\"Geração Moça desta Gleba\": Movimento Intelectual de Clã e a Consolidação do Campo Literário de Fortaleza na década de 40

June 14, 2017 | Autor: Thiago Nobre | Categoria: Historia, História do Brasil, Literatura, História Do Ceará
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Estadual do Ceará Centro de Humanidades Departamento de História Curso de Licenciatura Plena em História

“GERAÇÃO MOÇA DESTA GLEBA” Movimento intelectual de Clã e a consolidação do Campo Literário de Fortaleza na década de 40.

Thiago da Silva Nobre

Fortaleza 2013

Thiago da Silva Nobre

“GERAÇÃO MOÇA DESTA GLEBA” Movimento intelectual de Clã e a consolidação do Campo Literário de Fortaleza na década de 40.

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de licenciado em História, sob a orientação do Professor Dr. Gleudson Passos Cardoso.

Fortaleza 2013

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho Bibliotecário(a) Responsável – Thelma Marylanda Silva de Melo - CRB-3/623

N744g

Nobre, Thiago da Silva Geração moça desta Gleba: movimento intelectual de clã e a consolidação do campo literário de Fortaleza na década de 40 / Thiago da Silva Nobre. – 2013. CD-ROM. 85f: il. (algumas color.) ; 4 ¾ pol. “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico,acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7 mm)”. Monografia (Graduação) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de Licenciatura Plena em História , 2013. Orientação: Prof. Dr. Gleudson Passos Cardoso. 1. Clã. 2. Intelectuais. 3. Fortaleza .4. Segunda grande guerra. I. Título. CDD: 981.31

THIAGO DA SILVA NOBRE

“GERAÇÃO MOÇA DESTA GLEBA” Movimento intelectual de Clã e a consolidação do Campo Literário de Fortaleza na década de 40.

MONOGRAFIA APRESENTADA À BANCA EXAMINADORA

APROVADA EM:

____________________________________ Professor Dr. Gleudson Passos Cardoso (Orientador - UECE)

____________________________________ Professora Dra. Ana Amélia de Melo (Examinadora – UFC)

_____________________________________ Professor Dr. Alexandre Almeida Barbalho (Examinador - UECE)

Aos meus pais, ao meu irmão e aos meus avós, que a todo instante me impedem de olvidar o que há de humano em mim.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus pais, Raimundo de Brito Nobre e Glória Oliveira da Silva, que apesar de no início serem terminantemente contra a possibilidade de ter um filho historiador, agora são os meus maiores apoiadores e incentivadores. Ao meu irmão, Italo Gabriel da Silva Nobre, que está em terras de Trás-osMontes e Aldo Douro desbravando o desconhecido e a si mesmo, e cá muita falta faz. Nenhuma viagem é definitiva, irmão. Aos meus avós, Luís Lourenço e Luiza, que me ensinam lições valiosíssimas através da sua simplicidade e sabedoria, e me mostram o quão a vida pode ser boa e descomplicada, tal qual um prosear despreocupado acompanhado de café com tapioca e queijo coalho às 5 horas da tarde. Aos meus amigos próximos, que aguentam pacientemente a pessoa estranha que sou, com tendências obsessivas ao isolamento, e que não fazem ideia, mas são culpados da manutenção da minha sanidade. Aos meus amigos que estão distantes (emocionalmente), muito disso causado por eu ser um mau amigo, mas que nunca deixaram de serem importantes para mim, espero que um dia me perdoem. À Madalena, bibliotecária da Academia Cearense de Letras, que com a sua ajuda diligente me fez encontrar documentações inéditas, enriquecendo por demais o estudo, além das boas conversas sobre literatura. Ao professor e amigo, Gleudson Passos Cardoso, que sempre me incentivou e aceitou sem pestanejar a orientação deste trabalho. E por fim, à grande amiga Hannah Jook Otaviano, que ao final dos finais e comigo do outro lado do Atlântico, em terras de Camões e de Saramago, cuidou de todas as burocracias para eu poder colar grau. Muito obrigado, de coração.

“As pesquisas literárias reclamam tanta paciência quanto as pesquisas bacteriológicas... Os micro-organismos são sempre maiores do que os organismos , tão grandes e tão pequenos ao mesmo tempo.”

Filgueiras Lima, 1963.

“É sempre no passado aquele orgasmo, é sempre no presente aquele duplo, é sempre no futuro aquele pânico.”

Carlos Drummond de Andrade, 2004.

“A doçura do passado? O recordá-lo, porque recordá-lo é torná-lo presente, e ele nem o é, nem o pode ser – o absurdo, meu amor, o absurdo.”

Fernando Pessoa, 2005.

“[...]senhor doutor, tudo quanto não for vida, é literatura, A história também, A história sobretudo, sem querer ofender[...].” José Saramago, 2003.

MEMORIAL DO GRUPO CLÃ

Artur Eduardo Benevides

Quem somos nós, depois de tantos anos? Lidadores, ainda, ou já cansados? Que doces tempos de ócios, descuidados, Deixamos para além dos vãos enganos!

Éramos jovens, tontos agitados, Solidários e fiéis a grandes planos. E tivemos mais êxitos que danos Nos felizes decênios passados.

Da Grande Guerra vimos os escombros E auroras vieram sobre os nossos ombros Jamais nos encontrando em vãs tardanças.

E não trocamos sonhos por indultos. Se já não praticamos os tumultos, Conservamos as mesmas esperanças.

Resumo

Pretende-se neste trabalho analisar o movimento intelectual empreendido por jovens escritores de Fortaleza, que começavam a despontar no Campo Literário da cidade a partir do final da década de 30 e prosseguindo pela de 40, no qual desembocará, de forma progressiva e espontânea, no surgimento do Grupo Clã ou Grupo de Clã. Segundo os seus próprios participantes seria a acepção mais correta do termo, ou seja, o grupo que se criou e se manteve em volta dos empreendimentos culturais (1º Congresso de Poesia do Ceará, 1º Congresso Cearense de Escritores, Editora Clã, Revista Clã, Clube do Livro Cearense) realizados por eles. No entanto, através da pesquisa se percebeu que esses intelectuais começaram a se congregar, a reconhecerem objetivos comuns e a empreender projetos coletivamente a partir do 1º Congresso de Poesia do Ceará em 1942, da criação da A. B. D. E. do Ceará e da editora Edições Clã, do 1º Congresso Cearense de Escritores, da publicação da Revista Clã. Através da documentação manuseada se tomou conhecimento que a principal preocupação deles era com as questões profissionais, concernentes a consolidação da classe escritora, sem deixar de lado, é claro, as preocupações estéticas e o engajamento social. A publicação e a distribuição plena das suas obras, a maior integração entre os intelectuais do país e o pagamento devido dos direitos autorais estavam inseridos nas suas reivindicações. Ou seja, eles estavam empenhados em prol da profissionalização da carreira de escritor, objetivando construir e fortalecer o mercado editorial no Ceará. Dois conceitos sociológicos cunhados por Pierre Bourdieu nortearam a pesquisa, foram eles Habitus e Campo. Ambos sendo usados para compreensão dos intelectuais envolvidos no movimento, as suas trajetórias, as suas tomadas de posição, o ambiente em que estavam inseridos e as suas respostas práticas as condições objetivas do Campo Literário à época.

Palavras-chave: Grupo Clã, Intelectuais, Fortaleza e 2ª Grande Guerra.

Sumário

Introdução .............................................................................................10 Capítulo 1 - “O Mundo não necessitava de guerra e sim de poesia”: Práticas, sociabilidades, agentes letrados e 1º Congresso de Poesia do Ceará 1.1 - Práticas e sociabilidades letradas em Fortaleza (década de 40) ........................... 13 1.2 “Moços apaixonados pelas Letras”: os novos agentes letrados no Campo Literário de Fortaleza na década de 40 .................................................................................. 24 1.3 “A Semente” do movimento intelectual de Clã: 1 º Congresso de Poesia do Ceará (1942) ...................................................................................................................... 30

Capítulo 2 – “Germinação” do movimento intelectual de Clã: 1º Congresso de Escritores Cearenses (1946) 2.1 – “Tudo com o sinete da mocidade impávida e ardorosa” ..................................... 41 2.2 “Dali deveria sair alguma cousa mais solida”: O Congresso ................................. 48 2.3 - “Revista de todo o Ceará mental”: Lançamento da revista Clã número 0 ........... 67

Capítulo 3 – CLÃ, uma revista da “província” para o Brasil. 3.1 - “Dirigindo a barca da literatura cearense, com uma segura visão de timoneira audaz” ........................................................................................................................... 69

Considerações Finais ............................................................................... 80 Documentação Utilizada ......................................................................... 82 Referências Bibliográficas ..................................................................... 84

Introdução

Esta pesquisa tem o intuito de compreender o movimento intelectual, tendo à sua frente um grupo de intelectuais moços (Fran Martins, Antônio Girão Barroso, Moreira Campos, Artur Eduardo Benevides, Otacílio Colares, Aluizio Medeiros, Braga Montenegro, Lúcia Fernandes, Antônio Martins Filho, Milton Dias, João Clímaco Bezerra, Mozart Soriano Aderaldo, José Stênio Lopes e Eduardo Campos) da época, acontecido durante a década de 40 em Fortaleza. Tal movimento se iniciou com o polêmico 1º Congresso de Poesia do Ceará em 1942, plena 2º Guerra Mundial, aos quais muitos foram os entusiastas e muitos os desaprovadores. Apesar de não ter terminado de forma tão positiva como os seus organizadores planejaram, ele serviu como um lócus de troca de experiências, de diálogo e de descobertas de objetivos comuns entre os intelectuais moços da época. Gerou até um movimento contrário lá no Crato, o “Congresso sem Poesia”, liderado por Quixadá Felício e pelo padre Leopoldo Fernandes. Malogrado ou não, o evento teve o mérito de congregar jovens intelectuais, e outros nem tão jovens assim, em torno de ações coletivas e empreendimentos no âmbito cultural da cidade, como a editora Edições Clã e a SCAP (Sociedade Cearense de Artistas Plásticos) após o congresso de poesia, frutos diretos do conclave. Depois vieram outras empreitadas não menos audaciosas como a seção cearense da Associação Brasileira de Escritores, o 1º Congresso de Escritores do Ceará, concursos literários, a Revista Clã e o Clube do Livro Cearense. Todas essas iniciativas para valorizar o escritor encerrado e isolado dos grandes centros culturais do país, sendo essa a grande luta deles durante toda a década de 40. O movimento também se preocupou com outros nuances como, por exemplo, o estético, pois sendo eles modernistas e herdeiros diretos da geração modernista anterior, eram contra o beletrismo ainda praticado na cidade. Para além da estética, eles voltaram os seus olhos e a sua ação para questões econômicas, sociais e políticas, podendo se indicar no que concerne ao aspecto econômico e social a defesa dos interesses da classe escritora, no qual se encerram o pagamento do direito autoral, a distribuição e edição das suas obras, o incentivo governamental à cultura e a maior valorização da mesma em âmbito geral. Já em

relação ao aspecto político, o movimento se posicionou contra o Estado Novo, bem como muitos escritores da época espalhados pelo Brasil. Em suma, o movimento intelectual delegado por esse grupo de jovens escritores (poetas, romancistas, teatrólogos, críticos literários, contistas e cronistas) iniciado na década de 40 em Fortaleza foi estético, social, econômico, político, não se limitando a um ou outro, pois como se pode averiguar os vários aspectos citados acima pertenciam aos seus objetivos. Os principais conceitos utilizados no auxílio para compreender os intelectuais da década de 40 e a peculiaridade do contexto cultural em que estavam inseridos foram Habitus e Campo, ambos conceitos desenvolvidos pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Segundo Bourdieu, Habitus se define como sendo o conjunto de disposições interiorizadas pelo agente social durante toda a sua vida, tal interiorização começa primeiramente através da educação familiar e da instrução escolar. Essas disposições interiorizadas influenciam as tomadas de posição e as visões de mundo dos agentes, elas também funcionam como referências com qual eles contam para se adaptar às condições objetivas presentes. Ou seja, o indivíduo tem uma liberdade limitada, ele tem que estar preparado para lidar com as possibilidades objetivas, como o próprio não cansa de afirmar, tem-se que estar preparado para “jogar o jogo”. (BOURDIEU, 2011). Já o conceito de Campo, no caso da pesquisa aquilatada seria o Campo Literário de Fortaleza na década de 40, pode ser entendido como o lugar, o lócus aonde se desenrolavam e se impunham os conflitos de poder. Assim como fora dito acima, tem-se que saber as “regras do jogo” para conseguir se inserir no Campo, almejando um lugar ao sol. Geralmente se pode separar as atitudes dos agentes sociais participantes do Campo em duas: ortodoxia e heterodoxia. A ortodoxia ficaria para, no caso especifico do presente estudo, os intelectuais já reconhecidos e fixados em seus postos preguiçosos de sucesso acumulado de outrora, quase sempre desconfiando de escritores aventureiros que viessem a aparecer. Em contrapartida, a heterodoxia ficaria aos jovens intelectuais que sendo recém iniciados ao Campo, tendo pouco ou quase nenhum Capital Simbólico adquirido - conceito também pertencente à Bourdieu - ansiavam serem notados. (BOUDIEU, 2011). Por isso, geralmente os intelectuais moços aparecem com muita estapafúrdia, barulho, polêmicas e ideias estranhas (aos que já estavam consolidados no Campo Literário), querem revolucionar, abrir os próprios caminhos e construir o seu espaço. Os intelectuais estudados aqui não fugiram à regra.

13

Antes de iniciar a descrição dos assuntos abordados em cada capítulo, é necessário relatar um pouco da trajetória da pesquisa. Ela começou no final de 2009 se estendendo até o período de escritura já avançada da monografia, quando se achava que já bastava de documentação se encontrava mais, contendo informações valiosíssimas. Os principais acervos frequentados foram os da Academia Cearense de Letras, da Biblioteca Pública Menezes Pimentel e do Instituto do Ceará. O contato mais direto com os acervos, com a teoria e com a historiografia produzida sobre a História Literária e Intelectual de Fortaleza se deveu, sobremaneira, a participação do pesquisador ao Grupo de Pesquisa em Práticas Urbanas (GPPUR), em que se faz parte do eixo temático de “Práticas Letradas e Urbanidades” e ao qual se é integrante desde o final de 2009. O fato também do pesquisador ter sido bolsista CNPQ pelo grupo de 2010 a 2012 ajudou muito, pois assim foi viável se dedicar totalmente à pesquisa, tanto a empreendida ao grupo bem como a feita à monografia, e apreensão do assunto. A importância do trabalho arvora-se no lançamento de um novo olhar sobre a questão estudada, em que já alguns trabalhos foram feitos, mas que, ao ver do pesquisador, ainda constituem poucas investidas se se atentar à importância do movimento realizado na época. Outro fator que vale a pena ser ressaltado é o aprofundamento de questões já tratadas em outros estudos, mas que não foram aprofundadas suficientemente, deixando-se várias lacunas, perguntas e dúvidas. O intuito principal da pesquisa foi a tentativa de se lançar uma luz, por mais fraca e dispersa que seja, nos temas ainda pouco estudados e explorados, apesar da grande riqueza de informação. No primeiro capítulo se analisou o contexto da época em que cidade de Fortaleza estava inserida. Os Cafés pululavam pelo centro da capital, a seca se esbatia feroz e impiedosa no sertão, derramando levas e mais levas de retirantes em Fortaleza, a 2º Guerra Mundial causava carestia e a inflação de certos alimentos e produtos, exercícios de black-out, toques de recolher, paranóia, tudo sob o olhar duro, censurador e infatigável do Estado Novo de Getúlio Vargas. Mesmo assim a geração intelectual surgida na década de 40, advinda geralmente da Faculdade de Direito, não se desanimou e tomou para si a luta pelas coisas da cultura e do escritor “provinciano”, longe dos principais centros de cultura. Fazendo até um congresso de poesia em pleno tempos de guerra, muito falado e polêmico à época.

14

No segundo capítulo se tentou compreender o movimento iniciado pelos intelectuais aqui abordados, que ansiavam em ter condições objetivas para a realização plena do seu trabalho, por isso em um regabofe, ágape, banquete, convescote, panelada (a excessividade de títulos não é arbitrária e exagerada como se verá mais adiante no texto) feito em sítio à beira dos trilhos, três discursos foram proferidos afirmando que uma editora, um clube de artistas, um ateliê e um teatro teriam de ser criados para a geração nova se expressar. Ainda no mesmo capítulo é estudado o 1º Congresso de Escritores Cearenses, em que várias reivindicações concernentes a classe escritora foram debatidas e alguns foram postas em prática como a Revista Clã nº 0, constituindo-se como veículo importantíssimo de divulgação. No terceiro e último capítulo se tem como objetivo estudar a Revista Clã, a continuação do movimento iniciado no início da década de 40, a consolidação plena do Grupo Clã ou de Clã e o esforço dos seus para mantê-la viva. Além de atentar para outras empresas culturais feitas por eles como o Clube do Livro cearense, visando a maior divulgação de autores da terra, e a pressão às instâncias governamentais por concursos literários constantes, publicação de livros dos autores autóctones a menor preço, bem como a compra de suas obras para as bibliotecas públicas e escolas do Estado e incentivo monetário aos artistas daqui, ou seja, um maior incentivo aos intelectuais daqui.

Capítulo 01: “O Mundo não necessitava de guerra e sim de poesia.”

1.1 - Práticas e sociabilidades letradas em Fortaleza (década de 40) A década de 40 foi uma época bem movimentada na cidade Fortaleza, se assim é permitido dizer. Na política havia o recentemente implantado Estado Novo de Getúlio Vargas com toda a sua ação de centralização do poder. Vargas escolhia pessoalmente os interventores de cada estado, no qual no Ceará ficou sendo o sr. Menezes Pimentel em 15

todo o período estado novista que durou de 1937 até 1945. Os interventores tinham pleno poderes, escolhiam os prefeitos, que no caso da cidade de Fortaleza foi o sr. Alencar Araripe, podiam também, no caso da ausência das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, nomear um Conselho Consultivo de 5 ou 6 integrantes para auxiliar nos assuntos administrativos e econômicos. Fortaleza ainda respirava resquícios da febre aformoseadora de outrora, mas a década de 40, nas palavras de Marciano Lopes, um memorialista da época, foi o período “quando Fortaleza trocou o chapéu emplumado pela cartola do Tio Sam” (LOPES, 1989, p.161). Foi um momento de transição em que a influência européia, que estava diminuindo desde a década de 30, veio a ser sobrepujada pela norte americana, tendo a 2ª Grande Guerra como um evento decisivo para isso. A Segunda Guerra Mundial modificou amplamente o cotidiano das pessoas. Racionamento de comida, energia e combustível foram feitos, além do decretamento do toque de recolher às 22 horas. Também houve a desconfiança da existência dos espiões quinta-coluna, ou seja, agentes nazistas infiltrados em solo cearense, fato esse mais fruto de paranóia coletiva do que realidade em si. Em 18 de agosto de 1942, devido ao torpedeamento de Navios brasileiros por submarinos alemães, houve na cidade uma passeata contra Hitler desembocando em um episódio conhecido como “Quebraquebra”, em que estabelecimentos comerciais e residências de alemães, italianos, japoneses e apoiadores foram depredados e saqueados. Antônio Girão Barroso e Moreira Campos, futuros integrantes do Grupo Clã1, em seus depoimentos para o livro Roteiro Sentimental de Fortaleza falam um pouco como era o cotidiano nos tempos belicosos na capital cearense. Antônio Girão Barroso afirma que

1

Grupo literário que vai surgindo progressivamente durante a década de 40 em Fortaleza, que ao bem dizer, foi mais movimento intelectual do que grupo fechado, e ficou conhecido como Grupo Clã ou Grupo de Clã (como os seus integrantes preferiam). Sendo prova disso que o grupo só fora estruturado devidamente em 1964 em reunião à casa de Fran Martins, aonde foram considerados sócios fundadores Aluísio Medeiros, Antônio Girão Barroso, Antônio Martins Filho, Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Fran Martins, João Clímaco Bezerra, José Stênio Lopes, Lúcia Martins, Milton Dias, Moreira Campos, Mozart Soriano Aderaldo e Otacílio Colares. Os seus integrantes empreenderam à época eventos culturais (1º Congresso de Poesia do Ceará em 1942 e 1º Congresso Cearense de Escritores em 1946), criaram a Editora Clã, o Clube do Livro Cearense, a Revista Clã, defenderam os interesses da sua classe como o pagamento do direito autoral e o incentivo ao escritor “provinciano” longe dos centros culturais e lutaram pela profissionalização do ofício de escritor.

