GÊNEROS TEXTUAIS: REFLEXÕES E ENSINO

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Gêneros textuais: reflexões e ensino, p. 169 - 180

GÊNEROS TEXTUAIS: REFLEXÕES E ENSINO Maria Elizabeth Sacchetto* Maria Luiza Scafutto** Sávio Damato Mendes*** Ana Carolina Lemos***

RESUMO Neste artigo serão apresentados os resultados obtidos, por meio de pesquisa de campo, referentes à aplicação da teoria dos gêneros textuais em sala de aula. O objetivo é averiguar se realmente existe um trabalho com os gêneros textuais em sala de aula e, caso exista, como ele é realizado. Com essas informações, pôde-se traçar um panorama do trabalho efetivo com gêneros que se desenvolve na realidade escolar, o que possibilitou um aprofundamento de reflexões sobre as deficiências e possibilidades que o sistema educacional apresenta. Os dados foram analisados, fundamentalmente, a partir dos pressupostos teóricos da Teoria dos Gêneros de Bakhtin e das propostas de transposição didática realizadas pela equipe de Dolz e Schneuwly. Palavras-chave: Gêneros textuais. Língua Portuguesa. Ensino.

ABSTRACT In this article the obtained results, through field research, regarding the application of the textual genre theory in the classroom will be presented. The aim is to investigate if there is work with textual genre in the classroom and, if it exists, how it is done. With this information, it was possible to outline a panorama of the effective work with genre which is developed in school reality, making it possible to deepen reflections about the deficiencies and possibilities presented by the educational system. Data was analysed, fundamentally, starting from the theoretical approach of Bakhtin’s Genre Theory and the proposals of teaching transposition accomplished by Dolz and Schneuwly’s group. Keywords: Textual Genre Theory. Portuguese Language. Teaching. *

Mestre em Letras – CES/JF - Diretora Acadêmica e Extensão Comunitária e Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Orientadora do projeto de iniciação científica Gêneros textuais: reflexão e ensino pelo CES/JF. ** Mestre em Linguística - UFJF. Co-orientadora do projeto Gêneros textuais: reflexão e ensino. *** Graduandos do curso de Letras pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e bolsistas de iniciação científica do projeto Gêneros Textuais: reflexão e ensino.

169 Juiz de Fora, 2008

Maria Elizabeth Sacchetto, Maria Luiza Scafutto, Sávio Damato Mendes...

Falar em gêneros textuais é, acima de tudo, falar do sujeito construtor do texto e das situações comunicacionais que envolvem essa construção. Em outras palavras, o gênero pode ser definido por seus aspectos sociocomunicativos e funcionais, segundo os quais surgirá a pluralidade textual expressa nos diferentes gêneros, que advém da necessidade de o sujeito se expressar atendendo a objetivos específicos, visando a um público determinado e limitado por uma singular situação comunicativa. Segundo Luiz Antônio Marcuschi (2002), em seu texto Gêneros textuais: definição e funcionalidade, os gêneros são concebidos como fenômenos históricos profundamente ligados à vida social e cultural dos sujeitos. São flexíveis, dinâmicos e surgem a partir das necessidades dos homens, das atividades socioculturais e das inovações tecnológicas. Na tentativa de colocar o estudo do gênero como norteador do trabalho de sala de aula, Dolz e Schneuwly propõem as seguintes prioridades no preparo comunicativo dos alunos: Prepará-los para dominar a língua em situações variadas, fornecendo-lhes instrumentos eficazes; Desenvolver nos alunos uma relação com o comportamento discursivo consciente e voluntário, favorecendo estratégias de auto-regulação; Ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta elaboração. (2004, p. 49).

O Grupo de Genebra dedicou-se a elaborar uma proposta de transposição dos conceitos bakhtinianos para o trabalho de sala de aula. No que se refere à criação de um currículo para o ensino de língua, baseado nos gêneros, na escola básica, propõe que se elabore uma dinâmica em que, em sistema de progressão, os alunos possam se apropriar, cada vez mais, de conhecimentos e práticas linguísticas complexas e aprofundadas. (GÊNEROS..., 2004) Os principais organizadores da obra GÊNEROS orais e escritos na escola (2004), Schneuwly e Dolz, apresentam a noção de currículo por oposição à de programa escolar. Segundo eles, enquanto o programa escolar supõe uma centralização mais exclusiva na matéria a ensinar e é recortado de acordo com a estrutura interna dos conteúdos, no currículo, esses mesmos conteúdos disciplinares são definidos em função das capacidades do aprendiz e das 170 CES Revista, v. 22

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experiências a ele necessárias. Além disso, os conteúdos são sistematicamente postos em relação com os objetivos de aprendizagem e os outros componentes do ensino. Essas propostas foram também incorporadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), expressadas da seguinte forma: No processo de ensino aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental, espera-se que o aluno amplie o domínio discursivo nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 32).

