Gentil Lopes - FUNDAMENTOS DOS NÚMEROS.pdf

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Descrição do Produto

Fundamentos dos N´ umeros (Tudo o que vocˆ e gostaria de saber sobre n´ umeros mas n˜ ao tinha a quem perguntar)

− Constru¸ c˜ ao dos n´ umeros − N´ umeros Azuis − N´ umeros Vermelhos Gentil, o iconoclasta

1a edi¸c˜ao

Boa Vista-RR Edi¸c˜ao do autor 2016

c 2015 Gentil Lopes da Silva Copyright

Todos os direitos reservados ao autor Site do autor → www.profgentil.com.br email → [email protected]

Editora¸ c˜ ao eletrˆ onica e Diagrama¸ c˜ ao: Gentil Lopes da Silva Capa: Adriano J. P. Nascimento Gentil Lopes da Silva Ficha Catalogr´ afica S586d

Silva, Gentil Lopes da Fundamentos dos N´ umeros: tudo o que voc^ e gostaria de saber sobre os n´ umeros mas n~ ao tinha a quem perguntar: constru¸ c~ ao dos n´ umeros: n´ umeros azuis: n´ umeros vermelhos/Gentil Lopes da Silva..- Boa Vista-RR: Uirapuru, 2015 x, 514 p. il. 16x23 cm [Formato e-book] [Pseud^ onimo: Gentil, o iconoclasta.] ISBN 978-85-63979-08-7 1. Matem´ atica. 2. N´ umeros Naturais. 3. N´ umeros Inteiros. 4. N´ umeros Racionais. 5. N´ umeros Reais. 6. N´ umeros Complexos. 7. Gentil, o iconoclasta. I. T´ ıtulo. CDU:519.682

(Ficha catalogr´afica elaborada por Bibliotec´ aria Zina Pinheiro CRB 11/611)

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Pref´ acio Este livro trata de n´ umeros − dos naturais aos hipercomplexos −, desde a fundamenta¸c˜ ao filos´ ofica at´e as constru¸c˜oes dos mesmos. Aqui construimos os n´ umeros a partir do zero, literalmente falando.

→ 0 → N → Z → Q → R →

C H

A constru¸c˜ ao dos n´ umeros reais, a mais delicada e engenhosa de todas, o fazemos por dois m´etodos: Cortes, devido ao matem´ atico Richard Dedekind; sequˆencias de Cauchy, devido ao matem´ atico Georg Cantor. Ademais, exibimos dois novos modelos para tais n´ umeros, um dos quais, os ideogramas chineses; por exemplo os inteiros vermelhos

Z=

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agora s˜ ao n´ umeros inteiros com a mesma legitimidade matem´ atica que “os velhos n´ umeros inteiros”. Existem duas quest˜ oes debatidas h´ a s´eculos por matem´ aticos e fil´ osofos as quais pretendemos ter solucionado de uma vez por todas: umero?; − O que ´e um n´

umero, e mais geralmente a matem´ atica, existe independentemente do − o n´ homem? Ou ainda, a matem´ atica ´e descoberta ou criada? Neste livro debelamos estas e muitas outras quest˜oes correlatas. (p. 382) Assim como no universo da m´ usica, tamb´em na ciˆencia − e em particular na matem´ atica − existem os compositores e os int´erpretes; escrevo em duas ´areas, matem´ atica e espiritualidade, em ambas me considero um compositor, al´em de int´erprete. Escrevi quatro livros de matem´ atica e trˆes de teologia.

N˜ao ´e necess´ario que um int´erprete seja original, um compositor sempre ´e original, por defini¸c˜ ao. Existe no ambiente acadˆemico por parte daqueles que decidem o que deve ou n˜ ao constar em um livro de matem´ atica, ou como se deve escrever um tal livro, uma for¸ca niveladora para arrastar todos ao n´ıvel de int´erpretes apenas, a criatividade ´e recha¸cada como uma esp´ecie de heresia. O meu u ´ltimo livro de matem´ atica publicado (Espa¸ cos M´ etricos, p. 445) foi rejeitado por duas editoras, ap´ os o que tive que tomar dinheiro emprestado no Banco para public´a-lo. Uma vers˜ ao deste livro em .pdf circula por diversas Universidades brasileiras, tenho recebido diversos email’s de agradecimento, o mais recente deles com o seguinte teor: 3

Gentil Lopes

Agradecimentos sobre seu livro 1 mensagem Vinicius souza 18 de agosto de 2015 12:10 Para: [email protected] Professor Gentil Lopes, Muito obrigado por escrever um livro de linguagem simples, com v´arios exemplos e muito ilustrativo de um assunto t˜ao complexo para a maioria dos estudantes a n´ıvel de gradua¸c˜ao. Creio que todos estudantes de matem´ atica do Brasil deveriam conhecer seu livro Espa¸cos M´etricos (Com Aplica¸c˜oes). Acredito que para isso, seria necess´ario divulga¸c˜ao atrav´es de aulas ou palestras na internet mesmo online, isso ganha muita popularidade. No mais s´ o foi uma sugest˜ao. Escrevo mesmo ´e para agradecer e pabeniza-lo, estou muito empolgado com seu livro. Att: Marcus Vin´ıcius Sousa Faculdade de Matem´atica UFPA\ICEN(Graduando) Retomando, esta ´e a realidade do nosso pa´ıs: enquanto as ratazanas (pol´ıticos bandidos, e quase todos o s˜ ao) roubam bilh˜ oes de reais (bilh˜ oes!) um professor de matem´ atica tem que tomar dinheiro emprestado a juros para publicar seu livro. Tenho dito e reitero: onde um pol´ıtico toca, vira merda, foi o que sucedeu com a educa¸c˜ao brasileira (sa´ ude, seguran¸ca, etc.) A prop´osito, existe um dito popular que reza: “quem trabalha de gra¸ca ´e ´ por isto que eu invejo os rel´ rel´ ogio”. E ogios; com efeito, pela parte que me toca, se eu trabalhasse de gra¸ca me daria por muito satisfeito, a verdade ´e que me considero um caso anˆ omalo, pago para trabalhar! Este foi o caso dos meus sete livros j´a escritos. Isto mesmo, nunca recebi um u ´nico centavo de incentivo, e depois de publicados, minha Universidade nunca adquiriu um u ´nico volume sequer, esta ´e a realidade que aproveito a oportunidade para denunciar. Afora as despesas inerentes `a produ¸c˜ao de um livro (quanto mais v´arios) deixo de ganhar “mais” dinheiro para n˜ ao roubar tempo `a produ¸c˜ao copiosa de meus escritos. Veja bem, n˜ ao ´e o caso de meus livros serem desprovidos de m´eritos acadˆemicos, n˜ ao ´e este o caso. Meu primeiro livro de matem´ atica publicado (` as minhas expensas, reitero), [21], foi elogiado por dois grandes matem´ aticos brasileiros∗ , vou pedir licen¸ca para reproduzir um dos email’s, ei-lo: ∗ Ubiratan D, Ambr´ osio e Carlos Gustavo T. de A. Moreira (Gugu) que, dentre outras coisas, me escreveu “Gostei da sua f´ ormula”, que ´e a que comparece na p´ agina 80.

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From: Ubiratan D, Ambr´ osio To: Gentil Lopes da Silva Sent: Saturday, November 06, 2004 10:46 AM Subject: Obrigado pelo livro Caro Gentil Muito obrigado pelo livro que vocˆe mandou pelo Chateau. Est´a muito bom, interessante e cheio de provoca¸c˜ oes. D´a oportunidade para os estudantes se iniciarem em pesquisas. Vocˆe fala que o livro destina-se a alunos de 2o e 3o graus. Eu diria que ´e tamb´em para a p´ os. Aritm´etica continua sendo grande fonte de problemas de pesquisa que podem ser trabalhados com relativamente pouco da complicada linguagem, nota¸c˜oes e resultados que caracterizam muitas ´ areas da matem´ atica. S˜ ao formula¸c˜oes simples que podem ser trabalhados com pouca t´ecnica, exigindo imagina¸c˜ao e criatividade. Vou recomendar aos meus alunos. Mas tive um problema. Nos sites das livrarias, o livro n˜ ao existe. E nem est´ a no site da Thesaurus. Recomendar um livro implica dizer como adquirir. O que vocˆe diz? Siga em frente com suas id´eias. As suas reflex˜ oes iniciais, a sua escolha de ep´ıgrafes, e a pr´ opria capa, s˜ ao uma grande contribui¸c˜ao para um novo pensar na urgente renova¸c˜ ao da educa¸c˜ ao em todos os n´ıveis. A sua trajet´ oria desde seus estudos, lecionando em condi¸c˜ oes prec´ arias, e com as dificuldades para publicar o livro ´e um exemplo, muit´ıssimo frequente, do processo (certamente intencional) de desencorajar o florescimento dos criativos, e abrir o espa¸co para os executores de id´eias de outros. ´ Uma curiosidade: vocˆe sabia que o Edouard Lucas, que vocˆe cita na p´ agina 393, ´e quem fez a revis˜ ao t´ecnica para a publica¸c˜ao p´ ostuma do livro “M´elanges de Calcul Int´egral”, de Joaquim Gomes de Souza, o Souzinha, em 1882? O livro havia sido recusado por in´ umeras editoras enquanto ele estava vivo. Muito obrigado. Um abra¸co, Ubiratan Ali´as, lembrei que tamb´em publico na ´area de programa¸ca˜o, meu livro “Programando a HP 50g ”∗ encontra-se em todas as Universidades brasileiras (em vers˜ ao .pdf), servindo a milhares de estudantes. Tenho recebido dezenas de email’s de agradecimentos − tanto de alunos quanto de professores − por tˆe-lo escrito e disponibilizado.

Para finalizar, uma justificativa. Este livro foi escrito a “uma m˜ aos” (isto ´e, eu e eu), ´e f´acil a diagrama¸c˜ao de um livro com textos apenas, n˜ ao ´e o caso do presente livro onde constam in´ umeras figuras e ilustra¸c˜oes, ademais, em muitas situa¸c˜ oes o autor deve decidir quando ou n˜ao uma figura deve constar na mesma p´ agina que a explica¸c˜ao correspondente, em muitos casos para n˜ ao deixar um peda¸co de p´ agina em branco decidi interpolar algum texto (ou pensamento) que tivesse a ver com o contexto local ou geral da obra. Gentil, o iconoclasta/Boa Vista-RR/16.12.2015 ∗

Este tamb´em rejeitado pela editora da minha Universidade - UFRR.

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Dedicat´ oria A meus pais (in memorian) Uma simples dedicat´ oria como esta me deixaria insatisfeito, representa muito pouco, n˜ ao deixaria patente a participa¸c˜ao do meu pai neste livro. Do alto dos meus atuais 55 anos de idade me sinto at´e feliz por ter descortinado o que vejo como uma lei Universal; a de que tudo no Uniao interrela¸c˜oes e comverso surge de interrela¸c˜ oes (rede de interconex˜oes), s˜ bina¸c˜ oes apropriadas que trazem algo `a existˆencia. Apenas para contextualizar, o som n˜ ao existiria sem o ouvido, nem a luz sem o olho. Este livro (e todos os meus outros) n˜ ao teria vindo `a existˆencia sem o concurso do meu pai. N˜ao falo da trivialidade de ele ter me colocado no mundo, n˜ ao ´e isto. Devemos nos situar em um contexto, em uma ´epoca; meu pai, homem de poucas letras era agricultor; pra come¸car, em um meio e cultura onde os pais n˜ ao davam nenhuma importˆ ancia para o estudo dos filhos, meu pai, trabalhando na ro¸ca mandou todos os filhos pra estudarem na cidade, enfatizo que esta foi uma s´ abia decis˜ ao que concorreu para a feitura deste e de todos os meus outros livros. Quando completei o 2 o grau n˜ ao existia Universidade em minha pequena cidade natal, o que s´ o veio a ocorrer muitos anos depois; quando meu pai soube do meu interesse em viajar pra Bel´em para dar continuidade a meus estudos prontamente foi ter com seu patr˜ ao para pedir um adiantamento para custear minhas despesas, como garantia prometeu ao patr˜ ao dobrar as horas de trabalho com seu u ´nico instrumento de sobrevivˆencia, o machado, isto ele contava sem disfar¸car o orgulho. Ora, se tudo no Universo se origina dentro de uma teia de (inter)rela¸c˜oes ent˜ ao resulta ´ obvio que meu pai tem uma participa¸c˜ao direta no fato de todos os meus livros terem vindo `a existˆencia, n˜ ao ´e isto? Ainda tem mais, observando meu pai em diversas situa¸c˜oes e contextos fui levado a fazer distin¸c˜ao entre cultura por um lado e sabedoria e inteligˆencia por outro. S˜ ao coisas distintas, nem sempre convergem em um mesmo sujeito. Meu pai n˜ ao possuia cultura, entretanto possuia inteligˆencia e sabedoria, essa combina¸c˜ao ´e rara de se ver. De minha m˜ ae ´e suficiente dizer que nesta vida foi uma verdadeira her´ oina, tamb´em sem cultura e vivendo em condi¸c˜oes in´ ospitas criou e educou oito filhos. 6

Pelo que conheci minha m˜ ae, a can¸c˜ao a seguir ´e como se tivesse sido composta para ela. (Milton Nascimento)

Maria, Maria

Maria, Maria, ´ um dom, E Uma certa magia Uma for¸ca que nos alerta Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta Maria, Maria, ´ o som, ´e a cor, ´e o suor E ´ a dose mais forte e lenta E De uma gente que r´ı Quando deve chorar E n˜ ao vive, apenas aguenta Mas ´e preciso ter for¸ca, ´ preciso ter ra¸ca E ´ preciso ter gana sempre E Quem traz no corpo a marca Maria, Maria, Mistura a dor e a alegria Mas ´e preciso ter manha, ´ preciso ter gra¸ca E ´ preciso ter sonho sempre E Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter f´e na vida. . .



Ant^ onio Cear´ a/Maria Icidor ∗



De minha m˜ ae herdei esta estranha mania de ter f´ e na vida. Pelo que conheci meu pai, a can¸c˜ao a seguir ´e como se tivesse sido composta para ele.

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Cantiga do Estradar

(Elomar)

T´ a fechando sete tempo qui m˜ıa vida ´e cam˜ı´ a pulas istradas do mundo dia e noite sem par´ a J´ a visitei os sete rˆeno adonde eu t˜ıa qui cant´ a sete didal de veneno traguei sem pestanej´ a mais duras penas s´ o eu veno otro crist˜ ˆ ao pr´ a suport´ a sˆ o irirm˜ao do sufrimento de pauta vea c’a dˆ o ajuntei no isquicimento o qui o baldono guardˆo meus meste a istrada e o vento quem na vida me insinˆo vˆo me alembrano na viage das pinura qui passei daquelas duras passage nos lugari adonde andei S´ o de pens´ a me d´ a friage nos sucesso qui assentei na mia lembran¸ca ligi˜ ao de condenados nos grilh˜ ao acorrentados nas treva da inguinoran¸ca sem a luiz do Grande Rei tudo isso eu vi nas m˜ıa andan¸ca nos tempo qui eu bascuiava o trecho alei tˆ o de volta j´a faiz tempo qui dexei o meu lug´ a isso se deu cuano mo¸co qui eu sa´ı a percur´a

nas inlus˜ao que hai no mundo nas bramura qui hai pru l´a saltei pur prefundos pˆ oc¸o qui o T˜ıoso tem pru l´a Jesus livrˆo derna d’eu mˆ oc¸o do raivoso me p˜ ai´a j´a passei pur tantas prova inda tem prova a infrent´a vˆo cantando m˜ıas trova qui ajuntei no cami´ a l´a no c´eu vejo a l˜ ua nova cump˜a˜ıa do istrad´a ele insinˆo qui nois vivesse a vida aqui s´ o pru pass´a qui nois intonce invitasse o mau disejo e o cora¸c˜ao nois prufiasse pra sˆe branco inda mais puro qui o capucho do algud˜ ao qui nun juntasse dividisse nem negasse a quem pidisse nosso amˆ o o nosso bem nossos ter´em nosso perd˜ ao s´ o assim nois vˆe a face ogusta do qui habita os altos c´eus o Piedoso o Manso o Justo o Fiel e cumpassivo Siˆ o de mortos e vivos Nosso Pai e nosso Deus disse qui hav´era de volt´a cuano essa terra pecadora marguiada in transgress˜ ao tivesse chea de violen¸ca de rapina de mintira e de ladr˜ ao

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Livros Publicados (Enderˆ ec¸os de acesso) 1- Novas Seq¨ u^ encias Aritm´ eticas e Geom´ etricas Bras´ılia-DF: Thesaurus, 2000; 448 p.

ISBN: 85-7062-200-X

Nota: N˜ao temos o arquivo eletrˆ onico deste livro, apenas impresso. Visite nosso site: www.profgentil.com.br ATICA (Uma Constru¸ c~ ao Matem´ atica de Deus) 2- O TAO DA MATEM´ Rio de Janeiro: LetraCapital, 2011; 500 p. ISBN: 978-85-7785-096-9 ebah slideshare scribd https://goo.gl/2nRS8x https://goo.gl/FbuJHV https://goo.gl/0HDswb c~ ao e Julgamento de Deus 3- Exuma¸ Taguatinga-DF: Editora Kiron, 2012; 197 p. ISBN: 978-85-8113-054-5 ebah slideshare scribd https://goo.gl/sTLFvv https://goo.gl/ppNBaE https://goo.gl/JbUw6h cos M´ etricos (com aplica¸ c~ oes) 4- Espa¸ Taguatinga-DF: Editora Kiron, 2013; 628 p. ISBN: 978-85-8113-125-2 ebah slideshare scribd https://goo.gl/OOaBBk https://goo.gl/R6MfVj https://goo.gl/yfqclG ANTICO (Um Deus pra homem nenhum botar defeito, 5- O DEUS QU^ mesmo que esse homem seja um ateu) Manaus-AM: Grafisa, 2014; 235 p. ISBN: 978-85-99122-40-2 ebah slideshare https://goo.gl/Gj36Wj https://goo.gl/JoPzzX

scribd https://goo.gl/A0Pnbc

6- Programando a HP 50g (Com Programa¸ c~ ao Simb´ olica) 2.a Edi¸c˜ao Manaus-AM: Grafisa, 2015; 364 p. ISBN: 978-85-99122-41-9 ebah slideshare https://goo.gl/M9zz9u https://goo.gl/lr8k0a

scribd https://goo.gl/nUCVW7

umeros (Tudo o que voc^ e gostaria de saber 7- Fundamentos dos N´ sobre os n´ umeros mas n~ ao tinha a quem perguntar) Publica¸c˜ ao Eletrˆonica, 2016; 514 p. ISBN: 978-85-63979-08-7 ebah slideshare scribd https://goo.gl/8YVCPB https://goo.gl/Ah5m0g https://goo.gl/mkl0PG 9

I Ching - O Livro das Muta¸co˜es O Livro das muta¸co˜es ´e o primeiro entre os seis Cl´assicos Confucionistas e deve ser considerado como um trabalho que se encontra no pr´oprio cerne da cultura e do pensamento chineses. A autoridade e considera¸ca˜o que tem desfrutado na China ao longo de milhares de anos s´o podem ser comparadas `as gozadas por textos sagrados, como os Vedas ou a B´ıblia, em outras culturas. No centro dos coment´ arios de Conf´ ucio, como no centro de todo o I Ching, encontra-se a ˆenfase no aspecto dinˆamico de todos os fenˆomenos. A transforma¸ca˜o incessante de todas as coisas e situa¸co˜es ´e a mensagem essencial de O Livro das Muta¸co˜es. (Capra/O Tao da F´ısica)

Na concep¸ca ˜o chinesa, todas as manifesta¸co ˜es do Tao s˜ ao geradas pela interrela¸ca ˜o dinˆ amica dessas duas for¸cas polares (yin e yang).

1

yang

0

yin

´ importante aprender sobre a Dicotomia Divina e compreendˆe-la bem E para viver feliz em nosso Universo. A Dicotomia Divina torna poss´ıvel duas verdades aparentemente contradit´ orias existirem simultaneamente no mesmo espa¸co. Em seu planeta as pessoas acham dif´ıcil aceitar isso. Apreciam a ordem, e tudo que n˜ ao se encaixa em seu quadro ´e automaticamente rejeitado. Por esse motivo, quando duas realidades come¸cam a se afirmar e parecem ´ precontradit´ orias, a suposi¸ca ˜o imediata ´e a de que uma delas ´e falsa. E ciso muita maturidade para ver e aceitar que de fato ambas poderiam ser verdadeiras. Contudo, na esfera do absoluto − oposta ` a do relativo, em que vocˆes vivem − est´ a muito claro que a u ´nica verdade que ´e Tudo que Existe, a `s vezes, produz um efeito que, visto em termos relativos, parece uma contradi¸ca ˜o. Isso ´e chamado de Dicotomia Divina e ´e uma parte muito real da experiˆencia humana. E como eu j´ a disse, ´e praticamente imposs´ıvel viver feliz sem aceit´ a-la. A pessoa fica sempre resmungando, zangada, aflita, buscando em v˜ ao “justi¸ca” ou tentando muito conciliar for¸cas opostas que nunca deveriam ser conciliadas mas que, pela pr´ opria natureza da tens˜ ao entre elas, produzem exatamente o efeito desejado. (Conversando com Deus/N. D. W.)

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Sum´ ario ´ UM NUMERO ´ 1 O QUE E 13 1.1 O Que ´e um N´ umero? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1.1.1 Conjuntos × Estruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1.1.2 O n´ umero (ou a matem´ atica) existe independentemente do homem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.1.3 A filosofia do Nada − do Vazio, da Vacuidade . . . . . 26 1.1.4 A Estrutura Cognitiva de Referˆencia . . . . . . . . . . 36 ˜ ´ 2 RELAC ¸ OES BINARIAS 2.1 Rela¸c˜ oes Bin´ arias . . . . 2.2 Rela¸c˜ oes Especiais . . . 2.3 Rela¸c˜ oes de equivalˆencia 2.4 Rela¸c˜ oes de ordem . . .

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´ 3 NUMEROS NATURAIS 81 3.1 Axiom´ atica de Peano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 3.2 Constru¸c˜ ao dos Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 ´ 4 NUMEROS NATURAIS AZUIS E VERMELHOS 4.1 Os Naturais Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1.1 In´ıcio da constru¸ca˜o dos naturais azuis . . . . 4.1.2 A fun¸c˜ ao sucessor . . . . . . . . . . . . . . . 4.2 Os Naturais Vermelhos . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.2.1 Isomorfismo entre estruturas . . . . . . . . . • Apˆendice: Matriz de combina¸c˜oes . . . . . . . . . . . . .

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117 . 117 . 119 . 121 . 137 . 138 . 141

´ 5 NUMEROS INTEIROS 147 5.1 Constru¸c˜ ao dos Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 5.2 Identificando os inteiros positivos com os naturais . . . . . 181 6 INTEIROS AZUIS E VERMELHOS 209 6.1 Os Inteiros Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 6.1.1 Representa¸c˜ ao bin´ aria para os inteiros azuis . . . . . . 211 6.2 Os Inteiros Vermelhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216 11

´ 7 NUMEROS RACIONAIS 7.1 Constru¸c˜ ao dos Racionais . . ¯ . . . 7.1.1 Opera¸c˜ oes em Q ¯ . . . 7.2 Rela¸c˜ ao de ordem em Q 7.3 Os Inteiros como Subconjunto • Apˆendice: Supremo e ´Infimo . . 7.3.1 M´odulo/Distˆ ancia . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . dos Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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219 219 227 236 242 246 256

8 RACIONAIS AZUIS E VERMELHOS 261 8.1 Constru¸c˜ ao dos Racionais Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 8.2 O Mito das Ambiguidades nas Representa¸c˜oes . . . . . . . . . 276 • Apˆendice: Um resultado bizarro: 0, 999 . . . = 0 . . . . . . . . . . 284 ´ 9 NUMEROS REAIS POR DEDEKIND 9.1 Constru¸c˜ ao dos Reais . . . . . . . . . . 9.2 O que ´e um corte . . . . . . . . . . . . . 9.3 Opera¸c˜ oes em C . . . . . . . . . . . . . . 9.3.1 Adi¸c˜ ao . . . . . . . . . . . . . . . 9.4 Rela¸c˜ ao de ordem em C . . . . . . . . . 9.4.1 Multiplica¸c˜ao . . . . . . . . . . . 9.5 Completude segundo Dedekind . . . . . • Apˆendice: Supremo e ´Infimo . . . . . . . .

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287 . 291 . 293 . 300 . 301 . 313 . 319 . 350 . 372

´ 10 NUMEROS REAIS POR CANTOR 10.1 pr´e-requisitos . . . . . . . . . . . . . 10.1.1 Sequˆencias . . . . . . . . . . 10.1.2 Subsequˆencias . . . . . . . . . 10.1.3 Sequˆencias de Cauchy . . . . 10.2 Rela¸c˜ ao de ordem em C . . . . . . .

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´ 11 NUMEROS REAIS AZUIS E VERMELHOS

383 384 384 389 396 419 453

´ 12 NUMEROS COMPLEXOS 455 12.1 Imers˜ ao de R em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463 ´ 13 NUMEROS HIPERCOMPLEXOS 471 13.1 Imers˜ ao de R em H . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478 14 CONSULTAS 14.1 Elementos de L´ ogica & Demonstra¸c˜oes . . . . . 14.1.1 Opera¸c˜ oes L´ ogicas sobre Proposi¸c˜oes . . 14.1.2 T´ecnicas (Engenharia) de Demonstra¸c˜ao 14.1.3 Fun¸c˜ oes Proposicionais/Quantificadores

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Cap´ıtulo 1

´ UM NUMERO ´ O QUE E A abstra¸ca ˜o desobstrui o esp´ırito, o torna mais leve e dinˆ amico. (Gaston Bachelard)

Introdu¸ c˜ ao Parece mentira, mas se o leitor procurar em um livro de matem´ atica a resposta para o que seja um n´ umero, n˜ ao vai encontrar. E se o leitor fizer esta pergunta a um matem´ atico tamb´em n˜ ao vai obter a resposta, ´e irˆ onico! ∗ Ele dir´ a, a exemplo de Peano : “n´ umero ´e um conceito primitivo, n˜ ao se define ”, e assim ele se livra desta responsabilidade − escapa pela “tangente” como se diz. Que esta “deficiˆencia”, digamos assim, j´a vem de longas datas ´e o que podemos inferir da cita¸c˜ ao a seguir: A ambivalˆencia dos matem´ aticos do S´eculo XVIII em rela¸ca ˜o aos n´ umeros complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma “Como todos os n´ umeros conceb´ıveis s˜ ao maiores ou menores do que zero ou iguais a zero, fica ent˜ ao claro que as ra´ızes quadradas de n´ umeros negativos n˜ ao podem ser inclu´ıdas entre os n´ umeros poss´ıveis [n´ umeros reais]. E esta circunstˆ ancia nos conduz ao conceito de tais n´ umeros, os quais, por sua pr´ opria natureza, s˜ ao imposs´ıveis, e que s˜ ao geralmente chamados de n´ umeros imagin´ arios, pois existem somente na imagina¸ca ˜o.” [7] ∗

Giuseppe Peano (1858-1932), natural de Cuneo, It´ alia, foi professor da Academia Militar de Turin, com grandes contribui¸c˜ oes ` a Matem´ atica. Seu nome ´e lembrado hoje em conex˜ ao com os axiomas de Peano dos quais dependem tantas constru¸c˜ oes da ´ algebra e da an´ alise − a exemplo da “Curva de Peano”.

13

Observe que, na mente de Euler, “todos os n´ umeros conceb´ıveis s˜ ao maiores ou menores do que zero ou iguais a zero”; o que prova que Euler e, por extens˜ ao os demais matem´ aticos, n˜ ao havia ainda atinado com uma compreens˜ ao necess´aria (satisfat´oria) do conceito de n´ umero. Nota: O conceito − e entendimento − de n´ umero veio evoluindo ao longo dos s´eculos; portanto ´e perfeitamente compreens´ıvel que os matem´ aticos, de ent˜ ao, n˜ ao se sentissem a` vontade com este “ente”, bem sabemos que isto em nada diminui os m´eritos destes grandes matem´ aticos, o que n˜ ao nos impede, todavia, de pˆ or em evidˆencia esta curiosa particularidade. Por outro lado, o que me deixa impressionado, embasbacado at´e, foi o tardio dom´ınio do importante conceito de n´ umero negativo; at´e h´ a pouco tempo atr´ as matem´ aticos de estirpe ainda claudicavam no entendimento do que fosse um n´ umero negativo, observe como n˜ ao estou exagerando: Peacock n˜ ao produziu resultados novos not´ aveis em matem´ atica, mas teve grande importˆ ancia na reforma do assunto na inglaterra, especialmente no que diz respeito ` a ´ algebra. Tinha havido em Cambridge uma tendˆencia t˜ ao conservadora em ´ algebra quanto na geometria e na an´ alise; ao passo que, no Continente, os matem´ aticos estavam desenvolvendo a representa¸ca ˜o gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade. (Boyer, p. 420)

Isto tudo dentro do j´a avan¸cado S´eculo XIX. N˜ ao constituir´ a ent˜ ao uma vergonha para a Ciˆencia estar t˜ ao pouco elucidada acerca do seu objeto mais pr´ oximo, o qual deveria, aparentemente, ser t˜ ao simples? Menos prov´ avel ainda ´e que se seja capaz de dizer o que o n´ umero ´e. Se um conceito que est´ a na base de uma grande ciˆencia oferece dificuldades, investig´ a-lo com mais precis˜ ao com vista a ultrapassar essas dificuldades ´e bem uma tarefa inescap´ avel. (Frege/Os Fundamentos da Aritm´etica)

Friedrich Ludwig Gottlob Frege (1848 — 1925) foi um matem´ atico, l´ ogico e fil´ osofo alem˜ ao. Trabalhando na fronteira entre a filosofia e a matem´ atica, Frege foi um dos principais criadores da l´ogica matem´ atica moderna.

N˜ ao podes encontrar a verdade com a l´ ogica se n˜ ao j´ a a tens (G.K. Chesterton) encontrado sem ela.

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1.1

O Que ´ e um N´ umero? No in´ıcio era o caos. . . e Deus disse: ‘Que exista a luz!’ E a luz come¸cou a existir.

(Gn 2 : 3)

Em nosso entendimento, a falta de clareza a respeito do que seja um n´ umero constitui-se numa pedra de trope¸co para a compreens˜ao de muitas quest˜oes relevantes tanto no ˆ ambito da matem´ atica quanto no da filosofia da ´ nosso objetivo na presente se¸c˜ao dizer o que ´e um n´ matem´ atica. E umero, definir (estabelecer) este conceito matem´ atico fundamental.

1.1.1

Conjuntos × Estruturas

O entendimento do que seja um n´ umero inicia-se com a distin¸c˜ao entre conjunto e estrutura. Em matem´ atica s˜ ao frequentes conjuntos munidos de uma ou mais opera¸c˜oes, que gozam de certas propriedades. Esses conjuntos com tais opera¸c˜oes e respectivas propriedades constituem aquilo que denominamos estruturas alg´ebricas. Para nos auxiliar em nosso objetivo (deixar claro a diferen¸ca entre conjunto e estrutura) vamos recorrer a uma analogia: Suponhamos um conjunto M cujos elementos s˜ ao materiais de constru¸c˜ao, assim: M = {tijolo, cimento, seixo, pedra, areia, . . .} “sobre” este conjunto podemos construir diversas estruturas, por exemplo: − Edif´ıcio

M

− Casa − Ponte

Conjunto Estruturas

N˜ao devemos confundir o conjunto M com a “estrutura” edif´ıcio, por exemplo. Mas este tipo de confus˜ ao ´e o que comumente se faz quando se fala de conjuntos num´ericos. No nosso entendimento um “conjunto num´erico” ´e muito mais que um mero conjunto, ´ e uma estrutura. H´a tanta imprecis˜ao em considerar um “conjunto num´erico” como um conjunto, quanto confundir o edif´ıcio com o conjunto M , na analogia acima. Entendemos que com respeito aos entes (conceitos) matem´ aticos n˜ ao deve ser diferente. 15

Vejamos um atica. Considere o conjunto de  exemplo retirado da matem´ pontos R2 = (x, y) : x, y ∈ R , cuja vers˜ ao geom´etrica ´e vista a seguir: R2 r (x, y) 0

sobre este conjunto podemos construir, por exemplo, trˆes estruturas, assim:

- Espa¸co vetorial : R2

(

q(x, y) 0

- N´ umeros C :

- N´ umeros H :

(

(

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) λ(a, b) = (λa, λb)

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) (a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) (a, b) · (c, d) = (ac ∓ bd, |a|d + b|c|)

Assim o n´ umero de estruturas que podemos construir sobre um mesmo conjunto estar´ a limitado apenas por nossa criatividade∗ .

A rec´ıproca tamb´ em vale: Um mesmo sistema num´ erico pode ser implementado em v´ arios hardwares (conjuntos) Por oportuno, observamos que assim como podemos construir diversas estruturas sobre um mesmo conjunto (“hardware”), a rec´ıproca tamb´em vale: um mesmo sistema num´erico pode ser implementado em conjuntos (hardwares) distintos:



C : N´ umeros complexos. Os n´ umeros Hipercomplexos ´e um novo sistema num´erico que construimos sobre o R2 , ´e tamb´em uma generaliza¸c˜ ao dos n´ umeros reais. Na abscissa do produto, tomamos − se a c ≥ 0, tomamos + caso contr´ ario. (p. 471)

16

(Software)

- Um mesmo software (conjunto de instru¸co˜es) pode rodar em hardwares distintos

Por exemplo, no cap´ıtulo 4 estaremos rodando o software dos n´ umeros naturais, (p. 91) N = { 0, 1, 2, 3, 4, . . . } em outros dois hardwares: em um conjunto de sequˆencias bin´ arias, N = {0010, 0000, 0100, 1000, 1100, ...}

N=

n

,

,

,

,

,...

n

e no conjunto de ideogramas∗ chineses,

Resumindo, N = { 0, 1, 2, 3, 4, . . . } N = {0010, 0000, 0100, 1000, 1100, ...}

N=

n

,

,

,

,

,...

n

(Software dos Naturais)

- Software dos Naturais roda em tr^ es hardwares distintos Pois bem, retomando, do nosso ponto de vista, os “conjuntos” num´ericos ser˜ ao estruturas construidas sobre conjuntos. Em alguns livros-texto ao inv´es de conjunto dos n´ umeros reais diz-se sistema dos n´ umeros reais, designa¸c˜ao esta mais apropriada − a nosso ver −, uma vez que nos permite uma distin¸c˜ao entre conjunto e estrutura. ∗

Caracteres gr´ aficos que expressam uma ideia atrav´es de uma forma simb´ olica.

17

Os nossos sistemas num´ericos sempre ser˜ ao construidos em cima de algum conjunto. Em fun¸ca˜o do exposto ´e que sentimos a necessidade de uma nota¸ca ˜o mais apropriada. Utilizaremos dois estilos de fontes, um para o conjunto e outro para a estrutura (construida sobre aquele conjunto), por exemplo, assim: Estrutura:

Estrutura:

N

Estrutura:

N

Conjunto:

Z

Q ←−

←−

←− Conjunto:

Z

Conjunto:

Q

A Identidade de um Elemento Uma outra distin¸c˜ ao que se faz necess´aria ´e quanto a natureza (identidade) de um elemento. Perguntamos: afinal de contas o par ordenado (3, 2) ´e um vetor ou um n´ umero complexo? Respondemos: o par ordenado (3, 2), por si s´ o, n˜ ao ´e nem uma coisa nem outra, ´e apenas um elemento do conjunto R2 . Agora dependendo do contexto em que nos situamos, este elemento pode ser um vetor, um n´ umero complexo, ou ainda um n´ umero hipercomplexo. Se, por exemplo, o par ordenado (3, 2) estiver inserido na estrutura de espa¸co vetorial∗ ele ser´ a um vetor, se estiver sendo manipulado na estrutura n´ umeros complexos ele ser´ a um n´ umero complexo, e se estiver sendo manipulado dentro da estrutura “Hipercomplexa” ser´ a um n´ umero hipercomplexo. (ver fig., p. 16). Portanto, enfatizamos, ´e a estrutura que confere “dignidade” (identidade) a um elemento. Vejamos algumas analogias: ao dispomos das pe¸cas, 1 a ) Suponhamos que desejamos jogar xadrez mas n˜ apenas do tabuleiro. N˜ao h´ a o menor problema:

feij˜ao → Rei arroz → pe˜ oes

.. .

.. .

.. .

milho → torres



Se estiver sendo operado segundo as regras que definem um espa¸co vetorial (p. 16).

18

podemos substituir as pe¸cas por cereais. Por exemplo, um caro¸co de feij˜ ao far´a o papel de rei, os pe˜ oes ser˜ ao substituidos por gr˜ aos de arroz, as torres por caro¸cos de milho, etc. Observe mais uma vez que ´e a estrutura que confere a “dignidade” (identidade) de um elemento: um mero caro¸co de feij˜ ao de repente vˆe-se promovido a “rei”, ao participar da estrutura xadrez. 2 a ) Como mais um exemplo da “metamorfose” conferida pela estrutura, o Brasil est´ a empestado de ratazanas (bandidos) que, ao ingressarem na estrutura pol´ıtica, tornam-se “vossa excelˆencia”:

Assim como um mero caro¸co de feij˜ ao torna-se um “rei” ao ingressar na estrutura xadrez, bandidos tornam-se “vossa excelˆencia” ao ingressar na estrutura pol´ıtica brasileira.

3 a ) Como mais um exemplo de que uma estrutura pode “metamorfosear” um elemento, basta observar a estrutura “religiosa” mundial.

− Estrutura Religiosa

19

Assim como um mero caro¸co de feij˜ ao torna-se um “rei” ao ingressar na estrutura xadrez, um assassino torturador∗ torna-se “vossa santidade” ao ingressar na estrutura religiosa. 4 a ) Assim como um mero caro¸co de feij˜ ao torna-se um “rei” ao ingressar na estrutura xadrez, bandidos tornam-se pastores de ovelhas e homens ungidos por Deus, ao ingressarem em uma estrutura religiosa: - Eu n˜ ao tenho onde reclinar minha cabe¸ca. (Jesus) (Os bandidos trocaram o rev´olver pela B´ıblia!)







No lugar da verdade ou da realidade, temos unicamente o limitado discurso humano, os sistemas de cren¸ca e os atos de interpreta¸ca ˜o que cada um de n´ os faz na pris˜ ao da linguagem ou da cultura. Desafiar essas pretensas “verdades”, desconstruir as suposi¸co ˜es nas quais elas se ap´ oiam, ´e a tarefa da nossa ´epoca. (Danah Zohar, f´ısica e fil´osofa)



Refiro-me ` a “Santa Inquisi¸c˜ ao”, ` as in´ umeras Cruzadas papais, ` as milhares de “bruxas” torturadas e queimadas vivas em fogueiras. Lembramos que o cientista Giordano Bruno foi queimado vivo em uma fogueira no ano 1600, Galileu s´ o n˜ ao teve o mesmo fim tr´ agico porque negou que a Terra girava em torno do sol.

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Retomando, antes de definir o que seja um n´ umero necessitaremos de duas defini¸c˜ oes preliminares: Defini¸ c˜ ao 1 (Opera¸c˜ ao). Sendo E um conjunto n˜ ao vazio, toda aplica¸c˜ao (fun¸c˜ao) f : E × E → E recebe o nome de opera¸ca˜o sobre E. Para construirmos (erigirmos) um sistema num´erico sobre um dado conjunto basta definirmos duas opera¸c˜oes sobre este conjunto, uma das quais ser´ a chamada de adi¸ca ˜o e a outra de multiplica¸ca ˜o, simbolizadas por + e ·, respectivamente. Mais formalmente,

Defini¸ c˜ ao 2 (Conjunto num´erico). Dado um conjunto E n˜ ao vazio e duas opera¸c˜oes sobre E, + : E×E → E (x, y) 7→ x + y

·: E×E → E (x, y) 7→ x · y

A terna (E, +, ·) ´e o que entendemos por um conjunto num´erico (ou estrutura num´erica). Usaremos da seguinte nota¸c˜ao (E, +, ·) = E. Observe que um “conjunto num´erico” ´e mais que um mero conjunto, ´e uma estrutura (ou sistema).

Defini¸ c˜ ao 3 (N´ umero). Um “elemento” de um conjunto continuar´ a a ser chamado de elemento; agora, ao construirmos uma estrutura num´erica sobre a adquirido o status de n´ umero. este conjunto, este elemento ter´

E

E×E

+

E

· E

- Conjunto

E = (E, +, ·) - Estrutura

(aqui temos elementos)

(aqui temos n´ umeros)

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Exemplo: Vamos construir um “conjunto num´erico” (sistema num´erico). Considere o conjunto com dois s´ımbolos E = { 0, 1 } at´e este momento 0 e 1 s˜ ao reles elementos deste conjunto. Vamos atribuir a eles status de n´ umeros. Para tanto vamos definir duas opera¸c˜oes sobre esse conjunto, uma chamada de adi¸c˜ao   0+0=0    0+1=1 +: E×E → E ⇒  1+0=1  (x, y) 7→ x + y   1+1=0 e outra chamada de multiplica¸c˜ao

   0 · 0 = 0  0·1=0 ⇒  1·0=0   1 · 1 = 1

·: E×E → E (x, y) 7→ x · y

Acabamos de construir o seguinte sistema num´erico: E = ({ 0, 1 }, +, ·). Agora, 0 e 1 s˜ ao n´ umeros. Mais uma vez observe que ´e a estrutura que confere status de n´ umero a um reles elemento de um conjunto: E = { 0, 1 }

E = ({ 0, 1 }, +, ·)

− Aqui 0 e 1 s˜ao meros

− A quio 0 e 1 s˜ao n´umeros

elementos de um conjunto.

de uma estrutura num´erica.

Nota: Neste livro utilizaremos o mesmo s´ımbolo, ∈, tanto de elemento para conjunto quanto de n´ umero para estrutura. Adendo: Ao contr´ ario do que muitos leitores poderiam pensar, o sistema num´erico E definido acima presta para alguma coisa: tem aplica¸c˜oes na inform´ atica e na matem´ atica. Resulta numa estrutura que os matem´ aticos denominam de corpo. A isto se acrescenta que todo s´ımbolo ´e ambivalente e at´e mesmo polivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de realidades diversas e mesmo contradit´ orias. (L´ eon Bonaventure) Ademais, o leitor n˜ ao se escandalize com a opera¸c˜ao 1 + 1 = 0, posto que, se servir de consolo, mesmo na f´ısica − supostamente mais aderente `a realidade − nem sempre 1 + 1 = 2. Por exemplo, se adicionarmos duas velocidades iguais a 1, na f´ısica de Galileu teremos 1 + 1 = 2, j´ a na de Einstein teremos 1 + 1 6= 2. (ver p. 48) 22

N˜ ao h´ a mais, para os teoremas, verdade separada e, por assim dizer atˆ omica: sua verdade ´e apenas sua integra¸ca ˜o no sistema; e ´e por isso que teoremas incompat´ıveis entre si podem ser igualmente verdadeiros, contanto que os relacionemos com sistemas diferentes. (Blanch´ e)

O que ´ e um n´ umero? Respondemos: Um sistema num´erico (ou “conjunto num´erico”) − a plataforma da qual podemos falar em n´ umero − ´e um conjunto de regras, tal como o xadrez, envolvendo duas opera¸c˜oes, uma chamada de adi¸c˜ ao e outra de multiplica¸c˜ao; este conjunto de regras pode ser entendido como um software, um conjunto de instru¸c˜oes. Este conceito abstrato que ´e o n´ umero, para que possa ser u ´til, manipul´ avel, deve tomar corpo (“encarnar”) em um conjunto de s´ımbolos; embora em casos espec´ıficos (como os n´ umeros canˆ onicos, por exemplo) este conjunto de s´ımbolos n˜ ao seja u ´nico todavia n˜ ao ´e arbitr´ario, isto ´e, algumas exigˆencias devem ser satisfeitas.

N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, . . . } N = {0010, 0000, 0100, 1000, 1100, ...} (p. 91)

N=

n

,

,

,

,

,...

n

(Software dos Naturais)

− Naturais “encarnados” (tomando corpo) em trˆes conjuntos de s´ımbolos. Adendo: Um n´ umero como um objeto isolado (“solto”) n˜ ao existe Por oportuno, assistindo um v´ıdeo sobre mecˆ anica quˆantica∗ ouvir dizer que: N˜ ao existe tal coisa como um el´etron, um el´etron − ou qualquer outra part´ıcula elementar − s´ o existe em rela¸ca ˜o a outras coisas, como em rela¸ca ˜o a outras part´ıculas ou ao Universo mesmo. Isto nos diz com suficiente profundidade, que quando se navega na natureza mesma da mat´eria, tudo o que sabemos do mundo cotidiano se dissolve, e n˜ ao existem objetos, s´ o rela¸ co ˜es. Esta conclus˜ao da f´ısica quˆantica s´ o vem a confirmar o que ´e ensinado (p. 26) pela filosofia budista da vacuidade. Todas as coisas neste mundo surgem de rela¸c˜oes, nada tem existˆencia intr´ınseca, por si mesmo, independente − Interdependˆencia budista. ∗

Mec´ anica Cu´ antica - La realidad es un sue˜ no-Morte.mp4

23

E o que tudo isto tem a ver com n´ umeros? Defendo que o mesmo se d´ a com conceitos, como n´ umero p. ex.; isto ´e, n˜ ao existe algo como “um n´ umero isolado” − como querem matem´ aticos e fil´ osofos −, os n´ umeros s´ o surgem na rela¸c˜ ao com outros objetos de uma estrutura, observe:

E

E×E

+

E

· E

- Conjunto

E = (E, +, ·) - Estrutura

(aqui temos elementos)

(aqui temos n´ umeros)

- Nesta figura destacamos quatro objetos (Rela¸ c~ oes) que condicionam a exist^ encia de um n´ umero: um conjunto, produto cartesiano, duas opera¸ c~ oes. No jogo de xadrez um rei (que pode ser um mero caro¸co de feij˜ ao) s´ o ´e rei se tomado em rela¸c˜ ao a estrutura, fora do tabuleiro ele se descaracteriza. No meu entendimento ´e um erro hist´ orico − tanto de fil´ osofos quanto de matem´ aticos − considerarem um n´ umero como um “ente isolado”.

Poder-se-ia at´e afirmar que a realidade subatˆ omica, enquanto inobserv´ avel, n˜ ao ´e constituida de objetos, mas de rela¸co ˜es, e que as part´ıculas individuais n˜ ao existem como entidades f´ısicas reais. Somente possuem significado dentro da totalidade das rela¸co ˜es que mantˆem com as demais entidades, sobretudo com a consciˆencia do observador. (Marcelo Malheiros/[17], p. 23)

24

1.1.2

O n´ umero (ou a matem´ atica) existe independentemente do homem? Que seria a tua felicidade, ´o grande astro, se n˜ ao tivesses aqueles que iluminas! (Nietzsche/Zaratustra)

Esta ´e uma quest˜ ao − da filosofia da matem´ atica − que atravessou s´eculos e milˆenios, sem que se tenha chegado a um ponto consensual. Pretendemos nesta se¸c˜ ao dar nossa contribui¸c˜ao a esta relevante quest˜ao. (p. 382)

Antes exibiremos um resumo das principais escolas nos fundamentos da matem´ atica. No final do s´eculo XIX inicia-se um grande debate em torno dos fundamentos da matem´ atica, da tentativa de assent´a-la em bases firmes surgiram em seus fundamentos filos´ oficos trˆes escolas principais. A primeira foi o logicismo, em 1884, criada pelo matem´ atico alem˜ ao Gottlob Frege (1848-1925). Em 1908, surge o intuicionismo, criada pelo matem´ atico holandˆes L. E. J. Brouwer (1881-1966). Por u ´ltimo, em 1910, veio o formalismo, criada pelo matem´ atico alem˜ ao David Hilbert (1862-1943). Logicismo O eixo da tese logicista era a factibilidade da redu¸c˜ao da matem´ atica `a l´ogica. A base (fundamento) da matem´ atica seria a l´ogica. Ou ainda: o edif´ıcio da matem´ atica deveria ser erigido a partir de princ´ıpios l´ogicos. (Frege, Bertrand Russel, Peano, Whitehead) Intuicionismo A tese dos intuicionistas ´e que o fundamento u ´ltimo da matem´ atica ´e a intui¸c˜ ao e que, ademais, esta disciplina deve ser desenvolvida apenas por m´etodos construtivos finitos: Nenhum objeto matem´ atico existe sem que tenha sido de algum modo construido. (Brouwer, Kronecker, Poincar´e, Lebesgue) Formalismo Os formalistas, a exemplo dos intuicionistas, n˜ ao viam a l´ogica como o fundamento da matem´ atica. A preocupa¸c˜ao prec´ıpua dos formalistas era livrar a matem´ atica das contradi¸c˜ oes (inconsistˆencias, paradoxos) que vinham se insinuando desde a teoria dos conjuntos de Cantor; para os formalistas a matem´ atica se resume ao estudo dos sistemas simb´ olicos formais. Ou ainda: a matem´ atica sustenta-se no trip´e axiomas, defini¸c˜oes e teoremas. 25

Existem autores que ainda destacam uma quarta escola: Conjuntista Esta escola defende a teoria dos conjuntos como os fundamentos para se edificar uma matem´ atica s´ olida. Cantor (1845-1918) e Richard Dedekind (1831-1916) est˜ ao entre os principais precursores desta escola.

1.1.3

A filosofia do Nada − do Vazio, da Vacuidade

[. . .] Com base em tais observa¸co ˜es e an´ alises matem´ aticas, quanto mais pr´ oximo das origens remontamos o universo, mais pr´ oximo chegamos da perfei¸ca ˜o, a mais implicada de todas as ordens da realidade. A natureza daquele v´ acuo perfeito pode conter a chave para o entendimento do universo como um todo. Como comenta Leonard Susskind, f´ısico de Stanford: “Qualquer um que sabe tudo sobre nada sabe tudo”. ([13], p. 147)

Todos estes matem´ aticos que se voltaram para os fundamentos da matem´ atica foram, de um modo ou outro, influenciados por fil´ osofos, como, por exemplo, Plat˜ ao, Kant, Leibniz, etc. De igual modo, no desenvolvimento do presente livro tamb´em fomos inspirados por uma filosofia, a qual denomino de “filosofia do Nada”, ou “filosofia do Vazio”, ou ainda, “filosofia da Vacuidade”. Essencialmente esta filosofia prega que o Vazio − ou V´acuo − ´e o fundamento do Universo. Vejamos alguns testemunhos a favor da mesma. atico 1o ) Um matem´ Charles Sanders Peirce (Cambridge, 10 de setembro de 1839 — Milford 19 de abril de 1914), foi um fil´osofo, cientista e matem´atico americano. Filho do matem´atico, f´ısico e astrˆonomo Benjamin Peirce, Charles, sob influˆencia paterna, formou-se na Universidade de Harvard em f´ısica e matem´atica, conquistando tamb´em o diploma de qu´ımico na Lawrence Scientific School.

O livro “O Conceito de Continuidade em Charles S. Peirce”∗ trata de l´ ogica e filosofia da matem´ atica. Apresenta uma se¸c˜ao sobre cosmogonia que a mim surpreendeu pelo fato de um l´ogico, filos´ ofo e matem´ atico puro tamb´em colocar o Vazio (Nada) como fundamento do Universo. Do livro: ∗ Por Ant´ onio Machado Rosa. Funda¸c˜ ao Calouste Gulbenkian (Funda¸c˜ ao para a Ciˆencia e a Tecnologia)/Dezembro de 2003.

26

O Nada Inicial

(p. 290)

Um dos objectivos das cosmologias ´e a origem do universo, a qual, no entanto, fica usualmente inexplicada. O princ´ıpio de continuidade obriga a ir para al´em dessa origem: obriga a compreender a passagem da n˜ ao existˆencia `a existˆencia. “Existˆencia” designa aqui o nosso universo actual e as rea¸c˜oes materiais entre os objectos que o comp˜ oe. Deve-se ir para l´a dessa existˆencia e conjecturar um processo evolutivo anterior a` pr´ opria origem. Resulta da´ı que a cosmologia peirceana ´e tamb´em uma cosmologia do universo anteriormente ` a sua existˆencia. [. . . ] H´a, pois, um processo evolutivo anterior `a existˆencia. Globalmente, Peirce distingue nele dois momentos: um “nada ca´otico” e um nada ainda ´ nesse Nada primitivo que devemais primitivo que esse nada ca´ otico. E mos come¸car por nos concentrar. O Nada primitivo ´e um estado em que “o universo n˜ ao existia”, um “absoluto nada”. Contudo, esse Nada absoluto tem propriedades not´ aveis na medida em que a totalidade do nosso universo actual j´a se encontra nele em germe; com efeito, ele representa a totalidade das possibilidades. 2o ) F´ısica quˆantica Metaforicamente, como eu sugeri, podemos pensar o v´ acuo como um vasto mar; e tudo quanto existe − as estrelas, a Terra, as ´ arvores, n´ os e as part´ıculas de que somos feitos −, como ondas nesse mar. Os f´ısicos denominam tais “ondas” − n´ os e tudo quanto existe − “excita¸co ˜es” ou “flutua¸co ˜es” do v´ acuo. (Danah Zohar/F´ısica) osofo 3o ) Marcelo Malheiros/Fil´ ´ importante assinalar que a no¸ca E ˜o de que o Nada, ou o Vazio, ´e fonte de energia − e de energia inesgot´ avel − est´ a perfeitamente de acordo com o esquema b´ asico de pensamento inerente ` a mecˆ anica quˆ antica. A id´eia de que h´ a infinitos estados de energia negativa e positiva, e sobretudo a especula¸ca ˜o de que um estado neutro de energia (o vazio), mediante uma flutua¸ca ˜o quˆ antica decorrente da instabilidade do vazio, do princ´ıpio de indetermina¸ca ˜o de Heisenberg, pode dar nascimento a uma grande onda de energia positiva e outra negativa (cuja soma seja zero), ´e uma cogita¸ca ˜o que hoje tem sido seriamente considerada pelos f´ısicos te´ oricos mais representativos da atualidade (Stephen Hawking, Roger Penrouse, Alan Guth, Paul Davies, John Gribbin, Heinz Pagels e muitos outros). A hip´ otese de que o Universo surgiu do Nada, a partir de uma simples oscila¸ca ˜o ou perturba¸ca ˜o do vazio, foi pela primeira vez sugerida pelo f´ısico americano Tryon em 1969. ([17], p. 164)

27

4o ) A pr´ opria Ciˆencia Na Super Interessante de fevereiro de 2011 saiu uma reportagem com ´ poss´ıvel criar mat´ t´ıtulo: E eria a partir do nada. Cientistas descobrem como extrair part´ıculas do vazio − sem depender de nenhuma mat´eria-prima da natureza. Nada se cria, tudo se transforma. Essa lei da f´ısica pode estar sendo ultrapassada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Michigan, que diz ter descoberto um meio de gerar mat´eria a partir do v´ acuo − popularmente conhecido como “nada”. Isso seria poss´ıvel porque, na verdade, o que n´ os chamamos de nada n˜ ao ´e um vazio absoluto. Est´ a cheio de part´ıculas de mat´eria e antimat´eria, que se anulam mutuamente. A novidade ´e que os pesquisadores descobriram um jeito de separ´ a-las [. . .] 5o ) F´ısico Tomemos ent˜ ao um espa¸co sem mat´eria, “vazio”. A f´ısica quˆ antica mostra que, mesmo neste caso, flutua¸co ˜es de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, part´ıculas podem surgir dessas flutua¸co ˜es, mat´eria brotando do nada. Em 1948, H. Casimir, um f´ısico holandˆes, propˆ os que as flutua¸co ˜es do v´ acuo provocariam uma for¸ca atrativa entre duas placas met´ alicas. O efeito foi confirmado: por incr´ıvel que pare¸ca, a energia do nada foi medida re´ sempre bom lembrar que o vazio est´ a cheio de centemente no laborat´ orio. E energia. (Marcelo Gleiser/F´ısico)(grifo nosso) 6o ) S´ abio Lao Ts´e

O Nada, ber¸co de todos os poss´ıveis Nas profundezas do Insond´ avel Jaz o Ser. Antes que c´eu e terra existissem, J´ a era o Ser Im´ ovel, sem forma, O V´ acuo, o Nada, ber¸co de todos os Poss´ıveis. Para al´em de palavra e pensamento Est´ a Tao, origem sem nome nem forma, A Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante, O ciclo do Ser e do Existir.

(Lao Ts´e/Tao Te Ching)

28

7o ) F´ısico Contradit´ orio? A nova ciˆencia explica: a base da existˆencia ´e, ao mesmo tempo, plena de possibilidades, sim, mas as possibilidades n˜ ao s˜ ao “coisas”, e por isso tamb´em podem ser chamadas de nada. (Amit Goswami) O mais importante: No Vazio n˜ ao encontramos apenas energia, como tamb´em Consciˆencia, ´e o que afirma um fil´ osofo budista. 8o ) Filosofia budista O princ´ıpio da incerteza de Heisenberg sugere que viola¸co ˜es do princ´ıpio da conserva¸ca ˜o da energia podem ocorrer por causa de flutua¸co ˜es espontˆ aneas e imprevis´ıveis do v´ acuo que ´e o espa¸co. Isso foi legitimado por in´ umeros experimentos. De acordo com a mecˆ anica quˆ antica, a energia pode surgir do nada por um breve instante; quanto menor o intervalo, maior o desvio de energia. [. . . ] sugere que o v´ acuo pode n˜ ao estar preenchido apenas de energia ponto-zero, que pode ser medida objetivamente com t´ecnicas da f´ısica, mas tamb´em permeado de consciˆencia, que pode ser experiˆenciada subjetivamente com t´ecnicas de introspec¸ca ˜o. (Wallace/[13], pp. 53, 54 )

Coloco em destaque (sobre o v´acuo): “. . . mas tamb´em permeado de consciˆencia, que pode ser experiˆenciada subjetivamente com t´ecnicas de introspec¸c˜ao.” Nota: Esta experiˆencia (consciˆencia do v´acuo) j´a realizei in´ umeras vezes − “com t´ecnicas de introspec¸c˜ ao” −, assim ´e que este livro, que o leitor tem em m˜ aos, ´e fruto de um processo colaborativo entre este autor e a referida consciˆencia do v´acuo − pelo ao menos assim creio.∗ (p. 218)

Pois bem, retomando, esta “filosofia do Nada” ´e que vai nos orientar em algumas conclus˜oes e afirma¸c˜ oes ao longo deste livro.

Ap´os esta necess´aria digress˜ao, retornemos `a pergunta original: Os n´ umeros existem independentemente do homem?. A partir de nossa defini¸c˜ ao de n´ umero fica f´acil concluir que n´ umero ´e uma cria¸c˜ ao do homem − como afirmava o matem´ atico Gauss − e arrematamos: se o homem deixasse de existir os n´ umeros concomitantemente desapareceriam da face da terra. Ainda que todos os livros de matem´ atica fossem preservados nas bibliotecas. J´ a respondemos a quest˜ ao levantada, n˜ ao obstante vamos alongar um pouco mais nossa discuss˜ ao. Suponhamos, por hip´ otese de trabalho, que um meteorito atingisse a Terra e dizimasse todos os homens da face do planeta, menos alguns bebˆes e alguma tribo ind´ıgena. ∗

Por vezes acontece de algu´em est´ a trabalhando em um problema e, ao amanhecer, sem nenhum esfor¸co, tem um insight (ideia) “do Nada” que lhe permite resolver o problema. Eu digo que esta solu¸c˜ ao (insight) veio da “consciˆencia do v´ acuo”.

29

Na cena a seguir vemos, ao centro, um tabuleiro com as pe¸cas do xadrez

a esquerda a suposta tribo ind´ıgena, `a direita um bebˆe remanescente. ` Pergunto: nestas circunstˆancias o xadrez ter´ a desaparecido da face da terra?

? 30

A resposta ´e um rotundo sim!, uma vez que o xadrez n˜ ao se constitui nas pe¸cas propriamente mas em suas regras. Nota: Que um ind´ıgena e um bebˆe tenham o potencial para vir a jogar xadrez, n˜ ao resta d´ uvida, mas a quest˜ao em foco n˜ ao ´e esta. A quest˜ao ´e, repito, o xadrez ter´ a desaparecido? Supondo, ademais, que todos os manuais de xadrez tenham sido extraviados na hecatombe, n˜ ao teremos nenhuma garantia de que, no futuro, o jogo de xadrez venha a ser reinventado. Substitua o xadrez pelos n´ umeros e se fa¸ca a mesma pergunta . . . Pergunto: nestas circunstˆancias os n´ umeros teriam desaparecido da face da terra? A resposta ´e, novamente, um rotundo sim!, uma vez que os n´ umeros n˜ ao se constituem nos numerais (s´ımbolos) propriamente mas sim em suas regras de manipula¸c˜ ao (estrutura). Lembramos que a hist´ oria da matem´ atica registra que os n´ umeros inteiros, Z = { −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . }, precisaram de mais de mil anos para serem efetivamente compreendidos − isto ´e para adquirirem unanimidade entre os matem´ aticos, cidadania matem´ atica. Descartes (1596 -1650) chamava de falsas as ra´ızes negativas de uma equa¸c˜ao; Viete (1540 -1630) era mais radical: simplesmente rejeitava os n´ umeros negativos. Um dos gigantes na matem´ atica, Laplace (1749 -1827), certa feita profe´ riu: “E dif´ıcil conceber que um produto de (−a) por (−b) ´e o mesmo que a por b ”. Colocamos novamente em destaque a quest˜ao: os n´ umeros existem independentemente do homem?. Um fil´ osofo acentua com muita propriedade: [. . . ] as possibilidades de existir s˜ ao apenas possibilidades vazias. Somente quando pensadas ´e que ganham um impulso para a existˆencia, porque ´e preciso que tais realidades primeiro sejam concebidas, imaginadas, mentalizadas, elaboradas na forma de Id´eias, que constituem “programas” de cria¸ca ˜o, sementes de eventos e de Universos. [. . . ] O tempo linear de nossa dimens˜ ao, e de nossa consciˆencia, constitui o mundo onde essas possibilidades ainda n˜ ao existentes ter˜ ao condi¸ca ˜o de “existir”, de ser (ser aqui tem o significado “ser objeto para uma consciˆencia”, ser um “outro” que n˜ ao essa mesma consciˆencia, enfim, a alteridade). (Marcelo/[17], p. 163) Enfatizo: “ser . . . tem o significado ‘ser objeto para uma consciˆencia’ ” Em particular, os n´ umeros s˜ ao n´ umeros ‘para uma consciˆencia’. Pergunto ao leitor: Os n´ umeros naturais vermelhos, n

,

,

,

existem? 31

,

n

N = (N =

,... , + ,

·)

Respondo: para minha consciˆ encia sim, para os demais homens n˜ ao.∗ Os n´ umeros vermelhos passaram a existir somente “quando pensados”: “[. . . ] as possibilidades de existir s˜ ao apenas possibilidades vazias. Somente quando pensadas ´e que ganham um impulso para a existˆencia”. Tal como no argumento do xadrez, se eu (Gentil) deixasse de existir, os n´ umeros vermelhos (ou azuis) deixariam de existir, posto que, at´e a presente data ningu´em, exceto eu, conhece a constru¸c˜ao de tais n´ umeros − eu os trouxe ` a existˆencia, ao “pensar” neles. O mesmo argumento vale para os n´ umeros hipercomplexos, cap´ıtulo 13. Existir significa existir para uma consciˆencia. N˜ao h´ a como fugir disto. Como estas quest˜ oes filos´ oficas s˜ ao delicadas, sutis − e relevantes −, deixa eu tentar contribuir com uma ilustra¸c˜ao (analogia). Existe uma experiˆencia na f´ısica na qual um prisma ao receber a Luz branca a decomp˜oe em um espectro de frequˆencias, “as sete cores do arco´ıris ” , assim: Vermelho Alaranjado Amarelo

 Luz Branca

Verde (Prisma)

Azul Anil Violeta

Pois bem, em nossa analogia, esta luz branca ´e a Consciˆencia do v´acuo − referida ` a p´ agina 29 −, o prisma ´e a mente do homem; as cores, s˜ ao tudo o que o homem produz, em particular os n´ umeros, a matem´ atica, ciˆencias, artes, etc. − e tamb´em as guerras.

V´ acuo

“A mente ´e a verdadeira natureza das coisas ”

Literatura Guerras N´ umeros Azuis N´ umeros Vermelhos

Produtos da mente

Artes (Mente) consci^ encia do homem

        

Luz Branca

       

N´ umeros Matem´ atica F´ısica

Consciˆencia

(Zen budismo)

∗ Estou escrevendo isto no dia 28.01.2015, estes n´ umeros eu os concebi h´ a poucos dias, prevejo que o livro que estou escrevendo agora s´ o ser´ a publicado daqui a um ano.

32

Plat˜ ao e o “Mundo das ideias” Na filosofia de Plat˜ ao encontramos duas realidades diferentes que envolvem o ser humano, o Mundo das Ideias e o Mundo das Sombras, conhecido tamb´em como Mundo dos sentidos. O mundo sens´ıvel ´e apenas uma c´opia do mundo ideal; o objeto da ciˆencia deve ser o mundo real das Ideias. Para Plat˜ ao, o mundo real (sens´ıvel) apenas reflete um mundo puro de entidades perfeitas, imut´ aveis e eternas; em particular, os conceitos matem´ aticos. A filosofia de Plat˜ ao teve, e ainda tem, grande influˆencia na concep¸c˜ao filos´ ofica de cientistas e matem´ aticos; raz˜ ao porque decidimos incorporar em nosso trabalho este adendo. Em nossa concep¸c˜ ao − que se harmoniza com a filosofia budista, em especial a da vacuidade, como j´a salientamos −, n˜ ao existe um Mundo das Ideias, o que existe ´e o V´acuo; este V´acuo (“Oceano”) de fato cont´em todas as possibilidades, todavia, apenas em potˆencia. As “Ideias” surgem da intera¸c˜ao entre o V´acuo e a mente do homem, vejamos isto na ilustra¸c˜ao:

Artes (Mente)

Ideias

“Luz Branca”

        

Φ

       

N´ umeros Matem´ atica F´ısica

V´ acuo

Literatura Guerras N´ umeros Azuis

Reiteramos, n˜ ao existe um “Mundo das Ideias”, existe o V´acuo com todas as suas potencialidades, em especial as ideias, entretanto, sem o “prisma” estas ideias n˜ ao veem ` a existˆencia. Uma analogia: ao contr´ ario do que a quase totalidade dos homens imagina, o sol n˜ ao brilha, o sol n˜ ao emite luz, emite ondas eletromagn´eticas que ao interagirem com o olho humano resulta em luz. Mesmo que um grande n´ umero de pessoas olhem um carro de bombeiro e o vejam como vermelho, isso n˜ ao significa que a cor exista independentemente das faculdades visuais delas. (Alan Wallace/Fil´ osofo) 33

A luz existe apenas como uma potencialidade na onda, entretanto, sem a mente, “´e mesmo que nada!”.

          

           

Sol

Assim como a luz surge nesta intera¸ c~ ao...

         

          

V´acuo

Mente

Φ

qualquer ideia surge nesta intera¸ c~ ao.

Querer, como quer Plat˜ ao, que existam ideias independentemente da mente ´e como querer que exista luz sem o olho, ou som sem o ouvido. A n˜ ao ser que Plat˜ ao admita que o Demiurgo possua atributos humanos, tais como pensamentos e desejos. Se for este o caso, sua filosofia resvala para o misticismo e pouco diferir´ a das teologias comuns. Pelo contr´ ario, o V´acuo, como entendo, n˜ ao possui nenhum dos atributos humanos. N˜ao importa se as Ideias a que Plat˜ ao se refere n˜ ao sejam as humanas e que sejam perfeitas por se originarem em um “mundo perfeito”, isto s˜ ao apenas especula¸c˜ oes metaf´ısicas. Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma rela¸ca ˜o sensitiva ou racional com a inteligˆencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto formos n´ os seres humanos. (Rabindranath Tagore) Contradit´ orio? A nova ciˆencia explica: a base da existˆencia ´e, ao mesmo tempo, plena de possibilidades, sim, mas as possibilidades n˜ ao s˜ ao “coisas”, e por isso tamb´em podem ser chamadas de nada. (Amit Goswami) Adendo: Desejo compartilhar com o leitor, atrav´es de uma analogia, meu entendimento de afirma¸c˜oes “sutis e abstratas” tais como: “existe em potˆencia”, “estado de n˜ ao-existˆencia”, etc., referentes ao V´acuo. Perguntamos, a rigor podemos afirmar que existe m´ usica ou imagem em um pen-drive ou onda eletromagn´etica? 34

´ Obvio, em um pen-drive, ou onda eletromagn´etica, n˜ ao existem m´ usicas ou imagens, mas t˜ ao somente m´ usicas e imagens codificadas, em c´odigo.

No pen-drive, ou onda eletromagn´etica, existem m´ usicas e imagens “em potˆencia”, “num estado de n˜ ao-existˆencia”, para virem `a existˆencia necessitam apenas de um hardware apropriado que as decodifiquem. O V´acuo, ´e este estado de “n˜ ao-existˆencia” mas que cont´em Tudo (em c´odigos) − O que significa que todas as possibilidades existem em potˆencia (codificadas) no V´acuo. Tudo veio a ser. N˜ ao h´ a fatos eternos nem verdades absolutas. (Nietzsche)

Da´ı por que dizer-se que consciˆencia e objeto s˜ ao binˆ omios insepar´ aveis, correlativos e complementares do que denominamos realidade. Real ´e aquilo que existe em uma (ou para uma) consciˆencia e de acordo com a estrutura condicionada e condicionadora dessa mesma consciˆencia. Procurar saber o que seja a realidade (o objeto de investiga¸ c~ ao) independentemente da consciˆencia e de nosso aparato cognitivo-sens´ıvel n˜ ao tem sentido, pois precisamos da consciˆencia para pensar nessa suposta “realidade independente”, que ser´ a sempre, ` a propor¸ca ˜o que a pensamos, uma realidade para “uma” consciˆencia, uma realidade pensada. De maneira que ´e razo´ avel supor que o mundo atˆ omico n˜ ao existe num estado bem definido at´e que o observemos mediante um instrumento, instante em que ele se define para a consciˆencia do observador, ocorrendo o que alguns denominam de colapso da fun¸ c˜ ao de onda. O que constituia um campo de probabilidade de existˆencia num certo espa¸co transforma-se em uma existˆencia espacialmente determinada num ponto espec´ıfico do espa¸co e do tempo. (Marcelo,[17], p. 22)

35

1.1.4

A Estrutura Cognitiva de Referˆ encia

H´a um outro fil´ osofo, j´a mencionado anteriormente (o budista), que tamb´em est´ a de acordo com o fil´ osofo de “A potˆencia do Nada”. ([17]) Ele afirma, Todos os fenˆ omenos [tanto percept´ıveis quanto conceituais] podem ser postulados como existentes apenas em rela¸ca ˜o a uma estrutura cognitiva de referˆencia. (Wallace/[13], p. 97 ) Pronto!, a´ı est´ a! . . . Existem “postulados” que, aos meus ouvidos, soam como verdadeira poesia, este enunciado ´e um deles. No “meu sistema” este enunciado foi elevado `a categoria de axioma. Deste axioma deduzo que o Universo s´ o existe − como existe − porque n´ os existimos. Por exemplo, veja o leitor como a nossa “estrutura cognitiva de referˆencia (c´erebro)” decodifica uma formiga que “existe l´a fora”: − Percept´ ıvel: Se a estrutura cognitiva de referˆencia, isto ´e, o hardware a decodificar a “formiga que existe l´ a fora” ´e o c´erebro humano, a formiga aparece como na figura. Vamos trocar de estrutura cognitiva de referˆencia, assim: − Percept´ ıvel: Por outro lado, tomando um microsc´opio como a estrutura cognitiva de referˆencia, isto ´e, do ponto de vista de um microsc´opio, uma formiga ´e como aparece ao lado. Conceitual: Suponhamos um observador O fixo em rela¸c˜ao ao solo, e um vag˜ ao movendo-se com velocidade v em rela¸c˜ao ao solo. Dentro do vag˜ao h´ a uma bola que se move com velocidade u (em rela¸c˜ao ao vag˜ao). u







v ·

q O

·

Tomando u = v = 1 teremos que a velocidade da bola para o observador depende de quem ´e este observador − a estrutura cognitiva de referˆencia. − Se Galileu, ent˜ ao 1 + 1 = 2; − Se Eintein, ent˜ ao 1 + 1 6= 2.

(p. 48)

36

Conceitual: Onde muitos enxergam homens santos e respeit´ aveis, eu vejo bandidos, demˆ onios e lobos.

Mudou a “estrutura cognitiva de referˆencia” (mente) muda a forma de percep¸c˜ ao. Se d´ a tal como naquelas ilus˜ oes de ´otica: em um mesmo quadro podemos perceber imagens distintas. Reitero: onde muitos enxergam uma indument´ aria, eu enxergo outra. Algum problema? Em resumo enfatizamos o seguinte: se uma formiga − ou outro objeto qualquer − que vemos e apalpamos ´e uma constru¸c˜ao da mente, o que dizer de conceitos abstratos? − como ´e o de n´ umero. ∗ Na Scientific American Brasil existe um artigo com t´ıtulo “Por que a Matem´ atica Funciona”, por Mario Livio. Na s´ıntese lemos: Parte desse enigma ´e a quest˜ ao de saber se ela [a matem´ atica] ´e uma inven¸ca ˜o (uma cria¸ca ˜o da mente humana) ou uma descoberta (algo que existe independentemente de n´ os). O autor sugere ambos. Por tudo o que aqui foi exposto, somos for¸cados a discordar do autor do atica ´e uma cria¸c˜ao artigo. Ficamos apenas com a primeira op¸c˜ao: A matem´ da mente humana. Em colabora¸c˜ ao com a Consciˆencia do v´acuo, acrescento. ´ uma cria¸c˜ E ao da mente humana tanto quanto a cria¸c˜ao de uma formiga “que existe l´ a fora” − Ou mesmo do Universo “que existe l´a fora”. ∗

Edi¸c˜ ao Especial No 61, Hist´ oria e Filosofia da Ciˆencia.

