Gerentes de Projetos Ancoras de Carreira e Vivencias de Prazer e Sofrimento no Trabalho

May 27, 2017 | Autor: Silmara Pereira | Categoria: Project Management, Coaching Psychology, Gestão De Carreiras
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Gerentes de Projetos: Âncoras de Carreira e Vivências de Prazer e Sofrimento no Trabalho Autoria: Silmara Agda Almeida Pereira, Luiz Carlos Honório

Resumo O artigo descreve as âncoras de carreira e as vivências de prazer e sofrimento de sete gerentes de projetos que atuam em empresas mineiras de mineração, automobilismo, automação de processos gerenciais e tecnologia da informação, tendo em vista a teoria derivada da psicodinâmica do trabalho e das âncoras de carreira de Schein (1993). Os dados, coletados por meio de entrevista semiestruturada, evidenciaram que a âncora chamada de autonomia e independência foi a que predominou entre os gerentes, seguida pela âncora competência técnica e funcional. Aspectos associados ao medo, à insegurança no trabalho e ao convívio com situações constrangedoras e de injustiça no ambiente ocupacional sinalizaram sofrimento no trabalho, enquanto que a identificação com a função, o orgulho de trabalhar na profissão e a realização profissional se destacaram como elementos de prazer no trabalho. Palavras-chave: Âncoras de carreira. Prazer no trabalho. Sofrimento no trabalho. 1. Introdução Apesar de a essência do trabalho conservar seu caráter construtor na vida do homem, a perda do seu sentido e a sua realização sob condições inadequadas podem se tornar elementos geradores de doenças. Portanto, para Dejours (1992) o trabalho gera sofrimento quando advém dessas condições, mas também pode ser fonte de prazer se resultar de sentimentos positivos e gratificantes tais como valorização, reconhecimento, realização etc. Assim, o trabalho não só se constitui como atividade material e simbólica formadora do vínculo social, como também da vida subjetiva (CLOT, 2011), acrescentando-se que o processo de subjetivação que daí deriva está associado ao contexto ocupacional e às vivências de prazer e sofrimento experimentadas no ambiente de trabalho (MENDES; FERREIRA, 2007). As demandas provenientes das mudanças sociais, tecnológicas e das novas formas de organização do trabalho estão presentes nos espaços organizacionais atuais, demarcando a relevância do papel das categorias ocupacionais consideradas imprescindíveis ao alcance dos resultados empresariais, como é o caso dos gerentes. A função deste profissional é delineada por inúmeros desafios, corriqueiramente assentados na utilização adequada e competente de novos modelos estratégicos de gestão, como também na detenção de diferentes conhecimentos integrados ao processo produtivo e na demonstração de habilidades para tomar decisões (KLIKSBERG, 1993; DAVEL; MELO, 2005; QUICK; FREY; COOPER, 2007). Na área de gerenciamento de projetos não poderia ser diferente, pois as mudanças na organização do trabalho e estruturação das carreiras, somadas aos avanços tecnológicos, às necessidades de gerir pessoas, de planejar eficientemente os investimentos e de garantir escopo, prazo e custo, além do retorno para as organizações, fazem dos profissionais que atuam nesta modalidade indivíduos fundamentais ao negócio, mas também portadores de alta vulnerabilidade no âmbito da saúde (MARTINS, 2003). Portanto, os atributos necessários à função dos gerentes de projetos deve implicar a combinação de competências, motivos e valores que servem como orientação para as decisões relativas ao desenvolvimento da vida profissional, algo que Schein (1993) denominou por âncora de carreira. Reconhece-se que os gestores de projetos, tendo em vista os atributos até aqui discutidos, devem experimentar em seu cotidiano vivências de prazer e sofrimento 1

decorrentes dos esforços que certamente dispendem para o desenvolvimento de suas carreiras no trabalho. Sabe-se, também, que a alta demanda mercadológica pelos ocupantes desta carreira tem levado esses profissionais de volta à sala de aula para adquirir competências para atuar na função. Porém, muitas vezes, estes profissionais necessitam assumir funções para as quais ainda não se mostram devidamente qualificados (HALL, 2002). Somam-se a isso, as longas jornadas de trabalho, o aumento de exigências de produção, as inseguranças inerentes ao processo de gestão, enfim elementos que conferem um grau de complexidade ainda mais elevado na função. Tendo isso em mente, o artigo pergunta: como se entrelaçam as âncoras de carreira de gerentes de projetos com as vivências de prazer e sofrimento que experimentam na função? Para responder esta questão, o artigo tem por objetivo identificar as âncoras de carreira de gerentes de projetos que atuam em empresas mineiras dos setores de mineração, automobilismo, automação de processos gerenciais e tecnologia da informação; descrever as vivências de prazer e sofrimento que experimentam no trabalho; e, estabelecer associações entre essas dimensões, tendo em vista aspectos teóricos oriundos da psicodinâmica do trabalho e das âncoras de Edgar Schein. 2. Referencial teórico O referencial teórico divide-se em duas partes. A primeira parte trata das âncoras de carreira de Edgar Schein. A segunda parte discute aspectos associados à díade prazer-sofrimento no trabalho e as estratégias para lidar com o sofrimento ocupacional, recorrendo-se autores consagrados no campo da psicodinâmica do trabalho. 2.1 As âncoras de carreira de Edgar Schein Define-se âncora de carreira como uma “combinação de áreas percebidas de competência, motivos e valores que servem de guia para as decisões relativas à carreira individual” (SCHEIN, 1993, p. 39). Existe uma carreira interna e uma carreira externa. A carreira interna envolve o modo de perceber o desenvolvimento profissional ao longo do tempo. Ou seja, é a imagem própria que cada um possui e vê no seu trabalho e no papel que desenvolve profissionalmente. A carreira externa compreende os degraus requeridos por uma organização para se progredir em uma ocupação. As fases de desenvolvimento de uma carreira variam de indivíduo para indivíduo e, normalmente, ele não tem consciência a respeito dessa questão e se deixa testar em situações reais para identificar quais são as âncoras que predominam na construção do seu processo de desenvolvimento profissional (SCHEIN, 1993). Descrevendo as âncoras, Schein (1993) destaca que existem grupos de profissionais que se mostram incapazes de trabalhar em uma organização que ameace a liberdade de formar a sua carreira. Essa âncora foi chamada de autonomia e independência para descrever indivíduos que não conseguem se sentir presos a normas, regras, métodos e expedientes de trabalho. São indivíduos que desejam ter controle sobre o próprio trabalho, de modo a executá-lo de acordo com ritmos e padrões próprios. Também existem pessoas que têm necessidade de organizar suas carreiras em torno de um ambiente seguro, com eventos futuros previsíveis e assim, ficarem tranquilas na certeza de que conseguiram o que queriam. Tal âncora foi definida por segurança e estabilidade, incluindo indivíduos que valorizam a remuneração atrelada ao tempo de serviço e almejam serem promovidos com base na hierarquia e no tempo que estão trabalhando em determinado nível. Lealdade e reconhecimento são valores que estão presentes nesse tipo de trajetória profissional. Já a âncora denominada por competência 2