A proposta é criar, na escola, situações que se assemelhem às existentes no ambiente social externo. Dessa forma, o professor terá o domínio do universo de variações possíveis e orientará o aprendiz dentro desse universo, embora as possibilidades comunicativas se estendam para além dele. A criação de um espaço potencial de desenvolvimento deve ser encarada no nível local, no quadro da realização de sequências didáticas que tem por objetivo a apropriação dos gêneros. Os autores Dolz, Noverraz e Schneuwly propõem o desenvolvimento de uma “sequência didática” visando a orientar o trabalho do professor para que possa “[...] ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindolhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação.” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97 – grifo dos autores). Para tal, o autor apresenta um esquema para a sequência didática, dividido em quatro momentos distintos: apresentação da situação; primeira produção; módulos e produção final. O item “Apresentação da situação” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 99). é colocado como a etapa em que o professor apresentará para a turma o gênero, oral ou escrito, que será trabalhado. Serão demonstradas e exemplificadas as características que o distinguem e o identificam; suas utilidades; necessidades e a quem se dirige. É o momento em que se estabelecem os formatos possíveis desse gênero (panfleto, jornal, folha) e quem participará da produção na etapa seguinte (grupo, individual.). Em seguida é apresentada a etapa intitulada “Primeira produção” (DOLZ; 171 Juiz de Fora, 2008

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NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 101) em que, após a prévia explicação do professor, os alunos seguirão para a prática, buscando produzir o gênero proposto. É, nessa primeira tentativa de produção, que os alunos se conscientizarão do que realmente já dominam do gênero em questão e no que têm dificuldade. Por meio da análise desses textos, o professor poderá elaborar o programa dos módulos, desenvolvendo-o de forma a suprir as dificuldades apresentadas pelos alunos e ampliar suas possibilidades comunicativas. Logo após é colocada a etapa dos “Módulos” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 103) em que se aconselha que sejam trabalhados os problemas que apareceram na primeira produção e que sejam dados aos alunos os instrumentos necessários para superá-los. Os problemas são identificados e abordados separadamente, com exercícios específicos para cada um, possibilitando, ao final, além de superá-los, que os alunos adquiram uma noção mais exata do gênero trabalhado. Isso refletirá na espontaneidade de uma linguagem técnica comum entre os alunos, utilizada para analisar tal gênero. É ressaltada também a importância de se buscar a diversificação dos exercícios e atividades elaborados para suprir as carências do aluno. Dessa forma, maximiza-se, “[...] pela diversificação das atividades e dos exercícios, as chances de cada aluno se apropriar dos instrumentos e noções propostos, respondendo, assim, às exigências de diferenciação do ensino.” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 109). Ao final dessa etapa é aconselhável, ainda, que se elabore uma síntese do conteúdo estudado, de forma a possibilitar ao aluno a obtenção de um guia para avaliar o somatório de sua aprendizagem e recordar o que foi estudado. Terminando, “A seqüência é finalizada com uma produção final que dá ao aluno possibilidade de pôr em prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos módulos. Essa produção permite, também, ao professor realizar uma avaliação somativa.” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 106). Essa proposta pressupõe o trabalho tanto com textos escritos quanto orais e, especialmente, ressalta a necessidade de valorização das manifestações orais, já que a tradição muito valoriza o texto escrito. Geralmente, os professores utilizam os textos orais para o ensino da construção do conhecimento por meio da interação dos sujeitos do professor, ou seja, alunos e professor. Porém, esse procedimento não levará o aluno a uma competência plena no uso da linguagem. “[...] cabe a escola ensinar o aluno a 172 CES Revista, v. 22

