GESTÃO COMUNITÁRIA DE SERVIÇOS DE SANEAMENTO AMBIENTAL: UM ESTUDO EM GAMELEIRA-JAGUARARI-BAHIA-BRASIL, 2005

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GESTÃO COMUNITÁRIA DE SERVIÇOS DE SANEAMENTO AMBIENTAL: UM ESTUDO EM GAMELEIRA-JAGUARARI-BAHIABRASIL, 2005 Aline Linhares Loureiro(1) Engenheira Sanitarista e Ambiental (EP/UFBA); Mestranda em Engenharia Ambiental Urbana (EP/UFBA). Patrícia Campos Borja Engenheira Sanitarista (EP/UFBA); Mestre em Urbanismo (FA/UFBA). Doutora em Urbanismo (FA/UFBA); Pesquisadora e Professora Substituta do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal da Bahia. Maria Teresa Chenaud Sá de Oliveira Engenheira Civil (EP/UFBA) e Mestre em Engenharia Ambiental Urbana (EP/UFBA). Pertence ao quadro técnico da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.-EMBASA, trabalhando atualmente na Diretoria de Projetos de Infra-Estrutura Pública da Secretaria da Cultura e Turismo do Estado da Bahia, dentro da Unidade Executora Estadual do Programa PRODETUR-BA. Luiz Roberto Santos Moraes Engenheiro Civil (EP/UFBA) e Sanitarista (FSP/USP), M.Sc. em Engenharia Sanitária (IHE/Delft University of Technology), Ph.D. em Saúde Ambiental (LSHTM/University of London). Professor Titular em Saneamento do Departamento de Engenharia Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental Urbana da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia. Endereço (1): Rua Monsenhor Basílio Pereira, 04, apto. 201-A - Largo de Roma - Salvador – Bahia – CEP: - Brasil - Tel.: +55-71-33121841 – e-Mail: [email protected]. RESUMO A prestação dos serviços de saneamento no Brasil é feita por diversas formas de gestão. Na Bahia, a EMBASA é responsável pela prestação dos serviços de água e esgoto de mais de três quartos dos municípios do Estado. Na área rural, a atribuição de implantar Sistemas de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário tem sido delegada a Companhia de Engenharia Rural da Bahia (CERB) e a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR). Em face dos problemas operacionais e de manutenção dos sistemas implantados pela CERB, esta Companhia juntamente com o Banco Alemão passaram a implementar programas nessas áreas com vistas a viabilizar “serviços de saneamento autosustentáveis”, no qual a comunidade contemplada seria responsável por administrar os serviços por intermédio de uma associação, no caso a CENTRAL. O presente trabalho tem como objetivo avaliar esse novo modelo de gestão tendo como estudo de caso a localidade de Gameleira-Jaguarari-Bahia. Para tal, foram utilizados dados da pesquisa “Tecnologia de Sistema Condominial de Esgoto: Uma avaliação de sua aplicação em cidades de diferentes portes” realizada pela UFBA e financiada pela FUNASA. A partir dos resultados, verificouse que a população de Gameleira estava satisfeita com as intervenções realizadas; o abastecimento de água, que antes era intermitente, passou a ser regular em 100% das vias; e o esgotamento sanitário, passou a existir em 100% das vias, por rede tipo ramal condominial, encontrando-se em operação em todas as vias. A experiência de Gameleira demonstrou que, embora a participação ativa da população no processo da busca por melhores condições de vida é de fundamental importância, o Poder Público não pode se ausentar de sua responsabilidade em prestar à população um serviço essencial à saúde pública como de saneamento. No bojo das propostas de revisão do papel do Estado nas políticas sociais, diversas ações vêm sendo desenvolvidas com vistas a alterar a matriz

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pública da prestação dos serviços de saneamento no Brasil. Na recente história do País, notadamente no governo de FHC, a orientação de agentes financiadores internacionais, de entregar a iniciativa privada o controle dos serviços de saneamento nos centros urbanos, foi fielmente perseguida. Nesses centros, a garantia do retorno financeiro e da lucratividade colocou como opção para a prestação dos serviços a atuação de empresas privadas. No entanto, nas áreas rurais o modelo proposto é que a prestação se fique a cargo da própria população, uma vez que, via de regra, os sistemas são deficitários, não despertando interesse do setor privado. Embora a prestação dos serviços via empresa privada não tenha prosperado na Bahia o segundo modelo vem sendo praticado, embora ainda não se tenha garantias da sua eficácia e efetividade. PALAVRAS-CHAVE: Saneamento Ambiental, Gestão Comunitária, Avaliação, Meio Rural 1. INTRODUÇÃO O Brasil conta com uma população de 169.799.170 habitantes, sendo que apenas 76% é atendida por rede de abastecimento de água, 40% por rede de esgoto sanitário e 76% tem seu lixo coletado (IBGE, 2000). Ao avaliar os serviços de saneamento percebe-se uma cobertura desigual entre municípios e nos centros urbanos entre centro e periferia. Na zona rural, a situação ainda é mais grave devido à ausência ou precariedade dos serviços . Segundo Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada em 2000, os principais tipos de constituições jurídicas prestadoras de serviços de saneamento são as de administração direta do Poder Público, autarquias, empresas com participação majoritária do Poder Público, empresas privadas, entre outros. Conforme Rezende e Heller (2002), em cerca de 67% dos municípios brasileiros os serviços de saneamento são prestados por Companhias Estaduais de Água e Esgoto (CEAE), 32%, pelos próprios municípios/autarquias e, menos de 1%, pelas empresas privadas. Na Bahia, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A (EMBASA) é responsável pela prestação de serviços de abastecimento de água em 355 dos 417 municípios do Estado e de esgotamento sanitário em 44 deles. Na zona rural, atuam dois órgãos estaduais com a finalidade de incentivar o desenvolvimento destas áreas. A Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), vinculada à Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia, criada em 1983, tem como objetivo “coordenar e promover a execução das políticas e programas integrados de desenvolvimento regional, voltados prioritariamente para o atendimento à população de baixa renda da zona rural” (CAR, 2005) e a Companhia de Engenharia Rural da Bahia (CERB) que tem como finalidade executar programas, projetos e ações de aproveitamento dos recursos hídricos e, também, atividades relativas à implantação na área de energia (SAEB, 2005). Para a ampliação dos serviços de saneamento nas áreas rurais foram firmados convênios entre o Banco Alemão-KfW e o Governo do Estado da Bahia (GEB) com a finalidade de financiar programas para implantação de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Após a execução das obras a CERB repassava a operação e manutenção dos sistemas para a EMBASA, Prefeitura ou a própria comunidade, a depender das características dos sistemas. No entanto, tal estratégia de implementação desses sistemas não se mostrou efetiva e eficaz ao longo do tempo. Uma série de problemas operacionais, de manutenção e de expansão dos sistemas passou a ser identificado. A CERB, como executora dos sistemas, continuou a ter responsabilidade pelos sistemas implantados, o que determinou diversas dificuldades relacionadas não apenas pela distância, mas, pelo grande número de sistemas, pela dispersão das localidades e pela dificuldade de acesso, implicando em alto custo de manutenção e demora na correção dos problemas. Em face desses problemas, recentemente, o GEB e o Banco Alemão optaram em testar um novo modelo para a gestão dos sistemas implantados. A solução adotada foi a auto-sustentabilidade, a partir da gestão comunitária. Ou seja, a própria comunidade é capacitada para gerir os sistemas, por