37

A vis˜ ao dos microsc´ opios Fica mais f´acil exemplificarmos como a “realidade” resume-se a uma mera quest˜ ao de zoom se apelarmos para a vis˜ao de um microsc´opio. Vejamos, atrav´es de uns poucos exemplos, como a nossa realidade se modifica quando vista sob as lentes (“vis˜ao”) de um microsc´opio:

Piolho

Formiga

Ponta da l´ıngua de uma borboleta







Os construtivistas em filosofia da matem´ atica s˜ ao anti-realistas quer em ontologia, quer em epistemologia, quer em ambos. Eles n˜ ao acreditam que os objetos matem´ aticos existam “em si”, independentemente de qualquer constru¸ca ˜o, ou que os enunciados matem´ aticos sejam determinadamente verdadeiros ou falsos independentemente de qualquer verifica¸ca ˜o efetiva. Em poucas palavras, para o construtivista a existˆencia ou a verdade depende da atividade matem´ atica. N˜ ao se descobrem entidades ou verdades matem´ aticas, se as criam. ([10], p. 147) Observe que esta postura dos construtivistas se harmoniza com o “axioma de Wallace”: (p. 36) Todos os fenˆ omenos [tanto percept´ıveis quanto conceituais] podem ser postulados como existentes apenas em rela¸ca ˜o a uma estrutura cognitiva de referˆencia. Com o prop´osito de contribuir ainda mais com o entendimento do paradoxal binˆ omio Existˆencia-N˜ao Existˆencia ´e que a seguir transcreveremos − comentaremos e ilustraremos − um pequeno trecho de um di´ alogo ocorrido entre dois eminentes pensadores. 38

Di´ alogo entre Einstein e Tagore Na tarde de 14 de julho de 1930, o cientista Albert Einstein recebia em sua residˆencia, em Caputh, Alemanha − durante a Segunda Guerra Mundial − Rabindranath Tagore∗ , para um di´ alogo informal o qual ficou registrado nos apontamentos de Tagore que, posteriormente, publicou-o com o t´ıtulo “A Natureza da Realidade”. Aqui vamos apenas comentar um pequeno trecho, o leitor interessado no di´ alogo completo pode baix´a-lo na internet. Iniciamos o di´ alogo com uma pergunta de Einstein. Apenas para situar: Einstein acredita que a verdade e a beleza s˜ ao independentes do homem, Tagore, ao contr´ ario, diz que n˜ ao.

× Pois bem, Einstein e Tagore discutiam sobre se ´e poss´ıvel que exista uma verdade “l´ a fora” independentemente do homem. Tagore diz que n˜ ao, Einstein diz que sim. Num certo momento Einstein tenta refutar a posi¸c˜ ao de Tagore com a seguinte alega¸c˜ao: E: [. . .] Por exemplo, se n˜ ao estivesse ningu´em nesta casa, nem por isso deixaria de estar aqui esta mesa. Apenas a t´ıtulo de refor¸co, Einstein acredita que a mesa que existe “l´a fora” n˜ ao depende da presen¸ca dele, isto ´e um fato indiscut´ıvel, e que, portanto, Tagore seria um tolo se negasse esta “verdade evidente”. Coment´ ario: Observe, pelo conte´ udo da pergunta de Einstein, que ele acredita que a “realidade l´ a fora (no caso a mesa)” ´e independente do homem. Tagore, responde: T: A ciˆencia demonstrou que a mesa, como objeto s´ olido, ´e uma aparˆencia, e, por conseguinte, isso que a mente humana percebe como tal mesa n˜ ao (Grifo nosso) existiria se n˜ ao existisse a mente humana. Tagore responde que a mesa − como ´e observada por Einstein − n˜ ao existe independentemente da mente de Einstein.



Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861 na cidade de Calcut´ a, a antiga capital da ´India. Poeta, dramaturgo, fil´ osofo, pintor, m´ usico e core´ ografo. A edi¸c˜ ao inglesa, traduzida e comentada por ele pr´ oprio, de uma obra sua em Bengali, o Gitanjali (“Can¸c˜ ao de oferendas” ou “Oferenda L´ırica”, 1912) fez com que Tagore ganhasse o Prˆemio Nobel de Literatura de 1913, pela primeira vez atribuido a um n˜ ao-ocidental.

39

Gedankenexperiment Consta que Einstein ami´ ude se servia de “experimentos mentais ” para refutar (tripudiar?) seus oponentes em quest˜oes de f´ısica. Decidi usar a arma de Einstein contra ele pr´ oprio, o feiti¸co virando-se contra o feiticeiro. Ap´os refletir um pouco elaborei um “Gedankenexperiment”∗ com o objetivo de evidenciar a ingenuidade de Einstein frente a Tagore. Como n˜ ao tenho a imagem de uma mesa ao microsc´opio irei substitu´ı-la por um pernilongo, sem perda de generalidade. Na ilustra¸ca˜o a seguir, (Caixa)

Pernilongo

Φ

Φ Pernilongo

(Gedankenexperiment) Einstein e um pequeno robˆ o (com a vis˜ao de um microsc´opio) observam “um mesmo pernilongo” que se encontra dentro de uma caixa. A pergunta que n˜ ao quer calar: quando os dois se retiram da presen¸ca da caixa, qual o pernilongo que fica l´ a dentro, aquele que Einstein vˆe ou aquele que o robˆ o vˆe? (Nota: na p. 47 damos o significado de Φ) N˜ao se precipite leitor, reflita antes de responder, se vocˆe por acaso se equivocar, sem problemas, Einstein tamb´em n˜ ao entendeu. . . Ufa! ∗

A express˜ ao alem˜ a Gedankenexperiment significa um racioc´ınio l´ ogico sobre um experimento n˜ ao realiz´ avel na pr´ atica mas cujas consequˆencias podem ser exploradas cient´ıficamente.

40

Este contexto ´e um caso especial do que afirma Wallace: Na teoria da relatividade ontol´ ogica, h´ a uma verdade que ´e invari´ avel atrav´es de todos os sistemas de referˆencia cognitivos: tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, ´e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido. Objetos percebidos, ou entidades observ´ aveis, existem em rela¸ca ˜o ` as faculdades sensoriais ou sistemas de medi¸ca ˜o pelos quais s˜ ao detectados − n˜ ao de modo independente no mundo objetivo.

(Wallace/[13], p. 99/Grifo nosso)

Traduzindo para o nosso contexto, significa que o “pernilongo” que Einstein percebe “´e desprovido de natureza inerente pr´ opria”. Ainda: os n´ umeros s˜ ao desprovidos de natureza inerente pr´ opria, s´ o existem em rela¸c˜ao `as faculdades sensoriais pelas quais s˜ ao detectados, em particular, os n´ umeros azuis e vermelhos s´ o existem − at´e o momento − em rela¸c˜ao com a minha mente. O mesmo argumento vale para os n´ umeros hipercomplexos, cap´ıtulo 13. Ainda um u ´ltimo corol´ ario: O “Mundo das Ideias de Plat˜ ao” n˜ ao tem natureza inerente pr´ opria, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido. Resumindo e sendo ainda mais expl´ıcito, cristalinamente expl´ıcito, n˜ ao podemos afirmar a existˆencia de nada sem antes fixarmos um “referencial”. Existir implica existir em rela¸c˜ ao a algo, a um referencial, a uma ECR. ∗





A Consciˆ encia cria a realidade Ainda uma outra interpreta¸ca˜o prop˜oe que o ato de observa¸c˜ao cria a realidade f´ısica. Em sua forma forte, essa interpreta¸c˜ao assevera que a consciˆencia ´e o estado b´ asico fundamental, mais prim´ario que a mat´eria ou energia. Essa posi¸c˜ ao concede um papel especial `a observa¸ca˜o, quando a transforma no agente ativo que provoca o colapso das possibilidades quˆanticas em realidades. Muitos f´ısicos suspeitam dessa interpreta¸c˜ao porque ela lembra id´eias origin´ arias das filosofias orientais e das propostas m´ısticas. Mas um not´ avel subconjunto de f´ısicos proeminentes, incluindo os laureados Nobel em F´ısica Eugene Wigner, Brian Josephson, John Wheeler e Jonh von Neumann, abra¸cou conceitos que s˜ ao, pelo menos, um pouco simp´aticos a este ponto de vista. O f´ısico Amit Goswami, da Universidade de Oregon, ´e um dos que o promovem com muito vigor. (Dean Radin/Mentes Interligadas, p. 221)

Nota: Voltando ` a teoria da relatividade ontol´ ogica, referida acima, no meu ao livro “O Deus Quˆ antico” ([20]) defendo a tese de que at´e a morte e a vida s˜ constru¸c˜ oes da mente humana (ECR), ou ainda, s˜ ao desprovidas de natureza inerente pr´ opria. 41

Retomando, vejamos uma ligeira varia¸c˜ao do experimento anterior, antes leia o seguinte: Papagaios Psicod´ elicos: Temos trˆes receptores de cor nos olhos (para verde, azul e vermelho). Ent˜ ao essas trˆes s˜ao as nossas cores prim´ arias − e a combina¸ca˜o entre elas cria as cores do nosso mundo. Os papagaios (e outras esp´ecies de aves, peixes e r´epteis) tˆem quatro receptores: os nossos mais um dedicado ao ultravioleta. A combina¸ca˜o desses quatro cria um mundo estupidamente mais colorido que o nosso − um mundo t˜ ao dif´ıcil de imaginar quanto uma realidade com quatro dimens˜oes, em vez das trˆes que agente conhece. (Super Interessante/out. 2012)

Suponhamos que Einstein e um papagaio observam uma mesma paisagem

Φ

´ Obviamente que, segundo a ciˆencia, o c´erebro de Einstein e o c´erebro do papagaio “decodificam a paisagem l´a fora” de modo distinto. A pergunta que n˜ ao quer calar: qual a paisagem verdadeira, a que Einstein observa ou a que o papagaio observa? ´ poss´ıvel que agora o leitor esteja em melhores condi¸c˜oes de apreciar o E conte´ udo das seguintes extraordin´ arias afirma¸c˜oes: (p. 31)  Todos os fenˆ omenos [tanto percept´ıveis quanto conceituais] podem ser     postulados como existentes apenas em rela¸ca ˜o a uma estrutura cognitiva de     referˆencia. (Wallace/[13], p. 97 )   O tempo linear de nossa dimens˜ ao, e de nossa consciˆencia, constitui    ao existentes ter˜ ao condi¸ca ˜o de  o mundo onde essas possibilidades ainda n˜     “existir”, de ser (ser aqui tem o significado “ser objeto para uma cons  ciˆencia” ) (Marcelo/[17], p. 163) 42

Retomando, uma mesa − como se apresenta a n´ os − ´e uma constru¸c˜ao de nossa pr´ opria mente. Ali´as, poderiamos ter chegado a esta mesma conclus˜ ao lembrando do que afirmou o eminente fil´ osofo: Os fenˆ omenos s˜ ao organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo, sendo assim em parte dependentes do sujeito. (Immanuel Kant) Uma observa¸c˜ ao pertinente ´e a de que a mesa n˜ ao ´e uma cria¸c˜ao da mente a partir de nada, existe “algo” que a mente decodifica como sendo a mesa que vemos; entretanto esse algo, em sua essˆencia, n˜ ao sabemos o que ´e: A realidade, tal como ela ´e, em sua essˆencia (noumeno) ´e incognosc´ıvel, ou seja, n˜ ao podemos conhecˆe-la. Portanto, jamais conhecemos as coisas em si (noumeno), mas somente tal como elas nos aparecem (fenˆ omenos). (Immanuel Kant/Cr´ıtica da Raz˜ ao Pura)

Adendo: Um momento! . . . uma retifica¸c˜ao. Acho que podemos fazer uma obje¸c˜ao a Kant. Com efeito, inicialmente ele afirma que “os fenˆ omenos s˜ ao em parte dependentes do sujeito”; ou ainda, ele acredita na “realidade tal como ela ´e ”, ou nas “coisas em si ”. Cotejando Kant com Marcelo (p. 35) − com quem estamos integralmente de acordo −, deduzimos que os fenˆomenos s˜ ao totalmente dependentes do sujeito e, ademais, n˜ ao existe uma “realidade tal como ela ´e”. Kant ainda afirma: “jamais conhecemos as coisas em si ”, redarguimos: Existe uma “coisa em si”?, de acordo com Marcelo n˜ ao, a come¸car das part´ıculas subatˆomicas. A este respeito para dirimir qualquer resqu´ıcio de d´ uvida sugerimos ao leitor ponderar um pouco sobre a imagem de Einstein, o robˆ o e o pernilongo. Voltemos a palavra ao mestre Tagore: T: [. . . ] Existe a realidade do papel, totalmente distinta da realidade da literatura. Pois a classe de inteligˆencia que possui a tra¸ca que engole essa literatura de papel ´e, em absoluto, inexistente, e, sem embargo, para a inteligˆencia do homem possui a literatura um valor de verdade maior que o pr´ oprio papel. De modo an´ alogo, se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma rela¸c˜ ao sensitiva ou racional com a inteligˆencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto formos n´ os seres humanos. (Grifo nosso) Coment´ ario: No meu entendimento os argumentos do poeta foram bem mais consistentes e admiravelmente sintonizados com o encaminhamento atual da f´ısica quˆantica que os de Einstein. Diz ele: T: “Pois todo o Universo se acha entrela¸cado a n´ os de um modo semelhante; ´e um Universo humano”. Um f´ısico hodierno d´ a inteira raz˜ ao ao m´ıstico-poeta e n˜ ao a Einstein, f´ısico: 43

Ainda que disponha de instrumentos poderosos de investiga¸ca ˜o e medi¸ca ˜o, a f´ısica contemporˆ anea ´e fruto da mente humana e, portanto, limitada ` a nossa capacidade de ver e interpretar a realidade. Pode-se afirmar que, se a beleza est´ a nos olhos de quem a vˆe, a ciˆencia est´ a na mente de quem a faz. (Marcelo Gleiser/F´ısico) Tagore ainda afirma: “Por que n˜ ao? A verdade realiza-se mediante o homem”. O que est´ a admiravelmente de acordo com um bi´ ologo moderno: “Na verdade” n˜ ao ´e um termo que devemos usar com confian¸ca. [. . .] “Na verdade”, para um animal, ´e aquilo que seu c´erebro precisa que seja, para ajud´ a-lo a sobreviver. E, como esp´ecies diferentes vivem em mundos t˜ ao diferentes, haver´ a uma variedade perturbadora de “na verdade”. O que vemos do mundo real n˜ ao ´e o mundo real intocado, mas um modelo do mundo real, regulado e ajustado por dados sensoriais − um modelo que ´e constru´ıdo para que seja u ´til para lidar com o mundo real. A natureza desse modelo depende do tipo de animal que somos. Um animal que voa precisa de um modelo de mundo diferente do de um animal que anda, que escala ou que nada. Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, embora seus mundos necessariamente se sobreponham. O c´erebro de um macaco precisa ter uma programa¸ca ˜o capaz de simular um labirinto tridimensional de galhos e troncos. O c´erebro de um notonect´ıdeo n˜ ao precisa de um programa em 3D, j´ a que mora na superf´ıcie de um lago na Fatland de Edwin abbott. O software para construir modelos do mundo de uma toupeira ´e adaptado para uso subterrˆ aneo. Os ratos-toupeiras pelados provavelmente tˆem um programa de representa¸ca ˜o do mundo parecido com o de uma toupeira. Mas um esquilo, embora roedor como o rato-toupeira, provavelmente tem um software de constru¸ca ˜o do mundo muito mais pr´ oximo do do macaco. (Richard Dawkins/Deus, um del´ırio, p. 471)

Observe, “Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, embora seus mundos necessariamente se sobreponham.” Para finalizar, a sutil e perspicaz observa¸c˜ao de Tagore: Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma rela¸c˜ao sensitiva ou racional com a inteligˆencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto formos n´ os seres humanos. , n˜ ao exclui nem mesmo as “verdades” da matem´ atica. Pior ainda, n˜ ao existe dentre os pr´ oprios matem´ aticos um consenso a respeito do que seja verdadeiro em matem´ atica, veja: 44

A axiom´ atica de Zermelo sofreu algumas modifica¸co ˜es e hoje tem-se v´ arios sistemas de axiomas para a Teoria dos Conjuntos. Um fato curioso ´e que as Teorias obtidas por axiom´ aticas diferentes s˜ ao distintas, de modo que se a matem´ atica ´e edificada sobre a Teoria dos Conjuntos, para cada sistema de axiomas destes tem-se uma matem´ atica diferente! ([16], p. 2) A prop´osito, os matem´ aticos da escola intuicionista n˜ ao consideram como verdadeiras muitas das proposi¸c˜oes da matem´ atica tradicional. Por oportuno, h´ a tempos atr´ as eu me colocava o seguinte problema: supondo que exista no Universo uma outra civiliza¸c˜ao a matem´ atica praticada por eles seria a mesma nossa? Hoje dei-me conta de que n˜ ao preciso nem apelar para a existˆencia de uma outra civiliza¸c˜ ao pois aqui mesmo na Terra se pratica mais de uma matem´ atica − ou geometria. Podemos ir um pouco mais longe e conjecturar at´e mesmo a respeito da possibilidade de mais de uma f´ısica em nosso planeta. Com efeito, a teoria da relatividade especial de Einstein fundamenta-se em dois axiomas, ambos negados por um outro f´ısico, o professor e doutor Andr´e Koch Torres Assis. ´ uma cr´ıtica, porque, por exemplo, Einstein queria impleAndr´ e Koch: E mentar esse efeito. Ele criou a teoria para isso, mas n˜ ao conseguiu. Ele acreditava nas ideias desse fil´ osofo Mach, mas a teoria matem´ atica dele, aplicada na teoria da relatividade, o efeito n˜ ao acontece. Einstein at´e tentou criar outros termos, mas o que fez mesmo foi abandonar a teoria do Mach e ficou com a teoria dele. Eu, particularmente, prefiro abandonar as ideias do Einstein e voltar para as ideias do Ernest Mach, que s˜ ao, para mim, mais intuitivas. (Publica¸ca˜o eletrˆ onica) A no¸ca ˜o de Wheeler de um universo participativo foi ligada ao princ´ıpio antr´ opico, que afirma que o universo ´e desse jeito porque estamos aqui. Isso implica que, enquanto os humanos veem o universo por meio de conceitos humanos, que impomos ` a nossa experiˆencia, estamos sempre envolvidos num universo antropocˆentrico − estamos no centro do universo que habitamos e exploramos. John Wheeler Isso n˜ ao quer dizer que o universo, at´e mesmo todos os outros seres conscientes, n˜ ao existisse antes do surgimento da vida como a conhecemos, ou que v´ a desaparecer quando a esp´ecie humana extinguir-se. Apenas o universo como o concebemos, como existindo no passado, presente e futuro, vai desaparecer. De modo mais geral, todos os mundos poss´ıveis somem simultˆ aneamente com o desaparecimento das estruturas cognitivas de referˆencia dentro das quais s˜ ao apreendidos. Os mundos experiˆenciados por outros seres conscientes continuar˜ ao a existir em rela¸ca ˜o a eles. Nesse sentido, os observadores cocriam os mundos em que residem. 45

([13], p. 109)

Nota: Para constatar − em um caso particular − que isto ´e verdade basta reconsiderar a figura de Einstein, o robˆ o e o pernilongo (p. 40). Se o robˆ o ou o Einstein (o ser humano) desparecesse da face do planeta a respectiva forma de percep¸c˜ ao de um pernilongo concomitantemente tamb´em desapareceria. De outro modo: antes da inven¸c˜ao do microsc´opio aquela forma de percep¸c˜ ao de um pernilongo n˜ ao existia. A quest˜ ao do que existe ou como existe vai depender sempre do “observador”, a estrutura cognitiva de referˆencia, como j´a argumentamos de sobejo. Insistimos que isto em particular vale no universo da matem´ atica, para os objetos da matem´ atica. Por exemplo para Euler (p. 81) os n´ umeros complexos n˜ ao existiam, eram imposs´ıveis; “pior ainda”, at´e o s´eculo XIX os n´ umeros negativos n˜ ao existiam para muitos matem´ aticos (p. 14). ´ Como se explica isto? E a pr´ opria mente, a estrutura cognitiva de referˆencia, que atrav´es de “restri¸c˜oes apropriadas” diz o que deve existir ou n˜ ao, ou como existir. Por exemplo, para Euler “todos os n´ umeros conceb´ıveis s˜ ao maiores ou menores do que zero ou iguais a zero”, a partir desta restri¸c˜ ao (da mente de Euler) surge a impossibilidade do que hoje aceitamos como n´ umeros complexos. Um outro exemplo not´ orio na matem´ atica deve-se ao matem´ atico irlandˆes William Rowan Hamilton (18051865) que ao quebrar o dogma da comutatividade da multiplica¸c˜ao trouxe a existˆencia (criou) os n´ ` umeros conhecidos hoje como quaternions (p. 152). Se, por acaso, algum matem´ atico exigir a comutatividade na multiplica¸c˜ao de n´ umeros ent˜ ao para este matem´ atico os quaternions de Hamilton n˜ ao existem como n´ umeros. Como j´a afirmei algures a verdade (inclusive na matem´ atica) reduz-se a uma mera quest˜ ao de consenso entre uma “maioria” de homens. Esta perspectiva transcende o ˆambito da matem´ atica, por exemplo, podemos estendˆe-la at´e ` a teologia. Por exemplo, o que ´e Deus para os crist˜ aos e judeus n˜ ao ´e para mim, para a minha ECR, posto que fa¸co algumas restri¸c˜oes (para o que seja Deus) n˜ ao satisfeitas por Jav´e, por exemplo, n˜ ao admito que um Deus aceite, ou exija, sacrif´ıcios humanos. (ver Ju´ızes cap. 11) Retomando o contexto matem´ atico, no cap´ıtulo 13 abrimos m˜ ao da associatividade da multiplica¸c˜ao e criamos um novo conjunto num´erico, os hipercomplexos. Um outro aspecto n˜ ao neglicenci´ avel quando se decide da legitimidade de algo, tanto na matem´ atica quanto fora dela, diz respeito `a sua utilidade. Dizemos, se alguma constru¸c˜ao matem´ atica se revelar u ´til est´ a assegurada sua “sobrevivˆencia”, existe uma esp´ecie de sele¸ca ˜o natural tanto na matem´ atica quanto fora dela, como por exemplo, na f´ısica, filosofia, teologia, etc. Veja-se por exemplo, o ´eter e o cal´ orico j´a existiram e foram de alguma utilidade na f´ısica, hoje n˜ ao mais. O purgat´orio j´a existiu e foi de alguma “utilidade” na teologia, hoje n˜ ao mais. O inferno ainda “existe e ´e u ´til”. 46

Fun¸c˜ ao de Onda

(p. 35)

O que vem a seguir ´e uma tentativa nossa de “formalizar” as experiˆencias anteriores. A “Fun¸ca ˜o de onda” na mecˆ anica quˆantica ´e uma fun¸c˜ao complexa que descreve o estado quˆantico de um sistema de uma ou mais part´ıculas, e cont´em todas as informa¸c˜oes sobre o sistema considerado isolado. O s´ımbolo utilizado para denotar esta fun¸c˜ao ´e a letra grega Ψ. A fun¸c˜ao de onda evolui ao longo do tempo e ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de Schr¨ odinger, proposta em 1926, −

ℏ2 ∂ 2 Ψ(x, t) ∂ Ψ(x, t) + V (x, t) Ψ(x, t) = i ℏ 2m ∂x2 ∂t

para a descri¸c˜ ao das ondas de mat´eria, postuladas por Louis de Broglie em 1924, em sua tese de doutorado apresentada `a Faculdade de Ciˆencias da Universidade de Paris. No in´ıcio o pr´ oprio Schr¨ odinger apresentou duas propostas para a interpreta¸c˜ao da fun¸c˜ ao Ψ, nenhuma das duas logrou ˆexito∗ . A interpreta¸c˜ ao que hoje ´e aceita foi a formulada pelo f´ısico alem˜ ao Max Born, que a considerou como uma amplitude de probabilidade. Ent˜ ao, por analogia com a fun¸c˜ao de onda de Schr¨ odinger, e tomando como um postulado as afirma¸c˜ oes de Wallace e Marcelo, propomos uma “fun¸c˜ao de onda” (nota¸c˜ ao: Φ) associada a todo objeto f´ısico (ou conceitual, como n´ umero, por exemplo) a qual carrega uma “superposi¸c˜ao de possibilidades” que ao entrarem em contato com uma consciˆencia (ao ser “medida”, a observa¸c˜ ao ´e uma medi¸c˜ao) colapsa para uma das possibilidades f´ısicas (ou conceituais) observadas. Por exemplo, o “pernilongo” − que jamais saberemos o que ´e em sua essˆencia − possui uma fun¸ca ˜o de onda, ao ser observado por Einstein colapsa naquela forma que Einstein percebe, ao ser observado pelo robˆ o colapsa na forma observada pelo robˆ o, e assim sucessivamente; digo, cada consciˆencia a observar o pernilongo (o papagaio psicod´elico, p. ex., seria uma outra) o vˆe de uma forma distinta oriunda da “superposi¸c˜ ao de possibilidades” que est˜ ao em potˆencia na fun¸c˜ao de onda do pernilongo. Apenas uma analogia com fins did´ aticos, na figura ao lado (ilus˜ ao de ´ otica) existe uma superposi¸c˜ ao de estados; ao ser observada, isto ´e “medida”, colapsa para uma de duas possibilidades: um pato ou um coelho. Tenha em conta que os animais poderiam ainda colapsar (vˆe) outras possibilidades nesta mesma figura. Ver ainda figuras na p. 36.

Φ

∗ Ver A Interpreta¸c˜ ao da Fun¸c˜ ao de Onda de Schr¨ odinger, por Jos´e Maria Bassalo. Publica¸c˜ ao eletrˆ onica.

47

A esdr´ uxula adi¸ c˜ ao de Einstein Suponhamos um observador O fixo em rela¸c˜ao ao solo, e um vag˜ao movendo-se com velocidade v em rela¸c˜ao ao solo. Dentro do vag˜ao h´ a uma bola que se move com velocidade u. u







v ·

q O

·

Sendo assim, Galileu nos diz que: V = v + u. Onde, V : velocidade da bola para o observador no solo. Einstein, respaldado em seu segundo postulado∗ , corrigiu a adi¸c˜ao de Galileu da seguinte forma: V =

v+u v·u 1+ 2 c

Onde c = 3 · 108 (m/s) ´e a velocidade da luz. Tomando u = v = 1 teremos que para Galileu 1 + 1 = 2, j´a para Einstein 1 + 1 6= 2. De fato, V =

1+1 6= 2 1·1 1+ (3 · 108 )2

(1.1)

Claro, os f´ısicos argumentariam que “para todos os fins pr´ aticos ” 10−16 = 0, e a´ı as duas adi¸c˜ oes coincidem. Primeiro que neste caso arredondamento ´e uma op¸c˜ ao, n˜ ao somos obrigados a tal. Segundo, n˜ ao trata-se de arredondamento, ´e uma quest˜ ao conceitual. Por exemplo, “para todos os fins pr´ aticos ” π = 3, 14159265359, entretanto conceitualmente o n´ umero da esquerda ´e irracional e o da direita racional. A f´ısica de Newton-Galileu n˜ ao ´e um caso particular da de Einstein. Observe que s´ o existe uma maneira de obter 1 + 1 = 2 na f´ısica de Einstein, devemos fazer 10−16 = 0, o que implicaria 1 = 0 (multiplicando por 1016 ). Logo, estabelecemos (na f´ısica de Einstein): Se 1 + 1 = 2 ent˜ ao 1 = 0. Mas isto equivale a: Se 1 6= 0 ent˜ao 1 + 1 6= 2. An passant, gostaria de deixar aqui um questionamento aos f´ısicos. A matem´ atica nos diz que a adi¸c˜ao de vetores obedece a regra do paralelogramo, ~ |2 = | ~u |2 + | ~v |2 + 2 | ~u | · | ~v | · cos θ. Esta equa¸c˜ao para θ = 0o dada por | V torna-se | V~ | = | ~u | + | ~v |. Tomando u = v = 1 teremos | V~ | = | 1 | + | 1 | = 2, contrariando (1.1)! Ent˜ ao velocidade n˜ ao ´e um vetor na f´ısica de Einstein? ∗ A velocidade da luz no v´ acuo tem o mesmo valor c em qualquer referencial inercial, independentemente da velocidade da fonte de luz.

48

Cap´ıtulo 2

˜ ´ RELAC ¸ OES BINARIAS O mundo de vocˆes ´e um mundo criado pelo ego; o mundo de vocˆes ´e um mundo projetado. Vocˆes est˜ ao usando o mundo real como uma tela e projetando nela as suas pr´ oprias id´eias. (Osho)

Introdu¸ c˜ ao Dediquei alguns anos de minha vida a pesquisar (e refletir) o universo das religi˜ oes, como resultado escrevi e publiquei trˆes livros, o u ´ltimo deles por nome “O Deus Quˆ antico (Um Deus pra homem nenhum botar defeito mesmo que esse homem seja um ateu), uma conclus˜ao a que cheguei ´e que a quest˜ ao Deus, no fundo no fundo, ´e uma quest˜ao ideol´ ogica, partid´aria, tanto ´e que numa ligeira pesquisa me deparei com centenas, milhares de Deuses sobre a face da Terra, como por exemplo os seguintes: Hindu´ısmo Gnosticismo Jainismo Confucionismo Sufismo

Deus

Tao´ısmo Xinto´ısmo Tenrikyo Juda´ısmo Islamismo Cristianismo .. . 49

At´e aqui nenhuma novidade para alguns. Pois bem, ap´ os a conclus˜ao do livro citado anteriormente sentei para redigir a vers˜ ao final do presente livro, a novidade ´e que para minha surpresa cheguei `a conclus˜ao de que a matem´ atica tamb´em ´e, no fundo no fundo, uma quest˜ao ideol´ ogica, partid´ aria, tanto ´e que numa ligeira pesquisa na filosofia da matem´ atica me deparei com muitas Escolas de pensamento, como por exemplo

Logicismo Intuicionismo, Construtivismo

Matem´atica

Conjuntista Formalismo Realismo matem´ atico .. .

para citar apenas as principais.

(Ver p. 25; rodap´e p. 179)

Estaremos provando esta afirmativa em v´arias oportunidades − como ´e o caso da defini¸c˜ ao de Rela¸co ˜es bin´ arias, um dos conceitos basilares da matem´ atica. Assim como as religi˜ oes se dividem em grupos dissidentes tamb´em as Escolas matem´ aticas se dividem em tantas outras; por exemplo, o logicismo e o formalismo s˜ ao deriva¸c˜oes do realismo matem´ atico.

A influˆ encia ideol´ ogica do grupo Bourbaki Ademais, dei-me conta de que a ideologia que prevalece nos livros did´ aticos de matem´ atica − do ensino fundamental `a universidade − ´e a conjuntista. (Ver p. 26) Esta prevalˆencia se deve `a influˆencia de um grupo, estamos falando de: Nicolas Bourbaki, foi o pseudˆonimo de um grupo de matem´ aticos, majoritariamente franceses, que se propˆos reorganizar boa parte da Matem´atica desenvolvida at´e ent˜ ao; optaram pelo m´etodo axiom´atico e, ademais, ignorando − tal como um avestruz que enfia a cabe¸ca em um buraco − os paradoxos∗ que proliferavam na teoria dos conjuntos decidiram que o edif´ıcio da “matem´ atica moderna” deveria ser erigido sobre esta teoria (Conjuntos)− a coisa passa por a´ı, estamos dizendo. ∗

Na tentativa de “salvar” a teoria dos conjuntos de Cantor, alguns destes paradoxos foram eliminados “por decreto”, isto ´e, na “for¸ca bruta” (via axiomas ad hoc, i.e., “desenhados para esta finalidade”, p. ex., ver [15], p. 94); tanto ´e que n˜ ao existe entre os matem´ aticos um consenso sobre que conjunto de axiomas ´e v´ alido; existem muitas axiom´ aticas para a teoria dos conjuntos.

50

De um livro de Teoria dos Conjuntos: ([16], p. 2) A Teoria desenvolvida por Cantor era ingˆenua (intuitiva, n˜ ao axiom´ atica) e os paradoxos come¸caram logo a surgir. O primeiro paradoxo realmente importante foi o de Bertrand Russel (1872-1970), envolvia aspectos mais elementares da Teoria, n˜ ao poderia ser ignorado. A rea¸ca ˜o dos matem´ aticos foi de axiomatizar a Teoria, pois ela continha muitas vantagens para ser deixada de lado. O primeiro matem´ atico a construir um sistema de axiomas foi E. Zermelo (1871-1953) em 1908. A axiom´ atica de Zermelo sofreu algumas modifica¸co ˜es e hoje tem-se v´ arios sistemas de axiomas para a Teoria dos Conjuntos. Um fato curioso ´e que as Teorias obtidas por axiom´ aticas diferentes s˜ ao distintas, de modo que se a matem´ atica ´e edificada sobre a Teoria dos Conjuntos, para cada sistema de axiomas destes tem-se uma matem´ atica diferente! O sistema de Zermelo-Fraenkel (ZF) ´e o que melhor reproduz a Teoria de Cantor e a matem´ atica oriunda deste sistema ´e denominada matem´ atica cantoriana; as demais, n˜ ao-cantorianas, em analogia com as geometrias. Adendo: Acrescentamos ainda que a multiplicidade de interpreta¸co˜es n˜ ao ´e prerrogativa da matem´ atica, um fenˆomeno an´ alogo acontece na f´ısica. Com efeito, no artigo Por que h´ a tantas interpreta¸ co ˜es da teoria quˆ antica? do fil´ osofo com doutorado em f´ısica quˆantica Osvaldo Pessoa Jr. ele afirma: “H´ a dezenas de interpreta¸co ˜es diferentes, e interpreta¸co ˜es novas v˜ ao surgindo a cada ano.”, e lista as principais: (1) Ondulat´ oria Realista. (2) Corpuscular Realista.

F´ısica Quˆantica

(3) Dualista Realista. (4) Dualista Fenomenalista. (5) Corpuscular Fenomenalista.

O autor acrescenta ainda um dado relevante para o nosso contexto: H´ a um terceiro eixo que ´e significativo para classificar as interpreta¸co ˜es cient´ıficas, que ´e o aspecto “intencional” ou “emocional”, que as pessoas agregam ` as suas posi¸co ˜es interpretativas. H´ a indiv´ıduos que defendem ardentemente e at´e agressivamente uma interpreta¸ca ˜o, e o embate emocionalmente carregado envolvendo dois ou mais partidos pode resultar numa controv´ersia cient´ıfica. Por paradoxal que pare¸ca, os aspectos “intencional” e “emocional” estiveram − e est˜ ao − presentes nas disputas entre as escolas matem´ aticas. 51

Reduzir os objetos matem´ aticos a conjuntos ´e intencional e por vezes tendencioso, por partes dos conjuntistas. “A literatura sobre a mecˆ anica quˆantica convida ao uso metaf´orico do termo dissidˆencia, comum em pol´ıtica e em religi˜ ao, para lidar com as controv´ersias cient´ıficas. De fato, Heilbron (2001) escreveu sobre os Mission´ arios do esp´ırito de Copenhague, Rosenfeld utilizou “heresia” para se referir `as ideias de Everett (OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009, p. 240), Wigner (1963) apresentou a sua pr´ opria ideia como a ortodoxia na mecˆ anica quˆantica e Jammer (1974, p. 250) escreveu sobre a “monocracia incontestada da Escola de Copenhague na filosofia da mecˆ anica quˆantica”, ao analisar os debates sobre a interpreta¸c˜ao, no in´ıcio da d´ecada de 1950, apenas para citar alguns exemplos. A met´ afora ´e atrativa.” (Dissidentes quˆ anticos: pesquisa em fundamentos da Teoria Quˆ antica em torno de 1970./Olival Freire Junior)







Brouwer nasceu em 1881, dedicou a maior parte de sua vida profissional ` a Universidade de Amsterdam, e faleceu em 1966. Lutou impiedosamente por suas id´eias. Como editor da revista Mathematische annalen, encarregado de aceitar ou rejeitar artigos submetidos para publica¸ca ˜o, abriu ataque contra o uso indiscriminado da reductio ad absurdum, recusando todos os artigos que aplicavam a lei do terceiro exclu´ıdo em proposi¸co ˜es cuja veracidade ou falsidade n˜ ao podia ser decidida em um n´ umero finito de passos. A crise se encerrou com a comiss˜ ao editorial decidindo por sua ren´ uncia coletiva. S´ o que depois todos se reelegeram, menos Brouwer. O governo holandˆes ficou t˜ ao indignado com essa afronta ao maior de seus matem´ aticos que resolveu criar uma revista rival, com Brouwer ` a testa. ` Hist´ (Howard Eves/Introdu¸ca ˜o A oria da Matem´ atica, p. 681)

Teorema de Nagarjuna Acredito que ´e poss´ıvel se reconhecer um s´ abio iluminado por apenas um de seus pensamentos. O pensamento a seguir, de um monge indiano (s´ec. II-III) por nome Nagarjuna, me causou uma esp´ecie de fasc´ınio tanto ´e que decidi conferir-lhe o status de um teorema matem´ atico, afirma ele: Se eu tivesse qualquer posi¸ca ˜o te´ orica, ent˜ ao eu teria problemas; mas j´ a que n˜ ao tenho qualquer posi¸ca ˜o te´ orica, ent˜ ao n˜ ao tenho qualquer problema. Diriamos que ´e “uma esp´ecie de teorema da incompletude de G¨ odel ”, mais geral − isto ´e, aplica-se a muitas outras ´areas do conhecimento. 52

2.1

Rela¸c˜ oes Bin´ arias

As rela¸co ˜es bin´ arias s˜ ao objetos centrais na matem´ atica. Os autores de orienta¸c˜ ao conjuntista bourbakista as definem assim: Defini¸ c˜ ao 4. Sejam A e B dois conjuntos. Chama-se rela¸ca ˜o bin´ aria de A em B ou apenas rela¸ca ˜o de A em B todo subconjunto R do produto cartesiano A × B. Portanto, simbolicamente: R ´e rela¸c˜ ao de A em B ⇐⇒ R ⊂ A × B A princ´ıpio posso ver esta defini¸c˜ao como um acochambramento, uma tentativa de reduzir este importante conceito a conjuntos. Todavia n˜ ao vamos discutir a legitimidade da mesma para n˜ ao nos alongarmos em demasia; entretanto queremos ressaltar ao leitor o carater um tanto quanto subjetivo da matem´ atica em algumas quest˜oes importantes − deixemos as Escolas de lado −, existe um autor∗ que tr´ az uma outra defini¸c˜ao, assim: Rela¸ co ˜es A rela¸ca ˜o R consiste no seguinte: (1) um conjunto A; (2) um conjunto B; (3) uma senten¸ca aberta P (x, y) na qual P (a, b) ´e verdadeiro ou falso para qualquer par ordenado (a, b) pertencendo a A × B. Chamamos ent˜ ao R uma rela¸ca ˜o de A para B e designamos por  R = A, B, P (x, y) . Al´em disso, se P (a, b) ´e verdadeiro, escrevemos aRb



que se lˆe “a est´ a relacionado a b”. Por outro lado, se P (a, b) n˜ ao ´e verdadeiro, escrevemos aRb que se lˆe “a n˜ ao est´ a relacionado a b”. Pois bem, observe que segundo esta defini¸c˜ao uma rela¸c˜ao bin´ aria ´ e uma terna consistindo de dois conjuntos e uma senten¸ca aberta, a subjetividade est´ a em que preferimos − e adotamos em nosso livro − esta defini¸c˜ao, pois que a mesma ressalta o “aspecto estrutural” de uma rela¸c˜ao bin´ aria. ∗

Seymour Lipschutz/Teoria dos Conjuntos/Cole¸c˜ ao Schaum/p. 114.

53

Uma rela¸c˜ ao bin´ aria pode ainda ser vista como um sistema de processamento de informa¸co ˜es, no qual entramos com dois conjuntos A e B,

A B

V

A×B

p(x, y)

G={

...

}

F

calcula-se o produto cartesiano, testa-se cada par ordenado (a, b) ∈ A × B na senten¸ca aberta, se o resultado for verdadeiro coloca-se este par numa lista G, caso contr´ ario envia-se para a lixeira.

Um pequeno resumo sobre senten¸cas abertas

(p. 500)

Antes de darmos um ou dois exemplos de rela¸c˜oes vejamos um resumo de senten¸cas abertas. Consideremos as proposi¸c˜oes: p : x + 6 < 10, V ( p ) =? q : 2 + 6 < 10, V ( q ) = 1 A proposi¸c˜ ao q, como se vˆe, ´e verdadeira, ao passo que nada podemos afirmar sobre o valor l´ ogico de p : V (p) =?; que somente ser´ a conhecido quando x for substituido por um n´ umero bem determinado. Neste caso, dizemos que a proposi¸ca˜o p ´e uma senten¸ca aberta. Na senten¸ca aberta p(x) : x + 6 < 10 o s´ımbolo x ´e chamado de vari´ avel. Chamamos conjunto universo da vari´ avel ao conjunto das possibilidades que podem substituir a vari´ avel na senten¸ca. Denotaremos este conjunto por U. Conjunto-verdade (da senten¸ca aberta) ´e o conjunto dos valores da vari´ avel para os quais a senten¸ca torna-se verdadeira. Denotaremos este conjunto por V:   V = x ∈ U : V p(x) = V (2.1)

Na verdade as senten¸cas abertas que nos interessam no presente contexto comportam duas vari´ aveis. Seja p(x, y) uma senten¸ca aberta com duas vari´ aveis. Inicialmente observamos que, n˜ ao necess´ariamente, as vari´ aveis envolvidas tˆem o mesmo conjunto universo. Na “pr´ atica” ´e frequente que estes conjuntos sejam distintos. Assim ´e que os denotaremos por: Ux e Uy . 54

Por exemplo, para a senten¸ca p(x, y) :

x2 − 1 y 2 − 1 + x no lugar de x < y. Diremos y ´e maior do que x. Observa¸ co ˜es: − Enfatizamos que a rela¸c˜ao de ordem ´e dada em fun¸c˜ao da opera¸c˜ao de adi¸c˜ ao. − Lembramos que na axiom´atica de Peano os elementos do conjunto, N = { 0, 1, 2, 3, . . . } s˜ ao apenas s´ımbolos, a priori sem nenhum significado (ou vazio de significado), assim: N = { 0, σ(0), σ(σ(0)), σ(σ(σ(0))) , . . . } |{z} | {z } | {z } 1

2

3

A desigualdade 0 < 1 s´ o ´e trivial porque o conjunto encontra-se ordenado, ou fomos “programados” para ver assim. Por exemplo, o leitor saberia “quem ´e menor do que quem” no conjunto (n˜ ao ordenado) a seguir? n

,

,

,

,

,...

n

N=

Observe as seguintes equivalˆencias 1 a ⇔ (b, a) > ¯0 ⇔ −α = (b, a) > ¯0  180

5.2

Identificando os inteiros positivos com os naturais

Oportunamente estaremos fechando a constru¸c˜ao dos n´ umeros inteiros, provando a u ´ltima especifica¸c˜ ao da lista ν (p. 154), o Princ´ıpio da Boa Ordem. Deveremos agora convergir esfor¸cos para responder `a seguinte pergunta: ´e verdade que os n´ umeros naturais s˜ ao subconjuntos dos inteiros? Para a consecu¸c˜ ao do nosso objetivo devemos transitar por um conceito da ´algebra por nome de isomorfismo, antes destacaremos o seguinte sub¯ conjunto (subsistema) de Z: ¯ + = { (a, b) : a, b ∈ N e a ≥ b } Z Conjunto dos inteiros n˜ ao-negativos. Vejamos agora como, e em que sentido, ¯ +. podemos identificar os conjuntos N e Z ¯ + s˜ Proposi¸ c˜ ao 13. Os conjuntos N e Z ao isomorfos, isto ´e, a aplica¸c˜ao ¯+ Z

ϕ: N n



ϕ(n) = (n, 0)

(n, 0)

´e bijetora e tem as seguintes propriedades: (i)

ϕ(m + n) = ϕ(m) + ϕ(n)

( ii )

ϕ(m n) = ϕ(m) ϕ(n)

( iii )

Se m ≤ n, ent˜ao ϕ(m) ≤ ϕ(n).

Prova: Apˆendice, p. 204. Vamos traduzir a importˆ ancia e significado dessa proposi¸c˜ao. ¯ + pode Na proposi¸c˜ ao 14 (p. 184) provaremos que todo inteiro α ∈ Z ser escrito como α = (m, 0) com m ∈ N. A figura a seguir

¯+ Z

(m, 0) + (n, 0) = (m + n, 0) ϕ−1

N

m

ϕ−1

+

n

ϕ

= m+n

¯ + e N se comportam mostra que, para efeitos da adi¸c˜ ao, os dois sistemas Z da “mesma forma”. Um diagrama an´ alogo vale para a multiplica¸c˜ao, assim: 181

¯+ Z

(m, 0) · (n, 0) = (m · n, 0) ϕ−1 m

N

ϕ−1

·

ϕ

= m·n

n

Por exemplo, suponhamos que desejamos multiplicar os inteiros ¯ + ; pela defini¸c˜ao 31 (p. 159), devemos α = (3, 0) e β = (2, 0) em Z proceder assim: α · β = (3, 0) · (2, 0) = (3 · 2 + 0 · 0, 3 · 0 + 0 · 2) = (6, 0) Para evitar esta “trabalheira” toda podemos transferir “mentalmente” (digo, por ϕ−1 ) esses n´ umeros para N fazer a conta l´a e depois voltamos (por ¯ + (ver figura anterior). E ´ neste sentido que podemos identificar ϕ) para Z os inteiros positivos com os naturais. ¯ + s˜ Estruturalmente N e Z ao idˆenticos, ´e isso o que significa dizer que s˜ ao isomorfos. Ou ainda: duas estruturas isomorfas podem diferir na natureza de seus elementos mas n˜ ao no modo em que eles s˜ ao manipulados (operados). Voltando ` a met´ afora do xadrez (p. 18) as duas estruturas s˜ ao isomorfas (idˆenticas) embora difiram na natureza de seus elementos. Nota: Na verdade, no isomorfismo em quest˜ao, n˜ ao devemos ignorar a rela¸c˜ ao de ordem. Usando uma linguagem n˜ ao rigorosa podemos dizer que, em fun¸c˜ao do ¯ + , N passa a ser subconjunto de Z. ¯ Tamb´em dizeisomorfiso ϕ : N 7−→ Z mos que os inteiros n˜ ao negativos s˜ ao uma “c´opia” de N. Podemos ver isto no diagrama cartesiano, veja: .. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 5)

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

... ... ... ... ...

¯ + −→ N=Z

(0, 0)

... 182

Uma ponte para retornarmos aos antigos inteiros Nosso objetivo agora ser´ a responder `a quest˜ao: qual a rela¸c˜ao entre os ¯ = (Z, ¯ +, ·), onde inteiros Z ¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z e os velhos inteiros Z = (Z, +, ·) ? onde Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } Antes vamos definir, sempre que a ≥ b, a opera¸c˜ao de subtra¸c˜ao em N, assim: a − b = a + (−b); onde transferimos − via isomorfismo ϕ − os ¯ +. naturais a e b para Z Lema 7. Sendo a e b dois naturais, com a ≥ b, vale b + (a − b) = a. Prova: a − b = a + (−b) = (a, 0) +

− (b, 0)

Logo,



= (a, 0) + (0, b) = (a, b)

b + (a − b) = (b, 0) + (a, b) = (a + b, b) Pela defini¸c˜ ao 29 (p. 156) temos (a + b, b) ∼ (a, 0) ⇐⇒ a + b + 0 = b + a Portanto, pelo teorema 2 (p. 69), temos (a + b, b) = (a, 0). Logo b + (a − b) = (a + b, b) = (a, 0) = a 

183

“Simplificando” os Inteiros/Inteiros irredut´ıveis ´ v´alida a Proposi¸ c˜ ao 14. (Gentil) Seja α = (a, b) um inteiro arbitr´ario. E seguinte identidade    (a − b, 0) se a ≥ b; α = (a, b) =   (0, b − a) se a ≤ b. Antes da prova desta proposi¸c˜ao observe-a geometricamente: .. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

...

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

... (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

... (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

... (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

... (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

... (0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

O que significa dizer que para representante de qualquer classe de equivalˆencia (n´ umero inteiro) podemos escolher o “primeiro” elemento (ponto) nas respectivas retas da figura anterior. ¯ como Significa ainda que podemos fixar Z ¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z Prova: Vamos provar que (a, b) = (a − b, 0). De fato, pela defini¸c˜ao 29 (p. 156), temos (a, b) ∼ (a − b, 0) ⇐⇒ a + 0 = b + (a − b) Logo, pelo lema 7 e pelo teorema 2 (p. 69) podemos escrever (a, b) = (a − b, 0).  Sendo assim, pelo isomorfismo podemos escrever: (a, b) = (a − b, 0) = a − b ∈ N que

De modo an´ alogo, para a ≤ b, provamos que (a, b) = (0, b − a). Observe (a, b) = (0, b − a) = − (b − a, 0) = −(b − a) 184

Em resumo, temos: α = (a, b) =

 

a−b

se a ≥ b;

(5.12)

 −(b − a) se a ≤ b.

Por exemplo,

(5, 2) = (5 − 2, 0) = 3 e (2, 5) = (0, 5 − 2) = − (5 − 2, 0) = −3 Como consequˆencia da proposi¸c˜ao 14, equa¸c˜ao (5.12), podemos fazer a seguinte identifica¸ c˜ ao ¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z ...

l

Z = { . . . , −3,

l

l

−2,

−1,

l

l

l

l

...

0,

1,

2,

3,

...}

Geometricamente fica assim .. .. . . −5 ←−

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

−4 ←−

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

−3 ←−

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

−2 ←−

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

−1 ←−

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

0 ←−

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

↓ 0

↓ 1

↓ 2

↓ 3

↓ 4

(0, 5)

... ...

(0, 4)

...

(0, 3)

...

(0, 2)

...

(0, 1)

... ↓ 5 ...

Precisamente aqui compreendemos por que os inteiros Z s˜ ao apenas, e ¯ t˜ao somente, uma nota¸c˜ ao “mais cˆomoda” para os verdadeiros inteiros Z. Podemos ainda dizer que s˜ ao uma c´opia “xerox” dos verdadeiros inteiros.

185

¯ que foi repliImagine uma obra de arte, Z, cada (falsificada), Z, por um ex´ımio artista, e que estar a circular a s´eculos como se fosse a original. Os leigos em “arte” nem ao menos suspeitam que “compraram” uma r´eplica como se fosse a original. Apenas os especialistas sabem diferenciar a obra verdadeira da falsa. ¯ e n˜ Nota: Mais uma vez esclare¸co: quando afirmamos que Z, ao Z, s˜ ao os verdadeiros inteiros estamos falando da perspectiva construtivista, tal como exigem os matem´ aticos da linha intuicionista. N˜ao conhe¸co nem um livro de matem´ atica que construa os n´ umeros inteiros sobre Z. Ou ainda, que provem que Z de fato s˜ ao os n´ umeros inteiros, isto ´e, que implementem todas as especifica¸c˜ oes constantes no retˆ angulo amarelo da p. 153 no conjunto Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } Ademais, acrescento, a matem´ atica tanto ´e engenharia quanto arte, n˜ ao se pode desconsiderar a est´etica de uma constru¸c˜ao matem´ atica − ou de um objeto matem´ atico.

Resolvendo a equa¸c˜ ao: 2 x + 3 = 1 Observe que agora estamos em perfeitas condi¸c˜oes de resolver a equa¸c˜ao 2x + 3 = 1 digo, de compreender por que 2 · (−1) + 3 = 1 sem tergiversa¸c˜ oes, sem palrice; isto ´e, com perfeito dom´ınio de todos os conceitos envolvidos. Ent˜ao: 2 x + 3 = 1 ⇐⇒ (2, 0) x + (3, 0) = (1, 0) Esta equa¸c˜ ao ´e equivalente a (2, 0) x + (3, 0) + (0, 3) = (1, 0) + (0, 3) Ent˜ ao (2, 0) x + (3, 3) = (1, 3) Isto ´e (2, 0) x + ¯0 = (1, 3) = (0, 2) portanto (2, 0) x = (0, 2) 186

(5.13)

Fazendo x = (a, b), obtemos (2, 0) · (a, b) = (0, 2) temos (2, 0) · (a, b) = (2a + 0, 2b + 0) ent˜ao (2a, 2b) = (0, 2) =⇒ (2a, 2b) ∼ (0, 2) logo (2a, 2b) ∼ (0, 2) =⇒ 2a + 2 = 2b + 0 ent˜ao 2a + 2 = 2b =⇒ 2(a + 1) = 2b =⇒ a + 1 = b Na segunda implica¸c˜ ao utilizamos a lei do corte da multiplica¸c˜ao nos naturais. (teo. 13, p. 109) Finalmente x = (a, b) = (a, a + 1) = (0, 1) = − (1, 0) = −1 Essa tava dif´ıcil do Descartes resolver! Descartes (1596 -1650)

(ver p. 200)

Dedekind (1831 -1916)

Vejamos uma resolu¸c˜ ao alternativa usando a lei dos cortes nos inteiros (prop. 9, p. 169). Tendo em conta que (2, 0) · (0, 1) = (ac + bd, ad + bc) = (2 · 0 + 0 · 1, 2 · 1 + 0 · 0) = (0, 2) Podemos escrever a equa¸c˜ ao (5.13), assim: (2, 0) x = (2, 0) · (0, 1) Aplicando a lei dos cortes, resulta x = (0, 1) = − (1, 0) = −1 A seguir apresentamos o fluxograma de resolu¸c˜ao da equa¸c˜ao proposta, para esta u ´ltima resolu¸c˜ ao.

187

2x+3 = 1

Lei do Corte Prop. 9, p. 169

Teorema 20, p. 164

Proposi¸ca˜o 14, p. 184

Teorema 18, p. 163 Lei do Corte (+, N) Lema 7, p. 183

Teorema 2, p. 69

Lei do Corte (·, N) Defini¸ca˜o 29, p. 156

Defini¸ca˜o 10, p. 63

Claro, este fluxograma n˜ ao ´e u ´nico, podemos acrescentar ainda outras dependˆencias. O momento agora ´e oportuno para elucidarmos uma quest˜ao levantada na Revista do Professor de Matem´atica (RPM/61, 2006) onde lemos: Uma preocupa¸ca ˜o manifestada pelo leitor Nelson O. F. Correa ´e a identifica¸ca ˜o dos n´ umeros naturais com os inteiros positivos e, como exemplo, d´ aa defini¸ca ˜o de multiplica¸ca ˜o como uma soma de uma mesma parcela um certo n´ umero de vezes. Defini¸ca ˜o esta que perde o sentido no caso da multiplica¸ca ˜o de n´ umeros negativos. Considera que esse fato invalida a identifica¸ca ˜o dos inteiros positivos com os naturais [. . .] Vamos ` a resposta da Revista:

188

RPM O leitor tem raz˜ ao quando afirma que a express˜ ao n´ umero de vezes n˜ ao faz sentido quando esse n´ umero ´e negativo. N˜ a o faz sentido para qualquer √ √ n´ umero real n˜ ao natural. Com efeito, em 2 × π, o que seria somar 2 ou π vezes? O fato ´e que, quando se generaliza algum conceito, usualmente, conservam-se algumas propriedades e perdem-se outras. Por isso, novas defini¸co ˜es precisam ser apresentadas e suas propriedades precisam ser revistas no novo contexto. Algumas delas permanecem, outras deixam de valer. Pergunto: Ao final das contas, ´e v´alido (´e leg´ıtimo) ou n˜ ao identificar os n´ umeros naturais com os inteiros positivos? Pelo que entendi a Revista n˜ ao soluciona a d´ uvida do leitor (tergiversa). Um pequeno interregno com Bertrand Russel Ainda segundo meu entendimento, esta quest˜ao tamb´em n˜ ao foi satisfatoriamente compreendida pelo eminente l´ogico e matem´ atico Bertrand Russel. Na p´ agina 85 de sua obra j´a mencionada Russel discorre sobre a extens˜ao dos n´ umeros, quando ent˜ ao ele argumenta: ([18]/pp. 85, 86) Um dos erros que atrasaram a descoberta de defini¸co ˜es corretas nessa regi˜ ao ´e a id´eia comum de que cada extens˜ ao de n´ umero inclu´ıa as esp´ecies anteriores como casos especiais. Pensava-se que, ao lidar com n´ umeros inteiros positivos e negativos, os n´ umeros inteiros positivos podiam ser identificados com os n´ umeros inteiros originais sem sinal. [. . . ] Esta ´e uma suposi¸ca ˜o errˆ onea, e deve ser rejeitada. Ao contr´ ario do que Russel afirma, n˜ ao ´e errˆ oneo, ´e perfeitamente leg´ıtimo identificar os inteiros positivos com os inteiros originais sem sinal (n´ umeros naturais); o que garante a legitimidade desta identifica¸ca˜o ´e o isomorfismo ϕ de que falamos na proposi¸c˜ ao 13 (p. 181). Observe o diagrama a seguir: N=

{ 0,

1,

2,

3,

l

l

l

l

ϕ

...} ...

¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z ...

l

Z = { . . . , −3,

l

l

−2,

−1,

l

l

l

l

...

0,

1,

2,

3,

...}

Segundo entendo, a gˆenese do problema est´ a em confundir elemento de um conjunto com n´ umero de uma estrutra. Se fizermos esta distin¸c˜ao, tudo se esclarece, torna-se cristalino. Temos que, por exemplo, ¯ 1 ∈ N e (1, 0) ∈ Z ⇒ 1 6= (1, 0) +

(como elementos s˜ ao distintos)

ϕ ¯ 1 ∈ N e (1, 0) ∈ Z ⇒ 1 = (1, 0) +

(como n´ umeros s˜ ao iguais)

189

Nos meus ouvidos soa como se Russel afirmasse que ´e errˆ oneo substituir no jogo de xadrez o rei por um caro¸co de feij˜ ao.

⇐⇒

.. .

.. .

Como elementos s˜ ao distintos, ´obviamente − ´e suficiente experimentar uma sopa feita com um e outro −, todavia, como “n´ umeros da estrutura xadrez ” n˜ ao h´ a diferen¸ca entre ambos. Uma fonte comum de erros Vejamos a discuss˜ ao anterior de uma nova perspectiva. Um erro muito comum ´e induzido pela seguinte situa¸c˜ao: quando listamos os dois “conjuntos” a seguir N = { 0, 1, 2, 3, . . . } e Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } e tendo em conta a defini¸c˜ao de subconjunto: A ⊂ B, quando todo elemento de A pertence a B, concluimos que N ⊂ Z.

A rigor esta inclus˜ao ´e falsa, estamos utilizando s´ımbolos iguais para elementos de naturezas distintas, como j´a frisamos anteriormente. Todavia, o que quero enfatizar ´e o seguinte: vamos mudar a simbologia dos n´ umeros naturais, assim:  .. .. .. .. .. . . . . .

,

,

,

,

, ...



N=

Perguntamos: A inclus˜ao seguinte ´e verdadeira? .. .

,

.. .

,

.. .

,

.. .

, ...





⊂ { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . }

Retomando, feita a identifica¸c˜ao (ponte) entre “os dois inteiros” podemos fazer opera¸c˜ oes em Z mesmo sem conhecer as “regras dos sinais”. 190

Por exemplo, vamos provar o seguinte resultado 2 · (−1) = −2 Para tanto utilizamos a equa¸c˜ ao (5.6) (p. 159), assim: (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc) (2, 0) · (0, 1) = (2 · 0 + 0 · 1, 2 · 1 + 0 · 0) = (0, 2) Temos (2, 0) · (0, 1) = (0, 2)

⇐⇒

Agora vamos provar que

2 · (−1) = −2

−2 + 3 = 1

Ent˜ao

(0, 2) + (3, 0) = (0 + 3, 2 + 0) = (3, 2) Temos (3, 2) = (1, 0) = 1 Vejamos mais dois exemplos. Calcule: −1 + (−1) = ?

¯ assim: Vamos transferir essa opera¸c˜ ao para Z, −1 + (−1) ⇐⇒ (0, 1) + (0, 1) Ent˜ao (0, 1) + (0, 1) = (0 + 0, 1 + 1) = (0, 2) Pela equa¸c˜ ao 5.12 (p. 185), temos (0, 2) = −(2 − 0) = −2.

Portanto, −1 + (−1) = −2. Tudo de modo claro e cristalino!

Como um outro exemplo, calcule

−1 · (−1) = ?

¯ assim: Vamos transferir essa opera¸c˜ ao para Z, −1 · (−1) ⇐⇒ (0, 1) · (0, 1) Pela defini¸c˜ ao de multiplica¸c˜ ao nos inteiros (p. 159), temos (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc) (0, 1) · (0, 1) = (0 · 0 + 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (1, 0) Portanto, −1 · (−1) = 1.

´ dif´ıcil Laplace (1749-1827) com respeito a Regra de Sinais disse: “E conceber que um produto de (−a) por (−b) ´e o mesmo que a por b”. 191

Proposi¸ c˜ ao 15 (Regra dos sinais para a multiplica¸c˜ao). Sejam α, β e γ inteiros quaisquer. Ent˜ ao (i) −(−α) = α (ii) α · (−β) = (−α) · β = −(α · β) (iii) (−α) · (−β) = α · β.

Prova: (i) Seja α = (a, b), pelo teorema 20 (p. 164), temos −α = (b, a), logo  −(−α) = − (b, a) = (a, b) = α 

Prova: (ii) Sejam α = (a, b) e β = (c, d) dois inteiros. Pelo teorema 20 (p. 164) podemos escrever −α = (b, a)

e

− β = (d, c)

Logo α · (−β) = (a, b) · (d, c) = (ad + bc, ac + bd) = (bc + ad, bd + ac) = (b, a) · (c, d) = (−α) · β Por outro lado (−α) · β = (b, a) · (c, d) = (bc + ad, bd + ac) = (ad + bc, ac + bd) = − − (ad + bc, ac + bd)  = − (ac + bd, ad + bc)  = − (a, b) · (c, d)



= −(α · β)

 Na quarta igualdade fizemos uso do ´ıtem (i) . 192

Prova: (iii) Sejam α = (a, b) e β = (c, d) dois inteiros. Logo (−α) · (−β) = (b, a) · (d, c) = (bd + ac, bc + ad) = (ac + bd, ad + bc) = (a, b) · (c, d) =α·β  Proposi¸ c˜ ao 16 (Regra dos sinais para a adi¸c˜ao). Para a adi¸c˜ao de dois inteiros valem as regras: (i) ( ii )

Mesmo sinal, soma-se e permanece o sinal. Sinais contr´ arios, subtrai e d´ a o sinal do maior.

Prova: ( i ) Podem ocorrer dois casos: (m, 0) + (n, 0) = (m + n, 0) ou (0, m) + (0, n) = (0, m + n) ( ii ) Por exemplo, suponhamos (m, 0) + (0, n) = ?,

com m > n.

Temos (m, 0) + (0, n) = (m, n) Pela equa¸c˜ ao (5.12) (p. 185), temos (m, 0) + (0, n) = (m, n) = m − n 

193

Princ´ıpio da Boa Ordem (P.B.O.) Resta agora a u ´ltima especifica¸c˜ao da lista ν que caracteriza por completo os n´ umeros inteiros. ν = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, D, Ordenado, PBO } {z } | ok

Defini¸ c˜ ao 35 (Limitado inferiormente). Seja A um subconjunto n˜ ao vazio ¯ Diz-se que A ´e limitado inferiormente se existe algum elemento k ∈ Z, ¯ de Z. tal que k ≤ a, para todo a ∈ A. Um tal k se chama cota inferior de A. ¯ entretanto se, eventualmente, Observe que na defini¸c˜ao acima k ∈ Z; esta cota inferior pertence ao conjunto A, ent˜ao ´e dito menor elemento ou elemento m´ınimo de A. ¯ Teorema 27 (Princ´ıpio da Boa Ordem). Seja A um subconjunto, de Z, n˜ ao vazio e limitado inferiormente. Ent˜ao, A tem um menor elemento. Prova: Na prova que faremos o que vem entre o par de retas paralelas a seguir ´e apenas um exemplo para facilitar o entendimento da demonstra¸c˜ ao, que de modo algum interfere no desenvolvimento l´ ogico da prova. Pois bem, seja k uma cota inferior de A, ent˜ao, k ≤ x, ∀ x ∈ A. A=



(0, 2), (0, 3), (0, 0), (1, 0), (2, 0) ,

k = (0, 5), por exemplo.

Consideremos o conjunto A′ = { x − k : x ∈ A }

(5.14)

Observe que k ≤ x, ∀ x ∈ A A′ =





x − k ≥ 0, ∀ x ∈ A.

(3, 0), (2, 0), (5, 0), (6, 0), (7, 0)



O que significa que A′ pode ser identificado, via bije¸c˜ao

ϕ: N n

¯+ Z



(n, 0) 194

ϕ−1 :

(prop. 13, p. 181)

¯+ Z

N

(n, 0)

n

com um subconjunto de ¯ + = { (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), (4, 0), . . . } N=Z e, pelo Princ´ıpio da Boa Ordem em N, o conjunto A′ possui um menor elemento, digamos, m′ . Sendo assim, m′ ∈ A′ e, por defini¸c˜ao de menor elemento, m′ ≤ y, ∀ y ∈ A′

(5.15)

Como m′ ∈ A′ , m′ ´e da forma m − k, para algum m ∈ A. m′ = (2, 0) = (0, 3) − (0, 5) | {z } | {z } m

k

Afirmamos que m = m′ + k ´e o elemento m´ınimo procurado para A. Devemos mostrar que: m ≤ x, ∀ x ∈ A, ou ainda m ≤ x, ∀ x ∈ A ⇐⇒ m − k ≤ x − k, ∀ x ∈ A

Por outro lado, tendo em conta (5.15) e (5.14), temos m′ ≤ y, ∀ y ∈ A′ =⇒ m − k} ≤ x − k, ∀ x ∈ A | {z m′

E isto prova que m ´e o elemento m´ınimo de A.



Sendo assim, acabamos de concluir a constru¸c˜ao do conjunto num´erico (ou sistema num´erico) do inteiros. ν = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, D, Ordenado, PBO } | {z }

X

Vejamos uma reformula¸c˜ ao do Princ´ıpio da Boa Ordem que ser´ a utilizada no cap´ıtulo 10. ¯ n˜ Teorema 28 (PBO2 ). Seja A um subconjunto, de Z, ao vazio e limitado superiormente. Ent˜ ao, A tem um maior elemento. Prova: De fato, seja S ⊂ A, S 6= ∅, defina S ′ = { −b : b ∈ S }. Ent˜ao, S ´e limitado inferiormente se e somente se S ′ ´e limitado superiormente (justifique). Tem-se tamb´em que S possui um menor elemento se e somente se S ′ possui um maior elemento (neste caso tem-se que min S = − max S ′ ).  195

Uma exegese de nossa odiss´ eia pelos inteiros ´ pois, aos in´ıcios da Aritm´ E, etica que

Tornar-se matem´ atico inclui o desenvolvi-

podemos esperar encontrar a explica¸ca ˜o

mento da est´ etica matem´ atica, uma predi-

(Poincar´e)

le¸ca ˜o por analisar e compreender, por per-

que procuramos . . .

ceber a estrutura e as rela¸co ˜es estruturais, por ver como as coisas se ajustam.

Um leitor desatento poderia imaginar que despendemos muito esfor¸co para “retornar ao ponto de partida” e que, decididamente, nosso investimento n˜ ao compensa. Como disse, h´ a uma diferen¸ca entre fazer matem´ atica e fazer conta. Ou ainda: em trabalhar com o esp´ırito da matem´ atica e trabalhar apenas com seu corpo (cad´ aver). Numa estimativa otimista creio que 99% dos indiv´ıduos que trabalham com os inteiros canˆ onicos, Z, n˜ ao compreedem o que est˜ ao fazendo, foram apenas . . . digamos, adestrados (programados); ou ainda, processam s´ımbolos, mas n˜ ao significado. Observe, ademais, que do ponto de vista da leg´ıtima matem´ atica (l´ogica) ¯ os inteiros Z ´e que d˜ ao sustenta¸c˜ao aos inteiros Z: ¯ Z

Z ← sustenta¸ca˜o l´ogica. ¯ Z

ν

Z

Ademais, observe que esta ´e a via pela qual cumprimos todas as justificativas arroladas na introdu¸c˜ao deste cap´ıtulo, inclusive a dos intuicionistas: “Brouwer tem como norma que toda defini¸ca ˜o seja construtiva, isto ´e, indique a maneira de obter os objetos definidos. O matem´ atico, como o engenheiro ou o arquiteto, ´e um construtor. Se as suas estruturas s˜ ao mais duradouras que as deles, ´e porque utilizam como mat´eria prima o abstrato, em detrimento do concreto. (G.H. Hardy/Par´ afrase)







Brouwer punha em d´ uvida a existˆencia de qualquer objeto matem´ atico que n˜ ao pudesse ser constru´ıdo (ele preferia dizer edificado) na consciˆencia a partir de vivˆencias mentais muito espec´ıficas, e recusava-se a admitir qualquer no¸ca ˜o de verdade matem´ atica que dispensasse a verifica¸ca ˜o efetiva por meio de procedimentos de constru¸ca ˜o. A existˆencia independente de objetos matem´ aticos e a transcendˆencia da verdade matem´ atica s˜ ao enfaticamente negadas por Brouwer. ([10], p. 148) 196

Aqui neste livro estou destacando a proximidade da filosofia budista com a (filosofia da) matem´ atica, isto ´e, como a concep¸c˜ao construtivista de Brouwer se harmoniza com a filosofia da vacuidade budista, veja: Na teoria da relatividade ontol´ ogica, h´ a uma verdade que ´e invari´ avel atrav´es de todos os sistemas de referˆencia cognitivos: tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, ´e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais aveis, existem em seja conhecido. Objetos percebidos, ou entidades observ´ rela¸ca ˜o ` as faculdades sensoriais ou sistemas de medi¸ca ˜o pelos quais s˜ ao detectados − n˜ ao de modo independente no mundo objetivo. Isso ´e consensual entre psic´ ologos, neurocientistas e f´ısicos. Por exemplo, as cores existem em rela¸ca ˜o ` a faculdade visual que as vˆe, e os sons existem em rela¸ca ˜o a `s faculdades auditivas que os ouvem. (Wallace/[13], p. 99/Grifo nosso) Inven¸ c˜ ao ou descoberta? Tratemos da natureza dos objetos matem´ aticos. Duas posi¸co ˜es diametralmente opostas foram defendidas, o “realismo” e o “construtivismo”. Para o “realista”, que se inspira diretamente em Plat˜ ao, o mundo ´e povoado de Id´eias, que possuem uma realidade distinta da realidade sens´ıvel. V´ arios s˜ ao os matem´ aticos contemporˆ aneos que se consideram “realistas”. Dieudonn´e, ´ bem dif´ıcil descrever as id´eias desses por exemplo, escreve em seu livro: “E matem´ aticos, que, ali´ as, variam de um para outro. Eles admitem que os objetos matem´ aticos possuem uma ‘realidade’ distinta da realidade sens´ıvel (quem sabe semelhante ` a realidade que Plat˜ ao atribu´ıa a suas ‘Id´eias’ ?)”. Um matem´ atico t˜ ao not´ avel como Cantor escreveu que “A maior perfei¸ca ˜o de Deus ´e a possibilidade de criar um conjunto infinito, e a sua imensa bondade o leva a cri´ a-lo”. Eis que nos encontramos em plena mathesis divina, em plena metaf´ısica! O que surpreende em cientistas s´erios. [. . . ] Para os “construtivistas”, os objetos matem´ aticos s˜ ao seres fict´ıcios, que s´ o existem no pensamento do matem´ atico, e n˜ ao em um mundo platˆ onico independente da mat´eria. Existem apenas nos neurˆ onios e sinapses dos matem´ aticos que os produzem, assim como daqueles que os compreendem e empregam. (Mat´ eria e Pensamento/Jean-Pierre Changeux & Alain Connes/Unesp, p. 20/Grifo nosso)

Por todos os argumentos arrolados no cap´ıtulo 1 desnecess´ ario ´e dizer que me considero um construtivista em matem´ atica. Ademais, (re)enfatizo: se o pernilongo que consta na figura da p´ agina 40 s´ o existe na mente de Einstein − ou com o concurso da mente de Einstein −, o que mais estaria fora da mente? Em particular vejamos um exemplo de matem´ atica que at´e a presente data (24.11.2015) s´ o existe em minha mente: Os n´ umeros naturais azuis e vermelhos − assim como os demais n´ umeros azuis e vermelhos.