16

houve racionamento de alimentos e inclusive de energia elétrica. Eles cortavam a energia mais cedo, ficava tudo escuro, porque havia perigo, negócio de bombardeio, essas coisas. Por questão de prevenção, a cidade ficava completamente no escuro. (BARROSO, 1996, p. 156)

Já Moreira Campos na sua fala diz que a presença dos americanos em Fortaleza durante a II Guerra trouxe transformações. Eu até diria que o aumento dos produtos, a inflação, iniciou-se com a presença deles. Eu me lembro que o ovo, antes dos americanos, era bem barato. Depois, começou a subir galopantemente. Porque americano aonde chega, tem muito dinheiro, nós é que somos pobres. Então, eles compravam as coisas com muita facilidade e os preços subiam, muitos subiam.”(CAMPOS, 1996, p. 70)

Fortaleza na década de 40, apesar de possuir uma silhueta pretensamente moderna, desenvolvida, civilizada, higiênica e ordenada, pelo menos assim afirmava o discurso predominante na época, era ainda, por assim dizer, “provinciana”. Basta lançar um olhar aos bairros da cidade. No Jacarecanga, no Benfica e na Aldeota existiam as casas, as mansões, os solares e os bangalôs copiados das revistas européias, onde boa parte dos ricos da capital moravam. No bairro da Praia de Iracema havia as casas de veraneio, que os mais abastados freqüentavam para descansar. No bairro São Gerardo, chamado anteriormente de Alagadiço, havia construções com vastas faixas de terra a seu dispor. Possuia bonitas e vastas moradias, quase todas com enormes quintais, muitos deles, inclusive, com pequenos riachos, que a região era de muita água e de muito verde. Algumas propriedades eram tão grandes que se constituíam verdadeiros sítios, com capela, engenho e casa de farinha. (LOPES, 1989, p. 104)

Existiam também os distritos mais afastados e de complicado acesso como o Mucuripe, a Messejana, a Parangaba e o Antônio Bezerrra. Por motivo da distância, das estradas em péssimas condições, quando as havia, e a falta de opção em relação aos 17

transportes disponíveis fazia com que “ir até uma dessas comunidades [...] numa “viagem”.” (LOPES, 1989, p. 105). Se quisesse se aventurar mais na época, poder-se-ia ir “[...] a Barra do Ceará, então, pequeno povoado, só a pé, ou em lombo de animal.” (LOPES, 1989, p. 105). É inegável o avanço técnico-urbano-sanitário ocorrido em Fortaleza no período conhecido como “Belle Époque”2, porém, como se pode perceber, essas mudanças se detiveram majoritariamente no perímetro urbano central da cidade, mas não unicamente. Para reforçar a afirmação é só fazer alusão a grande dependência dos bairros periféricos possuíam em relação ao centro da cidade. Praticamente tudo tinha que ser resolvido lá. No bem dizer, a cidade de Alencar ainda era Pequenina e tranqüila, com seus 200 mil habitantes, Fortaleza era singela, com seus bairros que dependiam do centro, para praticamente tudo, pois nenhum bairro possuía, ainda vida própria, a exemplo de agora. Tirando as mercearias ou cinemas, nuns poucos, tudo o mais tinha de ser adquirido no centro: lojas, bancos, Corrreio, farmácias, mercearias finas. (LOPES, 1989, p. 106)

Os cafés pululavam pelo centro de Fortaleza e eram também locais de sociabilidade privilegiados pelos intelectuais da época. Marciano Lopes descreve minuciosamente bem o aspecto físico desses cafés, sendo até possível sentir o aroma de café e ver a fumaça dos charutos espiralando-se pelo ar, ouvir o folhear dos jornais e o burburinho das pessoas em conversas preguiçosas.

2

“O período que compreende o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, assinala um conjunto de relevantes transformações na formação histórica do Brasil. Acontecimentos como a abolição da escravatura, a implantação do trabalho assalariado e a instauração do regime republicano, em grande parte desencadeados pela emergência de novas forças e valores sociais e das injunções demandas pelo capitalismo que então se mundializava[...]. Na esteira desse quadro de mudanças, as principais cidades brasileiras atravessaram uma série de intensas reformas urbanas e sociais. Efeitos práticos dos anseios dominantes de modernização da sociedade, tais reformas visavam alinhar os centros urbanos locais aos padrões de civilização e progresso disseminados pelas metrópoles europeias. Em Fortaleza, capital do Ceará, assistiu-se também, a partir mesmo da segunda metade do século XIX e com maior intensidade durante a Primeira República (1889-1930), a semelhantes tentativas de regeneração urbana. Problematizando a existência, na cidade, de faltas, devios e perigos naturais e sociais que comprometiam uma apregoada necessidade de torná-la um centro desenvolvido e civilizado, um movimento considerável de discursos e práticas emergiu e procurou – sobretudo através de estratégicas medidas embelezadoras, saneadoras e higienistas – ordenar seu espaço e disciplinar sua população.” (PONTE, 2010, p. 17)

18

Os salões, não eram amplos, mas, como todos funcionavam nos térreos de antigos prédios tinham pé-direito bastante elevados, o que lhes conferia certa dignidade. Todos tinham muitas portas, meia parede azulejada com o indispensável frizo de arremate, em relevo. Muitos espelhos, um balcão-fiteiro, mesas e cadeiras e, a um canto, a tabacaria. As mesas, tinham tampo de mármore e bases de ferro fundido, predominando o já desaparecido modelo “galho de árvore” [...]. As cadeiras, anatômicas

e confortáveis , não raro eram

austríacas, com assentos de palhinha indiana. No balcão-fiteiro, às vezes revestido de espelhos e iluminado por lâmpadas fluorescentes ou incandescentes, ficavam as iguarias da casa [...]. (LOPES, 1989, p. 69)

Havia o Café Sport dos irmãos Emygio, situado na esquina das ruas Major Facundo e Liberato Barroso. O Café Odeon ficava também em uma esquina, na Barão do Rio Branco com Senador Alencar. O Café América ficava entre as ruas Barão do Rio Branco e São Paulo. Na mesma São Paulo, ao meio do quarteirão, havia também um Café com o nome homônimo da rua. Na Major Facundo existia o Café do Comércio. O Café Globo era espaçoso e um dos mais visados na época. O Café Globo, era o mais amplo e, talvez por causa da sua localização era o mais freqüentado, consequentemente, o mais famoso, o mais badalado. [...]era frequentado pelos políticos e pela intelectualidade. Em suas muitas portas podiam ser vistos, a qualquer hora do dia, deputados[...] e poetas e escritores conhecidos[...]. (LOPES, 1989, p. 71)

Os moços que viriam a engrossar as fileiras do Grupo Clã também se reuniam nesse Café e também em outros, como afirma Antônio Girão Barroso que O Café Éden, como o Globo, o do Comércio, eram freqüentados muito pela turma que depois a formar o chamado Grupo Clã: eu, Mozart Adereraldo, João Clímaco Bezerra, Moreira Campos, assim por diante. (BARROSO, 1996, p. 125)

19

Além dos cafés, os intelectuais ainda se encontravam para prosear nas bodegas, nos bares e nas livrarias. Antônio Girão Barroso no Roteiro Sentimental de Fortaleza relembrando esses lugares acaba por mapear, mesmo que sem querer, as principais livrarias da época: [...]havia naturalmente os bares e existia muita bodega onde o pessoal bebia uma cachacinha. Mas as pessoas também se encontravam nas livrarias. Cito a Livraria Moraes e depois a Edésio, na Guilherme Rocha, em frente ao Excelsior Hotel.[...]Embaixo do Excelsior Hotel havia a livraria Aéquitas, do Aderbal Freire[...]. Mais adiante havia a Livraria Imperial, do Clóvis Mendes[...] Também havia uma livraria chamada Humberto, tenho a impressão que na Floriano Peixoto, a Livraria Gurgel e muitas outras. (BARROSO, 1996, p.126)

Chegando nessa parte se faz necessário debater um pouco sobre o mercado editorial de Fortaleza na década de 40. Ele não era nada estimulante para os escritores da época, pois as editoras eram pequenas e sem distribuição nacional, as tiragens eram pequenas e geralmente custeadas pelo próprio autor, sendo assim, os livros nasciam na cidade e nela mesmo pereciam sem chance alguma de crescer e frutificar. Ednardo Honório de Lima na sua monografia Grupo Clã: Os intelectuais na Fortaleza da década de 40 menciona essa questão problemática enfrentada pelos agentes letrados do período: Como não havia mercado editorial, se comparado ao eixo Rio de Janeiro e São Paulo, a circulação de revistas e livros na capital era feita pelas tipografias: Iracema, Minerva, Moraes, Royal, Progresso e Tipografia Carneiro. (LIMA, 2010, p. 15)

Havia também as tipografias do Instituto do Ceará, a Edésio Editor, a Editora Fortaleza e a Imprensa Oficial. Como se pode perceber, estavam longe de atender a demanda existente. Uma alternativa poderia ser tentar publicar os seus livros nas editoras de renome nacional como a José Olympio, a Nova Fronteira, a Francisco Alves, a Abril e a Cultrix. Sobre essa questão Moreira Campos afirma pesarosamente:

20

Nós não temos distribuição, não temos editora. Então, se o livro não for publicado no sul, o conhecimento de sua obra literária fica altamente restrito. (CAMPOS, 1996, p. 87)

Aqui se concorda em parte com a citação, logo em seguida discordando dela, que afirma que não existia mercado editorial no Ceará. Existia sim um mercado editorial aqui, porém ele era incipiente e pouco desenvolvido. Há de se atentar às especificidades econômicas, sociais e educacionais, quais sejam o recorrente problema com as estiagens, os altos índices de analfabetismo e a não massificação de profissionais liberais (médicos, jornalistas, professores, caixeiros e outros), acarretando a não consolidação de um público consumidor forte. O aumento do profissionalismo liberal acabaria por gerar uma classe média letrada, situada entre os mais humildes e os mais abastados, dito “burgueses” na linguagem da época, classe essa que geralmente consome o que o mercado editorial tem a oferecer e também porventura produzindo para ele. A Edésio Editor, título homônimo do seu proprietário, sempre lembrado como prestando serviços importantíssimos à literatura cearense entre 30 e 40, por lançar livros de autores estreantes. Em vários momentos os intelectuais que virão a formar o Grupo Clã o citam. A Editora Fortaleza fora adquirida pelo senhor Martins Filho em 38. Ela ficava na rua Major Facundo número 746, ao lado da sua casa. Essa editora foi responsável por empresas editoriais de grande porte para época. Pode-se citar a sua primeira publicação feita em 39, intitulada O Ceará, conjunto de várias monografias sobre a história e geografia dos municípios do Ceará, tendo como co-autores Martins Filho e Ramundo Girão. A publicação teve a tiragem de 3000 exemplares, o que era um número bem austero, comparando-se as possibilidades da província na época. A composição dos livros era feita manualmente, “com tipos de caixa, compositor à mão, e uma velha impressora Marinoni, com larga folha de serviços prestados, uma guilhotina e pequenos apetrechos para costura e colagem das encadernações.” (ELPÍDIO, 2004, p. 68).

21

Assim, leva-se a crer que as outras editoras da década de 40 presentes em Fortaleza fossem semelhantes nesse sentido técnico, possuindo uma produção praticamente caseira e manual. Outro empreendimento foi a criação da revista Valor em 1938, durando quase 10 anos. Participaram dela intelectuais consolidados nas letras cearenses como Demócrito Rocha, Djacir Menezes, Florival Seraine e outros nem tanto como os estreantes Fran Martins, Antônio Girão Barroso, João Clímaco Bezerra Eduardo Campos, José Stênio Lopes, Braga Montegregro, Eduardo Campos e etc... Todos esses futuros integrantes do Grupo Clã, ou de Clã, como eles mesmos preferiam. Segundo Maria da Conceição Sousa, que fez um estudo sobre Valor na revista Aspectos, afirma que “Valor preparou, orientou e selecionou os componentes do futuro movimento CLÃ, (tem 19 anos de publicação e Clã está no 18º ano de circulação). Os fundadores e colaboradores mais antigos de Clã são todos escritores, poetas, jornalistas, etc que se iniciaram em Valor.” (SOUSA, 1968, p. 214) Sem dúvida, a revista Valor serviu como um canal aberto aos intelectuais moços para que eles pudessem escrever, já que ela surge em 38, momento inicial de efervescência cultural que se desenrolará durante toda a década de 40 através da realização de empreendimentos e iniciativas intelecto-culturais. Segundo Martins Filho, tanto a compra da editora Fortaleza como a criação da revista Valor foram importantíssimas para o seu ingresso no nicho intelectual da capital. Com a publicação desta revista, fiquei com uma posição bem sólida, entre os intelectuais do Ceará e muitos outros diferentes pontos do Brasil[...]. A Editora Fortaleza passou a ser o ponto obrigatório de reunião da intelectualidade de Fortaleza. Djacir Menezes, por exemplo,

estruturou

praticamente

a

Faculdade

de

Ciências

Econômicas no escritório de nossa Editora[...]. A Editora Fortaleza e, principalmente, a revista Valor foram o “Abre-te Sésamo”, para minha entrada nas altas rodas culturais do Ceará, nas quais conquistei espaço, de maneira gradativa e constante. (MARTINS FILHO, 1995, p. 222)

A geração que antecedeu os intelectuais em plena atividade na década de 40 foi aquela influenciada diretamente pela Semana de 22, pelo Futurismo e pela corrente antropofágica de Oswald de Andrade e Mário de Andrade, e movimento Pau-Brasil de 22

Menotti Del Pichia e Cassiano Ricardo. Podendo-se citar nomes como Demócrito Rocha (Antonio Garrido), Rachel de Queiroz (Rita de Queluz), Jáder de Carvalho, Franklin Nascimento, Sidney Neto, Mozart Firmeza, Mário de Andrade (do “Norte”), Filgueiras Lima, Paulo Sarasate, Edigar de Alencar, Heitor Marçal, entre outros. O Modernismo cearense vai ser muito peculiar, tendo o seu nuance próprio, cacoetes, manias e mandingas. Sânzio de Azevedo define bem na introdução do seu livro O Modernismo na Poesia Cearense (primeiros tempos): [...]é justamente a nota regional, forte, cheia do tropel dos cavalos do sul, de barrancas do Amazonas, da terra seca do Nordeste, de onças pintadas, de bandeirantes e de índios guerreiros, que mais irá impressionar os poetas do Ceará interessados na renovação das letras em sua terra. Um dos poetas brasileiros mais admirados por aqui nesse tempo é Ronald Carvalho[...]. Por isso, o Modernismo na terra de Alencar, apesar de precedido por notas de surdina penumbrista, vai explodir mesmo é em clangores de forte telurismo. (AZEVEDO, 1995, p. 18)

O primeiro livro nos moldes modernistas publicado aqui, segundo Sânzio de Azevedo, foi O Canto Novo da Raça em 1927, tendo Jáder de Carvalho, Franklin Nascimento, Sidney Neto e Mozart Firmeza como autores. Logo em seguida em 28 é criado por Demócrito Rocha o jornal O Povo, servindo como exímio divulgador da nova estética, também contando com Paulo Sarasate na direção. Antônio Girão Barroso comenta um pouco no seu depoimento no livro Roteiro Sentimental de Fortaleza sobre esse primevo modernismo cearense: O Modernismo aqui começou a florescer em 27, um pouquinho atrasado, com a publicação do livro O Canto Novo da Raça [...]. Foi editado pela livraria Gurgel e impresso na Tipografia Urânia. [...] Algum tempo depois tivemos A Terra de Ninguém, de Jáder. O livro de Rachel, O Quinze, é de 31, mas é mais regionalista que modernista. E nós, digamos, os novos, fomos influenciadíssimos aí pelo final dos anos 20, começos de 30. (BARROSO, 1996, p. 131)

No entanto, é sabido que por aqui já se afigurava expressões da estética modernista. Exemplo disso é Mário da Silveira, tido como um dos percussores do modernismo por essas plagas, já produzia “[...]versos polimétricos [e][...]autênticos versos livres” 23

(AZEVEDO, 1995, p. 19). Edigar de Alencar e Jáder de Carvalho também já estava publicando poemas modernos na revista Fanfarra em 1925. Logo após a publicação do livrinho modernista e mais vertical que horizontal O Canto Novo da Raça, é fundado em 7 de janeiro de 1928 o periódico O Povo por Demócrito Rocha. Ele foi um grande entusiasta e um defensor ferrenho da estética modernista, no final da década de 20 e início da de 30 o jornal ergueu fervorosamente a bandeira em defesa do Modernismo em suas páginas, publicando artigos, notícias, poemas, cartas, tudo o que versasse sobre a nova estética no Brasil e no Ceará. Vários autores modernistas e não modernistas tinham espaço nas folhas d’ O Povo, além da existência de seções destinadas somente para esse fim como “Mundanismo” e, “Modernistas” e “Passadistas”. O jornal ainda empreendeu uma enquete com vários intelectuais da época sobre o que achavam do Modernismo ao modo de uma partida de futebol, marcando placar e tudo. Sabe-se que ao fim da “partida”, segundo relata Sânzio de Azevedo no seu livrinho O Modernismo na Poesia Cearense: primeiros tempos, ficou de 11 a 2 para os modernistas, é claro. No entanto, averiguando-se o jornal O Povo do período e, ao contrário do que afirmou Sânzio de Azevedo, a contenda intelectual aos moldes futebolísticos foi até a 17ª partida. Em 1929, mais especificamente 7 do mês de abril, virá à lume o periódico modernista Maracajá, fazendo parte como suplemento do Jornal O Povo. À frente da redação estavam Demócrito Rocha (Antonio Garrido), Paulo Sarasate e Mario Sobreira de Andrade ou “do Norte” como era mais conhecido por estas bandas, para não ser confundido com o outro Mário de Andrade. O periódico repercutiu nacionalmente sendo citado na Revista de Antropofagia, mas pereceu já no segundo número (26 de maio de 1929). Ainda em 29 sairá o periódico modernista Tangapanema como suplemento literário do jornal O Ceará que, segundo Sânzio de Azevedo, a própria Revista de Antropofagia cita no seu texto sobre os clubes antropofágicos do Pará ao Ceará. Em 27 de setembro de 1931 sai mais um periódico modernista, intitulado Cipó de Fogo, mas esse ao contrário dos outros que o antecederam não foi suplemento de jornal algum, surgiu autônomo. Os intelectuais que encabeçaram a empreitada, segundo Filgueiras Lima, foram Mário de Andrade (do norte), Heitor Marçal e João Jacques. 24

Desafortunadamente, o hebdomadário literário não passou do primeiro número. Filgueiras Lima comenta em seu texto “A Literatura Cearense depois 20” sobre a efemeridade da folha moderna: Apesar de apresentar características mais revolucionarias, talvez futuristas, a segunda não obteve o sucesso da primeira. Porque foi mais panfleto literário do que propriamente um órgão do novo credo. Contudo, evidenciou uma atitude, a última grande atitude do modernismo no Ceará, na sua fase primeira, inegavelmente a mais fecunda e mais brilhante. (LIMA, 1966, p. 289)

Surgiram também depois outras publicações como Iracema redatoriada por Ernani Gomes, Plácido Castelo, Stênio Gomes e Filgueiras. A Jandaia foi dirigida por Aldro Prado e Gastão Justa, além de Baton, Fortaleza e Sol. Porém, após esse interstício fervilhante de empreendimentos literários de tipos vários, segundo Filgueiras Lima, sucederá um período de apatia intelectual: Nesse período de longa calmaria, que vai de 1931 a 1940, se rarearam as revistas e jonais de caráter literário, surgiram em compensação, muitos livros dos mais diferentes gêneros e sem marca de escola. (LIMA, 1966, p. 269)

Filgueiras Lima talvez tenha feito essa afirmação pelo motivo de não tiverem ocorrido à época movimentos ou empreitadas que aglutinassem os intelectuais em prol de ideais em comum como havia ocorrido outrora em defesa da estética modernista, gerando Maracajá e Cipó de Fogo, bem como ocorrera no movimento intelectual de Clã, no qual os integrantes se engajaram coletivamente em prol de objetivos estéticos, sociais, políticos, econômicos e profissionais. No entanto, não será obsequioso afirmar que, a partir de final da década de 30 e início da década de 40 irá surgir no Campo Literário de Fortaleza jovens intelectuais que terminarão definitivamente com a “calmaria intelectual” aludida acima. Muitos deles estreando com as suas primeiras publicações já ao final de 30, como Manipueira de Fran Martins (1934) e Alguns Poemas (1938) de Antônio Girão Barroso.

25

1.2 - “Moços apaixonados pelas Letras”: os novos agentes letrados no Campo Literário de Fortaleza na década de 40. Na década de 40 a maioria dos escritores que irão orbitar em torno das Edições Clã e da revista e, em seguida, do grupo, estavam iniciando as suas carreiras literárias. Porém, alguns já tinham publicado livros ao final de 30, como Fran Martins, com Manipueira de 37, e Antônio Girão Barroso, com Alguns Poemas de 38. Segundo o Artigo 9º dos seus estatutos de 24 de março de 1964, presente na Revista Clã nº 20, foram considerados fundadores: Aluizio Medeiros, Antônio Girão Barroso, Antonio Martins Filho, Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Fran Martins João Clímaco Bezerra, José Stênio Lopes, Lúcia Fernandes Martins, Mílton Dias, Moreira Campos, Mozart Soriano Aderaldo e Otacílio Corales. Serão esses agentes letrados que serão abordados nesse tópico, pois desde o começo da década de 40 eles vêm se articulando coletivamente até a criação das Edições Clã, da revista e, consequentemente, do grupo. Esses intelectuais começaram a estreitar suas relações na Faculdade de Direito do Ceará, em conversas de café, nos bancos anatômicos da Praça do Ferreira, na organização de eventos como o 1º Congresso de Poesia do Ceará (1942) e o 1 º Congresso Cearense de Escritores (1946), no qual descobriram a comunhão de interesses, de demandas e objetivos semelhantes.