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intermédio de uma Organização Não Governamental (ONG), no caso a CENTRAL, que é formada por associações comunitárias (BAHIA, 200?). O presente trabalho tem como objetivo analisar a gestão comunitária dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, tendo como estudo de caso a localidade de Gameleira, distrito do município de Jaguarari, estado da Bahia. Para a realização do trabalho foram utilizados dados gerados pela pesquisa intitulada “Tecnologia de Sistema Condominial de Esgoto: Uma avaliação de sua aplicação em cidades de diferentes portes” realizada pelo Departamento de Engenharia Ambiental (DEA) da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e financiada pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) por meio do Convênio n.530, firmado com a Fundação Escola Politécnica da Bahia (FEP). 2. GESTÃO COMUNITÁRIA 2.1 DISCUTINDO CONCEITOS Antes de adentrar no tema em questão, cabe uma rápida explanação do que vem a ser o significado da palavra “gestão”. Segundo Ferreira (1975), gestão significa o ato de administrar e administrar, por sua vez, significa planejar, coordenar, controlar, organizar, comandar. Motta (2003), ao refletir sobre administração e participação no âmbito da educação, expõe que em uma auto-gestão não se trata apenas de participar do poder, mas ter o poder, sendo assim, entendido como um sistema em que a coletividade se auto-administra. A idéia central do que vem a ser auto-gestão reporta-se aos ideais do “anarquismo". Etimologicamente, segundo Costa (2004, p.12), anarquismo “quer dizer sem governo, sem autoridade, sem superiores”, onde cada comunidade, cada indivíduo, determina como deve viver. Na Figura 1, apresentada por Queiroz (1992 apud Oliveira, 2004), pode-se verificar que a instância mínima de participação da sociedade no Estado é o da informação/reação e a máxima, compreenderia a “autogestão”, no qual o governo é a própria sociedade, a qual defini seus objetivos, metas, estratégias, sem interferência de uma autoridade externa. É bem verdade que o modelo de gestão comunitária não se trata de uma gestão “sem” governo, mas uma gestão em que quem administra, nesse caso, os serviços de saneamento 1, é a própria população por intermédio de uma organização de associações. Bahia (200?) sugere a denominação de “sistemas auto-sustentáveis”, cuja filosofia básica é o estímulo à participação das comunidades.

Fonte: QUEIROZ, 1992 apud OLIVEIRA, 2004.

Figura 1: Relação Sociedade - Estado 1 Apesar de saneamento ter um conceito muito mais amplo, neste trabalho é considerado como sendo apenas os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

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Em seu estudo sobre a participação política, Teixeira (2000) aponta que para entender a participação como um processo é necessário visualizar a interação entre os diversos atores, que segundo o autor são: o Estado, outras instituições políticas e a sociedade como um todo. Chirinos (1991 apud TEIXEIRA, 2000) define seis tipos de participação política: a eleitoral, a dos movimentos sociais, a de ação comunitária, a manipulada por governos, a de controle de recursos e a das estruturas governamentais de decisão. É notório que quando a população participa do processo de desenvolvimento do meio em que vive, a tendência é melhorar cada vez mais, tanto em qualidade quanto em oportunidades, uma vez que a interação propicia uma abertura para exposição de dificuldades, necessidades e, principalmente, estimula o controle e fiscalização efetiva. A participação da sociedade no controle social das ações do Estado vem sendo defendida pela sociedade civil organizada, como forma de promover e garantir ações de maior interesse da maioria da população. Por outro lado, esse controle também vem sendo estimulado por organismos internacionais multilaterais e bilaterias de cooperação. Segundo Medina (1997), esses organismos impulsionaram, na década de 60, programas que incentivavam o desenvolvimento comunitário, contribuindo para a formação de uma “cultura participacionista”. Atualmente, a participação tem se constituído em uma exigência dessas instituições internacionais para o financiamento de projetos em países ditos em desenvolvimento ou sub-desenvolvidos. Segundo Borja (2003), a questão de sistemas de saneamento sustentáveis é uma temática recente no setor saneamento no Brasil. Existem poucos estudos que tratam dessa temática, sendo que os existentes abordam a sustentabilidade na perspectiva da auto-sustentação financeira dos sistemas, como na época do PLANASA, e das garantias técnicas, operacionais e econômicas para o seu funcionamento contínuo. A discussão teórica de fundo sobre essa questão diz respeito ao papel do Estado nas políticas públicas. Para Lima (1997), atualmente, existem três posições básicas que dizem respeito às