197

ARQUITETURA DOS INTEIROS

Z Teorema 26 (p. 172)

Defini¸ca˜o 33 (≤, p. 171)

Teoremas p. 162, 163, 164

Teoremas p. 166, 167, 167

Defini¸ca˜o 30 (+, p. 159)

Defini¸ca˜o 31 (×, p. 159)

Teorema 2 (p. 69)

Defini¸ca˜o 10 (p. 63)

Defini¸ca˜o 29 (p. 156)

N×N N Axiomas de Peano (p. 82)

O matem´ atico, como o pintor ou o poeta, ´e um desenhista. Se os seus desenhos s˜ ao mais duradouros que os deles, ´e porque s˜ ao feitos com id´eias. (G.H. Hardy)

198

Um dedinho a mais de prosa com o leitor: Lembro de que quando estudei pela primeira vez a constru¸c˜ao dos inteiros − como autodidata, uma vez que nunca a estudei na universidade (pois vim da engenharia) −, fiquei impressionado com tanto denodo dos matem´ aticos para “demonstrar o ´obvio”; digo, para no final concluirem que os “dois inteiros” (o canˆ onico e o construido) tinham as mesmas propriedades. Durante um bom tempo me questionei: O que um inteiro (Z) tem a ver ¯ com o outro inteiro (Z)? ¯ poderiam ter algum “atrativo extra”? O que eu Ser´ a que os inteiros Z poderia fazer com eles que n˜ ao poderia fazer com os velhos inteiros? Estes foram questionamentos que, vez ou outra, me assolavam. Hoje, segundo meu entendimento, eles ´e que s˜ ao os verdadeiros inteiros! O que eu posso fazer com eles que n˜ ao posso fazer com o outro? Por exemplo, resolver (rigorosamente) a mera equa¸c˜ ao: 2x + 3 = 1 A mim se aplicava, ipsis litteris: “[. . .] impotentes para ver os objetos cujas sombras n˜ ao passam de sombras, ignoramos que elas s˜ ao sombras e as tomamos por realidade” Digo: ¯ cujas sombras (Z) n˜ “[. . .] impotente para ver os objetos (Z) ao passam de sombras, ignorava que elas s˜ ao sombras e as tomava por realidade” ¯ Z ν

Z







H´ a v´ arias vertentes de construtivismo em matem´ atica; algumas p˜ oe ˆenfase na ontologia (para essas, nenhum objeto matem´ atico existe sem que tenha sido de algum modo construido), como preconizava o construtivismo de Poincar´e; outras enfatizam tamb´em a epistemologia (para essas, nenhum enunciado matem´ atico ´e verdadeiro a menos de manifesta evidˆencia), como pensava Brouwer. Os construtivistas em filosofia da matem´ atica s˜ ao anti-realistas quer em ontologia, quer em epistemologia, quer em ambos. Eles n˜ ao acreditam que os objetos matem´ aticos existam “em si”, independente de qualquer constru¸ca ˜o, ou que os enunciados matem´ aticos sejam determinadamente verdadeiros ou falsos independentemente de qualquer verifica¸ca ˜o efetiva. ([10]/p. 146, 147)

199

“Dedekind (1831-1916), amigo de Cantor estabeleceu uma rela¸c˜ao de equivalˆencia entre pares de n´ umeros naturais e faz referˆencia da subtra¸c˜ao como inversa da adi¸c˜ ao: a − b = c − d, logo a + d = b + c. Ele demonstra que esta rela¸c˜ ao ´e de equivalˆencia, e o conjunto das classes de equivalˆencia ser´ a o conjunto dos n´ umeros Inteiros.” ([4]) A matem´ atica construtivista [. . . ] Divergimos, no momento, mas talvez as nossas posi¸c˜oes evoluam durante estas conversas, no que concerne `a existˆencia de uma realidade matem´ atica preexistente, no Universo, ao c´erebro do matem´ atico. Segundo vocˆe, o matem´ atico se limita a descobrir, passo a passo, essa mathesis universalis, na qual vocˆe acredita − utilizo a palavra deliberadamente. Todavia, a sua atitude n˜ ao corresponde `a de todos os matem´ aticos. Emmanuel Kant, no s´eculo XVIII, sustentava que “a verdade u ´ltima da matem´ atica se encontra na possibilidade que tem o esp´ırito humano de construir seus conceitos”. Um bom n´ umero de matem´ aticos, chamados de construtivistas, pensa que um objeto matem´ atico s´ o existe na medida em que se pode constru´ı-lo. O debate, ali´as, parece quase t˜ao animado entre formalistas e construtivistas quanto entre n´ os. Um deles, Allan Calder, chega a escrever que “os crit´erios de aceitabilidade da matem´ atica construtiva s˜ ao mais rigorosos que os da matem´ atica n˜ ao-construtiva”, e que, considerando o problema pelo ˆ angulo do construtivismo, ganha-se “uma melhor an´ alise ´ not´ e teoremas mais potentes”. E avel, de qualquer forma, que certos matem´ aticos defendem teses diferentes da tua e pr´ oximas do neurobi´ologo que sou. Allan Calder ´e ainda mais direto do que eu o fora quando evoquei a tua vivˆencia de matem´ atico criador, e a subjetividade de tua atitude. Ele escreve: “A maioria dos matem´ aticos atuais, h´ a v´arias gera¸c˜oes moldados pelo formalismo, acha-se em um estado de bloqueio mental que lhes dificulta dispor de uma vis˜ao objetiva da matem´ atica, a um tal ponto que alguns chegam a considerar o construtivismo um cˆancer que destruiria a matem´ atica”. Eis um exemplo de paix˜ao, de irracionalidade mesmo, no debate entre matem´ aticos. De tal forma que Calder termina seu artigo no tom em que se conclu´ıa o nosso u ´ltimo encontro: “Acreditar na existˆencia de uma verdade matem´ atica fora do esp´ırito humano exige do matem´ atico um ato de f´e do qual a maioria deles n˜ ao est´ a consciente”. Estamos bem longe da emendation intellectus t˜ao cara a Espinoza. (Mat´ eria e Pensamento/Jean-Pierre Changeux & Alain Connes/Unesp, p. 53/Grifo nosso)

Nota: Neste livro temos um di´ alogo entre dois ilustres cientistas, um matem´ atico e um bi´ ologo. Allain Connes, o matem´ atico, ´e Medalha Fields. JeanPierre Changeux, o bi´ ologo, ´e quem se expressa no trecho destacado acima. Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma rela¸ca ˜o sensitiva ou racional com a inteligˆencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto formos n´ os seres humanos. (Rabindranath Tagore) 200

Apˆ endice umeros Lema 8. Sejam α = (a, b), α′ = (a′ , b′ ), β = (c, d), β ′ = (c′ , d′ ) n´ em Z. Se α = α′ e β = β ′ , ent˜ ao α + β = (a + c, b + d) = (a′ + c′ , b′ + d′ ) = α′ + β ′ Prova: Da hip´ otese, temos que a + b′ = a ′ + b c + d′ = c′ + d Logo, (a + c) + (b′ + d′ ) = (a′ + c′ ) + (b + d) donde (a + c, b + d) = (a′ + c′ , b′ + d′ )  Lema 9. Sejam α = (a, b), α′ = (a′ , b′ ), β = (c, d), β ′ = (c′ , d′ ) elementos ¯ Se α = α′ e β = β ′ , ent˜ em Z. ao α · β = (ac + bd, ad + bc) = (a′ c′ + b′ d′ , a′ d′ + b′ c′ ) = α′ · β ′ Prova: Vamos fazer a demonstra¸c˜ao em duas etapas. Afirmamos primeiro que (ac + bd, ad + bc) = (a′ c + b′ d, a′ d + b′ c) (5.16) De fato, da hip´ otese (α = α′ ) temos que a + b′ = b + a ′

(5.17)

Multiplicando essa equa¸c˜ ao por c, obtemos ac + b′ c = bc + a′ c Agora multiplicamos a equa¸c˜ ao (5.17) por d e trocamos a posi¸c˜ao dos membros: bd + a′ d = ad + b′ d Somando as duas equa¸c˜ oes obtidas, resulta ac + bd + a′ d + b′ c = ad + bc + a′ c + b′ d 201

donde (ac + bd, ad + bc) = (a′ c + b′ d, a′ d + b′ c) o que prova (5.16). Afirmamos agora que (a′ c + b′ d, a′ d + b′ c) = (a′ c′ + b′ d′ , a′ d′ + b′ c′ )

(5.18)

Novamente da hip´ otese (β = β ′ ), vem que c + d′ = c′ + d

(5.19)

Multiplicando essa equa¸c˜ao por b′ , obtemos b′ c + b′ d′ = b′ c′ + b′ d Agora multiplicamos a equa¸c˜ao (5.19) por a′ e trocamos a posi¸c˜ao dos membros: a′ c′ + a′ d = a′ c + a′ d′ Somando essas equa¸c˜ oes, resulta a′ c′ + b′ d′ + a′ d + b′ c = b′ c′ + a′ d′ + b′ d + a′ c donde (a′ c + b′ d, a′ d + b′ c) = (a′ c′ + b′ d′ , a′ d′ + b′ c′ )

(5.20) 

o que prova (5.18).

Proposi¸ c˜ ao 17 (A rela¸c˜ao de ordem est´ a bem definida). A rela¸c˜ao ≤ em ¯ Z n˜ ao depende dos representantes usados na defini¸c˜ao. Prova: Sejam α = (a, b) e β = (c, d) inteiros, e α ≤ β. Sejam α′ = (a′ , b′ ) e β ′ = (c′ , d′ ), tais que (a′ , b′ ) = (a, b) e (c′ , d′ ) = (c, d). Sendo assim (def. 29, p. 156) (a′ , b′ ) ∼ (a, b)

e

(c′ , d′ ) ∼ (c, d)

Daqui decorrem, respectivamente (

(def. 29, p. 156)

a ′ + b = b′ + a c′ + d = d′ + c 202

Ent˜ao, na primeira igualdade a seguir usamos associatividade nos naturais (a′ + d′ ) + (b + c) = a′ + (d′ + b) + c = (a′ + b) + (d′ + c) = (b′ + a) + (c′ + d) = b′ + (a + c′ ) + d = (b′ + c′ ) + (a + d) Isto ´e (a′ + d′ ) + (b + c) = (b′ + c′ ) + (a + d) Da hip´ otese α ≤ β, resulta

(5.21) (def. 33, p. 171)

a+d≤b+c Logo, somando (b′ + c′ ) a ambos os membros

(teo. 13, p. 109)

(b′ + c′ ) + (a + d) ≤ (b′ + c′ ) + (b + c) Substituindo o lado esquerdo pelo lado esquerdo em (5.21), temos (a′ + d′ ) + (b + c) ≤ (b′ + c′ ) + (b + c) Portanto

(teo. 13, p. 109)

a′ + d′ ≤ b′ + c′ Logo

(def. 33, p. 171)

(a′ , b′ ) ≤ (c′ , d′ ) ⇒ α′ ≤ β ′ 

203

Proposi¸ c˜ ao 13 (p. 181). aplica¸c˜ ao

¯ + s˜ Os conjuntos N e Z ao isomorfos, isto ´e, a ¯+ ϕ : N 7−→ Z

definida por ϕ(n) = (n, 0) ´e bijetora e tem as seguintes propriedades: ( i ) ϕ(m + n) = ϕ(m) + ϕ(n) ( ii ) ϕ(m n) = ϕ(m) ϕ(n) ( iii ) Se m ≤ n, ent˜ao ϕ(m) ≤ ϕ(n). Prova: Consideremos a aplica¸c˜ao ϕ: N n

7→

¯+ Z



ϕ(n) = (n, 0)

(n, 0)

Primeiramente vamos mostrar que ϕ ´e injetora, ent˜ao: ϕ(n) = ϕ(m) ⇒ (n, 0) = (m, 0) Portanto, (n, 0) ∼ (m, 0) ⇒ n + 0 = 0 + m ⇒ n = m. Vamos mostrar que ϕ ´e sobrejetora. De fato, se α = (a, b) ´e um elemento ¯ + , ent˜ de Z ao b ≤ a, logo, existe n ∈ N tal que a = b + n. Logo, α = (a, b) = (b + n, b) = (n, 0) = ϕ(n) ( i ) Aplica¸c˜ ao ϕ preserva a soma. De fato, se m e n s˜ ao naturais, ϕ(m) + ϕ(n) = (m, 0) + (n, 0) = (m + n, 0 + 0) = (m + n, 0) = ϕ(m + n) ( ii ) Aplica¸c˜ ao ϕ preserva a multiplica¸c˜ao. De fato, se m e n s˜ ao naturais, ϕ(m) · ϕ(n) = (m, 0) · (n, 0) = (m n + 0 0, m 0 + 0 n) = (m n, 0) = ϕ(m n) ( iii ) Aplica¸c˜ ao ϕ preserva a ordem. De fato, se m ≤ n ent˜ao existe r ∈ N tal que n = m + r. Logo, ϕ(n) = ϕ(m + r) = ϕ(m) + ϕ(r) ≥ ϕ(m) 

pois ϕ(k) ≥ 0 para todo k ∈ N. 204

¯ + s˜ Nota: Comos N e Z ao isomorfos segue que podemos identificar o conjunto dos n´ umeros naturais como um subconjunto dos n´ umeros inteiros. Ou seja, ¯ +. podemos identificar cada elemento n ∈ N com o elemento (n, 0) ∈ Z Proposi¸ c˜ ao 18. Sejam α, β (i) α > 0 (ii) α < 0

e γ inteiros quaisquer. Ent˜ao

e β > 0 ⇒ α · β > 0. e β < 0 ⇒ α · β > 0.

(iii) α < 0 e β > 0 ⇒ α · β < 0. (iv) α < 0 ⇔ −α > 0. Prova: (i) Consideremos α = (a, b), β = (c, d) e 0 = (n, n). Como α > 0 e β > 0 temos

(def. 33, p. 171)

(a, b) > (n, n) ⇒ a + n > b + n ⇒ a > b e (c, d) > (n, n) ⇒ c + n > d + n ⇒ c > d Como

(def. 31, p. 159)

α · β = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc) Para mostrar que α · β > 0, por (5.11)

(p. 177),

´e suficiente mostrar que

ac + bd > ad + bc Como d < c por def. 23 (p. 106) existe p ∈ N∗ tal que d + p = c. Por outro lado, como a > b, temos que ap > bp, logo ac + bd = a(d + p) + bd = ad + ap + bd > ad + bp + bd = ad + b(p + d) = ad + bc  Prova: (ii) Consideremos α = (a, b), β = (c, d) e 0 = (n, n). Como α < 0 e β < 0 temos (a, b) < (n, n) ⇒ a + n < b + n ⇒ a < b e (c, d) < (n, n) ⇒ c + n < d + n ⇒ c < d 205

(def. 33, p. 171)

Como

(def. 31, p. 159)

α · β = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc) Para mostrar que 0 < α · β, por (5.11)

(p. 177),

´e suficiente mostrar que

ad + bc < ac + bd Como c < d por def. 23 (p. 106) existe q ∈ N∗ tal que c + q = d. Por outro lado, como a < b, temos que aq < bq, logo ad + bc = a(c + q) + bc = ac + aq + bc < ac + bq + bc = ac + b(q + c) = ac + bd  Prova: (iii) α < 0 e β > 0 ⇒ α · β < 0. Consideremos α = (a, b), β = (c, d) e 0 = (n, n). Como α < 0 e β > 0 temos

(def. 33, p. 171)

(a, b) < (n, n) ⇒ a + n < b + n ⇒ a < b e (c, d) > (n, n) ⇒ c + n > d + n ⇒ c > d Como

(def. 31, p. 159)

α · β = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc) Para mostrar que α · β < 0, por (5.11)

(p. 177),

´e suficiente mostrar que

ac + bd < ad + bc Como d < c por def. 23 (p. 106) existe r ∈ N∗ tal que d + r = c. Por outro lado, como a < b, temos que ar < br, logo ac + bd = a(d + r) + bd = ad + ar + bd < ad + br + bd = ad + b(r + d) = ad + bc  206

Prova: (iv) α < 0 ⇔ −α > 0. Consideremos α = (a, b) e 0 = (n, n). Temos

(def. 33, p. 171)

(a, b) < (n, n) ⇔ a + n < b + n ⇔ aa ⇔ b+n>a+n ⇔ (b, a) > (n, n) ⇔ (b, a) = − (a, b) = −α > 0  Nota: A proposi¸c˜ ao 18 tamb´em ´e verdadeira se substituirmos < ou > por ≤ ou ≥.

207

Sugest˜ oes de Leitura 1a ) A Pot^ encia do Nada (O VAZIO INCONDICIONADO E A INFINITUDE DO SER)

Deus - amor, inteligˆencia e vontade c´ osmicas - se faz atrav´es do homem, no Universo. Este ´e o lugar, o espa¸co, onde o divino se expressa e se realiza. O homem ´e o meio, o instrumento pelo qual Deus vive e conhece a Si mesmo, de forma sempre renovada e diversa, pelo desenvolvimento de suas potencialidades infinitas no tempo. Nesse sentido, Deus, homem e Universo, trˆes aspectos do Absoluto, constituem momentos de um processo sem fim. Um n˜ ao existe sem o outro. O eterno, de onde essa trindade de manifesta¸c˜oes acontece, ´e o Nada, o Vazio insond´avel, o infinito elevado ao infinito, fundamento que cont´em todas as possibilidades de ser, existir e sentir.

˜ DE F´ISICA E CONSCIENCIA) ˆ OES ESCONDIDAS (A UNIFICAC ¸ AO 2a ) DIMENS~

Transpondo a lacuna entre o mundo da ciˆencia e o reino espiritual, B. Alan Wallace introduz uma teoria natural da consciˆencia humana com ra´ızes na f´ısica contemporˆ anea e no budismo. A “teoria especial da relatividade ontol´ ogica” sugere que os fenˆomenos mentais s˜ ao condicionados pelo c´erebro, mas n˜ ao emergem dele. Em vez disso, o mundo de mente e mat´eria, sujeitos e objetos, surge de uma dimens˜ao unit´ aria da realidade que ´e mais fundamental que essas dualidades, conforme proposto por Wolfgang Pauli e Carl Jung. Para testar estas hip´ oteses, Wallace emprega a pr´ atica meditativa budista de samatha, que refina a aten¸c˜ao e a metacogni¸c˜ao, para criar um tipo de telesc´ opio para examinar o espa¸ co da mente. (Grifo nosso) Nota: Corroborando Wallace, na p´ agina 218 falamos de um outro “telesc´ opio” (t´ecnica) para examinar o espa¸co da mente; foi com o aux´ılio deste telesc´ opio (ou “microsc´opio”) que escrevemos o livro anterior, “O Deus Qu^ antico”, e, ademais, o presente livro, Fundamentos dos N´ umeros.

208

Cap´ıtulo 6

INTEIROS AZUIS E VERMELHOS 6.1

Os Inteiros Azuis

Para a constru¸c˜ ao dos inteiros azuis

¯ Z

¯ ×Z ¯ Z

+

¯ Z

·

¯ Z

¯ +, ·) ¯ = (Z, Z - Estrutura

- Conjunto (hardware) (aqui temos meros elementos)

(aqui temos os inteiros azuis)

vamos partir dos naturais azuis: N = ( { 0, 1, 2, 3, 4, . . . }, + , ·) Lembramos que,

(p. 125)

0 = 00000000 ... 1 = 10000000 ... 2 = 01000000 ... 3 = 11000000 ... 4 = 00100000 ... ·················· · · 209

Tomaremos o produto cartesiano: { 0, 1, 2, 3, 4, . . . }×{ 0, 1, 2, 3, 4, . . . }. N

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 5)

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

p

5

.. .

...

p

3

...

p

2

...

p

1

...

p

0

N×N

...

p

4

...

p

p

p

p

p

p

0

1

2

3

4

5

...

N

Da´ı por diante basta “clonarmos” as defini¸c˜oes dadas na constru¸c˜ao dos inteiros canˆ onicos, por exemplo: (def. 29, p. 156) Defini¸ c˜ ao 36. Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto N × N, diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se, a + d = b + c. Vimos (p. 184) que cada classe pode ser representada pelo primeiro ponto da respectiva reta. Faremos a seguinte troca de nota¸c˜ao: −N

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 5)

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

←−

−4

←−

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

−3

←−

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

−2

←−

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

−1

←−

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

0

←−

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

0

1

2

3

4

5

p

p

p

p

p

p

−5

... ...

(0, 4)

...

(0, 3)

...

(0, 2)

...

(0, 1)

...

210

...

N

Sendo assim, temos: Z = ( { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . }, +, ·). Onde, por exemplo,  −1 = (0, 1) = (0, 1), (1, 2), (2, 3), (3, 4), . . .  0 = (0, 0) = (0, 0), (1, 1), (2, 2), (3, 3), . . . (6.1)  1 = (1, 0) = (1, 0), (2, 1), (3, 2), (4, 3), . . .

Geometricamente, temos

(0, 1)

−N

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 5)

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

(0, 0)

←−

−4

←−

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

−3

←−

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

−2

←−

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

−1

←−

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

0

←−

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

0

1

2

3

4

5

p

p

p

p

p

−5

p

6.1.1

.. .

...

(1, 0)

...

(0, 4)

...

(0, 3)

...

(0, 2)

...

(0, 1)

...

...

N

Representa¸c˜ ao bin´ aria para os inteiros azuis

Nosso objetivo agora ser´ a obter uma representa¸ca ˜o bin´ aria para os inteiros azuis. Voltando ao contexto da p´ agina 121, vamos inicialmente separar o se∞ guinte subconjunto de Z : n 00000 . . . o Z = x ∈ Z∞ : x = x0 x1 x2 x3 . . . xk−1 ր ց 11111 . . .

´e o conjunto de todas as sequˆencias com todos os termos iguais a 0 ou iguais a 1, apartir de alguma posi¸c˜ ao k. Por exemplo, s˜ ao elementos de Z: 000000000000 . . . 101010100000 . . . 110010100000 . . . 000000011111 . . . 111111111111 . . . 211

N˜ao s˜ ao elementos de Z: 101010101010 . . . 001100110011 . . . 110011001100 . . .

A fun¸c˜ ao sucessor (estendida) Vamos estender a fun¸c˜ao σ definida na p´ agina 121 do seguinte modo: τ : Z −→ Z Onde, dada a sequˆencia, 00000 . . . m = a0 a1 a2 a3 . . . ak−1 ր ց 11111 . . . teremos por defini¸c˜ ao

τ (m) =

  Se a0 = 0 →   Se a0 = 1 →   

complementamos apenas o bit a0 em m; complementamos apenas os bits desde a0 at´e o primeiro bit 0 em m.

Em ambos os casos os demais bits s˜ ao preservados.

A fun¸c˜ ao predecessor (estendida) Vamos estender a fun¸c˜ao σ −1 definida na p´ agina 124 do seguinte modo: τ −1 : Z −→ Z Teremos por defini¸c˜ ao,

τ −1 (m) =

  Se a0 = 1 →  

Se a0 = 0 →   

complementamos apenas o bit a0 em m; complementamos apenas os bits desde a0 at´e o primeiro bit 1 em m.

Em ambos os casos os demais bits s˜ ao preservados. Nota: Dissemos (rodap´e p. 124) que as aplica¸c˜oes σ e σ −1 n˜ ao eram inversas −1 uma da outra; aqui, τ e τ s˜ ao inversas uma da outra. (exerc´ıcio) 212

Vamos reconsiderar a figura −N

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 5)

(1, 5)

(2, 5)

(3, 5)

(4, 5)

(5, 5)

...

←−

−4

←−

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(5, 4)

−3

←−

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(5, 3)

−2

←−

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(5, 2)

−1

←−

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(5, 1)

0

←−

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

↓ p

0

1

2

3

4

5

p

p

−5

...

p

(0, 4)

...

p

(0, 3)

...

p

(0, 2)

...

p

(0, 1)

... N

...

Daqui obtemos a “reta dos inteiros”, assim:

...

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

(0, 5)

(0, 4)

(0, 3)

(0, 2)

(0, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

Faremos a seguinte representa¸ca ˜o (codifica¸ca ˜o) dos inteiros   (m, 0) = τ m (0)  (0, m) = τ −m (0)

Z

...

Onde:   τ m (0) −→ significa iterar m vezes ‘para a direita’ a partir do 0;

(6.2)

 τ −m (0) −→ significa iterar m vezes ‘para a esquerda’ a partir do 0. Ademais, temos, por defini¸c˜ ao:

τ 0 (0) = τ −0 (0) = 0 = 0 0 0 0 0 0 0 0 . . . Ainda temos por defini¸c˜ ao: τ −m = τ −1

213

m

Exemplos: τ −1 (0)

10000000 ...

τ 2 (0)

τ −2 (0)

01000000 ...

τ 3 (0)

τ −3 (0)

11000000 ...

τ 4 (0)

τ −4 (0)

00100000 ...

τ 5 (0)

00000000 ...

xxxxx

xxxxx

00000000 ...

τ 1 (0)

τ −5 (0)

10100000 ... ················

11111111 ... 01111111 ... 10111111 ... 00111111 ...

01011111 ... ················

Sendo assim temos a seguinte correspondˆencia: ...

...

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

(0, 5)

(0, 4)

(0, 3)

(0, 2)

(0, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

p

p

p

p

p

p

0 0 0 0 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 0

0 0 1 0 0 0 0 0

1 0 1 0 0 0 0 0

p

p

p

p

τ −1 ←− p

0 1 0 1 1 1 1 1

0 0 1 1 1 1 1 1

1 0 1 1 1 1 1 1

0 1 1 1 1 1 1 1

1 1 1 1 1 1 1 1

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

...

τ −→

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

...

Z

Z

.. .

Observe que podemos definir uma adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao no conjunto Z=

n

00000 . . . x ∈ Z∞ : x = x0 x1 x2 x3 . . . xk−1 ր ց 11111 . . .

o

utilizando as equa¸c˜ oes dadas em (6.2) (p. 213). Vejamos um exemplo: somar e multiplicar as seguintes sequˆencias: m = 00100000 . . . e n = 10111111 . . .. Inicialmente observe que as fun¸c˜oes τ e τ −1 nos permitem construir tabelas de qualquer ordem (ou dimens˜ao). Ent˜ao, m e n s˜ ao itera¸c˜oes, a partir do 0, de alguma ordem de τ e τ −1 , veja: ...

...

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

p

(0, 5)

(0, 4)

(0, 3)

(0, 2)

(0, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

(5, 0)

p

p

p

p

p

p

0 0 0 0 0 0 0 0

1 0 0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 0 0 0

1 1 0 0 0 0 0 0

0 0 1 0 0 0 0 0

1 0 1 0 0 0 0 0

p

p

p

p

τ −1 ←− p

0 1 0 1 1 1 1 1

0 0 1 1 1 1 1 1

1 0 1 1 1 1 1 1

0 1 1 1 1 1 1 1

1 1 1 1 1 1 1 1

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

...

τ −→

.. .

.. .

214

.. .

.. .

.. .

.. .

...

Z

Z

Sendo assim temos:   (m, 0) = τ m (0)

 (0, m) = τ −m (0)



Ent˜ao, somando estas classes, temos

  (4, 0) = τ 4 (0)

 (0, 3) = τ −3 (0)

(p. 159, fig. p. 211)

(4, 0) + (0, 3) = (4, 3) = (1, 0) Logo, 00100000 . . . + 10111111 . . . = 10000000 . . . Agora, multiplicando estas classes, temos

(eq. (5.6), p. 159)

(4, 0) · (0, 3) = (0, 12) De outro modo, (4, 0) · [−(3, 0)] = 4 · (−3) = −12

Como na tabela anterior n˜ ao comparece a d´ecima segunda itera¸c˜ao de vejamos um caminho alternativo. Na tabela da p´ agina 130 encontramos: 12 = 00110000 . . ..

τ −1 ,

Vamos fornecer um algoritmo para encontrar o oposto de uma sequˆencia bin´ aria. “Para obter o oposto de uma sequˆ encia ‘percorra-a’ at´e encontrar o primeiro bit 1, a partir da´ı (exclusive) complemente todos os digitos subsequentes”. Por exemplo, 0 = 00000000 ... 1 = 10000000 ... 2 = 01000000 ... 3 = 11000000 ... 4 = 00100000 ... 5 = 10100000 ...



−0 = 0 0 0 0 0 0 0 0 . . .



−2 = 0 1 1 1 1 1 1 1 . . .

⇒ ⇒ ⇒ ⇒

−1 = 1 1 1 1 1 1 1 1 . . . −3 = 1 0 1 1 1 1 1 1 . . . −4 = 0 0 1 1 1 1 1 1 . . . −5 = 1 1 0 1 1 1 1 1 . . .

Temos, Logo,

−12 = −(00110000 . . .) = 00101111 . . . 00100000 . . . · 10111111 . . . = 00101111 . . .

Nota: O algoritmo anterior ´e tal que resulta da equa¸c˜ao   m = (m, 0) = τ m (0) a soma

 −m = (0, m) = τ −m (0) τ m (0) + τ −m (0) = 0 215

6.2

Os Inteiros Vermelhos

Introdu¸ c˜ ao Temos duas alternativas para construir os inteiros vermelhos. Realizando uma efetiva constru¸c˜ ao, a partir dos naturais vermelhos − isto ´e poss´ıvel −, ou fazer uma “clonagem” a partir dos inteiros azuis. Optaremos por esta segunda alternativa, por ser mais imediata. Com efeito, podemos ver os inteiros vermelhos como uma nota¸ c˜ ao alternativa para os inteiros azuis; mas nem por isto eles deixam de ser “n´ umeros autˆenticos”. Inicialmente lembramos da seguinte equivalˆencia: (p. 138)

0

←→

1

←→

e

Sendo assim, fazemos a seguinte identifica¸c˜ao: .. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

, ) ,( , ), ( , ) ,( , ) , ( , ) , . . . n

l

l

¯= Z

.. .

l

.. .

l

{ . . . ,(

l

¯= Z

. . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . .

o

}

¯ ´e o hardware dos inteiros vermelhos. Faremos a seguinte simplifica¸c˜ao Z ¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z ...

l

l

l

Z = { . . . , −3, −2, −1, ... l l l .. .. .. . . . Z = ... − , ,− ,− ,

{

l

l

l

l

...

0, l .. .

1, l .. .

2, l .. .

3, l .. .

...} ...

,

,

,

Faremos a seguinte mudan¸ca de nota¸c˜ao:

Z=

{. . . ,

.. .

.. . ,

.. . ,

.. . ,

(fig. p. 214)

.. . ,

}

, ...

.. . ,

.. . ,

}

, ...

Nota: Os inteiros azuis e vermelhos s˜ ao exemplos do que na a ´lgebra abstrata chamamos de an´ eis de integridade.

216

Resolu¸c˜ ao da equa¸c˜ ao 2x + 3 = 1

Nos Inteiros Azuis Nos inteiros azuis esta mesma equa¸c˜ao fica assim: 01000 ... x + 11000 ... = 10000 ... Basta mudar a cor para azul na resolu¸c˜ao da p´ agina 187, assim: (2, 0) x = (2, 0) · (0, 1) Aplicando a lei dos cortes, resulta x = (0, 1) = − (1, 0) = −1

Nos Inteiros Vermelhos Nos inteiros vermelhos esta mesma equa¸c˜ao fica assim: .. .

.. .

·x +

.. .

=

Na nota¸c˜ ao de classes temos: .. .

.. .

( , )· x

+

.. .

.. .

.. .

.. .

( , )=( , )

Cuja solu¸c˜ ao ´e .. .

.. .

x=( , ) Ou ainda

x=

.. .

217

O cientista Galileu Galilei foi o primeiro a fazer uso cient´ıfico do telesc´ opio por volta do ano de 1610, ao fazer observa¸c˜oes astron´omicas com ele revolucionou a astronomia. Em 1665, o inglˆes Robert Hooke usou um microsc´ opio para observar uma grande variedade de pequenos objetos; ele publicou o livro Micrographia, descrevendo suas observa¸c˜oes no qual usa a designa¸c˜ao “little boxes or cells” (pequenas caixas ou celas), dando origem assim ao termo c´elula.

mente (prisma)

Consciˆencia (Vazio)

A partir do ano 2005, o matem´ atico e pesquisador Gentil utiliza a ayahuasca para observar o Vazio. Como resultado de suas experiˆencias no ano de 2014 publica, sob o pseudˆonimo de Gentil, o iconoclasta, o livro “O Deus Quˆ antico (Um Deus pra homem nenhum botar defeito, mesmo que esse homem seja um ateu)”; em seguida (2015 − 2016) ainda no “embalo” (“frequˆencia”) conclui a reda¸c˜ao do presente livro, Fundamentos dos N´ umeros. Lembrando do telesc´ opio de Galileu e do microsc´opio de Robert Hooke estamos colocando neste mesmo n´ıvel de importˆ ancia as t´ecnicas de introspec¸ca ˜o referidas por Wallace `as p´ aginas 29 e 208. Por oportuno, existiram “cientistas” que se recusaram a colocar os olhos na luneta de Galileu para n˜ ao verem suas cren¸cas de uma vida inteira irem para a lata do lixo (“sele¸c˜ao natural”). De igual modo, cientistas contemporˆ aneos h˜ ao de negar a legitmidade cient´ıfica destas vias alternativas de pesquisa; como convencer os cegos da realidade das cores? 218

Cap´ıtulo 7

´ NUMEROS RACIONAIS Muitas coisas que consider´ avamos como leis naturais s˜ ao actualmente demonstradas como constituindo puras conven¸co ˜es humanas. (Bertrand Russel)

7.1

Constru¸c˜ ao dos Racionais

Para construirmos os n´ umeros racionais precisamos antes saber aquilo que desejamos construir, isto ´e, o que s˜ ao os n´ umeros racionais. N´ umeros racionais ´e o sistema num´erico que consta na placa a seguir:

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ Q : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ Q, ∃ − a ∈ Q : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ Q : a · 1 = 1 · a = a

Q

M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ Q∗ , ∃ a−1 ∈ Q : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado O significado de Ordenado ´e o mesmo dado para os n´ umeros inteiros, p. 154. Colocamos em destaque a principal propriedade alg´ebrica que diferencia este sistema do anterior − n´ umeros inteiros, ver p. 153. 219

Com esta propriedade, que garante a existˆencia de inverso multiplicativo, estaremos aptos a resolver, em Q, equa¸c˜oes do tipo: ax = b, assim: a−1 (ax) = a−1 b ⇒ (a−1 a) x = a−1 b

⇒ 1 · x = a−1 b ⇒ x = a−1 b.

Por oportuno, se algu´em perguntar a vocˆe leitor o que ´e um n´ umero racional, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo (p. 219) e entreguelhe. Um n´ umero racional ´e um s´ımbolo manipulado segundo aquelas regras. Vamos juntar estas dez propriedades em um conjunto denotado por τ : τ = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, M4, D, Ordenado }

Um sistema num´ erico visto como um sistema de processamento de informa¸c˜ oes Alternativamente, podemos ver o sistema num´erico dos racionais como um sistema de processamento de informa¸c˜oes, composto por duas partes: hardware e software, assim: Q = ( Q, τ ) Software (instru¸ c~ oes) Conjunto (hardware)

Uma observa¸c˜ ao importante: O hardware de implementa¸c˜ao dos racionais n˜ ao ´e u ´nico, o que ´e u ´nico s˜ ao as “especifica¸c˜oes do sistema” listadas em τ . Aqui estaremos seguindo a constru¸c˜ao cl´assica em matem´atica, no pr´ oximo cap´ıtulo estaremos implementando os racionais em dois outros hardwares − resultando nos racionais azuis e racionais vermelhos.

Um hardware para os racionais Voltando ` a constru¸c˜ao dos racionais, vamos erigir esta estrutura sobre ´ como se fosse uma estrutura com trˆes a estrutura dos n´ umeros inteiros. E pavimentos: no andar t´erreo temos os naturais, no m´edio temos os inteiros e no andar superior teremos os racionais. Ent˜ao,  ¯ = . . . , (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), . . . Z Vamos, ademais, considerar a seguinte mudan¸ca de nota¸c˜ao:

(p. 185)

¯ = { . . . , (0, 3), (0, 2), (0, 1), (0, 0), (1, 0), (2, 0), (3, 0), . . . } Z ...

l

Z = { . . . , −3,

l

l

−2,

−1, 220

l

l

l

l

...

0,

1,

2,

3,

...}

Realizando o produto cartesiano Z × Z, obtemos:

...

.. .

.. .

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

Z

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

... ...

... (−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

... (−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

... (−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

... (−4, 0) (−3, 0) (−2, 0) (−1, 0)

Z

...

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

Vamos excluir do produto cartesiano Z × Z todos os pares com segunda coordenada nula (“eixo x”), obtendo assim Z × Z∗ , veja:

...

.. .

.. .

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

... ...

... (−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

... (−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

... (−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

...

...

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

221

.. .

.. .

.. .

Z × Z∗

Sobre este conjunto Z × Z∗ = { (a, b) : a ∈ Z e b ∈ Z∗ } vamos construir o hardware para os n´ umeros racionais. Pois bem, a constru¸c˜ao dos racionais passa pelo importante, frut´ıfero e decisivo conceito de rela¸ca ˜o de equivalˆencia. (def. 10, p. 63) O primeiro passo ser´ a definir uma rela¸c˜ao de equivalˆencia no nosso candidato a hardware dos inteiros, isto ´e, no conjunto Z × Z∗ . Defini¸ c˜ ao 37. Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto Z × Z∗ , diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se, a · d = b · c. Por exemplo: (2, 3) ∼ (4, 6) ⇐⇒ 2 · 6 = 3 · 4 Vamos provar que a rela¸c˜ao definida acima ´e de equivalˆencia. Prova: Acompanhe pela defini¸c˜ao 10:

(p. 63)

( i ) Para todo (a, b) ∈ Z × Z∗ temos que (a, b) ∼ (a, b), isto se deve a que a·b=b·a Observe que a reflexividade decorre da comutatividade nos inteiros. ( ii ) Considere (a, b) e (c, d) pares em Z × Z∗ . Se (a, b) ∼ (c, d) ⇒ a · d = b · c ⇒ b·c=a·d ⇒ c·b=d·a ⇒ (c, d) ∼ (a, b) ( iii ) Considere (a, b), (c, d) e (e, f ) pares em Z × Z∗ . Por hip´ otese (a, b) ∼ (c, d) ⇒ a · d = b · c

(7.1)

(c, d) ∼ (e, f ) ⇒ c · f = d · e

(7.2)

e

Devemos provar que (a, b) ∼ (e, f ), isto ´e, a · f = b · e 222

Multiplicando (7.1) por f e (7.2) por b, obtemos (a · d) · f = (b · c) · f ; (c · f ) · b = (d · e) · b Destas igualdades, resulta (a · d) · f = (d · e) · b Aplicando a lei do corte em Z, concluimos a prova.



Classes de equivalˆ encia Vamos ilustrar como se encontra uma classe de equivalˆencia segundo essa rela¸c˜ao. Por exemplo, como encontrar (1, 2) ? Pela defini¸c˜ ao 11 (p. 66), temos: a ¯ = { x ∈ A : x ∼ a }.

Traduzindo para o nosso contexto:

a ¯={ x ∈A: x ∼ a } l l l

(1, 2) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼ (1, 2) } Ent˜ ao, pela defini¸c˜ ao 37

(p. 222),

temos:

(x, y) ∼ (1, 2) ⇐⇒ x · 2 = y · 1 Logo, (1, 2) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : y = 2 x } Ou seja, a classe de equivalˆencia de (1, 2) ´e a “reta” de equa¸c˜ao y = 2 x. Vejamos mais alguns exemplos, (2, 1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 2 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : 2 y = x } (1, 1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 1 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : y = x } (3, 1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 3 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x = 3 y } (0, 1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 0 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x = 0 } (−2, 1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y (−2) } = { (x, y) : x = −2 y } 223

Geometricamente fica assim:

−1 1

...

.. .

.. .

−1 2

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

... −2 1 −3 1

... ...

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

...

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

...

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

... (0, 0)

... 3 1 2 1

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4) 1 1

.. .

.. .

1 2

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

0 1

Nota: Para representar a classe de equivalˆencia do par (a, b), utilizamos alternativamente o s´ımbolo (nota¸c˜ao) ab , assim: (a, b) =

a b

(7.3)

Por hora apenas uma nota¸c˜ao alternativa. Ent˜ao, a = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼ (a, b) } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x b = y a } b O s´ımbolo ab chama-se fra¸c˜ao de numerador a e denominador b. Importante: Trabalhar com os n´ umeros racionais na forma de fra¸c˜ao ´e mais conveniente (cˆ omodo), todavia deve-se ter em conta que um n´ umero racional n˜ ao ´e uma fra¸ca˜o mas sim uma classe de equivalˆencia.

224

A seguir pomos em destaque algumas classes: 0 = { . . . , (0, −3), (0, −2), (0, −1), (0, 1), (0, 2), (0, 3), . . . } 1 1 = { . . . , (−3, −3), (−2, −2), (−1, −1), (1, 1), (2, 2), (3, 3), . . . } 1 1 = { . . . , (−3, −6), (−2, −4), (−1, −2), (1, 2), (2, 4), (3, 6), . . . } 2 −1 = { . . . , (−3, 3), (−2, 2), (−1, 1), (1, −1), (2, −2), (3, −3), . . . } 1 Enfatizamos que a fra¸c˜ ao

1 2

significa (´e o mesmo que):

{ . . . , (−3, −6), (−2, −4), (−1, −2), (1, 2), (2, 4), (3, 6), . . . } ´e um conjunto de pares ordenados de inteiros; aqueles para os quais y = 2 x. Ademais, como vimos (teo. 5, p. 71), uma rela¸c˜ao de equivalˆencia particiona um conjunto (no caso presente Z × Z∗ ) em c´elulas denominadas classes de equivalˆ encia, 0 1

−1 1

1 2

Z × Z∗

1 1

as quais reunem todos os elementos semelhantes, segundo um dado crit´erio (def. 37, p. 222). Por exemplo, 1 −3 −2 −1 2 3 = ··· = = = = = = ··· 2 −6 −4 −2 4 6

Na figura da p´ agina anterior observamos geometricamente a referida parti¸c˜ao.

Conjunto-quociente O conjunto quociente Z × Z∗ / ∼ ´e formado por todas as classes de equivalˆencia:  Z × Z∗ / ∼ = (a, b) : a ∈ Z e b ∈ Z∗ =

na b

: a ∈ Z e b ∈ Z∗

o

Faremos a seguinte mudan¸ca de nota¸c˜ao: o n ¯ = Z × Z∗ / ∼ = a : a ∈ Z e b ∈ Z∗ Q b 225

Este ´e o hardware sobre o qual vamos erigir o sistema dos n´ umeros racionais. De momento faremos ainda a seguinte mudan¸ca de nota¸c˜ao: 1 0 =0 e =1 1 ¯ 1 ¯

(7.4)

0 = { (0, β) : β ∈ Z∗ } ¯

(7.5)

Exemplo: O conjunto

¯ ´e um elemento de Q.

(Nota: 0 ∈ Z, p. 220)

Com efeito, 0 = { (0, β) : β ∈ Z∗ } ¯ = { (α, β) ∈ Z × Z∗ : α = 0 }

= { (α, β) ∈ Z × Z∗ : α · β = β · 0, β ∈ Z∗ } = { (α, β) ∈ Z × Z∗ : (α, β) ∼ (0, β) } ¯ = (0, β) ∈ Q Exemplo: O conjunto 1 = { (α, α) : α ∈ Z∗ } ¯ ¯ Com efeito, ´e um elemento de Q. 1 = { (α, α) : α ∈ Z∗ } ¯ = { (β, γ) ∈ Z × Z∗ : β = γ } = { (β, γ) ∈ Z × Z∗ : β · α = γ · α, α ∈ Z∗ } = { (β, γ) ∈ Z × Z∗ : (β, γ) ∼ (α, α) } ¯ = (α, α) ∈ Q

226

(7.6)

7.1.1

¯ Opera¸c˜ oes em Q

¯ Nosso pr´ oximo passo ser´ a introduzir opera¸c˜oes em Q. ¯ Sejam α = (a, b) e Defini¸ c˜ ao 38 (Adi¸c˜ ao em Q). ¯ Definimos a soma de α e β como de Q.

β = (c, d) elementos

α + β = (a, b) + (c, d) = (a d + b c, b d) Esta defini¸c˜ ao na nota¸c˜ ao alternativa (p. 224) pode ser vista assim: α+β =

ad + bc a c + = b d bd

Ou ainda,

(a, b) + (c, d) = (a d + b c, b d) l

a b

l +

c d

l

=

ad + bc bd

Por exemplo, seja α = (7, 2) e β = (5, 3), ent˜ao α + β = (7, 2) + (5, 3) = (7 · 3 + 2 · 5, 2 · 3) = (31, 6) Ou ainda,

7 5 7·3+2·5 31 + = = 2 3 2·3 6 Para mostrar que a adi¸c˜ ao proposta est´ a bem definida devemos provar que ela independe de qual elemento escolhemos na classe de equivalˆencia. Isto de fato acontece, a prova encontra-se no apˆendice, lema 13. (p. 259)

¯ Sejam α = (a, b) e Defini¸ c˜ ao 39 (Multiplica¸c˜ ao em Q). ¯ Definimos o produto de α e β como elementos de Q.

β = (c, d)

α · β = (a, b) · (c, d) = (a c, b d) 227

(7.7)

Esta defini¸c˜ ao na nota¸c˜ao alternativa (p. 224) pode ser vista assim: α·β =

a·c a c · = b d b·d

Ou ainda, (a, b) · (c, d) = (a · c, b · d) l

l

a · b

c d

l

=

a·c b·d

Por exemplo, seja α = (7, 2) e β = (5, 3), ent˜ao α · β = (7, 2) · (5, 3) = (7 · 5, 2 · 3) = (35, 6) Ou ainda,

7·5 35 7 5 · = = 2 3 2·3 6 Para mostrar que a multiplica¸c˜ao proposta est´ a bem definida devemos provar que ela independe de qual elemento escolhemos na classe de equivalˆencia. Isto de fato acontece, a prova encontra-se no apˆendice, lema 14. (p. 260)

Defini¸ c˜ ao 40 (N´ umeros Racionais). Denominamos de sistema (“conjunto”) dos n´ umeros racionais ` a terna, ¯ = (Q, ¯ +, ·) Q Observe esta constru¸c˜ao no esquema a seguir,

¯ Q

¯ ×Q ¯ Q

+

¯ Q

·

¯ Q

- Conjunto (hardware) (aqui temos meros elementos)

¯ = (Q, ¯ +, ·) Q - Estrutura

(aqui temos os n´ umeros racionais)

228

E por que estes s˜ ao os n´ umeros racionais? Respondemos: porque com estas opera¸c˜ oes demonstramos − vamos demonstrar − que as especifica¸c˜oes do sistema, τ (p. 220), s˜ ao atendidas. De passagem, uma observa¸c˜ ao n˜ ao desprez´ıvel ´e a de que na defini¸c˜ao (a, b) + (c, d) = (a d + b c, b d) “Velha multiplica¸ca˜o” (em Z) ¯ Nova adi¸ca˜o (em Q)

“Velha adi¸ca˜o” (em Z)

estamos a usar um mesmo s´ımbolo, “+”, para denotar duas adi¸c˜oes distintas; o da esquerda significa (a nova) adi¸c˜ao de classes, enquanto que o mesmo s´ımbolo ` a direita da igualdade denota adi¸c˜ao de n´ umeros inteiros. Observa¸c˜ ao an´ aloga pode ser feita na defini¸c˜ao de multiplica¸c˜ao. Teorema 29 (Associativa). Sejam r = (a, b) e s = (c, d) e t = (e, f ) racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade: A1 ) (r + s) + t = r + (s + t) Prova: Sejam, r = ab , s =

c d

e t=

(r + s) + t =

e f

a b

, ent˜ao:

+

c e + d f

=

 ad + bc 

=

(a d + b c) f + (bd) e (b d) f

bd

+

e f

Por outro lado, r + (s + t) =

e a c + + b d f

=

a  cf + de  + b df

=

a (d f ) + b (c f + d e) b (d f )

Comparando os dois resultados concluimos a prova.

229



Teorema 30 (Elemento neutro). Seja r um racional arbitrariamente fixado. ¯ tal que r + 0 = r. Existe um u ´nico elemento 0 ∈ Q (eq. (7.4), p. 226) ¯ ¯ Prova: (Existˆencia). Seja (eq. (7.5), p. 226) 0 = { (0, β) : β ∈ Z∗ } ¯ Seja r = (a, b) um racional arbitr´ario, ent˜ao r + 0 = (a, b) + (0, β) ¯ = (a · β + b · 0, b · β) = (a · β, b · β) = (a, b) = r Logo, r + 0 = r. ¯ Observe que a igualdade (a · β, b · β) = (a, b) se deve a que (a · β, b · β) ∼ (a, b) Veja defini¸c˜ ao 37, p. 222 e teorema 2, p. 69. ¯ que satisfazem (Unicidade). Suponhamos que 0 1 e 0 2 s˜ ao elementos de Q

¯ ¯ r + 0 = r. Ent˜ ao, considerando 0 1 como sendo o elemento neutro, resulta ¯ ¯ 0 +0 =0 (7.8) ¯2 ¯1 ¯2 Agora considerando 0 2 como sendo o elemento neutro, resulta ¯ 0 +0 =0 ¯1 ¯2 ¯1 Aplicando a propriedade comutativa nesta u ´ltima equa¸c˜ao, obtemos 0 +0 =0 ¯2 ¯1 ¯1 Comparando com (7.8), resulta: 0 1 = 0 2 . ¯ ¯



Teorema 31 (Comutativa). Sejam r = (a, b) e s = (c, d) racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade: A3 ) r + s = s + r Prova: Sejam, r = r+s=

a b

e s = dc , ent˜ao:

ad +bc cb + da c a a c + = = = + =s+r b d bd db d b

Na terceira igualdade utilizamos a comutatividade da adi¸c˜ao e da multiplica¸c˜ ao em Z. 

230

Teorema 32 (Oposto aditivo). Seja r um racional arbitrariamente fixado. ¯ tal que r + r ′ = 0 . Existe um u ´nico elemento r ′ ∈ Q ¯ Prova: (Existˆencia). Seja r = (a, b) um racional arbitr´ario. Considere o candidato a r ′ assim r ′ = (−a, b); ent˜ao r + r ′ = (a, b) + (−a, b) = (a b + b (−a), b b) = (0, b b) = 0 ¯ Esta u ´ltima igualdade decorre da equa¸c˜ao (7.5) (p. 226). ¯ que satisfazem (Unicidade). Suponhamos que r1′ e r2′ s˜ ao elementos de Q

r + r ′ = 0 . Ent˜ ao, ¯

r1′ = r1′ + 0 = r1′ + ( r + r2′ ) ¯ = ( r1′ + r ) + r2′ = ( r + r1′ ) + r2′ = 0 + r2′ = r2′ ¯  Nota¸ c˜ ao: O elemento r ′ ´e chamado sim´etrico ou oposto aditivo de r e ser´ a denotado por −r. Logo, se r = (a, b) ⇒ −r = (−a, b). Com isto encerramos a prova das quatro primeiras propriedades listadas na p´ agina 219.

Teorema 33 (Associativa). Sejam r = (a, b), s = (c, d) e t = (e, f ) racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M 1 ) (r · s) · t = r · (s · t) Prova: Sejam, r = ab , s =

c d

e t=

(r · s) · t = =

e f

, ent˜ao:

a c e · · b d f  ac  e (a c) e · = bd f (b d) f 231

Por outro lado, r · (s · t) =

a c e · · b d f

=

a  ce  · b df

=

a (c e) b (d f )

Comparando os dois resultados concluimos a prova.



Teorema 34 (Elemento neutro). Seja r um racional arbitrariamente fixado. ¯ tal que r · 1 = r. Existe um u ´nico elemento 1 ∈ Q (eq. (7.4), p. 226) ¯ ¯ Prova: (Existˆencia). Seja (eq. (7.6), p. 226) 1 = { (α, α) : α ∈ Z∗ } ¯ Seja r = (a, b) um racional arbitr´ario, ent˜ao r · 1 = (a, b) · (α, α) ¯ = (a α, b α) = (a, b) = r Logo, r · 1 = r. ¯ Observe que (a α, b α) = (a, b), porque (a α, b α) ∼ (a, b). (def. 37, p. 222) ¯ que satisfazem (Unicidade). Suponhamos que 1 1 e 1 2 s˜ ao elementos de Q ¯ ¯ r · 1 = r. Ent˜ ao, considerando 1 1 como sendo o elemento neutro, resulta ¯ ¯ 1 ·1 =1 ¯2 ¯1 ¯2

(7.9)

Agora considerando 1 2 como sendo o elemento neutro, resulta ¯ 1 ·1 =1 ¯1 ¯2 ¯1 Aplicando a propriedade comutativa nesta u ´ltima equa¸c˜ao, obtemos 1 ·1 =1 ¯2 ¯1 ¯1 Comparando com (7.9), resulta: 1 1 = 1 2 . ¯ ¯

232



Teorema 35 (Comutativa). Sejam r = (a, b) e s = (c, d) racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M3 ) r · s = s · r Prova: Sejam, r =

a b

e s = dc , ent˜ao:

r·s=

ac ca c a a c · = = = · =s·r b d bd db d b

Na terceira igualdade usamos a comutatividade da multiplica¸c˜ao em Z.  Teorema 36 (Inverso). Seja r 6= 0 um racional arbitrariamente fixado. ¯ tal¯que r · r ′ = 1 . Existe um u ´nico elemento r ′ ∈ Q ¯ Prova: (Existˆencia). Seja r = (a, b) um racional arbitr´ario. Considere o candidato a r ′ assim r ′ = (b, a); ent˜ao r · r ′ = (a, b) · (b, a) = (a b, b a) = (a b, a b) = (a, a) = 1 ¯ Esta u ´ltima igualdade decorre da equa¸c˜ao (7.6) (p. 226). Observe que (a b, a b) = (a, a), porque (a b, a b) ∼ (a, a). (def. 37, p. 222) ′ ′ ¯ (Unicidade). Suponhamos que r1 e r2 s˜ ao elementos de Q que satisfazem r · r ′ = 1 . Ent˜ ao, ¯ r1′ = r1′ · 1 = r1′ · ( r · r2′ ) ¯ = ( r1′ · r ) · r2′ = ( r · r1′ ) · r2′ = 1 · r2′ = r2′ ¯  Nota¸ ca ˜o: O elemento ´e chamado inverso (ou inverso multiplicativo) de r e ser´ a denotado por r −1 . Logo, se r′

r = (a, b) =

a b ⇒ r −1 = (b, a) = b a

Com isto encerramos a prova das quatro propriedades ( M1 − M4 ) listadas na p´ agina 219.

233

Teorema 37 (Distributiva). Sejam r = (a, b), s = (c, d) e t = (e, f ) racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade: D) r (s + t) = r s + r t Prova: Sejam, r = ab , s = r (s + t) =

c d

e t=

e f

, ent˜ao:

e  a  c f + d e  a (c f + d e) ac = = + b d f b df b (d f )

Por outro lado, rs+rt =

a c a e · + · b d b f

=

ac ae + bd bf

=

(a c) (b f ) + (a e) (b d) (b d) (b f )

=

a b (c f + d e) (b d) (b f )

=

a (c f + d e) a (c f + d e) b a (c f + d e) · =1 · = b d (b f ) d (b f ) b (d f ) ¯

Comparando os dois resultados concluimos a prova.  ¯ Nota¸ c˜ ao: A estrutura construida at´e este momento ser´ a denotada por Q: ¯ = (Q, ¯ +, ·) Q ¯ ´e um corpo por estarem satisfeitas ´ Na linguagem da Algebra Abstrata Q as seguintes propriedades: A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) ¯ : a+0 =0+a =a A2 ) ∃ 0 ∈ Q A3 ) a + b = b + a ¯ ∃ −a∈ Q ¯ : a + (−a) = 0 A4 ) ∀ a ∈ Q, M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c)

¯ : a·1 =1·a=a M2 ) ∃ 1 ∈ Q M3 ) a · b = b · a

¯ ∗ , ∃ a−1 ∈ Q ¯ : a · a−1 = 1 M4 ) ∀ a ∈ Q D) a · (b + c) = a · b + a · c 234

¯ Q

¯ arbitr´ario, ent˜ao r 0 = 0 . Lema 10. Seja r ∈ Q ¯ ¯ Prova: Considere r = (a, b), sendo 0 = (0, α), temos (eq. (7.7), p. 227) ¯ r 0 = (a, b) · (0, α) = (a 0, b α) ¯ Temos que b α ´e um inteiro, digamos β, ent˜ao r 0 = (0, β) = 0 .  ¯ ¯ ¯ temos: Teorema 38 (Regra de sinais). Sejam r e s em Q, ( i ) (−r) s = r (−s) = −(r s) ( ii ) −(−r) = r ( iii ) (−r) (−s) = r s

Prova: ( i ) Inicialmente vamos provar que (−r) s = −(r s) Temos   (r s) + (−r) s = s r + s (−r) = s r + (−r) = s 0 = 0 ¯ ¯ Sendo assim, pela unicidade do elemento oposto, teorema 32 (p. 231), tiramos duas conclus˜oes:    r s = − (−r) s  (−r) s = −(r s)

Agora vamos provar que

r (−s) = −(r s) Ent˜ao

  (r s) + r (−s) = r s + (−s) = r 0 = 0 ¯ ¯ Como no caso anterior, daqui tiramos dois resultados:    r s = − r (−s)  r (−s) = −(r s)

( ii ) −(−r) = r. Com efeito,

r + (−r) = 0 ⇒ (−r) + r = 0 ⇒ r = −(−r) ¯ ¯ ( iii ) (−r) (−s) = r s. Com efeito, na equa¸c˜ao (−r) s = −(r s) 235

demonstrada anteriormente, substitua s por −s, para obter (−r) (−s) = − r (−s) Agora, por r (−s) = −(r s), escrevemos:



  − r (−s) = − − (r s) = r s



donde se segue o resultado desejado.

7.2

¯ Rela¸c˜ ao de ordem em Q

Defini¸ c˜ ao 41. Sejam

a c ¯ com b, d > 0. Escrevemos e n´ umeros em Q, b d c a ≤ b d

e dizemos que

⇐⇒ ad ≤ bc

a c ´e menor ou igual a . b d

De modo equivalente:

(sente¸ca aberta, p. 54)

c a e y = n´ umeros em Defini¸ c˜ ao 42. Sejam x = b d Escrevemos a c ≤ b d

¯ com b, d > 0. Q,

⇐⇒ p(x, y) : ad ≤ bc

Observe que em ad ≤ bc temos a “velha ordem nos inteiros”.

Os s´ımbolos ≥, > e 0, obtemos ab d ≤ bcb , da´ı, usando a igualdade acima obtemos c a′ a′ bd ≤ bcb′ . Como b > 0 resulta a′ d ≤ cb′ , logo, ′ ≤ . b d 236

De modo an´ alogo, seja

c c′ = ′ , isto ´e, cd′ = dc′ , logo d d

c a′ c′ a′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ′ ≤ ⇒ a d ≤ cb ⇒ a dd ≤ cb d ⇒ a dd ≤ c db ⇒ a d ≤ c b ⇒ ≤ b′ d b′ d′ Logo, como a c ≤ b d



a′ c ≤ ′ b d

e

a′ c ≤ ′ b d

c a ≤ b d



a′ c′ ≤ b′ d′

concluimos que



a′ c′ ≤ b′ d′



237

Provemos agora que esta ´e uma rela¸c˜ao de ordem parcial: (def. 14, p. 76)

Prova: (i) (∀x ∈ A) ( xRx )

(Reflexiva)

Com efeito, a a ≤ b b ( ii ) ( ∀ x, y ∈ A)

e

⇐⇒ p(x, y) : ab ≤ ba

se x R y e y R x ⇒ x = y



(Antissim´etrica)

Com efeito, separemos nosso problema em hip´ otese e tese, assim: a c  ≤ ⇐⇒ p(x, y) : ad ≤ bc   b d H:    c ≤ a ⇐⇒ p(x, y) : cb ≤ da  d b T:

c a = b d

⇐⇒ p(x, y) : ad = bc

´ imediato, pois da hip´ E otese, resulta ad ≤ bc ( iii ) ( ∀ x, y, z ∈ A) ( se c a e Sejam x = , y = b d a  ≤   b H:  c    ≤ d

e

T:

e

cb ≤ da



ad = bc

xRy e yRz ⇒ xRz ) e z = . Por hip´ otese, temos: f c d

⇐⇒ p(x, y) : ad ≤ bc

e f

⇐⇒ p(x, y) : cf ≤ de

e a ≤ b f

⇐⇒ p(x, y) : af ≤ be

Lembrando que, por hip´ otese, b, d, f > 0, resulta   p(x, y) : ad ≤ bc ⇒ adf ≤ bcf   H:    p(x, y) : cf ≤ de ⇒ bcf ≤ bde

Donde, pela transitividade nos inteiros, se segue a tese.

238

(Transitiva)



Exerc´ıcio: Seja r = (a, b) = Temos:

a b

¯ como em (7.3), p. 224. ∈Q r = (a, b) = − (a, −b) = (−a, −b)

Prova: A igualdade − (a, −b) = (−a, −b) foi mostrada no teorema 32 (p. 231). Pelo teorema 2 (p. 69) e defini¸c˜ao 37 (p. 222), temos (a, b) = (−a, −b) ⇔ (a, b) ∼ (−a, −b) ⇔ a (−b) = b (−a)

 Este resultado na nota¸c˜ ao de fra¸c˜ao se converte em: a −a a =− = b −b −b Como b > 0 ou −b > 0, significa que podemos sempre escolher (ou supor) uma fra¸c˜ ao com denominador positivo. ¯ uma, e apenas uma, Teorema 40 (Lei da Tricotomia). Dados r, s ∈ Q,

das situa¸c˜ oes seguintes ocorre:

r = s ou r < s ou r > s c a e s = com b, d > 0. Pela tricotomia em Z, ou Prova: Seja r = b d ad = bc, neste caso temos r = s, ou ad < bc, caso em que r < s, ou ad > bc, caso em que s > r. Ademais, s´ o uma destas alternativas pode ocorrer.  Uma rela¸c˜ ao de ordem parcial que satisfaz a lei da tricotomia ´e dita uma rela¸ c˜ ao de ordem total. (def. 17, p. 78) ¯ temos Teorema 41 (Compatibilidade com a Adi¸c˜ao). Dados r, s, t ∈ Q, r ≤s ⇔ r+t≤s+t c e a e t= com b, d, f > 0. Prova: Sejam r = , s = b d f c a ≤ ⇔ da ≤ bc b d ⇔ daf ≤ bcf ⇔

daf + dbe ≤ bcf + dbe



d(af + be) ≤ b(cf + de)



df (af + be) ≤ bf (cf + de)

⇔ ⇔

af + be cf + de ≤ bf df e c e a + ≤ + b f d f

 239

¯ Teorema 42 (Compatibilidade com a Multiplica¸c˜ao). Dados r, s ∈ Q, 0 r ≤ s e t ≥ , ent˜ao r t ≤ s t 1 Prova: Sejam r = temos

a c e , s= e t= b d f

0 e ≥ , logo, e ≥ 0. Ent˜ao f 1 c a ≤ b d

com b, d, f > 0. Sendo t ≥



ad ≤ bc



aedf ≤ cebf ce ae ≤ ⇔ bf df



0 , 1

ae ce ≤ bf df

 ¯ ¯ Para o que se segue denotaremos por Q+ o conjunto dos n´ umeros r ∈ Q ¯ tais que r > 0 . Estes n´ umeros ser˜ ao chamados de positivos. Se r 6∈ Q + ¯ e r 6= 0 diremos que r ´e negativo. No diagrama a seguir divisamos os ¯ n´ umeros (classes) positivos e negativos, e mais a classe 0 . ¯ −1 1

...

.. .

.. .

− 21

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

... −2 1 −3 1

... ...

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

...

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

...

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

... (0, 0)

...

Positivos

2 1

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4) 1 1

.. .

.. .

1 2

.. .

.. .

.. .

0 ¯ 240

.. .

.. .

.. .

.. .

Negativos

3 1

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

¯ , temos: Teorema 43 (Propriedade de fechamento). Sejam r e s em Q + ¯ ( i ) r + s ∈ Q+ ¯ ( ii ) r · s ∈ Q +

¯ ( iii ) r −1 ∈ Q +

¯ . Ent˜ao, Prova: Considere r = (a, b) e s = (c, d) n´ umeros em Q + ( i ) Pela defini¸c˜ ao 38 (p. 227), temos r + s = (a d + b c, b d), separando a hip´ otese e tese, temos: ( H1 : a · b > 0 H: ⇒ T : (a d + b c)(b d) > 0 H2 : c · d > 0 Ademais, b 6= 0 e d 6= 0, logo (prop. 70, p. 431) b · b > 0 e d · d > 0; multiplicando a primeira hip´ otese por d · d, a segunda por b · b e adicionando o resultado, obtemos: (a · b) (d · d) + (c · d) (b · b) > 0 reajando os termos, resulta: (a d + b c)(b d) > 0 otese ( ii ) Pela defini¸c˜ ao 39 (p. 227), temos r · s = (a c, b d), separando a hip´ e tese, temos: ( H1 : a · b > 0 H: ⇒ T : (a c)(b d) > 0 H2 : c · d > 0 Neste caso, ´e suficiente multiplicar as hip´ oteses. (Prop. 70, p. 431) ¯ . Logo, a · b > 0. Pelo teorema 36 (p. 233) temos ( iii ) Seja r = (a, b) em Q + −1  que r = (b, a) > 0 , posto que b · a > 0. ¯ Teorema 44. Sejam r e s n´ umeros com 0 < r < s, ent˜ao 0 < s−1 < r −1 . ¯ ¯ Prova: Sejam r = (a, b) e s = (c, d), temos s > 0 ⇒ (a, b) > 0 ⇒ a b > 0 ⇒ b a > 0 ⇒ (b, a) > 0 ⇒ s−1 > 0 ¯ ¯ ¯ ¯ Por outro lado, r < s ⇒ (a, b) < (c, d) ⇒

ad < bc



da < cb

⇒ (d, c) < (b, a) ⇒ s−1 < r −1  241

7.3

Os Inteiros como Subconjunto dos Racionais

A rigor o conjunto dos n´ umeros inteiros n˜ ao ´e subconjunto do conjunto dos n´ umeros racionais, haja vista que tˆem elementos de naturezas distintas. Por exemplo, comparemos os elementos neutros das adi¸c˜oes nestes dois conjuntos (sistemas): ¯ 0 = { (0, 0), (1, 1), (2, 2), (3, 3), . . . } ∈ Z 0 = { . . . , (0, −3), (0, −2), (0, −1), (0, 1), (0, 2), (0, 3), . . . } ∈ Q ¯ N˜ao obstante, existe uma perspectiva pela qual esta “inclus˜ao” pode ser feita, ´e leg´ıtima. Assim como identificamos os inteiros positivos com os umeros racionais naturais − veja item 5.2, p. 181 − podemos identificar os n´ cujo denominador ´e a unidade com os n´ umeros inteiros. Esta identifica¸c˜ao ´e feita atrav´es de uma aplica¸c˜ao, da seguinte forma Proposi¸ c˜ ao 19. A aplica¸c˜ao Φ: Z

Q



n 1

n

Φ(n) =

n 1

= (n, 1)

´e injetora e tem as seguintes propriedades: (i)

Φ(m + n) = Φ(m) + Φ(n)

( ii )

Φ(m n) = Φ(m) · Φ(n)

( iii )

m < n ⇔ Φ(m) < Φ(n).

Prova: A aplica¸c˜ ao Φ est´ a bem definida, e ´e injetora, pois: Φ(m) = Φ(n) ⇔

n m = ⇔ m·1=n·1 ⇔ m=n 1 1

( i ) Temos: Φ(m) + Φ(n) = ( ii ) Temos:

m n m·1+n·1 m+n + = = = Φ(m + n) 1 1 1·1 1

Φ(m) · Φ(n) = ( iii ) Temos:

m·n mn m n · = = = Φ(m n) 1 1 1·1 1

m 0 ⇒ T : ∃ k ∈ K : µ − ε < k.   H : µ =sup K 2 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponha que n˜ ao exista k ∈ K satisfazendo µ − ε < k. Isto ´e, suponha que µ − ε ≥ k para todo k ∈ K. Ora, se k ≤ µ − ε para todo k ∈ K, significa que µ − ε ´e uma cota superior de K. Uma vez que ε > 0 temos que µ − ε < µ, logo n˜ ao temos µ =sup K (porquanto µ n˜ ao ´e a menor das cotas superiores de K). (⇐) Se µ ´e uma cota superior de K e para todo ε > 0 dado existe k ∈ K satisfazendo µ − ε < k ent˜ ao µ =sup K. Ainda mais uma vez utilizemos a t´ecnica (T − 4). Fa¸camos    H1 : µ ´e cota superior de K.

  H : ∀ ε > 0 ∃ k ∈ K : µ − ε < k. 2



T:

µ =sup K.

H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponhamos µ cota superior de K e µ 6=sup K. Logo, µ n˜ ao ´e a menor das cotas superiores de K. Portanto existe ε > 0 tal que µ−ε ´e cota superior de K; o que traz como consequˆencia que existe ε > 0 de modo que µ − ε ≥ k para todo k ∈ K. Isto ´e exatamente o que busc´avamos: a nega¸c˜ao de H2 . 248

Vejamos algumas aplica¸c˜ oes do lema anterior: Exemplos:  1) Encontre o supremo de K = x ∈ Q : 0 < x < 1 = ] 0, 1 [. Vamos mostrar que a cota superior µ = 1 ´e o supremo de K. Para tanto ´e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que 1 − ε < x. Para isto consideremos duas possibilidades:

a) ε ≥ 1. Se ε ≥ 1 temos 1− ε ≤ 0. Neste caso, tomando por exemplo x = 1/2, resulta 1 1−ε ≤0 0 devemos exibir um x ∈ K de modo que 1−ε < x. Ou ainda: para todo ε > 0 devemos encontrar n ∈ N de modo que n . 1−ε< n+1

Esta desigualdade ´e satisfeita para todo n natural se 1 − ε < 0 (ε > 1). Sendo assim consideremos 1 − ε ≥ 0 (ε ≤ 1). Ent˜ao, 1−ε<

n ⇐⇒ (1 − ε)(n + 1) < n n+1 1−ε . ⇐⇒ n > ε

Assim, dado ε > 0, escolhemos um natural nε > 1−ε<

1−ε ε

e teremos

nε . nε + 1

o que prova ser sup K = 1. Nota: A escolha do nε acima sempre ´e poss´ıvel como veremos (p. 253). Proposi¸ c˜ ao 20. Se µ for uma cota superior de K e µ ∈ K ent˜ ao µ = sup K. Prova: Por defini¸c˜ ao de sup K (e tendo em conta que µ ´e uma cota superior de K) podemos escrever x ≤ sup K ≤ µ, ∀ x ∈ K. Como, por hip´ otese, µ ∈ K temos em particular que µ ≤ sup K ≤ µ, donde µ = sup K.  A proposi¸c˜ ao que acabamos de provar nos permite obter alguns supremos a “olho nu”. Por exemplo, sup ] 0, 1 ] = 1. Porquanto 1 ´e cota superior de ] 0, 1 ] e pertence a este conjunto. Como mais um exemplo, consideremos K=

n1 1 o 1 , , ··· , n, ··· 2 4 2

Ent˜ ao, sup K = 1/2. Isto se deve a que 1 ´ e cota superior de K e pertence a K. 2

1 2n



1 2

para todo n natural. Isto ´e,

Defini¸ c˜ ao 45 (´Infimo). Seja K um subconjunto qualquer de Q. Se K ´e cotado inferiormente, uma cota inferior de K se diz ´ınfimo de K se ´e maior do que qualquer outra cota inferior de K. 250

Em outras palavras: Um n´ umero ν ∈ Q se diz ´ınfimo de um subconjunto K de Q se satisfaz as duas condi¸c˜ oes: (i) x ≥ ν para todo x ∈ K; (ii) se λ ´e um n´ umero tal que x ≥ λ para todo x ∈ K, ent˜ao ν ≥ λ. De fato, pela condi¸c˜ ao (i), ν ´e uma cota inferior de K, e pela (ii), ν ´e maior que qualquer outra cota inferior de K. O ´ınfimo ν de um subconjunto K de Q, se existir, ´e u ´nico. De fato, se ν1 e ν2 s˜ ao ´ınfimos de K, ent˜ ao ambos verificam as condi¸c˜oes (i) e (ii) acima, logo ν1 ≥ ν2 e ν2 ≥ ν1 , donde ν1 = ν2 . Nota¸ca ˜o: Se ν for o ´ınfimo de K, escrevemos: ν = inf K. A seguinte caracteriza¸c˜ ao do ´ınfimo ´e u ´til em muitas situa¸c˜oes:

Lema 12. Seja K ⊂ Q. ν = inf K se, e somente se, ν for uma cota inferior de K e, dado ε > 0, existe k ∈ K tal que k < ν + ε. Prova: (⇒) Se ν = inf K e ε > 0 ent˜ ao existe k ∈ K de modo que k < ν + ε. Vamos provar isto utilizando a t´ecnica (T − 4)    H1 : ε > 0 ⇒ T:   H : ν = inf K 2

(p. 495).

Fa¸camos

∃ k ∈ K : k < ν + ε.

H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponha que n˜ ao exista k ∈ K satisfazendo k < ν + ε. Isto ´e, suponha que k ≥ ν + ε para todo k ∈ K. Ora, se k ≥ ν + ε para todo k ∈ K, significa que ν + ε ´e uma cota inferior de K. Uma vez que ε > 0 temos que ν + ε > ν, logo n˜ ao temos ν = inf K (porquanto ν n˜ ao ´e a maior das cotas inferiores de K). (⇐) Se ν ´e uma cota inferior de K e para todo ε > 0 dado existe k ∈ K satisfazendo k < ν + ε ent˜ ao ν = inf K. Ainda mais uma vez utilizemos a t´ecnica (T − 4). Fa¸camos    H1 : ν ´e cota inferior de K.

  H : ∀ ε > 0 ∃ k ∈ K : k < ν + ε. 2 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

251



T:

ν = inf K.

