação”, “etnia” ou “raça” (Schiller et. al. 1992). O mapeamento da circulação de pessoas, os objetos e as ideias entre e através das fronteiras tem de considerar as relações sociais concretas, estabelecidas por pessoas específicas e que se encontram em locais (inequívocos) e em determinados tempos históricos (Schiller et. al. 1992; Guarnizo e Smith 1998). Existem diversas formas de conceptualizar as práticas e os processos transnacionais dependendo da escala geográfica e do foco da análise. Seguimos uma abordagem que procura colocar a vida quotidiana no seu contexto histórico e extralocal, constituir os conhecimentos localizados em processos sociais, situando-os no seu contexto mais vasto de determinação (Burawoy 2000). Recorrendo a uma amostra de entrevistas compreensivas a vinte pessoas transgénero, portuguesas ou imigrantes em Portugal, avançamos com alguns resultados sobre o papel da internet na constituição e consolidação de uma comunidade transgénero transnacional. Este exercício está estruturado numa lógica de estudo de caso, organizando-se em torno de quatro secções principais. Partindo de uma discussão sobre a contemporaneidade e o 4

transnacionalismo, focamo-nos no papel que a internet tem tido enquanto veículo para a mobilidade de ideias e práticas transnacionais. Concretizamos esta análise com o estudo do papel da internet no desenvolvimento da comunidade transgénero (sem fronteiras), concluindo com uma reflexão sobre a importância da abordagem transnacional na análise das vidas transgénero. A contemporaneidade e o transnacionalismo As ciências sociais têm conceptualizado a modernidade e a globalização como elementos chave para ler a realidade social desde os clássicos. Contudo, os estudos produzidos comportam frequentemente um modelo universal de organização social construído numa lógica dualista (pré-moderno vs. moderno; local vs. global; agência vs. estrutura, etc.). No âmbito desta discussão, Aboim (2014, 14) relembra a necessidade de conceptualizar criticamente a modernidade tanto a partir de uma perspetiva macrossocial como através da combinação de diferentes níveis de análise dos processos sociais (micro, meso e macro). Com efeito, pensar a modernidade como um processo em curso, aberto a reconfigurações e reinterpretações permanentes, implica considerar quer a pluralidade (nomeadamente as múltiplas referências para a constituição e performance das identidades) quer o “entrelaçamento intermutável e reciprocamente condicionado dos múltiplos encontros num mundo global” (ibid., 12). As práticas e processos transnacionais não são um fenómeno novo mas têm vindo a complexificar-se com as transformações sociais recentes. Sendo um fenómeno específico da realidade social, o transnacionalismo é um processo delimitado no tempo e circunscrito no espaço e que diz respeito concretamente às atividades transfronteiriças (ou transterritoriais): aos movimentos de pessoas, ideias e bens dentro e entre as fronteiras nacionais, culturais e institucionais (Portes 2004; Guarnizo e Smith 1998; Schiller et. al. 1992).4 É um enfoque específico sobre a nova ordem territorial que tem vindo a emergir: a de um mundo cada vez mais interrelacionado, cujas fronteiras se esbatem. Como diz Malheiros (2000, 378) “A redução da dimensão relativa do mundo, fruto da contracção das distâncias-tempo e das distânciascusto, permite que as comunidades transnacionais dispersas por vários lugares do globo desenvolvam processos geográficos de organização em rede.”

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Apesar de terem sido desenvolvidos por diferentes escolas de pensamento e apresentem conceptualizações relativamente distintas, é possível encontrar similitudes nos conceitos de transnacionalismo e diáspora. Especialmente se considerarmos as questões da mobilidade, da dispersão geográfica ou da identidade coletiva/ sentido de pertença (Malheiros 2000).

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Segundo Eriksen (2015) a noção de “aquecimento global” ajusta-se perfeitamente às narrativas sobre a era contemporânea, na medida em que os denominadores comuns dos novos conflitos e tensões são o aumento da velocidade e a intensificação da fricção. Para este autor, as duas tendências interrelacionadas que mais têm contribuído para moldar e complexificar as vidas – e pressionar as identidades ancoradas territorialmente (“estáveis”) – são a revolução eletrónica e a diversificação cultural/ “poliétnica”. Eriksen defende mesmo que o “mundo capitalista em rede” é a chave para qualquer inquirição rigorosa das dinâmicas sociais e culturais. Centrando-se especificamente no transnacionalismo, Guarnizo e Smith (1998) distinguem quatro grandes transformações socioeconómicas e políticas que têm contribuído para complexificar este fenómeno: i) a globalização do capitalismo e o consequente reposicionamento dos Estados-Nação, classes, formações de género e étnico-raciais nessa reestruturação global; ii) transformações políticas globais como a descolonização, a universalização dos direitos humanos ou a emergência das redes institucionais transnacionais (cross-national); iii) as relações sociais transnacionais possibilitadas pela revolução nos meios de transporte e nas comunicações; e iv) a expansão das redes sociais “a partir de baixo” que facilitam a reprodução de circuitos migratórios, práticas de comércio, crenças culturais e ativismo político. Com efeito, a crescente globalização do mundo contemporâneo acarreta consigo um novo estágio das lutas de poder, uma consciência de novos níveis de diversidade em que as diferenças são parte desse mesmo jogo (e não uma homogeneização dessas diferenças). Como defende Aboim (2014) a construção histórica das sociedades e a do self individual não são processos separáveis e são diferentemente influenciados pelas forças locais e globais. A abordagem transnacional dá um contributo importante para compreender como é que estas forças operam porque se foca nas relações sociais (fluídas e dinâmicas mas culturalmente padronizadas) tendo em conta o seu contexto mais vasto de determinação global e a inter-relação complexa das assimetrias de poder. O poder é relacional, está disperso de forma latente nas relações que os indivíduos estabelecem (não lhes pertence), materializando-se através de dimensões simbólicas, materiais e performativas. Ora, os fluxos transnacionais de ideias, objetos e pessoas têm de ser analisados em relação aos contextos e aos usos que as pessoas fazem deles (Schiller et. al. 1992). As relações sociais são constituintes e constitutivas dos processos e das práticas transnacionais, implicam uma agência que está ancorada em estruturas que hierarquizam e organizam a vida social. Para 6

Guarnizo e Smith (1998) uma abordagem transnacional tem que centrar-se tanto nas causas como nas consequências do transnacionalismo “a partir de cima” e “a partir de baixo”, considerando não só as diferentes escalas geográficas em que estas ocorrem como também o foco de análise. Alertando para o risco de confusão entre a análise das relações sociais transnacionais e o estudo dos efeitos que essas relações produzem na (re)organização social, os autores reforçam a necessidade de uma análise multi-situada que considere os diferentes alcances e modalidades das atividades transfronteiriças. Uma das críticas frequentemente apontadas à abordagem transnacional é a sua visão excessivamente otimista (utópica) do transnacionalismo enquanto expressão de uma resistência popular que subverte o poder dominante (contra-hegemónica), logo, que é libertador. 5 Mas a interpretação metafórica do transnacionalismo como “desvinculado” e “libertador” obscurece o peso dos constrangimentos e oportunidades que a contextualização impõe (Guarnizo e Smith 1998, 11). O transnacionalismo é um processo multi-situado e multifacetado que comporta um potencial emancipatório de redução das assimetrias e de promoção de solidariedade relativamente às desigualdades sociais. Mas as assimetrias de poder relativamente ao género, classe, etnia, entre outras, permanecem como fonte de luta e de identidade no mundo social contemporâneo. A abertura de um caminho alternativo (e resistente) ao dominante envolve lutas intencionais e sistematicamente organizadas, um esforço coletivo de marcação de diferenças. Como referem Guarnizo e Smith (1998, 6) a relação dialética entre dominados e dominantes necessita de um estudo mais aprofundado que permita compreender como é que os espaços sociais trans-territoriais multiplicam as possibilidades de agência e resultam em práticas de confronto ou acomodação. Pensando concretamente na expansão das redes de relações sociais além-fronteiras através da globalização das tecnologias de informação e comunicação, importa questionar em que medida é que as práticas transnacionais do ciberespaço comportam de facto um potencial emancipador?

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Guarnizo e Smith (1998) destacam duas tradições de pesquisa que têm vindo a analisar as práticas e processos transnacionais de um modo divergente. Os estudos culturais pós-modernos que marcaram o conceito com uma inclinação mais culturalista e por vezes normativa e os estudos empíricos mais ligados às (trans)migrações que desenvolveram visões alternativas. Dependendo do objeto de estudo, estas divergências são mais visíveis nomeadamente quando a discussão é sobre (a formação e manutenção de) identidades transnacionais. Independentemente disso, começam a verificar-se consensos quanto à natureza e ao potencial heurístico da abordagem transnacional (Portes 2004; Guarnizo e Smith 1998).

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Um veículo (democrático) para a mobilidade de ideias e práticas transnacionais O ciberespaço é fruto da tecnologia em que se baseia, um recurso de partilha de informação e de comunicação que está profundamente enraizado no mundo offline6 em que vivemos (Marciano 2014; Ekins e King 2010). Não sendo um produto da “modernidade” nem um meio revolucionário de transformação das ordens sociais e políticas, o contributo inovador da internet reside no esbatimento das fronteiras espaço/tempo e das próprias práticas, resultando em circuitos de comunicação mais complexos e estendidos no tempo. Especialmente marcante a partir dos anos 1990, a possibilidade de disseminação de ideias e informação de forma mais rápida (e democrática) para uma audiência global traduziu-se numa espécie de transferência crescente dos vários domínios da vida social para ciberespaço. Mas esta transferência veio acompanhada com novas possibilidades de comunicação e trocas de informação e recursos. Nomeadamente o anonimato e a rapidez e extensão dos contactos e das partilhas. A internet une fronteiras geográficas, está acessível a qualquer hora do dia e não requer necessariamente a presença simultânea para a comunicação (Shapiro 2004). O ciberespaço comporta uma realidade intemporal e ilimitada, uma esfera de socialização imóvel que une pessoas de diferentes espaços a tempo inteiro, constituindo-se por isso numa configuração social singular (Marciano 2014, 826). Como referem Ekins e King (2010, 27) nos dias de hoje a internet é cada vez mais o principal meio pelo qual as histórias de todos os tipos são contadas. Se por um lado permite manter os narradores em anonimato, por outro lado também permite um alcance muito mais extenso das histórias de vida. Esta abrangência atinge tanto os que se identificam com as experiências narradas como aqueles que as procuram silenciar. No caso dos grupos minoritários estas possibilidades tiveram uma influência positiva porque permitiram a criação de um sentido de pertença e o estabelecimento de uma nova fonte de apoio (informativo, social, emocional). O facto de a internet permitir que vozes/ histórias “indesejadas” ou que não podiam ser contadas até então se expressassem, levou a que certos tabus sociais (e as tentativas de os silenciar) fossem contornados através de uma partilha global, frequentemente anonimizada. Isso foi particularmente importante para as pessoas com experiências diferentes quanto ao género e à sexualidade, muitas vezes isoladas ou constrangidas/ reprimidas (Stryker 2008;

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Optamos pela distinção entre mundo online e mundo offline, para caracterizar as práticas no ciberespaço e as experiências face a face (respetivamente), porque a experiência virtual comporta tanto de realidade como as restantes experiências. O termo “realidade virtual” traduz-se numa falácia ontológica que mascara a pluralidade de experiências existentes, como se tratassem de mundos paralelos e autónomos (Marciano 2014).

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Marciano 2014; Ekins e King 2010; Shapiro 2004). As pessoas trans estão frequentemente numa situação em que desconhecem a diversidade de género existente, desprovidas de uma linguagem para designar o sentido subjetivo de ajustamento ao género que experimentam (Shapiro 2004). O ciberespaço tornou-se o meio privilegiado pelo qual os indivíduos nas margens do género se permitiram refletir sobre as suas trajetórias e experiências, partilhá-las e conhecer outros a quem apoiar ou receber apoio sem correr tantos riscos de perseguição ou condenação pública. Mas esta nova configuração social permanece imbuída e é construída pelas realidades materiais e históricas de quem as utiliza. Se de algum modo permite criar espaços de alteridade (ou heterotópicos nos termos de Foucault)7, também comporta o peso das estruturas sociais. O seu acesso é desigual e implica sempre uma negociação e transição entre os mundos online e offline. A internet é, de facto, um veículo democratizante para a mobilidade de ideias e práticas transnacionais, mas não é “exterior” à vida quotidiana. No caso particular das pessoas transgénero, esta via teve um papel fundamental para a emergência de uma massa crítica de indivíduos informados e orientados através de novos espaços de partilha e construção de significados e práticas. Mas em que medida é que as relações transnacionais entre pessoas transgénero têm contribuído para o seu empoderamento e autonomização? Que impacto é que estes desenvolvimentos têm no reconhecimento público e legal da diversidade de género? A emergência de um mundo trans transnacional Com referem diversos autores, o fenómeno transgénero não é novo e tem sido uma parte “persistente” de diversas culturas ao longo do tempo e do espaço (Stryker 2008, 24; Connell 2009). O seu carácter aparentemente recente deve-se sobretudo ao maior reconhecimento e visibilidade do tema trans no ocidente contemporâneo, especialmente a partir dos anos 1950. Entre os inúmeros fatores que contribuíram para direcionar os holofotes para o fenómeno, encontra-se a sua forte relação com o desenvolvimento da era digital ou cibernética. Neste âmbito, Ekins e King (2010) consideram que embora já estivessem em curso mudanças paradigmáticas desde dos anos pré-internet8, a era da internet possibilitou um desenvolvimento 7

Hetero = outro + topia = espaço provém do grego e foi conceptualizado sobretudo por Foucault e pela geografia humana para definir os espaços que funcionam em condições não hegemónicas, i.e., espaços cujos múltiplos significados são construídos por referência aos poderes dominantes, constituindo-se como lugares de alteridade. Existem vários tipos de heterotopias, nomeadamente a “heterotopia de crise”: locais destinados à expressão de comportamentos socialmente indesejados (Foucault 1984 [2001]). 8 Os autores identificam três fases do desenvolvimento das identidades transgénero: i) anos 1960/80: em que as identidades disponíveis eram “transsexual”; “travesti” e “drag queen homossexual”; ii) anos 1980/90: com novas categorias que promovem a transcendência, a diversidade e a fluidez do género, como “genderqueer” ou “trans”

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profundo que marcou uma nova fase para a comunidade transgénero. Os autores comparam esta nova fase ao tipo de mudança radical que ocorreu no final do século XIX com a medicalização dos “sexualmente peculiares” (ibid., 37). Porque as pessoas transgénero experimentam frequentemente níveis elevados de isolamento social e se encontram geograficamente mais dispersas, a possibilidade de estar em contacto com os seus “pares” a uma escala transnacional foi fundamental na aproximação e formação da comunidade transgénero (Stryker 2008). A população trans é fortemente estigmatizada, apresentando taxas muito elevadas de suicídio e homicídio9. Estas particularidades realçam ainda mais as razões para a internet se ter constituído como um meio ideal de comunicação e partilha. Whittle (1998 op. cit. Marciano 2014) sublinha neste âmbito que o ciberespaço constitui o lugar por excelência da expressão da identidade autêntica por parte de muitas pessoas transgénero, habituadas frequentemente a “escondê-la” no mundo offline. Como refere Hines (2007, 164) a marginalização social das culturas transgénero levou à criação de práticas particulares de cuidados e de métodos de autoajuda que colocam uma ênfase importante na experiência partilhada. Com o recurso à internet, a possibilidade de partilha imediata (que contrai tempos e espaços), de tornar visíveis experiências alternativas ou de conhecer novas formas de autonomeação quanto ao género (se desejável em completo anonimato) foi fundamental para a descoberta de um sentido de pertença e para a emergência de práticas de apoio entre as pessoas transgénero (Ekins e King 2010). De um modo geral, o desenvolvimento de comunidades transgénero no ciberespaço traduziu-se na perceção de maior segurança e estabilidade para os seus membros, numa lógica de “união virtual” (ou virtual togetherness) transnacional (Marciano 2014, 825). A união de pessoas, ideias e objetos em torno das identidades de género no ciberespaço foi considerável, traduzindo-se numa configuração social transnacional com diversas ramificações e distintos usos (pessoais, coletivos e/ou políticos). Atualmente é possível encontrar sítios especializados, blogues, canais e repositórios de vídeos, redes sociais, etc. que vão desde a narração de histórias

(em reação ao discurso médico); iii) a partir dos anos 1990: coincidindo com o maior acesso à internet pelas pessoas trans, a partir deste momento surgiram novos refinamentos das identidades e categorizações sobre o género, por exemplo “male sissy” ou “transsexual autoginecofílico”. 9 Segundo o observatório TMM (Trans Murder Monitoring) nos últimos cinco anos morreram em média 282 pessoas transgénero por ano em todo o mundo, vítimas de assassinato. Estes dados têm vindo a ser recolhidos através de uma colaboração entre associações ativistas de todo o mundo desde 2009. Desconhece-se a dimensão das “cifras negras”, mas calcula-se que seja substantiva uma vez que se trata de uma população frequentemente escondida e/ou marginalizada.

