Gênero, tradição e mudança

July 24, 2017 | Autor: Thomas Knaus | Categoria: Educação, Gênero, Psicologia
Share Embed


Descrição do Produto

Índice

Introdução___________________________________________________2 Tema e Objetivos_____________________________________________ 3 Modelos Organizadores e Sexismo_______________________________ 4 Estudo de caso_______________________________________________6 Procedimentos_______________________________________________10 Resultados__________________________________________________11 Sou menina, logo prefiro as meninas______________________________14 Crítica, contestação e mudança__________________________________18 O Tribunal___________________________________________________19 Conclusão___________________________________________________24 Levantamento Bibliográfico______________________________________25 Anexo______________________________________________________ 26

 

1  

Introdução

O presente trabalho foi inspirado sobretudo pela obra “Como se ensina a ser menina: o Sexismo na escola”, de Montserrat Moreno Marimón. A insistência da autora acerca do caráter androcêntrico do ensino, ainda na atualidade, me estimulou realizar uma pesquisa de observação, a aplicação de um questionário e a realização de um pequeno experimento em uma instituição de ensino público da grande São Paulo. Por cerca de 18 horas, observei em torno de 200 crianças desde o 1o até o 5o Ano do Ensino Fundamental, ao julgar que sua tenra idade os tornasse mais susceptíveis a quaisquer influências externas e estereótipos na formação de seus conceitos pessoais acerca dos gêneros. Quanto ao questionário, foi realizado especificamente com alunos entre o 3o e 5o Ano, com idade média de 9,5 anos, pois me pareceram mais maduros a ponto de compreender o questionário e respondê-lo com mais qualidade. Esse montante totalizou 91 alunos. Ao longo da dissertação procurarei clarificar as correspondências que encontrei entre o pensamento de Moreno e a realidade por mim observada.

 

2  

Tema e Objetivos Meu trabalho de estágio objetivou a resposta da seguinte questão: “qual o papel da escola na construção dos estereótipos de gênero por parte das crianças?”. A leitura do trabalho de Moreno de certa forma responde à essa questão, entretanto eu estava cético quanto à suas observações, visto que foram realizadas em uma outra sociedade – a espanhola – e me pareciam em alguns momentos forçadas e distantes de nossa realidade nacional. Da mesma forma, um estudo americano que consultei para a realização do presente trabalho também descreve manifestações sexistas por parte dos professores, manifestações estas que não contêm nenhum paralelo com minhas memórias escolares. Decidi então tirar a prova de tais afirmações através de minhas próprias observações, mediante estágio realizado em uma EMEB sediada na grande São Paulo.

 

3  

Modelos Organizadores e Sexismo Em outro texto de sua autoria, “Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento”, Moreno nos elucida como a construção de modelos explicativos se dá para a ciência num processo análogo àquele processado pelas mentalidades individuais. A realidade é diferente para cada um, tratando-se de um sistema organizado de dados selecionados para explicar um determinado fenômeno.

Cada sujeito

seleciona (ou ignora) dados diferentes, por considerá-los importantes ou desprezíveis para a compreensão do fenômeno. Da mesma forma, cada indivíduo à sua maneira pode inferir dados inexistentes na realidade, mas que complementem de maneira lógica seu modelo organizacional para aquele fenômeno. Conforme o indivíduo aprofunda seu conhecimento, ele torna seu modelo mais sofisticado pela inserção de novos dados, ou cria um modelo novo quando os novos dados são incompatíveis com o modelo antigo. O conhecimento científico, ao processar-se dessa mesma forma, já criou modelos que são hoje vistos como verdadeiras aberrações, mas que em sua época eram suficientes para explicar diversos fenômenos. Por essa razão, a terra já foi plana, ou mesmo depois de esférica já teve o sol rodando ao seu redor. Pela mesma razão, o homem continua sendo o centro do universo apesar de não haverem razões para isso no contexto histórico atual, e apesar dessa afirmativa não ser oficialmente aceita pelo discurso oficial e politicamente correto. De acordo com a autora, o androcentrismo impera ainda hoje como discurso dominante na educação escolar, mesmo que isso ocorra na maioria das vezes de forma inconsciente por parte dos educadores. Não basta o sexismo inerente à língua (em português, na falta de uma flexão própria para situações mistas ou unissex utiliza-se o masculino), o próprio conteúdo escolar apresenta uma orientação androcêntrica. Segundo a autora, é na disciplina de História que isso se torna mais patente, visto que a narrativa roda ao redor das guerras travadas por exércitos compostos de homens e dos grandes feitos realizados por lideres do sexo masculino, sempre em termos de dominação e violência. Do ponto de vista da autora, tal conteúdo nos leva a crer que a mulher não participou da história, ou foi de certa forma   4  

