Geopolítica e Geoestratégia para os Açores

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Geopolítica e Geoestratégia para os Açores Félix Rodrigues Departamento de Ciências Agrárias, Universidade dos Açores.

Introdução

Para a abordagem desta temática, é fundamental que se esclareçam desde o início os conceitos que lhe estão subjacentes, de modo a que Geopolítica não se confunda com Geoestratégia e vice-versa. Utilizam-se aqui as definições de Geopolítica e Geoestratégia de Graham & Newcham, (1998), onde se afirma ser Geopolítica o estudo da geografia física e geografia humana com implicações na política e relações internacionais, enquanto a Geoestratégia, não é mais do que o processo de operacionalização da Geopolítica. Quer-se com isso afirmar, que havendo uma Geopolítica Açoriana ela não é mais do que um “mero pensamento”, se não estiver inequivocamente associada à operacionalização ou concretização das ideias subjacentes ao estudo da geografia física e humana com implicações nas relações internacionais. Também derivam destes conceitos, de modo inequívoco, que não há Geostratégia sem Geopolítica e o interesse Geoestratégico está do lado de quem operacionaliza ou implementa a sua Geopolítica. No fundo, tem interesses Geostratégicos o país ou região que implementa ou inicia o processo negocial de procura de parcerias e de identificação dos adversários que concorrem para a concretização, ou não, do mesmo objetivo. O potencial Geoestratégico de um local afere-se pelo importante papel que desempenhou, a nível internacional, em momentos críticos da história nacional ou até mesmo mundial. Assim, é a história de um lugar o melhor instrumento de medição do potencial Geoestratégico desse mesmo lugar. Desde a sua descoberta, no Século XV, que os Açores têm desempenhado uma importante missão internacional como plataforma militar, científica, política, económica e social no Oceano Atlântico. No século XV e XVI, especialmente com a “Carreira da Índia” o Arquipélago dos Açores teve um importantíssimo papel na Geostratégia portuguesa desse período. Não menos importante, até pelo contrário, ainda com maior potencial Geoestratégico, o Arquipélago dos Açores foi fundamental, de meados do século XVI a meados do século XVII, para a concretização da Geopolítica espanhola. No século XX, especialmente a partir da II Guerra Mundial até à atualidade, o Arquipélago dos Açores foi/é fundamental para a concretização das Geopolíticas inglesas, francesas e americanas.

Na atualidade, o interesse Geostratégico dos Açores mantêm-se, na perspetiva militar americana, na perspetiva científica para os europeus e americanos, e potencialmente, na perspetiva comercial para os chineses, europeus e americanos. Desde meados do século XVII que Portugal e os Açores servem para a concretização das geopolíticas de países terceiros, e que apesar de ter uma Geopolítica, não se vislumbra que tenha uma Geostratégia. A importância Geoestratégica dos Açores resulta da sua centralidade Atlântica, sendo que o Oceano que nos banha, segundo Walter Lippman, (1922) “não é a fronteira entre a Europa e as Américas”, mas sim “o mar interior de uma comunidade de nações aliadas”.

Uma Geopolítica e Geostratégia para os Açores num mundo globalizado

97% de Portugal é mar. Muito mais mar são os Açores. «Um país que tem um mar nunca é pequeno!» (Rei Leopoldo II in Berbém, 2001: 60) e uma Região como a dos Açores também não. Se o potencial Geoestratégico das ilhas é elevado, muito maior é o potencial Geoestratégico do nosso mar. Assim, a posição geoestratégica dos Açores na atualidade não é só militar é também comercial, marítima, científica e cultural, entre outros grandes aspetos que possam necessitar de análise. Se considerarmos que os contributos açorianos para a realidade nacional se alargam a todas as atividades relacionadas com os nossos recursos naturais, incluindo a monitorização e segurança dos transportes marítimo e aéreo e no papel que o arquipélago pode desempenhar no controlo marítimo das fronteiras europeias, muito poderão ter os Açores a negociar com a Europa. Politicamente, os Açores não podem ser considerados uma Região Ultraperiférica da União Europeia, porque isso, não corresponde à nossa realidade geográfica. Mudar esse paradigma deveria fazer parte da Geopolítica Açoriana. Os Açores não são uma região longe dos mercados, até pelo contrário, está no centro do maior mercado mundial que resulta do Comércio entre a Europa e os Estados Unidos da América. Na atualidade os Açores são explorados nas rendas dos recursos naturais da terra, do mar, do ar, das gentes e da sua localização geográfica; e são dependentes porque o