Eles ansiavam se consolidar no

campo literário de Fortaleza e do Brasil, publicar e distribuir plenamente seus livros, serem remunerados devidamente pelas suas colaborações nos jornais, ou seja, eram a favor do respeito do direito autoral e também um maior apoio governamental à cultura do estado, além de defenderam a democracia e a liberdade. Nesse sentido, os conceitos de Habitus e Campo do sociólogo francês Pierre Bourdieu foram de muita valia para análise desses agentes sociais e das estruturas no qual eles estavam inseridos. Habitus são as disposições interiorizadas pelo indivíduo desde a infância até o fim da vida, em que as primeiras estâncias começam com a família e com a educação escolar. Tais disposições precedem a ação do agente e direciona as suas escolhas, muitas vezes no âmbito da inconsciência. Bourdieu define Habitus como o 26

sistema

de

disposições

duráveis,

estruturas

estruturadas

predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, como principio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente ‘regulamentadas’ e ‘reguladas’ sem que o por isso sejam o produto de obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim ou do domínio das operações para atingi-lo, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação organizadora de um maestro. (BOURDIEU, 1972, p. 175)

As condições objetivas estão postas aos agentes sociais para que eles atuem. A ação é influenciada pelos valores e princípios sociais interiorizados, adequando o movimento dos atores à realidade. Cada agente, que saiba ou não, quer queira ou não, é produtor e reprodutor de sentido objetivo porque suas ações e suas obras são produto de um modus operandi do qual ele não é produtor e do qual ele não possui o domínio consciente; as ações encerram, pois, uma ‘intenção’ objetiva, como diria a escolástica, que ultrapassa sempre as intenções conscientes. (BOURDIEU, 1972, p. 182)

No seu livro Questões de Sociologia, Bourdieu complementa a sua ideia de Habitus afirmando que ele “é gerador de estratégias que podem estar objectivamente em conformidade com os interesses objectivos dos seus autores sem terem sido expressamente concebidas para esse fim.” (BOURDIEU, 2003, p. 125) Já o Campo é o lócus onde os interesses dos indivíduos e os conflitos de poder desenrolam-se, embatem-se e impõe-se. No caso da pesquisa é focalizado o campo literário de Fortaleza na década de 40. O que Bourdieu afirma sobre as propriedades do Campo é que são espaços

estruturados

de

posições

(ou

de

postos)

cujas

propriedades dependem da sua posição nesses espaços e que podem ser analisadas independentemente das características dos seus ocupantes (em partes determinadas por elas). ...........

27

[São] paradas em jogo e interesses específicos, que são irredutíveis às paradas em jogo e aos interesses próprios de outros campos [...] e que não são percebidos por alguém que não tenha sido construído para entrar nesse campo (cada categoria de interesses implica indiferença perante outros interesses, outros investimentos, assim votados a serem percebidos como absurdos, insensatos, ou sublimes, desinteressados). Para que um campo funcione, é necessário que haja paradas em jogo e pessoas prontas a jogar esse jogo, dotados de habitus[...]. (BOURDIEU, 2003, p. 119)

Os intelectuais neófitos que começam a despontar no Campo Literário da década de 40, em Fortaleza, tiveram nas suas trajetórias particulares pontos em comum, pelo menos ao que se foi possível recolher de informações sobre a formação educacional de alguns, percebeu-se a similitude. Grande parte deles se alfabetizou de forma fragmentária em escolinhas do interior do Estado, posteriormente vindo à Capital para terminar os estudos no Liceu do Ceará, para depois ingressarem no ensino superior. Praticamente todos se tornaram bacharéis em Direito, modificando-se apenas as datas de suas formaturas, mas em nada disso excluindo a oportunidade de experiências e de ideias trocadas entre eles na faculdade. Antônio Martins Filho se bacharelou em 1936 na Faculdade de Direito do Piauí. Em 1937, Fran Martins se formou na Faculdade de Direito do Ceará. Em 1940, Mozart Soriano Aderaldo concluiu o curso em Fortaleza, após fazer a maior parte dele no Rio, como ele mesmo afirma: “[...]regressei ao Ceará, por imperativo de ordem familiar, concluindo na província o curso jurídico. Encontrei, de logo, velho companheiro do curso secundário no Liceu do Ceará,[...] Antônio Girão Barroso.” (ADERALDO, 1981, p. 7). Em 1941 Otacílio Colares se formou. Em 1943, é a vez de Milton Dias finalizar os estudos superiores, ele também lega em depoimento na Revista Clã nº 27 as suas experiências: Desde 1937, 38 quando fazia o Curso Pré-Jurídico, em que gozava frequentemente da companhia dos poetas Aluízio Medeiros, Antônio Girão Barroso e Otacílio Colares (este já então na Faculdade) – e quando nos libertamos das aulas noturnas, passamos àqueles bancos anatômicos da Praça do Ferreira, de saudosa memória, conversando literatura, trocando comentários sobre autores que estavam na crista da 28

onda, pondo-nos em dia com as novidades literárias de que nos davam notícias os jornais do Rio[...]. Havia permanentemente gosto da discussão, comentavam-se os livros novos que devorávamos vorazmente, possuídos daquele desejo muito próprio dos moços de aprender tudo duma vez, de absorver rapidamente a literatura mundial. Tinha-se urgência da cultura e era pequeno o mundo para as nossas aspirações. (DIAS, 1981, p. 18)

Em 1944, Aluízio Medeiros e Antônio Girão Barroso se bacharelaram e em 1946, 1947, 1948 e 1950 concluíram o curso de Direito, respectivamente, Moreira Campos, Artur Eduardo Benevides, Eduardo Campos e João Clímaco Bezerra. Apenas Braga Montenegro, Lúcia Fernandes José Stênio Lopes não se formaram na ciência jurídica. Braga Montenegro era autodidata, José Stênio Lopes licenciou-se em Filosofia e Lúcia Fernandes, ao que se sabe, não ingressou no ensino superior. Stênio Lopes comenta como aconteceu a sua aproximação em relação aos intelectuais moços que começavam a criar burburinho na cidade. Quando vim morar e trabalhar em Fortaleza em 1944, a serviço do Senai[...]. O que me tornou possível o encontro[...] talvez tenha sido Joaquim Alves, que em 1937 me orientara e cedera livros para eu ter êxito num concurso público promovido pelo Estado[...]. Menciono também a primeira aproximação com Antônio Girão Barroso, um encanto de pessoa, na redação dos Diários Associados no Ceará. (LOPES, 2008, p. 17)

Como se pode ver, a formação desses intelectuais foi semelhante e compartilhada, facilitando ações coletivas. Em relação ao Campo Literário de Fortaleza de 40 as condições não eram a das mais alvissareiras. As editoras não eram muitas: “Iracema”, “Minerva”, “Moraes”, “Royal”, “Progresso”, “Carneiro”, “Edésio”, “Instituto do Ceará”, “Fortaleza” e “Imprensa Oficial”. Geralmente, não produziam tiragens grandes, sobretudo devido a não existência de um público consolidado, das parcas condições econômicas das editoras, além de não haver também uma distribuição nacional. Adiciona-se a isso a ditadura do Estado Novo que cerceou os direitos de livre expressão dos intelectuais, a não ser se

29

favorecessem aos intuitos governamentais, e a problemática da profissão de escritor que não supria e não sustentava financeiramente por si só quem militasse nesse rincão, pois para aqueles que se dedicavam exclusivamente à arte das letras, uma vez que a atividade literária não possibilitava ao escritor angariar grandes somas financeiras, devendo este se voltar para outros tipos de trabalho, fosse no seu campo de formação, quando tivesse uma (Direito, Medicina e Engenharia, fundamentalmente), no jornalismo, na docência, ou mesmo no serviço público[...] (LIMA, 2010, p. 11)

Muitos dos agentes letrados estudados aqui, posteriormente, ingressaram na carreira acadêmica como professores: uns em Direito, alguns em Letras, outros em Economia e etc. As condições presentes no Campo Literário daqui estavam em sintonia com a conjuntura nacional da época, no qual é debatido na dissertação de Felipe Victor Lima, intitulada O Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores: movimento intelectual contra o Estado Novo (1945). O autor afirma que [havia uma] situação de dupla opressão em que se encontrava o intelectual – política por conta da censura oficial, e econômica, em decorrência das limitações financeiras advindas do ofício de escrever – passou a ser questionada mais veementemente a partir do fim dos anos 30 e início dos anos 40. A eclosão da guerra contra o nazifascismo na Europa, colocando em campos opostos as nações democráticas (ao lado das quais se encontrava o Brasil, ainda que regido por uma ditadura) e os regimes totalitários, bem como o crescimento acentuado dos índices do mercado editorial brasileiro, fez com que os intelectuais começassem a se mobilizar. (LIMA, 2010, p. 11)

Uma pergunta se faz pertinente, se o mercado editorial brasileiro está em pleno desenvolvimento, porque os escritores passavam por problemas de ordem monetária e, no Ceará, os intelectuais para, além disso, sofriam também com o problema de não serem publicados e distribuídos devidamente? A dificuldade residia “No caso Brasileiro,[...]

[em relação ao] mercado [literário] dirigido ao “povo” não estava 30

desenvolvido, até mesmo pelas dificuldades de acesso às primeiras letras pela maior parte da população” (LIMA, 2010, p. 45). Apesar do crescimento editorial brasileiro, esse estava muito ligado ao aumento das obras traduzidas, seguindo a demanda do público, em nada apetecendo os escritores nacionais. O Campo Intelectual no Brasil estava em processo de Autonomização. Conceito esse também criado por Bourdieu, desenvolvido no seu livro As Regras da Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário, em que ele analisa o processo de autonomização através das trajetórias de autores como Flaubert, Baudelaire e Zola. Tal processo se dá “à medida que o campo intelectual e artístico amplia a sua autonomia, elevando-se, ao mesmo tempo, o estatuto social dos produtores de bens simbólicos, os intelectuais e os artistas tendem progressivamente a ingressar por sua própria conta, e não mais apenas por procuração ou por delegação, nos conflitos entre as frações da classe dominante” (BOURDIEU, 1996, p. 192). O cerne da questão reside no fato de à medida que o campo se autonomiza, os seus agentes vão podendo acumular mais capital simbólico que, geralmente, pode ser transmutado em influência política e em vantagem financeira. Em relação à troca de experiências e ao ambiente intelectual particular que se começou a esboçar a partir do final da década de 30, pode-se ter algumas indicações através de dois textos de Mozart Soriano Aderaldo, o primeiro intitulado “Grupo Clã – 40 anos” e segundo sendo um depoimento feito para a Revista Clã nº 27. Mozart já aludia ao “burburinho” intelectual presente na época. “[...]em fins de 1938 ou começos de 1939,[...] conversávamos,[...] principalmente Girão e eu, sobre o fenômeno literário. Lembro-me bem da entrevista que concedi a Osmundo Pontes, publicada na “Revista Contemporânea”, em que ideias novas e um tanto atrevidas foram divulgadas, com grande repercussão.” (Revista Clã, nº 27, 1981, p. 13). Após grande procura infrutífera nos acervos, foi-se conseguido o acesso a elas através da senhora Cybelle Pontes, no entanto os primeiros números, justamente onde havia a entrevista, estavam faltando, triste pesar do ofício de historiador. Assim, ficouse impedido de analisar mais detidamente esse aspecto, mas o indicativo de insatisfação e vontade de promover ações e mudanças no Campo Literário de Fortaleza começava a se rascunhar.

31

1.3 “A Semente” do movimento intelectual de Clã: 1 º Congresso de Poesia do Ceará (1942)

Influenciados pelo 1º Congresso de Poesia de Recife os intelectuais novos decidiram fazer um evento de poesia em Fortaleza também. Antônio Girão Barroso na revista Clã nº 27 comenta sobre esse acontecimento: A matriz terá sido uma trinca de poetas, Aluízio Medeiros, Otacílio Colares e este que vos fala. Em 1941, preparamos um voluminho de poemas, chamado “Triângulo de Poesia”, e mandamos para o I Congresso de Poesia de Recife que se realizou naquele mesmo ano[...]. Essa trinca juntou-se ano seguinte com outros poetas e prosistas ditos novos, além de pintores como Bandeira, Baratta, Aldemir, Barboza Leite etc., e resolveu fazer também um Congresso de Poesia em Fortaleza, o que realmente aconteceu em agosto de 42, o Brasil em vésperas de entrar na guerra por causa do afundamento dos nossos navios. (BARROSO, 1981, p. 7)

No entanto, duas perguntas em relação à feitura de uma empresa dessas em plena 2ª Guerra Mundial se avizinham: por que fazer o evento de poesia? O que os agentes letrados novos ansiavam com isso? Na crônica intitulada “A Semente”, Fran Martins fala sobre essas questões, ressaltando a insatisfação e os meios parcos existentes na cidade no que dizia respeito à cultura. A idéia original era a de fundar uma editora para publicar a produção, sempre crescente, da nova geração de escritores do Estado. Essa idéia foi publicamente manifestada por ocasião do 1º Congresso de Poesia do Ceará, que desejava também fossem criados um Clube para os escritores, um Atelier para os pintores e um Teatro para [os que] se dedicavam[...] à arte cênica. [...]Por que editora, clube, atelier, teatro? Porque aqueles que se uniam em torno do 1º Congresso de Poesia do Ceará sentiam a necessidade de contar com instrumentos para a sua atuação no meio em que labutavam. [...]A Editora se destinava à divulgação maior dos seus escritos[...]. O Clube[...]

32

representava uma aspiração dos congressistas porque desejavam eles manter sempre unidos aqueles artistas, poetas e assemelhados, para futuras iniciativas ou simplesmente para um contato mais permanente, como acontecia em outras terras. O Atelier seria um lugar onde os artistas plásticos poderiam trabalhar mais à vontade[...]. E quanto ao Teatro, que atenderia às aspirações dos teatrólogos Eduardo Campos e Artur Eduardo Benevides, a sua criação prendia ao fato de na cidade existirem, além do inacessível Teatro José de Alencar,[...] os palcos do Centro Artístico Cearense, da Associação dos Merceeiros e da Fênix Caixeral,[...] além do teatrinho de São Gerardo[...]. (MARTINS, 1982, p. 7-8)

Assim, é possível depreender as dificuldades enfrentadas pelos intelectuais novos no campo literário de Fortaleza da década de 40. Os canais, os incentivos e as possibilidades eram escassos. Daí se compreende os motivos pelos quais eles mesmos, por iniciativa própria e coletiva, terem de se movimentar para criarem maneiras para conseguirem expressar, publicar e expor os seus trabalhos. Porém, antes mesmo das primeiras notícias sobre o congresso de poesia virem à tona o jornalista H. Menezes escrevendo em 27 de março para a sessão Literatura & Cia do jornal Gazeta de Notícias atenta ao fato da escassez intelectual e cultural presente na época, ao contrário de outros estados como Recife que a pouco se havia realizado nele um congresso de poesia e demonstrava um borbulhar literário e cultural. Positivamente, meus amigos, o Ceará precisa mais do que nunca, não só de um movimento renovador como, e antes de mais nada, de uma

limpeza

intelectual.

Nosso

ambiente

é

horroroso

de

desorganização, de falta de coesão. Vivemos isolados, cada individuo querendo bastar-se a si mesmo, fazendo em torno de si girar o mundo. ....... E’ Preciso mesmo “revolucionar”. Não deixar que os mediocres se estabeleçam. Onde estão os nossos homens de letras? Cadê os novos da terra? Os moços de Recife, agora mesmo deram um exemplo de unificação intelectual, limpando o ambiente dos usurpadores das letras. E’ preciso que se faça, aqui no Ceará, um movimento dessa natureza. (Gazeta de Notícias, março 1942, p. 2) 33

Descrição pessimista e uma chamada à ação em relação aos literatos do período, quase se impondo como um sinal e uma premonição do movimento intelectual que se esboçaria a partir do 1º Congresso de Poesia do Ceará. Ainda em 19 maio no hebdomadário Gazeta de Notícias, o jornalista ainda mantém a sua critica ao ambiente intelectual “preguiçoso” da época, apesar de já se ter havido vinculado na imprensa notícias sobre um evento de poesia empreitada pelos intelectuais novos no Campo Literário de Fortaleza. Ninguem fala, ninguem se mexe. E’ preciso sair do ostracismo criminoso, sim senhor. Cadê, então, os chamados literatos da terra? Nos outros Estados, por exemplo, está se processando presentemente um grande movimento intelectual. E’ o caso especialmente de Recife. De Belem chega-nos essa interessante publicação de cultura, que é “Terra Imatura”. De S. Salvador “Seiva”, uma revista movimentada e idealista. Até mesmo da Paraiba chegam grandes noticias. Aqui, no entanto, não há esse movimento construtor, sadio. Não há propriamente dito um ambiente intelectual. Vive-se cada um para o seu lado, procurando girar o mundo em torno de si. Não há união, coesão. Alem de tudo isso, amigos, o Ceará possue duas grandes revistas: “Valor” e “Revista Contemporanea”, a grande tentativa dos novos de Fortaleza. (Gazeta de Notícias, 19 de maio 1942, p. 3)

Ele cita, além do congresso de Recife, várias outras ações coletivas intelectuais ao redor do país e, destoando do ambiente sem união e sem coesão descrito por ele, também vai comentar sobre duas revistas feitas no período, sendo elas as revistas Valor e Contemporanea. A revista Valor, como já foi comentado anteriormente, fora criada por Antônio Martins Filho e era prensada na Editora Fortaleza. Já a revista Contemporanea fora criada por Osmundo Pontes, sendo também imprensa pela mesma editora. Ambos eram canais e caminhos possíveis por onde os “novos” tinham guarida para escrever e expressarem-se.

34

As primeiras notícias sobre o congresso de poesia que se realizaria na capital começaram a aparecer nos periódicos da época, pelos idos de maio de 1942. A primeira notícia a que se obteve acesso é do dia 9 de maio vinculada no Correio do Ceará, contendo a notícia que seria feito um evento de poesia nos moldes do ocorrido recentemente em Recife. A reportagem segue com entrevistas com alguns organizadores como Mário de Andrade (o “do Norte”), Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros e Otacílio Colares. A previsão deles era que o certame ocorresse em julho. Aluízio Medeiros comenta também sobre as condições ruins da gleba em relação a empreendimentos culturais e sobre alguns objetivos do evento. o Congresso se realizará e uma das suas principais finalidades é provocar, de qualquer maneira, uma agitação no nosso ambiente literario, amorfo e caótico. Nele serão estudados e discutidos não só a poesia em si como todas as outras formas de arte que tragam ou possam trazer, na sua intimidade, uma parcela de poesia, como o cinema, a musica, a pintura, a fotografia, o romance, etc...etc. Outra finalidade do Congresso é mostrar ao povo que o poeta moderno não é um bicho esquesito, um ser extra-terreno,[...] [à] margem dos

acontecimentos e problemas que afligem os homens no momento presente, uma vez que consideramos o poeta um dos seres mais ligados á terra, participando, desse modo, das angustias que sofrem os homens em todas as latitudes, sendo, portanto, um do interpretes mais fieis e objetivos do sentimento humano. (Correio do Ceará, 9 de maio, 1942, p. 3 - 5)

O que se percebe é preocupação com os problemas reais, vinculação e tomada de posição do intelectual ao social. Além também de um evento desses promover a troca frutífera de ideias, concepções e opiniões entre os participantes. As reuniões preparatórias foram registradas por Aluizio Medeiros, designado como cronista oficial do Congresso, sendo publicadas no jornal O Unitário na época. Eis que inicia assim, nas palavras do autor de Trágico Amanhecer, a primeira reunião: Neste 23 de maio do ano de 1942, 121º da Independência e 54º da República, numa sala tumular do Instituto do Ceará, entre relíquias e 35

preciosidades de falecidos sepultos e sob o silencioso protesto e os olhares assustados de graves retratos de mortos de cem anos atrás, treze vivos estão reunidos para discutir, estudar e assentar algumas bases do futuro 1º Congresso de Poesia do Ceará. São treze vivos: o nortista Mario de Andrade, os teatrólogos Eduardo Campos e Artur Eduardo Benevides, o sonetista Sinésio Cabral, o banqueiro Braga Montenegro, o jurista Milton Dias, o folclorista João Clímaco Bezerra, os pintores Mário Baratta e Antonio Bandeira, o jornalista Mileno Silva Thé, o poeta Otacílio Colares, o professor de poesia, nosso irmão e nosso amigo do peito, Antonio Girão Barroso, e eu, cronista oficial do Congresso. Afinal de contas, assuntando bem, somos todos poetas. Alguns com versos, outros sem eles. (Revista Clã, nº 28, dezembro, p. 15)