insignificante a ponto de não merecer destaque. Por último, Moreno afirma que nas representações visuais dos livros didáticos as personagens femininas estão sempre em menor número, sem destaque e representadas realizando funções domésticas e subalternas quando comparadas às personagens masculinas. Isso se dá com freqüência em livros de línguas, onde para a criança em processo de alfabetização a imagem carrega uma importância muito superior àquela que se imagina, já que se constitui como elo único em relação ao novo vocábulo a ser aprendido. Ademais, Moreno aponta a hipótese de que geralmente espera-se dos meninos um rendimento intelectual superior àquele das meninas, sobretudo nas exatas. Existem pesquisas que atestam para a influência da expectativa dos professores sobre o real rendimento dos alunos, de forma que tal preferência acabaria por prejudicar as meninas. Em um artigo pra a revista científica Journal of Research in Science Teaching, os pesquisadores Kenneth Tobin e James Gallagher apontaram a existência de “target students” (alunos-alvo) nas salas de aula, sempre do sexo masculino e normalmente da cor branca. Em suas observações, os pesquisadores constataram que na incapacidade de uma menina responder a uma questão difícil, a mesma era automaticamente repassada para um aluno-alvo, devido à expectativa dos professores por um melhor rendimento por parte desses alunos. Quando, no entanto, uma aluno-alvo era incapaz de responder a uma questão, esta não era repassada; ao invés disso, era reformulada pelo professor de forma mais clara até que o aluno conseguisse respondê-la.

 

5  

Estudo de caso Em minhas observações, me mantive atento ao conteúdo das disciplinas, ao material didático e à maneira que as professoras se dirigiam aos alunos, assim como a qualquer indício de maior expectativa em relação à qualquer gênero. Da parte do material didático, fiquei impressionado. De início, ao menor sinal de sexismo, já achei que as afirmações de Moreno se faziam verdadeiras. A primeira lição que acompanhei apresentava quatro figuras de astronautas, de diferentes etnias, mas todos do sexo masculino. O peso dessa evidência, entretanto, durou pouco, pois a análise mais minuciosa do material – de diversas matérias, para todas as turmas do 1o ao 5o ano – me convenceu de que não era de forma alguma sexista. Pelo contrario, evidentemente se trata de um material conscientemente elaborado visando a inclusão – tanto étnica quanto da mulher. A quantidade de personagens de ambos sexos é equilibrada, assim como a natureza das atividades retratadas (é mostrado, por exemplo, um homem lavando louça e varrendo o chão, ao contrario do que poderíamos esperar da abordagem tradicional do material didático apontada por Moreno). Em relação ao conteúdo específico de História, para essas séries ele ainda não é problemático. Os alunos do Fundamental I se limitam a aprender conceitos mais simplistas e generalizantes, de forma que a temática da conquista e da violência, tão criticada por Moreno, ainda não são enfatizadas1. Existe evidentemente entre meninos e meninas uma segregação comportamental e de interesses, mas isso não parece ser fomentado pela escola. Enquanto o comportamento das crianças de ambos sexos do primeiro ou segundo ano parece indistinto, o grau de extroversão das meninas parece diminuir conforme crescem, enquanto os meninos parecem cada vez mais abusados. Quanto aos interesses, o futebol evidentemente se apresenta                                                                                                                 1  É  interessante  notar  que  o  posicionamento  de  Moreno  contra  tal  tipo  de  