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e experiências pessoais à venda de produtos específicos para pessoas trans (como chest binders, lingerie, hormonas e supressores hormonais, etc.).10 As associações e coletivos ativistas recorrem à internet para desenvolver o seu trabalho, fornecendo inclusive informações sobre quais os procedimentos e locais para a mudança legal de identidade de género.11 Shapiro (2004) menciona neste âmbito que a comunidade transgénero passou de uma população transsexual patologizada em torno de grupos de apoio e informação para uma população transgénero politizada que desafia os paradigmas sociais de género. Tendo em conta as diversas formas de organização coletiva transgénero, a autora identifica três vagas sobrepostas: focadas no apoio, na educação e, mais recentemente, no ativismo e organização política. O recurso à internet tem sido particularmente relevante para a organização e ativismo políticos, permitindo a muitas associações e movimentos transgénero sediar-se exclusivamente no ciberespaço e funcionar de um modo mais eficiente e produtivo, com efeitos positivos no trabalho que fazem (Shapiro 2004).12 Um dos efeitos mais marcantes desta mudança nas comunidades transgénero foi a emergência de uma perspetiva transnacional e politizada que fez com que as políticas fossem repensadas de modo a considerar as complexidades invisíveis do género – resultando numa aproximação e alinhamento da comunidade trans ao feminismo e às minorias sexuais (Stryker 2008; Marciano 2014). Ao nível individual, a importância das novas tecnologias de informação e comunicação é ainda mais visível se concebermos o ciberespaço como um laboratório social em que as identidades podem ser expressas performativamente de múltiplas formas (Marciano 2014). A internet operou como um meio muito importante para o desenvolvimento de identidades de género inovadoras. O próprio termo “transgénero” é também relativamente recente e abarca uma grande diversidade de designações identitárias que, como mostram Ekins e King (2010),

Uma procura no Google pelo termo “transgender” devolve cerca de 80 milhões de resultados (16/Maio/2016). Refere-se a título de exemplo, o Fórum da TGEU (Trangender Europe) que fornece regularmente informações (a todos os inscritos na mailling list) sobre quais os avanços (e retrocessos) políticos e sociais dos vários países, funcionando também como plataforma de partilha entre instituições de recursos e informações importantes (nomeadamente sobre temas em estudo, como “desportistas de alta competição transgénero” ou sobre leis de reconhecimento da identidade de género num determinado país, por exemplo para reencaminhamento/ apoio a um imigrante). 12 Shapiro (2004) menciona que nos últimos 50 anos as comunidades marginalizadas têm vindo a desenvolver-se e a intensificar a sua organização política, sendo a internet um meio por excelência para o ativismo. A partir dos anos 1990, muitos movimentos políticos começaram a socorrer-se da internet, especialmente importante no caso dos grupos de identidades minoritárias. A defesa de uma compreensão partilhada de self através de grandes distâncias territoriais é muito relevante na organização destes movimentos, secundarizando outros aspetos importantes noutras formas de organização política como a presença numa localização geográfica particular ou a partilha de um ambiente de trabalho. 10 11

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têm vindo a emergir desde meados do século XX em resultado das lutas sobre o que é a transsexualidade. A fixação de uma identidade como “norma” é uma das formas privilegiadas de hierarquização das diferenças entre as pessoas. Como salienta Tadeu da Silva (2000:76) a identidade hegemónica é permanentemente assombrada pelo seu “Outro”, sem o qual a sua existência não faria sentido. Isto é, “ser cisgénero”13 é considerado a norma e não uma identidade de género, que requer definição. Sendo um produto do poder e do discurso (uma ficção), a identidade permanece, contudo, um conceito heurístico para compreender a resistência à dominação e a procura de mudança social (Branaman 2010; Hall 2006). No caso das pessoas trans cujos self são frequentemente incompletos ou inalcançáveis no mundo offline, o ciberespaço tornou-se um lugar por excelência da expressão das suas identidades. Ekins e King (2010) mencionam, neste contexto, duas identidades particulares que sem o recurso à internet não se teriam desenvolvido por irem contra as narrativas dominantes do movimento transgénero: “male sissy” e “transsexual autoginecofílico”. Os autores consideram que a emergência de novas histórias identitárias depende de identity innovators que provêm tanto da construção de novas categorias e tipologias (pelos especialistas) como da colaboração entre especialistas e membros da comunidade transgénero. Nesse sentido, o aparecimento de novas formas de autonomeação, da expansão e reconhecimento da diversidade de género que abarca o chapéu trans tem de ser pensado na relação que estabelece com o mundo offline. Com base no estudo da comunidade israelita, Marciano (2014) distingue, neste âmbito, três tipos de relação com o ciberespaço pelas pessoas trans: preliminar, complementar e/ou alternativa. As inter-relações entre os dois mundos podem ser preliminares na medida em que há um primeiro momento de experiências online que depois são continuadas no mundo offline; complementares, quando o ciberespaço configura uma arena social como outras do mundo offline (a escola, o trabalho, etc.); e alternativas se as experiências são contraditórias ou divergentes das do mundo offline, configurando uma espécie de “mundo paralelo”. Neste último tipo, o ciberespaço preenche uma necessidade importante para o empoderamento e concretização de experiências satisfatórias por parte das pessoas trans. Contudo, embora permita “aliviar” a marginalização recorrente destas pessoas e seja uma componente genuína das experiências vividas por elas, o ciberespaço é determinado pelas

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Neologismo que começou por ser usado em contextos online, é usado como termo para caracterizar as pessoas que não são trans (Shotwell e Sangrey 2009). Apropriado provavelmente da biologia molecular, o prefixo cisprovém do latim e significa “deste lado” ou “para cá”, traduzindo-se na ideia de correspondência ou concordância.

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estruturas hierárquicas elementares da vida social (offline) limitando as suas possibilidades para agir. Por muito que uma pessoa transgénero consiga viver o género desejado através do ciberespaço de uma forma alternativa (ou paralela), o reconhecimento dessa identidade pode ser inalcançável no mundo offline. A escolha de uma utilização preliminar, complementar e/ou alternativa para a expressão das identidades de género é assim permeada por um conjunto de opções “possíveis” e não de opções “ideais” (Marciano 2014, 832). Tendo por base uma análise de conteúdo temática (categorial) de entrevistas realizadas a vinte pessoas transgénero portuguesas ou imigrantes em Portugal14, podemos organizar os diversos discursos recolhidos em quatro temas chave sobre o papel da internet na formação e manutenção de uma comunidade trans transnacional. Em primeiro lugar, a internet opera como uma fonte para processos de identificação, para a descoberta da identidade correspondente às experiências e perceções sobre o género. Este processo é sobretudo visível nas gerações mais novas, que fazem do ciberespaço uma das principais fontes de acesso à informação e uma fonte para a aprendizagem de linguagens que permitam lidar com as suas identidades de género: [Os jovens trans] “São muito mais bem informados, são… Haa… Vivem uma série de experiências… Vêm já com uma bagagem muito rica de experiências. Não são de se fechar tanto. Ou então, podem-se fechar mas depois têm todo… O Computador, o mundo da internet e de… Em que se podem explorar. Eu nunca me permiti isso.” (Mulher, 29 anos, PT)15 Por facilitar um acesso mais imediato (e democrático) sobre narrativas pouco divulgadas (ou indesejadas) a pessoas que frequentemente se sentem isoladas ou incompreendidas, a internet opera como uma fonte especialmente na fase inicial do processo de identificação. Como refere um dos participantes no estudo: “TV, journals… society doesn´t talk much about trans but when it does it´s in a very binary way. So I had no idea that there were people non-binary. And one day I found an article on the internet, some person who identified as FtX and was describing what he felt it was FtX and

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Entrevistas compreensivas realizadas entre Novembro de 2014 e Março de 2015 pela equipa do projeto TRANSRIGHTS em que se insere este doutoramento. Uma vez que o reconhecimento legal da identidade de género tem de ser feito por referência ao país de origem, a amostra recolhida integra pessoas transgénero portuguesas que residem ou não no país. A inclusão de pessoas transgénero imigrantes em Portugal foi também importante para compreender a sua perspetiva sobre o enquadramento sociocultural e institucional português. Tendo por base os 20 casos analisados, partimos de resultados preliminares de uma recolha ongoing, que será expandida para outros países europeus. A comparação com os casos francês e britânico permitirá contrastar e aprofundar os dados encontrados sobre a importância do papel da internet nas vidas transgénero. 15 As categorias identitárias dxs participantes no estudo são as designadas pelxs próprixs como sendo a identidade de género com que se identificam. A referência a participantes respeita o pronome pessoal com que preferem ser designadxs (masculino, feminino ou neutro).

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then “What??? This is me! This is like me. That exists, seriously?” And the person in the picture was so hard too, [laughing] it was incredible. They look… you can see the woman and you can see the man in the same person and they look so hard and I said Wow, that´s cool! Some people exist and they even have a word for this, it´s FtX. Incredible.” (FtX não binário, 29 anos, Imigrante em PT)16 Para além de permitir uma expansão dos conhecimentos e da identificação com narrativas alternativas sobre a identidade de género, a internet é também uma fonte de acesso a informação especializada sobre os cuidados e procedimentos médicos existentes. Isso é particularmente importante e relaciona-se com o segundo papel que a internet desempenha no desenvolvimento e consolidação da comunidade trans transnacional enquanto espaço de aproximação. Como tem sido amplamente relatado por diversos autores, a internet opera como um meio para estar em contacto com outras pessoas, para encontrar um lugar e um sentido de pertença. Esta função de “aproximação” é empoderadora e resulta numa perceção de maior segurança para as pessoas transgénero. Como refere um dos entrevistados, a internet “Salvou a minha vida! (…) Eu antes disso… Eu consigo dizer que eu ter-me-ia suicidado se não fosse as redes sociais e as pessoas genderqueer que conheci, porque não havia lugar para mim.” (FtM não binário, 22 anos, PT) A expansão das redes sociais “a partir de baixo” (como referem Guarnizo e Smith 1998) permitiu criar circuitos transnacionais que unem as pessoas em torno de um sentido de pertença a uma identidade marginalizada, permitindo-lhes resistir e/ou adaptar-se às forças dominantes que discriminam as transgressões e variações de género. Precisamente porque o ciberespaço permite falar do género sem fronteiras de uma forma anonimizada ou através de uma interação mais distanciada do que a experimentada face a face, a internet opera também como um instrumento. Tem um papel instrumental para a relevação pública da identidade de género (comming out): “Falei com as minhas irmãs e escrevi no Facebook, portanto, uma coisa grande, não é? A dizer: «Como é que, por exemplo, vocês...» – que estão a ler, não é? «Como é que vocês se sentiam se acordassem no dia seguinte e fossem um homem...» Pronto, coisas assim do género,

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FtM, FtX, MtF ou MtX são categorias identitárias anglófonas que captam a direção na travessia/ transição de género: FtM – feminino para masculino; FtX – feminino para neutro/ indefinido; MtF – masculino para feminino; MtX – masculino para neutro/ indefinido. A designação “não binário” refere-se à rejeição de uma identidade de género localizada entre dois polos opostos, o masculino e o feminino.

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não é? (…) Então toda a gente começou a fazer likes e que respeitava e não sei quê. (…) Eu numa semana já tinha falado com todos!” (Homem, 34 anos, Emigrante PT num país europeu) A internet constitui-se também como um instrumento para ajudar os outros, através da revelação das experiências pessoais: “Bem eu achei que era um contributo [colocar vídeos da transição corporal na internet]. Porque eu antes de começar a minha transição física também comecei a ver vídeos de outras pessoas e a acompanhar.” (FtM não binário, 26 anos, PT) Por sua vez, porque a internet permite reduzir os riscos de exposição aos outros na organização de atividades politizadas (Shapiro 2004), funciona também como um importante instrumento de ativismo político tanto a nível individual como coletivo: “Lo que quiero decir que sí, internet es importante porque yo con mi Facebook soy en contacto con activistas de varios países y me gusto (sic) realmente de tener ver lo que se pasa en diferentes país (sic). As veces traducir, suelo hacer traducción para que las personas se pongan en contacto y vean lo que se pasa en otra país. Para mí es súper importante, internet, sí, es una base.” (FtM não binário, 58 anos, Imigrante em PT) Contudo, apesar de o ciberespaço funcionar como um lugar de libertação e reconhecimento da diversidade de género, este empoderamento nem sempre tem uma correspondência com a vida offline, especialmente nos casos de pessoas que estão no início do processo de transição corporal17. Muitas vezes, a relação com o ciberespaço é “inevitavelmente” uma prática alternativa (Marciano 2014) para a expressão de uma identidade de género “inalcançável” no mundo offline. A internet opera assim como uma condição para a vivência do género. Uma das pessoas entrevistadas relata a dificuldade que tem em transferir as relações mantidas no ciberespaço para a vida offline, porque a expressão da sua identidade como Homem Transsexual não tem uma correspondência tão fidedigna. A sua materialidade corporal constitui um obstáculo efetivo no recurso ao ciberespaço como uma esfera preliminar das experiências trans: “Às vezes no Facebook tenho contactos de mulheres, não é? Que eu gostaria de poder corresponder mas não posso... Pronto, porque continuo como mesmo corpo que tinha na

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Nem todas pessoas transgénero desejam fazer transformações corporais, terapia hormonal ou cirurgias de confirmação genital. Não obstante, para o reconhecimento legal da identidade de género em Portugal ainda são necessários dois diagnósticos de uma equipa multidisciplinar (constituída por psiquiatras, sexólogos e endocrinologistas). Caso desejem realizar cirurgias, as pessoas trans têm depois de aguardar por uma autorização da Ordem dos Médicos e uma vaga no serviço público. Nesse sentido, os serviços médicos ainda funcionam como um gatekeeping do reconhecimento das identidades de género, especialmente nos casos que não desejam fazer transformações corporais.