técnica e funcional contempla as pessoas que organizam suas carreiras em função de áreas técnicas específicas e de oportunidades de encontrar trabalhos desafiadores em sua área de atuação. Indivíduos com estas características buscam constante capacitação e conhecimento, esperando que os benefícios recebidos estejam de acordo com o seu nível de experiência e conhecimento. Continuando, os profissionais que possuem como característica o desejo de galgar postos cada vez mais avançados na organização e na hierarquia, fazendo com que consigam realizar tarefas importantes e necessárias para o sucesso empresarial, foram incluídos na âncora chamada de competência administrativa geral. Por essa razão, esse tipo de âncora envolve pessoas que desejam participar das esferas de decisão, ser responsáveis por um setor/unidade e exercer papeis de liderança até alcançar níveis mais altos de responsabilidade. A quinta âncora definida por Schein (1993) na primeira fase de seus estudos foi chamada de criatividade empreendedora para descrever indivíduos que se motivam constantemente para a criação de negócios próprios, desenvolvimento de novos produtos ou serviços, organização de novas empresas ou para assumir a direção de empresas existentes. São indivíduos que desejam sobreviver por si mesmos e serem economicamente bem sucedidos, uma vez que gerar dinheiro é a medida de sucesso. Schein (1994) completa a segunda fase dos seus estudos com mais três âncoras. A primeira delas foi chamada de serviço e dedicação a uma causa para incluir indivíduos movidos por trabalhos que lhes permitam incorporar valores que sejam importantes para si mesmos e para melhorar as condições de vida de uma população, comunidade, grupo etc. Os indivíduos pertencentes a este grupo desejam um trabalho que lhes permita influenciar as organizações que os empregam ou a política social na direção de seus valores, em um sentido de melhoria do grupo social e ajuda ao próximo. Destaca-se também uma âncora denominada por desafio puro que descreve profissionais que precisam enfrentar situações complexas e difíceis de trabalho. Para isso, procuram empregos e atividades que apresentem obstáculos considerados impossíveis de serem superados. Usualmente, indivíduos com tais características são competitivos. Por fim, aparece a âncora chamada de estilo de vida para abranger pessoas que procuram equilibrar a vida pessoal e profissional. Geralmente, os indivíduos nessa condição são competentes e valorizam a carreira, mas não abrem mão de outras necessidades pessoais e procuram a integração de ambas. Portanto, são motivados para a satisfação de necessidades individuais, sociais e familiares de forma balanceada. 2.2 Prazer, sofrimento e estratégias de enfrentamento Dejours (2002) comenta que o trabalho pode ser fonte de prazer e de construção de sentido para a história do sujeito, que, articulando seu saber com o conteúdo de sua tarefa, promove transformações e se transforma no processo. Todavia, a ausência total de sofrimento no trabalho é algo impossível devido aos conflitos inevitáveis que se estabelecem entre a organização do trabalho e a história particular de cada indivíduo, cabendo aqui diferenciar o sofrimento patogênico do sofrimento criativo (DEJOURS; ABDOUCHELLI; JAYET, 1994). O sofrimento patogênico surge quando se esgotam as possibilidades do trabalhador de se proteger dos incômodos advindos dos conflitos com a organização do trabalho, e ele se entrega às impossibilidades de modificar os fatores que lhe causam insatisfação. No caso do sofrimento criativo, como o próprio nome já diz, por meio do uso da criatividade, o sofrimento é transformado em soluções, a saúde é preservada e a identidade beneficiada (LUNARDI FILHO; MAZZILI, 1996). 3

Teorizando sobre o prazer no trabalho, Dejours (1994) comenta que ele resulta de sentimentos positivos e gratificantes vivenciados pelo indivíduo, advindo de uma livre articulação entre seu gosto, seu conhecimento e o conteúdo da tarefa, fazendo com que o trabalho seja equilibrante. O prazer no trabalho vai, então, estar ligado à possibilidade de o trabalhador realizar seus sonhos, desejos e anseios no contexto de trabalho. Assim, vários seriam os indicadores de prazer no trabalho, como: a valorização, o reconhecimento, a liberdade, a realização, a gratificação, o orgulho e a capacidade de aprendizagem (DEJOURS, 1994). O reconhecimento e a confiança por parte da organização são aspectos relevantes que favorecem as vivências de prazer no trabalho, conforme ressaltado pela psicodinâmica do trabalho. Ressalta-se que o reconhecimento é a forma peculiar da retribuição moral-simbólica passada ao ego, como recompensa por contribuir para a eficácia e eficiência da organização do trabalho. Quanto à confiança, ela se origina do respeito a uma promessa de um julgamento equitativo sobre o fazer, em que o ego administra sua relação com o real da tarefa. À medida que o trabalhador atribui sentido positivo ao trabalho, é possível se se reconhecer nele. Dessa forma, o indivíduo acaba sentindo que tem autonomia e liberdade de se expressar, e começa a experimentar mais vivências de prazer e menos de sofrimento (DEJOURS; ABDOUCHELLI; JAYET, 1994; MENDES; FERREIRA, 2007). No que se refere às vivências de sofrimento, elas se associam ao modo como o trabalho se organiza em termos da divisão e padronização de tarefas, do baixo aproveitamento da criatividade e potencial técnico; da rigidez hierárquica, da centralização, dos procedimentos burocráticos em demasia, da falta de participação nas decisões, de reconhecimento e de perspectivas de crescimento profissional (DEJOURS, 1992, 1996, 2001; DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1994; MENDES, 2007). Na presença destas condições, o trabalhador executa automaticamente suas atividades, uma vez impossibilitado de demonstrar potencial, competência, capacidade criativa e, vê o seu crescimento profissional dificultado (MENDES, 1994; MERLO, 2002; MENDES; SILVA, 2006). Mendes (1994) acrescenta que a falta de compatibilidade entre os desejos individuais e os objetivos organizacionais resultam em sofrimento no trabalho, ressaltando que a realização profissional está diretamente ligada ao modo como as tarefas são percebidas pelo trabalhador em termos de significação, criação e valorização. Por isso, a autora enfatiza a necessidade de se oferecer um espaço na organização onde o trabalhador possa desenvolver seu potencial, se sentir produtivo e ser reconhecido. Segundo comenta essa autora, isso poderia fazer emergir vivências de prazer que permitam o uso de mecanismos capazes de fazer com que o sofrimento seja ressignificado em prol do equilíbrio físico e psíquico no trabalho. Para minimizar o sofrimento e evitar o adoecimento, o trabalhador desenvolve estratégias de enfrentamento marcadas pela sutileza, engenhosidade, diversidade e inventividade. Trata-se de mecanismos de defesa construídos pelos indivíduos com o objetivo de se proteger (DEJOURS; ABDOUCHELLI; JAYET, 1994). Dejours (1992) comenta que as estratégias surgem em virtude de conflitos decorrentes da relação entre as forças do sujeito e aquelas originárias dos interesses organizacionais, podendo ser utilizadas de forma coletiva ou individual. A racionalização, a sublimação, a ressonância simbólica e a inteligência astuciosa estão entre as diversas estratégias utilizadas para minimizar a presença do sofrimento no trabalho. A racionalização acontece quando um indivíduo busca justificativas para minimizar as situações dolorosas e desagradáveis vivenciadas no ambiente ocupacional. A sublimação diz 4