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utilizar a linguagem oral no planejamento e realização de apresentações públicas [...]” (BRASIL, 1998, p. 25), para serem capazes de responder as diferentes exigências de fala e adequação a gêneros orais. Já nos textos escritos, há a necessidade de aproximar os alunos dos textos de qualidade e capacitá-los a interpretar e a produzir discursos sem tomá-los, contudo, como modelos de produção. A escola deve proporcionar ao aluno textos de variados gêneros e frequentes na realidade social com toda sua complexidade, utilizando-se também de diferentes abordagens no tratamento didático. Quanto ao texto literário, a força criativa da imaginação e a intenção estética são suas principais características. Ele é um inusitado tipo de diálogo, pois tem autonomia, não se prende a padrões de modos da realidade, é expansão da subjetividade, possui características diferenciadas, podendo ser complexo e profundo, mesmo sendo uma fonte de produção de conhecimento. “Tornando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas [...]” (BRASIL, 1998, p. 27) que focam a expansão e construção de instrumentos que ampliem tal competência. Para tal, é primordial planejar situações didáticas para reflexão dos recursos utilizados pelo autor bem como o que tais recursos refletem na produção do discurso e do gênero. Com isso, o aluno será capaz de construir paradigmas próprios da fala de sua comunidade, observando, sistematizando e categorizando o que é produzido, escutado ou lido. RESULTADOS E DISCUSSÕES 1. Análise dos questionários Analisando os questionários da pesquisa realizada com professores da Educação básica, observam-se avanços na visão de ensino dos professores, especialmente, quanto aos objetivos das aulas de português, que estão em consonância com as propostas dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) (BRASIL, 1998). Ao serem questionados sobre o que significa ensinar Língua Portuguesa, as respostas apresentaram pontos comuns: 173 Juiz de Fora, 2008

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Professor - 4: “Ensinar língua portuguesa é instrumentalizar o aluno para que ele possa, em diferentes situações comunicativas, usar a língua de maneira prática e eficiente, de modo a exercer seu papel de cidadão.” Professor - 6: “Ensinar língua portuguesa significa dar subsídios para que o aprendiz desenvolva instrumentos para uma leitura crítica e transformadora de si mesmo e da sociedade.” Professor – 8: “No que se refere a ‘ensinar língua portuguesa’ é pertinente afirmar que a função do professor é a de moldar a linguagem do aluno segundo suas necessidades comunicativas, a fim de que exerça sua cidadania.” Professor – 9: “Ensinar língua portuguesa é ensinar ao aluno a se expressar em diversas situações, tanto na fala quanto na escrita.” Como forma de materializar esses objetivos em sala de aula, Dolz (GÊNEROS..., 2004) apresenta uma proposta de Progressão Curricular entre as séries (ou ciclos) e dentro de cada série. A proposta é criar, na escola, situações que se assemelhem às existentes no ambiente social externo. Dessa forma, o professor terá o domínio do universo de variações possíveis e orientará o discente dentro desse universo, embora as possibilidades comunicativas se estendam para além dele. Percebe-se que, apesar de os discursos dos professores entrevistados preconizarem o papel da escola no trabalho pedagógico com os diferentes usos sociais da língua e a formação de um aluno leitor/escritor crítico e competente, as atividades propostas e praticadas em sala de aula parecem não atingir essas finalidades e as especificidades de cada gênero trabalhado. Ao serem indagados sobre os tipos de textos escolhidos para o trabalho em sala de aula, os professores apresentaram os seguintes exemplos: Professor 3: “Procuro nos diversos gêneros textuais.” Professor 7: “Priorizo livros em que ocorra diversidade de textos informativos, literários, críticos, formais e informais.” Professor 10: “Contos, poemas, crônicas e outros.” Professor 11: “Textos dissertativos, jornalísticos, argumentativos e contraargumentativos.” Professor 15: “Informativo, literário, narrativos, instrucional, roteiros, didáticos e outros.” 174 CES Revista, v. 22

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Pode-se observar que as escolhas dos textos trabalhados ocorrem de forma desarticulada e intuitiva. Desse modo, mesmo que os professores façam uma seleção de textos de variados gêneros textuais, nada permite supor que exista, por parte dos docentes, um projeto que vise à apropriação dos diversos gêneros, havendo, portanto, pouco espaço para as formas de progressão curricular. Como proposta para atingir essa progressão, Schneuwly, Dolz e colaboradores em GÊNEROS orais e escritos na escola (2004), estabelecem um agrupamento dos gêneros em que, gradativamente, no decorrer de cada série e na subsequente, apresenta novos tipos de gêneros e os já trabalhados são aprofundados e se entrelaçam, na medida do possível. No cotidiano, nenhum gênero atua isoladamente e, em geral, amalgamam-se durante o processo comunicativo. Com relação ao trabalho efetivo em sala de aula, o grupo de Genebra (GÊNEROS..., 2004) propôs, como se viu, a realização de sequências didáticas para orientar o trabalho do professor, para que ele possa ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada em uma dada situação de comunicação. No entanto, o que se observou pelos questionários foi que 93,4% dos professores entrevistados partem primeiramente da escolha de um tema ou assunto, enfocando seu trabalho nesse aspecto. Os gêneros, por outro lado, aparecem como suporte para o trabalho desse tema, sem nenhuma indicação que ressalte um trabalho estruturado em uma sequência didática, tal qual propõe o Grupo de Genebra (GÊNEROS..., 2004). Respondendo sobre a maneira como são propostas as atividades de produção de textos em sala de aula, os professores teceram as seguintes considerações: Professor 1: “Sempre relacionados aos temas trabalhados em sala de aula.” Professor 5: “Apresento-lhes um tema em alta na mídia e peço que dissertem sobre o assunto.” Professor 9: “Produções a partir de uma idéia, de uma opinião discutida, de um texto lido e comentado e outros.” Professor 17: “Geralmente com temas trabalhados e/ou com livros lidos.” 175 Juiz de Fora, 2008