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adolescência. Porque continuo com o mesmo problema que tinha na adolescência quando os meus colegas se começaram a relacionar com outras pessoas e eu... Estava sozinha, não é?” (Homem Transsexual/ em fase inicial de transição corporal, 44 anos, PT) A internet opera como uma condição para a expressão do género sem fronteiras, uma condição que permite um maior sentido de pertença e de reconhecimento mas que não tem uma completa correspondência no quotidiano offline. A amplitude das fronteiras que o ciberespaço permite construir implica uma separação artificial que se torna uma parte genuína da experiência de vida dxs utilizadorxs transgénero (Marciano 2014). Como salienta Shapiro (2004) a internet tem desempenhado um papel crítico de minimização de muitos obstáculos para a formação e participação nos movimentos de defesa dos direitos transgénero, tornando o ciberespaço num novo espaço público em que a informação é distribuída, em que a aprendizagem e a organização acontecem, fortalecendo um sentido de pertença a uma identidade coletiva. Mas esta “educação online” criou uma falsa sensação de segurança e de dimensão do movimento transgénero nas novas gerações, inflacionando uma perceção de aceitação e mudança social generalizada. Apesar do crescimento de uma defesa ativa pela mudança e da transformação da própria comunidade transgénero a uma escala transnacional, ainda há muito trabalho por fazer na união entre as esferas online e offline dos movimentos transgénero (ibid., 175). O impacto que esta nova consciência da diversidade de género está a ter no mundo offline ainda está por desvendar. A abordagem transnacional é fundamental na compreensão das relações entre os dois mundos. Contributo de uma abordagem transnacional para o estudo das vidas transgénero A abordagem transnacional aplicada ao estudo do fenómeno transgénero é imprescindível. O encurtamento das lógicas e relações espaço-tempo que tem vindo a ocorrer nas sociedades contemporâneas exige um maior número de estudos que conceptualizem as mudanças de uma forma multi-situada (ou transterritorial) para alcançar interpretações mais coerentes e frutíferas. Sendo o transnacionalismo um fenómeno específico, de longa data, a sua leitura não pode ser feita com quadros de pensamento e categorias reificantes dos circuitos além-fronteiras. Como procurámos demostrar com este breve ensaio, a abordagem transnacional dá um contributo muito importante para a leitura do fenómeno transgénero, particularmente na análise da consolidação de uma comunidade trans transnacional. Os estudos sobre o transnacionalismo têm sido desenvolvidos sobretudo através das correntes culturalistas (pós-modernas e/ou pósestruturalistas) e das pesquisas sobre migrações (Guarnizo e Smith 1998). Os avanços e 16

consensos alcançados por estes contributos permitem-nos transferir o foco de análise para outras esferas de mobilidade, tendo em conta as diferentes escalas em que as práticas transnacionais ocorrem. A convergência de perspetivas e explicações é fundamental para compreender o mundo contemporâneo e a relação entre forças locais e globais. Referências bibliográficas Aboim, Sofia. 2014. "Globalization and identity: reassessing power, hybridism and pluralism". ICS Working Papers 3. Branaman, Ann. 2010. “Identity and social theory” Em The Routledge Companion to Social Theory, editado por Anthony Elliott, 135-155. Londres e Nova Iorque: Routlegde. Burawoy, Michael. 2000. "Introduction: Reaching for the global". Em Global Ethnography: Forces, Connections, and Imaginations in a Postmodern World, editado por Michael Burawoy et. al., 1-40. Berkeley, Los Angeles e Londres: University of California Press. Connell, Raewyn. 2009. Gender in World Perspective. Cambridge: Polity Press. Ekins, Richard e Dave King. 2010. "The Emergence of New Transgendering Identities in the Age of the Internet". Em Transgender Identities: Towards a Social Analysis of Gender Diversity, editado por Sally Hines e Tam Sanger, 25-42. Nova iorque e Londres: Routledge. Eriksen, Thomas Hylland. 2015. "The meaning of We". Em The Challenge of Minority Integration: Politics and Policies in the Nordic Nations, editado por Peter A. Kraus e Peter Kivisto, 2-21. Berlim: De Gruyter Open. Foucault, Michel. 1984. "Outros Espaços". Em Ditos e escritos III - Estética: Literatura e pintura, música e cinema, organizado por Manoel Barros da Motta, 411-422. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Guarnizo, Luis Eduardo e Michael Peter Smith. 1998. "The Locations of Transnationalism". Comparative Urban and Community Research 6: 3-34. Hall, Stuart. 2006. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 11ª ed. Hines, Sally. 2007. TransForming Gender: Transgender practices of identity, intimacy and care. Bristol: Policy Press.

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Malheiros, Jorge Macaísta. 2000. "Circulação migratória e estratégias de inserção local das comunidades católica goesa e ismaelita – Uma interpretação a partir de Lisboa". Lusotopie 2000: 377-398. Marciano, Avi. 2014. "Living the VirtuReal: Negotiating Transgender Identity in Cyberspace". Journal of Computer-Mediated Communication 19: 824–838. Portes, Alejandro. 2004. "Convergências teóricas e dados empíricos no estudo do transnacionalismo imigrante". Revista Crítica de Ciências Sociais 69: 73-93. Schiller, Nina Glick, Linda Basch e Cristina Blanc-Szanton. 1992. "Transnationalism: A New Analytic Framework for Understanding Migration". Annals of the New York Academy of Sciences 645: 1–24. Shapiro, Eve. 2004. “Trans’cending Barriers: Transgender Organizing on the Internet”. Journal of Gay and Lesbian Social Services 16(3/4): 165-179. Shotwell, Alexis e Trevor Sangrey. 2009. "Resisting Definition: Gendering through Interaction and Relational Selfhood". Hypatia 24: 56–76. Silva, Tomaz Tadeu da. 2000. "A produção social da identidade e da diferença". Em Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, organizado por Tomaz Tadeu da Silva, 73-102. Petrópolis: Vozes. Stryker, Susan. 2008. Transgender History. Berkeley: Seal Press.

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Reflexos da mobilidade informacional na mobilidade espacial: a influência da mobilidade comunicacional e informacional na cultura backpacker, Tatiana Souza18

Resumo: O presente ensaio busca verificar a influência da mobilidade tecnológica e informacional, principalmente no que tange ao papel das redes sociais na mobilidade geográfica e espacial. Buscou-se realizar esta verificação a partir da análise dos usos que os backpackers fazem da internet e das redes sociais em suas viagens. Foi realizada pesquisa bibliográfica e empírica através da consulta a sites, blogs, comunidades virtuais e da realização de entrevistas. Palavras-chave: mobilidade – tecnologia – redes sociais – viagem – backpackers

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Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutoranda em Sociologia pelo OpenSocio (curso em associação entre a Universidade NOVA de Lisboa, através da FCSH, a Universidade de Lisboa, a Universidade do Algarve e a Universidade de Évora). Professora universitária no Centro Universitário de Brasília-BR. Correio eletrônico: [email protected]

Introdução Este paper é resultado de pesquisa desenvolvida para a disciplina de Vidas transnacionais, mobilidade e migrações, coordenada pelo Professora Doutora Marzia Grassi, no doutorado em Sociologia OpenSocio, em associação entre a Universidade NOVA de Lisboa, através da FCSH, a Universidade de Lisboa, a Universidade do Algarve e a Universidade de Évora. Em sua pesquisa de tese a autora busca analisar uma categoria de indivíduos autointitulada “nômades digitais”, que se caracteriza pelo emprego do trabalho remoto (tele trabalho) durante suas viagens. Considerando que a internet constitui um instrumento fundamental para estes indivíduos, e que a mobilidade informacional é um elemento importante em suas atividades, bem como, que uma parcela significativa de “nômades digitais” é adepta do turismo backpacker, a autora optou por realizar neste ensaio uma investigação acerca da influência da mobilidade informacional e comunicacional na mobilidade física e espacial, a partir do modelo de viagem backpacker. Esta análise poderá auxiliar a autora no desenvolvimento de sua tese, pois lhe interessa compreender os usos que a população investigada faz da internet, e os usos desta pelos referidos viajantes constitui uma componente interessante. Para chegar a definição do problema de pesquisa e do objeto principal deste paper a autora partiu das seguintes inquietações: primeiramente buscou analisar o conceito de mobilidade, estabelecendo diferenciações e aproximações com o conceito de migração e verificando suas possíveis dimensões; em um segundo momento, a partir da constatação da mobilidade informacional como uma importante dimensão de análise, a autora abordou os usos e práticas que os viajantes backpackers fazem da tecnologia em suas viagens, a fim de verificar a hipótese aventada de que mobilidade informacional apresenta significativa influência na mobilidade espacial; na terceira parte deste ensaio a autora apresenta os resultados, ainda parciais, de uma pesquisa empírica que contou com a realização de entrevistas à viajantes e com a consulta a sites, blogs, e comunidades virtuais. Na escrita utilizou-se as normas do Novo Acordo Ortográfico. Foi adotada uma metodologia compreensiva com técnicas de pesquisa qualitativa. As considerações apresentadas são provisórias, sendo que objetivo principal foi suscitar questões relevantes para debate e aprofundamento em pesquisas futuras,

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Dimensões da mobilidade Em 1971, Wilbur Zelinski, geógrafo americano publicou um artigo na Geographical Review, onde lançou a Hipótese da Transição da Mobilidade Territorial, basicamente resumida na seguinte sentença: “há regularidades bem definidas e padronizadas no crescimento da mobilidade pessoal através do espaço-tempo nos períodos recentes da História e essas regularidades são um componente fundamental do processo de modernização” (Zelinski 1971, 221-222). O autor traçou uma importante relação entre a mobilidade pessoal e o processo de modernização. Suas constatações são ainda atuais e extremamente válidas para os estudos das mobilidades e migrações, pois identificamos, cada vez mais, a presença de diversos fenômenos circulatórios. De formas novas e inusitadas, a mobilidade adquire avanços humanos e tecnológicos. Para Zelinski (1971, 225-226), a mobilidade geográfica poderia ser dividida em duas categorias, a migração e o fenômeno que ele chamou de “circulação”. A primeira seria definida por uma “mudança permanente ou semipermanente de residência (...), a transferência espacial de indivíduos de uma unidade social ou vizinhança para outra, que enfraquece ou rompe as ligações sociais anteriores”; a segunda envolveria uma grande variedade de movimentos de circulação sem intenção de residência permanente e definitiva. O termo mobilidade não é novo nas ciências sociais. O mesmo ganhou destaque para a sociologia a partir da análise da mobilidade social, que não envolve necessariamente a mobilidade geográfica ou espacial. Faist (2013, 1637) aponta que a mobilidade social tem sido um dos principais elementos no estudo sobre desigualdades sociais, sendo analisada sob o contexto vertical e horizontal. O primeiro estaria relacionado ao movimento de uma classe ou estratos da sociedade para outra; o segundo referir-se-ia, por exemplo, ao movimento de uma posição ocupacional para outra, mais ou menos, igual no sistema de estratificação social. Peixoto (2001, 05) alerta para a importante distinção conceitual do conceito de migração, não se podendo generalizá-lo, afinal o mesmo não cobre todos os fenômenos de mobilidade territorial. O autor aponta que um objetivo comum entre as diferentes concepções é a busca pela diferenciação entre os movimentos territoriais de menor duração, tais como viagens de negócios, turismo ou deslocações pendulares, em que “as relações com os meios sociais em presença são menos intensas”.

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O fenômeno migratório se insere no conceito de mobilidade, porém nem todo fenômeno de mobilidade é, necessariamente, um fenômeno de migração. A mobilidade possui diferentes dimensões de análise. Para Lemos (2009, 28-29), é possível pensá-la sob três aspectos principais: a mobilidade do pensamento, que segundo Deleuze e Guattari ([1980] apud Lemos, 2009, 28), consubstancializaria-se na desterritorialização por excelência; a mobilidade física, relacionada aos corpos e objetos; e a informacional-virtual, relacionada à informação. Estas dimensões influenciam umas nas outras, a mobilidade informacional ou virtual, possui grande peso na mobilidade física. Para Lemos (2009, 29), a comunicação seria uma forma de mover informação, produzindo sentido, subjetividade e espacialização. Conforme aponta “a mobilidade física não é um empecilho para a mobilidade informacional, muito pelo contrário. A segunda se alimenta da primeira. Com a atual fase dos computadores ubíquos, portáteis e móveis, estamos em meio a uma “mobilidade ampliada” que potencializa as dimensões física e informacional”. A viagem em suas variadas modalidades (turística, profissional, etc), representa um importante meio de construção de subjetividades e transformação dos indivíduos. Fernandes (2009/10, 33) explica que “é um fator importante na definição de identidades” e que ao longo da história as viagens têm seguido múltiplas motivações, ritmos e meios de deslocação. Conforme explica o desenvolvimento tecnológico e a reorganização dos serviços de apoio à atividade turística tornaram as deslocações mais velozes, ampliaram as opções e abriram o mundo a faixas populacionais mais alargadas. Castells (2009) aponta que nos encontramos atualmente em um processo multidimensional de transformação estrutural, que já dura pelo menos duas décadas e que está associado a emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que começaram a tomar forma a partir dos anos 60 e que se difundiram de forma desigual pelo mundo. A aproximação íntima à lugares distantes tem sido ampliada pelas inovações tecnológicas de observação à distância, tais como o Google Earth, janela que possibilita múltiplas viagens pelo planeta. Fernandes (2009/10, 36) explica que “esta ferramenta responde ao interesse dos viajantes que procuram pontos proeminentes de visualização, miradouros de observação de horizontes mais largos, amplos e distantes, numa perspectiva de longo alcance”. O autor faz uma relação com a obra novecentista de Júlio Verne, que explorou a verticalidade e a amplitude 22

de observação alcançadas pela viagem em balão, em obras como Robur, o Conquistador e Cinco Semanas em Balão (Fernandes 2009/10, 36). Outro importante recurso tecnológico, indispensável para grande parte dos viajantes, tem sido o GPS. A robotização também se relaciona ao controle dos locais. Fernandes (2009/10, 37) cita o exemplo, da divulgação on-line de imagens em tempo real captadas por redes de câmaras de filmar espalhadas por várias cidades do mundo, que aproxima o utilizador informático do quotidiano de fragmentos de espaços urbanos como Chicago, São Paulo ou Tóquio. A maior visibilidade dos destinos através dos diversos meios de arte e informação, contribui para a divulgação de muitos locais até então desconhecidos, Assim, a informação de modo geral representa um grande fator de decisão nas escolhas dos viajantes. A divulgação publicitária por exemplo influencia nas escolhas dos destinos, e, inclusive, no tipo de viagem a ser eleita. “As imagens e outras representações de lugares circulam ainda por diferentes linguagens publicitárias, dos out- doors aos anúncios televisivos, pela imprensa ou por revistas de divulgação turística ou científica, como a National Geographic Magazine, criada ainda no século XIX” (Fernandes 2009/10, 35-36). Porém, não é apenas a veiculação publicitária a responsável pelas escolhas dos destinos, estas também se realizam através da divulgação feita pelos próprios viajantes, e neste aspecto, as redes sociais desempenham um papel fundamental. A possibilidade de contato direito do indivíduo com outros viajantes que possam prestar referências em relação ao local de destino, ou com sua família caso aquele necessite de ajuda para solucionar problemas que a busca informacional prévia não foi apta a resolver, se mostram como fatores de importância para garantir uma maior segurança ao viajante e para o gerenciamento de eventuais imprevistos. Dentre as diversas formas de se viajar a modalidade backpacker nos parece ser uma das mais relevantes para pesquisa científica. Isso porque envolve uma grande autonomia por parte do viajante, que se torna responsável pela criação de seu roteiro, o que o leva a coletar por si mesmo as informações de que necessita, aspecto para o qual a mobilidade informacional e comunicacional é fundamental.

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Possíveis impactos da mobilidade comunicacional e informacional na cultura backpacker Backpacker é considerada pela maior parte da literatura como uma forma de turismo “não institucional”. Essa forma de viagem se caracteriza principalmente por itinerários flexíveis, viagens de baixo custo, autonomia e amplo contato com a cultura local. Muito se questiona acerca da diferenciação entre o viajante backpacker e o turista. Para Urry e Rojek (1997, 01-02), o termo “tourism” aguarda para ser descontruído. Os autores defendem que os conceitos de turismo e cultura estão interligados, e que não há uma clara fronteira de distinção entre eles. Power (2010), defende que os viajantes backpackers formam um grupo distinto dos turistas, podendo ser classificados como subcultura. Welk (2004, 80) aponta que a ideologia backpacker é baseada em cinco pilares: viagens de baixo custo; encontros com diferentes pessoas; sentimento de liberdade, independência e mente aberta; organização da jornada de forma individual e independente; e extensão da viagem por maior tempo possível. Informação e sociabilidade são elementos centrais para estes viajantes. Este grupo guarda relação com o “road status”, que para Sorensen (2003, 856) envolve a combinação de fatores como “dificuldades, experiência, competência, viagens baratas, juntamente com a capacidade de comunicar-se corretamente”. Mascheroni (2007, 528) argumenta que a socialidade é móvel sendo fundamentada na complexa interseção entre presença e ausência, proximidade e distância; segundo o autor este tipo de sociabilidade se reflete em co-presença entre viagem corporal e virtual, facilitada pelos novos média. Verifica-se que a constituição e manutenção de redes sociais pelos backpackers é um importante fator na redução dos riscos da viagem, que os influencia em diversos momentos. Fernandes (2009/10, 36) cita que “uma sondagem efetuada em 2008 pela Marktest, mostrou que 57.5 % dos portugueses utilizam a internet para obter informações prévias sobre os lugares turísticos de destino”. Ao analisarem as mobilidades virtuais, Tamara Young e Jo Hanley (2010, 01), verificaram a atuação dos novos média na experiência contemporânea dos viajantes backpacker, explorando como o complexo das comunidades online emerge nas redes sociais e nos fóruns de discussão. A internet é um meio de acesso importante para os viajantes. Conforme referem os autores 24

(2010, 02) as experiências da viagem são expressas pelos backpackers em um aglomerado de textos, e-mails, blogs, e redes sociais online. Estas têm sido utilizadas pelos backpackers em diferentes momentos, “pre-trip”, “on-trip” e “post-trip”, possibilitando espaços para reportagens e reflexões sobre as experiências contemporâneas de viagem. Conforme aponta O’Regan (2008, 112-113), para a hipermobilidade, o mundo tem poucos obstáculos. Os viajantes têm a possibilidade de viajar para onde querem, quando querem, a um preço que podem pagar e a capacidade de se comunicarem com (quase) qualquer pessoa, a qualquer momento (a partir de qualquer lugar). Para o autor “o mundo hoje está tão em rede que estranhos não existem mais, mas são simplesmente conexões à espera de acontecer”. Germann Molz (2006, 378) trabalha com o conceito de “interactive travel” para estabelecer a relação entre mobilidade física e tecnológica. Viagem interativa se refere à forma como os viajantes estão a incorporar novas tecnologias de informação, como a internet, e-mail e sites em suas práticas de mobilidade. O conceito de viagem interativa significa que os indivíduos estão viajando com a internet, que enquanto na estrada estão conectados com os amigos e a família, e utilizando a rede para procurar hotéis, postar fotos e histórias sobre suas aventuras no exterior. O’Regan (2008, 115-116) analisa a emergência dos cybercafés e sua relação com a cultura backpakers. O autor afirma que a ligação entre tecnologia e espaço social é imediata nos cybercafés, onde os viajantes encontram os artefatos físicos de computação, tais como desktops, monitores, cadeiras, webcams, fones de ouvido, teclados, etc. As motivações para o uso dos cyberscafés pelos viajantes, segundo o autor, são variadas, podendo estar fora da rotina em caso de necessidade, como por exemplo para transferências bancárias, para contato com a família, ou simplesmente por tédio, quando um “lugar real” não cumpre com suas expectativas. O‟Regan (2008, 115) afirma que os cybercafés representam um “technospace”, dentro das “travelscape”, possuindo uma função vital nas redes de mobilidade dos viajantes, e se traduzindo em um símbolo desta mobilidade. Paris (2010, 60) aponta que apesar de os livros guias ainda serem utilizados por mochileiros, a internet os ultrapassou em sua importância, com informações online que permitem uma maior mobilidade enquanto na estrada.