respeito a um processo inconsciente pelo qual um impulso é modificado de modo a se ajustar ou ficar em conformidade com as demandas da organização. Ou seja, é um mecanismo utilizado para compensar frustrações, mesmo que isso ocorra momentaneamente. A ressonância simbólica está relacionada ao enfrentamento das situações concretas vivenciadas pelo indivíduo de modo que ele possa refletir e dar continuidade ao seu questionamento interior e delinear a sua história. A ressonância simbólica, pelo que se conceitua, é um requisito individual do mecanismo de defesa chamado de inteligência astuciosa, que diz respeito à capacidade do trabalhador realizar ajustes na organização produtiva no momento em que se vê diante de situações inéditas ou inesperadas de trabalho. Assim, a inteligência astuciosa caracteriza-se por ser um mecanismo que mostra a habilidade, a invenção e a criatividade sendo privilegiadas em detrimento da força. (DEJOURS, ABDOUCHELLI; JAYET, 1994). 3. Metodologia A pesquisa realizada é caracterizada como descritiva (TRIVIÑOS, 1987) e de abordagem qualitativa (MILES; HUBERMAN, 1994; GODOY, 1995), com o objetivo de aprofundar o conhecimento a respeito da trajetória de carreira de gerentes de projetos e das vivências de prazer e sofrimento que experimentam no exercício de suas atividades profissionais em quatro grandes empresas mineiras dos setores de mineração, automobilismo, automação de processos gerenciais e tecnologia da informação, apresentando grau de maturidade em projetos, o que significa a pertinência de serem escolhidas para participarem da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa, escolhidos intencionalmente por acessibilidade, são sete gerentes classificados de acordo com o sexo, a idade, o estado civil, a escolaridade, o tempo de trabalho na empresa e na função e, a carga horária de trabalho. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, cujo roteiro inspirou-se no Inventário sobre o Trabalho e os Riscos de Adoecimento (ITRA), um instrumento quantitativo validado por Mendes e Ferreira (2007) derivado de seus estudos sobre a psicodinâmica do trabalho. O roteiro de questões foi dividido em duas seções. A primeira seção incluía uma pergunta para cada uma das âncoras de Schein (1993), devidamente identificadas e descritas no referencial teórico. A segunda seção continha 20 perguntas, distribuídas em duas dimensões do ITRA, a saber: o contexto de trabalho, em que se avaliaram a organização, as relações socioprofissionais e as condições de trabalho; e o sentido do trabalho em termos das vivências de prazer e sofrimento no trabalho. Esta parte foi complementada por uma questão que investigava as estratégias para lidar com o sofrimento no trabalho. As entrevistas, após terem sido gravadas, foram tratadas por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 1977; FRANCO, 2008) e passaram por duas formas de tratamento. A primeira forma serviu para a sumarização da trajetória de carreira dos entrevistados, bem como para identificação das âncoras que melhor descreviam as carreiras dos entrevistados. Procurou-se nessa descrição destacar elementos que se associavam aos elementos teóricos pertinentes ao prazer e sofrimento no trabalho. A segunda forma foi realizada de acordo com categorias do ITRA selecionadas para a pesquisa. Por meio desse sistema de categorias, foram determinados os aspectos a serem filtrados do material. Posteriormente, fez-se a redução do material por meio da técnica chamada de análise temática (BARDIN, 1977), de tal forma que restassem apenas os conteúdos mais importantes relacionados às categorias. Tais conteúdos foram sumarizados em subcategorias, sendo que as escolhidas para fins de análise foram as que se repetiram em uma frequência superior a cinco entrevistados. 5