Logo na reunião de abertura se acertaram a Comissão Organizadora, as Comissões que ficaram incumbidas de selecionar os trabalhos a serem apresentados e a Comissão com a responsabilidade de redigir o Regulamento Interno. Ficou-se em concórdia, em relação à Comissão Organizadora, como sendo: Presidente (Mário de Andrade), Vicediretoria (Braga Montenegro), Secretário Geral: Antonio Girão Barroso e Tesoureiro (João Clímaco Bezerra). Para as demais Comissões ficou acertado assim: Romance (Fran Martins, Jader de Carvalho e Braga Montenegro), Poesia (Otacílio Colares, Filgueiras Lima e Aluizio Medeiros), Música (Alcyr Araújo, Parsival Barroso e João Jacques), Cinema (Amércio Barreira, Antonio Girão Barroso e Orlando Mota), Crítica (J. Denzidard de Macêdo, Mozart Soriano Aderaldo e Mário de Andrade), Folclore e Artes Populares (Milton Dias, Murilo Mota e João Clímaco Bezerra) e Teatro (Stélio Lopes de Mendonça, Artur Eduardo Benevides e Eduardo Campos). E por fim, a Comissão que ficou com o trabalho de elaborar o Regimento Interno ficou sendo: Francisco José dos Santos Novais, Mileno Silva Thé e Mário de Andrade. Na segunda reunião, ocorrida em 30 de maio, foi lido o manifesto do 1º Congresso de Poesia de Recife e, “entre vivos e semi-vivos” (palavras do cronista oficial), ficou-se combinado o dia 12 julho para a instalação do congresso. Já nas reuniões subseqüentes, respectivamente terceira (6 de junho), quarta (13 de junho) e quinta (27 de junho), houve muitos debates e discussões, cartas recebidas pelos congressistas de outros intelectuais do Brasil em apoio ao evento, porém nada de 36

substancial fora decidido. Apenas dona Sancha, “coberta de oura e prata” (também palavras do cronista oficial), conseguia acalmar os congressistas, em debates ferrenhos, com o seu café sedativo. Antônio Girão Barroso comenta anos depois sobre esses encontros na antiga sede do Instituto do Ceará, em depoimento cedido ao livro Roteiro Sentimental de Fortaleza: “As reuniões preparatórias do I Congresso de Poesia do Ceará foram onde era a Faculdade de Direito, embaixo, onde era o Instituto do Ceará. O presidente do Instituto, Thomás Pompeu de Souza Brasil, olhava para gente assim, achando curiosa aquela turma.” (BARROSO, 1996, p. 154) Na sexta reunião, realizada em 4 de julho, oito sociedades literárias da capital foram escolhidas para que mandassem as suas delegações, eram elas: o Instituto do Ceará, a Academia Cearense de Letras, o Centro Acadêmico Clovis Beviláqua, a Seção dos Novos da Casa Juvenal Galeno, o Centro Pré-Universitário e o Centro Estudantal Cearense. Estipulou-se 15 de julho para o recebimento de sugestões para a escritura do manifesto pela comissão responsável, composta por Américo Barreira, Antonio Girão Barroso e Aluizio Medeiros. Acertou-se também de 25 de julho como data máxima para o recebimento dos trabalhos a serem apresentados e 2 de agosto como nova data de instalação do certame. Na sétima reunião, feita em 11 de julho, a última comissão fora montada, era ela a de Arte Plásticas, formada por Mário Baratta, João Clímaco Bezerra, Siqueira dos Santos, Antonio Girão Barroso, J. Denzidard de Macedo e Aluizio Medeiros. Na oitava reunião, havida em 25 de julho, encerram-se as atividades preparatórias e Aluizio Medeiros, cronista oficial do Congresso, finaliza assim o seu texto afirmando que “[...]demos com efeito, uma eloquente lição de paciência. No que nós concordamos. E assim termina a oitava e última reunião preparatória (preparatória, atentai, ó burríssimas criaturas) do 1º Congresso de Poesia do Ceará.” (Revista Clã, nº 28, dezembro, p. 28) De maio a julho a propaganda na imprensa local é maciça. Matérias, localizadas geralmente ao pé da página do periódico Correio do Ceará, são dedicas a noticiar as adesões de intelectuais ao congresso. Podendo-se citar Filgueiras Lima, Fran Martins, Américo Barreira, Parsival Barroso, Cordeiro de Andrade, Joaquim Alves e etc. 37

Cronistas também vão comentar as suas opiniões (umas a favor, algumas contra e outras indiferentes) sobre o certame, como Maurício de Assis, Jack Tunney no Correio do Ceará e, H. Bezerra no Gazeta de Notícias. Do Crato, região sul do Estado, veio um movimento contra o Congresso de Poesia. Tendo a frente o médico Quixadá Felício, o intelectual José Stênio Lopes e o padre Leopoldo Fernandes. Em período de guerra, tempos práticos, eles discordaram da valia de se fazer um evento de poesia, enquanto no mundo a democracia estava sendo posta em perigo real por regimes totalitários e, no Ceará, havia seca, racionamento e carestia de comida, campanha de doação de metais à marinha e exercícios de black-out. “[...]as pessoas sensatas e conservadoras, pessoas sobretudo de juízo, como o então Prefeito do Crato, achavam que, em situação tão delicada, não se devia pensar em poesia, e sim em defesa civil, racionamento, blackout e muita ponderação.” (MARTINS, 2007, p. 65) Pode-se perceber nitidamente a crítica dirigida ao evento de Fortaleza no artigo escrito ao Correio do Ceará, intitulado Um Congresso e um cronista: Um congresso de poesia num tempo destes, com o solzão da seca hitlerizando o interior, nas estradas vazando retirantes famintos, o açucar de dois mil reis o quilo, o pais em sobressalto, a guerra precipitando, o mundo o no abismo, o fascismo ameaçando a inteligencia, um congresso de poesia minuscula, sem programa e sem finalidade definida, é uma calamidade! ...... Assim sendo, eu vou dizer o que mais me escandaliza na “creche” de poeta meninos que funciona no Instituto Historico; é o seu conformismo. Um imperdoavel, um incomodo comodismo em face de certas situações. Que se defina esse congresso! Que trace um rumo na encruzilhada em que nos defrontamos! Os destinos do mundo não hão de se decidir nas sessões do conclave. (Correio do Ceará, 30 de julho, 1942, p. 4)

Para ele, e também para os outros que compartilhavam do mesmo viés, o Congresso de Poesia não tinha utilidade prática num período de guerra. Porém, ultrapassando a crítica à utilidade do conclave, parece que os intelectuais do Crato se 38

sentiam, era mesmo, esquecidos e excluídos das oportunidades culturais que a capital proporcionava aos seus. Eles também queriam o seu espaço. nós do interior, que somos inconformados, que não temos Diogo nem assistimos ao clássico Maguari x Ceará, não possuímos imprensa nem Casa Juvenal Galeno, vivemos sem estimulo com a alma asfixiada de poento tédio, nós precisamos de saber que por ai as coisas se definem, se esclarecem, a inteligência é definida, a arte pode respirar, a gente pode viver a poesia da liberdade, que é arma poesia superior á das estrelas... Renovem um pouco os meus amigos congressistas o lodaçal em que vem definhando a intelectualidade cearense: terá sido grande fruto do congresso. (Correio do Ceará, 30 de julho, 1942, p. 4)

A contenda prosseguiu e o “Congresso sem Poesia” ocorreu praticamente em concomitância com o Congresso de Poesia, vindo a ser instalado no dia 15 às 13 horas no Teatro Cassino. Destoando de alguns trabalhos que também estudaram o assunto, e que cometeram uma certa confusão, a data de instalação solene do 1º Congresso de Poesia do Ceará foi ao dia 1 de agosto de 1942. E não a 2 de agosto, como erroneamente se afirmou, essa data é referente a primeira sessão plenária do evento, em que os trabalhos propostos foram debatidos. Para sanar a dúvida, fez-se uso das folhas Correio do Ceará e O Unitário, ambos trazendo notícias sobre a instalação a 1 de agosto, e da revista Valor que publicou, no seu fascículo 25 em agosto, o discurso de Filgueiras Lima, o manifesto redigido por Mário de Andrade e as sessões plenárias feitas até então. [...]no Teatro José de Alencar, a instalação solene dos trabalhos, do 1º Congresso de Poesia do Ceará marcado para ás 20 horas,[...] A abertura da sessão será feita pelo interventor Menezes Pimentel, seguindo-se, com a palavra o dr. Filgueira Lima, que pronunciará o discurso oficial. Haverá, depois, um numero de piano, que será executado pela senhorita Maria Alice Arruda, jovem que tocará prelúdio de Rachmanioff. Depois, será lido o manifesto pelo congressista Eduardo Campos, apresentando-se, logo após o orfeão do 39

Colegio Cearense, que executará lindo numero de canto. [...]Artamilce Guedis[...] recitará uma bela produção de autor brasileiro. Depois[...] o orfeão do Colegio Cearense executará nova musica, o congressista Lourenço Mota declamará, devendo a senhorita Maria Estela Braga tocar ao piano o Preludio de Chopin. [Por fim]O hino Nacional executado vibrantemente pelos presentes, encerrará a sessão solene de inauguração do 1º Congresso de Poesia do Ceará. (O Unitário, 1 agosto, 1942, p. 8)

Agora, debruçar-se-á sobre o manifesto feito especialmente para o congresso, de autoria de Mario de Andrade. “Lido na sessão de instalação, futuristicamente quase de costas para o público, pelo pouco conhecido Eduardo Campos[...]” (Revista Clã, nº 27, 1981, p. 1). Pretende-se assim, descobrir os debates que lhes preocupavam, os objetivos, a concepção de arte e o posicionamento em relação aos regimes totalitários.

40

A foto acima contém a primeira página do Manifesto feito ao 1º Congresso de Poesia do Ceará, no qual vários posicionamentos intelectuais são debatidos, expostos e defendidos. Fonte: Revista Valor nº 25 de agosto de 1942.

O manifesto se divide em três partes: “Introdução”, “A Arte no Brasil e no Mundo”; “Arte e Liberdade”. No início ele já esboça os assuntos e os objetivos ansiados pelos intelectuais signatários do documento, sendo eles debater os altos problemas da arte, as suas relações com o indivíduo e com o mundo, além de propor que se defina o pensamento do Ceará e do Brasil em face da civilização e das circunstâncias. O manifesto propõe uma definição particular para a Poesia, ampliando o seu espectro de significado. “A Poesia, no conceito do Congresso, é a única invasora. [...]é um estudo das tendencias gerais de todos os artistas – escritores, poetas, teatrólogos, escultores, cinematologos, músicos, pintores, que nele tomarem parte.” (Revista Valor, nº 25, 1942, p. 211) Ou seja, tudo quanto fosse expressão artística tinha a sua dose de poeticidade, consolidando-se também como poesia. Na segunda parte, intitulada “A Arte no Brasil e no Mundo”, preconizou-se a Arte como universal e eterna, mas se atentando as regionalidades e as influências do meio. Dava-se todo o seu voto de louvor em favor da criação de uma poesia nacional, que tomasse em primeiro plano a condição “cívica, étinica, amorosa, idealista e evolucional” (Revista Valor, nº 25, 1942, p. 211) compartilhados pelo povo brasileiro. Prescrevemos um sentido nacional, sem prejuizo das interdependencias universais, para todas as realizações da cultura e da inteligencia brasileiras; proscrevemos as formulas antiquadas, a mentira histórica, a aceitação servil de modelos estranhos ás emoções da alma nacional – todos os elementos defetuantes e desagregadores da obra de arte no Brasil. (Revista Valor,nº 25, 1942, p. 211)

41

Como se pode perceber, são continuadores das diretrizes modernistas dos de 22 lá do Sul e de O Canto Novo da Raça, Maracajá e Cipó de Fogo de cá do Norte, nos ditos do período, o que seria hoje em dia respectivamente Sudeste e Nordeste. Na terceira parte, intitulada “Arte e Liberdade”, o manifesto se coloca a favor dos grandes ideais de liberdade, pelo debate, pela discussão e pela pronuncia livre. Exprobra as formas opressivas de administração, os regimes totalitários e antidemocráticos. E por fim, conclamam os intelectuais para saírem de suas atitudes estáticas e de indiferença e, tomarem posicionamento nessa hora grave de guerra e perigo à democracia. “Somos pela Arte de interferencias estranhas, contra a influência do Poder nas concepções criadoras, pela livre condução dos Artistas e pela Verdade total nos seus empreendimentos intelectuais.” (Revista Valor, nº 25, 1942, p. 212) As plenárias, com o debate dos trabalhos, desenvolveram-se no Palácio do Comércio. Ao que se sabe, o conclave não atendeu a toda as expectativas criadas em torno dele. As plenárias foram esvaziando até em que no fatídico dia de 18 de agosto ocorreu o “Quebra-quebra” em Fortaleza, devido ao torpedeamento de navios brasileiros, encerrando-o prematuramente. Fran Martins e Antônio Girão, em seus relatos, concordam com o termino inesperado, mas discordam sobre o local onde ocorrera o termino prematuro. Para Fran Martins, o quebra-quebra gerou “[...]o fim melancolico do Congresso: as últimas reuniões se realizaram no atelier do pintor Mario Baratta, e certamente trataram mais da situação geral do que da poesia em particular. (Revista Clã, nº 29, 1982, p. 9). Já para Antônio Girão Barroso, o fato ocorreu no “[...]ateliê do Antônio Bandeira, que ficava na antiga Rotisserie, quando houve o chamado quebra-quebra. [...]Por causa desse quebraquebra, o congresso praticamente terminou; perdeu o sentido. Quebraram...” (BARROSO, 1996, p. 155). A não ser que o ateliê do Mario Baratta e do Antônio Bandeira fossem o mesmo lugar. Em contrapartida, Eduardo Campos afirmou categoricamente, em depoimento colhido por Ednardo Honório Rodrigues à sua monografia, que o congresso de poesia não terminara assim bruscamente, que nunca fora interrompido.

42

Restar-se-á a dúvida historiográfica, mas essa questão não é tão importante, excetuando a título de curiosidade. O que realmente se mostra significativo é entender o congresso como um fato que possibilitou a congregação de intelectuais em torno de ideais e concepções de mundo similares. E tal troca de experiências desembocará no movimento que se delineará por toda a década de 40. Quais sejam, o congresso de escritores, a editora (“numa das reuniões do Congresso de Poesia, alguém sugeriu a criação de uma pequena editora, logo designada Clã, mais precisamente Clan, Editora Clan assim com n no final, por força da ortografia dominante.”) (Revista Clã, nº 27, 1981, p. 7), a revista e o grupo Clã, ou seja, o movimento dos jovens intelectuais em torno desses empreendimentos. “A importância capital do Congresso e a efervescência cultural instalada a partir dele foi o que lançou a base do grupo que se delinearia a partir de 1942, se estruturaria no pós-guerra, vindo alcançar sua melhor fase nos 50[...]” (FARIAS, 2003, p. 56). Já no Congresso foi proposta a criação de um grupo que arregimentasse artistas e intelectuais novos, Clube de Arte Moderna, formando a sigla Clan, porém tal grupo nunca chegou a sair do plano das ideias, veio à tona em seu lugar a editora homônima. Cabe aqui também salientar entre o que se fez de concreto, a criação da SCAP (Sociedade de Artes Plásticas) após o certame.

Capítulo 2 – “Germinação” do movimento intelectual de Clã: 1º Congresso de Escritores Cearenses (1946)

2.1 – “Tudo com o sinete da mocidade impávida e ardorosa” Com as polêmicas do “Congresso de Poesia” já esfriadas, alguns dos intelectuais que participaram do mesmo, para comemorar a volta de Antônio Girão Barroso do Rio de Janeiro, resolveram fazer um regabofe, ágape, banquete, convescote, panelada no Mondubim, em sítio à beira dos trilhos. Segundo Eduardo Campos em depoimento à Revista Clã nº 28, as preparações etílicas ocorreram na casa dos seus pais para, logo em seguida, transferir-se para o

43

sítio, à margem da ferrovia, do jornalista H. Firmeza, já falecido, e utilizado de maneira não muito ortodoxa pelo Estrigas, vocação de pintor ainda indefinida. O regabofe, ágape, banquete, convescote[...] ocorreu ao meio-dia, sob mangueiras, e foi servido aos presentes (Antônio Bandeira, Aldemir Martins, Artur Eduardo Benevides, Mário Sobreira de Andrade, Estrigas, Aluízio Medeiros, o homenageado e eu) suculenta panelada preparada pela Raquel Saturtino[...], com um prato de opção, galinha churrasqueada pelo próprio Estrigas, que fora apanhar a penosa ao quintal do vizinho que, sem saber, também colaborou para o êxito dessa gastronomia. (Revista Clã, nº 28, 1982, p. 9).

Em relação ao local onde se desenrolou a petisqueira e como ela procedeu não há dúvida alguma, pois os relatos sobre o aludido fato não diferem sobre esses aspectos. Sabe-se que a reunião festiva foi feita para comemorar a volta do poeta Antônio Girão Barroso do Rio de Janeiro. Porém, a data em que ela ocorreu, apesar da diferença de apenas um dia, é uma incógnita. A dúvida surgiu devido à diferença entre dois textos de Eduardo Campos, um sendo o próprio discurso do mesmo feito ao dia, enfeixado em livro posteriormente, e ou outro o depoimento feito à Revista Clã nº 28. Em seu discurso, ele mesmo pontua e descreve o dia da confraternização dizendo que “[...]somos neste vinte e cinco de outubro de chuvas de caju e da rama[...]” (Revista Clã, nº 28, 1982, p. 31). Em contrapartida, no depoimento inserido na seção Esse tal de Grupo Clã ele afirma que o dia do fato aquilatado foi a 26 de outubro, implantando vorazmente outra dúvida historiográfica. Mozart Soriano Aderaldo em texto contemporâneo ao de Eduardo Campos, escrito à revista da Academia Cearense de Letras nº 42, reitera a data de 26 de outubro como sendo o dia em que a festividade acontecera. No entanto, levar-se-á a crer, seguindo a risca os cânones da crítica documental séria, que o churrasco ocorreu mesmo a 25 de outubro, pois é bem mais fácil se confundir através da flexibilidade da memória em relato feito 39 anos depois a Revista Clã e a Revista da Academia Cearense de Letras, do que em discurso feito ao dia. Outro indício interessante que corroborou para a assertiva foi o simples fato de 26 de outubro de 1942 ter sido uma segunda-feira, enquanto 25 de outubro foi um domingo, bem mais 44

adequado à prática de festas, homenagens, confraternizações e ociosidades criativas. Por isso, é-se levado a acreditar que o fato ocorrera definitivamente em 25 de outubro de chuvas de caju e da rama. Nesse regabofe, três discursos foram proferidos, iniciando-se por Eduardo Campos, seguindo-se por Mário de Andrade e terminando com os agradecimentos de Antônio Girão Barroso. Tais discursos são de suma importância, pois eles demonstram as várias ideias, muitas delas já esboçadas no Congresso de Poesia, que eles estavam planejando por em prática no campo literário de Fortaleza. Eduardo Campos elucida bem a questão afirmando em seu discurso que eles, os intelectuais jovens, necessitavam [...]tomar uma atitude que se enquadre dentro de nossos princípios, deixar de lado a teoria das ideias, eternas ideias que nada resolvem, vamos portanto trabalhar, vamos fundar o Teatro Experimental, o nosso clube de arte para sossegar o Mário Baratta, vamos editar os nossos livros[...]. Em todo o caso, levemos daqui, de tão encantador convívio, de poucas horas é verdade, a certeza de que amanhã é o dia marcado para o início, ou mais solenemente, parar o lançamento fundamental de nossas ideias que vão conhecer o terreno real para onde devem marchar todos os empreendimentos. E teremos o Teatro, a Editora, e a nossa amizade alicerçada mais uma vez. (Revista Clã, nº 28, 1982, p. 32)

Mário Sobreira de Andrade, vindo de uma geração anterior (aquela mesma de Maracajá e Cipó de Fogo), reitera a fala de Eduardo Campos dizendo que deveria ser feito “uma editora, um clube, um atelier, um teatro – tudo com o sinete da mocidade impávida e ardorosa de vocês e – por que evitá-lo? – com uma certa dose da minha já risonha experiência...” (Revista Clã, nº 28, 1982, p. 36). As preocupações presentes já no Congresso de Poesia, ainda estavam frescas nas mentes dos intelectuais, que ansiavam concretizá-las o quanto antes. Como foi dito anteriormente, a Editora Clã fora criada após Congresso de Poesia por Mário Sobreira de Andrade, e a sua primeira publicação, datando de 1943, foi um livreto de 19 páginas intitulado Três Discursos, contendo as falações de Eduardo Campos, Mário de Andrade e Antônio Girão Barroso proferidas no Mondubim em uma 45

panelada festiva. No mesmo ano ainda foram publicados o livro de contos Águas Mortas de Eduardo Campos e Escola Rural de Mário de Andrade, dando início ao projeto editorial de divulgação dos escritores envolvidos no presente movimento intelectual. Mozart Soriano Aderaldo em texto intitulado Grupo Clã – 40 anos fala sobre a questão, que em uma das sessões da [...]ABDE [se]resolveu fundar uma editora distribuidora de nossos livros, pois o principal problema dos intelectuais de província não é propriamente a publicação de suas obras mas a sua distribuição, ficando todos ilhados e sentindo necessidade de publicar seus trabalhos no eixo Rio – São Paulo. O nome da editora-distribuidora não poderia ser senão “Edições Clã”. (Revista da Academia Cearense de Letras, nº 42, 1981, p. 9)