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Primeiros resultados de uma de uma pesquisa empírica em curso Como recurso metodológico para a elaboração deste paper realizou-se uma pesquisa empírica, de forma exploratória, a fim de testar métodos e técnicas para a pesquisa de tese em curso. Recorreu-se à consulta de sites, blogs e comunidades virtuais, bem como, realizou-se entrevistas à viajantes, através de meios digitais, como trocas de e-mail e conversas por Facebook e Whatsapp. Foram entrevistados 5 viajantes. O primeiro contato ocorreu através do Facebook, sendo enviado na sequência um questionário que os mesmos responderam por email, e sequencialmente a realização de novas conversas para aprofundar questões que se mostraram como relevantes. Os critérios de escolha dos entrevistados foram suas experiências em viagens de forma autônoma, sem roteiros estruturados por terceiros, e a disponibilidade para entrevista. Os participantes que a autora conheceu em suas viagens nos últimos meses e com os quais manteve contato através de redes sociais, participaram da pesquisa de forma voluntária. O objetivo foi avaliar o uso da internet durante suas viagens, verificando com que frequência e com quais objetivos os mesmos a ela recorriam. Foram entrevistados três homens (um italiano, um colombiano e um brasileiro) e duas mulheres (ambas brasileiras), com idades entre 30 e 35 anos. Seu nível de formação varia entre o ensino superior incompleto e completo, mestrado e doutorado. Três dos entrevistados estão envolvidos atualmente em viagens longas (acima de três meses), o que inclusive trouxe dificuldades para a realização das entrevistas, em razão do fuso horário e de problemas de conexão com a internet. Apenas um de nossos entrevistados não se encontra em seu país de origem. No entanto, nenhum reside atualmente na mesma cidade onde nasceu, o que confirma o perfil móvel destes indivíduos. As entrevistas realizadas revelaram questões que vão além do foco deste paper, e, considerando o espaço limitado para a sua elaboração, nos restringiremos a apresentar as questões relacionadas ao uso da internet pelos viajantes e a relação deste uso com sua mobilidade física. Como foi referido, os entrevistados não costumam recorrer a agências de turismo, tendo sido esse justamente o principal critério de sua escolha. A maioria não costuma traçar roteiros detalhados antes das viagens, no entanto esta não é uma regra: Maria por exemplo declarou ser 26

“bem metódica”, afirmou que “Antes de viajar procuro saber todos os pontos turisticos presentes na região e procuro saber a localização geográfica e a distribuição de proximidade dos mesmos, forma de acesso ao local e distribui a visita a esses locais considerando proximidade e tempo para assim conhcer o máximo que conseguir”. Independente de traçarem ou não roteiros detalhados, os entrevistados referiram que recorrem à internet para coleta de informações sobre os destinos, com exceção de Lúcia, que afirmou que prefere não ter informações prévias sobre os mesmos. As fontes de pesquisa consultadas pelos viajantes são variadas, tais como as citadas por Thiago, que também afirmou traçar roteiros antes de suas viagens: “Procuro muita informação através da internet blog, fóruns, Google, Google earth p ver rotas, Facebook, vídeos dos lugares, etc”; Maria referiu que costuma também aproveitar as viagens para fins relacionados ao seu trabalho de pesquisadora, e portanto consulta “sites de viagens e também artigos científicos para o caso de estar visitando alguma região muito específica na minha área de estudo”. O uso das redes sociais também é comum entre os entrevistados. Todos afirmaram utilizar de redes como o Facebook e aplicativos de celular como Whatsapp para se comunicarem com a família e amigos, o que demonstra que os viajantes, em regra, não costumam cortar contato com as pessoas do seu local de origem. As redes sociais também são utilizadas pelos entrevistados durante suas viagens, para conhecer pessoas, como referiu por exemplo Gabriel “já usei o Tinder quando chego no lugar, as vezes foi legal pois sai com alguém da cidade e me levou para conhecer pontos da cidade que talvez sozinho nunca teria achado”, ou realizar atividades como referiu Thiago: “sim, em Porto Velho, na minga passagem por RO [Rondonia-Brasil], fiz contato com com um grupo de pedal [ciclismo] onde pude, anterior de embarcar para Manaus, fazer um pedal ao redor de Porto Velho. Assim como outros lugares como Brasília [Capital Federal do Brasil], BH [Belo Horizonte- Brasil].” O aplicativo Tinder referido por Gabriel é voltado ao encontro de pessoas para fins de namoro, amizade, e também sexo. O aplicativo Meetup não foi referido pelos viajantes mas consiste uma rede social que conecta pessoas com interesses semelhantes para praticarem atividades (esportivas, culturais, grastronomicas, etc) em conjunto, e é utilizado tanto por viajantes, quanto por moradores locais.

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Outra rede social muito utilizada pelos viajantes é o Couchsurfing, em que os locais oferecem um “sofá” (pode ser um sofá, um colchão, um quarto, etc. As acomodações variam de acordo com cada morador) para que o viajante possa pernoitar e assim ecnomizar em suas viagens. Também permite que viajantes e locais façam amizades e saiam para juntos visitarem atrativos dos locais de destino. Lúcia por exemplo, afirmou já ter utiliziado o mesmo em viagens feitas pelo Brasil. A criação de comunidades voltadas especificamente aos mochileiros vem se ampliando na internet e serve para a busca por companheiros de viagens, ou de atividades, como a comunidade “Companhia para viajar” no Facebook, que conta mais de 30 mil pessoas; “sites como “Mochileiros.com”. Os entrevistados referiram que, apesar de viajarem também com outras pessoas, gostam de viajar sozinhos, o que parece ser uma tendência entre os “mochileiros”, conforme se observa em comunidades do Facebook como “Backpackers alone in New Zealand” e“Women Travel alone”. A internet também se mostrou um importante instrumento para manter os viajantes informados e para se precaverem dos riscos e perigos que a viagem na modalidade backpacker pode envolver, já que são eles os responsáveis pela quase unanimidade das decisões tomadas durante a viagem. Muitos referiram que caso recorressem à agências de turismo esses riscos poderiam ser atenuados. Porém, esta conclusão não foi unânime dentre os entrevistados, Gabriel por exemplo foi categórico ao afirmar que a contratação de agências de modo algum reduziria esses perigos. Dentre os principais riscos em se viajar sozinho listados pelos entrevistados, o assalto e a violência foram os recorrentes. Porém estes riscos, podem variar de acordo com os locais visitados, conforme menciona Thiago: Quais são as suas principais preocupações em uma viagem? “Segurança quanto a potenciais riscos. (Assalto, falta de água , se perder em trilhas...)”. Foram citadas também questões relacionadas aos riscos da prática de esportes e atividades de aventura, para os quais Maria referiu recorrer à agências “quando a viagem contemplará alguma atividade muito específica ou local que demanda maior controle de segurança pessoal”. Thiago referiu que viajar sozinho exige mais do viajante “você precisa tomar decisões e tomar decisão em companhia de mais alguém parece mais seguro, além claro, da própria 28

segurança no q se refere a risco”. Este entrevistado afirmou já ter se deparado com uma situação de perigo quando “na serra do Intendente peguei um caminho errado o que gerou um problema pois estava ficando sem água, todo dia pedalando e 5 pneus furados e já era noite. No final tudo deu certo”. Fernando afirmou que suas principais preocupações durante uma viagem são “dinheiro, comida (sou lacto-vegetariano), hospedagem, transporte”. Gabriel também referiu se preocupar com comida, por ser vegano e nem todos os lugares oferecerem opções, afirmando, inclusive, que este é o maior uso que faz da internet durante as viagens: Você recorre a pesquisas na internet para se informar e precaver sobre riscos específicos em relação a algum destino? Não, a única coisa que às vezes busco antes são opções veganas. Gabriel afirmou que a internet é importante “para se localizar e achar todo tipo de informação”; Thiago afirmou que “sim, nos auxilia a como organizar a viagem o que levar, como levar, o que conhecer, informações sobre o lugar, possíveis riscos, comi chegar, gastos, passagem, consulta diversas, contatos com pessoas...”; Fernando, afirmou que ela é importante para “a organização e prevenção de riscos”. Os dados empíricos, até o momento coletados, parecem corroborar com os argumentos teóricos acerca da influência da mobilidade informacional e comunicacional na mobilidade física. Embora se trate de uma pesquisa exploratória, ainda incipiente, apresenta-se nas considerações finais algumas relações e inquietações surgidas a partir da elaboração deste ensaio e dos debates promovidos no decorrer da disciplina. Consideramos que tais questões possam ser relevantes para o aprofundamento em pesquisas futuras. Considerações finais Os resultados aqui apresentados são parciais e dizem respeito à pesquisa ainda em curso. No que tange à distinção entre os conceitos de migração e mobilidade verificou-se que sua linha distintiva é bastante tênue. Porém, de acordo com a literatura predominante a migração se insere dentro de um contexto mais amplo que é o de circulação/mobilidade. A realidade dos modernos viajantes nômades, (backpackers ou não), parece ser uma situação complexa em termos de categorizações conceituais. Eles passam a deslocar-se por diferentes partes do globo, estabelecendo contato por determinado (ou indeterminado) período com comunidades locais, às quais passam a pertencer durante semanas, meses ou anos. Como mensurar e categorizar uma população tão distinta? Seria apenas mobilidade, ou se trata de 29

migração? Parece-nos que o fenômeno do nomadismo moderno se insere em uma categoria híbrida que nos leva à busca de novos e distintos parâmetros de análise da mobilidade e do fenômeno migratório, instigando o aprofundamento desta questão na tese de doutoramento em curso. O modo de viagem backpacker parece ser relevante para a pesquisa sociológica e um campo no qual há ainda muito a ser explorado, tais como suas motivações, seus valores, o perfil da população e suas possíveis diferenciações em relações aos demais viajantes, como os turistas. Esta é uma questão que se mostra como de necessário aprofundamento na pesquisa de tese em curso, analisando discursos, práticas e valores que os diferentes tipos de viajantes compartilham. Outra consideração à que a elaboração do presente paper nos fez chegar diz respeito à relação entre as dimensões da mobilidade e o contexto no qual os indivíduos estão inseridos. Embora a mobilidade seja uma realidade cada vez mais presente na moderna sociedade, suas formas e motivações variam de acordo com a realidade espacial, temporal e social, encontrando nestes campos algumas de suas principais limitações. Alguém com idade superior a 60 anos, por exemplo, via de regra tenderá menos a escolher destinos que envolvam a prática de esportes radicais, em razão dos riscos que este tipo de atividade envolve. Não obstante, essa tendência pode não corresponder a escolha de um indivíduo específico, se este tiver informação e recursos suficientes para se precaver e evitar tais riscos. No entanto, o acesso aos meios e recursos para se informar e se precaver de eventuais riscos não está presente do mesmo modo à realidade de todos os indivíduos, a desigualdade social por exemplo representa uma importante barreira de acesso aos mesmos e varia de acordo com o contexto no qual os sujeitos estão inseridos, o que nos leva à refletir não apenas sobre a relação entre os conceitos de mobilidade espacial e informacional, mas também a associação destes com a mobilidade social. A viagem e o acesso aos avanços tecnológicos parecem se constituir em um fator de diferenciação social e cultural, principalmente no que tange aos que, vivem quotidianos mais ou menos globalizados. Não obstante, a pesquisa realizada parece indicar a comprovação dos apontamentos teóricos citados no sentido de que a mobilidade informacional, característica da sociedade globalizada, representa um papel de relevante influência para a mobilidade espacial.

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A internet parece contribuir positivamente para a realização da viagem, principalmente no que tange à prevenção de riscos relacionados às viagens realizadas de forma autônoma como a modalidade backpacker. Porém, constata-se que seu uso pode variar de acordo com o tipo de viagem realizada e com perfil do viajante. Apesar dos benefícios que a mobilidade informacional e comunicacional pode trazer para a mobilidade física e espacial, acreditamos que o exagero no uso de seus recursos pode, em alguns casos, prejudicar a experiência do viajante, que ao invés de se concentrar no destino e no contato com a cultura local pode se envolver de forma extremada com o mundo virtual. A internet pode ainda fornecer falsas informações aos viajantes, o que levanta a hipótese de que, eventualmente, ela pode lhes colocar em situações de perigo ao invés de contribuir para evitálas. As considerações ora apresentadas são hipóteses que merecem ser melhor analisadas. Os questionamentos levantados a partir da elaboração deste paper aparentam ensejar um próspero campo para pesquisas futuras, o qual buscaremos melhor explorar na elaboração da tese de doutoramento em andamento. Referências bibliográficas Castells, M. 2009. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. 1v. São Paulo: Paz e Terra. ____ .2005. “A sociedade em rede: do conhecimento à política;” In Cardoso, Gustavo (Org.). A sociedade em rede. Do conhecimento à ação política. Conferência promovida pelo Presidente da República. Realizada de 04 a 04 de março de 2005. Centro Cultural de Belem. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. pp.17-30 Faist, T. .2013. “The mobility turn: a new paradigm for the social sciences”, Ethnic and Racial Studies, 36:11, 1637-1646, DOI: 10.1080/01419870.2013.812229. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/01419870.2013.812229. Acesso em 28 de maio de 2016. Fernandes, João Luís J .2009/10. “Viagens, representações de lugares e identidades topoligâmicas”. In: Cadernos de Geografia nº 28/29. Coimbra, FLUC, pp. 33-42 Germann Molz, J. .2006. “Watch us Wander”: Mobile Surveillance and the Surveillance of Mobility”, Environment and Planning A 38: 377-393.

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Mobilidades transgêneras: investigações sobre trans brasileiras no mercado sexual Europeu, Emerson Pessoa19

Resumo: O presente ensaio objetiva analisar os fluxos migratórios de mulheres trans brasileiras para o mercado sexual Europeu. Por meio de uma abordagem bibliográfica das etnografias correlatas ao tema e as discussões da Sociologia das Migrações busco mapear e refletir questões chave para compreensão das motivações deste tipo de projeto migratório. Demonstro como as representações de corporalidade, “raça”, nacionalidade, gênero, classe e colonialidade torna-se de extrema relevância no entendimento das sociabilidades estabelecidas entre as trabalhadoras do sexo e os clientes europeus. Portanto, analisar as experiências subjetivas e sociais das pessoas trans trabalhadoras do sexo é revelar as conexões entre o local e o global, o centro e a periferia, as desigualdades da realidade contemporânea e as estratégias trans de resistência.20 Palavras-chave: Mobilidade; corporalidades, gênero, travestilidades, transexualidades.

19 Doutorando em Sociologia pelo Programa OpenSoc (UL, UNL, Ualg e EU). Professor da Universidade Federal de Rondônia – Campus Vilhena-RO-Brasil. [email protected]. +351 935 076 576. 20 Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá. Doutorando do Programa Interuniversitário OpenSoc (UL, UNL, UE e UAlg). Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Suas pesquisas permeiam as discussões sobre corpos, gêneros e sexualidades, tendo como foco as construções realizadas por drag queens, travestis e transexuais. Líder do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Gêneros, Discursos e Comunicação na Amazônia Ocidental (HIBISCUS-UNIR).