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Professor 11: “A partir de algum tema trabalhado anteriormente em um texto e debatido em sala de aula.” Professor 20: “De acordo com os temas trabalhados, livros lidos, reportagens ou depoimentos.” Apenas 6,6% dos professores responderam que as atividades variam de acordo com o gênero específico a ser produzido: Professor 4: “As atividades variam de acordo com o gênero proposto naquele momento. Desta feita, procura-se preparar etapas que tenham procedimentos essências para a confecção da produção pedida.” No que se refere à produção final, o grupo de Genebra esclarece o seguinte sobre a questão avaliativa: A sequência é finalizada com uma produção final que dá ao aluno possibilidade de por em prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos módulos. Essa produção permite, também, ao professor, realizar uma avaliação somativa. (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 106).

Quando o trabalho não é focado em torno dos gêneros, as condições de produção não são analisadas, tornando a avaliação incompleta e limitando-se à estruturação, conteúdo e recursos gramaticais. Como se vê logo abaixo, os professores não indicam o trabalho de análise e avaliação dos gêneros, quando respondem sobre os principais itens que avaliam na produção dos alunos: Professor20: “Coesão e coerência ao tema proposto. Capacidade de expressar e ortografia.” Professor11: “O vocabulário, a ortografia e concordância, além, é claro, da clareza na organização dos argumentos.” Professor 9: “Coesão e coerência.” Professor 17: “Capacidade de expressar, coesão e coerência ao tema proposto.” Professor 15: “Organização de idéias, ortografia, pontuação, coerência e coesão.” 176 CES Revista, v. 22

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Nesse contexto, em apenas um dos docentes, há argumentos que possibilitam entrever a supracitada avaliação somativa dos gêneros discursivos: Professor 4: “Os itens avaliados dependem do gênero trabalhado: Folder- Qual seu objetivo; a quem se destina; quais os recursos linguísticos ou discursivos empregados.” 2. Análise dos livros didáticos O fato de os PCNs de Língua Portuguesa tratarem da questão dos gêneros do discurso na perspectiva bakhtiniana implica uma mudança nos conceitos de língua e linguagem e, consequentemente, nas práticas de sala de aula. Assim, norteou a análise dos livros didáticos a apropriação pelos autores dos fundamentos adotados, tanto nas escolhas textuais quanto nas propostas de atividades de leitura e de produção de textos. Quanto à escolha dos textos, nos livros analisados existem diversidade temática e gêneros diversificados, entretanto nem sempre há boa exploração das características do gênero nas atividades de leitura ou de produção de textos. Tem-se uma certa variedade de autoria, principalmente daqueles representativos da esfera literária, sendo mínima a incidência de textos oriundos da tradição oral. Na grande maioria, os textos são apresentados na íntegra, embora isso determine a escolha majoritária de textos em gêneros de pequena extensão. Além disso, os livros apontam para um descaso com a situação de produção/ recepção dos textos de esferas não literárias, um certo descuido com os créditos das fontes de origem, datas de jornais e revistas, em especial, com a fidelidade aos suportes. Quanto às atividades de leitura e compreensão dos textos, uma estratégia praticamente usada por todos é a abordagem dos conhecimentos prévios sobre o tema do texto. Também é comum a exploração das características textuais e/ ou da forma composicional dos gêneros assim como das propriedades estilísticas dos textos literários. Apenas a metade das coleções explora, adequadamente, o vocabulário e a intertextualidade. Um número menor ainda propõe atividades pertinentes à situação de produção dos textos e da leitura, aos recursos coesivos presentes no texto e, sobretudo, às variedades e aos registros linguísticos que esses 177 Juiz de Fora, 2008

