GEOGRAFIAS INVENTADAS: TRAVESSIAS, RASURAS, DEVIR.

July 3, 2017 | Autor: Carlos Queiroz | Categoria: Geografia Cultural, Geografia Contemporânea
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Hierópolis

o sagrado, o profano e o urbano

II SINECGEO – Simpósio Nacional de Estudos Culturais e Geoeducacionais V ECEGE – Encontro Cearense de Geografia da Educação

Presidente da República Dilma Vanna Rousseff Ministro da Educação Aloizio Mercadante Universidade Federal do Ceará Reitor Prof. Jesualdo Pereira Farias Vice-Reitor Prof. Henry Campos Conselho Editorial Presidente Prof. Antônio Cláudio Lima Guimarães Conselheiros Profa Adelaide Maria Gonçalves Pereira Profa Ângela Maria Mota Rossas de Gutiérrez Prof. Gil de Aquino Farias Prof. Italo Gurgel Prof. José Edmar da Silva Ribeiro Diretor da Faculdade de Educação Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação B ­ rasileira Enéas Arrais Neto Chefe do Departamento de Fundamentos da Educação Adriana Eufrásio Braga Sobral Série Diálogos Intempestivos Coordenação Editorial José Gerardo Vasconcelos (Editor-Chefe) Kelma Socorro Alves Lopes de Matos Wagner Bandeira Andriola

Conselho Editorial Dra Ana Maria Iório Dias (UFC) Dra Ângela Arruda (UFRJ) Dra Ângela T. Sousa (UFC) Dr. Antonio Germano M. Junior (UECE) Dra Antônia Dilamar Araújo (UECE) Dr. Antonio Paulino de Sousa (UFMA) Dra Carla Viana Coscarelli (UFMG) Dra Cellina Rodrigues Muniz (UFRN) Dra Dora Leal Rosa (UFBA) Dra Eliane dos S. Cavalleiro (UNB) Dr. Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Dr. Emanuel Luís Roque Soares (UFRB) Dr. Enéas Arrais Neto (UFC) Dra Francimar Duarte Arruda (UFF) Dr. Hermínio Borges Neto (UFC) Dra Ilma Vieira do Nascimento (UFMA) Dra Jaileila Menezes (UFPE) Dr. Jorge Carvalho (UFS) Dr. José Aires de Castro Filho (UFC) Dr. José Gerardo Vasconcelos (UFC) Dr. José Levi Furtado Sampaio (UFC) Dr. Juarez Dayrell (UFMG) Dr. Júlio Cesar R. de Araújo (UFC)

Dr. Justino de Sousa Júnior (UFC) Dra Kelma Socorro Alves Lopes de Matos (UFC) Dra Lia Machado Fiuza Fialho (UECE) Dra Luciana Lobo (UFC) Dra Maria de Fátima V. da Costa (UFC) Dra Maria do Carmo Alves do Bomfim (UFPI) Dra Maria Izabel Pedrosa (UFPE) Dra Maria Juraci Maia Cavalcante (UFC) Dra Maria Nobre Damasceno (UFC) Dra Marly Amarilha (UFRN) Dra Marta Araújo (UFRN) Dr. Messias Holanda Dieb (UERN) Dr. Nelson Barros da Costa (UFC) Dr. Ozir Tesser (UFC) Dr. Paulo Sérgio Tumolo (UFSC) Dra Raquel S. Gonçalves (UFMT) Dr. Raimundo Elmo de Paula V. Júnior (UECE) Dra Sandra H. Petit (UFC) Dra Shara Jane Holanda Costa Adad (UFPI) Dra Silvia Roberta da M. Rocha (UFCG) Dra Valeska Fortes de Oliveira (UFSM) Dra Veriana de Fátima R. Colaço (UFC) Dr. Wagner Bandeira Andriola (UFC)

Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior Jörn Seemann Josier Ferreira da Silva Christian Dennys Monteiro de Oliveira Stanley Braz de Oliveira O r g a n i z a d o r e s