4. Apresentação e discussão dos resultados A primeira organização, denominada "Empresa A", é brasileira, de capital aberto, atuando nos setores de mineração, siderurgia, logística e energia. É considerada uma das maiores mineradoras do mundo, atuando no Brasil desde 1940. Atualmente, é considerada a maior produtora de minério de ferro do mundo e a segunda maior de níquel. Destaca-se, ainda, na produção de manganês, cobre, carvão, cobalto, pelotas, ferroligas e alguns fertilizantes, como os fosfatados (TSP e DCP) e nitrogenados (uréia e amônia). Opera em 13 estados brasileiros e nos cinco continentes. Foi uma das primeiras a criar a carreira de gerente de projetos no Brasil, o que, segundo dados colhidos na empresa, deu-se devido à necessidade de gerenciar com eficiência, eficácia e sustentabilidade o seu negócio, que possui alta complexidade em decorrência de sua expressão mundial. Os dois gerentes participantes da entrevista são engenheiros, com idade entre 30 e 47 anos, graduados em engenharia, com especialização em gestão de projetos, Master of Business Administration (MBA) em gestão empresarial, mestrado, variando entre 10 e 18 anos de experiência na empresa, onde trabalham 40 horas semanais. A evolução de suas carreiras como gerente de projetos se deu de forma natural, não havendo planejamento formal que os direcionasse para a carreira gerencial. Um dos gerentes (GP1) disse que, após graduar-se em engenharia civil, trabalhou em grandes empresas do ramo, com atividades focadas em planejamento financeiro. Após sua especialização, compreendeu que já gerenciava projetos e passou a obter maior efetividade. Sua última movimentação profissional foi para trabalhar na empresa atual, em razão da identificação que tinha com ela. O outro gerente (GP2) ressalta que não planejou formalmente sua carreira, mas tinha clareza sobre a área que gostaria de trabalhar, o salário que necessitava obter e em qual empresa poderia aplicar seus conhecimentos para se realizar como profissional. Iniciou sua carreira técnica em uma grande empresa de aços. A gama de conhecimentos necessários para atingir os resultados dos projetos que ambos os gerentes coordenam se origina das ciências da Administração em geral e da Gestão de Pessoas, mas relatam possuir conhecimentos específicos que são essenciais ao desempenho da função. Ainda segundo os gerentes, as habilidades humanas e as competências interpessoais, ou competências comportamentais, são imprescindíveis e facilitam a resolução de problemas, sendo a comunicação um item fundamental, pois o trato com as pessoas garante bons resultados e faz com que os projetos atinjam seu objetivo. Apurou-se com um dos entrevistados (GP1), que embora ele tenha tido a necessidade de se adaptar às normas da empresa, que impõe uma significativa padronização de tarefas, também possui certa autonomia para realizar suas atividades, dentro de um limite, exatamente por ser “gerente de projetos”. Este entrevistado informou que manter a segurança e a estabilidade significa entender a amplitude do que pode fazer na área em que trabalha, analisando os possíveis resultados. Já o outro gerente entrevistado (GP2) declarou que a busca pelo conhecimento é um eixo extremamente importante para desenvolver habilidades e saber lidar com as informações. Estes depoimentos denotam que as carreiras dos gerentes são contornadas por tipos ancorados ao burocrático e ao profissional, uma vez que a divisão do trabalho, as normas e regulamentações e a importância do conhecimento demarcam as atividades realizadas pelos entrevistados na empresa. Nos estudos de Schein (1986), nota-se que os estilos de carreira que consideram os valores apresentados pelos entrevistados estão relacionados à segurança e a estabilidade, já que pessoas com esta âncora têm a necessidade de organizar suas carreiras em volta de um ambiente seguro, com eventos futuros previsíveis, e, assim, ficarem tranquilas, na certeza de que conseguiram o que queriam. Percebe-se nos relatos a identificação que os gerentes possuem com o que fazem, a motivação em relação ao 6

trabalho, a importância da realização profissional em suas carreiras, a relevância dos relacionamentos interpessoais para o alcance de resultados e a admiração que sentem pela profissão. Estes indicadores conferem identidade ocupacional (LHUILIER, 2011), bem como sentimentos positivos e gratificantes associados à possibilidade de realizar sonhos, desejos e anseios no contexto de trabalho, ou seja, obter prazer na realização das tarefas (DEJOURS, 1994). A segunda organização objeto deste estudo, denominada "Empresa B", é uma multinacional da indústria automotiva, líder mundial no segmento em que atua, devido a sua experiência, competência e know-how. O departamento de gestão de projetos da empresa funciona em rede com oito países e foi projetado para oferecer serviços internos, lastreados no conceito de parceria nos negócios. O gerente de projetos entrevistado (GP3) é do sexo masculino, tem 42 anos, é casado, possui especialização em Gestão de Projetos, Gestão da Qualidade, Engenharia da Qualidade e MBA em Gestão de Negócios. Trabalha nesta empresa há 16 anos e exerce o cargo há 12 anos, com uma carga horária de 40 horas semanais. Iniciou sua carreira em uma empresa do grupo em que trabalha atualmente. Após o desafio de implantar métodos que foram foco da sua monografia de graduação como engenheiro, iniciou suas atividades em melhorias organizacionais, o que lhe proporcionou crescimento na empresa. Porém, ressalta que não planejou sua carreira gerencial, mas se identifica muito com a posição atual e pensa em fazer mestrado para consolidar o sonho de ser docente. Para GP3, o principal desafio que o gerente de projetos enfrenta atualmente vem a ser o imediatismo das organizações. A cultura ocidental, de pouco planejamento e muita ação, impede que os resultados sejam mais previsíveis. “Passamos muito tempo e perdemos muito dinheiro devido ao mau planejamento, onde os projetos são sacrificados, gerando stress junto aos stakeholders”, afirma. Outro ponto crucial apontado pelo gerente é que a cadeia de valor não se encontra preparada para esse desafio: "É muito comum a presença de fornecedores despreparados para o planejamento e poucos profissionais que tenham condições de implantar técnicas de gestão pautadas em best practice de mercado". Ele reiterou comentando que o desafio dos profissionais na área de projetos é o domínio dos conhecimentos, enfatizando ser necessário estudar e dominar conceitos, para atuar com desenvoltura. A este respeito disse já ter treinado a diretoria sobre fundamentos em projetos visando alinhar conhecimentos e falar a mesma linguagem. Os dados colhidos com esse gerente possibilitam definir sua âncora de carreira de acordo com aquela que Schein (1993) identifica por competência técnica e funcional, que descreve indivíduos que se dedicam a especialização. Além disso, indivíduos que possuem este tipo de âncora preferem trabalhos que desafiem constantemente sua capacidade e aptidão, para que busquem constantemente a capacitação, já que na visão de Schein (1993), está diretamente associada à autoestima e ao status do indivíduo dentro de uma organização. Convergente a este argumento, destaca-se a fala do gerente de que ministra treinamentos sobre fundamentos do gerenciamento de projetos para equipes no exterior e para a diretoria da empresa no Brasil. Pressupõe-se que o reconhecimento seja muito importante para este gerente, uma vez que ele parece admitir que contribui para a organização do trabalho na empresa onde atua. Para Dejours (2004), o equilíbrio entre as vivências de prazer e sofrimento pode ser percebido à luz do reconhecimento. Para a Psicodinâmica do Trabalho, o reconhecimento, o valor dado pelo outro, a contribuição do sujeito para a organização do trabalho, a apreciação relativa da utilidade técnica, social ou econômica, tudo isso é formulado pela hierarquia da organização, pelos pares e, até mesmo, pelos clientes. É por meio da singularidade do trabalho e de maneiras novas do saber fazer, que o reconhecimento é validado. Ele pode conferir ao 7