Suponhamos ν cota inferior de K e ν 6= inf K. Logo, ν n˜ ao ´e a maior das cotas inferiores de K. Portanto existe ε > 0 tal que ν + ε ´e cota inferior de K; o que traz como consequˆencia que existe ε > 0 de modo que k ≥ ν + ε para todo k ∈ K. Isto ´e exatamente o que busc´avamos: a nega¸c˜ao de H2 . ∗





EP´ISTOLA PREAMBULAR (De Giordano Bruno) PARA O ILUSTR´ISSIMO SENHOR MICHEL DE CASTELNAU Se eu, ilustr´ıssimo Cavaleiro, manejasse o arado, apascentasse um rebanho, cultivasse uma horta, remendasse um fato, ningu´em faria caso de mim, raros me observariam, poucos me censurariam, e f`acilmente poderia agradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo da natureza, atento ao alimento da alma, ansioso da cultura do esp´ırito e estudioso da actividade do intelecto, eis que me amea¸ca quem se sente visado, me assalta quem se vˆe observado, me morde quem ´e atingido, me devora quem se sente descoberto. E n˜ ao ´e s´ o um, n˜ ao s˜ ao poucos, s˜ ao muitos, s˜ ao quase todos. Se quiserdes saber porque isto acontece, digo-vos que a raz˜ ao ´e que tudo me desagrada, que detesto o vulgo, a multid˜ ao n˜ ao me contenta, e s´ o uma coisa me fascina: aquela, em virtude da qual me sinto livre em sujei¸c˜ao, contente em pena, rico na indigˆencia e vivo na morte; em virtude da qual n˜ ao invejo aqueles que s˜ ao servos na liberdade, que sentem pena no prazer, s˜ ao pobres na riqueza e mortos em vida, pois que tˆem no pr´ oprio corpo a cadeia que os acorrenta, no esp´ırito o inferno que os oprime, na alma o error que os adoenta, na mente o letargo que os mata, n˜ ao havendo magnanimidade que os redima, nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciˆencia que os avive. Da´ı, sucede que n˜ ao arredo o p´e do ´arduo caminho, por cansado; nem retiro as m˜ aos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro as costas ao inimigo que se me op˜ oe, nem como deslumbrado, desvio os olhos do divino objeto: no entanto, sinto-me geralmente reputado um sofista, que mais procura parecer subtil do que ser ver´ıdico; um ambicioso, que mais se esfor¸ca por suscitar nova e falsa seita do que por consolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro que procura o resplendor da gl´ oria impingindo as trevas dos erros; um esp´ırito inquieto que subverte os edif´ıcios da boa disciplina, tornando-se maquinador de perversidade. Oxal´a, Senhor, que os santos numes afastem de mim todos aqueles que injustamente me odeiam; oxal´a que me seja sempre prop´ıcio o meu Deus; oxal´a que me sejam favor´ aveis todos os governantes do nosso mundo; oxal´a que os astros me tratem tal como ` a semente em rela¸c˜ao ao campo, e ao campo em rela¸c˜ao a semente, de maneira que apare¸ca no mundo algum fruto u ` ´til e glorioso do meu labor, acordando o esp´ırito e abrindo o sentimento `aqueles que n˜ ao tˆem luz de intelecto; (Continua na p. 260) 252

A Propriedade Arquimediana

Defini¸ c˜ ao 46 (Corpo arquimediano). Seja K um corpo ordenado. Dizemos que K ´e arquimediano se, dados a, b ∈ K, existe n ∈ N tal que n · a > b. Teorema 46. (i) O conjunto N ⊂ Q n˜ ao ´e limitado superiormente; o n1 : n ∈ N ´e igual a 0; (ii) O ´ınfimo do conjunto X = n (iii) Q ´e um corpo arquimediano. Prova: (i) Suponhamos, ao contr´ ario, que N ⊂ Q ´e limitado superiormente, isto ´e a a ≥ n, ∀ n ∈ N (7.10) ∃ ∈ Q: b b Como, por conven¸c˜ ao (p. 239), b > 0, temos a, b ∈ Z∗+ , isto ´e, a, b ∈ N∗ . Sendo assim, b ≥ 1 e, assim, a ≥ ab . Se a > ab , como a ∈ N∗ , encontramos uma contradi¸c˜ ao com (7.10). Se a = ab , ent˜ao a + 1 > a = ab e, como a ∈ N∗ resulta a + 1 ∈ N∗ no que resulta novamente uma contradi¸c˜ao com (7.10). Logo, N n˜ ao ´e limitado superiormente em Q. (ii) Claramente, 0 ´e uma cota inferior de X. dado ε > 0, existe, pelo item (i) acima, um n´ umero natural n > 1ε , da´ı, n1 < ε, ou ainda, n1 < 0 + ε, logo, pelo lema 12 (p. 251) resulta que 0 efetivamente ´e ´ınfimo de X. (iii) Dados a, b ∈ Q, usamos o item (i) para obter n ∈ N tal que n > ab . Logo, n · a > b.  As trˆes propriedades acima s˜ ao equivalentes e valem n˜ ao apenas em Q como, ademais, em todo corpo ordenado. No corol´ ario a seguir reescrevemos a propriedade arquimediana para efeitos de referˆencias futuras, acrescentamos um item. Corol´ ario 2. Se x, y ∈ Q, com x > 0, ent˜ ao (a) Existe n ∈ N de modo que n · x > y; (b) Existe n ∈ N de modo que 0 <

1 < x; n

(c) Existe n ∈ N de modo que n − 1 ≤ x < n. Prova: (c) A propriedade arquimediana nos assegura que existe um n´ umero ∗ naturai n tail que x < n. Seja n0 o menor desses n´ umeros naturais . Ent˜ao n0 − 1 ≤ x < n0 .  ∗ Estamos invocando o Princ´ıpio da Boa Ordena¸c˜ ao: “Todo subconjunto n˜ ao-vazio de n´ umeros naturais possui um menor elemento”.

253

Como uma aplica¸c˜ ao da propriedade arquimediana vamos provar a Proposi¸ c˜ ao 21. Sejam a, b, ε ∈ Q. Se ∀ ε > 0, a − ε ≤ b ent˜ ao a ≤ b. Prova: A prova ser´ a feita segundo a t´ecnica (T − 1) (p. 494). Assumindo a nega¸c˜ ao da tese, vamos mostrar que existe um ε > 0 de modo que a − ε > b. De fato, supondo a > b temos que a − b > 0. Pela propriedade arquimediana existe n0 natural de modo que n1 < a − b. Tomemos ε = n1 . Ent˜ao 0

ε=

0

1 < a − b ⇒ a − ε > b. n0 

o que contradiz a hip´ otese. Vejamos algumas aplica¸c˜oes do lema 12 (p. 251): Exemplos  1) Encontre o ´ınfimo de K = x ∈ Q : 0 < x < 1 = ] 0, 1 [.

Vamos mostrar que a cota inferior ν = 0 ´e o ´ınfimo de K. Para tanto ´e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que x < 0 + ε. Para isto consideremos duas possibilidades: a) ε ≥ 1. Se ε ≥ 1 qualquer x ∈ K serve aos nossos prop´ositos, porquanto x ∈ K ⇒ 0 < x < 1 ≤ ε. b) 0 < ε < 1. Neste caso ´e suficiente tomar xε = 2ε , porquanto 1 ε < 2 2 ⇒ 0 < xε < 1 e xε < ε.

0 0. Pois bem, dado ε > 0 escolhamos um natural n0 satisfazendo n0 · ε > 1, isto ´e, n1 < ε. Logo x = n1 serve. 0

0

3) Encontre inf K, onde

K=



1 1 1 1, , , · · · , 2 , · · · 4 8 n 254



Sendo n12 > 0, para todo n natural, temos que 0 ´e uma cota inferior de K. Para mostrar que 0 = inf K ´e suficiente exibir um x ∈ K de modo que x < 0 + ε qualquer que seja o ε > 0. Pois bem, dado ε > 0 escolhamos um ao natural n0 satisfazendo n0 · ε > 1, isto ´e, n1 < ε. Observe que este n0 n˜

encerra a quest˜ ao pois x =

1 n0

0

pode n˜ ao pertencer a K. Mas com certeza

n20 serve aos nossos prop´ositos uma vez que 1 1 ≤ < ε. 2 n0 n0 Proposi¸ c˜ ao 22. Se ν for uma cota inferior de K e ν ∈ K ent˜ ao ν = inf K. Prova: Por defini¸c˜ ao de inf K (e tendo em conta que ν ´e uma cota inferior de K) podemos escrever ν ≤ inf K ≤ x, ∀ x ∈ K. Como, por hip´ otese, ν ∈ K temos em particular que ν ≤ inf K ≤ ν, donde ν = inf K.  A proposi¸c˜ ao que acabamos de provar nos permite obter alguns ´ınfimos a “olho nu”. Por exemplo, inf [ 0, 1 [ = 0. Porquanto 0 ´e cota inferior de [ 0, 1 [ e pertence a este conjunto. Proposi¸ c˜ ao 23. Se A ⊂ B ⊂ Q ent˜ ao, inf B ≤ inf A ≤ sup A ≤ sup B. (supondo-se que estes quatro n´ umeros existam.) Prova: Vamos separar a prova em algumas etapas. 1 a ) inf B ≤ inf A. Suponha o contr´ ario, isto ´e, que inf A < inf B. Como inf A ´e a maior das cotas inferiores de A esta desigualdade implica que inf B n˜ ao ´e uma cota inferior de A logo, por defini¸c˜ ao de cota inferior, existe x ∈ A de modo que x < inf B. Como, por hip´ otese, A ⊂ B temos que x ∈ B e x < inf B. Isto nos diz que inf B n˜ ao ´e uma cota inferior de B. Piada! a 2 ) inf A ≤ sup A. Pela defini¸c˜ ao de sup e inf, para todo x ∈ A temos

inf A ≤ x ≤ sup A =⇒ inf A ≤ sup A. 3 a ) sup A ≤ sup B.

Suponha, ao contr´ ario, que sup B < sup A. Como sup A ´e a menor das cotas superiores de A esta desigualdade implica que sup B n˜ ao ´e cota superior de A; logo existe x ∈ A de modo que x > sup B. Como, por hip´ otese, A ⊂ B temos que x ∈ B e x > sup B. Isto nos diz que sup B n˜ ao ´e uma cota superior de B. Piada!  255

7.3.1

M´ odulo/Distˆ ancia

Defini¸ c˜ ao 47. Se x ∈ Q, chamaremos m´ odulo de x (ou ainda: valor absoumeros x e −x; assim, por luto de x) e designaremos por |x| o maior dos n´ defini¸c˜ ao: |x| = max{ −x, x}. ´ f´acil ver que esta igualdade ´e equivalente a E ( x, se x ≥ 0; |x| = −x, se x < 0. Equa¸c˜ ao esta que tamb´em ´e usada como defini¸c˜ao do m´ odulo de x. Decorre trivialmente que |0| = 0. A seguir listamos algumas propriedades do m´ odulo. Proposi¸ c˜ ao 24. Temos: (a) |x| = 0, se e somente se, x = 0. (b) | − x| = |x| para todo x ∈ Q. (c) |x · y| = |x| · |y| para todo x, y ∈ Q. x |x| (d) Se y 6= 0, = . y |y|

(e) Se c ≥ 0, ent˜ ao |x| ≤ c, se e somente se, −c ≤ x ≤ c. (f ) −|x| ≤ x ≤ |x| para todo x ∈ Q. Prova: (a) Decorre trivialmente da defini¸c˜ao de m´ odulo. (b) |x| = max{ −x, x} = max



− (−x), −x



= | − x|

(c) Se x > 0 e y > 0, ent˜ao x · y > 0, de modo que |x · y| = x · y = |x| · |y|. Se x > 0 e y < 0, ent˜ao x · y < 0, de modo que |x · y| = −(x · y) = x · (−y) = |x| · |y|. Os demais casos s˜ ao tratados de modo an´ alogo. (d) Sendo y 6= 0 vale

x=y·

x y

e portanto, pelo ´ıtem anterior: x |x| = |y| · | |; y 256

desta desigualdade (e tendo em conta que |y| = 6 0, por ser y 6= 0) decorre que: x |x| = y |y| .

(e) Temos

|x| ≤ c ⇒ ⇒

x≤c e −x≤c (

x≤c x ≥ −c

 pois |x| = max{−x, x}

⇒ −c ≤ x ≤ c.

Reciprocamente, se esta u ´ltima desigualdade se verifica, ent˜ao x ≤ c e −x ≤ c, donde |x| ≤ c. (f ) Basta por c = |x| e utilizar o ´ıtem anterior.



As pr´ oximas desigualdades s˜ ao utilizadas com bastante frequˆencia: Proposi¸ c˜ ao 25 (Desigualdade triangular). Se x e y s˜ ao n´ umeros quaisquer, ent˜ ao |x| − |y| ≤ |x ± y| ≤ |x| + |y|. Prova: Utilizando os ´ıtens (f ) e (e) da proposi¸c˜ao 24, obtemos −|x| ≤ x ≤ |x| −|y| ≤ y ≤ |y|

+ :



− |x|+|y| ≤ x+y ≤ |x|+|y|

(e) =⇒ |x+y| ≤ |x|+|y|.

Esta u ´ltima desigualdade ´e conhecida como desigualdade triangular. Por outro lado, |x| = (x − y) + y ≤ |x − y| + |y| =⇒ |x| − |y| ≤ |x − y| |y| = (y − x) + x ≤ |y − x| + |x| =⇒ |y| − |x| ≤ |y − x|

Sendo assim, temos   |x − y| ≥ |x| − |y|

 |y − x| ≥ − |x| − |y|

=⇒ |x − y| ≥ |x| − |y| .



Esta ´e a primeira desigualdade com o sinal menos. Para obter a desigualdade com o sinal mais, substituimos (nesta u ´ltima desigualdade) y por −y. 

257

 Defini¸ c˜ ao 48 (Distˆ ancia em Q, | · | ). Sendo x e y n´ umeros racionais, chamaremos distˆ ancia de x a y ao m´ odulo da diferen¸ca x − y; a distˆ ancia de x a y ser´ a designada pelo s´ımbolo d(x, y); sendo assim, por defini¸c˜ao: d(x, y) = |x − y|. Segundo as proposi¸c˜oes vistas para o m´ odulo, assinalamos as seguintes propriedades para a distˆ ancia entre n´ umeros racionais: (d1 ) d(x, y) ≥ 0 e d(x, y) = 0 ⇐⇒ x = y ;

(d2 ) d(x, y) = d(y, x) ;

(d3 ) d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y). Esta u ´ltima desigualdade ´e uma decorrencia imediata da desigualdade triangular, assim: x − y = (x − z) + (z − y) ⇒ |x − y| = (x − z) + (z − y) ⇒

≤ |x − z| + |z − y|.

Apenas a t´ıtulo de registro, o conceito de distˆ ancia pode ser estendido para conjuntos arbitr´arios atrav´es da seguinte: ([19], p. 510) Defini¸ c˜ ao 49 (Espa¸co M´etrico). Seja M 6= ∅ um conjunto qualquer. Consideremos uma aplica¸c˜ ao d : M × M −→ R, que associa a cada par ordenado (x, y) ∈ M × M um n´ umero real d(x, y) satisfazendo as seguintes condi¸c˜oes (para quaisquer x, y e z em M ): (M1 )

d(x, y) ≥ 0 e d(x, y) = 0 ⇐⇒ x = y ;

(M2 )

d(x, y) = d(y, x) ;

(M3 )

d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y).

Nestas condi¸c˜ oes dizemos que d ´e uma m´etrica sobre M e que d(x, y) ´e a distˆ ancia do elemento x ao elemento y. Podemos dizer tamb´em que uma aplica¸c˜ao d : M ×M −→ R satisfazendo as condi¸c˜ oes anteriores adquire status de m´etrica. O par (M, d ) ´e o que entendemos por espa¸co m´etrico. Nota: Chamamos a aten¸c˜ao do leitor para o fato de que espa¸co m´etrico ´e uma “estrutura” e n˜ ao um conjunto, tanto ´e que o mesmo conjunto munido com m´etricas distintas d´ a origem a espa¸cos m´etricos distintos, isto ´e: d 6= d′ ⇒ (M, d ) 6= (M, d′ ) 258

Apˆ endice Lema 13. Sejam α = (a, b), α′ = (a′ , b′ ), β = (c, d), β ′ = (c′ , d′ ) elemen¯ Se α = α′ e β = β ′ , ent˜ao tos em Q. α + β = α′ + β ′ De outro modo, devemos provar que se a′ c c′ a c a′ c′ a = ′ e = ′ ent˜ao + = ′ + ′ b b d d b d b d Ou ainda, H:

( a b′ = a′ b

T:

c d′ = c′ d

Ou ainda, ( a b′ = a′ b H: c d′ = c′ d

ad + bc a′ d′ + b′ c′ = bd b′ d′

T : (a d + b c) b′ d′ = (a′ d′ + b′ c′ ) b d

Prova: Multiplicando as equa¸c˜ oes da hip´ otese por d d′ e b b′ , respectivamente, obtemos (a b′ )(d d′ ) = (a′ b)(d d′ ) (c d′ )(b b′ ) = (c′ d)(b b′ ) Somando estas igualdades (a b′ )(d d′ ) + (c d′ )(b b′ ) = (a′ b)(d d′ ) + (c′ d)(b b′ ) donde (a d)(b′ d′ ) + (b c)(d′ b′ ) = (a′ d′ )(b d) + (c′ b′ )(b d) Logo, [ (a d) + (b c) ] (b′ d′ ) = [ (a′ d′ ) + (c′ b′ ) ] (b d) 

que ´e a tese.

259

Lema 14. Sejam α = (a, b), α′ = (a′ , b′ ), β = (c, d), β ′ = (c′ , d′ ) elemen¯ Se α = α′ e β = β ′ , ent˜ao tos em Q. α · β = α′ · β ′ De outro modo, devemos provar que se a a′ c c′ a c a′ c′ = ′ e = ′ ent˜ao · = ′ · ′ b b d d b d b d Ou ainda, H:

( a b′ = a′ b c d′

=

T : (a c)(b′ d′ ) = (a′ c′ )(b d)

c′ d

Prova: Nestas condi¸c˜ oes, a tese ´e quase que uma consequˆencia imediata da hip´ otese.  ∗



∗ (Continua¸c˜ao da p. 252)

pois, em verdade, eu n˜ ao me entrego a fantasias, e se erro, julgo n˜ ao errar intencionalmente; falando e escrevendo, n˜ ao disputo pelo amor da vit´oria em si mesma (pois que todas as reputa¸c˜oes e vit´orias considero inimigas de Deus, abjectas e sem sombra de honra, se n˜ ao assentarem na verdade), mas por amor da verdadeira sapiˆencia e fervor da verdadeira especula¸c˜ao ´ isto que ir˜ me afadigo, me apoquento, me atormento. E ao comprovar os argumentos da demonstra¸c˜ao, baseados em racioc´ınios v´alidos que procedem de um ju´ızo recto, informado por imagens n˜ ao falsas, que, como verdadeiras embaixadoras, se desprendem das coisas da natureza e se tornam presentes ` aqueles que as procuram, patentes `aqueles que as miram, claras para todo aquele que as aprende, certas para todo aquele que as compreende. Apresento-vos agora a minha especula¸c˜ao acerca do infinito, do universo e dos mundos inumer´aveis. Excerto do livro: ACERCA DO INFINITO, DO UNIVERSO E DOS MUNDOS (Giordano Bruno). Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo em 1600 pelo Papa (Pont´ıfice) “representante m´ aximo de Deus sobre a Terra” .

260

Cap´ıtulo 8

RACIONAIS AZUIS E VERMELHOS A matem´ atica ´e um campo demasiadamente ´ arduo e in´ ospito para agradar ` aqueles a quem n˜ ao oferece grandes recompensas. Recompensas que s˜ ao da mesma ´ındole que as do artista. . . . Acrescenta ainda que ´e no ato de criar que o matem´ atico encontra sua culminˆ ancia e que “nenhuma quantidade de trabalho ou corre¸ca ˜o t´ecnica pode substituir este momento de cria¸ca ˜o na vida de um matem´ atico, poeta ou m´ usico”.

(Norbert Wiener)

Introdu¸ c˜ ao Nesta introdu¸c˜ ao apenas pomos em relevo dois pontos: como veremos, a representa¸c˜ ao bin´ aria de um racional azul (“fra¸c˜ao azul”) ´e obtida de modo bem mais simples que a representa¸c˜ao bin´ aria de uma fra¸c˜ao canˆ onica. Cremos que isto ser´ a de proveito para a computa¸c˜ao. Ademais, oportunamente enfatizaremos a necessidade de se fazer distin¸c˜ao entre “ambiguidade nas representa¸c˜ oes decimais” e “duplicidade nas representa¸c˜oes decimais”, defendemos que confundir as duas ´e um erro cometido pelos matem´ aticos.

8.1

Constru¸c˜ ao dos Racionais Azuis

Para a constru¸c˜ ao dos racionais azuis ¯ τ) Q = ( Q, Software(instru¸ co ~es) Conjunto (hardware)

vamos partir dos inteiros azuis:

(p. 211)

Z = ( { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . }, +, ·) 261

Tomando o produto cartesiano, temos { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } × { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } ...

.. .

.. .

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

Z

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

(0, 0)

(1, 0)

(2, 0)

(3, 0)

(4, 0)

...

... ...

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

...

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

...

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

...

(−4, 0) (−3, 0) (−2, 0) (−1, 0)

...

Z

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

Vamos excluir do produto cartesiano Z × Z todos os pares com segunda coordenada nula (“eixo x”), obtendo assim Z × Z∗ , veja:

...

.. .

.. .

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

...

... ...

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

...

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

...

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

...

...

...

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

262

.. .

.. .

.. .

Z × Z∗

Este ´e o hardware Z × Z∗ = { (a, b) : a ∈ Z e b ∈ Z∗ } sobre o qual vamos erigir o sistema dos n´ umeros racionais azuis. Defini¸ c˜ ao 50. Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto Z × Z∗ , diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se, a · d = b · c. Por exemplo: (2, 3) ∼ (4, 6) ⇐⇒ 2 · 6 = 3 · 4 Para mostrar que a rela¸c˜ ao definida acima ´e de equivalˆencia basta trocar a cor (para azul) na prova da rela¸c˜ao dada na p´ agina 222. Para representar a classe de equivalˆencia do par (a, b), utilizaremos alternativamente o s´ımbolo (nota¸c˜ ao) ab , assim: (a, b) =

a b

(8.1)

Por hora apenas uma nota¸ c˜ ao alternativa. Ent˜ao, a = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼ (a, b) } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x b = y a } b O s´ımbolo

a b

chama-se fra¸c˜ ao de numerador a e denominador b.

Importante: Trabalhar com os n´ umeros racionais na forma de fra¸c˜oes ´e mais conveniente (cˆ omodo), todavia deve-se ter em conta que um n´ umero racional n˜ ao ´e uma fra¸c˜ ao mas sim uma classe de equivalˆencia. Vejamos alguns exemplos de classes de equivalˆencias (racionais azuis): (1, 2) ⇒

1 2

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 2 = y 1 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : 2 x = y }

(2, 1) ⇒

2 1

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 2 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : 2 y = x }

(1, 1) ⇒

1 1

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 1 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : y = x }

(3, 1) ⇒

3 1

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 3 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x = 3 y }

(0, 1) ⇒

0 1

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y 0 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x = 0 }

(−2, 1)⇒

−2 1

= { (x, y) ∈ Z × Z∗ : x 1 = y (−2) } = { (x, y) : x = −2 y }

263

Geometricamente fica assim: −1 1

...

.. .

.. .

−1 2

.. .

.. .

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4)

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

(0, 4)

(1, 4)

(2, 4)

(3, 4)

(4, 4)

(0, 3)

(1, 3)

(2, 3)

(3, 3)

(4, 3)

(0, 2)

(1, 2)

(2, 2)

(3, 2)

(4, 2)

(0, 1)

(1, 1)

(2, 1)

(3, 1)

(4, 1)

... −2 1 −3 1

...

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3)

...

...

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2)

...

...

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1)

3 1 2 1

...

...

...

...

...

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

...

...

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

...

...

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

...

...

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4) 1 1

.. .

.. .

.. .

1 2

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

0 1

A seguir pomos em destaque algumas classes: 0 = { . . . , (0, −3), (0, −2), (0, −1), (0, 1), (0, 2), (0, 3), . . . } 1 1 = { . . . , (−3, −3), (−2, −2), (−1, −1), (1, 1), (2, 2), (3, 3), . . . } 1 1 = { . . . , (−3, −6), (−2, −4), (−1, −2), (1, 2), (2, 4), (3, 6), . . . } 2 −1 = { . . . , (−3, 3), (−2, 2), (−1, 1), (1, −1), (2, −2), (3, −3), . . . } 1 ao de dois inteiros Observe que a fra¸c˜ ao racional 12 , por exemplo, ´e a raz˜ 1 e 2 que, por sua vez, s˜ ao pares de n´ umeros naturais, assim: (p. 210) Q

Z

N

1 = (1, 0) 1 2

2 = (2, 0)

264

Codificando os racionais azuis O nosso objetivo agora ser´ a obter uma representa¸c˜ao bin´ aria para os racionais. O operador Multiplexa¸ c˜ ao Definimos a seguinte aplica¸c˜ ao: ≻ :

(p. 133)

Z×Z

Z

( (xn ), (yn ) )

(zn )

Onde, (zn ) = x1 y1 x2 y2 x3 y3 . . .. De outro modo, xn = x1 x2 x3 . . . ≻

x1 y 1 x2 y 2 x3 y 3 . . .

yn = y1 y2 y3 . . . Dizemos que a aplica¸c˜ ao ≻ (m, n) faz uma multiplexagem dos inteiros m e n. Por exemplo,

01010000 ...

00110000 ...

ց ≻ ր

0010011100000000 ...

Ou ainda, seguindo as setas montamos a sequˆencia resultante: 0 1 0 1 0 0 0 0 ... ⇒ 0010011100000000 ... 0 0 1 1 0 0 0 0 ... Temos, ≻ (0 1 0 1 0 0 0 0 . . . , 0 0 1 1 0 0 0 0 . . .) = 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 . . .

265

O operador ≻ ´ e injetor O operador ≻: Z × Z → Z ´e injetor. De fato, consideremos os pares de sequˆencias: (ai , bi ) = (a0 a1 a2 . . . , b0 b1 b2 . . . ) (ci , di ) = (c0 c1 c2 . . . , d0 d1 d2 . . . ) Ent˜ ao, ≻ (ai , bi ) = ≻ (a0 a1 a2 . . . , b0 b1 b2 . . . )

= a 0 b0 a 1 b1 a 2 b2 . . .

≻ (ci , di ) = ≻ (c0 c1 c2 . . . , d0 d1 d2 . . . )

= c0 d0 c1 d1 c2 d2 . . .

Logo, ≻ (ai , bi ) = ≻ (ci , di ) ⇒ (ai , bi ) = (ci , di ). Gostariamos de obter a representa¸c˜ao bin´ aria de uma fra¸c˜ao azul pela multiplexagem de (seus dois) inteiros; por exemplo, possivelmente assim: 1 =≻ 2

 10000 ...  1 =≻ = 1001000000 ... 2 01000 ...

O problema ´e que obtivemos a representa¸c˜ao bin´ aria do inteiro 9. (p. 130) Observe que permaneceremos frustrados em nossa tentativa se considerarmos no numerador e denominador da fra¸c˜ao dois inteiros positivos∗ ou dois inteiros negativos.† S´ o obteremos ˆexito se considerarmos a multiplexagem de inteiros de sinais opostos; sendo assim, resultam duas alternativas, porquanto:  −1   1  1 =− =− 2 2 −2 Por exemplo,

(8.2) (p. 215)

 −1   −( 1 0 0 0 0 . . .)  1 =−≻ =− 2 2 01000 ...  11111 ...  = −( 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 . . .) =−≻ 01000 ...

Sendo assim, resulta:

1/2 = −( 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 . . .) =

∗ †

1100010101 ...

Sequˆencias com todos os termos iguais a 0, a partir de alguma posi¸c˜ ao. Sequˆencias com todos os termos iguais a 1, a partir de alguma posi¸c˜ ao.

266

(8.3) (p. 214) (p. 214)

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul, 1/2 = 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 . . . Na outra alternativa, temos:  1   10000 ...  1 =−≻ =− 2 −2 −( 0 1 0 0 0 . . .) =−≻ Sendo assim, resulta:

 10000 ...  = −( 1 0 0 1 0 1 0 1 0 1 . . .) 01111 ...

1/2 = −( 1 0 0 1 0 1 0 1 0 1 . . .) =

1110101010 ...

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul, 1/2 = 1 1 1 0 1 0 1 0 1 0 . . .

(8.4)

Surge aqui o mesmo que acontece quando buscamos uma representa¸c˜ao bin´ aria (ou decimal) para uma fra¸c˜ao canˆ onica: uma duplicidade. Isto significa t˜ ao somente que devemos optar por uma das alternativas acima. Vejamos mais um exemplo de codifica¸c˜ao, a ser referenciado oportunamente:  3   −3  3 =− =− 8 8 −8 Ent˜ao,

 −3   −( 1 1 0 0 0 . . .)  3 =−≻ =− 8 8 00010 ...  10111 ...  = −( 1 0 0 0 1 0 1 1 1 0 . . .) =−≻ 00010 ...

Sendo assim, resulta:

3/8 = −( 1 0 0 0 1 0 1 1 1 0 . . .) =

Na outra alternativa, temos  3   3 =−≻ =− 8 −8 =−≻

1111010001 ...

 11000 ... −( 0 0 0 1 0 . . .)

 11000 ...  = −( 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1 . . .) 00011 ... 267

(8.5)

Sendo assim, resulta: 3/8 = −( 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1 . . .) =

1101111010 ...

(8.6)

Neste trabalho escolheremos a primeira das alternativas em (8.2) (p. 266). Sendo assim, escolheremos para Q′ o conjunto das representa¸c˜oes bin´ arias dos racionais, todas as sequˆencias obtidas pela multiplexa¸c˜ao de um inteiro negativo com um inteiro positivo, e mais suas “opostas” (isto ´e, as obtidas (p. 215) com o operador: −). Representa¸ c˜ ao (codifica¸ c˜ ao) bin´ aria dos racionais λ : Z × Z → Q′ (m, n) 7→ p Queremos transformar racionais (m, n) em sequˆencias bin´ arias de Q′ . Lembramos que em (m, n), m e n s˜ ao inteiros e estes, por sua vez, s˜ ao sequˆencias bin´ arias de N, por exemplo, assim (p. 121)

Q

Z

N

N

1 = (1, 0) = (1 0 0 0 0 . . . , 0 0 0 0 0 . . .) m −→ 1 n −→ 2

Para a fra¸c˜ ao

2 = (2, 0) = (0 1 0 0 0 . . . , 0 0 0 0 0 . . . )

m n

colocamos, por defini¸c˜ao:

  − ≻ ( −m  n );      ≻ ( −m    −n ); m λ n =  ≻ (m   n );     m  − ≻ ( −n );

se m > 0, n > 0;

(++)

se m > 0, n < 0;

(+−)

se m < 0, n > 0;

(−+)

se m < 0, n < 0.

(−−)

Esta codifica¸ca ˜o (ou representa¸ca ˜o) vale para fra¸c˜oes ∗

Isto ´e, mdc(m, n) = 1

268

m n

pr´ oprias∗ .

Exemplos: Vejamos alguns exemplos de como obter a representa¸c˜ ao bin´ aria de uma fra¸c˜ ao. Obter as representa¸c˜ oes das seguintes fra¸c˜oes:

(i)

−1 3

( ii ) − 12

( iii )

1 3

( iv )

4 5

(v)

5 2

( vi ) − 52

( vii )

1 10

Solu¸ c˜ ao:

( i ) Para obter a representa¸c˜ ao da fra¸c˜ao −1 3 utilizamos a alternativa (−+) em λ, assim (p. 215):  11111 ...   −1  −1 = 1111101010 ... =≻ ( ) =≻ λ 3 3 11000 ...

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul,

−1/3 = 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0 . . . ´ Obviamente que esta igualdade ´e no sentido de representa¸ca ˜o bin´ aria (ou ainda, codifica¸ca ˜o). ( ii ) Para obter a representa¸c˜ ao da fra¸c˜ao − 12 utilizamos a alternativa (−+) em λ, assim:  1  11111 ...  −1 = 1011101010 ... =≻ ( ) =≻ λ − 2 2 01000 ...

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul,

−1/2 = 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 . . . ( iii ) Para obter a representa¸c˜ ao da fra¸c˜ao 13 utilizamos a alternativa (++) em λ, assim: 1  11111 ...  −1 λ =−≻( )=−≻ = −( 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0 . . . ) 3 3 11000 ... = 1000010101 ... Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul, 1/3 = 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1 . . . ( iv ) Para obter a representa¸c˜ ao da fra¸c˜ao 45 utilizamos a alternativa (++) em λ, assim (p. 215):  00111 ...  4 −4 λ = −( 0 1 0 0 1 1 1 0 1 0 . . . ) =−≻( )=−≻ 5 5 10100 ... = 0111000101 ... Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ ao azul, 4/5 = 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 . . . 269

( v ) Para obter a representa¸c˜ao da fra¸c˜ao 52 utilizamos a alternativa (++) em λ, assim (p. 215): 5  11011 ...  −5 =−≻( )=−≻ λ = −( 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 . . . ) 2 2 01000 ... = 1100110101 ... Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ao azul, 5/2 = 1 1 0 0 1 1 0 1 0 1 0 1 . . . ( vi ) Para obter a representa¸c˜ao da fra¸c˜ao − 52 utilizamos a alternativa (−+) em λ, assim:  5  11011 ...  −5 = 1011001010 ... λ − =≻ ( ) =≻ 2 2 01000 ...

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ao azul,

−5/2 = 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 1 0 . . . 1 ( vii ) Para obter a representa¸c˜ao da fra¸c˜ao 10 utilizamos a alternativa (++) em λ, assim:  111111 ...  1 −1 =−≻( )=−≻ = −( 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 . . . ) λ 10 10 010100 ... = 110001000101...

Destacaremos o per´ıodo da fra¸c˜ao azul, 1/10 = 1 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 . . . Por oportuno, observe a seguinte tabela: Um n´ umero natural azul ´e uma sequˆencia bin´ aria cuja “termina¸c˜ ao” (per´ıodo) ´e 0 0; um n´ umero racional negativo ´e codificado por uma sequˆencia bin´ aria cuja “termina¸c˜ ao” (per´ıodo) ´e 1 0; um n´ umero racional positivo ´e codificado por uma sequˆencia bin´ aria cuja “termina¸c˜ao” (per´ıodo) ´e 0 1; um n´ umero inteiro negativo ´e codificado por uma sequˆencia bin´ aria cuja “termina¸c˜ao” (per´ıodo) ´e 1 1.

0 0

N

1 0

Q∗−

0 1 1 1

Q∗+ Z∗−

Enfatizamos: Em nosso m´etodo de representa¸c˜ao todos os n´ umeros racionais positivos tˆ em o mesmo per´ıodo, assim como os negativos. Isto n˜ ao acontece nas representa¸c˜oes usuais (canˆ onicas).

270

Vejamos alguns racionais na reta racional.

...

−4 p ↓ 0 0 1 1 1 1 1 1

.. .

− 25

−3 p p −2 p ↓ ↓ ↓ 1 0 1 1 1 1 1 1

1 0 1 1 0 0 1 0

.. .. . .

0 1 1 1 1 1 1 1

.. .

1 2

− 12

−1 p p 0p p 1p ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ 1 1 1 1 1 1 1 1

.. .

1 0 1 1 1 0 1 0

.. .

0 0 0 0 0 0 0 0

.. .

1 1 0 0 0 1 0 1

.. .

1 0 0 0 0 0 0 0

5 2

2p p 3p ↓ ↓ ↓

4p

.. .

.. .

.. .

0 1 0 0 0 0 0 0

.. .

1 1 0 0 1 1 0 1

1 1 0 0 0 0 0 0

.. .

...

Q

↓ 0 0 1 0 0 0 0 0

O operador Demultiplexa¸ c˜ ao (Dmux) (p. 133) Para provar que λ ´e sobrejetor devemos definir o operador demultiplexador (Dmux); ´e o operador inverso do operador Mux que funciona assim∗ : ≺: W (xn )

W×W  η1 (xn ), η2 (xn )

Onde ηi : W −→ W (i = 1, 2.) s˜ ao dadas por  η1 (xn ) = η1 (x1 x2 x3 . . .) = (x1 x3 x5 . . .)

 η2 (xn ) = η2 (x1 x2 x3 . . .) = (x2 x4 x6 . . .)

 Isto ´e, η1 toma da sequˆencia xn sua subsequˆencia de ´ındices ´ımpares e η2 toma sua subsequˆencia de ´ındices pares, assim: η1

≺ (x1 x2 x3 x4 x5 . . .)

η2

(x1 x3 x5 x7 . . .) (x2 x4 x6 x8 . . .)

Dizemos que a aplica¸c˜ ao η demultiplexa a sequˆencia (xn ). No exemplo dado a seguir ilustramos os operadores Mux e Dmux simultaneamente: ∗

ario de sequˆencias. Nota: W ´e um conjunto arbitr´

271

01010000

Mux 00110000

01010000

ց ≻ ր

0010011100000000

ր ≺ ց

Dmux 00110000

Pois bem, deixamos como exerc´ıcio ao leitor a prova de que o codificador λ ´e bijetor. Exemplos: Vejamos alguns exemplos de como obter a fra¸c˜ ao azul corres-

pondente a algumas sequˆencias bin´ arias. Obter as fra¸c˜ oes correspondentes `as seguintes representa¸c˜oes bin´ arias: (i) 1100010101 ... ( ii ) 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0 . . . ( iii ) 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1 . . . ( iv ) 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 . . . (v) 1100110101 ... ( vi ) 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 . . . ( vii ) 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0 . . . Solu¸ c˜ ao: (i)

1 0 0 0 0 ... րրրրր 1100010101 ... ցցցցց 1 0 1 1 1 ...

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou um inteiro negativo, mas pela nossa conven¸c˜ao∗ embaixo devemos ter um inteiro positivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequˆencia dada inicialmente, assim: → −

1 0 0 0 0 ... րրրրր −( 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 . . .) ցցցցց 1 0 1 1 1 ...



→ − ⇒

Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

272

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1011101010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

Nota: Devemos tomar o oposto duas vezes para n˜ ao alterar o resultado. Ap´os tomar o oposto da sequˆencia inicial e demultiplex´a-la tomamos o oposto do “numerador”, assim: → −

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1011101010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

1 0 0 0 0 ... ⇒

1011101010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

Logo, 1100010101 ... =

( ii )

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1111101010 ... ցցցցց 1 1 0 0 0 ...

−→ 1 −→ 2

1 2

−→ −1 −→ 3

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou um inteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo, 1111101010 ... =

( iii )

−1 3

1 0 0 0 0 ... րրրրր 1000010101 ... ցցցցց 0 0 1 1 1 ...

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou um inteiro negativo, mas pela nossa conven¸c˜ao∗ embaixo devemos ter um inteiro positivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequˆencia dada inicialmente, assim: → −

1 0 0 0 0 ... րրրրր −( 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1 . . .) ցցցցց 0 0 1 1 1 ...



→ − ⇒

Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

273

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1111101010 ... ցցցցց 1 1 0 0 0 ...

Nota: Devemos tomar o oposto duas vezes para n˜ ao alterar o resultado. Ap´os tomar o oposto da sequˆencia inicial e demultiplex´a-la tomamos o oposto do “numerador”, assim: → −

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1111101010 ... ցցցցց 1 1 0 0 0 ...

1 0 0 0 0 ... ⇒

1111101010 ... ցցցցց 1 1 0 0 0 ...

Logo, 1000010101 ... =

( iv )

−→ 1 −→ 3

1 3

0 1 0 0 0 ... րրրրր 0111000101 ... ցցցցց 1 1 0 1 1 ...

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou um inteiro negativo, mas pela nossa conven¸c˜ao∗ embaixo devemos ter um inteiro positivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequˆencia dada inicialmente, assim: → −

0 1 0 0 0 ... րրրրր −( 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 . . .) ցցցցց 1 1 0 1 1 ...

→ − ⇒

0 0 1 1 1 ... րրրրր 0100111010 ... ցցցցց 1 0 1 0 0 ...

Nota: Devemos tomar o oposto duas vezes para n˜ ao alterar o resultado. Ap´os tomar o oposto da sequˆencia inicial e demultiplex´a-la tomamos o oposto do “numerador”, assim: → −

0 0 1 1 1 ... րրրրր 0100111010 ... ցցցցց 1 0 1 0 0 ...

0 0 1 0 0 ... ⇒

0100111010 ... ցցցցց 1 0 1 0 0 ...

Logo, 0111000101 ... = ∗

Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

274

4 5

−→ 4 −→ 5

(v)

1 0 1 0 0 ... րրրրր 1100110101 ... ցցցցց 1 0 1 1 1 ...

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou um inteiro negativo, mas pela nossa conven¸c˜ao∗ embaixo devemos ter um inteiro positivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequˆencia dada inicialmente, assim: → −

1 0 1 0 0 ... րրրրր −( 1 1 0 0 1 1 0 1 0 1 . . .) ցցցցց 1 0 1 1 1 ...

→ − ⇒

1 1 0 1 1 ... րրրրր 1011001010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

Nota: Devemos tomar o oposto duas vezes para n˜ ao alterar o resultado. Ap´os tomar o oposto da sequˆencia inicial e demultiplex´a-la tomamos o oposto do “numerador”, assim: → −

1 1 0 1 1 ... րրրրր 1011001010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

1 0 1 0 0 ... ⇒

1011001010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

−→ 5 −→ 2

Logo, 1100110101 ... =

( vi )

1 1 0 1 1 ... րրրրր 1011001010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

5 2

−→ −5 −→ 2

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou um inteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo, 1011001010 ... = ∗

Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

275

−5 2

( vii )

1 1 1 1 1 ... րրրրր 1011101010 ... ցցցցց 0 1 0 0 0 ...

−→ −1 −→ 2

Ent˜ ao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou um inteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo, 1011101010 ... =

8.2

−1 2

O Mito das Ambiguidades nas Representa¸ c˜ oes

O assunto de que vamos tratar nesta se¸c˜ao achamos de extrema relevˆancia para a matem´ atica, inclusive no que diz respeito a constru¸c˜ao de muitos objetos da “matem´ atica superior”, a exemplo da curva de Peano. Em resumo, estamos defendendo a tese de que a ambiguidade que surge na representa¸c˜ ao (decimal, bin´ aria, etc.) de certos n´ umeros ´e um mito, resulta de uma falsa perspectiva, de uma compreens˜ao claudicante. Quando definimos representa¸c˜ao bin´ aria (codifica¸ca ˜o) para as fra¸c˜oes azuis nos deparamos com duas alternativas. eq. (8.2), p. 266 Estas duas alternativas ´e o que denominamos de duplicidade; nos reais canˆ onicos acontece a mesma coisa. Alguns autores confundem duplicidade com ambiguidade, deveras s˜ ao conceitos distintos. Em nosso livro [19] discutimos este assunto mais detalhadamente, aqui voltamos ao tema no contexto dos n´ umeros azuis tentando ver alguns argumentos de uma outra perspectiva, talvez entendamos melhor, sob um novo enfoque. Pois bem, No livro “Meu Professor de Matem´ atica” (4a Edi¸c˜ao) o Prof. Elon Lages Lima, trata das representa¸c˜oes decimais. Na p´ ag. 162, consta: 7. D´ uvidas sobre d´ızimas . . . Duas das mais interessantes entre essas perguntas foram feitas por Sun Hsien Ming, de S˜ ao Paulo, SP. Elas s˜ ao: 1a ) Existe alguma fra¸ca˜o ordin´aria tal que, dividindo-se o numerador pelo denominador, obtenha-se a d´ızima peri´ odica 0, 999 . . .? De momento vai nos interessar a segunda pergunta: a 2 ) O fato de a mesma fra¸c˜ao ordin´aria poder ter duas representa¸c˜oes decimais distintas (como 2/5 = 0, 4000 . . . = 0, 3999 . . .) n˜ ao apresenta inconveniente nem origina paradoxos? Uma boa pergunta. Infelizmente n˜ ao podemos dizer o mesmo da “resposta”. No meu entendimento, o Prof. Elon usa de tergiversa¸c˜ao ao tentar 276

respondˆe-la, como o leitor pode verificar lendo sua resposta no citado livro. No final de sua argumenta¸c˜ ao o Prof. aconselha: “Por isso me parece mais razo´ avel que nos resignemos com a falta de biunivocidade. H´a coisas piores no mundo.” Este n˜ ao me parece um conselho muito s´ abio, embora em um ponto o Prof. tenha raz˜ ao: de fato h´ a coisas piores no mundo como, por exemplo, as bombas sobre hiroshima e nagasaki, ou os pol´ıticos bandidos (ratazanas) que saqueam o nosso pa´ıs. Eu diria que n´ os n˜ ao devemos nos “resignar” com a falta de biunivocidade mas, sim, nos “rejubilar” pelo excesso.† Apenas para situar, no livro∗ lemos: “Antes de definir ϕ, lembremos que os n´ umeros reais admitem n˜ ao somente uma express˜ ao decimal como tamb´em, fixado qualquer n´ umero b > 1, todo n´ umero real possui uma express˜ ao na base b. Em particular, se 0 ≤ x ≤ 1, a express˜ ao x = 0, x1 x2 . . . xn . . . de x na base b significa que x x x x = 1 + 22 + · · · + nn + · · · ” b b b Ainda mais ` a frente, nesta mesma p´ agina, o autor escreve: “Para ver que ϕ ´e injetiva, basta lembrar que, assim como a representa¸ c˜ ao decimal de um n´ umero x ∈ [ 0, 1 ] ´e u ´nica, exceto por ambiguidades do tipo 0, 47999 . . . = 0, 48000 . . .”. (grifo nosso) Nos reais canˆ onicos n˜ ao obtemos uma contradi¸c˜ao oriunda das (supostas) ambiguidades das representa¸c˜oes porque esta (poss´ıvel) contradi¸c˜ao ´e mascarada pela convergˆencia de s´eries. Vejamos um exemplo, segundo este autor 0, 011000 . . . e 0, 010111 . . . s˜ ao duas representa¸c˜ oes, na base 2, de 83 , porquanto 0 0 1 1 0 0 0 3 1 0 1 1 1 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 +··· 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 +··· = 8 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Repetimos, a convergˆencia das s´eries “esconde” (mascara) a contradi¸c˜ao, uma vez que, do ponto de vista da convergˆencia esta dupla igualdade ´e verdadeira; n˜ ao obstante, insistimos, da perspectiva das representa¸c˜oes ela se revela falsa. Nos racionais azuis fica mais f´acil construirmos uma contradi¸c˜ao, caso insistamos na “realidade” das ambiguidades. Observe de onde surgem, em nosso contexto, as duas poss´ıveis representa¸c˜oes de 3/8, assim:  3   −3  3 =− =− 8 8 −8 †

No livro [19] mostramos que de fato temos, n˜ ao uma, mas duas bije¸c˜ oes que nos permitem codificar, digo, obter as representa¸c˜ oes bin´ arias (decimais) de uma fra¸c˜ ao canˆ onica. ∗ Lima, Elon Lages. Espa¸cos M´etricos. Rio de Janeiro: IMPA - CNPq,1993/p. 231

277

Tal como procedemos na p´ agina 267, encontramos, 3 = 1111010001 ... 8 3 = 1101111010 ... 8 Agora admitamos, por um momento, as ambiguidades no seio dos racionais azuis, ent˜ ao: 1111010001 ... =

3 = 1101111010 ... 8

Tendo em conta que duas sequˆencias s˜ ao iguais se o forem termo a termo, resulta 0 = 1. Isto ´e, a admiss˜ao das ambiguidades nos conduz a con´ precisamente isto, sem mais nem menos, o que sucede com as tradi¸c˜ oes! E representa¸c˜ oes canˆ onicas. Observamos que esta perspectiva (duplicidade e n˜ ao ambiguidade) nos permitiu construir o Cubo hiperm´ agico apresentado na p´ agina 135, al´em de simplificar a constru¸c˜ ao da Curva de Peano.

Adendo: Vamos insistir ainda na importante (decisiva) diferen¸ca entre ambiguidade e duplicidade de representa¸c˜oes.

Duplicidade × Ambiguidade

H´a que se fazer distin¸c˜ao entre duplicidade e ambiguidade nas representa¸c˜ oes bin´ arias (ou decimais). Duplicidade significa, precisamente, que temos duas op¸c˜ oes para definir representa¸c˜oes; ambiguidade significa que n˜ ao optamos, ficamos com as duas representa¸c˜oes simultˆ aneamente. − Entendemos uma representa¸c˜ao (bin´ aria no caso) como uma codifica¸c˜ ao dos elementos de um conjunto pelos elementos de um outro conjunto, esta codifica¸c˜ ao se d´ a justamente via bije¸c˜ao. Ora, se uma representa¸c˜ao ´e uma codifica¸c˜ ao, ent˜ ao ´e il´ogico que um objeto seja codificado de formas distintas. Importante! O leitor, com um pouco de reflex˜ao, h´ a de concluir que a existˆencia da representa¸c˜ao (bije¸c˜ao) s´ o ser´ a poss´ıvel se a op¸c˜ao for feita (no caso de haver duplicidade ou at´e multiplicidade) − caso contr´ ario n˜ ao haver´ a bije¸c˜ ao e, em decorrˆencia, n˜ ao poder´ a haver representa¸c˜ao. Ora, uma vez feita a op¸c˜ ao (escolha), as ambiguidades deixam de existir − tornam-se meros fantasmas a assombrar criancinhas desavisadas. Vou insistir, de uma outra perspectiva, na diferen¸ca entre ambiguidade e duplicidade, desta vez me valendo de uma analogia com a inform´ atica. Vejo a quest˜ ao da representa¸c˜ao (decimal, bin´ aria, . . . ) dos reais algo similar ao que acontece com a codifica¸ca ˜o dos caracteres do teclado de um computador, que s˜ ao codificados pela tabela ASCII (American Standard Code for Information Interchange): 278

As

α

s0 1 0 0 0 0 0 1 s0 0 1 1 1 1 0 0

k (0; 0, 8).

(8.16)

´ isto mesmo que o leitor testemunha!: os dois primeiros pontos (0, 4 e 0, 6) E est˜ ao a uma mesma distˆ ancia da origem, e, como se n˜ ao bastasse, o terceiro ponto (0, 8) est´ a mais pr´ oximo da origem que os dois primeiros . . . pasm´em! Poder´ıamos, com inteira raz˜ ao, cham´ a-la de “m´etrica maluca” ou at´e, quem sabe, “m´etrica hipermaluca”. No entanto, vejamos o que o eminente fil´ osofo tem a nos dizer a este respeito: Tudo isso, que ` a primeira vista parece excesso de irraz˜ ao, na verdade ´ e o efeito da finura e da extens˜ ao do esp´ırito humano e o m´ etodo para encontrar verdades at´ e ent˜ ao desconhecidas. (Voltaire)

284

Podemos mostrar que, k(x, 0) =

  x, 

se 0 ≤ x ≤ 12 ;

1 − x,

se

1 2

(8.17)

≤ x < 1.

Esta equa¸c˜ ao nos diz, simplesmente, que se x ´e um ponto na primeira metade do intervalo, ent˜ ao sua distˆ ancia para a origem ´e igual “a ele pr´ oprio”. Se x ´e um ponto na metade direita do intervalo, ent˜ao sua distˆ ancia para a  origem ´e 1 − x. Veja: k(x, 0) = min x, 1 − x 1−x

x 0

s

x

1−x

x

q 21

1

0

q 12

s

x

1

Pois bem, a sequˆencia de somas parciais da s´erie 9 9 9 + + + · · · = 0, 999 . . . 10 100 1000

(8.18) a (q n − 1)

´e dada pela equa¸c˜ ao sn = 1 − 101n , obtida da equa¸c˜ao Sn = 1 q−1 , soma dos n termos de uma P.G. Nota: Podemos, sempre que for conveniente, identificar uma s´erie com uma representa¸c˜ ao decimal, como acima. Pois bem, a s´erie (8.18) converge para 1 na m´etrica usual, veja: 1 1 |sn − 1| = 1 − n − 1 = n → 0 10 10

E converge para 0 na m´etrica quˆantica, observe:

k(sn , 0) = min{sn , 1 − sn } n 1 1 o = min 1 − n , 1 − 1 − n 10 10 o n 1 1 1 = min 1 − n , n = n → 0 10 10 10

Em resumo, provamos que:

0, 999 . . . = 1 0, 999 . . . = 0

285

(eq. (8.17), p. 285)

www.profgentil.com.br [email protected]

Transcender o ego n˜ ao ´e uma aberra¸ca ˜o mental nem uma alucina¸ca ˜o psic´ otica, sen˜ ao um estado ou n´ıvel de consciˆencia infinitamente mais rico, mais natural e mais satisfat´ orio do que o ego poderia imaginar em seus vˆ oos mais desatinados de fantasia. (Ken Wilber/O Espectro da Consciˆenca, p. 21)

Talvez seja muito f´ acil ver atrav´es desse tipo de fic¸co ˜es, por´em muitas outras, como a separa¸ca ˜o entre a vida e a morte e a existˆencia de um mundo objetivo “l´ a fora”, s˜ ao muito mais dif´ıceis de penetrar. A raz˜ ao ´e porque temos sofrido uma completa lavagem cerebral ministrada por pais e pares bem intencionados mas que tamb´em haviam sido submetidos a ` lavagem cerebral, e passamos a confundir uma descri¸ca ˜o do mundo com o pr´ oprio mundo tal como ´e em sua realidade sem nome e sem car´ ater, em sua vacuidade. (Ken Wilber/O Espectro da Consciˆenca, p. 185)/Grifo nosso

286

Cap´ıtulo 9

´ NUMEROS REAIS POR DEDEKIND De fato, pode-se afirmar hoje que, essencialmente, a consistˆencia de toda a matem´ atica existente depende da consistˆencia do sistema dos n´ umeros reais. Nisso reside a tremenda importˆ ancia do sistema dos n´ umeros reais para os fundamentos da matem´ atica. ` Hist´ (Howard Eves/Introdu¸ca ˜o A oria da Matem´ atica, p. 611)

Introdu¸ c˜ ao Para a necessidade da constru¸ca ˜o dos n´ umeros reais valem os mesmos argumentos arrolados para a necessidade da constru¸c˜ao dos n´ umeros inteiros. Vejamos uma analogia: Engenharia Matem´ atica: Assim como um engenheiro em eletrˆ onica desenvolve e implementa seus sistemas eletrˆ onicos de igual modo um matem´ atico desenvolve e implementa seus sistemas matem´ aticos. Observe que uma ´e a perspectiva de quem projeta, outra ´e a do simples usu´ario. Na matem´ atica acontece o mesmo: uma ´e a perspectiva de quem apenas a utiliza outra ´e a perspectiva daquele que projeta e implementa sistemas matem´ aticos. De outro modo: uma ´e a perspectiva daquele que projeta e implementa um software computacional, outra ´e a do simples usu´ario deste software. 287

De todas as constru¸c˜oes dos sistemas num´ericos, a passagem mais delicada e sutil ´e a dos n´ umeros racionais para os n´ umeros reais,

0 → N → Z → Q → R → C

A constru¸c˜ ao dos n´ umeros reais, de maneira l´ogica e fundamentada, ´e um cap´ıtulo interessante na Hist´oria da Matem´atica; embora s´ o realizada no s´eculo XIX, ela tem ra´ızes na Matem´atica grega do s´eculo IV a.C. Neste cap´ıtulo desenvolveremos uma das constru¸c˜oes mais conhecidas em nossos dias, a do matem´ atico Richard Dedekind (1831-1916) apresentada em seu famoso ensaio Stetig und Irrationale Zahlen, publicado em 1872, representando o ponto alto de suas pesquisas, iniciadas em Zurique, onde tornou-se professor em 1858. Dedekind insistiu na vis˜ ao de que os objetos matem´ aticos, aos quais chamamos n´ umeros reais, s˜ ao inven¸ca ˜o do homem. Acreditava que isto era igualmente verdade para os n´ umeros naturais e racionais. Assim, Dedekind foi um dos proponentes da vis˜ ao construtivista dos conceitos matem´ aticos. ([25]) A bem da verdade a constru¸c˜ao aqui apresentada n˜ ao ´e a original de Dedekind, esta sofreu um polimento ao longo das d´ecadas por parte de outros matem´ aticos.

Dedekind A aten¸ca ˜o de Dedekind se voltara para o problema dos n´ umeros irracionais desde 1858, quando dava aulas de c´ alculo. O conceito de limite, ele concluiu, deveria ser desenvolvido atrav´es da aritm´etica apenas, sem usar a geometria como guia, se se desejava que fosse rigoroso. Em vez de simplesmente procurar uma sa´ıda do c´ırculo vicioso de Cauchy, Dedekind se perguntou, como indica o t´ıtulo do seu livro, o que h´ a na grandeza geom´etrica cont´ınua que a distingue dos n´ umeros racionais. Galileu e Leibniz tinham julgado que a “continuidade” de pontos sobre uma reta era consequˆencia de sua densidade − isto ´e, do fato de que entre dois pontos quaisquer existe sempre um terceiro. Por´em os n´ umeros racionais tˆem essa propriedade, no entanto n˜ ao formam um cont´ınuo. Refletindo sobre a quest˜ ao, Dedekind chegou a ` conclus˜ ao de que a essˆencia da continuidade de um segmento de reta n˜ ao se deve a 288

uma vaga propriedade de liga¸ca ˜o m´ utua, mas a uma propriedade exatamente oposta: a natureza da divis˜ ao do segmento em duas partes por um ponto sobre o segmento. Em qualquer divis˜ ao dos pontos do segmento em duas classes tais que cada ponto pertence a uma e somente uma, e tal que todo ponto em uma classe est´ a` a esquerda de todo ponto da outra, existe um e um s´ o ponto que realiza a divis˜ ao. Como Dedekind escreveu “Por essa observa¸ca ˜o trivial o segredo da continuidade ser´ a revelado”. A observa¸ca ˜o podia ser trivial, mas seu autor parece ter tido algumas d´ uvidas quanto a ela, pois hesitou durante alguns anos antes de se comprometer em algo impresso. (Boyer/Hist´oria da Matem´atica)/Grifo nosso Retomando, ainda a bem da verdade, segundo meu entendimento da literatura em quest˜ ao, para o pr´ oprio Dedekind n˜ ao estava claro o que seria um n´ umero real, sen˜ ao vejamos: Na constru¸ca ˜o de Dedekind do conceito de n´ umero irracional, a no¸ca ˜o de corte assume um papel fundamental, no entanto, as express˜ oes utilizadas pelo matem´ atico para referir-se ` a cria¸ca ˜o desse n´ umero s˜ ao pouco claras, gerando at´e uma contradi¸ca ˜o. “Sempre que um corte (A1 , A2 ) n˜ ao seja produzido por nenhum n´ umero racional, criamos um novo n´ umero, um n´ umero irracional α, que consideramos completamente definido por este corte (A1 , A2 ); diremos que o n´ umero α corresponde a este corte, ou que produz este corte” Nesta defini¸ca ˜o parece claro, tal como para Weber, que o n´ umero irracional n˜ ao ´e nada mais do que o pr´ oprio corte, mas Dedekind em carta a Weber defende que um n´ umero irracional n˜ ao ´e um corte, ´e antes algo que corresponde ao corte. Afirma que o poder criativo que atribui ` a mente humana ´e justific´ avel pela semelhan¸ca de todos os n´ umeros. Justifica que existindo igualmente cortes produzidos por n´ umeros racionais, n˜ ao teria sentido, nesse caso, afirmar que um n´ umero racional seria idˆentico ao corte que produz. Da mesma forma, n˜ ao podemos dizer que um n´ umero irracional ´e um corte. Dedekind estabeleceu uma correspondˆencia entre cortes e n´ umeros irracionais e com ela n˜ ao pretendeu identificar as duas entidades mas sim assegurar que ambas verificam as mesmas propriedades. Contudo, as palavras de Dedekind justificam o facto de n˜ ao sabermos a entidade com a qual identificar um n´ umero irracional. [. . . ] ([25]) Como entendo − n˜ ao sei se o leitor estaria de acordo comigo −, o pr´ oprio criador (construtor) dos n´ umeros reais n˜ ao sabia precisamente o que era um n´ umero real. Em nossa mente esta confus˜ ao n˜ ao existe simplesmente porque vemos as coisas de uma outra perspectiva, assim: 289

⇐⇒

.. .

.. .

Um n´ umero real ´e uma abstra¸c˜ao, ´e o que resulta quando implementamos o “jogo” dado no retˆ angulo amarelo da p´ agina seguinte. N˜ao temos porque ficar discutindo o que ´e um rei, se ´e a “pe¸ca propriamente dita” ou se ´e um caro¸co de feij˜ ao. Pouco importa, o que interessa ´e que um caro¸co de feij˜ ao ´e um rei quando estiver sendo manipulado como tal na estrutura xadrez, a sua cara ou a sua cor n˜ ao importam. Desta perspectiva veremos que o pr´ oprio Dedekind se equivocou quanto ao que seja um n´ umero real, veremos que − ao contr´ ario do que ele afirma acima − um n´ umero real ´e um corte sim!

Ademais, o seguinte argumento de Dedekind n˜ ao procede: “Justifica que existindo igualmente cortes produzidos por n´ umeros racionais, n˜ ao teria sentido, nesse caso, afirmar que um n´ umero racional seria idˆentico ao corte que produz.”. Ainda aqui Dedekind comete um equ´ıvoco pois um n´ umero racional de fato ´e idˆentico ao corte que produz, como veremos oportunamente. (p. 347) No pr´ oximo cap´ıtulo estaremos construindo os n´ umeros reais por um outro processo, l´ a um n´ umero real ser´ a um outro objeto, uma classe de a o mesmo. equivalˆencia de sequˆencias de Cauchy, no entanto o “jogo” ser´ ∗





“Como vimos, esta amplia¸ca˜o do conceito de n´umero tornou-se poss´ıvel pela cria¸ca˜o de novos n´ umeros na forma de s´ımbolos abstratos como 0, −2, 3/4. Hoje em dia, quando lidamos com estes n´ umeros normalmente, ´e dif´ıcil acreditar que at´e o s´eculo XVII n˜ ao eram geralmente creditados com a mesma legitimidade que a dos inteiros positivos, e que eram utilizados, quando necess´ario, com uma certa dose de d´ uvida e apreens˜ao. A inerente tendˆencia humana a apegar-se ao “concreto”, conforme exemplificado pelos n´ umeros naturais, foi respons´ avel por esta lentid˜ ao em dar um passo inevit´ avel. Somente na esfera do abstrato um sistema satisfat´ orio de aritm´etica pode ser escrito.” (O que ´e Matem´ atica/ Richard Courant & Herbert Robbins, p. 65) 290

9.1

Constru¸c˜ ao dos Reais

Para construirmos os n´ umeros reais precisamos antes saber aquilo que desejamos construir, isto ´e, o que s˜ ao os n´ umeros reais. O conjunto dos n´ umeros reais, conforme j´a mencionamos no primeiro cap´ıtulo, ´e uma estrutura num´erica, a qual pode ser vista assim: R = (R, +, ·) A bem da verdade o que caracteriza (fixa) o sistema dos n´ umeros reais ´e o fato de que estas opera¸c˜ oes satisfazem um certo n´ umero de propriedades que s˜ ao as “especifica¸ co ˜es do sistema”, listadas a seguir∗ : A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a

R

M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

O significado de Ordenado ´e o mesmo dado para os n´ umeros inteiros, p. 154. Au ´ltima propriedade, posta em destaque, ´e a principal propriedade que diferencia o sistema R do sistema Q, veja quadro `a p´ agina 219. Au ´ltima propriedade, “completeza”, est´ a definida nas p´ aginas 351, 443. Por oportuno, se algu´em perguntar a vocˆe leitor o que ´e um n´ umero real, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo acima e entregue-lhe. Um n´ umero real ´e um s´ımbolo manipulado segundo estas regras. Este ´e o software ou esp´ ırito dos n´ umeros reais, no entanto, este software pode rodar em dispositivos v´arios; ou ainda: este esp´ırito pode encarnar em corpos diversos. ∗

Para todo a, b e c em R.

291

Vamos juntar estas 11 propriedades (especifica¸c˜oes) em um conjunto denotado por Γ: Γ = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, M4, D, Ordenado, Completo } Uma observa¸c˜ ao importante, e pertinente, ´e que esta n˜ ao ´ e a apresenta¸c˜ ao axiom´atica dos n´ umeros reais, tal como comparece em livros de An´alise Real. A diferen¸ca ´e que numa apresenta¸c˜ao axiom´atica se pede do leitor que aceite estas propriedades como axiomas (“verdades evidentes”), aqui n˜ ao, n˜ ao exigimos nenhuma f´e por parte do leitor pois as demonstraremos todas. De nossa perspectiva diremos que estas s˜ ao as especifica¸ co ˜es do sistema. Engenharia Matem´ atica: Assim como um engenheiro em eletrˆ onica desenvolve e implementa seus sistemas eletrˆ onicos de igual modo um matem´ atico desenvolve e implementa seus sistemas num´ericos ou alg´ebricos. Assim como o engenheiro sabe como cada fio se interliga ` a entrada ou sa´ıda de cada dispositivo para produzir o resultado desejado, igualmente o matem´ atico sabe como interligar seus lemas, teoremas e proposi¸c˜oes para produzir o resultado desejado. Uma ´e a perspectiva do construtor, outra a do usu´ario. Um matem´ atico ao utilizar-se de um sistema (hardware) desenvolvido por um engenheiro ignora suas “conex˜oes intr´ınsecas”, de igual modo, um engenheiro ao utilizar-se de um sistema desenvolvido por um matem´ atico ignora suas “conex˜oes intr´ınsecas”. Veremos que isto ´e verdade em particular no que diz respeito ao sistema dos n´ umeros reais que iremos construir. A prop´osito, reveja o desafio `a p´ agina 113. ∗





As defini¸co ˜es de n´ umeros real s˜ ao, como Hankel indicara que deviam ser, constru¸co ˜es intelectuais baseadas nos n´ umeros racionais, em vez de algo imposto ` a matem´ atica do exterior. Das defini¸co ˜es acima, uma das mais populares tem sido a de Dedekind. No come¸co do s´eculo, uma modifica¸ca ˜o do corte de Dedekind foi proposta por Bertrand Russel (1872-1970). Ele notou que como qualquer das duas classes A, B de Dedekind ´e univocamente determinada pela outra, uma s´ o basta para a determina¸ca ˜o de um n´ umero real. (Grifo nosso) (Boyer & Uta C. Merzbach/Hist´ oria da Matem´ atica, p. 395)

292

9.2

O que ´ e um corte

Defini¸ c˜ ao 51 (Corte). Seja α um subconjunto de Q. Dizemos que α ´e um corte se satisfaz as seguintes condi¸c˜oes: i ) α 6= ∅ e α 6= Q; ii ) se r ∈ α e s < r, ent˜ ao s ∈ α; iii ) em α n˜ ao existe elemento m´ aximo.

Exemplos:  a) O conjunto α = x ∈ Q : x < −4 p

−3 p

. . . −4 p

−3 p

...

− 25

− 25

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 12

− 12

5 2



0p

´e um corte. 1 2

1 2

0p

(s racional)

1p

2p

1p

2p

5 2

5 2

3p

4p

...

Q

α

Prova: i ) α 6= ∅, pois, 1 ∈ α. Ainda, α 6= Q, pois, 3 ∈ Q e 3 6∈ α.

ii ) Seja r ∈ α e s < r, ent˜ ao, s < r < 52 , logo, s < 25 , ent˜ao s ∈ α. iii ) Suponhamos, ao contr´ ario, que exista um elemento m´ aximo em α, digamos m. Por defini¸c˜ ao de m´ aximo, x ≤ m para todo x ∈ α. Temos que m < 25 , pelo teorema 45 (p. 245), existe um racional t satisfazendo m < t < 52 , ...

−4 p

−3 p

− 25

−2 p

−1 p

− 21

1 2

0p

5 2

1p

2p m

α

Sendo assim encontramos um racional t em α que ´e maior do que m, contradizendo a maximalidade de m. Logo, α n˜ ao tem m´ aximo. Assim, o conjunto α satisfaz as condi¸c˜ oes i ), ii ) e iii ), logo ´e um corte.   5 b) O conjunto α = x ∈ Q : x > 2 n˜ ao ´e um corte. ...

−4 p

−3 p

− 25

−2 p

−1 p

− 12

0p

1 2

1p

2p

5 2

5 2

3p

4p

...

Q

3p

4p

...

α

Prova: Vamos mostrar que o iten ii ) da defini¸c˜ao de corte n˜ ao ´e satisfeito. Com efeito, tome r = 3 ∈ α e s = 0, temos s < r, no entanto s 6∈ α.  293

Proposi¸ c˜ ao 26. Sejam α um corte e r ∈ Q. Ent˜ao, r ´e cota superior de α se, e somente se, r ∈ Q − α.

Antes da prova veja um caso particular − e geom´etrico − desta proposi¸c˜ ao, ...

...

−4 p

−4 p

−3 p

−3 p

− 52

− 52

−2 p

−2 p

−1 p

−1 p

− 12

− 12

0p

0p

1 2

1 2

1p

2p

1p

2p

r

3p

4p

...

Q

4p

...

Q − {α}

α r

3p

Prova: (⇒) Sendo r uma cota superior de α ent˜ao x ≤ r, para todo x ∈ α; por outro lado, o item iii ) da defini¸c˜ao de corte pro´ıbe que α tenha elemento m´ aximo, sendo assim, r 6∈ α, logo, r ∈ Q − { α }.

(⇐) Seja α um corte e r ∈ Q − { α }. Vamos provar que r ´e cota superior de α. Seja s um racional arbitr´ario em α; temos dois casos a considerar: r < s, ou r ≥ s. Se o primeiro caso ocorre segue, pela defini¸c˜ao de corte, que r ∈ α, o que contradiz uma das hip´ oteses acima. O segundo caso prova que r ´e uma cota superior de α, que ´e na nossa tese.  A pr´ oxima proposi¸c˜ ao generaliza o exemplo a) visto anteriormente. Proposi¸ c˜ ao 27. Seja r ∈ Q e α = { x ∈ Q : x < r }, ent˜ao α ´e um corte e r ´e a menor cota superior de α. Prova: i ) α 6= ∅, pois, r − 1 ∈ α. Ainda, α 6= Q, pois, r ∈ Q e r 6∈ α.

ii ) Seja s ∈ α e t < s. Assim t < s < r. Logo, t < r, isto ´e, t ∈ α. iii ) Suponha, ao contr´ ario, que α tenha elemento m´ aximo, digamos, m. Sendo assim, x ≤ m para todo x ∈ α. Como m ∈ α, ent˜ao m < r. Pelo teorema 45 (p. 245), vale, m+r m< s, i.e., s < t, mas pelo item ii ) da defini¸c˜ ao de corte s ∈ α. Portanto, de fato (9.1) se verifica. 

A reta racional ´ e porosa

Se observarmos a reta racional atrav´es de uma “lente poderosa” podemos constatar que a mesma est´ a cheia de buracos, ´e, por assim dizer, toda porosa. Vamos exibir ao leitor um destes buracos. Inicialmente observamos que uma simples equa¸c˜ ao tipo x2 = 2 n˜ ao tem solu¸c˜ao nos racionais. Ou ainda, a diagonal de um quadrado de lado unit´ ario n˜ ao pode ser expressa por um n´ umero racional. De fato, do teorema de Pit´ agoras decorre

d

1

=⇒

d 2 = 12 + 12 = 2 ⇒ d 6∈ Q.

1 Os pit´ agoricos j´a tinham conhecimento de que: N˜ao existe um n´ umero racional cujo quadrado seja igual a 2. Este ´e o conte´ udo da pr´ oxima

295

Proposi¸ c˜ ao 29. Se r ∈ Q ent˜ ao r 2 6= 2. Prova: Utilizaremos a t´ecnica (T − 3) (Redu¸c˜ao ao absurdo, p. 495)  H ∧ ¬ T =⇒ f

H =⇒ T ⇐⇒

2 De fato, suponhamos que r = pq ∈ Q e que r 2 = pq = 2. Podemos, sem perda de generalidade, supor p e q positivos e primos entre si (caso contr´ ario poder´ıamos simplific´a-los). Da u ´ltima igualdade acima resulta 2 2 2 p = 2 q . Sendo 2 q um n´ umero par, p ter´ a de ser par (porque o quadrado de um n´ umero ´ımpar seria ´ımpar), conseq¨ uˆentemente, q dever´ a ser ´ımpar, sob pena de possuir com p o divisor comum 2. E mais: j´a que p ´e par, poder´ a ser escrito sob a forma p = 2 k, para algum k inteiro. Sendo assim, teremos (2 k)2 = 4 k2 = 2 q 2 =⇒ 2 k2 = q 2 , o que nos permite concluir que q ´e um n´ umero par. Portanto, q teria que ser ´ımpar e par, simultaneamente, o que ´e um absurdo.  Podemos concluir que a reta racional ´e “porosa” , isto ´e, possui buracos. Respaldados na proposi¸c˜ao anterior construimos na figura a seguir um destes buracos,

d

0p

1 1p

Q

d

O buraco assinalado foi obtido tra¸cando-se um arco da circunferˆencia centrada em 0 e raio igual `a hipotenusa. Retomando, o exemplo a seguir mostra que existem cortes que n˜ ao possuem cota superior m´ınima, logo, que n˜ ao s˜ ao cortes racionais. Proposi¸ c˜ ao 30. Consideremos o seguinte subconjunto dos racionais,  α = { x ∈ Q : x ≤ 0 } ∪ x ∈ Q : x > 0 e x2 < 2

Ent˜ ao, α ´e um corte que n˜ ao ´e racional.

Antes da prova vejamos este conjunto geometricamente, ...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

0p

0p

1 2

1 2

296

1p

1p

2p

α

3p

4p

...

Q

Do diagrama a seguir 12 = 1 < 2 < 22 = 4 (1, 4)2 = 1, 96 < 2 < (1, 5)2 = 2, 25 (1, 41)2 = 1, 9881 < 2 < (1, 42)2 = 2, 0264 (1, 414)2 = 1, 999396 < 2 < (1, 415)2 = 2, 002225 (1, 4142)2 = 1, 99996164 < 2 < (1, 4143)2 = 2, 00024449 ↑ ↑ concluimos que o buraco encontra-se entre os dois racionais assinalados. Os n´ umeros racionais da sequˆencia: 1; 1, 4; 1, 41; 1, 414; 1, 4142; . . . pertencem todos a α. Prova: i ) α 6= ∅, pois, 1 ∈ α. Ainda, α 6= Q, pois, 2 ∈ Q e 2 6∈ α.

ii ) Sejam r ∈ α e s ∈ Q com s < r. − Se s ≤ 0 ent˜ ao, por defini¸c˜ ao de α, temos que s ∈ α;

− Se s > 0, como s < r, resulta s2 < r 2 < 2, portanto, s ∈ α. iii ) Vamos agora provar que α n˜ ao possui um elemento m´ aximo, ...

−4 p

−3 p

− 52

−2 p

−1 p

− 12

0p

1 2

α 1p r րտ s

para cada r ∈ α vamos mostrar que ´e poss´ıvel encontrar um racional s ∈ α tal que r < s. Se r ≤ 0, tome s = 1 ∈ α, temos r < s.

Seja r > 0, como r ∈ α, temos r 2 < 2, logo, 2 − r 2 > 0. Tomemos h ∈ Q, satisfazendo, 2 − r2 (9.2) 0 0 e q 2 > 2 Mostraremos que, fixada arbitr´ariamente uma cota superior q, podemos exibir outra cota superior p tal que p < q. Com efeito, seja q uma cota 2 superior de α. Tomemos p = q − q 2q−2 , observe que, 0 < p < q ⇔ 0 < q−

q2 − 2 2q 2 − (q 2 − 2) q2 + 2 p. Antes da prova veja um caso particular − e geom´etrico − desta proposi¸c˜ao, ...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 25

− 25

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

0p

0p

1 2

1 2

1p

1p

p

2p

3p

2p

α

3p

q

4p

...

Q

4p

...

Q − {α}

Prova: Pelo teorema 40 (p. 239) temos trˆes possibilidades: q < p ou q = p ou q > p. Por ambas as hip´ oteses da proposi¸c˜ao descartamos a possibilidade q = p. Quanto ` a primeira hip´ otese, q < p, resultaria, pela defini¸c˜ao de corte, que q ∈ α, contrariando uma das hip´ oteses. Logo, s´ o resta q > p. 