HIERÓPOLIS: O SAGRADO, O PROFANO E O URBANO ANTÔNIA CARLOS DA SILVA JÖRN SEEMANN ANTÔNIO BILAR GREGÓRIO PINHO JOSÉ EDVAR COSTA DE ARAÚJO ANTONIO CARLOS QUEIROZ FILHO JOSÉ GERARDO VASCONCELOS ANTÔNIO IGOR DANTAS CARDOSO JOSIER FERREIRA DA SILVA ANTÔNIO KINSLEY BEZERRA VIANA KEILA ANDRADE HAIASHIDA CARLOS AUGUSTO VIANA MARCELO EDUARDO LEITE CARLOS ROBERTO CRUZ UBIRAJARA MARIA DE LOURDES CARVALHO NETA CHRISTIAN DENNYS MONTEIRO DE OLIVEIRA NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS CÍCERO JOAQUIM DOS SANTOS OTÁVIO JOSÉ LEMOS COSTA EDNÉA DO NASCIMENTO CARVALHO PAULO WENDELL ALVES DE OLIVEIRA EDSON SOARES MARTINS RAIMUNDO ELMO DE PAULA VASCONCELOS JÚNIOR EMANOEL LUÍS ROQUE SOARES REJANE MARIA DE SOUZA FERNANDA LIMA FERNANDES ROMEU DUARTE JUNIOR FRANCISCA KARLA BOTÃO ARANHA SAYONARA CARDOSO COPQUE FRANCISCO ARI DE ANDRADE STANLEY BRAZ DE OLIVEIRA FRANCISCO EGBERTO DE MELO ZENY ROSENDAHL GLAUCO VIEIRA FERNANDES

Fortaleza 2013

Hierópolis: o sagrado, o profano e o urbano © 2013 Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior, Jörn Seemann, Josier Ferreira da Silva, Christian Dennys Monteiro de Oliveira e Stanley Braz de Oliveira (Organizadores) Impresso no Brasil / Printed in Brazil Efetuado depósito legal na Biblioteca Nacional TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Editora Universidade Federal do Ceará – UFC Av. da Universidade, 2932, Benfica, Fortaleza-Ceará CEP: 60020-181 – Livraria: (85) 3366.7439. Diretoria: (85) 3366.7766. Administração: Fone/Fax (85) 3366.7499 Site: www.editora.ufc.br – E-mail: [email protected] Faculdade de Educação Rua Waldery Uchoa, No 1, Benfica – CEP: 60020-110 Telefones: (85) 3366.7663/3366.7665/3366.7667 – Fax: (85) 3366.7666 Distribuição: Fone: (85) 3214.5129 – E-mail: [email protected] Normalização Bibliográfica Perpétua Socorro Tavares Guimarães – CRB 3/801 Projeto Gráfico e Capa Carlos Alberto A. Dantas ([email protected]) Leitura e Revisão de Texto Leonora Vale de Albuquerque

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará – Edições UFC

Hierópolis: o sagrado, o profano e o urbano / Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Júnior, Jörn Seemann, Josier Ferreira da Silva et al [...] Fortaleza: Edições UFC, 2013.

486 p. Isbn: 978-85-7282-603-7

1. Sociologia da Educação  2. Sagrado e Profana  I. Vasconcelos Júnior, Raimundo Elmo de Paula,  II. Seemann, Jonn  III. Silva, Josier Ferreira da CDD: 370.711