responsabilidades, estratégias e métodos para se atingir a sustentabilidade do desenvolvimento:

a. “uma visão estatista que considera a qualidade ambiental um bem público que deve ser normatizada, regulada e promovida pelo Estado, com complementaridade das demais esferas sócias, em plano secundário (o mercado e a sociedade civil);

b. uma visão comunitária que considera que as organizações da sociedade civil devem ter o papel predominante na transição rumo a uma sociedade sustentável. Fundamenta-se na idéia de que não há desenvolvimento sustentável sem democracia e participação social e que a via comunitária é a única que torna isto possível; c. uma visão de mercado que afirma que os mecanismos de mercado e as relações entre produtores e consumidores são os meios mais eficientes para conduzir e regular a sustentabilidade do desenvolvimento” (LIMA, 1997 citando VIOLA e LEIS, 1995). Por essa afirmação de Lima (1997) fica mais fácil perceber que as propostas de gestão do setor de saneamento, recentemente colocada no bojo da reforma do papel do Estado Brasileiro no campo das políticas públicas e sociais, gravitam entorno dessas três visões a depender do público alvo do serviço a ser prestado e das pressões da sociedade. 2.2 POLÍTICA DOS AGENTES FINANCEIROS A origem das instituições financeiras internacionais (IFI), segundo Borja (2004), se deu com o objetivo de financiar projetos de reconstrução dos países destruídos na 2ª Guerra Mundial, salvaguardando o mundo de crises econômicas e apoiando o crescimento das economias

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capitalistas. A partir daí, foram criados várias outras organizações internacionais com diversos objetivos. As IFI têm assumido um papel estratégico para a manutenção da “ordem” capitalista mundial, ao definir políticas e apoios financeiros para resguardar e consolidar as relações internacionais. Os organismos internacionais têm um papel de regular as relações econômicas e políticas, definindo estratégias e princípios institucionais para garantir o controle de decisões inter e intranacionais. As nações são levadas a aderir às regras para ter acesso aos benefícios prometidos (FONSECA, 1998). O receituário desses organismos para governos latino-americanos tem sido a reforma do Estado. Os denominadores comuns das reformas envolvem: reformas administrativas, fortalecimento das administrações locais e o chamado para que a sociedade assuma, “participativamente”, o papel do Estado por meio de programas como Comunidade Solidária, segurança comunitária etc. (MEDINA, 1997). Para estimular a participação da iniciativa privada em questões de ordem pública e coletiva, tradicionalmente desempenhadas pelos Poder Público, essas instituições passam a financiar, diretamente, a iniciativa privada e a ONG. Para a política social, a fórmula é a focalização das ações. Assim, “nem consumo coletivo, nem direitos sociais, apenas assistência focalizada para aqueles com menor capacidade de pressão” (BERHING, 2002, p. 187). Borja (2004; 2005), ao estudar o papel das IFI nas políticas públicas brasileiras, identificou uma forte influência dessas instituições na concepção e implementação das políticas de saneamento no Brasil e, por outro lado, a perfeita sintonia do governo brasileiro com essas instituições. Recentemente, essas instituições participaram ativamente na concepção e implementação do PLANASA; no seu desmonte na década de 80; e, na década de 90, no bojo do projeto neoliberal de reforma do papel do Estado, apresentaram a alternativa da privatização. Assim, as IFI têm sido importantes protagonistas na disseminação e consolidação do receituário neoliberal de ajuste estrutural e de políticas públicas, visando garantir a supremacia do mercado e a acumulação de capital. As IFI vêm sendo vistas como o núcleo duro da formulação de políticas neoliberais voltadas para o ajuste econômico da periferia capitalista. Para fins deste trabalho, cujo estudo de caso está direcionado à localidade de Gameleira, distrito de Jaguarari-Bahia, será dada ênfase à atuação do Banco Alemão-KfW, uma vez que, nesta localidade os serviços de saneamento, geridos por uma associação, foram financiados por tal instituição financeira internacional. No Brasil, segundo Borja (2004), no período de 1990 a 2002, projetos financiado pelo KfW atingiram a soma de US$ 42.645.000,00, correspondendo a 0,13% do total de recursos envolvidos com financiamentos externos no Brasil. O Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW), órgão de execução da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento (CD), segundo Consulado (2005), financia programas de reforma macroeconômica ou setorial em países em desenvolvimento, por meio de instrumentos de cooperação. A maioria dos projetos é direcionada aos setores de saneamento e de fornecimento de energia elétrica. A CD promove projetos de cooperação financeira, no qual fomenta investimentos por meio de créditos de longo prazo, com taxas de juros favoráveis e a fundo perdido monetário. Propicia ainda serviços de assessoria para esses projetos; cooperação técnica; capacitação e aperfeiçoamento técnico e profissional, além de outros instrumentos de cooperação, tais como de incentivo ao diálogo técnico e político a nível internacional etc. Busca atuar em projetos de preservação do meio ambiente e dos recursos naturais e no desenvolvimento local e regional de áreas desfavorecidas (CONSULADO, 2005).