narrativa  não  se  restringe  à  questão  da  marginalização  da  mulher,  mas  também   ao  delineamento  de  referenciais  de  masculinidade  demasiadamente  brutos  para   os  meninos.     6  

como distintivo de gênero do sexo masculino, a quadra sendo monopolizada pelos garotos durante o intervalo. As meninas por sua vez pulam corda, e algumas delas, notadamente do 4o e 5o ano, já começam a se maquiar. Numa aula de computação do 5o ano, em que a rede estava com problemas e foi permitido aos alunos brincarem com aplicativos de pintura digital, os meninos desenhavam seus heróis de ação enquanto as meninas escreviam poemas em rosa e branco, ou desenhavam flores. Essa cultura de gênero, muito provavelmente é originária do lar, ou dos exemplos midiáticos da cultura de massas. É muito interessante a visão que Moreno tem acerca dos esquemas comportamentais próprios de cada sexo. Para ela, a discriminação é limitadora para ambos os sexos, pois geralmente a adesão a um determinado esquema pressupões também a adesão a outros. Então um menino que não se interessa por futebol, por exemplo, acaba tendo sua masculinidade contestada em outros níveis, da mesma forma em que uma menina que se interessa por futebol pode ser encarada como desviante. Da parte das professoras, não notei nenhum sinal de expectativa superior em relação ao desempenho de qualquer um dos gêneros. Seja em matemática, português ou ciências, todos eram estimulados a participar em igual nível. Na busca de alguma manifestação androcêntrica – claro que provavelmente inconsciente – por parte das professoras, me defrontei com três singelos exemplos.

Primeiro exemplo: -”Pessoal, cadê ele?” -”O Gabriel!!!” (exclamação conjunta da classe, exaltada) -É, isso mesmo, o Gabriel. Aquele menino que sempre acompanha a gente nas lições. Bom, e aquela menina amiga dele, que sempre segue ele, cadê ela? A professora de 1o Ano analisava uma grande gravura introdutória para uma nova lição. Dois protagonistas do material didático, um menino e uma menina, estavam representados em todas as lições. A ênfase dada pela   7  

professora recaía fortemente na personagem masculina, de forma que a personagem feminina parecia apenas uma coadjuvante, embora no material didático não houvesse tal hierarquização. Segundo exemplo: -“Quem em casa ajuda a mãe ou a avó a separar o lixo?” E, um pouco adiante, -”É tão difícil assim ajudar a mãe em casa?” A professora de 2o Ano procurava explicar para a sala a importância de reciclarmos o lixo. Em seus exemplos, entretanto, só eram concebidos familiares do sexo feminino como realizadores de tarefas domesticas. Nenhuma menção à pai, irmão, etc. Terceiro exemplo: -“Sua mãe, na sua casa, usa o Kg” A professora de 3o Ano, ao explicar a unidade de medida de peso, buscou um exemplo prático no trabalho doméstico, sugerindo que essa atividade seja provavelmente realizada por mulheres. Como exemplificado, a atribuição de papéis de gênero ocorre de forma natural, e muitas vezes inconsciente. Não se trata de nenhuma grave falha, não é mal intencionada, e de fato muito provavelmente reflete a maioria dos casos reais – sobretudo quando temos como objeto de estudo um colégio da rede pública. A esse respeito podemos inferir que o nível sócio-econômico médio das famílias seja coerente com um sistema mais tradicional de “donade-casa e marido provedor”, diferentemente de classes mais abastadas para as quais nos tempos modernos tem se tornado cada vez mais presente a figura da mulher emancipada, que segue carreira fora de casa e se utiliza do serviço de diaristas para a realização das tarefas domésticas.  