Migrações, corporalidades trans21 e pesquisas acadêmicas. As desigualdades econômicas entre o norte e o sul do globo terrestre propiciaram um fluxo intenso de emigração na busca de melhores oportunidades financeiras. Nesse sentido, a globalização diminuiu as fronteiras entre os espaços geográficos e sociais. Mulheres, homens e transgêneros brasileiros vêem na indústria europeia do sexo um modo de melhorarem suas vidas e as de seus familiares. Foi no decorrer da década de 90 que a prostituição transnacional 22 entrou nas discussões acadêmicas e políticas (Piscitelli 2004). Piscitelli (2009) salienta que, ao contrário do que é normalmente vinculado com a mobilidade transnacional para a indústria do sexo – a vitimização e o tráfico de pessoas -, a maioria os sujeitos entrevistados pela pesquisadora conhecem a realidade que as espera: o trabalho na prostituição. As discussões sobre emigração transnacional de mulheres têm gerado debates dentro das Ciências Sociais nas últimas décadas. No entanto, as pesquisas que abordam o tema de mobilidade transnacional sobre transgêneros brasileiros ainda são poucas. Destacam-se as discussões de Vale (2005) sobre travestis na França, Pelúcio (2007) e Silva (2012; 2010) na Espanha e Teixeira (2008) na Itália23. Neste ensaio utilizaremos estas etnografias no intuito de captar as questões chave para compreensão desta problemática quando relacionadas as Teorias das Migrações, os discursos produzidos sobre esta realidade, as motivações do projeto migratório, as estratégias para sua efetivação e a importância da interseccionalidade na abordagem do tema. Por fim as experiências das trans brasileiras no mercado sexual europeu demonstram as estruturas hierárquicas relacionadas as representações sobre gênero, “raça”, nacionalidade e classe social e as estratégias trans de resistência. Helio Silva, em 1993, mostrava a Itália como produtora de status privilegiados para as travestis que realizavam esse tipo de mobilidade. Pelúcio (2011) demonstra que as viagens à Europa são interpretadas pelas travestis como a possibilidade de conhecer novas culturas, conseguir um “homem de verdade”, ou seja, que as assuma publicamente, e também pela construção de corpos de “mulheres de verdade”, devido ao maior capital econômico para 21

Um dos principais fatores de diferença nas identidades de travestis e transexuais é o discurso que constroem com relação a si mesmas, utilizaremos o termo trans quando for necessário referenciar o grupo composto por travestis e transexuais. A principal diferença entre estas duas identidades, grosso modo, seria o desejo ou não de passar pela cirurgia de redesignação sexual, objetivo este buscado pelas transexuais e não almejado pelas travestis. 22 “Com esse termo faço referência aos processos de cruzar as fronteiras, nos quais se estabelecem relações complexas entre diversos locais, incluindo redes e laços sociais entre o lugar de origem e diferentes destinos” (Piscitelli 2011 537). 23 A tese de doutoramento de Juliana Gonzaga Jayme (2001) intitulada “Travestis, transformistas, drag queens, transexuais: personagens e máscaras no cotidiano de Belo Horizonte e Lisboa” apesar de tangenciar o tema não busca compreender os processos migratórios, mas realiza um estudo comparativo entre as construções de identidades trans no contexto brasileiro e português.

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investir em suas corporalidades. Imaginando, assim, a possibilidade de construção de uma história positiva de si – que não necessariamente se realiza -, em contraposto a situação de abjeção que vivenciam no Brasil. No fim dos anos 60 Paris tornou-se o primeiro destino das trans brasileiras na Europa, inicialmente para apresentaram-se nas casas de cabaré. A liberdade que tinham na Cidade Luz, o acesso as técnicas de feminilização, o respeito a sua identidade e a possibilidade de vivenciarem a feminilidade 24 horas por dia eram os principais motivos para realização da mobilidade. Com a saturação da presença de trans brasileiras nos cabarés, a prostituição nas ruas tornou-se um modo de ganhar muito dinheiro, o que intensificou o fluxo na década de 70. A partir de 1984, o Estado Francês começa a pedir vistos de ingresso para entrada de turistas, o que dificultou a entrada no país (Vale 2005; Vartabedian 2010). Assim, na década de 90, o principal destino das trans que se aventuravam nesse tipo de mobilidade era a Itália, apontada como referência de glamour e sucesso. Com a repressão do Estado italiano sobre as profissionais do sexo, as políticas de Berlusconi, e o grande número de profissionais nas ruas italianas fez com que o fluxo de emigração dispersasse por outros países da Europa do Sul. No início dos anos 2000 o principal destino era Madrid e Barcelona, porém com o desenvolvimento da crise europeia em 2008, a solução encontrada pelas trans foi intensificar o deslocamento entre inúmeros países da Europa, na tentativa de diminuir as perdas de lucros. (Pelúcio 2011) Nesse sentido, Agustín (2000, 2) afirma que: El hecho de tener un trabajo dentro de la industria del sexo no le quita al migrante su papel transnacional. Además, los prostitutos y las prostitutas migrantes son un fenómeno especial: es normal que no se asienten en un lugar a vivir. Siguen migrando o, mejor dicho, siguen viajando. A la trabajadora sexual que hoy encuentras en Madrid puedes encontrarla mañana en Paris, el próximo mes en Amsterdam y al año otra vez en España. Y no es el resultado sólo de esfuerzos de esquivar los controles policiales; existe una cultura en la que se quiere conocer Europa y en la que se tiene sus sitios preferidos. Aunque son a menudo pobres e ilegales, muchos viajan de manera cosmopolita (Augustin 2000, 2).

Portanto, a história da mobilidade de mulheres trans para Europa só pode ser compreendida levando em consideração as políticas de migração de cada país. (Vartabedian 2010) Foi no decorrer de um projeto de iniciação científica/PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq) no ano de 2010-2011 na cidade de Maringá-PR (Brasil) sobre as construções de corporalidades por travestis e transexuais que entrei em contato com a

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primeira trans europeia24. Janaina25 foi para Espanha aos 19 anos e foi lá que colocou sua primeira prótese de silicone. Suas modificações chamaram-me a atenção: cirurgias plásticas no nariz, testa, queixo, seios, quadris, retirada de costelas para o afinamento da cintura, dentre outras transformações corporais que destoavam da realidade do meu trabalho de campo. Foi sua trajetória também que motivou a escrita do meu projeto de doutoramento em curso intitulado: “Trânsitos transnacionais, corporais e de gêneros: trans brasileiras no mercado do sexo em Portugal”. O objetivo da tese é compreender como a mobilidade de mulheres trans para Europa favorece a construção de capital corporal, cultural, social e simbólico. Conforme salientado por Vartabedian (2010, 49) “El bienestar simbólico, social y el embellecimiento corporal son algunos de los factores que contribuyen a que se entiendan sus migraciones a Europa como un proyecto de empoderamiento personal.” Neste ínterim, o ensaio busca elencar algumas das preocupações necessárias para o desenvolvimento da tese, por exemplo, como compreender a importância da rede acionada pelas trans brasileiras para efetivação do projeto migratório? Quais as motivações das travestis e transexuais brasileiras para integrar o fluxo migratório? Como os aspectos de etnicidade relacionados a brasilidade, gênero, classe e “raça” são acionados pelos agentes no contexto transnacional? E o foco central do meu projeto de tese: como a mobilidade possibilita a constituição de um capital corporal especifico? Mobilidades, redes e afetos: motivações estruturais e individuais no projeto migratório. A importância das redes na construção da identidade trans são recorrentes nas pesquisas sobre este grupo social. São com outras mulheres trans, normalmente mais velhas e experientes que as jovens aprendem as técnicas de modificação corporal, os modos de apresentarem suas feminilidades e constroem relações de amizade e afeto, em contraposição ao escárnio que normalmente recebem da família biológica quando exteriorizam suas identidades (Silva 1993; Benedetti 2005; Vale 2005, Bento 2006; Pelúcio 2007; Kulick 2008; Duque 2011; Pessoa 2013).

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O termo europeia é utilizado pelas trasvestis e transexuais brasileiras para denominar as trabalhadoras do sexo que viveram por algum tempo na Europa. Este tipo de experiência é compreendido como algo positivo pelos pares e transforma-se em capital simbólico na constituição de hierarquias no interior do grupo. “Ser europeia não se restringe ao consumo de bens, envolve o idioma, experiências e o seu compartilhamento por fotos que demonstram o sucesso inscrito no corpo, nos acessórios, carros e sobre os diversos espaços que visitou em sua estadia. ” (Carrijo 2011, 304) 25 Nome fictício.

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O mesmo ocorre na efetivação do projeto migratório para a Europa. São com as amigas trans que já retornaram ou estão na Europa que alimentam o sonho da mobilidade. Há a representação no interior do grupo que esta experiência transnacional possibilitaria não só ascensão econômica pelo trabalho sexual, mas também simbólica, social e cultural. O transnacionalismo favorece não somente as trocas econômicas entre os países, mas também a transformação cultural, o sistema de valores e o quotidiano com a circulação de pessoas de um lugar para o outro (Piscitelli 2007). Assim, nos discursos das trans é reiterado a hierarquização entre o Norte e o Sul do mundo, onde o Brasil seria caracterizado pela pobreza material e cultural, e a Europa é compreendida como luxo e glamour: O glamour é uma categoria nativa que expressa sucesso na feminilização, o reconhecimento público de suas qualidades, sobretudo artísticas e criativas e a possibilidade de materializar isso em bens que remetem ao consumo de luxo. Ao mesmo tempo, o glamour tem sido um operador capaz de criar um contraponto entre as experiências de sucesso e aquelas da abjeção (Pelúcio 2010, 42).

Portanto, a Europa é vista por esses sujeitos como o coroamento não só de ascensão social, mas também de melhores possibilidades de construção de suas corporalidades e aquisição de bens de consumo de grifes internacionais: roupas, sapatos, bolsas, relógios e joias (Pelúcio 2011). É nesse sentido, que Vale (2005) denomina essas viagens como “vôo da beleza”. Para o autor, a transgressão das fronteiras do corpo e do gênero assume, na experiência de deslocamento transnacional, um sentido específico na construção das feminilidades e subjetividades desses sujeitos. Assim, “nas comparações com o Brasil é acionando todo um léxico que reproduz hierarquias globais, ao identificarem a Europa com a ‘civilização’ e sua população como mais ‘evoluída’ do que a de seu país de origem (Pelúcio 2011, 187). Outro papel importante das redes de sociabilidade está relacionado aos conhecimentos necessário para efetivação do projeto migratório. São com as amigas, mães ou madrinhas26 que as trans mais jovens conseguem informações sobre o mercado sexual, local para trabalharem no país de destino e/ou dinheiro para financiarem sua viajem para o Velho Mundo (Silva; Ornat, 2012; Pelúcio 2010; Carrijo 2011; Teixeira 2008). Neste contexto, o termo êmico ajuda emerge como uma categoria importante para compreender as redes estabelecidas pelas trans para tornarem-se europeias. O conceito de ajuda pode ser compreendido como as trocas geralmente assimétricas que podem envolver questões de ordem financeira e/ou demais benefícios. Por exemplo, o empréstimo de dinheiro para “A mãe ou madrinha cabe ensinar à sua filha as técnicas corporais, a potencializar atributos físicos para que ela se torne cada vez mais feminina. Ela ensina a tomar hormônios, sugere que partes do corpo que a novata deve bombar e quantos litros pôr. ” (Pelúcio 2007, 7). 26

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conseguir migrar, inserção no campo da prostituição, presentes, remessas para a família no Brasil, colaboração de clientes mais próximos na locação de apartamentos na Europa, companhia em momentos de tristeza, etc. Enfim, a ajuda como todo sistema de dádiva cria obrigações de reciprocidade e laços de afeto entre ambas as partes e torna-se uma questão chave no sucesso da mobilidade. (Patricío 2009; Piscitelli 2011; Pelúcio 2011; Teixeira 2011). Esta complexidade de interesses envolvendo pessoas trabalhadoras do sexo e homens europeus sublinha a necessidade de uma análise destas relações para além de uma perspectiva marcada por interesses econômicos ou prostituição. O conceito de ajuda torna-se importante para compreender o papel do respeito, da consideração, do amor e as reconfigurações do afeto. Assim, as trocas “[...] remete a alterações nas articulações entre sexo, dinheiro e benefícios, acionadas para satisfazer necessidades de diversas ordens e desejos, produzindo diferentes modalidades de afeto” (Piscitelli 2011, 576). Neste sentido, a teorias das redes migratórias colabora no entendimento desta questão ao sublinhar a importância das relações sociais como determinantes na efetivação do projeto migratório, seja relacionado ao papel ativo da rede na escolha do local, na recepção do agente no país de destino e inserção no mercado de trabalho. O agente não atua sozinha, mas está inserido em uma rede de pessoas, familiares, conterrâneos ou agentes promotores da imigração que fornecem informações, escolhas disponíveis, apoio para mobilidade e a fixação no local destino. Conforme salientado por Arango (2003, 19):

Las redes migratorias pueden definirse como conjuntos de relaciones interpersonales que vinculan a los inmigrantes, a emigrantes retornados o a candidatos a la emigración com perientes, amigos o campatriotas, ya sea em el país de origen o em el de destino. Las redes transmiten informacion, proporcionan ayuda económica o alojamiento y prestan apoyo a los migrantes de distintas formas. (Arango 2003, 19)

Deste modo, esta perspectiva de análise enfatiza a importância das relações sociais como determinantes no fluxo migratório e na integração dos imigrantes no país de destino. (Peixoto 2004; Piselli 1998) Piscitelli (2007) reverbera estas afirmações em suas pesquisas sobre a inserção das pessoas trabalhadoras do sexo brasileiras na Europa. Em seu trabalho de campo em Espanha constatou que os agentes envolvidos na indústria do sexo chegavam ao país por meio do acionamento de redes informais. Piscitelli (2007) verificou também que, apesar dos agentes em situação de mobilidade terem de pagar juros pelos preços da passagem e do local de trabalho, isto não é visto como exploração, mas como ajuda. Somente quando os juros são muito altos é que os 39

agentes consideram a situação como exploração (Piscitelli 2007). Portanto, o capital social das trans brasileiras funciona como equivalente na falta de capital econômico para alcançarem a mobilidade e torna-se questão chave para compreensão desta problemática de pesquisa. Se a ajuda enfatiza a importância do coletivo no sucesso do projeto migratório, o termo êmico juízo reconhece a relevância das ações individuais no sucesso da mobilidade e está relacionado principalmente ao controle de si. A categoria juízo pode ser compreendida como a sabedoria necessária para ter triunfo na mobilidade, como por exemplo, ter cuidado ao usar drogas com os clientes e não tornar-se dependente, não envolver-se afetivamente com clientes, o cumprimento das regras da pista27 no convívio com clientes e outras pessoas trabalhadoras do sexo, reponsabilidade com os ganhos e gastos de dinheiro, o investimento do capital econômico adquirido na Europa em um negócio rentável no Brasil, o envio de remessas para a família, etc. Ou seja, o juízo está relacionado a uma categoria moral no qual o coroamento de sua experiência na Europa depende apenas de si. Por exemplo, a volta para o Brasil sem dinheiro em decorrência da dependência química é interpretada como falta de juízo28 (Teixeira 2011). Os motivos da mobilidade realizada por trans brasileiras perpassam tanto fatores contextuais como individuais. Neste sentido, as teorias macro sociológicas das migrações colaboram no entendimento dos fatores contextuais ao colocar em evidência a força da estrutura no condicionamento das escolhas dos agentes, como por exemplo, o contexto econômico e social no processo de tomada de decisão; e também as teorias micro sociológicas, uma vez que evidenciam os motivos individuais da ação dos agentes (Peixoto 2004). Ambos fatores estão presentes nos motivos da mobilidade das trans brasileiras para Europa. Em um contexto macro a situação de vulnerabilidade, abjeção, falta de inserção no mercado de trabalho, violência, ausência de políticas públicas, estigma e preconceito são alguns dos motivos para deixar o Brasil e tentar construir uma história positiva de si no Velho Mundo. As marginalizações das suas existências iniciam-se frequentemente na família e expandem-se por toda a estrutura social, cultural, política e jurídica brasileira. (Pessoa 2013). Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB) somente no ano de 2015 foram assassinadas 119 mulheres trans no Brasil29, o risco de uma mulher trans ser assassinada é 14 vezes maior que um homem gay. Apenas esta informação poderia justificar o desejo de sair do Brasil. Mas para além disso, soma-

