GENTRIFICAÇÃO: A ARISTOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO E A EXCLUSÃO DE SEM TETO NO CENTRO DO RIO

June 14, 2017 | Autor: L. Rosadas Campos | Categoria: Geography, Social Sciences, Marxism, Gentrification, Gentrificación
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Universidade Federal Fluminense Escola de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

GENTRIFICAÇÃO: A ARISTOCRATIZAÇÃO DO ESPAÇO E A EXCLUSÃO DE SEM TETO NO CENTRO DO RIO Luis Gustavo Rosadas Campos

Resumo

A relação entre neoliberalismo e a cidade revanchista, mostrando que o modelo de cidade internacional, atraente para investidores, faz parte de um processo de exclusão e produtor de segregação. Pela ideologia do espaço, colocada como mais uma ferramenta do modo capitalista de produção afim de ditar as regras e de atrais aqueles que possuem capital financeiro e simbólico. Nessa dinâmica, dinheiro e território assumem o papel central já que só quem permanece nos bairros e áreas “revitalizados” é que pode arcar com esses custos. Com isso, o conceito de gentrificação explica tal dinâmica e deixa evidente que o modelo neoliberal é produtor de desigualdades. Palavras-chave: Gentrificação, Urbanização Neoliberal, Território

Introdução

“A relação dinheiro e território”

O território é onde o ser humano realiza todas as suas necessidades, nossas atividades. Trabalho, residência e atividades fortalecem a relação de identidade entre nós e território. Milton Santos (1999) coloca que o território passa a ser um elemento

de

analise

apenas

quando

é

utilizado

pela

humanidade.

Complementando esta relação, temos o que Lefebvre diz sobre o espaço: O espaço não é uma coisa entre outras coisas, bem como não é um produto entre outros produtos: em vez disso, concorda com as coisas que são produzidas e abrange suas inter-

relações em sua coexistência e simultaneidade – a sua ordem ou seu caos. É o resultado de uma sequência e de um conjunto de operações, e, portanto, não pode ser reduzida à posição de um mero objeto. (LEFEBVRE, 1991, p.73)

O dinheiro é um ponto de equivalência, relativizando o que pode ser comercializável, sendo a medida de valor do trabalho e de seus frutos. Aparece pela complexidade da vida, onde o escambo passa a não mais dar conta da equivalência das coisas, tornando o dinheiro a medida do valor que é, desse modo, atribuído ao trabalho e aos seus resultados. (Santos, 1999, p.8)

Com a metamorfoses do dinheiro e do território, a velocidade lenta da vida permitia menos relações sociais. Dinheiro e território interagiam numa escala local, ordenados pela necessidade local, onde o território era quem regia o dinheiro pelo valor de uso desse pedaço de chão. Então, nesse tempo a vida material de algum modo se impunha sobre o resto da vida social, e o valor de cada pedaço de chão lhe era atribuído pelo próprio uso desse pedaço de chão. (p.9)

Entretanto, temos a seguinte questão: “da razão do uso à razão da troca”. Do uso à troca, o dinheiro passa a exercer um papel regulador que define qual uso é dado ao território. O uso perde o papel principal, passando a maior importância para o símbolo da troca. Para Santos (1999, p.9) o papel da troca, “começa a ganhar é uma enorme mudança na história dos lugares e do mundo, deslocando da primazia o papel do uso, e até mesmo comandando o uso, ao revés do comando anterior da troca pelo uso”. É evidente que o dinheiro nacional sofre modulações internacionais. Ele é parcialmente um respondente interno das modulações internacionais. Mais profundamente a partir da presença forte do Estado, esse dinheiro é representativo das relações então profundas entre Estado territorial, território nacional, Estado nacional, nação. Era um dinheiro relativamente domesticado, o que era feito dentro dos territórios. (p.9-10)

O papel do dinheiro toma uma escala nacional, mesmo sofrendo influência da economia internacional, mesmo assim o seu caráter de localidade não é descartado. Mas o dinheiro não é o único fator na dinâmica do poder e o papel do sistema ideológico, onde a informação interage com o dinheiro. Entretanto, tal entrelace dinheiro/informação conferem poder à dinâmica e a informação pura, isenta ou imparcial se torna algo existente apenas no plano das ideias. O poder da relação se cria quando se propaga modos de agir/viver/comportar.