Hardware dos Reais Denotaremos por C o conjunto de todos os cortes. Este ´e o hardware sobre o qual deveremos erigir o sistema dos n´ umeros reais − de tal modo que todas as especifica¸c˜ oes no retˆ angulo amarelo da p´ agina 291 sejam satisfeitas. Em s´ımbolos:

R =( C, ↑

Hardware

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a

R

M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

)



Software

Enfatizamos que na presente constru¸c˜ao do sistema dos n´ umeros reais um n´ umero real ser´ a nada mais nada menos que um corte.

299

Opera¸ c˜ oes em C

9.3

O teorema a seguir nos permitir´a definir a opera¸c˜ao de adi¸c˜ao de cortes. Teorema 47. Sejam α, β ∈ C, ent˜ao o conjunto a seguir, γ = { r + s: r ∈ α e s ∈ β } tamb´em ´e um corte; isto ´e, γ ∈ C. Antes da prova do teorema vejamos um exemplo,   5 ∗  5 α= = x ∈ Q: x < e β = 4∗ = { x ∈ Q : x < 4 } 2 2 Sendo assim, temos  r∈α ⇒ r<

5 2

⇒ r+s<

s∈β ⇒ s r, ∀ r ∈ α   Sejam ⇒ t + u > r + s, ∀ r ∈ α e ∀ s ∈ β    u ∈ Q − β ⇒ u > s, ∀ s ∈ β 300

Nota: Na primeira implica¸c˜ ao acima utilizamos a proposi¸c˜ao 31 (p. 299). Do quadro acima concluimos que t + u 6∈ γ, logo, γ 6= Q.

ii ) Sejam r ∈ γ e s ∈ Q com s < r. Devemos provar que s ∈ γ. Para provar que s ∈ γ precisamos construir um t ∈ α e um u ∈ β, de modo que s = t + u. Temos, r ∈ γ ⇔ r = a + b para algum a ∈ α e algum b ∈ β. De s < r segue que s < a + b, da´ı s − a < b; com b ∈ β, segue que s − a ∈ β. Ent˜ ao, s = |{z} a + (s − a), com a ∈ α e (s − a) ∈ β. | {z } t

Logo, s ∈ γ.

u

iii ) Devemos provar que γ n˜ ao tem m´ aximo, isto ´e, para todo r ∈ γ existe s ∈ γ com r < s. Temos, r ∈ γ ⇔ r = a + b para algum a ∈ α e algum b ∈ β. Como α e β n˜ ao tˆem m´ aximo, existem racionais t ∈ α e u ∈ β com a < t e b < u; da´ı a + b < t + u. Tomando-se s = t + u, tem-se r < s, com s ∈ γ. Assim, provamos que γ n˜ ao tem elemento m´ aximo. Como i ), ii ) e iii ) se verificam, segue que γ ´e um corte. 

9.3.1

Adi¸c˜ ao

Defini¸ c˜ ao 53 (Adi¸c˜ ao). Sejam α, β ∈ C, ent˜ ao o conjunto a seguir, γ = { r + s: r ∈ α e s ∈ β } denomina-se soma de α e β e ´e indicado por α + β. A opera¸c˜ ao que a cada par (α, β) ∈ C × C de cortes associa sua soma α + β denomina-se adi¸ c~ ao e ´e indicada por +. Nota: Para um exemplo geom´etrico de soma veja a figura da p´ agina 300.

301

Propriedades da adi¸ c˜ ao Teorema 48 (Associatividade). Sejam α, β, γ ∈ C, cortes quaisquer. Vale a seguinte igualdade: A1 ) (α + β) + γ = α + (β + γ). Prova: Devemos provar que, α + (β + γ) ⊂ (α + β) + γ

e

(α + β) + γ ⊂ α + (β + γ)

(⇒) α + (β + γ) ⊂ (α + β) + γ. Ent˜ao, x ∈ α+ (β + γ) ⇔ x = a+ (b+ c) para algum a ∈ α, b ∈ β e algum c ∈ γ. Tendo em conta a associatividade em Q, escrevemos, x ∈ α+ (β + γ) ⇔ x = (a+ b)+ c para algum a ∈ α, b ∈ β e algum c ∈ γ. Como foi poss´ıvel escrever x como, x = (a+b)+c, com a ∈ α, b ∈ β e c ∈ γ, segue que: x ∈ (α + β) + γ. Portanto, x ∈ α + (β + γ) ⇒ x ∈ (α + β) + γ Logo, α + (β + γ) ⊂ (α + β) + γ.

(⇐) (α + β) + γ ⊂ α + (β + γ). An´alogo.



Teorema 49 (Elemento neutro). O corte 0∗ ´e o elemento neutro para a adi¸c˜ ao em C. Prova: Devemos provar que: α + 0∗ = α, ∀ α ∈ C, ou seja, que α + 0∗ ⊂ α

e

α ⊂ α + 0∗

(⇒) α + 0∗ ⊂ α.

Lembramos que 0∗ = { x ∈ Q : x < 0 }. Temos: x ∈ α + 0∗ ⇔ x = a + b para algum a ∈ α e algum b ∈ 0∗ .

Sendo assim, b ⇒ −q < − ⇒ −q ∈ − ⇒ q≥ 2 2 2 2 2 307

Na segunda implica¸c˜ ao usamos o fato de que q n˜ ao ´e cota superior m´ınima ∗ de 25 . Sendo assim, temos: q − p = −r ⇒ r = p + (−q)

Logo, ´e suficiente tomar t = −q. Geometricamente, temos: ...

...

...

...

−4 p

−4 p

−4 p

−4 p

−3 p

−3 p

−3 p

−3 p

− 52

− 52

− 52

− 25

t

−2 p

−2 p

−2 p

−1 p

r

−1 p

−1 p

β= −

5 2

− 21

− 21

− 21

0p

0

1 2

1p

2p

3p

4p

...

Q

−r

0∗ p

0p

5 2

1p

2p

5 2

α=

5 2

∗

∗

Vamos tentar estender as ideias deste caso particular para o geral. Dado α ∈ C o candidato a oposto de α, ´e o conjunto obtido pelos negativos dos elementos que est˜ ao fora de α, { p ∈ Q : − p 6∈ α } por exemplo: p ∈ Q − 52 . . . −4 p −3 p −2 p ...

...

−4 p

−4 p

−3 p

−3 p

− 52

− 52

−2 p

−2 p

−1 p

−1 p

−1 p

p ∈ Q − 52 . . . −4 p −3 p β = −

5 2

− 21

− 21

− 21

0p

0

1 2

1p

2p

5 2

3p

4p

...

Q

0∗

0p

1p

2p

5 2

5 2

∗

α=

• 3p

5 2

∗

−p 6∈ α 4p . . .

com exce¸c˜ ao da eventual cota superior m´ınima de α (bolinha em azul na figura acima), isto ´ e, β = { p ∈ Q : − p 6∈ α e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α } 308

Por oportuno, observe que, 5 ∗ 5 ∗ n = p ∈ Q : −p 6∈ e −p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de − 2 2

5 ∗ o 2

Prova: Vamos inicialmente provar que o conjunto a seguir ´e um corte β = { p ∈ Q : − p 6∈ α e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α } i)

β 6= ∅ e β 6= Q;

Para mostrar que β 6= ∅ consideremos dois casos: • α n˜ ao possui cota superior m´ınima:

(corte n˜ ao racional)

Como α ´e um corte, ent˜ ao α 6= Q e, portanto, existe q ∈ Q tal que q 6∈ α. Fa¸camos p = −q, logo, p = −q ∈ Q e −p = q 6∈ α. Sendo assim p ∈ β e, portanto, β 6= ∅. • α possui cota superior m´ınima:

(corte racional)

Digamos que m seja a cota superior m´ınima de α, logo, m 6∈ α e∗ com isso m + 1 6∈ α. Fa¸camos p = −(m + 1), logo, p = −(m + 1) ∈ Q e −p = m + 1 6∈ α e, ademais, −p = m + 1 > m n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α, assim p ∈ β e, portanto, β 6= ∅. Para mostrar que β 6= Q consideremos novamente dois casos: • α n˜ ao possui cota superior m´ınima:

Como α ´e um corte, ent˜ ao α 6= ∅ e, portanto, existe r ∈ α. Fa¸camos p = −r, logo, p = −r ∈ Q e, ademais, −p = r ∈ α, e, portanto, p 6∈ β e p ∈ Q, isto ´e, β 6= Q. • α possui cota superior m´ınima: Digamos que m seja a cota superior m´ınima de α. Pela proposi¸c˜ao 28 (p. 295) α ´ e um corte racional e, pela proposi¸c˜ao 27 (p. 294), podemos escrever α = { x ∈ Q : x < m }, logo, m − 1 ∈ α. Fa¸camos p = −(m − 1), logo, p = −(m − 1) ∈ Q e −p = m − 1 ∈ α, logo, p 6∈ β e p ∈ Q, isto ´e, β 6= Q. ii )

Se q ∈ β e p < q, ent˜ ao p ∈ β.

Seja q ∈ β e p < q, devemos mostrar que p ∈ β. Como q ∈ β, temos que −q 6∈ α e −q n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α. Como p < q, ent˜ao, −q < −p

(9.3)

logo, −p 6∈ α (se −p ∈ α deveriamos ter −q ∈ α (α ´e corte)). Ademais, pela proposi¸c˜ ao 31 (p. 299), −q > t, ∀ t ∈ α, isto ´e, −q ´e cota superior de α, logo, por (9.3), −p n˜ ao pode ser cota superior m´ınima de α. ∗

Se m ∈ α , m seria elemento m´ aximo de α, o que contradiz a defini¸c˜ ao de corte.

309

...

−4 p

−3 p

−2 p

−1 p

...

−4 p

−3 p

−2 p

−1 p

−3 p

β

p t, ∀ t ∈ α, isto ´e, −q ´e cota superior de α, como α n˜ ao possui cota superior m´ınima, existe uma outra cota superior s de α tal que s < −q, ou ainda, q < −s; tome p = −s. Observe que p ∈ β porque atende a duas condi¸c˜oes: ( −p = s 6∈ α −p = s n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α.

• α possui cota superior m´ınima:

Lembramos: Seja q ∈ β, devemos mostrar que existe p ∈ β tal que q < p. Digamos que m seja a cota superior m´ınima de α. Fa¸camos p=

−m + q ∈Q 2

Como q ∈ β, temos −q 6∈ α, ou seja, ´e uma cota superior de α (prop. 31, p. 299) mas n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α (pela defini¸c˜ao de β), portanto, m < −q, logo, q < −m. Sendo assim, temos: q < −m ⇒

−m q q −m q q < ⇒ + < + 2 2 2 2 2 2

Por outro lado, p=

−m q −m + q = + 2 2 2 310

Sendo assim, p= Ainda, m < −q ⇒

−m q q q + > + =q 2 2 2 2

−q m m m −q m < ⇒ + < + 2 2 2 2 2 2

Por outro lado, −p =

m q m m m−q = − > + =m 2 2 2 2 2

Portanto, −p 6= m. Como −p > m, ent˜ao −p 6∈ α. Sendo assim, como p ∈ Q, −p 6∈ α e −p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α, temos que p ∈ β, logo, β n˜ ao possui m´ aximo. Agora vamos mostrar que α + β = 0∗ . Devemos verificar duas inclus˜oes: (⇒) α + β ⊂ 0∗ . Lembramos que 0∗ = { x ∈ Q : x < 0 }. Temos: x ∈ α + β ⇔ x = q + p para algum q ∈ α e algum p ∈ β. Lembramos: β = { p ∈ Q : − p 6∈ α e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α } Logo, p ∈ Q, −p 6∈ α e −p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α. Como q ∈ α e −p 6∈ α, segue que (prop. 31, p. 299) q < −p, logo, q + p < 0, isto ´e, x = q + p < 0, portanto, x ∈ 0∗ . (⇐) 0∗ ⊂ α + β.

Seja r ∈ 0∗ , para mostrar que r ∈ α + β devemos construir racionais p e t tais que r = p + t com p ∈ α e t ∈ β. (9.4)

Se r ∈ 0∗ temos que −r > 0. Pelo lema 15 (p. 303) existem p ∈ α e q 6∈ α tais que: q − p = −r. q n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α. Temos, q − p = −r ⇒ r = p − q

Fa¸camos t = −q. Sendo assim, t ∈ Q, −t = q 6∈ α e −t = q n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α, portanto, t ∈ β e (9.4) est´ a satisfeita.

311

−4 p

−3 p

. . . −4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

...

t

−3 p

− 52

− 52

− 52

−2 p −2 p

−1 p

r

−2 p

− 21

−1 p

−1 p

0p

0

− 21

1 2

1p

2p

4p

...

Q

−r

0∗

p 0p

3p

1p

2p

α q

β

(Unicidade): Suponhamos que existam β e β ′ satisfazendo, α + β = α + β ′ = 0∗ Ent˜ ao, β ′ = β ′ + 0∗ = β ′ + (α + β) = (β ′ + α) + β = 0∗ + β = β  Nota¸ c˜ ao: O corte β, objeto do teorema 51 (p. 307), ´e chamado sim´etrico ou oposto aditivo de α e ser´ a denotado por −α. Logo, se α ∈ C, temos: −α = { p ∈ Q : − p 6∈ α e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α } De passagem observe que −0∗ = 0∗ . De fato, −0∗ = { p ∈ Q : − p 6∈ 0∗ e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de 0∗ } Escrevendo 0∗ = { p ∈ Q : p < 0 } Temos −0∗ = { p ∈ Q : −p 6∈ 0∗ e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de 0∗ } | {z } −p ≥ 0

= { p ∈ Q : − p > 0} = { p ∈ Q : p < 0} = 0∗ 312

Com isto encerramos a prova das quatro primeiras propriedades em Γ: Γ = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, M4, D, Ordenado, Completo } | {z }

X

Defini¸ c˜ ao 54 (Subtra¸c˜ ao). Dados α, β ∈ C definimos a subtra¸c˜ao por α − β = α + (−β) Proposi¸ c˜ ao 32. Se α ∈ C, ent˜ ao, α = −(−α). Prova: Temos, α + (−α) = 0∗ ⇒ (−α) + α = 0∗ ⇒ α = −(−α)  Antes de definir a multiplica¸c˜ao de cortes deveremos introduzir uma rela¸c˜ao de ordem em C.

9.4

Rela¸c˜ ao de ordem em C

Iniciaremos definindo uma rela¸c˜ao de ordem em C pois esta ser´ a utilizada na defini¸c˜ ao de multiplica¸c˜ ao de cortes. Defini¸ c˜ ao 55. Sejam α e β dois cortes em C. Dizemos que α ´e menor do que β e escrevemos α < β quando β − α 6= ∅. Observe que para mostrar que α < β, devemos mostrar que β − α 6= ∅, isto ´e, que existe um racional p ∈ β tal que p 6∈ α.

A nota¸c˜ ao > tem o seguinte sentido: α < β ⇐⇒ β > α. Exemplos:

Antes lembramos que, segundo a nota¸c˜ao feita na defini¸c˜ao 52 (p. 295), temos, por exemplo,   5 ∗  5 = x ∈ Q: x < e 4∗ = { x ∈ Q : x < 4 } 2 2

313

a)

 5 ∗ 2 ...

< 4∗ , pois 3 ∈ 4∗ −

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

 5 ∗ 2 . − 21

− 21

− 21

Geometricamente, temos,

0p

0p

0p

1 2

1 2

1 2

1p

2p

1p

2p

1p

2p

5 2

5 2

5 2

b) 1∗ > 0∗ , pois

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

1 2

3p

α=

4p

...

Q

 5 ∗ 2

3p

4

β = 4∗

3p

4

β − α 6= ∅

4p

...

∈ 1∗ − 0∗ . Geometricamente, temos,

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

− 21

0p

0p

0

1 2

1p

1 2

1

2p

3p

1∗

0∗ 1 2

314

1∗ − 0∗ 6= ∅

Q

c) (−2)∗ < 0∗ , pois −1 ∈ 0∗ − (−2)∗ . Geometricamente, temos,

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 25

− 25

− 25

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2

−2

− 12

− 21

0p

0

1 2

1p

2p

5 2

3p

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 25

− 25

− 25

−2 p

...

Q

0∗

(−2)∗

−1 p

0

0∗ − (−2)∗

d) Se α = { x ∈ Q+ : x2 < 2 } ∪ Q− , ent˜ao α < 2∗ , pois

...

4p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 12

− 12

− 12

0p

0p

0p

1 2

1 2

1 2

1p

1p

1p

2p

3p

15 10

4p

∈ 2∗ − α.

...

Q

α

2

2∗

2∗ − α

Observe que o buraco na reta racional foi aquele construido na p´ agina 296. Defini¸ c˜ ao 56 (Positivo e negativo). • Se α ∈ C e α > 0∗ , α chama-se corte positivo; • Se α ∈ C e α < 0∗ , α chama-se corte negativo.

315

Proposi¸ c˜ ao 33. Para α, β ∈ C, valem as seguintes equivalˆencias: a) α < β ⇔ α ⊂ β e α = 6 β; b) α ≤ β ⇔ α ⊂ β.

Antes da prova veja um caso particular − e geom´etrico − desta proposi¸c˜ ao,

α= ...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

− 21

 5 ∗ 2 0p

0p

0p

< β = 4∗ 1 2

1 2

1 2

1p

2p

1p

2p

1p

2p

5 2

5 2

3p

α=

3p

4p

...

α⊂β α 6= β

 5 ∗ 2 4

Q

β = 4∗

Prova: a) (⇒) Se α < β ent˜ ao, pela defini¸c˜ao 55 (p. 313), existe p ∈ β tal que p 6∈ α, sendo assim α 6= β. Suponhamos que α 6⊂ β, logo, existe p ∈ α tal que p 6∈ β; ora, mas se isto ocorre, ent˜ao β < α, contrariando assim a hip´ otese. Logo, α ⊂ β. (⇐) Se α ⊂ β e α 6= β, ent˜ao existe p em β tal que p n˜ ao est´ a em α, logo, β − α 6= ∅, segue que α < β.

b) (⇒) Se α ≤ β ent˜ ao, α < β o α = β. Se α < β, pelo item anterior α ⊂ β. Se α = β, ent˜ ao α ⊂ β. (⇐) Se α ⊂ β decorre do item anterior que α < β, ou seja, α ≤ β. 

Nota: Observe que esta proposi¸c˜ao nos fornece uma outra alternativa para se definir uma rela¸c˜ ao de ordem em C, assim: Defini¸ c˜ ao 57. Sejam α e β dois cortes em C. Definimos i) α < β ⇔ α ⊂ β e α 6= β;

ii) α ≤ β ⇔ α ⊂ β.

316

Teorema 52 (Tricotomia). Sejam α, β ∈ C, ent˜ao uma e somente uma das possibilidades a seguir ocorre: α=β

ou

αβ

Prova: • Assumindo α = β devemos provar que as outras duas possibilidades n˜ ao podem ocorrer. Ent˜ ao,

α=β ⇒

b) a)  α ⊂ β ⇒ α ≤ β, se α < β ⇒ α 6= β → ←    b) a)    β ⊂ α ⇒ β ≤ α, se β < α ⇒ β 6= α → ←

a) α < β ⇔ α ⊂ β e α 6= β; b) α ≤ β ⇔ α ⊂ β.

A primeira implica¸c˜ ao acima decorre da defini¸c˜ao de igualdade de conjuntos. a) e b) referem-se aos itens da proposi¸c˜ao 33 (p. 316), os quais colocamos em destaque no retˆ angulo acima. • As possibilidades α < β ou α > β excluem α = β, como vemos no diagrama, a)   Se α < β ⇒ α 6= β     

a) Se β < α ⇒ β 6= α

• Mostremos agora que as possibilidades α < β ou α > β se excluem mutuamente. Suponha, ao contr´ ario, que α < β e α > β ocorram simultaneamente. Ent˜ao, ( α < β ⇒ α ⊂ β e α 6= β; β < α ⇒ β ⊂ α e β 6= α.

Sendo assim, da hip´ otese decorre que α ⊂ β e β ⊂ α, com α 6= β, o que contradiz a defini¸c˜ ao de igualdade de conjuntos. Concluimos que no m´ aximo uma das possibilidades ocorre. Devemos mostrar que uma delas necessariamente ocorre. Ent˜ ao, α = β ou α 6= β. Se α = β, nada h´ a o que provar. Suponhamos α 6= β, ent˜ ao α − β 6= ∅ ou β − α 6= ∅; no primeiro caso teremos, pela defini¸c˜ ao 55 (p. 313), que β < α e, no segundo, que α < β. 

317

Teorema 53 (Rela¸c˜ ao de ordem parcial). A rela¸c˜ao ≤ ´e uma rela¸c˜ao de ordem parcial em C. Prova: Segundo a defini¸c˜ao 14 (p. 76) devemos mostrar as trˆes propriedades a seguir: ( i ) (Reflexiva): Seja α ∈ C. Obviamente α = α, portanto, α ≤ α. ( ii ) (Antissim´etrica): Sejam α, β ∈ C, se α ≤ β e β ≤ α, ent˜ao por tricotomia, α = β. ( iii ) (Transitiva): Sejam α, β, γ ∈ C, se α ≤ β e β ≤ γ, temos: b)   α≤β ⇒ α⊂β     

b) β≤γ ⇒ β⊂γ

⇒ α⊂γ

b) ⇒ α≤γ 

Tendo em conta a defini¸c˜ao 17 (p. 78) e a tricotomia demonstrada anteriormente podemos concluir que C ´e um conjunto totalmente ordenado. Teorema 54 (Compatibilidade da rela¸c˜ao de ordem com a adi¸c˜ao). Sejam α, β, γ ∈ C e tais que α ≤ β. Ent˜ao, α + γ ≤ β + γ. ´ suficiente Prova: Da proposi¸c˜ ao 33 (p. 316), temos: α ≤ β ⇔ α ⊂ β. E provar que α + γ ⊂ β + γ. Seja t ∈ α + γ, isto ´e, t = r + s com r ∈ α e s ∈ γ. Como α ⊂ β, ent˜ ao, r ∈ β, sendo assim, t = r + s ∈ β + γ, logo, α + γ ⊂ β + γ. Portanto, α + γ ≤ β + γ.  O seguinte resultado ser´ a precioso oportunamente.

Lema 16. Sejam α > 0∗ e β > 0∗ cortes. Ent˜ao, todo x ∈ α + β, x > 0, pode ser escrito como x = u + v, com u ∈ α, u > 0 e v ∈ β, v > 0. Prova: Por defini¸c˜ ao de soma, podemos escrever x = r + s, com r ∈ α e s ∈ β Se r > 0 e s > 0, nada resta a fazer. Suponhamos que n˜ ao seja este o caso. Como x = r + s > 0, r e s n˜ ao s˜ ao simultaneamente negativos. Sem perda de generalidade, consideremos r > 0 e s < 0. Observe que x ´e arbitrariamente fixado, devemos ajustar as parcelas da adi¸c˜ao, assim x = r + s = u + v, com u ∈ α, u > 0 e v ∈ β, v > 0. 318

(9.5)

Pela propriedade arquimediana (p. 253) existe um natural n1 satisfazendo n1 (r + s) > |s|

Como β > 0∗ escolha qualquer p > 0 em β. Novamente pela propriedade arquimediana existe um natural n2 satisfazendo n2 p > |s| Agora tomamos n = max{ n1 , n2 }, sendo assim, resulta ( n (r + s) > |s| n p > |s|

Afirmamos que a escolha u = (r + s) −

|s| n

e

v=

|s| n 

satisfaz a equa¸c˜ ao (9.5). Justifique.

9.4.1

Multiplica¸c˜ ao

Seria conveniente se pudessemos copiar a defini¸c˜ao 53 (p. 301) de adi¸c˜ao de cortes para a multiplica¸c˜ ao, digamos: Sejam α, β ∈ C, ent˜ ao o conjunto a seguir, γ = { r · s: r ∈ α e s ∈ β } denomina-se produto de α e β e ´e indicado por α · β. Seria bom, o problema ´e que o conjunto definido acima n˜ ao ´e um corte. Para verificarmos esse fato, consideremos α = { r ∈ Q: r < 0 } e β = { s ∈ Q: s < 1 } Tomemos um racional arbitr´ario t, como α e β s˜ ao cortes, existem r ∈ α e s ∈ β, com r < −1 e s < −t. Portanto, −r > 1 e −s > t, logo, (−r) · (−s) = r · s > 1 · t = t. Como r · s ∈ γ e t < r · s, ent˜ao, se γ fosse corte deveriamos ter t ∈ γ, assim γ deveria conter qualquer n´ umero racional, isto ´e, deveria ser γ = Q, contradizendo a defini¸c˜ao de corte. Deste modo vimos que a complica¸c˜ao que envolve o produto de cortes, como definido acima, deve-se ` a existˆencia, em cada corte, de n´ umeros racionais negativos cujo produto pode ser arbitrariamente grande. Entretanto, a tentativa de defini¸c˜ao anterior funciona com algumas restri¸c˜oes. Iniciemos com o seguinte, 319

Teorema 55. Sejam α, β ∈ C, com α ≥ 0∗ e β ≥ 0∗ , ent˜ao o conjunto, γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } tamb´em ´e um corte; isto ´e, γ ∈ C. Antes da demonstra¸c˜ao do teorema fa¸camos duas observa¸c˜oes quanto a defini¸c˜ ao de γ. Se, α = 0∗ = { x ∈ Q : x < 0 }

β = 0∗ = { x ∈ Q : x < 0 }

ou

Teremos, γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } {z } |

= ∅

Isto ´e,

γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ ∅ = { p ∈ Q : p < 0 } = 0∗

De sorte que s´ o teremos um n´ umero positivo (q > 0) em γ quando α > 0∗ e β > 0∗ , quando ent˜ao, q = r s com r > 0, r ∈ α e com s > 0, s ∈ β. Geometricamente tudo se passa assim, (prop. 33, p. 316)

...

−4 p

−3 p

− 52

−2 p

−1 p

− 21

0

0∗ = { p ∈ Q : p < 0 } +

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

− 21

0p

0p

0p

r

1p

1p

1 2

1p

α

2p

+ s

β

2p

q = rs 3p 4p

γ

γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 }

Observe que γ, como definido no teorema, ´e formado pela parte negativa ao negativas da reta racional juntamente com todos os produtos das partes n˜ dos cortes α e β. Reiteramos: qualquer q ≥ 0 em γ ´e gerado pelo produto r s com r ≥ 0 (r ∈ α) e s ≥ 0 (s ∈ β) e vice-versa: quaisquer r ≥ 0 (r ∈ α) e s ≥ 0 (s ∈ β) geram um q = r s ≥ 0 em γ. 320

Prova: Segundo a defini¸c˜ ao 51 (p. 293) devemos provar as seguintes trˆes condi¸c˜oes: i ) Como p = −1 ∈ γ, logo γ 6= ∅. Devemos mostrar que γ 6= Q. Ent˜ao, como α e β s˜ ao cortes, temos   α 6= Q ⇒ ∃ p0 ∈ Q tal que p0 6∈ α (p0 ≥ 0, pois α ≥ 0∗ )  β 6= Q ⇒ ∃ q ∈ Q tal que q 6∈ β 0 0

(q0 ≥ 0, pois β ≥ 0∗ )

Temos, p0 q0 ∈ Q. Vamos mostrar que p0 q0 6∈ γ. Suponhamos, ao contr´ ario, que p0 q0 ∈ γ, ent˜ ao, existem p ∈ α e q ∈ β, com p ≥ 0 e q ≥ 0 tais que p0 q0 = pq. N˜ao podemos ter p0 ≤ p (pois teriamos p0 ∈ α), an´ alogamente n˜ ao podemos ter q0 ≤ q. Logo, p < p0 e q < q0 , da´ı, p q < p0 q0 , o que contradiz pq = p0 q0 . Portanto, p0 q0 6∈ γ e, assim, γ 6= Q. ii ) Sejam r ∈ γ e s ∈ Q com s < r. Devemos provar que s ∈ γ. Com efeito, se s < 0, ent˜ ao, s ∈ γ. Suponhamos s ≥ 0 e, portanto, r > 0. Como r ∈ γ, existem p ∈ α e t ∈ β, tais que r = p t, com p ≥ 0 e t ≥ 0. Como r > 0, s deve ser p > 0 e t > 0. Seja u = (s ≥ 0, p > 0 ⇒ u ≥ 0). Se t ≤ u, p teriamos p t ≤ p u, isto ´e, r ≤ s, o que ´e um absurdo, pois, s < r. Portanto, devemos ter u < t e, como t ∈ β, ent˜ao, u ∈ β. Sendo assim, como s = p u, p ∈ α, u ∈ β, p > 0 e u ≥ 0, ent˜ ao, s ∈ γ. iii ) γ n˜ ao tem m´ aximo. Seja q ∈ γ, mostremos que existe t ∈ γ tal que q < t. q Com efeito, se q < 0, basta tomar t = , da´ı t > q. 2 Suponhamos q ≥ 0. Sendo assim, existem r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 tais que q = r s. Existem p ∈ α e u ∈ β tais que r < p e s < u (pois α e β s˜ ao cortes, n˜ ao possuem m´ aximo). Sendo assim, q = r s < p u.Tomando t = p u, temos, t ∈ γ (pois t = p u com p ∈ α, u ∈ β, p > 0 e u > 0) e t > q. Portanto, γ n˜ ao tem m´ aximo. 

321

Defini¸ c˜ ao 58 (Multiplica¸c˜ao de cortes n˜ ao negativos). Sejam α, β ∈ C, com ∗ ∗ α ≥ 0 e β ≥ 0 , ent˜ ao o conjunto, γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } denomina-se produto de α e β e ´e indicado por α · β. Exemplo: Considere o corte objeto da proposi¸c˜ao 30 (p. 296),  α = { x ∈ Q : x ≤ 0 } ∪ x ∈ Q : x > 0 e x2 < 2

cuja representa¸c˜ ao geom´etrica ´e vista a seguir, . . . −4 p

−3 p

−4 p

−3 p

...

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

1 2

0p

1 2

0p

1p

1p

2p

3p

4p

...

Q

α

prove que α · α = 2∗ . Solu¸ c˜ ao: Segundo a defini¸c˜ao 58, temos: α · α = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ α e r, s ≥ 0 } Ou ainda, α · α = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r 2 < 2, s2 < 2 e r, s ≥ 0 } Devemos provar que α · α ⊂ 2∗ e 2∗ ⊂ α · α.

Geometricamente, deveremos ter,

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

. . . −4 p ...

−4 p

−3 p

−3 p

− 52

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−2 p

−1 p

−1 p

− 21

− 21

− 21

− 21

1 2

0p

1 2

0p

·

0p

1 2

= 0p

1 2

322

1p

2p

1p

α

1p

α

1p

2

3p

4p

α · α = 2∗

...

Q

(⇒) α · α ⊂ 2∗ . Temos,   x ∈ α · α e x < 0 ⇒ x ∈ 2∗

 x ∈ α · α e x ≥ 0 ⇒ x = r s, onde r 2 < 2, s2 < 2 e r, s ≥ 0

temos,

  x = r s ⇒ x2 = r 2 · s2 < 4.  x ≥ 0 e x2 < 4 ⇒ x < 2.

Portanto, x ∈ α · α e x ≥ 0 ⇒ x ∈ 2∗ .

(⇐) 2∗ ⊂ α · α. Temos, se

x ∈ 2∗ e x < 0 ⇒ x ∈ α · α. Considere x ∈ 2∗ e x ≥ 0. Para mostrar que x ∈ α·α devemos conseguir escrever x como x = r s onde r 2 < 2, s2 < 2 e r, s ≥ 0

(9.6)

Ent˜ao, x ∈ 2∗ e x ≥ 0 ⇒ 0 ≤ x < 2 ⇒ 0 ≤ x2 < 4 ⇒ 0 ≤

x2 0, tal que 0≤

x2 < a2 < 2 2

(provamos esta afirmativa mais ` a frente). Sendo assim,   2 x  < 2,  x a ⇒ ∈α x  a  como ≥0 a Podemos escrever

x=a·

x x , isto ´e, x = |{z} a · a a |{z} r

s

Por estarem satisfeitas as condi¸c˜ oes em (9.6) concluimos que x ∈ α · α. Portanto, 2∗ ⊂ α · α.

Sendo assim, provamos que α2 = 2∗ , ou seja, 2∗ admite raiz quadrada em C. 323

x2 < 2, ent˜ao existe a > 0, racional, tal que 2 2 x2 x2 x2 x < a2 < 2. Com efeito, como x ´e racional, ≤ 1 ou > 1. Se ≤ 1, 2 2 2 2 12 ´e suficiente tomar a = , porquanto, neste caso, 10 x2  12 2 1, escolhamos um natural n de modo que 2   1 2 2 1 2 n y¯ − 1

(9.9)

o n a satisfeita. Para verificar isto temos duas onde, y¯ = min y, y2 , (9.7) estar´ possibilidades, (i) y¯ = y (isto ´e, y ≤ y2 )

Por (9.8), temos

n>

3 3 ⇒ 1+ ⇒ 1+ < ⇒ y n n y −1 

1+

E assim (9.7) estar´ a satisfeita.

1 2 3 2 ≤1+ < n n y 324

1 Retomando, seja u = 1 + , onde n ´e um dos naturais que satisfaz (9.7). n Considere a progress˜ ao geom´etrica u2 , u4 , u6 , . . . , u2k , . . . A raz˜ ao desta P.G., u2 = 1 +

 1 2 n ,

´e maior que 1, portanto, ´e uma P.G. x2 crescente. Logo, um dos termos desta progress˜ao ultrapassa y = > 1; 2 2 x , para algum natural k. Perguntamos: Existiria um digamos, u2k > y = 2 natural k satisfazendo simultaneamente a dupla desigualdade a seguir? x2 < u2k < 2 (9.10) 2 Se a resposta for afirmativa nosso problema se encerra aqui, pois basta tomar a = uk . y=

Fa¸camos uma simula¸c˜ ao do j´a visto at´e aqui. Seja, por exemplo, x=

3 x2 (3/2)2 9 ⇒ y= = = 2 2 2 8

Em seguida calculamos ( )     9 9 2 2 9 16 , , = min = y¯ = min y, = min y 8 98 8 9 8 Levando este resultado em (9.9) (p. 324), temos n>

3 ⇒ n> y¯ − 1

9 8

3 = 24 −1

Escolhamos n = 25. Sendo assim, temos, u = 1 + P.G., temos  26 2 25

,

 26 4 25

,

A equa¸c˜ ao (9.10) fica assim

 26 6 25

9 x2 = < u2k < 2 8 2

, ...,

1 n

=1+

 26 2k 25

1 25

=

26 25 .

Para a

, ...

⇒ 1.125 < u2k < 2

Vamos escrever os termos da P.G. com trˆes decimais para efeito de compara¸c˜ao, assim: 325

 26 2 25 , ↓

1.082

 26 4 25 , ↓

1.170

 26 6 25 , ↓

1.265

 26 8 25 , ↓

1.369

 26 10 , 25 ↓

1.480

 26 12 , 25 ↓

1.601

 26 14 , 25 ↓

1.732

 26 16 , 25 ↓

1.873

 26 18 , 25

...



2.026

Sendo assim temos k ∈{ 2, 3, 4, 5, . . . } ⇒ 1.125 < u2k k ∈{ 1, 2, 3, . . . , 8 } ⇒ u2k < 2 Portanto, k ∈ { 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 } ⇒ 1.125 < u2k < 2 Voltemos ao caso geral (antes da simula¸c˜ao). O conjunto de naturais k para os quais u2k < 2 ´e n˜ ao vazio, pois 1 pertence a este conjunto. Isto se 2 deve a que, por hip´ otese y = x2 < 2, e tendo em conta a primeira desigualdade em (9.7) (p. 324). Este conjunto ´e tamb´em limitado superiormente uma vez que a P.G. ´e crescente. Seja k′ o elemento m´ aximo deste conjunto, ′ isto ´e, k ´e tal que 1+

1 2k′ y= n 2

De fato, supondo ao contr´ ario, isto ´e, que 1+

1 2k′ x2 ≤y= n 2

Juntemos esta desigualdade com a segunda desigualdade em (9.7), assim   ′  1 + 1 2k ≤ y 1 2k′ 1 2 2 n ⇒ 1+ · 1+ −2 } = { p ∈ Q : p < 2 } = 2∗ Geometricamente, temos

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

...

−4 p

−3 p

− 25

− 25

− 25

− 25

−2 p

−2 p

−2

−2 p

−1 p

−1 p

− 12

− 21

0p

0

1 2

1p

2p

1p

2

5 2

3p

0∗

α = (−2)∗

−1 p

− 12

0p

1 2

327

|α| = 2∗

4p

...

Q

Claro que podemos estabelecer resultados que facilitem enormemente o c´ alculo de um m´ odulo, quisemos apenas ilustrar a manipula¸c˜ao das defini¸c˜oes envolvidas. Proposi¸ c˜ ao 34. Se α < 0∗ , ent˜ao −α > 0∗ . Prova: Como α < 0∗ , pela proposi¸c˜ao 33 (p. 316), temos α < 0∗ ⇔ α ⊂ 0∗ e α 6= 0∗ −4 p

−3 p

. . . −4 p

−3 p

−4 p

−3 p

...

...

− 52

− 52

− 25

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

0p

q

−2 p

1 2

0

0∗

1p

2p

5 2

3p

4p

...

Q

p

α

Logo, existe q ∈ 0∗ tal que q 6∈ α. Podemos supor, sem perda de generalidade, que q n˜ ao ´e cota inferior m´ınima de α. Como q ∈ 0∗ ent˜ao q < 0. Fa¸camos p = −q, logo, p > 0; resulta que −p 6∈ α e tendo em conta o oposto de α −α = { p ∈ Q : − p 6∈ α e − p n˜ ao ´e cota superior m´ınima de α } concluimos que p ∈ −α. Como p > 0 segue que q 6∈ 0∗ , isto ´e, −α − 0∗ 6= ∅. Pela defini¸c˜ ao 55 (p. 313), temos 0∗ < −α.  Proposi¸ c˜ ao 35. Seja α ∈ C, tem-se: a) |α| ≥ 0∗ ;

b) |α| = 0∗ ⇔ α = 0∗ .

Prova: a) Se α ≥ 0∗ , ent˜ ao |α| = α ≥ 0∗ , da´ı, |α| ≥ 0∗ .

Se α < 0∗ , ent˜ ao |α| = −α; pela proposi¸c˜ao 34, −α > 0∗ , da´ı, |α| > 0∗ . b) (⇒) Seja |α| = 0∗ .

Se α > 0∗ , ent˜ ao |α| = α > 0∗ , o que contradiz a hip´ otese; ∗ ∗ Se α < 0 , ent˜ ao pela proposi¸c˜ao 34, −α > 0 e, por defini¸c˜ao, |α| = ∗ −α > 0 , o que contradiz a hip´ otese. Portanto, por tricotomia s´ o sobra a alternativa α = 0∗ . (⇐) Seja α = 0∗ . Ent˜ ao, |α| = α = 0∗ . 328



Estamos agora em condi¸c˜ oes de definir multiplica¸c˜ao em C. Defini¸ c˜ ao 60 (Multiplica¸c˜ ao de cortes). Sejam α, β ∈ C, definimos:   |α| |β|, se α ≥ 0∗ , β ≥ 0∗ ou α < 0∗ , β < 0∗ αβ =  −( |α| |β| ), se α ≥ 0∗ , β < 0∗ ou α < 0∗ , β ≥ 0∗ . A opera¸c˜ ao que a cada par (α, β) ∈ C × C de cortes associa seu produto c~ ao e ´e indicada por · . α β denomina-se multiplica¸ Observe que todos estes produtos recaem na defini¸c˜ao 58 (p. 322). De passagem, como j´a observamos na p´ agina 320, se α = 0∗ ou β = 0∗ , ent˜ao α β = 0∗ . Observe que segundo nossa defini¸c˜ao 2 (p. 21) acabamos de construir um sistema num´erico C = (C, +, ·) Os cortes agora s˜ ao n´ umeros, todavia, ainda n˜ ao podemos nos vangloriar de termos construido os n´ umeros reais. O eminente matem´ atico Leopold Kronecker (1823-1891) certa feita sen´ umeros naturais, o resto ´e obra dos homens.”. E tenciou: “Deus fez os n´ bem poss´ıvel que o ilustre matem´ atico n˜ ao soubesse nem o que ´e Deus e nem o que ´e n´ umero. Na teoria da relatividade ontol´ ogica, h´ a uma verdade que ´e invari´ avel atrav´es de todos os sistemas de referˆencia cognitivos: tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, ´e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais aveis, existem em seja conhecido. Objetos percebidos, ou entidades observ´ rela¸ca ˜o ` as faculdades sensoriais ou sistemas de medi¸ca ˜o pelos quais s˜ ao detectados − n˜ ao de modo independente no mundo objetivo. (p. 41) Ou ainda, de um outro autor: Conforme mencionado, as possibilidades de existir s˜ ao apenas possibilidades vazias. Somente quando pensadas ´e que ganham um impulso para a existˆencia, porque ´e preciso que tais realidades primeiro sejam concebidas, imaginadas, mentalizadas, elaboradas na forma de Id´eias, que constituem “programas” de cria¸ca ˜o, sementes de eventos e de Universos. (Marcelo Malheiros/[17], p. 163)

329

Pois bem, para outorgar aos cortes o status de n´ umeros reais ainda teremos muito trabalho pela frente, deveremos provar todas as especifica¸c˜oes constantes no retˆ angulo amarelo da p´ agina 291. Prossigamos. Teorema 56 (Comutativa). Sejam α e β cortes quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M3 ) α β = β α Prova: Inicialmente consideremos os casos α ≥ 0∗ e β ≥ 0∗ . Sendo assim, da defini¸c˜ ao 58 (p. 322), temos: α β = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0 } e β α = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { u ∈ Q : u = v w, onde v ∈ β, w ∈ α e v, w ≥ 0 } Precisamos provar que α β ⊂ β α e β α ⊂ α β. Ent˜ao, (⇒) α β ⊂ β α.

Suponha t ∈ α β, se t < 0, ent˜ao t ∈ β α por defini¸c˜ao de produto. Suponhamos t ≥ 0. Ent˜ ao, t = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0. Logo, t = r s = s r, onde s ∈ β, r ∈ α e s, r ≥ 0 sendo assim, t ∈ β α, ent˜ao α β ⊂ β α. A inclus˜ao contr´ aria demonstra-se de modo an´ alogo. Os outros casos constantes na defini¸c˜ao de multiplica¸c˜ao recaem neste caso; por exemplo, para α < 0∗ e β ≥ 0∗ , teremos α β = −( |α| |β| ) = −( |β| |α| ) = β α  Teorema 57 (Associativa). Sejam α, β, γ ∈ C, cortes quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M 1 ) (α β) γ = α (β γ) Prova: Esta propriedade tem demonstra¸c˜ao an´ aloga a anterior e decorre da associatividade nos racionais, assim: (α β) γ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = (r s) t, onde r ∈ α, s ∈ β, t ∈ γ e r, s, t ≥ 0 } α (β γ) = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r (s t), onde r ∈ α, s ∈ β, t ∈ γ e r, s, t ≥ 0 }



330

Teorema 58 (Elemento neutro). Seja α um corte arbitrariamente fixado. Temos: α · 1∗ = α. Prova: Suponhamos, inicialmente α > 0∗ . Devemos provar que α · 1∗ ⊂ α e α ⊂ α · 1∗ .

(⇒) α · 1∗ ⊂ α. Lembramos que,

α β = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0 }

α 1∗ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ 1∗ e r, s ≥ 0 } (

x ∈ α 1∗ e x ≤ 0 ⇒ x ∈ α.

x ∈ α 1∗ e x > 0 ⇒ x = r s, com r ∈ α, r > 0, e 0 < s < 1.

De s < 1 e r > 0, segue r s < r e, portanto, x = r s ∈ α. Sendo assim, provamos que α · 1∗ ⊂ α. (⇐) α ⊂ α · 1∗ . (

x ∈ α e x ≤ 0 ⇒ x ∈ α 1∗ . x ∈ α e x > 0 ⇒ ∃ a ∈ α com x < a. (caso contr´ario x seria m´aximo)

Sendo assim, x=a·

x x x ∈ α 1∗ , pois a ∈ α, a > 0, e < 1, com > 0. a a a

Portanto, α ⊂ α · 1∗ . Provamos, assim, que se α > 0∗ , ent˜ao, α · 1∗ = α.

Se α = 0∗ , ent˜ ao, pela observa¸ca˜o feita na p´ agina 320, α · 1∗ = 0∗ · 1∗ = 0∗ = α. Se α < 0∗ , ent˜ ao, pela defini¸c˜ao 60 (p. 329), temos: α · 1∗ = −( |α| |1∗ | ) = −(−α 1∗ ) = −(−α) = α Na segunda igualdade usamos a proposi¸c˜ao 34 (p. 328). Tamb´em usamos a proposi¸c˜ ao 17 (p. 349) e a defini¸c˜ ao de m´ odulo para concluir que |1∗ | = 1∗ . Segue, para todo α ∈ C, α · 1∗ = α.  Teorema 59. Seja α ∈ C com α > 0∗ . O conjunto, β = { r ∈ Q : r ≤ 0 } ∪ { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α }

´e um corte. Antes da prova fa¸camos uma simula¸c˜ao, vejamos ∗  como visualizar β em um caso particular. Seja por exemplo, α = 52 = x ∈ Q : x < 52 . ∗  Neste caso vamos mostrar que β ´e 25 = x ∈ Q : x < 52 . 331

−4 p

−3 p

. . . −4 p

−3 p

−4 p

−3 p

...

...

− 52

− 52

− 52

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

−2 p

−1 p

− 21

− 21

− 21

1 2

0p

1 2

0p

1p

2p

1p

2p

5 2

4p

3p

α=

...

Q

 5 ∗ 2

 2 ∗ 5

β=

0p

5 2

Isto ´e, pretendemos provar que, β = Q− ∪ =

n

p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈

2 ∗ n 2o = x ∈ Q: x < 5 5

Devemos mostrar que β ⊂ ∗ (⇒) β ⊂ 25 ( x∈β e x≤0 x∈β ex>0

⇒ x∈

2 5

∗

2 5

∗

e

5 ∗ e p−1 n˜ ao ´e supremo de 2 2 5

∗

5 ∗ o 2

⊂ β. Ent˜ao,

.

⇒ x−1 > 0, com x−1 6∈

 5 ∗ 2

e x−1 n˜ ao ´e supremo de

 5 ∗ 2

Destas duas u ´ltimas condi¸c˜oes concluimos que x−1 > 25 , isto ´e, x < 25 ; ou ∗ ainda, x ∈ 52 . ∗ (⇐) 25 ⊂ β.  x∈ x∈

2 5

∗

 2 ∗ 5

e x ≤ 0 ⇒ x ∈ β. e x > 0 ⇒ ∃a ∈

Sendo assim, temos x ⇒ x−1 6∈ e x−1 n˜ ao ´e supremo de 5 2 2

Portanto, x ∈ β e, com isto, concluimos a prova da simula¸c˜ao.

5 ∗ 2

Prova:

i ) 0 ∈ β, portanto, β 6= ∅. Seja p ∈ α tal que p > 0 (este p existe devido a que α > 0∗ ). Afirmamos que p−1 6∈ β. De fato, se p−1 ∈ β, ent˜ao −1 = p 6∈ α, uma contradi¸c˜ao. teriamos p−1

ii ) Seja p ∈ β e q ∈ Q com q < p. Devemos mostrar que q ∈ β. Se q ≤ 0 ent˜ ao p ∈ β. Suponhamos ent˜ao q > 0. Sendo assim, por hip´ otese, 332

temos 0 < q < p. Pelo teorema 44 (p. 241) podemos escrever p−1 < q −1 . Pela defini¸c˜ ao de β, β = { r ∈ Q : r ≤ 0 } ∪ { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α }

segue que p−1 6∈ α, logo que q −1 6∈ α (caso contr´ ario p−1 pertenceria a α, pois α ´e corte). Como, ademais, p−1 n˜ ao ´e supremo de α, q −1 tampouco ´e; logo, q preenche todos os requisitos para pertencer a β, e assim ´e! iii ) Seja p ∈ β. Devemos mostrar que existe q ∈ β tal que p < q. Sem perda de generalidade, vamos assumir p > 0. Pela defini¸c˜ao de β, p cumpre as condi¸c˜ oes, p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α. . . . −4p

−3p

−4p

−3p

...

...

−4p

−3p

− 52

− 52

− 52

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

− 21

− 21

− 21

1 2

0p

1 2

0p

1p

1p

2p

3p

4p

Q

...

α

q 0 pp

5 2

β

r

s q −1

p−1

Se p−1 n˜ ao ´e a menor das cotas superiores de α isto significa que existe uma cota superior de α menor que p−1 , isto ´e, existe r 6∈ α tal que r < p−1 . −1 Fa¸camos s = r+p2 . Sendo assim, temos r < s < p−1 . Tomando q = s−1 , resulta q = s−1 > p > 0. Ademais, q −1 = s 6∈ α e por ser q −1 = s > r isto significa que q −1 n˜ ao ´e cota superior m´ınima (supremo) de α, logo, q cumpre os requisitos para pertencer a β. Assim, mostramos que β n˜ ao possui m´ aximo e, portanto, ´e um corte.  Defini¸ c˜ ao 61 (Corte Inverso). Seja α um corte tal que α 6= 0∗ . Se α > 0∗ , ent˜ao o corte β do teorema anterior ´e denotado por α−1 e ´e chamado o inverso de α, isto ´e, α−1 = Q− ∪ { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α } Se α < 0∗ , definimos o inverso de α como α−1 = −|α|−1 . Proposi¸ c˜ ao 36. Se α > 0∗ , ent˜ ao α−1 > 0∗ . Prova: Utilizaremos a t´ecnica de demonstra¸c˜ao: H =⇒ T ⇐⇒

 H ∧ ¬ T =⇒ f

333

(p. 495)

Suponha α > 0∗ e α−1 ≤ 0∗ . Logo, pela defini¸c˜ao de α−1 devemos ter { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α } = ∅ Daqui concluimos que  −1   p ∈α ou ∀p > 0 ⇒    p−1 ´e supremo de α

⇒ α=Q ⇒ α=∅

Em qualquer dos casos α contradiz a defini¸c˜ao de corte (p. 293).

334



Teorema 60. Sejam α um corte tal que α 6= 0∗ . Ademais, o inverso de α ´e u ´nico.

Ent˜ao, α α−1 = 1∗ .

Prova: Consideremos duas possibilidades: 1a ) α > 0∗ . Devemos provar que α α−1 ⊂ 1∗ e 1∗ ⊂ α α−1 .

(⇒) α α−1 ⊂ 1∗ . Segundo a defini¸c˜ ao 58 (p. 322), temos:

γ = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } α α−1 = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ α−1 e r ≥ 0, s ≥ 0 } Ademais, da defini¸c˜ ao 61 (p. 333), lembramos que: −1

α

= Q− ∪ { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α }

Pois bem, seja q ∈ α α−1 , se q ≤ 0, ent˜ao q ∈ 1∗ . Suponhamos q > 0. Sendo assim, existem r ∈ α e s ∈ α−1 tal que q = r s, com r ≥ 0 e s ≥ 0. Como q > 0 deve ser r > 0 e s > 0. Como s > 0 e s ∈ α−1 segue que s−1 6∈ α e s−1 n˜ ao ´e supremo de α. Veja um caso particular de nossos argumentos:

. . . −4p

−3p

...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

− 52

− 52

− 52

− 52

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

− 21

− 21

− 21

− 21

1 2

0p

r

0p

s

0p

1p

α−1

1

5 2

3p

4p

...

Q

α

1p

q 0p

2p

s−1

α α−1 (⊂ 1∗ ?)

Logo, existe t 6∈ α tal que t < s−1 . Como r ∈ α e t 6∈ α, pela proposi¸c˜ao 31 (p. 299), t > r. De t < s−1 , segue s < t−1 , da´ı, r s < r t−1 . Por outro lado, de r < t, segue r t−1 < 1, logo, q = r s < r t−1 < 1, da´ı, q ∈ 1∗ .

(⇐) 1∗ ⊂ α α−1 . Seja q ∈ 1∗ , logo, q < 1. Se q < 0 ent˜ao q ∈ α α−1 , pela defini¸c˜ao de produto. Se q = 0, ent˜ ao podemos escrever q como q = r · 0, onde r ∈ α, r > 0 e s = 0 ∈ α−1 (pela defini¸c˜ ao de α−1 ), logo, q ∈ α α−1 . 335

Suponhamos agora, 0 < q < 1. Vamos “abrir” nosso objetivo: devemos mostrar que q ∈ α α−1 . Lembramos: α α−1 = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ α−1 e r ≥ 0, s ≥ 0 }

α−1 = Q− ∪ { p ∈ Q : p > 0, com p−1 6∈ α e p−1 n˜ ao ´e supremo de α } Isto ´e, devemos escrever q como um produto, q = r s, com r ∈ α, s ∈ α−1 e r ≥ 0, s ≥ 0. Como q > 0 e s ∈ α−1 , devemos ter: q = r s,

r ∈ α, s−1 6∈ α e s−1 n˜ ao ´e supremo de α

r > 0, s > 0,

Com este objetivo em mente tomamos a0 > 0 arbitr´ario em α e monn tamos a sequˆencia an = a0 · q −1 . Por ser q −1 > 1 esta ´e uma sequˆencia crescente − atinge valores arbitrariamente grandes −, seja k o menor natural para o qual ak 6∈ α. Fa¸camos uma simula¸c˜ ao para o α que consta na proposi¸c˜ao 30 (p. 296), por n 7 . ; an = 15 · 10 exemplo, seja a0 = 51 e q = 10 7

Veja os sete primeiros termos desta sequˆencia (com trˆes decimais): a1 ↓ 0.286

a2 ↓ 0.408

... α

...

−4p

−4p

a3 ↓ 0.583

−3p

−3p

− 52

− 52

−2p

−2p

a4 ↓ 0.833

−1p

−1p

− 21

− 21

a5 ↓ 1.190 1 2

0p

a1 • p 0 a

1p

2p

p

ւ

a6 ↓ 1.700 5 2

3p

4p

a7 ↓ 2.429

...

Q

a6

0

No caso da figura o menor natural k para o qual ak 6∈ α ´e k = 6. Fa¸camos p = a0 · q −1

k−1

∈ α e u = a0 · q −1

que p < r (α n˜ ao tem m´ aximo).

α

...

−4p

−3p

− 52

−2p

−1p

− 21

a1 • p 0 a 0

336

p u p ր r

k

6∈ α. Seja r ∈ α tal

Fa¸camos s = u−1 r −1 p, logo, s−1 = urp−1 . Sendo assim, temos p < r ⇒ pp−1 < rp−1 ⇒ 1 < rp−1 ⇒ u < urp−1 ⇒ u < s−1 Assim, u 6∈ α, s−1 6∈ α e s−1 n˜ ao ´e a menor cota superior de α. Temos, s = u−1 r −1 p ⇒ rs = r u−1 r −1 p ⇒ rs = u−1 p h k i−1 h k−1 i =q ⇒ rs = a0 · q −1 · a0 · q −1

Acima escolhemos r ∈ α (r > p > 0 ⇒ r > 0) e como s−1 6∈ α e existe u 6∈ α tal que u < s−1 , s−1 n˜ ao ´e supremo de α. Portanto, q, como construido acima, cumpre todas as condi¸c˜ oes em destaque no retˆ angulo verde da p´ agina 336, logo, q ∈ α α−1 , e assim concluimos que se α > 0∗ , ent˜ao α α−1 = 1∗ . 2a ) α < 0∗ . Sendo α < 0∗ , pela defini¸c˜ ao 61 (p. 333), temos α−1 = −|α|−1 . Pela proposi¸c˜ ao 35 (p. 328) |α| > 0∗ , pela proposi¸c˜ao 36 (p. 333) |α|−1 > 0∗ . −1 Logo, α = −|α|−1 < 0∗ . Pela defini¸c˜ao de produto (p. 329), temos α α−1 = |α| |α−1 | = |α| − |α|−1 (9.12)

Pela defini¸c˜ ao de m´ odulo (p. 327), temos:  − |α|−1 = − − |α|−1 = |α|−1

Substituindo este resultado em 9.12, temos: α α−1 = |α| |α−1 | = |α| − |α|−1 = |α| |α|−1

Como |α| > 0∗ , pela primeira parte da demonstra¸c˜ao temos |α| |α|−1 = 1∗ , logo, α α−1 = 1∗ . Provemos agora a unicidade de α−1 . Suponhamos que existam α−1 e 1 satisfazendo: α α−1 = 1∗ e α α−1 = 1∗ 1 2

α−1 2

Sendo assim, temos:    −1 α−1 = α−1 ·1∗ = α−1 · α α−1 = α−1 ·α α−1 = α·α−1 α2 = 1∗ α−1 = α−1 1 1 1 2 1 2 1 2 2 

337

Teorema 61 (Regra dos sinais). Sejam α, β, γ ∈ C, temos (−α) β = α (−β) = −(α β)

e

(−α)(−β) = α β.

Prova: Devemos subdividir as demonstra¸c˜oes em v´arios casos. α + − + −

Na tabela ao lado temos todas as combina¸c˜ oes poss´ıveis quanto aos sinais de α e β. Os casos α = 0∗ ou β = 0∗ s˜ ao triviais, raz˜ ao porque n˜ ao os levaremos em conta.

β + + − −

Vamos iniciar pela primeira linha da tabela, isto ´e, consideremos α > 0∗ , e β > 0∗ . Neste caso −α < 0∗ , pela defini¸c˜ao de produto (p. 329), temos   (−α) β = − | − α| |β| = − − (−α) β = −(α β) (9.13) Na u ´ltima igualdade fizemos uso da proposi¸c˜ao 17 (p. 349). Ainda para este caso, temos    = −(α β) α (−β) = − |α| | − β| = − α − (−β)

(9.14)

Vejamos como tratar do caso referente a segunda linha da tabela: α < 0∗ e β > 0∗ . Sendo assim, temos: −α > 0∗ e β > 0∗ . Podemos aplicar a igualdade (9.13) substituindo α por −α, assim   − (−α) β = − (−α) β Portanto,

α β = − (−α) β





(−α) β = −(α β)

Para a terceira linha da tabela substitua β por −β na equa¸c˜ao (9.14). Considere a quarta linha da tabela. Escrevamos (9.13), assim  α β = − (−α) β

Substituamos nesta equa¸c˜ao α por −α > 0 e β por −β > 0, ent˜ao    (−α) (−β) = − − (−α) (−β) Portanto,

(−α) (−β) = − α (−β)



Fazendo o mesmo procedimento utilizando a equa¸c˜ao (9.14), obtemos ao final α (−β) = (−α) β 338

Ainda para a quarta linha da tabela, na defini¸c˜ao de produto, temos  α (−β) = −(|α| | − β|) = − (−α) (−β)

Fa¸camos a substitui¸c˜ ao de vari´ aveis: −α = γ e −β = λ, para obter: (−γ) λ = −(γ λ) Logo, esta equa¸c˜ ao tamb´em vale para a quarta linha da tabela.

Vejamos a terceira igualdade no enunciado. Utilizando (9.13), temos  (−α)(−β) = − α (−β)

Utilizando (9.14), escrevemos

Finalmente, temos

  − α (−β) = − − (α β) (−α)(−β) = α β 

Teorema 62 (Distributividade). Sejam α, β, γ ∈ C, ent˜ao, α (β + γ) = α β + α γ Prova: Devemos provar que α (β + γ) ⊂ α β + α γ

e

α β + α γ ⊂ α (β + γ)

Vamos separar em algumas possibilidades: 1a ) α > 0∗ , β > 0∗ e γ > 0∗ . (⇒) α (β + γ) ⊂ α β + α γ.

Inicialmente vamos adaptar as defini¸c˜oes de soma e produto: (pp. 301, 322) γ = α + β = { r + s: r ∈ α e s ∈ β } γ = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 }

para o nosso contexto, assim: α (β + γ) = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ (β + γ) e r ≥ 0, s ≥ 0 } β + γ = { r + s: r ∈ β e s ∈ γ } α β + α γ = { r + s: r ∈ α β e s ∈ α γ }

339

α β = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } α γ = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ γ e r ≥ 0, s ≥ 0 } Ent˜ ao, x ∈ α (β + γ) e x < 0 ⇒ x ∈ α β + α γ x ∈ α (β + γ) e x = 0 ⇒ x = 0 · 0 + 0 · 0 ⇒ x ∈ α β + α γ ↓ ↓ ↓ ↓ α β

α γ

Observe que como α > 0∗ , β > 0∗ e γ > 0∗ , temos 0 ∈ α, 0 ∈ β e 0 ∈ γ. x ∈ α (β + γ) e x > 0 ⇒ x = r s, onde r ∈ α, s ∈ (β + γ) e r > 0, s > 0 s ∈ (β + γ) ⇒ s = a + b com a ∈ β e b ∈ γ Portanto, x = r (a + b) = r a + r b ∈ α β + α γ, pois r a ∈ αβ e r b ∈ α γ Portanto, α (β + γ) ⊂ α β + α γ.

(⇐) α β + α γ ⊂ α (β + γ). Ent˜ ao, se

x ∈ α β + α γ e x < 0 ⇒ x ∈ α (β + γ) x ∈ α β + α γ e x = 0 ⇒ x = 0 · 0 = 0 · (0 + 0) ⇒ x ∈ α (β + γ) r s ↓ ↓ ↓ α

β

γ

Seja ent˜ ao, x ∈ α β + α γ e x > 0. Como α β > 0∗ e α γ > 0∗ , de posse do lema 16 (p. 318) concluimos que existem u ∈ α β, u > 0, e v ∈ α γ, v > 0, tais que x = u + v. Veja,

e

α β = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ β e r ≥ 0, s ≥ 0 } | {z } u > 0 aqui α γ = Q∗− ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ γ e r ≥ 0, s ≥ 0 } | {z } v > 0 aqui 340

Daqui concluimos que x = u + v = a b + c d, onde :

(

a ∈ α, b ∈ β

e a > 0, b > 0

c ∈ α, d ∈ γ

e c > 0, d > 0

Temos que c ≤ a ou a ≤ c; supondo c ≤ a resulta x = a b + c d ≤ a b + a d = a (b + d) ∈ α (β + γ) Logo, pela condi¸c˜ ao ii ) da defini¸c˜ ao de corte (p. 293), segue que x ∈ α (β+γ). A outra possibilidade acima, conduz ao mesmo resultado. Sendo assim, provamos que α β + α γ ⊂ α (β + γ).

2a ) α > 0∗ e β + γ > 0∗ . Suponhamos β < 0∗ . Utilizando a primeira possibilidade, temos: α γ = α [ (β + γ) + (−β) ] = α (β + γ) + α (−β) Utilizando o teorema 61 (p. 338), resulta: α (β + γ) = α β + α γ 3a ) α > 0∗ e β + γ < 0∗ . Na tabela ao lado temos todas as combina¸c˜oes poss´ıveis quanto aos sinais de β e γ. Se a soma β + γ ´e negativa β e γ n˜ ao podem ser ambos positivos, raz˜ ao porque descartamos a primeira linha da tabela.

β + − + −

γ +X + − −

Para a u ´ltima linha da tabela, temos:  α (β + γ) = −[ α (−β − γ) ] = −[ α (−β) + (−γ) ] = −[ α(−β) + α(−γ) ] Utilizando a regra dos sinais, resulta:

α (β + γ) = α β + α γ Para a terceira linha da tabela, temos α γ = −α [ −(β + γ) + β ] = −[ −α (β + γ) + α β ] = α (β + γ) + −(α β) Daqui resulta, α (β + γ) = α β + α γ As demais possibilidades deixamos ao leitor.

341



Nota¸ c˜ ao: A estrutura construida at´e este momento C = (C, +, ·) ´ na linguagem da Algebra Abstrata ´e um corpo por estarem satisfeitas as seguintes propriedades:

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ C : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ C , ∃ − a ∈ C : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ C : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ C ∗ , ∃ a−1 ∈ C : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c

C

Teorema 63 (Compatibilidade da rela¸c˜ao de ordem com a multiplica¸ca˜o). Se α ≤ β e γ ≥ 0∗ , ent˜ ao α γ ≤ β γ. Prova: Sendo α ≤ β, pelo teorema 54 (p. 318), podemos escrever α + (−α) ≤ β + (−α) ⇒ 0∗ ≤ β + (−α) Como γ ≥ 0∗ , pela defini¸c˜ao de produto de cortes, resulta:  β + (−α) γ ≥ 0∗ Da´ı,

β γ + (−α) γ ≥ 0∗ ⇒ β γ ≥ α γ ⇒ α γ ≤ β γ. Na primeira implica¸c˜ ao utilizamos novamente o teorema 54.

342



Proposi¸ c˜ ao 37. Se α ∈ C, ent˜ ao, α · 0∗ = 0∗ . Prova: Daremos duas provas desta proposi¸c˜ao: 1a ) Utilizando a defini¸c˜ ao de produto

(p. 322)

α · 0∗ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ 0∗ e r ≥ 0, s ≥ 0 }

Temos, { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ α, s ∈ 0∗ e r ≥ 0, s ≥ 0 } = ∅ Logo, α · 0∗ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ ∅ = { p ∈ Q : p < 0 } = 0∗

2a ) Utilizando distributividade

α · 0∗ = α · (0∗ + 0∗ ) = α · 0∗ + α · 0∗ Da´ı,

  α · 0∗ + − (α · 0∗ ) = (α · 0∗ + α · 0∗ ) + − (α · 0∗ )

Utilizando associatividade no lado direito desta equa¸c˜ao, resulta: 0∗ = α · 0∗  Proposi¸ c˜ ao 38. Sejam α, β ∈ C, ent˜ao, α β = 0∗ se e somente se α = 0∗ ou β = 0∗ . Prova: Temos duas provas a fazer: (⇒) α β = 0∗ ⇒ α = 0∗ ou β = 0∗ . Suponhamos α 6= 0∗ , pelo teorema 60 (p. 335), temos, α α−1 = 1∗ . Ent˜ao,  β = β · 1∗ = β α α−1 = (α β) α−1 = 0∗ · α−1 = 0∗

(⇐) α = 0∗ ou β = 0∗ ⇒ α β = 0∗ .

Esta implica¸c˜ ao ´e imediata a partir da proposi¸c˜ao 37.

343



Imers˜ ao de Q em C

A rigor os n´ umeros de Q e C s˜ ao de naturezas distintas, por exemplo, comparemos o zero nestes dois sistemas: (p. 230) 0∗ = { x ∈ Q : x < 0} ∈ C

0 = { (0, β) : β ∈ Z∗ } ∈ Q ¯ n˜ ao obstante, existe uma perspectiva pela qual podemos obter uma “c´opia” de Q em C . Assim como identificamos um n´ umero inteiro com a fra¸c˜ao que tem por numerador este n´ umero inteiro e por denominador a unidade (ver se¸c˜ ao 7.3, p. 242) podemos identificar o n´ umero racional r com o n´ umero ∗ r , esta identifica¸c˜ ao ´e feita atrav´es de uma aplica¸c˜ao, assim, Ψ: Q r

C r∗

Ψ(r) = r ∗



Por exemplo,

. . . −4 p

−3 p

− 52

−2 p

−1 p

− 21

1 2

0p

1p

5 2

2p

3p

4p

Q

...

Ψ ...

−4 p

−3 p

− 52

−2 p

−1 p

− 21

1 2

0p

1p

5 2

2p

 5 ∗ 2

Ψ( 52 ) = ( 52 )∗ =



x ∈ Q: x <

5 2

Teorema 64. A aplica¸c˜ao Ψ: Q r

C r∗



Ψ(r) = r ∗

´e injetora e tem as seguintes propriedades: (i)

Ψ(p + q) = Ψ(p) + Ψ(q),

isto ´e,

(p + q)∗ = p∗ + q ∗

( ii )

Ψ(p · q) = Ψ(p) · Ψ(q),

isto ´e,

(p · q)∗ = p∗ · q ∗

( iii )

p < q ⇔ Ψ(p) < Ψ(q),

isto ´e,

p < q ⇔ p∗ < q ∗

( iv )

p = q ⇔ Ψ(p) = Ψ(q),

isto ´e,

p = q ⇔ p∗ = q ∗

344



Prova: ( i ) (p + q)∗ = p∗ + q ∗ . Devemos provar duas inclus˜oes: (p + q)∗ ⊂ p∗ + q ∗ e p∗ + q ∗ ⊂ (p + q)∗ .

(⊂) Seja u ∈ (p + q)∗ , isto ´e,

u ∈ (p + q)∗ = { x ∈ Q : x < p + q } ⇒ u < p + q Devemos provar que u ∈ p∗ + q ∗ , para isto precisamos construir um s ∈ p∗ e um t ∈ q ∗ , de modo que u = s + t. Consideremos h = (p + q) − u > 0. Fa¸camos, s=p−

h h e t=q− 2 2

Sendo assim, s 0, os demais casos s˜ ao provados de forma an´ aloga. Seja u ∈ (p · q)∗ , isto ´e, u ∈ (p · q)∗ = { x ∈ Q : x < p q } Devemos provar que u ∈ p∗ · q ∗ . Temos duas possibilidades, ou u < 0 ou 0 ≤ u < p q. Se u < 0, ent˜ ao claramente u pertence ao produto (p. 320) p∗ · q ∗ = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ p∗ , s ∈ q ∗ e r ≥ 0, s ≥ 0 }

Consideremos 0 ≤ u < p q. Como p > 0 e q > 0 existem p1 ∈ Q e q1 ∈ Q satisfazendo 0 < p1 < p e 0 < q1 < q, isto ´e, 0 < p1 q1 < p q.

345

−4p

−3p

. . . −4p

−3p

...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

. . . −4p

−3p

...

=?

− 52

− 52

− 52

− 52

− 52

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

− 21

− 21

− 21

− 21

− 21

0p

0p

0p

0p

0p

1 2

p1

1p

5 2

2p

p

q1

4p

...

Q

p∗ q

q∗

p1 q 1

u

3p

p∗ q ∗ pq

(fixo)

(p q)∗

Como Q ´e denso (p. 245) podemos tomar p1 arbitrariamente pr´ oximo de p e q1 arbitrariamente pr´ oximo de q de modo que o produto p1 q1 pode ser feito arbitrariamente pr´ oximo de p q. Como u ´e fixo (foi arbitrariamente fixado) para uma dada escolha de p1 e q1 teremos 0 < u < p1 q1 < p q, como p1 q1 est´ a em p∗ q ∗ , ent˜ao u ∈ p∗ q ∗ , portanto, (p q)∗ ⊂ p∗ q ∗ . (⊃) Seja q ∈ p∗ q ∗ , ent˜ ao, ou q < 0 ou q = r s, onde r ∈ p∗ , s ∈ q ∗ e r ≥ 0, s ≥ 0. Temos, 0 ≤ r < p e 0 ≤ s < q, logo, 0 ≤ r s < p q, isto ´e, ou q < 0 ou 0 ≤ q = r s < p q, em qualquer dos casos temos q ∈ (p q)∗ , portanto, p∗ q ∗ ⊂ (p q)∗ . ( iii ) p < q ⇔ p∗ < q ∗ . Temos duas provas a fazer: (⇒) p < q ⇒ p∗ < q ∗ . q∗

Se p < q, ent˜ ao p ∈ q ∗ ; como p 6∈ p∗ implica que p ∈ q ∗ − p∗ , logo, ∗ − p 6= ∅. Pela defini¸c˜ao 55 (p. 313), resulta: p∗ < q ∗ .

(⇐) p∗ < q ∗ ⇒ p < q.

Se p∗ < q ∗ , ainda pela defini¸c˜ao 55, q ∗ − p∗ 6= ∅, logo, existe um racional r ∈ q ∗ e tal que r 6∈ p∗ . Tendo em conta a proposi¸c˜ao 31 (p. 299) concluimos que r > p, logo, r < q e r > p ⇒ p < r < q. Portanto, p < q. ( iv ) p = q ⇔ p∗ = q ∗ . Temos duas provas a fazer: (⇒) p = q ⇒ p∗ = q ∗ .

Se p = q, ent˜ ao os conjuntos a seguir resultam iguais { x ∈ Q: x < p } = { x ∈ Q: x < q }

Portanto, p∗ = q ∗ . 346

(⇐) p∗ = q ∗ ⇒ p = q. Por hip´ otese, temos: p∗ ⊂ q ∗ e q ∗ ⊂ p∗ . Como p 6∈ p∗ , segue que ∗ p 6∈ q , com isto, p ≥ q. Utilizando a segunda inclus˜ao, como q 6∈ q ∗ , segue que q 6∈ p∗ , com isto, q ≥ p. Por tricotomia, concluimos que p = q.  Com este teorema fizemos uma imers˜ ao de Q em C . De outro modo, obtivemos uma c´ opia alg´ebrica de Q em C . A aplica¸c˜ao `a esquerda a seguir C r∗

Ψ(Q) ⊂ C r∗          

Ψ: Q r

          

Ψ: Q r

Imers~ ao ´e apenas injetora, como vimos. O contradom´ınio da aplica¸c˜ao `a direita ´e Ψ(Q) (imagem do dom´ınio de Ψ), portanto, a aplica¸c˜ao `a direita ´e uma bije¸c˜ao. Nota: por um abuso de nota¸c˜ao mantivemos a mesma letra, Ψ. Ψ(Q) ´e uma c´ opia de Q em C , sendo Ψ(Q) precisamente o conjunto dos cortes racionais. Vimos na proposi¸c˜ao 30 (p. 296) que existem cortes que n˜ ao s˜ ao racionais, logo, C − Ψ(Q) 6= ∅. Observamos ainda que o corpo ordenado dos n´ umeros racionais ´e isomorfo ao corpo ordenado de todos os cortes racionais, como diriamos:

Q ∼ = Ψ(Q)

umero racional r. o que nos permite identificar o corte racional r ∗ com o n´ Aqui Dedekind se equivocou, ver p. 290. Obviamente que r ∗ e r s˜ ao elementos de naturezas distintas, completamente distintas, mas para efeitos do “jogo” (soma, produto, ordem) eles tornam-se indistintos. Por oportuno, fa¸camos uma analogia: como j´a vimos no jogo de xadrez podemos jogar tanto com as pe¸cas do xadrez como com cereais, para efeitos do jogo o resultado ´e o mesmo.