trabalho o significado que possibilita a obtenção do prazer e, até mesmo, a transformação do sofrimento em prazer (DEJOURS, 1992). Graças ao reconhecimento, trabalhar não é apenas produzir bens ou serviços; é também se transformar. Essa realidade remete à afirmação de Dejours (1992), quando o autor argumenta que os trabalhadores não buscam trabalho sem sofrimento, mas lutam para superá-lo, buscando tirar proveito dele para se fortalecerem. A terceira empresa pesquisada, denominada "Empresa C", é mineira e há 18 anos atua no mercado de desenvolvimento de negócios em tecnologia da informação, sendo especializada em automação de processos gerenciais. É composta por duas outras empresas. Uma delas é do ramo de tecnologia da informação, centrada em três grandes áreas de atuação - como Cloud Computing, Infraestrutura e operações - e no Centro de Desenvolvimento de Software, focado em fazer da tecnologia da informação um agente propulsor da transformação dos negócios, com unidades em Minas Gerais e Brasília. A outra empresa é do segmento forense digital, sendo a única empresa brasileira focada exclusivamente na integração de defesa digital, com unidades em Minas Gerais, Brasília e Rio de Janeiro, trabalhando com parceiros internacionais e tecnologias para conformidade, auditoria, combate a fraudes, respostas a incidentes e investigações em meios digitais. Os gerentes de projetos entrevistados na unidade localizada em Belo Horizonte são do sexo masculino, têm 30 e 31 anos, são especialistas em gestão de projetos e MBA em gestão empresarial, sendo que um deles está finalizando o mestrado. Possuem, em média, 10 anos de experiência no mercado de trabalho como gerentes de projetos na empresa, sendo que um tem 7,5 anos na função (GP4) e o outro, 2,5 anos (GP5). Esses gerentes iniciaram suas carreiras na área técnica, focados na ambição de desenvolverem-se nela, e fizeram investimentos para seus direcionamentos e a função que ocupam hoje. Não planejaram suas carreiras atuais, sendo esta uma evolução natural, devido aos resultados obtidos nos projetos que gerenciaram. Identificou-se a âncora de autonomia e independência no desenvolvimento de carreira do primeiro gerente (GP4), mas embora tenha dito que trabalha de forma alinhada aos propósitos da organização, tem o costume de mudar formas e práticas nas empresas por onde passa. Tal comportamento indica que esse gerente busca ter autonomia e independência na realização de suas tarefas diárias. Ele afirma ter organizado sua carreira por ambição, por vontade de crescer, procurando estabelecer metas e objetivos atrelados às suas crenças profissionais. Por essa razão, em consonância com o pensamento de Schein (1993), procurou construir sua carreira desejando ter controle sobre o próprio trabalho, de modo a executá-lo de acordo com ritmo e padrões próprios. Já o segundo gerente (GP5), construindo sua carreira com a ocupação de cargos de coordenação dentro da empresa, considera que o elemento mais importante na sua formação se relaciona com o desejo de ocupar a posição gerencial, uma vez que por meio de posição terá poder para fazer os resultados acontecerem. Essa característica descreve a âncora denominada por competência administrativa geral que, segundo comenta Schein (1993), caracteriza indivíduos que desejam participar das esferas de decisão, subir nos degraus hierárquicos da empresa até alcançar níveis mais altos de responsabilidade e, assim, contribuir para o sucesso da organização e receber altos rendimentos. Por um lado, o trabalho realizado por meio dessas características individuais observadas nos relatos dos gerentes GP4 e GP5 pode conduzir os executantes ao prazer porque eles mobilizam sua inteligência, sua capacidade de reflexão e interpretação para realizar com qualidade as tarefas e serem reconhecidos pelo que fazem, mesmo que para isso procurem mudar formas e práticas organizacionais, isto é, a realidade prescrita pela organização do trabalho, ou buscar incessantemente níveis mais elevados de responsabilidade na hierarquia da empresa. A respeito das prescrições do trabalho Dejours (2004) comenta que se elas forem 8