Hoje a ideologia se tornou realidade, o que complica nossa tarefa de análise, porque se impõe à produção da história concreta dos homens a partir de um discurso único perfeitamente elaborado, e que se torna acreditável a partir do bombardeio das mídias, mas também a partir da chancela da Universidade. É desse modo que as lógicas do dinheiro se impõem ao resto da vida social. (p.11)

A busca por mercado em qualquer escala, é ferramenta de manutenção do modo capitalista de produção, sendo a competição entre cidades uma forma de conferir mais poder às empresas em detrimento do Estado. Este, fica a par do poder quando a possibilidade de que haja algum tipo de comprometimento com as camadas vais baixas da sociedade, de que essas demandas possam ser atendidas. Nesta ordem o controle e/ou o planejamento é feito numa escala global, onde os organismos internacionais (bid, banco mundial, etc) ditam as regras, sendo reafirmadas pelas as instituições educacionais globais. Ou seja, a ideologia é disseminada do alto.

O poder gerado pelo dinheiro/território, o modelo de cidade neoliberal expressa a oportunidade de mais acumulação para o modo capitalista de produção. Saskia Sassem é citada por Neil Smith (2015), e mostra que o espaço é peça chave para a circulação de capital e pessoas e isto seria a configuração da globalização:

(...) centrarse en las ciudades en un mundo globalizado supone un reconocimiento del rápido declive de las economías nacionales, al tiempo que insiste en que la globalización tiene lugar a través de un conjunto de procesos sociales y económicos específicos enraizados en lugares específicos. Esta hipótesis se basa en una imagen ya familiar de la globalización, definida desde el punto de vista del cambio económico de la producción a la financiarización. (Sassen, apud Smith 2015, p.249)

Complementando com a ideia de Globalismo, posta por Ianni, que seria “uma configuração histórico-social no âmbito da qual se movem os indivíduos e as coletividades (1999, p.184)”, onde as características de cada sociedade se manifestam, acontecendo num processo dinâmico de modo globalizada à formar a sociedade global.

Planejamento estratégico, a ideologia dos espaços públicos e a gentrificação

“Planejamento estratégico”

Na cartilha de como se gerir cidades através do planejamento estratégico, Castells e Borja (1996) mostram a relevância que as cidades ganham nas décadas anteriores a de 1990, assumindo papel importante não apenas na vida local dos cidadãos, mas também uma relevância internacional como um atrativo de investimentos seja com o turismo ou com megaeventos. Assim, passam a possuir elementos simbólicos que dinamizam sua centralidade.

Dentro dessa metáfora de “cidades como atores sociais”, onde o planejamento estratégico assume o papel central na relação entre Estado e iniciativa privada temos que: As cidades como atores sociais não se confundem com o governo local, porém, obviamente, incluem-no. A cidade se expressa melhor como ator social na medida em que realiza uma articulação entre administrações públicas (locais ou não), agentes econômicos públicos e privados, organizações locais e cívicas, setores intelectuais e profissionais e meios de comunicação social. Ou seja, entre instituições políticas e sociedade civil. (Castells e Borja, 1996, p.152)

A partir disso, os autores normatizam ações a fim de tornar eficiente a relação Estado/iniciativa privada com campanhas fundamentadas em “segurança pública, imagem, reabilitação urbana”. Os “grandes projetos de desenvolvimento urbano” voltados a eventos passageiros e fundamentados na relação consensual e passiva entre sociedade civil e poder político que “encontra sua base principal na afirmação da identidade coletiva ou na vontade de autonomia política, que se concretiza também em objetivos especialmente urbanos (Castells e Borja, 1996, p.153)”, fariam parte dessas medidas a tornarem as cidades mais atrativas ao capital financeiro internacional: A resposta a estes objetivos requer um projeto de cidade cuja construção pode apoiar-se em elementos diferenciados. Um bom exemplo pode ser a sensação de crise que provocou, em algumas cidades, uma reação conjunta do governo local e dos principais agentes econômicos na realização de uma transformação da infraestrutura urbana para facilitar a passagem do modelo industrial tradicional para o de centro terciário qualificado. (p.155)

A partir dessa forma de se gerir e planejar cidades posta por Castells e Borja, a solução das crises econômicas poderiam vir pela criação e exploração de eventos internacionais. Como paradigma desse modelo de cidade se expressaria na remodelação que Barcelona sofreu para as olimpíadas de 1992.