Em 1943 Fran Martins, a pedido de Tarquinio de Sousa, instalou a seção cearense da Associação Brasileira de Escritores (A. B. D. E.). Dentre as suas disposições, a principal era defender os direitos autorais e a remuneração justa, em suma, prezar pelos direitos da classe dos escritores. A Associação Brasileira de Escritores (A. B. D. E.) assim como Sociedade Brasileira de Escritores (S. B. E.), surgiram em contexto bem específico na década de 40. Tais associações de classe nasceram em um período que o “mercado era propício para a arte literária, bem como para outros tipos de produção escrita, justamente pela expansão do público leitor, o surgimento de novas editoras, além da necessidade de preencher o espaço deixado pelas obras importadas, que não mais chegavam ao Brasil por conta da guerra.” (LIMA, 2010, p. 84). Essa descrição presente na dissertação de Felipe Menezes Lima descreve a situação do eixo Rio – São Paulo, pois ao que se sabe, em Fortaleza as condições eram bem mais adversas. Cidade distanciada dos pólos culturais do país, possuindo pequenas editoras, um mercado editorial e consumidor pouco relevante, devido também a baixa taxa de alfabetização e outras problemáticas mais, confluíam para um ambiente pouco propício aos escritores. Ou seja, publicar um livro aqui era uma empresa bem espinhosa e, ter a sua obra distribuída plenamente, quebrando as fronteiras estaduais, era mais difícil ainda. Um ano antes, em novembro de 1942, fora criada A. B. D. E. nacional na sede do jornal A Manhã. A entidade surgiu com o intuito de zelar pelos “[...]direitos legais e econômicos dos escritores” (LIMA, 2010, p. 87), além de se organizar uma frente de intelectuais em oposição ao Estado Novo. 46

Como foi mencionado anteriormente, a editora “Edições Clã” iniciara os seus trabalhos em 1943 com Três Discursos, Águas Mortas e Escola rural, no entanto devido a motivos de adversidades econômicas, a editora terminou “redundando[...] num fim melancólico e inconsequente.” (Correio do Ceará, 8 agosto, 1946, p.2). Mas em 1946, já sob os auspícios do Clube de Literatura e Arte e tendo Fran Martins como seus diretor, ela volta à ativa , publicando Noite Feliz de Fran Martins, Face Iluminada de Eduardo Campos, Os Hóspedes dos autores Otacílio Colares, Aluízio Medeiros, Antônio Girão Barroso e Artur Eduardo Benevides, não esquecendo também Roteiro de Eça de Queiroz de Stênio Lopes. Em artigo feito ao Unitário de Herman Lima, datando de 12 de janeiro, o intelectual comenta sobre a transformação das Edições Clã em cooperativa, ele também ressalta a iniciativa de se criar um Clube do livro, aqui nomeado de Clube de Amigos do Clã ou apenas Clube do Livro Clã. [a editora][...]acaba de se transformar em cooperativa, com capital subscrito de cinqüenta mil cruzeiros – o que talvez não dê bem para o vestido duma das amantes dos tubarões dos lucros extraordinarios do papel nacional, mas representa de certo alguma coisa na minha provincia pobre – sabendo-se mais que o Clube de Amigos de Clã já tem trezentos sócios, o que é uma bela sementeira de nobre e generosa ideia. (Unitário, 12 janeiro, p. 5)

O Clube de Livro Clã era uma dependência da Cooperativa Clã, ele funcionava assim: os associados recebiam 20% de desconto nos livros publicados pela editora, só pagavam quando eles chegassem ao destino, sendo a entrega feita por meio do reembolso postal. Mais uma forma encontrada para estimular a comercialização de livros de autores cearenses. Ao que se sabe, o Clube de Literatura e Arte foi criado por Antônio Girão Barroso em 1946, tendo a sua primeira sessão pública ocorrida em fevereiro do mesmo ano. Não se deve, o que geralmente se faz inadvertidamente, confundir propriamente o Clube de Literatura e Arte criado por Girão com o futuro Grupo Clã, ou de Clã (grupos esse que se manteve em torno da publicação da Revista Clã), pois no seu nascimento era apenas um clube de artistas que congregava escritores e artistas plásticos. “[...]no início, erámos intelectuais, moços apaixonados pelas Letras e havia artistas plásticos. Antônio 47

Bandeira, Aldemir Martins, Barbosa Leite e Mário Baratta eram artistas plásticos. Arte tem traço um traço em comum. Então, nós os admirávamos e eles nos admiravam. Daí a sigla – Clã – Clube de Literatura e Arte. Artistas da pena e do pincel. (CAMPOS, 1996, p. 57). Depois, os artistas plásticos saíram, ficamos só nós, os intelectuais. Mas ele, assim como o 1º Congresso de Poesia, o convescote em Mondubim, a A. B. D. E., seção Ceará, o Congresso de Escritores, a revista e etc., foram os embriões para o surgimento e maturação do Grupo Clã, propriamente dito, que estava mais para movimento e ação prática do que qualquer outra coisa. O próprio Fran Martins alude à questão em texto presente na Revista Clã nº 27: De uma cousa estávamos certo: não tínhamos nenhuma intenção de criar um grupo, como acontecera com a Padaria Espiritual , ou a chamada Academia Francesa, ou o Centro Literário. Não éramos, na verdade, criadores de movimentos: éramos movimento, isto é, agíamos espotaneamente, inconformados, com ou sem razão, rebeldes, mesmo, sem uma causa aparente para a rebeldia, sobretudo libertos de preconceitos ideológicos ou literários, cada um trabalhando em seu ofício segundo suas próprias tendências, sem que o fato de, juntos, fazermos uma revista ou compormos uma associação nos obrigasse a adotar atitudes que contrariassem, pelo menos, apesar da revista, do clube de literatura, dos congressos de poesias e de escritores. (Revista Clã, nº 27, 1981, p. 15)

Porém, a publicação da revista e a luta para mantê-la viva, refletirão o momento de maior coesão entre esses escritores e, consequentemente, a consolidação do Grupo Clã. Em notícia colhida ao jornal Correio do Ceará, intitulada As , Antonio Girão Barroso alerta os leitores para a pretensão já existente de se lançar uma revista tratando de assuntos relativos à cultura, seu nome seria Cadernos de Clã: Cogitamos, no momento, de publicar o primeiro numero dos “Cadernos de Clã” – uma revista que, não temo dizê-lo, honrará o Ceará onde quer que seja vista. E que será uma novidade autentica entre nós, onde até hoje, com raras exceções, revista é sinonimo de “cavação” ou de chantage. Aliás, o numero das que têm existido até aqui prova, de certo modo, que significam bem pouco ou nada para a nossa vida intelectual. Os “Cadernos” continuarão a linha traçada há 48

tempos pela “Revista do Ceará” de Murilo Mota, mas ampliando o seu raio de ação, mesmo porque o tempo permite muito mais que abordemos, nas suas paginas, todos os assuntos ligados á cultura. Assim, depois dos artigos de colaboração, seguir-se-á uma parte dedicada ao noticiario, vindo após, sob a responsabilidade de gente competente, varias secções, como a de Livros, Artes Plasticas, Musica, Cinema, Teatro, Radio, Economia e Direito, Sociologia, Politica, Filosofia e Ciencia. Isso, nos números impares, porque nos números pares as suas páginas darão guarida tambem a publicação de pequenos livros (ensaio, monografias, etc.) (Correio do Ceará, 8 agosto, 1946, p.2)

A ideia de uma revista que tratasse de vários aspectos da cultura já era planejada e vinha sendo ventilada na imprensa desde então, como se foi possível verificar. Ela será reafirmada no 1º Congresso Cearense de Escritores, além de várias outras propostas debatidas nas teses apresentadas ao conclave. Em 22 de janeiro de 1945 houve o 1º Congresso Brasileiro de Escritores, tendo a sua instalação no Teatro Municipal de São Paulo. Foi o primeiro evento coletivo empreitado pela A. B. D. E., arregimentando escritores do país inteiro, em que várias questões referentes a defesa da classe escritora foram debatidas, além de se estabelecer um posicionamento intelectual, por parte dos participantes, contra o Estado Novo de Getúlio Vargas. Fizeram parte da delegação cearense enviada para o evento: Herman Lima, Lívio Xavier, Raquel de Queiroz, R. Magalhães Junior. Em notícia vinculada ao Unitário é ressaltado sobre o que representou o 1º Congresso Brasileiro de Escritores nacionalmente, ainda no mesmo texto é posto em questão os compromissos decididos ao final do evento, o chamado a todos os intelectuais para se juntarem a A. B. D. E., tornada-a uma entidade realmente forte e ativa para defender plenamente os interesses dos escritores, além de corroborarem a favor da democratização do país. Precisamente há um ano, os escritores brasileiros, reunidos em seu primeiro congresso, definindo os princípios essenciais á existencia da Cultura em nossa Patria reconheçam de publico os seus deveres

49

políticos para com o Povo e colocavam-se firmemente ao lado dos homens livres que em todo o mundo se haviam unido para esmagar os agressivos exercitos do Eixo. Foi, a seu tempo, um exemplo de coragem, que somente a unidade de ação tornaria realizavel, participar na frente interna da luta contra quinta-colunista e fascista que impediam as mais elementares manifestações do pensamento.

..... Devemos, contudo, reconhecer o inexplicavel atraso em que ficamos, em face dos compromissos que assumimos, no 1º Congresso de Escritores, para com o povo brasileiro, para com os destinos democraticos de nossa Patria e até mesmo para com os principios que declaramos publicamente aceitar. [...]Ao decorrer um ano da realização de nosso Congresso, dirigimos um apelo a todos os escritores, artistas, jornalistas e intelectuais de outros setores de atividade, em todo o Brasil, para que prestigiam e emprestem vida ativa á ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES. A ABDE precisa tornar-se um orgão efetivo de defesa e de luta pela dignidade e pela melhoria de condição de todas as profissões intelectuais, pela popularização da Cultura, quer no sentido subjetivo de divulgá-la entre o povo, de aproximar cada vez mais os intelectuais dos problemas do povo quer objetivamente pelo barateamento do livro e do jornal pela elevação no nível cultural e melhor aproveitamento do cinema, do teatro e do radio brasileiros. (Unitário, 11 agosto, 1946, p. 7)

2.2 – “Dali deveria sair alguma cousa mais solida”: O Congresso As primeiras notícias sobre o 1º Congresso Cearense de Escritores começaram a vir à tona na imprensa no mês de julho. Segundo as notícias, ele serviria de caráter preparatório para 2º Congresso Brasileiro de Escritores, que aconteceria no ano vindouro, além de debater assuntos de silhueta prática e objetiva concernentes à classe escritora. Em entrevista concedida por Fran Martins (presidente da A. B. D. E., seção Ceará no período) ao Unitário, ele enuncia as disposições, as diretrizes e os objetivos que o certame seguiria: 50

O Congresso terá carater objetivo e pratico, donde poderemos dizer que não será um conclave para discussões meramente literarias... Veremos todas as questões de interesse dos escritores do Ceará, estabelecendo soluções para elas, tendo em vista as suas atuais condições, face, inclusive, ás suas necessidades econômicas. Pela primeira vez na sua historia, o nosso Estado verá reunir-se, num congresso amplo e democratico, os seus intelectuais mais interessados na solução dos problemas da classe, que são muitos. E’ claro que, dentro dessas questões de interesse dos escrito-literario poderão ser discutidas tambem, mas o necessario é que não se tire o pé da realidade, que deve orientar os nossos passos (Unitário, 23 julho, 1946, p. 6)

Como foi possível identificar, o congresso tinha objetivos práticos, discutindo as problemáticas específicas existentes na época, propondo soluções possíveis e viáveis. Durante todo o período antecedente ao certame, notícias saíram sistematicamente propagandeando, validando e dando razões efetivas para a sua existência. Às vésperas da sua implantação o embate sobre a defesa da sua utilidade persistiu: [...]o conclave do dia 7 tem a sua razão de ser, pois ele não será uma reunião de literatos prontos a brilhar em cada sessão, mas, muito ao contrario, uma assembléia de discussões objetivas em torno dos problemas de ordem social e econômica que afetam os escritores. Será, digamos, um congresso imediatista, o que não quer dizer que não se possa debater nele questões de carater literario, desde que não se encaminhe as conversas a serem entretidas para planos... lunaticos. [...]Devemos fazer finca-pé nesse congresso, afim de, daí por diante, jamais abandonarmos o terreno das reivindicações justas, dando ao homem de letras de nossa terra mais possibilidade de realização, pela efetivação inclusive dos seus direitos de autor. (Correio do Ceará, 5 setembro, 1946, p. 6)

Antes de se enveredar propriamente pelo conclave de escritores, é preciso esclarecer algumas questões metodológicas adotadas. Foi possível, devido o acesso as atas do evento encerradas em livro (Afirmação) publicado pelas Edições Clã em 1947, mas feito 51

na tipografia do Instituto do Ceará, ter informações riquíssimas e inéditas sobre o evento aludido. No entanto, estudar pormenorizadamente, as sessões plenárias, as teses apresentadas ao dia e as discussões posteriores entres os congressistas, seria uma empresa no mínimo titânica para um humilde trabalho monográfico, sem mencionar que somente um estudo detido sobre atas (um livro contendo mais de 300 páginas) do Congresso de Escritores já daria fôlego de sobra para a escritura de um trabalho completo. Por isso, decidiu-se por tratar o conclave de forma panorâmica, mas não menos diligente. Sendo isso dito, serão analisados o regimento interno, os discursos de instalação e de encerramento, o manifesto e as conclusões encaminhativas deliberadas ao final, além de notícias vinculadas a imprensa saídas no mês de outubro, ainda reverberando sobre o congresso. Como foi mencionado anteriormente, o evento foi coordenado pela A. B. D. E. cearense, tendo como parte integrante da diretoria em exercício de 46/47 Fran Martins (Presidente), Joaquim Alves (Vice-presidente), Eduardo Campos (1 Secretário), Mario Barata (2º Secretário) e João Clímaco Bezerra (Tesoureiro). Já do conselho fiscal faziam parte Cruz Filho (Presidente), Artur Eduardo Benevides (Secretário), Aluizio Medeiros, Antonio Girão Barroso e Hugo Catunda. Integravam a comissão organizadora Fran Martins (Presidente), Henriqueta Galeno (Vice-Presidente), Braga Montenegro (Secretário Geral), Eduardo Campos (Secretário), Antonio Girão Barroso (Secretário) e Candida Maria S. Galeno (Tesoureiro). Em nota explicativa nas primeiras páginas de Afirmação, Fran Martins disserta sobre o dia em que a ideia de se fazer um congresso de escritores foi sugerida por Antonio Girão Barroso em reunião da A. B. D. E. cearense: Uma tarde, em principio de julho, reunidos no salão nobre do Instituto do Ceará, realizamos a reunião costumeira da ABDE quando Antônio Girão Barroso, que entre nós tantas vezes tem dado provas de ser um fecundo idealisador de movimentos em prol das letras e das artes, levantou a idéia de ser realizado, no Ceará, um congresso de escritores. Já sabíamos que, em São Paulo, Sergio Milliet estava a braços com empreendimento identico, o qual seria uma espécie de reunião preparatória ao Segundo Congresso Brasileiro de Escritores, que a ABDE pretendia – ou pretende ainda – realizar neste ano de 1947. E os que estavam presentes áquela nossa minguada reunião – 52

Eduardo Campos, Artur Eduardo Benevides, Cruz Filho, Mario Baratta, Stenio Lopes, Braga Montenegro, Aluizio Medeiros, Sidney Neto, João Climaco Bezerra, Martins Filho e o autor desta notícia – imediatamente aprovaram a ideia lançada por Girão Barroso, desejosos de fazer também algo de novo entre nós, algo que modificasse um pouco a monotona paisagem intelectual da província, pondo-nos frente á frente com os problemas de uma classe que ainda é, de todas as classes, a mais sacrificada e a mais esquecida. (Afirmação, 1947, p. 3)

Várias instituições culturais prestaram o seu apoio ao empreendimento, das quais se cita o Instituto do Ceará, o Instituto do Nordeste, Academia Cearense de Letras, Academia de Letras do Ceará, Clube de Literatura e Arte, Casa de Juvenal Galeno, Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, Centro de Ciência e Filosofia, Sociedade Cearense de Geografia e História, Academia de Estudos e Letras de Sobral, União de Moços Católicos e Centro Cultural José do Patrocínio. A Sociedade Cearense de Artes Plásticas também hipotecou solidariedade ao evento, promovendo uma exposição de quadros de pintores cearenses no Palácio do Comércio, durante o período do evento. O temário do congresso ficou acertado como sendo sobre o escritor em relação à literatura, ao meio e ao mundo. Cada tema se desenvolve em outros mais específicos. Escritor em face da literatura se divide em “O escritor conservador e o escritor revolucionário, “A chamada “arte pela arte” e a literatura de tese”, “O regional e o universal em literatura”, “O romance moderno e o romance antigo”, “A poesia moderna e a poesia antiga”, “O sociológico e o psicológico na prosa e na poesia”, “O problema da ortografia no Brasil”, “As traduções”. O escritor em face do meio se dividiu em “O provincianismo e o centralismo”, “O estimulo ao escritor da província”, “A divulgação literária do escritor da província”, “A subestimação do escritor da província”, “Como garantir os direitos autorais”, “Necessidade de intercâmbio”, “O livro e as revistas literárias da província”. O último tema que é o escritor em face do mundo se fragmentou em “O papel do escritor em face da política”, “O direito e a liberdade de criação”, “A posição do escritor na reconstrução do mundo”, “O escritor em face das modernas correntes filosóficas”, “Cooperação internacional dos escritores”, “O escritor e o amparo do Estado” e “Aspectos sociológicos da literatura”.

53

Logo de antemão, é possível perceber a escolha dos congressistas em valorizar mais os assuntos concernentes à própria profissão de escritor e às suas problemáticas subjacentes, enveredando pelo aspecto mais econômico e prático. As questões estéticas referentes à literatura são todas condensadas no primeiro debate. Os trabalhos apresentados e debatidos no certame foram “O Regional em Face da Decadência do Teatro Nacional” (Eduardo Campos), “Divulgação Literária do Escritor da Província” (Fran Martins), “Direito do Tradutor” (Mário Barata), “Poesia em face de Política” (Antonio Girão Barroso), “As Traduções” (Newton Gonçalves), “Escritor em face da Política” (Moacir Aguiar), “O Escritor Brasileiro em Face do Direito Autoral” (Gastão Justa), “Divulgação do Escritor na Reconstrução do Mundo” (Braga Montenegro), “Considerações em Torno do Provincianismo e do Centralismo na Literatura Brasileira” (João Clímaco Bezerra), “O Problema da Ortografia do Brasil” (Cruz Filho), “A Subestimação do Escritor da Província” (Barros Fontenele), “Uma Solução para o Problema do Livro e da Revista da Província” (Mário Barata), “Estímulo do Escritor da Província” (Luiz de Barros), “Estímulo do Escritor da Província” (Jandira Carvalho), “A Arte pela Arte e a Literatura de Tese” (José Valdivino de Carvalho), “Aspectos Sociológicos da Literatura” (Joaquim Alves), “O Estímulo do Escritor da Província” (Antonio Girão Barroso) e “A Necessidade de uma Secretaria de Cultura” (Raimundo Girão). Sem mais delongas, o 1º Congresso de Escritores do Ceará teve a sua sessão de instalação no dia 7 de setembro de 1946 às 19 horas no Palácio do Comércio, “em solenidade simples, com razoável comparecimento de pessoas estranhas” (Afirmação, 1947, p. 5). Teve a presença de figuras públicas importantes como o Comandante da 10ª Região Militar, o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, o Presidente do Tribunal de Apelação e os representantes do Interventor Federal e do Arcebispo Metropolitano. Então não se deve espantar em relação às subvenções estatais concedidas ao evento, sendo elas 15.000 cedidas pelo Governo do Estado, no qual era Pedro Firmeza em exercício no cargo, e 5.000 cedidas pela Prefeitura Municipal, contendo Romeu Martins no cargo, que também era escritor e aderiu oficialmente ao conclave. Segundo a prestação de contas, feita por Antonio Martins Filho, presente ao final do documento nos anexos, os investimentos governamentais foram usadas em gastos em transporte, hospedagem, publicidade, gastos gerais, impressões e publicação dos anais.

54

O Comandante da 10ª Região Militar, o sr. Onofre Muniz Gomes de Lima, abriu a sessão inaugural desejando o “[...]mais feliz e completo êxito dos seus trabalhos, e que, em concordância com a efeméride que hoje o Brasil comemora, uma das finalidades precípuas do Congresso seja atingida – a emancipação econômica dos trabalhadores intelectuais.” (Afirmação, 1947, p. 15). Após os seus votos passou a palavra a Fran Martins, que proclamou o seu discurso de abertura.

Aspecto geral da cerimônia de instalação do 1º Congresso de Escritores Cearenses. Fonte: Revista Valor nº 28 de dezembro de 1946

Fran Martins inicia a sua fala atentando as críticas dos adversários e dos “descontentes profissionais do derrotismo” (Afirmação, 1947, p. 18), críticas essas relacionadas ao fato dos participantes não merecerem a alcunha de escritores, por estarem em início de suas carreiras literárias, e que o congresso estaria mais para uma reunião. Porém, ele as redargui aludindo à justeza e à nobreza em se tratar dos “[...]múltiplos problemas que se relacionam com a profissão de escritor. Procurando estudar objectivamente as diversas facetas que encerra a vida do trabalhador intelectual[...]” (Afirmação, 1947, p. 18).

55

Prosseguindo a exposição, Fran Martins defende agora o escritor da província e os seus direitos em relação à literatura nacional. Para ele, o presente congresso representa um movimento de reivindicação que se inicia. “Reivindicação não apenas de que temos direito como escritores da província – mas também do que têm direito todos os escritores brasileiros: amparo, compreensão, acatamento, liberdade.” (Afirmação, 1947, p. 19). Complementa a ideia, logo em seguida, Fran Martins: Não se trata de exigir vantagens absurdas, de procurar situações privilegiadas,

de

conquistar

posições

invejáveis.