8  

Minha suspeita é de que apesar das coisas não precisarem ser assim, “assim o são porque assim são”. Colocado de outra maneira, a realidade acaba por se

auto-perpetuar, assim como nossos estereótipos e

preconceitos, por mais anacrônicos que sejam. Me pergunto se o próprio fato da maioria dos professores de ensino fundamental serem sexo feminino – na escola em que realizei o estudo todos eram – não acaba por replicar essa realidade. É curioso que, enquanto eu observava as aulas e ninguém sabia o que de fato eu estava observando, um garoto do 3o Ano perguntou-me, espontaneamente: “Por que só existem professoras mulheres?”. Quando repliquei perguntando-lhe se preferiria ter aula com um professor homem, ele me respondeu: “Não sei. Só sei que acho injusto que não tenham professores homens”.

 

9  

Procedimentos A fim de identificar quaisquer preconceitos e estereótipos de gênero presentes dentre as crianças, apliquei um questionário para 72 alunos, precisamente 36 meninas e 36 meninos. As crianças estavam todas entre o 3o e 4o ano, com uma média de 9,5 anos de idade. No questionário constam 10 funções típicas exercidas por pessoas em escolas (ver Anexo). Os alunos foram orientados a marcar de qual sexo deveria ser o indivíduo mais adequado para exercer cada função (feminino, masculino ou indiferente). Enfatizei que queria a opinião pessoal de cada um, e que o questionário não objetivava saber qual era a composição real dos funcionários da escola em que eles estudavam, mas sim a composição que consideravam mais adequada. De toda maneira, é bom manter em mente a composição

real

para

entender

como

ela

Diretor

->

Feminino

Coordenador

->

Feminino

Professor (Ensino Fundamental) ->

Feminino

Responsável pela Limpeza

->

Feminino

Cozinheiro

->

Feminino

Responsável pela Manutenção

->

Masculino

Segurança

->

Não há

Professor (Ensino Médio)

->

Não há

Aluno

->

Estagiário

->

 

influi

nos

resultados:

Indiferente (evidentemente há ambos) Indiferente (já houveram ambos)

10  

Resultados Nos gráficos abaixo, azul representa as respostas em favor do sexo masculino, rosa as respostas em favor do feminino e cinza as respostas em favor da igualdade de ambos sexos (opção “indiferente”). Chamaremos de grupo (u) a totalidade das respostas dos alunos. Note que as respostas para o grupo (u) refletem perfeitamente o quadro real de funcionários da escola, com marcações bem superiores a 50% para o feminino em Diretor, Coordenador, Professor de Ensino Fundamental, Responsável pela Limpeza e Cozinheiro:

Diretor  (u)  

54%  

m  

21%  

19%  

i  

Prof.  EF  (u)  

14%  

18%  

f  

28%   18%  

Coordenador  (u)   f   m  

63%  

i  

Resp.  Limpeza  (u)   f  

f  

31%  

m   65%  

m  

58%  

i  

i  

11%  

 

11  

Cozinheiro  (u)   f  

32%  

m   61%  

i  

7%  

Seguindo a mesma lógica, temos um resultado acentuadamente masculino para a única função realizada por um homem nessa escola, a função de Responsável pela Manutenção. Nesse colégio não há nenhum Segurança, entretanto é nessa opção que o consenso é maior, pois os resultados a favor do masculino beiram 80%:

Resp.  Manut.  (u)  

Segurança  (u)   1%  

12%   f  

24%  

20%  

f  

m   64%  

i  

m   79%  

i  

Até agora, podemos concluir que os resultados refletem o quadro real da escola, mas que os alunos possuem também construções estereotipadas que extravasam o ambiente escolar, de forma que possuem uma opinião quase que consensual para uma função que não se encontra representada em sua instituição de ensino. Essa opinião provavelmente vem do lar, da observação da realidade exterior à escola ou mesmo das representações midiáticas, que associam tal função ao masculino. Para Professor de Ensino Médio, existe uma leve expectativa dos alunos por um indivíduo do sexo masculino, embora aqui os resultados apareçam mais equilibrados do que em qualquer situação anterior. Não há uma inclinação de gênero muito bem definida para essa função, e isso certamente se deve tanto  