⇐⇒

.. .

.. .

Como elementos r ∗ e r diferem tanto quanto um rei de um caro¸co de feij˜ ao. No entanto, na estrutura (como n´ umeros) s˜ ao indistintos. 347

Vejamos ainda o tanto quanto o teorema 64 nos facilita a vida quando trata-se de operar com cortes (quando forem cortes racionais). Suponhamos que desejamos multiplicar os cortes  1 ∗  5 ∗ · 2 2

A rigor, temos o produto de dois cortes

. . .−4∗ p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−( 25 )∗

. . .−4∗ p

−3∗ p

. . .−4∗ p

−3∗

−2∗ p

−( 52 )∗

p

−2∗

p

−( 21 )∗

( 12 )∗

−( 21 )∗

( 12 )∗

−1∗ p

0∗ p

−1∗ p

−1∗

0∗ p

2∗



1∗p



2



1∗p

−( 21 )∗

p



2∗ p

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

...

C

( 52 )∗

2∗ p

( 21 )∗

0∗ p

que deve ser realizado segundo a defini¸c˜ao 58 (p. 322), assim n  1 ∗  5 ∗ o  1 ∗  5 ∗ · = Q∗− ∪ q ∈ Q : q = r s, onde r ∈ ,s∈ e r, s ≥ 0 2 2 2 2

Pelo teorema 64 (p. 344), transferimos, via Ψ−1 , os cortes racionais para os racionais, Q, multiplicamos neste conjunto, o resultado transferimos de volta, por Ψ, para os reais: Ψ: Q r

. . .−4∗ p

C r∗

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−( 21 )∗

−1∗ p

Ψ−1 : Ψ(Q) r∗

Ψ(Q) ⊂ C r∗

Ψ: Q r

0∗ p



( 12 )∗

2∗

• 1∗p

2∗ p

( 25 )∗

...

...

−4 p

−4 p

. . .−4∗ p

−3 p

−3 p

− 52

−2 p

−2 p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−1 p

−1 p

− 21

− 21

0p

0p

−( 21 )∗

−1∗ p

0∗ p

1p ( 12 )∗

2p 5 4

2p

Ψ

• 1∗p

( 45 )∗

348

...

C

3p

4p

...

Q

3p

4p

...

Q

4∗ p

...

C

Ψ−1

1p

1 2

4∗ p

3∗ p

Ψ−1 − 52

Q r

2∗ p

5 2

( 25 )∗

3∗ p

um corte, temos que r ∈ α ⇔ r ∗ < α.

Lema 17. Seja α ∈ C

Antes da prova veja um caso particular desta proposi¸c˜ao: r=

...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

− 52

− 52

− 52

1 5 1 5 ∈ α = ( )∗ ⇔ ( )∗ < ( )∗ 2 2 2 2

−2p

−1p

−2p

−1p

−2p

−1p

− 21

− 21

− 21

0p

0p

0p

1 2

1 2

1p

2p

1p

2p

5 2

3p

4p

...

Q

( 52 )∗

( 21 )∗

Prova: Temos duas provas a fazer: (⇒) r ∈ α ⇒ r ∗ < α. Se r ∈ α, como r 6∈ r ∗ , temos α − r ∗ 6= ∅, segue da defini¸c˜ao 55 (p. 313) que r ∗ < α. (⇐) r ∗ < α ⇒ r ∈ α. Ainda pela defini¸c˜ ao 55 temos α − r ∗ 6= ∅, o que significa que existe s ∈ α tal que s 6∈ r ∗ , logo, s ≥ r, sendo assim r ≤ s e s ∈ α ⇒ r ∈ α.  O teorema seguinte afirma que sempre existe um n´ umero racional entre dois n´ umeros reais quaisquer. Teorema 65 (Densidade de Q em C ). Sejam α, β ∈ C com α < β, ent˜ao existe um corte racional r ∗ tal que α < r ∗ < β. Prova: De α < β, segue que existe um n´ umero racional s ∈ β tal que s 6∈ α. Segue da defini¸c˜ ao de corte (p. 293) que em β n˜ ao existe elemento m´ aximo, logo, existe r ∈ β tal que s < r. Pelo lema 17, temos r ∈ β ⇒ r∗ < β Ademais, do teorema 64 (p. 344), temos s < r ⇒ s∗ < r ∗ Como s 6∈ α segue do lema 17 que s∗ ≥ α, logo, α ≤ s∗ < r ∗ . Sendo assim, α < r ∗ < β. 

349

9.5

Completude segundo Dedekind

Defini¸ c˜ ao 62 (Incis˜ ao em Q). Uma incis˜ ao em Q ´e um par (A, B) de subconjuntos de Q satisfazendo as seguintes condi¸c˜oes: a) Q = A ∪ B; b) A ∩ B = ∅;

c) A 6= ∅ e B 6= ∅; d) se p ∈ A e q ∈ B, ent˜ao, p < q.

Exemplo: Os dois subconjuntos a seguir formam uma incis˜ ao em Q:   A = Q − ∪ x ∈ Q : x > 0 e x2 < 2 e B = x ∈ Q : x > 0 e x2 > 2 ...

−4p

−3p

...

−4p

−3p

− 52

− 52

−2p

−1p

−2p

−1p

− 21

− 21

0p

1 2

1p

p 0p

1p

B

2p

5 2

3p

4p

...

3p

4p

...

Q

A q 2p

Observe que aqui n˜ ao existe um elemento separador entre os dois subconjuntos, existe uma lacuna (buraco), por assim dizer. An´alogamente definimos, Defini¸ c˜ ao 63 (Incis˜ ao em C ). Uma incis˜ ao em C ´e um par (A, B) de subconjuntos de C satisfazendo as seguintes condi¸c˜oes: a) C = A ∪ B;

b) A ∩ B = ∅; c) A = 6 ∅ e B 6= ∅;

d) se α ∈ A e β ∈ B, ent˜ao, α < β. A principal diferen¸ca entre Q e C ´e que em toda incis˜ ao em C existe um elemento separador. Ou ainda, n˜ ao existem buracos em C . Este ´e o conte´ udo do pr´ oximo, 350

Teorema 66 (Dedekind/Completude). Sejam A e B subconjuntos de C , satisfazendo: a) C = A ∪ B;

b) A ∩ B = ∅; c) A = 6 ∅ e B 6= ∅;

d) se α ∈ A e β ∈ B, ent˜ ao, α < β. Nestas condi¸c˜ oes, existe um, e apenas um, corte γ tal que α ≤ γ ≤ β, para todo α ∈ A e para todo β ∈ B. Veja um exemplo particular, caso em que γ =

. . .−4∗ p . . .−4∗ p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−( 52 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−( 12 )∗

( 12 )∗

−( 12 )∗

α

−1∗ p

−1∗ p

0∗ p

0∗ p



2∗



1∗p √

2∗

p



2∗ :

( 52 )∗

3∗ p

4∗ p

...

3∗ p

4∗ p

...

C

2∗

•A 1∗p B

2∗ p

β

Nota: Sempre que falarmos em corte estamos falando no sentido da defini¸c˜ao 51 (p. 293), portanto, um corte ´e sempre um subconjunto de Q satisfazendo as condi¸c˜ oes daquela defini¸c˜ao. O que posteriormente chamaremos de n´ umero real ´e sempre um corte. Uma incis˜ ao pode ser em Q ou em C , um corte apenas em Q, para os prop´ositos deste livro, bem entendido. Iniciemos a prova do teorema. Prova: Existˆencia. Consideremos o seguinte subconjunto de Q : γ = { x ∈ Q : x ∈ α para algum α ∈ A }

Antes de prosseguir na prova vejamos um pouco mais de perto o conjunto γ, que pode ser reescrito como: γ=

[

α∈A

α = { x ∈ Q : x ∈ α para algum α ∈ A }

γ ´e a reuni˜ao de todos os α pertencentes a A. Observe que sendo A um subconjunto de C cada α ∈ A ´e um corte nos racionais, que, por sua vez, ´e um subconjunto dos racionais, por exemplo, 351

. . .−4∗ p . . .−4∗ p

−3∗

−( 25 )∗

p

−2∗

p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−1∗

−( 21 )∗

p

0∗

p

−( 21 )∗

−1∗ p

0∗ p

( 12 )∗



2∗

p •

1∗



( 12 )∗

1∗p

2∗

p

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

...

C

...

C

2∗

A

( 12 )∗ =

−1∗ = { x ∈ Q : x < −1 }



x ∈ Q: x <

1 2



−3∗ = { x ∈ Q : x < −1 }

Ent˜ ao, para obter γ fa¸ca α varrer todo o conjunto A,

. . .−4∗ p . . .−4∗ p

−3∗

−3∗

p

−2∗

−( 52 )∗

p

−2∗

−( 25 )∗

−3∗ p

p

p

−2∗ p

−1∗

−1∗

−( 21 )∗

p

0∗

−( 21 )∗

p

−1∗ p

0∗

x ↔

p

p

( 12 )∗

2∗

p •

1∗

α ↔



p

2∗ p

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

2∗

1∗

A

α

0∗ p

γ=



←−

. . .−4∗ p

−( 25 )∗

[

α∈A

α = { x ∈ Q : x ∈ α para algum α ∈ A }

Retomando a prova, vamos provar que γ ´ e um corte. Lembramos que pela defini¸c˜ ao de corte (p. 293) devemos provar os seguintes itens: i ) γ 6= ∅ e γ 6= Q; ii ) se r ∈ γ e s < r, ent˜ao s ∈ γ; iii ) em γ n˜ ao existe elemento m´ aximo.

(s racional)

i ) De fato, sendo A 6= ∅, existe α ∈ A e, como α 6= ∅, resulta γ 6= ∅. Sendo A limitado superiormente, existe um n´ umero real m tal que α ≤ m, para todo α ∈ A. Como m ´e um n´ umero real (corte), existe x racional, com x 6∈ m, sendo assim x 6∈ α, para todo α ∈ A, logo, x 6∈ γ e, portanto, γ 6= Q.

352

. . .−4∗ p . . .−4∗ p ...

...

−4 p

−4 p

−3∗

−( 25 )∗

p

−2∗

p

−( 52 )∗

−3∗ p

−3 p

−3 p

−2∗ p

− 25

− 25

−2 p

−2 p

−1∗

−( 12 )∗

p

0∗

p

( 12 )∗

α ↔

− 12

1 2

0∗ p

−1 p

−1 p

− 12

0p

0p



1∗p

1 2

2∗

p •

1∗

−( 12 )∗

−1∗ p



1p

1p

2∗

p

( 52 )∗

3∗ p

m

4∗ p

...

C

x ...

Q

2∗

A

2p

2p

5 2

5 2

3p

m

3p

4p

ii ) Sejam p e q dois racionais quaisquer, com p ∈ γ e q < p. Temos: p ∈ γ ⇒ p ∈ α para algum α ∈ A p∈α e q q. Como p ∈ α, implica que p ∈ γ. Assim, mostramos que para todo q ∈ γ existe p ∈ γ tal que p > q. Portanto, γ n˜ ao tem m´ aximo. Como os trˆes itens da defini¸c˜ao de corte foram satisfeitos segue que γ ´e um corte. Unicidade: Vamos agora provar a unicidade de γ. Suponhamos que existam dois n´ umeros distintos γ1 e γ2 , com γ1 < γ2 nas condi¸c˜oes do enunciado, isto ´e, d) se α ∈ A e β ∈ B, ent˜ ao, α < β. Nestas condi¸c˜oes, existe um, e apenas um, n´ umero real γ1 tal que α ≤ γ1 ≤ β, para todo α ∈ A e para todo β ∈ B. (reproduzindo apenas o ´ıtem d)) E mais, d) se α ∈ A e β ∈ B, ent˜ ao, α < β. Nestas condi¸c˜oes, existe um, e apenas umero real γ2 tal que α ≤ γ2 ≤ β, para todo α ∈ A e para todo um, n´ β ∈ B. Pelo teorema 65 (p. 349) existe r ∗ satisfazendo γ1 < r ∗ < γ2 . Temos, por hip´ otese, γ2 ≤ β, para todo β ∈ B, sendo assim, se r ∗ ∈ B, teriamos γ2 ≤ ∗ r , o que n˜ ao pode ocorrer. Como C = A∪B, temos r ∗ ∈ A. An´alogamente, de γ1 < r ∗ , obtemos r ∗ ∈ B; resultando r ∗ ∈ A ∩ B, contradizendo uma das hip´ oteses. Portanto, n˜ ao podemos ter γ1 e γ2 distintos nas condi¸c˜oes do enunciado. 353

Como γ ´e a reuni˜ao dos α pertencentes a A, segue que ∀ α ∈ A ⇒ α ⊂ γ ⇒ γ ≥ α. Esta u ´ltima implica¸c˜ ao decorre da proposi¸c˜ao 33 (p. 316). Para finalizar, falta mostrar que γ ≤ β, para todo β ∈ B. Suponhamos, ao contr´ ario, que exista β ′ ∈ B com β ′ < γ. Observe que (p. 316) β ′ < γ ⇒ β ′ ⊂ γ e β ′ 6= γ Da´ı, existe um racional r ∈ γ, tal que r 6∈ β ′ . Como r ∈ γ, ent˜ao r pertence a algum α ′ ∈ A, −( 25 )∗

. . .−4∗ p

−3∗ p

. . .−4∗ p

−3∗ p

−2∗ p

−( 25 )∗

−2∗ p

−1∗

−( 21 )∗

p

0∗

−( 21 )∗

−1∗ p

p

0∗ p

1∗p

( 12 )∗

1∗p

β′ ?

γ=

[

α∈A



( 12 )∗

B

2∗



2∗

p

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

...

3∗ p

4∗ p

...

C

γ •A 2∗ p

β

α = { x ∈ Q : x ∈ α para algum α ∈ A }

↑r

sendo assim r ∈ α ′ e r 6∈ β ′ ⇒ α ′ − β ′ 6= ∅ ⇒ β ′ < α ′ Contradizendo a hip´ otese d) do teorema.

(p. 351)



354

Se observarmos a reta racional com uma “lupa suficientemente poderosa” haveremos de constatar que a mesma ´e toda porosa, isto ´e, com buracos por toda a parte.

...

−4 p

−3 p

− 52

−2 p

−1 p

− 12

0p

1 2

p

1

p

2

3p

4p

...

Q

O que fizemos com a constru¸c˜ao d os cortes foi tapar cada um destes buracos, assim: 1 5 − 21 − 52 2 2 •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• p p p p p p p . . . −4 −2 −1 0 1 2 3p 4p ... −3

Q

Ψ √ −( 21 )∗ ( 12 )∗ −( 25 )∗ ( 52 )∗ 2∗ •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• . . .−4∗ p −3∗ p −2∗ p −1∗ p 0∗ p 1∗p 3∗ p 2∗ p 4∗ p . . .

C

Por isto diz-se que os reais s˜ ao um completamento dos racionais. Cada uma destas bolinhas usadas para tapar os buracos da reta racional ´e o que denominaremos de n´ umero irracional. Com este teorema (teo. 66, p. 351) concluimos a constru¸c˜ao dos reais segundo Dedekind. Γ = { A1, A2, A3, A4, M1, M2, M3, M4, D, Ordenado, Completo } | {z }

X

Nota¸ ca ˜o: A estrutura construida at´e este momento, ainda denotada por C : C = (C, +, ·, ≤) ´e o que denominamos de um sistema completo. Para Dedekind um sistema ao possui elemento separador. ´e completo quando toda incis˜ Sendo assim, neste momento, as classes de C adquirem o status de n´ umeros reais e podemos trocar de nota¸c˜ao, assim: C = (C, +, · , ≤) = R

355

Completude e An´ alise Real Vamos ainda convergir esfor¸cos par derivar um importante teorema que comparece na An´alise Matem´atica (real) como um axioma, conhecido como “o Axioma do Supremo”. Corol´ ario 3. Nas condi¸c˜oes do teorema 66 (p. 351), ou existe em A um n´ umero m´ aximo, ou, em B um n´ umero m´ınimo. Nota: Se necess´ario, veja na p´ agina 351 um exemplo onde A tem um elemento m´ aximo. Prova: Seja γ como no teorema 66. Ent˜ao, pela hip´ otese a) do teorema (p. 351), γ est´ a em A ou em B, e, pela hip´ otese b), em apenas um desses conjuntos. Tendo ainda em conta o seguinte trecho do enunciado do teorema: umero real γ tal que α ≤ “Nestas condi¸c˜ oes, existe um, e apenas um, n´ γ ≤ β, para todo α ∈ A e para todo β ∈ B.” se γ ∈ A, ent˜ ao γ ´e elemento m´ aximo de A e, se, γ ∈ B, ent˜ao γ ´e elemento m´ınimo de B.  Ademais, observe que se o conjunto A do teorema 66 n˜ ao contiver γ,

. . .−4∗ p

−3∗ p

−3∗

−2∗ p

−( 25 )∗

p

−2∗

p

−( 21 )∗

( 12 )∗



−( 21 )∗

( 12 )∗



−1∗ p

−1∗

p

0∗ p

0∗

p

2∗

• 1∗p p

1∗

2∗ p

corte em R

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

...

4∗ p

...

R

2∗

A

←−

. . .−4∗ p

−( 25 )∗

γ B • 2∗ p

( 25 )∗

3∗ p

ent˜ ao ele ´e um corte em R no sentido da defini¸c˜ao 51 (p. 293) de corte em Q. A diferen¸ca entre ambas as situa¸c˜oes ´e que em um corte em Q (em uma incis˜ ao para sermos mais precisos) n˜ ao se tem necessariamente, como no teorema 66 para n´ umeros reais, um elemento separador γ. Esses buracos ´e que geram os cortes (n´ umeros) irracionais − como ilustramos na figura da p´ agina 355. Como tais buracos n˜ ao ocorrem em R, ent˜ao cortes em R n˜ ao geram elementos novos.

356

O “Axioma” do Supremo A importˆ ancia do teorema a seguir, no sistema dos n´ umeros reais, somente foi percebida − e perfeitamente compreendida − quase no fim do s´eculo XIX e, portanto, seu conte´ udo n˜ ao pode ser visto como intuitivo. Teorema 67 (Teorema do Supremo). Se X ⊂ R ´e um conjunto n˜ ao vazio e limitado superiormente, ent˜ ao X tem supremo. Prova: Considere o seguinte subconjunto dos reais, A = { α ∈ R : α < x, para algum x ∈ X } este ´e precisamente o conjunto dos reais que n˜ ao s˜ ao cotas superiores de X. Ademais, considere o subconjunto: B = R − A, constituido pelas cotas superiores de X. Veja um caso particular deste contexto com X = [ 0, 1 [ : . . .−4∗ p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−( 12 )∗

−1∗ p

0∗ p

0∗

. . .−4∗ p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−1∗ p

( 12 )∗



2∗

• 1∗p

x •

1∗

α

2∗ p

( 52 )∗

3∗ p

4∗ p

...

3∗ p

4∗ p

...

R

X

A

B

2∗ p

β

Vamos mostrar que A e B satisfazem as condi¸c˜oes do teorema 66 (p. 351). As duas primeiras condi¸c˜ oes s˜ ao trivialmente satisfeitas. Verifiquemos a terceira condi¸c˜ ao. Sendo X 6= ∅, existe x ∈ X, e assim, qualquer α < x pertence a A, ou seja, A 6= ∅. Por outro lado, como X ´e limitado superiormente, temos B 6= ∅. Para verificar a u ´ltima condi¸c˜ao do teorema, sejam α ∈ A e β ∈ B. Assim, existe x ∈ X tal que α < x. Como β ≥ x, segue que β > α. Sendo assim verificamos que A e B satisfazem as condi¸c˜ oes do teorema 66, logo, pelo corol´ ario 3 (p. 356), ou A possui m´ aximo, ou B possui m´ınimo. Vamos mostrar que a primeira alternativa n˜ ao pode ocorrer. De fato, tomemos α arbitr´ario em A; logo, existe x ∈ X tal que α < x. Consideremos α ′ tal que α < α ′ < x. Como α ′ < x, ent˜ao α ′ ∈ A e ´e maior do que α, ou seja, como α foi arbitrariamente fixado em A, nenhum elemento de A ´e maior do que os demais, isto ´e, A n˜ ao possui m´ aximo. Sendo assim, necessariamente B possui m´ınimo, logo, X possui supremo.  357

Teorema 68 (Teorema do ´Infimo). Se X ⊂ R ´e um conjunto n˜ ao vazio e limitado inferiormente, ent˜ao X tem ´ınfimo. Prova: Seja X ⊂ R limitado inferiormente e consideremos o conjunto −X = { −x ∈ R : x ∈ X } Veja um caso particular deste contexto com X = ] 1, 2 ] : . . .−4∗ p

−( 25 )∗

−3∗ p

−2∗ p

−2∗

−( 21 )∗

−1∗ p

0∗ p

c • −x •−1∗ −X

( 12 )∗

• 1∗p



2∗ p

1∗

x •

2∗

2∗

( 25 )∗

3∗ p

4∗ p

...

R

X

−c •

Temos que −X ⊂ R. Como X ´e limitado inferiormente existe ν ∈ R tal que ν ≤ x para todo x ∈ X. Disto segue que −ν ≥ −x para todo −x ∈ −X, logo, −X ´e limitado superiormente. Sendo assim, pelo teorema do supremo, −X possui supremo, digamos c = sup (−X). Vamos mostrar que −c = inf X. De fato, c ≥ −x para todo −x ∈ −X, ou ainda, −c ≤ x para todo x ∈ X. Sendo assim, −c ´e uma cota inferior de X. Suponhamos que exista uma outra cota inferior, d, de X satisfazendo −c < d ≤ x para todo x ∈ X. De d ≤ x para todo x ∈ X, temos −d ≥ −x para todo −x ∈ −X, logo, −d ´e cota superior de −X, por´em, temos que −c < d; resumindo o que interessa:   • c ´e supremo de X (menor cota superior de X)   • − d ´e cota superior de X    • −d a

s˜ ao chamados de intervalos. Os quatro intervalos da esquerda s˜ ao limitados de extremos a e b. [ a, b ] ´e um intervalo fechado, [ a, b [ ´e um intervalo fechado ` a esquerda e aberto `a direita, ] a, b ] ´e um intervalo aberto `a esquerda e fechado ` a direita, ] a, b [ ´e um intervalo aberto. Podemos dar uma interpreta¸c˜ ao geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma: [ a, b ]

] a, b ]

a

b

a

b

[ a, b [

] a, b [

a

b

a

b

Os quatro intervalos da direita n˜ ao s˜ ao limitados: ]−∞, b ] ´e um intervalo ilimitado ` a esquerda e limitado `a direita, ]− ∞, b [ ´e um intervalo ilimitado `a esquerda e limitado ` a direita, [ a, +∞ [ ´e um intervalo limitado `a esquerda e ilimitado ` a direita, ] a, +∞ [ ´e um intervalo limitado `a esquerda e ilimitado `a direita. Podemos dar uma interpreta¸c˜ao geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma: ]−∞, b ]

[ a, +∞ ]

b

a

]−∞, b [

] a, +∞ [

b

a

Devido a possibilidade destas interpreta¸c˜oes ´e que: ]−∞, b ] ´e conhecido como a semi-reta esquerda fechada, de origem b; ] − ∞, b [ ´e conhecido como a semi-reta esquerda aberta, de origem b; [ a, +∞ [ ´e conhecido como a semireta direita fechada, de origem a e ] a, +∞ [ ´e conhecido como a semi-reta direita aberta, de origem a. ´ conveniente considerarmos R = ] − ∞, +∞ [ como a “reta real”. E

372

Supremo e ´Infimo Os conceitos de supremo e ´ınfimo s˜ ao da m´ axima importˆ ancia tanto no C´ alculo quanto na An´alise Real, como, ademais, em muitas outras ´areas da matem´ atica. O leitor n˜ ao tenha a ilus˜ ao de ir muito longe na matem´ atica sem uma perfeita compreens˜ ao destes conceitos. Antes definiremos Defini¸ c˜ ao 64 (Cota Superior/Cota Inferior). Seja K um subconjunto qualquer de R. (i) Diz-se que um elemento µ ∈ R ´e cota superior de K se µ ≥ k para todo k ∈ K. (ii) Diz-se que um elemento ν ∈ R ´e cota inferior de K se ν ≤ k para todo k ∈ K. Uma primeira observa¸c˜ ao importante ´e que a cota superior de um conjunto (se existir) pode ou n˜ ao pertencer ao conjunto. Por exemplo, o n´ umero real 1 ´e cota superior dos conjuntos K = [ 0, 1 ] e J =] 0, 1 [ mas pertence a K e n˜ ao a J. Observa¸c˜ ao an´ aloga vale para a cota inferior. Note-se que nem sempre um subconjunto K ⊂ R tem uma cota superior ou uma cota inferior. Por exemplo Z ⊂ R ´e um de tais conjuntos. Todavia, se um conjunto tem uma cota superior, ent˜ao admite uma infinidade delas. De fato, se µ ´e uma cota superior de K, o mesmo se d´ a com µ + n, para todo n ∈ N. Quando um conjunto admite cota superior, dizemos que ele ´e cotado superiormente, e quando admite cota inferior, dizemos que ´e cotado inferiormente. Um conjunto dotado de cota superior e de cota inferior diz-se simplesmente cotado. Um conjunto que n˜ ao admite cota superior, ou inferior, diz-se n˜ ao-cotado. Por exemplo, Conjunto

Status

a)

Z

N˜ao cotado

b)

N

Cotado inferiormente

c) d)

] − ∞, 1 ] ] − 1, 1 ]

Cotado superiormente Cotado

Defini¸ c˜ ao 65 (Supremo). Seja K um subconjunto qualquer de R. Se K ´e cotado superiormente, uma cota superior de K se diz supremo de K se ´e menor do que qualquer outra cota superior de K. 373

Em outras palavras: Um n´ umero µ ∈ R se diz supremo de um subconjunto K de R se satisfaz as duas condi¸c˜oes: (i) x ≤ µ para todo x ∈ K; (ii) se λ ´e um n´ umero tal que x ≤ λ para todo x ∈ K, ent˜ao µ ≤ λ.

De fato, pela condi¸ca˜o (i), µ ´e uma cota superior de K, e pela (ii), µ ´e menor que qualquer outra cota superior de K. O supremo µ de um subconjunto K de R, se existir, ´e u ´nico. De fato, se µ1 e µ2 s˜ ao supremos de K, ent˜ao ambos verificam as condi¸c˜oes (i) e (ii) acima, logo µ1 ≤ µ2 e µ2 ≤ µ1 , donde µ1 = µ2 . Nota¸ca ˜o: Se µ for o supremo de K, escrevemos: µ = sup K. A seguinte caracteriza¸c˜ao do supremo ´e u ´til em muitas situa¸c˜oes:

Lema 18. Seja K ⊂ R. µ = sup K se, e somente se, µ for uma cota superior de K e, dado ε > 0, existe k ∈ K tal que µ − ε < k. Prova: (⇒) Se µ =sup K e ε > 0 ent˜ ao existe k ∈ K de modo que µ − ε < k. Vamos provar isto utilizando a t´ecnica (T − 4) (p. 495). Fa¸camos    H1 : ε > 0 ⇒ T : ∃ k ∈ K : µ − ε < k.   H : µ =sup K 2 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponha que n˜ ao exista k ∈ K satisfazendo µ − ε < k. Isto ´e, suponha que µ − ε ≥ k para todo k ∈ K. Ora, se k ≤ µ − ε para todo k ∈ K, significa que µ − ε ´e uma cota superior de K. Uma vez que ε > 0 temos que µ − ε < µ, logo n˜ ao temos µ =sup K (porquanto µ n˜ ao ´e a menor das cotas superiores de K). (⇐) Se µ ´e uma cota superior de K e para todo ε > 0 dado existe k ∈ K satisfazendo µ − ε < k ent˜ ao µ =sup K. Ainda mais uma vez utilizemos a t´ecnica (T − 4). Fa¸camos    H1 : µ ´e cota superior de K.

  H : ∀ ε > 0 ∃ k ∈ K : µ − ε < k. 2



T:

µ =sup K.

H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponhamos µ cota superior de K e µ 6=sup K. Logo, µ n˜ ao ´e a menor das cotas superiores de K. Portanto existe ε > 0 tal que µ−ε ´e cota superior de K; o que traz como consequˆencia que existe ε > 0 de modo que µ − ε ≥ k para todo k ∈ K. Isto ´e exatamente o que busc´avamos: a nega¸c˜ao de H2 . 374

Vejamos algumas aplica¸c˜ oes do lema anterior: Exemplos:  1) Encontre o supremo de K = x ∈ R : 0 < x < 1 = ] 0, 1 [. Vamos mostrar que a cota superior µ = 1 ´e o supremo de K. Para tanto ´e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que 1 − ε < x. Para isto consideremos duas possibilidades:

a) ε ≥ 1. Se ε ≥ 1 temos 1− ε ≤ 0. Neste caso, tomando por exemplo x = 1/2, resulta 1 1−ε ≤0 0 devemos exibir um x ∈ K de modo que 1−ε < x. Ou ainda: para todo ε > 0 devemos encontrar n ∈ N de modo que n 1−ε< . n+1 Esta desigualdade ´e satisfeita para todo n natural se 1 − ε < 0 (ε > 1). Sendo assim consideremos 1 − ε ≥ 0 (ε ≤ 1). Ent˜ao,

1−ε<

n ⇐⇒ (1 − ε)(n + 1) < n n+1 1−ε ⇐⇒ n > . ε

Assim, dado ε > 0, escolhemos um natural nε > 1−ε<

1−ε ε

e teremos

nε . nε + 1

o que prova ser sup K = 1. Proposi¸ c˜ ao 39. Se µ for uma cota superior de K e µ ∈ K ent˜ ao µ = sup K. Prova: Por defini¸c˜ ao de sup K (e tendo em conta que µ ´e uma cota superior de K) podemos escrever x ≤ sup K ≤ µ, ∀ x ∈ K. Como, por hip´ otese, µ ∈ K temos em particular que µ ≤ sup K ≤ µ, donde µ = sup K.  A proposi¸c˜ ao que acabamos de provar nos permite obter alguns supremos a “olho nu”. Por exemplo, sup ] 0, 1 ] = 1. Porquanto 1 ´e cota superior de ] 0, 1 ] e pertence a este conjunto. Como mais um exemplo, consideremos n1 1 o 1 K= , , ··· , n, ··· 2 4 2

Ent˜ ao, sup K = 1/2. Isto se deve a que 1 ´ e cota superior de K e pertence a K. 2

1 2n



1 2

para todo n natural. Isto ´e,

Defini¸ c˜ ao 66 (´Infimo). Seja K um subconjunto qualquer de R. Se K ´e cotado inferiormente, uma cota inferior de K se diz ´ınfimo de K se ´e maior do que qualquer outra cota inferior de K. Em outras palavras: Um n´ umero ν ∈ R se diz ´ınfimo de um subconjunto K de R se satisfaz as duas condi¸c˜oes: 376

(i) x ≥ ν para todo x ∈ K; (ii) se λ ´e um n´ umero tal que x ≥ λ para todo x ∈ K, ent˜ao ν ≥ λ.

De fato, pela condi¸c˜ ao (i), ν ´e uma cota inferior de K, e pela (ii), ν ´e maior que qualquer outra cota inferior de K. O ´ınfimo ν de um subconjunto K de R, se existir, ´e u ´nico. De fato, se ν1 e ν2 s˜ ao ´ınfimos de K, ent˜ ao ambos verificam as condi¸c˜oes (i) e (ii) acima, logo ν1 ≥ ν2 e ν2 ≥ ν1 , donde ν1 = ν2 . Nota¸ca ˜o: Se ν for o ´ınfimo de K, escrevemos: ν = inf K. A seguinte caracteriza¸c˜ ao do ´ınfimo ´e u ´til em muitas situa¸c˜oes:

Lema 19. Seja K ⊂ R. ν = inf K se, e somente se, ν for uma cota inferior de K e, dado ε > 0, existe k ∈ K tal que k < ν + ε. Prova:

(⇒) Se ν = inf K e ε > 0 ent˜ ao existe k ∈ K de modo que k < ν + ε. Vamos provar isto utilizando a t´ecnica (T − 4) (p. 495). Fa¸camos    H1 : ε > 0 ⇒ T : ∃ k ∈ K : k < ν + ε.   H : ν = inf K 2 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponha que n˜ ao exista k ∈ K satisfazendo k < ν + ε. Isto ´e, suponha que k ≥ ν + ε para todo k ∈ K. Ora, se k ≥ ν + ε para todo k ∈ K, significa que ν + ε ´e uma cota inferior de K. Uma vez que ε > 0 temos que ν + ε > ν, logo n˜ ao temos ν = inf K (porquanto ν n˜ ao ´e a maior das cotas inferiores de K). (⇐) Se ν ´e uma cota inferior de K e para todo ε > 0 dado existe k ∈ K satisfazendo k < ν + ε ent˜ ao ν = inf K. Ainda mais uma vez utilizemos a t´ecnica (T − 4). Fa¸camos    H1 : ν ´e cota inferior de K.

  H : ∀ ε > 0 ∃ k ∈ K : k < ν + ε. 2



T:

ν = inf K.

H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Suponhamos ν cota inferior de K e ν 6= inf K. Logo, ν n˜ ao ´e a maior das cotas inferiores de K. Portanto existe ε > 0 tal que ν + ε ´e cota inferior de K; o que traz como consequˆencia que existe ε > 0 de modo que k ≥ ν + ε para todo k ∈ K. Isto ´e exatamente o que busc´avamos: a nega¸c˜ao de H2 . 377

Vejamos algumas aplica¸c˜oes do lema anterior: Exemplos  1) Encontre o ´ınfimo de K = x ∈ R : 0 < x < 1 = ] 0, 1 [. Vamos mostrar que a cota inferior ν = 0 ´e o ´ınfimo de K. Para tanto ´e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que x < 0 + ε. Para isto consideremos duas possibilidades: a) ε ≥ 1. Se ε ≥ 1 qualquer x ∈ K serve aos nossos prop´ositos, porquanto x ∈ K ⇒ 0 < x < 1 ≤ ε. b) 0 < ε < 1. Neste caso ´e suficiente tomar xε = 2ε , porquanto 1 ε < 2 2 ⇒ 0 < xε < 1 e xε < ε.

0 0. Pois bem, dado ε > 0 escolhamos um natural n0 satisfazendo∗ n0 · ε > 1, isto ´e, n1 < ε. Logo x = n1 serve. 0

0

3) Encontre inf K, onde

K=



1 1 1 1, , , · · · , 2 , · · · 4 8 n



Sendo n12 > 0, para todo n natural, temos que 0 ´e uma cota inferior de K. Para mostrar que 0 = inf K ´e suficiente exibir um x ∈ K de modo que x < 0 + ε qualquer que seja o ε > 0. Pois bem, dado ε > 0 escolhamos um ao natural n0 satisfazendo n0 · ε > 1, isto ´e, n1 < ε. Observe que este n0 n˜ encerra a quest˜ ao pois x =

1 n0

0

pode n˜ ao pertencer a K. Mas com certeza

n20 serve aos nossos prop´ositos uma vez que 1 1 ≤ < ε. 2 n0 n0



Este natural sempre existe, conforme veremos logo mais.

378

Proposi¸ c˜ ao 40. Se ν for uma cota inferior de K e ν ∈ K ent˜ ao ν = inf K. Prova: Por defini¸c˜ ao de inf K (e tendo em conta que ν ´e uma cota inferior de K) podemos escrever ν ≤ inf K ≤ x, ∀ x ∈ K. Como, por hip´ otese, ν ∈ K temos em particular que ν ≤ inf K ≤ ν, donde ν = inf K.  A proposi¸c˜ ao que acabamos de provar nos permite obter alguns ´ınfimos a “olho nu”. Por exemplo, inf [ 0, 1 [ = 0. Porquanto 0 ´e cota inferior de [ 0, 1 [ e pertence a este conjunto. Proposi¸ c˜ ao 41. Se A ⊂ B ⊂ R ent˜ ao, inf B ≤ inf A ≤ sup A ≤ sup B. (supondo-se que estes quatro n´ umeros existam.) Prova: Vamos separar a prova em algumas etapas. 1 a ) inf B ≤ inf A. Suponha o contr´ ario, isto ´e, que inf A < inf B. Como inf A ´e a maior das cotas inferiores de A esta desigualdade implica que inf B n˜ ao ´e uma cota inferior de A logo, por defini¸c˜ ao de cota inferior, existe x ∈ A de modo que x < inf B. Como, por hip´ otese, A ⊂ B temos que x ∈ B e x < inf B. Isto nos diz que inf B n˜ ao ´e uma cota inferior de B. Piada! a 2 ) inf A ≤ sup A. Pela defini¸c˜ ao de sup e inf, para todo x ∈ A temos

inf A ≤ x ≤ sup A =⇒ inf A ≤ sup A. 3 a ) sup A ≤ sup B.

Suponha, ao contr´ ario, que sup B < sup A. Como sup A ´e a menor das cotas superiores de A esta desigualdade implica que sup B n˜ ao ´e cota superior de A; logo existe x ∈ A de modo que x > sup B. Como, por hip´ otese, A ⊂ B temos que x ∈ B e x > sup B. Isto nos diz que sup B n˜ ao ´e uma cota superior de B. Piada!  A Propriedade Arquimediana Uma importante consequˆencia do teorema do Supremo ´e que o subconjunto N dos n´ umeros naturais n˜ ao ´e limitado superiormente em R. Isto significa, em particular, que dado um real x, existe um n´ umero natural n que ´e maior do que x. Provemos isto:

379

Proposi¸ c˜ ao 42 (Propriedade Arquimediana). Para todo x ∈ R existe um natural n = nx tal que nx > x. Prova: Suponha que a tese n˜ ao se verifica, isto ´e, para todo n natural ocorre n ≤ x. Sendo assim N ´e cotado superiormente. Pelo axioma do supremo existe µ = sup N. Como µ − 1 < µ segue que µ − 1 n˜ ao pode ser cota superior de N. Sendo assim existe um natural n0 satisfazendo n0 > µ − 1, ent˜ ao µ < n0 + 1. Como n0 + 1 ´e natural isto contradiz o fato de ser µ o supremo de N.  Corol´ ario 4. Se x, y ∈ R, com x > 0, ent˜ ao (a) Existe n ∈ N de modo que n · x > y; (b) Existe n ∈ N de modo que 0 <

1 < x; n

(c) Existe n ∈ N de modo que n − 1 ≤ x < n. Prova: (a) Pela proposi¸c˜ ao 42 existe um n ∈ N de modo que n > y/x, da´ı n·x > y. (b) Ainda pela mesma proposi¸c˜ao existe um n ∈ N de modo que 0 < 1 da´ı 0 < < x. n

1 x

< n,

(c) A propriedade arquimediana nos assegura que existem n´ umeros naturais n tais que x < n. Seja n0 o menor desses n´ umeros naturais∗ . Ent˜ao n0 − 1 ≤ x < n0 .  O ´ıtem (c) acima, nos diz que todo real positivo situa-se entre dois naturais consecutivos. Como mais uma aplica¸c˜ao da propriedade arquimediana vamos provar a Proposi¸ c˜ ao 43. Sejam a, b, ε ∈ R. Se ∀ ε > 0, a − ε ≤ b ent˜ ao a ≤ b. Prova: A prova ser´ a feita segundo a t´ecnica (T − 1) (p. 494). Assumindo a nega¸c˜ ao da tese, vamos mostrar que existe um ε > 0 de modo que a − ε > b. De fato, supondo a > b temos que a − b > 0. Pela propriedade arquimediana existe n0 natural de modo que n1 < a − b. Tomemos ε = n1 . Ent˜ao 0

ε=

0

1 < a − b ⇒ a − ε > b. n0 

o que contradiz a hip´ otese.

∗ Estamos invocando o Princ´ıpio da Boa Ordena¸c˜ ao: “Todo subconjunto n˜ ao-vazio de n´ umeros naturais possui um menor elemento”.

380

Conjuntos Densos Vamos definir agora um importante conceito topol´ogico: Defini¸ c˜ ao 67 (Densidade). Um subconjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo intervalo aberto ] a, b [ cont´em algum ponto de X. Mostraremos agora que entre dois reais distintos quaisquer existe um racional e um irracional (a bem da verdade, infinitos racionais e infinitos irracionais!), isto ´e, mostraremos que o conjunto Q dos n´ umeros racionais e c o conjunto Q dos n´ umeros irracionais s˜ ao ambos densos em R. Proposi¸ c˜ ao 44. Sejam a e b n´ umeros reais, com a < b. (a) Ent˜ ao existe um racional r satisfazendo a < r < b; (b) Se µ ´e um irracional, ent˜ ao existe um racional s tal que o irracional µ · s satisfaz a < µ · s < b. Prova: Sem perda de generalidade vamos supor a > 0 (caso seja a < 0 trabalhamos com −a > 0). (a) Como b − a > 0, existe − pelo corol´ ario 4 (b) − um natural m satisfazendo 0 < 1/m < b − a (⋆). Pelo corol´ ario 4 (c) aplicado a m · a, existe um natural n satisfazendo n−1≤m·a 0, decorre a/µ < b/µ. Logo, por (a), existe um racional s de modo que a/µ < s < b/µ. Donde, a < µ · s < b.  ´ E f´acil mostrar que µ · s ´e irracional, assumindo que µ seja irracional e s seja racional. De fato, utilizando a t´ecnica (T − 4) (p. 495). Fa¸camos    H1 :  H : 2

s ´e racional µ ´e irracional



H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2 381

T:

µ · s ´e irracional.

Suponha que µ · s seja racional; digamos, µ · s = r. Sendo assim µ = resulta racional, por ser o quociente de dois racionais. ∗



r s



atica fora do esp´ırito “Acreditar na existˆencia de uma verdade matem´ humano exige do matem´ atico um ato de f´e do qual a maioria deles n˜ ao est´ a consciente”. (Allan Calder) Para mim, e suponho que para a maioria dos matem´ aticos, existe uma outra realidade, que chamarei “realidade matem´ atica”; e n˜ ao existe nenhuma esp´ecie de acordo sobre a natureza da realidade matem´ atica entre matem´ aticos ou fil´ osofos. Alguns defendem que ela seja “mental” e que, num certo sentido, n´ os a construimos; outros, que ´e externo e indepen˜o convincente dente de n´ os. Um homem que pudesse dar uma explica¸ca da realidade matem´ atica teria solucionado muit´ıssimos dos problemas mais dif´ıceis da metaf´ısica. Se pudesse incluir realidade f´ısica em sua explica¸ca ˜o, ele teria solucionado todos eles. Eu n˜ ao deveria desejar debater nenhuma destas quest˜ oes aqui, mesmo se eu fosse competente para fazˆe-lo, mas expressarei minha pr´ opria posi¸ca ˜o dogmaticamente para evitar mal-entendidos menores. Acredito que a realidade matem´ atica situa-se fora de n´ os, que nossa fun¸ca ˜o seja descobrir ou observ´ a-la e que os teoremas que demonstramos e que descrevemos com grandiloquˆencia como nossas “cria¸co ˜es” sejam simplesmente nossas anota¸co ˜es das nossas observa¸co ˜es. Esse ponto de vista foi defendido, de uma forma ou outra, por muitos fil´ osofos de grande reputa¸ca ˜o desde Plat˜ ao em diante e usarei a linguagem que ´e natural a um homem que a defende. (Grifo nosso) (G. H. Hardy/Em defesa de um matem´ atico)

Nota: Pelos argumentos desenvolvidos no cap´ıtulo 1 deste livro, creio que o homem a que Hardy se refere sou eu mesmo (Gentil). A seguir referencio as p´ aginas onde constam o cerne de meus argumentos em defesa de uma posi¸c˜ ao contr´ aria ` a de Hardy sobre a natureza da matem´ atica, como de fato sendo estritamente “mental”. − − − − − − −

Filosofia da Vacuidade, 26; Ser objeto para uma consciˆencia, 31; A Estrutura Cognitiva de Referˆencia, 36; Gedankenexperiment, 40; Teoria da relatividade ontol´ogica, 41; Adendo, Kant, 43; Princ´ıpio antr´ opico, 45. 382

Cap´ıtulo 10

´ NUMEROS REAIS POR CANTOR Que a matem´ atica, em comum com outras formas de arte, pode levarnos al´em da existˆencia ordin´ aria, e mostrar-nos alguma coisa da estrutura em que toda a cria¸ca ˜o se encontra pendurada, n˜ ao ´e uma ideia nova. (G. Spencer Brown)

Introdu¸c˜ ao: Na literatura constam v´arias constru¸c˜oes do sistema de n´ umeros reais ([25]), as duas mais “populares” ´e a dos cortes de Dedekind e por sequˆencias de Cauchy, devida ao matem´ atico russo Georg Cantor (1845-1918).

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

383

R

O significado de Ordenado ´e o mesmo dado para os n´ umeros inteiros, p. 154. Au ´ltima propriedade, “completeza”, ´e a que distingue os n´ umeros reais dos racionais, est´ a dada na 443. Observa¸ c˜ ao: Fazemos quest˜ao de ressaltar que esta n˜ ao ´e a apresenta¸c˜ao ude comparece nos livros de An´alise Real −, axiom´atica dos reais − como ami´ a diferen¸ca ´e que na apresenta¸c˜ao axiom´atica se pede que estas propriedades sejam aceitas, aqui n˜ ao pedimos isto, todas ser˜ ao demonstradas, por isto as denominamos de “as especifica¸ co ˜es do sistema”.

10.1

pr´ e-requisitos

10.1.1

Sequˆ encias

O estudo das sequˆencias pode ser feito em espa¸cos gerais, digo, os termos de uma sequˆencia podem ser objetos variados, tais como, n´ umeros, fun¸c˜oes, matrizes, polinˆ omios, etc. Aqui, para o prop´osito que temos em vista, nos restringiremos ao conjunto dos n´ umeros racionais, isto ´e, iremos focar em sequˆencias de n´ umeros racionais. Para indexar os termos de uma sequˆencia iremos utilizar o conjunto dos naturais sem o zero: N = { 1, 2, 3, . . . }. A rigor, pelo que temos visto at´e aqui, deveriamos considerar este conjunto como N∗ , mas por uma quest˜ao de conveniˆencia n˜ ao o faremos. Defini¸ c˜ ao 68 (Sequˆencia). Chamaremos de uma sequˆencia em Q a qualquer aplica¸c˜ ao (fun¸c˜ ao) r : N −→ Q n 7−→ r(n) Para representar a sequˆencia r : N −→ Q podemos usar livremente qualquer uma das nota¸c˜ oes: (r1 , r2 , r3 , . . .)

ou

(rn )n ∈ N

ou

(rn ).

A imagem de n ∈ N pela fun¸c˜ao r, isto ´e, r(n), ser´ a abreviada por rn ; ´e o n-´esimo termo da sequˆencia. 1 Exemplo: A sequˆencia (rn ) dada por rn = ; na figura a seguir plotamos, n na reta racional, os quatro primeiros termos desta sequˆencia:

...

−4p

−3p

− 52

−2p

−1p

− 21

r r ←2 1 p p 0 1 1

2p

2

Veja esta mesma figura atrav´es de uma lupa, 384

5 2

3p

4p

...

Q

−3p

− 25

−2p

−1p

− 12

r r ←2 1 0p 1 1p

Q

2p

2

Convergˆ encia Intuitivamente, uma sequˆencia (rn ) ´e convergente se, `a medida que o ´ındice n aumenta, o termo rn vai-se tornando arbitrariamente pr´ oximo de um certo n´ umero a, chamado o limite da sequˆencia. A proximidade entre rn e a ´e medida pela distˆ ancia |rn − a| entre esses termos. Portanto, dizer que rn vai se tornando arbitrariamente pr´ oximo de a equivale dizer que |rn − a| torna-se arbitrariamente pequeno. Vejamos a defini¸c˜ao precisa de Defini¸ c˜ ao 69 (Convergˆencia). Seja (rn ) uma sequˆencia em Q. Diremos que (rn ) converge para a ∈ Q quando, para todo n´ umero racional ε > 0 dado arbitrariamente, existe n0 ∈ N tal que ∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − a| < ε.

(10.1)

De outro modo: uma sequˆencia (rn ) converge para um ponto a ∈ Q se, e somente se, fixado um racional ε > 0, existe uma posi¸c˜ao n0 a partir da qual a distˆ ancia de qualquer termo da sequˆencia para o ponto a ´e menor que ε. Uma sequˆencia que n˜ ao converge ´e dita divergente. A seguir escrevemos, em s´ımbolos, a defini¸c˜ ao de convergˆencia e sua nega¸ca ˜o: (corol. 9, p. 503)

∀ε > 0

∃ n0 ∈ N :

∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − a| < ε

(convergˆ encia)

∃ε > 0 :

∀ n0 ∈ N

∃ n ≥ n0 ∧

(divergˆ encia)

|rn − a| ≥ ε

Para indicar que (rn ) converge para a, usaremos uma das nota¸c˜oes: lim rn = a

n→∞

ou

lim rn = a n

ou

lim rn = a

Uma interpreta¸c˜ ao geom´etrica para a desigualdade |rn − a| < ε 385

ou

rn → a.

´e que rn , o n-´esimo termo da sequˆencia, pertence ao intervalo aberto de centro a e raio ε, assim: |rn − a| < ε



−ε < rn − a < ε



a − ε < rn < a + ε

Lembramos que tudo isto passa-se na reta racional, veja:

...

−4p

−3p

− 52

−2p

−1p

− 21

Importante!

] 0p ↑ a−ε

rn a

t [

3p

4p

...

Q

↑ a+ε

Deve ficar bem claro (transparente) para o leitor o papel desempenhado pelo n´ umero ε e o ´ındice n0 , na defini¸c˜ao de convergˆencia. Com este intuito observemos o conte´ udo desta defini¸c˜ao de uma outra perspectiva: Suponhamos que o leitor queira provar, a um seu − fict´ıcio − advers´ ario, que lim rn = a. Pois bem, seu advers´ ario fornecer´ a a vocˆe leitor os valores de ε > 0. Para cada valor de ε − arbitrariamente fixado − vocˆe ter´ a que devolver ao seu advers´ ario um ´ındice n0 satisfazendo a condi¸c˜ao ∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − a| < ε Se o leitor conseguir executar esta fa¸canha, para cada valor de ε que lhe for fornecido, ent˜ ao ter´ a provado que a sequˆencia converge para o ponto a. 1 Exemplo: A sequˆencia (rn ) dada por rn = , converge para 0, temos: n |rn − a| < ε



rn ∈ ] a − ε, a + ε [



1 ∈ ] 0 − ε, 0 + ε [ n

Substituindo a = 0, resulta: |rn − 0| < ε Ent˜ ao, 1 ∈ ] 0 − ε, 0 + ε [ n



−ε <

1 1



n0 >

1 ε

(10.2)

Este n0 satisfaz (10.1) da defini¸c˜ao 69 (p. 385). Portanto, 0 ´e o limite da sequˆencia dada. Apenas a t´ıtulo de complementa¸c˜ao, observe que a 386

desigualdade (10.2) nos diz que n0 depende (´e fun¸c˜ao) do ε arbitrariamente fixado. Fa¸camos duas simula¸c˜ oes: 5 a 1 ) ε = 12 . Neste caso: n0 >

1 ε



12 = 2.4 5

n0 >



n0 = 3.

O que significa que todos os termos da sequˆencia, a partir do terceiro, caem dentro do intervalo de centro 0 e raio ε, veja:

]

p−1

← r4 r3

pt 0

↑ 0−ε

1 ε

r2

r1 p 1

↑ 0+ε

2a ) Vamos diminuir o raio, ε = n0 >

[



n0 >

9 40 .

Neste caso:

40 = 4.444 9



n0 = 5.

O que significa que todos os termos da sequˆencia, a partir do quinto, caem dentro do intervalo de centro 0 e raio ε, veja:

p−1

]

← r4 r3

[

pt 0

↑ 0−ε



n , converge para 1, temos: n+1

rn ∈ ] a − ε, a + ε [

Substituindo a = 1, resulta: |rn − 1| < ε



n ∈ ] 1 − ε, 1 + ε [ n+1

Ent˜ao, n ∈ ] 1 − ε, 1 + ε [ n+1



1−ε <

Temos duas desigualdades a serem satisfeitas:  n  n+1 1−ε 387

n 1ε − 1. Fa¸camos duas simula¸c˜oes: 4 1a ) ε = 11 . Neste caso: n0 >

1 −1 ε



n0 >

11 − 1 = 1.75 4



n0 = 2.

O que significa que todos os termos da sequˆencia, a partir do segundo, caem dentro do intervalo de centro 1 e raio ε, veja: r1

p 0

1 2

r2 r3 r4 →

]

1

↑ 1−ε

1 −1 ε

2

p

↑ 1+ε

2a ) Vamos diminuir o raio, ε = n0 >

[

pt



n0 >

10 41 .

Neste caso:

41 − 1 = 3.1 10



n0 = 4.

O que significa que todos os termos da sequˆencia, a partir do quarto, caem dentro do intervalo de centro 1 e raio ε, veja:

p 0

r1 1 2

r2

]

r4 →

1

pt

↑ 1−ε

[

2

p

↑ 1+ε

Exemplo: Sequˆ encia constante − Uma sequˆencia de termos constantes (a, a, a, . . .) converge para o termo constante. De fato, dentro de qualquer intervalo ] a − ε, a + ε [ est˜ ao todos os termos da sequˆencia.

388

10.1.2

Subsequˆ encias

Defini¸ c˜ ao 70 (Subsequˆencia). Dada uma sequˆencia r : N −→ Q e um subconjunto (infinito) N1 = {n1 < n2 < n3 < . . .} de N, a restri¸c˜ao r : N1 −→ Q N1

´e chamada subsequˆencia de (rn ).

´ importante observar, na defini¸c˜ao acima, que os ´ındices no conjunto Nota: E N1 devem cumprir dois requisitos: s˜ ao em n´ umero infinito e em ordem crescente. Para representar uma subsequˆencia usaremos uma das nota¸c˜oes a seguir (rn , rn , rn , . . .) 1

2

3

ou

(rn )n ∈ N1

ou

(rn ) k

Exemplo: Seja a sequˆencia em Q dada por rn =

1−(−1)n , 2

isto ´e, (1, 0, 1, 0, . . .).

Vamos obter duas subsequˆencias de (rn ) escolhendo, por exemplo N1 = { 1, 3, 5, 7, . . .}

(´ımpares)

N2 = { 2, 4, 6, 8, . . .}

(pares)

ent˜ao rn rn



n ∈ N1



n ∈ N2

= (1, 1, 1, 1, . . .) = (0, 0, 0, 0, . . .)

Como retirar um n´ umero arbitr´ ario de subsequˆ encias de uma dada sequˆ encia/Parti¸ c˜ ao dos naturais Vamos mostrar agora como retirar um n´ umero arbitr´ario de subsequˆencias de uma dada sequˆencia (rn ). Em um outro contexto, mais tarde, iremos necessitar do que veremos agora. Se quisermos retirar duas subsequˆencias de uma dada sequˆencia podemos nos valer dos seguintes conjuntos de ´ındices: N1 = { 1, 3, 5, 7, . . .} N2 = { 2, 4, 6, 8, . . .} Assim, 389

(r1 r3 r5 r7 . . .) (r1 r2 r3 r4 r5 . . .) (r2 r4 r6 r8 . . .) Se quisermos retirar trˆes subsequˆencias de uma dada sequˆencia podemos nos valer dos seguintes conjuntos de ´ındices: N1 = { 1, 4, 7, 10, . . .} N2 = { 2, 5, 8, 11, . . .} N3 = { 3, 6, 9, 12, . . .} Assim, (r1 r4 r7 r10 . . .) (r2 r5 r8 r11 . . .) (r3 r6 r9 r12 . . .)

(r1 r2 r3 r4 r5 . . .)

´ f´acil inferir a regra de constru¸c˜ao destes conjuntos. Observamos que E estes conjuntos s˜ ao disjuntos, dois a dois, e que a reuni˜ao dos mesmos resulta no conjunto dos naturais. Resumimos estas duas observa¸c˜oes dizendo que estes conjuntos (de ´ındices) formam uma parti¸ca ˜o dos naturais. Uma sequˆencia convergente converge para um u ´nico limite, este ´e o conte´ udo da pr´ oxima proposi¸c˜ao. Proposi¸ c˜ ao 45 (Unicidade do limite). Seja (rn ) uma sequˆencia convergente em Q. Ent˜ ao ´e u ´nico o limite dessa sequˆencia. Prova: Suponha por absurdo que a e b sejam dois limites distintos de (rn ). Sendo assim, consoante a defini¸c˜ao 69 (p. 385), dado ε > 0 existem dois ´ındices n1 e n2 tais que, ∀ n ≥ n1 ⇒ |rn − a| < ε. e, ∀ n ≥ n2 ⇒ |rn − b| < ε.

Tomando n0 ≥ max{ n1 , n2 }, obtemos

∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − a| < ε

e

|rn − b| < ε.

Aplicando a desigualdade triangular, temos que se n ≥ n0 acontece |b − a| = |rn − a + b − rn | ≤ |rn − a| + |rn − b| < 2ε Portanto, para todo racional ε > 0 temos que |b − a| < 2ε. Como a 6= b, resulta |b − a| > 0; tomemos ε = 14 |b − a|, para ver o que acontece. Ent˜ao, 1 |b − a| < 2 |b − a| ⇒ |b − a| < 0 4 390

Absurdo. Portanto, o limite de uma sequˆencia, quando existe, ´e u ´nico.  Se uma sequˆencia converge para um limite a ent˜ao toda subsequˆencia desta sequˆencia tamb´em converge para o mesmo limite, este ´e o conte´ udo da pr´ oxima proposi¸c˜ ao. Antes, vejamos um caso paticular. Vimos (p. 387) n , converge para 1, que a sequˆencia dada por rn = n+1 r1

p 0

1 2

]

r2 r3 r4 →

1

[

pt

↑ 1−ε

2

p

↑ 1+ε

N˜ao ´e dif´ıcil enxergar, por exemplo, que a subsequˆencia de ´ındices ´ımpares converge para o mesmo limite 1, bem como a subsequˆencia de ´ındices pares. Proposi¸ c˜ ao 46. Se lim rn = a, ent˜ao toda subsequˆencia de (rn ) tamb´em converge para a. Prova: De fato, seja (rn )n ∈ N , onde N1 = { n1 < n2 < n3 < . . . }, uma 1  subsequˆencia de rn . n∈N

Dado ε > 0 devemos exibir um ´ındice k ∈ N de modo que |rn − a| < ε, ∀ nj ∈ N1 : nj ≥ k j

(10.3)

Como, por hip´ otese, (rn )n ∈ N converge para a, ent˜ao ∀ ε > 0 dado, existe um ´ındice n0 ∈ N de modo que |rn − a| < ε, ∀ n ≥ n0

(10.4)

como N1 ⊂ N ´e infinito, segue que existe um ´ındice k ∈ N1 tal que k ≥ n0 . Ent˜ ao, para todo ´ındice nj ∈ N1 tal que nj ≥ k ≥ n0 temos, por (10.4), que |rn − a| < ε e, portanto, (10.3) estar´ a satisfeita.  j

Esta proposi¸c˜ ao pode ser u ´til para demonstrar que uma dada sequˆencia diverge: ´e suficiente exibir duas subsequˆencias convergindo para limites distintos. Por exemplo a sequˆencia (1, −1, 1, −1, 1, −1, . . .) diverge, visto que temos duas subsequˆencias  x2n−1 = (1, 1, 1, . . .) → 1

 x2n = (−1, −1, −1, . . .) → −1

e

convergindo para limites distintos.

Sequˆ encias limitadas Uma sequˆencia (rn ) ser´ a dita limitada superiormente se existir M ∈ Q tal que para todo n ∈ N se tenha rn ≤ M . 391

Por exemplo, a sequˆencia dada por rn = mente, neste caso basta tomar M = 1, pois rn =

n ≤ 1, n+1

n , ´e limitada superiorn+1

∀ n ∈ N.

An´alogamente, uma sequˆencia (rn ) ser´ a dita limitada inferiormente se existir L ∈ Q tal que para todo n ∈ N se tenha L ≤ rn . n , ´e limitada inferiormente, Por exemplo, a sequˆencia dada por rn = n+1 neste caso basta tomar L = 0, pois 0 ≤ rn =

n , n+1

∀ n ∈ N.

Uma sequˆencia limitada superiormente e inferiormente ser´ a dita limitada. n , ´e limitada, pois Por exemplo, a sequˆencia dada por rn = n+1 0 ≤ rn ≤ 1,

∀ n ∈ N.

Segue da defini¸c˜ ao que (rn ) ´e limitada se e somente se existir uma constante K > 0 (racional) tal que |rn | ≤ K para todo n ∈ N. Em particular, isto implica que todos os termos da sequˆencia est˜ ao dentro de um intervalo fechado de centro na origem e raio K. Proposi¸ c˜ ao 47. Toda sequˆencia convergente ´e limitada. Prova: Suponhamos que lim rn = a, logo para todo ε > 0 dado, existe um n ´ındice n0 de modo que ∀ n ≥ n0 ⇒ |xn − a| < ε

(10.5)

Sendo |xn | = |xn − a + a| ≤ |xn − a| + |a| ent˜ ao para todo n ≥ n0 tem-se |xn | ≤ |xn − a| + |a| < |a| + ε

(10.6)

onde somamos |a| na desigualdade (10.5). Seja  K > max |r1 |, |r2 |, . . . , |rn −1 |, |a| + ε 0

Logo, usando (10.6), podemos escrever |xn | < K,

∀ n ∈ N. 

392

   Defini¸ c˜ a o 71. Sejam r e s sequˆ e ncias em Q. Chama-se soma de r n n n  com sn a sequˆencia     rn + sn = rn + sn = r1 + s1 , r2 + s2 , . . . 

 e sn sequˆencias em em Q. Se lim rn = a e n  lim sn = b, ent˜ ao lim rn + sn = a + b. Proposi¸ c˜ ao 48. Sejam rn n

n

Prova: Dado ε > 0, existem, por hip´ otese, ´ındices n1 e n2 tais que: ∀ n ≥ n1 ⇒ |rn − a| < ε/2 ∀ n ≥ n2 ⇒ |sn − b| < ε/2 Seja n0 = max{ n1 , n2 }, ent˜ ao ∀ n ≥ n0 ⇒ |(rn + sn ) − (a + b)| ≤ |rn − a| + |sn − b| < ε



o que implica (rn + sn ) → a + b. Proposi¸ c˜ ao 49. Se (rn ) ´e uma sequˆencia convergente em Q ent˜ao,  lim − rn = − lim rn n

n

Prova: Suponha lim rn = a, ent˜ ao dado ε > 0 existe um ´ındice n0 tal que n

∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − a| < ε ⇒ |(−1)(rn − a)| < ε ⇒ |(−rn ) − (−a)| < ε ⇒ lim(−rn ) = −a. n

 Corol´ ario 5. Sejam rn



e

sn 



sequˆencias em em Q. Se lim rn = a e n

lim sn = b, ent˜ ao lim rn − sn = a − b. n

n

  Defini¸ ao 72. Sejam rn e sn sequˆencias em Q. Chama-se produto de  c˜ rn com sn a sequˆencia     rn · sn = rn · sn = r1 · s1 , r2 · s2 , . . . 393

Uma importante proposi¸c˜ao vem dada a seguir: Proposi¸ c˜ ao 50. Se lim rn = 0 e ( sn ) ´e uma sequˆencia limitada, ent˜ao n

lim (rn · sn ) = 0 n

Prova: Existe K > 0 tal que |sn | ≤ K para todo ´ındice n. Fixado arbitrariamente ε > 0, existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 =⇒ |rn − 0| <

ε K

Sendo assim, n ≥ n0 =⇒ |rn · sn | = |rn | · |sn | <

ε · K = ε =⇒ lim (rn · sn ) = 0. n K 

Proposi¸ c˜ ao 51. Se lim rn = a, ent˜ao lim |rn | = |a|. n

n

´ uma decorrˆencia imediata da desigualdade (Provar em Q): Prova: E |rn | − |a| ≤ |rn − a|



Da defini¸c˜ ao de limite e da proposi¸c˜ao anterior podemos escrever lim rn = a ⇔ lim (rn − a) = 0 ⇔ lim |rn − a| = 0. n

n

n

(10.7)

Proposi¸ c˜ ao 52. Se lim rn = a e lim sn = b, ent˜ao n

n

lim (rn · sn ) = lim rn · lim sn = a · b n

n

n

Prova: Temos rn sn − a b = rn sn − rn b + rn b − a b = rn (sn − b) + (rn − a) b. Tendo em conta que (rn ) ´e uma sequˆencia limitada e lim(sn −b) = 0 segue que lim [ rn (sn − b) ] = 0. Por raz˜ oes an´ alogas, lim [ (rn − a) b ] = 0. Sendo n n assim, obtemos lim( rn sn − a b ) = lim [ rn (sn − b) ] + lim [ (rn − a)b ] = 0, n

n

n



donde, lim ( rn · sn ) = a · b. n

394

Sequˆ encias mon´ otonas Defini¸ c˜ ao 73 (Sequˆencia mon´ otona crescente). Uma sequˆencia (rn ) ser´ a dita mon´ otona crescente se rn ≤ rn+1 para todo ´ındice n. Exemplo: A sequˆencia (rn ) dada por rn = pois,

n , ´e mon´ otona crescente, n+1

n+1 n ≤ n+1 (n + 1) + 1

rn ≤ rn+1 ⇔ Geometricamente, temos r1

p 0

r2 r3 r4 →

1 2

1

p

2

p

Defini¸ c˜ ao 74 (Sequˆencia mon´ otona decrescente). Uma sequˆencia (rn ) ser´ a otona decrescente se rn ≥ rn+1 para todo ´ındice n. dita mon´ 1 otona decrescente, Exemplo: A sequˆencia (rn ) dada por rn = , ´e mon´ n pois, 1 1 rn ≥ rn+1 ⇔ ≥ n n+1 Geometricamente, temos

p−1

p 0





← r4 r3

r2

r1 p 1



Hardy abominava a pol´ıtica, considerava repelente a matem´ atica aplicada e via a matematica pura como um objetivo est´etico, que deveria ser praticada como um fim em si mesmo, como a poesia ou a m´ usica. (Livro: Uma mente brilhante/Sylvia Nasar, p. 100)

395

10.1.3

Sequˆ encias de Cauchy

Defini¸ c˜ ao 75 (Sequˆencias de Cauchy). Seja (rn ) uma sequˆencia em Q. Diremos que (rn ) ´e uma sequˆencia de Cauchy se dado ε > 0 existir um ´ındice n0 tal que ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rm − rn | < ε. A seguir escrevemos em s´ımbolos a defini¸c˜ao anterior e sua nega¸c˜ao:





n0 ∈ N

ε>0



ε>0

:



n0 ∈ N

:



( m, n ≥ n0 ) ⇒ |rm −rn | < ε



( m, n ≥ n0 ) ∧ |rm −rn | ≥ ε

m, n ∈ N m, n ∈ N

Toda sequˆencia convergente ´e uma sequˆencia de Cauchy, este ´e o conte´ udo da pr´ oxima proposi¸c˜ ao. Proposi¸ c˜ ao 53. Se (rn ) ´e uma sequˆencia convergente em Q, ent˜ao (rn ) ´e de Cauchy. Prova: Consideremos (rn ) uma sequˆencia convergente e seja lim rn = a. Ent˜ ao dado ε > 0 existe n0 tal que |rn − a| < 2ε para todo n ≥ n0 . Logo, para m, n ≥ n0 temos |rm − rn | ≤ |rm − a| + |a − rn | <

ε ε + =ε 2 2



ent˜ ao, m, n ≥ n0 =⇒ |rm − rn | < ε.

Sendo assim, obtivemos uma condi¸c˜ao sobre os termos da sequˆencia na qual n˜ ao interv´em o limite a. Intuitivamente essa condi¸c˜ao nos mostra que se uma sequˆencia (rn ) ´e convergente ent˜ao, para ´ındices suficientemente grandes, seus termos aproximam-se arbitrariamente um dos outros. ´ o caso, por exemplo, da sequˆencia sequˆencia (rn ) dada por dada por E n , veja: rn = n+1

p 0

r1 1 2

]

r2 r3 r4 →

1

pt

↑ 1−ε

[ ↑ 1+ε

396

2

p

Proposi¸ c˜ ao 54. Toda sequˆencia de Cauchy ´e limitada. Prova: Seja (rn ) uma sequˆencia de Cauchy em Q. Ent˜ao para ε = 1, existe um ´ındice n0 tal que ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rn − rm | < 1 fixemos m = n0 , ent˜ ao ∀ n ≥ n0 ⇒ |rn − rn0 | < 1 Por outro lado, temos |rn | − |rn | < |rn − rn | < 1 0

0

Logo, |rn | < 1 + |rn0 |,

∀ n ≥ n0

Tomando, M = max{ |r1 |, . . . , |rn

0 −1

|, 1 + |rn0 | }

Segue que |rn | ≤ M,

∀ n ∈ N.



Proposi¸ c˜ ao 55. Se (rn ) ´e uma sequˆencia mon´ otona crescente e limitada superiormente, ent˜ ao (rn ) ´e de Cauchy. Prova: Seja (rn ) uma sequˆencia mon´ otona crescente e limitada superiormente, ent˜ ao existe M ∈ Q, satisfazendo rn ≤ M,

∀ n ∈ N.

(10.8)

Seja ε > 0 e consideremos o conjunto,   M − rn + , ∀n ∈ N S= z∈Z : z≤ ε Vamos abrir um parenteses aqui para exemplificar este conjunto para a n 1 sequˆencia (rn ) dada por rn = , e escolhendo M = 1 ; fixando ε = 10 n+1 em (10.8), resulta: S= Ou ainda, S=

n

n

z ∈ Z+ : z ≤

z ∈ Z+ : z ≤ 10

n o n +1 , ∀n ∈ N 1/10

1−

o 1 , ∀n ∈ N = {0} n+1

397

Vejamos como S depende de M , seja agora M = 2, ent˜ao: S=

n

z ∈ Z+ : z ≤

n o n + 1, ∀n ∈ N 1/10

2−

Ou ainda, S=

n

z ∈ Z+ : z ≤ 10

o n+2 , ∀ n ∈ N = { 0, 1, 2, 3, . . . , 10 } n+1

Em ambos os casos constatamos que S ´e limitado superiormente. Vamos provar isto. M − r1 Como (rn ) ´e mon´ otona crescente e limitada temos ´e o maior ε M − rn assume. Mas este ´e um valor racional, precisamos mostrar valor que ε que S ´e limitado em Z+ . De fato, como Q ´e arquimediano existe n ∈ N de M − r1 ; mas como N ⊂ Z+ segue que modo que n ε > M − r1 , logo, n > ε M − r1 < n, portanto, S ´e limitado em Z+ . n ∈ Z+ e ε S ´e n˜ ao vazio pois 0 ∈ S. Logo, pelo PBO2 (p. 195), segue que S possui um maior elemento que denotaremos por λ. Como λ ∈ S e λ + 1 6∈ S, temos que λ ε ≤ M − rn ,

∀n ∈ N

e existe n0 ∈ N tal que M − rn0 < (λ + 1) ε Portanto, para m, n > n0 , segue das desigualdades anteriores e da hip´ otese de (rn ) ser mon´ otona crescente: M − rm ≤ M − rn0 < (λ + 1) ε ≤ M − rn + ε, logo, |rn − rm | = rn − rm < ε e portanto (rn ) ´e de Cauchy.



Vimos na proposi¸c˜ ao 53 (p. 396) que toda sequˆencia convergente ´e de Cauchy, veremos agora que a proposi¸c˜ao reciproca ´e falsa. Exemplo: A fim de dar um exemplo de uma sequˆencia de Cauchy que n˜ ao ´e convergente, consideremos a sequˆencia (rn ) dada pela seguinte f´ormula de recorrˆencia 4 rn , ∀ n ≥ 1. r1 = 1 , rn+1 = 2 + rn2 398

Antes de mais nada a tabela a seguir plota os cinco primeiros termos desta sequˆencia, bem como os respectivos quadrados (com onze decimais): n

rn

rn2

1 2

1.00000000000 1.33333333333

1.00000000000 1.77777777777

3 4

1.41176470588 1.41421143847

1.99307958477 1.9999939927

5

1.41421356237

1.99999999999

Lema 20. Para todo n ∈ N, rn ≥ 1 e rn2 < 2. Prova: Por indu¸c˜ ao sobre n. Para n = 1, temos 1 = r1 = r12 < 2 Verdadeiro. Suponhamos rn ≥ 1 e rn2 < 2, logo (

rn ≥ 1 ⇒ 4 rn ≥ 4

rn2 < 2 ⇒ 2 + rn2 < 2 + 2 ⇒

2 + rn2

Multiplicando, temos 4 rn 2 + rn2 Logo,

−1

rn+1 =

−1

> (2 + 2)−1

> 4 · (2 + 2)−1

4 rn >1 2 + rn2

Por outro lado, temos 2 rn+1 =

16 rn2 2 + rn2

2 =

16 rn2 16 rn2 < =2 2 8 rn2 2 − rn2 + 8 rn2



Proposi¸ c˜ ao 56. A sequˆencia (rn ) ´e de Cauchy. Prova: Pelo lema 20 segue que (rn ) ´e limitada superiormente. De fato, rn2 < 2 < 4, logo rn < 2. Ademais, (rn ) ´e mon´ otona crescente, pois rn+1

rn 2 − rn2 4 rn − rn = − r = n 2 + rn2 2 + rn2



>0

Segue da proposi¸c˜ ao 55 (p. 397) que (rn ) ´e de Cauchy. 399



A sequˆencia em quest˜ao n˜ ao ´e convergente em Q, pois se fosse convergente com, digamos, lim rn = a, teriamos n

rn+1 =

4 rn 2 + rn2

  ⇒ lim rn+1 2 + rn2 = lim 4 rn n

n

Tendo em conta as proposi¸c˜oes 46 (p. 391), 52 (p. 394) e 48 (p. 393), podemos escrever a (2 + a2 ) = 4 a Observe que a 6= 0 (pois rn ≥ 1, para todo n), logo, a2 = 2.