A cidade, na visão de Castells e Borja (1996), não seria apenas como a definição de Lefebvre (1991) e Santos (1999) de que o espaço é o lugar onde as necessidades e as relações humanas se expressam. A cidade para Castells e Borja teria um significado implícito no seu espaço, possuiria uma ideologia a fim de atrair aqueles que estariam condizentes com ela: Finalmente, a cidade, entendida não somente como território que concentra um importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas também como um espaço simbiótico (poder político-sociedade civil) e simbólico (que integra culturalmente, dá identidade coletiva a seus habitantes e tem um valor de marca e de dinâmica com relação ao exterior), converte-se num âmbito de respostas possíveis aos propósitos econômicos, políticos e culturais de nossa época. Citemos três. A necessidade de dar respostas integradas e não setoriais aos problemas de emprego, educação, cultura, moradia, transportes etc.; o estabelecimento de compromissos públicos e privados a partir das demandas do crescimento econômico e do meio ambiente; a configuração de novos espaços e mecanismos que estimulem a participação política, facilitem a relação entre administrações e administrados e promovam a organização dos grupos sociais. (Castells e Borja , 1996, p.157)

Entretanto, esse modelo de produção de cidades globais se propaga rapidamente. Ianni (1999) explicita a diversidade dos padrões culturais existentes em qualquer cidade, inclusive a diversidade das classes sociais. Entendendo tal diversidade cultural, social, religiosa, ideológica, como poderia se propor um modelo de cidade que atende apenas uma pequena parcela desse todo? Um modelo que privilegia apenas uma classe elitizada, dotada de capital financeiro e simbólico capaz de consumir as áreas de especial interesse financeiro? Para deixar claro a diversidade das cidades: A cidade pode ser um caleidoscópio de padrões e valores culturais, línguas e dialetos, religiões e seitas, modos de vestir e alimentar, etnias e raças, problemas e dilemas, ideologias e utopias. Algumas sintetizam todo o mundo, diferentes características da sociedade global, tornando-se principalmente Cosmópolis, antes do que cidades nacionais. E há as que adquirem as marcas do outro mundo; mesmo que pertencendo ao Primeiro Mundo acabam por assimilar traços do Terceiro Mundo. (Ianni, 1999, p.66).

Com isso se torna necessário compreender os símbolos e sentidos que esse modo de (re) produzir cidades contém.

“A ideologia do espaço público” O espaço público carrega em si um significado, uma ideologia. Tem um objetivo, uma função perante a sociedade e o modo de produção dominante. A ideologia que contém o espaço público passa a ser uma ferramenta que confere valor, dá sentido e controla a sociedade.

Manuel Delgado (2011) aponta que para urbanistas e arquitetos, o significado de espaço público seria um “vazio entre as edificações, que deve ser preenchido adequadamente aos objetivos de promotores urbanos e autoridades, que geralmente são eles mesmos (2011, p. 9)”. A partir daí, dessa noção que o espaço público é um elemento de valorização de certas áreas, temos que tais promotores urbanos precisam de outros parceiros, que arquem com as despesas das ações de renovação urbana.

Delgado coloca que “neste caso, falar de

espaço em um contexto determinado pela ordenação capitalista do território e da produção imobiliária, sempre acaba resultando em um eufemismo: na realidade querem dizer ‘solo’ (ibid.)”, o espaço dentro da dinâmica capitalista passa a garantir ganhos financeiros, com a valorização do solo urbano, além da valorização imobiliária e do comercio de alto padrão em ruas e até bairros inteiros.