Queremos,

simplesmente, como elementos que somos de uma classe que está construindo uma das mais interessantes literaturas do mundo, queremos definir a nossa posição, cooperar com todos os nossos confrades do país para que o escritor brasileiro deixe de ser apenas uma figura decorativa na vida nacional e passe a desempenhar o papel que realmente lhe compete, como trabalhador intelectual que se esforça, de maneira idêntica a todos os trabalhadores conscientes, por um mundo melhor e mais feliz. (Afirmação, 1947, p. 20)

Ao final, reitera a necessidade oportuna da empresa e também a sua patente importância, no qual pela primeira vez “velhos e moços da capital e do interior, poetas e prosadores, antigos e modernos” (Afirmação, 1947, p. 20) congregaram-se para dialogar acerca dos problemas e dificuldades relacionados diretamente aos seus interesses de classe, propondo saídas possíveis e economicamente viáveis. Sejam eles, como já foi possível reparar, o pagamento devido dos direitos autorais, o confinamento e exclusão do escritor da cidade Fortaleza dos grandes centros culturais, a dificuldade de se publicar entre outras. Em seguida toma a palavra Antônio Girão Barroso, no qual toca nos mesmos pontos abordados por Fran Martins, dentre eles a importância e necessidade do congresso, o debate dos problemas reais dos escritores e as suas respectivas resoluções. Ao final ele conclama os intelectuais a uma tomada de posição (“E’ urgente que o homem de pensamento saia de seu gabinete, para sentir, fora, no ar da Cidade, se as suas elocubrações têm razão de ser em face da realidade. E’ mister que ele seja ao mesmo tempo um homem de ação.”) (Afirmação, 1947, p. 22) e logo depois começa a leitura do manifesto.

56

Foto do discurso feito por Antônio Girão Barroso feito à sessão solene de instalação do 1º Congresso de Escritores Cearenses. Fonte: Revista Valor nº 28 de dezembro de 1946

O manifesto foi vinculado na imprensa um pouco antes do evento, podendo ter sido encontradas duas notícias as contendo, uma no Correio do Ceará de 30 de agosto de 1946 e outra no Gazeta de Notícias de 1 de setembro de 1946. Ele desenvolve as mesmas disposições já antecipadas nos discursos de Fran Martins e Antônio Girão Barroso, porém em dois parágrafos a palavra “missão”, em nada arbitrária, aparece. Para eles, os escritores possuíam uma verdadeira missão, que era a de líderes intelectuais, ajudando e lutando á favor do povo, além também de serem arautos da democracia e da liberdade de expressão. Segundo o manifesto os escritores deveriam encarar [...]com amor e confiança a missão de sustentar e manter de pé os valores do espírito, que não devem ser nunca relegados a plano secundário, máxime no meio das complexas atribulações da hora presente. [...]– não é de mais que se repita – cabe uma responsabilidade bem grande na vida da nacionalidade e, profissionais 57

ou simples amadores que sejam, o seu papel, na sociedade em que vivem, equivale ao de autênticos líderes, colocados á vanguarda do povo, pela própria natureza da sua missão. (Afirmação, 1947, p. 23 – 24)

Assim como no livro Literatura como Missão de Nicolau Sevcenko, mas em contextos e conjunturas diferentes, pois Euclides da Cunha e Lima Barreto tinham projetos possíveis para a recente implantada República, sem mencionar a visão de mundo antimônica, se se compara as obras de ambos. Os congressistas encaravam que eles e também os restantes escritores do Brasil não deveriam destoar da missão a eles incumbida: de liderança, de posicionamento político e social e, de defender a todo custo a liberdade de criação e a democracia, sempre postos em perigo por regimes totalitários. Após o termino da leitura do manifesto por Girão Barroso, segue-se no palavrório Dolor Barreira. Estudioso expoente no estudo na literatura cearense, em sua palra faz um resumo de detalhado de movimentos, entidades e órgãos literários da História da Literatura Cearense, como os Oiteiros, a Academia Francesa, o Clube Literário, o Instituto do Ceará, a Padaria Espiritual, a Academia Cearense, o Centro Literário, o Grêmio Lítero-Cívico Barão do Rio Branco, o Recreio Literário Soriano Albuquerque e o Salão Juvenal Galeno. Ele também passeia pelos periódicos literários existentes na província como a Quinzena, o Pão, o Colombo e a Conquista, não se olvidando também outros órgãos importantes de divulgação, dos quais se cita: “Boêmia dos Novos”, “Revista do Ceará”, “Fortaleza”, “Terra da Luz”, “A Jangada”, “Walhalla”, “O Árcade”, “Tertúlia”, “Panóplia”, “Têmis”, “Heliópolis”, “A Jandaia”, “Ceará Ilustrado”, “Maracajá” e “Valor”: tudo o que trai, de maneira eloquentíssima, o pendôr, irresistível e sempre renovado, dos cearenses pelas letras, delícia e tormento, néctar e absinto, céu e inferno dos que as querem e cultivam... (Afirmação, 1947, p. 29)

Passa-se então a responsabilidade da palestra a Artur Eduardo Benevides, do qual se tomou de empréstimo o termo “Geração moça desta gleba” para o título deste trabalho, não nos detendo em análise mais apurada pelo motivo dos mesmos assuntos serem ressaltados, repetidos e reiterados.

58

Foto do discurso feito por Artur Eduardo Benevides à sessão solene de instalação do 1º Congresso de Escritores Cearenses. Fonte: Revista Valor nº 28 de dezembro de 1946

Segue-se Braga Montenegro revelando a notícia, para o pesar dos congressistas, que o escritor Orígenes Lessa, representante da A. B. D. E. do Rio de Janeiro, não chegaria a tempo para os inícios dos trabalhos devido ao atraso no avião da NAB. Orígenes Lessa chegou no dia 10 de setembro, uma terça-feira, mas só pode participar de duas sessões devendo estar no Rio já na quinta-feira, dia 12. Braga Montenegro transmite também aos colegas a impossibilidade da vinda de Jorge Amado ao congresso e o seu desejo de êxito do mesmo. Sendo assim, após os vários discursos proferidos e com o manifesto lido, deu-se por encerrada a sessão inaugural do certame. O conclave seguiu trabalho durante oito sessões plenárias, tendo a leitura das teses do dia e o consequente debate posterior sobre questões controversas, muitas vezes acalorado e fervoroso. Após as sessões plenárias se deu a sessão de encerramento aonde outros discursos foram feitos, saindo a lume as conclusões e a declaração de princípios, no qual se detivera com mais atenção.

59

A sessão de encerramento ocorreu às 20 horas do dia 18 de setembro de 1946, também no Palácio do Comércio. Abre a sessão de enceramento Filgueiras Lima a título de representante do Interventor Federal, passando a palavra para João Clímaco Bezerra. Ele, por sua vez, faz a leitura do relatório do congresso no qual os aspectos gerais foram resumidos, concluindo-se que Conforme se depreende dos próprios títulos das teses discutidas em plenário e do noticiário da imprensa, o I Congresso Cearense de Escritores

cumpriu

a

sua

finalidade,

analisando,

serena

e

exaustivamente, os problemas ligados aos interesses dos homens de letras da Província, apontando, dentro das realidades ambienciais, uma solução compatível com as nossas possibilidades econômicas e concordes com as tradições do passado, para o maior incremento e divulgação literária dos escritores do Estado. Resta, pois, confiar na ação dos dirigentes da A.B.D.E. e na boa vontade de todos os cearenses, afim de que, as resoluções apresentadas neste conclave, se convertem, dentro de breves dias, na magnífica certeza a que todos nós almejamos e por que, todos nós – intelectuais velhos e moços, - lutamos sempre. (Afirmação, 1947, p. 294 – 295)

Em seguida fica o direito de fala facultado a Stênio Lopes, expressando-se em nome dos congressistas. Atenta primeiramente à data do encerramento do evento, período da promulgação da nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em que vários direitos inalienáveis do homem e do intelectual estavam sendo pugnados ao muito, mas que agora estavam protegidos pela constituição. A liberdade de pensamento e de crença, o direito de agremiação e de reunião, a garantia da livre expressão do pensamento, em livros e periódicos, sem nenhuma ação coercitiva do poder público, a segurança de inculpabilidade por motivos políticos ou doutrinários, o direito autoral de repropabilidade por motivos políticos ou doutrinário, o direito autoral de reprodução de qualquer obra literária ou artística (Afirmação, 1947, p. 295)

60

Prosseguindo, ele faz menção ao I Congresso Brasileiro de Escritores de 1945 que ocorreu em São Paulo, ainda quando a Ditadura respirava, dificultando por demais a sua realização. No entanto, com o fim da batalha em prol da democracia, outras deverão ser feitas em outros aspectos da vida, como na política, na economia, na moral e na educação. Na política dos “coronéis” continuam a pulular nos sertões, mercadejando os votos dos seus agregados, além das rixas políticas e a indiferença causada por uma prática que quase sempre não representa a maioria. Na economia as deficiências materiais são enormes, as exportações regrediram após a guerra, a produção nacional se atrofia, a vida na cidade piora e o êxodo rural aumenta. Na moral o lucro doentio virou norma de vida comum, a corrupção impera nas altas cúpulas governamentais e, nas menores também. No ensino a qualidade decai vertiginosamente. O intelectual não deve se abster dessas questões, encerrando-se em sua torre de marfim, mas sim compartilhar e se solidarizar com as dificuldades do povo, do qual também faz parte, exercendo o seu papel de cidadão. O escritor de hoje compreende ainda que não é um ser privilegiado, acima da multidão, não é tão pouco membro de uma pretensa aristocracia mental que desdenhava descer ao seio da massa anônima. E’ por isso que reclamamos hoje o direito de termos os mesmos deveres de qualquer cidadão para com o Estado e a sociedade. Isto quer dizer que nos sentimos inteiramente solidários com o povo em suas lutas e em seus sofrimentos, em seus anseios e em suas reivindicações. (Afirmação, 1947, p. 299)

Ao fim do seu discurso Stênio Lopes conclama os escritores a união, deixando de lado convicções partidárias e desentendimentos pessoais, em prol da edificação de um país melhor, em todos os seus aspectos. Formemos nós uma vanguarda unida e corajosa na hora difícil que o país vai atravessando. União dos escritores, acima dos partidos e no sentido do bem comum, é o que todos almejamos. Não nos iludimos sôbre o que poderia ser esta união. Divergências pessoais sempre as haverá: em arte como em política, em ética como em filosofia. Mas o que importa é a decisão unânime de trabalharmos todos pelo Brasil, no plano nacional, e pela criação de um sadio espirito de provincianismo, no plano regional, pugnando sempre pela defesa das liberdades conquistadas, pelo fortalecimento dos princípios 61

democráticos, pela melhoria do nível cultural do povo, pelo soerguimento da produção, pela propaganda dos ideais de justiça e verdade, de paz e fraternidade entre os homens. (Afirmação, 1947, p. 301)

Depois inicia o seu discurso em nome da A. B. D. E. do Ceará, fazendo menção a um contexto ímpar vem a acontecer para os intelectuais, que “é o da organização da classe de todos aqueles que pensam e escrevem, organização de todos os escritores, de todos os artistas, de todos os homens de ciência (Afirmação, 1947, p. 301). Para eles, seria incumbida a missão de caminhar com o povo, orientando-o quando necessário. Logo após, passe-se a vez a Braga Montenegro, no qual ele apresenta “em nome do Clube de Literatura e Arte, as mais sinceras saudações a todos os participantes desse I Congresso Cearense de Escritores e a todos os que, de maneira direta ou indireta, prestaram apôio a êsse grande movimento de regeneração e engrandecimento da cultura cearense.” (Afirmação, 1947, p. 304) Em seguida, são efetuados os discursos de Joaquim Alves, em nome do Instituto do Ceará; de Jandira Carvalho, em nome da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno; de Newton Gonçalves, em nome do Centro de Ciência de Filosofia; de Melo Lima, em nome da A. B. D. E. do Rio de Janeiro. E por fim, responsabiliza-se Eduardo Campos, dessa vez sem ser de costas ao público, para ler as Conclusões Gerais e a Declaração de Princípios, ora sendo colocada em sua totalidade por ser um documento de importantíssima valia e, muito revelador dos anseios dos congressistas.

Conclusões Gerais TENDO EM VISTA OS TRABALHOS APRESENTADOS E DISCUTIDOS, O I CONGRESSO CEARENSE DE ESCRITORES ADOTA AS SEQUINTES CONCLUSÕES 1 – E’ necessária a promulgação de uma lei assegurando a proteção dos direitos autorais do escritor brasileiro, devendo a 62

cobrança dos mesmos, a exemplo do que acontece com a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e União Brasileira de Compositores, ser feita por intermédio da Associação Brasileira de Escritores. Enquanto não se obtem essa medida, torna-se necessária que a Associação Brasileira de Escritores, Secção do Rio Janeiro, autorize a Secção do Ceará a fazer a cobrança dos direitos autorais pela reprodução de artigos dos filiados a essa agremiação. 2 – E’ necessária a elaboração de uma lei que, segundo as convenções internacionais, equipare aos tradutores os mesmos direitos assegurados de obras nacionais. Referida lei deve cometer ao Instituto Nacional do Livro a incumbência de fiscalizar e controlar as traduções, fazendo incluir em toda obra traduzida, em lugar destacado, referencias bibliográficas suficientes para a identificação das obras originais, tais como o nome do livro, editor primitivo, edição, ano de publicação, número de volumes, etc... 3 – Para a divulgação literária de escritores da provincia solicita-se à A.B.D.E., Secção do Rio de Janeiro, a criação de um bureau que, em bases comerciais, se incumba diretamente ou por intermédio de uma empreza particular: a) Da distribuição dos livros de escritores do diversos Estados; b) Da manutenção de um serviço de copyright de artigos de escritores das províncias; c) Da divulgação, na imprensa do país, de noticias sobre o movimento literário das províncias. E’ indispensavel, também, que a A.B.D.E., Secção do Ceará, crie um bureau para a divulgação literária e das atividades editoriais deste Estado. 4 – Para o alevantamento do tratro brasileiro faz-se mister a fundação, por parte dos poderes públicos, de escolas dramáticas, manutenção de cursos especializados sobre teatro, a nomeação de diretores idôneos e capazes para os teatros oficiais do Brasil, o amparo financeiro às entidades teatrais, espetáculos gratuitos para o povo, criação de um teatro infantil e concessão de prêmios e bolsas de estudos aos teatrólogos, atores e diretores cênicos. 63

5 – E’ necessário que o govêrno do Ceará crie uma Secretaria de Estado distinada a incrementar a cultura, devendo à mesma ficarem subordinadas as repartições culturais (Biblioteca Pública, Arquivo Público e Museu Histórico, Serviço de Cultura, Divulgação e Diversões Populares, Teatro José de Alencar, etc.) ou, se isso não for possível, um departamento que superintenda essas reapartições, articulando-as de maneira a incentivar o desenvolvimento das letras, artes e ciências e aparelhando-o com secções especializadas, tais como discoteca e filmoteca, à semelhança do que existe no Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo. 6 – E’ necessária que o Govêrno do Estado auxilie de maneira eficiente editoras fundadas ou que se venham a fundar no Ceará, bem como revistas de cultura de larga circulação que constituem a real expressão da inteligência cearense. Esse auxilio pode ser concretizado, de logo, com uma subvenção às “Edições Clã”, para maior ampliação de suas possibilidades publicitárias e a criação pelo govêrno de uma revista que publique matéria inédita e posso preencher as finalidades acima enumeradas. 7 – Solicita-se ao Govêrno do Estado, como medida destinada à valorização e incremento das letras cearenses, a publicação de obras esgotadas de intelectuais mortos do Ceará e a edição de, pelo menos, um obra, por ano, de escritor vivo deste Estado, de acôrdo com um plano a ser elaborado pelo nucleo local da A.B.D.E.. 8 – Solicita-se ao Govêrno do Estado seja autorizado o Serviço de Cultura, Divulgação e Diversões Populares a adquirir pelo menos 100 exemplares de cada livro publicado pelas “Edições Clã”, para distribuição a bibliotecas do interior e de outros Estados. 9 – Solicita-se ao Govêrno do Estado medidas efetivas para a reorganização e reforma da Biblioteca Pública, dotando-a de recursos ténicos e materiais e de localização apropriada, devendo o local ora ocupado pela mesma ser entregue ao Instituto do Ceará para maior desenvolvimento dessa entidade cultural. 10 – Solicita-se ao Govêrno do Estado a criação, com a necessária urgência, de uma secção especial, na Imprensa Oficial, 64

destinada à confecção, por preço razoável, de livros de autores do Ceará, quando requerida particularmente ou por intermédio de uma editora local, criada ou que se venha a criar. 11 – Solicita-se ao Govêrno do Estado a inclusão, no Orçamento, de verba anual não inferior a Cr$ 18. 000, 00 para o patrocínio de conferencias, palestras, cursos, etc, de escritores de outros Estados convidados pela A.B.D.E., Secção Ceará, bem como a concessão de subvenções anuais para a A.B.D.E. e para o Clube de Literatura e Arte. 12 – Solicita-se à A.B.D.E., secção Rio de Janeiro, que faça chegar aos poderes públicos o apelo de escritor cearense no sentido de que seja revogado o decreto que adotou a ortografia atual, por impraticável, nomeando-se para a organização de uma nova reforma ortográfica filólogos de reconhecida competência. 13 – E’ necessário que a A.B.D.E., secção do Ceará, organize concursos periódicos de contos, crônicas, poesia e critica literária e artística, com prêmios reversíveis em dinheiro. Também mister se faz que referida associação solicite ao Govêrno do Estado a inclusão, no Orçamento, de verba destinada à realização de concursos anuais, literários ou científicos, certames esses organizados por essa Sessão em colaboração com os Departamentos de Cultura do Estado.

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS Reunidos em Congresso, os escritores do Ceará, reconhecendo as grandes responsabilidades que lhes cabem no esclarecimento do povo, e conscientes de que, no momento que atravessa o Brasil, necessária se faz uma definição de atitudes por parte de todos os intelectuais, adotam e proclamam a seguinte. DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS I – O escritor, como homem de pensamento, deve participar ativamente da vida politica do país, pondo em prática os princípios de verdade,

moralidade,

ordem

e

justiça,

e

defendendo

intransigentemente as liberdades democraticas. 65

II – Na criação literária ou artística, os intelectuais do Ceará reconhecem que deve haver inteira liberdade por parte do autor, dentro dos princípios acima especificados. III – Os escritores do Ceará reconhecem que aos poderes públicos cabe a adoção de medidas que incentivem e amparem as produções intelectuais e por isso esperam do govêrno a concretização dêsse postulado. IV – E’ indispensavel um maior entendimento entre o escritor da capital e do interior, entre o escritor da metrópole e o escritor da provincia. O trabalho intelectual é nobilitante e todos os que exercem devem ser considerados no mesmo nível. E’ necessário que sejam destruídas as barreiras que limitam a ação do escritor, visto como todos têm iguais obrigações e devem gozar dos mesmos direitos. Não deve preponderar, em associações de escritores, o espírito de grupo, em prejuízo da classe. Também não se concebe a preponderância de um gênero literário sobre outro. Num clima democrático, usando de processos honestos e francos, deve o escritor do Ceará tomar a iniciativa de um sadio movimento de maior compreensão entre todos os homens de letras do Brasil. (Afirmação, 1947, p. 314 – 317)

As conclusões gerais, como foi passível de observação, foram organizados em pontos em que cada um tratou de um assunto em particular. Eles se separaram em a necessidade da promulgação de uma lei de amparo aos direitos autorais do escritor, em equiparação de direitos entre tradutores e escritores, em divulgação do escritor da província com a criação de um escritório na A. B. D. E. do Rio e outro no do Ceará para garantir a distribuição dos livros publicados na província e a divulgação dos seus movimentos literários, em fundar escolas de arte dramática. A partir do quinto ponto em diante, excetuando o décimo segundo, pode-se reunir todos eles em um tema comum que seria o efetivo incentivo e o maior investimento do governo na cultura cearense, quais sejam a criação de uma Secretária da Cultura, o incentivo as editoras e as revistas locais, a reedição de autores cearenses mortos e a publicação, ao menos uma vez ao ano, de um escritor vivo, a compra de no mínimo 100 exemplares de livros saídos sob os auspícios das Edições Clã, a reforma da Biblioteca Pública, a publicação de forma mais barata de autores cearenses pela Imprensa Oficial, o investimento monetário à A. B. D.