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Termo êmico no Brasil para designar os locais de prostituição. Silva (2012) afirma existir a omissão das experiências fracassadas no interior do grupo. Os motivos quando são elencados estão sempre relacionados a incapacidade pessoal e não a elementos sociais. 29 Disponível em: https://homofobiamata.files.wordpress.com/2013/02/registros-20151.pdf Acesso em 31 de Maio de 2016. 28

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se questões micro, por exemplo, o desejo de construção de uma trajetória de vida parecida com outras trans que realizaram a mobilidade, que fazem e fizeram shows, filmes; outras possibilidades de existência, encontrar um marido e recursos financeiros para investir em suas corporalidades (Pelúcio 2011). As motivações individuais perpassam também pela idealização de alguns estereótipos de gênero. É recorrente nas etnografias sobre trans migrantes a vontade de constituição de uma família com um homem europeu, serem merecedoras de gentileza como as mulheres, serem amadas e respeitadas como “mulheres de verdade”. (Pelúcio 2011; Teixeira 2011). Para Pelúcio (2011) existiria no grupo trans a representação que os homens europeus seriam mais abertos a possibilidade de assumir uma relação para além do mercado do sexo. Assim, o casamento possibilitaria a saída da prostituição e o tão sonhado passaporte europeu. Apesar das travestis que estão em Espanha não terem tanta certeza da coragem dos homens espanhóis, elas têm conseguido firmar compromissos de casamento, mesmo que seja através da compra do matrimônio (Pelúcio 2011). Segundo Pelúcio (2011) as trans pagam entre 5 e 12 mil euros para conseguirem um casamento. Ao fazerem isso garantem a legalidade e podem circular pela Europa. Na situação de crise poder viajar pelos países tornou-se fundamental para acumulação de riqueza, frente à concorrência do mercado espanhol. Nos casamentos arranjados mais que dinheiro também são construídas relações e trocas de experiência, uma vez que é necessário forjar uma vida a dois para responder a todas as perguntas dos funcionários do Estado. Importante salientar que há divergências nas conclusões das pesquisas sobre a procura de casamento. Por exemplo, Teixeira (2008) e Silva e Ornat (2012) respectivamente em suas pesquisas no contexto italiano e espanhol, afirmam que as trans não pretendem casar, mas voltar para o Brasil e retomar suas vidas com um pouco mais de facilidade devido ao acumulo de capital econômico e reestruturação de suas relações de poder. As dificuldades sofridas no Brasil minimizam as dificuldades passadas na Europa. Por mais difícil que seja a experiência, a mobilidade é vista sempre como motivo de valorização pelas trans, porque reposiciona o seu lugar de poder no seu espaço de origem (Silva, Ornat 2012). Assim, o que as motivações das trans para migrarem à Europa demonstram são as dificuldades de constituição de uma trajetória positiva no Brasil e a possibilidade de ganhos financeiros na Europa, seja para investirem em suas corporalidades, indumentárias, acessórios de luxo ou colaborarem no sustento de suas famílias.

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Neste ínterim, narrativas sobre um pai/mãe que expulsaram a pessoa trans do ambiente familiar durante a adolescência e que no seu leito de morte é cuidado por sua filha trans foram ouvidas muitas vezes em minhas experiências de campo. Portanto, o acumulo de capital econômico possibilita o empoderamento com a família, outras travestis e pessoas que as conhecem. Logo, as etnografias também demonstram o reatamento dos laços familiares e reconhecimento30 após o sucesso financeiro (Carrijo 2011; Pelúcio 2011; Teixeira 2011). Os ganhos com a mobilidade perpassam também o desejo de conhecer a Europa, aprender novas línguas, o envolvimento afetivo com homens europeus, fazer filmes, shows, etc. Assim, “[...] o glamour se coloca também no contraste entre a aceitação versus o escárnio; o palco versus a prostituição; ser uma diva versus ser um “viado de peito”, portanto, seu oposto é a abjeção” (Pelúcio 2011, 213). Enfim, ao migrarem para a Europa as pessoas trans buscam construir uma história positiva de si, com um pouco mais de qualidade de vida e segurança. Discursos sobre a prostituição: representações sobre gênero, “raça”, classe e nacionalidade em contexto de mobilidade. As discussões sobre a prostituição transnacional de pessoas trabalhadoras do sexo são permeadas por discursos divergentes sobre migração e Direitos Humanos. No decorrer da década de 90 ocorreu uma intensificação das preocupações dos Estados sobre o tráfico de pessoas para a indústria internacional do sexo. Principalmente os países da União Europeia intensificaram as operações policiais justificando a necessidade de combater a exploração de mulheres de países pobres por meio de discursos relacionados a vitimização e a criminologia (Piscitelli 2007). Assim, nesta seção do ensaio busco compreender os discursos dos Estados e dos Movimentos Feministas sobre a problemática das pessoas trabalhadoras do sexo em contexto de deslocamentos internacionais e a importância das representações sobre brasilidade, “raça”, classe, gênero e colonialidade nas pesquisas sobre o tema. Piscitelli (2007) salienta que a principal preocupação dos Estados Europeus com a violação dos direitos de migrantes é a obsessão com a situação irregular de pessoas de países pobres. Estes discursos colaboram na construção de políticas mundiais que impedem a mobilidade dos agentes que vivem em países subdesenvolvidos, como por exemplo, a América Latina e o Leste Europeu. Os discursos dos países ricos cometem equívocos no conceito de tráfico de pessoas e

30

Carrijo (2011) e Patrício (2009) afirmam que é recorrente os relatos de que o primeiro dinheiro ganho na Europa é investido na compra de uma casa para a mãe.

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transformam em justificativa para o aumento da violência e de perspectivas anti-imigração (Silva 2010). No contexto brasileiro o Código penal não contempla a possibilidade de migração para exercer trabalho sexual e proíbe o recebimento de auxilio de outras pessoas para efetivação do projeto migratório, o que gera um processo de criminalização das estratégias de acionamento das redes sociais e colabora na marginalização das pessoas trans. (Teixeira 2008). Portanto, as abordagens dos Estados deixam de lado as motivações e o emocional das pessoas envolvidas no mercado internacional do sexo e reitera o interesse dos países desenvolvidos. No interior dos Movimentos Feministas encontramos também posições dispares. Uma primeira concepção associa a prostituição a diminuição da mulher a um mero objeto a ser comercializável e não reconhecem a diferença entre o trabalho forçado ou voluntário. As críticas também são direcionadas aos Estados que regularizam, toleram ou legalizam a prostituição, uma vez que estariam violando os Direitos Humanos. Uma segunda concepção compreende a prostituição como forma de trabalho e tece diferenças entre a ocupação forçada e voluntária. Consequentemente, o tráfico e a exploração não se vinculam automaticamente com a prostituição internacional (Piscitelli 2007). Logo, para o entendimento desta problemática é necessário compreender os interesses dos agentes inseridos na prostituição para além dos discursos que criminalizam ou vitimizam as pessoas que vivem esta realidade. É necessário ouvir suas inquietações, desejos, motivos emocionais e racionais. Está é uma das questões chaves para o desenvolvimento da minha tese de doutoramento. Os discursos produzidos nas relações entre trans brasileiras e homens europeus no mercado internacional do sexo são de grande valia na compreensão sobre as representações de raça, gênero, brasilidade, classe e colonialidade na produção de hierarquias. Conforme salientado por Foucault (1986), o poder deve ser entendido como uma relação flutuante, relativa e difuso na modernidade. Por exemplo, as experiências das trans brasileiras na Europa demonstram as reconfigurações de poder de acordo com cada contexto. Nas relações estabelecidas fora do mercado da prostituição ser trans, prostituta, ilegal, pobre e ter um corpo com características expressivas da brasilidade torna-se algo negativo. Porém, no mercado internacional do sexo impera representações positivas sobre a sexualidade do Brasil, logo, a brasilidade torna-se um aspecto importante de empoderamento pelas trans. Conforme investigado por Pelúcio (2011) os aspectos da tropicalidade aparece nos discursos dos clientes como fator importante sobre as representações dos europeus sobre as

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corporalidades e subjetividades brasileiras. As representações sobre a praia, o calor, o carnaval e o futebol torna-se metáfora nos discursos dos clientes como um eterno convite ao prazer, ao movimento dos corpos e a sua recorrente exposição. Os discursos afirmam também a celebração da mestiçagem, a sexualização dos corpos brasileiros e a subalternidade dos povos latinos. Portanto, reiteram representações de desigualdade entre o sul e o norte, o Brasil e a Europa. Assim, nas relações estabelecidas no mercado da prostituição os clientes atestam sua supremacia como europeus em comparação a América Latina. Pontes (2004) ao estudar as representações sobre a mulher brasileira em Portugal colabora no entendimento das questões sobre pós-colonialidade, desigualdade, raça e prostituição associadas a brasilidade. Para a autora,

A representação da mulher brasileira em Portugal, em especial na mídia portuguesa, é associada à morenidade e sensualidade,

aparecendo

inúmeras

vezes

relacionada

à

prostituição, numa ideologia do caráter nacional brasileiro que essencializa a desigualdade social, seja entre países, seja entre imigrantes e nacionais. No caso aqui estudado, é patente a existência de uma associação entre as representações de gênero e nacionalidade, na qual a representação de Brasil é feminizada e a de gênero sexualizada. (Pontes 2004, 254)

Porém, se o poder é difuso e relativo, as trans também são detentoras dele em alguns contextos. Nos discursos sobre a tropicalidade são representados também a amabilidade, naturalidade com a nudez, a disponibilidade sexual dos indígenas, o exótico, o belo, o hibrido, as trans utilizam destes discursos para conseguirem vantagens no mercado do sexo (Silva; Ornat 2012). Por exemplo, na preferência dos clientes europeus pelas trans brasileiras em detrimento de outras latino americanas ou europeias, normalmente justificadas pelas representações sobre a sexualidade brasileira como mais “quente”. Ou ainda na possibilidade das trans brasileiras escolherem os seus clientes dando preferências aos homens do Oeste europeu em detrimento dos do Leste e na produção de discursos que subalternizam homens chineses e nigerianos (Teixeira 2011). Portanto, as trans brasileiras acionam os estereótipos da sexualização brasileira para construir um local de poder hierárquico nas relações que estabelece. Ser brasileira torna44

se uma vantagem sobre as outras prostitutas ao incorporarem em seus discursos as representações sobre brasilidade.

Por mais que o discurso hegemônico às coloque como passivas, elas utilizam-se dos elementos postos e subvertem a ordem desenvolvendo táticas de sobrevivência e conquista de nichos de poder através da atividade da prostituição, utilizando-se especialmente o desejo despertado pelo imaginário associado à sua ‘sexua(naciona)lidade’. (Silva 2010, 6-7)

Portanto, a mobilidade efetuada pelas trans brasileiras possibilita uma reconfiguração de identidade entre o local e o global ao tencionarem as representações sobre gênero, “raça”, nacionalidade e classe. No mercado do sexo europeu, apesar das dificuldades enfrentadas, elas incorporam as representações sobre a potencialidade da sexualidade brasileira para adquirirem vantagens e poder. No retorno ao Brasil com a experiência de mobilidade incorporada sobressaem em relação as outras trans por serem europeias e devido as modificações que realizaram em seus corpos. Considerações finais Por intermédio das redes de sociabilidades construídas com outras trans no Brasil as trans adquirem/adquiriram o conhecimento necessário para efetivação do projeto migratório. Também é/foi por meio da rede que as trans mais jovens alimentam/alimentaram o sonho de ser europeia e obtém/obtiveram informações sobre o mercado internacional do sexo, locais para trabalharem no país de destino e/ou capital econômico para financiar a viajem. As discussões sobre o tema elencam o termo ajuda como fundamental para compreender as relações estabelecidas com as trans brasileiras em contexto de mobilidade e a rede de pessoas composta por outras trabalhadoras do sexo, clientes e amigos. A ajuda emerge como sistema de dádiva e gera reciprocidade e afeto no contexto de mobilidade. Neste sentido, as formulações da Teoria das Redes Migratórias da Sociologia das migrações fornecem contributos teóricos importantes para compreensão da mobilidade de trans brasileiras para o mercado sexual europeu. A ênfase dada ao papel das relações sociais como determinantes para existência do fluxo migratório e na integração do imigrante no país de destino possibilita compreender a relevância do capital social na compreensão das mobilidades. No entanto, as trans brasileiras ao elencarem a categoria moral juízo em seus discursos demonstram também a importância do individual para o sucesso do projeto migratório. O juízo 45

enfatiza as responsabilidades necessárias com os ganhos econômicos advindos da prostituição, os cuidados nas relações estabelecidas com os clientes e outras mulheres trans. As questões micro e macrossociológicas das migrações possibilitam elencar os fatores individuais e estruturais que motivam as trans racionalmente e emocionalmente a realizarem a mobilidade. Em um nível micro as motivações perpassam o sonho de serem reconhecidas como “mulheres de verdade”, a possibilidade de ganhos financeiros para investirem em suas corporalidades, indumentárias, acessórios de luxo e a colaboração para o sustento de suas famílias. Em um nível macro as motivações para o projeto migratório estão relacionadas a situação de vulnerabilidade, abjeção, impossibilidade de adentrar o mercado formal de trabalho e a violência. Assim, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas na prostituição na Europa, a possibilidade de serem valorizadas e reposicionarem o seu lugar de poder perante o grupo, familiares e conhecidos, conjuntamente com a expectativa de construção de suas corporalidades alimentam o sonho de ser europeia. Os discursos legislativos sobre prostituição transnacional produzem incoerências sobre a noção de Direitos Humanos e migração com o objetivo de defender os interesses dos países desenvolvidos. Os Estados Nações utilizam da problemática sobre tráfico de pessoas para combaterem a migração de trabalhadores e trabalhadoras do sexo de países pobres. Assim, ao vitimizarem e criminalizarem as mobilidades criam justificativas para o aumento da violência e de leis anti-imigração e não consideram as motivações racionais e emocionais das pessoas envolvidas no mercado internacional do sexo. A complexidade na compreensão do tema se faz presente também no interior dos Movimentos Feministas onde encontramos posições divergentes. Uma primeira concepção associa a prostituição a diminuição da mulher a objeto quando inserida no mercado sexual e outra relaciona a legitimidade do trabalho sexual quando executado de modo livre e voluntário. Assim, acredito que para além de reverberar discursos institucionais ou organizacionais tornase necessário compreender as inquietações, desejos e motivações dos agentes envolvidos para o desenvolvimento de investigações acadêmicas. Os discursos produzidos nas relações entre pessoas trabalhadoras do sexo e clientes demonstram as representações sobre gênero, “raça”, brasilidade, classe e colonialidade no contexto europeu. As trans apesar de estarem em uma situação de subalternidade como migrantes, ilegais e pobres acionam as representações sobre a tropicalidade e a sexualidade brasileira para reconfigurarem suas relações de poder no mercado do sexo. Ao incorporarem

46

em seus discursos as representações e o imaginário sobre a potencialidade da sexualidade brasileira conseguem a preferência dos clientes europeus e vantagens quando comparadas as pessoas trabalhadoras do sexo de outras nacionalidades. Enfim, compreender as experiências subjetiva e sociais das trans trabalhadoras do sexo é revelar as conexões entre o local e o global, o centro e a periferia, os mecanismos de produção e reprodução das desigualdades contemporâneas e as estratégias trans de resistência. Referências bibliográficas. Agustín, Laura María. 2013. “Trabajar en la industria del sexo”. Acesso em 27 de Janeiro de

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Invisibilidades na Experiência Migratória de Brasileiras em Lisboa, Maria Cecília Gomes31

Resumo O presente artigo pretende realizar uma revisão dos estudos sobre a migração brasileira com enfoque na experiência das mulheres, para verificar o peso relativo que estas categorias exercem nas questões do self e nas estratégias de ressignificação das práticas identitárias destes sujeitos. Pensando o espaço migratório como lugar de vulnerabilidade, onde a lógica de (re)produção desigual de relações de “poder” pode determinar a experiência quotidiana dos sujeitos, pretende-se igualmente traçar um panorama breve sobre o uso das narrativas biográficas e apontar o seu potencial como dispositivo teórico/metodológico na produção de relatos e na reorganização de sentidos mútuos sobre a experiência de migração. Palavras-Chave: migração brasileira, feminização da imigração, Lisboa, narrativas biográficas, invisibilidade.