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No Brasil, conforme site do Consulado Geral da República Federal da Alemanha, estão sendo realizados e planejados cerca de 38 projetos de cooperação financeira, desses, 15 voltados para a região Nordeste com um volume de, aproximadamente, 125 milhões de Euros. Segundo o Governo Alemão, sua atuação se dá por meio de uma sociedade mista – denominada Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (SCTS) – juntamente com um grupo de organizações não governamentais (ONG), que atua na Amazônia e na Região Nordeste, comprometidos com o desenvolvimento local; elaboração de políticas públicas; incentivo a agricultura familiar e convivência com o semi-árido; e na organização econômica. No Nordeste o SCTS atua nas áreas metropolitanas do Recife e Fortaleza, na Zona da Mata Sul de Pernambuco e no Semi-árido da Bahia, Pernambuco e Ceará. Dentre os diversos projetos financiados pelo banco alemão KfW no campo do saneamento, na Bahia foi realizado o Programa de Saneamento Básico Oeste da Bahia I, tendo continuidade com o Programa de Saneamento Básico Bahia II (Programa Bahia II). Esses programas tiveram como finalidade a melhoria do abastecimento de água potável, bem como da disposição de excretas humanos/esgotos sanitários em áreas rurais. Conforme o Consulado (2005) há também um apoio por parte da Cooperação Financeira à Entidade Executora “na definição da concepção e execução de ações no setor de educação de higiene e na formação de grupos locais de usuários”. Assim, segundo a filosofia o KfW foram criadas duas associações regionais (CENTRAL I e II) que, por meio da cobrança das tarifas, mantêm e operam os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário das localidades contempladas.

3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO COMINITÁRIA 3.1. MOÇAMBIQUE A experiência de auto-gestão de serviços de saneamento não acontece apenas do Brasil. Verificase a indicação, em Moçambique, no Plano Qüinqüenal (2000-2004) de governo do Presidente Armando Guebuza, a promoção da auto-gestão dos pequenos sistemas de água por parte das comunidades beneficiadas (MOÇAMBIQUE, 2005). 3.2 COLOMBIA Na Colombia, em 1998, o documento “Marco Conceptual para la Prestacion de Servicios Sostenibles de Agua y Saneamiento en Localidades Menores a 12.500 Habitantes”, registra o ideario das IFI na concepção das políticas de saneamento no País. O documento apresenta uma proposta onde o marco de referência do desenvolvimento é o desenvolvimento “centrado en la gente”, na “la potenciación de las capacidades creadoras de los seres humanos empeñados em transformar sus condiones de existencia” (COLOMBIA, 1998, p. 14). O homem, o indivíduo, seria, então, central para a promoção da sustentabilidade. Para os autores, el hombre tiene que crear em si mismo por sus propias acciones. El hombre se desarolla por lo que hace, se desarrolla al tomar sus propias decisiones y al aumnetar su comprensión de lo que hace e de por qué lo hace; al aumentar su propio conocimiento e habilidade, e mediante su participación plena – como uno entre iguais – en la vida de la comundade a la que pertence. Nesta perspectiva, a noção do espaço público, do coletivo e até do próprio Estado se esvai. Os indivíduos seriam os responsáveis pela sua condição de existência. Se por um lado esta noção não incorpora a complexidade social, econômica e cultural da contemporaneidade, por outro está em consonância com as propostas disseminadas por organismos internacionais no trato de questões sociais dos países do terceiro mundo.

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3.2. CEARÁ No Estado do Ceará, em 1990, mediante acordo de cooperação financeira entre o Governo do Estado e o KfW, foi iniciado o Programa de Saneamento Básico Rural com a finalidade de construir sistemas de água e esgotamento sanitário em pequenas comunidade no interior do Estado (IBAM, 2005). O Sistema Integrado de Saneamento Rural (SISAR), segundo IBAM (2005, p.1), envolve “uma federação de associações comunitárias que têm a responsabilidade de administrar os serviços, garantir o acesso da população e a sustentabilidade financeira dos mesmos”. É composto por 35 comunidades associadas situadas em 20 municípios beneficiados. De acordo com IBAM (2005, p.1), “a representação comunitária permite o intercâmbio de experiências e o fortalecimento das comunidades nas atividades inerentes à coordenação, à administração, à manutenção e ao acompanhamento dos sistemas implantados”. É o SISAR que define a estrutura tarifária e esta é diferenciada em função dos estágios de implantação do sistema. Atualmente, nos locais onde os sistemas já estão prontos, a tarifa cobrada é de R$2,50 para ligações residenciais e R$4,00 para industrial e comercial (IBAM, 2005). 3.3. CAPANEMA Na área rural do município de Capanema, no estado do Paraná, foi implementado o Programa Água Boa (PAB), que teve como objetivo, segundo a SEDU (2004), “possibilitar a toda população rural o acesso à água potável, visando à melhoria da qualidade de vida ao nível de pequena comunidade e combate ao êxodo rural, um dos principais problemas enfrentados pela Administração Pública Municipal”. O Programa Água Boa começou a ser executado em 1997 com a perfuração de poços e implantação de micro-sistemas de abastecimento de água. Até março de 2004, cerca de 72% da população rural havia sido contemplada com o Programa. Esses micro-sistemas são geridos pelos próprios usuários a partir de associações de beneficiários, o que possibilitou além da redução no custo final dos serviços, o aumento da eficácia na administração e operação dos sistemas (SEDU, 2004). 3.4. BAHIA O Estado da Bahia tem cerca de 13 milhões de habitantes, sendo que, destes, 4 milhões vivem na zona rural (IBGE, 2000). Conforme Censo Demográfico de 2000, verifica-se que cerca de 24% da população rural do Estado era abastecida por rede geral e 37% por poço ou nascente; quanto à disposição de excretas humanos, aproximadamente, 62% não tinha nenhum tipo de instalação sanitária e 30% utilizavam fossa. Para tentar minimizar o déficit em serviços de saneamento, a Companhia de Engenharia Rural da Bahia (CERB), com recursos do banco alemão KfW, começou em 1992 a implantar sistemas de abastecimento de água e instalar privadas higiênicas na região da Chapada Diamantina. O gerenciamento dos sistemas ficou a cargo das comunidades beneficiadas. Em 1995, viu-se a necessidade da criação de uma organização que tivesse como finalidade coordenar os trabalhos de manutenção desses sistemas e que garantisse a continuidade dos benefícios, nascendo assim, a Central de Associações Comunitárias para Manutenção de Sistemas de Abastecimento de Água (CENTRAL), com sede em Seabra. Em 1998 foi criada a CENTRAL II, com sede em Jacobina (CENTRAL, 2005). Conforme site da CENTRAL (2005), esta se constitui numa “ONG que coordena os trabalhos de manutenção [preventiva e corretiva] de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário na zona rural do estado da Bahia”. Cerca de 10.000 famílias são beneficiadas com água tratada distribuídas por rede pública e, aproximadamente, 6.000, por solução coletiva de