66

E. cearense e ao Clube de Literatura e Arte. Por fim, mas não menos importante, o décimo segundo ponto pedia a revogação do acordo ortográfico atual adotado. Em seguida vem a “Declaração de Princípios”, sendo elas dividas em quatro pontos em que foram externalizados a crença do escritor como participante política ativo dos rumos do país, a liberdade de expressão, o incentivo governamental aos escritores província e, finalmente, a necessidade de maior intercâmbio cultural entre os escritores locais e os das grandes capitais, bem como os da capital e do interior. Várias dessas prerrogativas farão parte da batalha levada a cabo durante toda a década de 40 por esses intelectuais, lutando em prol do escritor da local. Sendo assim, terminada a leitura das Conclusões e da Declaração de Príncipios Filgueiras Lima encerra o I Congresso de Escritores Cearenses, declarando a sua alegria em encerrar uma obra espiritual do caráter desta que realizastes com tanto entusiasmo, tanta vibração e tanto idealismo. Só mesmo assim, com o concurso de todos, juntando pedra à pedra, pensamento ao pensamento, idéia à idéia, conseguiremos construir o verdadeiro monumento da cultura nacional. Quanto mais alto subir este monumento, tanto mais alto, mais belo e mais puro será, com certeza, o futuro do Brasil. (Afirmação, 1947, p. 317)

Passado um mês, ainda notícias sobre o I Congresso de Escritores do Ceará e as condições materiais do seu meio reverberavam nos jornais da época. Em sua volta ao Rio de Janeiro, Orígenes Lessa concedeu uma entrevista ao Globo intitulada “O Drama dos Escritores da Provincia”, vinculada também no Unitário, sobre as suas impressões sobre o congresso, o pagamento dos direitos autorais pelos jornais, o mercado editoriallivresco e sobre a cooperativa editora Clã. Para ele o principal problema discutido amplamente no certame foi o encarceramento do escritor cearense no seu meio, não conseguindo fazer o seu livro circular para além das fronteiras regionais, não sendo comentado e nem conhecido por outros escritores e pelo público leitor. Outra problemática que se faz presente ainda no mesmo assunto é falta ou mesmo a inexistência do intercâmbio intelectual entre os

67

letrados cearenses e os dos grandes centros culturais. Sobre esses fatos aludidos Orígenes Lessa, em entrevista, afirma: Alguns que conseguem editar-se no Rio, como Fran Martins, ainda são comentados cá fora. [...]Os outros ficam dependendo de jornais de circulação apenas estadual e a sua obra por mais viva que seja, passa despercebida fora das fronteiras do Estado. Eles anseiam por um contacto maior com os escritores de fora. Isso não quer dizer que desconheçam o resto do pais e mesmo do mundo. Nas casas de Braga Montenegro e de Fran Martins, as duas que visitei, pude ter idéia de como se lê no Ceará. Os autores ingleses e franceses mais modernos, no original. E’ um “em-dia” completo com toda a literatura brasileira. Enquanto nós aqui conhecemos apenas a vida do autor, através dos diz-que-diz-ques, eles conhecem a obra. Mas o seu grande problema é o veiculo de divulgação e os editores. (Unitário, 1946, p. ?)

Ele também chama a atenção para a peculiaridade dos escritores da província, apesar dos meios parcos e adversos, conseguirem se manter atualizados sobre o que está sendo produzido em literatura no mundo e no Brasil. Em contrapartida eles e os seus escritos ficam desconhecidos pela grande maioria. Em relação aos jornais, ele percebeu na província o não pagamento dos direitos autorais aos colaboradores dos jornais, com os seus poemas, ensaios, contos, crítica literária e etc. Já sobre as editoras Orígenes Lessa constrói uma análise bastante lúcida sobre a realidade de Fortaleza. Para ele “Há poucos. E até bons. Mas são editores, que, como os próprios autores, sofrem as consequencias da confinação na provincia. Falta-lhes uma linha de distribuição nacional. Suas edições têm que ser limitadas, não compensam muito. (Unitário, 1946, p. ?). Em seguida ele saúda a iniciativa da Cooperativa Edições Clã e, comenta que ela produz “livros bem impressos e bem apresentados. [...]Mas impossibilitados de transpor as fronteiras, [...]livros que editados no Rio fariam grande sucesso, limitam-se a uma pequena tiragem, o que não só permite compensação material para o autor como não permite o consolo de ser lido...” (Unitário, 1946, p. ?).

68

2.3 - “Revista de todo o Ceará mental”: Lançamento da revista Clã número 0. Confirmando a notícia do Correio do Ceará, escrita por Antônio Girão Barroso, sobre a pretensão de se lançar uma revista chamada “Cadernos de Clã” e fruto direto do 1º Congresso Cearense de Escritores, dá-se a luz, ainda em 1946, a Revista Clã número 0, no qual figurava-se na direção Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros e João Clímaco Bezerra, tendo a sede da sua redação na rua Gonçalves Ledo 1138. Ela foi planejada para ser trimestral, como logo se antevê na sua capa, saindo em outubro, janeiro, abril e julho. No entanto, ela data de dezembro, o que seria o não cumprimento do compromisso firmado e a desonra para com os anunciantes e os colaboradores. Mas logo no editorial que inicia a revista, intitulado “Explicação deste número”, é explicado que o número elucubrado já estava pronto para sair em outubro, mas motivos superiores forçaram-nos a adiar a data da sua publicação, o que, possivelmente, será feito em Janeiro proximo, devendo o numero em apreço, bastante volumoso, ser confeccionado nas oficinas da Imprensa Oficial, graças à boa vontade do seu diretor, dr. Antonio Perilo Teixeira, que para isso solicitou, obtendo-a, a necessaria autorização do sr. Secretario dos Negocios do Interior e da Justiça. (Revista Clã, nº 0, p. 1)

Desse modo, a Clã nº 0 teve caráter de mostra, de apresentação, de teste, uma forma de medir quais seriam os níveis de aceitação da revista pelo público no Ceará e no Brasil. Em seguida no texto, é resumido o projeto cultural da revista, em que se pensou ser de apreciável monta colocá-lo Ipsis litteris: CLÃ não é, apenas, uma revista de literatura. E’, antes, uma revista de todo Ceará Mental. Aqui, na medida do possivel, recolheremos os trabalhos dos nossos homens de letras e de pensamento, pois a pretensão que nos anima é sermos a porta de saída da melhor produção intelectual da gente cearense, de tal modo que ela possa aparecer lá fora, nitida na sua pureza, numa demonstração convincente de que a gloriosa Provincia de Alencar continua a viver, a se agitar, na procura sempre insatisfeita de rumos novos para a cultura brasileira. Ainda há pouco, realizou-se aqui o I Congresso Cearense de Escritores, e o sucesso que ele representou para todos nos diz bem da força das nossas empresas. Que CLÃ exprima tambem isso – só

69

podem ser os nossos desejos. Não quer ser outra coisa, em menor proporção este numero de apresentação. (Revista Clã, nº 0, p. 1 - 2)

Como foi patente perceber, para além de uma revista de literatura, ela serviria também como um canal de divulgação dos escritores cearenses, espraiando os seus trabalhos e os seus nomes nacionalmente, quebrando a muralha de desconhecimento e de modorra imposta à província. Em algum momento do ano 1946 as Edições Clã se transmutou em cooperativa, não sendo possível precisar o período exato dessa mudança, no entanto é-se levado a crer que ela ocorrera após o 1º Congresso Cearense de Escritores, pois as notícias encontradas na imprensa sobre a editora e as suas publicações de livros não aludem em nenhum momento a esse fato. No próprio congresso de escritores o termo cooperativa não surge sequer uma vez quando a editora é referida nos anais. Na Clã nº 0 é mencionado que a cooperativa fora “Instalada há pouco tempo,[...][e que] estuda no momento o seu plano editorial para 1947, quando publicará vários livros de intelectuais cearenses[...]” (Revista Clã, nº 0, contracapa). Como fora dito, não se conseguiu precisar com exatidão a data do seu nascimento, mas o que é importante enxergar é que assim como a revista, a cooperativa foi consequência do congresso de escritores, sendo outra forma de fortalecer os escritores da província, tendo os seus livros publicados e distribuídos de forma positiva. Outros empreendimentos culturais foram anunciados, como o curso de literatura brasileira e “[...]várias conferências em torno de questões da maior atualidade, a cargo de expressivas figuras da intelectualidade de nossa terra, que dissertarão sobre temas literários, filosóficos, artísticos e políticos[...]” (Revista Clã, nº 0, 1946, contracapa). Também fora anunciado que viria a cargo no mês de abril, juntamente com a Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), o III Salão de Abril. Eis que surge a Revista Clã nº 0, a título de experiência, diga-se de passagem, com um número pouco volumoso e humilde, com um capítulo de romance, com críticas literárias e de cinema, com poemas, mas com projetos e planos futuros soberbos.

70

Capítulo 3 – CLÃ, uma revista da “província” para o Brasil.

3.1 - “Dirigindo a barca da literatura cearense, com uma segura visão de timoneira audaz” Não logrando êxito as aspirações contidas na Revista Clã nº 0, de que em janeiro de 1947 seria publicado o número primeiro da revista, seguindo a cronologia trimestral, não aconteceu, pois ela “[...]morreu, naturalmente, como tudo o que é bom tem morrido no Ceará” (Revista Clã nº 1, fevereiro 1948, p. 77). Houve um hiato de um ano, vindo a lume a Clã nº 1, apenas, em fevereiro de 1948. Apesar desse fato, os jovens escritores não se deixaram quedar pelo desânimo, continuando com várias outras empresas culturais durante o ano de 1947. O III Salão de Abril é um exemplo possível, ocorrendo no Majestic aonde também, além das obras de artes, foram feitas palestras sobre pintura, ficando a cargo de Joaquim Alves, de Otacílio Colares, de Aluízio Medeiros e de Fran Martins. Em 47 também houve a eleição do novo presidente da A. B. D. E. cearense, sendo eleito ao cargo Braga Montenegro. Ele juntamente com Antônio Girão Barroso, Aluízio Medeiros, Fran Martins, Lúcia Fernandes, João Clímaco Bezerra, Stélio Lopes, Stênio Lopes, Yaco Fernandes, Raquel de Queiroz e Martins d’Alvarez, formaram a delegação cearense para o II Congresso Brasileiro de Escritores em Belo Horizonte. Em entrevista concedida ao Unitário por Braga Montenegro no seu retorno à capital, é patente perceber a intensa participação dos delegados cearenses no certame. Ficou a cargo de Braga Montenegro, líder da delegação cearense, a vice-presidência da mesa do congresso e, Aluízio Medeiros ficou incumbido da secretaria da mesma. Os outros delegados foram distribuídos cada qual em uma comissão existente, ficando Stélio Lopes de Mendonça na de política, Martins d’Alvarez na de cultura, João Clímaco Bezerra naa de direitos autorais, Fran Martins na de divulgação literária e assuntos do livro e a Antonio Girão Barroso na de radio e cinema. Braga Montenegro, em entrevista ao Unitário, comenta sobre os principais pontos debates no conclave: Os objetivos de ordem politica, as reivindicações de direitos e liberdades, as aspirações de paz, o repúdio á violência e ás leis de

71

restrição, a exaltação da democracia e a preconização de todos os principios de justiça, o empenho na autodeterminação dos povos – todos esses pontos foram debatidos e assentados como normas de conduta e de ação na grande assembleia dos escritores brasileiros. E ao lado desses problemas de caráter geral, [...]foram colocados aqueles que mais de perto interessam a vida profissional dos homens de letras: o direito autoral em todos os seus aspectos, os assuntos do livro, de cinema e de radio, o intercambio e a divulgação literaria – estes ultimos de maior proveito á vida intelectual e cultural da pronvincia. (Unitário, 1947, p. 4)

Como se é permitido afigurar, inúmeras questões presentes no congresso de Belo Horizonte fizeram parte dos debates do congresso de Fortaleza que ocorrera um ano antes, como a melhor divulgação literária do escritor da província, a plena distribuição dos livros editados na província e maior intercâmbio cultural entre os escritores cearenses com outros escritores do Brasil. Prosseguindo em 47, a A. B. D. E. do Ceará promoveu concursos literários também, seguindo as diretrizes estabelecidas ao final do I Congresso Cearense de Escritores. Tomou-se conhecimento de dois na época, o primeiro de contos de qualquer espécie, notícia encontrada no Correio do Ceará de 29 de agosto, e o segundo sendo limitado temas relacionados ao Natal, sendo achada tal informação nas páginas da Revista Contemporânea de dezembro. Iniciativas para propulsionar a produção literária e incentivarem o surgimento de novos talentos. Voltando à revista, ela agora contava com Fran Martins na direção, Aluízio Medeiros na secretária e na redação Joaquim Alves, Stênio Lopes, Antônio Girão Barroso, Mozart Soriano Aderaldo, João Clímaco Bezerra. Teve a sua redação transferida, provisoriamente, para rua Rui Barbosa 1332, ela passou também de uma publicação trimestral para uma bimestral,[...]aparecendo nos meses de Fevereiro, Abril, Junho, Agosto,Outubro e Dezembro. (Revista Clã nº 1, 1948, contracapa). O plano editorial da revista fora mudado, a partir do momento atual ela passaria a publicar um trabalho longo e inédito, como faz neste com , de Eduardo Campos, e espera fazer nos 72

próximos

com livros

completos de poesias, ensaios, novelas,

biografias, etc. [...]não sendo revista mundana, , além do livro inédito, publicará sempre crônicas, poesias, contos, reportagem, ensaios crítica de livros e de arte, - estando as suas páginas abertas principalmente aos escritores novos de nossa terra e áqueles de outros Estados que queiram nos enviar suas colaborações. (Revista Clã, 1948, p. 77)

A partir do número 1 surge uma seção chamada “Vento Sul, Vento Norte...” aonde são vinculadas notícias variadas sobre a cultura local e, que será de muita valia ao estudo no decorrer da análise das revistas Clã publicadas na década de 40. Tal sessão propagandeou a breve retomada das publicações das “Edições Clã”, pois no momento acordos estavam sendo discutidos com as distribuidoras do sul e dos demais estados para aumentar o seu alcance editorial. Através dela também se pode ficar sabendo sobre o projeto de lei tramitação na Câmara Municipal de Fortaleza para a compra de 100 exemplares de livros de escritores cearenses, encaminhamento também esse feito ao final do I Congresso Cearense de Escritores. Em seguida a Revista Clã nº 2 é publicada em abril, cumprindo religiosamente o seu plano editorial. Já na contracapa são estampados, ao contrário do número 1, os nomes dos representantes de outros que são Matins d’Alvarez (Rio de Janeiro), Aldo Morais (Amazonas), Aroldo Maranhão (Pará), Bandeira Tribuzi (Maranhão), Mauro Mota (Pernambuco), Wilson Rocha (Bahia), Domingos Carvalho da Silva (São Paulo) e Dalton Trevisan (Paraná). Dentre os vários textos da revista, o que se apresenta mais interessante para os rumos do presente trabalho é o artigo de Artur Eduardo Benevides intitulado “Prêmios Literários”, em que a Assembleia Legislativa do Ceará autorizou o Governo do Estado a mandar editar, anualmente, a titulo de premio concedido a trabalhos literarios, e de sua respectiva difusão, as duas obras desse genero de interesse coletivo que obtiveram melhor classificação em concurso promovido com as entidades representativas do Executivo, em colaboração com as entidades representativas das classes culturais de nossa terra. (Revista Clã, nº 2, p. 81)

73

Segundo Benevides, a Câmara Municipal de Fortaleza votaria em breve uma lei concedendo auxílio aos escritores e artistas locais. Para ele, foram duas conquistas impulsionadas pelo trabalho da A. B. D. E. cearense e do congresso de escritores ocorrido em 46. [...]a ABDE conseguiu o seu primeiro triunfo[...] vendo uma de suas justas proposições transformada no paragrafo unico do art. 145, assim redigido: “O Estado auxiliará os cientistas, os inventores e os artistas na efetivação de empreendimentos de interesses coletivo, e, anualmente, concederá premios aos trabalhos literarios, científicos e artisticos classificados em concursos promovidos pelo Governo, em colaboração com as entidades representativas das classes culturais”. ............. De qualquer maneira, estão de parabens os escritores da Provincia, que tanto falaram sobre o assunto no memoravel congresso[...]. A sua voz encontrou eco, embora que modesto, e os seus apelos foram levados em consideração. (Revista Clã, nº 2, p. 81)

Tal prêmio literário ocorreria uma vez ao ano escolhendo duas obras de autores diferentes, constituindo-se uma delas de natureza didática. Após o julgamento com júri formado por representantes das entidades culturais, o Governo faria a publicação em forma de edições populares a preços mais baratos, sendo 1000 exemplares para os livros de caráter didático e 500 exemplares para os outros se tratando de literatura em geral. Através de informações contidas na sessão “Vento Sul, Vento Norte...” da edição nº 2, ficou-se sabendo que em 1948 as eleições para a A. B. D. E., seção Ceará foram agitadas, contando “Inicialmente só [com] uma chapa, encabeçada por Mozart Soriano Aderaldo[...]. Á ultima hora, porem, surgiu uma nova chapa surgiu, tendo como candidato Aluizio Medeiros.” (Revista Clã, nº 2, p. 100). Ficou constituída a diretoria, após o ganho do pleito pela segunda chapa retardatária, como sendo Aluízio Medeiros (Presidente), João Clímaco Bezerra (Vice-presidente), Eduardo Campos (1º secretário), José Julio Cavalcante (2º Secretário), José Maria Moreira Campos (Tesoureiro) e por fim o conselho fiscal do qual faziam parte Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Newton Gonçalves, José Stênio Lopes e Mozart Soriano Aderaldo.

74

Em junho de 1948 vêm a publico a Revista Clã nº 3, contando com um representante a mais o sr. Bueno de Rivera de Minas Gerais. Nela fica-se a saber do intento de se realizar o II Congresso de Poesia do Ceará “quando os luares de Agosto estiveram caindo sobre Fortaleza” (Revista Clã, nº 3, p. 49) ou provavelmente em setembro, descendente direto daquele conturbado evento acontecido1942, que apesar de não ter acontecido e nem ter terminado da maneira esperada por seus organizadores, teve o mérito de aproximar os poetas cearenses e uni-los em torno do ideal comum, de revelar valores novos – como Eduardo Campos - , dando origem, ainda, a um forte grupo literário na Provincia que, logo, criava na Fortaleza a primeira Cooperativa de Escritores e Poetas do Brasil e da América do Sul – que é a Cooperativa Editora Clã cujo primeiro presidente foi o saudoso poeta Mário Sobreira de Andrade. (Revista Clã, nº 3, p. 50)

Notícias sobre o referido congresso já haviam sidas propagandeadas na imprensa da época um ano antes, mais especificamente no Correio do Ceará no mês de julho, aonde foram encontradas notícias sobre o certame, além de entrevistas com Antônio Girão Barroso e Artur Eduardo Benevides, bem como seria esperado de seus articuladores, sobre o interesse e a utilidade de tal evento para o ambiente intelectual cearense. A revista Clã nº 4 sai em apreço no mês de agosto de 1948. Nessa época a A. B. D. E. cearense tem a sua sede transferida para o edifício do Hotel Excelsior, mudança essa possibilitada devido a um auxílio concedido pela Prefeitura Municipal de Fortaleza. A antiga sede funcionou, desde a sua fundação, num dos salões Instituto do Ceará. Nesse número existe um artigo de Ivan Sergio Rodrigues com o título de “Considerações em torno do livro cearense”, em que ele faz uma breve análise, mas não menos esclarecedora, sobre a produção editorial da época e as dificuldades que ocorriam. Primeiro ele cita o caso do Instituto do Ceará que tinha sua própria oficina, publicando os livros dos seus associados, livros esses que formavam a coleção História do Ceará do quais se pode citar Proto-História do Ceará de Thomaz Pompeu Sobrinho, História Econômica do Ceará de Raimundo Girão e História da Literatura Cearense de Dolor Barreira. 75

O Instituto também editava a sua revista anual, constituindo-se de “edição especializada e de tiragem reduzida, quase que destinada exclusivamente á distribuição entre associações culturais e sócios correspondentes daquela agremiação.” (Revista Clã, nº 4, 1948, p. 75). No entanto ele ainda publicava os livros de autores que custeavam por conta própria as suas edições, e segundo ele, prestando “[...]inestimaveis serviços ás letras provincianas” (Revista Clã, nº 4, 1948, p. 75). Comentando sobre como as tipografias se comportavam em relação à publicação de obras literárias, Sergio Rodrigues afirma que [...]aqui, até mesmo pagando, é um problema a publicação de livros. As tipográficas particulares preferem os serviços comerciais e quando se encarregam da confecção de obras literárias são de um mau gosto horroroso[...]. Talvez o fato se deva á falta de prática, ou de material especializado dessas tipografias para o trabalho de confecção de obras literárias. Mas, infelizmente é assim que ocorre. (Revista Clã, nº 4, 1948, p. 75)

Em seguida Sergio Rodrigues alerta para lei existente a época que vetava uso da Imprensa Oficial do Estado para o uso de “serviços particulares”, ou seja, confeccionar livros em geral. Só se permitia o uso da mesma por seus funcionários. Porém ele defende a ideia de que a edição de obras de particulares não lesaria de forma alguma os cofres do Estado, pois elas seriam pagas como qualquer outra encomenda feita. Para ele tal questão deveria interessar diretamente o governo porque concorreria para o estímulo cultural do Ceará. A seu ver a solução seria a criação de uma seção de livros particulares para atender a demanda existente. Continuando o seu estudo ele alude à Cooperativa Edições Clã que, como já se tem conhecimento e já foi esclarecido anteriormente, vinha em pleno funcionamento desde 46 publicando livros de autores cearenses, além de ter a preocupação de fazer esses livros saírem do Ceará através da criação do Clube do Livro de Clã, distribuindoos aos seus sócios a preços mais baixos. Ele descreve como funcionava internamente a cooperativa no início, depois mostra as mudanças ocorridas no plano editorial e, por fim, comenta sobre a criação do Clube do Livro de Clã. Lutando com a dificuldade de capital, a princípio a Cooperativa adotou o sistema de financiar a publicação de livros dos 76

seus associados, responsabilizando-se esses pelo pagamento, em prestações módicas e mensais. Enquanto isso, as Edições Clã se encarregavam de vender os livros reembolsando os autores até o limite do capital empregado e mais os dez por cento dos direitos autorais. Era um processo um pouco complicado, mas mesmo assim foi graças a ele que no ano passado tivemos vários livros publicados pelas Edições Clã. [...]No corrente ano, as Edições Clã estão procurando adotar outro plano. Agora se trata de realmente publicar os livros por conta da Cooperativa, como qualquer outra editora faz. O autor receberá os dez por cento dos seus direitos, não se responsabilizando mais pelas despesas do livro. E o saldo desse, se houver, reverterá em favor da Cooperativa. Para isso as Edições Clã fundaram um clube do livro, afim de assegurar a venda das obras e servir de base para as edições. (Revista Clã, nº 4, 1948, p. 76)