A produção de espaço passa a ser, como dito, uma ferramenta de produção de capital, devido a um uso simbólico (em potencial) desse espaço, sendo ele transformado em algo consumível, passivo de receber investimento e de se tornar negociável. Entretanto, o espaço público não é somente uma fonte de renda, é também uma forma de controle da sociedade. Delgado explica que junto a essa ideia de valorização nas operações urbanas: (...) o espaço público passa a ser concebido como a realização de um valor ideológico, lugar em que se materializam diversas categorias abstratas como democracia, cidadania, convivência, civismo, consenso, e outros valores políticos hoje centrais, um cenário no qual se desejaria ver desfilar uma massa ordenada de seres livres e iguais que usa esse espaço para ir e vir do trabalho ou de atividades de consumo, e que, em seu tempo livre, passeia despreocupada por um paraíso de cortesia. Por certo que neste território corresponde expulsar ou negar o acesso às pessoas que não apresentem os modos dessa classe média para quem esse espaço se destina. (Delgado, 2011, p.10)

Tal idealismo, segundo Delgado (2011), que altera bairros inteiros em nome do progresso, mas que na verdade serve para reapropriação capitalista da cidade: (...) una dinámica de la que los elementos fundamentales y recurrentes son la conversión de grandes sectores del espacio urbano en parques temáticos, la genfrificacion de centros históricos de los que la historia há sido definitivamente expulsada, la reconversión de barrios industriales enteros, la dispersion de una miseria creciente, que no se consegue ocultar, el control sobre un espacio público cada vez menos público, etc. (Delgado, 2011, p.10)

Surgem campanhas midiáticas que reforçam o significado do lugar, ditando um modo de se comportar e de ser, onde aqueles que não possuem a capacidade de se camuflar de tal maneira, precisam ser excluídos. Para isto, acreditam que os espaços vazios (já que espaço público assume esse sentido) estão postos para receber este novo conteúdo. Tal consumidor desse espaço “revitalizado”, o espaço para a classe média, encontra nele um espelho de sua nova realidade: as representações tranquilizantes, o “seu lugar”, etiquetado e assegurado.

Como exemplo dessa ação, tomos que dois jornais diferentes, mas pertencentes ao mesmo grupo, abordam dão de maneira distinta o mesmo problema. No Extra versão online (6/12/2015) os “meninos do Centro” aparecem como usuários do lugar, já no O Globo (29/09/2015), são a desordem no novo cartão postal.

O cartão-postal, antes “sem vida” sob a ótica dos agentes que promovem o urbanismo na cidade, e agora “revitalizado”, com uma obra de arquitetura

pensada pelo Star System passa a ganhar notoriedade na mídia, alterando o sentido histórico do bairro.

“Gentrificação e cidade revanchista” Para melhor compreendermos o processo de gentrificação, precisamos entender o significado da palavra junto da sua origem. A palavra gentrificação vem do inglês “gentry”, que significa “classes média alta” e “pequena nobreza”. Um breve estudo etimológico mostra que sua origem vem do antigo francês ‘genterie’1 (século XIV), cujo significado é ‘gentil’. Desta maneira, uma classe gentil e nobre, de poder aquisitivo elevado, capaz de se comportar de maneira aceitável e com o poder de consumir o que estiver dentro desse espaço aristocratizado. De maneira oposta, aqueles que não podem compartilhar do convívio com a nobre classe, no espaço idealizado, passam a ser gentrificados, expulsos por não possuírem os elementos necessários para usufruir do espaço.

Aprofundando na questão, a origem do processo de gentrificação surge na Inglaterra, como acaso durante o pós-guerra, em cidades de porte variado, orquestrado pelo Estado que recuperava edifícios antigos. As plantas de tais edifícios eram remodeladas para as famílias de classe média e classe média alta. Nesse processo de ocupação, a população das classes mais baixas perdia o direito de viver na região central, sendo expulsas desta região da cidade. Segundo Smith, “a gentrificação implica movimento”, e assim: (...) enquanto a renovação urbana do pós-guerra, financiada pelo Estado nas cidades ocidentais, encorajou a gentrificação no mercado privado, esta gentrificação de agora, assim como a crescente privatização dos terrenos no centro e do mercado de habitação desde os anos 80, alimentou o programa a partir do qual foram estabelecidos os planos de um amplo renascimento urbano com múltiplas facetas, ultrapassando de longe a renovação dos anos sessenta. A linguagem corrente do renascimento urbano é a prova da generalização da gentrificação na paisagem urbana (Smith, 2000, p.61).