12  

a uma escassez de exemplos no repertório de experiências dos alunos, quanto à ausência de estereotipias da mídia em relação à tal função – logicamente a figura do segurança, com a força e agressividade que pressupõe, nos remete diretamente a um tipo ideal masculino. Mas o mesmo não ocorre para essa figura mais neutra:

Prof.  EM.  (u)   25%  

32%  

43%  

Como foi supracitado, a única situação na qual os alunos tiveram acesso dentro do ambiente escolar a um duplo referencial, foi no caso dos estagiários (já haviam recebido estagiários do sexo feminino, e agora eu me apresentava como o primeiro estagiário do sexo masculino) e no evidente caso dos alunos. Pois bem, os gráficos confirmam esses referenciais, já que, pela primeira vez, a opção “indiferente” é a mais freqüente, em ambos os casos:

Aluno  (u)   23%   60%  

 

17%  

Estagiário  (u)   f   m   i  

22%  

f  

43%  

m   i  

35%  

13  

Sou menina, logo prefiro as meninas A fim de aprofundar um pouco mais meu estudo, gerei gráficos comparativos entre os resultados do grupo (u) e os resultados dos grupos (f) – apenas respostas das meninas – e (m) – apenas respostas dos meninos. Consegui os seguintes resultados:

Diretor  (u)  

Diretor  (f)   f  

28%   18%  

54%  

i  

19%  

17%  

14%  

i  

 

Coordenador  (m)   19%   28%  

i  

Prof.  EF  (f)  

m   i  

11%  

17%  

53%  

Prof.  EF  (m)   f  

72%  

44%  

28%  

m   72%  

f   65%  

i  

f  

m   11%  

Prof.  EF  (u)   21%  

28%  

m  

Coordenador  (f)   f  

63%  

64%  

8%  

Coordenador  (u)   18%  

f  

28%  

m  

Diretor  (m)  

m   i  

25%   17%  

58%  

14  

Resp.  Limpeza  (u)  

Resp.  Limpeza  (f)  

f  

31%  

f  

31%  

m  

58%  

61%  

14%  

f  

36%  

m   i  

61%  

f  

Resp.  Manut.  (m)   f  

22%  

m   67%  

i  

14%  

61%  

Segurança  (m)  

Segurança  (f)  

1%  

25%  

m  

i  

Segurança  (u)  

3%   f  

19%  

f  

i  

19%  

m  

m   79%  

11%  

11%  

12%  

20%  

61%  

i  

Resp.  Manut.  (f)  

Resp.  Manut.  (u)  

64%  

28%  

m  

3%  

7%  

24%  

Cozinheiro  (m)  

Cozinheiro  (f)   f  

32%  

55%  

i  

8%  

Cozinheiro  (u)  

31%  

m  

61%  

i  

11%  

 

Resp.  Limpeza  (m)  

78%  

i  

81%  

15  

Prof.  EM.  (u)   25%  

32%  

Prof.  EM.  (f)   f  

28%  

m   i  

43%  

60%  

17%  

43%  

f   i  

53%  

Aluno  (m)  

m   67%  

i  

i  

47%  

28%  

53%  

33%  

Estagiário  (m)   f   m  

25%  

14%  

f  

33%  

Estagiário  (f)   f  

25%  

m  

m  

m   35%  

22%  

Aluno  (f)  

Estagiário  (u)   22%  

f   i  

33%  

Aluno  (u)   23%  

39%  

Prof.  EM.  (m)  

i  

17%   39%   44%  

A dinâmica é muito clara: na maioria dos casos, os indivíduos costumam prestigiar mais seu próprio sexo em detrimento do sexo oposto, quando os valores de suas respostas são comparadas com as respostas do grupo inteiro, independentemente da função. Note que os valores para “indiferente” permanecem estáveis na maioria dos casos, havendo o embate entre os sexos definidos. No caso de “Cozinheiro”, parece haver consenso para cerca de 60% das respostas para o sexo feminino. Entretanto vemos uma pressão do grupo feminino em suprimir o masculino nessa função, de forma que a alternativa “indiferente” figura mais no grupo exclusivamente feminino, Algo semelhante ocorre para o grupo feminino nas respostas para a  