respeitadas zelosamente é impossível alcançar a qualidade, visto que as situações ocupacionais são contornadas por acontecimentos inesperados, incidentes, incoerências, conflitos interpessoais etc. Por outro lado, caso os intentos de reajustar a prescrição, transformar as ordens e obter reconhecimento não forem alcançados, o indivíduo pode vivenciar um sentimento de fracasso e sofrer com isso, já que consentir em desconsiderar convicções próprias pode ferir, por exemplo, valores de autonomia e independência. Todavia, Dejours (2012) adverte que é necessário experienciar o fracasso o quanto for preciso, de modo que o indivíduo encontre a solução para superar o sofrimento associado a esta realidade. A quarta organização, denominada "Empresa D", é do ramo da tecnologia da informação, especializada em automação para o setor de mineração e líder nacional no desenvolvimento de soluções para o gerenciamento e otimização das operações de minas a céu aberto e subterrâneo. Detém 82,0% do mercado neste segmento. É pioneira em automação das operações de lavra, com um amplo portfólio de produtos e sólida carteira de clientes, composta pelas principais mineradoras do Brasil e do exterior, o que consolida sua internacionalização e sua posição como empresa “Worldclass” no fornecimento de tecnologia para a mineração. Os processos de expansão, agilidade e competitividade fizeram surgir a necessidade de a empresa se estruturar por meio de projetos. Por isso, possui um Escritório de Projetos, ou Project Management Office (PMO), para gerenciamento geral de projetos em Belo Horizonte. Dos dois gerentes de projetos participantes da pesquisa, um é do sexo feminino (GP6), tem 26 anos, é solteira e possui três anos de experiência na função, enquanto o outro é do sexo masculino (GP7), tem 34 anos, possui 10 anos de experiência em gerenciamento de projetos e está há cinco meses na empresa, cumprindo uma carga horária de trabalho semanal de 44 horas. Ambos possuem especialização em Gestão de Projetos e Gestão de Empresas. No que tange à evolução de suas carreiras, GP6 ressalta que iniciou sua atuação como líder de projetos e que logo depois aceitou o desafio de ser gerente de PMO, devido à aquisição da empresa em que trabalhava pela empresa atual, enquanto que GP7 ressalta que sua posição atual se deu por evolução natural e que não se vê em outra função e/ou posição senão a que ocupa atualmente. Conforme relatado pelos gerentes da “Empresa D”, eles dão significativa importância à carreira, pois, com base em suas falas, as responsabilidades são grandes. Atualmente, eles são responsáveis por redesenhar novas políticas e processos para a empresa e por impor limites aos demais funcionários. Pode-se perceber que a âncora de carreira que melhor os descrevem, com base nos dados das entrevistas, é a de autonomia e independência, pois, de acordo com Schein (1993), uma das questões que mais motiva os indivíduos desta carreira é a busca por situações em que sua liberdade é maximizada. Além disso, as pessoas que possuem a tendência à autonomia vão preferir trabalhos claramente delineados, com prazos definidos em sua área de especialização, metas claramente estipuladas e inexistência de supervisão rigorosa. A necessidade de autonomia para o exercício pleno do cargo é ressaltada por eles, assim como a estrutura organizacional da empresa que parece respaldar essa necessidade. Isso leva a crer que a cultura desta organização modela a âncora de carreira dos gerentes entrevistados. Eles comentam que ser gerente de projetos é ser dono da empresa e, por essa razão, experimentam muita autonomia para realizar suas tarefas. Acreditam que são vistos como a cara da empresa, porque são eles que transmitem confiança tanto para a equipe de trabalho quanto para o cliente externo. Entende-se que a confiança seja elemento fundamental no trabalho de gerenciamento de projetos nesta organização, uma vez que ela subsidia os recursos necessários aos profissionais para fins de mobilização de pessoas e alcance de resultados. A confiança, além de servir como elemento de atribuição de sentido positivo ao trabalho, permite que o trabalhador se reconheça nele (DEJOURS, ABDOUCHELI, JAYET, 9

1994). Ou seja, o reconhecimento é fundamental para a construção de identidade, devendo-se acrescentar que parte indispensável do sofrimento é transformada em prazer devido ao reconhecimento (DEJOURS, 2012). Em síntese, predomina entre os gerentes entrevistados a âncora de carreira chamada de autonomia e independência, aparecendo em seguida a âncora competência técnica e funcional. Entende-se que as características desses tipos de âncoras estejam diretamente ligadas ao que o mundo do trabalho atual requer do trabalhador, ou seja, capacidade de adaptar-se, principalmente a situações novas, e tirar dessa experiência e da própria adaptação um aprendizado, mesmo que em alguns momentos adversidades possam contribuir para dilemas desorientadores de carreira em termos de pontos de vista, valores, crenças e pressupostos. Além das particularidades aqui discutidas, denotando que o trabalho realizado por gerentes de projetos conduzem ao prazer, a ausência total de sofrimento no trabalho é algo impossível devido aos conflitos inevitáveis que se estabelecem entre a organização do trabalho e a história particular de cada indivíduo (DEJOURS; ABDOUCHELLI; JAYET, 1994). As instâncias de prazer e sofrimento no trabalho dos gerentes pesquisados são detalhadamente discutidas a seguir. A análise que se segue compreende as categorias pertinentes ao contexto do trabalho (organização do trabalho, condições do trabalho e relações socioprofissionais) e ao sentido do trabalho (vivências de prazer e sofrimento). A partir dessas categorias, emergiu uma série de subcategorias, tendo se revelado como as mais marcantes para os entrevistados (Quadro 1) Quadro 1: Categorias e subcategorias do conteúdo das entrevistas CATEGORIA DE ANÁLISE

Organização do trabalho Contexto de trabalho

Condições do trabalho Relações socioprofissionais Vivências de prazer

Sentido do trabalho Vivências de sofrimento

Estratégias de combate ao sofrimento

SUBCATEGORIA Cobrança de resultados Planejamento do trabalho Quantidade de pessoas na equipe Ritmo de trabalho Recursos de trabalho Segurança no trabalho Integração e cooperação Disputa entre os profissionais na equipe de trabalho Identificação e orgulho com a função Realização profissional Medo e insegurança Situações constrangedoras Injustiça no trabalho Atividades físicas, tratamento psicoterápico, ouvir música, separar os problemas pessoais dos profissionais, descansar aos finais de semana, raciocinar com paciência e outras.

Fonte: Dados da pesquisa

No que tange a organização do trabalho, os dados das entrevistas evidenciaram que cobrança por resultados está relacionada às metas gerais dos projetos desenvolvidos e à apresentação de indicadores semanais de produtividade e desempenho. Há a realização constante de reuniões, desde a concepção de cada projeto, as quais têm por objetivo fazer o planejamento de todas as fases de execução do projeto, assim como interagir com os envolvidos na sua implantação e desenvolvimento. As empresas buscam trabalhar com equipes enxutas, cuja quantidade de 10

pessoas é definida por instrução normativa, de acordo com cada projeto e com o valor dos investimentos, comenta o gerente GP1. Dois outros gerentes comentaram que há escassez de recursos humanos, algo de redunda em acúmulo de trabalho. Quanto ao ritmo, os relatos foram unânimes em afirmar que ele é intenso, demarcado pelo alto volume de tarefas, pelo dinamismo das decisões que envolvem este tipo de função e pela cultura da organização, que exige essa realidade. O depoimento de um gerente ilustra o ritmo em que trabalha: Intenso. Resumidamente, em uma só palavra: intenso. Eu acho que a minha [...] meu tempo de atuação, dentro de oito horas, eu acho que eu trabalho pelo menos sete horas e meia, e é tenso e intenso[...] Eu tive que sair naquela hora ali para poder ganhar tempo, para resolver o problema, porque amanhã tem mais demanda. Mas é intenso. Gerente de projetos aqui não tem descanso, o tempo todo fazendo ‘n’ atividades. A gente precisa chegar ao final do projeto sempre, independentemente se você tá gerindo um ou dez projetos. (GP6)