A gentrificação passa a englobar diversos setores que conferem uma nova vida as áreas centrais. Um novo estilo de vida, onde o complemento da moradia vem junto de equipamentos a fim de suprirem a necessidade da nova classe que vai habitar as áreas. Junto a isso, novos tipos de trabalho, edifícios assinados por 1

http://www.wordreference.com/definition/gentry, 06/12/2015

arquitetos do “star system”, parques condizentes com as premissas da contemporaneidade, restaurantes de cozinha internacional, cinemas, centros culturais e comerciais a fim de atender tal demanda.

Do acaso a um sistema que age em consorcio, onde Estado e Empresa buscam um novo mercado. Um negócio altamente rentável e que evoluiu rápido, com campo fértil nos países centrais do capitalismo, com sua consolidação no fim dos anos 1980. Além disso, outro fator importante para o bom funcionamento da gentrificação seria a desvalorização como fruto do desinvestimento nas áreas centrais, criando assim as “condições espaciais de reinvestimento sobre locais específicos do centro tomando a forma da gentrificação” (Smith, 2006). Esse sistema passa a ser apropriado pelas instituições financeiras que, oferecendo baixos juros aos promotores imobiliários, substituindo o perfil de quem viverá na área. Isto faz com que o real interesse passe a ser o potencial valor do imóvel na revenda, ou seja, o valor de troca em detrimento do valor de uso. Segundo a teoria da renda diferencial (rent gap), as causas originais da gentrificação estavam na mobilidade geográfica do capital e nos modelos históricos do investimento e do desinvestimento no campo urbano: o investimento nas áreas periurbanas em detrimento da região central, dominante no século XX, criou condições espaciais de reinvestimentos sobre locais específicos do centro, tomando a forma de gentrificação (Smith, 2006, p.66).

O processo de gentrificação faz parte de um modelo de cidade onde as diferenças precisam ser eliminadas. Para que tal modo de produzir cidade seja lucrativo e eficiente, os promotores urbanos contam com um aliado importante: a mídia. Esta se comporta, muitas vezes, como um panfleto de propaganda onde um modelo de cidadão, de cidade e de sociedade é difundido veementemente. A partir daí, esse ímpeto de remover, de eliminar o indesejável a qualquer preço do espaço público e das áreas a serem gentrificadas se clarifica dentro do conceito que Smith (2012) chama de “urbanismo revanchista”.

Este antiurbanismo revanchista representa una reacción contra el supuesto «robo» de la ciudad, una desesperada defensa de la falange de privilegios desafiados, envuelta en el lenguaje populista de la moralidad cívica, los valores familiares y la seguridad barrial. La ciudad revanchista expresa, por encima de todo, el terror de raza/clase/género sentido por los blancos de la clase media dominante, un grupo social que repentinamente ha sido «puesto en su lugar» por un mercado inmobiliario asolado, la amenaza y la realidad del desempleo, la aniquilación de los servicios sociales y la emergencia de las minorías y los inmigrantes, así como también de las mujeres, en tanto poderosos actores urbanos. La

ciudad revanchista augura una feroz reacción contra las minorías, la clase trabajadora, las personas sin hogar, los desempleados, las mujeres, los homosexuales y las lesbianas, los inmigrantes. La ciudad revanchista ha sido escandalosamente reafirmada por la programación de televisión. (Smith, 2012, p, 321)

A realidade da gentrificação chega à mídia, junto com um novo rótulo dos jovens trabalhadores da classe média, deixando evidente quem serão os novos usuários dos espaços “requalificados”. Os Yuppies, termo usado para os Jovens Profissionais Urbanos (YUP, em inglês) foram os tais ocupantes que se beneficiaram, a partir da década de 1980, com os investimentos do Estado e da nova cara das edificações dada pelos agentes imobiliários. Com isso, “os "pioneiros urbanos" de Nova York e Londres foram substituídos, com aprovação do governo, pelos yuppies (p. 86). Além deles, complementando o cenário dos novos ocupantes, nos dias de hoje temos uma outra “leva” que se beneficia desse processo de ocupar os espaços gentrificados, os hypsters.