J´ a provamos (prop. 29, p. 296) que n˜ ao existe um n´ umero racional cujo quadrado seja igual a 2. De uma perspectiva informal podemos afirmar que a sequˆencia (rn ) do nosso exemplo n˜ ao converge em Q pela raz˜ ao de que existe um “buraco” na reta racional. Veja isto geometricamente:

a 1

p 0

p 1

r1

r2 −→ rn



2

p

Q

buraco

A constru¸c˜ ao de Cantor dos n´ umeros reais tem por objetivo tapar buracos como este de modo que a reciproca da proposi¸c˜ao 53 (p. 396) seja sempre verdadeira. Ou ainda, a constru¸c˜ao dos reais pelo m´etodo de Cantor tem por objetivo ampliar (estender, completar) o corpo Q de modo que toda sequˆencia de Cauchy seja convergente. Nota: Observe na defini¸c˜ao de convergˆencia (p. 385) que uma sequˆencia s´ o pode convergir para um ponto do pr´ oprio espa¸co, no caso Q. Para o pr´ oximo exemplo estaremos considerando a seguinte abrevia¸c˜ao: n! = 1 · 2 · 3 · 4 · . . . · n Exemplo: Vejamos ainda um outro exemplo de uma sequˆencia de Cauchy que n˜ ao ´e convergente, consideremos a sequˆencia (rn ) dada por rn = 1 +

1 1 1 + + ··· + 1! 2! n! 400

Antes de mais nada a tabela a seguir plota os seis primeiros termos desta sequˆencia, bem como os respectivos quadrados (com onze decimais): n

rn

1 2

2.00000000000 2.50000000000

3

2.66666666667

4 5

2.70833333334 2.71666666667

6

2.71805555556

A sequˆencia ´e mon´ otona crescente uma vez que rn+1 origina-se de rn pela 1 adi¸c˜ao do incremento (n+1)! . Ademais, os valores rn s˜ ao limitados superiormente por 3, isto ´e rn < 3 (10.9) De fato, primeiro observamos que 11 1 11 1 1 1 = ··· < · · · = k−1 k! 23 k 22 2 2 portanto, 1 1 1 1 + + + ··· + 1! 2! 3! n!  1   1   1  < 1 + (1) + + + · · · + 22−1 23−1 2n−1  1  1 1 = 1 + 1 + + 2 + ··· + 2 2 2n−1

rn = 1 +

Logo,

rn < 1 + 1 +

 1  1 − ( 12 )n 1 1 0



n0 ∈ N

:



m, n ∈ N

( m, n ≥ n0 ) ⇒ |rm −rn | < ε

o

Observe que, em particular, est˜ ao neste conjunto todas as sequˆencias convergentes (prop. 53, p. 396), mas n˜ ao apenas estas, est˜ ao tamb´em sequˆencias que n˜ ao convergem, como as dos exemplos dados nas p´ aginas 398 e 400.   Pelo corol´ ario 5 (p. 393) se duas sequˆencias rn  e sn convergem para o mesmo racional a , ent˜ ao a sequˆencia rn − sn converge para 0. Isto motiva a seguinte Defini¸ c˜ ao 76. Dados dois elementos (rn ) e (rn′ ) do conjunto A, diremos que (rn ) ∼ (rn′ ), se e somente se, (rn − rn′ ) → 0. Em palavras: dadas duas sequˆencias de Cauchy, (rn ) e (rn′ ), diremos que (rn ) ∼ (rn′ ), se e somente se, a sequˆencia constituida pelas diferen¸cas dos termos de mesma ordem nas duas sequˆencias, converge para 0. Vamos provar que a rela¸c˜ ao definida acima ´e de equivalˆencia. Prova: Acompanhe pela defini¸c˜ ao 10:

(p. 63)

( i ) Reflexividade. (rn ) ∼ (rn )

pois

(rn − rn ) = (0, 0, 0, . . .) → 0

∗ Este limite existe n˜ ao em Q, como j´ a provamos, mas numa extens˜ ao de Q, a qual denominaremos de n´ umeros reais.

403

( ii ) Simetria. (rn ) ∼ (rn′ ) ⇒

(rn − rn′ ) → 0



(rn′ − rn ) → 0

⇒ −(rn − rn′ ) → −0 (rn )′ ∼ (rn )



Na segunda implica¸c˜ ao acima utilizamos a proposi¸c˜ao 49 (p. 393). ( iii ) Transitividade. Sejam (rn ) ∼ (rn′ )

e

(rn′ ) ∼ (rn′′ )

(rn − rn′ ) → 0

e

(rn′ − rn′′ ) → 0

Por hip´ otese temos

devemos mostrar que (rn ) ∼ (rn′′ )

isto ´e

(rn − rn′′ ) → 0

Temos lim (rn − rn′′ ) = lim [ (rn − rn′ ) + (rn′ − rn′′ ) ] = lim (rn − rn′ ) + lim (rn′ − rn′′ ) = 0 n

n

n

n

 Lembramos que esta rela¸c˜ao de equivalˆencia sobre o conjunto A determina uma parti¸ c˜ ao deste conjunto em c´elulas (“gavetas”), A/ ∼

(rn )

Onde cada c´elula da parti¸c˜ao ´e uma classe de equivalˆencia. (rn ) = Exemplo:

n

(rn′ ) ∈ A : (rn′ ) ∼ (rn )

o

Encontre a classe de equivalˆencia da sequˆencia dada por rn = Solu¸ c˜ ao: Temos, (rn′ ) ∈ (rn ) ⇔ (rn′ ) ∼ (rn ) ⇔ (rn′ − rn ) → 0 404

n . n+1

Ainda, lim (rn′ − rn ) = 0 n

Portanto, (rn ) = Em particular, se

(r ′

n

n

o

(rn′ ) ∈ A : lim (rn′ − rn ) = 0 n

) ´e convergente, podemos fazer

lim (rn′ − rn ) = 0 ⇔ lim rn′ = lim rn = 1 n

n

n

Todas as sequˆencias de racionais que convergem para 1 pertencem a (rn ).

Conjunto-quociente Segundo a defini¸c˜ ao de equivalˆencia m´ odulo quociente de A por ∼. ser´ a denotado por C, −

12 (p. 66) o conjunto formado por todas as classes ∼ ser´ a indicado por A/ ∼ e chamado o conjuntoA t´ıtulo de simplifica¸c˜ao notacional este conjunto Georg Cantor (1845-1918) −, em s´ımbolos: A/ ∼ = C

Ou ainda, C=

n

(rn ) : (rn ) ∈ A

o

Este ´e o hardware sobre o qual deveremos erigir o sistema dos n´ umeros reais − de tal modo que todas as especifica¸c˜oes no retˆ angulo amarelo da p´ agina 383 sejam satisfeitas. Em s´ımbolos:

R =( C, ↑

Hardware

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ R : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ R : a · 1 = 1 · a = a

R

M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ R∗ , ∃ a−1 ∈ R : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c • Ordenado • Completo

)



Software

Enfatizamos que na presente constru¸c˜ao do sistema dos n´ umeros reais um n´ umero real ser´ a nada mais nada menos que uma classe de equivalˆencia, isto ´e uma c´elula da parti¸c˜ ao do conjunto a seguir: 405

C

(rn )



Isto ser´ a um n´ umero real Da´ı que devemos inicialmente definir duas opera¸c˜oes em C, uma que chamaremos de adi¸c˜ ao e outra que chamaremos de multiplica¸c˜ao. Antes vamos provar que a soma e o produto de sequˆencias de Cauchy s˜ao ainda sequˆencias de Cauchy. Proposi¸ c˜ ao 57. Se (rn ) e (rn′ ) s˜ ao sequˆencias de Cauchy, ent˜ao (rn + rn′ ) ´e tamb´em uma sequˆencia de Cauchy. Prova: Sejam (rn ) e (rn′ ) sequˆencias de Cauchy, logo, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que: ε ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rm − rn | < 2 e ε ′ ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rm − rn′ | < 2 Portanto, ′ ′ |(rn + rn′ ) − (rm + rm )| = |(rn − rm ) + (rn′ − rm )| ′ ≤ |rn − rm | + |rn′ − rm | ε ε < + =ε 2 2

Esta desigualdade vale para ∀ m, n ≥ n0 . Assim, a soma (rn + rn′ ) ´e uma sequˆencia de Cauchy.  Proposi¸ c˜ ao 58. Se (rn ) e (rn′ ) s˜ ao sequˆencias de Cauchy, ent˜ao (rn · rn′ ) ´e tamb´em uma sequˆencia de Cauchy. Prova: Sejam (rn ) e (rn′ ) sequˆencias de Cauchy. Pela proposi¸c˜ao 54 (p. 397) existem constantes positivas M1 e M2 tais que |rn | ≤ M1

e

|rn′ | ≤ M2 ,

∀n ∈ N

Tomando M = max{ M1 , M2 }, resulta |rn | ≤ M

e

|rn′ | ≤ M ,

∀n ∈ N

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que se m, n ≥ n0 , teremos |rm − rn | <

ε 2M

e 406

′ |rm − rn′ | <

ε 2M

Ent˜ao, ′ ′ |rm rm − rn rn′ | = |rm (rm − rn′ ) + rn′ (rm − rn )|

′ ≤ |rm | |rm − rn′ | + |rn′ | |rm − rn | ε ε +M =ε 0 existe um ´ındice n0 tal que ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rn − rm | < ε O resultado segue de que, |(−1) rn − (−1) rm | = |(−1)(rn − rm )| = |rn − rm | < ε  409

Teorema 72 (Elemento oposto aditivo). Seja α = (rn ) uma classe qualquer, ent˜ ao existe uma e apenas uma classe α′ = (rn′ ) tal que ¯ α + α′ = 0 Prova: Existˆ encia: Seja α = (rn ), vamos mostrar que seu oposto aditivo vale α′ = (rn′ ) = (−rn ). De fato, α + α′ = (rn ) + (−rn ) = (rn ) + (−rn )  ¯ = rn + (−rn ) = 0

Unicidade: Sejam α′ e α′′ classes que satisfazem ao teorema. Isto ´e ( ¯ α + α′ = 0 ¯ α + α′′ = 0

Ent˜ ao ¯ = α′′ + (α + α′ ) = (α′′ + α) + α′ = (α + α′′ ) + α′ = 0 ¯ + α′ = α′ α′′ = α′′ + 0  Nota¸c˜ ao: Dado α = (rn ), denotaremos o seu oposto aditivo como −α = − (rn ) = (−rn ) Proposi¸ c˜ ao 61. Se (rn ) ´e uma sequˆencias de Cauchy, ent˜ao (|rn |) ´e tamb´em uma sequˆencia de Cauchy. Prova: Dado ε > 0 existe, por hip´ otese, um ´ındice n0 tal que ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rn − rm | < ε Precisamos provar que: dado ε > 0 existe, um ´ındice n0 tal que ∀ m, n ≥ n0 ⇒ |rn | − |rm | < ε

Isto ´e uma decorrˆencia imediata da hip´ otese juntamente com a desigualdade, |rn | − |rm | ≤ |rn − rm |



410

Proposi¸ c˜ ao 62. Se lim rn = a ent˜ao lim |rn | = |a|. n

n

Prova: Isto ´e uma decorrˆencia imediata da hip´ otese juntamente com a desigualdade, |rn | − |a| ≤ |rn − a|



Da defini¸c˜ ao de limite e da proposi¸c˜ao anterior podemos escrever: lim rn = a ⇔ lim (rn − a) = 0 ⇔ lim |rn − a| = 0 n

n

n

(10.10)

Proposi¸ c˜ ao 63. Se (rn ) ∼ (rn′ ) e (sn ) ∼ (s′n ), ent˜ao (rn · sn ) ∼ (rn′ · s′n ). Prova: Inicialmente consideremos a desigualdade, |rn sn − rn′ s′n | = |rn sn + rn s′n − rn s′n − rn′ s′n | = |rn (sn − s′n ) + s′n (rn − rn′ )| ≤ |rn ||sn − s′n | + |s′n ||rn − rn′ | As sequˆencias (|rn |) e (|s′n |) s˜ ao de Cauchy e, portanto, limitadas. As sequˆencias (rn − rn′ ) e (sn − s′n ), por hip´ otese (def. 76, p. 403), convergem para 0. Logo, |rn sn − rn′ s′n | → 0 ⇒ (rn sn − rn′ s′n ) → 0 ⇒ (rn · sn ) ∼ (rn′ · s′n )  Tendo em conta as proposi¸c˜ oes 58 (p. 406) e 63 (p. 411), podemos, ent˜ao, definir o produto de classes. Defini¸ c˜ ao 79 (Multiplica¸c˜ ao em C ). Sejam α = (rn ) e β = (sn ) elementos de C. Definimos o produto de α e β como α · β = (rn ) · (sn ) = (rn ) · (sn ) Lembramos que o produto de sequˆencias foi definido na p´ agina 393. Observe que segundo nossa defini¸c˜ao 2 (p. 21) acabamos de construir um sistema num´erico C = (C, +, ·)

As classes de equivalˆencia agora s˜ ao n´ umeros, todavia, n˜ ao n´ umeros reais. Para outorgar ` as classes de equivalˆencia o status de n´ umeros reais ainda teremos muito trabalho pela frente, deveremos provar todas as especifica¸c˜oes constantes no retˆ angulo amarelo da p´ agina 383. Nosso pr´ oximo passo ser´ a demonstrar que o produto satisfaz as cinco propriedades que constam no retˆ angulo amarelo da p´ agina 383. 411

Teorema 73 (Associatividade). Sejam α = (rn ), β = (sn ) e γ = (tn ), elementos em C. Vale a seguinte igualdade: M 1 ) (α · β) · γ = α + (β · γ). Prova:  (α · β) · γ = (rn ) · (sn ) · (tn )  = (rn ) · (sn ) · (tn )  = (rn ) · (sn ) · (tn )  = (rn ) · (sn ) · (tn )  = (rn ) · (sn ) · (tn ) = α · (β · γ)

 Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos a associatividade nos racionais. Nas outras igualdades utilizamos apenas a defini¸c˜ ao de produto de classes. (def. 79, p. 411) Consideremos a seguinte sequˆencia de termos constantes em Q, (1, 1, 1, . . .) Vamos denotar esta sequˆencia por 1, isto ´e, 1 = (1, 1, 1, . . .) Observe que 1 ∈ A. Encontremos a classe de equivalˆencia desta sequˆencia: ¯= 1

n

(rn ) ∈ A :

(rn ) ∼ 1

Ent˜ ao, pela defini¸c˜ ao 76 (p. 403), temos:

o

(rn ) ∼ 1 ⇐⇒ (rn − 1) → 0 Portanto, ¯= 1

n

(rn ) ∈ A :

(rn − 1) → 0

Nota: (rn − 1) = (r1 − 1, r2 − 1, r3 − 1, . . .).

o

Em particular todas as sequˆencias de racionais que convergem para 1 pertencem a esta classe, pois lim rn = 1 ⇒ lim (rn − 1) = 0 ⇒ (rn − 1) → 0 n

n

412

¯ ´e o elemento neutro para a Teorema 74 (Elemento neutro). A classe 1 multiplica¸c˜ ao em C. Prova: Seja α = (rn ), uma classe arbitr´aria, devemos mostrar que, ¯=α α·1 De fato, (rn ) · 1 = (rn ) · 1 = (rn ) · (1, 1, 1, . . .) = (rn · 1) = (rn ) Na u ´ltima igualdade usamos o fato de que 1 ´e o elemento neutro nos racionais.  Teorema 75 (Comutativa). Sejam α = (rn ) e β = (sn ) classes quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M3 ) α · β = β · α Prova: Temos α · β = (rn ) · (sn ) = (rn ) · (sn ) = (rn · sn ) = (sn · rn ) = (sn ) · (rn ) = (sn ) · (rn ) = β · α  Nosso pr´ oximo objetivo ser´ a provar a existˆencia do inverso multiplicativo. Antes vejamos um exemplo para que fique bem claro o que desejamos. ¯ devemos exibir uma outra classe Dada uma classe (rn ) ∈ C, (rn ) 6= 0, (sn ) ∈ C, satisfazendo ¯ (rn ) · (sn ) = 1 Ou ainda, ¯ (rn ) · (sn ) = 1

(10.11)

(rn · sn ) = (1, 1, 1, . . .)

(10.12)

Isto ´e, Exemplo: Encontre o inverso multiplicativo da classe (rn ), onde (rn ) ´e a n . sequˆencia dada por rn = n+1 Solu¸ ca ˜o: Inspirados na igualdade (10.12), fa¸camos rn · sn = 1, logo rn · sn = 1 ⇒ sn = (rn )−1 =

n+1 n

Precisamos verificar se (10.11) estar´ a satisfeita com esta escolha. Ent˜ao,  n n+1 = (1, 1, 1, . . .) · (rn ) · (sn ) = (rn · sn ) = n+1 n 413

Exemplo: Encontre o inverso multiplicativo da classe (rn ), onde (rn ) ´e a 2 sequˆencia dada por rn = 1 − . n Solu¸ c˜ ao: Neste caso n˜ ao podemos proceder como anteriormente pelo fato de que esta sequˆencia possui um termo que se anula, r2 = 0. Vamos tentar a seguinte sequˆencia:   r −1 , se rn 6= 0; n sn =  1, se rn = 0.

Portanto,

sn =

  

n , se n 6= 2; n−2

1,

se n = 2.

Precisamos verificar se (10.11) estar´ a satisfeita com esta escolha. Ent˜ao,  2 n   1− · , se n 6= 2; n n−2 (rn ) · (sn ) =   0 · 1, se n = 2.

Isto ´e,

(rn ) · (sn ) = Portanto,

  1, se n 6= 2; 

0, se n = 2.

(rn ) · (sn ) = (1, 0, 1, 1, 1, . . .) Precisamos provar que, (rn · sn ) = (1, 1, 1, . . .) Vale lembrar o teorema 2 (p. 69), o qual sintetizamos aqui: a ∼ b ⇒ a ∈ ¯b ⇒ b ∈ a ¯ ⇒ a ¯ = ¯b ⇒ a ∼ b Para provar que (1, 0, 1, 1, 1, . . .) = (1, 1, 1, . . .) ´e suficiente provar (1, 0, 1, 1, 1, . . .) ∼ (1, 1, 1, . . .) o que, pela defini¸c˜ ao 76 (p. 403), equivale a provar (1, 0, 1, 1, 1, . . .) − (1, 1, 1, . . .) = (0, −1, 0, 0, 0, 0, . . .) → 0 414

O que ´e trivial. Pois bem, isto s˜ ao apenas contas em dois casos bem simples; por exemplo, para a sequˆencia 1 1 1 rn = 1 + + + · · · + 1! 2! n! como provar que existe a classe inversa de (rn ) ? Devemos agora tratar do caso geral. Lema 21. Seja (rn ) uma sequˆencia de Cauchy tal que (rn ) n˜ ao ´e uma sequˆencia nula. Ent˜ ao existe um ´ındice N ∈ N e um n´ umero racional c > 0 tais que |rn | > c, ∀ n ≥ N . Antes da prova vejamos que at´e certo ponto esta ´e uma proposi¸c˜ao “inn tuitiva”. Por exemplo, a sequˆencia (rn ) dada por rn = cumpre as n+1 condi¸c˜oes da proposi¸c˜ ao. A condi¸c˜ao |rn | = |rn − 0| > c, ∀ n ≥ N significa que existe um raio (c > 0) e uma ordem (N ) a partir da qual todos os termos da sequˆencia caem fora do intervalo de centro na origem e raio c.

]

r1

p 0

1 2

↑ −c

[

r2 r3 r4 →

↑ c

N˜ao ´e necess´ario que a sequˆencia seja convergente, como a do exemplo. Prova: Inicialmente ressaltemos precisamente o que ´e hip´ otese e o que ´e tese em nossa proposi¸c˜ ao:    ∃N ∈ N     (rn ) ´e de Cauchy H: T: ∃ c > 0, c ∈ Q,   (r ) n˜  ao ´e nula  n  tais que |rn | > c, ∀ n ≥ N

Pois bem, como (rn ) n˜ ao ´e uma sequˆencia nula significa que ela n˜ ao converge para 0, substituindo a = 0 na simbologia da p´ agina 385, temos

∃ε > 0 :

∀ n0 ∈ N ∃ n ≥ n0 ∧ |rn − a| ≥ ε

(divergˆ encia)

∃ε > 0 :

∀ n0 ∈ N ∃ n ≥ n0 ∧ |rn − 0| ≥ ε

(divergˆ encia)

Para prosseguir necessitaremos fazer a seguinte troca de nota¸c˜oes: 415

∃ε > 0 :

∀ n0 ∈ N ∃ n ≥ n0 ∧ |rn | ≥ ε

(divergˆ encia)

∃a > 0 :

∀N ∈ N

(divergˆ encia)

∃ℓ ≥ N ∧

|rℓ | ≥ a

Como (rn ) ´e de Cauchy, para todo ε > 0 arbitrariamente fixado, existe N ∈ N tal que se m, n ≥ N , ent˜ao

Temos que

|rn | − |rm | ≤ |rn − rm | < ε

|rn | − |rm | < ε ⇔ −ε < |rm | − |rn | < ε

Logo, para m, n ≥ N temos

|rm | − ε < |rn |

(10.13)

Escolha ε > 0 tal que ε > a, fa¸ca c = ε − a > 0. Seja N o natural para o qual a desigualdade (10.13) vale para m, n ≥ N . Seja ℓ o inteiro maior do que ou igual a N tal que |rℓ | ≥ a, logo de (10.13), para todo n ≥ N , temos que |rn | > |rℓ | − ε ≥ a − ε = c 

ao nula) arbitrariamente Teorema 76 (Inverso). Seja (rn ), uma classe (n˜ ¯ fixada. Existe um elemento (sn ) ∈ C, tal que (rn ) · (sn ) = 1. Prova: De fato, sendo (rn ), n˜ ao nula, temos pelo lema 21 (p. 415) que existem c > 0 e N0 ∈ N tais que |rn | > c, ∀ n ≥ N0

(10.14)

Tem-se em particular que rn 6= 0, ∀ n ≥ N0 . Defina a sequˆencia (sn ) assim:   r −1 , se rn 6= 0; n sn = (10.15)  1, se rn = 0.

Vamos provar que (sn ) ´e de Cauchy, isto ´e, (sn ) ∈ A. Com efeito, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que se m, n ≥ n0 tem-se |rm − rn | < ε c2 416

Tomemos N = max{ N0 , n0 }, logo, para m, n ≥ N temos em (10.14) (

|rn | > c, |rm | > c

⇒ |rn rm | > c2



1 1 < 2 |rn rm | c

Como diziamos, para m, n ≥ N temos 1 1 rm − rn |rm − rn | ε c2 |sn − sm | = − < =ε = ≤ rn rm rn rm c2 c2

Portanto, (sn ) ´e de Cauchy. Sendo (sn ) de Cauchy podemos tomar sua classe de equivalˆencia. Vamos agora provar que ¯ (rn ) · (sn ) = 1 Temos, (rn ) · (sn ) = Ou ainda,

  rn · r −1 , se rn 6= 0; n  r · 1, n

(rn ) · (sn ) =

  1,  0,

se rn = 0.

se rn 6= 0; se rn = 0.

Tendo em conta que rn 6= 0, ∀ n ≥ N0 , segue que a partir da ordem N0 todos os termos da sequˆencia (rn ) · (sn ) s˜ ao iguais a 1. Logo, a partir desta mesma ordem s˜ ao iguais a 0 os termos da sequˆencia (rn ) · (sn ) − (1, 1, 1, . . .)  Sendo assim (rn ) · (sn ) − 1 → 0, logo, da defini¸c˜ao 76 (p. 403), tem-se  ¯ (rn ) · (sn ) − 1 → 0 ⇒ (rn ) · (sn ) ∼ 1 ⇒ (rn ) · (sn ) = 1

417



Teorema 77 (Distributividade). Sejam α = (rn ), β = (sn ) e γ = (tn ), classes em C. Vale a seguinte igualdade: D ) α (β + γ) = α β + α γ. Prova: α (β + γ) = (rn )

(sn ) + (tn )

= (rn ) (sn ) + (tn ) = (rn )

(sn ) + (tn )

 

= (rn ) (sn ) + (rn ) (tn ) = (rn ) (sn ) + (rn ) (tn ) = (rn ) (sn ) + (rn ) (tn ) = αβ + αγ  Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos a distributividade nos racionais. Nas outras igualdades utilizamos apenas a defini¸c˜ ao de adi¸c˜ ao e multiplica¸c˜ao de classes. Nota¸ c˜ ao: A estrutura construida at´e este momento ser´ a denotada por C : C = (C, +, ·) ´ Na linguagem da Algebra Abstrata C ´e um corpo por estarem satisfeitas as seguintes propriedades:

A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ C : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ C , ∃ − a ∈ C : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ C : a · 1 = 1 · a = a M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ C ∗ , ∃ a−1 ∈ C : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c 418

C

10.2

Rela¸c˜ ao de ordem em C

Nosso objetivo nesta se¸c˜ ao ´e estender a ordena¸c˜ao de Q para C. Defini¸ c˜ ao 80. Diz-se que uma sequˆencia de Cauchy (rn ) goza da propriedade p, quando a seguinte senten¸ca aberta ´e verdadeira:

p

 (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )

Em palavras: Uma sequˆencia de Cauchy (rn ) possui a propriedade p se existe uma ordem a partir da qual todos os seus termos s˜ ao positivos. n Exemplo: A sequˆencia (rn ) dada por rn = , possui a propriedade p. n+1 r1

p 0

1 2

r2 r3 r4 →

1

pt

2

p

N˜ao ´e dif´ıcil concluir que toda sequˆencia que converge para um n´ umero racional positivo satisfaz a senten¸ca p. Nota: Na senten¸ca aberta acima a vari´ avel ´e uma sequˆencia (rn ) e o conjunto universo (dom´ınio) ´e A, o conjunto das sequˆencias de Cauchy. Defini¸ c˜ ao 81. Diz-se que uma sequˆencia de Cauchy (rn ) goza da propriedade q, quando a seguinte senten¸ca aberta ´e verdadeira:

q

 (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn < −c )

Em palavras: Uma sequˆencia de Cauchy (rn ) possui a propriedade q se existe uma ordem a partir da qual todos os seus termos s˜ ao negativos. N˜ao ´e dif´ıcil concluir que toda sequˆencia que converge para um n´ umero racional negativo satisfaz a senten¸ca q.

419

Proposi¸ c˜ ao 64. Se a sequˆencia de Cauchy (rn ) n˜ ao converge para 0, ent˜ao (rn ) possui a propriedade p ou a propriedade q, uma com a exclus˜ao da outra. Prova: Inicialmente vamos destacar o que ´e hip´ otese e o que ´e tese em nossa proposi¸c˜ ao: (ver p. 488) ( (rn ) ´e de Cauchy, L  H: =⇒ T : p (rn ) q (rn ) rn 6→ 0. Faremos uma prova indireta, isto ´e, vamos negar a tese. Para isto consideremos a identidade (ou exclusivo)∗ : p ⊕ q = (p ∧ ¬q) ∨ (¬p ∧ q) e sua nega¸c˜ ao: ¬(p ⊕ q) = (p ∧ q) ∨ (¬p ∧ ¬q)

(10.16)

Vamos necessitar das nega¸c˜oes de cada uma das senten¸cas abertas − nas defini¸c˜ oes 80 e 81:

p ¬p q ¬q

 (rn ) : ( ∃ c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ N : ∃ n ≥ N

∧ rn ≤ c )

 (rn ) : ( ∃ c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn < −c )

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ N : ∃ n ≥ N

∧ rn ≥ −c )

Neste momento iremos necessitar trocar algumas nota¸c˜oes:

p ¬p q ¬q ∗

 (rn ) : ( ∃ c′ > 0, ∃ m : ∀ n ≥ m ⇒ rn > c′ )

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ n , ∃ m′ ≥ n ∧ rm′ ≤ c )

 (rn ) : ( ∃ c′′ > 0, ∃ n′ : ∀ n ≥ n′ ⇒ rn < −c′′ )

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ n , ∃ n′ ≥ n

∧ rn′ ≥ −c )

Estamos omitindo, para melhor clareza, o argumento (rn ) destas senten¸cas abertas.

420

Vamos mostrar que a primeira conjun¸ca ˜o em (10.16), p ∧ q, conduz a um absurdo. Observe,

p q

 (rn ) : ( ∃ c′ > 0, ∃ m : ∀ n ≥ m

⇒ rn > c′ )

 (rn ) : ( ∃ c′′ > 0, ∃ n′ : ∀ n ≥ n′ ⇒ rn < −c′′ )

Tomando N = max{ m, n′ }, teremos para todo n ≥ N , c′ < rn < −c′′ . O que ´e um absurdo pois contradiz a ordena¸c˜ao de Q. Agora vamos mostrar que a segunda conjun¸ca ˜o em (10.16), ¬p ∧ ¬q, contradiz o lema 21 (p. 415). Temos:

¬p

¬q

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ n , ∃ m′ ≥ n ∧ rm′ ≤ c )

(♣)

 (rn ) : ( ∀ c > 0, ∀ n , ∃ n′ ≥ n ∧ rn′ ≥ −c )

Seja c > 0 e o ´ındice N fornecidos pelo lema 21 (p. 415). Levamos estes dois valores em (♣), para obter:   ∃ m′ ≥ N ∧ rm′ ≤ c Isto ´e,

 ∃ n′ ≥ N

  rm′ ≤ c, r

n′

≥ −c,

∧ rn′ ≥ −c com m′ ≥ N com n′ ≥ N

(10.17)

Ora, mas o referido lema afirma que a partir da ordem N acontece: rn > c

ou

rn < −c

As desigualdades em (10.17) contradizem este resultado.



Corol´ ario 6. Seja (rn ) ∈ A. Ent˜ao, ocorre exatamente uma das possibilidades: (i) (rn ) ´e uma sequˆencia nula, isto ´e, rn → 0; (ii) (rn ) possui a propriedade p, isto ´e:  p (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )

(iii) (rn ) possui a propriedade q, isto ´e:  q (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn < −c ) 421

´ claro que, se (rn ) satisfaz a uma das trˆes possibilidades, n˜ Prova: E ao pode satisfazer a nenhuma das outras duas, ou seja, as possibilidades s˜ ao mutuamente excludentes. O que precisamos mostrar ´e que ao menos uma das possibilidades se verifica. Com efeito, dada uma sequˆencia de Cauchy (rn ) esta ´e uma sequˆencia nula ou n˜ ao ´e. Se ´e nada resta a fazer. Se n˜ ao ´e, pela proposi¸c˜ ao 64 (p. 420) ocorre (ii) ou (exclusivo) (iii).  Proposi¸ c˜ ao 65. Sequˆencias equivalentes tˆem conjuntamente a propriedade p ou a propriedade q, isto ´e:   p (rn ) ⇒ ∀ (rn′ ) se (rn′ ) ∼ (rn ) ent˜ao p (rn′ )   q (rn ) ⇒ ∀ (rn′ ) se (rn′ ) ∼ (rn ) ent˜ao q (rn′ )  Prova: Suponhamos p (rn ) , isto ´e: (p. 419)  p (rn ) ⇐⇒ ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c ) Seja (rn′ ) ∼ (rn ), o que, pela defini¸c˜ao 76 (p. 403), significa (rn − rn′ ) → 0, que pela defini¸c˜ ao 69 (p. 385) significa: ∀ ε > 0 ∃ n0 ∈ N : ∀ n ≥ n0 ⇒ |(rn − rn′ ) − 0| < ε Tomando ε = c/2, temos: ∃ n0 ∈ N : ∀ n ≥ n0 ⇒ |(rn − rn′ ) − 0| < Fazendo N ′ = max{ N, n0 }, temos   rn > c ′ ∀n ≥ N ⇒  − c < r′ − r < n n 2

c 2

⇒ rn −

c 2

c 2

< rn′ < rn +

c 2

Sendo assim,

∀ n ≥ N′ ⇒

c c c < rn − < rn′ < rn + 2 2 2

Conclus˜ao:  c c c =⇒ ∃ ∈ Q, > 0, ∃ N ′ : ∀ n ≥ N ′ ⇒ rn′ > 2 2 2

p

De modo an´ alogo demonstra-se a outra parte da proposi¸c˜ao.

422

 (rn′ )



Lema 22. Vale a seguinte equivalˆencia:   q (rn ) ⇐⇒ p − (rn )

Prova: (⇒) Por hip´ otese, temos:  q (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn < −c )

Devemos provar que:  p − (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ −rn > c ) ´ uma decorrˆencia imediata da hip´ E otese.



(⇐) An´alogo.

Divis˜ ao Convergiremos esfor¸cos para provar o seguinte ¯ a equa¸c˜ao multipliTeorema 78 (Divis˜ao). Sejam α, β ∈ C, com α 6= 0, cativa α · x = β, tem sempre uma u ´nica solu¸c˜ao em C. Iremos necessitar do seguinte Lema 23. Toda sequˆencia de Cauchy n˜ ao convergente para zero ´e equivalente a uma outra de termos todos diferentes de zero. ¯ pode sempre ser representada Em outras palavras, qualquer (rn ) 6= 0 por uma sequˆencia de termos n˜ ao nulos. Prova: N˜ao sendo (rn ) convergente para zero, temos que:  p (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )

ou



q (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn < −c ) Na primeira hip´ otese, existe um n´ umero c positivo e uma ordem N tal que a partir dela, todos os termos rN , rN+1 , rN+2 , . . . s˜ ao maiores que c > 0. Na segunda, existem igualmente n´ umeros c′ e N ′ tais que rN ′ , rN ′ +1 , rN ′ +2 , . . . s˜ ao todos menores que −c′ < 0. 423

Considere as sequˆencias (rn ) = (r1 , r2 , . . . , rN , rN+1 , rN+2 , . . .) (rn′ ) = (c,

c, . . . , rN , rN+1 , rN+2 , . . .)

Neste caso, temos (rn − rn′ ) → 0, logo, (rn ) ∼ (rn′ ). O mesmo ocorre com as sequˆencias

(def. 76, p. 403)

(rn ) = ( r1 , r2 , . . . , rN ′ , rN ′ +1 , rN ′ +2 , . . .) (rn′ ) = (−c, −c, . . . , rN ′ , rN ′ +1 , rN ′ +2 , . . .)  Prova: Retomando a prova do teorema 78, sejam α = (rn ) e β = (sn ), o lema anterior nos assegura que a sequˆencia (rn ), representativa de α, pode ser escolhida de modo a que sejam seus termos todos diferentes de 0. Utilizaremos a seguinte nota¸c˜ao: s  n (rn )−1 · (sn ) = rn   A classe de equivalˆencia x = rsn ´e uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao proposta, n porque s  s   n n = (rn ) · = (rn ) · (rn )−1 · (sn ) · = (sn ) = β. α · x = (rn ) · rn rn Unicidade: Suponhamos que γ = (xn ) seja uma outra solu¸c˜ao da equa¸c˜ao proposta, isto ´e α·γ =β Ou ainda, (rn ) · (xn ) = (sn ) ⇒ (rn ) · (xn ) = (sn ) Lembrando do retˆ angulo amarelo na p´ agina 414 temos: (rn · xn ) ∼ (sn ) ⇒ (rn · xn − sn ) → 0 Isto implica que ∀ ε > 0 ∃ n0 ∈ N :

∀ n ≥ n0 ⇒ |rn · xn − sn − 0| < ε

(♣)

Aplicando-se a proposi¸c˜ao 54 (p. 397) `a sequˆencia de Cauchy (rn−1 ) concluimos que existe uma constante M satisfazendo −1 r ≤ M, ∀ n ∈ N. (10.18) n 424

Seja ε > 0 arbitrariamente fixado em (♣) e seja a ordem n0 l´a estipulada. Sendo assim, temos  ε sn  < , ∀ n > n0 |rn · xn − sn | = rn xn − rn M Nestas condi¸c˜ oes, temos

 sn  ε |rn | xn − < rn M

Multiplicando esta desigualdade por (10.18), resulta   xn − sn < ε, ∀ n > n0 rn Isto ´e

 s  lim xn − n = 0 n rn

Logo (xn ) ∼

s  n

rn

⇒ (xn ) =

s  n

rn



Agora estamos em condi¸c˜ oes de estipular a seguinte ` opera¸c˜ao que permite determinar, a partir de Defini¸ c˜ ao 82 (Divis˜ao). A ¯ uma terceira classe γ tal que duas classes quaisquer α e β, com α 6= 0, α γ = β, denomina-se divis˜ ao de β por α, e ao resultado, que se simboliza umeros. por αβ , quociente dos dois n´

Em s´ımbolos:

Onde α = (rn ) e β = (sn ).

s  β n γ= = α rn

No teorema 76 (p. 416) obtivemos a seguinte equa¸c˜ao ¯ (rn ) · (sn ) = 1 Denotaremos (sn ), a classe inversa de (rn ), por (sn ) = (rn )

−1

425

=

¯ 1 (rn )

Vamos mostrar inicialmente que vale a seguinte igualdade   ¯ 1 1 = (rn ) (rn ) De fato,

1 = (rn )−1 · 1 = (rn )−1 (rn )

Observe que a inversa de uma sequˆencia existe por (10.15) (p. 416), ademais, estamos levando em conta o lema 23 (p. 423). Pois bem, barrando a u ´ltima igualdade temos   1 = (rn )−1 (rn ) Logo, (rn )−1 = (rn )

−1

Isto ´e suficiente para estabelecermos a seguinte identidade na divis˜ao γ=

s  β (sn ) n = = α rn (rn )

Retomando, agora vamos juntar em um mesmo conjunto todas as classes cujas sequˆencias tˆem a propriedade p mais a classe nula, assim: C+ =

n

(rn ) ∈ C :

p

o ¯} (rn ) ∪ { 0

Lema 24. Valem as seguintes afirma¸c˜oes: ¯ a) Se (rn ) ∈ C + e − (rn ) ∈ C + , ent˜ao (rn ) = 0; b) Se (rn ), (sn ) ∈ C + , (rn ) + (sn ) ∈ C + e (rn ) · (sn ) ∈ C + . Prova: a) Temos que (rn ) e − (rn ) = (−rn ), verificam ao mesmo tempo:  p (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )  p (−rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ −rn > c )

Ora mas isto implica que (rn ) goza simultaneamente das propriedades p e ¯ q, o que n˜ ao ´e permitido pela proposi¸c˜ao 64 (p. 420). Logo, (rn ) = 0.

b) Por hip´ otese, temos:  p (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ rn > c )  p (sn ) : ( ∃ c′ ∈ Q, c′ > 0, ∃ N ′ : ∀ n ≥ N ′ ⇒ sn > c′ ) 426

Devemos provar que,  p (rn + sn ) : ( ∃ c′′ ∈ Q, c′′ > 0, ∃ N ′′ : ∀ n ≥ N ′′ ⇒ rn + sn > c′′ )

Tome N ′′ = { N, N ′ } e c′′ = c + c′ . O outro caso (produto) ´e an´ alogo.  Defini¸ c˜ ao 83. Dados os elementos α = (rn ) e β = (sn ) em C, diremos que α ´e menor ou igual a β, e escrevemos α ≤ β se, e somente se, (sn ) − (rn ) ∈ C + . Resumindo: (rn ) ≤ (sn ) ⇐⇒ (sn ) − (rn ) ∈ C + . Pela proposi¸c˜ ao 65 (p. 422) concluimos que a defini¸c˜ao acima n˜ ao depende dos representantes tomados em cada classe. Exemplo: Sejam as sequˆencias (rn ) e (sn ) dadas por: rn = −1 −

1 n

e

sn =

n n+1

Vamos mostrar que (rn ) ≤ (sn ) ⇐⇒ (sn ) − (rn ) ∈ C + . Temos sn − rn =

 n n 1 1 = − −1− + +1 n+1 n n+1 n

Tomando, por exemplo, c = 12 e N = 1 a defini¸c˜ao 80 (p. 419) estar´ a satisfeita, assim:  p (sn ) − (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ sn − rn > c )

Positivo e negativo

Com a rela¸c˜ ao de ordem estabelecida em C finalmente estamos em condi¸c˜oes de definir os conceitos de positivo e negativo. Defini¸ c˜ ao 84 (Positivo). Seja α = (rn ) uma classe em C. α diz-se posi¯ tivo, ou maior do que zero se α > 0.

Defini¸ c˜ ao 85 (Negativo). Seja α = (rn ) uma classe em C. ¯ negativo, ou menor do que zero se α < 0. 427

α diz-se

Proposi¸ c˜ ao 66. Seja α = (rn ) uma classe em C.  somente se, p (rn ) .

α ´e positivo se, e

Prova:

(⇒) Por hip´ otese e pela defini¸c˜ao 83 (p. 427) temos ¯ ∈ C+. ¯ < (rn ) ⇐⇒ (rn ) − 0 0

(10.19)

Tendo em conta a defini¸c˜ao de C + : C+ =

n

(rn ) ∈ C :

p

segue-se o resultado desejado.

o ¯} (rn ) ∪ { 0

 ¯ e p (rn ) , logo, seguindo a seta para (⇐) Por hip´ otese temos (rn ) 6= 0 a esquerda em (10.19) teremos o resultado desejado.  Proposi¸ c˜ ao 67. Seja α = (rn ) uma classe em C. α ´e negativo se, e  somente se, q (rn ) . 

Prova: An´aloga ` a prova da proposi¸c˜ao 66.

´ v´alida a seguinte equivalˆencia: Proposi¸ c˜ ao 68. E ¯ a > 0 ⇐⇒ a > 0 onde, a = (a, a, a, . . .). Prova: ¯ (⇒) Devemos provar que a > 0 ⇒ a > 0. Tomando c = a/2 > 0 e N = 1 a senten¸ca p:  p (a) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ a > c )

¯ ´e verdadeira, logo, pela proposi¸c˜ao 66, temos a > 0. ¯ ⇒ a > 0. (⇐) Devemos provar que a > 0

 Tendo em conta a hip´ otese e a proposi¸c˜ao 66, p (a) ´e verdadeira. Suponha, ao contr´ ario, que a < 0, como a sequˆencia (a) = (a, a, a, . . .) converge para a < 0 segue que q (a) ´e verdadeira (ver p. 419). Ora, mas isto contradiz a proposi¸c˜ ao 64 (p. 420).  Vamos agora provar que ≤ (defini¸c˜ao 83) ´e uma rela¸c˜ao de ordem total.

Teorema 79. A rela¸c˜ ao ≤ em C ´e uma rela¸c˜ao de ordem total, isto ´e, para α, β e γ classes arbitr´arias, vale O1 ) α ≤ α; (Reflexiva)

O2 ) α ≤ β e β ≤ γ ⇒ α ≤ γ; O3 ) α ≤ β e β ≤ α ⇒ α = β;

O4 ) α ≤ β ou β ≤ α.

428

(Transitiva) (Antissim´etrica) (Ordem total)

Prova: O1 ) α ≤ α;

(Reflexiva)

Considere α = (rn ). Ent˜ ao ¯ ∈ C+ α ≤ α ⇐⇒ (rn ) ≤ (rn ) ⇐⇒ (rn ) − (rn ) = 0 O2 ) α ≤ β e β ≤ γ ⇒ α ≤ γ;



(Transitiva)

Prova: Considere α = (rn ), β = (sn ) e γ = (tn ), classes quaisquer. Ent˜ao, por hip´ otese α ≤ β

⇐⇒

(sn ) − (rn ) ∈ C +

β ≤ γ

⇐⇒

(tn ) − (sn ) ∈ C +

e Devemos provar o lado direito da seguinte equivalˆencia, α ≤ γ

(tn ) − (rn ) ∈ C +

⇐⇒

De fato, segue do lema 24 (p. 426) que (tn ) − (rn ) = [ (sn ) − (rn ) ] + [ (tn ) − (sn ) ] ∈ C +  (Antissim´etrica)

O3 ) α ≤ β e β ≤ α ⇒ α = β;

Prova: Considere α = (rn ) e β = (sn ) classes quaisquer. Ent˜ao, por hip´ otese α ≤ β

⇐⇒

(sn ) − (rn ) ∈ C +

β ≤ α

⇐⇒

(rn ) − (sn ) ∈ C +

e Devemos provar o lado direito da seguinte equivalˆencia, α = β

⇐⇒

(rn ) = (sn )

De fato, as hip´ oteses nos dizem que uma classe e sua oposta pertencem a C + , logo, ainda pelo lema 24, temos ¯ (sn ) − (rn ) = 0  (Ordem total)

O4 ) α ≤ β ou β ≤ α.

Prova: Considere α = (rn ) e β = (sn ) classes quaisquer. Temos 429

e

α ≤ β

⇐⇒

(sn ) − (rn ) ∈ C +

β ≤ α

⇐⇒

(rn ) − (sn ) ∈ C +

Isto significa que devemos provar que: dados α e β, como acima, uma das possibilidades (sn ) − (rn ) ∈ C +

ou

(rn ) − (sn ) ∈ C +

necess´ariamente ocorre. Pelo corol´ ario 6 (p. 421) ocorre exatamente uma das possibilidades: (i)

(rn − sn ) ´e uma sequˆencia nula, isto ´e, (rn − sn ) → 0;

(ii) (rn − sn ) possui a propriedade p. (iii) (rn − sn ) possui a propriedade q. No primeiro caso resulta, ¯ ∈ C+ rn ∼ sn ⇒ (rn ) = (sn ) ⇒ (sn ) − (rn ) = 0 No segundo caso resulta,  p (rn − sn ) ⇒ (rn − sn ) = (rn ) − (sn ) ∈ C +

No terceiro caso resulta, (lema 22, p. 423)   q (rn − sn ) ⇒ p − (rn − sn ) ⇒ (sn − rn ) = (sn ) − (rn ) ∈ C + 

Proposi¸ c˜ ao 69. Sejam α, β

e γ classes quaisquer. Ent˜ao

OA) α ≤ β ⇔ α + γ ≤ β + γ

(compatibilidade com a adi¸c˜ao)

Prova: Consideremos α = (rn ), β = (sn ) e γ = (tn ). Temos: α + γ = (rn ) + (tn ) = (rn ) + (tn ) e β + γ = (sn ) + (tn ) = (sn ) + (tn ) Ent˜ ao α ≤ β ⇔ (sn ) − (rn ) ∈ C + ⇔ (sn ) − (rn ) ∈ C + ⇔ (sn ) + (tn ) − (rn ) − (tn ) ∈ C + ⇔ (sn ) + (tn ) − (rn ) + (tn ) ∈ C + 430

Portanto, α + γ ≤ β + γ ⇔ (sn ) + (tn ) − (rn ) + (tn ) ∈ C +  Proposi¸ c˜ ao 70. Sejam α, β e γ classes quaisquer. Ent˜ao, se ¯ ⇒ α·γ ≤β·γ OM) α ≤ β e γ ≥ 0 Esta ´e conhecida como compatibilidade com a multiplica¸ca ˜o. Prova: Consideremos α = (rn ), β = (sn ) e γ = (tn ). Temos: α · γ = (rn ) · (tn ) = (rn ) · (tn ) e β · γ = (sn ) · (tn ) = (sn ) · (tn ) Vamos separar nosso problema em hip´ otese e tese, assim:   (rn ) ≤ (sn ) ⇐⇒ (sn ) − (rn ) ∈ C + ; H:  ¯ γ≥0 ⇐⇒ γ ∈ C + .

T : α · γ ≤ β · γ ⇐⇒ (sn ) · (tn ) − (rn ) · (tn ) ∈ C + .

Ent˜ ao, pelo lema 24 (p. 426), temos:   (sn ) − (rn ) (tn ) ∈ C +

Daqui segue o resultado desejado.  a denotada por C : Nota¸ ca ˜o: A estrutura construida at´e este momento ser´ C = (C, +, · , ≤) Teorema 80 (Propriedade arquimediana). A ordena¸c˜ao de C ´e arquimediana. ¯ ou ´e menor que a Isto significa que qualquer classe, ou ´e menor que 1 ¯ soma de um n´ umero N de parcelas iguais a 1. Prova: Seja α = (rn ) ∈ C. Como (rn ) ´e uma sequˆencia de Cauchy, segue que (rn ) ´e limitada (prop. 54, p. 397), logo, existe M > 0, M racional, tal que rn ≤ M, ∀ n ∈ N. Como Q ´e arquimediano, segue que existe m ∈ N tal que m · 1 ≥ M + 1. Sendo assim resulta m · 1 ≥ M + 1 ≥ rn + 1, 431

∀ n ∈ N.

Ou ainda m · 1 − rn ≥ 1,

∀ n ∈ N.

Observe que isto significa m · 1 − r1 ≥ 1

m · 1 − r2 ≥ 1 m · 1 − r3 ≥ 1 .............

Tendo em conta que 1 = (1, 1, 1, . . .) podemos escrever de forma sucinta m 1 − (rn ) Tomando N = 1 e c = 1/2, a propriedade p,  p m 1 − (rn ) : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N : ∀ n ≥ N ⇒ m 1 − rn > c )

estar´ a satisfeita. Logo, pela defini¸c˜ao de C + (p. 426), temos m 1 − (rn ) ∈ + C . Pela defini¸c˜ ao de ≤ (p. 427) isto implica que (rn ) ≤ m 1



m 1 ≥ (rn ) 

¯ existe n ∈ Z tal que n ¯b > a Corol´ ario 7. Sejam a ¯, ¯b ∈ C , com ¯b 6= 0, ¯.

¯ ent˜ao existe m ∈ N tal que Prova: Como C ´e arquimediano e ¯b 6= 0 ¯ ¯ ¯ > a m1 a| ≥ a ¯. ¯b ⇒ m |b| > |¯ ¯ ou ¯b < 0. ¯ Portanto, n ¯b > a ¯, onde n = ± m segundo se ¯b > 0



Imers˜ ao de Q em C

A rigor as estruturas Q e C s˜ ao totalmente distintas, inclusive porque tˆem elementos de naturezas distintas. Por exemplo, comparemos os elementos neutros das adi¸c˜ oes nestes dois sistemas: ¯= 0

n

(rn ) ∈ A :

(rn ) → 0

0 = { (0, β) : β ∈ Z∗ } ∈ Q ¯

o

∈C

N˜ao obstante, existe uma perspectiva pela qual podemos fazer uma umero inteiro com “imers˜ao” de Q em C . Assim como identificamos um n´ a fra¸c˜ ao que tem por numerador este n´ umero inteiro e por denominador a unidade (ver se¸c˜ ao 7.3, p. 242) podemos identificar o n´ umero racional r com o n´ umero r¯ = (r, r, r, . . .) 432

esta identifica¸c˜ ao ´e feita atrav´es de uma aplica¸c˜ao, assim, Ψ: Q r

C r¯



Ψ(r) = r¯



Ψ(r) = r¯

Teorema 81. A aplica¸c˜ ao Ψ: Q r

C r¯

´e injetora e tem as seguintes propriedades: (i)

Ψ(p + q) = Ψ(p) + Ψ(q),

isto ´e,

(p + q) = p + q

( ii )

Ψ(p · q) = Ψ(p) · Ψ(q),

isto ´e,

(p · q) = p · q

( iii )

p < q ⇔ Ψ(p) < Ψ(q),

isto ´e,

p 0, pela proposi¸c˜ao 68 (p. 428), temos ¯ (q − p) = (q − p, q − p, q − p, . . .) > 0 433

Isto ´e ¯ (q, q, q, . . .) − (p, p, p, . . .) > 0 (⇐) p < q ⇒ p < q. Tomando ¯ q−p > 0 como hip´ otese devemos provar que q − p > 0. Temos ¯ q − p = (q − p) > 0 Pela proposi¸c˜ ao 68 (p. 428) temos q − p > 0.

( iv ) p = q ⇔ p = q. Temos duas provas a fazer:

otese devemos provar que (⇒) p = q ⇒ p = q. Tomando p = q como hip´ (p, p, p, . . .) = (q, q, q, . . .)

trivial. (⇐) p = q ⇒ p = q. Tomando (p, p, p, . . .) = (q, q, q, . . .) como hip´ otese devemos provar que p = q. Da hip´ otese segue que (p) ∼ (q), pela defini¸c˜ ao 76 (p.403) temos (p − q) → 0, isto ´e lim (p − q) = 0 n

Logo lim (p − q) = 0 n



lim p = lim q n

n



p = q.

 Com este teorema fizemos uma imers˜ ao de Q em C . De outro modo, obtivemos uma c´ opia alg´ebrica de Q em C . Ademais, esta c´opia respeita (preserva) a ordena¸c˜ ao. A aplica¸c˜ao `a esquerda a seguir C r¯

Ψ(Q) ֒→ C r¯          

Ψ: Q r

          

Ψ: Q r

Imers~ ao ´e apenas injetora, como vimos. O contradom´ınio da aplica¸c˜ao `a direita ´e Ψ(Q) (imagem do dom´ınio de Ψ), portanto, a aplica¸c˜ao `a direita ´e uma bije¸c˜ ao. Nota: por um abuso de nota¸c˜ao mantivemos a mesma letra, Ψ. Ψ(Q) ´e uma c´ opia de Q em C , sendo Ψ(Q) precisamente o conjunto das classes racionais. Estamos chamando de “classe racional ” uma classe cujos elementos s˜ ao sequˆencias equivalentes a sequˆencias constantes de n´ umeros racionais (r, r, r, . . .). 434

¯ ´e a classe racional onde moram todas as sequˆencias Por exemplo, a classe 0 ¯ ´e a classe racional onde moram que convergem para 0 (p. 408); a classe 1 todas as sequˆencias que convergem para 1 (p. 412). N˜ao obstante, considere a classe ` a qual pertence a sequˆencia (rn ) dada no exemplo da p´ agina 398. Nenhuma sequˆencia constante com rn′ = r, r racional, pode pertencer a essa classe, caso contr´ ario, rn − rn′ teria de tender a zero, o que ´e imposs´ıvel. Sendo assim, C − Ψ(Q) 6= ∅. Observamos ainda que o corpo ordenado dos n´ umeros racionais ´e isomorfo ao corpo ordenado de todos as classes racionais, como diriamos:

Q ∼ = Ψ(Q) o que nos permite identificar a classe racional r¯ com o n´ umero racional r. Obviamente que r e r¯ s˜ ao elementos de naturezas distintas, completamente distintas, mas para efeitos do “jogo” (soma, produto, ordem) eles tornam-se indistintos. Por oportuno, fa¸camos uma analogia: como j´a vimos no jogo de xadrez podemos jogar tanto com as pe¸cas do xadrez como com cereais, para efeitos do jogo o resultado ´e o mesmo.

⇐⇒

.. .

.. .

Como elementos r e r¯ diferem tanto quanto um rei de um caro¸co de feij˜ ao. No entanto, na estrutura (como n´ umeros) s˜ ao indistintos. Antes de prosseguir vejamos como podemos escrever a imagem de uma e fra¸c˜ao m n ∈ Q por Ψ, isto ´ Ψ(Q) ֒→ C

Ψ: Q

(m n)

         

          

m n

Imers~ ao Temos m = (m, m, m, . . .)

e 435

n = (n, n, n, . . .)

Logo m n

Temos

=

m (m, m, m, . . .) = n (n, n, n, . . .)

¯=1 ¯ ¯ ¯ ¯ m1 | + 1 + 1{z+ · · · + 1} m parcelas

Isto ´e

¯ = (1, 1, 1, . . .) + (1, 1, 1, . . .) + (1, 1, 1, . . .) + · · · + (1, 1, 1, . . .) m1 = (1 + 1 + 1 + · · · + 1, 1 + 1 + 1 + · · · + 1, 1 + 1 + 1 + · · · + 1, . . .) = (m, m, m, . . .) = m Logo Ψ

m n

=

¯ m1 ¯ n1

Proposi¸ c˜ ao 71. Dados a ¯, ¯b ∈ C quaisquer, com a ¯ < ¯b, existe r¯ ∈ Ψ(Q) tal que a ¯ < r¯ < ¯b Lembramos: Ψ(Q) ֒→ C r¯          

          

Ψ: Q r

Imers~ ao ¯ pelo corol´ Prova: Sendo C arquimediano e ¯b − a ¯ 6= 0, ario 7 (p. 432) existe n ∈ Z tal que ¯ n(¯b − a ¯) > 1 ¯ temos que n > 0, logo Como ¯b − a ¯ > 0, ¯ 1 ¯b − a ¯> ¯ n1



¯ 1 ¯b − a ¯< ¯ n1

Nota: Lembramos que ¯=1 ¯ ¯ ··· + 1 ¯ n1 {z } | +1+ n parcelas

Por outro lado, seja

S=



¯ > na x ∈ Z: x 1 ¯ 436



(10.20)

Como C ´e arquimediano temos que S 6= ∅. Ademais, S ´e limitado inferior¯ > −a mente; de fato, supondo ℓ ∈ Z tal que ℓ 1 ¯, resulta ¯ > na ¯ x1 ¯ > −n ℓ 1, para todo x ∈ S. Portanto, x > −n ℓ.

Seja m = min S (que existe pelo PBO). Temos ent˜ao que ¯ > na m1 ¯



¯ m1 >a ¯ ¯ n1

¯ ≤ na (m − 1) 1 ¯



¯ (m − 1) 1 ≤a ¯ ¯ n1

Tamb´em

Tendo em conta (10.20) podemos escrever a ¯<

¯ ¯ ¯ m1 (m − 1) 1 1 = + ¯ + ¯b − a ¯ = ¯b ¯ ¯ ¯ 0, ∃ N ′ : ∀ n ≥ N ′ ⇒ rn − sn < −c )

´e verdadeira. Daqui derivamos uma contradi¸c˜ao com a hip´ otese.



Observe que, pelo teorema 81 (p. 433), a cada n´ umero racional corresponde uma classe, como na figura da esquerda a seguir:

Ψ: Q r

C r¯

Ψ: Q rn

C r¯n

Logo, para cada termo de uma sequˆencia de racionais (rn ) corresponde uma classe em C, a qual estamos representando por r¯n , como na figura da direita. Provaremos a partir de agora que as sequˆencias de Cauchy em C s˜ ao convergentes. Adotaremos as mesmas defini¸c˜oes usadas em Q para sequˆencias a necessidade convergentes e sequˆencias de Cauchy em C ; naturalmente h´ de adapta¸c˜ ao da nota¸c˜ ao. Por exemplo, onde l´a (p. 385) t´ınhamos ε ∈ Q e ¯ ε > 0, na adapta¸c˜ ao da defini¸c˜ ao teremos ε¯ ∈ C e ε¯ > 0.

439

Lema 27. Seja (rn ) uma sequˆencia de Cauchy de n´ umeros racionais. Ent˜ao, (rn ) ´e o limite da sequˆencia (¯ rn ), isto ´e lim r¯n = (rn )

n→∞

Antes da prova vejamos um exemplo particular. A sequˆencia (rn ) dada n por rn = , converge para 1, como j´a vimos. A seguir ilustramos as n+1 duas sequˆencias, assim: rn ∈ Q

r¯n ∈ C

1 2

1 2

2 3

2 3

3 4

3 4

.. . ↓ •←−

.. . ↓ 1

lim r¯n =

n→∞

1 2 3  , , , ... 2 3 4

Observe que n˜ ao ´e necess´ario que a sequˆencia de Cauchy (rn ) seja convergente. Por exemplo, para a sequˆencia (p. 398) r1 = 1 ,

rn+1 =

4 rn , 2 + rn2

∀ n ≥ 1.

temos rn ∈ Q

r¯n ∈ C

1

1

4 3

4 3

24 17

24 17

.. . ↓ ◦

.. . ↓ •←−

lim r¯n =

n→∞



1,

 4 24 , , ... 3 17

Embora a sequˆencia da esquerda n˜ ao seja convergente em Q a proposi¸c˜ao afirma que a sequˆencia da direita ´e convergente em C . 440

¯ pela densidade de Q existe um racional ǫ > 0 Prova: Dado ε¯ ∈ C, ε¯ > 0, ¯ < ǫ¯ < ε¯. tal que 0 < ǫ < ε. Pelo teorema 81 (p. 433) (item ( iii )) temos 0 Sendo (rn ) uma sequˆencia de Cauchy, para o racional ǫ > 0 existe n0 tal que |rm − rn | < ǫ , ∀ m, n ≥ n0 . (10.21) Para cada m ≥ n0 fixo, teremos |rm − rn | < ǫ ,

∀ n ≥ n0 .

De passagem observe que, a bem da verdade, temos uma “matriz”, assim: |rn0 − rn0 | < ǫ

|rn0 − rn

|rn

− rn0 | < ǫ

|rn

− rn

| N ′ , ent˜ ao ε |zn − an | < 2 ′′ Por outro lado, de (10.25) existe N tal que se n > N ′′ , ent˜ao |zn − z| <

ε 2

Tomando N = max{ N ′ , N ′′ } temos que se n > N resulta z − an = |z − an | ≤ |z − zn | + |zn − an | <

ε ε + = ε. 2 2

Portanto existe an ∈ A tal que z − ε < an , isto prova que z = sup A.



Agora vejamos que Dedekind −→ Cantor Isto significa que admitindo o teorema 67 (p. 357) devemos provar que toda sequˆencia de Cauchy em R ´e convergente. Antes necessitaremos de alguns resultados preliminares. Teorema dos intervalos encaixantes Examinaremos agora uma importante propriedade do sistema de n´ umeros reais, a qual est´ a alicer¸cada na propriedade de completeza deste sistema. Estamos nos referindo a completeza segundo Dedekind, teorema 67 (p. 357). Diremos que uma sequˆencia de intervalos In , n ∈ N, ´e encaixante se a cadeia de inclus˜oes se verifica: I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ In+1 ⊃ · · · Uma sequˆencia de intervalos encaixantes n˜ ao tem necessariamente um ponto em comum. Por exemplo as sequˆencias dadas por In = [ n, +∞ [

e 448

 1 Jn = 0, n

s˜ ao encaixantes e, no entanto ∞ \

n=1

In = ∅

e

∞ \

Jn = ∅.

n=1

como o leitor pode mostrar facilmente. Uma propriedade importante do sistema R ´e que toda sequˆencia encaixante de intervalos fechados tem um ponto comum. Definimos o comprimento de um intervalo limitado de extremos a e b, por: ∁ [ a, b ]= b − a Antes vejamos um exemplo particular de nossa u ´ltima assertiva. Consideremos   a sequˆencia (Fn ) de intervalos com termo geral dado por 1 1 Fn = − n , n . Temos ∁ Fn =

1 n

− (− n1 )=

2 n

Observe no gr´ afico: h

−1



− 12

⊢ ⊢

[ −1 3



··· y ··· 0

∁ F3 = 2/3

]1 3



1 2

n→∞

∞ \

n=1

2 =0 n

Fn = { 0 }.

449

1



∁ F1 = 2

lim lim ∁ Fn = n→∞

i



∁ F2 = 1

Observe que

E ainda (prove!)



✲R

Teorema 85 (Teorema dos intervalos encaixados). Seja [ a1 , b1 ], [ a2 , b2 ], . . . , [ an , bn ], . . . uma sequˆencia de intervalos fechados, n˜ ao-vazios e satisfazendo as duas seguintes condi¸c˜ oes: (i) [ a1 , b1 ] ⊃ [ a2 , b2 ] ⊃ · · · ⊃ [ an , bn ] ⊃ · · ·

(ii) para todo ε > 0, existe um natural n tal que∗ bn − an < ε Nestas condi¸c˜ oes, existe um u ´nico n´ umero real µ que pertence a todos os intervalos da sequˆencia; isto ´e, existe um u ´nico n´ umero real µ satisfazendo an ≤ µ ≤ bn , para todo natural n. Prova: Existˆencia: Da figura seguinte (ou n˜ ao) [s

a1

[s · · · [s · · · p · · · ]s · · · ]s a2 an bn b2 ↑ µ

]s

R

b1

extraimos o seguinte conjunto A = { a1 , a2 , a3 , . . . , an , . . . }. A ´e n˜ ao-vazio e limitado superiormente, pois todo bn ´e cota superior de A. Assim, pelo teorema teorema 67 (p. 357), A admite supremo; seja µ tal supremo. Como µ ´e a menor cota superior de A, para todo natural n temos an ≤ µ ≤ b n Deste modo concluimos a prova da existˆencia de um n´ umero pertencente a todos os intervalos da sequˆencia. Unicidade: Para mostrar que nesta interse¸c˜ao n˜ ao pode existir mais que um n´ umero iremos necessitar da hip´ otese (ii). Se ν for outro real tal que, para todo n, an ≤ ν ≤ bn teremos, para todo n, |µ − ν| ≤ bn − an Tendo em conta a hip´ otese (ii), obtemos para todo ε > 0, |µ − ν| < ε 

Logo, µ = ν. ∗

Ou seja: ` a medida que n aumenta o comprimentos do intervalo [ an , bn ] tende a 0.

450

Teorema 86 (Teorema de Bolzano-Weierstrass). Toda sequˆencia limitada possui uma subsequˆencia convergente. Prova: A demonstra¸c˜ ao ser´ a feita pelo chamado m´etodo da bisse¸ca ˜o. Sendo (xn ) limitada ent˜ ao existe uma constante c > 0 tal que |xn | ≤ c para todo ´ındice n. Ent˜ ao xn ∈ [ −c, c ] para todo n natural. Dividindo este intervalo ao meio: [ −c, 0 ] e [ 0, c ], obtemos dois subintervalos de comprimento 2c/2, um dos quais conter´ a, necessariamente, xn para infinitos ind´ıces n; chamemos de I1 esse intervalo. Em seguida dividimos I1 ao meio; novamente obtemos dois subintervalos, agora cada um de comprimento 2c/22 ; um desses subintervalos conter´ a, necessariamente, xn para infinitos ind´ıces n; chamemos de I2 esse intervalo. Continuando desta maneira obtemos uma sequˆencia de intervalos I1 , I2 , I3 , . . . com I1 ⊃ I2 ⊃ I3 ⊃ · · · . O comprimento de In ´e 2c/2n , o qual tende para 0 quando n → ∞. TPelo teorema dos intervalos encaixados existe exatamente um ponto µ ∈ In (na interse¸c˜ ao de todos esses intervalos). Dos infinitos ´ındices n presentes em I1 escolhamos um: n1 e guardemos, numa lista, o termo correspondente: (xn1 , . . .). Dos infinitos ´ındices n presentes em I2 escolhamos um: n2 > n1 e guardemos, na lista, o termo correspondente: (xn1 , xn2 , . . .). Dos infinitos ´ındices n presentes em I3 escolhamos um: n3 > n2 e guardemos, na lista, o termo correspondente: (xn1 , xn2 , xn3 , . . .). s

−c

s

s

s

p s s s s ss sss s ss ss s sss sss sssss I0 c

0

ssss

↑ xn1

0

ss sss s ss ss s sss sss sssss I1

c

s ss s sss sss sssss I2

ր

c

xn2

s ss s sss I3

ր xn3 ...

s sss Ik

↑ xnk

Ent˜ ao (xnk ) ´e uma subsequˆencia de (xn ), e xnk e µ est˜ ao ambos con 2c tidos em Ik . Sendo assim xnk − µ < k , e, deste modo, lim xnk = µ.  2

451

k

Lema 28. Seja (xn ) uma sequˆencia de Cauchy em R. Se existe uma subsequˆencia de (xn ) que converge para µ ∈ R, ent˜ao lim xn = µ. n

Prova: Seja (xn , xn , . . .) uma subsequˆencia conforme o enunciado. Ent˜ao 1 2 para todo ε > 0, existe um ´ındice nk tal que: ∀ ni ≥ nk =⇒ |xn − µ| < i

ε 2

(10.26)

Por outro lado, sendo (xn ) uma sequˆencia de Cauchy, existe um ´ındice n0 tal que: ε ∀ m, n ≥ n0 =⇒ |xm − xn | < (10.27) 2 Consideremos um ponto xn da subsequˆencia. A desigualdade j

|xn − µ| ≤ |xn − xn | + |xn − µ| j

j

´e sempre v´alida. Devemos provar que |xn − µ| ≤ |xn − xn | + |xn − µ| < ε j

j

para isto ´e suficiente que tenhamos |xn − µ| < j

ε ε e |xn − xn | < j 2 2

(10.28)

Por (10.26) devemos escolher nj ≥ nk e por (10.27) devemos escolher n ≥ n0 e nj ≥ n0 . A fim de unificar os ´ındices fa¸camos n′ = max{ n0 , nk }. Logo, para nj ≥ n′ e n ≥ n′ teremos as desigualdades em (10.28) satisfeitas. Sendo assim conseguimos um ´ındice n′ de modo que ∀ n ≥ n′ ⇒ |xn − µ| < ε. 

Isto ´e suficiente para garantir a convergˆecia de (xn ). Vamos agora provar novamente o teorema 83 (p. 442). Teorema 87 (Completude). Toda sequˆencia de Cauchy em R converge.

Prova: Toda sequˆencia de Cauchy ´e limitada∗ , logo, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass, (xn ) possui uma subsequˆencia (xnk ) tal que lim xnk = k

µ. Pelo lema anterior lim xn = µ. n



Basta adaptar a prova da proposi¸c˜ ao 54 (p. 397).

452



Cap´ıtulo 11

´ NUMEROS REAIS AZUIS E VERMELHOS A luz do sol ´e composta por todas as cores do espectro, e por isso ´e branca.

Para obter os n´ umeros reais azuis e vermelhos basta, em qualquer das constru¸c˜ oes dos cap´ıtulos 9 e 10, trocar as cores dos n´ umeros racionais. Apenas a t´ıtulo de mera ilustra¸c˜ao, veja: √ 2 = 1.41421356237 . . . Ent˜ao,



2 = 1.41421356237 . . .

Ou ainda,



.. .

=

.. .

.

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. . ...

Temos π = 3.14159265359 . . . Ent˜ao, π = 3.14159265359 . . . Ou ainda,

π=

.. .

.

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. .

.. . ...

453

˜ DE LIVROS QUEIMAO “Acho que muita gente vai se beneficiar com este livro. ´ claro e com muitos exemplos e aplica¸co˜es interessantes. E Parab´ens por ver seu grande esfor¸co coroado.” (Ubiratan D’Ambrosio/USP)



“Obras colocadas no ‘´ ındex’ pela UFRR.”

“Um Sacrif´ ıcio no Altar da Estupidez.” “Ok, ...A Estupidez Venceu!” (UFRR/13.05.2014/Prof. Gentil, o iconoclasta) 454

(p. 508)

Cap´ıtulo 12

´ NUMEROS COMPLEXOS A inerente tendˆencia humana a apegar-se ao “concreto”, conforme exemplificado pelos n´ umeros naturais, foi respons´ avel por esta lentid˜ ao em dar um passo inevit´ avel. Somente na esfera do abstrato um sistema satisfat´ orio de aritm´etica pode ser criado. (Richard Courant)

Introdu¸c˜ ao: Quando me refiro aos “sistemas num´ericos” tenho em mente os n´ umeros canˆ onicos, listados a seguir, evidentemente que os n´ umeros (tipos de n´ umeros) s˜ ao potencialmente infinitos, “a depender de nossa criatividade”; por exemplo no cap´ıtulo seguinte estarei exibindo um sistema num´erico desenvolvido por mim, os n´ umeros hipercomplexos.

0 → N → Z → Q → R → C Pois bem, de todos os sistemas num´ericos, o de constru¸c˜ ao mais f´acil ´e o dos n´ umeros complexos. Ora, se a aceita¸c˜ ao dos n´ umeros negativos pela comunidade matem´ atica foi bastante problem´atica, imagine a dos n´ umeros complexos. Tinha havido em Cambridge uma tendˆencia t˜ ao conservadora em ´lgebra quanto na geometria e na an´ a alise; ao passo que, no Continente, os matem´ aticos estavam desenvolvendo a representa¸ca ˜o gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade. (Boyer, p. 420) Isto tudo dentro do j´a avan¸cado S´eculo XIX. 455

Acredito que a cita¸ca˜o em ep´ıgrafe explica como, inclusive, um dos maiores matem´ aticos de todos os tempos claudicava no entendimento do que fosse um n´ umero complexo, veja como n˜ ao estou mentindo: A ambivalˆencia dos matem´ aticos do S´eculo XVIII em rela¸ca ˜o aos n´ umeros complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma “Como todos os n´ umeros conceb´ıveis s˜ ao maiores ou menores do que zero ou iguais a zero, fica ent˜ ao claro que as ra´ızes quadradas de n´ umeros negativos n˜ ao podem ser inclu´ıdas entre os n´ umeros poss´ıveis [n´ umeros reais]. E esta circunstˆ ancia nos conduz ao conceito de tais n´ umeros, os quais, por sua pr´ opria natureza, s˜ ao imposs´ıveis, e que s˜ ao geralmente chamados de n´ umeros imagin´ arios, pois existem somente na imagina¸ca ˜o.” [7] An passant, gostaria de generalizar a u ´ltima afirma¸c˜ao do eminente Euler: diria que n˜ ao apenas os n´ umeros imagin´ arios existem apenas na imagina¸c˜ ao, como tudo o mais neste mundo existe apenas na imagina¸c˜ao (mente), a exemplo do pernilongo de Einstein (p. 40), como j´a argumentamos de sobejo no cap´ıtulo 1. Retomando, n˜ ao ´e Deus − ou a “Natureza” − quem diz o que deve ser umero um n´ umero complexo mas sim n´ os (homens) ´e que decretamos: um n´ complexo ´e o que resulta do sistema num´erico dado a seguir: A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ C : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ C, ∃ − a ∈ C : a + (−a) = 0 M 1 ) (a · b) · c = a · (b · c) M2 ) ∃ 1 ∈ C : a · 1 = 1 · a = a

C

M3 ) a · b = b · a M 4 ) ∀ a ∈ C∗ , ∃ a−1 ∈ C : a · a−1 = 1 D) a · (b + c) = a · b + a · c I ) ∃ a ∈ C : a2 = a · a = −1 Estas s˜ ao as especifica¸ co ˜es que caracterizam os n´ umeros complexos, que conferem a identidade dos n´ umeros complexos. 456

Em destaque a principal propriedade alg´ebrica que diferencia este sistema de todos os anteriores. Com esta propriedade estaremos aptos a resolver, em C, equa¸c˜oes do tipo: x2 + 1 = 0, que n˜ ao tem solu¸c˜ao no universo dos n´ umeros reais. A propriedade referida s´ o pode ser obtida com o sacrif´ıcio da ordena¸c˜ao, como estaremos provando oportunamente. De outro modo, o sistema dos n´ umeros complexos ´e um corpo n˜ ao ordenado − entendo-se por ordena¸c˜ao a lista no quadro da p´ agina 154. Um hardware para os Complexos R2

O hardware que escolheremos para a implementa¸c˜ ao do sistema dos n´ umeros complexos ´e o produto cartesiano  R2 = (x, y) : x, y ∈ R

r (x, y) 0

de pares ordenados de n´ umeros reais. No contexto dos n´ umeros complexos ´e usual representa-se cada par ordenado (x, y) com o s´ımbolo z, isto ´e, z = (x, y).