De acordo com as falas dos entrevistados, nota-se a pressão cotidiana sofrida durante o desempenho de suas tarefas, uma vez que são avaliados por meio de metas e indicadores de produtividade, experimentam sobrecarga devido a escassez de recursos humanos em suas equipes e atuam em ritmo intenso de trabalho. Nas últimas décadas, especialmente após a globalização da economia (ANTUNES, 2002), a organização do trabalho modificou-se significativamente, impondo ritmos mais acelerados e cobranças constantes por produtividade e desempenho. Conforme salienta Martins (2008), o ritmo excessivo de trabalho, a ausência de pausas e a exigência de produção podem contribuir para o processo de adoecimento do trabalhador. Quanto às condições de trabalho, verificou-se que as empresas dão suporte no que se refere a instalações físicas e equipamentos necessários ao desenvolvimento da função, oferecendo tecnologia de ponta e sistemas de informação. A questão da segurança no trabalho e da saúde ocupacional é preocupação de todas as empresas, podendo-se listar alguns benefícios disponibilizados tais como, EPI, vacinas, remédios, treinamentos em segurança, seguro individual etc. Um dos gerentes (GP2) comentou que o maior valor apregoado pelos empregados da empresa onde atua tem sido ‘a vida em primeiro lugar’, destacando que a alta direção sustenta essa necessidade individual. Embora Dejours (1994) considere que não existem condições de trabalho ideais, admite-se que atuar com as condições e recursos oferecidos pelas empresas pesquisadas deve resultar em sentimentos positivos e gratificantes, ou seja, em prazer de trabalhar. Em termos das relações socioprofissionais, apurou-se que o nível de integração e cooperação suscita percepções distintas entre os entrevistados. Alguns disseram que a integração e cooperação entre os membros da equipe são estimuladas, em geral, por meio de reuniões semanais (GP2 e GP3) e alinhamento de informações (GP1). Contudo, para GP2 tal ação não é suficiente, pois “a integração é pequena e a cooperação não ocorre de forma espontânea”. GP6 também identifica falhas no sistema utilizado pela empresa para promover a cooperação e integração, destacando que “se dá de forma tímida, pois preocupa-se com o que tem de fazer individualmente”. Foi revelada também a disputa entre os profissionais e a equipe de trabalho, significativamente identificada entre os entrevistados, pois, em geral, houve consenso em dizer que há conflitos oriundos do excesso de vaidade e dificuldades de comunicação devido à própria cultura das empresas. Um dos gerentes (GP3) comentou que a diretoria incentiva muito a competição, as brigas entre gerentes. Outro gerente (GP1) acrescentou que o perfil da empresa onde atua é caracterizado por pessoas mais agressivas em termos das metas estabelecidas. Estes depoimentos não causam surpresa uma vez que o mundo atual do 11

trabalho conduz os trabalhadores a se tornaram cativos dos julgamentos de reconhecimento pelo outro. Sem esse reconhecimento não seria possível sustentar a identidade profissional, segundo comenta Dejours (2012). Soma-se a isso o agravante de as empresas adotarem políticas de metas e indicadores semanais de produtividade e desempenho. A este respeito argumenta Dejours (2012, p. 368) que a “avaliação individualizada e quantitativa de desempenho coloca todos os empregados em competição uns com os outros; o sucesso de um colega torna-se ameaça para os outros. Agora é cada um por si e todos os golpes são permitidos. A deslealdade torna-se banal e a desconfiança e o medo se abatem sobre o mundo do trabalho”. Sobre as vivências de prazer nota-se que, em geral, todos os entrevistados se identificam atualmente com as atividades que realizam, sentem orgulho pela profissão, sentimento este diretamente relacionado ao reconhecimento, principalmente de seus superiores, no momento da entrega de um projeto ou determinado trabalho. O reconhecimento dos pares e o sentimento de ser imprescindível também foram considerados como elementos que resultam em satisfação no trabalho. A liberdade para expressar as opiniões também foi mencionada como uma fonte de prazer entre os profissionais entrevistados, reiterando que os gerentes acreditam que isso decorre do convívio diário com a equipe de trabalho e da confiança que emana desse relacionamento. Finalmente, a maioria dos entrevistados disse experimentar bem-estar e satisfação na função, associando tal questão a remuneração, ao ambiente de trabalho, a solução de problemas e a possibilidade de entregar os projetos no prazo. Mendes e Ferreira (2007) ressaltam que o reconhecimento, a confiança, a liberdade de expressão e a autonomia são elementos que favorecem as experiências de prazer no trabalho. No que se refere ao reconhecimento, ele seria uma espécie de recompensa recebida pelo trabalhador por contribuir com o funcionamento da organização do trabalho. Além disso, o reconhecimento confere o sentimento do indivíduo de pertencer a um coletivo, a uma equipe ou a um local de trabalho, ao mesmo tempo que contribui para as relações de cooperação, inclusive com pessoas que suscitam antipatia ou aversão. Outro ponto importante sobre o papel do reconhecimento na vida ocupacional associa-se ao fato de ele conferir identidade ao trabalhador, ressaltando que é graças a ele que uma parte considerável do sofrimento é transformada em prazer no trabalho (DEJOURS, 2004; 2012). O medo, a insegurança, o contato com situações constrangedoras e as injustiças no trabalho foram apontados como os principais elementos que caracterizam as vivências de sofrimento dos gerentes de projetos. Eles acreditam que o medo e a insegurança decorrem, basicamente, da instabilidade do mercado, da falta de comprometimento das pessoas e da dependência de empresa com relação às funções de um gerente de projetos. Um dos entrevistados (GP3) acrescentou que deficiências no planejamento estratégico da empresa podem contribuir para um mau desempenho e impactar a performance dos resultados. A falta de informações adequadas para a realização dos projetos também pode acarretar esse tipo de sofrimento, conforme pontuado por outro gerente (GP4). No que se refere ao convívio com situações constrangedoras e injustiças no trabalho, foi colocado que isso decorre, respectivamente, de posturas inadequadas no trabalho, por exemplo, “um profissional falar que não tem jeito de resolver o problema técnico e na frente de outra pessoa dizer que consegue fazer” (GP6), ou de ser advertido por algo sem que se tenha responsabilidade direta pelo ocorrido. Portanto, percebe-se que questões tanto individuais quanto pertinentes a estrutura das empresas podem ser apontadas como possíveis causas de perturbação e sofrimento no trabalho, corroborando o argumento teórico da impossibilidade de ausência total de sofrimento no trabalho, uma vez que tal fato decorre de conflitos entre a organização do trabalho e a história particular de cada indivíduo (DEJOURS, ABDOUCHELI; JAYET, 1994). No tocante a organização do 12