16  

função “Aluno”. Aqui o masculino é completamente suprimido em favor do feminino e indiferente, enquanto curiosamente haja um razoável número de meninos que consideram as meninas melhores alunas, apesar ocorrer aqui também a tendência mais geral do grupo de valorizar o próprio sexo. Talvez essa preferência por parte até mesmo de alguns meninos por alunas do sexo feminino se dê por uma crença razoavelmente generalizada de que meninas são mais comportadas e esforçadas, o que caracteriza uma boa aluna e merece parte dos votos do público masculino por maior que seja a tendência de prestigiar o próprio sexo. Da mesma forma, no caso de “Cozinheiro”, o consenso pela alta proporção feminina que não se altera no grupo masculino quando comparado ao grupo completo pode também se dever a uma crença generalizada na posição de cozinheira (ou seu análogo “dona-de-casa”) como mais adequada à mulher. O único caso que me pareceu fugir de uma tendência é a resposta do grupo dos meninos em relação à “Responsável pela Manutenção”. Suas respostas, quando consideradas isoladamente em relação ao total parecem delegar à mulher tal função. Isso é curioso porque é justamente essa função que se apresenta representada no quadro real de funcionários da escola por um homem. Da mesma forma, as meninas em suas respostas isoladas também delegam essa atividade ao sexo oposto. Mas nesse caso é aceitável, talvez em função de parte do grupo feminino temer a identificação com um papel que tem claramente uma conotação masculina nessa instituição.

 

17  

Crítica, contestação e mudança Os padrões de comportamento escolhidos pelas sociedades são transmitidos pela educação – seja ela escolar ou “extra-escolar” – de forma que refletem a ideologia dominante. Como vimos pelos exemplos quantitativos citados, as crianças possuem já em tenra idade claras inclinações para os papéis que cabem a cada gênero, seja pela observação de uma divisão sexual real das funções, seja pela absorção de estereótipos – como já foi discutido, na verdade há uma dialética entre esses dois fenômenos,

que

se

retro-alimentam.

De acordo com Moreno, esses papéis escolhidos pela sociedade não são inerentes ao ser humano, e portanto podem ser modificados. Dentro desse contexto, a escola se apresenta como um espaço privilegiado para a mudança, visto que apenas mediante a aplicação de ações educativas conscientes torna-se possível a quebra de paradigmas arraigados. Assim como Copérnico tirou a terra do centro do universo, a escola pode fazer o mesmo ao tirar o homem do centro da existência humana, num movimento mais consonante com os tempos modernos. Para Moreno, o simples tratamento equânime da parte do professor para com os alunos não é suficiente para erradicar o androcentrismo. Como tal igualdade é relativamente nova na história das sociedades ocidentais, muitos erroneamente julgam que o problema está resolvido. Entretanto minha pesquisa caminha no mesmo sentido do trabalho de Moreno, ao mostrar que as crianças aprendem pontos de vista sexistas, mesmo que nós não as ensinemos. Assim como é dever da escola corrigir quaisquer modelos organizacionais rudimentares e errôneos elaborados pelas crianças em relação à língua e aos conteúdos disciplinares clássicos, também é dever da escola corrigir modelos ultrapassados que sobrevivem na sociedade apesar da

passagem

do

tempo,

causando

discriminações

e

atrasos

no

desenvolvimento social. Para que essa transformação seja posta em prática, Moreno sugere que a escola ensine a pensar ao invés de ensinar o que já foi pensado, assim como ensine a questionar ao invés de ensinar a obedecer.