GEOGRAFIAS INVENTADAS: TRAVESSIAS, RASURAS, DEVIR Antonio Carlos Queiroz Filho

Primeiro Movimento Terminava a disciplina de seminários, em que dois alunos que oriento no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo apresentaram suas pesquisas. Durante a sessão de perguntas, das muitas questões instigantes que ali aconteceram, uma foi a que mais me tocou: “onde vocês querem chegar com isso”? Aquele tipo de indagação já havia ocorrido noutras ocasiões. Mais até do que eu gostaria. Isso porque o tom desse tipo de pergunta sempre tinha um caráter inquisitório, como se estivessem pedindo prova de que estávamos fazendo – realmente – Geografia. Diante dessas ocasiões, sempre reagia entrando nesse jogo da Verdade Geográfica, como se aquele pressuposto não pudesse, por si só, me indicar outra perspectiva de olhar para o próprio saber geográfico como algo menos arrogante. E foi exatamente isso que ocorreu na ocasião do seminário dos meus alunos. A questão feita por uma professora, colega do programa, não teve como objetivo desqualificar nossas balizas conceituais e metodológicas. Foi, de fato, uma curiosidade. Na ocasião, apresentamos duas pesquisas que tratam, de maneira geral, sobre a relação Imagem-Cidade. Ambas buscam provocar as estruturas codificadoras das paisagens clichês concernentes às cidades inseridas na lógica do turismo. São cidades, como outra mercadoria qualquer, que lançam mão de uma identidade visual – marca – para subsidiar uma experiência capturada para o consumo na relação paisagem-lugar. Estou me referindo a um conceito muito caro para a Geografia Contemporânea na tentativa de lidar com essas

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questões em que busco analisar, compreender e problematizar o papel político que as imagens têm efetivado na relação das pessoas com os lugares, com as coisas e com elas mesmas, numa perspectiva que toma a Geografia como uma Grafia, uma escrita, uma linguagem que dá a ver, dá existência a algo, nesse caso, uma imaginação espacial. Esse é o termo que nos interessa. O vi pela primeira vez no livro “Pelo Espaço”, da geógrafa inglesa Doreen Massey. Massey está preocupada com as novas políticas da espacialidade, e argumenta que os modos de imaginar têm papel fundamental para o pensamento espacial e para as políticas no território, problematizando as “conexões entre a imaginação do espacial e a imaginação do político” (MASSEY, 2008, p.30). Tomei emprestado o caminho pelo qual a autora realiza suas reflexões. Ela parte de três considerações (o que chamei de consequências), na qual se realiza um diagnóstico das estruturas imagéticas que configuram uma dada imaginação espacial estabelecida. Massey faz proposições a essas constatações, espécie de alternativas para aquelas imaginações que foram verificadas antes, o que denominei nas nossas pesquisas de problematizações. Nossas pesquisas, portanto, sempre partem de uma imaginação espacial hegemônica, onde realizamos num primeiro grande movimento reflexivo – diagnóstico – a seguinte trajetória: consequências-problematizações, na análise 1; e a imagem que se repete, na análise 2 (ver Fig. 1 e Fig. 2). PROBLEMATIZAÇÃO 1 CONSEQUÊNCIA 1 IMAGINAÇÃO ESPACIAL HEGEMÔNICA

ANÁLISE 1

CONSEQUÊNCIA 2 CONSEQUÊNCIA 3

Figura 1 – Mind Map Analítico: análise 1 Fonte: elaborado pelo autor

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PROBLEMATIZAÇÃO 2 PROBLEMATIZAÇÃO 3

A principal característica da “consequência” é o seu caráter reducionista, totalitário, dicotômico e de verdade absoluta. Identificar como o pensamento hegemônico promove essas questões é pauta dessa etapa. ANÁLISE 2

IMAGINAÇÃO ESPACIAL HEGEMÔNICA

IMAGEM QUE SE REPETE

REFLEXÃO

Figura 2 – Mind Map Analítico: análise 2 Fonte: elaborado pelo autor

Todo pensamento estabelecido tem uma grande imagem que lhe é correspondente. A maneira de conseguirmos identificá-la é pela redundância/repetição, o famoso “clichê”. Para isso, procuramos pelas imagens associadas ao nosso tema/categoria no maior banco de dados existente no mundo de hoje, o Google Imagens. Depois dessa etapa de coleta, identificamos qual é a forma visual que se repete e, na sequência, problematizamos. Com essas duas análises, encerramos o primeiro movimento analítico da pesquisa. Restam ainda outros dois, de que falarei adiante. Antes, retomando a questão inicial: onde se quer chegar?