Dentre os que são removidos, seja pela força, seja pela falta de capacidade de consumir tal espaço ou de “consumirem” tal ideologia, os sem teto que transitam pelos bairros gentrificados, que são invisíveis no espaço dito público e democrático, passam a ser entendidos como um obstáculo físico na rua, como um elemento de desequilíbrio na paisagem urbana, afetando aqueles que consomem a cidade e que se comportam conforme os estereótipos que a mídia reforça. Tornam-se ameaça à valorização das áreas e à utilização do espaço público por aqueles que podem pagar (comerciantes que usam o espaço como extensão de seus negócios), provocando, Segundo Smith (2000), a fúria dos que utilizam e lucram com o espaço. Constantemente, os sem teto, passam por processos de remoção das áreas em vista da gentrificação e dos bairros mais nobres, sendo assim arremessados aos subúrbios distantes ou a abrigos também distantes da região central. Expulsos dos espaços privados do mercado imobiliário, os sem teto ocupam os espaços públicos, mas sua presença na paisagem urbana é contestada com fúria. Sua visibilidade é constantemente apagada por esforços institucionais de removê-los para outros lugares – para abrigos, para fora dos prédios e parques, para bairros pobres, para fora da cidade, e em direção a outros espaços marginais. As pessoas expulsas também são apagadas pelas desesperadas campanhas pessoais dos que têm casa para não verem os sem teto, mesmo quando tropeçam em seus corpos nas calçadas. Este apagamento em curso da visão pública é reforçado pelos estereótipos da mídia que ou culpam as vítimas – e, portanto, justificam sua invisibilidade estudada – ou afogam-nos num sentimento lúgubre que faz

deles párias sociais, desamparados, o patético Outro, eximido de responsabilidade cívica ativa e com sua condição de pessoa negada (Smith 2000, p. 135).

A gentrificação é um processo de produção de desigualdade que se tornou global no final do século XX. Contudo, no decorrer das décadas seguintes, passou de oportunidade à estratégia urbana e, aliada ao capital, passa a ser global no modelo de cidade neoliberal. El urbanismo neoliberal abarca una amplia gama de cambios sociales, económicos y geográficos, y la intención de estos argumentos opuestos es impulsar la cuestión en torno a cuán variada es la experiencia del urbanismo neoliberal y cómo estos mundos opuestos encajan entre sí. (Smith, 2015, p.258)

A produção de espaço passa a ser, como dito, uma ferramenta de produção de capital, devido a um uso simbólico (em potencial) desse espaço, sendo ele transformado em algo consumível, passivo de receber investimento e de se tornar negociável.

A gentrificação dos sem teto no centro do rio de janeiro: lapa

Segundo a abordagem de Castells e Borja, a região da Lapa (no Rio de Janeiro) seria um exemplo de sucesso dentro da cartilha de cidade neoliberal, ou do planejamento estratégico. Analisando o panorama da região, inicialmente em dados obtidos em site de negociação de imóveis, temos uma valorização imobiliária em toda a cidade que é acompanhada pelos imóveis da Lapa.

O apelo midiático, parceiro dos agentes transformadores da cidade, com poder aquisitivo elevado e pertencentes ao capital financeiro, propaga o discurso de cidade global de forma que os êxitos das transformações urbanas favorecem o investimento nos bairros. As notícias do jornal O Globo de (01/01/2011) e (15/04/2007) e Jornal do Brasil (01/01/2012) respectivamente, reiteram essa dinâmica de valorização.

Notamos que o território passa a ser disputado por forças com objetivos diametralmente opostos: o valor de uso e o valor de troca. Em sua dissertação de mestrado, Frederico Duarte Irias (2007) aponta essa disputa, deixando claro que o tipo de configuração de espaço, de condomínio fechados (pouco utilizado no bairro até então) estaria ligado diretamente ao valor de troca “a medida que as unidades deste condomínio já são colocadas à venda sobrevalorizadas, devido as boas condições infraestruturas reaproveitadas neste território. (Irias, 2007, p.44)”. Para este grupo promotor de cidade, fica claro quais são os seus objetivos: “a captação de renda imobiliária também acontece nesta lógica de reprodução” (ibid.). “O movimento recente da renovação urbana, parece, no entanto, reacender o interesse dos comerciantes e do grande capital imobiliário, ambos oriundos de fora do bairro da Lapa.