sistema político autonómico consegue apesar de tudo reivindicar parte dessas rendas. Tais reivindicações não são Geopolítica ou Geoestratégia, são perceções acerca do valor dos recursos que dividimos com os outros. Os parceiros Geostratégicos que nos interessam devem estar dispostos a partilhar recursos, numa negociação justa e equitativa. É devido às rendas, que a República Portuguesa tem mantido ao longo das últimas décadas serviços imprescindíveis em diferentes ilhas da Região, como por exemplo a meteorologia, o controlo de tráfego aéreo, as comunicações marítimas, a colaboração com terceiros no controlo de testes nucleares (como a recentemente a estação instalada na ilha Graciosa), o rastreio de lançamento de satélites europeus (Estação da Agência Espacial Europeia localizada em Santa Maria), a estação de monitorização da qualidade do ar e de transporte intercontinental de poluentes (PICO-NARE) e de bases militares dos vários ramos das forças armadas, entre outros. No que se refere à importância Geoestratégica militar dos Açores, e sabendo que a nossa defesa é reconhecidamente fraca, é bom saber que nestes tempos conturbados da história, temos tanto à nossa frente, como nas nossas costas, os parceiros mais poderosos (Americanos e Europeus). A Geopolítica exige um estudo continuado da evolução das políticas internacionais e do pensamento político das potências mundiais, para que daí possamos rentabilizar as nossas potencialidades geográficas e sociais. Só com um estudo constante e um acompanhamento diário, se será capaz de atuar politicamente no momento certo. É antes da tomada das grandes decisões que se podem alterar conceções, fazer valer pontos de vista e influenciar a política internacional, tendo sempre em vista, os interesses dos Açores e de Portugal. O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, entre a União Europeia e os Estados Unidos da América, poderia ser drasticamente influenciado por uma Geopolítica Açoriana e Portuguesa, pois é espetável, mesmo sem qualquer interferência regional ou nacional que o produto interno bruto (PIB) da Região cresça. Também é espetável que havendo uma estratégia eficaz de negociação, que esse crescimento pudesse ser muito maior do que aquele que resultará de ausência de qualquer interferência. Também é espetável que, no âmbito do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América, as exportações açorianas para os Estados Unidos da América cresçam, dada

a grande dimensão da diáspora açoriana nesse último país. Nesse contexto, seria de extrema importância que estivéssemos a negociar neste momento os critérios que estabelecem as características dos produtos que os Estados Unidos da América receberão, no âmbito do Acordo anteriormente referido. Se é verdade que a terra, o mar, os serviços dos ecossistemas e a paisagem são recursos importantes dos Açores, as suas cadeias de valor são essenciais para o desenvolvimento da Região. Assim, há necessidade de criação de uma estratégia integrada de ação das pequenas empresas regionais, que passa pela implementação de sistemas de controlo da qualidade, por sistemas de reconhecimento dessa mesma qualidade, como o caso das certificações e reconhecimentos internacionais, e pela otimização dos processos produtivos que visem a redução de custos, para tornarem as empresas açorianas competitivas num mercado globalizado ou no mercado transatlântico. Todavia, o desenvolvimento regional só acontece se o valor criado ao longo dessas cadeias de valor gerar efeitos multiplicadores e sinérgicos na Região. Quando existe estratégia, no caso em apreço, Geoestratégia, as negociações internacionais tornam-se mais fáceis quando aparece, tal como no mercado, concorrência. Se houvesse uma Geopolítica e Geoestratégia Açoriana para o Acordo de Parceria Transatlântica, o manifesto interesse Chinês nos produtos lácteos açorianos, constituir-se-ia um argumento forte, ou de outro modo, uma ameaça forte, para o não atendimento das propostas açorianas no âmbito desse Acordo Transatlântico. Grande parte das medidas que otimizam a cadeia de valor de produtos depende de um bom desempenho das atividades logísticas. Há no Arquipélago dos Açores um conjunto de infraestruturas (Portos e Aeroportos) que poderiam ser largamente potenciados no âmbito do Acordo de Parceria Transatlântica. As operações logísticas situam-se também no campo estratégico, atuando ao nível da conceção, planeamento, implementação e execução dos projetos estratégicos. O potencial Geoestratégico dos portos e aeroportos dos Açores precisa ser amplamente estudado e sistematizado numa Geopolítica açoriana.

Considerações finais

A Geopolítica elenca os objetivos e as principais orientações das relações internacionais que visam o desenvolvimento de um local, no entanto, terá que ser flexível na definição

de parcerias e na avaliação das potencialidades de determinados parceiros internacionais. A Geoestratégia mune-se de ferramentas técnicas e de influências políticas, científicas e sociais para atingir determinado fim. Pelo que se acaba de expor, só haverá eficaz Geoestratégia nos Açores, se for criado um gabinete de estudos capaz de acompanhar continuamente as principais tendências comerciais e políticas internacionais, e a partir delas, planear uma estratégia eficiente de atuação, que terá como objetivo último, o desenvolvimento sustentável de todo o Arquipélago dos Açores.

Bibliografia

Berbém, A. N. 2001. O Atlântico (a) Sul como questão estratégica mundializada. Estudos políticos e sociais. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Lisboa.

Graham, E. & Newnham, J. 1998. The Penguin dictionary of international relations. Penguin Books. London.

Lippman, W. 1922. Public Opinion. Project Gutenberg. http://www.gutenberg.org/ ebooks/6456. Data de consulta 16/7/2014.

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