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esgotamento sanitário, sendo as demais individuais. Cada localidade beneficiada conta com um operador treinado pela CENTRAL, que administra, juntamente com a associação, os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

Figura 2: Área de abrangência da CENTRAL I

Fonte: CENTRAL, 2005.

Fonte: CENTRAL, 2005.

A CENTRAL I (Seabra) abrange 37 localidades em 17 municípios (Figura 2), beneficiando 76 mil pessoas. A CENTRAL II (Jacobina) abrange 45 localidades em 12 municípios (Figura 3), beneficiando 40 mil pessoas. Possui 14 sistemas implantados e 28 associações formadas (CENTRAL, 2005).

Figura 3: Área de abrangência da CENTRAL II

O presente trabalho envolve uma análise da prestação do serviço pela CENTRAL, tendo como estudo de caso a localidade de Gameleira, no município de Jaguarari, no Estado da Bahia. METODOLOGIA No primeiro momento realizou-se uma revisão bibliográfica para contextualizar e conceituar o tema em questão. Para isso, foram feitas consultas a artigos científicos, revistas, livros, anais de congressos e simpósios e sites da internet. Em seguida, foram feitas análises de dados do Levantamento das Condições Sanitárias dos Logradouros da pesquisa realizada pelo DEA/UFBA na localidade de Gameleira, localizada no município de Jaguarari-BA, no ano de 2005. Foi, também, analisado o conteúdo do Grupo Focal realizado com a comunidade da área em estudo e das entrevistas com os operadores do serviço e representante da CENTRAL na área.

1. ÁREAS DE ESTUDO Gameleira, distrito de Jaguarari, situado no semi-árido baiano a 424km de Salvador (Figura 4), conta com uma população de, aproximadamente, 2.048 habitantes. A economia local relaciona-se à atividade rural e a comunidade possui uma boa organização social, sendo marcada por lutas e manifestações pela escassez de água, característica marcante da região do semi-árido do Nordeste Brasileiro.

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Fonte: CERB (2005)

Figura 4: Mapa de localização da comunidade rural de Gameleira. Como pode era visto na Figura 5, a maioria das vias de Gameleira não é pavimentada, apenas na área comercial existe rua pavimentada. A localidade é dotada de um posto médico, duas igrejas, duas escolas, praça e comércio. Possui tipologia habitacional horizontal em alvenaria de bloco com e sem revestimento e de bom padrão construtivo.

Figura 5: Vista da via principal e características habitacionais da área 2. TÉCNICAS DE PESQUISA Para este trabalho foram utilizadas duas técnicas de pesquisa: levantamento de campo e análise do conteúdo do Grupo Focal e das entrevistas realizadas na comunidade. Ambos os resultados das técnicas utilizadas são fruto da pesquisa “Tecnologia de Sistema Condominial de Esgoto: Uma avaliação de sua aplicação em cidades de diferentes portes”, realizada no DEA/UFBA.

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2.1. LEVANTAMENTO DAS CONDIÇÕES SANITÁRIAS DOS LOGRADOUROS – LCSL A técnica utilizada se respalda em experiências anteriores (BORJA, 1997). Segundo a mesma, os pesquisadores, previamente treinados, munidos de mapa da área, do questionário de um trecho de via e de máquina fotográfica, percorrem as vias anotando os dados, registrando imagens e as informações dadas pelos moradores. O conteúdo do questionário envolveu informações sobre abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana, pavimentação, limpeza pública e moradias. A área de estudo foi delimitada em mapa e as vias identificadas. Cada via, intitulada trecho, foi caracterizada como sendo o trecho entre dois cruzamentos de vias. Os trechos longos (+ de 130 metros)2 foram subdivididos para possibilitar uma melhor qualidade da informação. Cada questionário, relacionado a um trecho de via, passou por uma análise de consistência das informações, para posterior digitação no pacote estatístico STATA Versão 7.0 para Windows. Com a conclusão da digitação foi feita a sua revisão para a limpeza do banco de dados. Assim, foram realizadas análises estatísticas descritivas para apresentação neste trabalho. O banco de dados contém cerca de 50 variáveis relacionadas à caracterização dos trechos de via e a situação dos serviços de saneamento.

2.2. GRUPO FOCAL E ENTREVISTAS O grupo focal consiste numa discussão na qual um pequeno número de informantes (6 a 12 pessoas), guiados por um mediador, falam livre e espontaneamente a respeito dos temas considerados importantes para a investigação. Durante a reunião cada participante tem a oportunidade de falar, fazer perguntas e responder aos comentários. Os participantes devem sentir-se à vontade para falar abertamente, e o local da reunião deve ser neutro em relação aos interesses da investigação. Os participantes são escolhidos em qualquer grupo cujas idéias sejam de interesse da pesquisa. A reunião é gravada, embora o observador também tome notas. A reunião tem duração aproximada de 1:00h a 1:30h.

Figura 6 – Reunião do Grupo Focal em Gameleira – Jaguarari-BA, 2005.