 

18  

O Tribunal Com a sugestão de Moreno em mente – de que a escola deve ensinar aos alunos a questionar – eu tive a idéia de realizar um experimento, após observar uma dinâmica que era realizada diariamente por uma das professoras da escola no final do turno, e que me deixou muito entusiasmado. Essa professora chamava um aluno na frente da sala. Ele deveria escolher uma palavra qualquer, cujo significante defenderia em um embate com o restante da sala, que deveria combater tal coisa. A professora servia de mediadora, e ao final definia quem havia ganho o caso pela qualidade das argumentações como em um tribunal. Ela me explicou que a atividade visava desenvolver o senso critico nas crianças. Pois bem, essa classe não havia sido exposta ao questionário. Sugeri para a professora que realizásse-mos a dinâmica do tribunal antes de aplicálo. A primeira palavra foi “Menino”, e a segunda “Menina”. Curiosamente, em ambos os casos foram meninas que quiseram realizar as defesas. O embate foi bem inusitado, com as mais curiosas afirmações, sobre os defeitos, incapacidades, falhas de caráter, etc., que a classe apresentava a respeito de meninos e em seguida de meninas. As defensoras eram ambas muito hábeis, e conseguiam relativizar com freqüência o que fora dito. Era curioso ver meninos criticando aquilo que julgavam ser suas próprias características, assim como meninas fazendo o mesmo. Ataques e defesas como esse exemplo eram comuns: -“Meninos não sabem passar maquiagem!” (vindo de um menino, do lado acusador) -“Claro que sabem, em salão de beleza vários maquiadores são homens” (defende habilmente a menina lá na frente) Ou mesmo o exemplo seguinte, quando da segunda defesa: -“Meninas não sabem faze gol! -“Sabem sim, se treinarem para isso”

 

19  

Não interferi no debate, deixei que as crianças se manifestassem, e que a professora mediasse da forma que estavam acostumados. Logo em seguida apliquei os questionários. Essa sala, cuja somatória das respostas chamarei de grupo (c), tinha 19 alunos nesse dia, sendo 12 meninos e 7 meninas. Suas respostas não computam no grupo (u), formado de 72 alunos mas que não fizeram essa dinâmica. Os alunos do grupo (c) possuem a mesma média de idade do grupo (u), de 9,5 anos. Aqui estão os resultados do grupo (c), comparados aos do grupo (u):

Diretor  (u)  

Diretor  (c)   f  

28%   18%  

m  

54%  

i  

f  

32%  

m  

58%  

i   10%  

Coordenador  (u)   f  

18%   19%  

Coordenador  (c)  

63%  

m   i  

37%   58%  

f   m   i  

5%  

Prof.  EF  (u)   f  

21%   14%  

 

Prof.  EF  (c)  

65%  

f  

21%  

m   i  

m   79%  

i  

20  

Resp.  Limpeza  (u)  

Resp.  Limpeza  (c)  

f  

31%  

m  

58%  

f  

42%   58%  

i  

m   i  

11%  

Cozinheiro  (u)  

Cozinheiro  (c)   f  

32%  

m  

61%  

f  

37%   58%  

i  

7%  

m   i  

5%  

Resp.  Manut.  (u)  

Resp.  Manut.  (c)  

12%   f  

24%  

f  

26%  

m   64%  

m   74%  

i  

Segurança  (u)  

Segurança  (c)  

1%   20%  

11%   f  

f  

21%  

m  

m   79%  

 

i  

i  

68%  

i  

21  

Prof.  EM.  (u)   25%  

Prof.  EM.  (c)   f  

32%  

m  

47%  

m   32%  

i  

43%  

Aluno  (u)  

i  

Aluno  (c)   11%  

5%   f  

f  

23%   60%  

f  

21%  

m  

17%  

i  

Estagiário  (u)  

m   84%  

i  

Estagiário  (c)   5%  

43%  

22%  

f   m  

35%  

f  

47%  

i  

m  

48%  

i  

Infelizmente são poucos alunos no grupo (c), o que pode causar algumas distorções assim como impossibilita uma análise comparativa das respostas de ambos sexos (haviam apenas sete meninas, o que é uma amostra

muito

reduzida).