trabalho, Dejours (1994) comenta que deficiências nesse quesito acabam neutralizando as potencialidades intelectuais do trabalhador, que se vê obrigado a funcionar como uma estrutura comportamental incompatível com suas necessidades e desejos, tornando o trabalho uma fonte de sofrimento. De qualquer maneira, os relatos dos entrevistados expressam uma relação dialética e ambivalente pautada por sentimentos de identificação com a função, orgulho pelo fazer e realização profissional (vivências de prazer) e sentimentos de medo, insegurança, constrangimento e injustiça (vivências de sofrimento), confirmando a literatura a este respeito (DEJOURS, 1994). Para equilibrar as vivências de prazer e sofrimento os gerentes recorrem as seguintes estratégias: realizar atividades físicas, recorrer a tratamento psicoterápico, ouvir música, separar os problemas pessoais dos profissionais, descansar aos finais de semana, raciocinar com paciência para resolver a situação e dar continuidade às atividades (ressonância simbólica) e, finalmente, aprender com situações difíceis e com os próprios erros para fins de adaptação ao trabalho (sublimação). O depoimento de um gerente ilustra a importância que o mecanismo de defesa tem para equilíbrio físico e mental de uma pessoa, como também para sugerir o lugar que o trabalho deve ocupar na vida profissional: Eu acho que a maior estratégia é nunca perder a visão de que nossa vida é muito mais do que nosso trabalho. Estando ele em seu lugar devido, equilibrado em relação à família, espiritualidade e relacionamentos, fica bem mais fácil encarar as dificuldades. Já presenciei várias situações, minhas e de colegas, em que a perda de perspectiva do lugar do trabalho em relação ao todo da vida foi o fator responsável por dar aos problemas uma dimensão maior do que a real. Eu diria que as ações práticas seriam então derivadas dessa estratégia básica: limitar sua disponibilidade, trabalhar em home office, planejar folgas estratégicas, delegar com eficiência, etc. (GP7)

Ressalta-se que as estratégias adotadas pelos gerentes pesquisados se dão de modo individual. São estratégias que não implicam uma ação sobre a organização ou que levem a uma modificação da forma como trabalho ali é organizado. Estratégias nessa direção, de acordo com Mendes (2007), podem surtir efeito momentâneo, já que estas defesas tendem a se esgotar com o passar do tempo, algo que caracteriza falha no processo de enfrentamento do sofrimento e, consequentemente, intensificação das possibilidades de adoecimento no trabalho (MENDES, 2007). 5. Considerações finais Os profissionais pesquisados entendem que a função de gerência de projetos exige constante aprimoramento e capacitação técnica e científica, diante das inúmeras responsabilidades abarcadas na profissão e da própria natureza do trabalho. Além disso, em geral, os entrevistados consideram que um gerente de projetos é o profissional responsável por coordenar atividades e recursos, visando atingir os objetivos e as metas traçadas pela organização. Eles também concordam que as competências e as habilidades humanas exigidas pela profissão giram em torno da capacidade de resolver problemas, de gerenciar conflitos, de lidar com pessoas e recursos e, de realizar planejamento e gerenciamento do tempo. A função que executam apresenta desafios constantes, os quais estão relacionados ao empenho em coordenar equipes com recursos limitados e em um curto espaço de tempo, bem como a capacidade de filtrar e processar informações que sirvam de base para o desenvolvimento das operações - no caso, a realização e finalização de projetos. Essas percepções coadunam com as âncoras que sobressaíram na pesquisa, ou seja, autonomia e independência em primeira instância, seguida pela competência técnica e funcional. Notou-se que as particularidades que 13

contornam essas âncoras remetem a vivências de prazer e sofrimento no trabalho, corroborando o pressuposto teórico de que os trabalhadores não procuram situações de trabalho sem sofrimento. Na verdade, elas são negadas pelos indivíduos porque eles fazem uso do sofrimento para que descobertas e criações sociais e humanas úteis possam aflorar, enfim, para obter prazer no trabalho. Especificamente, as vivências de prazer destacadas associam-se à identificação com a função, ao orgulho de trabalhar como gerente de projetos e à realização profissional que decorre deste tipo de atividade. Em contrapartida, as vivências de sofrimento incluem o medo e a insegurança relacionados a deficiências de desempenho e de alcance de resultados, como também o convívio com situações constrangedoras e de injustiça resultantes de posturas inadequadas no trabalho. Para lidar com estas situações, os gerentes fazem uso de diferentes estratégias, todas elas de cunho individual, sugerindo que esse mecanismo pode ser um reflexo do medo das pressões organizacionais, da ausência de cooperação, confiança, integração e da disputa que permeiam as equipes de trabalho em seus ambientes organizacionais. Não obstante cuidados terem sido tomados para que o estudo pudesse ser realizado por meio da abordagem qualitativa, limitações são comuns em qualquer investigação, destacando-se aqui que os resultados dizem respeito a apenas quatro organizações, e aos gerentes de projetos que ali atuam, devendo-se reiterar que as opiniões colhidas nos depoimentos não podem ser estendidas para as organizações como um todo. Entretanto, os dados colhidos servem como um manancial de informações capaz de permitir que discussões gerenciais sejam patrocinadas na organização pesquisada, fundamentalmente no que se refere a como o trabalho do gerente está organizado em termos dos elementos de sofrimento destacados pela pesquisa. Sugere-se, para estudos futuros, que pesquisas equivalentes a esta sejam ampliadas com o exame das atividades dos gerentes de projetos, uma vez que esse tipo de função parece contornado por características propensas ao risco de adoecimento no trabalho. Referências ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2002. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis: Vozes, 2006. DAVEL, E.; MELO, M. C. O. L. (Orgs.) Gerência em ação: singularidades e dilemas do trabalho gerencial. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005. DEJOURS, C. A loucura do trabalho. São Paulo: Cortês, 1992. DEJOURS, C. Psicodinâmica do trabalho. Contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 1994. DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 2001. DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, v. 14, n. 3, p. 27-34, set./dez. 2004. 14

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