Mas este interesse recente por parte dos novos agentes da reforma urbana esbarra diretamente nas antigas formas de ocupação e uso dos imóveis, terrenos e do próprio espaço público do bairro, pois as lógicas de reprodução, tanto dos mais antigos, como dos mais novos ocupantes, parecem ser, ao menos num primeiro olhar, conflituosa”. (Irias, 2007, p. 61)

A lapa teria um papel fundamental na dinâmica de “revitalização” do centro da cidade, pois contemplaria “os dois principais objetivos almejados pelo Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro; a condição de ser uma referência histórico-cultural e a sua perfeita inserção no mercado de moradias destinado a classe média da cidade”. (Irias, 2007, p.49).

Entretanto, há um outro “ator” nesta disputa. Aquele que não pode arcar com os custos da gentrificação, desse espaço aristocratizado, onde o movimento de capital faz com que áreas sejam valorizadas em detrimento de sua permanência em seus bairros originários. Ferraz (2014) aponta que as campanhas midiáticas os transformam num elemento a ser eliminado metaforizando “a população sem teto como moradores de rua e invasores”, naturalizando e criminalizando sua condição, como apontado anteriormente. Transforma sem teto em invasores, através de metáforas “Uma verdade ou um insight revelam-se pela afirmação de que um objeto, evento ou situação compreendido de modo incompleto é outro” (Smith, 2000, p. 141).

Conclusão Como visto anteriormente, o urbanismo neoliberal implica em uma ampla mudança social, econômica e geográfica, deixando em evidencia a suas contradições em sua forma de produzir cidades. Este modelo de produção de cidades se torna injusto quando não prevê com honestidade, em seu planejamento estratégico, o destino das vidas que são arrancadas desses bairros. Quando trata que tais bairros serão “revitalizados”, implicando não haver vida antes. Daí, pelas suas metáforas falsas, serve apenas ao lado rico da balança.

Referência bibliográficas: CASTELLS, Manuel et BORJA, Jordi. (1996) “As cidades como atores políticos”. Novos Estudos CEBRAP, julho, n. 45, pp. 152-166. DELGADO, Manuel (2011). “El espacio público como ideologia”. Madrid: Catarata. FERRAZ, Sonia et MACHADO, Bruno (2014). “Eu não tenho onde morar, é por isso que eu moro na rua. Os “sem-teto”: moradores ou transgressores? ” In: Cadernos Metrópole v. 16, n. 32, pp. 609. São Paulo: EDUC. IANNI, Otavio (1999). “A era do globalismo”. – 4 ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. LEFÈBVRE, Henri. The Production of Space. Oxford: Blackwell Publishing, 1991. SANTOS, Milton (1999). O dinheiro e o território. In: Conferência de inauguração do Mestrado em Geografia da Universidade Federal Fluminense e abertura do ano letivo de 1999, Rio de Janeiro, Niterói. SMITH, N. (1988). Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand. ______ (2000). “Contornos de uma política especializada: veículos dos semteto e produção de escala geográfica”. In: ARANTES, A. (org.). O espaço da diferença. Campinas, Papirus. ______ (2006). “A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à ‘regeneração’ urbana como estratégia urbana global”. In: BIDOUZACHARIASEN, C. (org.). De volta à cidade: dos processos de gentrificação às políticas de revitalização dos centros urbanos. São Paulo, AnnaBlume. ______ (2007). Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano. GEOUSP – Espaço eTempo. São Paulo, n. 21, pp. 15-31. ______ (2012). La nueva frontera urbana. Ciudad revanchista y gentrificación. Madrid: Ed. Traficantes de Sueños. ______ (2015). Nuevo globalismo y nuevo urbanismo: La gentrificación como estrategia urbana global. In – El mercado contra la ciudad: globalización, gentrificación y políticas urbanas. Madrid: Ed. Observatorio Metropolitano de Madrid.

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