Segundo Movimento No mundo de hoje, em que as chegadas e partidas já estão todas semiprontas, eu diria que a melhor pergunta talvez seja: quer? Retiraria, de início, esse caráter utilitarista e finalista da ciência – chegar – bem como, do caminho já traçado, definido, fechado – onde, tal como nos sugeriu Clarice Lispector no seu livro, Água Viva, quando ela diz: “Para onde vou? E a resposta é: vou” (LISPECTOR, 1998, p.27) O “ir” clariceano tem um componente que muito me interessa. Ele trata do “é” das coisas, que implica, ao mes-

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mo tempo, lidar com o presente e apenas ele, o que seria o “histórias-até-aqui” da Massey (2008) quando ela se refere ao pensamento espacial como algo do agora, portanto, aberto; bem como, a perspectiva do devir deleuziano, tal como nos esclarece o filósofo Eduardo Pellejero no seu livro “A postulação da Realidade” (2009) quando nos explica que Deleuze não é um idealista. Digamos que, simplesmente, se nega a fazer da expressão um efeito impassível e estéril das condições materiais, um resultado da história (PELLEJERO, 2009, p.79).

Ele continua dizendo que: [...] para Deleuze, nunca foi questão de escapar do mundo que existe (nem pela destruição da verdade da qual se reclama nem pela postulação de uma verdade superior), mas de criar condições para a expressão de outros mundos possíveis, por sua vez, capazes de desencadear a transformação do mundo existente (PELLEJERO, 2009, p.80).

Eis então o desafio: a possibilidade do outro como possível e para a Geografia, esse outro seria qualquer coisa que a deslocasse para além do paradigma representacional, onde sua grafia pudesse expressar algo que atravessasse o ilustrativo, o informativo, ou seja, uma imaginação espacial menos capturada pelos dispositivos que constituem as grandes “ficções hegemônicas” (PELLEJERO, 2009). É importante dizer desse caminho como uma travessia: Não se trata para Deleuze de decidir quem tem razão, quem está em possessão da verdade, detém o direito ou merece justiça. Porque a desabilitação das ficções hegemônicas não tem por objeto estabelecer uma verdade diferente [...] (PELLEJERO, 2009, p.87).

Travessia incerta, “porque são os passos que fazem os caminhos” (QUINTANA, 2012, p.22), diz Mario Quintana no

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livro A Cor do Invisível. Isso não significa o mesmo que dizer “sem rumo”, “sem objetivo”, “sem perspectiva” e sim, uma abertura para a experiência e experimentação, que nada mais são do que uma escolha política de estar no mundo, para além das “doutrinas do consenso” (PELLEJERO, 2009, p.76). Essa abertura implica numa multiplicação dos possíveis sobre o plano da expressão que desafiam os pontos de vista consagrados e sentidos já dados pelas narrativas únicas (PELLEJERO, 2009). Chegamos ao segundo grande movimento da pesquisa: o tensionamento (ver Fig. 3).

A DI

Ó GN

IC ST

EXP

O

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IM

EN

TA Ç

ÃO

P.H.

P.M.

Rasura = Identificar + Tensionar + Desterritorializar

Figura 3 – Sobre a Rasura Fonte: http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/entre-lugar/article/ viewFile/2675/1521

O que fazer com o diagnóstico? Proponho uma travessia que suspeita. Intermeio. Inquietude. Incômodo. Tensionamento. Sem ser modelo, a problematização que permeia esse momento da reflexão toma como “método” os pressupostos – talvez esteja cometendo um equívoco em chamar dessa forma – da poesia de Manoel de Barros. Desde “o livro das ignorãnças” (2007), passando pelo “o guardador de águas” (2006), a “gramática expositiva do chão” (2004), e chegando nas “me-