Opera¸c˜ oes As duas opera¸c˜ oes com as quais teremos condi¸c˜oes efetivas de implementar todas as especifica¸c˜ oes para os n´ umeros complexos s˜ ao dadas a seguir:   (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)  (a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

Observe esta constru¸c˜ ao no esquema a seguir,

2 + R

R2

R2 × R2

· R2

- Conjunto (aqui temos meros elementos)

C = (R2 , +, ·) - Estrutura

(aqui temos os n´ umeros complexos)

457

Teorema 88 (Associativa). Sejam z1 = (a, b), z2 = (c, d) e z3 = (e, f ) pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade: A1 ) (z1 + z2 ) + z3 = z1 + (z2 + z3 ), ∀ z1 , z2 , z3 ∈ C.

Prova: Com efeito,

(z1 + z2 ) + z3 = [ (a, b) + (c, d) ] + (e, f ) = (a + c, b + d) + (e, f ) = (a + c) + e, (b + d) + f = a + (c + e), b + (d + f ) = (a, b) + ( c + e, d + f )





= (a, b) + [ (c, d) + (e, f ) ] = z1 + (z2 + z3 )  Teorema 89 (Elemento neutro). A2 ) ∃ 0 ∈ C : z+0 = 0+z = z, ∀ z ∈ C. Prova: Fazendo z = (a, b), procuramos 0 = (x, y) satisfazendo ( ( a+x=a x=0 (a, b) + (x, y) = (a, b) ⇔ ⇔ b+y =b y=0

Portanto existe 0 = (0, 0), chamado elemento neutro para a adi¸c˜ao, que somado a qualquer par ordenado z d´ a como resultado o pr´ oprio z. ´ E f´acil mostrar que 0 ´e tamb´em elemento neutro pela esquerda, e, ademais, ´e u ´nico.  Teorema 90 (Comutativa). A3 ) z1 + z2 = z2 + z1 , ∀ z1 , z2 ∈ C.

Prova: Fazendo z1 = (a, b) e z2 = (c, d), temos

z1 + z2 = (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) + (a, b) = z2 + z1  Teorema 91 (Oposto aditivo). A4 ) ∀ z ∈ C, ∃ z ′ ∈ C : z + z ′ = 0.

Prova: Fazendo z = (a, b), procuramos z ′ = (x, y) satisfazendo ( ( a+x = 0 x = −a (a, b) + (x, y) = (0, 0) ⇔ ⇔ b+y =0 y = −b

Portanto existe z ′ = (−a, −b), chamado sim´etrico ou oposto aditivo de z, que somado a qualquer par ordenado z = (a, b) d´ a como resultado o elemento neutro da adi¸c˜ao, (0, 0).  Nota¸ c˜ ao: z ′ = (−a, −b) = −z = −(a, b). 458

Teorema 92 (Associativa). Sejam z1 = (a, b), z2 = (c, d) e z3 = (e, f ) pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade: M 1 ) (z1 · z2 ) · z3 = z1 · (z2 · z3 ), ∀ z1 , z2 , z3 ∈ C. Prova: Com efeito, (z1 · z2 ) · z3 = [ (a, b) · (c, d) ] · (e, f ) = (ac − bd, ad + bc) · (e, f ) = (ac − bd)e − (ad + bc)f, (ac − bd)f + (ad + bc)e = (ace − bde − adf − bcf, acf − bdf + ade + bce) = a(ce − df ) − b(de + cf ), a(de + cf ) + b(ce − df ) = (a, b) · (ce − df, cf + de)

 

= (a, b) · [ (c, d) · (e, f ) ] = z1 · (z2 · z3 )  Teorema 93 (Elemento neutro). M 2 ) ∃ 1 ∈ C : z · 1 = 1 · z = z, ∀ z ∈ C. Prova: Fazendo z = (a, b), procuramos 1 = (x, y) satisfazendo ( ax − by = a (a, b)·(x, y) = (a, b) ⇔ (ax−by, ay+bx) = (a, b) ⇔ ay + bx = b Devemos resolver este sistema para as inc´ ognitas x e y. Multiplicando a primeira equa¸c˜ ao por a e a segunda por b obtemos: ( ( ( x=1 ax − by = a a2 x − aby = a2 ⇔ ⇔ bay + b2 x = b2 y=0 ay + bx = b Nota: Supomos a2 + b2 6= 0, caso (a, b) = (0, 0), o resultado d´ a no mesmo. Portanto existe 1 = (1, 0), chamado elemento neutro para a multiplica¸c˜ao, que multiplicado por qualquer par ordenado z d´ a como resultado o pr´ oprio z. ´ E f´acil mostrar que 1 ´e tamb´em elemento neutro pela esquerda, e, ademais, ´e u ´nico.  Teorema 94 (Comutativa). M 3 ) z1 · z2 = z2 · z1 , ∀ z1 , z2 ∈ C. Prova: Fazendo z1 = (a, b) e z2 = (c, d), temos z1 · z2 = (a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc) = (ca − db, cb + da) = (c, d) · (a, b) = z2 · z1  459

Teorema 95 (Elemento inverso). M 4 ) ∀ z ∈ C∗ , ∃ z ′ ∈ C : z · z ′ = 1. Prova: Fazendo z = (a, b), procuramos z ′ = (x, y) satisfazendo ( ax − by = 1 (a, b)·(x, y) = (1, 0) ⇔ (ax−by, ay+bx) = (1, 0) ⇔ ay + bx = 0 Devemos resolver este u ´ltimo sistema para as inc´ ognitas x e y. Multiplicando a primeira equa¸c˜ao por a e a segunda por b obtemos:  a  ( (  x = a 2 + b2 2  ax − by = 1 a x − aby = a ⇔ ⇔  ay + bx = 0 bay + b2 x = 0   y = −b a 2 + b2 Nota: Por hip´ otese, a 6= 0 ou b 6= 0, o que implica a2 + b2 6= 0.  a −b  Portanto existe z ′ = , , chamado inverso ou inverso a2 + b2 a2 + b2

multiplicativo de z, que multiplicado por z = (a, b) d´ a como resultado o elemento neutro da multiplica¸c˜ao, isto ´e, 1 = (1, 0).  Nota¸ c˜ ao: z ′ = z −1 = (a, b)−1 =

Divis˜ ao



−b  a , a2 + b2 a2 + b2

Decorre do teorema anterior que, dados os n´ umeros complexos z1 = (c, d) 6= (0, 0)

e

z2 = (a, b)

existe um u ´nico z ∈ C tal que z1 · z = z2 , pois: z1 · z = z2

⇒ z1′ · (z1 · z) = z1′ · z2 ⇒ (z1′ · z1 ) · z = z1′ · z2 ⇒ 1 · z = z2 · z1′

⇒ z = z2 · z1′

Esse n´ umero z ´e chamado quociente entre z2 e z1 e ´e indicado por isto ´e:  z2 −d  c (a, b) = (a, b) · (c, d)−1 = (a, b) · , = z1 (c, d) c2 + d2 c2 + d2

Ou ainda,

 (a, b) −d   ac + bd −ad + bc  c z2 = = (a, b) · , , = z1 (c, d) c2 + d2 c2 + d2 c2 + d2 c2 + d2 460

z2 z1 ,

Exemplo: Na engenharia el´etrica se usa com muita frequˆencia a a ´lgebra complexa, por exemplo na an´ alise de circuitos el´etricos: R

v1

+ −

L

vc

i

+ −

C

A lei de Ohm complexa ´e dada por: V=Z I, relacionando tens˜ ao, impedˆ ancia (resitˆencia) e corrente. Sendo dados, por exemplo, V = (3, 4) e Z = (8, 6), para encontrar a corrente devemos dividir dois n´ umeros complexos, assim: I=

 V (3, 4) −6   48 14  8 = = (3, 4)·(8, 6)−1 = (3, 4)· 2 , , = Z (8, 6) 8 + 62 82 + 62 100 100

Teorema 96 (Distributiva). Sejam z1 = (a, b), z2 = (c, d) e z3 = (e, f ) pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade: D) z1 · (z2 + z3 ) = z1 · z2 + z1 · z3 Prova: Com efeito, z1 · (z2 + z3 ) = (a, b) · [ (c, d) + (e, f ) ] = (a, b) · (c + e, d + f ) = a(c + e) − b(d + f ), a(d + f ) + b(c + e) = (ac + ae − bd − bf, ad + af + bc + be)



= (ac − bd) + (ae − bf ), (ad + bc) + (af + be) = (ac − bd, ad + bc) + (ae − bf, af + be)



= (a, b) · (c, d) + (a, b) · (e, f ) = z1 · z2 + z1 · z3 

461

A propriedade seguinte diferencia a ´algebra complexa de todas as anteriores. Teorema 97 (Unidade imagin´ aria). I ) ∃ z ∈ C : z 2 = z · z = −1 Prova: Procuramos z = (x, y) satisfazendo (x, y)·(x, y) = −(1, 0) ⇔ (x x−y y, x y+y x) = (−1, 0) ⇔

(

x2 − y 2 = −1 2xy = 0

Da segunda equa¸c˜ ao concluimos que x = 0 ou y = 0. Como x e y s˜ ao n´ umeros reais, concluimos da primeira equa¸c˜ao que x = 0, logo, y = ±1.

Portanto, existem dois n´ umeros complexos satisfazendo a especifica¸c˜ao do nosso “projeto” (constru¸c˜ao dos n´ umeros complexos), isto ´e, z = (0, 1) e z = (0, −1).  Com este teorema concluimos a constru¸c˜ao dos n´ umeros complexos. Num corpo ordenado, todo elemento n˜ ao-nulo tem quadrado positivo (isto pode ser provado a partir da propriedade de compatibilidade com a multiplica¸ca ˜o). Em particular 1 = 1 · 1 > 0. Vamos provar agora que, ao incluirmos esta especifica¸c˜ao em nosso projeto, estamos sacrificando a ordena¸ c˜ ao de C. (p. 154) Prova: Supondo, ao contr´ ario, que seja poss´ıvel uma ordena¸c˜ao de C; ent˜ao (1, 0) ´e positivo. Por conseguinte, seu oposto −(1, 0) = (−1, 0) ´e negativo. Considerando o n´ umero z = (0, 1) temos que z 2 = (−1, 0) ´e positivo, resultando numa contradi¸c˜ao. 

Fractais Uma aplica¸c˜ ao da ´ algebra dos n´ umeros complexos d´ a-se na gera¸c˜ao das imagens conhecidas como fractais, veja algumas:

462

12.1

Imers˜ ao de R em C

˜ de C na qual R ˜ ´e formado pelos Consideremos agora a subestrutura R pares ordenados cujo segundo termo ´e nulo:  ˜ = (a, b) ∈ R2 : b = 0 R

˜ que leva cada x ∈ R ao par Consideremos agora a aplica¸c˜ ao f , de R em R, ˜ (x, 0) ∈ R, tipo assim:

f

R

˜ R

a

(a, 0)

b

(b, 0)

a+b

(a + b, 0)

a·b

(a · b, 0)

f: R x

C

˜ R (x, 0)

Primeiramente notemos que f ´e bijetora, pois: ˜ ´e o correspondente, segundo f , de x ∈ R (isto quer ( i ) todo par (x, 0) ∈ R dizer que f ´e sobrejetora); ˜ ( ii ) Dados x ∈ R e x′ ∈ R, com x 6= x′ os seus correspondentes (x, 0) ∈ R ′ ˜ s˜ e (x , 0) ∈ R ao distintos (isto quer dizer que f ´e injetora). Em segundo lugar, notemos que f preserva as opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ ao pois, f (a + b) = (a + b, 0) = (a, 0) + (b, 0) = f (a) + f (b) No que concerne ` a multiplica¸c˜ ao, temos: f (a b) = (a b, 0). Desejamos mostrar que f (a b) = f (a) · f (b) Isto ´e, que f (a) · f (b) = (a, 0) · (b, 0) = (a b, 0) Ent˜ao,  (a, 0) · (b, 0) = a · b − 0 · 0, a · 0 + 0 · b = (ab, 0) 463

˜ que preserva as Devido ao fato de existir uma aplica¸c˜ao f : R → R ˜ opera¸c˜ oes de adi¸c˜ ao e multiplica¸c˜ao, dizemos que R e R s˜ ao isomorfos. Devido ao isomorfismo, operar com (x, 0) leva a resultados an´ alogos aos obtidos operando com x; em raz˜ ao disto, de agora em diante, faremos a identifica¸c˜ ao que se segue: x = (x, 0), ∀ x ∈ R

(12.1)

Aceita esta conven¸c˜ ao, em particular resulta: 0 = (0, 0), 1 = (1, 0), −1 = (−1, 0), a = (a, 0) Assim o corpo R dos n´ umeros reais passa a ser considerado uma subestrutura do sistema C dos n´ umeros complexos. De passagem, uma observa¸c˜ao. N˜ao podemos afirmar que nos complexos 1 ´e positivo ou que −1 ´e negativo; pois um n´ umero ´e positivo quando ´e maior que zero, ´e negativo quando ´e menor que zero; acontece que nos complexos n˜ ao sabemos o que significa maior que zero ou menor que zero, apenas pelo fato de que C n˜ ao ´e ordenado. ∗





Bertrand Russel

([18], p. 97)

Um n´ umero “complexo” significa um n´ umero que envolva a raiz quadrada de um n´ umero negativo, quer seja integral, fracion´ ario ou real. Como o quadrado de um n´ umero negativo ´e positivo, um n´ umero cujo quadrado deve ser negativo tem de ser um novo tipo de n´ umero.

Nota: Novamente Russel est´ a sendo impreciso em sua linguagem, “um n´ umero cujo quadrado deve ser negativo tem de ser um novo tipo de n´ umero”, ´e poss´ıvel que eu esteja equivocado, no entanto, n˜ ao conhe¸co na matem´ atica nenhum n´ umero cujo quadrado seja negativo.

Bertrand Russel

([18], p. 99)

Assim como ´e natural (mas errˆ oneo) identificar raz˜ oes cujo denominador ´e a unidade com n´ umeros inteiros, assim tamb´em ´e natural (mas errˆ oneo) identificar n´ umeros complexos cuja parte imagin´ aria ´e zero com n´ umeros reais. Nota: Novamente um equ´ıvoco de Russel, n˜ ao ´e errˆ oneo “identificar n´ umeros complexos cuja parte imagin´ aria ´e zero com n´ umeros reais.”. A identifica¸c˜ ao (12.1) ´e leg´ıtima sim senhor. 464

Unidade imagin´ aria Vamos colocar em destaque um n´ umero complexo especial. Defini¸ c˜ ao 90 (Unidade imagin´ aria). Chamamos unidade imagin´ aria e indicamos por i o n´ umero complexo (0, 1). Para a raz˜ ao hist´ orica do nome veja cita¸c˜ao de Euler `a p´ agina 13. Observe a localiza¸c˜ ao geom´etrica deste n´ umero C

R

✉ i = (0, 1) R

0

Este n´ umero ´e praticamente onipresente na engenharia el´etrica e na f´ısica, em particular na mecˆ anica quˆantica, atrav´es da equa¸c˜ao de Schr¨ odinger, j´a referida na p´ agina 47,



ℏ2 ∂ 2 Ψ(x, t) ∂ Ψ(x, t) + V (x, t) Ψ(x, t) = i ℏ 2 2m ∂x ∂t i = (0, 1)

Lembramos que a “especialidade” do n´ umero i se deve a que i2 = i · i = (0, 1) · (0, 1) = (0 · 0 − 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) = −1

465

Interpreta¸c˜ ao geom´ etrica do produto i z Nosso objetivo agora ´e ver geometricamente o que acontece quando multiplicamos um n´ umero complexo pela unidade imagin´ aria. Antes vamos deduzir uma f´ormula para se rotacionar um ponto do plano em torno da origem, assim:

R

R



(x′ , y ′ ) = ?

s

s(x, y)

(x, y) θ R

0

R

0

Desejamos encontrar as novas coordenadas (x′ , y ′ ) do ponto rotacionado em fun¸c˜ ao das coordenadas anteriores (x, y) e do ˆangulo θ. Para a resolu¸c˜ ao do nosso problema vamos considerar as seguintes figuras: R y′

y

s r

r

θ 0

y′

r α x′

x

R

ր x′

α+θ

Do primeiro triˆ angulo obtemos: x′ = r cos(α + θ) = r cos α cos θ − r sen α sen θ Do segundo triˆ angulo obtemos: r cos α = x e r sen α = y Portanto: Analogamente,

x′ = x cos θ − y sen θ y ′ = r sen (α + θ) = r sen α cos θ + r sen θ cos α = y cos θ + x sen θ 466

r α x

y

Resumindo, temos: x′ = x cos θ − y sen θ y ′ = x sen θ + y cos θ

Temos: (x′ , y ′ ) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ)

Exemplo: Dar uma rota¸c˜ ao de θ =

45o

(12.2)

no ponto (x, y) = (2, 1):

Solu¸ ca ˜o: Da equa¸c˜ ao (12.2) temos: (x′ , y ′ ) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ)

= (2 cos 45o − 1 sen 45o , 2 sen 45o + 1 cos 45o )

Fazendo as contas, obtemos:  √2 3 √2  (x , y ) = , 2 2 ′



Geometricamente tudo se passa assim:

R

p

F45o

3



2

2

s

(2, 1)

p

p

s(2, 1)



p

R

45o 0

p

p

R

0



p

p

R

√ 2 2

Exemplo: Vamos rotacionar um ponto arbitr´ario (x, y) de θ = 90o : Solu¸ ca ˜o: Da equa¸c˜ ao (12.2) temos: (x′ , y ′ ) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ)

= (x cos 90o − y sen 90o , x sen 90o + y cos 90o )

Fazendo as contas, obtemos: (x′ , y ′ ) = (−y, x)

(12.3)

Agora vamos realizar o produto iz, assim: iz = (0, 1) · (x, y) = (0 · x − 1 · y, 0 · y + 1 · x) = (−y, x) Comparando com (12.3) vemos que podemos interpretar a unidade imagin´ aria i como um operador que, ao ser “aplicado” em um ponto do plano, produz uma rota¸c˜ ao de 90o em torno da origem, no sentido anti-hor´ ario. 467

Forma alg´ ebrica Agora vamos deduzir uma outra forma (indument´aria) para a apresenta¸c˜ ao dos n´ umeros complexos. Seja um n´ umero complexo arbitr´ario z = (x, y), temos: z = (x, y) = (x, 0) + (0, y) = (x, 0) + (y · 0 − 0 · 1, y · 1 + 0 · 0) = (x, 0) + (y, 0) · (0, 1) Portanto, tendo em conta a identifica¸c˜ao (12.1) (p. 464), temos: z = (x, y) = (x, 0) + (y, 0) · (0, 1) ↓ ↓ ↓ z = (x, y) = x + y · i Isto ´e: z = x+y·i Sendo assim, todo n´ umero complexo z = (x, y) pode ser escrito sob a forma z = x + y · i, chamada forma alg´ebrica. ∗



468



Um novo hardware para rodar os complexos Observe que podemos utilizar o conjunto C = { a + bi : a ∈ R e b ∈ R } como um novo hardware (conjunto de s´ımbolos) para rodar (implementar) o sistema dos n´ umeros complexos. De fato, adotando as seguintes defini¸c˜oes a) igualdade: a + bi = c + di ⇔ a = c e b = d b) adi¸ c˜ ao:

(a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i c) multiplica¸ c˜ ao:

(a + bi) · (c + di) = (ac − bd) + (ac + bd)i podemos implementar todas as especifica¸c˜oes constantes no retˆ angulo amarelo da p´ agina 456. Adendo: Em matem´ atica existe uma conven¸c˜ao t´acita de que s´ o devemos criar novos s´ımbolos em casos estritamente necess´arios. Em consequˆencia deste acordo ´e que em muitos contextos matem´ aticos um mesmo s´ımbolo pode ter significados distintos. Por exemplo, na defini¸c˜ao a seguir: (a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i os s´ımbolos + (na cor azul) s˜ ao os mesmos e, neste contexto, n˜ ao ´e necess´ario que tenham algum significado. O s´ımbolo + (na cor vermelha) significa a adi¸c˜ao no conjunto C e o s´ımbolo + (verde) significa a adi¸c˜ao usual nos Reais.

469

Podemos estabelecer a legitimidade dos s´ımbolos a + bi como n´ umeros complexos de uma outra perspectiva. Consideremos a seguinte aplica¸c˜ao, f : C′

C

a+bi

(a, b)

entre estruturas. Ent˜ ao, inicialmente observemos que f ´e bijetora pois: ( i ) todo par (a, b) ∈ C ´e o correspondente, segundo f , de a + bi ∈ C′ (isto implica em que, f ´e sobrejetora); ( ii ) Dados a + bi ∈ C′ e c + di ∈ C′ , com a + bi 6= c + di, os seus correspondentes (a, b) ∈ C e (c, d) ∈ C s˜ ao distintos, tendo em conta as defini¸c˜ oes de igualdades nas respectivas estruturas. (isto implica em que f ´e injetora). Em seguida, notemos que f preserva as opera¸c˜oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ ao, no seguinte sentido:   f (a + bi) + (c + di) = f (a + c) + (b + d)i = (a + c, b + d) = (a, b) + (c, d)

= f ( a + bi ) + f ( c + di ) e,   f (a + bi) · (c + di) = f (ac − bd) + (ad + bc)i = (ac − bd, ad + bc)

= (a, b) · (c, d)  = f ( a + bi · f c + di )

Devido ao fato de existir uma aplica¸c˜ao bijetora f : C′ −→ C que preserva as opera¸c˜ oes de adi¸c˜ao e multiplica¸c˜ao, dizemos que C′ e C s˜ ao isomorfos. Devido ao isomorfismo, operar com a + bi leva a resultados an´ alogos aos obtidos operando com (a, b); isto justifica a igualdade: a + bi = (a, b)

470

Cap´ıtulo 13

´ NUMEROS HIPERCOMPLEXOS O importante ´e isso: Estar pronto para, a qualquer momento, sacrificar o que somos pelo que poder´ıamos vir a ser. (Charles Du Bois)

Introdu¸c˜ ao: Dissemos algures que o n´ umero de sistemas num´ericos poss´ıveis est´ a limitado apenas por nossa criatividade. Neste cap´ıtulo exibiremos um novo sistema num´erico por n´ os desenvolvido e denotado por H, os “n´ umeros hipercomplexos”, tamb´em construido sobre os n´ umeros reais, a exemplo dos complexos.

→ 0 → N → Z → Q → R →

C H

Eis o sistema dos hipercomplexos: A1 ) (a + b) + c = a + (b + c) A2 ) ∃ 0 ∈ H : a + 0 = 0 + a = a A3 ) a + b = b + a A4 ) ∀ a ∈ H, ∃ − a ∈ H : a + (−a) = 0 M1 ) ∃ 1 ∈ H : a · 1 = 1 · a = a M2 ) a · b = b · a

H

M 3 ) ∀ a ∈ H∗ , ∃ a−1 ∈ H : a · a−1 = 1 HI ) ∃ a ∈ H : a2 = a · a = −1

e

471

− 1 · a 6= −a.

Estas s˜ ao as especifica¸c˜oes do sistema num´erico que desejamos construir. Au ´ltima propriedade, posta em destaque, diferencia este sistema de todos os anteriores. Para obter este sistema tivemos que sacrificar a propriedade distributiva. Na matem´ atica existem ´algebras nas quais n˜ ao valem algumas das “propriedades canˆ onicas”∗ .

Interregno Em nosso sistema existe um n´ umero, denotado por j, que possui duas propriedades que, em conjunto, n˜ ao s˜ ao partilhadas por nenhum n´ umero real ou complexo, quais sejam, ( j 2 = −1, −1 · j = j

Ao passarmos de R para C trocamos uma propriedade do primeiro conjunto em favor de uma do segundo, qual seja: sacrificamos a ordena¸c˜ao e, por conta disto, ganhamos um n´ umero com uma propriedade n˜ ao partilhada por nenhum n´ umero do “velho conjunto”: i2 = −1. De posse desta nova propriedade somos capazes de resolver toda uma nova classe de problemas insol´ uveis em R. De fato, esta nova propriedade (da unidade imagin´ aria) j´ a nos patenteia o tipo destes problemas a que estamos nos referindo, assim: Propriedade

Problema

i2 = −1

x2 + 1 = 0

C:

De igual modo, ao passarmos de R para H (hipercomplexos) trocamos duas propriedades do primeiro conjunto em favor de duas do segundo, quais sejam: sacrificamos a ordena¸c˜ao e a associatividade; por conta disto, ganhamos as duas novas propriedades mencionadas anteriormente; propriedades estas (em conjunto), n˜ ao partilhadas por nenhum n´ umero real ou mesmo complexo. De posse desta nova propriedade ´e de se esperar que sejamos capazes de resolver toda uma nova classe de problemas insol´ uveis nos antigos conjuntos. De fato, esta nova propriedade (da unidade hiperimagin´aria) j´a nos patenteia o tipo destes problemas a que estamos nos referindo, veja: Problema

Propriedade

H:

(

(

j 2 = −1, −1 · j = j

x2 + 1 = 0, −1 · x − x = 0

Ou seja, n˜ ao existe nenhum n´ umero complexo x satisfazendo, simultaneamente, as duas condi¸c˜oes `a direita (hiperpropriedade). ∗ Por exemplo, nos Quaternions de Hamilton, n˜ ao vale a comutatividade para a multiplica¸c˜ ao; nos Oct^ onios de Cayley n˜ ao vale a associatividade.

472

Acontece que, como diz o velho ad´ agio popular, “onde passa um boi, passa uma boiada” , quero dizer: se a “hiperpropriedade” nos faculta um problema insol´ uvel em C ent˜ ao pode nos facultar uma infinidade deles. Vejamos mais um exemplo, o sistema a seguir: x+y =0 (−1 · x − y) · y = 2 n˜ ao tem solu¸c˜ ao no corpo complexo C, em H sim. ´ E bem verdade que este ´e um problema artificial, no sentido de n˜ ao ter se originado de quest˜ oes pr´ aticas; no entanto, como ´e imposs´ıvel provar-se que toda uma classe de problemas† ´e (ou vir´a a ser) destitu´ıda de interˆesse, nossos argumentos − em defesa de H − continuam de p´e. Das duas equa¸c˜ oes abaixo:

x2 + 1 = 0 (−1 · x + x) · x + 1 = 0 Com o n´ umero i resolvemos apenas a primeira, ao passo que, com o n´ umero j resolvemos as duas, estaremos provando isto oportunamente (p. 481).

Opera¸c˜ oes As duas opera¸c˜ oes com as quais teremos condi¸c˜oes efetivas de implementar todas as especifica¸c˜ oes para os n´ umeros hipercomplexos s˜ ao dadas a seguir:   (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)  (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ),

onde, na abscissa do produto, tomamos − se a c ≥ 0, tomamos + caso contr´ ario. No contexto dos n´ umeros hipercomplexos denotaremos cada par ordenado (x, y) com o s´ımbolo w, isto ´e, w = (x, y). Como se vˆe a adi¸c˜ao ´e a mesma dos complexos, ilustremos agora apenas alguns produtos. Exemplos: 1o ) Calcule o produto dos pares dados a seguir:



(i)

w1 = (0, 1),

( ii )

w1 = (−1, 0),

( iii )

w1 = (1, −1),

w2 = (0, −1) w2 = (0, 1)

w2 = (0, 1)

( iv )

w1 = (0, 1),

w2 = (1, 1)

(v)

w1 = (−1, 1),

w2 = (1, 1)

Como ´e a que se origina da hiperpropriedade de j, como j´ a exemplificamos.

473

Solu¸ c˜ ao: ( i ) Temos, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (0, 1) · (0, −1) = 0 · 0 − 1 · (−1), |0| · (−1) + 1 · |0| = (1, 0)

( ii ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (−1, 0) · (0, 1) = − 1 · 0 − 0 · 1, | − 1| · 1 + 0 · |0| = (0, 1)

( iii ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (1, −1) · (0, 1) = 1 · 0 − (−1) · 1, |1| · 1 + (−1) · |0| = (1, 1)

( iv ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (0, 1) · (1, 1) = 0 · 1 − 1 · 1, |0| · 1 + 1 · |1| = (−1, 1)

( v ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (−1, 1) · (1, 1) = − 1 · 1 + 1 · 1, | − 1| · 1 + 1 · |1| = (0, 2)

2o ) Dados w1 = (−1, 1) e w2 = (1, 2), calcule w de modo que w1 · w = w2 . Solu¸ c˜ ao: Tomemos w = (x, y), ent˜ao,

w1 · w = w2 ⇒ (−1, 1) · (x, y) = (1, 2), Temos, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (−1, 1) · (x, y) = − 1 · x ∓ 1 · y, | − 1| · y + 1 · |x| = (1, 2)

• Inicialmente vamos pesquisar a solu¸c˜ao de nossa equa¸c˜ao no semi-plano x > 0; sendo assim, temos:  − x + y, y + x = (1, 2)

Sendo assim, resulta: ( −x + y x+y

=1 =2

⇒ (x, y) = 474

1 3 , 2 2

• Agora vamos pesquisar uma (poss´ıvel) solu¸c˜ao para a nossa equa¸c˜ao no semiplano x ≤ 0; sendo assim, temos:  − x − y, y − x = (1, 2)

Sendo assim, resulta: ( −x − y −x + y

=1 =2

⇒ (x, y) =



3 1 − , 2 2

Observe que, em H, uma equa¸c˜ao do 1o grau pode ter mais que uma solu¸c˜ao. Evidentemente isto acontece porque H n˜ ao ´e um corpo. Voltando ao retˆ angulo amarelo da p´ agina 471 n˜ ao demonstraremos as quatro primeiras propriedades, referentes `a adi¸c˜ao, j´ a que a prova ´e a mesma feita para os complexos − uma vez que a opera¸c˜ao ´e a mesma nos dois sistemas. Teorema 98 (Elemento neutro). M 1 ) ∃ 1 ∈ H : w · 1 = 1 · w = w, ∀ w ∈ H. Prova: De fato, considerando 1 = (1, 0) e w = (a, b) temos, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (a, b) · (1, 0) = (a · 1 ∓ b · 0, |a| · 0 + b · |1| ) = (a, b) e (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (1, 0) · (a, b) = (1 · a ∓ 0 · b, |1| · b + 0 · |a| ) = (a, b)  Teorema 99 (Comutativa). M 2 ) w1 · w2 = w2 · w1 , ∀ w1 , w2 ∈ H. Prova: Fazendo w1 = (a, b) e w2 = (c, d), temos w1 · w2 = (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) w2 · w1 = (c, d) · (a, b) = ( c a ∓ d b, |c| b + d |a| ), comparando estas equa¸c˜ oes concluimos pela comutatividade do produto.  Nota: Da comutatividade da multiplica¸c˜ao decorre a unicidade do elemento neutro. Com efeito, assim: sejam u e u ˜ dois elementos neutros para a multiplica¸c˜ao. Sendo assim, ter-se-` a, por um lado, w · u = w, para todo w ∈ H; em particular u ˜·u = u ˜ (∗). Por outro lado tamb´em temos w · u ˜ = w, para todo w ∈ H; em particular u · u ˜ = u. Esta u ´ltima igualdade pode ser reescrita como u ˜ · u = u. Daqui e de (∗) concluimos que u = u ˜. 475

Teorema 100 (Elemento inverso). M 3 ) ∀ w ∈ H∗ , ∃ w′ ∈ H : w · w′ = 1. Prova: De fato, tomando w = (a, b) 6= (0, 0), procuramos w′ = (x, y) satisfazendo w · w′ = (1, 0); ent˜ao: (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (a, b) · (x, y) = (a · x ∓ b · y, |a| y + b |x| ) = (1, 0) Daqui montamos o seguinte sistema,   ax ∓ by = 1

 |a| y + b |x| = 0

Para resolver este sistema temos quatro possibilidades quanto aos sinais de a e x, de acordo com a tabela a seguir:

(i)

a +

x +

( ii )

+

( iii )





( iv )



+ −

Ent˜ ao, ( i ) Neste caso, o sistema reduz-se a:  a x − b y = 1

 ay + bx = 0

Este sistema, na forma matricial fica, ! ! x a −b = · y b a

1 0

Cuja solu¸c˜ ao ´e, x=

a , a2 +b2

y=

( ii ) Neste caso, o sistema reduz-se a:  a x + b y = 1

a y − b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica, 476

−b a2 +b2

!

a b −b a

!

·

x y

!

=

1 0

!

Cuja solu¸c˜ ao ´e, x=

a , a2 +b2

y=

b a2 +b2

Esta solu¸c˜ ao, n´ os descartamos, pois contradiz a hip´ otese de que a e x tˆem sinais contr´ arios. ( iii ) Neste caso, o sistema reduz-se a:   ax + by = 1 −a y + b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica, ! ! x a b = · y b −a

1 0

!

Cuja solu¸c˜ ao ´e, x=

a , a2 +b2

y=

b a2 +b2

Esta solu¸c˜ ao, n´ os descartamos, pois contradiz a hip´ otese de que a e x tˆem sinais contr´ arios. ( iv ) Neste caso, o sistema reduz-se a:   ax − by = 1 −a y − b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica, ! ! x a −b = · y −b −a

1 0

!

Cuja solu¸c˜ ao ´e, x=

a a2 +b2 ,

y=

−b a2 +b2

Esta solu¸c˜ ao, coincide com a primeira. Portanto existe, w′ =



a −b  , a2 + b2 a2 + b2

(e ´e u ´nico, pelo que vimos), chamado inverso ou inverso multiplicativo de w, que multiplicado por w = (a, b) d´ a como resultado 1 = (1, 0). 

477

Divis˜ ao Devido a existˆencia do inverso multiplicativo, podemos definir em H a w opera¸c˜ ao de divis˜ ao, simbolizada por 1 , estabelecendo que w2 w1 = w1 · w2′ = w1 · w2−1 w2 onde mudamos de nota¸c˜ao: w2′ = w2−1 .

13.1

Imers˜ ao de R em H

Tal como fizemos para os complexos (p. 463) podemos mostrar que R ´e um “subconjunto” de H. A prova n˜ ao ´e muito diferente daquela. Provaremos agora uma importante propriedade do sistema H: Proposi¸ c˜ ao 72. Para todo k ∈ R, e para todo w = (a, b) em H, a seguinte identidade ( (k a, k b), se k ≥ 0; k · (a, b) = ( k a, |k| b ) = (k a, −k b), se k < 0. se verifica. Prova: De fato, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| )

 (k, 0) · (a, b) = k · a ∓ 0 · b, |k| · b + 0 · |a| = ( k a, |k| b )



Esta proposi¸c˜ ao nos proporciona um fenˆomeno que n˜ ao ocorre em R ou em C. Corol´ ario 8. Em H a seguinte identidade −1 · x = −x ´e falsa. Prova: De fato, tomando x = (0, 1), resulta, −x = −(0, 1) = (0, −1) −1 · x = (−1 · 0, | − 1| · 1) = (0, 1) 

478

Sendo assim ´e importante estar atento para o fato de que, ao contr´ ario do que ocorre em R, ou em C, em H ´e necess´ario distinguir entre −x e −1·x. Observe que, enquanto no primeiro caso temos o oposto aditivo de x, no segundo caso temos o produto de dois hipercomplexos: −1 = (−1, 0) e x = (a, b). Podemos visualizar isto graficamente, assim: −1 · x

x

−x

x

−x

C : −x = −1 · x

H : −x 6= −1 · x

Nota: Multiplicar por −1 equivale geometricamente a uma reflex˜ao em torno do eixo y: −1 · (a, b) = (−a, b). Observe, outrossim, que em H n˜ ao vale a propriedade de cancelamento para a multiplica¸c˜ ao; para se convencer disto considere a seguinte igualdade, 1 · (0, 1) = −1 · (0, 1) Isto se deve ao fato da multiplica¸c˜ao n˜ ao ser associativa. Teorema 101. HI ) ∃ w ∈ H : w2 = w · w = −1

e

− 1 · w 6= −w.

Prova: Com efeito, seja w = (0, 1), temos: (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (0, 1) · (0, 1) = (0 · 0 ∓ 1 · 1, |0| · 1 + 1 · |0| ) = (−1, 0) = −1 e (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (−1, 0) · (0, 1) = (−1 · 0 ∓ 0 · 1, | − 1| · 1 + 0 · |0| ) = (0, 1) = w  Portanto, −1 · w = w 6= −w

479

Unidade hiperimagin´ aria Vamos colocar em destaque um n´ umero hipercomplexo especial. Defini¸ c˜ ao 91 (Unidade hiperimagin´aria). Chamamos unidade hiperimagin´ aria e indicamos por j o n´ umero hipercomplexo (0, 1). Observe a localiza¸c˜ ao geom´etrica deste n´ umero H

R

✉ j = (0, 1) R

0

Como j´a vimos, este n´ umero possui duas propriedades que, em conjunto, n˜ ao s˜ ao partilhadas por nenhum n´ umero complexo: ( j 2 = −1 (13.1) −1 · j = j Um milagre aos olhos dos habitantes Complexos Se algum dia um matem´ atico do Universo complexo se defrontar com a seguinte equa¸c˜ ao elementar: (−1 · x + x) · x = −1 ele ter´ a duas saidas: abandonar o “jogo”, ou consultar um matem´ atico do “universo Hipercomplexo”∗ . De fato, esta ´e uma equa¸c˜ao imposs´ıvel de se resolver dentro dos universos num´ericos conhecidos dos matem´ aticos (hodiernos), em raz˜ ao de que vale: (−1 · x + x) · x = −1 ⇐⇒ 0 · x = −1 Pois bem, vamos assumir o desafio. ∗

No caso eu, que por enquanto, sou o u ´nico habitante deste Universo.

480

Teorema 102 (Gentil/04.12.2008). A seguinte equa¸c˜ao, (−1 · x + x) · x = −1

(13.2)

possui solu¸c˜ ao em H. Prova: Tomando x = (c, d ), temos −1 · x = −1 · (c, d ) = (−c, d ), pela prop. 72, p. 478. Portanto, −1 · x + x = (−c, d ) + (c, d ) = (0, 2d ) Substituindo este resultado em (13.2), obtemos (0, 2d ) · (c, d ) = −1 O produto acima fica, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (0, 2d) · (c, d) = 0 · c ∓ 2d · d, |0| · d + 2d · |c| = (−2d2 , 2|c|d ) = (−1, 0)



´ f´acil ver que para c 6= 0 o problema n˜ E ao tem solu¸c˜ao. Para c = 0 conclui√ mos que d = ± 2/2. Portanto, x=



√  √ √  2 ⇒ x = 2/2 j ou x = − 2/2 j . 0, ± 2

Observe que o n´ umero j foi o respons´ avel por este milagre! A t´ıtulo de curiosidade, observe que, das duas equa¸c˜oes abaixo:



x2 + 1 = 0 (−1 · x + x) · x + 1 = 0 Com o n´ umero i resolvemos apenas a primeira, ao passo que, com o n´ umero j resolvemos as duas. − Considerando a seguinte equa¸c˜ao, nos reais ou complexos, 0 · x = b, b 6= 0 como, nestes universos, vale 0 = −1 · x + x 0 = −1 · (−x) + (−x) 481

(13.3)

Segue-se que, 0·x=b

⇐⇒

 (−1 · x + x) · x = b

(13.4)

(−1 · (−x) + (−x)) · x = b

Em H, embora n˜ ao possamos resolver diretamente a equa¸c˜ao (13.3), podemos resolver suas “equivalentes”, dadas acima. Se b > 0, resolvemos a segunda das equa¸c˜oes em (13.4), caso contr´ ario resolvemos a primeira. Por exemplo, seja a equa¸c˜ao 0 · x = 1, ent˜ao, 0·x=1

⇐⇒

(−1 · (−x) + (−x)) · x = 1

Tomando x = (c, d), temos, −x = (−c, −d), logo, −1 · (−x) + (−x) = −1 · (−c, −d) + (−c, −d) = (c, −d) + (−c, −d) = (0, −2d) Ent˜ ao, (−1 · (−x) + (−x)) · x = 1 ⇒ (0, −2d) · (c, d) = 1 O produto acima fica, (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (0, (−2d)) · (c, d) = 0 · c ∓ (−2d) · d, |0| · d + (−2d) · |c| = (2d2 , −2|c|d ) = (1, 0)



´ f´acil ver que para c 6= 0 o problema n˜ E ao tem solu¸c˜ao. Para c = 0 conclui√ mos que d = ± 2/2. Portanto, √   √ √  2 ⇒ x = 2/2 j ou x = − 2/2 j . x = 0, ± 2

Interpreta¸c˜ ao geom´ etrica do produto j z

Nosso objetivo agora ´e ver geometricamente o que acontece quando multiplicamos um n´ umero hipercomplexo pela unidade hiperimagin´aria. Inicialmente recordamos a f´ormula para rota¸c˜ao (12.2), p. 467, dada por (x′ , y ′ ) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ)

(13.5)

Calculemos duas rota¸c˜ oes, para θ = 90o e θ = −90o , respectivamente, (x′ , y ′ ) = (x cos 90o − y sen 90o , x sen 90o + y cos 90o ) = (−y, x)

(x′ , y ′ ) = (x cos −90o − y sen − 90o , x sen − 90o + y cos −90o ) = (y, −x) 482

Ou seja, (x′ , y ′ ) = (−y, x)

(13.6)

(x′ , y ′ ) = (y, −x)

(13.7)

A primeira equa¸c˜ ao representa uma rota¸c˜ao de 90o no sentido antihor´ ario e a segunda uma rota¸c˜ ao de 90o no sentido hor´ ario. Seja w = (x, y) ∈ H, ent˜ ao (a, b) · (c, d) = ( a c ∓ b d, |a| d + b |c| ) (0, 1) · (x, y) = 0 · x ∓ 1 · y, |0| · y + 1 · |x| Ent˜ao,



j w = (−y, |x| ) Ent˜ao, Se x ≥ 0 ⇒ j w = (−y, x ) Se x ≤ 0 ⇒ j w = (−y, −x ) = −1 · (y, −x ) Comparando estes resultados com as equa¸c˜oes (13.6) e (13.7), concluimos que pontos do lado direito do eixo y s˜ ao rotacionados de 90o no sentido antihor´ ario, assim: y jw

q

w

q 0

x

q

e que pontos do lado esquerdo do eixo y sofrem uma rota¸c˜ao de 90o no sentido hor´ ario seguida de uma reflex˜ao em torno do eixo y, assim: y

y

jw

w

q

q

q q

jw

q

0

q

x

q w

483

q

0

q

q

x

Transforma¸c˜ oes geom´ etricas No universo Complexo, o significado geom´etrico da opera¸c˜ao de adi¸c˜ao ´e uma transla¸ca ˜o, assim: (x, y) + (a, b) = (x + a, y + b) O significado geom´etrico da opera¸c˜ao de multiplica¸c˜ao ´e uma rota¸ca ˜o, assim: (x, y) · (cos θ, sen θ) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ) Atrav´es da multiplica¸c˜ ao vejamos como implementar uma outra transforma¸c˜ao geom´etrica, a reflex˜ ao em torno do eixo y, por exemplo. De outro modo: dado o ponto de coordenadas (x, y) como, atrav´es da multiplica¸c˜ao, obter uma reflex˜ ao deste ponto em torno do eixo y?. Geometricamente: y

y ?

(−x, y)

(x, y)

q

(−x, y)

(x, y)

q θ

q

0

x

q

q

0

q

x

A figura da direita nos sugere que devemos rotacionar o ponto (x, y) de um certo ˆ angulo θ de tal modo que o produto venha a coincidir com a reflex˜ ao desejada. Para encontrar o “ˆ angulo de reflex˜ao” devemos resolver a equa¸c˜ao, (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ) = (−x, y) Ou ainda:

( x cos θ − y sen θ

x sen θ + y cos θ

= −x =y

Multiplicando a primeira equa¸c˜ao por x, a segunda por y e somando as duas obtemos cos θ. Multiplicando a primeira equa¸c˜ao por y, a segunda por −x e somando as duas obtemos sen θ, assim: cos θ =

−x2 + y 2 , x2 + y 2

sen θ =

2xy + y2

x2

Observe que para obtermos o mesmo resultado nos Hipercomplexos, basta multiplicar por −1, assim: −1 · (x, y) = (−x, y) 484

Defini¸ c˜ ao 92 (M´odulo). Chama-se m´ odulo (ou valor absoluto) do hipercomplexo w = (a, b) ao n´ umero real |w| =

p

a2 + b2

A seguinte inequa¸c˜ ao: | − 1 · x + x| > 1 n˜ ao possui solu¸c˜ ao no campo complexo. No hipercomplexo sim. Com efeito, tomemos x = (a, b), ent˜ ao: −1 · x + x = −1 · (a, b) + (a, b) = (−a, b) + (a, b) = (0, 2b) Portanto, | − 1 · x + x| = |(0, 2b)| = ent˜ao,

p 02 + (2b)2 = |2b| > 1,

1 1 1 ⇔ b> ou b < − 2 2 2 Podemos visualizar o conjunto solu¸c˜ao da inequa¸c˜ao proposta, assim: 2|b| > 1



|b| >

y

1/2 0 −1/2

485

x

Forma alg´ ebrica Dado um n´ umero hipercomplexo qualquer w = (x, y), temos: w = (x, y) = (x, 0) + (0, y) Temos, ( i ) (x, 0) = x. ( ii ) Se y ≥ 0, ent˜ ao (0, y) = y (0, 1) = y j. Se y ≤ 0 ( |y| = −y ), ent˜ao −j y = y · (−j) = y · ( 0, −1 ) = ( y · 0, |y| · (−1) ) = ( 0, (−y) · (−1) ) = (0, y) Tendo em conta estes resultados podemos escrever, ( x + j y, se y ≥ 0; w = (x, y) = x − j y, se y ≤ 0.

(13.8)

Assim, todo n´ umero hipercomplexo w = (x, y) pode ser escrito sob a forma acima, chamada forma alg´ebrica. O n´ umero real x ´e chamado parte real de w, o n´ umero real y ´e chamado parte hiperimagin´aria de w. Neste momento precisamos fazer um esclarecimento assaz importante: A estas alturas o leitor j´a percebeu que a ´algebra hipercomplexa ´e “ligeiramente” distinta da a´lgebra real ou complexa. Isto nos obriga a estar (bastante) atentos quanto `as nota¸c˜oes. Por exemplo, consideremos as quatro formas seguintes x−jy x−yj x + j(−y) x + y(−j) Vejamos o significado da segunda parcela em cada uma delas: −jy,

significa:

o oposto de j que multiplica y

−yj, j(−y),

significa: significa:

o oposto de y que multiplica j o oposto de y que multiplica j

y(−j),

significa:

o oposto de j que multiplica y

O leitor pode mostrar, a partir da proposi¸c˜ao 72 (p. 478), que −jy 6= −yj = j(−y)

486

Cap´ıtulo 14

CONSULTAS N˜ ao sem algum denodo, e at´ e deleite, tenho tentado cultivar em meu esp´ırito uma pequena nesga de iconoclastia. Fui programado para detectar fissura nas estruturas. (Gentil)

Introdu¸c˜ ao: O objetivo deste cap´ıtulo ´e estabelecer alguns resultados (pr´e-requisitos) para fins de consultas e referˆencias.

14.1

Elementos de L´ ogica & Demonstra¸c˜ oes

Nesta sec¸c˜ ao recordaremos, de modo resumido, alguns conceitos da L´ ogica Matem´atica. De in´ıcio tecemos algumas considera¸c˜oes sobre alguns s´ımbolos, objetivando transferi-los da L´ ogica para o contexto da Matem´atica. Posteriormente estabeleceremos algumas t´ecnicas de demonstra¸c˜oes matem´ aticas.

Proposi¸c˜ ao: Chamamos conceito primitivo aquele conceito que aceitamos sem de´ o que acontece, por exemplo, com o conceito de proposi¸ca fini¸c˜ao. E ˜o. Portanto, n˜ ao o definiremos. N˜ao obstante, nada impede que conhe¸camos suas qualidades, tendo em conta que proposi¸c˜ao ´e uma senten¸ca declarativa, afirmativa e que deve exprimir um pensamento de sentido completo; via de regra sendo escrita na linguagem usual ou na forma simb´ olica. Por exemplo, s˜ ao proposi¸c˜ oes: π 1) sen = 1. 2√ 2) π < 2 2. 3) Todo quadrado ´e um retˆ angulo. 4) Todo retˆ angulo ´e um quadrado.

487

Dizemos que o valor l´ ogico de uma proposi¸c˜ao ´e a verdade (V ) se a proposi¸c˜ ao ´e verdadeira; ´e a falsidade (F ) se a proposi¸c˜ao ´e falsa. Por exemplo, para as proposi¸c˜oes anteriores,temos 1) V

14.1.1

2) F

3) V

4) F

Opera¸c˜ oes L´ ogicas sobre Proposi¸c˜ oes

Faremos um resumo das opera¸c˜oes do c´ alculo proposicional tamb´em chamadas opera¸co ˜es l´ ogicas. Os principais operadores (conectivos) l´ogicos s˜ ao os seguintes: ∨ ∧ L

Disjun¸c˜ao (“ou”) Conjun¸c˜ao (“e”) Ou exclusivo (“XOR”) Nega¸c˜ao Condicional (“se. . . ent˜ao”) Bicondicional (“se e somente se”)

¬ −→ ←→

cujas tabelas-verdade s˜ ao dadas a seguir (estas tabelas definem os respectivos operadores): p

q

p∨q

p

q

p∧q

p

q

V V F F

V F V F

V V V F

V V F F

V F V F

V F F F

V V F F

V F V F

p

q

p −→ q

p

q

p ←→ q

V V F

V F V

V F V

V V F

V F V

F

F

V

F

F

p

L

q

F V V F

p ¬p

q ¬ p ∨q

p ¬p

V F F

V V F

F F V

V F V

V F V

V F

V

F

V

F

V

F V

Acrescentamos a tabela-verdade da proposi¸c˜ao ¬ p ∨ q a qual nos ser´ a de grande utilidade. Vamos agora enunciar uma rela¸c˜ao entre proposi¸c˜oes, que se distingue dos operadores, porque n˜ ao cria nova proposi¸c˜ao.

Defini¸ c˜ ao 93 (Implica¸c˜ao L´ ogica). Diz-se que uma proposi¸ca ˜o p implica logicamente ou apenas implica uma proposi¸ca ˜o q, se e somente se, na tabela de p e q, n˜ ao ocorre V F em nenhuma linha, com V na coluna de p e F na coluna de q. 488

Exemplo: Da tabela a seguir inferimos que a proposi¸c˜ao q n˜ ao implica na proposi¸c˜ ao p ∧ q, ao passo que a proposi¸c˜ao p ∧ q implica na proposi¸c˜ao q. p

q

p∧q

q

V V F

V F V

V F F

V F V

F

F

F

F

Indica-se que a proposi¸c˜ ao p implica a proposi¸c˜ao q com a nota¸c˜ao: p =⇒ q. Nota: Os s´ımbolos −→ e =⇒ n˜ ao devem ser confundidos, pois p −→ q ´e uma proposi¸c˜ ao enquanto p =⇒ q n˜ ao ´e proposi¸c˜ao. Isto ´e an´ alogo ao que acontece com o sinal + e o sinal < na Aritm´etica: 2 + 5 ´e um n´ umero e 2 < 5 n˜ ao ´e um n´ umero. A escolha do conectivo (palavra) “se p ent˜ao q” para a proposi¸c˜ao p −→ q, a nosso ver, foi infeliz. De fato, isto induz a que se conclua que a proposi¸c˜ ao q se deduz ou ´e uma consequˆ encia da proposi¸c˜ao p. Isto n˜ ao se d´ a, por exemplo: √ 5 ´e um n´ umero ´ımpar −→ 2 ´e irracional (Se 5 ´ e um n´ umero ´ımpar ent˜ ao



2´ e irracional)

´ ´e uma ao verdadeira (ver tabela-verdade do condicional). Obviamente √ proposi¸c˜ ao ´e consequˆencia de 5 ser um n´ umero ´ımpar. que 2 ser irracional n˜ Ao contr´ ario do que acontece na L´ ogica, em Matem´atica n˜ ao comparece o operador l´ ogico −→, mas apenas =⇒ com os seguintes significados para p =⇒ q: 1) Se p, ent˜ ao q; 2) Se p for verdadeira, ent˜ ao q ´e verdadeira; 3) p implica q; 4) q ´e implicada por p; 5) q segue de p; 6) p ´e uma condi¸c˜ ao suficiente para q; 7) q ´e uma condi¸c˜ ao necess´aria para p; ´ imposs´ıvel termos p verdadeira e q falsa simultˆ 8) E aneamente, dentre outros significados poss´ıveis. Neste momento temos uma importante observa¸c˜ao a fazer: Dos ´ıtens 1) e 3) vemos que a matem´ atica funde (confunde) os s´ımbolos −→ e =⇒. 489

Como sempre, nestes casos, o “galho quebra” do lado do mais fraco: o aluno que ter´ a que distinguir no contexto matem´ atico se o s´ımbolo =⇒ est´ a se referindo a ele pr´ oprio ou ao condicional −→.

Chama-se tautologia toda proposi¸c˜ao composta cuja u ´ltima coluna da sua tabela verdade encerra somente a letra V (verdade). Proposi¸ c˜ ao 73. A proposi¸ca ˜o p implica a proposi¸ca ˜o q (isto ´e, p =⇒ q) se, e somente se, a condicional p −→ q ´e tautol´ ogica. Prova:

(i) Se p implica q, ent˜ao, n˜ ao ocorre que p q p −→ q os valores l´ ogicos simultˆ aneos destas duas proV V V posi¸c˜ oes sejam respectivamente V e F , e por conV F F seguinte na u ´ltima coluna da tabela-verdade da F V V condicional p −→ q consta somente a letra V , F F V logo, esta condicional ´e tautol´ ogica. (ii) Reciprocamente, se a condicional p −→ q ´e tautol´ ogica, ent˜ao n˜ ao ocorre que os valores l´ ogicos simultˆ aneos das proposi¸co˜es p e q sejam respectivamente V e F , e por conseguinte p implica q.  Uma diferen¸ca b´ asica entre proposi¸c˜ao e teorema ´e que enquanto ´e l´ıcito se cogitar do valor l´ ogico de uma proposi¸c˜ao (isto ´e, uma proposi¸c˜ao pode ser verdadeira ou falsa) o mesmo n˜ ao acontece com um teorema, que sempre ´e verdadeiro. N˜ao se demonstra teoremas, mas sim proposi¸c˜oes. Uma vez demonstrada a veracidade de uma proposi¸c˜ao: p −→ q, esta adquire status de teorema: p =⇒ q. Em matem´ atica, para demonstrar-se a valip q p −→ q dade de uma proposi¸ca˜o p −→ q assumimos a → V V V hip´ otese p como sendo verdadeira. Sendo assim V F F podemos nos restringir `as duas primeiras linhas F V V da tabela verdade do condicional −→. F F V Uma vez assumido p verdadeira se conseguirmos demonstrar a veracidade de q ent˜ao podemos riscar a segunda linha da tabela verdade do condicional. Ap´os isto a proposi¸c˜ao p −→ q resulta tautol´ ogica e, por conseguinte, p =⇒ q Isto ´e, a proposi¸c˜ ao p −→ q tornou-se o teorema p =⇒ q. Defini¸ c˜ ao 94 (Equivalˆencia L´ ogica). Diz-se que uma proposi¸ca ˜o p ´e logicamente equivalente ou apenas equivalente a uma proposi¸ca ˜o q, se as tabelas-verdade destas duas proposi¸co ˜es s˜ ao iguais. 490

Indica-se que a proposi¸c˜ ao p ´e equivalente a proposi¸c˜ao q com a nota¸c˜ao: p ⇐⇒ q Os s´ımbolos ←→ e ⇐⇒ n˜ ao devem ser confundidos, pois p ←→ q ´e uma proposi¸c˜ ao enquanto p ⇐⇒ q n˜ ao ´e proposi¸c˜ao. Os argumentos arrolados anteriormente a respeito dos s´ımbolos −→ e =⇒ podem ser adaptados para os s´ımbolos ←→ e ⇐⇒. A seguir listamos v´arias maneiras de se formular p ⇐⇒ q em palavras∗ : 1) Se p, ent˜ ao q e reciprocamente; 2) Se q, ent˜ ao p e reciprocamente; 3) q ´e verdadeira se, somente se, p for verdadeira; 4) p implica q e reciprocamente; 5) p ´e uma condi¸c˜ ao necess´aria e suficiente para q; 6) q ´e uma condi¸c˜ ao necess´aria e suficiente para p; 7) p e q s˜ ao proposi¸c˜ oes equivalentes. Dos ´ıtens 1) e 4) acima, vemos que a matem´ atica (con) funde os s´ımbolos ←→ e ⇐⇒. Proposi¸ c˜ ao 74. A proposi¸ca ˜o p ´e equivalente a ` proposi¸ca ˜o q (isto ´e, p ⇐⇒ q) se, e somente se, a bicondicional p ←→ q ´e tautol´ ogica. Prova: (i) Se p ´e equivalente a q, ent˜ao, tˆem tabelas-verdade iguais, e por conseguinte o valor l´ ogico da bicondicional p ←→ q ´e sempre V , isto ´e, esta bicondicional ´e tautol´ ogica (ver tabela-verdade da bicondicional, p. 488). (ii) Reciprocamente, se a bicondicional p ←→ q ´e tautol´ ogica, ent˜ao, a u ´ltima coluna da sua tabela-verdade encerra somente a letra V , e por conseguinte os valores l´ ogicos respectivos das proposi¸c˜oes p e q s˜ ao ambos V ou ambos F , isto ´e, estas duas proposi¸c˜oes s˜ ao equivalentes.  Portanto, a toda equivalˆencia l´ogica corresponde uma bicondicional tautol´ogica e vice-versa. ∗





Tomemos ent˜ ao um espa¸co sem mat´eria, “vazio”. A f´ısica quˆ antica mostra que, mesmo neste caso, flutua¸co ˜es de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, part´ıculas podem surgir dessas flutua¸co ˜es, mat´eria brotando do nada. (Marcelo Gleiser/F´ısico) ∗

Isto na Matem´ atica, n˜ ao na L´ ogica.

491

Equivalencias Not´ aveis A seguir listamos algumas equivalencias entre proposi¸c˜oes, as quais podem ser demonstradas com o aux´ılio das respectivas tabelas-verdade. 1) ¬¬ p ⇐⇒ p

(Dupla Nega¸c˜ao)

2) Leis Idempotentes a) p ∨ p ⇐⇒ p

b) p ∧ p ⇐⇒ p 3) Leis Comutativas a) p ∨ q ⇐⇒ q ∨ p

b) p ∧ p ⇐⇒ q ∧ p 4) Leis Associativas a) p ∨ (q ∨ r) ⇐⇒ (p ∨ q) ∨ r

b) p ∧ (q ∧ r) ⇐⇒ (p ∧ q) ∧ r

5) Leis de De Morgan∗ a) ¬ ( p ∨ q ) ⇐⇒ ¬ p ∧ ¬ q b) ¬ ( p ∧ q ) ⇐⇒ ¬ p ∨ ¬ q 6) Leis Distributivas a) p ∧ ( q ∨ r ) ⇐⇒ (p ∧ q) ∨ (p ∧ r)

b) p ∨ ( q ∧ r ) ⇐⇒ (p ∨ q) ∧ (p ∨ r)

14.1.2

T´ ecnicas (Engenharia) de Demonstra¸c˜ ao

Os problemas em matem´ atica dividem-se em duas classes: Determina¸ c˜ ao: calcule, encontre, ache, determine,. . . Demonstra¸ c˜ ao: mostre, prove, demonstre,. . . Costumo mesmo dizer que a matem´ atica come¸ca com os problemas do segundo tipo. De fato, a resolu¸c˜ao da maioria dos problemas do primeiro tipo s˜ ao algoritmicas (mecˆ anicas); enquanto os problemas do segundo tipo exigem muito de criatividade (engenhosidade). Um outro crit´erio que utilizo para distinguir n˜ ao-matem´ atica (algoritmo) ∗ Augustus De Morgan (1806 − 1873) lecionou no University College, Londres. Foi matem´ atico e l´ ogico, e contribuiu para preparar o caminho da L´ ogica matem´ atica moderna.

492

de matem´ atica, ´e que a n˜ ao-matem´ atica ´e suscept´ıvel de programa¸c˜ao − a exemplo dos poderosos softwares alg´ebricos − enquanto que a matem´ atica em si (demostra¸c˜ oes) n˜ ao. Ademais, estou propenso a acreditar que podemos ver a maioria dos “objetos” como consistindo de mat´eria e esp´ırito. Para contextualizar minha tese vejamos alguns exemplos: 1o ) Um computador consiste de hardware e software, o hardware ´e a parte material e o software ´e o esp´ırito do computador. ologos enxergam 2o ) Uma c´elula ´e composta de mat´eria (´e o que os bi´ ao microsc´opio) e esp´ırito (software que comanda suas atividades) que os bi´ ologos n˜ ao enxergam ao microsc´opio. o 3 ) Os n´ umeros inteiros, s˜ ao compostos de mat´eria: Z = { . . . , −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, . . . } e esp´ırito, que s˜ ao seus axiomas de manipula¸c˜ao da mat´eria (s´ımbolos) tais como: comutatividade, associatividade, elemento neutro, elemento oposto, Princ´ıpio da Boa Ordem, etc. De igual modo, a matem´ atica possui uma parte material (s´ımbolos) e uma parte espiritual (conceitos, id´eias), o que se estar a manipular∗ por a´ı ´e apenas o corpo (cad´ aver) da matem´ atica, seu esp´ırito fica de fora. − Para se lidar com o esp´ırito da matem´ atica (viva) torna-se indispens´ avel o conhecimento de algumas t´ecnicas de demonstra¸c˜ao. 1. Proposi¸c˜ oes Aparentadas p −→ q

:

Direta

q −→ p

:

Rec´ıproca

¬ p −→ ¬ q

:

Contr´ aria

¬ q −→ ¬ p

:

Contrapositiva (contra-rec´ıproca)

2. Equivalˆencia Entre Proposi¸c˜ oes Aparentadas 2.1 A proposi¸c˜ ao direta equivale `a contra-rec´ıproca. p −→ q ⇐⇒ ¬ q −→ ¬ p ∗

Por a´ı a que me refiro ´e a matem´ atica praticada at´e o ensino m´edio e em algumas cadeiras da universidade, ´e uma matem´ atica mecˆ anica, morta. O fato de vocˆe manusear o controle remoto de sua televis˜ ao n˜ ao significa que vocˆe compreende como ele funciona. De igual modo, muitos manipulam a matem´ atica sem compreender como ela funciona, ´e uma matem´ atica sem vida, sem esp´ırito!

493

Para provar isto faremos uso da seguinte identidade: p −→ q = ¬ p ∨ q Esta identidade pode ser obtida das respectivas tabelas-verdade. Prova: (i) p −→ q = ¬ p ∨ q (ii) ¬ q −→ ¬ p = ¬ ¬ q ∨ ¬ p = ¬p∨ q

 Isto significa que as proposi¸c˜oes p −→ q e ¬ q −→ ¬ p assumem sempre os mesmos valores l´ogicos; isto ´e, ou s˜ ao ambas verdadeiras (V ) ou s˜ ao ambas falsas (F ). Sendo assim acabamos de estabelecer nossa primeira t´ecnica de demonstra¸c˜ao indireta: (T-1) O teorema direto equivale ao contrapositivo† H =⇒ T ⇐⇒ ¬ T =⇒ ¬ H Enunciemos nossa segunda t´ecnica de demonstra¸c˜ao indireta: (T-2) Anexa¸c˜ ao ` a hip´ otese da nega¸c˜ao da tese H =⇒ T ⇐⇒

 H ∧ ¬ T =⇒ T

Prova: Provemos a seguinte equivalˆencia:  p −→ q ⇐⇒ p ∧ ¬ q −→ q

De fato,

(i) p −→ q = ¬ p ∨ q. (ii) p ∧ ¬ q −→ q = ¬ (p ∧ ¬ q) ∨ q = (¬p ∨ ¬¬q) ∨ q = ¬p ∨ q ∨ q = ¬ p ∨ q.  †

H: Hip´ otese, T : Tese, ¬ H: Nega¸c˜ ao da hip´ otese, ¬ T : Nega¸c˜ ao da tese.

494

(T-3) Redu¸ c˜ ao ao absurdo H =⇒ T ⇐⇒

 H ∧ ¬ T =⇒ f

Onde: f ´e uma proposi¸c˜ao de valor l´ogico falso (´e qualquer contradi¸c˜ ao). Prova: Provemos a seguinte equivalˆencia: p −→ q ⇐⇒ De fato,

 p ∧ ¬ q −→ f

(i) p −→ q = ¬ p ∨ q. (ii) p ∧ ¬ q −→ f = ¬ (p ∧ ¬ q) ∨ f = ¬ (p ∧ ¬ q) = ¬p ∨ ¬¬q = ¬ p ∨ q.  Nota: Na tabela-verdade da proposi¸c˜ao p ∨ q vemos que quando o valor l´ ogico de q ´e F , prevalece o valor l´ogico de p. Estamos dizendo que p ∨ f = p. Resumindo: Para utilizar esta t´ecnica em uma demonstra¸c˜ao, devemos anexar ` a Hip´otese a nega¸c˜ao da Tese e devemos exibir, ao final, alguma contradi¸c˜ao (algum absurdo). Uma Equivalencia Not´ avel Uma das equivalˆencias mais utilizadas em demonstra¸c˜oes matem´ aticas ´e a que segue (T-4) Teorema com hip´ otese composta (∧) Se a hip´ otese de um teorema ´e formada pela conjun¸c˜ao de duas outras, ´e v´alida a seguinte equivalˆencia  H1 ∧ H2 =⇒ T ⇐⇒

 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Isto ´e, junta-se a uma das hip´ oteses a nega¸c˜ao da tese e demonstra-se a nega¸c˜ ao da outra hip´ otese. Prova: Provemos a seguinte equivalˆencia p ∧ q −→ r ⇐⇒ p ∧ ¬ r −→ ¬ q 495

De fato, p ∧ q −→ r = ¬ (p ∧ q) ∨ r = (¬ p ∨ ¬ q) ∨ r = ¬ p ∨ ¬ q ∨ r. Por outro lado, p ∧ ¬ r −→ ¬ q = ¬ (p ∧ ¬ r) ∨ ¬ q = (¬ p ∨ ¬ ¬ r) ∨ ¬ q = ¬ p ∨ r ∨ ¬ q.  Vejamos alguns exemplos de aplica¸c˜ao desta equivalˆencia: 1o ) Teoria dos n´ umeros: Se a divide b e a n˜ ao divide c ent˜ao b n˜ ao divide c.    H1 : a|b ⇒ T : b 6 | c.  H : a6|c 2 H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2

Prova: Para algum n1 e algum n2 inteiros, resulta    H :    1

     ¬T :

Observe que

b = n1 a =⇒ c = n2 b

c c = = n2 b a · n1

c = n1 · n2 ≡ ¬ H2 a 

2o ) Em An´alise: Se a ≤ b e b ≤ a ent˜ao a = b.    H1 :  H : 2

a≤b b≤a



T:

H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2 496

a = b.

Prova: Suponha a ≤ b e a 6= b, ent˜ao a < b.



3o ) Em An´alise: Se n ∈ N, x ∈ R, e n < x < n + 1, ent˜ao x 6∈ N.    H1 : x > n ⇒ T : x 6∈ N.  H : x n e x ∈ N ent˜ao x ≥ n + 1. 4o ) Em Teologia (Unicidade de Deus) Suponhamos que existam dois Deuses D e D ′ :    H1 : D ´e Deus ⇒ T : D = D′   H : D ′ ´e Deus 2

Prova: H1 ∧ ¬ T : Suponhamos que D ´e Deus e que D 6= D ′ . Ent˜ao existe algum atributo em D n˜ ao partilhado por D ′ , por conseguinte ′ D n˜ ao ´e Deus, o que contraria H2 .  Sugest˜ ao: Quando vocˆe estudante encontrar-se frente a um teorema tipo H1 ∧ H2 =⇒ T

e, ap´ os bater o desespero (ou antes mesmo), tente demonstrar o equivalente H1 ∧ ¬ T =⇒ ¬ H2 (T-5) O seguinte teorema n˜ ao ´e raro em matem´ atica: H1 ⇐⇒ H2 =⇒ T ´ um teorema, tipo “se e somente se”, isto ´e E H1 =⇒ H2 =⇒ T H1 ⇐= H2 =⇒ T Ent˜ ao







 (i) H1 =⇒ H2 =⇒ T Observemos que a tese do teorema acima ´e um outro teorema. 497

Isto significa que assumindo H1 devemos demonstrar H2 =⇒ T . Isto ´e, devemos mostrar que H2 acarreta T . Ainda, H1 ∧ H2 =⇒ T Esta conclus˜ao pode ser provada assim:   H1 −→ H2 −→ T = ¬ H1 ∨ H2 −→ T  = ¬ H1 ∨ ¬ H2 ∨ T = ¬ (H1 ∧ H2 ) ∨ T

= H1 ∧ H2 −→ T. Portanto subsiste a seguinte equivalˆencia   H1 =⇒ H2 =⇒ T ⇐⇒ H1 ∧ H2 =⇒ T

 (ii) H2 =⇒ T =⇒ H1

 Consideremos a contrapositiva: ¬ H1 =⇒ ¬ H2 =⇒ T . Ent˜ao,   ¬ H1 −→ ¬ H2 −→ T = ¬ H1 −→ ¬ ¬ H2 ∨ T = ¬ H1 −→ H2 ∧ ¬ T

Portanto subsiste a seguinte equivalˆencia   (H2 =⇒ T ) =⇒ H1 ⇐⇒ ¬ H1 =⇒ H2 ∧ ¬ T

(T-6) Teorema com hip´ otese composta (∨) Se a hip´ otese de um teorema ´e formada pela disjun¸c˜ao de duas outras, ´e v´alida a seguinte equivalˆencia  H1 ∨ H2 =⇒ T ⇐⇒

  H1 =⇒ T ∧ H2 =⇒ T

Prova: Provemos a seguinte equivalˆencia p ∨ q −→ r ⇐⇒ De fato,

  p −→ r ∧ q −→ r

p ∨ q −→ r = ¬ (p ∨ q) ∨ r = (¬ p ∧ ¬ q) ∨ r   = ¬p∨ r ∧ ¬q ∨ r   = p −→ r ∧ q −→ r 498



(T-7) Teorema com tese composta (∨) Se a tese de um teorema ´e formada pela disjun¸c˜ao de duas outras, ´e v´alida a seguinte equivalˆencia H =⇒ T1 ∨ T2



⇐⇒

H ∧ ¬ T1 =⇒ T2

Prova: Provemos a seguinte equivalˆencia



p −→ ( q ∨ r ) ⇐⇒ ( p ∧ ¬ q ) −→ r De fato, p −→ ( q ∨ r ) = ¬ p ∨ ( q ∨ r ) = (¬p ∨ q) ∨ r = ¬(p ∧ ¬q) ∨ r = ( p ∧ ¬ q ) −→ r  Vejamos um exemplo de aplica¸c˜ ao desta t´ecnica em espa¸cos vetorias. Proposi¸ c˜ ao: Uma igualdade λ u = 0, com λ ∈ R e u ∈ V , s´ o ´e poss´ıvel se λ = 0 ou u = 0. Prova: Inicialmente vamos reescrever a proposi¸c˜ao da seguinte forma:   T : λ=0   1 H: λu = 0 ⇒ ou    T2 : u = 0

Temos,

H ∧ ¬ T1 : λ u = 0 e λ 6= 0.

Sendo assim existe o n´ umero real λ−1 , multiplicando λ u = 0 por λ−1 , obtemos λ−1 ( λ u ) = λ−1 0 ⇒ ( λ−1 · λ )u = 0 ⇒ 1 u = 0 ⇒ u = 0 

499

Resumo das T´ ecnicas de Demonstra¸ co ~es (T-2) (T-3) (T-4) (T-5)

H ⇒ T ⇐⇒ ¬ T ⇒ ¬ H  H ⇒ T ⇐⇒ H ∧ ¬ T ⇒ T  H ⇒ T ⇐⇒ H ∧ ¬ T ⇒ f (f =absurdo)   H1 ∧ H2 ⇒ T ⇐⇒ H1 ∧ ¬ T ⇒ ¬ H2     H1 =⇒ H2 ⇒ T ⇐⇒ H1 ∧ H2 ⇒ T H1 ⇐⇒ H2 ⇒ T H ⇐= H ⇒ T  ⇐⇒ ¬ H ⇒ H ∧ ¬ T  1

(T-6) (T-7) (T-8)

 H1 ∨ H2 ⇒ T ⇐⇒

H ⇒ T1 ∨ T2



⇐⇒

H ⇒ T ⇐⇒

2

1

  H1 ⇒ T ∧ H2 ⇒ T

H ∧ ¬ T1 H ∧¬T





2

Gentil

(T-1)

⇒ T2

⇒ ¬H

Dois outros recursos u ´teis para a formula¸c˜ao de defini¸c˜oes em matem´ atica s˜ ao dados a seguir.

14.1.3

Fun¸c˜ oes Proposicionais/Quantificadores

Consideremos as proposi¸c˜oes: p : x + 6 < 10, V ( p ) =? q : 2 + 6 < 10, V ( q ) = 1 A proposi¸c˜ ao q, como se vˆe, ´e verdadeira, ao passo que nada podemos afirmar sobre o valor l´ ogico de p : V (p) =?; que somente ser´ a conhecido quando x for substituido por um n´ umero bem determinado. Neste caso, dizemos que a proposi¸ca˜o p ´e uma fun¸ca ˜o proposicional ( f.p. ) ou ainda, uma senten¸ca aberta. Na fun¸c˜ao proposicional p(x) : x + 6 < 10 o s´ımbolo x ´e chamado de vari´ avel. Chamamos conjunto universo da vari´ avel ao conjunto das possibilidades que podem substituir a vari´ avel na senten¸ca. Denotaremos este conjunto por U. Cada elemento de U chama-se valor da vari´ avel. Algumas vezes o conjunto universo U ´e imposto pelo contexto e outras vezes pode ser escolhido livremente pelo agente de estudo em quest˜ao. 500

Exemplos: 1o ) Consideremos a fun¸c˜ ao proposicional p dada por p(x) : x + 6 < 10 Podemos escolher para o conjunto dos valores da vari´ avel, por exemplo, um dos seguintes conjuntos: N, Z, Q, R ou { 0, 2, 4, 6, . . . } ao proposicional p dada por 2o ) Consideremos a fun¸c˜ p(x) : 1 ≤

x2 − 1
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