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Doutoranda em Antropologia (Migrações, Etnicidade e Transnacionalismo) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Crítica de Arte e Arquitectura e Bacharel em ArtesPlásticas. Frequenta o curso de Projeto Aplicado em Ilustração/Banda Desenhada no Ar.Co Lisboa. Interesses de investigação: banda desenhada, agencialidade e feminização dos processos migratórios.

Introdução O presente ensaio apresenta as reflexões iniciais da proposta de investigação para o Doutoramento em Antropologia (especialidade em Antropologia das Migrações, Etnicidade e Transnacionalismo) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. A proposta da reflexão que se pretende produzir no programa de doutoramento em Antropologia surgiu em virtude do imbricamento da experiência como migrante brasileira, residente em Lisboa desde 2010, e do meu envolvimento com a prática da banda desenhada. O esforço incial de articular estas duas dimensões, resultou na publicação on line do primeiro capítulo de um memorial gráfico sobre a minha experiência pessoal de imigração32. O objetivo geral da proposta é produzir uma reflexão, através de uma perspectiva interseccional e de categorias articuladas (Piscitelli, 2008), sobre a agencialidade de sujeitos migrantes que se identificam como mulheres, possuem nacionalidade brasileira e residem na grande Lisboa dentro de uma ordem global: fortemente marcadas pelo estigma da sexualização da identidade das mulheres periféricas (racialização da sexualidade e/ou erotização da raça) em contraste com um quotidiano de trabalho árduo e de menor prestigio social (Pontes, 2004). Relacionando

o conceito de agencialidade, como ação facultada por relações de

subordinação específicas (Mahmood 2006) e onde o agente improvisa segundo restrições que lhe são impostas pelas relações sociais (Ortner 2006) ao contexto de imigração, pretende-se verificar o peso relativo que estes exercem nas questões do self e nas ações e estratégias de ressignificação das práticas identitárias destes sujeitos. Com o propósito de alcançar os dados necessários para a análise destas dimensões subjetivas e objetivas das experiências das migrantes brasileiras em Lisboa, recorrer-se-á à recolha de narrativas biográficas (associadas a entrevistas semi-directivas, observação participante, notas de campo, diários gráficos, documentos pessoais e outros documentos) numa estratégia em bola de neve que será colmatada com a angariação de interlocutoras em associações dedicadas à mulher imigrante em Lisboa. Os relatos de vida serão posteriormente transcritos em banda desenhada, a qual será utilizada como dispositivo teórico/metodológico, no sentido de tornar visíveis as vozes dos sujeitos e os mecanismos de invisibilidade aos quais estão submetidos e problematizando o

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Disponível em: http://www.csilveira.com/folhetim/

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método de escrita/descrição etnográfica ao conferir legibilidade aos aspectos sensíveis do registo oral. No presente artigo pretende-se realizar uma revisão dos estudos sobre a migração brasileira com enfoque na experiência das mulheres, para verificar o peso relativo que estas categorias exercem nas questões do self e nas estratégias de ressignificação das práticas identitárias destes sujeitos. Pretende-se igualmente traçar um panorama breve sobre o uso das narrativas biográficas e apontar o seu potencial como dispositivo teórico/metodológico na produção de relatos e na reconstituição de sentidos mútuos sobre a experiência de migração. Migração Brasileira Feminina em Portugal I Partindo do facto de que não existem migrantes iguais, assim como não existem vidas iguais, os estudos sobre as migrações tratam o assunto da mobilidade humana sob perspectivas científicas diversas, produzindo enquadramentos teóricos específicos. Os movimentos migratórios entre o Brasil e Portugal constituem um fluxo histórico, com direções contrárias e complementares (Padilla 2007b) que, embora possuam raízes coloniais profundas, apresentam uma grande diversidade nas dinâmicas internas das diversas vagas que se sucederam ao longo dos tempos. Os estudos sobre as migrações brasileiras em Portugal procuraram, numa primeira instância, traçar um quadro mais generalizado sobre as configurações das vagas migratórias, onde será crucial citar a contribuição de autores como Pedro Góis et al. (2009); Jorge Malheiros (2007) e João Peixoto (2007). As pesquisas mais recentes procuram avançar para os aspetos mais específicos da experiência dos agentes, onde “os estudos micros e dos processos interpessoais permitem captar outros aspetos até então menos conhecidos dos fluxos migratórios brasileiros” (Padilla 2012, 4). Procurando descrever o ponto de situação no que diz respeito à pesquisa sobre imigração brasileira em Portugal, ainda que de forma inicial, é possível apontar abordagens recorrentes que se cristalizam em determinadas linhas de pesquisa nestes estudos: 1) percursos históricos das vagas de imigração, novas configurações e possíveis desdobramentos; 2) mercado de trabalho, redes sociais e inserção; 3) a feminização da experiência e do empreendimento migratório: género, trabalho, sexualização, subordinação, etnização, mercado do sexo, casamentos mistos; 4) representações, auto percepção, os média e as relações de poder. 53

Jorge Malheiros (2007) organiza um volume intitulado Imigração Brasileira em Portugal (2007)33, no qual, além de reunir trabalhos de autores indispensáveis, procura traçar um panorama dos fluxos migratórios Brasil/Portugal. Assinala-se no referido trabalho, a maciça emigração portuguesa para o Brasil ao longo dos séculos XVI até fins do XIX e a chamada “contra-corrente”34 de imigração nos anos 50 do século XX. É também referida a emigração para Portugal de profissionais brasileiros de classe média altamente qualificados como peritos de informática, profissionais do marketing e dentistas, impulsionada pela crise económica das décadas de 80/90 do século XX no Brasil (associada à limitação do mercado e da mobilidade social) e pela entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986 (momento da transição deste país para uma economia de serviços e da injeção de capital internacional) (Malheiros 2007). Logo a seguir, em meados dos anos 90 do século XX, uma vaga de imigrantes brasileiros laborais, possuidores de habilitações académicas ligeiramente mais baixas em comparação com os imigrantes da vaga anterior e numa faixa etária mais reduzida, inseriu-se num segmento menos qualificado do mercado de trabalho, ocupando postos nos sectores secundários da economia (Malheiros 2007). Este fluxo migratório laboral, denominado como a “segunda vaga” por um estudo produzido em 2004 pela Casa do Brasil em Lisboa35 sobre a imigração brasileira em Portugal, está presente em quase toda a literatura académica produzida mais recentemente sobre o assunto, assim como o referido estudo. Parece pertinente fixar o marco inicial de análise do presente projeto na “segunda vaga” não somente porque é a partir desta que se dá o impulso drástico no número de imigrantes e a diversificação dos fluxos, mas principalmente por esta ser apontada como o “ponto de viragem da composição interna do perfil da imigração brasileira" (Malheiros 2007), nomeadamente no que diz respeito à inserção profissional e à significativa imigração feminina (Miranda 2009). Seria também a partir da “segunda vaga”, período de diversificação dos fluxos e consequente complexificação dos processos identitários, que se intensifica a manifestação pública nos média e nos movimentos sociais portugueses, da problematização da circulação destas pessoas36.

33

(Malheiros 2007, 11-37) A chamada “contra-corrente” corresponde à volta dos emigrantes portugueses ou de seus descentes (bem como segundas e terceiras gerações) para Portugal. (Malheiros 2007) 35 Casa do Brasil de Lisboa (2004), A “Segunda Vaga” de Imigração Brasileira para Portugal (1998-2003), Lisboa: Casa do Brasil de Lisboa, mimeo. 36 “Segundo Feldman-Bianco (2001), foi no princípio do processo de proletarização, no início dos anos 90, que os imigrantes brasileiros são percebidos pela primeira vez como um “problema”.” (Góis et al. 2009, 1-14) 34

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Pretende-se com esta proposta de pesquisa desenvolver linhas argumentativas que demonstrem que através da concessão de determinados atributos aos imigrantes brasileiros da “segunda vaga”, poderíamos compreender alguns aspectos da produção/reprodução de estereótipos que podem afetar a experiencia migratória das vagas mais recentes de imigrantes37.

II A mais numerosa população imigrante na atualidade em Portugal é composta por indivíduos de nacionalidade brasileira, residentes na região metropolitana de Lisboa, sendo que mais de metade deste número corresponde a mulheres que integram a faixa etária da população potencialmente ativa e têm vistos concedidos com fins de reagrupamento familiar38. Desde os anos 70 do século XX, com o aumento da penetração do capital e as interações sociais estruturadas num sistema político global de produção, o crescente protagonismo das mulheres no processo migratório é notório. Castels e Miller (1998) afirmam que na “era das migrações”, os movimentos permanentes e temporários são: globalizantes, acelerados, diversificados e feminizados (Castels e Miller 1998). A articulação dos estudos sobre as migrações com as questões de género tem vindo a mostrar-se frutuosa na verificação da importância proporcional e na participação das mulheres no mercado laboral na atualidade, havendo, no entanto, uma enorme lacuna a ser preenchida, sobretudo no que diz respeito à compreensão das especificidades da experiencia migratória das mulheres e na dimensão vivida por estes sujeitos. “O importante é salientar que no presente não é possível falar do imigrante universal, como se ser homem ou mulher, heterossexual ou homossexual, pertencer a uma categoria étnico-racial ou diferentes classes sociais fossem situações diferentes. Pelo contrário, sabemos à partida que tanto a situacionalidade como a contextualidade

Há por parte de alguns autores, questionamentos sobre a existência de uma nova vaga pós “segunda vaga”, ou se as vagas mais recentes de migração não seriam apenas desdobramentos da “segunda vaga”. (Góis et al. 2009) 38 Os dados do SEF relativos a 2014 (dados mais recentes disponíveis) apontam para o número de 395.195 estrangeiros legalizados em território português. Sendo a nacionalidade brasileira a principal comunidade estrangeira residente, com um total de 87.493 cidadãos. Por género, a tendência para a paridade que se vinha evidenciando nos últimos anos teve uma inflexão com um aumento da diferença para cerca de 3,0% entre o sexo feminino (51,5%) e o masculino (48,5%). De salientar que a distribuição por gênero, atenta a origem geográfica, tem maior predominância do sexo feminino – América, Outros da Europa e África – aspeto que já se verificava no ano anterior. Cerca de 83,5% dos cidadãos estrangeiros residentes fazem parte da população potencialmente ativa (330.107), sendo de evidenciar a preponderância do grande grupo etário entre os 20-39 anos (173.114). Este grupo populacional tem uma composição por género com maior preponderância feminina (53,0%). Disponível em: http://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa_2014.pdf consultado em janeiro de 2016. 37

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são fulcrais e marcam as experiências migratórias de adaptação e de inserção.” (Padilla 2012, 4). Entende-se, portanto, que a tradicional inclusão das mulheres numa mesma categoria de análise, sob o termo imigrante, é redutora, pois invisibiliza e negligencia questões específicas da experiência de sujeitos não identificados com o género masculino. A investigação que se propõe a partir do presente projeto pretende contribuir para a discussão sobre as transformações ocasionadas pela leitura do processo migratório gendered, procurando introduzir nesta pesquisa alguns diferenciais teóricos da representação de género advindos da teoria queer e da problematização do determinismo biológico na formação dos sujeitos (Butler 2010). A feminização da imigração39 em articulação com a análise da situação laboral, produz também contornos distintos no que diz respeito à invisibilidade, precariedade e subalternidade do trabalho das mulheres migrantes. No caso das mulheres imigrantes brasileiras em Portugal, a sua inserção laboral está associada aos sectores ligados a prestação de serviços domésticos, restauração, cuidados pessoais (crianças, deficientes e idosos) e atividades não regulamentadas, tais como o trabalho sexual e o trabalho informal, o que as insere no contexto dos imigrantes da América Latina, que tendencialmente preenchem os quadros do sector secundário de atividades laborais, com segmentação étnica e envolvimento no mercado informal na Europa do Sul (Padilla 2007; Feldman-Bianco 2001; Peixoto 2007). As mulheres são menos vistas como aquelas que ocupam as vagas de emprego dos cidadãos nacionais (forma como a migração é recorrentemente tratada na Europa), mas estão, de qualquer forma, pouco representadas como trabalhadoras num quadro formal do mercado de trabalho (Kofman et al. 2000), tendo a sua representação pública muitas vezes construída na integração familiar ou como family-formers. “We argue that the importance of women lies not merely in their incresead numbers, but in their specific position in the labour market and welfare system of Europe and in the forms of political activity and organization, both in Europe and in their countries of origin.” (Kofman et al. 2000, 4)

“Tal como a partir do final dos anos 90, a imigração mais recente é um fluxo de índole laboral, composto maioritariamente por adultos jovens, que aproveita as oportunidades dos segmentos mais precários do mercado de trabalho. A principal diferença ocorre na maior feminização dos fluxos: a “segunda vaga” foi composta sobretudo por efetivos masculinos, enquanto a vaga mais recente é maioritariamente feminina.” (Góis, et al. 2009) 39

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Evidencia-se neste plano de estudos a intenção de abordar e expandir o entendimento sobre as experiências mais recentes das mulheres imigrantes para além da representação como “dependentes passivas” (Morokvasic 1984) de uma migração essencialmente masculina. Neste sentido, são incontornáveis os estudos de Ruba Salih (2009), Mirjana Morokvasic (1984), Annie Phizaclea (2000), Eleonore Kofmam (2000). A diversificação dos percursos e projetos; o protagonismo nas estratégias familiares; os projetos individuais e pessoais de migração que visam experiências amorosas e relações conjugais (Lima e Togni 2012); as migrações não ligadas a redes afetivas e comunitárias; e outras especificidades da experiência migratória das mulheres brasileiras em Portugal são relevantes nos trabalhos de Beatriz Padilla (2007a, 2007b, 2012), Adriana Piscitelli (2008), Antónia P. Lima e Paula Togni (2012), Lira Dolabella (2012) e Luciana Pontes (2004) e devem igualmente serem assinalados nesse sentido. Ao seguir a senda aberta por estes trabalhos, pretende contribuir-se com a reflexão teórica acerca dos aspectos da invisibilidade na experiência vivida por mulheres, em contraste com a reprodução de modelos que perpetuam a atribuição de estereótipos e/ou traduzem estes agentes subservientes em modelos de migração masculinos.

III A construção da identidade das mulheres brasileiras e a sua visibilidade no espaço público no contexto migratório português, por vezes, marcada pela sexualização e pela exotização, reflete traços “da complexa relação entre os dois países e consequentes da situação colonial” (Dolabella 2012, 36). Crucial será apontar nos estudos mais recentes sobre a imigração brasileira (não apenas em Portugal), a centralidade da sexualização das feminilidades brasileiras (Pontes 2004, 249). Tendo a hipersexualização como um importante marcador da identidade e da visibilidade das mulheres brasileiras imigrantes nos espaços públicos, cabe citar os estudos produzidos por Igor Machado (2003, 2006), Luciana Pontes (2004) e Lira Dolabella (2012), que também procuram compreender os processos identitários dos sujeitos de nacionalidade brasileira através de análises da representação nos média, da auto perceção, dos hábitos culturais e dos discursos institucionais em Portugal. Estes indicam que, através de processos variados como a exotização, a tropicalização e a mestiçagem (etnia que se difere de “raça”) se empreende a subordinação e essencialização das identidades brasileiras em Portugal. Sob esta perspectiva, os principais 57

atributos desta suposta essência brasileira seriam a “alegria”, a “sensualidade” e a “simpatia”. Tais atributos, supostamente encontráveis nos agentes, levam a um processo que Machado (2003) denomina como “cárcere de identidades” dos mesmos (Machado 2003). Segundo Igor Machado (2006) a diversificação da imigração em Portugal na década de 1990, mantém a estrutura de hierarquização da alteridade étnica dos imigrantes com base em relações centro/periferia, norte/sul, capital/trabalho, brancos/negros (Machado 2006). Para o autor, os brasileiros ocupam uma posição intermediária subalterna, entre os negros e os portugueses, sendo que a construção dos processos identitários segue uma lógica construída com base no poder colonial de subordinação das ex-colónias e redefinida por discursos como o da lusofonia ou do sistema-mundo (Machado 2006). Ou seja, os imigrantes europeus são mais desejáveis e conferem, supostamente, contribuições positivas para a sociedade, enquanto os africanos, latinos e não ocidentais, tendo um baixo estatuto social e económico (Machado 2006), são indesejáveis e considerados com uma construção negativa para a sociedade. Por fim, cabe introduzir uma reflexão inicial sobre as questões do self nas experiências migratórias das mulheres40 relacionando a agencialidade com o contexto de imigração e descortinando algumas invisibilidades e subalternidades atribuídas a estes sujeitos. Segundo Sherry Ortner (2006) a agencialidade (agency) é um tipo de capacidade de todos os seres humanos, sem fim em si mesma, que se relaciona de forma direta e irremediável com a realização de projetos de nível pessoal e/ou coletivo. As formas específicas que a agencialidade assume variam nos diferentes tempos/lugares e estão diretamente relacionadas com questões de poder e de acesso aos recursos que determinam a capacidade de ação e o desejo pessoal de perseguir projetos culturalmente forjados (Ortner 2006, 142). Por contraste, Saba Mahmood (2006) põe em causa o modelo de agencialidade que supõe a autonomia moral e política do sujeito em relação ao poder, e que é restritivo se pensarmos na experiência de mulheres cujo self (aspirações e projetos) é configurado em tradições não ocidentais41. A autora propõe que agencialidade seja entendida através do paradoxo da subjetivação. Inspirando-se fortemente na teoria pós-estruturalista de formação do sujeito, mas afastando-se desta no sentido em que não comunga com a ideia de subversão e ressignificação de normas hegemónicas. A agencialidade difere portanto da resistência à dominação, sendo antes pensada como a capacidade de ação estabelecida em contextos de relações concretas de Partindo do pressuposto que os conceitos de “mulher” e “género” não são intercambiáveis. A adoção do termo “não ocidental” pretende manter uma coerência com as questões anteriores do presente ensaio. 40 41