A Revista Clã número 5 vem à tona em outubro de 1948, integrando mais dois representantes ao time, sendo eles Sebastião Norões para o Amazonas, no qual já havia Aldo Morais, e Veríssimo de Melo para o Rio Grande do Norte. No editorial intitulado “Programa” é feito uma explanação sobre o plano de ação da revista, que fora apresentando inicialmente na Clã número 0, que era o de divulgar, dentro de suas possibilidades, a bôa literatura cearense, proviesse ela de escritores moços ou velhos, que nessas cousas de letras deve imperar o talento e não a idade. [...]Através de nossas páginas temos sempre dado guarida a quantos desejem realmente colaborar nessa obra. Escritores que viviam asfixiados, sem ter um pulmão para respirar, aqui encontraram sempre bôa vontade e o mais decidido apoio. A todos aqueles que, possuidores de talento, desejaram se manifestar, jamais negámos acolhida em nossas páginas,mesmo para isso arrostando alguns sacrifícios. (Revista Clã, nº 5, 1948, p. 11)

Sendo assim, a revista foi feita para agradar os mais variados gostos, existindo a seção “Livro de Clã” que publicava trabalhos completos, havia também seções especializadas como as de livros brasileiros, livros cearenses, livros estrangeiros, revistas, rádio, teatro e artes plásticas. Essa última em quem, na medida do possível,

77

eram apresentados os artistas plásticos mais atuantes como Antônio Bandeira, Aldemir Martins, Barbosa Leite e etc. Logo depois o texto desemboca em críticas “às incompreensões e aos intelectuais cearenses egoístas” que fazem de tudo para entravar a publicação, pois “enquanto circular, “Clã” não fará concessões de espécie alguma para, enganando o publico, desvirtuar o seu plano de ação.” (Revista Clã, nº 5, 1948, p. 12) Através da seção “Vento Sul, Vento Norte”, sempre ao fim das edições, ficou-se a saber da saída de Fran Martins da presidência da Cooperativa Edições Clã, cargo que supria desde que ela fora criada. Antônio Girão Barroso, diretor comercial da mesma, tornou-se o novo presidente. Em dezembro de 1948 vem a lume a revista clã número 6. Nessa edição o conselho de redação é aumentado com os nomes de Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Moreira Campos e Otacílio Colares. Todos eles, como se sabe muito bem, amigos e colegas de letras e empreendimentos desde o início da década de 40. O conselho de redação e consequentemente o grupo passa a ter em parte a feição de integrantes que consolidará de vez futuramente. Eduardo Campos sobre o fato, bem como o caminho que a pesquisa já mostrou, afirma que “É como se vê ao nº 6, em dezembro de 1948; e é quando o sentido de grupo assume a sua unidade, e cresce, omitida a conceituação inicial do Conselho de Redação, que se inaugura com o lançamento do número inicial da revista.” (Revista do Instituto do Ceará, 1996, p. 1). Ao final da revista no “Vento Sul, Vento Norte...” é explicado que Para melhor caracterizar o chamado “Grupo de Clã”, que vem realizando um apreciavel movimento cultural no Ceará, esta revista vem de reorganizar o seu Conselho de Redação, passando a integrar o mesmo os srs. Artur Eduardo Benevides, Braga Montenegro, Eduardo Campos, Moreira Campos e Otacilio Colares. Intelectuais de destaque nas letras cearenses,[...] desde o inicio desta revista vêm colaborando conosco, muitos deles mantendo secções permanentes em nossas páginas sobre assuntos de sua especialidade. (Revista Clã, nº 6, 1948, p. 111)

Outra mudança ocorrida foi a transformação do “Clube do Livro de Clã” em “Clube de Divulgação do Livro” que se “propõe a distribuir livros de escritores 78

cearenses ou relacionados com o nosso Estado, em edições bem cuidadas a preços módicos” (Revista Clã, nº 6, 1948, p. 111). Clube esse com as mesmas disposições do seu antecessor, já explicadas anteriormente neste estudo. A direção do clube ficou a cargo de Fran Martins, constituindo-se a comissão de seleção de livros por Dolor Barreira, Joaquim Alves e Fran Matins novamente. Também fica-se a conhecer através do “Vento Sul, Vento Norte...” a diferença existente entre a Cooperativa Edições Clã e as Edições Revista Clã, que não foi mencionado sequer uma vez no trabalho, pois se acreditava que se tratava da mesma coisa. Porém, felizmente para a manutenção da verossimilhança aceitável e para o afastamento de erros crassos, a nota explicativa escrita ao terminar da edição desfaz tanto as confusões presentes como as da época, afirmando que [...]afim de evitar a possível confusão entre as “Edições Clã” e as “Edições Revista Clã”, deixaremos de publicar livros com esta última denominação, passando o nome “Clã” a figurar apenas nas

edições

da cooperativa citada. As nossas

publicações, de agora por diante, serão lançadas pela Editora Fortaleza, trazendo sempre, contudo, a designação “Sob o patrocínio da Revista Clã”, uma vez que essa editora, que de longa data funciona entre nós, já publicou vários livros, entre os quais a “Padaria Espiritual” de Leonardo Mota, e “Estudos de Pedagogia Regional”, do prof. Joaquim Alves. (Revista Clã, nº 6, 1948, p. 111) Além dessas publicações tomou-se tento de outras mais que saíram sob os auspícios da Revista Clã através de um anúncio na capa da Clã número 7, sendo elas a peça teatral O Demônio e A Rosa de Eduardo Campos, o livro de poesia Os Objetos de Aluízio Medeiros, o ensaio literário Araripe Júnior de Braga Montenegro, o estudo Esboço de História da Literatura Brasileira de Mozart Soriano Aderaldo, o livro de contos Mar Oceano de Fran Martins e por fim o livro de poesia Chama Infinita de Martins d’Alvarez. Em se falando de Clã número 7, edição de aniversário é bom que se ressalte, ela aparece aos seus leitores em fevereiro de 1949. Sempre com a quantidade crescente de

79

representantes de outros estados não se é de admirar a entrada de F. Gomes da Silva do Espírito Santo para o rol. A revista em apreço inicia as suas páginas com um editorial no qual a trajetória tortuosa do projeto é rememorada. Segundo um amigo, o número 7 representa um grande perigo para as revistas da província, pois quando não desaparecem logo ao número 3 elas possivelmente se extinguiram no número cabalístico mencionado. Os participantes das revistas, baseando-se em afirmação deles próprios, não são supersticiosos, mas guardam as suas reservas devido às várias comprovações empíricas anteriores de fins trágicos ocorridos. A Revista Clã foi criada com um objetivo simples e direto que era o da divulgação dos autores cearenses trancafiados pelas barreiras regionais, ela foi feita por uma [...]necessidade inadiavel que tinham os escritores do Ceará de um veículo capaz de levar a todo o Brasil o seu pensamento e o seu desejo de lutar pela liberdade cultural das províncias. Contando com um grupo de colaboradores que já havia realizado algo de aproveitavel nos limites do seu Estado – tais como o Congresso de Escritores Cearenses, os concursos de monografias e de contos comemorativos do centenário de Eça de Queiroz, o 1º Congresso de Poesia do Ceará, além do funcionamento da cooperativa editora Clã – imprescindivel era que fosse dado um passo maior para a divulgação dos valores novos de nossa terra. Daí o aparecimento de CLÃ, revista modesta mas cheia de bôa vontade para todos aqueles que, realmente, desejem trabalhar pela grandeza de nossa cultura. (Revista Clã, nº 7, 1949, p.1)

Apesar das dificuldades e das incompreensões a revista conseguiu completar dois anos de vida, iniciando os trabalhos em dezembro de 1946 com a número 1. “O caminho feito não foi, na verdade, um mar de rosas[...]. A verdade manda, porém, que se diga que as incompreensões maiores foram de elementos do nosso próprio meio cultural, pois de outros Estados até hoje só temos recebido aplausos e incentivo” (Revista Clã, nº 7, 1949, p.1). Destarte todos os elementos contra, a revista sobreviveu, ao menos por um tempo relativamente longo se comparado com as suas contemporâneas.

80

A Revista Clã subsequente que foi editada em julho, devido a problemas de publicação, teve que sair em número duplo, ou seja, os números 8 e 9 saíram fusionados em uma única edição, representando maio e junho de 1949 respectivamente. Na seção “Vento Sul, Vento Norte...” se ficou sabendo que o motivo para tal falta foi “[...]ao fato de não dispôrmos de oficinas que pudessem nos dar a revista nas épocas em que deveriam sair. Procuramos, porém, juntando os dois numeros, conservar a separação entre eles, para que os nossos assinantes e os que colecionam a nossa revista não ficassem prejudicados” (Revista Clã, nº 9, 1949, p. 72). Em 49 também houve nova eleição para a A. B. D. E., sendo eleitos Hugo Catunda (Presidente), João Clímaco Bezerra (Vice-presidente), Antônio Girão Barroso (1º Secretário), Eliardo Farias (2º Secretário), Artur Eduardo Benevides (Tesoreiro). O conselho fiscal ficou sendo representado por Fran Martins (Presidente), J. Stênio Lopes (Secretário), Aluízio Medeiros, Braga Montenegro e Moreira Campos. Com a publicação dessa edição de 1949 se finda a “época de ouro do Grupo”, termo esse pertencente a Otacílio Colares que na verdade usa “ano de ouro” para se referir ao ano de 40, mas aqui se faz uma leve reapropriação estendendo o sentido para a o decênio estudado, ele foi dito em depoimento a Clã nº 27 juntamente com tantos outros testemunhos dos demais integrantes. Concorda-se aqui com ele, a década de 40 foi um período muito frutífero para todos que orbitavam nos mesmos ideais e empreendimentos do início da década, como o Congresso de Poesia, o Congresso de Escritores, a criação da A. B. D. E. e da Edições Clã e etc, até o surgimento da revista Clã e a manutenção da sua vida. Diz-se frutífero, mas não menos laborioso e cansativo, não se esquecer de que toda a década de 40 esses intelectuais travaram um luta infatigável em prol do reconhecimento e do respeito ao escritor afastado e relegado dos grandes centros culturais, também em busca do acúmulo de capital simbólico, como se faz perceber no desenrolar da narrativa. Após um ano desaparecida a Revista Clã nº 10 volta a ser publicada em julho de 1950, porém agora ela passa a uma circulação mais espaçada, instituindo-se um tempo de mais ou menos um ano entre cada uma delas. Até a nº 14 se mantêm a constância, só sendo quebrada pela nº 12 de fevereiro de 1952 e pela nº 13 de dezembro do mesmo ano. Após a nº 14 ocorre uma nova interrupção da Revista Clã, só que agora por um período bem maior, voltando a vida somente em fevereiro de 1957, continuando 81

com a sua existência complicada. É patente perceber o quanto a manutenção da revista foi se tornando cada vez mais difícil e oneroso, motivo também importante para se ressaltar e adicionar à causa é que o grupo já não estava mais tão coeso assim, os intelectuais de outrora não eram os mesmos moços sonhadores, que tinham tempo de sobra para deitar debates e palestras sobre assuntos diversos nos cafés da Praça do Ferreira. Talvez seja injustiça indevida afirmar que eles não eram mais sonhadores, porque com certeza nunca o deixaram de ser, mas muitos deles no decorrer da década de 50 se tornaram professores da Universidade Federal do Ceará, os ardores combativos juvenis de mudança se arrefeceram.

Considerações Finais Após todo transcorrer da pesquisa se percebeu que o Grupo Clã, preferindo-se aqui usar o termo movimento de Clã, pois vai se desenrolar durante toda a década de 40 desembocando no Grupo Clã, propriamente dito, foi além da consolidação da estética modernista no Ceará. Ele se constituiu como uma resposta dos intelectuais jovens e de alguns da geração passada às condições objetivas posta a eles, sendo elas a dificuldade de publicação e distribuição de suas obras, a falta de oportunidades e de incentivo à cultura. Tudo isso junto somado a insatisfação dos intelectuais que começaram a despontar no Campo Literário em fins da década de 30 e início de 40 gerou o movimento estudado no trabalho, tendo como o primeiro brado de insurreição contra árida realidade cultural o 1º Congresso de Poesia do Ceará. Após o certame veio a editora Edições Clã e a SCAP. Logo em seguida veio o 1º Congresso Cearense de Escritores, o segundo brado de insurreição, no qual questões mais profissionais e relacionadas à classe escritora foram debatidas, como o pagamento dos direitos autorais, a criação de uma Secretária da Cultura, o maior incentivo governamental à cultura, a liberdade de expressão, a divulgação do escritor da província, dentre outras, sendo propostas, ao seu final, várias soluções possíveis. É como veículo de divulgação nacional que surge a Revista Clã. Então, pode-se considerar a importância do movimento no âmbito cultural, em tempos em que as condições, para quem labuta nessa área, eram parcas e dificultosas. Por isso, eles queriam criar os seus próprios meios para se expressarem já que o 82

estímulo era mínimo. Daí veio a editora, o clube de literatura e arte, os congressos de poesia e de escritores, a A. B. D. E. cearense, a Revista Clã e o clube do livro cearense. O movimento de Clã foi para muito além do fenômeno estético, aonde geralmente os grupos literários se deixam permanecer, eles foram além. Edificaram, construíram, promoveram, divulgaram e lutaram em prol da cultura Cearense.

83

DOCUMENTAÇÃO UTILIZADA

REVISTAS LITERÁRIAS Revista Clã nº 0, dezembro, 1946 (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 1, fevereiro, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 2, abril, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 3, junho, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 4, agosto, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 5, outubro, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 6, dezembro, 1948. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 7, fevereiro, 1949. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 8 - 9, maio – junho, 1949. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 10, julho, 1950. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 11, dezembro, 1951. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 12, fevereiro, 1952. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 13, dezembro, 1952. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 14, dezembro, 1953. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 15, fevereiro, 1957. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 16, setembro, 1957. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 27, março, 1981. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 28, dezembro, 1982. (Ed. Fac-símile) Revista Clã nº 30 (Homenagem aos 60 anos de Clã), 2007. Revista Valor nº 25, agosto, 1942. (Academia Cearense de Letras) Revista Valor nº 28, dezembro, 1946. (Academia Cearense de Letras) Revista Contemporânea nº 54, outubro – novembro, 1947. (Academia Cearense de Letras)

84

Revista Contemporânea nº 55, dezembro – janeiro, 1947. (Academia Cearense de Letras) Revista Contemporânea nº 56, fevereiro – março, 1948. (Academia Cearense de Letras) Revista da Academia Cearense de Letras nº 42, 1981. (Academia Cearense de Letras) Revista do Instituto do Ceará, 1996.

PERÍODICOS DA ÉPOCA Correio do Ceará (1942 – 1946 – 1947) (Biblioteca Pública Menezes Pimentel / Instituto do Ceará) Unitário (1942 – 1946 – 1947) (Biblioteca Pública Menezes Pimentel / Instituto do Ceará) Gazeta de Notícias (1942 – 1946 – 1947) (Biblioteca Pública Menezes Pimentel)

ANAIS, ATAS e CRÔNICAS Afirmação, anais do 1º Congresso Cearense de Escritores, 1947. (Academia Cearense de Letras) Crônicas das reuniões preparatórias do 1º Congresso de Poesia do Ceará In: Revista Clã nº 28, 1982, p. 15 Crônica de Valor (Sobre o Congresso de Escritores). In: Revista Valor nº 28, 1946, p. 6 e 132.

LIVROS E TEXTOS DE MEMÓRIA A Semente. In: Revista Clã nº 28, 1982, p. 7 – 11. Esse tal de Grupo Clã: um documentário. In: Revista Clã nº 28, 1981, p. 7 – 27. ADERALDO, Mozart Soriano. “Grupo Clã 40 anos”. In: Revista da Academia Cearense de Letras, Fortaleza, 1981. FILHO, Martins (org.). O Ceará, 3ª Ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966. LIMA, Filgueiras. “A Literatura Cearense depois de 1920”. In: Girão, Raimundo. LOPES, Marciano. Royal Briar. 3ª Ed. Fortaleza: Editora Tiprogresso, 1989.

85

MONTEGEGRO, Braga. “Resumo da História da Literatura Cearense”. In: Revista Clã nº 16, 1957. MONTEGEGRO, Braga. “A Atualidade Literária Cearense”. In: Girão, Raimundo. FILHO, Martins (org.). O Ceará, 3ª Ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966. SOUZA, Simone de. PONTE, Sebastião Rogério. Roteiro Sentimental de Fortaleza. Fortaleza: UFC – NUDOC \ SECULT – CE, 1996. (Depoimentos orais de Moreira Campos e Antônio Girão Barroso)

DISCURSOS Três Discursos. In: Revista Clã nº 28, 1982, p. 31 – 40. Discursos de abertura e de encerramento do Congresso de Escritores. In: Afirmação, anais do 1º Congresso Cearense de Escritores, 1947.

MANIFESTOS Manifesto do 1º Congresso Cearense de Poesia. In: Revista Valor nº 25, 1942. Manifesto do 1º Congresso de Escritores Cearenses. In: Afirmação, 1947.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADERALDO, Mozart Soriano. “Grupo Clã 40 anos”. In: Revista da Academia Cearense de Letras, Fortaleza, 1981. ALMEIDA FARIAS, Maria Auxiliadora. Edições e Seduções: Revista Clã 1946 1957. Dissertação de Mestrato. Universidade Federal de Pernambuco, 2003. ARAÚJO, Raimundo. Poetas do Ceará. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1985. AZEVEDO, Sânzio de. Literatura Cearense. Fortaleza: Academia Cearense de Letras, 1976. 86

AZEVEDO, Sânzio de. O Modernismo na Poesia Cearense: primeiros tempos. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1995. BENJAMIN, Walter. “Sobre o Conceito de História.” In: Mágia, técnica e arte. 7ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BEZERRA, Carlos Eduardo. Fran Martins. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. 7ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. BRUNO, Artur. FARIAS, Airton de. Fortaleza: uma breve história. Fortaleza. INESP, 2011. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8ª Ed. São Paulo: Publifolha, 2000. CARDOSO, Gleudson Passos. Padaria Espiritual: biscoito fino e travoso. 2ª Ed. Museu do Ceará / Secretária de Cultura do Estado o Ceará, 2006. FACINA, Adriana. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. LIMA, Batista de. “A Literatura cearense: do Grupo Clã às rodas de poesia” In: Gilmar Chaves (org.). Ceará de Corpo e Alma. Rio de Janeiro: Relume Dumará / Fortaleza: Instituto Histórico do Ceará, 2002. LIMA, Felipe Victor. O Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores: movimento intelectual contra o Estado Novo (1945). Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, 2010. LIMA, Filgueiras. “A Literatura Cearense depois de 1920”. In: Girão, Raimundo. FILHO, Martins (org.). O Ceará, 3ª Ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966. LIRA, José Luís. O Poeta do Ceará – Artur Eduardo Benevides. Fortaleza: Academia Fortalezense de Letras, 2003. LOPES, Marciano. Royal Briar. 3ª Ed. Fortaleza: Editora Tiprogresso, 1989. MARTINS, Fran. A Semente. In: Revista Clã nº 28, 1982. MENEZES NETO, Paulo Elpídio. Martins Filho. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. MONTEGEGRO, Braga. “Resumo da História da Literatura Cearense”. In: Revista Clã nº 16, 1957. MONTEGEGRO, Braga. “A Atualidade Literária Cearense”. In: Girão, Raimundo. FILHO, Martins (org.). O Ceará, 3ª Ed. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1966. 87

MONTENEGRO, F. Abelardo. Os Partidos Políticos do Ceará. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1980. MORAES, Vera Lúcia de Albuquerque. Clã: trajetórias do modernismo em revista. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. MOTA, Aroldo. História Política do Ceará (1947 – 1966). Rio – São Paulo – Fortaleza: ABC Editora, 2005. NEVES, Frederico de Castro. Multidão e a História: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 2000. NOBRE, F. Silva. 1001 Cearenses Notáveis. Rio de Janeiro: Casa do Ceará Editora, 1996. OLIVEIRA, Caterina de. Moreira Campos. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Silva Filho, Antonio Luiz Macêdo e. Paisagens de Consumo: Fortaleza no tempo da Segunda Grande Guerra. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. SOUZA, Simone de (org.). História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1994. SOUZA, Simone de. PONTE, Sebastião Rogério. Roteiro Sentimental de Fortaleza. Fortaleza: UFC – NUDOC \ SECULT – CE, 1996. VELLOSO, Monica Pimenta. História & Modernismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

88

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.