Na aplicação da técnica existem alguns papéis que são de elevada importância para que o produto final seja a clara definição dos interesses da comunidade quanto ao tipo de intervenção a ser realizada. O mediador tem como função manter direcionada a reunião através de um roteiro. O roteiro deve incorporar o objetivo do estudo e incluir questionamentos acerca da pesquisa que se está realizando. Também faz parte da dinâmica a presença de uma pessoa com a função de registar a discussão e, eventualmente, intervir no debate. O Grupo Focal de Gameleira (Figura 6) foi convocado pela Associação de Moradores, tendo participado cerca de 18 pessoas, entre pesquisadores do DEA/UFBA, lideranças comunitárias, presidente da Associação de Moradores, representante local da CENTRAL, operadores dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário e moradores. A reunião durou cerca de duas horas, sendo os participantes estimulados pelo coordenador da reunião (pesquisador 2

Excepcionalmente, trabalhou-se com trechos de 200m por considerá-los com características homogêneas.

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do DEA/UFBA) a discutir sobre a operação e manutenção dos sistemas implantados pela CERB. A reunião foi gravada, a fita transcrita e o conteúdo analisado. Foram realizadas entrevistas com os dois operadores dos sistemas implantados e com a Presidente da Associação de Moradores, também representante da CENTRAL. As entrevistas, estruturadas, foram gravadas, transcritas e analisadas.

3. A EXPERIÊNCIA DE GAMELEIRA 3. 1. CAMINHO PERCORRIDO Gameleira foi a última comunidade a ser contemplada pelo Programa Bahia II. Antes do referido Programa, a população sofria com a falta de água e disposição inadequada de excretas humanos havendo, segundo relato dos moradores, um alto índice de infecção por verminoses e de mortalidade infantil. A luta dos moradores dessa comunidade para obter melhores condições de vida, foi incessante, ocorreram diversas manifestações e a população não desanimou até se tornar realidade o que tanto sonhavam (Figura 7). O Programa Bahia II contemplou Gameleira Figura 7 – Mobilização da população de com sistema de abastecimento de água Gameleira pelo direito ao acesso a água. (captação, adução e construção de rede), módulos sanitários e sistema de esgotamento sanitário (ramal condominial de esgoto e estação de tratamento). Segundo informações dos responsáveis pelo gerenciamento do sistema em Gameleira foram dados os seguintes passos durante a implantação dos sistemas:         

Discussão do programa com a comunidade. Trabalho de assistentes sociais na comunidade. Cadastro das famílias. Assembléia para adesão ao programa. Filiação à CENTRAL. Realização de mutirões. Oficinas de educação sanitária e ambiental. Execução de projeto e obra. Acompanhamento da execução da obra por parte da Associação de Moradores e comunidade.  Processo de seleção e treinamento dos operadores.  Fase teste dos sistemas implantados.  Operação dos Sistemas pela Associação de Moradoes/CENTRAL.

3.2 OS SERVIÇOS DE SANEAMENTO DE GAMELEIRA A Associação de Moradores é responsável pelos serviços de operação e manutenção dos sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

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O serviço de limpeza pública é realizado pela Prefeitura Municipal de Jaguarari. Infelizmente, ainda não se tem um local adequado para disposição do lixo gerado pelas localidades do município. O lixo está sendo disposto a céu aberto em local próximo à comunidade de Gameleira. Não existe serviço de “drenagem de águas pluviais”, uma vez que a topografia local permite o escoamento das águas sem provocar problemas. 3.2.1. ABASTECIMENTO DE ÁGUA O abastecimento de água de Gameleira é feito pos um Sistema Integrado que atende a Gameleira, Jacunã, Ponta da Serra e Lagoa da Onça. Em Gameleira, o abastecimento de água é feito por meio de rede pública de água que atende a 100% da população. Existem, ainda, alguns moradores que além da rede fazem uso de cisternas (Figura 8). A captação é feita por meio de poços profundos, sendo que seis foram perfurados pela CERB e dois estão em operação, distando 18km da comunidade. A Estação de Tratamento de Água está localizada entre Jaguarari e Gameleira, em Ponta da Serra (Figura 9). O tratamento é feito pelo Hidrogerox que é um aparelho capaz de fabricar cloro para tratamento de água a partir de sal de cozinha (ESTADAO, 2000).

Figura 8: Cisterna para captação de água de chuva

Figura 9: Estação de Tratamento de Água

O fornecimento de água é feito de forma contínua – 24 horas por dia. As redes de água quando do levantamento de campo encontravam-se em aparente bom estado. 3.2.2 ESGOTAMENTO SANITÁRIO A solução adotada para o esgotamento sanitário de Gameleira foi o sistema condominial de esgoto (SCE). Para garantir a adesão ao sistema a CERB também implantou módulos sanitários nos domicílios que não dispunham de instalações hidráulico-sanitárias. Estima-se que foram implantados cerca de 41,64km de rede de esgotamento sanitário. A Figura 10 mostra que antes da implantação do SCE, em mais de 90% das vias estudadas, os moradores utilizavam fossa como solução para destinação dos seus esgotos. Após a implantação, em 100% das vias os moradores passaram a usar o SCE. Desses, em cerca 21% das vias ainda era utilizado fossa e, em 20%, os moradores lançavam seus excretas a céu aberto e no mato.

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100 90 80

% de vias

70 60 50 40 30 20 10 0 Antes

Fossa

Após

Céu aberto/Mato

SCE

Fonte: Borja e outros (2005)

Figura 10: Percentual de vias por tipo de solução de esgotamento sanitário, antes e após implantação do SCE. Gameleira, 2005. Toda rede de esgoto encontrava-se em operação quando do levantamento de campo. Em cerca de 95% das vias a rede encontrava-se em bom estado de conservação e, em apenas 5% das vias a rede foi classificada como regular pelos pesquisadores. A população estava ciente dos cuidados que deveriam ter com a rede de esgoto. Em 94% das vias, os moradores acharam que a reunião realizada antes da implantação dos sistemas foi satisfatória. Todos os moradores entrevistados estavam satisfeitos com a rede de esgoto e com o serviço de manutenção. A Tabela 1 apresenta o percentual de vias em que houve obstrução na rede nos últimos seis meses, antes da realização da pesquisa. Verifica-se que, em cerca de 83% das vias, nunca houve obstrução na rede e em apenas 17%, ocorreu entre uma a duas vezes.