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subordinação historicamente configuradas (Mahmood 2006), ou seja, o que assegura a subordinação do sujeito às relações de poder está diretamente relacionado com a produção de meios através dos quais este se transforma num agente auto consciente (Mahmood 2006, 123). Através de uma perspectiva interseccional e de categorias articuladas (Piscitelli 2008), pretende compreender-se a produção das mulheres migrantes em Portugal como sujeitos dentro de uma ordem global. Como atenta Luciana Pontes (2004), as mulheres imigrantes brasileiras são fortemente marcadas pelo estigma da sexualização da identidade das mulheres periféricas (racialização da sexualidade e/ou erotização da raça), embora vivam o contraste de um quotidiano de trabalho árduo e de menor prestígio social. NARRATIVAS BIOGRÁFICAS I Desde a Revolução Industrial as sociedades ocidentais foram progressivamente alteradas devido às mutações tecno-económicas e socioculturais que se acentuaram com o advento da Primeira e da Segunda Guerra Mundial. Consequentemente, no decorrer do século XX, os métodos e as teorias sobre os usos da história oral ganharam o interesse de diversas áreas de produção de conhecimento científico, nomeadamente as ciências sociais e humanas, que pretendiam coletar as histórias de vida das últimas testemunhas das sociedades tradicionais em vias de desaparecimento. Segundo Sidney Mintz (1984), para perceber a pertinência do uso do método por histórias de vida é necessário voltar aos primórdios da Antropologia: ao estudo dos modos de vida desconhecidos (ameaçados de desaparecimento) do “outro”, à intenção de contribuir com o conhecimento sobre a diversidade social e cultural humana e do anseio em expandir concepções da nossa humanidade comum, ou seja, revisitar o modo como os documentos biográficos íntimos ganharam relevância como objetos científicos. Durante o século XIX já existia interesse e produção (não-antropológica) de biografias de notáveis guerreiros e chefes indígenas norte-americanos. Nos anos 20 do século XX, nos Estados Unidos, as life stories serviram como ferramenta para guardar a memória dos imigrantes e para observar o melting pot desses indivíduos com a cultura norte-americana42.

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The Polish Peasant in Europe and America (1920) de William Thomas e Florian Znaniecky, e The Winnebago Tribe (1923) de Paul Radin, são exemplos clássicos de ensaios que associaram à pesquisa intensiva um trabalho de campo rigoroso, tornando célebre esta metodologia e criando um ponto de viragem crítico do uso da história de vida.

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A partir de 1930, a preocupação com o método e a teoria criam uma divisão nos usos das histórias de vida em Antropologia: enquanto a Antropologia Social Britânica se interessa pelo estudo das estruturas sociais, a antropologia norte-americana (escola de Chicago) foca os aspectos culturais e enfatiza a personalidade dos indivíduos. A participação das mulheres como interlocutoras/pesquisadoras, tornou-se mais evidente neste período, devido à preocupação em produzir um certo equilíbrio, e à tentativa de retratar aspetos culturais que haviam sido tradicionalmente negligenciados43. Após a segunda guerra mundial, o estudo de povos não “primitivos” e as variações do comportamento nas sociedades contemporâneas ganha relevo. No caso da Europa, nos anos 50 do século XX, recolhiam-se as histórias de vida das últimas testemunhas do universo tradicional, mas também as novas narrativas da modernidade. Com o propósito de traçar um panorama capaz de oferecer bases de entendimento sobre os usos mais recentes do método biográfico na Antropologia, Brian Juan O’Neill (2015) produz uma retrospectiva onde estes são categorizados em cinco linhas de pesquisa. A primeira linha, etnográfica, apresenta os estudos iniciais que privilegiam representantes “típicos” e pretendem produzir um retrato da cultura. Assinalam-se Paul Radin (1920), Leo Simmons (1942), Mary Smith (1954), Sidney Mintz (1960) e Oscar Lewis (1961). A segunda linha recebe contributos da sociologia e os autores propõem diferentes questões. Assinalam-se Daniel Bertaux (1981, 1997), Pierre Bourdieu (1986, 1993), Franco Ferrarotti (1981) e Maurizio Catani e Suzanne Mazé (1982). A terceira, pós-modernista, articula outros campos de saberes e propõe inovações nas formas de escrita e de métodos. Assinala-se Vincent Crapanzano (1980), Paul Rabinow (1977), Marjorie Shostak (1981) e Ruth Bear (1993). A quarta, chamada hermenêutica, invoca autores do existencialismo, da fenomenologia, e da hermenêutica para aplicar uma nova abordagem às histórias de vida. Simultaneamente apresentam como aplicaram estas contribuições nos estudos. Assinalam-se: Watson e Watson-Franke (1985), Denzin (1986, 1989). A quinta, chamada hipermoderna, é marcada pela novidade das técnicas que empreende. Assinalam-se: Glick-Schiller e Fouron (2001) e Richard Price (1990) (O’Neill 2015, 75). A quinta linha de pesquisa identificada pelo autor interessa ao presente projeto, pelo facto de se distanciar de um olhar clássico e estático, ao empreender relatos polifónicos de narradores

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No contexto norte-americano, os autores Langness e Frank (1995) destacam: Trumam Michelson produziu três autobiografias de mulheres indígenas (Fox 1925, Cheyenne 1932 e Araho 1933); Alice Marriott publica The potter of San Ildefonso (1948) e Rebecca Reyher com a obra “Zulu Woman” (1948). Numa linha de pesquisa semelhante a de Oscar Lewis, está o trabalho de Margaret Randall, intitulado Cuban Women now: interviews with cuban women (1974) (Langness e Frank 1995, 27).

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transnacionais, ou sujeitos que traçam novas perspectivas dentro da globalização recente. Para ilustrar o argumento anterior, o autor se debruça sobre a publicação Georges Woke Up Laughing: Long-Distance Nationalism and the Search for Home (2001) de Nina Glick Schiller e George Eugene Fouron44. A obra em questão mistura as categorias (de self, autor, emigrante, imigrante, antropólogo) oscilando entre os comentários analíticos e os relatos da experiência do sujeito emigrante/imigrante, e optando por uma escrita com diferentes registos. Produz desta forma uma narrativa através da fusão de cinco vozes que se entrelaçam: a voz da antropóloga em Nova Iorque, a voz etnográfica no Haiti, o registo o imigrante Fouron em Nova Iorque, o registo do emigrante Fouron no Haiti e as vozes de 109 haitianos entrevistados (O’Neill 2015). Cabe mencionar que os usos recentes do método biográfico nas ciências sociais no século XXI apontam para o crescimento da categoria “narrativa biográfica”45 e invocam a sua dimensão literária e fictícia. Assinala-se também a alteração de estatuto autónomo das histórias de vida, o foco em novos campos de pesquisa como tecnologias emergentes e a antropologia visual, bem como a substituição da observação participante pela observação colaborativa (O’Neill 2015, 79). Por conseguinte, os usos recentes da narrativa biográfica alteram o paradigma da recolha das histórias de vida ao confrontar o “real” com a representação, seja pela metodologia multidisciplinar e pelo uso de várias vozes narrativas, pela sua utilização como dispositivo mnemónico, pela transgressão de categorias instituídas e outros. Através desta breve revisão crítica sobre o uso das narrativas biográficas, numa perspectiva antropológica, pretende enfatizar-se o seu potencial como dispositivo teórico-metodológico na pesquisa que se propõe. II Tendo em mente que os nossos conceitos de vida são sempre construídos por modelos que nos permitem produzir pontos de vista parciais sobre as coisas, e de que as nossas narrativas são portanto estruturadas sob determinadas perspectivas dos modos de apreensão do real, Pierre Bourdieu (2006) atenta para a ilusão retórica implícita na produção de uma narrativa de vida como “relato coerente numa sequência de acontecimentos com significado e direção” (Bourdieu 2006, 184). Ao tratar a vida como uma história, com unicidade e intenção criadas artificialmente através de conexões entre factos, aproximamo-nos mais do relato oficial ou de uma tradição

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Glick Schiller, Nina e George Eugene Fouron. 2001. Georges Woke Up Laughing: Long-Distance Nationalism and the Search for Home. Durham: Duke University Press. 45 A escolha pela utilização do termo “narrativa biográfica” no presente projeto está associada ao enfoque sugerido por Brian O’Neill e que procura evocar as instâncias ficcionais do relato oral.

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literária. Consequentemente, corremos o risco de nos afastarmos das trocas íntimas e dos deslocamentos no espaço social que uniram os agentes (múltiplos e fragmentados) a outros agentes no mesmo campo. Quando partimos do entendimento de que um relato biográfico é composto por acontecimentos selecionados que afetaram o narrador internamente (ou seja, que têm significado no todo que compõe a sua experiência), está implícito o conceito individual do self das sociedades ocidentais e a necessidade de reflexão sobre o que constitui o conceito de self para cada cultura. De qualquer forma, a presumida habilidade da narrativa biográfica de ser uma história da autoconsciência, pelo menos no Ocidente, parece ser muito útil no que diz respeito a comunicar os motivos, as imagens e os sentidos que os sujeitos invocam para transmitir a sua experiência e que dizem muito sobre a forma como se inventam a si próprios (Langness 1995, 90). A ideia de que a autobiografia pode ser um ato criativo, com potencial para autodescoberta e transformação simbólica, é particularmente explorada em estudos críticos no campo da literatura. Recordemos que a literatura confessional das mulheres foi historicamente menosprezada pela crítica mainstream por presumidamente se dedicar às descrições de pormenores íntimos, de eventos quotidianos e domésticos (Langness 1995). Nesta instância, seria possível reconhecer na produção literária de carácter confessional, “tradicionalmente” vinculada às mulheres, a potencialidade do uso da escrita como ato político, na medida em que, ao produzir uma escritura que não se separa das suas vidas privadas e examina a sua situação pessoal para descobrir elementos que têm em comum com outras mulheres, estas se localizam a si próprias e se percebem como sujeitos, inserindo-se numa coletividade de indivíduos com potência de ação numa série de eventos (Langness 1995: 90). De acordo com Alistair Thomson (2004), se a história oral teve como primeiros impulsos a preocupação com a preservação dos testemunhos de migrantes ou com a resistência frente a uma cultura ocidental branca, a retomada da história oral, envolvendo comunidades migrantes, reivindica recentemente: a “tomada de consciência do poder pessoal e a luta política”; a possibilidade da exploração da “dinâmica intergeneracional” e da contribuição para o entendimento do contexto histórico; o combate aos silêncios e aos estereótipos; o direito a uma auto-narrativa e outros (Thomson 2002, 351). Ainda, segundo Elsa Lechner (2015) a pesquisa biográfica no estudo das migrações permite que os sujeitos migrantes possam validar as suas experiências, frequentemente marcadas por 62

estigmas, preconceitos e estereótipos, tornando possível ultrapassar discursos oficiais, ou de vitimização desses sujeitos para fundar a possibilidade de novas formas de participação social e de compreensão dos fenómenos migratórios à luz das experiências concretas de e/imigração. Ainda segundo a autora, as narrativas biográficas no contexto de imigração têm como interesse revelar as dinâmicas existentes nas experiências concretas das pessoas, em dissonância com aquilo que os discursos normativos tornam estático e desumanizam (Lechner 2015). “As narrativas biográficas traduzem ainda, neste campo, formas de resistência a regimes políticos ou discursos dominantes; traduzem uma visão entre outras da história; produzem formas de conhecimento não hegemónicas, e formas de reconhecimento público das experiencias dos migrantes.” (Lechner 2015, 40) De facto, através das narrativas biográficas, aqueles que estão à margem do que está institucionalmente validado, descrevendo-se a si próprios, por suas palavras, podem construir as referências sobre si mesmos, partilhar condições comuns e reforçar a possibilidade de se instituir como entidade com potência política.

Conclusão Pensando o espaço migratório como lugar de vulnerabilidade, onde a lógica de (re)produção desigual de relações de “poder” pode determinar a experiência quotidiana dos sujeitos, este artigo procurou refletir sobre alguns aspectos da produção de sujeitos migrantes que se identificam como mulheres, possuem nacionalidade brasileira e residem na grande Lisboa dentro de uma ordem global: são fortemente marcadas pelo estigma da sexualização da identidade das mulheres periféricas (racialização da sexualidade e/ou erotização da “raça”) em contraste com um quotidiano de trabalho árduo e de menor prestígio social (Pontes, 2004). Pensa-se a mulher migrante como sujeito que se constrói não somente por meio das interações em micro escala (nas atividades sociais quotidianas, culturais, económicas e politicas) mas em larga escala (pela produção de sujeitos que mantém desigualdades a nível global)46, e que fundamenta o seu self em diferentes campos de significado, e pretende articular46

Ao cunhar o termo transnacionalismo, as autoras Glick Schiller, Basch e Blanc-Szanton (1992), consideraram

que a atividade transnacional se diferenciava das demais atividades migratórias pela fixação de seis marcos de análise, dentre os quais, o de que os migrantes são confrontados quotidianamente com diferentes conceitos hegemónicos (global/nacional) (Glick Schiller et al. 1992).

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se o conceito de agencialidade ao método de narrativa autobiográfica, com o intuito de viabilizar um processo onde esses indivíduos, conscientes do potencial de sua ação, possam usar a autobiografia como dispositivo de emancipação pessoal e empoderamento. Ao trilhar a senda aberta pelos trabalhos já produzidos, o presente ensaio procura articular perspectivas para contribuir com a reflexão teórica sobre os aspectos da invisibilidade da experiência vivida de mulheres imigrantes em contraste com a reprodução de modelos que perpetuam a atribuição de estereótipos a estas e/ou, as torna subservientes aos modelos de migração masculinos. Bem como, verificar o peso relativo que o empreendimento migratório exerce nas questões do self , na agencialidade e nas estratégias de ressignificação das práticas identitárias destes sujeitos e, consequentemente, incide sobre as suas narrativas biográficas. Pretende-se portanto olhar o “próximo” com o compromisso de produzir um ponto de vista crítico sobre a realidade e não reproduzir discursos hegemónicos ou oficiais sobre o “outro”, conduzindo ao entendimento de formas subterrâneas/subalternas (Scott 1998) da experiência vivida, oferecendo alguma visibilidade à perspectiva dos sujeitos (no mínimo almejando que esta se aproxime ao máximo do seu ponto de vista) e evidenciando alguns aspectos do processo de invisibilização das migrantes brasileiras em Lisboa. Bibliografia Basch, Linda, Nina Glick Schiller e Cristina Szanton-Blanc. 1994. Nations Undound. Transnational Projects, Postcolonial Predicaments and Deterritorialised Nation-States. Basel: Gordon and Breach Publishers Basch, Linda, Nina Glick Schiller e Cristina Szanton-Blanc. 1994. “A New Analytic Framework for Understanding Migration”. Em Towards a Transnational Perspective on Migration: Race, Class, Ethnicity and Nacionalism Reconsidered, 645, 1-24. Nova Iorque: Annals of the New York Academy of Science. Bourdieu, Pierre. 2006 [1986]. “A ilusão biográfica”, em Usos & abusos da história oral, M. de M. Ferreira e J. Amado (orgs.), 183-191. Rio de Janeiro: FGV. Bourriaud, Nicolas. 2008. Estética Relacional. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora. Butler, Judith. 2007 [1974]. Él género en disputa. Barcelona: Paidós.

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