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apresentam. Assim, nas atividades de leitura propriamente dita, alguns deixam a desejar quanto ao tratamento linguístico-discursivo dos textos. Em relação às atividades de produção de textos, prioritariamente, concentram-se na alimentação temática para a elaboração do texto. As propostas abarcam a produção de tipos e gêneros diversificados e variados, como também indicam o gênero ou o tipo dos textos a serem produzidos pelos alunos. Existe certa atenção ao planejamento dos textos, sobretudo no que diz respeito à forma composicional do gênero ou à estrutura textual. Esses são os aspectos positivos, entretanto, apenas uma parte dos livros dá atenção a aspectos igualmente relevantes para a produção, tais como: a) atividades de socialização ou de circulação da produção dos alunos; b) atividades de revisão, especialmente no que se refere às convenções da escrita. Também nas propostas de atividade de produção, os livros didáticos apresentam deficiências em relação aos aspectos discursivos da produção, isto é, à criação de uma situação efetiva de interlocução: poucos indicam os objetivos da produção textual, seus destinatários, seus suportes de destino e seus contextos de circulação, o que leva à conclusão de que há um abandono dos aspectos ligados à criação de uma base de orientação discursiva para a produção de textos escritos e, novamente, uma focalização, nos aspectos estruturais e formais do texto a ser produzido. Isso se traduz, ainda, por certo descaso, efetivado na indicação diversificada de gêneros que exijam variedades e registros linguísticos diversos, isto é, priorizase, sobretudo, a língua culta/norma padrão escrita , desconsiderando a indicação da variedade requerida. Pode-se afirmar que os autores e editores selecionam textos de qualidade, autênticos, e diversificados, quanto à esfera de circulação, e gêneros adequados ao alunado. Esses fatores são positivos, pois o livro didático é, em muitos casos, o único material de leitura a que esses alunos de Ensino Fundamental têm acesso. Entretanto, quanto às atividades propostas, tanto de exploração dos textos quanto daquelas que visam à produção de texto pelo aluno, os livros didáticos nem sempre contribuem para a ampliação da competência na leitura e na escrita. Apesar de uma média regular dos livros incorporar uma exploração das estratégias de leitura, o tratamento linguístico e discursivo dos textos na 178 CES Revista, v. 22

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leitura é insuficiente, especialmente no que concerne a aspectos cruciais para a construção da leitura, em especial da leitura crítica. Isso também acontece nas propostas de produção de textos, cujos aspectos que recebem menos atenção são, ainda desta vez, ligados à situação de produção. Cumpre destacar que, quanto às propostas de atividades de compreensão e de produção de textos orais, é esse o domínio no qual há menor clareza por parte de autores e editores, principalmente no que se refere a como ensinar e como aprender. Muitos até favorecem a interação entre professor e alunos e entre alunos na sala de aula, propondo conversas e discussões, mas é reduzido o número daqueles que colocam os gêneros orais (formais e públicos) como um objeto a ser ensinado. Um trabalho que pretenda abordar gêneros do discurso como objeto de ensino implica, necessariamente, a (re)construção da situação de produção/ recepção do texto lido (enquanto constitutiva do sentido) e a diversidade de gêneros, especialmente os orais. A análise mostra que tal proposta metodológica não foi ainda plenamente apropriada pelos autores. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Ao final deste estudo, observa-se que não há um trabalho efetivo com gêneros textuais em sala de aula. Ao invés disso, a prática pedagógica do ensino da língua portuguesa privilegia o aspecto temático tanto nas atividades de interpretação de texto quanto nas propostas de produção textual. Apesar de tanto os professores quanto os livros didáticos assumirem explicitamente as orientações dos PCNs, o que efetivamente ocorre é o comum equívoco de se confundir trabalho com gêneros com diversidade de gêneros abordados ilustrativamente no material didático. Dentre as prováveis causas disso, destacam-se o pouco material produzido e, principalmente, divulgado sobre cada gênero e o fato de que aqueles materiais publicados não chegaram ainda nas mãos dos que estão em sala de aula. Em visto do exposto, é importante que, além do estímulo às pesquisas acadêmicas que estão destrinchando as características dos principais gêneros, haja um maior investimento na formação inicial e continuada de professores visando a que se apropriem, consistentemente, da teoria e dos recursos metodológicos que levem a uma prática mais consciente com os gêneros textuais. Artigo recebido em: 09/08/2008 Aceito para publicação: 20/10/2008 179 Juiz de Fora, 2008

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REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 106 p. DOLZ, Joaquim; NOVERRZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Seqüências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: GÊNEROS orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004a. p. 95-128. DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (Francófona). In: GÊNEROS orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004b. p. 41-70. GÊNEROS orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.).Gêneros textuais e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

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