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mórias inventadas” (2008), Manoel nos ensina, mesmo não querendo, a brincar com as palavras. Ele faz com a linguagem poética uma ética do dizer, em que o que importa não é a regra, nem a simetria, menos ainda o sentido último – moral – da fazer sentido. Tensionar, portanto, é uma preparação para o movimento seguinte, que é o da desterritorialização da imaginação espacial. A passagem do diagnóstico para a experimentação, que seria o ato poético propriamente, é fundamental para que grafia inventada se efetive a partir dos deslimites, do desinteressante, do pouco eloquente, do delirante Seria, por assim dizer, os primeiros passos, aqueles bem desajeitados, do passarinho que tenta levantar voo, não porque ela vai conseguir em pouco tempo “voar certo” e sim, porque ela irá “voar fora da asa” (BARROS, 2007, p.21). É, nesse momento, que a Geografia faz sua imaginação hegemônica “pegar delírio” (BARROS, 2007, p.15).

Pausa? Duas referências importantes têm me acompanhado nesse percurso com as imagens a suas geografias. Deleuze e Guattari, com as obras Mil Platôs, volume 2, em especial o trecho em que tratam dos postulados da linguística e Kafka: para uma literatura menor; e mais recentemente, Giorgio Agamben, com os livros Ideia de Prosa (2012) e O que é o Contemporâneo? e outros ensaios (2009). Deles retiro as ideias de pensamento menor, fabulação, dispositivo, linguagem, que alimentam outros conceitos que são adjacentes, tais como imaginação, poética, rasura. Com eles, tenho companhia solidária, inspiração perene nas travessias já feitas e naquelas muitas que ainda estão por vir. Apenas citando:

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Ir cada vez mais longe na desterritorialização... à força da sobriedade. E dado a aridez do léxico, fazê-lo vibrar na intensidade. Deleuze e Guattari, Kafka: para uma literatura menor, p.43. A linguagem não se contenta em ir de um primeiro a um segundo, de alguém que viu a alguém que não viu, mas vai necessariamente de um segundo a um terceiro, não tendo, nenhum deles, visto. Deleuze e Guattari, Mil Platôs, v. 2, p.14. [...] tanto o dito como o não dito, eis os elementos do dispositivo. Giorgio Agamben, O que é o contemporâneo? e outros ensaios, p.28. É precisamente a ausência de um objeto último do conhecimento que nos salva da tristeza sem remédio das coisas. Toda verdade última formulável num discurso objetivante, ainda que em aparência feliz, teria necessariamente um caráter destinal de condenação, de um ser condenado à verdade. Giorgio Agamben, Ideia de Prosa, (p.46).

Terceiro Movimento Quero compartilhar agora, no terceiro movimento, ainda que de forma breve, uma das grafias-experimentações que tenho desenvolvido no corpo de algumas pesquisas que oriento. Ela toma a fotografia como uma superfície linguística para ser rasurada, ou seja, destituída do seu caráter representacional (ver Fig. 4) e, com isso, possibilitar outras imaginações e grafias possíveis.

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Cidades Slogans

Análise 02

Análise 01

Google Imagens

A Imagem “Reduzida” da Cidade

Nomes Oficiais

Redução da Experiência

São Paulo

Rio de Janeiro

Salvador

Supermodernidade

Ideal Turístico

Iconografia, Clichês e Slogans

Nomes Usuais e Narrativas do Cotidiano

Polifonia e Redução Narrativa

Pensamento Menor

Fonte: elaborado pelo autor

Poesia Visual

Poesia e Edição Fotográfica

Figura 04 – Mind Map do percurso da pesquisa sobre “cidades slogans”.

São Paulo “NoFilter”

Pão de Açúcar, vende-se.

Salvador, Bom Fim.