Tabela 1: Número e percentual de vias em que houve obstrução na rede nos últimos seis meses. 2005. Obstrução na rede n % nunca ocorreu entre 1 a 2 vezes 3 a 5 vezes mais de 6 vezes não observado Total

34 7 0 0 0 41

82,9 17,1 0,0 0,0 0,0 100,0

Percebe-se, conforme Tabela 2, que em 90% da vias nenhum morador lançava água de chuva na rede de esgoto, mostrando que houve incorporação das orientações feitas pelas assistentes sociais quanto ao manejo da rede condominial de esgoto. A analise da Tabela 3 permite verificar que a adesão ao SCE foi ampla – em 68% das vias todos os moradores aderiram à rede. Com a implantação dos sistemas em Gameleira, houve um crescimento demográfico, pessoas que antes moravam fora, devido à falta de água e de esgotamento sanitário, voltaram para a localidade. Assim, em cerca de 20% das vias verificou-se que o motivo da não adesão devia-se à falta de extensão da rede de esgoto.

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Tabela 2: Número e percentual de vias onde havia lançamento de água de chuva na rede. 2005. Lançamento de água de chuva na rede n % todos os moradores 2 4,9 a maioria 0 0,0 metade 1 2,4 a minoria 1 2,4 nenhum 37 90,2 Total 41 100,0

Tabela 3: Adesão ao SCE. Adesão ao SCE n % todos os moradores 28 68,3 a maioria 11 26,8 metade 2 4,9 a minoria 0 0,0 nenhum 0 0,0 Total 41 100,0

Apesar do bom funcionamento da rede de esgoto, foram verificados problemas na operação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Segundo os responsáveis pelo sistema, tais problemas relacionavam-se a erros construtivos. A ETE, constituída de dois tanques sépticos e dois wetlands (Figura 11), estava com um tanque em funcionamento, ou seja, em sobrecarga. Por outro lado, o wetland estava completamente destruído. Assim, os esgotos estavam passando pelos tanques, sendo, posteriormente, drenados in natura para um corpo d’água próximo. Segundo informações da presidente da Associação de Moradores, tanto esta como a CENTRAL vinham realizando gestões junto à CERB para que a situação da ETE fosse resolvida. No entanto, até a época do levantamento, não havia perspectiva para tal solução.

Figura 11: Estação de Tratamento de Esgoto. Gameleira, 2005.

3.2.3. RESÍDUOS SÓLIDOS Apesar desta componente ser de competência da Prefeitura de Jaguarari e não da Associação de Moradores, foi feita uma breve análise do mesmo. A coleta de lixo na localidade era realizada com caçamba, uma vez por semana. Apenas na rua da feira, a coleta era realizada duas vezes na semana. Em cerca de 7% das vias os moradores queimavam o lixo gerado e em 17% destas havia ponto de lixo com volume menor de 12m³.

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3.2.4 GESTÃO DOS SERVIÇOS Conforme dito anteriormente a gestão dos serviços de água e esgoto de Gameleira é de responsabilidade da CENTRAL, em conjunto com a Associação de Moradores. A Prefeitura Municipal não acompanha nem participa da prestação do serviço oferecido à população. A prefeitura não entra em nada. [...] na administração, na nossa rotina diária, não. Agora, não sei nas outras localidades. (Entrevista em Gameleira com a responsável pela Associação dos Moradores em abril/2005).

A manutenção da rede condominial é feita pelos próprios moradores. Cabe, no entanto, a Associação de Moradores, apoiada pela CENTRAL, equacionar problemas mais complexos. Existem dois operadores, treinados pela CENTRAL, que são responsáveis pela operação do sistema de água e esgoto. Os operadores não têm qualquer vínculo empregatício com a CENTRAL. Essa é uma grande limitação desse modelo de gestão, uma vez que pode gerar descontentamento dos trabalhadores, problemas de ordem trabalhista e descontinuidade na prestação dos serviços. Inclusive, logo após o levantamento de campo, em 2005, um dos operados, já treinado pela CENTRAL, se desligou do serviço em face de ter obtido um novo emprego com vínculo empregatício. A tarifa de água cobre as despesas da operação Figura 12: Informação/Comunicação à dos dois sistemas, principalmente gastos com energia elétrica, produtos químicos, peças de comunidade. reposição e o pagamento dos operadores. Não existe tarifa de esgoto. No entanto relato dos moradores evidencia que a CERB e o KfW ainda fazem repasses de recursos para a manutenção dos sistemas, evidenciando que os sistemas ainda não são auto-sustentável do ponto de vista financeiro. Segundo o depoimento da presidente da Associação de Moradores, Tem localidades da CENTRAL que a Prefeitura paga a energia, e ainda com muita dificuldade. No nosso caso não. O recurso da CENTRAL tem algum repasse da CERB, que repassa alguma coisa, para o banco, e do banco aí passa para nossa conta [da CENTRAL], não sei como é isso direito. Outra parte vem das contas de água, no nosso caso é R$ 3,85, a tarifa mínima. Mas, ainda estamos tentando vê se a CENTRAL e a Associação andam com as próprias pernas. Mas ainda há ajuda (Representante da Associação dos Moradores de Gameleira).

Conforme os responsáveis pelo sistema, todo reajuste da tarifa é definido pelos usuários em Assembléia. Assim, a população participa dando opiniões, sugerindo ou criticando. A Figura 12 mostra a prestação de contas feita pela Associação de Moradores demonstrando o quanto é pago em cada item. No entanto, o fato de ter que pagar pela prestação dos serviços de água não foi facilmente aceito pelos moradores, conforme evidencia depoimento da presidente da Associação de Moradores de Gameleira.