Os

dados

conseguidos,

entretanto,

me

convenceram que a dinâmica surtiu efeito. Em praticamente todos os gráficos testemunhamos um aumento da alternativa “indiferente” em relação ao grupo (u). É evidente que as diferenças se processam mais nas funções que não carregam um estereótipo cultural muito forte, como Diretor, Coordenador e Professor de Ensino Médio. Essas também são algumas das funções exercidas por indivíduos com quem os alunos tem pouco ou nenhum contato;  

22  

entretanto o simples fato de não escolherem o próprio sexo, já mostra uma considerável mudança de posicionamento. Acho que o aumento das alternativas “masculino” para “Estagiário” se deu em virtude de minha presença, que se efetuou por mais tempo nessa sala, o que pode ter gerado uma maior identificação. Na esfera mais próxima dos alunos – ou seja, eles mesmos –, vemos um formidável atrofiamento da ênfase no próprio sexo. Talvez para as outras funções – que carregam para os alunos um maior conteúdo sexista em virtude dos exemplos cotidianos, da cultura midiática ou mesmo familiar –, seja mais trabalhoso efetuar uma mudança mais saliente. Entretanto o efeito conseguido com este simples experimento apos uma dinâmica de cerca de 20 minutos me deixa muito otimista quanto à utilização de métodos de desenvolvimento do pensamento critico em crianças, mesmo muito jovens.

 

23  

Conclusão Apesar

de

freqüentemente

negado

pelo

público

leigo,

o

androcentrismo trata-se de uma realidade largamente difundida em nossa sociedade, com conseqüências desastrosas para ambos os sexos2, assim como

o

é

qualquer

forma

de

discriminação.

O androcetrismo se renova de geração em geração, quando seguimos modelos ultrapassados sem realizar questionamentos racionais acerca da validade de tais práticas. Está difundido na cultura familiar, na cultura de massas e até mesmo no conteúdo didático das escolas e na estrutura gramatical de nossa língua. Sua prática na maioria das vezes não é mal intencionada, e se dá atanto por parte das mulheres quanto dos homens. Assim como é o dever da escola corrigir os erros e insuficiências de seus alunos no que toca o conteúdo disciplinar tradicional, também o é a erradicação de crenças preconceituosas por parte dos alunos, que as trazem para a escola de seu lar ou do convívio social em diversos meios, através do desenvolvimento de um pensamento critico e questionador, habilidade essa que nos permitirá a construção da sociedade justa e igualitária que tanto almejamos.

                                                                                                                2  Sim,  os  meninos  também  são  prejudicados  quando  são  forçados  a  seguir  

determinados  modelos  de  comportamento  –  muitas  vezes  embrutecedores  –  a     fim  de  provar  sua  masculinidade.     24  

Levantamento Bibliográfico: MORENO, M. M. Como se ensina a ser menina: o Sexismo na escola. São Paulo: Moderna, 1999. MORENO et al. Conhecimento e mudança: os modelos organizadores na construção do conhecimento. São Paulo: Moderna, 1999. TOBIN, K., & GALLAGHER, J. J. (1987). The role of target students in the science classroom. Journal of Research in Science Teaching, 24(1), 61–75.

 

25  

ANEXO: Questionário aplicado aos alunos

! IDADE:!

!

___'ANOS!

SEXO:'''

[!]!MASCULINO!!!

[!]'FEMININO!

! Marque'o'gênero'mais'apropriado'para'cada'personagem'dentro'de'uma' escola'hipotética:'

PERSONAGEM'

FEMININO'

MASCULINO'

INDIFERENTE'

Diretor(a)'

[!]!

[!]!

[!]!

Coordenador(a)'

[!]!

[!]!

[!]!

Professor(a)'(Ensino'Médio)'

[!]!

[!]!

[!]!

Professor(a)'(Ensino' Fundamental)'

[!]!

[!]!

[!]!

Responsável'pela'limpeza'

[!]!

[!]!

[!]!

Cozinheiro(a)'

[!]!

[!]!

[!]!

Estagiário(a)'

[!]!

[!]!

[!]!

Segurança'

[!]!

[!]!

[!]!

Responsável'pela' manutenção'

[!]!

[!]!

[!]!

Aluno(a)'

[!]!

[!]!

[!]!

! ! !

   

   

 

26  

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.