Aqui temos a poesia visual como elemento atuante no processo de desterritorialização dos slogans visuais que se pretendem como tradução máxima, imaginação espacial única, das cidades, a saber, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Para cada uma delas, foi produzido um poema visual, os quais compuseram suas referidas paisagens clichês com outros elementos narrativos e estéticos. O poema em devir-fotografia e a fotografia em devir-poema. Quando misturadas, ocorreu um movimento simultâneo: o de abertura da fotografia para algo além do representacional, bem como o da poesia como algo puramente aberto ou subjetivo. Tomamos a imagem mesma, aquela já desgastada pelo uso e a intensificamos, fazendo-a dizer de cada uma daquelas cidades para além do slogan, a exemplo do poema visual que apresenta São Paulo:

Figura 5 – Poema Visual de “São Paulo”. Poesia: Vitor Bessa Zacché. Idealização: A. Carlos Queiroz Filho. Edição de Imagem: Rafael Borges

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Cada letra, cada palavra, é o próprio “pixel” da fotografia digital. Esse é um poema visual que dialoga diretamente com os aplicativos presentes nos telefones celulares dos dias de hoje, onde o ato de fotografar passou a ser mais importante que a própria experiência vivida diretamente. Aliás, divulgar a imagem nas redes sociais tornou-se a experiência máxima das pessoas com os lugares. Há aqui uma alusão clara a isso quando o poema visual é uma fotografia “postada” numa famosa rede social de compartilhamento de imagens. Uma referência direta à perspectiva da gramática e ética do ver que trata Susan Sontag no livro Sobre Fotografia (2004)1. Outro aspecto tratado nessa rasura diz respeito aos índices que compõem uma imagem para que a aceitemos a própria realidade. A exemplo da famosa pintura de René Magritte, em que ele fazia uma provocação ao paradigma representacional quando “legendou” o quadro com a seguinte expressão: “isso não é um cachimbo”, nós resolvemos dizer os índices fotográficos tais quais eles são, em palavra. Por isso as afirmações: “Aqui é uma rua”, “prédio”, “Av. Paulista”. Como se fosse um mapa, na perspectiva mais usual possível do termo. Desfiguração da fotografia, da palavra, da poesia, da concepção dura de mapa, da visualidade, do ilustrativo, do referenciado, da paisagem mesma, tudo isso, não inventando um outro estatuto de verdade, uma outra imagem autoritária. Queríamos desnaturalizar, desacostumar nossa imaginação espacial já tão autossuficiente, autoexplicativa. Com uma fuga para dentro da própria matéria constituinte do pensamento espacial hegemônico, assumimos essa grafia como devir, assim como fez Mario Quintana quando escreveu o Epitáfio para Catulo da Paixão Cearense: 1

Ver artigo “A Edição dos Lugares”, de Queiroz Filho (2010). In: http://www.fae. unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/2116

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Catulo não morreu, luarizou-se. Mário Quintana, A Cor do Invisível, p.114.

Deixemos a Geografia devir. Ela quer...

Referências Bibliográficas AGAMBEN, Giorgio. Ideia de prosa. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. ______. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução de Vinicius Nicastro Honesko. Chapecó, Argos, 2009. BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008. ______. O livro das ignorânças. Rio de Janeira: Record, 2007. ______. O guardador de águas. Rio de Janeiro: Record, 2006. ______. Gramática expositiva do chão. Rio de Janeiro: Record, 2004. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Kafka: para uma literatura menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003 ______. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, v. 02. Tradução de Ana Lucia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo: Ed. 34, 1995. LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeira: Rocco, 1998. MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Tradução de Hilda Pareto Maciel e Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. PELLEJERO, Eduardo. A Postulação da Realidade: filosofia, literatura, política. Tradução de Susana Guerra. Lisboa: Edições Vendaval, 2009. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Cia das Letras, 2004.

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QUEIROZ FILHO, A. Carlos. A Edição dos Lugares: sobre fotografias e a política espacial das imagens. Revista Educação Temática Digital – ETD, 2010. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2013. QUEIROZ FILHO, A. Carlos; DAMIANI, Hadassa. P.e BORGES, Rafael F. Rasuras e Experimentações: apontamentos sobre Cidade-Imagem-Experiência. In: Revista Entre-Lugar, 2013. Disponível em: Acesso em: 22 set. 2013. QUINTANA, Mario. A cor do invisível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

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