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[...] a gente sabia quantos lares a gente tinha, mas a gente não sabia quantos iam pagar. Até foi difícil, primeiramente, que o povo quando pegou o primeiro recibo de água passou oito meses consumindo sem pagar, como no caso da casa de auto-peças. Não pagava nada. Nove meses depois, começaram a pagar. Quando chegou o primeiro recibo, aí vinha lá, um real, para os operadores, mas foi uma revolução. Os comentários eram: “daqui um ano a Gorete tá com um carro!”. Começaram a questionar e outros vieram aqui, os sócios mais ligados à gente. Diziam que “não podia, que não era para colocar na conta R$1,00 para os operadores”.

Segundo, ainda, a presidente da Associação, [...] isso já funcionava em outras localidades e já é o ritmo da CENTRAL. Aí a CENTRAL definiu os valores. Mas desde quando os assistentes sociais trabalhavam e diziam para a comunidade que eles iam assumir, que ia ser assim: o sistema vai ter operador, um, dois, ou três, a depender da necessidade, a depender da demanda. Vocês vão definir os valores, é um trabalho praticamente voluntário; que não tem registro, então vocês vão ter que escolher alguém, que seja sócio ligado à associação, alguém que não entrará com você no Ministério do Trabalho. A CENTRAL, até agora, vem levando isso, assim também com muita preocupação, inclusive por que tem muitas associações por aí que já mudaram de operadores, os operadores foram para justiça. A gente aqui até agora, não tem muito problema, porque eles são muito ligados à gente. Inclusive família conhecida. Mas, isso é motivo de muito atrito com a comunidade, então de não querer demonstrar. Mas é pela segurança da associação e dos próprios associados. Se a gente coloca aí qualquer um, o que vai acontecer, amanhã a gente pode até ter que desembolsar um valor que a gente nem tem, e vai sair de onde? Por outro lado, do ponto de vista burocrático, a associação não pode ter funcionários. E a CENTAL tem isso, a CENTRAL não quer assumir essa responsabilidade, aí é o pepino. A CENTRAL não quer assumir essa responsabilidade com o operador e fica para a associação.

Esse modelo de gestão merece uma maior reflexão, pois exime a Prefeitura, titular da prestação dos serviços, de sua responsabilidade constitucional na prestação dos serviços de saneamento á população, podendo influir na continuidade e qualidade da prestação dos serviços para a comunidade de Gameleira. Inclusive, também durante o período da pesquisa de campo, a equipe de pesquisadores observou que havia problemas na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) e que, a Associação de Moradores e a CENTRAL estavam tendo dificuldades de enfrentá-los. Os depoimentos a seguir evidenciam esses fatos. E as pessoas que moram mais próximas, estão reclamando de mau cheiro (depoimento sobre ETE). Foi erro de projeto foi erro de “gata”. A Empreiteira colocou uma “gata” aí, foi isso. Até hoje não tivemos um problema na rede. Já que a Prefeitura tem se ausentado quanto ao problema da ETE, foi sugerido à comunidade procurar a OAB para entrar com uma Representação no Ministério Público por conta da má execução na construção da estação (Entrevista em Gameleira com a responsável pela Associação dos Moradores em abril/2005).

O modelo de gestão, via ONG, guarda algumas questões que merecem uma maior reflexão. Uma delas diz respeito ao afastamento do Poder Público de sua atribuição constitucional de prestar esses serviços à população. Como conseqüência, diversas outras questões surgem como, o sobretrabalho da população envolvida em questões administrativas da gestão; problemas trabalhistas gerados pela “contratação” de operadores; a falta de capacidade de investimentos para a

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ampliação dos sistemas; a pouca capacidade de resolução de problemas mais complexos, como no caso a garantia da qualidade da obra da ETE e, sua operação. Assim, estudos mais aprofundados sobre a sustentabilidade deste modelo devem ser promovidos. 4. CONCLUSÃO Conclui-se que: •





Após a implementação do Programa Bahia II, a comunidade de Gameleira, que sofria com a falta de água e com a disposição inadequada dos esgotos, tem hoje água tratada 24 horas por dia e rede coletora de esgoto. No entanto, a comunidade não tem tido condições de enfrentar problemas mais complexos, os desafios da expansão do serviço e os problemas trabalhistas que têm sido gerados por falta de vínculos empregatício dos operadores. A experiência de Gameleira demonstrou que, embora a participação ativa da população no processo da busca por melhores condições de vida é de fundamental importância, o Poder Público não pode se ausentar de sua responsabilidade em prestar à população um serviço essencial à saúde pública como de saneamento. No bojo das propostas de revisão do papel do Estado nas políticas sociais, diversas ações vêm sendo desenvolvidas com vistas a alterar a matriz pública da prestação dos serviços de saneamento no Brasil. Na recente história do País, notadamente no governo de FHC, a orientação de agentes financiadores internacionais, de entregar a iniciativa privada o controle dos serviços de saneamento nos centros urbanos, foi fielmente perseguida. Nesses centros, a garantia do retorno financeiro e da lucratividade colocou como opção para a prestação dos serviços a atuação de empresas privadas. No entanto, nas áreas rurais o modelo proposto é que a prestação se fique a cargo da própria população, uma vez que, via de regra, os sistemas são deficitários, não despertando interesse do setor privado. Embora a prestação dos serviços via empresa privada não tenha prosperado na Bahia o segundo modelo vem sendo praticado, embora ainda não se tenha garantias da sua eficácia e efetividade.

AGRADECIMENTOS Agradecemos à Fundação Nacional de Saúde – FUNASA e à Fundação Escola Politécnica da Bahia – FEP e aos representantes da Associação de Moradores de Gameleira e seus moradores em geral.

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